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Direito ·
Direitos Humanos
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Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n 961098 e punido pelo artigo 184 do Código Penal ISBN 9788553616626 Ramos André de Carvalho Curso de Direitos Humanos André de Carvalho Ramos 7 ed São Paulo Saraiva Educação 2020 1040 p Bibliografia 1 Direitos humanos Brasil 2 Direitos humanos Direito internacional I Título 200099 CDD 340 Índices para catálogo sistemático 1 Direitos humanos e direito internacional 3413471211 Direção executiva Flávia Alves Bravin Direção editorial Renata Pascual Müller Gerência editorial Roberto Navarro Gerência de produção e planejamento Ana Paula Santos Matos Gerência de projetos e serviços editoriais Fernando Penteado Consultoria acadêmica Murilo Angeli Dias dos Santos Planejamento Clarissa Boraschi Maria coord Novos projetos Melissa Rodriguez Arnal da Silva Leite Edição Aline Darcy Flôr de Souza Produção editorial Luciana Cordeiro Shirakawa Rosana Peroni Fazolari Arte e digital Mônica Landi coord Amanda Mota Loyola Camilla Felix Cianelli Chaves Claudirene de Moura Santos Silva Deborah Mattos Fernanda Matajs Guilherme H M Salvador Tiago Dela Rosa Verônica Pivisan Reis Planejamento e processos Clarissa Boraschi Maria coord Juliana Bojczuk Fermino Kelli Priscila Pinto Marília Cordeiro Fernando Penteado Mônica Gonçalves Dias Tatiana dos Santos Romão Projetos e serviços editoriais Juliana Bojczuk Fermino Kelli Priscila Pinto Marília Cordeiro Mônica Gonçalves Dias Tatiana dos Santos Romão Diagramação Livro Físico Fabricando Ideias Design Editorial Revisão Lígia Alves Capa Tiago Dela Rosa Livro digital Epub Produção do epub Guilherme Henrique Martins Salvador Data de fechamento da edição 22102019 Dúvidas Acesse sacsetssomoseducacaocombr SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DA 7ª EDIÇÃO PARTE I ASPECTOS BÁSICOS DOS DIREITOS HUMANOS I Direitos humanos conceito estrutura e sociedade inclusiva 1 Conceito e estrutura dos direitos humanos 2 Conteúdo e cumprimento dos direitos humanos rumo a uma sociedade inclusiva II Os direitos humanos na história 1 Direitos humanos faz sentido o estudo das fases precursoras 2 A fase préEstado Constitucional 21 A Antiguidade Oriental e o esboço da construção de direitos 22 A visão grega e a democracia ateniense 23 A República Romana 24 O Antigo e o Novo Testamento e as influências do cristianismo e da idade média 25 Resumo da ideia dos direitos humanos na Antiguidade a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos 3 A crise da Idade Média início da Idade Moderna e os primeiros diplomas de direitos humanos 4 O debate das ideias Hobbes Grócio Locke Rousseau e os iluministas 5 A fase do constitucionalismo liberal e das declarações de direitos 6 A fase do socialismo e do constitucionalismo social 7 A internacionalização dos direitos humanos III Terminologia Fundamento e Classificação 1 Terminologia os direitos humanos e os direitos fundamentais 2 Classificação dos direitos humanos 21 A teoria do status e suas repercussões 22 A teoria das gerações ou dimensões a inexauribilidade dos direitos humanos 23 A classificação pelas funções 24 A classificação pela finalidade os direitos e as garantias 25 A classificação adotada na Constituição de 1988 251 Direitos individuais 252 Direitos sociais 253 Direito à nacionalidade 254 Direitos políticos e os partidos 255 Direitos coletivos difusos e os direitos individuais de expressão coletiva 256 Os deveres individuais e coletivos 26 A classificação pela forma de reconhecimento 27 Mínimo existencial e a reserva do possível 3 Dignidade humana 31 Conceito de dignidade humana e seus elementos 32 Usos possíveis da dignidade humana 4 Os fundamentos dos direitos humanos 41 O fundamento jusnaturalista 411 O jusnaturalismo de origem religiosa e o de origem racional 412 O jusnaturalismo de direitos humanos no direito internacional e no STF 42 O positivismo nacionalista 43 As teorias utilitaristas socialistas e comunistas do século XIX e a crítica aos direitos humanos 431 O utilitarismo clássico Bentham e Stuart Mill 432 O socialismo e o comunismo 44 A reconstrução dos direitos humanos no século XX a dignidade humana e a abertura aos princípios jurídicos 5 As especificidades dos direitos humanos 51 A centralidade dos direitos humanos 52 Universalidade inerência e transnacionalidade 53 Indivisibilidade interdependência e unidade 54 A abertura dos direitos humanos não exaustividade e fundamentalidade 55 Imprescritibilidade inalienabilidade indisponibilidade 56 Proibição do retrocesso 57 A justiciabilidade dos direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCAs 6 A interpretação 61 A interpretação conforme os direitos humanos 62 A interpretação dos direitos humanos aspectos gerais 63 A máxima efetividade a interpretação pro homine e o princípio da primazia da norma mais favorável ao indivíduo 7 A resolução dos conflitos entre direitos humanos 71 Aspectos gerais a delimitação dos direitos humanos 72 Teoria interna 73 Teoria externa 74 O princípio da proporcionalidade 741 Conceito e situações típicas de invocação na temática dos direitos humanos 742 Fundamento 743 Elementos da proporcionalidade 744 A proibição da proteção insuficiente o sentido positivo da proporcionalidade 745 A regra de colisão previamente disposta na Constituição e a ponderação de 2º grau 746 Proporcionalidade e razoabilidade 747 Inconstitucionalidade e proporcionalidade 8 A proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos e a garantia dupla 9 Espécies de restrições dos direitos humanos 91 As restrições legais a reserva legal simples e a reserva legal qualificada 92 Os direitos sem reserva expressa a reserva legal subsidiária e a reserva geral de ponderação 93 As limitações dos direitos humanos pelas relações especiais de sujeição Parte II Aspectos principais dos tratados de direitos humanos de direito internacional humanitário e do direito internacional dos refugiados I Os três eixos da proteção internacional de direitos humanos II O sistema universal ONU 1 A Carta Internacional dos Direitos Humanos 2 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 21 Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 22 Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 3 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC 31 Protocolo Facultativo ao PIDESC 4 Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura 5 Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio 6 Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade 7 Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados 8 Declaração de Nova York sobre Refugiados e Migrantes 9 Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas 1954 10 Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia 1961 11 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 12 Convenção Internacional sobre a supressão e punição do crime de apartheid 13 Convenção Internacional contra o apartheid nos esportes 14 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CEDAW e respectivo Protocolo Facultativo 15 Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes e Protocolo Opcional 16 Protocolo de Istambul 17 Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos Regras Nelson Mandela 18 Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras Regras de Bangkok 19 Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado 20 Convenção sobre os Direitos da Criança 201 O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados 202 Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil 203 PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS CRIANÇAS RELATIVO AOS PROCEDIMENTOS DE COMUNICAÇÃO 21 Declaração e Programa de Ação de Viena 1993 22 Protocolo de Prevenção Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas especialmente Mulheres e Crianças complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional 23 Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo 24 Tratado de Marraqueche sobre acesso facilitado a obras publicadas 25 Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias 26 Princípios de Yogyakarta sobre orientação sexual Mais 10 27 Convenção n 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais 28 Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas 29 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais 30 Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos 31 Convenção Quadro de Controle do Tabaco CQCT III O sistema regional americano 1 A Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem aspectos gerais do sistema 2 Atuação específica da Organização dos Estados Americanos OEA 21 A OEA e a valorização da Defensoria Pública 22 os relatórios anuais e relatoria para a liberdade de expressão 3 Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica 4 Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos sociais e culturais Protocolo de San Salvador 5 Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte 6 Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura 7 Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher Convenção de Belém do Pará 8 Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência 9 Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado 10 Carta Democrática Interamericana 11 Carta Social das Américas 12 Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas 13 Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância 14 Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância 15 Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas 16 Acordo Regional sobre Acesso à Informação Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe Acordo de Escazú IV O sistema do Mercado Comum do Sul Mercosul 1 Aspectos gerais do Mercosul e a defesa da democracia e dos direitos humanos 2 Os protocolos de Ushuaia I e II 3 Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul V Mecanismos internacionais de proteção e monitoramento dos direitos humanos competência composição e funcionamento250 1 Aspectos gerais do sistema global ONU 2 Conselho de Direitos Humanos 21 Relatores especiais 22 Revisão Periódica Universal 3 Comitê de Direitos Humanos 4 Conselho Econômico e Social e Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 5 Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial 6 Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher 7 Comitê contra a Tortura 8 Comitê para os Direitos da Criança 9 Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 10 Comitê contra Desaparecimentos Forçados 11 Resumo da atividade de monitoramento internacional pelos Comitês treaty bodies 12 Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos 13 Comissão Interamericana de Direitos Humanos Comissão IDH 131 Aspectos gerais 132 A Comissão IDH e o trâmite das petições individuais 1321 Provocação e condições de admissibilidade 1322 A conciliação perante a Comissão 1323 As medidas cautelares da Comissão 1324 O Primeiro Informe e possível ação perante a Corte IDH 1325 O Segundo Informe 133 Corte Interamericana de Direitos Humanos 1331 Composição e o juiz ad hoc 1332 Funcionamento 1333 Legitimidade ativa e passiva nos processos contenciosos 1334 O EPAP ESAP e o defensor público interamericano 1335 Contestação exceções preliminares e provas 1336 Os amici curiae 1337 As medidas provisórias 1338 Desistência reconhecimento e solução amistosa 1339 A sentença da Corte as obrigações de dar fazer e não fazer 13310 O recurso cabível 13311 Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos casos contenciosos 13312 A jurisdição consultiva da Corte IDH 14 Entes e procedimentos da proteção da democracia no Mercosul VI O Tribunal Penal Internacional e os direitos humanos 1 Os Tribunais precursores de Nuremberg a Ruanda 2 O Estatuto de Roma 3 A fixação da jurisdição do TPI 4 O princípio da complementaridade e o regime jurídico imprescritível e sem imunidades 5 Os crimes de jus cogens 51 Genocídio 52 Crimes contra a humanidade 53 Crimes de guerra 54 Crime de agressão 6 O trâmite 7 Penas e ordens de prisão processual 8 O TPI e o Brasil PARTE III O BRASIL E OS DIREITOS HUMANOS 1 Da Constituição de 1824 ao Congresso Nacional Constituinte 19851987 2 A Constituição de 1988 fundamentos objetivos e a internacionalização dos direitos humanos 21 Os fundamentos e objetivos da República 22 A expansão dos direitos humanos e sua internacionalização na Constituição de 1988 23 A supremacia da Constituição e os direitos humanos 24 Cláusulas pétreas 3 Os tratados de direitos humanos formação incorporação e hierarquia normativa no Brasil 31 As normas constitucionais sobre a formação e incorporação de tratados 311 Terminologia e a prática constitucional brasileira 312 A teoria da junção de vontades 313 As quatro fases da formação da vontade à incorporação 314 A hierarquia normativa ordinária ou comum dos tratados 32 Processo legislativo aplicação e hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos em face do art 5º e seus parágrafos da CF88 321 Aspectos gerais 322 A situação antes da Emenda Constitucional n 452004 os 1º e 2º do art 5º 33 A hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos e a Emenda Constitucional n 452004 331 Aspectos gerais 332 As diferentes visões doutrinárias sobre o impacto do rito especial do art 5º 3º na hierarquia dos tratados de direitos humanos 34 A teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos natureza constitucional os aprovados pelo rito do art 5º 3º e natureza supralegal todos os demais 35 O impacto do art 5º 3º no processo de formação e incorporação dos tratados de direitos humanos 351 O rito especial do art 5º 3º é facultativo os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum depois da EC 452004 352 O rito especial pode ser requerido pelo Presidente ou pelo Congresso 353 O decreto de promulgação continua a ser exigido no rito especial 4 A denúncia de tratado internacional de direitos humanos em face do direito brasileiro 5 A aplicabilidade imediata das normas contidas em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil 6 O bloco de constitucionalidade 61 O bloco de constitucionalidade amplo 62 O bloco de constitucionalidade restrito 7 O controle de convencionalidade e suas espécies o controle de matriz internacional e o controle de matriz nacional 8 O Diálogo das Cortes e seus parâmetros 9 A crise dos tratados internacionais nacionais e a superação do conflito entre decisões sobre direitos humanos a teoria do duplo controle 10 A competência da Justiça Federal nas hipóteses de grave violação de direitos humanos 101 O incidente de deslocamento de competêNcia origens e trâmite 102 A motivação para a criação do IDC e requisitos para seu deferimento 103 A prática do deslocamento 104 As críticas ao IDC 11 A busca da implementação dos direitos humanos no Brasil 111 O IDH brasileiro e a criação de uma política de direitos humanos 112 Os Programas Nacionais de Direitos Humanos 1 2 e 3 113 Programas estaduais de direitos Humanos 12 As principais instituições de defesa e promoção dos direitos humanos no Poder Executivo Federal após o impeachment de 2016 e a reforma de 2017 121 MINISTÉRIO DA MULHER DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS 122 A nova regulamentação dos CONSELHOS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL 123 SecretariaS do MINISTÉRIO DA MULHER DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS 124 Ouvidoria Nacional DE Direitos Humanos 125 Conselho NACIONAL dOS Direitos Humanos 126 OUTROS órgãos colegiados federais de defesa de direitos humanos 1261 O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA 1262 O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CONADE 1263 O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa CNDPI 1264 O Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCD 1265 Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP 1266 A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo CONATRAE 1267 Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos CNEDH 1268 Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial CNPIR 1269 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDM 12610 Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa CNRDR 12611 Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua 13 No Poder Legislativo Federal a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados CDHM 14 Ministério Público Federal e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão 15 A Defensoria Pública da União e a defesa dos direitos humanos 16 Instituições de defesa de direitos humanos no plano estadual e municipal 161 O Ministério Público estadual 162 A Defensoria Pública do Estado e a defesa dos direitos humanos 163 Os Conselhos Estaduais de Direitos Humanos 17 Custos legis custos vulnerabilis e o amicus curiae na defesa dos direitos humanos 18 A instituição nacional de direitos humanos e os Princípios de Paris 181 O conceito de instituição nacional de direitos humanos 182 Os Princípios de Paris 183 A instituição nacional de direitos humanos e a ONU 184 O Brasil e a instituição nacional de direitos humanos A CANDIDATURA DA PFDC PARTE IV OS DIREITOS E GARANTIAS EM ESPÉCIE 1 Aspectos gerais 2 Destinatários da proteção e sujeitos passivos 3 Direito à vida 31 Aspectos gerais 32 Início a concepção o embrião in vitro e a proteção do direito à vida 33 Término da vida eutanásia ortotanásia distanásia e suicídio 34 Pena de morte 341 As fases rumo ao banimento da pena de morte 342 O tratamento desumano o corredor da morte 4 O direito à igualdade 41 Livres e iguais a igualdade na era da universalidade dos direitos humanos 42 As dimensões da igualdade 43 As diversas categorias e classificações doutrinárias 44 O dever de inclusão e a discriminação direta e indireta 441 Para obter a igualdade as medidas repressivas promocionais e as ações afirmativas 442 Discriminação estrutural ou sistêmica e o racismo institucional 45 A violência de gênero 451 Aspectos gerais da Lei Maria da Penha 452 Aspectos penais e processuais penais da Lei Maria da Penha e a ADI 4424 453 A igualdade material e a ADC 19 454 A Lei n 131042015 o feminicídio 46 Decisões do STF e do stj sobre igualdade 5 Legalidade 51 Legalidade e reserva de lei 52 Os decretos e regulamentos autônomos CF art 84 IV 53 Reserva de lei e Reserva de Parlamento 54 Regimentos de tribunais e reserva de lei 55 Resoluções do CNJ e do CNMP 56 Precedentes diversos do STF 6 Direito à integridade física e psíquica 61 Direito à integridade física e moral 62 A tortura art 5º III e XLIII e seu tratamento constitucional e internacional 621 O crime de tortura previsto na Lei n 945597 622 O tratamento desumano ou degradante 623 Tortura e penas ou tratos cruéis desumanos ou degradantes como conceito integral Diferenciação entre os elementos do conceito na jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos caso irlandês e seus reflexos no art 16 da Convenção da ONU contra a Tortura de 1984 624 Experimentação humana e seus limites bioéticos casos de convergência com o conceito de tortura 63 Precedentes do STF e do STJ 7 Liberdade de pensamento e expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação 71 Conceito alcance e as espécies de censura 72 A proibição do anonimato direito de resposta e indenização por danos 73 A liberdade de expressão e o discurso de ódio hate speech 74 Humor pornografia e outros casos de limite à liberdade de expressão 75 Lei de Imprensa e regulamentação da liberdade de expressão 76 Liberdade de expressão em período eleitoral 77 Outros casos de liberdade de expressão e suas restrições no STF 8 Liberdade de consciência e liberdade religiosa 81 Liberdade de consciência 82 Liberdade de crença ou de religião 83 Limites à liberdade de crença e religião 9 Direito à intimidade vida privada honra e imagem 91 Conceito diferença entre privacidade ou vida privada e intimidade 92 Direito à honra e à imagem 93 Direito à privacidade e suas restrições possíveis 94 Direito ao esquecimento e direito à esperança o conflito entre a privacidade e a liberdade de informação 95 Ordens judiciais restringindo a liberdade de informação em nome do direito à privacidade 96 Divulgação de informação de interesse público obtida ilicitamente 97 Inviolabilidade domiciliar 971 Conceito e as exceções constitucionais 972 Proibição de ingresso no domicílio e a atividade das autoridades tributárias e sanitárias 98 Advogado inviolabilidade do escritório de advocacia e preservação do sigilo profissional 99 O sigilo de dados em geral 991 Sigilo fiscal 992 Sigilo bancário 910 O COAF UNIDADE DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA e os sigilos bancário e fiscal 911 O CNJ e os sigilos bancário e fiscal 912 Sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica possibilidade de violação e ausência de reserva de jurisdição 913 O sigilo telefônico e interceptação prevista na Lei n 929696 inclusive do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática 914 A gravação realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro prova lícita de acordo com o STF repercussão geral 915 A interceptação ambiental 916 Casos excepcionais de uso da interceptação telefônica o encontro fortuito de crime a descoberta de novos autores e a prova emprestada 917 Interceptação telefônica ordenada por juízo cível 918 A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS 919 Decisões do STF 10 Liberdade de informação e sigilo de fonte 101 Jurisprudência do STF 11 Liberdade de locomoção 111 Conceito e restrições à liberdade de locomoção 112 Hipóteses constitucionalmente definidas para privação de liberdade 113 Liberdade provisória com ou sem fiança 114 Prisões nos casos de transgressões militares ou crimes propriamente militares definidos em lei e as prisões no estado de emergência 115 Enunciação dos direitos do preso 116 Direito a não contribuir para sua própria incriminação 117 Prisão extrapenal 118 Audiência de apresentação ou custódia 119 Sistema prisional USO DE ALGEMAS e o estado das coisas inconstitucional 12 Liberdade de reunião e manifestação em praça pública 13 Liberdade de associação 131 Jurisprudência do STF 14 Direito de propriedade 141 Conceito e função social 142 As restrições impostas ao direito de propriedade 143 A desapropriação 144 Impenhorabilidade 145 Propriedade de estrangeiros 15 Direitos autorais 151 Direitos autorais e domínio público 152 A proteção à propriedade industrial 16 Direito de herança e Direito Internacional Privado 17 Defesa do consumidor 171 JURISPRUDÊNCIA DO STJ 18 Direito à informação e a Lei de Acesso à Informação Pública de 2011 19 Direito de petição 20 Direito à certidão 21 Direito de acesso à justiça 211 Conceito 212 A tutela coletiva de direitos e a tutela de direitos coletivos 213 Ausência de necessidade de prévio esgotamento da via administrativa e a falta de interesse de agir 214 Arbitragem e acesso à justiça 22 A segurança jurídica e o princípio da confiança a defesa do direito adquirido ato jurídico perfeito e coisa julgada 23 Juiz natural e promotor natural 231 Conceito 232 A Constituição Federal e o juiz natural o foro por prerrogativa de função 233 JUIZ NATURAL E CRIMES ELEITORAIS CONEXOS COM CRIMES FEDERAIS COMUNS A OPERAÇÃO LAVA JATO 234 Promotor natural 235 Tribunal do Júri 24 Direitos Humanos no Direito Penal e Processual Penal 241 Princípios da reserva legal e da anterioridade em matéria penal 242 Os mandados constitucionais de criminalização e o princípio da proibição de proteção deficiente 243 Racismo 2431 O crime de racismo e sua abrangência o antissemitismo e outras práticas discriminatórias 2432 O estatuto constitucional punitivo do racismo e o posicionamento do STF o caso do antissemitismo e outras práticas discriminatórias 2433 O racismo homotransfóbico 244 Lei dos Crimes Hediondos liberdade provisória e indulto 25 O regramento constitucional das penas 26 Extradição e os direitos humanos 261 Conceito 262 Juízo de delibação e os requisitos da extradição 263 Trâmite da extradição 27 Devido processo legal contraditório e ampla defesa 271 Conceito 272 O devido processo legal e o duplo grau de jurisdição 28 Provas ilícitas 281 Conceito 282 Aceitação das provas obtidas por meios ilícitos e teoria dos frutos da árvore envenenada 283 Direito à prova e cooperação jurídica internacional 29 A presunção de inocência e suas facetas 291 Aspectos gerais da presunção de inocência 292 A execução provisória ou imediata da pena criminal após o julgamento proferido em grau de apelação 30 Identificação criminal 31 Ação penal privada subsidiária 32 Publicidade dos atos processuais 33 Prisão civil 34 Assistência jurídica integral e gratuita 35 Defensoria Pública 351 Conceito inserção constitucional e poderes 352 Funções institucionais da Defensoria Pública 36 O direito à duração razoável do processo 37 Justiça de transição direito à verdade e justiça 38 Garantias fundamentais 381 Habeas corpus 382 Mandado de segurança 383 Mandado de segurança coletivo 384 Mandado de injunção 385 Habeas data 386 Ação popular 387 Direito de petição 388 Ação civil pública 39 Direito à saúde 391 Aspectos gerais 392 Sistema Único de Saúde 393 Jurisprudência do STF 40 Sistema Único de Assistência Social 41 Direito à educação 411 Aspectos Gerais 412 O direito à educação democrática e o direito à educação emancipadora 413 JURISPRUDÊNCIA DO STF 42 Direito à alimentação 43 Direito à moradia 44 Direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com transtornos mentais 441 Direitos das pessoas com deficiência E A LEI N 131462015 442 Direitos das pessoas com transtornos mentais 443 Direitos da pessoa com transtorno do espectro autista 45 Direito à mobilidade 46 Direitos indígenas 461 Noções gerais terminologia 462 Tratamento normativo até a Constituição de 1988 463 INDÍGENAS na Constituição Competência Ocupação tradicional Aplicação da lei brasileira 4631 Aspectos gerais os princípios e os dispositivos constitucionais 4632 As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e o renitente esbulho O marco temporal da ocupação 4633 A jurisprudência da Corte IDH e a matéria indígena o Diálogo das Cortes 4634 O direito à consulta livre e informada das comunidades indígenas e o respeito às tradições o pluralismo jurídico 464 Povos indígenas e comunidades tradicionais em face do Direito Internacional 465 Autonomia e questão tutelar 466 A demarcação contínua e as suas condicionantes o caso Raposa Serra do Sol 4661 A demarcação das terras indígenas 4662 O Caso Raposa Serra do Sol e as condicionantes 467 Direito Penal e os povos indígenas 468 Aspectos processuais 469 Questões específicas da matéria indígena 47 Direito à nacionalidade 471 Nacionalidade na gramática dos direitos humanos 472 Nacionalidade originária e a Emenda Constitucional n 542007 473 Nacionalidade derivada ou secundária adquirida 474 Quase nacionalidade 475 Diferença de tratamento entre brasileiros natos e naturalizados 476 Perda e renúncia ao direito à nacionalidade 48 Direitos políticos 481 Conceito o direito à democracia 482 Democracia Indireta ou Representativa Democracia Direta e Democracia Semidireta ou Participativa 483 A democracia partidária os partidos políticos 484 Os principais institutos da democracia direta utilizados no Brasil 485 Os direitos políticos em espécie o direito ao sufrágio 4851 Noções gerais 4852 Capacidade eleitoral ativa a alistabilidade 4853 A capacidade eleitoral passiva a elegibilidade 4854 A capacidade eleitoral passiva as inelegibilidades constitucionais e infraconstitucionais 4855 Direito à boa governança e o controle de convencionalidade da Lei da Ficha Limpa o caso Lula 486 Perda e Suspensão dos direitos políticos 487 A segurança da urna eletrônica e o direito ao voto seguro 49 Direitos sexuais e reprodutivos 491 A proteção dos direitos sexuais e reprodutivos 492 Direito à livre orientação sexual e identidade de gênero 50 Direitos dos migrantes 501 Aspectos Gerais 502 Histórico brasileiro do tratamento jurídico ao migrante 5021 Fase do estrangeiro como inimigo 5022 Fase do estrangeiro como imigrante e fator de desenvolvimento 5023 Fase do controle e xenofobia 5024 Fase da segurança nacional 5025 A CF88 e a fase da igualdade e garantia 503 A nova Lei de Migração Lei n 134452017 5031 Aspectos gerais da nova lei 5032 As principais características 504 As medidas administrativas de retirada compulsória do imigrante 5041 Aspectos gerais 5042 A repatriação 5043 A deportação 5044 A expulsão 505 A PORTARIA N 7702019 E A SAÍDA COMPULSÓRIA DE ESTRANGEIROS POR RAZÕES SÉRIAS DE PRÁTICA DE CRIMES 506 A detenção e o direito à notificação da assistência consular 51 Direitos dos quilombolas REFERÊNCIAS Reze e trabalhe fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente que às vezes custa muito a passar mas sempre passa E você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria Cada um tem a sua hora e a sua vez você há de ter a sua João Guimarães Rosa A hora e a vez de Augusto Matraga in Sagarana 31 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 p 356 Ao Victor Daniel e Denise como tudo que faço e continuarei fazendo Boa leitura APRESENTAÇÃO DA 7ª EDIÇÃO A elaboração deste Curso é fruto de um lento amadurecimento da minha atuação acadêmica na área dos direitos humanos Inicialmente meus projetos concentraramse em livros específicos e artigos além das aulas e orientações diversas na Graduação e PósGraduação Especialização Mestrado e Doutorado Após mais de vinte e quatro anos de docência universitária em parte na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo onde atualmente leciono busquei oferecer à comunidade acadêmica brasileira a essência de um Curso uma visão geral do docente sobre a própria disciplina atualizada e crítica sem se perder na superficialidade e na mera coleção ou reprodução daquilo que os outros autores já mencionaram Este Curso de Direitos Humanos tem o propósito de expor de modo adequado à importância e complexidade da matéria os principais delineamentos normativos e precedentes judiciais da disciplina para que os leitores possam depois aprofundarse em um tema específico A metodologia que adotei é voltada para o aprendizado e fixação do conhecimento acumulado por intermédio de i exposição do tema ii quadros explicativos ao final de cada capítulo O livro está dividido em quatro grandes partes na primeira parte trato dos aspectos gerais dos direitos humanos analisando o conceito terminologia fundamentos desenvolvimento histórico classificações e funções bem como os direitos humanos na história e a proteção nacional e internacional na segunda parte abordo criticamente os principais tratados de direitos humanos e os mecanismos de monitoramento a terceira parte analisa o tratamento dos direitos humanos de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro enfocando inclusive a atuação dos órgãos do Poder Executivo desde o Ministério de Direitos Humanos até os Conselhos com análise dos Programas Nacionais de Direitos Humanos Poder Legislativo Ministério Público da União e dos Estados e Defensoria Pública da União e dos Estados na quarta e última parte são estudados os direitos e garantias em espécie com análise minuciosa de 51 diferentes tópicos Nesta edição o estágio das ratificações dos tratados onusianos que constava como anexo nas edições anteriores foi incorporado ao próprio texto do Curso assegurando maior fluidez ao texto Como as quatro partes comprovam este Curso é completo e abarca a visão nacional e internacional dos direitos humanos e seus órgãos de proteção internacionais nos planos global e regional e nacionais na área federal esta edição já está atualizada com a organização de 2019 o que inclui os órgãos de direitos humanos dos Poderes Executivo Legislativo Judiciário além do Ministério Público e da Defensoria bem como o estudo dos direitos em espécie cujo conteúdo e interpretação têm desafiado os estudantes Além da teoria a prática não foi esquecida em todos os direitos em espécie menciono os contornos dos casos concretos apreciados pelos tribunais do País Mantendo a premissa de atualidade que embasou a redação inicial deste Curso esta 7ª edição conta com as últimas novidades legislativas e jurisprudenciais nacionais em especial do STF e do STJ e internacionais Entre as novidades da 7ª edição foram comentados novos tratados e normas internacionais diversas como a Convenção Quadro de Controle do Tabaco CQCT o Acordo Regional sobre Acesso à Informação Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe Acordo de Escazú e os Princípios de Yogyakarta Mais 10 No que tange à análise de precedentes internacionais foram acrescidos quinze novos casos comentados da Corte Interamericana de Direitos Humanos abarcando inclusive a solicitação de Opinião Consultiva sobre liberdade sindical de 2019 As novas medidas cautelares e medidas provisórias contra o Brasil foram também assinaladas nesta nova edição inclusive as referentes ao Caso Marielle e ao Caso Jean Wyllys No tocante a temas de direitos humanos destaco nesta 7ª edição o novo capítulo sobre o mínimo existencial e a reserva do possível a vedação do retrocesso institucional e a vedação do retrocesso ecológico capítulos novos sobre direito à saúde direito à alimentação e direito à moradia a nova organização do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos a polêmica envolvendo a extinção em massa dos conselhos de participação popular e os limites à reserva da administração a transferência da FUNAI para o Ministério da Agricultura a discussão sobre o custos vulnerabilis e a Defensoria Pública a atualização da parte referente à instituição nacional de direitos humanos e à candidatura da PFDC Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão No tocante aos precedentes nacionais o Curso traz diversas novidades julgadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça entre elas o racismo homotransfóbico a Operação Lava Jato o juiz natural e crimes eleitorais conexos com crimes federais comuns a liberdade de informação e a publicação de informação sob sigilo judicial o caso da Operação Boi Barrica o Caso Jair Bolsonaro e a delimitação do discurso de ódio e racismo contra quilombolas o abuso da palavra e a imunidade material dos congressistas a ADPF 607 e o mecanismo nacional de prevenção à tortura a inconstitucionalidade de lei estadual que determinou a oficialização da Bíblia o caso Flávio Bolsonaro e a proibição de compartilhamento de dados de órgãos de controle Fisco COAF e BACEN diretamente com o Ministério Público a determinação de limite máximo de superpopulação carcerária e sua substituição por prisão domiciliar sem controle a restrição inconstitucional à atividade dos motoristas de aplicativo a constitucionalidade de lei de proteção animal que prevê o sacrifício ritual de animais em cultos de religião de matriz africana a participação popular e a extinção de conselhos na área de direitos humanos o inquérito das fake news do STF a ADPF 624 e o combate à corrente denominada Escola sem Partido a Justiça de Transição e o Caso Riocentro a liberdade de religião e o sacrifício de animais a pronúncia no Tribunal do Júri e a superação do in dubio pro societate no STF a proibição do retrocesso social e o trabalho de mulheres grávidas e lactantes em ambientes insalubres as decisões regulatórias e a restrição à revisão judicial o ensino domiciliar homeschooling no STF a impossibilidade de prisão para fins de deportação ou expulsão o acesso direto da polícia a dados do WhatsApp a Bienal do Livro do Rio de Janeiro e o beijo gay as Testemunhas de Jeová e a recusa de tratamento novos incidentes de deslocamento de competência como o da Favela Nova Brasília e o Caso Marielle as modificações inconstitucionais no CONANDA o direito de falar por último e a ordem de alegações finais do corréu colaborador no STF Também foram estudadas novas leis como a Lei n 137182018 pornografia da vingança a Lei n 138442019 Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos a Lei n 138532019 que criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados a Lei n 137962019 prestação alternativa aos alunos para substituir prova ou aula perdida em virtude de preceito religioso a Lei n 138612019 pessoa do transtorno do espectro autista e censo demográfico a Lei n 138692019 nova Lei de Abuso de Autoridade a Lei n 138272019 afastamento do agressor da mulher por ato da autoridade policial a Lei n 138712019 obrigação de ressarcimento dos gastos do Estado em casos de violência contra a mulher a Lei n 138802019 apreensão de arma de fogo em caso de violência contra a mulher e a Lei n 138822019 preferência na matrícula em estabelecimento de ensino básico aos dependentes da mulher vítima de violência doméstica as quatro novas leis de alteração da Lei Maria da Penha bem como atos infralegais como a Portaria n 7702019 e a revogada Portaria n 6662019 que criou o repatriamento e a deportação sumária Esses tópicos juntamse aos já existentes como efeito da medida provisória dos Relatores Especiais do Comitê de Direitos Humanos no caso da candidatura do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva Caso Lula no TSE a indenização por danos materiais e morais devida aos presos em face do estado do sistema prisional brasileiro a constitucionalidade da preservação do meio ambiente pela proibição do uso de amianto o caráter confessional do ensino religioso em escola pública e a laicidade a constitucionalidade da lei que criou o Mais Médicos o proselitismo religioso em rádio comunitária o racismo religioso o novo entendimento sobre o foro por prerrogativa de função a possibilidade de aborto realizado até a 12ª semana de gestação o direito à saúde e a redução dos gastos públicos Emenda do Orçamento Impositivo e Emenda do Teto as cotas no serviço público e a Lei n 129902014 ADC 41 a interposição de habeas corpus coletivo a suspensão de leis de restrição ao direito à educação democrática no contexto do movimento Escola sem Partido a nota zero nas redações do ENEM que contenham conteúdo que ofenda os direitos humanos o direito de greve dos servidores públicos o desconto automático dos dias parados e o regime jurídico dos policiais a abertura de vagas no sistema prisional a Súmula Vinculante 56 e a questão do cumprimento de pena em regime mais gravoso a questão da suspensão de mandato de congressista como medida cautelar penal caso Eduardo Cunha e ADI 5526 a inconstitucionalidade da vaquejada a falta de culpa do proprietário como impeditivo de confisco de terras destinadas ao cultivo de drogas a regulação dos direitos autorais e o ECAD a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade no Brasil Extradição n 1362Argentina a inconstitucionalidade do tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro para fins de sucessão a fundamentação idônea e a quebra de sigilos fiscal e bancário por CPI a execução provisória da pena a convencionalidade do crime de desacato a injúria racial como forma de racismo a quebra do sigilo bancário diretamente pela Receita Federal e a nova posição do STF o uso do MillerTest e a obscenidade na jurisprudência do STF o crime de pederastia no STF a interrupção da gravidez pelo contágio do vírus Zika o racismo institucional e a discriminação estrutural direitos reprodutivos e sexuais Esses e outros temas tornam este Curso único ao reunir precedentes nacionais de direitos humanos entre outros julgados recentes Também devem ser mencionadas as análises sobre a justiciabilidade dos direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCAs bem como precedentes internacionais que auxiliam na interpretação internacionalista das normas internacionais tratados e demais normas de soft law Foram estudados ainda novos diplomas normativos nacionais tais como a Lei n 137092018 Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais a Lei n 136412018 descumprimento de medidas protetivas da Lei Maria da Penha o Decreto n 91992017 regulamentação da Lei de Migração entre outros Sem contar os comentários aos dispositivos da EC 952016 a emenda do teto da EC 962017 a emenda da vaquejada e do rodeio da EC 972017 e das Leis n 134872017 e 134882017 a minirreforma eleitoral da nova Lei do Idoso Lei n 134662017 da Lei n 134412017 sobre infiltração de agentes policiais para a investigação de crimes contra a dignidade sexual de crianças da Lei n 134402017 perda de bens e valores em caso de prostituição ou exploração sexual de crianças da Lei n 134342017 proibição do uso de algemas da Lei n 134312017 sobre sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência da Lei n 134092016 cotas do Decreto n 87272016 uso da identidade social perante órgãos federais entre outros Aproveitei para essa tarefa tanto minha experiência docente mais de vinte e quatro anos no ensino jurídico quanto minha experiência profissional na área dos direitos humanos Sou Procurador Regional da República Ministério Público Federal tendo sido Coordenador do Núcleo Criminal da Procuradoria Regional da República da 3ª Região bem como Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo Exerci ainda a função de Procurador Regional Eleitoral do Estado de São Paulo 20122016 o maior colégio eleitoral do País e nessa atuação lutei pela realização de um Direito Eleitoral inclusivo Fui também Secretário de Direitos Humanos e Defesa Coletiva da ProcuradoriaGeral da República 2017 2019 e sou coordenador do Núcleo de Apoio à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão na Procuradoria Regional da República da 3ª Região 20182020 Quis assim unir teoria e prática na defesa dos direitos humanos Leciono Direito Internacional e Direitos Humanos na Graduação e na PósGraduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo minha alma mater USP Largo São Francisco CAPES 6 e fui aprovado no meu Concurso Público de Ingresso por unanimidade com todos os votos dos cinco componentes da Banca Registro ainda que parte importante da minha visão sobre o aprendizado do ensino jurídico foi construída pela experiência pessoal fui aprovado nos árduos concursos públicos para os cargos de Procurador da República 1º lugar nacional em todas as provas preambular escrita e oral e 2º lugar nacional após o cômputo dos títulos Juiz Federal substituto 4ª Região 1º lugar e ainda Procurador do Estado Paraná 1º lugar Para finalizar agradeço aos que me incentivaram ao longo dos anos a continuar lecionando e escrevendo meus familiares docentes e alunos das mais diversas Faculdades colegas do Ministério Público Federal Magistratura Defensoria Advogados e acima de tudo aos meus queridos leitores de todo o Brasil PARTE I ASPECTOS BÁSICOS DOS DIREITOS HUMANOS I DIREITOS HUMANOS CONCEITO ESTRUTURA E SOCIEDADE INCLUSIVA 1 Conceito e estrutura dos direitos humanos Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade igualdade e dignidade Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna Não há um rol predeterminado desse conjunto mínimo de direitos essenciais a uma vida digna As necessidades humanas variam e de acordo com o contexto histórico de uma época novas demandas sociais são traduzidas juridicamente e inseridas na lista dos direitos humanos Em geral todo direito exprime a faculdade de exigir de terceiro que pode ser o Estado ou mesmo um particular determinada obrigação Por isso os direitos humanos têm estrutura variada podendo ser direitopretensão direitoliberdade direitopoder e finalmente direito imunidade que acarretam obrigações do Estado ou de particulares revestidas respectivamente na forma de i dever ii ausência de direito iii sujeição e iv incompetência como segue O direitopretensão consiste na busca de algo gerando a contrapartida de outrem do dever de prestar Nesse sentido determinada pessoa tem direito a algo se outrem Estado ou mesmo outro particular tem o dever de realizar uma conduta que não viole esse direito Assim nasce o direitopretensão como por exemplo o direito à educação fundamental que gera o dever do Estado de prestála gratuitamente art 208 I da CF88 O direitoliberdade consiste na faculdade de agir que gera a ausência de direito de qualquer outro ente ou pessoa Assim uma pessoa tem a liberdade de credo art 5º VI da CF88 não possuindo o Estado ou terceiros nenhum direito ausência de direito de exigir que essa pessoa tenha determinada religião Por sua vez o direitopoder implica uma relação de poder de uma pessoa de exigir determinada sujeição do Estado ou de outra pessoa Assim uma pessoa tem o poder de ao ser presa requerer a assistência da família e de advogado o que sujeita a autoridade pública a providenciar tais contatos art 5º LXIII da CF88 Finalmente o direitoimunidade consiste na autorização dada por uma norma a uma determinada pessoa impedindo que outra interfira de qualquer modo Assim uma pessoa é imune à prisão a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar art 5º LVI da CF88 o que impede que outros agentes públicos como por exemplo agentes policiais possam alterar a posição da pessoa em relação à prisão 2 Conteúdo e cumprimento dos direitos humanos rumo a uma sociedade inclusiva Os direitos humanos representam valores essenciais que são explicitamente ou implicitamente retratados nas Constituições ou nos tratados internacionais A fundamentalidade dos direitos humanos pode ser formal por meio da inscrição desses direitos no rol de direitos protegidos nas Constituições e tratados ou pode ser material sendo considerado parte integrante dos direitos humanos aquele que mesmo não expresso é indispensável para a promoção da dignidade humana Apesar das diferenças em relação ao conteúdo os direitos humanos têm em comum quatro ideiaschaves ou marcas distintivas universalidade essencialidade superioridade normativa preferenciabilidade e reciprocidade A universalidade consiste no reconhecimento de que os direitos humanos são direitos de todos combatendo a visão estamental de privilégios de uma casta de seres superiores Por sua vez a essencialidade implica que os direitos humanos apresentam valores indispensáveis e que todos devem protegêlos Além disso os direitos humanos são superiores a demais normas não se admitindo o sacrifício de um direito essencial para atender as razões de Estado logo os direitos humanos representam preferências preestabelecidas que diante de outras normas devem prevalecer Finalmente a reciprocidade é fruto da teia de direitos que une toda a comunidade humana tanto na titularidade são direitos de todos quanto na sujeição passiva não há só o estabelecimento de deveres de proteção de direitos ao Estado e seus agentes públicos mas também à coletividade como um todo Essas quatro ideias tornam os direitos humanos como vetores de uma sociedade humana pautada na igualdade e na ponderação dos interesses de todos e não somente de alguns Os direitos humanos têm distintas maneiras de implementação do ponto de vista subjetivo e objetivo Do ponto de vista subjetivo a realização dos direitos humanos pode ser da incumbência do Estado ou de um particular eficácia horizontal dos direitos humanos como veremos ou de ambos como ocorre com o direito ao meio ambiente art 225 da CF88 o qual prevê que a proteção ambiental incumbe ao Estado e à coletividade Do ponto de vista objetivo a conduta exigida para o cumprimento dos direitos humanos pode ser ativa comissiva realizar determinada ação ou passiva omissiva absterse de realizar Há ainda a combinação das duas condutas o direito à vida acarreta tanto a conduta omissiva quanto comissiva por parte dos agentes públicos de um lado devem se abster de matar sem justa causa e de outro tem o dever de proteção de ação para impedir que outrem viole a vida Uma sociedade pautada na defesa de direitos sociedade inclusiva tem várias consequências A primeira é o reconhecimento de que o primeiro direito de todo indivíduo é o direito a ter direitos Arendt e no Brasil Lafer sustentam que o primeiro direito humano do qual derivam todos os demais é o direito a ter direitos 1No Brasil o STF adotou essa linha ao decidir que direito a ter direitos uma prerrogativa básica que se qualifica como fator de viabilização dos demais direitos e liberdades ADI 2903 rel Min Celso de Mello j 1º12 2005 Plenário DJe de 1992008 Uma segunda consequência é o reconhecimento de que os direitos de um indivíduo convivem com os direitos de outros O reconhecimento de um rol amplo e aberto sempre é possível a descoberta de um novo direito humano de direitos humanos exige ponderação e eventual sopesamento dos valores envolvidos O mundo dos direitos humanos é o mundo dos conflitos entre direitos com estabelecimento de limites preferências e prevalências Basta a menção a disputas envolvendo o direito à vida e os direitos reprodutivos da mulher aborto direito de propriedade e direito ao meio ambiente equilibrado liberdade de informação jornalística e direito à vida privada entre outras inúmeras colisões de direitos Nesses casos de colisão de direitos há a necessidade de ponderação que é uma técnica de decisão em três fases na primeira fase identificamse as normas de direitos humanos incidentes no caso concreto na segunda fase destacamse os fatos envolvidos com o uso do máximo do conhecimento humano no contexto da época estado da arte sendo necessário que o direito dialogue com outros campos da ciência diálogo dos saberes na terceira fase devem ser testadas as soluções possíveis para a colisão de direitos selecionandose aquela que no caso concreto melhor cumpre com a vontade de promoção de direitos humanos e da dignidade ver entre outros o voto do Min Barroso na Reclamação 22328RJ rel Min Barroso j 632018 Informativo do STF n 893 em especial item 18 do voto Por isso não há automatismo no mundo da sociedade de direitos Não basta anunciar um direito para que o dever de proteção incida mecanicamente Pelo contrário é possível o conflito e colisão entre direitos a exigir sopesamento e preferência entre os valores envolvidos Por isso nasce a necessidade de compreendermos como é feita a convivência entre os direitos humanos em uma sociedade inclusiva na qual os direitos de diferentes conteúdos interagem Essa atividade de ponderação é exercida cotidianamente pelos órgãos judiciais nacionais e internacionais de direitos humanos QUADRO SINÓTICO Conceito e o novo direito a ter direitos Conceito de direitos humanos Conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade igualdade e dignidade Estrutura dos direitos humanos Direitopretensão direitoliberdade direitopoder direitoimunidade Maneiras de cumprimento dos direitos humanos Ponto de vista subjetivo incumbência do Estado incumbência de particular incumbência de ambos Ponto de vista objetivo conduta ativa conduta passiva Conteúdo dos direitos humanos Representam valores essenciais explícita ou implicitamente retratados nas Constituições ou tratados internacionais Fundamentalidade Formal inscrição dos direitos nas Constituições ou tratados Material direito considerado indispensável para a promoção da dignidade humana Marcas distintivas dos direitos humanos Universalidade direitos de todos Essencialidade valores indispensáveis que devem ser protegidos por todos Superioridade normativa ou preferenciabilidade superioridade com relação às demais normas Reciprocidade são direitos de todos e não sujeitam apenas o Estado e os agentes públicos mas toda a coletividade Consequências de uma sociedade pautada na defesa de direitos Reconhecimento do direito a ter direitos Reconhecimento de que os direitos de um indivíduo convivem com os direitos de outros o conflito e a colisão de direitos implicam a necessidade de estabelecimento de limites preferências e prevalências II OS DIREITOS HUMANOS NA HISTÓRIA 1 Direitos humanos faz sentido o estudo das fases precursoras Não há um ponto exato que delimite o nascimento de uma disciplina jurídica Pelo contrário há um processo que desemboca na consagração de diplomas normativos com princípios e regras que dimensionam o novo ramo do Direito No caso dos direitos humanos o seu cerne é a luta contra a opressão e busca do bemestar do indivíduo consequentemente suas ideias âncoras são referentes à justiça igualdade e liberdade cujo conteúdo impregna a vida social desde o surgimento das primeiras comunidades humanas Nesse sentido amplo de impregnação de valores podemos dizer que a evolução histórica dos direitos humanos passou por fases que ao longo dos séculos auxiliaram a sedimentar o conceito e o regime jurídico desses direitos essenciais A contar dos primeiros escritos das comunidades humanas ainda no século VIII aC até o século XX dC são mais de vinte e oito séculos rumo à afirmação universal dos direitos humanos que tem como marco a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 Assim para melhor compreender a atualidade da era dos direitos incursionamos pelo passado mostrando a contribuição das mais diversas culturas à formação do atual quadro normativo referente aos direitos humanos Porém não se pode medir épocas distantes da história da humanidade com a régua do presente Devese evitar o anacronismo pelo qual são utilizados conceitos de uma época para avaliar ou julgar fatos de outra Essas diversas fases conviveram em sua época respectiva com institutos ou posicionamentos que hoje são repudiados como a escravidão a perseguição religiosa a exclusão das minorias a submissão da mulher a discriminação contra as pessoas com deficiências de todos os tipos a autocracia e outras formas de organização do poder e da sociedade ofensivas ao entendimento atual da proteção de direitos humanos Por isso devemos ser cautelosos no estudo de códigos ou diplomas normativos do início da fase escrita da humanidade ou de considerações de renomados filósofos da Antiguidade bem como na análise das tradições religiosas que fizeram remissão ao papel do indivíduo na sociedade mesmo que parte da doutrina se esforce em tentar convencer que a proteção de direitos humanos sempre existiu Na realidade a universalização dos direitos humanos é uma obra ainda inacabada mas que tem como marco a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 não fazendo sentido transpor para eras longínquas o entendimento atual sobre os direitos humanos e seu regime jurídico Contudo o estudo do passado mesmo as raízes mais longínquas é indispensável para detectar as regras que já existiram em diversos sistemas jurídicos e que expressaram o respeito a valores relacionados à concepção atual dos direitos humanos Para sistematizar o estudo das fases anteriores rumo à consagração dos direitos humanos usamos a própria Declaração Universal de 1948 para estabelecer os seguintes parâmetros de análise das contribuições do passado à atual teoria geral dos direitos humanos 1 o indicativo do respeito à dignidade humana e igualdade entre os seres humanos 2 o reconhecimento de direitos fundado na própria existência humana 3 o reconhecimento da superioridade normativa mesmo em face do Poder do Estado e finalmente 4 o reconhecimento de direitos voltados ao mínimo existencial 2 A fase préEstado Constitucional 21 A ANTIGUIDADE ORIENTAL E O ESBOÇO DA CONSTRUÇÃO DE DIREITOS O primeiro passo rumo à afirmação dos direitos humanos iniciase já na Antiguidade 2 no período compreendido entre os séculos VIII e II aC Para Comparato vários filósofos trataram de direitos dos indivíduos influenciandonos até os dias de hoje Zaratustra na Pérsia Buda na Índia Confúcio na China e o DêuteroIsaías em Israel O ponto em comum entre eles é a adoção de códigos de comportamento baseados no amor e respeito ao outro 3 Do ponto de vista normativo há tenuamente o reconhecimento de direitos de indivíduos na codificação de Menes 31002850 aC no Antigo Egito Na Suméria antiga o Rei Hammurabi da Babilônia editou o Código de Hammurabi que é considerado o primeiro código de normas de condutas preceituando esboços de direitos dos indivíduos 17921750 aC em especial o direito à vida propriedade honra consolidando os costumes e estendendo a lei a todos os súditos do Império Chama a atenção nesse Código a Lei do Talião que impunha a reciprocidade no trato de ofensas o ofensor deveria receber a mesma ofensa proferida Ainda na região da Suméria e Pérsia Ciro II editou no século VI aC uma declaração de boa governança hoje exibida no Museu Britânico o Cilindro de Ciro que seguia uma tradição mesopotâmica de autoelogio dos governantes ao seu modo de reger a vida social Na China nos séculos VI e V aC Confúcio lançou as bases para sua filosofia com ênfase na defesa do amor aos indivíduos Já o budismo introduziu um código de conduta pelo qual se prega o bem comum e uma sociedade pacífica sem prejuízo a qualquer ser humano 4 22 A VISÃO GREGA E A DEMOCRACIA ATENIENSE A herança grega na consolidação dos direitos humanos é expressiva A começar pelos direitos políticos a democracia ateniense adotou a participação política dos cidadãos com diversas exclusões é claro que seria após aprofundada pela proteção de direitos humanos O chamado Século de Péricles século V aC testou a democracia direta em Atenas com a participação dos cidadãos homens da pólis grega nas principais escolhas da comunidade Platão em sua obra A República 400 aC defendeu a igualdade e a noção do bem comum Aristóteles na Ética a Nicômaco 5 salientou a importância do agir com justiça para o bem de todos da pólis mesmo em face de leis injustas 6 A Antiguidade grega também estimulou a reflexão sobre a superioridade de determinadas normas mesmo em face da vontade contrária do poder Nesse sentido a peça de Sófocles Antígona 421 aC parte da chamada Trilogia Tebana retrata Antígona a protagonista e sua luta para enterrar seu irmão Polinice mesmo contra ordem do tirano da cidade Creonte que havia promulgado uma lei proibindo que aqueles que atentassem contra a lei da cidade fossem enterrados Para Antígona não se pode cumprir as leis humanas que se chocarem com as leis divinas O confronto de visões entre Antígona e Creonte é um dos pontos altos da peça Uma das ideias centrais dos direitos humanos que já é encontrada nessa obra de Sófocles é a superioridade de determinadas regras de conduta em especial contra a tirania e injustiça Essa herança dos gregos foi lembrada no voto da Ministra Cármen Lúcia na ADPF 187 julgada em 15 de julho de 2011 A Ágora símbolo maior da democracia grega era a praça em que os cidadãos atenienses se reuniam para deliberarem sobre os assuntos da pólis A liberdade dos antigos para usar a conhecida expressão de Benjamin Constant era justamente a liberdade de deliberar em praça pública sobre os mais diversos assuntos a guerra e a paz os tratados com os estrangeiros votar as leis pronunciar as sentenças examinar as contas os atos as gestões dos magistrados e tudo o mais que interessava ao povo A democracia nasceu portanto dentro de uma praça voto da Ministra Cármen Lúcia ADPF 187 rel Min Celso de Mello j 1562011 Plenário Informativo n 631 23 A REPÚBLICA ROMANA Uma contribuição do direito romano à proteção de direitos humanos foi a sedimentação do princípio da legalidade A Lei das Doze Tábuas ao estipular a lex scripta como regente das condutas deu um passo na direção da vedação ao arbítrio Além disso o direito romano consagrou vários direitos como o da propriedade liberdade personalidade jurídica entre outros Um passo foi dado também na direção do reconhecimento da igualdade pela aceitação do jus gentium o direito aplicado a todos romanos ou não No plano das ideias Marco Túlio Cícero retoma a defesa da razão reta recta ratio salientando na República que a verdadeira lei é a lei da razão inviolável mesmo em face da vontade do poder No seu De legibus Sobre as leis 52 aC Cícero sustentou que apesar das diferenças raças religiões e opiniões os homens podem permanecer unidos caso adotem o viver reto que evitaria causar o mal a outros 24 O ANTIGO E O NOVO TESTAMENTO E AS INFLUÊNCIAS DO CRISTIANISMO E DA IDADE MÉDIA Entre os hebreus os cinco livros de Moisés Torah apregoam solidariedade e preocupação com o bemestar de todos 18001500 aC No Antigo Testamento a passagem do Êxodo é clara quanto à necessidade de respeito a todos em especial aos vulneráveis Não afligirás o estrangeiro nem o oprimirás pois vós mesmos fostes estrangeiros no país do Egito Não afligireis a nenhuma viúva ou órfão Se o afligires e ele clamar a mim escutarei o seu clamor minha ira se ascenderá e vos farei perecer pela espada vossas mulheres ficarão viúvas e vossos filhos órfãos Êxodo 22 2026 No Livro dos Provérbios 25 2122 do Antigo Testamento está disposto que Se teu inimigo tem fome dálhe de comer se tem sede dálhe de beber assim amontoas brasas sobre sua cabeça e Javé te recompensará O cristianismo também contribuiu para a disciplina há vários trechos da Bíblia Novo Testamento que pregam a igualdade e solidariedade com o semelhante A sempre citada passagem de Paulo na Epístola aos Gálatas conclama que Não há judeu nem grego não há escravo nem livre não há homem nem mulher porque todos vós sois um em Cristo Jesus III 28 Os filósofos católicos também merecem ser citados em especial São Tomás de Aquino que no seu capítulo sobre o Direito na sua obra Suma Teológica 1273 defendeu a igualdade dos seres humanos e aplicação justa da lei Para a escolástica aquiniana aquilo que é justo id quod justum est é aquilo que corresponde a cada ser humano na ordem social o que reverberará no futuro em especial na busca da justiça social constante dos diplomas de direitos humanos Ao mesmo tempo em que defendeu a igualdade espiritual o cristianismo conviveu no passado com desigualdades jurídicas inconcebíveis para a proteção de direitos humanos como a escravidão e a servidão de milhões sem contar o apoio à perseguição religiosa e a inquisição Novamente essa análise histórica limitase a apontar valores que tênues em seu tempo contribuíram ao longo dos séculos para a afirmação histórica dos direitos humanos 25 RESUMO DA IDEIA DOS DIREITOS HUMANOS NA ANTIGUIDADE A LIBERDADE DOS ANTIGOS E A LIBERDADE DOS MODERNOS A síntese mais conhecida da concepção da Antiguidade sobre o indivíduo foi feita por Benjamin Constant no seu clássico artigo sobre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos 7 Para Constant os antigos viam a liberdade composta pela possibilidade de participar da vida social na cidade já os modernos ele se referia aos iluministas do século XVIII e pensadores posteriores do século XIX entendiam a liberdade como sendo a possibilidade de atuar sem amarras na vida privada Essa visão de liberdade na Antiguidade resultou na ausência de discussão sobre a limitação do poder do Estado um dos papéis tradicionais do regime jurídico dos direitos humanos As normas que organizam o Estado préconstitucional não asseguravam ao indivíduo direitos de contenção ao poder estatal Por isso na visão de parte da doutrina não há efetivamente regras de direitos humanos na época préEstado Constitucional Porém essa importante crítica doutrinária que deve ser realçada não elimina a valiosa influência de culturas antigas na afirmação dos direitos humanos Como já mencionado acima há costumes e instituições sociais das inúmeras civilizações da Antiguidade que enfatizam o respeito a valores que estão contidos em normas de direitos humanos como a justiça e igualdade QUADRO SINÓTICO A fase préEstado Constitucional Antiguidade no período compreendido entre os séculos VIII e II aC primeiro passo rumo à afirmação dos direitos humanos com a emergência de vários filósofos de influência até os dias de hoje Zaratustra Buda Confúcio DêuteroIsaías cujo ponto em comum foi a adoção de códigos A Antiguidade Oriental e o esboço da construção de direitos de comportamento baseados no amor e respeito ao outro Antigo Egito reconhecimento de direitos de indivíduos na codificação de Menes 31002850 aC Suméria antiga edição do Código de Hammurabi na Babilônia 17921750 aC primeiro código de normas de condutas preceituando esboços de direitos dos indivíduos consolidando os costumes e estendendo a lei a todos os súditos do Império Suméria e Pérsia edição por Ciro II no século VI aC de uma declaração de boa governança China nos séculos VI e V aC Confúcio lançou as bases para sua filosofia com ênfase na defesa do amor aos indivíduos Budismo introduziu um código de conduta pelo qual se prega o bem comum e uma sociedade pacífica sem prejuízo a qualquer ser humano Islamismo prescrição da fraternidade e solidariedade aos vulneráveis Herança grega na consolidação dos direitos humanos Consolidação dos direitos políticos com a participação política dos cidadãos com diversas exclusões Platão em sua obra A República 400 aC defendeu a igualdade e a noção do bem comum Aristóteles na Ética a Nicômaco salientou a importância do agir com justiça para o bem de todos da pólis mesmo em face de leis injustas Reflexão sobre a superioridade normativa de determinadas normas mesmo em face da vontade do poder A República Romana Contribuição na sedimentação do princípio da legalidade Consagração de vários direitos como propriedade liberdade personalidade jurídica entre outros Reconhecimento da igualdade entre todos os seres humanos em especial pela aceitação do jus gentium o direito aplicado a todos romanos ou não Marco Túlio Cícero retoma a defesa da razão reta recta ratio salientando na República que a verdadeira lei é a lei da razão inviolável mesmo em face da vontade do poder O Antigo e o Novo Testamento e as influências do cristianismo e da Idade Média Cinco livros de Moisés Torah apregoam solidariedade e preocupação com o bemestar de todos 18001500 aC Antigo Testamento faz menção à necessidade de respeito a todos em especial aos vulneráveis Cristianismo contribuiu para a disciplina há vários trechos da Bíblia Novo Testamento que pregam a igualdade e solidariedade com o semelhante Filósofos católicos também merecem ser citados em especial São Tomás de Aquino 3 A crise da Idade Média início da Idade Moderna e os primeiros diplomas de direitos humanos Na Idade Média europeia o poder dos governantes era ilimitado pois era fundado na vontade divina Contudo mesmo nessa época de autocracia surgem os primeiros movimentos de reivindicação de liberdades a determinados estamentos como a Declaração das Cortes de Leão adotada na Península Ibérica em 1188 e ainda a Magna Carta inglesa de 1215 A Declaração de Leão consistiu em manifestação que consagrou a luta dos senhores feudais contra a centralização e o nascimento futuro do Estado Nacional Por sua vez a Magna Carta consistiu em um diploma que continha um ingrediente ainda faltante essencial ao futuro regime jurídico dos direitos humanos o catálogo de direitos dos indivíduos contra o Estado Redigida em latim em 1215 o que explicita o seu caráter elitista a Magna Charta Libertatum consistia em disposições de proteção ao Baronato inglês contra os abusos do monarca João Sem Terra João da Inglaterra Depois do reinado de João Sem Terra a Carta Magna foi confirmada várias vezes pelos monarcas posteriores Apesar de seu foco nos direitos da elite fundiária da Inglaterra a Magna Carta traz em seu bojo a ideia de governo representativo e ainda direitos que séculos depois seriam universalizados atingindo todos os indivíduos entre eles o direito de ir e vir em situação de paz direito de ser julgado pelos seus pares vide Parte IV item 235 sobre o Tribunal do Júri acesso à justiça e proporcionalidade entre o crime e a pena Com o Renascimento e a Reforma Protestante a crise da Idade Média deu lugar ao surgimento dos Estados Nacionais absolutistas europeus A sociedade estamental medieval foi substituída pela forte centralização do poder na figura do rei Paradoxalmente com a erosão da importância dos estamentos Igreja e senhores feudais surge a igualdade de todos submetidos ao poder absoluto do rei Só que essa igualdade não protegeu os súditos da opressão e violência O exemplo maior dessa época de violência e desrespeito aos direitos humanos foi o extermínio de milhões de indígenas nas Américas apenas algumas décadas após a chegada de Colombo na ilha de São Domingo 1492 Não que não houvesse reação contrária ao massacre Houve célebre polêmica na metade do século XVI 15501551 na Espanha então grande senhora dos domínios no Novo Mundo entre o Frei Bartolomeu de Las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda então teólogo e jurista do próprio rei espanhol Las Casas merece ser citado como um dos notáveis defensores da dignidade de todos os povos indígenas contrariando a posição de Sepúlveda que os via como inferiores e desprovidos de direitos Na sua réplica final nesse debate doutrinário da época Las Casas condenou duramente o genocídio indígena afirmando que Os índios são nossos irmãos pelos quais Cristo deu sua vida Por que os perseguimos sem que tenham merecido tal coisa com desumana crueldade O passado e o que deixou de ser feito não tem remédio seja atribuído à nossa fraqueza sempre que for feita a restituição dos bens impiamente arrebatados 8 Por sua vez Francisco de Vitória um dos fundadores do direito internacional moderno reconheceu a humanidade dos povos autóctones das Américas bem como sustentou a aplicação em igualdade do direito internacional nas suas relações com os espanhóis 9 No século XVII o Estado Absolutista foi questionado em especial na Inglaterra A busca pela limitação do poder já incipiente na Magna Carta é consagrada na Petition of Right de 1628 pela qual novamente o baronato inglês representado pelo Parlamento estabelece o dever do Rei de não cobrar impostos sem a autorização do Parlamento no taxation without representation bem como se reafirma que nenhum homem livre podia ser detido ou preso ou privado dos seus bens das suas liberdades e franquias ou posto fora da lei e exilado ou de qualquer modo molestado a não ser por virtude de sentença legal dos seus pares ou da lei do país Essa exigência lei da terra consiste em parte importante do devido processo legal a ser implementado posteriormente Ainda no século XVII há a edição do Habeas Corpus Act 1679 que formalizou o mandado de proteção judicial aos que haviam sido injustamente presos existente até então somente no direito consuetudinário inglês common law No seu texto havia ainda a previsão do dever de entrega do mandado de captura ao preso ou seu representante representando mais um passo para banir as detenções arbitrárias ainda um dos grandes problemas mundiais de direitos humanos no século XXI Ainda na Inglaterra em 1689 após a chamada Revolução Gloriosa com a abdicação do Rei autocrático Jaime II e com a coroação do Príncipe de Orange Guilherme III é editada a Declaração Inglesa de Direitos a Bill of Rights 1689 pela qual o poder autocrático dos reis ingleses é reduzido de forma definitiva Não é uma declaração de direitos extensa pois dela consta basicamente a afirmação da vontade da lei sobre a vontade absolutista do rei Entre seus pontos estabelecese que é ilegal o pretendido poder de suspender leis ou a execução de leis pela autoridade real sem o consentimento do Parlamento que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento e que a liberdade de expressão e debates ou procedimentos no Parlamento não devem ser impedidos ou questionados por qualquer tribunal ou local fora do Parlamento Em continuidade ao já decidido na Revolução Gloriosa foi aprovado em 1701 o Act of Settlement que serviu tanto para fixar de vez a linha de sucessão da coroa inglesa banindo os católicos romanos da linha do trono e exigindo dos reis britânicos o vínculo com a Igreja Anglicana quanto para reafirmar o poder do Parlamento e a necessidade do respeito da vontade da lei resguardandose os direitos dos súditos contra a volta da tirania dos monarcas QUADRO SINÓTICO A crise da Idade Média início da Idade Moderna e os primeiros diplomas de direitos humanos Idade Média poder dos governantes era ilimitado pois era fundado na vontade divina Surgimento dos primeiros movimentos de reivindicação de liberdades a determinados estamentos como a Declaração das Cortes de Leão adotada na Península Ibérica em 1188 e a Magna Carta inglesa de 1215 Renascimento e Reforma Protestante crise da Idade Média deu lugar ao surgimento dos Estados Nacionais absolutistas e a sociedade estamental medieval foi substituída pela forte centralização do poder na figura do rei Com a erosão da importância dos estamentos Igreja e senhores feudais surge a ideia de igualdade de todos submetidos ao poder absoluto do rei o que não excluiu a opressão e a violência como o extermínio perpetrado contra os indígenas na América Século XVII o Estado Absolutista foi questionado em especial na Inglaterra A busca pela limitação do poder é consagrada na Petition of Rights de 1628 A edição do Habeas Corpus Act 1679 for maliza o mandado de proteção judicial aos que haviam sido injustamente presos existente tão somente no direito consuetudinário inglês common law 1689 após a Revolução Gloriosa edição da Declaração Inglesa de Direitos a Bill of Rights 1689 pela qual o poder autocrático dos reis ingleses é reduzido de forma definitiva 1701 aprovação do Act of Settlement que enfim fixou a linha de sucessão da coroa inglesa reafirmou o poder do Parlamento e da vontade da lei resguardandose os direitos dos súditos contra a volta da tirania dos monarcas 4 O debate das ideias Hobbes Grócio Locke Rousseau e os iluministas No campo das ideias políticas Thomas Hobbes defendeu em sua obra Leviatã 1651 em especial no Capítulo XIV que o primeiro direito do ser humano consistia no direito de usar seu próprio poder livremente para a preservação de sua própria natureza ou seja de sua vida É um dos primeiros textos que trata claramente do direito do ser humano pleno somente no estado da natureza Nesse estado o homem é livre de quaisquer restrições e não se submete a qualquer poder Contudo Hobbes conduz sua análise para a seguinte conclusão para sobreviver ao estado da natureza no qual todos estão em confronto o homem seria o lobo do próprio homem o ser humano abdica dessa liberdade inicial e se submete ao poder do Estado o Leviatã A razão para a existência do Estado consiste na necessidade de se dar segurança ao indivíduo diante das ameaças de seus semelhantes Com base nessa espécie de contrato entre o homem e o Estado justificase a antítese dos direitos humanos que é a existência do Estado que tudo pode Hobbes admite ainda que eventualmente o Soberano identificado como o Estado pode outorgar parcelas de liberdade aos indivíduos desde que queira Em síntese os indivíduos não possuiriam qualquer proteção contra o poder do Estado É claro que essa visão de Hobbes em que pese a proclamação de um direito pleno no estado da natureza o distancia da proteção atual de direitos humanos No mesmo século XVII outros autores defenderam a existência de direitos para além do estado da natureza de Hobbes Em primeiro lugar Hugo Grócio considerado um dos pais fundadores do Direito Internacional fez interessante debate sobre o direito natural e os direitos de todos os seres humanos No seu livro O direito da guerra e da paz 1625 Grócio defendeu a existência do direito natural de cunho racionalista mesmo sem Deus ousou dizer em pleno século XVII reconhecendo assim que suas normas decorrem de princípios inerentes ao ser humano Assim é dada mais uma contribuição de marca jusnaturalista ao arcabouço dos direitos humanos em especial no que tange ao reconhecimento de normas inerentes à condição humana Por sua vez a contribuição de John Locke é essencial pois defendeu o direito dos indivíduos mesmo contra o Estado um dos pilares do contemporâneo regime dos direitos humanos Para Locke em sua obra Segundo tratado sobre o governo civil 1689 10 o objetivo do governo em uma sociedade humana é salvaguardar os direitos naturais do homem existentes desde o estado da natureza Os homens então decidem livremente deixar o estado da natureza justamente para que o Estado preserve os seus direitos existentes Diferentemente de Hobbes não é necessário que o governo seja autocrático Pelo contrário para Locke o grande e principal objetivo das sociedades políticas sob a tutela de um determinado governo é a preservação dos direitos à vida à liberdade e à propriedade Logo o governo não pode ser arbitrário e seu poder deve ser limitado pela supremacia do bem público Nesse sentido os governados teriam o direito de se insurgir contra o governante que deixasse de proteger esses direitos Além disso Locke foi um dos pioneiros na defesa da divisão das funções do Poder tendo escrito que como pode ser muito grande para a fragilidade humana a tentação de ascender ao poder não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de legislar tenham também em suas mãos o poder de executar as leis pois elas poderiam se isentar da obediência às leis que fizeram e adequar a lei a sua vontade tanto no momento de fazêla quanto no ato de sua execução e ela teria interesses distintos daqueles do resto da comunidade contrários à finalidade da sociedade e do governo 11 Locke sustentou a existência do Poder Legislativo na sua visão o mais importante por representar a sociedade Executivo e Federativo este último vinculado às atividades de guerra e paz política externa Quanto ao Judiciário Locke considerouo parte do Poder Executivo na sua função de executar as leis Em síntese Locke é um expoente do liberalismo emergente tendo suas ideias influenciado o movimento de implantação do Estado Constitucional com separação das funções do poder e direitos dos indivíduos em vários países As ideias de Locke reverberaram especialmente no século XVIII com a consolidação da burguesia em vários países europeus O Estado Absolutista que havia comandado as grandes navegações e o auge do capitalismo comercial era naquele momento um entrave para o desenvolvimento futuro do capitalismo europeu que ansiava por segurança jurídica e limites à ação autocrática e com isso imprevisível do poder Na França o reformista Abbé Charles de SaintPierre defendeu em seu livro Projeto de paz perpétua 1713 o fim das guerras europeias e o estabelecimento de mecanismos pacíficos para superar as controvérsias entre os Estados em uma precursora ideia de federação mundial Surgiu então a obra Do contrato social 1762 de JeanJacques Rousseau que defendeu uma vida em sociedade baseada em um contrato o pacto social entre homens livres e iguais que estruturam o Estado para zelar pelo bemestar da maioria A igualdade e a liberdade são inerentes aos seres humanos que com isso são aptos a expressar sua vontade e exercer o poder A pretensa renúncia à liberdade e à igualdade pelos homens nos Estados autocráticos base do pensamento de Hobbes é inadmissível para Rousseau uma vez que tal renúncia seria incompatível com a natureza humana Para Rousseau portanto um governo arbitrário e liberticida não poderia sequer alegar que teria sido aceito pela população pois a renúncia à liberdade seria o mesmo que renunciar à natureza humana A inalienabilidade dos direitos humanos encontra já eco em Rousseau que consequentemente combate a escravidão aceita por Grócio e Locke por exemplo Quanto à organização do Estado Rousseau sustentou que os governos devem representar a vontade da maioria respeitando ainda os valores da vontade geral contribuindo para a consolidação tanto da democracia representativa quanto da possibilidade de supremacia da vontade geral em face de violações de direitos oriundas de paixões de momento da maioria As ideias de Rousseau estão inseridas no movimento denominado Iluminismo tradução da palavra alemã Aufklärung o século XVIII seria o século das luzes no qual autores como Voltaire Diderot e DAlembert entre outros defendiam o uso da razão para dirigir a sociedade em todos os aspectos 12 questionando o absolutismo e o viés religioso do poder o rei como filho de Deus tidos como irracionais Por sua vez Cesare Beccaria defendeu ideias essenciais para os direitos humanos em uma área crítica o Direito Penal Em sua obra Dos delitos e das penas 1766 Beccaria sustentou a existência de limites para a ação do Estado na repressão penal e balizando o jus puniendi com influência até os dias de hoje Kant no final do século XVIII 1785 13 defendeu a existência da dignidade intrínseca a todo ser racional que não tem preço ou equivalente Justamente em virtude dessa dignidade não se pode tratar o ser humano como um meio mas sim como um fim em si mesmo Esse conceito kantiano do valor superior e sem equivalente da dignidade humana será depois retomado no regime jurídico dos direitos humanos contemporâneos em especial no que tange à indisponibilidade e à proibição de tratamento do homem como objeto QUADRO SINÓTICO O debate das ideias Hobbes Grócio Locke Rousseau e os iluministas Thomas Hobbes Leviatã 1651 é um dos primeiros textos que versa claramente sobre o direito do ser humano que é ainda tratado como sendo pleno no estado da natureza Mas Hobbes conclui que o ser humano abdica de sua liberdade inicial e se submete ao poder do Estado o Leviatã cuja existência justificase pela necessidade de se dar segurança ao indivíduo diante das ameaças de seus semelhantes Entretanto os indivíduos não possuiriam qualquer proteção contra o poder do Estado Hugo Grócio Da guerra e da paz 1625 defendeu a existência do direito natural de cunho racionalista reconhecendo assim que suas normas decorrem de princípios inerentes ao ser humano John Locke Tratado sobre o governo civil 1689 defendeu o direito dos indivíduos mesmo contra o Estado um dos pilares do contemporâneo regime dos direitos humanos O grande e principal objetivo das sociedades políticas sob a tutela de um determinado governo é a preservação dos direitos à vida à liberdade e à propriedade Logo o governo não pode ser arbitrário e deve seu poder ser limitado pela supremacia do bem público Abbé Charles de SaintPierre Projeto de paz perpétua 1713 defendeu o fim das guerras europeias e o estabelecimento de mecanismos pacíficos para superar as controvérsias entre os Estados em uma precursora ideia de federação mundial JeanJacques Rousseau Do contrato social 1762 prega que a vida em sociedade é baseada em um contrato o pacto social entre homens livres e iguais qualidades inerentes aos seres humanos que estruturam o Estado para zelar pelo bemestar da maioria Um governo arbitrário e liberticida não poderia sequer alegar que teria sido aceito pela população pois a renúncia à liberdade seria o mesmo que renunciar à natureza humana sendo inadmissível Cesare Beccaria Dos delitos e das penas 1766 sustentou a existência de limites para a ação do Estado na repressão penal balizando os limites do jus puniendi que reverberam até hoje Kant Fundamentação da metafísica dos costumes 1785 defendeu a existência da dignidade intrínseca a todo ser racional que não tem preço ou equivalente Justamente em virtude dessa dignidade não se pode tratar o ser humano como um meio mas sim como um fim em si mesmo 5 A fase do constitucionalismo liberal e das declarações de direitos As revoluções liberais inglesa americana e francesa e suas respectivas Declarações de Direitos marcaram a primeira clara afirmação histórica dos direitos humanos A chamada Revolução Inglesa foi a mais precoce ver acima pois tem como marcos a Petition of Right de 1628 e o Bill of Rights de 1689 que consagraram a supremacia do Parlamento e o império da lei Por sua vez a Revolução Americana retrata o processo de independência das colônias britânicas na América do Norte culminado em 1776 e a criação da primeira Constituição do mundo a Constituição norteamericana de 1787 Várias causas concorreram para a independência norteamericana sendo a defesa das liberdades públicas contra o absolutismo do rei uma das mais importantes o que legitimou a emancipação Nesse sentido foi editada a Declaração do Bom Povo de Virgínia em 12 de junho de 1776 pouco menos de um mês da declaração de independência em 4 de julho composta por 18 artigos que contém afirmações típicas da promoção de direitos humanos com viés jusnaturalista como por exemplo todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes artigo I e ainda todo poder é inerente ao povo e consequentemente dele procede que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e em qualquer momento perante ele responsáveis artigo II A Declaração de Independência dos Estados Unidos de 4 de julho de 1776 escrita em grande parte por Thomas Jefferson estipulou já no seu início que todos os homens são criados iguais sendolhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis entre os quais se contam a Vida a Liberdade e a busca da Felicidade Que para garantir estes Direitos são instituídos Governos entre os Homens derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados marcando o direito político de autodeterminação dos seres humanos governados a partir de sua livre escolha Curiosamente a Constituição norteamericana de 1787 não possuía um rol de direitos uma vez que vários representantes na Convenção de Filadélfia que editou a Constituição temiam introduzir direitos humanos em uma Constituição que organizaria a esfera federal o que permitiria a consequente federalização de várias facetas da vida social Somente em 1791 esse receio foi afastado e foram aprovadas 10 Emendas que finalmente introduziram um rol de direitos na Constituição norteamericana Já a Revolução Francesa gerou um marco para a proteção de direitos humanos no plano nacional a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão adotada pela Assembleia Nacional Constituinte francesa em 27 de agosto de 1789 A Declaração Francesa é fruto de um giro copernicano nas relações sociais na França e logo depois em vários países O Estado francês préRevolução era ineficiente caro e incapaz de organizar minimamente a economia de modo a atender as necessidades de uma população cada vez maior As elites religiosas e da nobreza também se mostraram insensíveis a qualquer alteração do status quo capitaneada pela monarquia Esse impasse político na cúpula dirigente associado à crescente insatisfação popular foi o caldo de cultura para a ruptura que se iniciou na autoproclamação de uma Assembleia Nacional Constituinte em junho de 1789 pelos representantes dos Estados Gerais instituição representativa dos três estamentos da França prérevolução nobreza clero e um terceiro estado que aglomerava a grande e pequena burguesia bem como a camada urbana sem posses Em 12 de julho de 1789 iniciaramse os motins populares em Paris capital da França que culminaram em 14 de julho de 1789 na tomada da Bastilha prisão quase desativada cuja queda é até hoje o símbolo maior da Revolução Francesa Em 27 de agosto de 1789 a Assembleia Nacional Constituinte adotou a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e dos Povos que consagrou a igualdade e liberdade como direitos inatos a todos os indivíduos O impacto na época foi imenso aboliramse os privilégios direitos feudais e imunidades de várias castas em especial da aristocracia de terras O lema dos agora revolucionários era de clareza evidente liberdade igualdade e fraternidade liberté egalité et fraternité A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamou os direitos humanos a partir de uma premissa que permeará os diplomas futuros todos os homens nascem livres e com direitos iguais Há uma clara influência jusnaturalista pois já no seu início a Declaração menciona os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem São apenas dezessete artigos que acabaram sendo adotados como preâmbulo da Constituição francesa de 1791 e que condensam várias ideias depois esmiuçadas pelas Constituições e tratados de direitos humanos posteriores como por exemplo soberania popular sistema de governo representativo igualdade de todos perante a lei presunção de inocência direito à propriedade à segurança liberdade de consciência de opinião de pensamento bem como o dever do Estado Constitucional de garantir os direitos humanos Esse dever de garantia ficou expresso no sempre lembrado artigo 16 da Declaração que dispõe Toda sociedade onde a garantia dos direitos não está assegurada nem a separação dos poderes determinada não tem Constituição Também é importante marco para o desenvolvimento futuro dos direitos humanos o projeto de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã de 1791 proposto por Olympe de Gouges que reivindicou a igualdade de direitos de gênero Ainda em 1791 foi editada a primeira Constituição da França revolucionária que consagrou a perda dos direitos absolutos do monarca francês implantandose uma monarquia constitucional mas ao mesmo tempo reconheceu o voto censitário Em 1791 o Rei Luís XVI tentou fugir para reunirse a monarquias absolutistas que já ensaiavam intervir no processo revolucionário francês Após a invasão da França e derrota dos exércitos austroprussianos os revolucionários franceses decidem executar o Rei Luís XVI e sua mulher a Rainha Maria Antonieta 1793 Esse contexto de constante luta dos revolucionários com os exércitos das monarquias absolutistas europeias impulsionou a Revolução Francesa para além das fronteiras daquele país uma vez que os revolucionários temiam que as intervenções estrangeiras não cessariam até a derrota dos demais Estados autocráticos Esse desejo de espalhar os ideais revolucionários distinguiu a Revolução Francesa das anteriores revoluções liberais inglesa e americana mais interessadas na organização da sociedade local o que consagrou a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão como sendo a primeira com vocação universal Esse universalismo será o grande alicerce da futura afirmação dos direitos humanos no século XX com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos QUADRO SINÓTICO A fase do constitucionalismo liberal e das declarações de direitos As revoluções liberais inglesa americana e francesa e suas respectivas Declarações de Direitos marcaram a primeira afirmação histórica dos direitos humanos Revolução Inglesa teve como marcos a Petition of Rights de 1628 que buscou garantir determinadas liberdades individuais e o Bill of Rights de 1689 que consagrou a supremacia do Parlamento e o império da lei Revolução Americana retrata o processo de independência das colônias britânicas na América do Norte culminado em 1776 e ainda a criação da Constituição norteamericana de 1787 Somente em 1791 foram aprovadas 10 Emendas que finalmente introduziram um rol de direitos na Constituição norteamericana Revolução Francesa adoção da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Assembleia Nacional Constituinte francesa em 27 de agosto de 1789 que consagra a igualdade e liberdade que levou à abolição de privilégios direitos feudais e imunidades de várias castas em especial da aristocracia de terras Lema dos revolucionários liberdade igualdade e fraternidade liberté egalité et fraternité Projeto de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã de 1791 proposto por Olympe de Gouges reivindicou a igualdade de direitos de gênero 1791 edição da primeira Constituição da França revolucionária que consagrou a perda dos direitos absolutos do monarca francês implantandose uma monarquia constitucional mas ao mesmo tempo reconheceu o voto censitário Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão consagrada como sendo a primeira com vocação universal Esse universalismo será o grande alicerce da futura afirmação dos direitos humanos no século XX com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos 6 A fase do socialismo e do constitucionalismo social No final do século XVIII os jacobinos franceses defendiam a ampliação do rol de direitos da Declaração Francesa para abarcar também os direitos sociais como o direito à educação e assistência social Em 1793 os revolucionários franceses editaram uma nova Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão redigida com forte apelo à igualdade com reconhecimento de direitos sociais como o direito à educação Essa percepção da necessidade de condições materiais mínimas de sobrevivência foi ampliada pela persistência da miséria mesmo depois da implantação dos Estados Constitucionais liberais como na Inglaterra e na França pósrevolucionária Surgem na Europa do século XIX os movimentos socialistas que ganham apoio popular nos seus ataques ao modo de produção capitalista Proudhon socialista francês fez apelo inflamado à rejeição do direito de propriedade privada que considerou um roubo em seu livro de 1840 O que é a propriedade Karl Marx na obra A questão judaica 1843 questionou os fundamentos liberais da Declaração Francesa de 1789 defendendo que o homem não é um ser abstrato isolado das engrenagens sociais Para Marx os direitos humanos até então defendidos eram focados no indivíduo voltado para si mesmo para atender seu interesse particular egoístico dissociado da comunidade Assim não seria possível defender direitos individuais em uma realidade na qual os trabalhadores em especial na indústria europeia eram fortemente explorados Em 1848 Marx e Engels publicam o Manifesto do Partido Comunista no qual são defendidas novas formas de organização social de modo a atingir o comunismo forma de organização social na qual seria dado a cada um segundo a sua necessidade e exigido de cada um segundo a sua possibilidade As teses socialistas atingiram também a igualdade de gênero August Bebel defendeu em 1883 que na nova sociedade socialista a mulher seria totalmente independente tanto social quanto economicamente A mulher e o socialismo 1883 14 São inúmeras as influências da ascensão das ideias socialistas no século XIX No plano político houve várias revoluções malsucedidas até o êxito da Revolução Russa em 1917 que pelo seu impacto foi realizada no maior país do mundo em termos geográficos estimulou novos avanços na defesa da igualdade e justiça social No plano do constitucionalismo houve a introdução dos chamados direitos sociais que pretendiam assegurar condições materiais mínimas de existência em diversas Constituições tendo sido pioneiras a Constituição do México 1917 da República da Alemanha também chamada de República de Weimar 1919 e no Brasil a Constituição de 1934 No plano do Direito Internacional consagrouse pela primeira vez uma organização internacional voltada à melhoria das condições dos trabalhadores que foi a Organização Internacional do Trabalho criada em 1919 pelo próprio Tratado de Versailles que pôs fim à Primeira Guerra Mundial QUADRO SINÓTICO A fase do constitucionalismo social Antecedentes Final do século XVIII próprios jacobinos franceses defendiam a ampliação do rol de direitos da Declaração Francesa para abarcar também os direitos sociais como o direito à educação e assistência social 1793 revolucionários franceses editaram uma nova Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão redigida com forte apelo à igualdade com reconhecimento de direitos sociais como o direito à educação Europa do século XIX movimentos socialistas ganham apoio popular nos seus ataques ao modo de produção capitalista Expoentes Proudhon Karl Marx Engels August Bebel Revolução Russa 1917 estimulou novos avanços na defesa da igualdade e justiça social Introdução dos chamados direitos sociais que pretendiam assegurar condições materiais mínimas de existência em várias Constituições tendo sido pioneiras a Constituição do México 1917 da República da Alemanha também chamada de República de Weimar 1919 e no Brasil a Constituição de 1934 Plano do Direito Internacional consagrouse pela primeira vez uma organização internacional voltada à melhoria das condições dos trabalhadores a Organização Internacional do Trabalho criada em 1919 pelo próprio Tratado de Versailles que pôs fim à Primeira Guerra Mundial 7 A internacionalização dos direitos humanos Até meados do século XX o Direito Internacional possuía apenas normas internacionais esparsas referentes a certos direitos essenciais como se vê na temática do combate à escravidão no século XIX ou ainda na criação da OIT Organização Internacional do Trabalho 1919 que desempenha papel importante até hoje na proteção de direitos trabalhistas Contudo a criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos está relacionada à nova organização da sociedade internacional no pósSegunda Guerra Mundial 15 Como marco dessa nova etapa do Direito Internacional foi criada na Conferência de São Francisco em 1945 a Organização das Nações Unidas ONU O tratado institutivo da ONU foi denominado Carta de São Francisco A reação à barbárie nazista gerou a inserção da temática de direitos humanos na Carta da ONU que possui várias passagens que usam expressamente o termo direitos humanos com destaque ao artigo 55 alínea c que determina que a Organização deve favorecer o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça sexo língua ou religião Já o artigo seguinte o artigo 56 estabelece o compromisso de todos os Estadosmembros de agir em cooperação com a Organização para a consecução dos propósitos enumerados no artigo anterior Porém a Carta da ONU não listou o rol dos direitos que seriam considerados essenciais Por isso foi aprovada sob a forma de Resolução da Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948 em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos também chamada de Declaração de Paris que contém 30 artigos e explicita o rol de direitos humanos aceitos internacionalmente Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos tenha sido aprovada por 48 votos a favor e sem voto em sentido contrário houve oito abstenções Bielorrússia Checoslováquia Polônia União Soviética Ucrânia Iugoslávia Arábia Saudita e África do Sul Honduras e Iêmen não participaram da votação Nos seus trinta artigos são enumerados os chamados direitos políticos e liberdades civis artigos I ao XXI assim como direitos econômicos sociais e culturais artigos XXIIXXVII Entre os direitos civis e políticos constam o direito à vida e à integridade física o direito à igualdade o direito de propriedade o direito à liberdade de pensamento consciência e religião o direito à liberdade de opinião e de expressão e à liberdade de reunião Entre os direitos sociais em sentido amplo constam o direito à segurança social ao trabalho o direito à livre escolha da profissão e o direito à educação bem como o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar inclusive alimentação vestuário habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis direito ao mínimo existencial artigo XXV Quanto à ponderação e conflito dos direitos a Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH prevê em seu artigo XXIX que toda pessoa tem deveres para com a comunidade e estará sujeita às limitações de direitos para assegurar os direitos dos outros e de satisfazer às justas exigências da moral da ordem pública e do bemestar de uma sociedade democrática O artigo XXX determina que nenhuma disposição da Declaração pode ser interpretada para justificar ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades lá estabelecidos o que demonstra que os direitos não são absolutos Em virtude de ser a DUDH uma declaração e não um tratado há discussões na doutrina e na prática dos Estados sobre sua força vinculante Em resumo podemos identificar três vertentes possíveis i aqueles que consideram que a DUDH possui força vinculante por se constituir em interpretação autêntica do termo direitos humanos previsto na Carta das Nações Unidas tratado ou seja tem força vinculante ii há aqueles que sustentam que a DUDH possui força vinculante por representar o costume internacional sobre a matéria iii há finalmente aqueles que defendem que a DUDH representa tão somente a soft law na matéria que consiste em um conjunto de normas ainda não vinculantes mas que buscam orientar a ação futura dos Estados para que então venha a ter força vinculante Do nosso ponto de vista parte da DUDH é entendida como espelho do costume internacional de proteção de direitos humanos em especial quanto aos direitos à integridade física igualdade e devido processo legal 16 QUADRO SINÓTICO A fase da internacionalização dos direitos humanos Carta da Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos Nova organização da sociedade internacional no pósSegunda Guerra Mundial fatos anteriores levaram ao reconhecimento da vinculação entre a defesa da democracia e dos direitos humanos com os interesses dos Estados em manter um relacionamento pacífico na comunidade internacional Conferência de São Francisco abril a junho de 1945 Carta de São Francisco Declaração Universal dos Direitos Humanos também chamada de Declaração de Paris aprovada sob a forma de Resolução da Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948 em Paris III TERMINOLOGIA FUNDAMENTO E CLASSIFICAÇÃO 1 Terminologia os direitos humanos e os direitos fundamentais Os direitos essenciais do indivíduo contam com ampla diversidade de termos e designações direitos humanos direitos fundamentais direitos naturais liberdades públicas direitos do homem direitos individuais direitos públicos subjetivos liberdades fundamentais A terminologia varia tanto na doutrina quanto nos diplomas nacionais e internacionais A Constituição de 1988 acompanha o uso variado de termos envolvendo direitos humanos Inicialmente o art 4º II menciona direitos humanos Em seguida o Título II intitulase direitos e garantias fundamentais Nesse título o art 5º XLI usa a expressão direitos e liberdades fundamentais e o inciso LXXI adota a locução direitos e liberdades constitucionais Por sua vez o art 5º 1º menciona direitos e garantias fundamentais Já o art 17 adota a dicção direitos fundamentais da pessoa humana O art 34 ao disciplinar a intervenção federal insere uma nova terminologia direitos da pessoa humana art 34 VII b Quando trata das cláusulas pétreas a Constituição ainda faz menção à expressão direitos e garantias individuais art 60 4º No art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias há o uso novamente da expressão direitos humanos No Direito Internacional há também uma utilização livre de várias expressões A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 adota já no preâmbulo as locuções direitos do homem e direitos essenciais do homem A Declaração Universal dos Direitos Humanos por seu turno estabelece em seu preâmbulo a necessidade de respeito aos direitos do homem e logo após a fé nos direitos fundamentais do homem e ainda o respeito aos direitos e liberdades fundamentais do homem A Carta da Organização das Nações Unidas emprega a expressão direitos humanos preâmbulo e art 56 bem como liberdades fundamentais art 56 alínea c A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 revisada em 2007 lança mão da expressão direitos fundamentais e a Convenção Europeia de Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais de 1950 adotou a locução liberdade fundamental Essa imprecisão terminológica é resultado da evolução da proteção de certos direitos essenciais do indivíduo pela qual a denominação de tais direitos foi sendo alterada a partir do redesenho de sua delimitação e fundamento Nesse sentido o uso da expressão direito natural revela a opção pelo reconhecimento de que esses direitos são inerentes à natureza do homem Esse conceito e terminologia foram ultrapassados ao se constatar a historicidade de cada um destes direitos sendo os direitos humanos verdadeiros direitos conquistados Por sua vez a locução direitos do homem retrata a mesma origem jusnaturalista da proteção de determinados direitos do indivíduo no momento histórico de sua afirmação em face do Estado autocrático europeu no seio das chamadas revoluções liberais o que imprimiu um certo caráter sexista da expressão que pode sugerir preterição aos direitos da mulher No Canadá há o uso corrente da expressão direitos da pessoa apta a superar o sexismo da dicção direitos do homem Já a expressão direitos individuais é tida como excludente pois só abarcaria o grupo de direitos denominados de primeira geração ou dimensão direito à vida à igualdade à liberdade e à propriedade ver abaixo capítulo sobre a teoria das gerações de direitos Contudo há vários outros direitos tais como os direitos a um ambiente ecologicamente equilibrado e outros que não se amoldam nessa expressão direitos individuais Outra expressão muito usada em especial na doutrina de inspiração francesa é liberdade pública Novamente temese que essa terminologia seja excludente pois não englobaria os direitos econômicos e sociais Os direitos públicos subjetivos locução cunhada pela escola alemã de Direito Público do século XIX sugerem direitos contra o Estado Revelariam um conjunto de direitos que limita a ação estatal em benefício do indivíduo A evolução do papel do Estado saindo do EstadoGendarme para o Estado Social de Direito além da atual expansão da aplicação dos direitos humanos nas relações entre particulares torna essa expressão de menor utilização Finalmente chegamos a duas expressões de uso corrente no século XXI direitos humanos e direitos fundamentais Inicialmente a doutrina tende a reconhecer que os direitos humanos servem para definir os direitos estabelecidos pelo Direito Internacional em tratados e demais normas internacionais sobre a matéria enquanto a expressão direitos fundamentais delimitaria aqueles direitos reconhecidos e positivados pelo Direito Constitucional de um Estado específico Porém como vimos o Direito Internacional não é uniforme e nem utiliza a locução direitos humanos sempre Há casos recentes de uso da expressão direitos fundamentais em normas internacionais como se vê na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia redigida em 2000 e alterada em 2007 Também o Direito Constitucional de um país pode adotar a expressão direitos humanos como se viu acima em dispositivos da Constituição brasileira Uma segunda diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais também é comumente assinalada os direitos humanos não seriam sempre exigíveis internamente justamente pela sua matriz internacional tendo então uma inspiração jusnaturalista sem maiores consequências já os direitos fundamentais seriam aqueles positivados internamente e por isso passíveis de cobrança judicial pois teriam matriz constitucional Ora a evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos não se coaduna com essa diferenciação No sistema interamericano e europeu de direitos humanos os direitos previstos em tratados podem também ser exigidos e os Estados podem ser cobrados pelo descumprimento de tais normas como veremos Há aqueles que ainda questionam o uso da expressão direitos humanos por representar uma redundância uma vez que não há direito que não seja titularizado pelo ser humano ou suas emanações as pessoas jurídicas Apesar de tal redundância essa expressão é esclarecedora pois acentua a essencialidade de tais direitos para o exercício de uma vida digna sendo por isso adjetivados como humanos Com isso reconhecese que esses direitos são de todos sem qualquer outra consideração ou qualificativo Tratase então de ênfase e valorização da condição humana como atributo para o exercício desses direitos Assim o adjetivo humanos significa que tais direitos são atribuídos a qualquer indivíduo sendo assim considerados direitos de todos Muitos já utilizam uma união entre as duas expressões vistas acima direitos humanos e direitos fundamentais criandose uma nova terminologia direitos humanos fundamentais ou ainda direitos fundamentais do homem Essa união de termos mostra que a diferenciação entre direitos humanos representando os direitos reconhecidos pelo Direito Internacional e os direitos fundamentais representando os direitos positivados nas Constituições e leis internas perde a importância ainda mais na ocorrência de um processo de aproximação e mútua relação entre o Direito Internacional e o Direito interno na temática dos direitos humanos Essa aproximação entre o Direito Internacional e o Direito Nacional é consagrada no Brasil pela adoção do rito especial de aprovação congressual dos tratados de direitos humanos previsto no art 5º 3º na CF88 Esse rito especial consiste na aprovação de um tratado por maioria de 35 e em dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional para que o futuro tratado seja equivalente à emenda constitucional Assim um tratado de direitos humanos será equivalente à emenda constitucional ou seja um direito previsto em tratado direitos humanos será considerado um direito constitucional direito fundamental Outro ponto de aproximação entre direitos humanos e direitos fundamentais está no reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Brasil que deve agir na falha do Estado brasileiro em proteger os direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos Logo a efetividade dos direitos humanos é assegurada graças a uma sentença internacional irrecorrível que deve ser implementada pelo Estado brasileiro artigo 681 da Convenção Americana de Direitos Humanos Assim a antiga separação entre direitos humanos matriz internacional sem maior força vinculante e direitos fundamentais matriz constitucional com força vinculante gerada pelo acesso ao Poder Judiciário no tocante aos instrumentos de proteção fica diluída pois os direitos humanos também passaram a contar com a proteção judicial internacional Além disso vários desses direitos previstos nacionalmente foram também previstos internacionalmente Os direitos fundamentais espelham então os direitos humanos Assim uma interpretação nacional sobre determinado direito poderá ser confrontada e até corrigida internacionalmente como veremos neste Curso na análise do Caso da Guerrilha do Araguaia divergência de interpretação entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos Abrese a porta para a uniformização de interpretação erodindo o sentido de termos separado rigidamente o mundo internacional dos direitos humanos e mundo constitucional dos direitos fundamentais QUADRO SINÓTICO Terminologia os direitos humanos e os direitos fundamentais A imprecisão terminológica para designar os direitos essenciais à vida digna decorrem de evolução que levou ao redesenho de sua delimitação e fundamento Direito natural Opção pelo reconhecimento de que esses direitos são inerentes à natureza do homem Conceito ultrapassado ante a constatação da historicidade desses direitos Direitos do homem Retrata a mesma origem jusnaturalista da proteção de determinados direitos do indivíduo no momento histórico de sua afirmação perante o Estado autocrático europeu no seio das revoluções liberais Direitos individuais Terminologia tida como excludente pois só abarcaria o grupo de direitos denominados de primeira geração ou dimensão mas não os vários outros direitos que não se amoldam nesse termo Liberdade pública Terminologia tida como excludente pois não englobaria os direitos econômicos e sociais Direitos públicos subjetivos Termo cunhado pela escola alemã de Direito Público do século XIX sugere direitos contra o Estado conjunto de direitos que limita a ação estatal em benefício do indivíduo Direitos humanos e direitos fundamentais Terminologias mais utilizadas São comumente assim diferenciados direitos humanos matriz internacional sem maior força vinculante direitos fundamentais matriz constitucional com força vinculante gerada pelo acesso ao Poder Judiciário A distinção porém está ultrapassada por dois fatores maior penetração dos direitos humanos no plano nacional com a incorporação doméstica dos tratados inclusive no caso brasileiro com a possibilidade de serem equivalentes à emenda constitucional art 5º 3º força vinculante dos direitos humanos graças ao reconhecimento da jurisdição de órgãos com a Corte Interamericana de Direitos Humanos 2 Classificação dos direitos humanos 21 A TEORIA DO STATUS E SUAS REPERCUSSÕES Para entender o desenvolvimento do rol dos direitos humanos no mundo atual é importante estudar uma das teorias mais tradicionais referentes à relação do indivíduo com o Estado sob a ótica dos direitos que é a teoria do status desenvolvida no final do século XIX por Georg Jellinek 18511911 O contexto da elaboração dessa teoria é o repúdio de Jellinek ao denominado jusnaturalismo dos direitos humanos ancorado nas declarações liberais do século XVIII em especial na Declaração de Virgínia 1776 e na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 Na sua visão os direitos humanos devem ser traduzidos em normas jurídicas estatais para que possam ser garantidos e concretizados Por isso sua teoria relacionase com a posição do direito do indivíduo em face do Estado com previsão de mecanismos de garantia a serem invocados no ordenamento estatal Sua classificação então é pautada 1 pelo reconhecimento do caráter positivo dos direitos ou seja direitos previstos e regulados pelo Estado contrapondose à tese de inerência ou de que seriam direitos natos 2 pela afirmação da verticalidade defendendo que os direitos são concretizados na relação desigual entre indivíduo e Estado Como a teoria é construída no final do século XIX em seu livro Sistema de direitos públicos subjetivos 1892 não abarca os direitos humanos nas relações entre particulares efeito horizontal dos direitos humanos como veremos e também os direitos de titularidade difusa transindividual os direitos difusos como veremos Para Jellinek o indivíduo pode ser encontrado em quatro situações diante do Estado Na primeira situação o indivíduo encontrase em um estado de submissão que foi denominado status subjectionis ou status passivo O indivíduo se encontra em uma posição de subordinação em face do Estado que detém atribuições e prerrogativas aptas a vincular o indivíduo e exigir determinadas condutas ou ainda impor limitações proibições a suas ações Surgem então deveres do indivíduo que devem contribuir para o atingimento do bem comum A preocupação de Jellinek é não desvincular os direitos dos indivíduos da possibilidade do Estado impor deveres a fim de assegurar o interesse de todos Logo para Jellinek o cumprimento desses deveres leva à implementação dos direitos de todos Na segunda situação o indivíduo possui o status negativo status libertatis que é o conjunto de limitações à ação do Estado voltado ao respeito dos direitos do indivíduo O indivíduo exige respeito e contenção do Estado a fim de assegurar o pleno exercício de seus direitos na vida privada Nasce um espaço de liberdade individual ao qual o Estado deve respeito abstendose de qualquer interferência Jellinek com isso retrata a chamada dimensão subjetiva liberal ou clássica dos direitos humanos na qual os direitos têm o condão de proteger seu titular o indivíduo contra a intervenção do Estado É a resistência do indivíduo contra o Estado Ao Estado cabe a chamada prestação ou obrigação negativa deve se abster de determinada conduta como por exemplo não matar indevidamente não confiscar não prender sem o devido processo legal etc A terceira situação é denominada status positivo status civitatis e consiste no conjunto de pretensões do indivíduo para invocar a atuação do Estado em prol dos seus direitos O indivíduo tem o poder de provocar o Estado para que interfira e atenda seus pleitos A liberdade do indivíduo adquire agora uma faceta positiva apta a exigir mais do que a simples abstenção do Estado que era a característica do status negativo levando a proibição da omissão estatal Sua função original era exigir que o Estado protegesse a liberdade do indivíduo evitando que sua omissão gerasse violações devendo realizar prestações positivas Assim para proteger a vida o Estado deveria organizar e manter um sistema eficiente de policiamento e segurança pública Para assegurar o devido processo legal o Estado deveria organizar de modo eficiente os recursos materiais e humanos do sistema de justiça Porém com a evolução das demandas e com o surgimento de novos direitos emergem direitos a prestações sociais nos quais se cobra uma ação prestacional do Estado para assegurar direitos referentes à igualdade material como por exemplo direito à saúde direito à educação etc A quarta situação é a do status ativo status activus que consiste no conjunto de prerrogativas e faculdades que o indivíduo possui para participar da formação da vontade do Estado refletindo no exercício de direitos políticos e no direito de aceder aos cargos em órgãos públicos O poder do Estado é em última análise o poder do conjunto de indivíduos daquela comunidade política O Supremo Tribunal Federal invocou o status ativo no caso do direito de nomeação de aprovado em concurso público classificado entre o número disponível de vagas previsto no Edital Para o STF a Administração Pública está vinculada às normas do edital ficando obrigada a preencher as vagas previstas para o certame dentro do prazo de validade do concurso salvo diante de excepcional justificativa O candidato aprovado dentro do número de vagas tem um direito subjetivo à nomeação que vincula diretamente a Administração Para o Ministro Gilmar Mendes a acessibilidade aos cargos públicos constitui um direito fundamental expressivo da cidadania como bem observou a Ministra Cármen Lúcia na referida obra Esse direito representa dessa forma uma das faces mais importantes do status activus dos cidadãos conforme a conhecida teoria do status de Jellinek RE 598099MS rel Min Gilmar Mendes j 1082011 DJe de 3102011 com repercussão geral Na doutrina alemã Häberle defendeu a ampliação do status ativo para que se transformasse em um status activus processualis no qual o indivíduo possui o direito à participação no procedimento da tomada de decisão por parte do Poder Público Não se trata de somente se manifestar mas especialmente no direito de influenciar e ter sua posição levada em consideração na adoção de determinada decisão inclusive a dos Tribunais Constitucionais 17 O status activus processualis é visto por exemplo na adoção do amicus curiae e da audiência pública no processo do controle abstrato de constitucionalidade no Brasil Leis n 986899 e 986299 18 22 A TEORIA DAS GERAÇÕES OU DIMENSÕES A INEXAURIBILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS A teoria das gerações dos direitos humanos foi lançada pelo jurista francês de origem checa Karel Vasak que em Conferência proferida no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo França no ano de 1979 classificou os direitos humanos em três gerações cada uma com características próprias 19 Posteriormente determinados autores defenderam a ampliação da classificação de Vasak para quatro ou até cinco gerações 20 Cada geração foi associada na Conferência proferida por Vasak a um dos componentes do dístico da Revolução Francesa liberté egalité et fraternité liberdade igualdade e fraternidade Assim a primeira geração seria composta por direitos referentes à liberdade a segunda geração retrataria os direitos que apontam para a igualdade finalmente a terceira geração seria composta por direitos atinentes à solidariedade social fraternidade A primeira geração engloba os chamados direitos de liberdade que são direitos às prestações negativas nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo São denominados também direitos de defesa pois protegem o indivíduo contra intervenções indevidas do Estado possuindo caráter de distribuição de competências limitação entre o Estado e o ser humano Por regrar a atuação do indivíduo delimitando o seu espaço de liberdade e ao mesmo tempo estruturando o modo de organização do Estado e do seu poder são os direitos de primeira geração compostos por direitos civis e políticos Por isso são conhecidos como direitos ou liberdades individuais tendo como marco as revoluções liberais do século XVIII na Europa e Estados Unidos vide a evolução histórica dos direitos humanos Essas revoluções visavam restringir o poder absoluto do monarca impingindo limites à ação estatal São entre outros o direito à liberdade igualdade perante a lei propriedade intimidade e segurança traduzindo o valor de liberdade O papel do Estado na defesa dos direitos de primeira geração é tanto o tradicional papel passivo abstenção em violar os direitos humanos ou seja as prestações negativas quanto ativo pois há de se exigir ações do Estado para garantia da segurança pública administração da justiça entre outras A segunda geração de direitos humanos representa a modificação do papel do Estado exigindolhe um vigoroso papel ativo além do mero fiscal das regras jurídicas Esse papel ativo embora indispensável para proteger os direitos de primeira geração era visto anteriormente com desconfiança por ser considerado uma ameaça aos direitos do indivíduo Contudo sob a influência das doutrinas socialistas constatouse que a inserção formal de liberdade e igualdade em declarações de direitos não garantiam a sua efetiva concretização o que gerou movimentos sociais de reivindicação de um papel ativo do Estado para assegurar uma condição material mínima de sobrevivência Os direitos sociais são também titularizados pelo indivíduo e oponíveis ao Estado São reconhecidos o direito à saúde educação previdência social habitação entre outros que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento e são denominados direitos de igualdade por garantirem justamente às camadas mais miseráveis da sociedade a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos Os direitos humanos de segunda geração são frutos das chamadas lutas sociais na Europa e Américas sendo seus marcos a Constituição mexicana de 1917 que regulou o direito ao trabalho e à previdência social a Constituição alemã de Weimar de 1919 que em sua Parte II estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais e no Direito Internacional o Tratado de Versailles que criou a Organização Internacional do Trabalho reconhecendo direitos dos trabalhadores ver a evolução histórica dos direitos humanos Já os direitos de terceira geração são aqueles de titularidade da comunidade como o direito ao desenvolvimento direito à paz direito à autodeterminação e em especial o direito ao meio ambiente equilibrado São chamados de direitos de solidariedade São oriundos da constatação da vinculação do homem ao planeta Terra com recursos finitos divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana Posteriormente no final do século XX há aqueles como Paulo Bonavides que defendem o nascimento da quarta geração de direitos humanos resultante da globalização dos direitos humanos correspondendo aos direitos de participação democrática democracia direta direito ao pluralismo bioética e limites à manipulação genética fundados na defesa da dignidade da pessoa humana contra intervenções abusivas de particulares ou do Estado Bonavides agrega ainda uma quinta geração que seria composta pelo direito à paz em toda a humanidade anteriormente classificado por Vasak como sendo de terceira geração 21 Parte da doutrina critica a criação de novas gerações qual seria o limite apontando falhas na diferenciação entre as novas gerações e as anteriores além da dificuldade em se precisar o conteúdo e efetividade dos novos direitos 22 O Supremo Tribunal Federal utiliza a teoria geracional com a seguinte síntese os direitos de primeira geração direitos civis e políticos que compreendem as liberdades clássicas negativas ou formais realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCAs que se identifica com as liberdades positivas reais ou concretas acentuam o princípio da igualdade os direitos de terceira geração que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento expansão e reconhecimento dos direitos humanos caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis pela nota de uma essencial inexauribilidade MS 22164 rel Min Celso de Mello j 30101995 grifo não constante do original A teoria geracional é criticada nos dias de hoje por quatro defeitos Em primeiro lugar por transmitir de forma errônea o caráter de substituição de uma geração por outra Se os direitos humanos representam um conjunto mínimo de direitos necessário a uma vida única consequentemente uma geração não sucede a outra mas com ela interage estando em constante e dinâmica relação O direito de propriedade por exemplo deve ser interpretado em conjunto com os direitos sociais previstos no ordenamento o que revela a sua função social Após a consagração do direito ao meio ambiente equilibrado o direito de propriedade deve também satisfazer as exigências ambientais de uso Em segundo lugar a enumeração das gerações pode dar a ideia de antiguidade ou posteridade de um rol de direitos em relação a outros os direitos de primeira geração teriam sido reconhecidos antes dos direitos de segunda geração e assim sucessivamente o que efetivamente não ocorreu No Direito Internacional por exemplo os direitos sociais segunda geração foram consagrados em convenções internacionais do trabalho a partir do surgimento da Organização Internacional do Trabalho em 1919 antes mesmo que os próprios direitos de primeira geração cujos diplomas internacionais são do pósSegunda Guerra Mundial como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 Em terceiro lugar a teoria geracional é rechaçada por apresentar os direitos humanos de forma fragmentada e ofensiva à indivisibilidade característica que estudaremos em capítulo próprio Embora essa teoria geracional à primeira vista seja razoável para fins didáticos na prática serve como justificativa para a diferenciação do regime de implementação de uma geração em face da outra O caso sempre lembrado dessa consequência da teoria geracional é a diferença entre o regime de proteção dos direitos de primeira geração em relação aos direitos de segunda geração Em vários países combatemse com rigor a discriminação e as ofensas ao princípio da igualdade no tocante aos direitos individuais clássicos mas se aceitam as imensas desigualdades no âmbito dos direitos sociais Em quarto lugar o uso dessas divisões entre direitos é também criticável em face das novas interpretações sobre o conteúdo dos direitos Como classificar o direito à vida Em tese seria um direito tradicionalmente inserido na primeira geração de Vasak mas hoje há vários precedentes internacionais e nacionais que exigem que o Estado realize diversas prestações positivas para assegurar uma vida digna como por exemplo saúde moradia educação etc o que o colocaria na segunda geração O exemplo mais marcante dessa nova interpretação do conteúdo do direito à vida é a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH que exige um claro conteúdo social na promoção do direito à vida Para evitar tais riscos há aqueles que defendem o uso do termo dimensões em vez de gerações Teríamos então três quatro ou cinco dimensões de direitos humanos Apesar da mudança de terminologia restaria ainda a crítica da ofensa à indivisibilidade dos direitos humanos e aos novos conteúdos dos direitos protegidos que inviabilizam também a teoria dimensional dos direitos humanos Além da troca de terminologia geração por dimensão há a busca incessante por novas gerações com autores defendendo a existência de uma quarta geração ou mesmo uma quinta geração de direitos Apesar de não existir muita precisão sobre a consequência prática de considerarmos um direito como pertencente a uma quarta ou quinta geração ou dimensão essas novas gerações ou dimensões apontadas pela doutrina auxiliam o estudioso a compreender o fenômeno da produção de novos direitos também denominado inexauribilidade dos direitos humanos para atender a recentes demandas sociais da atualidade Com isso apesar das críticas a teoria das gerações continua a ser um instrumento didático de compreensão dos direitos humanos e sua inexauribilidade sempre há novas demandas sociais gerando novos direitos não podendo é claro ser usada para impedir a unidade dos direitos humanos e uma visão integral desse conjunto de direitos todos essenciais para uma vida humana digna 23 A CLASSIFICAÇÃO PELAS FUNÇÕES De acordo com suas funções os direitos humanos podem ser classificados como direitos de defesa direitos a prestações e direitos a procedimento e instituições Os direitos de defesa consistem no conjunto de prerrogativas do indivíduo voltado para defender determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público ou mesmo outro particular assegurando que 1 uma conduta não seja proibida 2 uma conduta não seja alvo de interferência ou regulação indevida por parte do Poder Público e 3 não haja violação ou interferência por parte de outro particular Os direitos de defesa então têm como consequência inicial a transformação desses direitos em um escudo contra o poder estatal concretizando exigências de abstenção derrogação e até mesmo anulação de atos do Estado o que gera a chamada eficácia vertical dos direitos humanos indivíduo x Estado Porém já é um consenso no Brasil que os direitos de defesa também podem ser invocados contra outros particulares consagrando a eficácia horizontal dos direitos humanos relação particular x particular Finalmente a assimetria entre os particulares consagrou ainda a eficácia diagonal dos direitos humanos que consiste na invocação de direitos nas relações entre os particulares nas quais uma das partes ostenta vulnerabilidade fazendo nascer uma prevalência de determinado direito de um particular sobre o outro 23 Além disso os direitos de defesa asseguram ao seu titular duas outras consequências além das anteriores i pretensão de consideração que exige do Estado levar em conta os direitos envolvidos antes de adotar determinada conduta e ainda ii a pretensão de proteção que gera o chamado dever de proteção ou seja o dever do Estado de agir contra outros particulares que podem violar esses direitos também chamada de dimensão objetiva dos direitos humanos Quer sejam invocados contra o Estado ou contra outro particular exigindose do Estado que interfira a favor do titular e contra o particular que viola esse direito os direitos de defesa estabelecem uma esfera jurídica de autonomia e autodeterminação dos indivíduos protegendoos contra condutas do Estado ou de terceiros É possível classificar os direitos de defesa em três subespécies os direitos ao não impedimento liberdade de expressão por exemplo direitos ao não embaraço por exemplo direito à inviolabilidade domiciliar intimidade e sigilos diversos e finalmente direitos a não supressão de determinadas situações jurídicas defesa do direito de propriedade por exemplo O Estado então no que tange aos direitos de defesa é o inimigo da liberdade individual e os direitos humanos têm a função de preservar o indivíduo contra as ingerências indevidas do governante 24 Por sua vez os direitos à prestação são aqueles que exigem uma obrigação estatal de ação para assegurar a efetividade dos direitos humanos É uma verdadeira superação do dogma do Estado inimigo dos direitos humanos Pelo contrário o Estado agora é o Estado amigo chamado a realizar condutas de proteção aos direitos para dar existência real aos direitos previstos no ordenamento jurídico Essas condutas estatais podem ser divididas em prestações jurídicas e prestações materiais A prestação jurídica é realizada pela elaboração de normas jurídicas que disciplinam a proteção de determinado direito Assim o devido processo legal para ser protegido exigirá uma atuação estatal de regulação de normas processuais e procedimentais adequadas Já a prestação material consiste na intervenção do Estado provendo determinada condição material para que o indivíduo frua adequadamente seu direito Por exemplo no caso do direito à saúde o Estado deve realizar prestações materiais por meio de construção de hospitais equipamentos equipe médica e ainda fornecimento gratuito de medicamentos tudo para assegurar materialmente o efetivo gozo do direito à saúde Os direitos à prestação jurídica acarretam discussão sobre a criação de medidas específicas de combate à inércia do Estado em legislar como ocorreu no Brasil com a criação do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão No caso das prestações materiais veremos em ponto específico a consequência desses direitos de prestação que vem a ser a possibilidade de exigir judicialmente que o Estado realize essas prestações em um contexto de recursos finitos e necessidades de escolhas entre quais prestações devem ser realizadas em primeiro lugar Finalmente os direitos podem ser classificados como direitos a procedimentos e organizações que são aqueles que têm como função exigir do Estado que estruture órgãos e corpo institucional apto por sua competência e atribuição a oferecer bens ou serviços indispensáveis à efetivação dos direitos humanos Essa categoria é corolário dos direitos à prestação mas com o traço distintivo de focar a estrutura administrativa e institucional do Estado o que para tal classificação é também importante para a efetividade dos direitos humanos A consequência dessa classificação é justamente permitir que determinadas condutas do Estado voltadas a desmantelar uma instituição essencial para a efetividade dos direitos humanos seja passível de questionamento por em última análise representar uma violação do direito que aquela instituição zelava 24 A CLASSIFICAÇÃO PELA FINALIDADE OS DIREITOS E AS GARANTIAS Os direitos humanos podem ser classificados de acordo com a finalidade De um lado há os direitos propriamente ditos que são os dispositivos normativos que visam o reconhecimento jurídico de pretensões inerentes à dignidade de todo ser humano De outro lado temos as previsões normativas que asseguram a existência desses direitos propriamente ditos sendo denominadas garantias fundamentais As garantias fundamentais visam assegurar a fruição dos direitos propriamente ditos O reconhecimento da existência das garantias fundamentais tem como importante consequência a proteção constitucional e internacional como veremos nas garantias internacionais contra a supressão legislativa ou ainda contra a eventual modificação erosiva de emendas constitucionais por constituíremse em cláusulas pétreas Por sua vez as garantias fundamentais podem ser classificadas em várias espécies ver mais na Parte IV Em primeiro lugar há a divisão entre as chamadas garantias em sentido amplo e as garantias em sentido estrito os chamados remédios fundamentais Em segundo lugar podemos dividir as garantias de acordo com a origem nacional garantias nacionais ou ainda internacional garantias internacionais As garantias fundamentais em sentido amplo consistem em um conjunto de meios de índole institucional e organizacional que visa assegurar a efetividade e observância dos direitos humanos É possível ainda denominar essas garantias em sentido amplo garantias institucionais uma vez que contemplam estruturas institucionais públicas por exemplo o Ministério Público e a Defensoria Pública e privadas por exemplo liberdade de imprensa imprescindíveis à plena efetividade dos direitos humanos Em relação às garantias institucionais públicas listamos cinco exemplos de instrumentos de índole institucional e organizacional que servem para assegurar os direitos humanos no Brasil A primeira garantia em sentido amplo dos direitos humanos é a garantia diante do Poder Legislativo que deve legislar conforme aos direitos humanos A nossa Constituição lista vários direitos em seu corpo dotandoos naturalmente do estatuto constitucional superior às leis Assim o controle de constitucionalidade das leis serve como garantia dos direitos humanos Mesmo a emenda constitucional pode ser fulminada se tender a abolir os direitos e garantias individuais art 60 4º IV da CF88 A segunda garantia em sentido amplo consiste na exigência da reserva de lei para a atuação do Poder Público que consta como princípio da Administração Pública brasileira previsto no art 37 da CF88 A terceira garantia em sentido amplo é a cláusula da reserva de jurisdição ou reserva absoluta de jurisdição que consiste na exigência de autorização judicial prévia para a restrição e supressão de determinado direito Consiste no monopólio da primeira palavra ou monopólio do juiz no linguajar de Canotilho 25 pelo qual em certos casos de apreciação de restrição de direitos a jurisdição deve dar não somente a última palavra mas também a primeira palavra autorizando ou negando A Constituição Federal de 1988 aceitou a garantia da reserva absoluta de jurisdição ao dispor que determinados atos de grave intervenção em direitos individuais somente podem ser deferidos pelo Poder Judiciário com a exclusão de todas as demais autoridades públicas De acordo com o Supremo Tribunal Federal a garantia constitucional da reserva da jurisdição incide sobre as hipóteses de i busca domiciliar CF art 5º XI ii interceptação telefônica CF art 5º XII e iii decretação da prisão ressalvada a situação de flagrância penal CF art 5º LXI conferir no MS 23639DF rel Min Celso de Mello publicado no DJ em 162 2001 Por outro lado não há falar em reserva de jurisdição na quebra ou transferência de sigilos bancário fiscal e de registros telefônicos pois no teor da Constituição Federal essas podem inclusive ser determinadas por Comissão Parlamentar de Inquérito STF MS 23480 rel Min Sepúlveda Pertence DJU de 1592000 A quarta garantia em sentido amplo consiste no próprio acesso à justiça ou universalidade da jurisdição que se funda na possibilidade de se atacar perante o Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito art 5º XXXV da CF88 A quinta garantia em sentido amplo consiste na implantação do novo perfil do Ministério Público e da Defensoria Pública que em seus respectivos âmbitos de atuação são indispensáveis à proteção dos direitos fundamentais No caso do Ministério Público por exemplo esse novo perfil engloba prerrogativas que concernem à autonomia administrativa e financeira dessa instituição ao processo de escolha nomeação e destituição de seu titular e ao poder de iniciativa dos projetos de lei relativos à sua organização ADI 2378 rel Min Maurício Corrêa j 1952004 Plenário DJ de 692007 No mesmo sentido o STF reconheceu que a independência e a autonomia do Ministério Público representam garantias institucionais que foram feridas pela previsão de nomeação de Promotor Ad hoc pela Corregedoria do Poder Judiciário de Goiás ADI 2874 rel Min Marco Aurélio j 882003 Plenário DJ de 3102003 Consequentemente uma emenda constitucional hipotética que buscasse eliminar esse novo perfil seria inconstitucional por ofensa à garantia de direitos humanos vide Parte III item 24 sobre cláusulas pétreas Esses exemplos não são exaustivos Por exemplo há quem defenda que a laicidade do Estado caracterizase como uma verdadeira garantia institucional da liberdade religiosa individual 26 O STF reconheceu por exemplo que o art 16 da Constituição Art 16 A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência consiste em uma garantia institucional da anualidade voto do Min Gilmar Mendes em julgamento no qual o STF à unanimidade decidiu não aplicar às Eleições de 2006 a EC 52 ver ADI 3685 rel Min Ellen Gracie j 2232006 Plenário DJ de 1082006 Na mesma linha o STF entendeu que a imunidade parlamentar é garantia institucional deferida ao Congresso Nacional O congressista isoladamente considerado não tem sobre ela qualquer poder de disposição não cabendo então falar de renúncia à imunidade Inq 510DF rel Min Celso de Mello Plenário unânime DJ de 1941991 Quanto às garantias institucionais de índole privada reconhecese um feixe de dispositivos que representam instituições como o casamento família maternidade opinião pública aptos a abrigar diversos direitos humanos e que merecem assim proteção especial Porém devemos ficar atentos com uma banalização do conceito de garantia institucional que pode gerar decisionismo e arbítrio na solução de conflitos entre garantias institucionais que só pode ser utilizado para definir uma forma de organização do Estado ou da sociedade cuja existência é indispensável para assegurar determinado direito fundamental Já as garantias fundamentais em sentido estrito consistem no conjunto de mecanismos processuais ou procedimentais destinada a proteger os direitos essenciais dos indivíduos Essas garantias são de ordem nacional e internacional No plano nacional as garantias em sentido estrito estão previstas na própria Constituição brasileira e são denominadas remédios constitucionais a saber habeas corpus mandado de segurança habeas data mandado de injunção direito de petição ação popular e ação civil pública No plano internacional que interessa ao Brasil há o direito de petição internacional a órgãos quase judiciais como Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Comitês estabelecidos em determinados tratados universais celebrados no âmbito da Organização das Nações Unidas Cabe lembrar que no sistema europeu de direitos humanos há ainda o direito de ação internacional das vítimas de violação de direitos humanos contra os Estados responsáveis pela conduta ofensiva 25 A CLASSIFICAÇÃO ADOTADA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 A Constituição de 1988 dividiu os direitos humanos com base no seu Título II denominado sugestivamente Dos Direitos e Garantias Fundamentais em cinco categorias a saber a direitos e deveres individuais e coletivos b direitos sociais c direitos de nacionalidade d direitos políticos e e partidos políticos Essa enumeração não é exaustiva uma vez que o art 5º 2º da Constituição prevê o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais também denominado abertura da Constituição aos direitos humanos dispondo que os direitos previstos não excluem outros decorrentes do regime e princípios da Constituição além dos que estão mencionados no restante do texto da Constituição e em tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil 251 Direitos individuais Os direitos individuais consistem no conjunto de direitos cujo conteúdo impacta a esfera de interesse protegido de um indivíduo Por isso são também considerados como sinônimos de direitos de primeira geração pois representam os direitos clássicos de liberdade de agir do indivíduo em face do Estado e dos demais membros da coletividade Representam direitos tanto a ações negativas do Estado abstenção de agir do Estado quanto a ações positivas prestações Na Constituição brasileira são conhecidos também como sendo os direitos do rol do art 5º no qual constam os direitos à vida liberdade segurança individual integridade física igualdade perante a lei intimidade entre outros Essa denominação é imperfeita pois o Supremo Tribunal Federal estabelece que os direitos individuais podem ser encontrados em qualquer parte da Constituição De qualquer modo o art 5º impressiona pela elasticidade na enumeração de incisos e parágrafos contendo nada menos que 78 incisos e quatro parágrafos tendo a Constituição de 1988 atendido a um anseio liberalizante após anos e anos de ditadura militar Por outro lado o regime jurídico dos direitos individuais é robusto são de aplicação imediata art 5º 1º e ainda componentes do núcleo pétreo da Constituição art 60 4º IV tornandoos elementos centrais na identidade constitucional imutável do Brasil A definição de direito individual referente ao conteúdo de afetação somente a interesses de um indivíduo permite que sejam identificados tais direitos em toda a Constituição inclusive nos chamados direitos políticos por exemplo o direito de voto e nos direitos sociais direito à saúde e à educação tem claro perfil de atendimento à pretensão individual Além disso a restrição do termo direitos individuais aos direitos que constam somente do art 5º poderia produzir interpretações restritas quanto ao conjunto de direitos protegido pela imutabilidade do art 60 4º IV e quanto ao alcance do art 5º 1º aplicação imediata 252 Direitos sociais Os direitos sociais consistem em um conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode exigir prestações do Estado ou da sociedade ou até mesmo a abstenção de agir tudo para assegurar condições materiais e socioculturais mínimas de sobrevivência Historicamente os direitos sociais são frutos das revoluções socialistas em diversos países tendo sido inseridos no campo constitucional de modo pioneiro na Constituição do México de 1917 e na Constituição de Weimar Alemanha de 1919 No Direito Internacional o Tratado de Versailles 1919 é inovador ao constituir a Organização Internacional do Trabalho existente até hoje e que tem como missão precípua a defesa dos direitos dos trabalhadores No Brasil a Constituição de 1934 é o marco inicial da introdução dos direitos sociais porém estes foram incluídos no capítulo da ordem econômica e social Já a Constituição de 1988 tem um capítulo específico Direitos Sociais arts 6º ao 11 no Título II Direitos e Garantias Fundamentais e ainda consagrou o princípio da não exaustividade dos direitos sociais o que permite extrair novos direitos sociais decorrentes do regime e princípios bem como dos tratados celebrados pelo Brasil art 5º 2º O conteúdo dos direitos sociais é inicialmente prestacional exigindose ação do Estado e da sociedade para superar desigualdades fáticas e situação material ofensiva à dignidade Todavia há também direitos sociais de abstenção ou de defesa pelos quais o Estado deve se abster de interferir de modo indevido em determinado direito social como por exemplo a liberdade de associação sindical ou ainda o direito de greve Rothenburg defende a teoria unitária dos direitos humanos pela qual a própria categoria direitos sociais é questionada uma vez que todos os direitos possuem uma carga de abstenção e uma carga prestacional 27 É possível ainda classificar os direitos sociais em direitos originários ou derivados a prestações sociais Os direitos sociais originários são aqueles que advêm do texto constitucional ou mesmo de um tratado de direitos humanos sem necessidade de posterior implementação legislativa ou administrativa Restaria ao titular do direito social a busca dessas prestações fáticas por meio do acesso à justiça gerando a crítica denominada objeção democrática pela qual o Estadojuiz não poderia ofender a separação de poderes e alocar recursos decisão do Poder Executivo retirandoos de outras áreas para satisfazer determinado direito social Com isso o Estadojuiz teria que se defrontar com a necessidade de traçar até as linhas básicas de implementação daquele direito Já o direito social derivado é aquele que já possui alguma regulamentação legal ou administrativa e que pode ser então objeto de apreciação judicial sob dois prismas o prisma da igualdade assegurando que tal implementação deve ser feita de modo a assegurar acesso igualitário a todos e ainda o prisma da segurança e confiança no Estado impedindo que haja inconstância na prestação e proibindose o retrocesso Desde a edição da Constituição de 1988 houve várias emendas constitucionais que adicionaram novos direitos sociais ao rol de direitos fundamentais previsto no caput do art 6º a direito à moradia EC 262000 b direito à alimentação EC 642010 direito ao transporte EC 912015 253 Direito à nacionalidade Tradicionalmente a nacionalidade é definida como sendo o vínculo jurídico entre determinada pessoa denominada nacional e um Estado pelo qual são estabelecidos direitos e deveres recíprocos No século XX com a consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos a nacionalidade passa também a ser considerada direito essencial previsto no artigo XV da Declaração Universal dos Direitos Humanos e em diplomas normativos internacionais posteriores O povo é formado pelo conjunto de nacionais sendo elemento subjetivo do Estado A fixação de regras para a determinação da nacionalidade foi lenta e somente se desenvolveu a partir das revoluções liberais que geraram a consequente afirmação da participação popular no poder Assim era necessário determinar quem era nacional ou seja quem era membro do povo e por consequência deveria participar direta ou indiretamente da condução dos destinos do Estado A França foi o primeiro Estado no pósRevolução de 1789 a estabelecer regras constitucionais referentes à nacionalidade Constituição de 1791 arts 2º a 6º O modelo francês de instituir as regras sobre nacionalidade no texto constitucional foi seguido pelo Brasil e a Constituição de 1988 estabelece as regras básicas sobre a nacionalidade em seu art 12 Há ainda normas internacionais de direitos humanos dispondo sobre a nacionalidade como a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 que prevê que todos têm direito a uma nacionalidade e ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade artigo XV A Convenção Americana de Direitos Humanos já ratificada e incorporada ao ordenamento brasileiro também dispõe que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade e ninguém pode ser privado arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudála art 20 A Corte Interamericana de Direitos Humanos inclusive já emitiu opinião consultiva sobre o direito à nacionalidade Parecer n 484 e também analisou o conteúdo dos deveres dos nacionais cotejo com o crime de traição no caso Castillo Petruzzi O reconhecimento do direito fundamental à nacionalidade traz importantes consequências 1 exige que a interpretação de dúvida na concessão da nacionalidade a estrangeiro seja feita em prol da concessão 2 exige que a interpretação da perda da nacionalidade seja sempre restritiva de modo a favorecer a manutenção do vínculo caso o indivíduo assim queira 3 não pode o Estado obstar o desejo legítimo do indivíduo de renunciar e mudar de nacionalidade ver mais sobre o direito à nacionalidade na Parte IV 254 Direitos políticos e os partidos Os direitos políticos constituem em um conjunto de direitos de participação na formação da vontade do poder e sua gestão Expressam a soberania popular representada na máxima todo poder emana do povo prevista no art 1º da Constituição de 1988 Os direitos políticos são compostos por direitos de participação permitindo o exercício do poder pelo povo de modo direto a chamada democracia direta ou participativa ou indireto a chamada democracia indireta ou representativa Essa participação não se dá tão somente no exercício do direito de votar e ser votado mas também na propositura de projetos de lei iniciativa popular e na ação fiscalizatória sobre os governantes a ação popular No Brasil os direitos políticos são exercidos não somente pelo direito de votar e ser votado em eleições mas também por instrumentos de democracia direta tais como o plebiscito o referendo a iniciativa popular CF88 art 14 I a III regidos pela Lei n 970998 e no que tange à fiscalização do Poder pela ação popular art 5º LXXIII Para evitar manipulações dispõe o art 16 da CF88 que a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação porém não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência Esse artigo representa a chamada regra da anualidade eleitoral que garante o direito de segurança e de certeza jurídicas do cidadãoeleitor contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral ADI 3345 rel Min Celso de Mello e ADI 3685 rel Min Ellen Gracie j 2232006 O exercício dos direitos políticos separa o conceito de cidadania do conceito de nacionalidade O cidadão é aquele que exerce direitos políticos Já o nacional é aquele que possui um vínculo jurídico com um determinado Estado fixando direitos e deveres recíprocos Em geral a nacionalidade é pressuposto básico para a obtenção da condição de cidadão mas mesmo no Brasil há caso de exercício de direitos políticos por estrangeiro não nacional no que tange aos portugueses em situação de igualdade de direitos CF88 art 12 No Brasil os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado criadas para assumir o poder e realizar seu ideário ideológico A minirreforma eleitoral de 2017 Lei n 134882017 estabeleceu que poderá participar das eleições o partido que até seis meses antes do pleito i tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral e ii tenha até a data da convenção órgão de direção constituído na circunscrição de acordo com o respectivo estatuto Apesar de não se constituir em um direito propriamente dito a Constituição listou o partido político no seu Título II Direitos e Garantias Fundamentais Isso ocorre pelas seguintes razões 1ª a menção no art 1º parágrafo único da CF88 de que Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos implica a existência de um vínculo entre os eleitores e o eleito denominado representação política 2ª em seguida a Constituição considera que não é possível candidatura política avulsa todos os que almejam ser representantes políticos têm que se filiar a um partido político A Constituição de 1988 criou então uma democracia partidária ou partidocracia por meio da qual se instalou um vínculo tricotômico absolutamente necessário eleitores candidatos e partidos políticos ADI 3999 rel Min Joaquim Barbosa passagem de voto do Min Carlos Brito Esse vínculo entre partido político e os direitos políticos foi consagrado nas decisões do Poder Judiciário brasileiro sobre a perda do mandato por infidelidade partidária que consiste na perda do cargo ou mandato eletivo pela saída imotivada de um mandatário do partido pelo qual foi eleito Para o Supremo Tribunal Federal o mandatário eleito vinculase a determinado partido político a cujo programa e ideário se subordinou Essa ruptura dos vínculos de caráter partidário provocada pela saída do mandatário sem justa causa do partido pelo qual se elegeu subverte o sentido das instituições ofende o senso de responsabilidade política traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de origem compromete o modelo de representação popular e frauda de modo acintoso e reprovável a vontade soberana dos cidadãos eleitores voto do Min Celso de Mello STF MS 266031DF A Lei n 909695 Lei dos Partidos Políticos alterada pela Lei n 131652015 e a Resolução n 226102007 do TSE dispõem sobre as hipóteses de justa causa a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário foi o partido quem traiu b grave discriminação pessoal espécie de bullying partidário contra o político que reage saindo do partido A consequência de saída sem justa causa é a perda do mandato A Lei n 131652015 acrescentou uma janela de infidelidade possibilitando desfiliação imotivada e sem perda do mandato durante 30 dias no sétimo mês que antecede as eleições ao término do mandato vigente à época art 3º Em 2015 o Supremo Tribunal Federal decidiu em ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Procuradoria Geral da República que a perda de mandato por infidelidade partidária só atinge os eleitos em eleições proporcionais No caso das eleições majoritárias prefeitos governadores presidente e seus respectivos vices bem como os Senadores a Corte Maior entendeu que há ênfase na figura do candidato o que faz com que a perda do mandato no caso de mudança de partido frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular ADI 5081DF voto do rel Min Roberto Barroso j 2752015 Em 2016 foi aprovada a Emenda Constitucional n 91 pela qual ficou facultado ao detentor de mandato eletivo desligarse do partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à promulgação da Emenda 18 de fevereiro sem prejuízo do mandato não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão Essa segunda janela de infidelidade a primeira foi a da Lei n 131652015 vista acima desvaloriza o ideal constitucional de fortalecimento da democracia representativa por intermédio de partidos políticos uma vez que o mandato eletivo é partidário e a mudança injustificada feita por detentor de cargo eletivo escolhido pelo sistema eleitoral proporcional não deve ser vista como um ato sem maiores consequências mas sim como um ato contra a vontade popular expressa nas urnas Por sua vez a menção aos partidos políticos inserida em um Título referente a direitos e garantias fundamentais realça a importância do partido para o exercício dos direitos políticos e da democracia Nessa linha decidiu o Tribunal Superior Eleitoral que As greis partidárias podem ser qualificadas juridicamente como entidades integrantes do denominado espaço público ainda que não estatal o que se extrai da centralidade dispensada em nosso regime democrático aos partidos essenciais que são ao processo decisório e à legitimidade na conformação do poder político Tribunal Superior Eleitoral MS 060145316 rel Min Luiz Fux julgado em sessão de 2992016 Por sua vez o art 17 1º da CF88 assegura aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna organização e funcionamento afastando o fantasma das restrições aos partidos criadas pela ditadura militar brasileira Essas restrições levaram por exemplo ao bipartidarismo forçado imposto pela ditadura na época só eram permitidos dois partidos a Aliança de Renovação Nacional Arena governista e o Movimento Democrático Brasileiro MDB oposicionista A Constituição de 1988 acata o pluralismo político como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito art 1º V impedindo restrições indevidas à liberdade de criação de partidos que em setembro de 2019 já alcançam o número de 33 com registro deferido no Tribunal Superior Eleitoral A EC 972017 deu nova redação ao art 17 1º da CF88 reforçando a autonomia partidária para definir a estrutura interna do partido e estabelecer regras sobre escolha formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento A EC 972017 ainda deu autonomia aos partidos para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias vedada a sua celebração nas eleições proporcionais sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional estadual distrital ou municipal devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária Contudo a proibição das criticadas coligações partidárias nas eleições proporcionais só valerá por previsão da própria EC 972017 a partir das Eleições de 2020 são permitidas ainda as coligações para cargos majoritários Além disso a EC 972017 instituiu a cláusula de barreira ou desempenho pela qual os partidos políticos só terão acesso aos recursos do fundo partidário e ao uso gratuito do rádio e televisão o chamado direito de antena eleitoral caso obtenham i nas eleições para a Câmara dos Deputados no mínimo 3 três por cento dos votos válidos distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação 9 unidades com um mínimo de 2 dois por cento dos votos válidos em cada uma delas ou ii tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação Há regras de transição com o cumprimento pleno da regra somente na legislatura seguinte às eleições de 2030 Cabe ressaltar que diversos partidos hoje não cumpririam o desempenho exigido Em mais um movimento para eliminar o número de partidos com baixa repercussão eleitoral a EC 97 permitiu mais uma janela de infidelidade ao autorizar que o eleito por partido que não superou a barreira filiese a outro partido que a tenha atingido 28 Como há regras de transição entendo que a janela de infidelidade pode ser aplicada a partir das Eleições de 2018 no início da legislatura de 2019 O partido político Rede Sustentabilidade ingressou com ação direta de inconstitucionalidade contra resolução da Câmara dos Deputados que a pretexto de regular a cláusula de barreira restringiu o funcionamento parlamentar do citado partido Para a Rede Sustentabilidade o art 17 3º da CF88 com redação dada pela EC 972017 restringiu o acesso à distribuição de recursos públicos do fundo partidário e o acesso à propaganda gratuita em rádio e televisão não impactando o funcionamento parlamentar dos partidos com resultados inferiores ao desempenho já previsto no pleito de 2018 ADI 6056 rel Ricardo Lewandowski ainda em trâmite A própria Constituição impõe aos partidos os seguintes condicionantes o i respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana ii caráter nacional iii é vedado o recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes e também é iv vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar 29 Além disso a autonomia partidária e a natureza jurídica de direito privado dos partidos não servem como escudo para violação de direitos humanos realizada internamente Com base essencialmente na i eficácia horizontal dos direitos humanos que vinculam os particulares e ii na importância do partido político para a democracia o TSE reconheceu que violações à ampla defesa e contraditório podem ser apreciadas pela Justiça Eleitoral não sendo matéria interna corporis dos partidos Tribunal Superior Eleitoral MS 060145316 rel Min Luiz Fux julgado em sessão de 2992016 255 Direitos coletivos difusos e os direitos individuais de expressão coletiva Inicialmente denominamos direitos coletivos em sentido amplo todos os direitos que indivisíveis ou não regem situações que atingem um agrupamento de pessoas Esse gênero direito coletivo em sentido amplo é dividido em i direitos difusos ii direitos coletivos em sentido estrito iii direitos individuais homogêneos Os direitos difusos são aqueles direitos transindividuais de natureza indivisível que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato Já os direitos coletivos em sentido estrito consistem em direitos transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base A característica fundamental dos direitos difusos é a indeterminabilidade dos titulares ao contrário dos direitos coletivos em sentido estrito cujos titulares são determinados ou determináveis justamente pela vinculação a uma relação jurídica base Como exemplo de direito difuso de titularidade indeterminada toda a coletividade social o STF reconheceu que o direito à integridade do meio ambiente típico direito de terceira geração constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva refletindo dentro do processo de afirmação dos direitos humanos a expressão significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade mas num sentido verdadeiramente mais abrangente à própria coletividade social MS 22164 rel Min Celso de Mello j 30101995 Plenário DJ de 17111995 Por sua vez os direitos individuais homogêneos são direitos pertencentes a vários indivíduos distintos não tendo natureza indivisível mas que possuem a mesma origem comum Eles se constituem pela origem comum em subespécie de direitos coletivos em sentido amplo STF RE 163231SP rel Min Maurício Corrêa j 2621997 Finalmente há direitos individuais de expressão coletiva que são aqueles direitos individuais que só têm existência na junção de vontades de vários indivíduos como por exemplo as liberdades de reunião e de associação 30 A Constituição de 1988 não é unívoca na conceituação desses direitos de início faz menção a direitos coletivos Capítulo I do Título II depois referese a interesses na parte referente ao Ministério Público arts 127 caput e 129 III usa ainda indistintamente direitos e interesses no que tange aos sindicatos art 8º III e Ministério Público art 129 V 256 Os deveres individuais e coletivos O Capítulo I do Título II da Constituição de 1988 faz referência a deveres individuais e coletivos O dever é uma sujeição imputada a um indivíduo dever individual agrupamento de indivíduos ou ao Estado deveres coletivos para satisfação de interesses alheios Há duas concepções a respeito dos deveres no campo dos direitos humanos A primeira é a concepção de dever em sentido amplo pelo qual os direitos humanos acarretam o dever de proteção do Estado que não pode omitirse e permitir que terceiros violem direitos essenciais e também geram o dever geral dos particulares em não violar os direitos de outros eficácia dos direitos humanos em face dos particulares Essa proteção exige atividades de cunho legislativo administrativo e jurisdicional do Estado sendo reflexo da dimensão objetiva dos direitos fundamentais Na Constituição de 1988 os deveres de proteção de direitos fundamentais são explícitos como o baseado no art 5º XLI a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais e implícitos que advêm da própria estipulação de um direito gerando o dever correlato do Estado em protegêlo e dos particulares em não violálo Assim a estipulação do direito à vida acarreta o dever implícito do Estado de criar mecanismos de proteção bem como dos particulares de não violálo indevidamente A segunda concepção é o dever em sentido estrito que implica reconhecer determinadas condutas obrigatórias a agentes públicos e particulares previstas na Constituição e em tratados consideradas indispensáveis para a preservação de determinado direito fundamental No caso da Constituição de 1988 cabe citar em relação aos agentes públicos o dever de respeitar a integridade física e moral do preso art 5º XLIX o dever de comunicar a prisão e o local onde se encontre o detido imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada art 5º LXII o dever de informar aos presos de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado art 5º LXIII o dever de informar ao preso a identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial art 5º LXIV o dever de relaxar imediatamente a prisão ilegal art 5º LXV o dever de não prender nenhum indivíduo quando a lei admitir a liberdade Quanto aos particulares há deveres específicos como o de prestar o serviço militar ou civil alternativo art 143 bem como o dever de votar art 14 1º I entre outros 26 A CLASSIFICAÇÃO PELA FORMA DE RECONHECIMENTO A produção normativa dos direitos humanos é intensa há variado labor legislativo e também reconhecimento judicial de novos direitos tanto na esfera nacional quanto na internacional No Brasil esse marco plural dos direitos humanos é uma realidade A inflação de direitos humanos passa a ser um fenômeno corriqueiro em face das contínuas e incessantes demandas sociais que são canalizadas para o Congresso Nacional pela via da aprovação de emendas constitucionais para o Estado como um todo pela via da ratificação e incorporação interna de tratados de direitos humanos e finalmente para o Judiciário reconhecimento de novos direitos pela via da interpretação dos juízes Fica patente a abertura do rol de direitos humanos marcada no Brasil pelo princípio da não exaustividade pelo qual os direitos expressamente previstos na Constituição não excluem outros implícitos ao regime e princípios constitucionais nem outros decorrentes dos tratados celebrados pelo Brasil Com isso classificamos os direitos de acordo com a forma de reconhecimento em direitos expressos direitos implícitos e direitos decorrentes De início há os direitos expressos que são aqueles explicitamente mencionados na Constituição No Brasil é possível identificar direitos oriundos diretamente da Constituição e de suas Emendas Constitucionais como por exemplo o direito à moradia incluído no art 6º pela EC 262000 ou ainda o novo direito à alimentação no mesmo art 6º introduzido pela EC 642010 Também é possível identificar direitos implícitos que são aqueles extraídos pelo Poder Judiciário de normas gerais previstas na Constituição ou ainda de direitos de formulação genérica No Brasil o STF já reconheceu o direito fundamental do contribuinte à anualidade tributária extraído pelo STF do direito à segurança jurídica e o direito fundamental do eleitor a anualidade eleitoral Finalmente há os direitos decorrentes oriundos dos tratados de direitos humanos como por exemplo os direitos previstos na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de estatura constitucional pois aprovada no Congresso Nacional sob o rito especial do art 5º 3º Veremos no capítulo próprio o estatuto normativo dos tratados de direitos humanos QUADRO SINÓTICO Classificação dos direitos humanos Teoria do status Desenvolvida no final do século XIX por Jellinek Contexto repúdio ao jusnaturalismo dos direitos humanos ideia de que os direitos humanos devem ser traduzidos em normas jurídicas estatais para que possam ser garantidos e concretizados com garantias a serem invocadas ante o ordenamento estatal Classificação do indivíduo perante o Estado classificação pautada no reconhecimento do caráter positivo dos direitos e na verticalidade estado de submissão status subjectionis ou status passivo posição de subordinação em face do Estado status negativo status libertatis conjunto de limitações à ação do Estado voltados para o respeito dos direitos do indivíduo status positivo status civitatis conjunto de pretensões do indivíduo para invocar a atuação do Estado em prol dos seus direitos status ativo status activus conjunto de prerrogativas e faculdades que o indivíduo possui para participar da formação da vontade do Estado refletindo no exercício de direitos políticos e no direito de aceder aos cargos em órgãos públicos ampliação para o status activus processualis Häberle Teoria das gerações ou dimensões Desenvolvida por Karel Vasak 1979 Cada geração foi associada a um dos componentes do dístico da Revolução Francesa liberdade igualdade fraternidade Gerações 1ª direitos de liberdade direitos individuais direitos civis e políticos direitos às prestações negativas em que o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo papel passivo do Estado 2ª direitos de igualdade direitos econômicos sociais e culturais vigoroso papel ativo do Estado 3ª direitos de solidariedade direitos de titularidade da comunidade 4ª concebida apenas no século XX direitos resultantes da globalização dos direitos humanos Críticas à teoria geracional Transmite de forma errônea o caráter de substituição de uma geração por outra Enumeração de gerações pode dar a ideia de antiguidade ou posteridade de um rol de direitos em relação a outros Apresenta os direitos humanos de forma fragmentada e ofensiva à indivisibilidade dos direitos humanos Dificulta as novas interpretações sobre o conteúdo dos direitos Classificação pelas funções Direitos de defesa conjunto de prerrogativas do indivíduo voltada para defender determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público ou mesmo outro particular assegurando 1 que uma conduta não seja proibida 2 que uma conduta não seja alvo de interferência ou regulação indevida por parte do Poder Público e 3 que não haja violação ou interferência por parte de outro particular Além disso asseguram a pretensão de consideração e o dever de proteção São divididos em três subespécies direitos ao não impedimento direitos ao não embaraço direitos a não supressão de determinadas situações jurídicas Direitos a prestações aqueles que exigem uma obrigação estatal de ação para assegurar a efetividade dos direitos humanos As prestações podem ser divididas em prestações jurídicas realizadas pela elaboração de normas jurídicas que disciplinam a proteção de determinado direito prestações positivas intervenção do Estado provendo determinada condição material para que o indivíduo frua adequadamente seu direito Direitos a procedimentos e instituições têm como função exigir do Estado que estruture órgãos e corpo institucional apto por sua competência e atribuição a oferecer bens ou serviços indispensáveis à efetivação dos direitos humanos Classificação pela finalidade Direitos propriamente ditos dispositivos normativos que visam o reconhecimento jurídico de pretensões inerentes à dignidade de todo ser humano Garantias fundamentais previsões normativas que asseguram a existência desses direitos propriamente ditos são instrumentais uma vez que visam assegurar a fruição dos direitos Classificações das garantias fundamentais Garantias em sentido amplogarantias institucionais conjunto de meios de índole institucional e organizacional que visa assegurar a efetividade e observância dos direitos humanos e garantias em sentido estrito remédios fundamentais conjunto de ações processuais destinadas a proteger os direitos essenciais dos indivíduos Quanto à origem garantias nacionais ou garantias internacionais Classificação adotada na Constituição de 1988 Direitos individuais consistem no conjunto de direitos cujo conteúdo impacta somente a esfera de interesse protegido de um indivíduo Direitos sociais conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode exigir prestações do Estado ou da sociedade ou até mesmo a abstenção de agir tudo para assegurar condições materiais mínimas de sobrevivência Direitos de nacionalidade sendo a nacionalidade definida como o vínculo jurídico entre determinada pessoa denominada nacional e um Estado pelo qual são estabelecidos direitos e deveres recíprocos Direitos políticos constituem um conjunto de direitos de participação na formação da vontade do poder Partidos políticos associações de pessoas de natureza de direito privado no Brasil criadas para assumir o poder e realizar seu ideário ideológico Direitos coletivos Direitos difusos direitos transindividuais de natureza indivisível que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato Direitos coletivos em sentido estrito direitos metaindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base Direitos individuais homogêneos são direitos pertencentes a vários indivíduos mas que possuem a mesma origem comum constituindose pela origem comum em subespécie de direitos coletivos em sentido amplo Direitos individuais de expressão coletiva são direitos individuais que só têm existência na junção de vontades de vários indivíduos como por exemplo as liberdades de reunião e de associação Deveres individuais e coletivos Dever é uma sujeição imputada a um indivíduo dever individual agrupamento de indivíduos ou ao Estado deveres coletivos para satisfação de interesses alheios Dever em sentido amplo os direitos humanos acarretam o dever de proteção do Estado que não se pode omitir e permitir que terceiros violem direitos essenciais bem como dever dos particulares de não violar os direitos de outros eficácia dos direitos humanos em face dos particulares Dever em sentido estrito implica reconhecer determinadas condutas obrigatórias a agentes públicos e particulares previstas na Constituição e em tratados consideradas indispensáveis para a preservação de determinado direito fundamental Classificação pela forma de reconhecimento Direitos expressos direitos explicitamente mencionados na Constituição Direitos implícitos extraídos pelo Poder Judiciário de normas gerais previstas na Constituição Direitos decorrentes oriundos dos tratados de direitos humanos 27 MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL É possível ainda classificar os direitos com base na proteção do mínimo existencial separando aqueles que compõem esse mínimo daqueles que não compõem O mínimo existencial consiste no conjunto de direitos cuja concretização é imprescindível para promover condições adequadas de existência digna assegurando o direito geral de liberdade e os direitos sociais básicos tais como o direito à educação o direito à saúde o direito à previdência e assistência social o direito à moradia o direito à alimentação entre outros A maior controvérsia envolvendo a proteção do mínimo existencial e em especial dos direitos sociais em geral está na busca de sua efetivação que pode esbarrar em argumentos referentes à falta de recursos disponíveis o que limitaria a realização desses direitos a uma reserva do possível A reserva do possível consiste em argumento desenvolvido originariamente pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha pelo qual se reconhece a limitação de recursos estatais a qual impede a implementação imediata de todos os direitos que exijam prestações positivas Por isso o indivíduo só pode ter expectativa de implementação de direitos na medida do possível ou seja o Estado não pode ser exigido a concretizar todos os direitos que dependem de prestações materiais É um argumento contrário à intervenção do Poder Judiciário na luta pela implementação dos direitos sociais Grosso modo afirmase que os recursos públicos não são ilimitados e assim a decisão de alocação desses recursos finitos deve caber em uma sociedade democrática ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo nas suas interações que desembocam na aprovação do orçamento público Caso o Judiciário interferisse a separação das funções do poder restaria abalada No Supremo Tribunal Federal há precedentes que autorizam a intervenção do Poder Judiciário exigindo do Poder Executivo a adoção de providências administrativas que visem à melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde pública O STF reconheceu que a cláusula da reserva do possível não pode ser invocada com o propósito de obstaculizar a implementação de direitos pois tal conduta do Poder Público viola a garantia constitucional do mínimo existencial que é fruto para o STF da junção do art 1º III dignidade humana e do art 3º III erradicação da pobreza e da marginalização bem como redução das desigualdades sociais e regionais da Constituição STF ARE 639337 AgR rel Min Celso de Mello j 2382011 2ª T DJe de 1592011 No mesmo sentido decidiu o STF que há um núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais que não pode sofrer com o argumento da reserva do possível tendo o julgado a seguinte ementa Educação de deficientes auditivos Professores especializados em libras Inadimplemento estatal de políticas públicas com previsão constitucional Intervenção excepcional do Judiciário Cláusula da reserva do possível Inoponibilidade Núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais Constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade ARE 860979AgR rel Min Gilmar Mendes j 1442015 Segunda Turma DJe de 652015 No que tange à intervenção judicial para obrigar a Administração Pública a executar obras no sistema prisional foi adotada a seguinte tese pelo STF em sede de repercussão geral É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral nos termos do que preceitua o art 5º XLIX da Constituição Federal não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes RE 592581 rel Min Ricardo Lewandowski j 1382015 Já no Superior Tribunal de Justiça decidiuse que o Poder Judiciário pode determinar a realização de obras de acessibilidade em prédios públicos STJ 2ª Turma REsp 1607472PE rel Min Herman Benjamin j 1592016 Em tais precedentes houve a análise conjunta entre o reconhecimento do dever de proteção ao mínimo existencial e a reserva do possível tendo sido decidido que no caso do direito à saúde a intervenção judicial é possível pois não há usurpação da separação de poderes mas tão somente determinação judicial para que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas RE 642536AgR rel Min Luiz Fux j 522013 1ª T DJe de 2722013 3 Dignidade humana 31 CONCEITO DE DIGNIDADE HUMANA E SEUS ELEMENTOS A Constituição de 1988 estabelece que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana art 1º III Além disso o texto constitucional brasileiro afirma que toda a ação econômica tem como finalidade assegurar a todos uma existência digna art 170 31 Por sua vez no art 226 7º ficou determinado que o planejamento familiar é fruto de livre decisão do casal fundado no princípio da dignidade da pessoa humana Já o art 227 determina que cabe à família à sociedade e ao Estado assegurar a dignidade à criança ao adolescente e ao jovem No art 230 a Constituição de 1988 prevê que a família a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas defendendo sua dignidade e bemestar No plano internacional a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece já no seu preâmbulo a necessidade de proteção da dignidade humana por meio da proclamação dos direitos elencados naquele diploma estabelecendo em seu art 1º que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Os dois Pactos Internacionais sobre direitos civis e políticos e o sobre direitos sociais econômicos e culturais da Organização das Nações Unidas têm idêntico reconhecimento no preâmbulo da dignidade inerente a todos os membros da família humana A Convenção Americana de Direitos Humanos exige o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano art 5º Já Convenção Europeia de Direitos Humanos em que pese não possuir tal menção à dignidade humana foi já interpretada pela Corte Europeia de Direitos Humanos no sentido de que a dignidade e a liberdade do homem são a essência da própria Convenção 32 No plano comunitário europeu a situação não é diferente Simbolicamente a dignidade humana está prevista no art 1º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 atualizada em 2007 que determina que a dignidade do ser humano é inviolável devendo ser respeitada e protegida A raiz da palavra dignidade vem de dignus que ressalta aquilo que possui honra ou importância Com São Tomás de Aquino há o reconhecimento da dignidade humana qualidade inerente a todos os seres humanos que nos separa dos demais seres e objetos São Tomás de Aquino defende o conceito de que a pessoa é uma substância individual de natureza racional centro da criação pelo fato ser imagem e semelhança de Deus Logo o intelecto e a semelhança com Deus geram a dignidade que é inerente ao homem como espécie Para Kant tudo tem um preço ou uma dignidade aquilo que tem um preço é substituível e tem equivalente já aquilo que não admite equivalente possui uma dignidade Assim as coisas possuem preço os indivíduos possuem dignidade 33 Nessa linha a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim em si mesmo com autonomia para se comportar de acordo com seu arbítrio nunca um meio ou instrumento para a consecução de resultados não possuindo preço Consequentemente o ser humano tem o direito de ser respeitado pelos demais e também deve reciprocamente respeitálos Assim a dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência 34 Consiste em atributo que todo indivíduo possui inerente à sua condição humana não importando qualquer outra condição referente à nacionalidade opção política orientação sexual credo etc Tanto nos diplomas internacionais quanto nacionais a dignidade humana é inscrita como princípio geral ou fundamental mas não como um direito autônomo 35 De fato a dignidade humana é uma categoria jurídica que por estar na origem de todos os direitos humanos conferelhes conteúdo ético Ainda a dignidade humana dá unidade axiológica a um sistema jurídico fornecendo um substrato material para que os direitos possam florescer Diferentemente do que ocorre com direitos como liberdade igualdade entre outros a dignidade humana não trata de um aspecto particular da existência mas sim de uma qualidade inerente a todo ser humano sendo um valor que identifica o ser humano como tal Logo o conceito de dignidade humana é polissêmico e aberto em permanente processo de desenvolvimento e construção Há dois elementos que caracterizam a dignidade humana o elemento positivo e o elemento negativo O elemento negativo consiste na proibição de se impor tratamento ofensivo degradante ou ainda discriminação odiosa a um ser humano Por isso a própria Constituição dispõe que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante art 5º III e ainda determina que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais art 5º XLI Já o elemento positivo do conceito de dignidade humana consiste na defesa da existência de condições materiais mínimas de sobrevivência a cada ser humano Nesse sentido a Constituição estabelece que a nossa ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna art 170 caput Na mesma linha há aqueles que defendem que o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana é composto pelo mínimo existencial que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade 36 Para compor esse mínimo existencial indispensável à promoção da dignidade humana é necessário na lição de Barcellos levar em consideração a implementação dos direitos à educação básica à saúde à assistência social e acesso à justiça com a prestação da assistência jurídica gratuita integral 37 Por sua vez Maria Celina Bodin de Moraes assinala que o conteúdo da dignidade humana pode ser composto por quatro princípios igualdade integridade física e psíquica liberdade e solidariedade 38 Por fim Barroso sustenta que a dignidade humana é um princípio que pode ser dividido em três componentes o primeiro consiste no valor intrínseco de cada ser humano que é único e especial merecendo proteção o segundo consiste na autonomia que permite que cada indivíduo tome decisões que devem ser respeitadas o terceiro componente é o valor comunitário que consiste na interferência estatal e social legítima na fixação dos limites da autonomia 39 Existem dois deveres impostos ao Estado para proteger a dignidade humana O dever de respeito que consiste na imposição de limites à ação estatal ou seja é a dignidade um limite para a ação dos poderes públicos Há também o dever de garantia que consiste no conjunto de ações de promoção da dignidade humana por meio do fornecimento de condições materiais ideais para seu florescimento 32 USOS POSSÍVEIS DA DIGNIDADE HUMANA É possível identificar quatro usos habituais da dignidade humana na jurisprudência brasileira O primeiro uso é na fundamentação da criação jurisprudencial de novos direitos também denominado eficácia positiva do princípio da dignidade humana Por exemplo o STF reconheceu o direito à busca da felicidade sustentando que este resulta da dignidade humana O direito à busca da felicidade verdadeiro postulado constitucional implícito e expressão de uma ideiaforça que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana RE 477554 Recurso Extraordinário rel Celso de Mello Informativo n 635 Nessa mesma linha de tutela da felicidade e da realização pessoal fruto da dignidade da pessoa humana o STF reconheceu modelos familiares diversos da concepção tradicional determinando que a paternidade socioafetiva declarada ou não em registro público não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica com os efeitos jurídicos próprios RE 898060SC rel Min Luiz Fux j 21 e 2292016 Informativo STF n 840 Gilmar Mendes defende que para se reconhecer um novo direito fundamental deve ser provado um vínculo com a dignidade humana a chamada derivação direta ou pelo menos ser o novo direito vinculado a direito por sua vez decorrente da dignidade humana derivação indireta 40 Um segundo uso é o da formatação da interpretação adequada das características de um determinado direito Por exemplo o STF reconheceu que o direito de acesso à justiça e à prestação jurisdicional do Estado deve ser célere pleno e eficaz Para o STF então A prestação jurisdicional é uma das formas de se concretizar o princípio da dignidade humana o que torna imprescindível seja ela realizada de forma célere plena e eficaz Rcl 5758 rel Min Cármen Lúcia j 1352009 Plenário DJe de 782009 Nessa mesma linha o Min Celso de Mello considerou que a duração prolongada abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende de modo frontal o postulado da dignidade da pessoa humana que representa considerada a centralidade desse princípio essencial CF art 1º III significativo vetor interpretativo verdadeiro valorfonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente HC 139664GO rel Min Celso de Mello DJe 2452017 O terceiro uso é o de criar limites à ação do Estado e mesmo dos particulares É a chamada eficácia negativa da dignidade humana Por exemplo a dignidade humana foi repetidamente invocada para traçar limites ao uso desnecessário de algemas em vários casos no STF Para o Min Marco Aurélio Diante disso indagase surge harmônico com a Constituição mantêlo no recinto com algemas A resposta mostrase iniludivelmente negativa a deficiência da estrutura do Estado não autorizava o desrespeito à dignidade do envolvido HC 91952 voto do rel Min Marco Aurélio j 782008 Plenário DJe de 19122008 O uso de tortura por agentes do Estado foi também veementemente reprimido pelo STF que assim se pronunciou A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos pois reflete enquanto prática ilegítima imoral e abusiva um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e até mesmo a suprimir a dignidade a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado de maneira indisponível pelo ordenamento positivo HC 70389 rel p o ac Min Celso de Mello j 2361994 Plenário DJ de 1082001 O quarto uso é a utilização da dignidade humana para fundamentar o juízo de ponderação e escolha da prevalência de um direito em prejuízo de outro Por exemplo o STF utilizou a dignidade humana para fazer prevalecer o direito à informação genética em detrimento do direito à segurança jurídica afastando o trânsito em julgado de uma ação de investigação de paternidade Para o STF então O princípio da segurança jurídica não seria portanto absoluto e que não poderia prevalecer em detrimento da dignidade da pessoa humana sob o prisma do acesso à informação genética e da personalidade do indivíduo Assinalou não se poder mais tolerar a prevalência em relações de vínculo paternofilial do fictício critério da verdade legal calcado em presunção absoluta tampouco a negativa de respostas acerca da origem biológica do ser humano uma vez constatada a evolução nos meios de prova voltados para esse fim RE 363889 rel Min Dias Toffoli j 742011 Plenário Informativo n 622 com repercussão geral Quanto à liberdade de expressão o STF pronunciouse sobre a proibição de discursos antissemitas pois a dignidade da pessoa humana não é compatível com discursos de preconceito e incitação de ódio e condutas hostis contra determinados grupos Para o STF o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o direito à incitação ao racismo dado que um direito individual não pode constituirse em salvaguarda de condutas ilícitas como sucede com os delitos contra a honra Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 Em outro caso emblemático o STF recusou fazer prevalecer o direito à verdade e à justiça em detrimento do direito dos criminosos ao perdão e à anistia contrariando como veremos em capítulo próprio a posição consolidada da Corte Interamericana de Direitos Humanos Para o STF então Sem de qualquer modo negar o que diz a arguente ao proclamar que a dignidade não tem preço o que subscrevo tenho que a indignidade que o cometimento de qualquer crime expressa não pode ser retribuída com a proclamação de que o instituto da anistia viola a dignidade humana ADPF 153 voto do rel Min Eros Grau j 2942010 Plenário DJe de 682010 Também no tocante ao uso da dignidade humana como fundamento genérico na escolha da prevalência de um direito o STF determinou a prevalência do direito à integridade física recusando a realização compulsória mesmo contra a vontade do presumido pai do exame de DNA Para o STF Discrepa a mais não poder de garantias constitucionais implícitas e explícitas preservação da dignidade humana provimento judicial que em ação civil de investigação de paternidade implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório debaixo de vara para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA HC 71373 rel p o ac Min Marco Aurélio j 10111994 Plenário DJ de 22111996 Finalmente o juízo de ponderação e o uso da dignidade humana para fundamentar a posição a favor de um direito em detrimento do outro ficou evidente no caso da proibição da prova ilícita tendo o STF decidido que A Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou em prejuízo se necessário da eficácia da persecução criminal pelos valores fundamentais da dignidade humana aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita HC 79512 rel Min Sepúlveda Pertence j 16121999 Plenário DJ de 165 2003 Nessa categoria de uso da dignidade humana para justificar genericamente prevalências e compressões de direitos humanos é possível sua utilização para excluir um direito já formalmente previsto do rol de direitos considerados materialmente essenciais Esse uso da dignidade humana atualizaria pela via hermenêutica o catálogo dos direitos humanos Sarmento defende que a ausência de vínculo direto com a dignidade humana pode ser fator de exclusão de determinado direito inserido formalmente na CF88 do regime jurídico protetivo nela estabelecido especialmente a proteção advinda da natureza de cláusula pétrea art 60 4º IV da CF88 Para evitar o arbítrio judicial sustenta Sarmento que a exclusão de um direito já previsto formalmente na CF88 exigirá um ônus argumentativo daquele que sustenta o contrário 41 Assim o valor da dignidade humana içado ao posto de princípio fundamental da República Federativa do Brasil art 1º III impõese como valor central de todo o nosso ordenamento jurídico sendo considerado por José Afonso da Silva o epicentro axiológico do nosso ordenamento constitucional 42 indispensável para orientar o trabalho do intérprete do Direito e do aplicador da lei Por outro lado o uso abusivo e retórico da dignidade humana pode banalizar esse conceito dificultando a aferição da racionalidade da tomada de decisão pelo Poder Judiciário em especial no que tange ao juízo de ponderação entre direitos em colisão QUADRO SINÓTICO Conceito de dignidade humana e conteúdo ético dos direitos humanos Conceito de dignidade humana Raiz da palavra dignus que ressalta aquilo que possui honra ou importância São Tomás de Aquino reconhecimento da dignidade humana qualidade inerente a todos os seres humanos que nos separa dos demais seres e objetos O intelecto e a semelhança com Deus geram a dignidade que é inerente ao homem como espécie Kant a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim em si mesmo com autonomia para se comportar de acordo com seu arbítrio nunca um meio ou instrumento para a consecução de resultados não possuindo preço Sarlet e Peres Luño dignidade humana como a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência Nos diplomas internacionais e nacionais a dignidade humana é inscrita como princípio geral ou fundamental mas não como um direito autônomo Tratase de uma categoria jurídica que por estar na origem de todos os direitos humanos lhes confere conteúdo ético Ainda a dignidade humana dá unidade axiológica a um sistema jurídico fornecendo um substrato material para que os direitos possam florescer Não trata de um aspecto particular da existência mas de uma qualidade inerente a todo ser humano sendo um valor que o identifica como tal Dessa forma o conceito de dignidade humana é polissêmico e aberto em permanente processo de desenvolvimento e construção Elementos que caracterizam a dignidade humana Elemento positivo defesa da existência de condições materiais mínimas de sobrevivência a cada ser humano Elemento negativo consiste na proibição de se impor tratamento ofensivo degradante ou ainda discriminação odiosa a um ser humano Deveres impostos ao Estado para proteger a dignidade humana dever de respeito limite para a ação dos poderes públicos e dever de garantia conjunto de ações de promoção da dignidade humana por meio do fornecimento de condições materiais ideais para seu florescimento Usos habituais da dignidade humana na jurisprudência brasileira Fundamentação da criação jurisprudencial de novos direitos eficácia positiva do princípio da dignidade humana Formatação da interpretação adequada das características de um determinado direito Criação de limites à ação do Estado eficácia negativa do princípio da dignidade humana Fundamentação do juízo de ponderação e escolha da prevalência de um direito em prejuízo de outro Uso para negar a natureza de direitos humanos de um determinado direito 4 Os fundamentos dos direitos humanos 41 O FUNDAMENTO JUSNATURALISTA 411 O jusnaturalismo de origem religiosa e o de origem racional O jusnaturalismo é uma corrente do pensamento jurídico que defende a existência de um conjunto de normas vinculantes anterior e superior ao sistema de normas fixadas pelo Estado direito posto Na seara dos direitos humanos é possível identificar uma visão jusnaturalista já na Antiguidade simbolizada na peça de teatro Antígona de Sófocles 421 aC parte da chamada Trilogia Tebana A personagem principal da peça Antígona recusase a obedecer as ordens do rei afirmando que as leis dos homens não podem sobreporse às leis eternas dos deuses Na Idade Média o jusnaturalismo é incentivado pela visão religiosa de São Tomás de Aquino para quem a lex humana deve obedecer a lex naturalis que era fruto da razão divina mas perceptível aos homens No plano internacional Hugo Grócio considerado um dos fundadores do Direito Internacional e iniciador da teoria do direito natural moderno sustentava no século XVI a existência de um conjunto de normas ideais fruto da razão humana Fica aqui o limite aos direitos positivados pois o direito dos legisladores humanos só seria válido quando compatível com os mandamentos daquela lei imutável e eterna 43 Nos séculos XVII e XVIII a corrente jusnaturalista de Grócio impõe a consagração da razão e laicidade das normas de direito natural Os iluministas em especial Locke e Rousseau fundam a corrente do jusnaturalismo contratualista que aprofunda o racionalismo e o individualismo A razão é fonte de direitos inerentes ao ser humano afirmandose a prevalência dos direitos dos indivíduos em face do Estado Essa supremacia dos direitos humanos é fundada em um contrato social realizado por todos os indivíduos na comunidade humana que impõe a proteção desses direitos e limita o arbítrio do Estado A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão documento marcante dessa visão dos direitos humanos de 1789 estabelece que o fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis de todo ser humano Na visão do contratualismo liberal de direito natural os direitos humanos são direitos atemporais inerentes à qualidade de homem de seus titulares 44 Para mencionar um exemplo desse legado teórico citese a primeira afirmação da longeva Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 pela qual todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos o que é assemelhado ao escrito por Locke os homens são livres iguais e independentes por natureza 45 e à frase inicial de Rousseau no clássico Do contrato social na qual afirmou que o homem nasceu livre 46 O traço marcante da corrente jusnaturalista de origem religiosa ou contratualista de direitos humanos é o seu cunho metafísico pois se funda na existência de um direito preexistente ao direito produzido pelo homem oriundo de Deus escola de direito natural de razão divina ou da natureza inerente do ser humano escola de direito natural moderno Consequentemente o ser humano é titular de direitos que devem ser assegurados pelo Estado em virtude tão somente de sua condição humana mesmo em sobreposição às leis estatais O direito de resistência é um exemplo dessa irresignação da corrente jusnaturalista com os direitos postos pelo Estado Por isso as primeiras Declarações de Direitos Virgínia 1776 e Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 reconheceram o direito humano de resistência à opressão ver respectivamente seus arts 3º e 2º A Declaração Universal dos Direitos Humanos Paris 1948 também fez menção no seu preâmbulo ao direito à rebelião contra a tirania e a opressão Para determinados autores os direitos humanos seriam então os equivalentes contemporâneos dos direitos naturais Para Maritain e outros os direitos humanos são consequência da afirmação dos ideais jusnaturalistas 47 Apesar da sua influência sentida até hoje nos contemporâneos diplomas normativos internacionais de direitos humanos o jusnaturalismo sofreu pela falta de comprovação de direitos inerentes à natureza do homem Pelo contrário em relação à própria revelação pela razão humana do conteúdo dos direitos humanos há de se recordar a existência de variados conteúdos de tais direitos a depender dos valores de cada contexto histórico A história mostra que os direitos humanos são direitos conquistados sendo até possível que um direito consagrado seja após retirado do catálogo de direitos protegidos 412 O jusnaturalismo de direitos humanos no direito internacional e no STF Apesar do reconhecimento do caráter histórico dos direitos humanos o recurso à fundamentação jusnaturalista é perceptível até hoje No Direito Internacional dos Direitos Humanos a Declaração de Viena de 1993 emitida ao final da 2ª Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos dispôs no parágrafo 1º da Parte I que os direitos humanos e as liberdades fundamentais são direitos naturais de todos os seres humanos Também no Supremo Tribunal há clara influência da tradição jusnaturalista de percepção de direitos inerentes e mesmo não escritos ou não positivados Um caso célebre foi o reconhecimento pelo Ministro Celso de Mello da existência de um bloco de constitucionalidade material que seria o conjunto de normas de estatura constitucional composto pelas normas expressas da Constituição e normas implícitas e valores do direito natural Nas palavras do Ministro Celso de Mello cabe ter presente que a construção do significado de Constituição permite na elaboração desse conceito que sejam considerados não apenas os preceitos de índole positiva expressamente proclamados em documento formal que consubstancia o texto escrito da Constituição mas sobretudo que sejam havidos igualmente por relevantes em face de sua transcendência mesma os valores de caráter suprapositivo os princípios cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Fundamental do Estado ADI 595ES rel Celso de Mello 2002 decisão publicada no DJU de 2622002 Também disponível no Informativo n 258 do STF O reconhecimento de direitos não expressos é feito para justificar efeitos ainda não previstos de determinado direito fundamental Por exemplo reconhecido o caráter de direito natural do direito de greve inerente a toda prestação de trabalho público ou privado o STF decidiu que não cabe o não pagamento dos salários Eventual compensação ao patrão pela ausência do trabalho deve ser feita após o encerramento da greve Para o STF Em síntese na vigência de toda e qualquer relação jurídica concernente à prestação de serviços é irrecusável o direito à greve E este porque ligado à dignidade do homem consubstanciando expressão maior da liberdade a recusa ato de vontade em continuar trabalhando sob condições tidas como inaceitáveis merece ser enquadrado entre os direitos naturais Assentado o caráter de direito natural da greve há de se impedir práticas que acabem por negálo consequência da perda advinda dos dias de paralisação há de ser definida uma vez cessada a greve Contase para tanto com o mecanismo dos descontos a elidir eventual enriquecimento indevido se é que este no caso possa se configurar STF Decisão monocrática da Presidência SS 2061 AgRDF rel Min Marco Aurélio Presidente j 3010 2001 Contudo em 2016 o STF adotou tese com repercussão geral pela qual a administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre permitida a compensação em caso de acordo O desconto será contudo incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público STF RE 693456 rel Min Dias Toffoli j 27102016 Em 2018 o STF voltou a reconhecer a legitimidade constitucional de determinadas reações da Administração Pública à greve de servidores Foi considerado constitucional o Decreto 42641995 da Bahia que dispõe sobre as providências a serem adotadas em caso de greve de servidores públicos estaduais A norma considerada constitucional prevê a instauração de processo administrativo para se apurar a participação do servidor na greve com a possibilidade de não pagamento dos dias de paralisação cumprindo o disposto no Mandado de Injunção n 708 STF rel Min Gilmar Mendes j 25102007 Plenário DJe de 31102008 que estipulou até a edição da legislação específica prevista no art 37 VII da CF a incidência das Leis ns 77011988 e 77831989 relativas à greve no setor privado às greves dos servidores públicos civis Também foi considerado constitucional a contratação de trabalhadores temporários para prestar serviços essenciais que não podem ser interrompidos desde que a contratação seja para o período de duração da greve e apenas para garantir a continuidade dos serviços ADPF 395DF rel Min Gilmar Mendes j 13 e 1462018 e ADPF 444DF rel Min Gilmar Mendes j 13 e 1462018 O direito natural foi ainda utilizado para reconhecer os direitos novos como o direito à fuga não positivado na Constituição ou nos tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil Para o STF com especial relevo nos votos do Min Marco Aurélio 48 a fuga é um direito natural dos que se sentem por isso ou por aquilo alvo de um ato discrepante da ordem jurídica pouco importando a improcedência dessa visão longe ficando de afastar o instituto do excesso de prazo RHC 84851BA Recurso em Habeas Corpus rel Min Marco Aurélio j 1º32005 Ou ainda a fuga não pode ser considerada como fator negativo tendo em vista consubstanciar direito natural HC 73491PR rel Min Marco Aurélio j 241996 O direito natural serviu ainda para ampliar direito previsto na Constituição como foi o caso da previsão constitucional do direito ao preso de permanecer calado art 5º LXIII que foi transformado pelo STF ao longo dos anos em um direito de não se autoincriminar e não colaborar nas investigações criminais Para o STF o direito natural afasta por si só a possibilidade de exigirse que o acusado colabore nas investigações A garantia constitucional do silêncio encerra que ninguém está compelido a autoincriminarse Não há como decretar a preventiva com base em postura do acusado reveladora de não estar disposto a colaborar com as investigações e com a instrução processual HC 83943MG rel Min Marco Aurélio j 27 42004 Outro direito ampliado pela fundamentação de direito natural foi o direito de defesa O STF invocou o direito natural para ampliar o conceito de autodefesa e impedir que o acusado fosse prejudicado por não admitir a culpa ou até mesmo mentir atribuindo a terceiro a autoria Para o STF a autodefesa consubstancia antes de mais nada direito natural O fato de o acusado não admitir a culpa ou mesmo atribuíla a terceiro não prejudica a substituição da pena privativa do exercício da liberdade pela restritiva de direitos descabendo falar de personalidade distorcida HC 80616 rel Min Marco Aurélio j 1892001 Primeira Turma DJ de 1232004 QUADRO SINÓTICO O fundamento jusnaturalista Jusnaturalismo corrente do pensamento jurídico segundo a qual existe um conjunto de normas vinculantes anterior e superior ao sistema de normas fixadas pelo Estado direito posto Na Antiguidade é possível identificar uma visão jusnaturalista na peça de teatro Antígona de Sófocles Na Idade Média é incentivado pela visão religiosa de São Tomás de Aquino para quem a lex humana deve obedecer a lex naturalis que era fruto da razão divina mas perceptível aos homens No plano internacional Hugo Grotius sustentava no século XVI a existência de um conjunto de normas ideais fruto da razão humana Nos séculos XVII e XVIII essa corrente jusnaturalista impõe a consagração da razão e laicidade das normas de direito natural Os iluministas em especial Locke e Rousseau fundam a corrente do jusnaturalismo contratualista que aprofunda o racionalismo e o individualismo Os direitos humanos são concebidos como direitos atemporais inerentes à qualidade de homem de seus titulares Traço marcante da corrente jusnaturalista de origem religiosa ou contratualista cunho metafísico pois se funda na existência de um direito preexistente ao direito produzido pelo homem oriundo de Deus escola de direito natural de razão divina ou da natureza inerente do ser humano escola de direito natural moderno O recurso à fundamentação jusnaturalista é perceptível até hoje no Direito Internacional dos Direitos Humanos bem como no Supremo Tribunal Federal 42 O POSITIVISMO NACIONALISTA A consolidação do Estado constitucional fruto das revoluções liberais oitocentistas inseriu os direitos humanos tidos como naturais jusnaturalismo de direitos humanos no corpo das Constituições e das leis sendo agora considerados direitos positivados Lentamente até mesmo a terminologia foi alterada muitos autores como vimos acima reservam o termo direitos humanos para o plano internacional e utilizam o termo direitos fundamentais para denominar os direitos essenciais positivados no plano interno e em especial nas Constituições A Escola positivista de forte influência ao longo dos séculos XIX e XX traduziu a ideia de um ordenamento jurídico produzido pelo homem de modo coerente e hierarquizado No topo do sistema jurídico existiria a Constituição pressuposto de validade de todas as demais normas do ordenamento Os direitos humanos foram inseridos na Constituição obtendo um estatuto normativo superior Para a Escola Positivista o fundamento dos direitos humanos consiste na existência da norma posta cujo pressuposto de validade está em sua edição conforme as regras estabelecidas na Constituição Assim os direitos humanos justificamse graças à sua validade formal e sua previsão no ordenamento posto O universalismo proposto pela corrente jusnaturalista e retratado na ideia de que todos os indivíduos possuem direitos inerentes foi sacrificado sendo a ideia de direitos inerentes substituída pela ideia dos direitos reconhecidos e positivados pelo Estado Na vertente original do século XIX até meados do século XX a positivação dos direitos humanos é nacional o positivismo nacionalista então exige que os direitos sejam prescritos em normas internas para serem exigíveis em face do Estado ou de outros particulares O risco aos direitos humanos gerado pela adoção do positivismo nacionalista é visível no caso de as normas locais inclusive as constitucionais não protegerem ou reconhecerem determinado direito ou categoria de direitos humanos O exemplo nazista mostra a insuficiência da fundamentação positivista nacionalista dos direitos humanos 49 Para Comparato sua validade deve assentarse em algo mais profundo e permanente que a ordenação estatal ainda que esta se baseie numa Constituição A importância dos direitos humanos é tanto maior quanto mais louco ou celerado for o Estado 50 A história da positivação nacional dos direitos humanos é então um processo inacabado no qual a imperfeição das regras legais ou constitucionais de respeito aos direitos humanos revela a manutenção de injustiças ou a criação de novas A divergência entre os jusnaturalistas e os positivistas não reside no reconhecimento ou não da existência de certos princípios de moral e justiça passíveis de revelação pela razão humana mesmo que tenham origem divina A divergência entre as duas Escolas jurídicas reside sim na defesa pela Escola jusnaturalista da superioridade de normas não escritas e inerentes a todos os seres humanos reveladoras da justiça em face de normas postas incompatíveis Para os positivistas nacionalistas essas normas reveladoras da justiça não pertencem ao ordenamento jurídico inexistindo qualquer choque ou antagonismo com a norma posta Para Hart a moral e as regras de justiça podem sim influenciar a formação do Direito no momento da produção legislativa e também no momento do desempenho da atividade judicial 51 QUADRO SINÓTICO O positivismo nacionalista A consolidação do Estado constitucional fruto das revoluções liberais oitocentistas inseriu os direitos humanos tidos como naturais jusnaturalismo de direitos humanos no corpo das Constituições e das leis sendo agora considerados direitos positivados A Escola positivista de forte influência ao longo dos séculos XIX e XX traduziu a ideia de um ordenamento jurídico produzido pelo homem de modo coerente e hierarquizado Para a Escola Positivista o fundamento dos direitos humanos consiste na existência da norma posta cujo pressuposto de validade está em sua edição conforme as regras estabelecidas na Constituição Assim os direitos humanos justificamse graças a sua validade formal e sua previsão no ordenamento posto Na vertente original do século XIX até meados do século XX a positivação dos direitos humanos é nacional o positivismo nacionalista então exige que os direitos sejam prescritos em normas internas para serem exigíveis em face do Estado ou de outros particulares Risco aos direitos humanos gerado pela adoção do positivismo nacionalista normas locais inclusive as constitucionais não protegerem ou reconhecerem determinado direito ou categoria de direitos humanos A divergência entre os jusnaturalistas e os positivistas reside na defesa pela Escola jusnaturalista da superioridade de normas não escritas e inerentes a todos os seres humanos reveladoras da justiça em face de normas postas incompatíveis Para os positivistas nacionalistas de outro lado essas normas reveladoras da justiça não pertencem ao ordenamento jurídico inexistindo qualquer choque ou antagonismo com a norma posta 43 AS TEORIAS UTILITARISTAS SOCIALISTAS E COMUNISTAS DO SÉCULO XIX E A CRÍTICA AOS DIREITOS HUMANOS 431 O utilitarismo clássico Bentham e Stuart Mill O século XIX assistiu a crescentes debates sobre a forma de implantação de uma sociedade humana justa e igualitária com críticas ao reconhecimento dos direitos humanos Entre as principais teorias abordaremos o utilitarismo o socialismo e o comunismo O utilitarismo é uma teoria consagrada por Jeremy Bentham e John Stuart Mill no final do século XVIII e início do século XIX 52 que em síntese prega que os cidadãos cumprem leis e compromissos com foco nas futuras vantagens utilidades que obterão para si e para a sociedade Bentham critica inicialmente os defensores da existência de um contrato social baseado no Direito Natural jusnaturalistas contratualistas como Hobbes e Rousseau Para Bentham não há prova da existência de um suposto contrato social original pelo qual os cidadãos obedecem às leis e aos governantes Pelo contrário na visão de Bentham os cidadãos cumprem as regras com vistas às vantagens e utilidades que obterão Consagrouse então o utilitarismo defendido no século XIX especialmente por Stuart Mill em sua obra Utilitarismo de 1863 No campo dos direitos humanos o utilitarismo clássico sustenta que a avaliação de uma conduta decorre de suas consequências e não do reconhecimento de direitos Assim determinado ato é ou não reprovável de acordo com as circunstâncias e consequências O resultado em prol da felicidade do maior número possível de pessoas pode justificar determinada ação uma vez que a utilidade não é simplesmente a felicidade individual Para minimizar eventual defesa de monstruosidades assassinato de alguns para beneficiar muitos por exemplo o utilitarismo não aceita que se obtenha a felicidade geral em prejuízo da felicidade individual Logo o utilitarismo não seria uma visão totalitária de eliminação da autonomia individual para o benefício da sociedade mas sim uma visão de maximização das consequências positivas de uma conduta A crítica ao utilitarismo em geral recai sobre a impossibilidade de uso dos indivíduos e seus direitos como instrumentos de maximização da felicidade da maioria Ademais há os riscos de se optar por uma ação que beneficie muitos e viole direitos fundamentais de poucos 432 O socialismo e o comunismo Na visão dos movimentos socialistas e comunistas do século XIX e início do século XX as sociedades humanas podem ser compreendidas no contexto da história da luta de classes na qual interagem os opressores detentores dos meios de produção e os oprimidos aqueles que não têm os meios de produção só contando com sua força de trabalho a ser explorada A importância dessa luta é tamanha que as relações econômicas engendradas determinam as relações sociais e jurídicas Nesse contexto o capitalismo do século XIX época da vida de Karl Marx e Friedrich Engels dois dos mais célebres autores relacionados a esses movimentos representaria o ápice da luta de classe com o nascimento do proletariado industrial que pelo seu número poderia reinventar a história das sociedades humanas abolindo a luta de classes e o Estado Por isso a intensa crítica marxista à formulação liberal dos direitos humanos retratada pelas revoluções liberais e suas declarações de direitos uma vez que esses textos não atacavam o eixo central da exploração em uma sociedade capitalista mas apenas mitigariam e aliviariam o peso da exploração do homem pelo homem Marx sustentou que tais declarações de direitos não passavam de mistificação pois os direitos humanos eram reconhecidos em abstrato não levando em consideração os meios de implementação desses dispositivos Ademais ao se reconhecer o direito de propriedade e a livre iniciativa os direitos humanos solidificaram a estrutura jurídica que mantinha a exploração do homem pelo homem Outro ponto que acarretava a descrença marxista na linguagem dos direitos das revoluções liberais era a meta comunista de eliminação da luta de classes e consequentemente do próprio Estado Assim a atuação dos direitos humanos no papel de restrição ao poder do Estado e promoção da autonomia do indivíduo era dispensável pois ingressaríamos no futuro na era comunista em um mundo livre da opressão estatal Essa crítica marxista não leva em consideração o ideal emancipatório e de tolerância dos direitos humanos sobretudo após a internacionalização da matéria ver Parte I Capítulo II item 7 que afirmou a universalidade indivisibilidade e interdependência de todos os direitos com foco em especial na garantia das condições materiais indispensáveis à vida humana digna QUADRO SINÓTICO As teorias utilitaristas socialistas e comunistas do século XIX e a crítica aos direitos humanos O utilitarismo clássico Teoria consagrada por Jeremy Bentham e John Stuart Mill no final do século XVIII e início do século XIX Crítica aos defensores da existência de um contrato social baseado no Direito Natural jusnaturalistas contratualistas como Hobbes e Rousseau Visão de que os cidadãos cumprem leis e compromissos com foco nas futuras vantagens utilidades que obterão para si e para a sociedade No campo dos direitos humanos o utilitarismo clássico sustenta que a avaliação de uma conduta decorre de suas consequências e não do reconhecimento de direitos Assim determinado ato é ou não reprovável de acordo com as circunstâncias e consequências Visão de maximização das consequências positivas de uma conduta O socialismo e o comunismo Visão dos movimentos socialistas e comunistas do século XIX e início do século XX de que as sociedades humanas podem ser compreendidas no contexto da história da luta de classes na qual interagem os opressores detentores dos meios de produção e os oprimidos aqueles que não têm os meios de produção só contando com sua força de trabalho a ser explorada Descrença marxista na linguagem dos direitos das revoluções liberais pois os direitos humanos eram reconhecidos em abstrato não levando em consideração os meios de implementação desses dispositivos ao se reconhecer o direito de propriedade e a livre iniciativa solidificaram a estrutura jurídica que mantinha a exploração do homem pelo homem e finalmente ante a meta comunista de eliminação da luta de classes e consequentemente do próprio Estado a atuação dos direitos humanos no papel de restrição ao poder do Estado e promoção da autonomia do indivíduo era dispensável 44 A RECONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO SÉCULO XX A DIGNIDADE HUMANA E A ABERTURA AOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS O século XX assistiu a afirmação da era dos direitos humanos parafraseando o título de obra de Norberto Bobbio 53 As críticas utilitaristas foram superadas pela aceitação da necessidade de se associar a liberdade e autonomia individuais com o bem comum ponderandose no caso concreto os limites necessários a determinado direito para que se obtenha um benefício a outro Não há conflito entre o conceito de direitos individuais e a igualdade ou justiça social A linguagem dos direitos não implica desconsiderar o bem comum que aliás é o objetivo do Estado Democrático de Direito Pelo contrário os direitos servem para exigir do Estado e da comunidade as prestações necessárias para o bemestar social fundado na igualdade A crítica marxista ficou esvaziada pelo reconhecimento da autocracia e do poder arbitrário que imperaram nas ditaduras do chamado socialismo real do século XX desmanteladas após a queda do Muro de Berlim 1989 e da dissolução final da União Soviética 1991 Por outro lado a predominância positivista nacionalista dos direitos humanos do século XIX e início do século XX ficou desmoralizada após a barbárie nazista no seio da Europa 1933 1945 berço das revoluções inglesa e francesa O desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos gerou uma positivação internacionalista com normas e tribunais internacionais aceitos pelos Estados e com impacto direto na vida das sociedades locais Essa positivação internacionalista foi identificada por Bobbio que em passagem memorável detectou que os direitos humanos nascem como direitos naturais universais desenvolvemse como direitos positivos particulares quando cada Constituição incorpora Declaração de Direitos para finalmente encontrar a plena realização como direitos positivos universais 54 QUADRO SINÓTICO A reconstrução dos direitos humanos no século XX a dignidade humana e abertura aos princípios jurídicos Críticas utilitaristas superadas pela aceitação da necessidade de se associar a liberdade e autonomia individuais com o bem comum ponderandose no caso concreto os limites necessários a determinado direito para que se obtenha um benefício a outro Os direitos servem para exigir do Estado e da comunidade as prestações necessárias para o bemestar social fundado na igualdade Crítica marxista esvaziada pelo reconhecimento da autocracia e do poder arbitrário que imperaram nas ditaduras do chamado socialismo real do século XX desmanteladas após a queda do Muro de Berlim 1989 e da dissolução final da União Soviética 1991 Predominância positivista nacionalista dos direitos humanos do século XIX e início do século XX desmoralizada após a barbárie nazista no seio da Europa 19331945 berço das revoluções inglesa e francesa Positivismo nacionalista superado no plano internacional acelerado desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos que gerou uma positivação internacionalista com normas e tribunais internacionais aceitos pelos Estados e com impacto direto na vida das sociedades locais 5 As especificidades dos direitos humanos 51 A CENTRALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos representam hoje a nova centralidade do Direito Constitucional e também do Direito Internacional No Direito Constitucional há a jusfundamentalização do Direito fenômeno pelo qual as diferentes normas de um ordenamento jurídico formatamse à luz dos direitos fundamentais Tratase de uma verdadeira filtragem pro homine na qual todas as normas do ordenamento jurídico devem ser compatíveis com a promoção da dignidade humana Nessa linha Sarmento sustenta que o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado 55 No plano internacional os direitos humanos sofreram uma ruptura ocasionada pelos regimes totalitários nazifascistas na Europa na Segunda Guerra Mundial e após foram reconstruídos com a internacionalização da matéria Com isso o Direito Internacional passou por uma lenta mudança do seu eixo central voltado à perspectiva do Estado preocupado com a governabilidade e com a manutenção de suas relações internacionais Com a ascensão da temática dos direitos humanos previstos em diversas normas internacionais os direitos humanos promoveram a entrada em cena da preocupação internacional referente à promoção da dignidade humana em todos os seus aspectos Para finalizar esse novo papel dos direitos humanos já foi reconhecido pelo próprio STF que estabeleceu que O eixo de atuação do direito internacional público contemporâneo passou a concentrarse também na dimensão subjetiva da pessoa humana cuja essencial dignidade veio a ser reconhecida em sucessivas declarações e pactos internacionais como valor fundante do ordenamento jurídico sobre o qual repousa o edifício institucional dos Estados nacionais HC 875858 voto do Min Celso de Mello j 1232008 52 UNIVERSALIDADE INERÊNCIA E TRANSNACIONALIDADE A universalidade dos direitos humanos consiste na atribuição desses direitos a todos os seres humanos não importando nenhuma outra qualidade adicional como nacionalidade opção política orientação sexual credo entre outras A universalidade possui vínculo indissociável com o processo de internacionalização dos direitos humanos Até a consolidação da internacionalização em sentido estrito dos direitos humanos com a formação do Direito Internacional dos Direitos Humanos os direitos dependiam da positivação e proteção do Estado Nacional Por isso eram direitos locais A barbárie do totalitarismo nazista gerou a ruptura do paradigma da proteção nacional dos direitos humanos cuja insuficiência levou à negação do valor do ser humano como fonte essencial do Direito Para o nazismo a titularidade de direitos dependia da origem racial ariana Os demais indivíduos não mereciam a proteção do Estado Os direitos humanos então não eram universais nem ofertados a todos Os números dessa ruptura dos direitos humanos são significativos foram enviados aproximadamente 18 milhões de indivíduos a campos de concentração gerando a morte de 11 milhões deles sendo 6 milhões de judeus além de inimigos políticos do regime comunistas homossexuais pessoas com deficiência ciganos e outros considerados descartáveis pela máquina de ódio nazista Como sustenta Lafer a ruptura trazida pela experiência totalitária do nazismo levou a inauguração do tudo é possível Esse tudo é possível levou pessoas a serem tratadas de jure et de facto como supérfluas e descartáveis 56 Esse legado nazista de exclusão exigiu a reconstrução dos direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial 57 sob uma ótica diferenciada a ótica da proteção universal garantida subsidiariamente e na falha do Estado pelo próprio Direito Internacional dos Direitos Humanos Ficou evidente para os Estados que organizaram uma nova sociedade internacional ao redor da ONU Organização das Nações Unidas que a proteção dos direitos humanos não pode ser tida como parte do domínio reservado de um Estado pois as falhas na proteção local tinham possibilitado o terror nazista A soberania dos Estados foi lentamente sendo reconfigurada aceitandose que a proteção de direitos humanos era um tema internacional e não meramente um tema da jurisdição local O marco da universalidade e inerência dos direitos humanos foi a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que dispõe que basta a condição humana para a titularidade de direitos essenciais O art 1º da Declaração de 1948 também chamada de Declaração de Paris é claro todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Para a Declaração de Paris o ser humano tem dignidade única e direitos inerentes à condição humana Consequentemente são os direitos humanos universais Fica registrada a inerência dos direitos humanos 58 que consiste na qualidade de pertencimento desses direitos a todos os membros da espécie humana sem qualquer distinção Desde a Declaração Universal de 1948 até hoje a universalidade dos direitos humanos foi sendo constantemente reafirmada pelos diversos tratados e declarações internacionais de direitos editadas pelos próprios Estados Entre elas citese a Proclamação de Teerã emitida na 1ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU realizada em Teerã em 1968 na qual ficou disposto que é indispensável que a comunidade internacional cumpra sua obrigação solene de fomentar e incentivar o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos sem distinção nenhuma por motivos de raça cor sexo idioma ou opiniões políticas ou de qualquer outra espécie Em 1993 na 2ª Conferência Mundial da ONU de Direitos Humanos realizada em Viena decidiuse que todos os direitos humanos são universais parágrafo 5º da Declaração de Viena Chegamos ao que se convencionou chamar na exposição de Weis de transnacionalidade que consiste no reconhecimento dos direitos humanos onde quer o indivíduo esteja 59 Essa característica é ainda mais importante na ausência de uma nacionalidade apátridas ou na existência de fluxos de refugiados 60 Os direitos humanos não mais dependem do reconhecimento por parte de um Estado ou da existência do vínculo da nacionalidade existindo o dever internacional de proteção aos indivíduos confirmandose o caráter universal e transnacional desses direitos QUADRO SINÓTICO Universalidade inerência e a transnacionalidade Universalidade e inerência Conceito de universalidade dos direitos humanos atribuição desses direitos a todos os seres humanos não importando nenhuma outra qualidade adicional como nacionalidade opção política orientação sexual credo entre outras A universalidade possui vínculo indissociável com o processo de internacionalização dos direitos humanos a barbárie do totalitarismo nazista gerou a ruptura do paradigma da proteção nacional dos direitos humanos graças a negação do valor do ser humano como fonte essencial do Direito Conceito de inerência dos direitos humanos qualidade de pertencimento desses direitos a todos os membros da espécie humana sem qualquer distinção Edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 marco da universalidade e inerência dos direitos humanos Os direitos humanos não mais dependem do reconhecimento por parte de um Estado ou da existência do vínculo da nacionalidade existindo o dever internacional de proteção aos indivíduos confirmandose o caráter universal e transnacional desses direitos Os direitos humanos incidem nas relações privadas o que gera a eficácia dos direitos humanos nas relações entre os particulares Os direitos humanos exigem que o Estado aja para protegêlos quer de condutas dos agentes públicos ou mesmo de particulares dimensão objetiva dos direitos humanos 53 INDIVISIBILIDADE INTERDEPENDÊNCIA E UNIDADE A indivisibilidade consiste no reconhecimento de que todos os direitos humanos possuem a mesma proteção jurídica uma vez que são essenciais para uma vida digna A indivisibilidade possui duas facetas A primeira implica reconhecer que o direito protegido apresenta uma unidade incindível em si A segunda faceta mais conhecida assegura que não é possível proteger apenas alguns dos direitos humanos reconhecidos 61 O objetivo do reconhecimento da indivisibilidade é exigir que o Estado também invista tal qual investe na promoção dos direitos de primeira geração nos direitos sociais zelando pelo chamado mínimo existencial ou seja condições materiais mínimas de sobrevivência digna do indivíduo A indivisibilidade também exige o combate tanto às violações maciças e graves de direitos considerados de primeira geração direito à vida integridade física liberdade de expressão entre outros quanto aos direitos de segunda geração direitos sociais como o direito à saúde educação trabalho previdência social etc A interdependência ou interrelação consiste no reconhecimento de que todos os direitos humanos contribuem para a realização da dignidade humana interagindo para a satisfação das necessidades essenciais do indivíduo o que exige novamente a atenção integral a todos os direitos humanos sem exclusão O conteúdo de um direito pode se vincular ao conteúdo de outro demonstrando a interação e a complementaridade entre eles bem como que certos direitos são desdobramentos de outros 62 A indivisibilidade e a interdependência de tais direitos foram confirmadas em várias ocasiões A Proclamação de Direitos Humanos da 1ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU realizada em Teerã 1968 foi o primeiro texto a reconhecer que os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis a realização dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos sociais e culturais resulta impossível Em 1986 na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento 63 ficou disposto que todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes a realização a promoção e a proteção dos direitos civis políticos econômicos sociais e culturais devem se beneficiar de uma atenção igual e ser encaradas com uma urgência igual art 6º 2º A Declaração de Viena aprovada na 2ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU 1993 repetiu a Proclamação de Teerã e reiterou que todos os direitos humanos são universais indivisíveis interdependentes e interrelacionados A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global justa e equitativa em pé de igualdade e com a mesma ênfase 5º Reconheceuse que os direitos humanos formam uma unidade de direitos tida como indivisível interdependente e interrelacionada Como bem expressa a Declaração de Viena em seu 15º o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais sem distinções de qualquer espécie é uma norma fundamental do direito internacional na área dos direitos humanos Tendo em vista o incremento da proteção dada ao indivíduo ficou assente que se determinado direito é violado todos os demais direitos ficam vulneráveis e comprometidos Por isso em especial no Brasil o grande desafio é implementar tanto os direitos de liberdade quanto os direitos relativos à igualdade que concretizam a justiça social 64 QUADRO SINÓTICO Indivisibilidade interdependência e unidade Indivisibilidade Conceito reconhecimento de que todos os direitos humanos possuem a mesma proteção jurídica uma vez que são essenciais para uma vida digna Possui duas facetas 1 implica reconhecer que o direito protegido apresenta uma unidade incindível em si 2 assegura que não é possível proteger apenas alguns dos direitos humanos reconhecidos Objetivo do seu reconhecimento 1 exigir que o Estado também invista nos direitos sociais zelando pelo chamado mínimo existencial ou seja condições materiais mínimas de sobrevivência digna do indivíduo 2 exigir o combate tanto às violações maciças e graves de direitos considerados de primeira geração quanto aos direitos de segunda geração Interdependência ou inter relação Conceito reconhecimento de que todos os direitos humanos contribuem para a realização da dignidade humana o que exige a atenção integral a todos os direitos humanos sem exclusão Normas internacionais que confirmaram a indivisibilidade e a interdependência Proclamação de Direitos Humanos da 1ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU Teerã 1968 Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento 1986 Declaração de Viena aprovada na 2ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU 1993 54 A ABERTURA DOS DIREITOS HUMANOS NÃO EXAUSTIVIDADE E FUNDAMENTALIDADE A abertura dos direitos humanos consiste na possibilidade de expansão do rol dos direitos necessários a uma vida digna Fica consolidado então a não exauribilidade dos direitos humanos sendo o rol de direitos previsto na Constituição Federal e tratados internacionais meramente exemplificativo e não exclui o reconhecimento futuro de outros direitos A abertura pode ser de origem internacional ou nacional A abertura internacional é fruto do aumento do rol de direitos protegidos resultante do Direito Internacional dos Direitos Humanos quer por meio de novos tratados quer por meio da atividade dos tribunais internacionais Já a abertura nacional é fruto do trabalho do Poder Constituinte Derivado como por exemplo a inserção do direito à moradia pela EC 262000 e do direito à alimentação pela EC 642010 e também fruto da atividade interpretativa ampliativa dos tribunais nacionais O art 5º 2º da Constituição prevê o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais introduzido pela primeira vez na Constituição de 1891 também denominado abertura da Constituição aos direitos humanos Na Constituição de 1891 a abertura aos direitos era resultado do seu art 78 que pregava que a especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não excluía outras garantias e direitos não enumerados mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna Já o art 5º 2º da Constituição estipula que os direitos nela previstos expressamente não excluem outros decorrentes do regime e princípios da Constituição e em tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil De forma inédita na história constitucional brasileira a abertura da Constituição aos direitos foi baseada também nos tratados internacionais celebrados pelo Brasil A abertura está relacionada com a fundamentalidade dos direitos humanos no ordenamento jurídico Como os direitos humanos são fundamentais para uma vida digna novos direitos podem surgir na medida em que as necessidades sociais assim exijam Por isso os direitos humanos possuem uma fundamentalidade formal por estarem previstos em normas constitucionais e em tratados de direitos humanos mas possuem ainda uma fundamentalidade material que consiste no reconhecimento da indispensabilidade de determinado direito para a promoção da dignidade humana QUADRO SINÓTICO A abertura dos direitos humanos e fundamentalidade Abertura dos direitos humanos consiste na possibilidade de expansão do rol dos direitos necessários a uma vida digna consolidação da não exauribilidade dos direitos humanos A abertura pode ser a Internacional fruto do aumento do rol de direitos protegidos oriundo do Direito Internacional dos Direitos Humanos b Nacional fruto do trabalho de interpretação ampliativa realizado pelo Poder Constituinte Derivado e pelos tribunais nacionais O art 5º 2º adotou a abertura dos direitos humanos por meio do princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais A abertura está relacionada com a fundamentalidade dos direitos humanos no ordenamento jurídico Os direitos humanos possuem uma fundamentalidade formal por estarem previstos em normas constitucionais e em tratados de direitos humanos mas possuem ainda uma fundamentalidade material reconhecimento da indispensabilidade de determinado direito para a promoção da dignidade humana 55 IMPRESCRITIBILIDADE INALIENABILIDADE INDISPONIBILIDADE Os direitos humanos são tidos como imprescritíveis inalienáveis e indisponíveis também chamados de irrenunciáveis o que em seu conjunto compõe uma proteção de intangibilidade aos direitos tidos como essenciais a uma vida digna A imprescritibilidade implica reconhecer que tais direitos não se perdem pela passagem do tempo existindo o ser humano há esses direitos inerentes A inalienabilidade pugna pela impossibilidade de se atribuir uma dimensão pecuniária desses direitos para fins de venda Finalmente a indisponibilidade ou irrenunciabilidade revela a impossibilidade de o próprio ser humano titular desses direitos abrir mão de sua condição humana e permitir a violação desses direitos Essa proteção de intangibilidade foi importante na afirmação dos direitos humanos a partir das revoluções liberais e suas declarações de direitos Era importante gravar os direitos de cláusulas protetivas contra a vontade do Estado e até mesmo contra a vontade de seu titular demonstrando a essencialidade desses direitos e sua inerência à condição humana Porém três observações são importantes Em primeiro lugar apesar de não se admitir a eliminação ou disposição dos direitos humanos em abstrato seu exercício pode ser facultativo sujeito inclusive à negociação ou mesmo prazo fatal para seu exercício Só assim é possível compreender o disposto no art 7º VI irredutibilidade do salário salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo XIII duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais facultada a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho XIV jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento salvo negociação coletiva e ainda o XXIX ação quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho da Constituição de 1988 Há então liberdade do titular de exercer ou não tais direitos e um prazo para tanto A segunda observação diz respeito à indisponibilidade dos direitos humanos para proteger seu titular de tratamento humilhante cruel e degradante Esse limite à autonomia quanto ao exercício dos direitos ocorreu no chamado Caso do Arremesso do Anão na França No caso ocorreu a proibição desse tipo de conduta arremesso de anão oferecida por uma casa noturna em MorsangsurOrge periferia de Paris França Houve intenso debate sobre a indisponibilidade dos direitos humanos uma vez que o próprio anão atacou a proibição alegando ter dado consentimento a tal prática utilizar equipamento de segurança satisfatório e de ter direito ao trabalho Tanto perante o Conselho de Estado francês 65 quanto perante o Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 66 confirmouse a legitimidade da proibição da prática do arremesso de anão 67 É importante salientar que a aplicação da fórmula do homem objeto não pode ser mecânica e automática a instrumentalização do ser humano é claramente ofensiva à dignidade humana quando presente um elemento de desvalorização humilhação ou degradação da pessoa Por exemplo a ação de determinada pessoa que auxilia outra a subir em um muro sendo utilizada como uma escada revela certa coisificação pontual mas não há a intenção de degradação Em sentido contrário o Tribunal Constitucional da Alemanha considerou inconstitucional lei de segurança aérea de 2004 pela qual as autoridades poderiam abater aeronave em voo com passageiros inocentes caso se constatasse que esta seria utilizada para atentado contra a vida de pessoas no solo e este o abate fosse o último recurso para impedir a conduta Para o Tribunal alemão tal abate instrumentalizava em absoluto os passageiros inocentes para salvar outras vidas e violava o direito à vida e à dignidade humana mesmo que os passageiros fossem ao final da ação terrorista também mortos 68 No caso brasileiro a Lei do Abate Lei n 961498 que incluiu o 3º no art 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica sofre a crítica de permitir a medida de destruição para casos de tráfico de entorpecentes de acordo com o Decreto n 51442004 A terceira observação diz respeito ao consentimento Inicialmente o indivíduo é livre para não exercer seus direitos sua autonomia e autodeterminação são componentes do direito à liberdade e da própria dignidade humana Assim a indisponibilidade dos direitos humanos não pode gerar um paternalismo estatal exacerbado que fulminaria a vontade de um indivíduo para protegêlo Nesse sentido a participação em reality shows e o afastamento do direito à privacidade em um ambiente de consentimento livre e informado de indivíduos capazes é legítimo Ou ainda a colocação consentida de tatuagens conduta que é compatível com a liberdade não podendo ser considerada como uma violação à integridade Como resume Barroso o que o Estado não pode fazer é anular integralmente a liberdade pessoal e a autonomia moral do indivíduo vivendo sua vida para poupálo do risco Para o citado autor os direitos humanos são a princípio disponíveis e sua indisponibilidade exigirá um ônus argumentativo do Estado tendo em vista i a natureza do direito ii a natureza de eventuais direitos contrapostos e iii os valores sociais relevantes em uma sociedade democrática 69 A intangibilidade de um direito contra a vontade de seu titular então depende da ponderação entre a liberdade do indivíduo e o eventual direito em colisão Há pouca utilidade da proteção de intangibilidade em um cenário marcado pela expansão dos direitos humanos e seus choques A indisponibilidade dos direitos humanos pode ser traduzida como sendo uma limitação compressão da liberdade em prol da prevalência de outros direitos ou da dignidade humana QUADRO SINÓTICO Imprescritibilidade inalienabilidade e indisponibilidade Imprescritibilidade inalienabilidade e indisponibilidade são características que em conjunto compõem uma proteção de intangibilidade aos direitos tidos como essenciais a uma vida digna Imprescritibilidade Implica o reconhecimento de que os direitos humanos não se perdem pela passagem do tempo Inalienabilidade Pugna pela impossibilidade de se atribuir uma dimensão pecuniária dos direitos humanos para fins de venda Irrenunciabilidade Revela a impossibilidade de o próprio ser humano titular dos direitos humanos abrir mão de sua condição humana e permitir a violação desses direitos Observações Apesar de não se admitir a eliminação ou disposição dos direitos humanos em abstrato seu exercício pode ser facultativo sujeito inclusive a negociação ou mesmo prazo fatal para seu exercício Pela própria definição de direitos humanos o indivíduo não é livre para não exercer os direitos quando há lesão à dignidade humana limites da liberdade de exercício dos direitos calcada na autonomia da vontade Tais características perdem utilidade em um cenário marcado pela expansão dos direitos humanos já que os conflitos entre direitos humanos fazem com que a sua interpretação tenha que ser acionada para estabelecer os limites entre eles sem que seja útil apelar à proteção da intangibilidade conferida genericamente a todos pois ambos os direitos em conflito também a terão 56 PROIBIÇÃO DO RETROCESSO Os direitos humanos caracterizamse pela existência da proibição do retrocesso também chamada de efeito cliquet princípio do não retorno da concretização ou princípio da proibição da evolução reacionária que consiste na vedação da eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito admitindose somente aprimoramentos e acréscimos Outra expressão utilizada pela doutrina é o entrenchment ou entrincheiramento que consiste na preservação do mínimo já concretizado dos direitos fundamentais impedindo o retrocesso que poderia ser realizado pela supressão normativa ou ainda pelo amesquinhamento ou diminuição de suas prestações à coletividade 70 Há diferença entre a proibição do retrocesso e a proteção contra efeitos retroativos este é proibido por ofensa ao ato jurídico perfeito da coisa julgada e do direito adquirido A vedação do retrocesso é distinta proíbe as medidas de efeitos retrocessivos que são aquelas que objetivam a supressão ou diminuição da satisfação de um dos direitos humanos Abrange não somente os direitos sociais a chamada proibição do retrocesso social mas todos os direitos humanos que como vimos são indivisíveis No Brasil a proibição do retrocesso é fruto dos seguintes dispositivos constitucionais 1 Estado democrático de Direito art 1º caput 2 dignidade da pessoa humana art 1º III 3 aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais art 5º 1º 4 proteção da confiança e segurança jurídica art 1º caput e ainda art 5º XXXVI a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada e 5 cláusula pétrea prevista no art 60 4º IV vide item 24 da Parte III 71 A proibição do retrocesso é característica também da proteção internacional dos direitos humanos pois cristalizouse no plano internacional a chamada proibição do retrocesso pela qual é vedado aos Estados que diminuam ou amesquinhem a proteção já conferida aos direitos humanos Mesmo novos tratados internacionais não podem impor restrições ou diminuir a proteção de direitos humanos já alcançada 72 A proibição de retrocesso não representa contudo uma vedação absoluta a qualquer medida de alteração da proteção de um direito específico Por exemplo podem ser constitucionais as alterações nas regras da aposentadoria dos servidores públicos que façam frente ao crescimento da expectativa de vida A inalterabilidade dessas regras levaria o Estado a destinar mais recursos a esse direito social diminuindose a proteção de outros direitos Em 2017 nas discussões sobre a reforma da Previdência dos trabalhadores da área privada e dos servidores públicos a inexistência ou insuficiência de regras de transição adequadas aos que já estavam vinculados ao sistema previdenciário pode violar a proibição do retrocesso caso venha a se constatar a vulneração desproporcional da igualdade tratando igualmente os desiguais ou seja aqueles que já contribuíram por anos com aqueles que ainda irão ingressar no mercado de trabalho ou do direito à segurança jurídica na sua faceta da proibição da surpresa ver o direito à segurança jurídica na Parte IV Cap 22 Assim há três condições para que eventual diminuição na proteção normativa ou fática de um direito seja permitida 1 que haja justificativa também de estatura jusfundamental 2 que tal diminuição supere o crivo da proporcionalidade ver Parte I Capítulo III item 74 e 3 que seja preservado o núcleo essencial do direito envolvido Identifico quatro subespécies da proibição do retrocesso já reconhecidas no STF ou em debate i Vedação do Retrocesso Social O Min Celso de Mello sustentou que o postulado da proibição do retrocesso social cuja eficácia impede considerada a sua própria razão de ser sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão que não pode ser despojado por isso mesmo em matéria de direitos sociais no plano das liberdades reais dos níveis positivos de concretização por ele já atingidos Depois o Min Celso de Mello apontou que em realidade a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz no processo de sua concretização verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional impedindo em consequência que os níveis de concretização dessas prerrogativas uma vez atingidos venham a ser reduzidos ou suprimidos exceto nas hipóteses de todo inocorrente na espécie em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais MS 24875 j 1152006 Pleno grifo nosso 73 Para a Min Cármen Lúcia que foi relatora de Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a reforma da Previdência Social julgada improcedente a proibição do retrocesso só seria aplicada se a aposentadoria enquanto direito social fosse abolida mas não seria o caso de invocála no caso de mudança dos critérios para aposentadoria tão somente ADI 3104 rel Min Cármen Lúcia j 2692007 Plenário DJ de 9112007 ii Vedação do Retrocesso Político Em 2011 o STF decidiu suspender o art 5º da Lei n 120342009 que dispunha sobre a volta do voto impresso Para a Min Cármen Lúcia a proibição de retrocesso políticoconstitucional impede que direitos conquistados como o da garantia de voto secreto pela urna eletrônica retroceda para dar lugar a modelo superado voto impresso exatamente pela sua vulnerabilidade ADI 4543MC rel Min Cármen Lúcia j 19102011 Plenário Em 2018 o STF voltou a considerar inconstitucional a impressão do voto Foi suspenso o art 59A da Lei n 95041997 incluído pela Lei n 131652015 Lei da Minirreforma Eleitoral o qual determinava que mantida a votação eletrônica deveria cada voto ser impresso e depositado de forma automática e sem contato manual do eleitor em local previamente lacrado De acordo com o parágrafo único do mesmo dispositivo o processo de votação não seria concluído até que o eleitor confirmasse a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica Para o STF essa medida introduzia o modelo híbrido em adição ao modelo do voto impresso e ao modelo do voto eletrônico significando retrocesso ao modelo do voto eletrônico puro pois permitiria a identificação de quem votou diminuindo a liberdade de votar ADI 5889DF rel orig Min Gilmar Mendes rel p o ac Min Alexandre de Moraes j 662018 iii Vedação do Retrocesso Civil Em 2017 o STF decidiu que o Código Civil de 2002 não poderia desigualar a proteção sucessória conferida pelas Leis n 897194 e n 927896 aos companheiros Para o Min Barroso o Código Civil de 2002 foi anacrônico e representou um retrocesso vedado pela Constituição na proteção legal das famílias constituídas pela união estável voto do Min Barroso no RE 878694MG rel Min Roberto Barroso j 1052017 A tese fixada pelo STF repercussão geral estabelece que é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art 1790 do CC2002 devendo ser aplicado tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável o regime do art 1829 do CC2002 RE 878694MG rel Min Roberto Barroso j 1052017 iv Vedação do Retrocesso Institucional O Decreto n 9831 de 11 de junho de 2019 remanejou onze cargos de perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura MNPCT para outra área do Poder Público federal exonerando os seus ocupantes e determinando que a participação no Mecanismo seria considerada doravante prestação de serviço público relevante não remunerada A ProcuradoriaGeral da República ingressou com arguição de descumprimento de preceito fundamental contra tal modificação no MNPCT alegando vedação à proibição do retrocesso institucional De fato a medida teve caráter regressivo do ponto de vista institucional na medida em que esvaziou significativamente o MNPCT órgão essencial para o combate à prática de tortura e demais tratamentos degradantes ou desumanos em ambientes de detenção e custódia coletiva de pessoas ao transformar o mecanismo antes profissional em trabalho voluntário e precário Reduziuse o âmbito de proteção normativa ao direito de não submissão à tortura ou tratamentos e penas cruéis e degradantes de pessoas sob custódia do Estado configurando ofensa ao princípio da vedação do retrocesso institucional petição inicial da PGR ADPF 607 rel Min Luiz Fux em trâmite v Vedação do Retrocesso Ecológico O princípio da proibição de retrocesso ecológico ou socioambiental é fruto da tutela constitucional art 225 da CF88 e internacional do meio ambiente Protocolo de San Salvador e Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais entre outros que restringe a discricionariedade do legislador Estadolegislador na adoção de medidas contrárias à proteção ambiental bem como impede que haja regresso no que tange à estrutura organizacional do Estado recursos humanos e materiais voltada à implementação de políticas públicas A proibição do retrocesso ecológico evita uma atuação legislativa e administrativa inexistente ou insuficiente na promoção do direito ao meio ambiente sendo também faceta da proibição da proteção deficiente dos direitos humanos74 O STF reconheceu já a proibição do retrocesso socioambiental exigindo a avaliação da proporcionalidade e do respeito ao núcleo essencial dos direitos ecológicos por parte de novas medidas restritivas adotadas pelos Poderes Públicos STF ADI 4717DF rel Min Cármen Lúcia j 542018 DJe 1522019 QUADRO SINÓTICO Proibição do retrocesso efeito cliquet Efeito cliquet ou princípio do não retorno da concretização Consiste na vedação da eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito admitindose somente de aprimoramentos e acréscimos Entrenchment ou entrincheiramento Consiste na preservação do mínimo já concretizado dos direitos fundamentais impedindo o retrocesso que poderia ser realizado pela supressão normativa ou ainda pelo amesquinhamento ou diminuição de suas prestações à coletividade Proteção contra efeitos retroativos Este é proibido por ofensa ao ato jurídico perfeito à coisa julgada e ao direito adquirido Difere da vedação do retrocesso que proíbe as medidas de efeitos retrocessivos que são aquelas que objetivam a supressão ou diminuição da satisfação de um dos direitos humanos 1 Estado Democrático de Direito 2 dignidade da pessoa humana Fundamentos da Constituição brasileira para a proibição do retrocesso 3 aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais 4 proteção da confiança e segurança jurídica a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada e 5 cláusula pétrea prevista no art 60 4º IV Condições para que eventual diminuição na proteção normativa ou fática de um direito seja permitida 1 que haja justificativa também de estatura jusfundamental 2 que tal diminuição supere o crivo da proporcionalidade e 3 que seja preservado o núcleo essencial do direito envolvido A proibição de retrocesso não representa uma vedação absoluta a qualquer medida de alteração da proteção de um direito específico 57 A JUSTICIABILIDADE DOS DIREITOS ECONÔMICOS SOCIAIS CULTURAIS E AMBIENTAIS DESCAs A justiciabilidade dos direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCAs consiste na exigência judicial nacional ou internacional de implementação de tais direitos pelos Estados Em sentido contrário à justiciabilidade há dispositivos normativos internacionais que estipulam o dever de implementação progressiva de tais direitos fundados na falta de recursos econômicos para sua implementação imediata A temática da justiciabilidade dos direitos sociais foi objeto de discussão na redação do art 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos cujo texto final adotou o dever dos Estados de apenas zelar pelo desenvolvimento progressivo de tais direitos 75 Por sua vez o Protocolo de San Salvador sobre direitos sociais econômicos e culturais e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC preveem também o desenvolvimento progressivo da disponibilidade de tais direitos a depender da existência de recursos econômicos por parte do Estado Nesse sentido o art 1º do Protocolo de San Salvador estabelece a obrigação internacional geral dos Estados em face dos direitos sociais econômicos e culturais que vem a ser o compromisso de adotar as medidas adequadas para efetiválos levando em consideração os recursos disponíveis e a progressividade no mesmo diapasão do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais art 21 76 Contudo em face da i indivisibilidade e ii interdependência de todos os direitos que são indispensáveis para a vida digna do ser humano desenvolveuse na jurisprudência internacional dos direitos humanos dois modos de justiciabilidade dos direitos sociais i o modo indireto e mais recentemente ii o modo direto O modo indireto consiste na proteção dos direitos sociais como facetas dos direitos civis e políticos A divisão entre direitos civis e políticos e direitos sociais é eliminada há facetas dos direitos civis e políticos que afetam direitos sociais e a violação dos direitos sociais é feita por derivação da justiciabilidade de um direito civil e político Por exemplo a violação ao direito à saúde é apreciada por um órgão internacional em virtude de ofender o direito à integridade física o direito à identidade cultural dos povos indígenas seria apreciado como subproduto da proteção do direito à vida entre outras possíveis derivações Já pelo modo direto a violação a direito social econômico cultural ou ambiental é reconhecida enquanto tal de forma autônoma por exemplo violação ao direito à saúde à educação ou ao trabalho Tratase de forma tradicionalmente reservada aos direitos civis e políticos uma vez que os tratados que contêm direitos sociais em sentido amplo adotaram como visto somente o dever dos Estados em desenvolver progressivamente tais direitos No plano doméstico a justiciabilidade dos direitos sociais possui já diversos precedentes como se vê no uso de ações judiciais para a implementação de diversos direitos sociais como o direito à saúde educação entre outros 77 O modo indireto é o mais usualmente encontrado na jurisprudência internacional de direitos humanos No plano interamericano a redação do art 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos CADH restringiu a atuação da Corte Interamericana na proteção de direitos sociais Além disso como veremos abaixo o Protocolo de San Salvador PSS impôs uma limitação rationae materiae no seu art 196 que prevê a jurisdição da Corte somente sobre casos de violação do direito à educação fundamental e determinados direitos sindicais arts 8 e 13 do PSS Por isso em face da dificuldade de reconhecimento de uma violação direta às normas jurídicas delimitadoras dos DESCAs em especial o art 26 da CADH e os direitos do Protocolo de San Salvador o modo indireto foi amplamente utilizado pela Corte IDH Nesse sentido a Corte IDH reconheceu em seus julgados diferentes dimensões das violações derivadas de direitos civis e políticos consagrando simultaneamente a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos Há duas críticas ao uso do modo indireto i seu uso gera baixa visibilidade e reconhecimento dos DESCAs enquanto direitos com força vinculante bem como ii exige que violações a direitos difusos ou coletivos sejam traduzidas como violações de direitos individuais O modo direto de proteção de direitos humanos foi consagrado pela Corte IDH somente em 2017 no Caso Lagos del Campo vs Peru 78 Foi declarado de ofício sem pedido das vítimas ou da Comissão Interamericana de Direitos Humanos a violação ao art 26 da CADH Foi a primeira vez que a Corte declarou violado pelo Estado o art 26 da CADH mantendo essa linha em julgados subsequentes a saber Caso dos Trabalhadores Despedidos da Empresa Petroperu 79 2017 Caso Poblete Vilches vs Chile 2018 80 e Caso San Miguel Sosa vs Venezuela 81 2018 A justiciabilidade direta dos direitos sociais implica no reconhecimento de direitos subjetivos oponíveis aos Estados tais como os direitos civis e políticos afastandose a tese de que tais direitos representariam somente normas programáticas aos Estados Com a justiciabilidade direto os DESCAs reafirmamse como direitos humanos com o mesmo status e hierarquia que os direitos civis e políticos Com isso os Estados devem tanto evitar medidas regressivas vide a proibição do retrocesso quanto devem adotar medidas imediatas de respeito e garantia As críticas ao modo direto tanto no plano interno quanto no plano internacional referemse à intervenção judicial na implementação de direitos que exigem prestações materiais o que não seria atribuição do Poder Judiciário QUADRO SINÓTICO A justiciabilidade dos direitos sociais Modo indireto de proteção dos DESCAs Consiste na proteção de facetas sociais de direitos civis e políticos por exemplo a promoção do direito à saúde em virtude de seu vínculo com a proteção do direito à vida Modo direto de proteção dos DESCAs Consiste na exigência de proteção do direito social de modo autônomo em face do dever do Estado de assegurar todos os direitos humanos Críticas ao uso do modo indireto O modo indireto geraria i baixa visibilidade e dúvida sobre a força vinculante dos direitos sociais que dependeriam dos direitos civis e políticos bem como ii exige que direitos difusos ou coletivos sejam traduzidos como direitos individuais Críticas ao uso do modo direto O modo direto é criticado por levar à intervenção judicial na implementação de políticas públicas o que não seria atribuição do Poder Judiciário 6 A interpretação 61 A INTERPRETAÇÃO CONFORME OS DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos assumiram uma centralidade no ordenamento jurídico cuja consequência é a aceitação da vinculação de todos os Poderes Públicos e agentes privados ao conteúdo desses direitos Assim em um caso concreto deve ser averiguado se determinada norma a ser aplicada está conforme aos direitos humanos Essa interpretação conforme aos direitos humanos é consequência da adoção da interpretação conforme a Constituição que consiste no instrumento hermenêutico pelo qual é escolhida a interpretação de uma norma que se revele compatível com a Constituição suspendendo em consequência variações interpretativas conflitantes com a ordem constitucional voto do Ministro Celso de Mello ADPF 187 sobre a Marcha da Maconha j 1562011 DJe 2952014 No caso da interpretação conforme os direitos humanos buscase o mesmo deve o intérprete escolher quando a norma impugnada admite várias interpretações possíveis uma que a compatibilize com os direitos humanos Com base na interpretação conforme aos direitos humanos estes influem em todo o Direito e nos atos dos agentes públicos e privados concretizando seu efeito irradiante que os transformam no centro dos valores de um ordenamento Ocorre que a interpretação conforme aos direitos humanos é complexa fruto da interdependência e indivisibilidade desses próprios direitos A indivisibilidade e interdependência impedem que se analise uma norma de direitos humanos de modo isolado dos demais direitos Pelo contrário a compreensão e aplicação de uma norma de direitos humanos é sempre feita levandose em consideração os demais direitos atingidos que igualmente são relevantes e indispensáveis a uma vida digna Por isso reproduzemse na seara dos direitos humanos as dificuldades da interpretação da Constituição como um todo pois em nome da unidade da Constituição não se pode aplicar isoladamente uma norma constitucional violando outros dispositivos da mesma Constituição No caso dos direitos humanos todo o conjunto de direitos deve ser levado em consideração Por isso os direitos humanos são direitos prima facie ou seja direitos que asseguram em um primeiro momento posições jurídicas que em um segundo momento podem sofrer restrições pela incidência de direitos titularizados por outros indivíduos A dignidade humana deve ser assegurada em uma constante busca de harmonia na aplicação prática dos direitos humanos que se irradiam por todo o ordenamento e orientam as ações dos agentes públicos e privados Veremos em seguida como é realizada a interpretação dos direitos humanos que leve em consideração todos os direitos envolvidos 62 A INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ASPECTOS GERAIS A interpretação no Direito é toda atividade intelectual que visa solucionar problemas jurídicos por meio dos seguintes passos 1 escolha dos textos normativos relevantes 2 atribuição de significados a esses textos e 3 resolução da questão jurídica à luz dos parâmetros eleitos 82 Contudo tradicionalmente a interpretação jurídica é vista como uma atividade de extração de um determinado texto normativo do seu real significado sempre evitando que os pendores pessoais do intérprete possam influenciar na aplicação da norma Para obter essa extração do real alcance e sentido da norma os métodos tradicionais de interpretação interpretação gramatical interpretação sistemática interpretação teleológica e interpretação histórica não são excludentes entre si mas podem ser complementares na sua função de se alcançar o sentido adequado da norma interpretada evitando que o aplicador se transforme em legislador Essa visão tradicional é criticada nos dias de hoje Em primeiro lugar a busca do real alcance e sentido da norma nos levaria à dispensa da interpretação diante da clareza do texto a ser interpretado claris non fit interpretatio Porém só é possível determinar a clareza ou obscuridade de determinada lei após a interpretação 83 Assim sendo o Direito uma ciência da linguagem que se apresenta com diferentes significados a depender da leitura a interpretação é sempre necessária Em segundo lugar a interpretação contribui para o nascimento da norma uma vez que não é uma atividade neutra de extração de um sentido já preexistente A própria existência de votações apertadas no STF brasileiro demonstra que existem várias interpretações possíveis Não que o texto a ser interpretado não tenha nenhuma importância podendo o intérprete utilizálo como queira O texto normativo é o ponto de partida e a partir dos dados da realidade tal qual vista pelos valores do intérprete chegase à norma interpretada A interpretação é uma atividade de cunho constitutivo e não meramente declaratório que constrói a norma a ser a aplicada ao caso concreto a partir do amálgama entre o texto normativo e os dados da realidade social que incidem sobre esse texto Nesse sentido o Min Eros Grau sustentou que a interpretação do direito tem caráter constitutivo pois consiste na produção pelo intérprete a partir de textos normativos e da realidade de normas jurídicas a serem aplicadas à solução de determinado caso solução operada mediante a definição de uma norma de decisão Em síntese sustentou o Min Eros Graus que a interpretação do direito não é mera dedução dele mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos voto do Min Eros Grau ADPF 153 rel Min Eros Grau j 2942010 Plenário DJe de 682010 84 Assim sendo a interpretação é a chave da aplicação da norma jurídica pelos juízes e não mais a subsunção mecânica que os transformava na boca da lei bouche de la loi na expressão francesa do século XIX que retratava o receio de que os juízes subtraíssem pela via da interpretação o poder de criação de normas do Legislativo Esse receio foi superado pelo reconhecimento de que a interpretação das normas é indispensável a qualquer aplicação do direito Por isso sem maiores traumas para a democracia brasileira o Supremo Tribunal Federal assumiu esse novo papel da interpretação em vários precedentes Como exemplo ainda o Min Eros Grau em voto elogiado por vários outros ministros sustentou abertamente que as normas resultam da interpretação e podemos dizer que elas enquanto textos enunciados disposições não dizem nada elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem voto do Min Eros Grau ADPF 153 rel Min Eros Grau j 2942010 Plenário DJe de 682010 grifo nosso Com base nessa introdução sobre interpretação observo que as regras tradicionais de interpretação são também insuficientes no campo dos direitos humanos As normas de direitos humanos são redigidas de forma aberta repletas de conceitos indeterminados por exemplo intimidade devido processo legal duração razoável do processo e ainda interdependentes e com riscos de colisão liberdade de informação e intimidade direito de propriedade e direito ao meio ambiente equilibrado entre os casos mais conhecidos Consequentemente a interpretação é indispensável para que possamos precisar e delimitar os direitos humanos A interpretação dos direitos humanos é acima de tudo um mecanismo de concretização desses direitos Tratar em abstrato dos direitos humanos transcritos nas Constituições e nos tratados internacionais é conhecêlos apenas parcialmente somente após a interpretação pelos Tribunais Supremos e pelos órgãos internacionais é que a delimitação final do alcance e sentido de um determinado direito ocorrerá Com isso é indispensável o estudo dos direitos humanos interpretados pelos tribunais nacionais e internacionais Essa visão chocase com a visão tradicional escorada na separação de poderes que defendia a escravidão do juiz às normas criadas em última análise pelo Poder Legislativo Logo a subsunção seria a única técnica utilizada pelos intérpretes na aplicação do direito sendo composta pela identificação da premissa maior que era a norma jurídica apta a incidir sobre os fatos que eram a premissa menor resultando como consequência a aplicação da norma ao caso concreto Porém como visto acima o próprio STF reconhece que a subsunção não é suficiente ou até mesmo é ultrapassada O fundamento dessa superação está na essencialidade da tarefa da interpretação uma vez que a subsunção não esclarece qual é norma e qual é o seu conteúdo para ser utilizado pelos aplicadores Além disso a interpretação dos direitos humanos ganha importância pela sua 1 superioridade normativa pois não há outras normas superiores nas quais pode o intérprete buscar auxílio 2 força expansiva que acarreta a jusfundamentalização do Direito fazendo com que todas as facetas da vida social sejam atingidas pelos direitos humanos A função da interpretação é concretizar os direitos humanos por meio de procedimento fundamentado com argumentos racionais e embasados que poderá ser coerentemente repetido em situações idênticas gerando previsibilidade jurídica e evitando o arbítrio e decisionismo do intérpretejuiz A argumentação jurídica deve então justificar as decisões jurídicas referentes aos direitos humanos de modo coerente e consistente Não se trata então de simplesmente realizar uma operação dedutiva que leve a extração de uma conclusão incontroversa a partir da premissa jurídica e dos fatos do caso como se viu os direitos humanos não se amoldam ao clássico desenho da interpretação Pelo contrário a estrutura principiológica dos direitos humanos gera vários resultados possíveis em temas com valores morais contrastantes Não há certo ou errado mas sim uma conclusão que deve atender a uma reserva de consistência em sentido amplo termo propagado no Brasil por Häberle 85 Aplicada à seara dos direitos humanos a reserva de consistência em sentido amplo exige que a interpretação seja 1 transparente e sincera evitando a adoção de uma decisão prévia e o uso da retórica da dignidade humana como mera forma de justificação da decisão já tomada 2 abrangente e plural não excluindo nenhum dado empírico ou saberes não jurídicos tornando útil a participação de terceiros como amici curiae 3 consistente em sentido estrito mostrando que os resultados práticos da decisão são compatíveis com os dados empíricos apreciados e com o texto normativo original 4 coerente podendo ser aplicada a outros temas similares evitando as contradições que levam à insegurança jurídica Esse procedimento fundamentado deve ser aberto a todos os segmentos da sociedade naquilo que Häberle defendeu ser necessário para a interpretação da Constituição Aplicando a visão de Häberle os direitos humanos não compõem um corpo dogmático fechado em si mesmo que se impõem como verdade abstrata e única sobre o conjunto de operadores jurídicos mas sim o resultado de um processo de conciliação de interesses que se desenvolve para promover a dignidade humana em determinado contexto histórico e social Os direitos humanos na medida em que são vividos em sociedade são interpretados e reinterpretados de maneira constante por todos os que convivem em sociedade uma vez que regem tanto as relações verticais entre indivíduo e Estado quanto às horizontais entre os próprios indivíduos 86 Especialmente no controle abstrato de constitucionalidade das normas a interpretação dos direitos humanos exige amplo acesso e participação de sujeitos interessados o que possibilitará aos julgadores uma apreciação das mais diversas facetas de um determinado direito analisado Em se tratando de direitos humanos exigese do julgador inevitavelmente uma ampla verificação de fatos e ainda de efeitos das disposições normativas no cotidiano das pessoas Logo a adoção de um modelo aberto de processo de interpretação jusfundamental permite que os julgadores possam ter mais elementos para a tomada de decisão Esperase então que os julgadores recebam e efetivamente utilizem tanto os subsídios técnicos quanto as constatações de repercussões sociais políticas e econômicas que determinada formatação de um direito possa gerar Caso a sociedade participe e os julgadores do Supremo Tribunal Federal levem em consideração tais contribuições mesmo que para rechaçálas fundamentadamente teremos uma legitimação da decisão sobre os direitos envolvidos graças a tal procedimento aberto Também superaremos o risco de que a defesa dos direitos humanos no Brasil na roupagem de cláusula pétrea possa significar uma ameaça à democracia caso o Supremo Tribunal Federal interprete sem maiores elementos o sentido dos direitos humanos e desconsidere emendas constitucionais aprovadas pelo Congresso democraticamente eleito No caso brasileiro há cada vez maior interação da sociedade civil com o Supremo Tribunal Federal e com os órgãos internacionais de direitos humanos No caso do STF os espaços de interação e influência direta são 1 apresentação como amicus curiae amigo da Corte de memoriais em casos de direitos humanos 2 exposição em audiências públicas promovidas pelo STF Quanto aos amici curiae a Lei n 986899 permitiu que o relator nos casos de ações diretas de inconstitucionalidade e de constitucionalidade considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes admita a manifestação de órgãos ou entidades art 7º 2º A Lei n 988299 sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental também possui previsão semelhante art 6º 2º Além disso o Código de Processo Civil de 2015 faz menção ao amicus curiae no art 1038 referente ao julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos O relator poderá I solicitar ou admitir manifestação de pessoas órgãos ou entidades com interesse na controvérsia considerando a relevância da matéria e consoante dispuser o regimento interno possibilitando que indivíduos possam se manifestar como amigos da Corte No caso de indivíduos o Supremo Tribunal Federal mesmo antes da lei já havia autorizado na figura de amicus curiae informal a manifestação do Prof Celso Lafer no Habeas Corpus n 82249 em parecer contrário às pretensões do paciente Sr Ellwanger que questionava a aplicação da imprescritibilidade do racismo ao antissemitismo ver HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 Nas palavras do Min Gilmar Mendes a admissão de amicus curiae confere ao processo um colorido diferenciado emprestandolhe caráter pluralista e aberto fundamental para o reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado Democrático de Direito ADI 3842 MG rel Min Gilmar Mendes decisão de 3122009 DJe de 10122009 grifo não constante do original No caso das audiências públicas as Leis n 986899 e 988299 possibilitam que sejam realizadas tais audiências para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria discutida Por exemplo o Min Luiz Fux determinou a realização de audiência pública para que fossem colhidas as opiniões técnicas e sociais no bojo da ADI 4103 que impugna a Lei n 117052008 também conhecida como Lei Seca que proíbe a venda de bebidas alcoólicas à beira das rodovias federais ou em terrenos contíguos à faixa de domínio com acesso direto à rodovia De acordo com o Ministro é valiosa e necessária a realização de audiências públicas sobre diversos temas controvertidos nestes autos não só para que esta Corte possa ser municiada de informação imprescindível para o deslinde do feito como também para que a legitimidade democrática do futuro pronunciamento judicial seja sobremaneira incrementada observou ainda o Relator da matéria grifo nosso ver Notícias do STF 14112011 No mesmo sentido foram realizadas audiências públicas sobre o direito ao esquecimento em junho de 2017 envolvendo o julgamento do RE 1010606 rel Min Dias Toffoli e sobre o bloqueio judicial do WhatsApp também em junho de 2017 no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade n 5527 relatada pela Ministra Rosa Weber e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n 403 cujo relator é o ministro Edson Fachin Nesta última audiência pública o Min Edson Fachin ressaltou que tais audiências propiciam um espaço dialogal em um ambiente aberto e republicano ver Notícias do STF 2 62017 De modo indireto a sociedade civil interage com o STF por meio da representação a entes com poderes processuais de provocação do STF como por exemplo a Procuradoria Geral da República Outro espaço indireto de influência da sociedade civil no STF seria o da sabatina dos candidatos a Ministros do STF no Senado Federal art 101 parágrafo único da CF88 por meio da apresentação de sugestões de perguntas da sociedade civil organizada a Senadores que poderiam indagar os candidatos sobre a perspectiva de proteção de direitos humanos No que tange aos órgãos internacionais de direitos humanos a sociedade civil organizada pode apresentar petições contra o Estado brasileiro e ainda participar como amici curiae em casos de violações de direitos humanos como veremos no item 1336 do Capítulo V da Parte II 63 A MÁXIMA EFETIVIDADE A INTERPRETAÇÃO PRO HOMINE E O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA NORMA MAIS FAVORÁVEL AO INDIVÍDUO O critério da máxima efetividade exige que a interpretação de determinado direito conduza ao maior proveito do seu titular com o menor sacrifício imposto aos titulares dos demais direitos em colisão A máxima efetividade dos direitos humanos conduz à aplicabilidade integral desses direitos uma vez que todos seus comandos são vinculantes Também implica a aplicabilidade direta pela qual os direitos humanos previstos na Constituição e nos tratados podem incidir diretamente nos casos concretos Finalmente a máxima efetividade conduz à aplicabilidade imediata que prevê que os direitos humanos incidem nos casos concretos sem qualquer lapso temporal Já o critério da interpretação pro homine exige que a interpretação dos direitos humanos seja sempre aquela mais favorável ao indivíduo Grosso modo a interpretação pro homine implica reconhecer a superioridade das normas de direitos humanos e em sua interpretação ao caso concreto na exigência de adoção da interpretação que dê posição mais favorável ao indivíduo A interpretação pro homine contudo sofre desgaste profundo pelo reconhecimento da existência da interdependência e colisão aparente entre os direitos o que faz ser impossível a adoção desse critério no ambiente do século XXI no qual há vários direitos de titulares distintos em colisão Como adotar a interpretação pro homine em causas envolvendo direitos em colisão Qual indivíduo deve ser privilegiado e qual indivíduo deve ter seu direito comprimido Apesar desse desgaste e inoperância o critério da interpretação pro homine é encontrado em várias decisões judiciais inclusive no Supremo Tribunal Federal Para o Min Celso de Mello os magistrados e Tribunais no exercício de sua atividade interpretativa especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos devem observar um princípio hermenêutico básico tal como aquele proclamado no art 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana em ordem a dispensarlhe a mais ampla proteção jurídica O Poder Judiciário nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais notadamente os mais vulneráveis a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana sob pena de a liberdade a tolerância e o respeito à alteridade humana tornaremse palavras vãs Aplicação ao caso do art 7º n 7 cc o art 29 ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano HC 91361 rel Min Celso de Mello j 239 2008 Segunda Turma DJe de 622009 Na mesma linha do critério pro homine há o uso do princípio da prevalência ou primazia da norma mais favorável ao indivíduo que defende a escolha no caso de conflito de normas quer nacionais ou internacionais daquela que seja mais benéfica ao indivíduo Por esse critério não importa a origem pode ser uma norma internacional ou nacional mas sim o resultado o benefício ao indivíduo Assim seria novamente cumprindo o ideal pro homine das normas de direitos humanos Ocorre que como visto acima a abertura e expansão dos direitos humanos faz com que haja vários direitos de titulares distintos em colisão Como escolher a norma mais favorável ao indivíduo em causas envolvendo direitos de titulares indivíduos distintos Novamente o critério da primazia da norma mais favorável nada esclarece devendo o intérprete buscar apoio nos métodos de solução de conflitos de direitos ver no capítulo seguinte Nesse ponto cumpre anotar a posição de Sarlet que defende nesses casos de colisão e na ausência de possibilidade de concordância prática entre as normas a prevalência da norma que mais promova a dignidade da pessoa humana 87 QUADRO SINÓTICO A interpretação A interpretação conforme os direitos humanos Interpretação conforme a Constituição consiste no instrumento hermenêutico pelo qual é escolhida a interpretação de uma norma que seja compatível com a Constituição suspendendose assim as variantes interpretativas conflitantes com a ordem constitucional Interpretação conforme os direitos humanos consiste na escolha pelo intérprete quando a norma impugnada admite várias interpretações possíveis de uma que a compatibilize com os direitos humanos Com base nessa interpretação os direitos humanos influem em todo o Direito e nos atos dos agentes públicos e privados concretizandose seu efeito irradiante A interpretação conforme os direitos humanos é fruto da interdependência e indivisibilidade desses direitos já que a compreensão e aplicação de uma norma de direitos humanos é feita levandose em consideração os demais direitos atingidos Todo o conjunto de direitos humanos deve ser levado em consideração Assim os direitos humanos são direitos prima facie ou seja direitos que asseguram em um primeiro momento posições jurídicas que em um segundo momento podem sofrer restrições pela incidência de direitos titularizados por outros indivíduos A interpretação dos direitos humanos aspectos gerais A interpretação é toda atividade intelectual que visa solucionar problemas jurídicos por meio dos seguintes passos 1 escolha dos textos normativos relevantes 2 atribuição de significados a esses textos e 3 resolução da questão jurídica à luz dos parâmetros eleitos Visão tradicional sobre a interpretação A interpretação jurídica é vista como uma atividade de extração de determinado texto normativo do seu real significado sempre evitando que os pendores pessoais do intérprete possam influenciar na aplicação da norma Críticas à visão tradicional 1 a busca do real alcance e sentido da norma nos levaria à dispensa da interpretação diante da clareza do texto a ser interpretado porém só é possível determinar a clareza ou obscuridade de determinada lei após a interpretação 2 a interpretação contribui para o nascimento da norma e não é uma atividade neutra de extração de um sentido já preexistente A interpretação é uma atividade de cunho constitutivo e não meramente declaratório que constrói a norma a ser a aplicada ao caso concreto a partir do amálgama entre o texto normativo e os dados da realidade social que incidem sobre esse texto As regras tradicionais de interpretação são insuficientes no campo dos direitos humanos já que as normas nesta matéria são redigidas de forma aberta repletas de conceitos indeterminados e interdependentes e com riscos de colisão Consequentemente a interpretação é indispensável para que se possa precisar e delimitar os direitos humanos Razões para a importância da interpretação dos direitos humanos 1 superioridade normativa pois não há outras normas superiores às quais pode o intérprete buscar auxílio 2 força expansiva que acarreta a jusfundamentalização do Direito fazendo com que todas as facetas da vida social sejam atingidas pelos direitos humanos Função da interpretação concretizar os direitos humanos por meio de procedimento fundamentado com argumentos racionais e embasados que poderá ser coerentemente repetido em situações idênticas gerando previsibilidade jurídica e evitando o arbítrio e decisionismo do intérpretejuiz A estrutura principiológica dos direitos humanos gera vários resultados possíveis em temas com valores morais contrastantes Chegase a uma conclusão que deve atender a uma reserva de consistência em sentido amplo Häberle Aplicada à seara dos direitos humanos a reserva de consistência em sentido amplo exige que a interpretação seja 1 transparente e sincera evitando a adoção de uma decisão prévia e o uso da retórica da dignidade humana como mera forma de justificação da decisão já tomada 2 abrangente e plural não excluindo nenhum dado empírico ou saberes não jurídicos tornando indispensável a participação de terceiros como amici curiae 3 consistente em sentido estrito mostrando que os resultados práticos da decisão são compatíveis com os dados empíricos apreciados e com o texto normativo original 4 coerente podendo ser aplicada a outros temas similares evitando as contradições que levam à insegurança jurídica A adoção de um modelo aberto de processo de interpretação jusfundamental permite que os julgadores possam ter mais elementos para a tomada de decisão Mecanismos de interação entre a sociedade civil e o STF 1 apresentação como amicus curiae de memoriais em casos de direitos humanos Lei n 986899 art 7º 2º Lei n 988299 art 6º 2º novo CPC art 138 2 exposição em audiências públicas promovidas pelo STF Leis n 986899 e 988299 3 representação a entes com poderes processuais de provocação do STF participação de modo indireto 4 sabatina dos candidatos a Ministros do STF no Senado Federal art 101 parágrafo único participação de modo indireto Mecanismos de interação entre a sociedade civil organizada brasileira e os órgãos internacionais de direitos humanos apresentação de petições contra o Estado brasileiro e participação como amici curiae em casos de violações de direitos humanos Máxima efetividade Critério da máxima efetividade a exige que a interpretação de determinado direito conduza ao maior proveito ao seu titular com o menor sacrifício imposto aos titulares dos demais direitos em colisão b implica a aplicabilidade direta pela qual os direitos humanos previstos na Constituição e nos tratados podem incidir diretamente aos casos concretos c conduz à aplicabilidade imediata que prevê que os direitos humanos incidem nos casos concretos sem qualquer lapso temporal Interpretação pro homine e Critério da interpretação pro homine a exige que a interpretação dos direitos humanos seja sempre aquela mais favorável ao indivíduo b implica reconhecer a superioridade das normas de direitos humanos e em sua interpretação ao prevalência da norma mais favorável ao indivíduo caso concreto na exigência de adoção da interpretação que dê posição mais favorável ao indivíduo O princípio da primazia da norma mais favorável ao indivíduo sofre desgaste profundo pelo reconhecimento da existência da interdependência e colisão aparente entre os direitos o que faz ser impossível a adoção desse critério no ambiente do século XXI no qual há vários direitos de titulares distintos em colisão 7 A resolução dos conflitos entre direitos humanos 71 ASPECTOS GERAIS A DELIMITAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS A intensa abertura do ordenamento jurídico brasileiro aos direitos humanos é comprovada pela existência de amplo rol de direitos previsto na Constituição e nos tratados de direitos humanos Como a nossa Constituição é compromissária ou seja alberga em seu texto diferentes visões e valores os direitos nela previstos também são de diferentes matizes relacionandose quer à lógica da preservação da liberdade direitos de 1ª geração quer à lógica da igualdade direitos de 2ª geração bem como à lógica da solidariedade direitos de 3ª geração Além do caráter compromissário os direitos previstos na Constituição e nos tratados internacionais são redigidos de forma imprecisa com uso frequente de conceitos indeterminados como intimidade devido processo legal ampla defesa entre outros que podem ser interpretados de modo ampliativo atingindo facetas novas da vida social a depender da interpretação Salta aos olhos que qualquer atividade humana pode ser encaixada em normas de direitos humanos referentes à vida digna igualdade e justiça social e liberdades das mais diversas A depender da interpretação e compreensão do conteúdo dos direitos humanos podem ser criadas justificativas para determinadas ações humanas e para a imposição de deveres de proteção por parte do Estado e de terceiros Essas características forjam a chamada força expansiva dos direitos humanos que consiste no fenômeno pelo qual os direitos humanos contaminam as mais diversas facetas do ordenamento jurídico Há uma eficácia irradiante dos direitos humanos que devem ser aplicados a todas as relações sociais e não somente às relações entre o indivíduo e o Estado Essa verdadeira jusfundamentalização do direito inclusive atingindo as relações entre particulares eficácia horizontal dos direitos humanos já exposta gera conflitos aparentes entre direitos de titulares diversos exigindo do intérprete sólida argumentação jurídica sobre os motivos da prevalência de um direito em detrimento de outro em determinada situação Não é mais possível que o intérprete apele para fórmulas vazias de reiteração da dignidade humana quando no caso concreto ambos os interesses em choque revelam direitos de titulares distintos Por outro lado os direitos humanos encontram seus limites tanto na sua redação original quanto na interação com os demais direitos A tese pela qual os direitos fundamentais que não foram restringidos formalmente no texto da Constituição seriam imunes a qualquer outra limitação não encontra eco na jurisprudência brasileira uma vez que os direitos humanos convivem com os demais direitos previstos na Constituição e nos tratados internacionais inexistindo direitos absolutos Logo mesmo que um direito determinado não tenha uma redação que apresente qualquer limite a ser criado pela lei por exemplo ou por ato administrativo esse direito deve ser delimitado para não ferir os direitos de outros indivíduos A colisão de direitos ou colisão de direitos em sentido estrito é constatada quando o exercício de um determinado direito prejudica o exercício de outro direito do mesmo titular ou de titular diverso Do ponto de vista subjetivo essas colisões podem envolver direitos do mesmo titular nascendo a discussão sobre se o titular pode dispor do direito a ser sacrificado vide a discussão sobre a indisponibilidade dos direitos humanos em capítulo próprio supra ou de titulares diferentes Nos casos nos quais o titular dos direitos em conflito é a mesma pessoa existe a concorrência de direitos Do ponto de vista objetivo as colisões podem envolver direitos idênticos ou direitos de diferentes espécies Canotilho defende que a colisão autêntica de direitos fundamentais se dá em caso de choque ou conflito no exercício de direitos fundamentais de titulares diferentes ao passo que a colisão de direitos em sentido impróprio se passa com o choque ou conflito no exercício de direitos fundamentais com outros bens protegidos pela Constituição 88 Já a colisão de direitos em sentido amplo consiste no exercício de um direito que conflita ou interfere no cumprimento de um dever de proteção por parte do Estado Como já visto o dever de proteção do Estado é fruto da dimensão objetiva dos direitos humanos que extrai de determinado direito o dever de proteção do Estado Ou seja no conflito entre determinado direito e o dever de proteção a bens constitucionalmente protegidos ou internacionalmente protegidos há latente um conflito entre direitos 89 Logo analisaremos abaixo as principais respostas da doutrina e da jurisprudência para solucionar os conflitos entre direitos humanos 72 TEORIA INTERNA A primeira fórmula de superação dos conflitos aparentes entre direitos humanos é o uso da interpretação sistemática e finalística que determinaria o verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos e a adequação desse conteúdo à situação fática analisada Esse modo de solução de conflitos entre direitos é denominado teoria interna 90 já que os conflitos são superados pela determinação do verdadeiro conteúdo interno dos direitos envolvidos Assim o conflito teria sido meramente aparente um dos direitos envolvidos não deve ser aplicado ao caso concreto porque que esse direito nunca realmente incidiu sobre a situação fática A teoria interna então defende a existência de limites internos a todo direito quer estejam traçados expressamente no texto da norma quer sejam imanentes ou inerentes a determinado direito que faz com que não seja possível um direito colidir com outro No caso do limite expresso ou aparente o direito fundamental traz em seu texto a própria ressalva que o exclui da aplicação no caso concreto como por exemplo a liberdade de expressão que exclui o anonimato Quanto ao limite imanente tratase do poder do intérprete de reconhecer qual é a estrutura e finalidades do uso de determinado direito delimitandoo O clássico exemplo de limite imanente é o do homem que grita falsamente fogo em uma sala de cinema lotada violando com sua conduta a integridade física daqueles que foram pisoteados pelo pânico gerado A liberdade de expressão nunca teria incidido pois ela não alberga a conduta de gritar fogo falsamente em um cinema lotado Nunca existiu conflito entre direitos pois aquele que assim agiu atuou sem amparo de qualquer direito pois a liberdade de expressão não protege esse tipo de conduta abusiva 91 Como se viu a teoria interna nega os conflitos entre direitos humanos Virgílio Afonso da Silva lembra a máxima do direito francês que sintetiza o âmago da teoria interna o direito cessa onde o abuso começa 92 A teoria interna impõe ao intérprete que conheça a natureza estrutura finalidades do direito em análise para que possa bem delinear seu âmbito de atuação Tudo o que estiver fora do âmbito de atuação daquele direito é na realidade uma conduta desprovida de amparo da ordem jurídica Em linha com a teoria interna está a Teoria Estruturante do Direito de Friedrich Müller também chamada de metódica normativaestruturante que defende a separação entre programa da norma ou programa normativo e âmbito da norma ou âmbito normativo Para Müller a aplicação do direito não é um tradicional processo de subsunção do fato a determinada norma preexistente e sim um processo de concretização da norma a partir do texto e da realidade social A interpretação iniciase com análise da linguagem e finalidade do texto gerando o chamado programa da norma Em seguida o aplicador deve se atentar ao âmbito normativo que é composto dos dados da realidade abrangida pelo programa da norma a união do programa da norma aos dados da realidade âmbito normativo gera a norma jurídica incidente 93 No exemplo do gritar falsamente fogo em um cinema lotado vê se que há um suposto fático que não está abrangido pelo programa da norma liberdade de expressão que é a falsidade e o desejo de criar pânico Assim em que pese o exemplo apresentado possuir determinado dado da realidade abrangido pelo programa da norma foi feita a expressão de algo havia um dado que extrapolou o programa da norma gritar falsamente não sendo então a citada conduta protegida pela liberdade de expressão Em síntese a teoria dos limites internos dos direitos humanos defende que as restrições a tais direitos devem estar expressamente autorizadas pela Constituição e pelos tratados de direitos humanos ou ainda devem ser extraídas dos limites imanentes de cada direito A delimitação de cada direito será realizada por meio da apreciação tanto da redação do direito quanto também dos dados da realidade social sobre a qual o texto incide O resultado do uso da teoria interna é singelo ou a situação fática é albergada no âmbito de incidência de um direito humano ou não é albergada e consequentemente não há direito algum a ser invocado A defesa da teoria interna sustenta que seu uso evita uma explosão do número de falsas colisões entre direitos humanos e a consequente insegurança jurídica sobre qual direito prevalecerá em determinada situação No STF há precedentes nos quais está clara a ideia de combate às pseudocolisões ou falsas colisões de direitos como se vê na seguinte decisão do Min Gilmar Mendes Assinalese que a ideia de conflito ou de colisão de direitos individuais comporta temperamentos É que nem tudo que se pratica no suposto exercício de determinado direito encontra abrigo no seu âmbito de proteção Dessarte muitas questões tratadas como relações conflituosas de direitos individuais configuram conflitos aparentes uma vez que as práticas controvertidas desbordam da proteção oferecida pelo direito fundamental em que se pretende buscar abrigo Extradição n 896 rel Min Carlos Velloso decisão monocrática proferida pelo Min Presidente Gilmar Mendes j 1172008 DJe de 582008 grifo não consta do original No caso Ellwanger no Supremo Tribunal Federal apesar de muitos votos terem feito referência à proporcionalidade teoria externa como veremos constou do acórdão passagem típica de uma teoria interna ao se defender que O direito à livre expressão não pode abrigar em sua abrangência manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o direito à incitação ao racismo dado que um direito individual não pode constituirse em salvaguarda de condutas ilícitas como sucede com os delitos contra a honra HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 A maior fragilidade da teoria interna está justamente na dificuldade do intérprete delimitar com argumentos racionais o conteúdo dos direitos em análise traçando seus limites sem que ele seja também acusado de arbitrário Como aponta Novais a coerência de que goza a doutrina dos limites fruto da teoria interna é meramente formal e possui o imenso defeito de esconder o jogo de valores opostos em disputa sob o manto dos limites preestabelecidos em cada direito 94 73 TEORIA EXTERNA A teoria externa adota a separação entre o conteúdo do direito e limites que lhe são impostos do exterior oriundos de outros direitos 95 Essa teoria visa a superação dos conflitos de direitos dividindo o processo de interpretação dos direitos humanos em colisão em dois momentos No primeiro momento delimitase o direito prima facie envolvido ou seja identificase o direito que incide aparentemente sobre a situação fática Nesse primeiro instante o intérprete aprecia se a situação em análise encaixase em um conteúdo prima facie aparente de um determinado direito Para tanto o intérprete usa provisoriamente o direito de acordo com a literalidade do dispositivo inclusive com as exceções previstas expressamente no texto da norma por exemplo ao se identificar o direito de reunião o aprecia de acordo com as limitações expressas do texto da Constituição XVI todos podem reunirse pacificamente sem armas em locais abertos ao público independentemente de autorização desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente Caso a situação fática se amolde no texto prima facie do direito o intérprete deve em um segundo momento investigar se há limites justificáveis impostos por outros direitos de modo a impedir que o direito aparente ou direito prima facie seja considerado um direito definitivo Assim há um procedimento de interpretação bifásico da teoria externa os direitos inicialmente protegidos direitos prima facie são identificados mas só serão efetivamente aplicados sobre a situação fática caso não exista uma restrição justificável criada externamente por outro direito Há uma compressão do direito prima facie por parte dos demais direitos gerando sua delimitação definitiva A justificação ou não da delimitação da ação do direito prima facie será feita pelo critério da proporcionalidade que fundamenta racionalmente as restrições impostas No mesmo exemplo utilizado acima gritar falsamente fogo em uma sala de cinema lotada a teoria externa desenvolve o seguinte raciocínio bifásico em primeiro lugar identifica o direito prima facie envolvido que é a liberdade de expressão de algo em segundo lugar verifica se há limite externo fruto da existência de outros direitos e bens constitucionalmente protegidos que representam no limite direitos de terceiros o que no caso resulta na identificação do direito à integridade física e à vida daqueles que serão feridos ou mortos pelo pânico Na ponderação em sentido amplo dos diversos direitos envolvidos a limitação à liberdade de expressão é perfeitamente justificável graças ao critério da proporcionalidade que veremos com detalhes abaixo Também cabe mencionar que as duas teorias interna e externa podem resultar na mesma conclusão como se viu no exemplo acima em especial em casos caricatos e simples como o apresentado São nos chamados casos difíceis hard cases ou seja casos nos quais há conflitos de direitos redigidos de forma genérica e imprecisa contendo valores morais contrastantes e sem consenso na comunidade sobre sua resolução que a insuficiência da teoria interna se apresenta levando a inúmeros precedentes judiciais a utilizarem a teoria externa e a ponderação entre os bens e valores envolvidos O uso da teoria interna em casos envolvendo por exemplo o conflito referente ao direito à integridade física do suposto pai e ao direito à identidade da criança que assim exige a realização do exame de DNA que dá a certeza pretendida revela que é difícil o intérprete concluir pelo conteúdo verdadeiro do direito Sarmento sustenta que nos casos difíceis o intérprete que optar pela teoria interna fará antes uma ponderação camuflada ou escamoteada para depois expor um conteúdo verdadeiro do direito delimitado Adotar a teoria externa nos casos difíceis resulta em maior transparência do raciocínio jurídico do intérprete 96 O critério da proporcionalidade então é chave mestra da teoria externa pois garante racionalidade e controle da argumentação jurídica que será desenvolvida para estabelecer os limites externos de um direito e afastálo da regência de determinada situação fática A principal crítica contra a teoria externa é que esta impulsiona uma inflação de conflitos sujeitos ao Poder Judiciário resultando em aumento da imprevisibilidade e insegurança jurídica sem maior controle da decisão a depender da ponderação bem como maior déficit democrático uma vez que o Poder Judiciário ditaria a última interpretação A resposta à crítica está no reconhecimento da inevitabilidade dos conflitos de direitos humanos que são oriundos da própria redação do catálogo de direitos que consta da Constituição e dos tratados de direitos humanos Essa redação é repleta de conceitos indeterminados e com valores morais contrastantes e polêmicos oriundos das sociedades plurais e complexas No caso brasileiro os valores contrastantes estão na própria Constituição compromissária de 1988 que adotou a proteção de direitos dos mais diversos matizes Não é possível esconder os dilemas que assolam os casos de direitos humanos apelando para os limites internos de um direito que são igualmente difíceis de serem descritos sem recair no decisionismo Nesse sentido o STF adotou em vários precedentes a teoria externa para solucionar choques de direitos como se vê no voto do Min Gilmar Mendes Há referências na concepção constitucional presente que prevê a ampla defesa art 5º LV CF1988 sopesada com a garantia de uma razoável duração do processo art 5º LXXVIII redação da EC 45 de 8122004 É com base na ponderação entre os dois valores acima identificados que a decisão de primeira instância admitia que uma mera cota de apelo seria suficiente para devolver a Juízo superior a matéria discutida A presunção não se concretizou na medida em que não se admitiu que a cota apelo fosse suficiente para instrumentalizar as razões de recurso em prejuízo da autarquia e da autoridade da decisão desafiada AI 529733 voto do rel Min Gilmar Mendes j 17102006 Segunda Turma DJ de 1º122006 Ou ainda no voto da Min Cármen Lúcia que a ponderação dos princípios constitucionais revelaria que as decisões que autorizaram a importação de pneus usados ou remoldados teriam afrontado os preceitos constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado e especificamente os princípios que se expressam nos arts 170 I e VI e seu parágrafo único 196 e 225 todos da CF ADPF 101 rel Min Cármen Lúcia j 1132009 Plenário Informativo n 538 Finalmente a Min Ellen Gracie sustentou a legitimidade da imposição de condições judiciais alternativas à prisão processual uma vez que não há direito absoluto à liberdade de ir e vir CF art 5º XV e portanto existem situações em que se faz necessária a ponderação dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto HC 94147 rel Min Ellen Gracie j 2752008 Segunda Turma DJe de 1362008 Próxima também dessa teoria externa está a posição de Hesse para quem os conflitos entre direitos fundamentais podem ser resolvidos pela concordância prática A concordância prática defende que os direitos de estatura constitucional podem ser equilibrados entre si gerando uma compatibilidade da aplicação dessas normas jurídicas de idêntica hierarquia mesmo que no caso concreto seja minimizada a aplicação de um dos direitos envolvidos A concordância prática exigirá do aplicador que leve em consideração os direitos envolvidos tanto para complementação como para modificação recíproca Para se chegar a tal resultado fazse um juízo de ponderação para que se chegue à atuação harmonizada podendo ocasionar restrições a um dos direitos envolvidos O STF possui vários precedentes de uso da posição de Hesse como se vê O sigilo bancário como dimensão dos direitos à privacidade art 5º X da CF e ao sigilo de dados art 5º XII da CF é direito fundamental sob reserva legal podendo ser quebrado no caso previsto no art 5º XII in fine ou quando colidir com outro direito albergado na Carta Maior Neste último caso a solução do impasse mediante a formulação de um juízo de concordância prática há de ser estabelecida através da devida ponderação dos bens e valores in concreto de modo a que se identifique uma relação específica de prevalência entre eles RE 476361SC rel Min Dias Toffoli j 1842011 publicado em 28 42011 74 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 741 Conceito e situações típicas de invocação na temática dos direitos humanos O princípio da proporcionalidade consiste na aferição da idoneidade necessidade e equilíbrio da intervenção estatal em determinado direito fundamental Essa intervenção estatal pode ser fruto de conduta imputável a qualquer Poder do Estado lei ato administrativo ou decisão judicial Por isso esse princípio é utilizado em três situações típicas 1 existência de lei ou ato administrativo que ao incidir sobre determinado direito o restrinja 2 existência de lei ou ato administrativo que ao incidir sobre determinado direito não o proteja adequadamente 3 existência de decisão judicial que tenha que perante um conflito de direitos humanos optar pela prevalência de um direito limitando outro Tratase de uma ferramenta de aplicação dos direitos humanos em geral em situação de limitação concorrência ou conflito de direitos humanos na busca de proteção Originalmente a proporcionalidade foi utilizada para combater os excessos das restrições a direitos impostos por leis e atos administrativos Por isso era o instrumento de fiscalização da ação excessivamente limitadora dos atos estatais em face dos diretos fundamentais sendo considerado o limite dos limites e também denominado proibição do excesso Atualmente a proporcionalidade não se reduz somente a essa atividade de fiscalização e proibição do excesso dos atos limitadores do Estado há ainda duas facetas adicionais Há a faceta de promoção de direitos pela qual o uso da proporcionalidade fiscaliza os atos estatais excessivamente insuficientes para promover um direito por exemplo os direitos sociais gerando uma proibição da proteção insuficiente Finalmente há a faceta de ponderação em um conflito de direitos pela qual a proporcionalidade é utilizada pelo intérprete para fazer prevalecer um direito restringindo outro Como realçado pelo Min Gilmar Mendes em seu voto no Caso Ellwanger o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens valores ou princípios constitucionais Nesse contexto as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflito voto do Min Gilmar Mendes HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 179 2003 Plenário DJ de 1932004 Quanto à denominação há frequente uso do termo princípio da proporcionalidade 97 máxima da proporcionalidade 98 regra da proporcionalidade 99 postulado da proporcionalidade 100 ou ainda critério da proporcionalidade 101 As discussões doutrinárias 102 revelam que não há uniformidade mas cabe reconhecer que a terminologia princípio da proporcionalidade possui forte repercussão nos precedentes do Supremo Tribunal Federal até hoje 103 sendo usada ainda na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia primeiro diploma internacional a expressamente mencionar o princípio da proporcionalidade De fato a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia tem previsão inédita no plano internacional sobre o princípio da proporcionalidade ao dispor em seu art 52 que qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades Na observância do princípio da proporcionalidade essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros Essa Carta consiste em um rol de direitos civis políticos sociais econômicos e culturais tendo sido adotada em 2000 sob a forma de uma declaração de direitos sem força vinculante O Tratado de Lisboa de 2007 entrou em vigor em 2009 a alterou e ainda estabeleceu que os Estadosmembros da União Europeia podem adotála com força vinculante Acima de tudo a Carta é efetivamente utilizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia como parâmetro de interpretação sobre a proteção de direitos humanos na União Europeia 104 742 Fundamento Não há menção expressa ao princípio da proporcionalidade na Constituição Federal de 1988 e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil Seu fundamento normativo encontrase implícito na Constituição na visão da doutrina e dos precedentes do STF embora não haja consenso Entre os fundamentos mencionados estão 105 1 Estado Democrático de Direito O princípio da proporcionalidade seria implícito a qualquer Estado de Direito pois nesse tipo de Estado há a vedação do excesso de poder na condução dos atos estatais como se vê em vários precedentes do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha 106 2 Devido processo legal A proporcionalidade é fruto do reconhecimento do devido processo legal substancial implícito no art 5º LIV que exige que todo o comportamento do Estado seja devido legítimo e pautado pela justiça material funcionando a proporcionalidade como princípio geral do direito 107 Esse fundamento de origem norteamericana tem forte repercussão na jurisprudência do STF como se vê na seguinte ementa A anistia é ato político concedido mediante lei assim da competência do Congresso e do Chefe do Executivo correndo por conta destes a avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade do ato sem dispensa entretanto do controle judicial porque pode ocorrer por exemplo desvio do poder de legislar ou afronta ao devido processo legal substancial CF art 5º LIV Constitucionalidade da Lei 8985 de 1995 ADI 1231 rel Min Carlos Velloso j 15122005 Plenário DJ de 2842006 Ou ainda nas palavras do Min Celso de Mello O princípio da proporcionalidade que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law achase vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções qualificandose como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais A norma estatal que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade presta obséquio ao postulado da proporcionalidade ajustandose à cláusula que consagra em sua dimensão material o princípio do substantive due process of law CF art 5º LIV ADI 1407 MCDF rel Min Celso de Mello j 731996 Plenário DJ de 2411 2000 108 3 Dignidade humana e direitos fundamentais O princípio da proporcionalidade é justificado pelo vínculo de todo o ordenamento jurídico brasileiro à dignidade humana e aos direitos fundamentais art 1º III o que exige que todo ato dos Poderes do Estado Executivo Legislativo e também as decisões judiciais seja proporcional e atento à justiça material 109 4 Princípio da isonomia A proporcionalidade decorre do princípio da igualdade pois os atos do Estado Democrático de Direito que sejam excessivos ou insuficientes contrariam a igualdade material e a justiça a todos devidas 110 5 Direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios da Constituição A proporcionalidade é considerada cláusula implícita decorrente do regime dos direitos fundamentais adotado pela Constituição art 5º 2º Esse fundamento é encontrado em precedentes do STF sob a vigência da Constituição de 1967 111 743 Elementos da proporcionalidade A doutrina e a jurisprudência habitualmente decompõem o princípio da proporcionalidade em três elementos também denominados subprincípios ou subcritérios a saber a adequação das medidas estatais à realização dos fins propostos a necessidade de tais medidas e finalmente a ponderação ou equilíbrio entre a finalidade perseguida e os meios adotados para sua consecução proporcionalidade em sentido estrito Esse detalhamento do princípio da proporcionalidade garante transparência e coerência no controle dos atos estatais que são efetuados em geral pelos Tribunais Na aplicação da proporcionalidade esses elementos são utilizados em momentos distintos e sucessivos Se não houver o atendimento a um determinado elemento nem se analisa o elemento seguinte ou seja não superado um primeiro elemento o ato é considerado desproporcional Em um primeiro momento o intérprete utiliza o elemento da adequação pelo qual é examinado se a decisão normativa restritiva de um determinado direito fundamental resulta em abstrato na realização do objetivo perseguido Buscase verificar se o meio escolhido é apto para atingir a finalidade que também deve ser constitucionalmente legítima Para Rothenburg é o elemento mais fácil de ser cumprido e mais difícil de ser criticado 112 como demonstra um precedente importante do Supremo Tribunal Federal no qual foi considerada inconstitucional a exigência legal de altura mínima de 160m para concurso público de escrivão de polícia pois o meio empregado exigência de altura mínima não guardava pertinência lógica com o objetivo almejado por um concurso público para escrivão de polícia cuja atividade é estritamente escriturária voto do Min Marco Aurélio selecionar os mais aptos a bem exercer suas funções 113 Curiosamente depois o STF considerou constitucional a exigência de altura mínima para ingresso na carreira de delegado de polícia dada a natureza do cargo a ser exercido ou seja a finalidade da exigência altura mínima que restringe o direito de exercício de determinada profissão é compatível com a finalidade almejada que é a seleção dos mais aptos para o exercício de uma determinada atividade no caso de delegado de polícia 114 Após superado o momento de aferição da idoneidade o intérprete deve avaliar o elemento da necessidade também denominado elemento da intervenção mínima ou ingerência mínima ou ainda exigibilidade O elemento da necessidade busca detectar se a decisão normativa é indispensável ou se existe outra decisão passível de ser tomada que resulte na mesma finalidade almejada mas que seja menos maléfica ao direito em análise Esse elemento visa a identificação de uma medida menos restritiva mas tão eficiente quanto a medida proposta Novamente o intérprete deve se apoiar em dados da realidade e até mesmo em prognósticos sobre o futuro para inicialmente identificar as alternativas possíveis Depois deve avaliar se as demais medidas alternativas são efetivamente menos restritivas e igualmente eficientes para o atingimento do fim proposto Finalmente o elemento da proporcionalidade em sentido estrito também denominado regra ou mandado de ponderação exige que o intérprete realize uma avaliação da relação custo benefício da decisão normativa avaliada Para ser compatível com a proporcionalidade em sentido estrito a decisão normativa deve impor um sacrifício a um direito humano que seja nitidamente inferior ao benefício resultante do atingimento da finalidade almejada Assim o elemento da proporcionalidade em sentido estrito realiza uma ponderação de bens e valores ao colocar de um lado os interesses protegidos com a decisão normativa e por outro lado os interesses que serão objeto de restrição Para a decisão normativa ser válida e conforme aos direitos humanos o peso da proteção a um determinado valor tem que ser superior ao peso da restrição a outro valor Buscase o equilíbrio da intervenção estatal em determinado direito fundamental 115 Este é o elemento que mais sofre crítica pois seria irracional uma vez que é impossível quantificar juridicamente o peso de cada direito envolvido e depois comparálos Por isso há autores que excluem a proporcionalidade em sentido estrito optando por elementos do critério da proporcionalidade um pouco diferentes da enumeração tríplice vista acima Entre eles citemse Dimoulis e Martins que adotam quatro elementos do critério da proporcionalidade licitude da finalidade almejada licitude dos meios utilizados adequação e necessidade Os primeiros dois elementos licitude do fim almejado e do meio utilizado dizem respeito a um exame formal pois o fim almejado e o meio utilizado não podem ser em si vedados por norma constitucional Já a adequação continua a ser a aptidão em abstrato da decisão normativa escolhida para a objeção da finalidade pretendida Assim para os citados autores o elemento decisivo é o da necessidade que como vimos acima deve identificar as alternativas e chegar à utilização do meio menos gravoso para a obtenção da finalidade pretendida 116 Na linha de subdivisão do critério da proporcionalidade e invocando a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha o Min Gilmar Mendes em voto no Supremo Tribunal Federal sobre a descriminalização do uso de drogas pontuou que há três elementos no controle judicial das restrições aos direitos humanos a controle de evidência b controle de justificabilidade ou de sustentabilidade e c controle material de intensidade O controle de evidência avalia como vimos se as medidas são idôneas para a efetiva proteção de um direito Já o controle de justificabilidade aprecia se a restrição foi adotada após uma apreciação objetiva e justificável das fontes de conhecimento levando a uma prognose de atuação em favor de determinado direito fruto da restrição de outro Finalmente o controle material de intensidade verifica se a proteção de um direito não poderia ser realizada adotandose um nível de restrição inferior ou menos lesivo a outro direito voto do Min Gilmar Mendes Supremo Tribunal Federal RE 635659SP sessão de 2082015 julgamento em curso Quer adotemos a divisão tríplice ou quadripartite do critério da proporcionalidade o intérprete deve zelar por uma argumentação jurídica consistente com uso de dados empíricos e objetivos que demonstrem o acerto da decisão adotada Consequentemente os graus de intensidade da intervenção e os diferentes pesos das razões justificadoras devem ser explicitados pelos tribunais em marcos argumentativos ostensivos e transparentes justamente para evitar qualquer crítica sobre eventual decisionismo e arbítrio sem reflexão 117 Em 2016 a Primeira Turma do STF reconheceu que a criminalização geral do aborto pelo Código Penal brasileiro de 1940 ofende o princípio da proporcionalidade em seus três subprincípios adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito O relator para o acórdão Min Barroso salientou que 1 em relação à adequação a criminalização do aborto não é medida adequada uma vez que é ineficaz para proteger a vida do feto uma vez que não há meios para impedir os abortos clandestinos ou mesmo impedir a difusão de medicamentos para a interrupção da gestação Além disso gera o efeito perverso de pôr em risco a saúde a integridade pessoal e a vida das mulheres que realizam esses abortos ilegais 2 quanto à necessidade o Estado deve atuar sobre os fatores econômicos e sociais que dão causa à gravidez indesejada bem como estabelecer políticas de aconselhamento e período de reflexão 3 e finalmente quanto à proporcionalidade em sentido estrito a tipificação penal da cessação geral da gravidez oferece proteção reduzida à vida do feto e comprime de modo exagerado os direitos sexuais e reprodutivos da mulher com impacto desproporcional sobre as mulheres pobres Para Barroso sopesandose os custos e benefícios da criminalização tornase evidente a ilegitimidade constitucional da tipificação penal da interrupção voluntária da gestação por violar os direitos fundamentais das mulheres e gerar custos sociais eg problema de saúde pública e mortes muito superiores aos benefícios da criminalização STF Primeira Turma HC 124306RJ rel orig Min Marco Aurélio rel p o ac Min Roberto Barroso j 29112016 744 A proibição da proteção insuficiente o sentido positivo da proporcionalidade O princípio da proporcionalidade possui ainda uma dimensão positiva que consiste na proibição da proteção insuficiente ou deficiente a um determinado direito Assim ao mesmo tempo em que o Estado não se pode exceder no campo dos direitos humanos dimensão negativa proibição do excesso ou Übermassverbot também não se pode omitir ou agir de modo insuficiente proibição da insuficiência ou Untermassverbot 118 Por exemplo o Estado ao descriminalizar graves ofensas a direitos fundamentais por exemplo tortura agiria contra a Constituição pois a tutela penal seria considerada essencial para a adequada proteção desses bens jurídicos graças ao seu efeito dissuasório geral e específico Consequentemente a proporcionalidade consiste não só em um instrumento de controle das restrições a direitos mas também de controle da promoção a direitos Essa atuação de proibição da proteção insuficiente decorre do reconhecimento dos deveres de proteção fruto da dimensão objetiva dos direitos humanos A proporcionalidade então tem função dúplice serve para que se analise eventual restrição em demasia mas também serve para que se verifique se houve proteção deficiente dos direitos No Estado Democrático de Direito no qual o Estado deve intervir na vida social para assegurar uma sociedade justa e solidária art 3º da CF88 a proibição de insuficiência fixa um mínimo de proteção adequada necessária e proporcional em sentido estrito a um direito que sofre a omissão do Estado ou mesmo colisão com outros direitos No campo penal a proporcionalidade age com seus dois vieses na proibição do excesso há o combate às leis que restringem de modo excessivo os direitos dos acusados na proibição da insuficiência atua para coibir leis e decisões judiciais que de modo desproporcional não protejam o direito à justiça das vítimas e o direito à segurança de todos beneficiados pela prevenção geral da tutela penal Há aqueles que denominam essa combinação das duas facetas do critério da proporcionalidade no âmbito penal de garantismo integral ou positivo 119 No Supremo Tribunal Federal há vários precedentes reconhecendo a proibição da insuficiência como faceta positiva do princípio ou critério da proporcionalidade Entre eles citese a decisão do Min Gilmar Mendes na qual foi sustentado que os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção Eingriffsverbote expressando também um postulado de proteção Schutzgebote Haveria assim para utilizar uma expressão de Canaris não apenas uma proibição de excesso Übermassverbot mas também uma proibição de proteção insuficiente Untermassverbot Concluiu o Min Gilmar Mendes que Parece lógico portanto que a efetividade desse direito social à segurança não prescinde da ação estatal positiva no sentido da criação de certas condições fáticas sempre dependentes dos recursos financeiros de que dispõe o Estado e de sistemas de órgãos e procedimentos voltados a essa finalidade De outro modo estarseia a blindar por meio de um espaço amplo de discricionariedade estatal situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade caracterizandose típica hipótese de proteção insuficiente por parte do Estado num plano mais geral e do Judiciário num plano mais específico STA 419RN Decisão Min Gilmar Mendes j 642010 Também o voto do Ministro Lewandowski relator do Supremo Tribunal Federal no caso da constitucionalidade da Lei n 953497 gratuidade do registro civil de nascimento e da certidão de óbito indo além do art 5º LXXVI que contempla apenas os reconhecidamente pobres fez menção às duas facetas do princípio da proporcionalidade a proibição de excesso e a proibição de proteção deficiente sustentando que os dispositivos impugnados não violavam nenhuma delas ADI 1800 rel p o ac Min Ricardo Lewandowski j 1162007 Plenário DJ de 2892007 Em 2016 o Min Barroso votou a favor da descriminalização do aborto realizado até o terceiro mês de gravidez por ofensa ao princípio da proporcionalidade tanto na sua dimensão positiva estudado acima quanto na sua dimensão negativa princípio da proibição da proteção deficiente De acordo com o voto a criminalização da prática do aborto confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos à autonomia à integridade psíquica e física e à saúde da mulher com reflexos sobre a igualdade de gênero e impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres No mesmo voto defendeuse que não se pode também fornecer uma proteção deficiente à vida do nascituro por isso caberia reconhecer a constitucionalidade da tipificação penal da cessação da gravidez quando o feto já estivesse mais desenvolvido sendo utilizado o parâmetro utilizado em vários Estados Alemanha Bélgica França Uruguai do limite do primeiro trimestre de gestação STF Primeira Turma HC 124306RJ rel orig Min Marco Aurélio rel p o ac Min Roberto Barroso j 29112016 A proibição da proteção insuficiente ou deficiente também utiliza os mesmos três subcritérios ou elementos da proporcionalidade em primeiro lugar a adequação exige que se verifique se o meio a ser utilizado alcança em abstrato o objetivo proposto implementar o direito em questão a necessidade exige que se adote a medida que imponha sacrifício menos intenso a outros direitos finalmente a proporcionalidade em sentido estrito exige uma ponderação entre os benefícios alcançados pela proteção pretendida a um direito e os custos impostos a outros direitos que serão comprimidos pela proteção ofertada 745 A regra de colisão previamente disposta na Constituição e a ponderação de 2º grau Em geral a proporcionalidade é utilizada na solução de conflitos de direitos humanos redigidos com termos indeterminados e genéricos Por isso a necessidade de um critério que leve a prevalência de um direito em relação a outro no caso concreto Por outro lado a Constituição e os tratados de direitos humanos possuem alguns direitos que são redigidos de forma determinada levando em consideração a interação com outros direitos fixandose limites Em relação a tais direitos que já se apresentam redigidos de forma mais precisa com limites estabelecidos a dúvida é a seguinte é possível aplicar o critério de proporcionalidade e ponderar de novo também esse direito mesmo diante do fato de que sua redação originária na Constituição Federal de 1988 já possui regras claras solucionando colisões Dois exemplos clarificam o problema 1 a existência de várias decisões judiciais proibindo a divulgação de notícias circulação de livros ou vídeos bem como a realização de peças artísticas diversas por ofensa à intimidade e vida privada apesar de a Constituição ter proibido expressamente a censura de qualquer tipo e 2 a autorização judicial de invasão policial noturna de domicílio em que pese a Constituição ter estabelecido entre outras condições para a superação da inviolabilidade domiciliar que essa seja feita durante o dia No primeiro exemplo grosso modo os direitos que incidem sobre a publicação de notícias vídeos livros etc consistem na liberdade de imprensa expressão e comunicação e ainda no direito à intimidade A base de ambos os direitos está no art 5º o inciso IX prevê que é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença o inciso X imediatamente após dispôs que são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação Além disso a Constituição previu expressamente uma regra de colisão tendo já ponderado esses direitos ao dispor que a manifestação do pensamento a criação a expressão e a informação sob qualquer forma processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição observado o disposto na própria Constituição art 220 Paralelamente o art 220 1º prevê que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social observado o disposto no art 5º incisos V é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem e X são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação Assim a regra de colisão geral da Constituição na hipótese é a seguinte a liberdade de expressão e comunicação pode ser exercida mas seu titular que violar direitos referentes à intimidade honra imagem e vida privada de outros responderá pelos danos causados É a liberdade com responsabilização posterior não se admite restrição sob qualquer forma art 220 caput mas responsabilizase aquele que abusa Porém os precedentes judiciais pósConstituição de 1988 caminham no sentido de possibilitar ao EstadoJuiz que interfira previamente e evite o dano à intimidade vida privada honra ou imagem Vários são os casos um deles de grande repercussão na mídia foi a proibição judicial de divulgação de vídeo envolvendo apresentadora de televisão e seu namorado na praia de Cádiz Espanha 120 Outro foi a decisão judicial do TJDF que proibiu o jornal O Estado de SPaulo que publicasse reportagem contendo fatos extraídos de autos criminais cobertos pelo sigilo judicial No STF esse tema gerou polêmica Em 2009 o jornal O Estado de SPaulo ingressou com Reclamação no STF sustentando que essa decisão judicial de proibição de divulgação de fatos cobertos por segredo de justiça referentes à Operação Boi Barrica ofendia a liberdade de imprensa A Reclamação não foi conhecida por maioria mas dois votos desnudaram o problema envolvendo a colisão de direitos cuja ponderação teria sido realizada pela própria Constituição Em primeiro lugar o Min Gilmar Mendes sustentou que o direito à proteção judicial efetiva e inafastabilidade da jurisdição art 5º XXXV permitiria que um determinado juiz protegesse a intimidade e outros valores constitucionais antes de sua violação pela publicação de determinada matéria Assim a responsabilidade a posteriori que a Constituição de 1988 estabeleceu não excluiria a possibilidade de se solicitar uma providência judicial inibitória apta a impedir previamente a realização do dano Caberia assim uma ponderação de segundo grau agora perante o Poder Judiciário abrangendo o direito à intimidade e os demais direitos envolvidos uma vez que a solução constitucional reparação a posteriori ou ulterior pode ser insuficiente para todos os casos Já Celso de Mello defendeu a aplicação sem outra ponderação da regra da responsabilização a posteriori e impossibilidade de qualquer censura criticando duramente os magistrados que adotam outra postura da seguinte maneira A minha crítica dirigese a esses magistrados que parecem não ter consciência dos novos tempos que estamos vivendo grifos do original retirados Voto do Min Celso de Mello Rcl 9428 rel Min Cezar Peluso j 10122009 Plenário DJe de 256 2010 Porém em 2018 o jornal foi vitorioso tendo sido reconhecido que a decisão judicial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal havia ofendido a decisão da ADPF 130 rel Min Ayres Britto na qual se proibiu a realização de qualquer forma de censura prévia Para o STF é proibida a censura de publicações jornalísticas bem como é excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões Eventual abuso da liberdade de expressão deve ser reparado preferencialmente por meio de retificação direito de resposta ou indenização STF Agravo Regimental no RE 840718 relator para o acórdão Min Edson Fachin j 1092018 O segundo exemplo é referente à proteção domiciliar A Constituição estabelece em seu art 5º XI que a casa é asilo inviolável do indivíduo ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial A garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar é abrangente e alcança de acordo com os precedentes do STF inclusive escritórios ou similares Mesmo a administração tributária não pode ingressar sem a permissão do dono invito domino em estabelecimentos comerciais ou escritórios de contabilidade devendo obter previamente ordem judicial adequada A autoexecutoriedade dos atos administrativos privilège du preálable subordinase ao regime jurídico constitucional da inviolabilidade domiciliar HC 93050 rel Min Celso de Mello j 1062008 2ª T DJe de 1º82008 Ver também HC 82788RJ rel Min Celso de Mello Porém em inquérito perante o STF foi autorizado pelo Min Cezar Peluso o ingresso de policiais durante a madrugada em escritório de advocacia para instalação de escuta ambiental O STF por maioria considerou lícita a conduta do Ministro relator apesar da clara previsão constitucional de que a entrada sem consentimento e sem flagrante delito desastre ou prestar socorro só poderia ocorrer por ordem judicial e durante o dia Por sua vez foram votos vencidos os Ministros Marco Aurélio Celso de Mello e Eros Grau que consideraram a prova ilícita uma vez que a invasão do escritório profissional que é equiparado à casa no período noturno estaria em confronto com o previsto no art 5º XI da CF Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 2632010 ver as citadas passagens dos votos no Informativo n 529 Brasília 17 a 2111 2008 O voto divergente do Min Celso de Mello foi enfático A Polícia Federal não podia ainda que munida de autorização judicial dada por esta Suprema Corte ingressar durante a noite em espaço privado protegido pela cláusula constitucional da inviolabilidade domiciliar um escritório de Advocacia pois a Constituição tratandose de determinação judicial somente permite o seu cumprimento durante o dia como resulta claro inequívoco do que se acha previsto na parte final do inciso XI do art 5º de nossa Lei Fundamental Informativo n 584 Brasília 26 a 3042010 A fundamentação da minoria em resumo a autorização judicial ofendeu gravemente a Constituição pois esta exige que a violação do domicílio nesses casos seja durante o dia é de fácil assimilação pois consta de dispositivo expresso da Constituição Já a fundamentação dos votos da maioria e em especial do Min relator Cezar Peluso nos aproxima de novo da aplicação do princípio da proporcionalidade mesmo na existência de direito redigido de modo preciso e limitado pela própria Constituição A intangibilidade dos domicílios durante a noite mesmo diante de ordem judicial foi ponderada com os demais direitos constitucionais De acordo com o que consta do Informativo n 529 do STF enfatizouse que os interesses e valores jurídicos que não têm caráter absoluto representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo poderdever de punir do Estado devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade quando em conflito prático segundo os princípios da concordância Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio julgouse ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática qual o direito interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão Tendo em vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade da privacidade e da dignidade da pessoa humana considerouse ser no mínimo duvidosa a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu que pressupõe a presença de pessoas que o habitem De toda forma concluiuse que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógicojurídico constitucional já que a restrição consequente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública Assim utilizouse a proporcionalidade e a concordância prática para justificar uma ponderação de segundo grau ou seja apesar de a regra de colisão já ter sido estabelecida pela Constituição e o constituinte ter ponderado a limitação do direito à justiça e à verdade em face do direito à inviolabilidade domiciliar o STF decidiu submeter essa regra durante o dia a uma nova ponderação e tendo em vista o caso concreto autorizou a invasão noturna do domicílio uma vez que o escritório de advocacia estaria a serviço dos criminosos justamente aproveitando do seu direito à inviolabilidade domiciliar e a colocação da escuta ambiental seria inviável durante o dia Semelhante à ponderação de 2º grau está o chamado duplo controle de proporcionalidade Tratase de avaliar se a aplicação de normas que aparentemente não violariam direitos fundamentais poderiam no caso concreto resultar em violação de direitos 121 A doutrina cita como exemplo o Caso Lebach na Alemanha no qual foram discutidos em concreto a liberdade de informação e os direitos da personalidade Em abstrato não havia nenhuma ofensa à proporcionalidade pelo exercício do direito à informação por parte de órgão de imprensa que noticia a prática de crime por determinado indivíduo Em concreto o Tribunal Constitucional da Alemanha considerou que a divulgação dos fatos criminosos e da identidade de envolvido em latrocínio rumoroso ocorrido no vilarejo de Lebach no qual quatro soldados que guardavam um depósito de munição foram assassinados com roubo de armas em programa de televisão anos depois ameaçava de forma desproporcional o seu direito ao pleno desenvolvimento da personalidade em um cenário de ressocialização 122 Do nosso ponto de vista é plenamente possível a ponderação de 2º grau uma vez que o Poder Constituinte não consegue esgotar a regência expressa de todas as hipóteses de colisão entre os direitos fundamentais Novas situações sociais surgem gerando inesperadas colisões de direitos e exigindo ponderação pelo intérprete Foi o que ocorreu com a invasão noturna de escritório de advocacia autorizada pelo STF e ainda a interceptação telefônica ordenada por magistrado em processo cível a CF88 prevê apenas em casos criminais ver comentário a este caso na Parte IV item 916 aceita pelo STJ o que sugere que novos casos de ponderação em situações não previstas pelo Poder Constituinte ocorrerão no futuro 746 Proporcionalidade e razoabilidade O princípio da razoabilidade no campo dos direitos humanos consiste na i exigência de verificação da legitimidade dos fins perseguidos por uma lei ou ato administrativo que regulamente ou restrinja o exercício desses direitos além da aferição da ii compatibilidade entre o meio empregado pela norma e os fins visados A origem desse instituto é norteamericana sendo extraído da cláusula do devido processo legal Conforme lição de Luís Roberto Barroso o princípio do devido processo legal nos Estados Unidos extrapolou o caráter estritamente processual procedural due process gerando uma segunda faceta de cunho substantivo substantive due process que se tornou fundamento do princípio da razoabilidade das leis e atos administrativos O princípio da razoabilidade estabelece o controle do arbítrio dos Poderes Legislativo e Executivo e é por seu intermédio que se procede ao exame de razoabilidade reasonableness e de racionalidade rationality das normas jurídicas e dos atos do Poder Público em geral Em resumo para Barroso o princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico a justiça 123 Há aqueles que defendem equivalência entre os conceitos de proporcionalidade e razoabilidade uma vez que ambos têm como fundamento o chamado devido processo legal substancial sendo institutos idênticos com terminologia diferente apenas Essa é a posição de vários precedentes do Supremo Tribunal Federal como se vê no seguinte trecho de acórdão do STF à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade se impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que nas circunstâncias a sua participação na perícia substantivaria HC 76060 rel Min Sepúlveda Pertence j 3131998 Primeira Turma DJ de 1551998 124 Porém há aqueles que diferenciam razoabilidade e proporcionalidade enfatizando que a razoabilidade representa apenas um dos elementos do critério da proporcionalidade elemento adequação sendo este mais amplo Para Virgílio Afonso da Silva a regra da proporcionalidade é mais ampla do que a regra da razoabilidade pois não se esgota no exame da compatibilidade entre meios e fins adequação 125 747 Inconstitucionalidade e proporcionalidade Ao estudar o critério da proporcionalidade há o risco de se considerar que a ofensa à proporcionalidade gera em si a invalidade de determinada norma Por exemplo no plano da avaliação da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo existiria o seguinte raciocínio uma lei é desproporcional e considerando que a proporcionalidade é cláusula implícita no devido processo legal substancial art 5º LIV consequentemente a lei referida seria inconstitucional porque violou o referido inciso LIV do art 5º Ocorre que esse raciocínio impede que se perceba que a proporcionalidade é um critério mera ferramenta na aplicação das normas Nessa linha e voltando ao exemplo anterior veremos que o raciocínio correto é diferente a lei tratou de modo desproporcional determinado direito ou valor constitucional por violar esse direito específico tratado de modo desproporcional é que a referida lei é inconstitucional A diferença é sutil e não afeta a conclusão a lei é inconstitucional mas há a grande vantagem de se dar transparência e exigir do julgador que explicite qual é o direito que foi tratado de modo desproporcional e por qual motivo esse tratamento previsto pela lei foi considerado desproporcional Tratar a proporcionalidade como um critério ou método de avaliação tem a imensa vantagem de exigir dos julgadores uma exposição clara e consistente da argumentação jurídica que levou à prevalência de um direito ou valor constitucional não bastando afirmar que é desproporcional e por isso inconstitucional por si só Essa discussão tem tido repercussão no STF tendo o Min Eros Grau sustentado Eu pediria ao Tribunal que dissesse há uma ofensa a tal ou qual preceito constitucional Singelamente sem explicitar que há uma ofensa ao tal princípio da proporcionalidade que nem é princípio é uma pauta é um método de avaliação da ofensa ou não da Constituição Nós não estamos julgando segundo a proporcionalidade mas eventualmente dizendo que por não ser proporcional em relação à liberdade à afirmação da igualdade por exemplo julgamos inconstitucional Mas a inconstitucionalidade está referida não à proporcionalidade ou à razoabilidade porém a direito fundamental que tenha sido violado pelo texto passagem da intervenção oral sem direito a voto do Min Eros Grau na ADI 855 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 632008 Plenário DJe de 2732009 QUADRO SINÓTICO A resolução dos conflitos entre direitos humanos Força expansiva dos direitos humanos consiste no fenômeno pelo qual os direitos humanos contaminam as mais diversas facetas do ordenamento jurídico Intensa abertura do ordenamento jurídico brasileiro aos direitos humanos existência de amplo rol de direitos previsto na Constituição e nos tratados internacionais de direitos humanos Os direitos previstos na Constituição e nos tratados internacionais são redigidos de forma imprecisa com uso frequente de conceitos indeterminados que podem ser interpretados de modo ampliativo atingindo facetas novas da vida social a depender da interpretação Jusfundamentalização do direito gera conflitos aparentes entre direitos de titulares diversos exigindo do intérprete sólida argumentação jurídica sobre os motivos da prevalência de um direito em detrimento de outro em determinada situação Direitos humanos encontram seus limites tanto na sua redação original quanto na interação com os demais direitos Não existem direitos absolutos porque os direitos convivem com os demais direitos humanos Colisão de direitos Colisão de direitos em sentido estrito é constatada quando o exercício de um determinado direito prejudica o exercício de outro direito do mesmo titular ou de titular diverso a Do ponto de vista subjetivo 1 Direitos do mesmo titular nascendo a discussão sobre se o titular pode dispor do direito a ser sacrificado concorrência de direitos cruzamento ou acumulação de direitos 2 Direitos de titulares diferentes colisão autêntica b Do ponto de vista objetivo 1 Direitos idênticos 2 Direitos de diferentes espécies Colisão de direitos em sentido amplo consiste no exercício de um direito que conflita ou interfere no cumprimento de um dever de proteção de um direito qualquer por parte do Estado Os conflitos são superados pela determinação do verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos Tratase de fórmula de superação dos conflitos aparentes entre direitos humanos mediante o uso da interpretação sistemática e finalística que determinaria o verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos e a adequação desse conteúdo à situação fática analisada Para a teoria interna há limites internos a todo direito quer estejam traçados expressamente no texto da norma quer sejam imanentes ou inerentes a determinado direito que faz com que não seja possível um direito colidir com outro Teoria Interna Limite expresso ou aparente o direito fundamental traz em seu texto a própria ressalva que o exclui da aplicação no caso concreto Limite imanente tratase do poder do intérprete de reconhecer qual é a estrutura e finalidades do uso de determinado direito delimitandoo A teoria interna nega os conflitos entre direitos humanos o direito cessa onde o abuso começa A teoria interna impõe ao intérprete que conheça a natureza estrutura finalidades do direito em análise para que possa delinear seu âmbito de atuação Tudo o que estiver fora desse âmbito é uma conduta desprovida de amparo da ordem jurídica Teoria Estruturante do Direito de Friedrich Müller metódica normativaestruturante defende a separação entre programa da norma gerado da análise da linguagem e finalidade do texto e âmbito da norma composto dos dados da realidade abrangida pelo programa da norma Para a teoria interna as restrições aos direitos humanos devem ser expressamente autorizadas pela Constituição e pelos tratados de direitos humanos ou ainda devem ser extraídas dos limites imanentes de cada direito A delimitação de cada direito será realizada por meio da apreciação tanto da redação do direito quanto também dos dados da realidade social sobre a qual o texto incide Resultado do uso da teoria interna ou a situação fática é albergada no âmbito de incidência de um direito humano ou não é albergada e consequentemente não há direito algum a ser invocado Teoria Externa Adota a separação entre o conteúdo do direito e limites que lhe são impostos do exterior oriundos de outros direitos Objetivo da teoria superação dos conflitos de direitos dividindo o processo de interpretação dos direitos humanos em colisão em dois momentos 1 Delimitação do direito prima facie envolvido identificação sobre se o direito incide aparentemente sobre a situação fática 2 Investigação sobre a existência de limites justificáveis impostos por outros direitos de modo a impedir que o direito aparente seja considerado um direito definitivo A justificação se dá pelo critério da proporcionalidade Casos difíceis hard cases casos nos quais há conflitos de direitos redigidos de forma genérica e imprecisa contendo valores morais contrastantes e sem consenso na comunidade sobre sua resolução insuficiência da teoria interna para solucionálos adoção da teoria externa nestes casos resulta em maior transparência do raciocínio jurídico do intérprete Critério da proporcionalidade chavemestra da teoria externa pois garante racionalidade e controle da argumentação jurídica que será desenvolvida para estabelecer os limites externos de um direito e afastálo da regência de determinada situação fática Posição de Hesse os conflitos entre direitos fundamentais podem ser resolvidos pela concordância prática os direitos de estatura constitucional podem ser equilibrados entre si gerando uma compatibilidade da aplicação dessas normas jurídicas de idêntica hierarquia mesmo que no caso concreto seja minimizada a aplicação de um dos direitos envolvidos O critério da proporcionalidade Conceito Consiste na aferição da idoneidade necessidade e equilíbrio da intervenção estatal por meio de lei ato administrativo ou decisão judicial em determinado direito fundamental Tratase de uma ferramenta de aplicação dos direitos humanos em geral em situação de limitação concorrência ou conflito de direitos humanos na busca de proteção Situações típicas de invocação do critério da proporcionalidade na temática dos direitos humanos 1 existência de lei ou ato administrativo que ao incidir sobre determinado direito o restrinja 2 existência de lei ou ato administrativo que ao incidir sobre determinado direito não o proteja adequadamente 3 existência de decisão judicial que tenha que perante um conflito de direitos humanos optar pela prevalência de um direito limitando outro Facetas do critério da proporcionalidade a fiscalização e proibição do excesso dos atos limitadores do Estado b promoção de direitos pela qual o critério da proporcionalidade fiscaliza os atos estatais excessivamente insuficientes para promover um direito gerando uma proibição da proteção insuficiente c ponderação em um conflito de direitos pela qual o critério da proporcionalidade é utilizado pelo intérprete para fazer prevalecer um direito restringindo outro Fundamentos Implícitos na CF88 na visão da doutrina e dos precedentes do STF embora não haja consenso Estado Democrático de Direito Devido processo legal Dignidade humana e direitos fundamentais Princípio da isonomia Direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios da Constituição a adequação das medidas estatais à realização dos fins propostos examinase se a decisão normativa restritiva de um determinado direito fundamental resulta em abstrato na realização do objetivo perseguido b necessidade das medidas buscase detectar se a decisão normativa é indispensável ou se Elementos da proporcionalidade existe outra decisão passível de ser tomada que resulte na mesma finalidade almejada mas que seja menos maléfica ao direito em análise c proporcionalidade em sentido estrito ponderação ou equilíbrio entre a finalidade perseguida e os meios adotados para sua consecução proporcionalidade em sentido estrito avaliação da relação custobenefício da decisão normativa avaliada Proibição da proteção insuficiente Proibição da proteção insuficiente é o sentido positivo do critério da proporcionalidade o critério não é apenas controle das restrições a direitos mas também controle da promoção a direitos Decorre do reconhecimento dos deveres de proteção fruto da dimensão objetiva dos direitos humanos A proibição da proteção insuficiente também utiliza os mesmos três elementos da proporcionalidade Ponderação de segundo grau Apesar de a regra de colisão já ter sido previamente estabelecida na Constituição e o constituinte ter ponderado a limitação dos direitos em colisão submetese essa regra a uma nova ponderação Duplo controle de constitucionalidade Tratase de avaliar se a aplicação de normas que aparentemente não violariam direitos fundamentais poderiam no caso concreto resultar em violação de direitos Princípio da razoabilidade no campo dos direitos humanos Consiste na exigência de verificação da legitimidade dos fins perseguidos por uma lei ou ato administrativo que regulamente ou restrinja o exercício desses direitos além da compatibilidade entre o meio empregado pela norma e os fins visados Origem do instituto norteamericana extraído da cláusula do devido processo legal Doutrina brasileira duas correntes a Ideia de que há equivalência entre os conceitos de proporcionalidade e razoabilidade uma vez que ambos têm como fundamento o chamado devido processo legal substancial b Ideia de que razoabilidade e proporcionalidade se diferenciam a razoabilidade representa apenas um dos elementos do critério da proporcionalidade elemento adequação sendo este mais amplo Proporcionalidade e inconstitucionalidade A proporcionalidade é um critério uma ferramenta na aplicação das normas Assim se a lei tratou de modo desproporcional determinado direito ou valor constitucional por violar esse direito específico tratado de modo desproporcional a referida lei é inconstitucional 8 A proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos e a garantia dupla A proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos consiste no reconhecimento da existência de núcleo permanente composto por determinadas condutas abarcadas pelo âmbito normativo de um direito específico que não pode ser afetado de forma alguma pela intervenção do Estado Esse núcleo é intocável constituindose em um limite do limite para o legislador e aplicador dos direitos humanos A parte do direito que pode ser regulada ou limitada é somente aquela que não faz parte desse núcleo inexpugnável A teoria da proteção do conteúdo essencial originase de dispositivos expressos de determinadas Constituições como por exemplo a Lei Fundamental de Bonn de 1949 art 192 126 ao que tudo indica a primeira a expressamente estabelecer tal proteção a Constituição de Portugal art 183 a Constituição da Espanha art 531 e na América do Sul a Constituição do Chile de 1980 art 19 Em comum a todas elas está o fato de terem sido redigidas após ditaduras No plano internacional a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece em seu art 521 que qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades Esse dispositivo é fruto da influência alemã e é evidente reação ao passado ditatorial recente de vários novos ingressantes da União Europeia expaíses comunistas como Polônia e outros No Brasil não há adoção expressa na CF88 da proteção do conteúdo essencial mas determinados autores como Sarlet sustentam que as cláusulas pétreas previstas no art 60 4º da Constituição Federal implicitamente resultam na garantia do conteúdo essencial dos direitos humanos 127 Já Gilmar Mendes defende que a existência da garantia do conteúdo essencial é implícita ao próprio modelo garantístico usado pelo Constituinte 128 Há duas teorias a respeito de como delimitar o conteúdo essencial dos direitos humanos a teoria do conteúdo essencial absoluto e a teoria do conteúdo essencial relativo Para a teoria do conteúdo essencial absoluto o conteúdo essencial de um direito é determinado por meio da análise em abstrato de sua redação o que seria suficiente para identificar e separar os seus elementos essenciais dos não essenciais Assim seria possível identificar já na redação do direito um espaço de maior intensidade valorativa o coração do direito que não poderia ser afetado sob pena de o direito deixar realmente de existir 129 Na maioria dos casos contudo os direitos humanos apresentam uma redação concisa e lacônica o que dificulta a identificação desse núcleo duro e intangível de determinado direito o que torna a teoria absoluta irrealizável Nesse sentido decidiu o STF É verdade que a teoria absoluta ao acolher uma noção material do núcleo essencial insuscetível de redução por parte do legislador pode converterse em muitos casos numa fórmula vazia dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse mínimo essencial HC 856870RS voto do Min Gilmar Mendes Por sua vez a teoria relativa do conteúdo essencial dos direitos humanos sustenta que o núcleo essencial não é preestabelecido e fixo mas determinável de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto após a realização de um juízo de proporcionalidade com outros direitos eventualmente em colisão A teoria relativa utiliza o princípio da proporcionalidade para de acordo com as exigências do momento ampliar ou restringir o conteúdo essencial de um direito O núcleo essencial de determinado direito seria formado pelo mínimo insuscetível de restrição ou redução com base em um processo de ponderação Para a teoria relativa então o conteúdo essencial decorre da proporcionalidade e assim a simples aceitação da proporcionalidade implica respeitar o conteúdo essencial dos direitos humanos 130 No Brasil há poucos casos de invocação da garantia de conteúdo essencial e neles não há definição sobre a teoria absoluta ou relativa adotada Quando se menciona a garantia do conteúdo essencial dos direitos humanos em precedentes do STF há o uso de uma garantia dupla dos direitos humanos Em primeiro lugar verificase se a restrição a determinado direito é aceitável de acordo com o princípio da proporcionalidade em seguida avaliase se essa restrição não esvaziou totalmente o conteúdo essencial do direito em análise Nesse sentido o voto do Min Celso de Mello é claro ao adotar essa garantia dupla dos direitos humanos ao decidir que Entendo que a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização pelo Supremo Tribunal Federal de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar hic et nunc em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta qual deva ser o direito a preponderar no caso considerada a situação de conflito ocorrente desde que no entanto a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais voto do Min Celso de Mello no HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 repetido em outros votos do Ministro Em caso envolvendo a não obrigatoriedade de diploma específico para o exercício da profissão de jornalista o Min Gilmar Mendes adotou essa garantia dupla ao dispor que a restrição legal desproporcional e que viola o conteúdo essencial da liberdade deve ser declarada inconstitucional RE 511961 rel Min Gilmar Mendes j 1762009 Plenário DJe de 13112009 Em sentido contrário a essa posição do STF posicionase Virgílio Afonso da Silva para quem a garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais é simples decorrência do respeito à regra da proporcionalidade posição da teoria relativa vista acima Assim se eventual restrição a direito fundamental passar no teste da proporcionalidade essa restrição é constitucional e apta a ser utilizada pelo intérprete 131 QUADRO SINÓTICO A proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos Proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos consiste no reconhecimento da existência de núcleo permanente que não pode ser afetado de forma alguma em todo direito fundamental Tratase de um núcleo intocável constituindose em um limite do limite para o legislador e aplicador dos direitos humanos A proteção do conteúdo essencial originase de dispositivos expressos de determinadas Constituições Lei Fundamental de Bonn Constituição de Portugal Constituição da Espanha Constituição do Chile que foram redigidas após ditaduras No plano internacional a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece a proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos No Brasil não há previsão expressa da proteção do conteúdo essencial mas determinados autores sustentam que as cláusulas pétreas previstas no art 60 4º da CF88 implicitamente resultam na garantia do conteúdo essencial dos direitos humanos Teorias a respeito de como delimitar o conteúdo essencial dos direitos humanos Teoria do conteúdo essencial absoluto sustenta que o conteúdo essencial de um direito é determinado por meio da análise em abstrato de sua redação o que seria suficiente para identificar e separar seus elementos essenciais dos não essenciais Teoria do conteúdo essencial relativo sustenta que o núcleo essencial não é preestabelecido e fixo mas determinável em cada caso de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto após a realização de um juízo de proporcionalidade com outros direitos eventualmente em colisão A teoria relativa utiliza o critério da proporcionalidade para de acordo com as exigências do momento ampliar ou restringir o conteúdo essencial de um direito 9 Espécies de restrições dos direitos humanos 91 AS RESTRIÇÕES LEGAIS A RESERVA LEGAL SIMPLES E A RESERVA LEGAL QUALIFICADA A restrição em sentido amplo de um direito fundamental consiste em ação ou omissão do Estado que elimina reduz comprime ou dificulta de alguma maneira o exercício de direito fundamental pelo seu titular ou ainda enfraquece os deveres de proteção que dele resultam ao Estado afetando negativamente o exercício desse direito por seu titular 132 A restrição a direitos humanos em sentido amplo pode ser realizada por meio de lei ou por meio de interpretação judicial que decide o conflito entre direitos em colisão Em sentido estrito a restrição a um direito consiste em intervenções legislativas que foram autorizadas pela Constituição para limitar determinado direito desde que respeitadas a proporcionalidade e o conteúdo essencial dos direitos humanos São as chamadas restrições legais aos direitos humanos Em relação às restrições legais a Constituição de 1988 traz dois tipos claros de restrições permitidas a restrição ou reserva legal simples e a restrição ou reserva legal qualificada A reserva legal simples consiste na autorização dada pela Constituição a edição posterior de lei que adote determinada restrição a direito fundamental Basta a leitura da Constituição para encontrarmos vários casos de reserva de lei simples na seara dos direitos humanos como por exemplo nos seguintes incisos do art 5º VI é inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias VII é assegurada nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva XV é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz podendo qualquer pessoa nos termos da lei nele entrar permanecer ou dele sair com seus bens XLV nenhuma pena passará da pessoa do condenado podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser nos termos da lei estendidas aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido LVIII o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal salvo nas hipóteses previstas em lei 133 A terminologia varia na forma da lei nos termos da lei previstas em lei entre outras mas com uma característica comum a Constituição não fixa previamente os requisitos condições ou parâmetros da lei a ser editada pelo legislador Já a restrição ou reserva legal qualificada é aquela em que a Constituição além de estabelecer a reserva de lei ainda estipula os requisitos e condições que a lei necessariamente deve observar O art 5º XIII que trata da liberdade do exercício profissional estabelece ser livre o exercício de qualquer trabalho ofício ou profissão atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer Todavia toda reserva legal de um direito fundamental é na verdade uma reserva legal proporcional ou seja deve a lei que impôs a restrição ser aprovada pelo crivo da proporcionalidade voto do Min Gilmar Mendes no ADI 855 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 632008 Plenário DJe de 2732009 grifo nosso 92 OS DIREITOS SEM RESERVA EXPRESSA A RESERVA LEGAL SUBSIDIÁRIA E A RESERVA GERAL DE PONDERAÇÃO Há ainda direitos previstos na Constituição sem qualquer menção à lei restritiva Mesmo assim tais direitos estão sujeitos a uma reserva legal subsidiária podendo o legislador regular esse direito em face dos demais valores constitucionais Claro que a norma legal regulamentadora deverá sobreviver ao teste da proporcionalidade demonstrando que a eventual limitação a direito previsto sem restrição expressa da Constituição atendeu de modo proporcional a realização de outros direitos constitucionais O exemplo sempre lembrado é o da regulamentação do sigilo de correspondência pela Lei n 721084 que permite a violação da correspondência do preso art 41 parágrafo único apesar de o art 5º XII da CF88 tratar da inviolabilidade da correspondência sem qualquer ressalva ou permissão de violação nos termos da lei A lei foi considerada válida uma vez que a interceptação da correspondência dos presos foi justificada em nome da preservação do direito à segurança de todos inclusive dos agentes penitenciários Nesse sentido decidiu o STF que a administração penitenciária com fundamento em razões de segurança pública de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica pode sempre excepcionalmente e desde que respeitada a norma inscrita no art 41 parágrafo único da Lei 72101984 proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas HC 70814 rel Min Celso de Mello j 1º31994 Primeira Turma DJ de 2461994 Além da reserva legal subsidiária todos direitos fundamentais mesmo sem restrição expressa estão sujeitos a uma reserva geral de ponderação 134 uma vez que esses dispositivos estão sujeitos à ponderação com outros valores previstos na Constituição relacionados a outros direitos fundamentais em colisão 93 AS LIMITAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS PELAS RELAÇÕES ESPECIAIS DE SUJEIÇÃO Há limitações de direitos humanos que resultam da inserção do titular desses direitos em uma situação de sujeição especial do indivíduo perante o Poder Público Essa sujeição ocorreria devido à necessidade de atendimento a determinadas necessidades sociais que sem tal sujeição não teriam como ser atendidas O exemplo maior seria o regime jurídico especial dos membros das Forças Armadas submetidos à hierarquia e disciplina próprias afetando os direitos dos militares e que seriam indispensáveis para a boa organização castrense A própria Constituição de 1988 impõe limites expressos aos direitos humanos dos militares em especial no art 5º LXI ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei e ainda no art 142 caput e 2º Art 142 As Forças Armadas constituídas pela Marinha pelo Exército e pela Aeronáutica são instituições nacionais permanentes e regulares organizadas com base na hierarquia e na disciplina 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares Esse atendimento a necessidades sociais diferenciadas seria o fundamento para determinadas restrições ou mesmo supressões de determinados direitos existentes em situações análogas no seio da sociedade civil Consequentemente o regime jurídico dos direitos humanos de militares funcionários públicos sentenciados estudantes e internos da rede escolar pública entre outros seria distinto e poderiam ser seus direitos menos abrangentes do que os direitos dos demais indivíduos que não estivessem em tal situação O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é a justificativa da legitimidade de tais restrições a direitos humanos dos submetidos a uma relação especial de sujeição Porém não se justifica na atualidade a invocação sem maior discussão dessa supremacia do interesse público Ao contrário há hoje o critério da proporcionalidade que pode orientar a interpretação dos direitos desses indivíduos no choque com os direitos de terceiros e bens constitucionalmente protegidos Não cabe apenas invocar o regime de relação especial de sujeição para restringir determinado direito é necessário que tal restrição seja proporcional e com isso resolva de maneira adequada o conflito entre o direito do indivíduo submetido a tal relação especial de sujeição e os direitos da comunidade Por exemplo será que o regime disciplinar das Forças Armadas com o amesquinhamento do princípio da legalidade e tipicidade permitindo amplíssima dose de discricionariedade na caracterização e na dosimetria de sanções disciplinares pelo superior hierárquico é proporcional e atende as finalidades em uma sociedade democrática Do nosso ponto de vista não basta justificar esse regime imposto pelo Estatuto dos Militares Lei n 688080 apenas alegando a relação especial de sujeição mas deve ser analisado o conflito entre os direitos dos indivíduos submetidos a tal poder e os direitos dos terceiros que são beneficiados pela existência de uma Força Armada preparada e eficiente Nessa linha o Supremo Tribunal Federal considerou legítima a criminalização de atos libidinosos praticados por militares em ambientes sujeitos à administração militar sendo justificável pelo regime especial da hierarquia e da disciplina castrenses Contudo o STF decidiu que não foram recepcionadas pela CF88 as expressões pederastia ou outro e homossexual ou não contidas respectivamente no nomen juris e no caput do art 235 do Código Penal Militar Para o STF não se pode permitir que a lei faça uso de expressões pejorativas e discriminatórias ante o reconhecimento do direito à liberdade de orientação sexual como liberdade existencial do indivíduo Manifestação inadmissível de intolerância que atinge grupos tradicionalmente marginalizados ADPF 291 rel Min Roberto Barroso j 28 102015 publicado em 1152016 QUADRO SINÓTICO Espécies de restrições dos direitos humanos A restrição a direitos humanos é realizada por meio de lei ou por meio de interpretação judicial que decide o conflito entre direitos em colisão Restrição em sentido amplo de um direito fundamental consiste em ação ou omissão do Estado que elimina reduz comprime ou dificulta de alguma maneira o exercício de direito fundamental pelo seu titular ou ainda enfraquece os deveres de proteção que dele resultam ao Estado afetando negativamente o exercício desse direito por seu titular Restrição em sentido estrito consiste em intervenções legislativas que foram autorizadas pela Constituição para limitar determinado direito desde que respeitadas a proporcionalidade e o conteúdo essencial dos direitos humanos São as chamadas restrições legais aos direitos humanos As restrições legais A Constituição de 1988 traz dois tipos claros de restrições legais permitidas Restrição ou reserva legal simples consiste na autorização dada pela Constituição a edição posterior de lei que adote determinada restrição a direito fundamental Restrição ou reserva legal qualificada é aquela em que a Constituição além de estabelecer a reserva de lei ainda estipula os requisitos e condições que a lei necessariamente deve observar Toda reserva legal de um direito fundamental é na verdade uma reserva legal proporcional ou seja deve a lei que impôs a restrição ser aprovada pelo crivo da proporcionalidade Os direitos sem reserva expressa Reserva legal subsidiária situação em que direitos são previstos na Constituição sem qualquer menção à lei restritiva mas podem ser regulados pelo legislador em face dos demais valores constitucionais Reserva geral de ponderação todos os direitos fundamentais estão a ela submetidos uma vez que estão sujeitos à ponderação com outros valores previstos na Constituição relacionados a outros direitos fundamentais em colisão Limitações dos direitos humanos pelas relações especiais de sujeição São oriundas da inserção do titular dos direitos humanos em uma situação de sujeição especial do indivíduo perante o Poder Público decorrente da necessidade de atendimento a determinadas necessidades sociais que sem tal sujeição não teriam como ser atendidas Exemplos regime jurídico dos direitos humanos de militares funcionários públicos sentenciados estudantes e internos da rede escolar pública Justificativa da legitimidade de tais restrições a direitos humanos submetidos a uma relação especial de sujeição princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado entretanto é necessário que a restrição seja proporcional PARTE II ASPECTOS PRINCIPAIS DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS DE DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO E DO DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS I OS TRÊS EIXOS DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS A proteção dos direitos essenciais do ser humano no plano internacional recai em três sub ramos específicos do Direito Internacional Público o Direito Internacional dos Direitos Humanos DIDH o Direito Internacional Humanitário DIH e o Direito Internacional dos Refugiados DIR Inicialmente devese evitar segregação entre esses três subramos pois o objetivo é comum a proteção do ser humano Com base nesse vetor de interação e não segregação o Direito Internacional dos Direitos Humanos DIDH é sem dúvida o mais abrangente atuando o Direito Internacional Humanitário DIH e o Direito Internacional dos Refugiados DIR em áreas específicas Defendo inclusive que o Direito Internacional dos Direitos Humanos é um único ramo com vertentes refugiados e humanitário para esses temas específicos Na visão tradicional a interrelação entre esses ramos é a seguinte ao DIDH incumbe a proteção do ser humano em todos os aspectos englobando direitos civis e políticos e também direitos sociais econômicos e culturais já o DIH foca na proteção do ser humano na situação específica dos conflitos armados internacionais e não internacionais finalmente o DIR age na proteção do refugiado desde a saída do seu local de residência trânsito de um país a outro concessão do refúgio no país de acolhimento e seu eventual término Os dois últimos ramos são lex specialis em relação ao DIDH que é lex generalis e aplicável subsidiariamente a todas as situações na ausência de previsão específica Além da relação de especialidade há também uma relação de identidade e convergência O art 3º comum às quatro Convenções de Genebra sobre Direito Internacional Humanitário ver abaixo converge com a proteção de direitos humanos básicos como o direito à vida e integridade física em tempo de paz No mesmo sentido há garantias fundamentais que foram adotadas nos dois Protocolos Adicionais de 1977 às Convenções de Genebra Protocolo I art 75 e Protocolo II arts 4º a 6º ver abaixo Por sua vez o Direito Internacional dos Refugiados possui diversos pontos convergentes aos do Direito Internacional dos Direitos Humanos como é o caso do princípio da proibição da devolução ou proibição do rechaço nonrefoulement que consta da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 art 33 e simultaneamente da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura art 3 e da Convenção Americana de Direitos Humanos art 228 e 9 sem contar o dever dos Estados de tratar com dignidade o solicitante do refúgio o que é espelho do dever internacional de proteger os direitos humanos previsto na Carta da ONU Também é constatada uma relação de complementaridade Tanto o DIH quanto o DIR não excluem a aplicação geral das normas protetivas do Direito Internacional dos Direitos Humanos Por exemplo a Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena 1993 defendeu a adoção de medidas internacionais efetivas para garantir e fiscalizar o cumprimento das normas de direitos humanos relativamente a povos sujeitos à ocupação estrangeira devendo ser garantida uma proteção jurídica efetiva contra a violação dos Direitos Humanos desses povos em conformidade com as normas de Direitos Humanos e com a Convenção de Genebra relativa à proteção de Civis em Tempo de Guerra Convenção IV de 12 de agosto de 1949 e outras normas aplicáveis de direito humanitário Também a relação de complementaridade é notada no uso do DIDH para suprir eventuais insuficiências dos demais uma vez que somente no DIDH é que existem sistemas de acesso das vítimas a órgãos judiciais e quase judiciais internacionais o que não ocorre no DIR ou no DIH Há ainda uma relação de influência recíproca De início o Direito Internacional dos Refugiados está ancorado no direito de todos previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 de procurar e obter noutros países asilo contra as perseguições de que sejam alvo bem como o direito de regressar ao seu próprio país Além disso as violações graves dos direitos humanos nomeadamente em casos de conflito armado são um dos fatores que conduzem à criação de refugiados Finalmente as origens históricas também possuem raízes comuns O mais antigo desses ramos é o DIH voltado inicialmente à disciplina dos meios e métodos utilizados na guerra mas que logo foi influenciado pela consolidação do DIDH após a edição da Carta da Organização das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos O Direito Internacional dos Refugiados também possui diplomas e órgãos anteriores à Carta da ONU mas seu crescimento foi sistematizado após a Declaração Universal consagrar o direito ao asilo em seu artigo XIV QUADRO SINÓTICO Os três eixos da proteção de direitos no plano internacional Eixos da proteção de direitos no plano internacional Direito Internacional dos Direitos Humanos proteção do ser humano em todos os aspectos englobando direitos civis e políticos e também direitos sociais econômicos e culturais Direito Internacional dos Refugiados age na proteção do refugiado desde a saída do seu local de residência concessão do refúgio e seu eventual término Direito Internacional Humanitário foca na proteção do ser humano na situação específica dos conflitos armados internacionais e não internacionais Objetivo comum Proteção do ser humano Interrelação entre os eixos Relação de especialidade do Direito Internacional dos Refugiados e do Direito Internacional Humanitário com relação ao Direito Internacional dos Direitos Humanos Relação de identidade e convergência Relação de complementaridade Relação de influência recíproca II O SISTEMA UNIVERSAL ONU 1 A Carta Internacional dos Direitos Humanos A Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH de 1948 foi elaborada pela extinta Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para ser uma etapa anterior à elaboração de um tratado internacional de direitos humanos O objetivo da Comissão era criar um marco normativo vinculante logo após a edição da DUDH Porém a Guerra Fria impediu a concretização desse objetivo e somente em 1966 quase vinte anos depois da DUDH foram aprovados dois Pactos Internacionais o dos Direitos Civis e Políticos e o dos Direitos Sociais Econômicos e Culturais Na época a doutrina consagrou o termo Carta Internacional de Direitos Humanos International Bill of Rights fazendo homenagem às chamadas Bill of Rights do Direito Constitucional e que compreende o seguinte conjunto de diplomas internacionais i a Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH de 1948 ii o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 iii Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966 O uso do termo Carta Internacional de Direitos Humanos também implicava o reconhecimento de que os dois Pactos não poderiam ser interpretados desconectados da DUDH o que deu sistematicidade à proteção dos direitos humanos internacionais Outra consequência da Carta Internacional dos Direitos Humanos foi a reafirmação do objetivo da ONU de proteger os direitos humanos já previsto na Carta de São Francisco mas frustrado pela Guerra Fria e pelo antagonismo entre Estados Unidos e União Soviética dois membros extremamente influentes daquela organização Desde a adoção dos dois Pactos a ONU tem estimulado a adoção de vários tratados de direitos humanos em temas diversos formando o chamado sistema global de direitos humanos também chamado sistema universal ou onusiano Atualmente o sistema global é complexo e não se limita à Carta Internacional de Direitos Humanos sendo composto por diversos tratados multilaterais de direitos humanos como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias como veremos a seguir 2 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP foi adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966 junto do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais Contudo entrou em vigor somente em 1976 pois exigiu ratificação de 35 Estados para entrar em vigor art 49 1º Possui em 2019 173 Estados partes O Pacto teve por finalidade tornar juridicamente vinculantes aos Estados vários direitos já contidos na Declaração Universal de 1948 detalhandoos e criando mecanismos de monitoramento internacional de sua implementação pelos Estados Partes No Brasil o Congresso Nacional aprovou o PIDCP por meio do Decreto Legislativo n 226 de 12 de dezembro de 1991 A nota de adesão ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi depositada em 24 de janeiro de 1992 e o Pacto entrou em vigor internacional para o Brasil em 24 de abril de 1992 Finalmente o Pacto foi promulgado incorporação interna pelo Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 Seu texto possui 53 artigos divididos em seis partes Na Parte I fica enunciado o direito de todos os povos de dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais e à autodeterminação bem como o dever de todos os demais Estados de respeitarem esse direito Na Parte II integrada por quatro artigos o Pacto estabelece o dever do Estado de respeito e a garantia de todos os direitos nele previstos a todos os indivíduos que se achem em seu território sem qualquer tipo de discriminação inclusive quanto a origem nacional e especialmente entre homens e mulheres Mesmo o imigrante em situação irregular pode invocar os direitos do PIDCP contra o Brasil Além disso os Estados comprometemse a adotar medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos os direitos previstos no Pacto O PIDCP exige de que toda pessoa que tenha direitos garantidos no Pacto violados possa dispor de um recurso efetivo ainda que a violência tenha sido perpetrada por agente no exercício de funções oficiais bem como de que qualquer decisão que julgar procedente tal recurso seja cumprida pelas autoridades competentes art 2º O Pacto também permite a suspensão das obrigações dele decorrentes em situações excepcionais que ameacem a existência da nação e sejam proclamadas oficialmente desde que as medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhes sejam impostas pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça cor sexo língua religião ou origem social art 4º situação que deve ser comunicada imediatamente aos outros Estados Partes do presente Pacto por intermédio do Secretário Geral da ONU Entretanto os direitos previstos nos arts 6º direito à vida 7º direito de não ser submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes ou a experiências médicas ou científicas 8º 1º e 2º direito de não ser submetido à escravidão e à servidão 11 direito de não ser preso apenas por não cumprir obrigação contratual 15 direito de não ser condenado por atos ou omissões não definidos como crime no direito nacional ou internacional de não ser submetido a pena mais grave que a aplicável no momento da ocorrência do delito e de ver aplicada a lei penal mais benéfica 16 direito ao reconhecimento da personalidade jurídica e 18 liberdade de pensamento consciência e religião não podem ser suspensos nestas hipóteses tampouco se admitirá restrição ou suspensão dos direitos reconhecidos em virtude de leis convenções regulamentos ou costumes sob pretexto de que o Pacto não os reconhece ou os reconhece menor grau Na Parte III composta por 22 artigos 6 a 27 o PIDCP enuncia e especifica o rol dos direitos nele protegidos Ante a importância do Pacto para a efetivação de tais direitos o rol será aqui apresentado de forma mais minuciosa O primeiro dos direitos garantidos é a vida art 6º porém há hipóteses em que a pena de morte poderá ser imposta nos países em que ainda não tenha sido abolida poderá ser aplicada apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente nos casos de crimes mais graves em conformidade com legislação vigente na época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente Pacto nem com a Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio ou seja países que já a tenham abolido não poderão aplicála mais Previu também o direito de não ser submetido à tortura a penas ou tratamentos cruéis nem a experiências médicas ou científicas sem seu livre consentimento art 7 O PIDCP traz importante vínculo entre o direito à integridade física e psíquica e a experimentação médica ver a Parte IV sobre os direitos em espécie Além disso ninguém poderá ser submetido à escravidão e à servidão ficando proibidos em todas as suas formas a escravidão e o tráfico de escravos art 8 Garantiu que toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais e ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente nem poderá ser privado de liberdade salvo pelos motivos previstos em lei conforme os procedimentos nela determinados além de outras garantias relacionadas à prisão art 9 Fica garantido o direito de que toda pessoa privada de liberdade seja tratada com humanidade e respeito à dignidade da pessoa humana devendo as pessoas processadas ser separadas das condenadas recebendo tratamento distinto bem como as pessoas jovens processadas deverão ser separadas das adultas O Pacto prevê ainda que o objetivo principal do regime prisional deverá ser a reabilitação dos prisioneiros devendo os jovens ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica art 10 Ademais consagra o Pacto o direito de que ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual art 11 No Brasil esse dispositivo fundou em conjunto com o art 77 da Convenção Americana de Direitos Humanos novo entendimento do STF vedando a prisão civil do depositário infiel Súmula Vinculante n 25 do STF É Ilícita a prisão civil do depositário infiel qualquer que seja a modalidade de depósito O Pacto garante também o direito à livre circulação para pessoas que se encontrem no território do Estado Parte legalmente bem como o direito de sair livremente de qualquer país e de não ser privado arbitrariamente de entrar em seu próprio país art 12 Assim para o estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estado Parte só poderá ser expulso mediante decisão proferida em conformidade com a lei art 13 No art 14 é prevista uma série de garantias processuais como o direito de toda pessoa de ser ouvida publicamente por tribunal competente independente e imparcial estabelecido por lei a presunção de inocência enquanto não for formalmente comprovada a culpa e a publicidade das decisões salvo se o interesse de menores exigir o oposto ou se a controvérsia disser respeito a questões matrimoniais ou a tutela de menores Em certas hipóteses por motivo de i moral pública de ii ordem pública ou de iii segurança nacional ou quando o iv interesse da vida privada das Partes o exija quando a publicidade prejudique os interesses da justiça a imprensa ou o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento Ademais são enunciadas as garantias mínimas a serem conferidas a todas as pessoas acusadas de um delito direito de ser informado sem demora da natureza e dos motivos da acusação de dispor de tempo e de meios necessários para a preparação de sua defesa e de se comunicar com o defensor de sua escolha direito de ser julgado sem demora indevida direito de estar presente no julgamento e defenderse pessoalmente ou por intermédio de defensor caso não possua defensor direito de ser informado do direito de ser assistido bem como direito de ter defensor designado de ofício gratuitamente caso não tenha condições de remunerálo direito de interrogar ou fazer interrogadas as testemunhas de acusação e de defesa direito de ser assistido gratuitamente por intérprete caso não compreenda a língua empregada no julgamento e finalmente de não ser obrigado a depor contra si mesmo nem a confessarse culpado Ainda são previstos o direito a recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior o direito a indenização da pessoa que sofreu pena decorrente de condenação por sentença posteriormente anulada ou que realizou ato para o qual foi posteriormente concedido indulto pela ocorrência ou descoberta de fatos novos que provem cabalmente a existência de erro judicial e o direito de não ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença com trânsito em julgado proibição do bis in idem No art 15 o Pacto estabelece garantias de ordem penal como o direito de não ser condenado por atos ou omissões que não constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional no momento em que foram cometidos princípio da legalidade a irretroatividade da lei penal mais gravosa e a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu Também o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica é garantido a toda pessoa em qualquer oportunidade art 16 Ademais ninguém poderá ser alvo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação devendo a lei proteger as pessoas de tais ingerências e ofensas art 17 O Pacto garante em seu art 18 direitos de fundamental importância para a manutenção de sociedades democráticas a liberdade de pensamento de consciência e de religião Nesse sentido toda pessoa tem a liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e de professála individual ou coletivamente de forma pública ou privada por meio do culto da celebração de ritos de práticas e do ensino assegurado aos pais e tutores legais o respeito quanto à educação religiosa e moral dos filhos Tal liberdade só poderá sofrer limitações estabelecidas em lei e desde que sejam necessárias para proteger a segurança a ordem a saúde ou a moral públicas ou ante a colisão dela com direitos e liberdades das demais pessoas Além disso ninguém poderá ser perseguido ou molestado por suas opiniões incluindose no direito à liberdade de expressão a liberdade de procurar receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza por qualquer meio de sua escolha Tal direito como todos os outros não é absoluto podendo estar sujeito a restrições que devem estar expressamente previstas em lei se forem necessárias para assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas e para proteger a segurança nacional a ordem a saúde ou a moral públicas art 19 Também deve ser proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra e qualquer apologia do ódio nacional racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação à hostilidade ou a violência art 20 Por seu turno os direitos de reunião pacífica e de associação são reconhecidos inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiarse para a proteção de seus interesses arts 21 e 22 podendo seu exercício estar sujeito apenas a restrições i previstas em lei e que sejam ii necessárias ao interesse da segurança nacional iii da segurança ou da ordem pública ou para iv proteger a saúde ou a moral pública ou v os direitos e as liberdades das demais pessoas Conferese ainda especial proteção à família como elemento natural e fundamental da sociedade reconhecendose o direito do homem e da mulher de contrair casamento que não será celebrado sem o consentimento livre e pleno dos futuros esposos e de constituir família Nesse sentido o Pacto prevê a obrigação dos Estados Partes de adotarem medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos durante o casamento e por ocasião de sua dissolução art 23 Contudo em 2000 a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia não mencionou o direito de contrair casamento como um direito apenas do homem e da mulher indicando apenas que esse direito ao casamento deverá ser garantido pelas legislações nacionais permitindo então a extensão de tal direito a casais do mesmo sexo Para as crianças explicitase o seu direito de não sofrer discriminação alguma por motivo de cor sexo língua religião origem nacional ou social situação econômica ou nascimento bem como o direito às medidas de proteção por parte de sua família da sociedade e do Estado que sua condição de menor requerer Toda criança tem o direito de adquirir uma nacionalidade e deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome art 24 No art 25 o Pacto enuncia os direitos de participação política garantindo a todo cidadão o direito e a possibilidade sem qualquer discriminação ou restrições infundadas de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos de votar e de ser eleito em eleições periódicas autênticas realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a manifestação da vontade dos eleitores e de ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país Finalmente garantese o direito à igualdade de todos perante a lei e o direito de sem discriminação alguma receber igual proteção da lei art 26 Sendo assim o Pacto explicita que a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça cor sexo língua religião opinião política ou de outra natureza origem nacional ou social situação econômica nascimento ou qualquer outra situação De outro lado nos Estados em que existam minorias étnicas religiosas ou linguísticas as pessoas a elas pertencentes não poderão ser privadas juntamente com os outros membros do grupo de ter sua própria vida cultural de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua art 27 Na Parte IV composta por dezenove artigos 28 a 45 o Pacto determina a constituição do Comitê de Direitos Humanos que receberá relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos civis e políticos e comunicações interestatais 135 Na Parte V composta por dois artigos o Pacto enuncia que nenhuma de suas disposições pode ser interpretada em detrimento das disposições da Carta das Nações Unidas e dos tratados constitutivos das agências especializadas art 46 tampouco em detrimento do direito inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar plena e livremente suas riquezas e seus recursos naturais art 47 Esse dispositivo visa impedir que os direitos humanos sejam invocados para prejudicar outros valores caros às sociedades humanas bem como o direito à autodeterminação e desenvolvimento dos povos Finalmente na Parte VI constituída por seis artigos o Pacto apresenta as formas para assinatura ratificação e adesão art 48 a data de entrada em vigor art 49 a aplicação das disposições do Pacto a todas as unidades constitutivas dos Estados federativos art 50 a forma de proposição aprovação e entrada em vigor de emendas art 51 e as notificações relativas a todas essas situações art 52 21 PROTOCOLO FACULTATIVO AO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS O Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi adotado pela Resolução da Assembleia Geral da ONU na mesma ocasião em que o Pacto foi adotado em 16 de dezembro de 1966 com a finalidade de instituir mecanismo de análise de petições de vítimas ao Comitê de Direitos Humanos por violações a direitos civis e políticos previstos no Pacto 136 Possui em 2019 116 Estados partes Está em vigor desde 23 de março de 1976 No Brasil foi aprovado apenas em 16 de junho de 2009 pelo Decreto Legislativo n 3112009 O Brasil ratificou o Protocolo em 25 de setembro de 2009 e até 2019 não houve a edição de decreto de incorporação ver a repercussão dessa ausência no Caso Lula Logo as vítimas de violações de direitos protegidos no PIDCP contam com mais um mecanismo internacional de supervisão e controle das obrigações assumidas pelo Brasil 22 SEGUNDO PROTOCOLO ADICIONAL AO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS O Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte foi adotado e proclamado pela Resolução n 44128 da Assembleia Geral da ONU de 15 de dezembro de 1989 No Brasil foi aprovado junto do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos em 16 de junho de 2009 pelo Decreto Legislativo n 3112009 com a reserva expressa no art 2º O Brasil ratificou esse segundo protocolo em 25 de setembro de 2009 Possui em 2019 87 Estados partes Esse dispositivo art 2º prevê não ser admitida qualquer reserva ao Segundo Protocolo exceto se for formulada no momento da ratificação ou adesão que preveja a aplicação da pena de morte em virtude de condenação por infração penal de natureza militar de gravidade extrema cometida em tempo de guerra Com a reserva expressa feita pelo Brasil o Segundo Protocolo ficou compatível com o dispositivo da Constituição de 1988 que veda a pena de morte salvo em caso de guerra declarada nos termos do art 84 XIX art 5º XLVII a Embora a pena de morte não tenha sido aplicada no Brasil desde 1855 nem mesmo nas exceções constitucionalmente autorizadas pela Constituição 137 a incorporação do Protocolo vem na esteira da adesão ao Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos relativos à abolição da Pena de Morte adotado em 8 de junho de 1990 O Segundo Protocolo é composto por onze artigos Por meio dele reconhecese que nenhum indivíduo sujeito à jurisdição de um Estado Parte poderá ser executado devendo os Estados adotar todas as medidas adequadas para abolir a pena de morte no âmbito da sua jurisdição art 1º As medidas adotadas para implementar o Protocolo deverão ser informadas pelos Estados Partes nos relatórios que submeterem ao Comitê de Direitos Humanos art 40º do Pacto Também para aqueles que tenham feito a declaração prevista no art 41 no Pacto o reconhecimento de competência do Comitê para receber e apreciar comunicações nas quais um Estado Parte alega que outro não cumpre suas obrigações é extensivo às disposições do Segundo Protocolo art 4º salvo se declaração em contrário tenha sido feita no momento da ratificação ou adesão Além disso para os Estados que tenham aderido ao primeiro Protocolo Adicional ao Pacto de Direitos Civis e Políticos o mecanismo de petição de vítimas é extensivo às disposições do Segundo Protocolo salvo declaração em sentido contrário no momento da ratificação ou adesão art 5º QUADRO SINÓTICO Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Principais direitos garantidos Direito à vida Direito de não ser submetido à tortura a penas ou tratamentos cruéis nem a experiências médicas ou científicas sem seu livre consentimento Direito à liberdade e à segurança pessoais e de não ser preso ou encarcerado arbitrariamente nem privado de liberdade salvo pelos motivos previstos em lei Direito de que toda pessoa privada de liberdade seja tratada com humanidade e respeito à dignidade da pessoa humana Direito de não ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual Direito à livre circulação direito de sair livremente de qualquer país e de não ser privado arbitrariamente de entrar em seu próprio país Garantias processuais Direito de não ser condenado por atos ou omissões que não constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional irretroatividade da lei penal mais gravosa e a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica Direito a não ser alvo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação Liberdade de pensamento de consciência e de religião Direito de reunião Direito de associação pacífica Direito de contrair casamento e constituir família Direitos específicos das crianças direito de não sofrer discriminação alguma direito às medidas de proteção por parte de sua família da sociedade e do Estado que sua condição de menor requerer direito de adquirir uma nacionalidade Direito de participação política Direito à igualdade Mecanismo de monitoramento do Pacto Relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos civis e políticos ao Comitê de Direitos Humanos Comunicações interestatais que são submetidas ao exame do Comitê Protocolo Facultativo Mecanismo de petição individual ao Comitê Segundo Protocolo Adicional Objetivo de abolir a pena de morte Brasil fez reserva para assegurar a possibilidade de aplicação da pena de morte em caso de guerra declarada 3 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais foi adotado e aberto para assinatura ratificação e adesão pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em 19 de dezembro de 1966 em conjunto com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Entrou em vigor somente em 1976 três meses após a data do depósito do 35º instrumento de ratificação ou de adesão Possui em 2019 170 Estados partes O PIDESC é considerado um marco por ter assegurado destaque aos direitos econômicos sociais e culturais vencendo a resistência de vários Estados e mesmo da doutrina que viam os direitos sociais em sentido amplo como sendo meras recomendações ou exortações O Brasil não obstante tenha participado de forma ativa na sua elaboração só aprovou o texto do tratado por meio do Decreto Legislativo n 226 de 12 de dezembro de 1991 A Carta de Adesão ao PIDESC foi depositada em 24 de janeiro de 1992 e o Pacto entrou em vigor para o Brasil em 24 de abril de 1992 três meses após a data do depósito conforme determina seu art 27 parágrafo 2 Em 6 de julho de 1992 o PIDESC foi promulgado pelo Decreto n 591 que entrou em vigor interno na data de sua publicação em 7 de julho de 1992 O PIDESC possui trinta e um artigos divididos em cinco partes A primeira parte idêntica à do Pacto de Direitos Civis e Políticos consagra o direito de autodeterminação dos povos garantindo aos Estados a liberdade para determinar seu estatuto político bem como a obrigação de que tal direito seja promovido e respeitado pelos demais Estados A segunda parte formada de quatro artigos enuncia os compromissos assumidos pelo Estado especialmente com a finalidade de dar efetividade aos direitos econômicos sociais e culturais Nesse sentido estabelece a obrigação de o Estado adotar medidas inclusive pela assistência e cooperação internacionais para assegurar progressivamente o pleno exercício daqueles direitos Fruto do seu tempo o PIDESC reconheceu que os direitos sociais em sentido amplo são de realização progressiva devendo os Estados dispor do máximo dos recursos disponíveis para a sua efetivação o que não exclui a obrigatoriedade de sua promoção e após a proibição de retrocesso social Assim os direitos previstos no PIDESC são i obrigatórios bem como ii após sua implementação estão protegidos pela proibição do retrocesso ver Parte I Capítulo III item 56 A todos os Estados Partes do Pacto permitiuse a submissão dos direitos econômicos sociais e culturais unicamente a i limitações estabelecidas em lei em medida compatível com sua ii natureza e apenas tendo por finalidade iii favorecer o bemestar geral da sociedade Aos países em desenvolvimento permitiuse que determinem em que medida os direitos econômicos serão reconhecidos àqueles que não são seus nacionais Na Parte III composta por dez artigos arts 6º a 15 o PIDESC elenca de forma detalhada os direitos econômicos sociais e culturais e enuncia de forma geral as medidas adequadas para garantilos e tornálos efetivos Nesse sentido reconhecese o direito ao trabalho art 6º bem como o direito ao gozo de condições de trabalho equitativas e satisfatórias com remuneração mínima igualdade de valor sem distinções especialmente entre homens e mulheres segurança e higiene no trabalho igualdade de oportunidade de promoção no trabalho com base em fatores de tempo de serviço e capacidade além de descanso limitação de jornada e férias periódicas pagas e remuneração dos feriados art 7º Além disso é reconhecido o direito de toda pessoa à previdência social inclusive ao seguro social art 9º O Pacto garantiu também no art 8º o direito de toda pessoa fundar sindicatos e filiarse àqueles de sua escolha o qual não pode sofrer restrições senão i por lei e ii que sejam necessárias à sociedade democrática iii no interesse da segurança nacional ou da ordem pública ou iv para proteger os direitos e as liberdades alheias Previu também o direito dos sindicatos de formar federações confederações nacionais ou organizações sindicais internacionais bem como o direito de funcionarem sem obstáculos Finalmente previu o direito de greve Tais disposições não impedem a aplicação de restrições legais ao exercício de tais direitos pelos membros das forças armadas da polícia ou da administração dos Estados Nessa linha decidiu o STF em tema de repercussão geral Informativo STF n 860 de abril de 2017 que o exercício do direito de greve sob qualquer forma ou modalidade é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública ARE 654432GO rel orig Min Edson Fachin rel p o ac Min Alexandre de Moraes j 54 2017 Por outro lado esses dispositivos não autorizam que os Estados Partes da Convenção n 87 de 1948 da OIT Convenção Relativa à Liberdade Sindical e à Proteção do Direito de Sindicalização não ratificada pelo Brasil adotem medidas legislativas que restrinjam as garantias nela previstas Ainda são garantidas as mais amplas proteção e assistência possíveis à família apresentada como elemento fundamental da sociedade especialmente no momento de sua constituição e enquanto ela for responsável pela educação dos filhos ressaltandose que o matrimônio deve ser contraído com o livre consentimento dos cônjuges de acordo com determinadas tradições culturais o casamento é um arranjo entre famílias sem consentimento prévio dos envolvidos Garantese também especial proteção às mães por período razoável antes e depois do parto quando a elas deve ser concedida licença remunerada ou licença acompanhada de benefícios previdenciários adequados Nessa linha de concessão da licença remunerada e para evitar discriminação entre o filho adotivo e o não adotivo decidiu o STF que os prazos da licença adotante não podem ser inferiores ao prazo da licençagestante o mesmo valendo para as respectivas prorrogações Em relação à licençaadotante não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada STF RE 778889PE rel Min Roberto Barroso j 10 32016 com repercussão geral Informativo STF n 817 As crianças e adolescentes também são especiais sujeitos de proteção devendo o Estado adotar medidas especiais para sua proteção e assistência especialmente contra exploração econômica e social e sem qualquer distinção por motivo de filiação ou qualquer outra condição O Pacto atentou também para o gravíssimo problema do trabalho infantil determinando ao Estado a obrigação de estabelecer limites de idade para que fique proibido e punido por lei o emprego assalariado da mão de obra infantil bem como de punir por lei o emprego de crianças e adolescentes em trabalhos que lhes sejam nocivos à moral e à saúde ou que lhes façam correr perigo de vida ou ainda que lhes venham a prejudicar o desenvolvimento normal art 10 No Brasil o art 7º XXXII proíbe o trabalho a menores de dezesseis anos salvo na condição de aprendiz a partir de quatorze anos conforme redação dada pela EC 20 de 1998 No art 11 o Pacto reconhece o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado a si próprio e sua família mencionando expressamente a alimentação a vestimenta a moradia adequadas e a melhoria contínua de suas condições de vida bem como o direito fundamental de toda pessoa estar protegida contra a fome Para que os Estados Partes assegurem a efetivação do direito o Pacto ressalta a importância da cooperação internacional bem como a adoção de programas concretos para melhorar os métodos de produção conservação e distribuição de gêneros alimentícios e para assegurar a repartição equitativa dos recursos alimentícios O direito de toda pessoa desfrutar do mais elevado nível possível de saúde física e mental também é assegurado no Pacto art 12 devendo o Estado adotar as medidas necessárias para promover a redução da mortalidade infantil e do índice de natimortos bem como o desenvolvimento sadio das crianças a melhoria da higiene do trabalho e do meio ambiente a prevenção e o tratamento de doenças epidêmicas endêmicas profissionais e outras bem como a luta contra essas doenças e a criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de doença É assegurado também o direito à educação art 13 Para o PIDESC todos têm o direito à educação que deve visar i ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e ii fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais Além disso o direito à educação deve capacitar todas as pessoas a iii participar de uma sociedade livre iv favorecer a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e v entre todos os grupos raciais étnicos ou religiosos Nesse sentido o Pacto determinou o reconhecimento dos Estados de que a educação primária será obrigatória e acessível gratuitamente a todos que a educação secundária em suas diferentes formas inclusive a educação secundária técnica e profissional deve ser generalizada e tornada acessível a todos principalmente pela implementação progressiva do ensino gratuito que também a educação de nível superior deve ser tornada acessível a todos com base na capacidade de cada um por todos os meios apropriados e principalmente pela implementação progressiva do ensino gratuito que deve ser fomentada e intensificada a educação de base para as pessoas que não receberam ou não concluíram a educação primária Os Estados Partes que não tenham garantido a obrigatoriedade e gratuidade da educação primária no momento em que se tornarem Parte assumem o compromisso de elaborar e adotar no prazo de dois anos um plano de ação detalhado destinado à implementação progressiva dentro de um número razoável de anos estabelecidos no próprio plano do princípio da educação primária obrigatória e gratuita para todos art 14 Além disso o Estado Parte deve promover ativamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de ensino implementar um sistema adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições materiais do corpo docente No Brasil a Constituição de 1988 determina que a educação básica é obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria art 208 Não obstante isso reconhecese a liberdade dos pais e de tutores legais de escolher para seus filhos escolas distintas das criadas pelo Poder Público quando atenderem aos padrões mínimos de ensino determinados pelo Estado bem como de fazer com que seus filhos recebam educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções além da liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir instituições de ensino que obedeçam aos padrões mínimos determinados pelo Estado Os Estados Partes pelo Pacto reconhecem ainda a cada indivíduo o direito de participar da vida cultural desfrutar o processo científico e suas aplicações bem como beneficiarse da proteção de interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica literária ou artística de que seja autor Comprometemse a respeitar a liberdade indispensável à investigação científica e à atividade criadora Na Parte IV composta pelos arts 16 a 25 o Pacto estabelece a obrigatoriedade de os Estados Partes apresentarem relatórios sobre as medidas adotadas e sobre os progressos realizados com o objetivo de assegurar a observância dos direitos econômicos sociais e culturais Os relatórios devem ser encaminhados ao SecretárioGeral da ONU que enviará cópias ao Conselho Econômico e Social 138 para exame bem como às agências especializadas se os relatórios ou as partes a ele pertinentes tenham relação com matérias da competência desses organismos art 16 Houve ainda uma importante lacuna não foi criado um Comitê específico para monitorar o cumprimento do PIDESC pelos Estados tal como ocorreu com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Comitê de Direitos Humanos Essa diferença entre os dois Pactos evidenciava à época da redação 1966 o desejo dos Estados de não exigir para os direitos sociais econômicos e culturais a mesma força vinculante dos direitos civis e políticos Contudo em 1985 o Conselho Econômico e Social da ONU decidiu transformar um grupo de trabalho sobre o cumprimento do Pacto no Comitê de Direitos Sociais Econômicos e Culturais composto por 18 especialistas Resolução n 198517 de 28 de maio de 1985 Para suprir essa lacuna foi adotado em 2008 o Protocolo Facultativo ao PIDESC que criou por meio de um tratado internacional o Comitê de Direitos Sociais Econômicos e Culturais ver abaixo Por fim a Parte V integrada por seis artigos arts 26 a 31 estabelece a forma de assinatura ratificação e adesão ao Pacto art 26 a entrada em vigor art 27 o procedimento para emenda do Pacto art 29 bem como a aplicação do Pacto a todas as unidades constitutivas dos Estados Federativos art 28 31 PROTOCOLO FACULTATIVO AO PIDESC O Protocolo Facultativo ao Pacto sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais foi aprovado em 10 de dezembro de 2008 pela Assembleia Geral da ONU por ocasião do 60º aniversário da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos Como atingiu o mínimo de 10 ratificações o Protocolo entrou em vigor em 2013 mas o Brasil ainda não o ratificou Possui em 2019 somente 24 Estados partes Tendo em vista que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais previa apenas o mecanismo de informes gerais o Protocolo Facultativo veio contribuir para a efetivação dos direitos econômicos sociais e culturais ao combinar o sistema de petições o procedimento de investigação e as medidas provisionais cautelares reafirmando assim a exigibilidade e a justiciabilidade de tais direitos e os equiparando finalmente ao regime jurídico internacional dos direitos civis e políticos O Protocolo é composto por 22 artigos O art 1º prevê a competência do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 139 para receber petições individuais ou no interesse de indivíduos e grupos de indivíduos que noticiem violação de direitos econômicos sociais e culturais realizadas pelo Estado Parte Este deve tomar todas as medidas necessárias para garantir que os indivíduos sob sua jurisdição não sejam submetidos a maustratos ou intimidação em decorrência de terem recorrido ao Comitê art 13 Esse Comitê não estava previsto no Pacto tendo sido criado por resolução do Conselho Econômico e Social Com o Protocolo o Comitê ganha inserção formal em um tratado Para que a comunicação possa ser admitida deve haver o prévio esgotamento dos recursos internos exceto quando a aplicação dos recursos seja injustificadamente prolongada A comunicação deve ser declarada inadmissível nas seguintes hipóteses i quando não for submetida ao Comitê no prazo de um ano após exauridos os recursos internos salvo se o autor demonstrar que não havia possibilidade de submetêla dentro da data limite ii quando a matéria já tiver sido examinada pelo Comitê ou tenha sido submetida a exame ou esteja sendo examinada por outro procedimento de investigação ou acordo internacional iii quando for incompatível com as disposições do Pacto iv bem como quando os fatos de que trata tenham ocorrido anteriormente à entrada em vigor do Protocolo para o Estado Parte interessado exceto se tenham continuado a ocorrer Também não serão admitidas as comunicações manifestamente mal fundamentadas não suficientemente comprovadas ou exclusivamente baseadas em relatos difundidos pela mídia quando representarem um abuso do direito de submeter uma comunicação quando forem anônimas ou não apresentadas por escrito Ademais o Comitê pode declinar comunicações que não revelem clara desvantagem a menos que considere que a comunicação levanta séria questão de importância geral O Comitê deve levar as comunicações submetidas a ele para conhecimento do Estado Parte interessado de maneira confidencial No prazo de seis meses o Estado deve submeter ao Comitê explicações ou declarações por escrito Observese que este considerará se as medidas tomadas pelo Estado foram razoáveis ocasião em que deverá observar que o Estado pode adotar uma série de possíveis medidas políticas para a implementação dos direitos econômicos sociais e culturais Com efeito tais direitos demandam prestações do Estado que podem ser concretizadas por uma infinidade de formas O Protocolo possibilita ainda que o Comitê transmita ao Estado Parte interessado pedido de medidas provisórias para sua urgente consideração com a finalidade de evitar possíveis danos irreparáveis em circunstâncias excepcionais a qualquer tempo depois do reconhecimento da comunicação e antes da decisão de mérito art 5 Ademais o Comitê pode disponibilizar os seus bons préstimos para a finalidade de se alcançar um acordo amigável entre as partes interessadas o qual encerrará a consideração da comunicação art 6 Além do sistema de petição individual ou no interesse de indivíduos pode haver também o procedimento entre os Estados também chamado de mecanismo interestatal art 10 por meio do qual se reconhece a competência do Comitê para receber comunicações em que o Estado Parte alega que outro não está cumprindo as obrigações previstas no Pacto Observese que o Estado que reconheceu a competência é que vai acionar o Estado que supostamente esteja violando os direitos econômicos sociais e culturais por meio de comunicação escrita Outro mecanismo estabelecido no Protocolo com a finalidade de fornecer meios para fazer cessar violações a direitos econômicos sociais e culturais é o procedimento de investigação arts 11 e 12 por meio do qual o Comitê convida o Estado Parte a cooperar no exame de informações caso receba informação confiável que indique graves ou sistemáticas violações pelo Estado de qualquer um dos direitos arrolados no Pacto Quando for apropriado com o consentimento do Estado Parte a investigação poderá incluir visita ao seu território Observe se que o Estado Parte pode declarar a qualquer tempo que reconhece tal competência bem como pode retirar sua declaração mediante notificação ao SecretárioGeral Dentre as medidas de assistência e cooperação internacional o Protocolo prevê a criação de um fundo fiduciário com a finalidade de assegurar a expertise e a assistência técnica aos Estados Partes para a implementação efetiva dos direitos econômicos sociais e culturais art 14 QUADRO SINÓTICO Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais Direitos econômicos sociais e culturais são de realização progressiva o que não exclui a obrigatoriedade de sua realização pelo Estado e a sua exigibilidade pela via judicial Principais direitos garantidos Direito ao trabalho Direito ao gozo de condições de trabalho equitativas e satisfatórias Direito de toda pessoa à previdência social Direito de toda pessoa fundar sindicatos e filiarse àqueles de sua escolha Direito de greve Direito à proteção e assistência familiar especialmente a mães e crianças Direito a um nível adequado de vida incluindo alimentação vestimenta moradia Direito à saúde física e mental Direito à educação Direito de participar da vida cultural desfrutar o processo científico e suas aplicações bem como beneficiarse da proteção de interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica literária ou artística de que seja autor Mecanismo de monitoramento do Pacto Relatórios periódicos ao Conselho Econômico e Social Mecanismo de efetivação dos direitos previstos no Protocolo Facultativo Comunicação individual ou no interesse de indivíduos ou grupos de indivíduos Procedimento interestatal Procedimento de investigação Medidas provisórias cautelares 4 Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura A Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura foi adotada em Genebra em 7 de setembro de 1956 Sucedeu a Convenção sobre Escravatura de 1926 emendada pelo Protocolo de 1953 com o intuito de intensificar os esforços para abolir a escravidão o tráfico de escravos e as instituições e práticas análogas à escravidão Possui em 2019 124 Estados partes O tratado veio em resposta a um problema persistente em todo o mundo que vem a ser as práticas análogas à escravidão também denominadas escravidão contemporânea O último país a abolir oficialmente a escravidão foi a Mauritânia pelo Decreto n 81234 somente em novembro de 1981 mas episódios de redução a condição análoga de escravo ainda ocorrem no mundo inclusive no Brasil No Brasil a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo n 66 de 1965 junto da Convenção sobre a escravatura assinada em Genebra em 25 de setembro de 1926 e emendada pelo Protocolo aberto à assinatura em 7 de dezembro de 1953 Em 6 de janeiro de 1966 foi efetuado o depósito do instrumento brasileiro de adesão junto ao SecretárioGeral das Nações Unidas e por meio do Decreto n 58563 de 1º de junho de 1966 deuse a promulgação A Convenção possui 15 artigos divididos em seis Seções A Seção IV é responsável por apresentar as definições utilizadas para os fins da Convenção Definese a escravidão repetindo o texto de 1926 como o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade sendo escravo aquele indivíduo que se encontra nessa condição Tráfico de escravos para a Convenção significa e compreende todo ato de captura aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizálo todo ato de um escravo para vendêlo ou trocálo todo ato de cessão por venda ou troca de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada assim como em geral todo ato de comércio ou transporte de escravos seja qual for o meio de transporte empregado Finalmente pessoa de condição servil é definida como a pessoa que se encontra em estado ou condição que resulte de alguma das instituições ou práticas consideradas análogas à escravidão São elas i a servidão por dívidas que é o o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer em garantia de uma dívida seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida ii a servidão entendida como a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei pelo costume ou por um acordo a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa contra remuneração ou gratuitamente determinados serviços sem poder mudar sua condição iii a instituição ou prática por meio da qual a mulher sem que possa recusar é prometida ou dada em casamento mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais tutor família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas iv a instituição ou prática por meio da qual o marido a família ou o clã tenha o direito de ceder a mulher a um terceiro a título oneroso ou não v a instituição ou prática por meio da qual a mulher possa ser transmitida com a morte do marido por sucessão a outra pessoa e vi a instituição ou prática em virtude da qual a criança ou o adolescente com menos de 18 anos seja entregue a um terceiro mediante remuneração ou não com a finalidade de sua exploração ou de seu trabalho Essa convenção está em linha com os demais tratados e normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos a começar pela própria Declaração Universal dos Direitos Humanos que estabelece em seu art 4º que ninguém será mantido em escravidão ou servidão e que a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas Por sua vez o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prevê em seu art 8º numerais 1 e 2 que ninguém poderá ser submetido à escravidão bem como que a escravidão e o tráfico de escravos em todos as suas formas ficam proibidos além de dispor que ninguém poderá ser submetido à servidão A Organização Internacional do Trabalho OIT em 1957 adotou a Convenção n 105 concernente à abolição do Trabalho forçado 140 Além disso a OIT previu a proibição da escravidão e suas práticas análogas na Convenção n 182 de 1999 sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e a ação imediata para sua eliminação 141 No que tange ao Direito Internacional Humanitário o Protocolo Adicional II às Convenções de Genebra 142 prevê que são e permanecerão proibidos em qualquer tempo ou lugar a escravidão e o tráfico de escravos em todas as suas formas art 42 f Também o Estatuto do Tribunal Internacional Penal 143 estipula que a escravidão pode constituirse em crime contra a humanidade definindoa como o exercício relativamente a uma pessoa de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas em particular mulheres e crianças art 72 c Assim os textos internacionais estão em linha com a Convenção de 1956 ora analisada que definiu a escravidão também chamada de escravidão clássica ou chattel como sendo o estado ou a condição de uma pessoa sobre a qual há o exercício de algum ou de todos os poderes que decorrem do direito de propriedade fixando seus dois elementos tradicionais 1 estado ou condição da vítima e 2 exercício de um ou mais atributos do direito de propriedade O primeiro elemento é comprovado quer exista uma situação jurídica reconhecida escravidão de jure que é o chattel também chamada de escravidão tradicional ou uma situação de facto Nessa linha a jurisprudência internacional alargou também o conceito de escravidão adaptandoo às formas fáticas de escravidão contemporâneas considerando que a diferença com a escravidão tradicional de jure chattel é apenas de grau 144 Nesse sentido o Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia enumerouse indicadores da existência de escravidão contemporânea em um caso concreto a restrição ou eliminação da autonomia e da liberdade de movimento b busca de benefício ao ofensor c ausência de consentimento ou consentimento viciado por quadro de abuso e violência d o abuso de poder explorando a vulnerabilidade da vítima e a exploração feita por exemplo pela obrigatoriedade de trabalho prostituição entre outras formas e f situação de tráfico de pessoas 145 Essa lista de indicativos não é exaustiva e depende do caso concreto Assim a proibição completa da escravidão e sua inserção como crime contra a humanidade é hoje norma costumeira do Direito Internacional 146 e a Convenção Suplementar de 1956 ora analisada é importante porque estendeu tal vedação a instituições e práticas análogas à escravidão como a servidão por dívidas Em 20 de outubro de 2016 a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pela violação do direito a não ser submetido a escravidão e tráfico de pessoas previsto no art 61 da Convenção Americana de Direitos Humanos no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil 147 Em 20 de outubro de 2016 a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pela violação do direito a não ser submetido a escravidão e tráfico de pessoas previsto no art 61 da Convenção Americana de Direitos Humanos no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil Para a Corte IDH a proibição da escravidão é norma imperativa do Direito Internacional jus cogens e implica em obrigações erga omnes sendo imposto aos Estados quando tomam conhecimento de um ato constitutivo de escravidão servidão ou tráfico de pessoas iniciar a investigação estabelecer as responsabilidades dos escravizadores 148 Voltando à Convenção de 1956 sua Seção I composta pelos arts 1º e 2º cuida de tais instituições e práticas análogas à escravidão O Estado Parte se compromete por meio dela a tomar medidas legislativas ou de outra natureza que sejam necessárias e viáveis para obter progressivamente a abolição das instituições e práticas análogas à escravidão e especialmente fixar idades mínimas adequadas para o casamento estimular a adoção de processos que permitam aos futuros cônjuges exprimir seu livre consentimento ao casamento bem como fomentar registros de casamento A Seção II composta pelos arts 3º e 4º diz respeito ao tráfico de escravos que consiste no ato de transportar ou tentar transportar escravos de um país a outro por qualquer meio de transportes e apresenta uma série de mandados de criminalização quanto a esse ato Novamente o Direito Internacional dos Direitos Humanos conta com o instrumento penal para fazer valer os direitos fundamentais A Convenção determina que a prática de tráfico de escravos ou a cumplicidade nele deverá constituir infração penal devendo ser as penas cominadas rigorosas nos termos do art 3º Além disso os Estados Partes ficam obrigados a tomar todas as medidas necessárias para impedir que navios e aeronaves autorizados a arvorar suas bandeiras transportem escravos bem como para punir os responsáveis por esse ato ou por utilizar o pavilhão nacional para essa finalidade Ademais os Estados Partes deverão tomar as medidas necessárias para que seus portos seus aeroportos e suas costas não possam servir para o transporte de escravos Como uma importante medida para garantir o objetivo da Convenção estabelecese que todo escravo que se refugiar a bordo de um navio de Estado Parte será livre ipso facto Na Seção III composta pelos arts 5º e 6º a Convenção versa sobre a escravidão e instituições e práticas análogas à escravidão Por meio dela o ato de escravizar uma pessoa ou de incitála a alienar sua liberdade ou a de alguém na sua dependência para escravizála deverá constituir infração penal bem como a participação nesse ato a tentativa ou a cumplicidade neles a submissão ou o incitamento a submissão de uma pessoa na sua dependência a uma condição resultante de alguma das instituições ou práticas análogas à escravidão Nos Estados em que a escravidão ou as instituições e práticas análogas à escravidão não estejam ainda completamente abolidas a Convenção prevê que o ato de mutilar de marcar com ferro em brasa ou por qualquer outro processo um escravo ou uma pessoa de condição servil para indicar sua condição infligir um castigo ou por qualquer outra razão bem como a cumplicidade em tais atos deverá constituir infração penal A Seção V versa sobre a cooperação entre os Estados Partes e com a ONU para a aplicação das disposições da Convenção e a comunicação de informações Finalmente a Seção VI composta pelos arts 9º a 15 traz as cláusulas finais da Convenção No art 9º estabelecese que não se admitirá nenhuma reserva à Convenção Devese ressaltar ademais que qualquer litígio que surgir entre os Estados Partes em relação à Convenção quanto a sua interpretação ou aplicação quando não resolvido por meio de negociação será submetido à Corte Internacional de Justiça a pedido de uma das Partes se não decidirem resolver a situação de outra maneira QUADRO SINÓTICO Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura Definições Escravidão o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade sendo escravo aquele indivíduo que se encontra nessa condição Tráfico de escravos significa e compreende todo ato de captura aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizálo todo ato de um escravo para vendêlo ou trocálo todo ato de cessão por venda ou troca de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada assim como em geral todo ato de comércio ou transporte de escravos seja qual for o meio de transporte empregado Pessoa de condição servil pessoa que se encontra em estado ou condição que resulte de alguma das instituições ou práticas consideradas análogas à escravidão São elas i a servidão por dívidas que é o o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer em garantia de uma dívida seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida ii a servidão entendida como a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei pelo costume ou por um acordo a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa contra remuneração ou gratuitamente determinados serviços sem poder mudar sua condição iii a instituição ou prática por meio da qual a mulher sem que possa recusar é prometida ou dada em casamento mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais tutor família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas iv a instituição ou prática por meio da qual o marido a família ou o clã tenha o direito de ceder a mulher a um terceiro a título oneroso ou não v a instituição ou prática por meio da qual a mulher possa ser transmitida com a morte do marido por sucessão a outra pessoa e vi a instituição ou prática em virtude da qual a criança ou o adolescente com menos de 18 anos seja entregue a um terceiro mediante remuneração ou não com a finalidade de sua exploração ou de seu trabalho Mecanismo de monitoramento Não foi previsto um mecanismo internacional Por outro lado a Convenção contém uma série de mandados de criminalização para os Estados Partes 5 Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio Tendo vista o reconhecimento do genocídio como crime de jus cogens bem como da necessidade de cooperação internacional para extirpálo a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio foi aprovada e proposta para assinatura e ratificação ou adesão pela Resolução n 260 A III da Assembleia Geral das Nações Unidas em 9 de dezembro de 1948 Possui em 2019 152 Estados partes Foi editada como resposta às barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial Entrou em vigor internacional em 12 de janeiro de 1951 conforme determina seu artigo XIII É o primeiro tratado que estabelece expressamente o conceito de genocídio cunhado em obra doutrinária de Lemkin em 1944 ao se referir às técnicas nazistas de ocupação de território na Europa tendo se inspirado nas partículas genos raça tribo e cídio assassinato 149 No Brasil a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo n 2 de 11 de abril de 1951 e o instrumento de ratificação foi depositado no secretariado geral da ONU em 15 de abril de 1952 Finalmente foi promulgada pelo Decreto n 30822 de Getúlio Vargas em 6 de maio de 1952 A Convenção é composta por dezenove artigos O art 1º enuncia que o genocídio quer seja cometido em tempo de paz quer em tempo de guerra é um crime internacional e os Estados Contratantes se comprometem por meio dela a prevenilo e a punilo Em seu art 2º a Convenção é pioneira em definir o genocídio que consiste na prática de quaisquer atos cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso tais como assassinato de membros do grupo atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física total ou parcial medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo e a transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo Exigese então o dolo específico de destruir em todo ou em parte o grupo nacional étnico racial ou religioso De acordo com a Convenção são punidos não só o genocídio mas também o acordo com vista a cometêlo o seu incitamento direto e público a tentativa e a cumplicidade nele art 3º As punições poderão ser aplicadas tanto a governantes e funcionários quanto a particulares ressaltandose novamente a eficácia horizontal dos direitos humanos art 4º A Convenção impede a consideração de tais atos como crimes políticos para fins de extradição obrigandose os Estados a conceder a extradição de acordo com a legislação e os tratados em vigor art 7º Por meio da Convenção as Partes ficam obrigadas a adotar as medidas legislativas necessárias para assegurar sua aplicação especialmente para prever sanções penais eficazes mandado de criminalização que recaiam sobre as pessoas que tenham praticado qualquer um dos atos supramencionados art 5º As pessoas acusadas da prática de genocídio ou aos atos a ele relacionados previstos no art 3º devem ser julgadas por tribunais competentes do Estado em cujo território o ato tenha sido cometido ou por tribunal criminal internacional que tiver competência quanto às Partes Contratantes que tenham reconhecido a sua jurisdição art 6º Esse tratado é o primeiro a entrar em vigor trazendo menção a um tribunal criminal internacional que seria constituído para julgar o genocídio Contudo somente em 1998 com o Estatuto de Roma que entrou em vigor em 2002 ver Parte II Capítulo VI sobre o TPI foi constituído o primeiro Tribunal Penal Internacional permanente apto a julgar crime de genocídio O Tribunal Internacional Militar de Nuremberg não julgou o crime de genocídio pois se entendeu que esse crime ainda não tinha sido tipificado no Direito Internacional É possível que as Partes Contratantes recorram aos órgãos competentes da ONU para que estes tomem as medidas que julgarem apropriadas para a prevenção e a repressão dos atos de genocídio de acordo com a Carta das Nações Unidas art 8º Ademais discrepâncias quanto à interpretação aplicação ou execução da Convenção poderão ser submetidas à Corte Internacional de Justiça CIJ a pedido de uma das partes envolvidas na questão art 9º Aproveitando desse dispositivo a Bósnia processou a Sérvia perante a CIJ acusandoa de envolvimento com a prática de genocídio contra os bósnios muçulmanos durante a guerra de secessão na exIugoslávia CIJ Caso da Aplicação da Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio j 2622007 Ao final a Corte Internacional de Justiça apenas condenou a Sérvia por se omitir na prevenção do genocídio mas considerou improcedente a acusação de ter praticado genocídio nos atos bárbaros praticados por forças paramilitares em especial no massacre da comunidade mulçumana de Srebrenica no qual se calcula que 8 mil pessoas tenham sido assassinadas Além de declarar o descumprimento do dever de prevenção a Corte condenou a Sérvia a transferir as pessoas acusadas a pedido do Tribunal Internacional Penal da exIugoslávia cooperando plenamente com aquele Tribunal Em 2015 a CIJ julgou o segundo caso de genocídio envolvendo a guerra de secessão da Iugoslávia em demanda promovida pela Croácia contra a Sérvia Neste caso a CIJ julgou improcedente a ação bem como a reconvenção counterclaim proposta pela Sérvia que acusou a Croácia da prática de genocídio Em ambas as situações ação e reconvenção a CIJ considerou que o genocídio envolve dois elementos i a prática dos atos já listados e ii a intenção de praticar o genocídio Nos casos provados de atos listados como de genocídio atribuídos à Croácia e Sérvia a Corte considerou que não foi provada a intenção Assim julgou improcedente tanto a ação quanto a reconvenção CIJ Caso da Aplicação da Convenção de Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio julgamento de 3 de fevereiro de 2015 Observese que se previu que a Convenção duraria dez anos contados da data de entrada em vigor Após esse período passaria a ficar em vigor por cinco anos e assim sucessivamente para as Partes Contratantes que não a tivessem denunciado seis meses pelo menos antes de expirar o termo art 14 QUADRO SINÓTICO Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio Definição de genocídio todos os atos de assassinato de membros do grupo atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física total ou parcial medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo a transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo desde que tais atos sejam cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso 6 Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade Assinada em Nova York em 26 de novembro de 1968 a Convenção sobre imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade entrou em vigor em 11 de novembro de 1970 90 dias após o depósito do décimo instrumento de ratificação Possui em 2019 55 Estados partes O objetivo da Convenção em apenas 11 artigos é evitar que regras prescricionais de direito interno impeçam a persecução e punição dos responsáveis por crimes de guerra e crimes contra a humanidade O art 1º prevê a imprescritibilidade independentemente da data dos fatos para i crimes de guerra definidos no Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg e na Convenção de Genebra para a proteção das vítimas de guerra de 1949 ii os crimes contra a humanidade definidos no Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg bem como a evicção por ataque armado a ocupação e atos inumados resultantes de práticas de apartheid e o crime de genocídio definido na Convenção para prevenção e repressão do crime de genocídio de 1948 Já o art 2º estipula que tais crimes são imprescritíveis em relação a representantes de Estado e indivíduos que tenham participado na qualidade de autores partícipes ou cúmplices assim como aqueles que tenham incitado conspirado ou tolerado a sua perpetração Os arts 3º e 4º preveem o dever dos Estados partes de adotar medidas para adequar suas legislações para permitir a extradição para fins de persecução e punição dos responsáveis pela prática dos crimes de guerra e contra a humanidade bem como para assegurar a sua imprescritibilidade no que diz respeito à pretensão punitiva e executória Ao final os arts 5º a 11 trazem disposições procedimentais da Convenção relativas a sua assinatura ratificação adesão entrada em vigor revisão e depósito A ausência de ratificação pelo Brasil desta Convenção não altera o regime jurídico gravoso consuetudinário dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra Há sólido costume internacional de imprescritibilidade desses crimes formado a partir da edição da Resolução n 95 de 1946 da Assembleia Geral da ONU que sucintamente afirmou os princípios do direito internacional reconhecidos nos julgamentos realizados pelo Tribunal de Nuremberg 150 Em 1947 a Comissão de Direito Internacional da ONU foi incumbida de codificar os princípios utilizados em Nuremberg para consolidar o avanço do Direito Internacional Penal Em 1950 a Comissão de Direito Internacional aprovou os seguintes sete princípios também chamados de princípios de Nuremberg 1º Todo aquele que comete ato que consiste em crime internacional é passível de punição 2º lei nacional que não considera o ato crime é irrelevante 3º as imunidades locais são irrelevantes 4º a obediência às ordens superiores não são eximentes 5º todos os acusados têm direito ao devido processo legal 6º são crimes internacionais os julgados em Nuremberg 7º conluio para cometer tais atos é crime 151 A Res n 95 e o trabalho feito pela Comissão de Direito Internacional foram posteriormente endossados pela prática dos Estados e reconhecidos em precedentes internacionais como espelhos do costume internacional Nesse sentido a Res n 3074 XXVIII de 1973 da Assembleia Geral da ONU consagrou a obrigação geral de eliminação de óbices internos ao combate internacional aos crimes de jus cogens proclamando a necessidade de cooperação dos Estados para punir os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade 152 Na jurisprudência internacional o Tribunal Internacional Penal para a exIugoslávia reconheceu o caráter costumeiro dos princípios de Nuremberg no julgamento do Caso Tadic 153 A Corte Interamericana de Direitos Humanos possui entre outros precedentes os julgamentos dos casos La Cantuta 154 Almonacid Arellano Neste último julgamento a Corte IDH determinou que a imprescritibilidade desses crimes não foi criada pela Convenção ora analisada mas sim foi constatada por ela 155 Por fim não é incomum que o Direito Internacional possua normas contidas em tratados e também em costume internacional Por isso a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados estabeleceu que uma regra prevista em um tratado pode se tornar obrigatória para Estados não partes caso seja uma regra consuetudinária de Direito Internacional art 38 Por exemplo as normas internacionais de Direito Internacional Humanitário estão contidas por exemplo nas Convenções de Genebra de 1949 vide supra sendo ainda os princípios elementares de direito humanitário de natureza costumeira vinculando todos os Estados Nessa linha a Corte Internacional de Justiça determinou que os princípios de direito humanitário são princípios elementares de humanidade pelo que todos os Estados devem cumprir essas normas fundamentais tenham ou não ratificado todos os tratados que as estabelecem porque constituem princípios invioláveis do Direito Internacional Consuetudinário 156 Por isso o Brasil deve cumprir a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra mesmo não tendo ainda ratificado a presente convenção Em 2016 o STF decidiu contra a imprescritibilidade dos crimes de jus cogens por apertada maioria 6 x 5 na extradição requerida pela Argentina de acusado de sequestrar e assassinar militantes políticos de esquerda entre 1973 e 1975 o que corresponderia em abstrato aos crimes previstos nos arts 288 parágrafo único associação criminosa armada 148 sequestro e cárcere privado e 121 homicídio todos do Código Penal CP Para a maioria os crimes analisados estavam prescritos de acordo com a lei brasileira tendo em vista que o Brasil não subscreveu a Convenção ora em análise impedindo que seu conteúdo vinculasse o país Extradição n 1362Argentina relator para o acórdão Min Teori Zavascki julgamento finalizado em 9112016 Votaram pelo indeferimento da extradição os Ministros Teori Zavascki Celso de Mello Luiz Fux Dias Toffoli Gilmar Mendes e Marco Aurélio vencidos os Ministros Edson Fachin relator original Roberto Barroso Ricardo Lewandowski e as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber Para o relator vencido Min Edson Fachin a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade decorre de norma imperativa costumeira do direito internacional integrante do regime internacional dos direitos humanos Conforme consta do voto do Min Fachin Como se depreende das razões apresentadas pelo Ministério Público a imprescritibilidade estaria fundada em norma costumeira cogente Assim para se reconhecer a imprescritibilidade dos delitos imputados ao extraditando é preciso examinar se essa disposição normativa pode ser por meio do direito internacional aplicável ao país A resposta é afirmativa Isso porque de acordo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos são imprescritíveis os crimes contra a humanidade 157 Esse voto é um marco no reconhecimento do i papel das normas costumeiras internacionais no ordenamento brasileiro e ii da natureza de jus cogens norma imperativa de determinadas previsões de proteção de direitos humanos 7 Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados foi concluída em Genebra em 28 de julho de 1951 e adotada pela Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas convocada pela Resolução n 429 V da Assembleia Geral das Nações Unidas de 14 de dezembro de 1950 Possui em 2019 146 Estados partes Inicialmente a Convenção possuía uma limitação temporal para acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e geográfica da definição de refugiado somente para os eventos ocorridos na Europa Em 1967 foi adotado o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados que eliminou tais limitações Esse Protocolo foi firmado com a finalidade de se aplicar a proteção da Convenção a outras pessoas que não apenas aquelas que se tornaram refugiadas em resultado de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 O texto do Protocolo possui onze artigos dentre os quais aquele que prevê a cooperação das autoridades nacionais com o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e seu dever de fornecer informações e dados estatísticos sobre a condição de refugiados a aplicação do Protocolo e sobre as leis regulamentos e decretos que possam vir a ser aplicáveis em relação aos refugiados artigo II No Brasil a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n 11 de 7 de julho de 1960 com exclusão dos seus arts 15 direito de associação e 17 exercício de atividade profissional assalariada Em 15 de novembro de 1960 foi depositado junto ao SecretárioGeral da ONU o instrumento de ratificação e a Convenção foi promulgada pelo Decreto n 50215 de 28 de janeiro de 1961 O Protocolo de 1967 foi promulgado internamente com o Decreto n 70946 de 7 de agosto de 1972 tendo sido superada a limitação temporal Quanto à barreira geográfica esta foi derrubada somente em 19 de dezembro de 1989 por meio do Decreto n 98602 Pelo Decreto n 99757 de 1990 o Governo brasileiro retirou as reservas aos arts 15 e 17 da Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados ficaram derrubadas também as restrições quanto ao direito de associação e exercício de atividade profissional assalariada aos refugiados A Convenção é formada por 46 artigos divididos em sete capítulos disposições gerais situação jurídica empregos remunerados bemestar medidas administrativas disposições executórias e transitórias cláusulas finais Combinandose o que determina o art 1º do Protocolo com o art 1º da Convenção podese definir refugiado como pessoa que é perseguida ou tem fundado temor de perseguição por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas e encontra se fora do país de sua nacionalidade ou residência e que não pode ou não quer voltar a tal país em virtude da perseguição ou fundado temor de perseguição A proteção da Convenção poderá cessar em hipóteses nela expressamente discriminadas relacionadas ao fato de que a pessoa recuperou a nacionalidade voluntariamente ou voltou a se valer da proteção do país de que é nacional adquiriu nova nacionalidade e consequentemente a proteção do país cuja nacionalidade adquiriu voltou a estabelecerse voluntariamente no país que abandonou se deixaram de existir as circunstâncias em consequência das quais a pessoa foi reconhecida como refugiada A Convenção não é aplicável a pessoas que cometeram um crime contra a paz um crime de guerra ou um crime contra a humanidade conforme determinem instrumentos internacionais que cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidas como refugiados e que se tornaram culpadas de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas O art 2º da Convenção prevê as obrigações gerais de todo refugiado dentre as quais está a obrigação de respeitar as leis e regulamentos do país de acolhida assim como as medidas que visam a manutenção da ordem pública do país em que se encontra De outro lado os Estados se comprometem a aplicar as disposições da Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça à religião ou ao país de origem art 3º Ademais devem proporcionar aos refugiados tratamento proporcionado aos nacionais no que concerne à liberdade de praticar sua religião e no que concerne à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos art 4º No Capítulo II a Convenção versa sobre a situação jurídica dos refugiados O art 12 estabelece que o estatuto pessoal do refugiado será regido pela lei do país de seu domicílio ou na falta de domicílio pela lei do país de sua residência Ademais os direitos que tenha adquirido anteriormente que decorram do estatuto pessoal especialmente os que resultam do casamento devem ser respeitados pelo Estado Contratante ressalvado se for o caso o cumprimento das formalidades previstas pela legislação do Estado Quanto à aquisição de propriedade móvel ou imóvel e a outros direitos a ela referentes ao aluguel e aos outros contratos relativos a propriedade móvel ou imóvel os Estados Contratantes devem conceder ao refugiado um tratamento tão favorável quanto possível e não menos favorável do que é concedido nas mesmas circunstâncias aos estrangeiros em geral art 13 Quanto à propriedade industrial e à propriedade literária artística e científica o refugiado deve se beneficiar no país em que tem sua residência habitual da proteção que é conferida aos nacionais do referido país e no território de outros Estados Contratantes deve se beneficiar da proteção dada aos nacionais do país no qual tem sua residência habitual art 14 Ainda quanto à situação jurídica do refugiado a Convenção garante direitos de associação aos refugiados quanto a associações sem fins políticos e lucrativos e a sindicatos profissionais com o tratamento mais favorável concedido aos nacionais de um país estrangeiro art 15 Ademais garantese aos refugiados o direito de propor ações em juízo assegurandose o livre e fácil acesso aos tribunais com o mesmo tratamento recebido por um nacional incluindose aí a assistência judiciária e a isenção de cautio judicatum solvi 158 art 16 O Capítulo III cuida do exercício de empregos remunerados pelos refugiados determinando a aplicação do mesmo tratamento dispensado ao estrangeiro Para as profissões assalariadas art 17 garantese que os refugiados gozarão nas mesmas circunstâncias do tratamento conferido aos estrangeiros salvo quando medidas restritivas a estrangeiros forem impostas quando o refugiado delas estiver dispensado na data da entrada em vigor da Convenção para o Estado ou nas seguintes hipóteses residir há três anos no país ser cônjuge de pessoa nacional do país de residência ou ter filho ou filhos de nacionalidade do país de residência Também quanto às profissões não assalariadas na agricultura na indústria no artesanato no comércio e para instalação de firmas comerciais e industriais também deve ser concedido tratamento favorável ou não menos favorável que o concedido ao estrangeiro Finalmente também para o exercício das profissões liberais os refugiados terão tratamento tão favorável quanto possível e não menos favorável ao que é dado a estrangeiros desde que possuam diplomas reconhecidos pelas autoridades competentes do Estado O Capítulo IV arts 20 a 24 por sua vez contém disposições sobre o bemestar dos refugiados Inicialmente determina o tratamento do refugiado como o nacional em caso de racionamento de produtos de que há escassez art 20 assim como para o tratamento em matéria de assistência e de socorros públicos art 23 e oferecimento de ensino primário Quanto aos graus de ensino superiores ao primário os Estados devem dar aos refugiados um tratamento tão favorável quanto possível e em todo caso não menos favorável do que aquele que é dado aos estrangeiros em geral nas mesmas circunstâncias art 22 Quanto a alojamentos devese dar aos refugiados o tratamento tão favorável quanto possível e em todo caso tratamento não menos favorável do que aquele que é dado nas mesmas circunstâncias aos estrangeiros em geral art 21 Quanto à legislação do trabalho os Estados Contratantes podem dar aos refugiados que residam regularmente no seu território o mesmo tratamento dado aos nacionais relativamente a remuneração duração do trabalho horas suplementares férias pagas restrições ao trabalho doméstico idade mínima para o emprego aprendizado e formação profissional trabalho das mulheres e dos adolescentes e gozo das vantagens proporcionadas pelas convenções coletivas Também recebem o mesmo tratamento dado aos nacionais quanto a previdência social acidentes do trabalho moléstias profissionais maternidade doença invalidez velhice morte desemprego encargos de família além de qualquer outro risco que esteja previsto no sistema de previdência social conforme determina o art 24 O Capítulo V arts 25 a 34 versa ainda sobre medidas administrativas relativas aos refugiados Primeiramente o refugiado deve receber do Estado assistência administrativa para o exercício de direitos que normalmente exigem assistência estrangeira porque evidentemente não podem com ela contar art 25 Qualquer refugiado que não possua documento de viagem válido deverá receber do Estado Contratante documento de identidade art 27 e documentos de viagem para que possam viajar para fora do território salvo por razões imperiosas de segurança nacional ou ordem pública art 28 Com efeito aos refugiados é garantida a liberdade de movimento para escolherem sua residência e circularem no território livremente com as reservas aplicáveis aos estrangeiros art 26 Os refugiados também não poderão ser submetidos a emolumentos alfandegários taxas e impostos além do que cobrados dos seus nacionais em situações análogas art 29 e o Estado deve permitir que transfiram os bens necessários à sua reinstalação para outro país art 30 Os refugiados em situação irregular no país de refúgio não serão submetidos a sanções caso se apresentem sem demora às autoridades e expuserem razões aceitáveis para sua entrada ou presença irregulares e apenas restrições necessárias podem ser impostas ao seu deslocamento art 31 Ademais o refugiado que estiver regularmente em um território não poderá ser expulso salvo por motivos de segurança nacional ou ordem pública mediante decisão judicial proferida em atendimento ao devido processo legal O refugiado não poderá ser expulso ou rechaçado para fronteiras de territórios em que sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em decorrência de sua raça religião nacionalidade grupo social a que pertença ou opiniões políticas o que consagra o princípio do non refoulement proibição do rechaço O princípio da proibição do rechaço entretanto não poderá ser invocado se o refugiado for considerado por motivos sérios um i perigo à segurança do país ou ii se for condenado definitivamente por um crime ou delito particularmente grave constitua ameaça para a comunidade do país no qual ele se encontre art 33 Obviamente o Estado deve fundamentar esse rechaço evitando que essa cláusula seja utilizada arbitrariamente simplesmente para diminuir o número de solicitantes de refúgio no Estado de acolhida Por fim a Convenção prevê que os Estados Contratantes devem facilitar na medida do possível a naturalização dos refugiados esforçandose para acelerar o processo e reduzir suas taxas e despesas art 34 O Capítulo VI traz as disposições executórias e transitórias arts 35 a 37 dentre as quais a necessidade de cooperação dos Estados Contratantes com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados art 35 e finalmente o Capítulo VII apresenta as cláusulas finais da Convenção arts 38 a 46 QUADRO SINÓTICO Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados e Protocolo Facultativo Definição de refugiado A pessoa que temendo ser perseguida por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas encontrase fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou em virtude desse temor não quer valerse da proteção desse país ou que se não tem nacionalidade Direito de receber dos Estados Partes tratamento pelo menos tão favorável como o que é proporcionado aos nacionais no que concerne à liberdade de praticar sua religião e no que concerne à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos Direitos de associação quanto a associações sem fins políticos e lucrativos e a sindicatos profissionais Direito de propugnar em juízo assegurandose o livre e fácil acesso aos tribunais com o mesmo tratamento recebido por um nacional incluindose aí a assistência judiciária e a isenção de cautio judicatum solvi Direito a receber o mesmo tratamento dispensado ao estrangeiro no exercício de empregos remunerados Direito a receber tratamento concedido ao nacional em caso de racionamento de produtos de que há escassez Direito a receber tratamento concedido ao nacional em matéria de assistência e de socorros públicos Direito a receber tratamento concedido ao nacional em matéria de oferecimento de ensino primário Quanto aos graus de ensino superiores ao primário os Estados devem dar aos refugiados um tratamento tão favorável quanto possível e em todo caso não menos favorável do que aquele que é dado aos estrangeiros em geral nas mesmas circunstâncias Direito de receber tratamento para a concessão de alojamentos tão favorável quanto possível e em todo caso não menos favorável do que aquele que é dado nas mesmas circunstâncias aos estrangeiros em geral Direito a receber o mesmo tratamento dado aos nacionais quanto à legislação do trabalho relativamente a remuneração duração do trabalho horas suplementares férias pagas restrições ao trabalho doméstico idade mínima para o emprego aprendizado e formação profissional trabalho das mulheres e dos adolescentes e gozo das vantagens proporcionadas pelas convenções coletivas Direito de receber o mesmo tratamento dado aos nacionais quanto a previdência social acidentes do trabalho moléstias profissionais maternidade doença invalidez velhice morte desemprego encargos de família além de qualquer outro risco que esteja previsto no sistema de previdência social Direito de receber do Estado assistência administrativa para o exercício de direitos que normalmente exigem assistência estrangeira Direito de receber do Estado Contratante documento de identidade quando não possua documento de viagem válido e documentos de viagem para viajar para fora do território Direito à liberdade de movimento para escolha da residência e para circulação no território de livremente com as reservas aplicáveis aos estrangeiros Direito de não ser submetido a emolumentos alfandegários taxas e impostos além do que cobrados dos seus nacionais em situações análogas Direito de não ser submetido a sanções caso o refugiado se apresente sem demora às autoridades e exponha razões aceitáveis para sua entrada ou presença irregulares direito de que apenas restrições necessárias podem ser impostas ao seu deslocamento Direito de não ser expulso salvo por motivos de segurança nacional ou ordem pública mediante decisão judicial proferida em atendimento ao devido processo legal Situação jurídica do refugiado Estatuto pessoal do refugiado é regido pela lei do país de seu domicílio ou na falta de domicílio pela lei do país de sua residência Os direitos que tenha adquirido anteriormente que decorram do estatuto pessoal especialmente os que resultam do casamento devem ser respeitados pelo Estado Contratante ressalvado se for o caso o cumprimento das formalidades previstas pela legislação do Estado Quanto à aquisição de propriedade móvel ou imóvel e a outros direitos a ela referentes ao aluguel e aos outros contratos relativos a propriedade móvel ou imóvel os Estados Contratantes devem conceder ao refugiado um tratamento tão favorável quanto possível e não menos favorável do que é concedido nas mesmas circunstâncias aos estrangeiros em geral Quanto à propriedade industrial e à propriedade literária artística e científica o refugiado deve se beneficiar no país em que tem sua residência habitual da proteção que é conferida aos nacionais do referido país e no território de outros Estados Contratantes deve se beneficiar da proteção dada aos nacionais do país no qual tem sua residência habitual 8 Declaração de Nova York sobre Refugiados e Migrantes Em setembro de 2016 os Estados membros da ONU adotaram a Declaração de Nova York sobre Refugiados e Migrantes que consiste em ato político e de natureza de soft law sem força vinculante mas que i conclama os Estados a atuarem de acordo com seu texto e ii pugna pela formulação de nova política internacional sobre refugiados e migrantes para os próximos anos A Declaração foi adotada por consenso entre os 193 Estados membros da ONU tendo como pano de fundo o aumento dos fluxos de pessoas em todo o globo nas últimas décadas tanto em virtude de conflitos internos perseguições violações maciças de direitos humanos mudanças climáticas desastres de toda natureza ou por busca de melhores condições de vida Os Estados calculam que aproximadamente 244 milhões de pessoas vivem em Estados distintos de onde nasceram Para enfrentar essa situação os Estados adotaram os seguintes compromissos genéricos proteger os direitos humanos de todos os refugiados e migrantes não importando o estatuto migratório respeitando a Declaração Universal dos Direitos Humanos e demais tratados internacionais condenar a discriminação contra os refugiados e migrantes e reconhecer que a diversidade fortalece e enriquece toda sociedade devendo ser impedida a xenofobia intolerância racismo e tratamentos discriminatórios assegurar a cooperação internacional para que um Estado não tenha que lidar isoladamente com esses fluxos de pessoas A responsabilidade pelo acolhimento aos refugiados e migrantes deve ser compartilhada as crianças refugiadas e migrantes devem ter tratamento adequado ao seu melhor interesse e ter direito à educação com base na Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças adotar medidas para prevenir e reprimir a violência sexual e baseada em gênero dos migrantes e refugiados fortalecer o acolhimento aos refugiados com base em um redesenho das responsabilidades dos Estados sociedade civil e agências da ONU em especial o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ACNUR fortalecer a governança global da migração pela inserção da Organização Internacional de Migrações como agência especializada da ONU A Declaração lançou também os próximos passos que dizem respeito à i edição de princípios orientadores sobre o tratamento de migrantes em situação de vulnerabilidade ii adoção de novo pacto envolvendo a repartição dos custos e responsabilidade pelo acolhimento dos refugiados e migrantes QUADRO SINÓTICO Declaração de Nova York sobre refugiados e migrantes Natureza jurídica Soft law mas deve ser utilizado como instrumento de interpretação da dignidade humana e das obrigações internacionais de tratados como a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças etc que podem incidir sobre os refugiados e migrantes Objetivo Tratar das obrigações mínimas dos Estados no trato dos refugiados e migrantes Uso no Brasil Como o Brasil já ratificou os tratados de direitos humanos que podem incidir sobre os refugiados e migrantes esta Declaração pode auxiliar na interpretação dos comandos desses tratados 9 Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas 1954 A Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas assinada em 28 de setembro de 1954 em Nova York entrou em vigor em 6 de junho de 1960 90 dias após o depósito do sexto instrumento de ratificação A Convenção conta em 2019 com 91 Estados partes incluindo o Brasil que ratificou a Convenção em 1996 e a promulgou internamente pelo Decreto n 4246 de 22 de maio de 2002 O objetivo da Convenção organizada em 42 artigos e um Anexo foi garantir aos apátridas no contexto do pósSegunda Guerra Mundial amplo acesso aos direitos e garantias fundamentais O capítulo I arts 1º a 11 traz as disposições gerais sobre os direitos e deveres dos apátridas Conceituase apátrida como toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado conforme sua legislação Foram excetuados da proteção da Convenção i aqueles que recebam proteção ou assistência de órgão ou agência das Nações Unidas diverso do Alto Comissariado para os Refugiados e ii aqueles que o Estado de residência já reconheceu como titulares dos mesmos direitos e deveres de seus nacionais Ainda a Convenção não será aplicável aos indivíduos que iii cometerem crime contra paz crime de guerra crime contra a humanidade ou crime grave de natureza não política fora do país de sua residência antes da sua admissão naquele Estado e iv aos que forem condenados por ato contrário aos princípios da ONU O art 2º prevê o dever dos apátridas de respeitarem as leis e a ordem pública do Estado em que se encontrem Os arts 3º e 4º dispõem sobre os direitos de não discriminação e liberdade de religião aos apátridas Já os dois artigos subsequentes abordam as condições para o exercício dos direitos previstos na Convenção o art 5º garante que a Convenção não afete outros direitos concedidos aos apátridas e o art 6º estabelece que o apátrida cumpra as mesmas condições necessárias à permanência ou residência no Estado que aquele que possui uma nacionalidade com exceção daqueles requisitos que não puderem ser cumpridos como decorrência da sua apatridia A dispensa da reciprocidade é prevista no art 7º Aos apátridas deve ser concedido o mesmo regime dos estrangeiros em geral dispensada após três anos de residência a necessidade de reciprocidade legislativa Ainda na falta de reciprocidade devem ser concedidos aos apátridas os direitos de propriedade exercício profissional habitação e instrução que já lhes eram garantidos na entrada em vigor da Convenção para o Estado em que residem Outra hipótese de dispensa é disciplinada no art 8º que estipula que as medidas excepcionais adotadas contra pessoa bens ou interesses de determinado Estado não podem ser aplicadas contra apátridas apenas com base no fato de terem possuído determinada nacionalidade Contudo o art 9º dispõe que enquanto não for determinada a condição de apátrida é permitido ao Estado excepcionalmente em caso de guerra ou circunstância grave adotar medidas temporárias contra a pessoa com o fim de garantir a segurança nacional Os arts 10 e 11 versam sobre duas situações específicas dos apátridas os apátridas deportados durante a Segunda Guerra Mundial e os marítimos apátridas Abordase o dever de continuidade de residência de apátridas deportados durante a guerra e estimulamse os Estados a admitirem temporariamente apátridas empregados em navio que arvorem a sua bandeira O Capítulo II arts 12 a 16 trata da condição jurídica dos apátridas O seu estatuto pessoal tema de Direito Internacional Privado 159 é regido pela lei do Estado de seu domicílio ou na sua ausência de sua residência sendo respeitados os direitos de casamento anteriormente adquiridos desde que aceitos no Estado e respeitadas as formalidades legais Os direitos de aquisição de propriedade móvel e imóvel bem como o direito de associação por apátridas devem ser os mesmos concedidos aos demais estrangeiros Já a proteção da propriedade intelectual e industrial bem como os direitos de demandar em juízo devem ser os mesmos garantidos aos nacionais do Estado em que o apátrida possui residência habitual Os arts 17 a 19 do Capítulo III abordam os empregos dos apátridas No que se refere ao exercício de atividade profissional assalariada não assalariada ou liberal aos apátridas deve lhes ser dado tratamento tão favorável quanto ao proporcionado aos estrangeiros Ademais os Estados devem esforçarse para adotar programas de recrutamento de mão de obra e planos de imigração para favorecer os apátridas Os benefícios sociais dos apátridas estão previstos no Capítulo IV arts 21 a 24 Em casos de racionamento e de assistência pública os apátridas devem ser considerados como nacionais No que se refere à habitação os apátridas têm os mesmos direitos dos estrangeiros e no tocante à educação pública o direito de participação no ensino primário dos apátridas deve equivaler ao dos nacionais e nas demais categorias de ensino e bolsas de estudos deve ser igual ao tratamento dado aos estrangeiros Os direitos trabalhistas dos apátridas são os mesmos dos nacionais relativamente à remuneração duração da jornada de trabalho férias restrições idade de admissão trabalho das mulheres e menores e temas abarcados em convenções coletivas de trabalho Os direitos de previdência social também em geral se equivalem entre nacionais e apátridas O Capítulo V trata das medidas administrativas arts 25 a 32 as quais incluem assistência administrativa liberdade de movimento documentos de identidade e de viagem encargos fiscais transferência de bens expulsão e naturalização Assim a assistência necessária ao exercício de um direito incluindo a expedição de documentos de identidade e de viagem deve ser prestada pelo Estado em que o apátrida residir Aos apátridas é garantida a liberdade de circulação e residência dentro do Estado em que se encontram nos mesmos moldes em que é permitido aos estrangeiros Ainda lhes é garantida liberdade de transferir os bens que lhes pertencerem para outro Estado em que desejem se reinstalarem Ademais os impostos e taxas a serem pagos pelos apátridas não podem ser mais elevados do que aqueles cobrados dos nacionais A naturalização do apátrida deve ser estimulada com desburocratização do procedimento e redução de taxas e despesas Por outro lado a expulsão dos apátridas somente pode ocorrer por motivos de segurança nacional ou ordem pública decorrente de decisão proferida em processo com contraditório devendo em caso de expulsão ser concedido ao apátrida prazo razoável para obtenção de admissão regular em outro Estado Como veremos a Lei de Migração Lei n 134452017 tem dispositivos sobre a apatridia em linha com a presente Convenção Finalmente o Capítulo VI arts 33 a 42 trata das cláusulas finais Prevêse a Corte Internacional de Justiça como foro para solução de controvérsias sobre a interpretação ou aplicação da Convenção quando a disputa não puder ser resolvida por outros meios Ainda há disposição sobre a aplicação territorial da Convenção sua adesão ratificação reservas entrada em vigor denúncia revisão e comunicações ao SecretárioGeral da ONU A Convenção possui ainda um Anexo que descreve os requisitos prazos e validade do documento de viagem a ser expedido para os apátridas de modo a possibilitarlhes viajar fora do Estado de sua residência regular QUADRO SINÓTICO Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas Definição de apátrida e as exclusões Apátrida é toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado conforme sua legislação A Convenção não se aplica aos indivíduos i que recebem proteção ou assistência de órgão ou agência das Nações Unidas diverso do Alto Comissariado para os Refugiados ii que o Estado de residência já reconheceu como titulares dos mesmos direitos e deveres de seus nacionais iii que cometerem crime contra paz crime de guerra crime contra a humanidade ou crime grave de natureza não política fora do país de sua residência antes da sua admissão naquele Estado e iv que forem condenados por ato contrário aos princípios da ONU Objetivo Amplo acesso aos direitos e garantias fundamentais Término da proteção Naturalização do apátrida deve ser estimulada com desburocratização do procedimento e redução de taxas e despesas Expulsão dos apátridas somente pode ocorrer por motivos de segurança nacional ou ordem pública decorrente de decisão proferida em processo com contraditório Em caso de expulsão ser concedido ao apátrida prazo razoável para obtenção de admissão regular em outro Estado 10 Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia 1961 A Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia foi editada em 30 de agosto de 1961 tendo entrado em vigor em 13 de dezembro de 1975 dois anos após a data do depósito do sexto instrumento de ratificação ou de adesão Em 2019 a Convenção conta com 73 Estados partes A ratificação pelo Brasil foi feita em 25 de outubro de 2007 tendo entrado em vigor internacionalmente para o Brasil em 23 de janeiro de 2008 Curiosamente a Convenção somente foi promulgada internamente pelo Decreto n 8501 em 18 de agosto de 2015 Visando evitar a apatridia nas suas mais diversas formas a Convenção está organizada em 20 artigos que abordam a concessão arts 1º a 4º a perda arts 5º a 7º a privação de nacionalidade arts 8º e 9º e a transferência de território art 10 além de aspectos procedimentais como a criação de organismo internacional art 11 e a solução de controvérsias sobre a Convenção art 14 O art 1º prevê que os Estados concedam a sua nacionalidade a pessoa nascida em seu território que seria apátrida no momento do nascimento pleno direito ou mediante requerimento com prazos de idade e requisitos de residência e ausência de determinadas condenações criminais Ainda independentemente de requerimento em casos em que seria apátrida adquire nacionalidade o filho nascido no território da nacionalidade da sua mãe Ademais a pessoa que seria apátrida e que não pode adquirir a nacionalidade do Estado em que tiver nascido por não preencher os requisitos exigidos adquirirá a nacionalidade do Estado de um de seus pais O art 2º estipula presunção sobre menor abandonado o qual salvo prova em contrário será considerado nascido no território em que se encontra presumindose também que seus pais possuem a nacionalidade daquele Estado Já o art 3º prevê que pessoa nascida a bordo de navio ou aeronave seja considerada como nascida no território do Estado de sua bandeira O art 4º complementa a parte final do art 1º descrevendo os critérios e condições para que seja concedida à pessoa que seria apátrida a nacionalidade que um de seus pais possuía no momento do seu nascimento Já o art 5º impede a configuração da apatridia em situações de perda de nacionalidade em decorrência de mudança de estado civil casamento separação adoção reconhecimento de filiação etc condicionando tais hipóteses a aquisição de outra nacionalidade O próprio artigo traz ainda a possibilidade de reaquisição da nacionalidade por requerimento para o filho que a perdeu como consequência de reconhecimento de filiação A seguir o art 6º impede que a perda da nacionalidade de um dos cônjuges ou de um dos pais acarrete a perda da nacionalidade do outro cônjuge ou dos filhos que não possuam outras nacionalidades O art 7º veda a renúncia à nacionalidade sem a aquisição de outra nacionalidade exceto em casos de violação ao direito de liberdade de circulação ou perseguição dentro do Estado Ademais impedese a perda da nacionalidade de nacional quando disso decorrer apatridia excetuandose dessa regra os naturalizados que podem perder sua nacionalidade se residirem em seu Estado de origem por período superior ao previsto na lei que deve ser superior a sete anos consecutivos bem como não declararem sua intenção de conservar a nacionalidade adquirida Outra exceção diz respeito aos nacionais nascidos fora de seu território sendo permitido que o Estado subordine a conservação da sua nacionalidade após a maioridade do interessado à residência ou registro no território Os arts 8º e 9º estabelecem o dever dos Estados de não privar nacionalidade quando desta decorrer apatridia Tal regra possui várias exceções i naturalizados ii nacionalidade obtida mediante fraude ou falsidade iii violação dos deveres de lealdade com o Estado por exemplo continuar a prestar serviço para outro Estado iv declaração formal de lealdade a outro Estado Nesses casos deve ser assegurado ao interessado ampla defesa e contraditório no processo de privação de nacionalidade Ademais é proibido privar pessoa de sua nacionalidade por motivo racial étnico religioso ou político A proibição da apatridia decorrente da transferência de território entre Estados está prevista no art 10 Na ausência de regras previstas no Tratado de transferência de território sobre a nacionalidade dos seus habitantes o Estado que tenha adquirido o território concederá a sua nacionalidade aos habitantes desse território que de outro modo se tornariam apátridas O art 11 prevê a criação de um organismo internacional dentro da estrutura da ONU para reivindicação e assistência em casos de apatridia A Resolução n 3274 XXIX de 10 de dezembro de 1974 e a Resolução n 3136 de 30 de novembro de 1976 ambas da Assembleia Geral da ONU designaram o exercício de tal função ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR Os arts 12 e 13 garantem a ampla aplicação da Convenção ao estipular que a concessão de nacionalidade nos termos previstos nos arts 1º e 4º seja aplicável àqueles que nasceram antes e depois da entrada em vigor da Convenção bem como que a Convenção não pode ser interpretada para restringir outras disposições existentes mais favoráveis aos apátridas O art 14 dispõe que a solução de controvérsias sobre a interpretação ou aplicação da Convenção quando não resolvida pelas partes será levada à Corte Internacional de Justiça A seguir os arts 15 a 21 tratam da aplicação da Convenção aos territórios da sua assinatura ratificação adesão entrada em vigor denúncia depósito e notificações QUADRO SINÓTICO Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia A essência da Convenção Evitar a apatridia nas suas mais diversas formas e assegurar a nacionalidade para aqueles que já se encontram nessa situação Objetivo e medidas Imposição de deveres aos Estados para prevenir e para combater a situação de apatridia Monitoramento Prevê a criação de um organismo internacional dentro da estrutura da ONU para reivindicação e assistência em casos de apatridia A Resolução n 3274 XXIX de 10 de dezembro de 1974 e a Resolução n 3136 de 30 de novembro de 1976 ambas da Assembleia Geral da ONU designaram o exercício de tal função ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR 11 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial foi adotada pela Resolução n 2106 XX da Assembleia Geral da ONU em dezembro de 1965 sendo e aberta à assinatura em 7 de março de 1966 Foi elaborada em um momento histórico no qual existiam ainda Estados com políticas internas oficiais de segregação racial com a finalidade de promover e encorajar o respeito universal e efetivo pelos direitos humanos sem qualquer tipo de discriminação em especial a liberdade e a igualdade em direitos tendo em vista que a discriminação entre seres humanos constitui ameaça à paz e à segurança entre os povos Possui em 2019 181 Estados partes Em seu preâmbulo a Convenção condena todas as práticas de segregação e discriminação fazendo alusão à Declaração sobre a Outorga de Independência aos Países e Povos Coloniais 14 de dezembro de 1960 que proclamou a necessidade de extirpálas de forma rápida e incondicional e à Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 20 de novembro de 1963 O Preâmbulo ressalta ainda que qualquer doutrina de superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa moralmente condenável socialmente injusta e perigosa em que não existe justificação para a discriminação racial em teoria ou na prática em lugar algum e que ainda subsistiam práticas de discriminação racial no mundo inclusive lastreadas em políticas governamentais baseadas em superioridade e ódio raciais como o apartheid É um dos mais antigos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil que assinou a Convenção em 7 de março de 1966 quando foi aberta à assinatura e a ratificou em 27 de março de 1968 Em 4 de janeiro de 1969 entrou em vigor de acordo com o disposto em seu artigo XIX 1 a Foi promulgada pelo Decreto n 65810 de 8 de dezembro de 1969 Na mesma época anos 60 do século XX o Brasil ratificou e incorporou internamente a Convenção n 111 da Organização Internacional do Trabalho de 1958 por intermédio do Decreto n 62150 de 19 de janeiro de 1968 vedando a discriminação fundada na raça cor sexo religião opinião política ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão A Constituição de 1988 reafirmou o comprometimento brasileiro de combate à discriminação racial ao dispor no seu art 4º VIII o repúdio ao racismo como um dos princípios que regem as relações internacionais brasileiras A Convenção composta de 25 artigos é dividida em três partes Na primeira delas enunciamse as obrigações assumidas pelo Estado que a adotem artigos I a VII na segunda estabelece a constituição e o funcionamento do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial artigos VIII a XVI e na terceira parte prevê as disposições finais artigos XVII a XXV No artigo I apresentase a definição de discriminação racial que é entendida como qualquer distinção exclusão restrição ou preferência baseada em raça cor descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento gozo ou exercício num mesmo plano em igualdade de condição de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico social cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida Ficam excluídas dessa proibição as chamadas ações afirmativas que consistem em distinções exclusões restrições e preferências feitas por um Estado com o objetivo de assegurar o progresso de grupos sociais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção para proporcionar a eles igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais Os Estados Partes que aderem à Convenção se comprometem a adotar uma política de eliminação da discriminação racial devendo cada Estado absterse de praticar ato de discriminação racial contra pessoas grupos de pessoas ou instituições e de absterse de encorajar defender ou apoiar a discriminação racial praticada por uma pessoa ou organização qualquer Em 2017 o Supremo Tribunal Federal STF por unanimidade na ADC n 41 decidiu ser constitucional a Lei n 129902014 pela qual ficam reservadas aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta De acordo com o art 2º desta lei poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE O STF em sua decisão considerou que tais cotas vinculam os concursos dos três poderes da União o que atinge os concursos para magistrados do Judiciário da União e para membros do Ministério Público da União e ainda determinou ser legítima a utilização tanto do i critério da autodeclaração quanto de ii critérios subsidiários de heteroidentificação desde que respeitada a dignidade humana evitando procedimentos de averiguação vexatórios aos candidatos e garantidos o contraditório e a ampla defesa STF ADC n 41 rel Min Roberto Barroso j 862017 No caso da magistratura as cotas em concursos para magistrados também estão previstas na Resolução n 2032015 do Conselho Nacional de Justiça que reserva 20 de vagas para os negros no âmbito do Poder Judiciário De outro lado o Estado comprometese também a tomar medidas eficazes a fim de rever as políticas governamentais nacionais e locais que tenham por objetivo criar a discriminação ou perpetrála a proibir e colocar fim à discriminação racial praticada por pessoa por grupo ou organizações e a favorecer organizações e movimentos multirraciais e outros meios vocacionados a eliminar as barreiras entre as raças e a desencorajar o que tende a reforçar a divisão racial Fica aqui fixada a obrigação do Estado de impedir que particulares discriminem nas relações privadas Nesse sentido os Estados Partes se comprometem a adotar medidas especiais e concretas nos campos social econômico cultural e outros para assegurar o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos raciais de indivíduos pertencentes a estes grupos tendo por objetivo garantirlhes o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais Vêse pois o fundamento expresso a permitir a adoção de cotas raciais para a consecução do objetivo de promover a igualdade material Tais medidas devem perdurar apenas enquanto subsistir a situação de desigualdade Especialmente tendo em vista as barbáries cometidas por força do nazismo a Convenção prevê em seu artigo IV que os Estados Partes se comprometem a condenar toda propaganda e organizações que inspirarem quaisquer ideias ou teorias fundadas na superioridade de uma raça ou grupo de pessoas de certa cor ou origem étnica bem como aquelas ideias ou teorias que buscam justificar ou encorajar qualquer forma de ódio e discriminação raciais Ademais comprometemse a adotar medidas positivas destinadas a combatêlas dentre elas declarar delitos puníveis por lei a difusão de tais ideias em mais um mandado internacional de criminalização Ainda os Estados se comprometem nos termos do artigo V a proibir e eliminar a discriminação racial em todas as suas formas garantindo a igualdade perante a lei sem qualquer distinção principalmente no gozo do i direito a tratamento igual perante os tribunais ou qualquer outro órgão que administre justiça ii do direito à segurança pessoal e à proteção do Estado contra violência ou lesão corporal cometida inclusive por funcionários do governo dos direitos políticos e de tomar parte no Governo iii de outros direitos civis tais como o de circular livremente e escolher residência dentro das fronteiras do Estado de deixar qualquer país de ter uma nacionalidade de casarse e escolher o cônjuge à propriedade de herdar à liberdade de pensamento de consciência e de religião à liberdade de opinião e de expressão dentre outros e de direitos econômicos sociais e culturais como o direito à habitação à educação e ao acesso a todos os lugares e serviços destinados ao uso do público Pela Convenção os Estados devem assegurar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a proteção e os recursos perante os tribunais nacionais e outros órgãos competentes contra atos de discriminação racial que violarem direitos e liberdades fundamentais bem como o direito de requerer aos tribunais uma satisfação ou reparação justa e adequada por danos que a vítima tenha sofrido artigo VI Ademais os Estados comprometemse a tomar medidas imediatas e eficazes para lutar contra os preconceitos que levem à discriminação racial promovendo a tolerância e a amizade entre nações grupos raciais e étnicos artigo VII Na Parte II a Convenção determina a Criação de um Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial 160 bem como estabelece o mecanismo de relatórios periódicos o procedimento de comunicação interestatal e a possibilidade de petição individual ao Comitê QUADRO SINÓTICO Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial Definição de discriminação racial Qualquer distinção exclusão restrição ou preferência baseada em raça cor descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento gozo ou exercício num mesmo plano em igualdade de condição de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico social cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida Ação Afirmativa A Convenção permite a introdução de medidas especiais destinadas a assegurar o progresso adequado de grupos raciais ou étnicos Mecanismos de monitoramento Relatórios periódicos Comunicação interestatal Peticionamento individual 12 Convenção Internacional sobre a supressão e punição do crime de apartheid Em 30 de novembro de 1973 foi assinada em Nova York a Convenção Internacional sobre a supressão e punição do crime de apartheid A Convenção que entrou em vigor em 18 de julho de 1976 30 dias após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação atualmente conta com 109 Estados partes 2019 Não foi ainda ratificada pelo Brasil A expansão da segregação racial e do apartheid na África do Sul na década de 1970 bem como as disposições contra segregação racial contidas na Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e na Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio impulsionaram a adoção de um tratado propondo medidas internacionais e nacionais para suprimir e punir o crime de apartheid A Convenção foi organizada em 19 artigos O artigo I estipula que o apartheid é um crime contra a humanidade Já o artigo II conceitua o crime de apartheid como qualquer prática ou política de segregação e discriminação racial que seja praticada com o objetivo de estabelecer a dominação racial de um grupo sobre outro São apontadas como práticas de apartheid i prisão arbitrária tortura tratamento cruel punição degradante ou assassinato de membros de um grupo racial ii imposição de condições de vida que possam causar a destruição física de um grupo racial iii medidas que impeçam que um grupo racial tenha participação social econômica cultural ou política assim como que neguem direitos humanos básicos e liberdades fundamentais de trabalho reunião educação circulação nacionalidade residência opinião e expressão iv medidas que dividam a população em critérios raciais criando reservas ou guetos assim como proibições de casamentos mistos e expropriações de propriedade v exploração de trabalho de pessoas de um grupo racial e vi perseguição a pessoas e grupos que se oponham ao apartheid O artigo III traz a responsabilidade internacional criminal para indivíduos membros de organizações e representantes de Estados independentemente do seu Estado de residência quando cometerem participarem incitarem conspirarem ou estimularem prática de apartheid Os artigos IV e V dispõem sobre o processamento e punição dos crimes de apartheid Estipulase que os Estados partes devem adotar medidas para evitar suprimir e punir o crime de apartheid e práticas segregacionistas levando a julgamento os responsáveis independentemente da sua nacionalidade local de residência ou eventual condição de apatridia O acusado por ser julgado por tribunal competente de qualquer Estado parte da Convenção que possua jurisdição sobre o acusado bem como por Tribunal Penal Internacional em relação aos Estados partes que tenham aceitado a sua jurisdição Os artigos VI a X abordam a cooperação estatal com os órgãos da ONU para prevenção e punição do crime de apartheid Os Estados partes devem aceitar e cumprir as decisões do Conselho de Segurança da ONU sobre prevenção supressão e punição do crime de apartheid bem como cooperar para a implementação de decisões sobre o tema tomadas por outros órgãos da ONU Os Estados podem requerer a qualquer órgão competente da ONU a adoção de medidas para prevenção e repressão do apartheid Ainda os Estados devem enviar periodicamente relatórios sobre as medidas adotadas para implementação da Convenção para análise por um grupo formado por três membros da Comissão de Direitos Humanos da ONU escolhidos pelo Presidente da Comissão que sejam nacionais de Estados partes da Convenção os relatórios são enviados também para o Comitê Especial do Apartheid A Comissão de Direitos Humanos da ONU pode apontar queixas relativas aos crimes de apartheid elaborar lista de indivíduos organizações e representantes de Estados responsáveis pelos crimes bem como solicitar informações sobre as medidas de persecução e punição adotadas O artigo XI abarca a cooperação jurídica internacional em matéria penal proibindo que os crimes de apartheid sejam considerados como crimes políticos com o intuito de evitar a extradição Já o artigo XII diz respeito à solução de controvérsias sobre a interpretação ou aplicação da Convenção estipulando que não havendo acordo entre as partes sobre meio para resolver a disputa o caso deve ser levado à Corte Internacional de Justiça Por fim os artigos XIII a XIX trazem as disposições finais sobre assinatura ratificação entrada em vigor denúncia e depósito da Convenção QUADRO SINÓTICO Convenção Internacional sobre a supressão e punição do crime de apartheid Definição de apartheid O crime de apartheid consiste em qualquer prática ou política de segregação e discriminação racial que seja praticada com o objetivo de estabelecer a dominação racial de um grupo sobre outro Atos que concretizam o crime de apartheid i prisão arbitrária tortura tratamento cruel punição degradante ou assassinato de membros de um grupo racial ii imposição de condições de vida que possam causar a destruição física de um grupo racial iii medidas que impeçam que um grupo racial tenha participação social econômica cultural ou política assim como que neguem direitos humanos básicos e liberdades fundamentais de trabalho reunião educação circulação nacionalidade residência opinião e expressão iv medidas que dividam a população em critérios raciais criando reservas ou guetos assim como proibições de casamentos mistos e expropriações de propriedade v exploração de trabalho de pessoas de um grupo racial vi perseguição a pessoas e grupos que se oponham ao apartheid rol não exaustivo Previsão de julgamento e punição O acusado por ser julgado por tribunal competente de qualquer Estado parte da Convenção que possua jurisdição sobre o acusado bem como por Tribunal Penal Internacional em relação aos Estados partes que tenham aceitado a sua jurisdição 13 Convenção Internacional contra o apartheid nos esportes A Convenção Internacional contra o apartheid nos esportes atualmente com 60 Estados partes foi assinada em Nova York em 10 de dezembro de 1985 e entrou em vigor em 3 de abril de 1988 30 dias após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação Não foi ainda ratificada pelo Brasil Possui em 2019 62 Estados partes Inspirada no princípio da proibição a qualquer tipo de discriminação contra Estado ou indivíduo com base em raça religião ou política nos Jogos Olímpicos previsto na Carta Olímpica do Comitê Olímpico Internacional e na constatação de que práticas de segregação racial e apartheid na escolha de times e atividades esportivas incentivam a ocorrência de crimes de apartheid a Convenção foi organizada em 22 artigos O artigo 1 conceitua dentre outros os seguintes termos i apartheid como um sistema institucionalizado de segregação racial e discriminação visando a dominação racial de um grupo por outro ii apartheid nos esportes como a utilização de práticas de apartheid em atividades esportivas profissionais ou amadoras e iii princípio olímpico Olympic principle como princípio da proibição a discriminação por raça religião ou política Os artigos 2 a 9 condenam o apartheid e estabelecem os deveres dos Estados partes de i adotar medidas para eliminar o apartheid em todos os esportes ii não permitir que seus times atletas organizações e comitês esportivos realizem qualquer tipo de contato com Estado que pratique apartheid iii adotar medidas de prevenção e repressão contra práticas de apartheid que incluam não cumprir os contratos esportivos não fornecer ajuda financeira restringir o acesso a instalações esportivas nacionais e retirar prêmios homenagens e distinções para atletas times organizações e comitês que participarem de atividades esportivas em Estado que pratique apartheid iv negar vistos e entrada a atletas times organizações e comitês esportivos que representem Estado que pratica apartheid v expulsar Estado que pratica apartheid de organizações e comitês esportivos regionais e internacionais vi não adotar penalidades para organizações e comitês esportivos que em obediência à Convenção recusemse a participar de atividades esportivas em Estado que pratique apartheid Visando o cumprimento universal da Convenção o artigo 10 reitera os deveres dos Estados para prevenir e reprimir a prática de apartheid na África do Sul antes da abolição do apartheid neste Estado O artigo 11 prevê a criação de Comissão contra o apartheid nos esportes formada por 15 membros nacionais de Estados partes da Convenção com participação de indivíduos com experiência em gestão administrativa de esportes e respeito a distribuição geográfica e representatividade de vários sistemas jurídicos Os membros da Comissão são eleitos para mandato de quatro anos por maioria absoluta em votação secreta durante reunião dos Estados partes com quórum de instauração de 23 dos Estados partes da Convenção Os Estados partes devem nos termos do artigo 12 enviar para considerações da Comissão relatório a cada dois anos das medidas legislativas administrativas e judiciais adotas para implementação da Convenção A Comissão por sua vez apresentará anualmente à Assembleia Geral da ONU relatório das suas atividades com recomendações gerais e sugestões Os Estados partes mediante pedido da maioria dos membros da Convenção e a Comissão podem solicitar reunião dos Estados partes para avaliar a necessidade de novas medidas para prevenção e repressão do apartheid nos esportes De forma complementar o artigo 13 prevê que disputas sobre o não cumprimento das disposições da Convenção podem ser resolvidas pela Comissão e o artigo 14 traz diretrizes gerais de organização da Comissão Os artigos 15 a 18 organizam o depósito assinatura ratificação adesão e entrada em vigor da Convenção O artigo 19 estipula que na ausência de escolha de outro procedimento a Corte Internacional de Justiça solucione disputas entre os Estados partes sobre a aplicação e interpretação da Convenção Finalmente os artigos 20 a 22 trazem a possibilidade de emenda e denúncia à Convenção Esta convenção consagra o ativismo de décadas dos Estados africanos contra a participação da África do Sul do tempo do apartheid em competições olímpicas De 1968 a 1988 a África do Sul foi banida dos jogos olímpicos em meio a ameaças de boicote dos Estados africanos e Estados comunistas só retornando após o fim do regime de segregação naquele país QUADRO SINÓTICO Convenção Internacional contra o apartheid nos esportes Apartheid nos esportes e o princípio olímpico O apartheid nos esportes consiste na utilização de práticas de apartheid em atividades esportivas profissionais ou amadoras O princípio olímpico Olympic principle consiste na proibição de discriminação por raça religião ou política na prática dos esportes olímpicos Adoção de medidas para prevenir e reprimir a prática de apartheid nos esportes bem como isolar o Estado que venha a adotar essa prática banindoo assim seus esportistas de competições e Objetivo e medidas organizações internacionais esportivas Formalizou o banimento de países de apartheid das competições esportivas exigindose inclusive quebra de contratos Por exemplo os Estados partes não permitirão que suas equipes participem de competições nos Estados racistas e também não receberão esportistas de um Estado racista Monitoramento A Convenção criou a Comissão contra o apartheid nos esportes composta por 15 especialistas que apreciam relatórios periódicos enviados pelos Estados partes 14 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CEDAW e respectivo Protocolo Facultativo A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher conhecida também pela sigla de sua denominação em inglês CEDAW foi adotada pela Resolução n 34180 da Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979 tendo em vista a persistente manutenção das discriminações contra a mulher Possui em 2019 189 Estados partes No Brasil foi assinada em 31 de março de 1981 com reservas arts 15 parágrafo 4º e 16 parágrafo 1º alíneas a c g e h aprovada pelo Decreto Legislativo n 93 de 14 de novembro de 1983 e ratificada em 1º de fevereiro de 1984 A Convenção entrou em vigor para o Brasil em 2 de março de 1984 com a reserva do art 29 parágrafo 2º que permite que o Estado não se considere obrigado ao dispositivo que determina a submissão da questão não resolvida por negociação a arbitragem O Decreto Legislativo n 26 de 22 de junho de 1994 revogando o anterior aprovou a Convenção sem as reservas dos arts 15 e 16 e o Brasil as retirou em 20 de dezembro de 1994 A Convenção foi promulgada pelo Decreto n 4377 de 13 de setembro de 2002 A Convenção é composta por 30 artigos que são divididos em seis partes Em seu preâmbulo ressaltase a importância de se modificar o papel tradicional do homem e da mulher na sociedade e na família para que se possa alcançar a igualdade plena entre homem e mulher Na Parte I definese a discriminação contra a mulher como toda distinção exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento gozo ou exercício pela mulher dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político econômico social cultural e civil ou em qualquer outro campo independentemente de seu estado civil com base na igualdade do homem e da mulher art 1º Por meio da Convenção os Estados Partes se comprometem a adotar por todos os meios apropriados e sem dilações política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher Para tanto comprometemse dentre outras medidas a consagrar em suas Constituições nacionais ou em outra legislação apropriada o princípio da igualdade do homem e da mulher assegurando outros meios apropriados à realização prática desse princípio adotar medidas adequadas com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher garantir por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação absterse praticar qualquer ato de discriminação contra a mulher e finalmente tomar medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa organização ou empresa art 2º novamente há menção à aplicação dos direitos humanos nas relações entre particulares Ademais os Estados devem tomar todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento e o progresso da mulher para garantirlhe o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem art 3º Medidas especiais de caráter temporário podem também ser adotadas para acelerar a igualdade de fato entre homens e mulheres Tais medidas não serão consideradas discriminação mas deverão cessar quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento forem alcançados art 4º Temse aí fundamento expresso a admitir ações afirmativas para promover a igualdade de direitos entre homens e mulheres como se adotou no Brasil por exemplo com a cota eleitoral de sexo prevista no art 10 3º da Lei n 950497 conhecida como Lei das Eleições Como é notório há evidente subrepresentação da mulher nas Câmaras Municipais Assembleias Legislativas e Congresso Nacional no Brasil Assim a Lei das Eleições Lei n 950497 art 10 3º exige que as candidaturas dos partidos obedeçam nas eleições proporcionais ao seguinte parâmetro no mínimo 30 e no máximo 70 para cada sexo Apesar de não se referir expressamente ao sexo feminino a cota incide na prática sobre ele pois era o sexo tradicionalmente subrepresentado Somente em 2012 o sexo feminino obteve mais de 30 das candidaturas nas eleições municipais do ano Há dados que mostram contudo que as cotas na apresentação de candidaturas são insuficientes nas eleições municipais de 2016 as mulheres representaram somente 13 das vereadoras e 12 das prefeitas de todo o país 161 Ainda no plano das ações afirmativas eleitorais em prol da maior participação feminina o ProcuradorGeral da República interpôs ação direta de inconstitucionalidade impugnando o art 9º da Lei n 131652015 que estabelecia limite mínimo 5 e máximo 15 do montante do Fundo partidário para financiamento das campanhas das candidatas mulheres Para o PGR como as cotas estabelecem no mínimo 30 de candidatos de um sexo em geral a subrepresentação nas candidaturas é do sexo feminino é verdadeira proteção deficiente de direitos humanos destinar no máximo 15 do montante do fundo partidário No voto do Min Fachin relator foram citados expressamente o Comentário Geral n 18 do Comitê de Direitos Humanos sobre o princípio da igualdade que exige medidas afirmativas e o Comentário Geral n 25 do Comitê para Eliminação da Discriminação contra a Mulher tendo este último estabelecido que A posição das mulheres não será melhorada enquanto as causas que sustentam a discriminação contra as mulheres e sua desigualdade não forem efetivamente enfrentadas Nessa linha o STF deu interpretação conforme à Constituição ao art 9º da Lei n 131652015 de modo a a equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas femininas hoje o do art 10 3º da Lei n 950497 isto é ao menos 30 de candidatas mulheres ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados que deve ser interpretado como também de 30 do montante do Fundo alocado a cada partido para eleições majoritárias e proporcionais e b fixar que havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhe seja alocado na mesma proporção ADI 5617 rel Min Edson Fachin j 1532018 P DJe de 3 102018 Outra ação em prol de maior participação feminina na política é a previsão na Lei dos Partidos Políticos art 44 V da Lei n 909695 redação dada pela Lei n 131652015 de utilização de no mínimo 5 dos recursos oriundos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres Contudo em 2019 a Lei n 13831 suprimiu qualquer penalidade pelo descumprimento dessa ação desde que o dinheiro tenha sido usado no financiamento de candidaturas femininas desvirtuando a política de difusão da participação política das mulheres Com a finalidade de modificar práticas enraizadas na sociedade a Convenção determina que os Estados Partes tomem todas as medidas apropriadas para alterar os padrões socioculturais de conduta para o fim de alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias ou de outra índole que estejam baseadas na ideia de superioridade ou inferioridade de qualquer dos sexos bem como para garantir que a educação familiar inclua a compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum entre homens e mulheres quanto ao desenvolvimento dos filhos art 5º Ademais os Estados se comprometem a tomar todas as medidas para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição da mulher art 6º Na Parte II a Convenção explicita direitos civis e políticos que devem ser concedidos às mulheres em igualdade de condições quanto aos homens especificando as medidas a serem adotadas pelo Estado Parte no âmbito da vida política e pública nacional e internacional arts 7º e 8º e para a aquisição mudança e conservação da nacionalidade art 9º Assim os Estados Partes se obrigam a adotar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública com especial ênfase no direito de votar e de ser elegível na participação na formulação de políticas públicas governamentais no exercício de cargos públicos na participação em organizações e associações não governamentais que se ocupam da vida pública e política do país art 7º Ademais medidas devem ser tomadas para garantir à mulher a oportunidade de representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais art 8º Finalmente estabelecese que às mulheres se outorgarão direitos iguais aos dos homens para adquirir mudar ou conservar sua nacionalidade não podendo o casamento com estrangeiro ou a mudança de nacionalidade do marido durante o casamento modificar automaticamente a nacionalidade da esposa tornála apátrida ou obrigála a adotar a nacionalidade do cônjuge Ademais quanto à nacionalidade dos filhos os Estados devem outorgar às mulheres os mesmos direitos conferidos aos homens art 9º Na Parte III a Convenção estabelece que as partes devem adotar todas as medidas apropriadas para assegurar a igualdade entre homens e mulheres na esfera da educação art 10 do emprego art 11 no acesso a serviços médicos art 12 e outras esferas da vida econômica e social art 13 Quanto à igualdade de condições na esfera da educação a Convenção especifica que devem ser concedidas às mulheres em condições de igualdade as mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino em todos os níveis de educação e em todos os tipos de capacitação profissional o acesso aos mesmos currículos e exames a docentes do mesmo nível profissional e a instalações e material escolar da mesma qualidade a eliminação da estereotipização dos papéis masculino e feminino as mesmas oportunidades para a obtenção de bolsas de estudo e outras subvenções para estudos as mesmas oportunidades de acesso aos programas de educação supletiva as mesmas oportunidades de participação nos esportes e na educação física o acesso a material informativo específico que contribua para assegurar a saúde e o bemestar da família O Estado deve também promover a redução da taxa de abandono feminino dos estudos e organizar programas para as mulheres que tenham abandonado os estudos prematuramente Quanto às medidas voltadas à eliminação da discriminação da mulher na esfera do emprego a Convenção determina que o Estado deve assegurar entre homens e mulheres dentre outras medidas o direito às mesmas oportunidades de emprego com os mesmos critérios de seleção bem como o direito à promoção e estabilidade no emprego o direito a igual remuneração o direito à igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho direito à seguridade social o direito a férias pagas o direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho Como importantes medidas para impedir a discriminação da mulher por razões de casamento ou maternidade os Estados devem proibir a demissão por motivo de gravidez ou de licençamaternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado civil sob pena de sanção conferindo proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de trabalho comprovadamente prejudiciais a elas Nessa linha o Brasil editou a Lei n 902995 que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho Devem ainda implantar a licençamaternidade com salário pago ou benefícios sociais comparáveis sem perda do emprego anterior antiguidade ou benefícios sociais Às mulheres deve ser concedido em condições de igualdade com os homens o acesso a serviços médicos De outro lado os Estados devem garantir à mulher a assistência apropriada em relação à gravidez ao parto e ao período pósparto proporcionando assistência gratuita quando for necessário e devem assegurarlhe uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactância A Convenção prevê ainda que os Estados devem adotar medidas para eliminar a discriminação contra a mulher em outras esferas da vida econômica e social assegurandose em condições de igualdade com relação aos homens o direito a benefícios familiares o direito a obter empréstimos bancários hipotecas e outras formas de crédito financeiro e o direito de participar em atividades de recreação esportes e em todos os aspectos da vida cultural Considerando os problemas enfrentados pelas mulheres no ambiente rural bem como a importância de seu papel na subsistência econômica da família determinouse que os Estados devem tomar medidas apropriadas para assegurar a aplicação dos dispositivos da Convenção a essas mulheres e para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de garantir em condições de igualdade entre homens e mulheres a participação da elaboração e execução dos planos de desenvolvimento em todos os níveis o acesso a serviços médicos adequados o benefício direto dos programas de seguridade social a obtenção de todos os tipos de educação e de formação e dos benefícios de todos os serviços comunitários e de extensão a organização de grupos de autoajuda e cooperativas a fim de obter igualdade de acesso às oportunidades econômicas mediante emprego ou trabalho por conta própria a participação de atividades comunitárias o acesso a créditos e empréstimos agrícolas a serviços de comercialização e tecnologias apropriadas a receber um tratamento igual nos projetos de reforma agrária e de restabelecimentos e finalmente a gozar de condições de vida adequadas especialmente quanto a habitação serviços sanitários eletricidade e abastecimento de água transporte e comunicações Na Parte IV a Convenção versa sobre a capacidade jurídica da mulher e sobre assuntos relativos ao casamento e às relações familiares Na art 15 a Convenção determina que os Estados Partes devem reconhecer à mulher a igualdade com o homem perante a lei incluindo se nesse ponto o reconhecimento de igual capacidade jurídica em matérias civis e das mesmas oportunidades para seu exercício Assim devem reconhecer o direito da mulher de firmar contratos e administrar bens e de receber igual tratamento em todas as etapas do processo judicial e por meio da Convenção convencionam que todo contrato ou outro instrumento privado de efeito jurídico que tenda a restringir a capacidade jurídica da mulher será considerado nulo Aos homens e mulheres também devem ser concedidos os mesmos direitos quanto à legislação relativa ao direito das pessoas à liberdade de movimento e à liberdade de escolha de residência e domicílio O art 16 versa sobre as medidas que devem ser adotadas pelos Estados para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos a casamento e relações familiares Para tanto devem assegurar a elas o mesmo direito de contrair matrimônio de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com o livre e pleno consentimento os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e por ocasião de sua dissolução os mesmos direitos e responsabilidades como pais os mesmos direitos de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e sobre o intervalo entre os nascimentos os mesmos direitos e responsabilidades com respeito à tutela curatela guarda e adoção dos filhos ou institutos análogos os mesmos direitos pessoais como marido e mulher inclusive o direito de escolher sobrenome profissão e ocupação e os mesmos direitos em matéria de propriedade aquisição gestão administração gozo e disposição dos bens tanto a título gratuito quanto a título oneroso O mesmo dispositivo determina ainda que os esponsais e o casamento de uma criança não terão efeito legal combate então os casamentos arranjados de crianças feitos pelos pais ainda existentes em algumas culturas e todas as medidas necessárias inclusive as de caráter legislativo devem ser adotadas para estabelecer uma idade mínima para o casamento e para tornar obrigatória a inscrição de casamentos em registro oficial Na Parte V a Convenção determina a criação do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher 162 que tem a finalidade de examinar os progressos alcançados na sua aplicação bem como o mecanismo de relatoria periódica A Parte VI finalmente contém disposições finais assinatura revisão entrada em vigor reservas controvérsia sobre a interpretação ou aplicação da Convenção dentre outras disposições Já o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher adotado por Resolução da Assembleia Geral da ONU de 6 de outubro de 1999 teve por objetivo aperfeiçoar o sistema de monitoramento da Convenção assegurando o direito de petição quanto às violações dos direitos nela garantidos Possui em 2018 109 Estados partes Por meio do Protocolo que contém 21 artigos o Estado reconhece a competência do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher para receber e considerar comunicações apresentadas por indivíduos ou grupo de indivíduos ou em nome deles se contarem com seu consentimento ou se for justificada a ação independente do consentimento que se encontrem sob sua jurisdição e que sejam vítimas de violações de quaisquer dos direitos estabelecidos na Convenção arts 1º e 2º QUADRO SINÓTICO Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e respectivo Protocolo Facultativo Definição de discriminação contra a mulher Toda distinção exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento gozo ou exercício pela mulher independentemente de seu estado civil com base na igualdade do homem e da mulher dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político econômico social cultural e civil ou em qualquer outro campo Principais medidas a serem adotadas pelos Estados Adoção de política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher Medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento e o progresso da mulher para garantirlhe o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem Medidas especiais de caráter temporário para acelerar a igualdade de fato entre homens e mulheres que deverão cessar quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento forem alcançados ações afirmativas Medidas apropriadas para alterar os padrões socioculturais de conduta para eliminar preconceitos e práticas consuetudinárias ou de outra índole baseadas na ideia de superioridade ou inferioridade de qualquer dos sexos e para garantir que a educação familiar inclua a compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum entre homens e mulheres quanto ao desenvolvimento dos filhos Medidas para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição da mulher Direitos expressamente previstos que devem ser realizados e promovidos em condições de igualdade com relação aos homens Direitos civis e políticos especial ênfase no direito de votar e de ser elegível na participação na formulação de políticas públicas governamentais no exercício de cargos públicos na participação em organizações e associações não governamentais que se ocupam da vida pública e política do país e na oportunidade de representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais aquisição mudança ou conservação da nacionalidade Educação mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino em todos os níveis de educação e em todos os tipos de capacitação profissional a eliminação da estereotipização dos papéis masculino e feminino dentre outros Emprego direito às mesmas oportunidades de emprego aos mesmos critérios de seleção direito à promoção e estabilidade no emprego o direito a igual remuneração o direito à igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho direito à seguridade social o direito a férias pagas o direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho proibição de demissão por motivo de gravidez ou de licençamaternidade ou de estado civil direito a licença maternidade com salário pago ou benefícios sociais comparáveis sem perda do emprego anterior antiguidade ou benefícios sociais Acesso a serviços médicos com assistência apropriada em relação à gravidez ao parto e ao período pósparto Outras esferas da vida econômica e social direito a obter empréstimos bancários hipotecas e outras formas de crédito financeiro direito de participar em atividades de recreação esportes e em todos os aspectos da vida cultural Reconhecimento de igual capacidade jurídica em matérias civis e das mesmas oportunidades para seu exercício Mecanismos de monitoramento da Convenção Procedimento de relatórios periódicos Mecanismos de monitoramento do Protocolo Facultativo Petição individual 15 Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes e Protocolo Opcional A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes foi adotada em Nova Iorque em 10 de dezembro de 1984 Foi assinada pelo Brasil em 23 de setembro de 1985 aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto n 4 de 23 de maio de 1989 ratificada em 28 de setembro de 1989 e finalmente promulgada pelo Decreto n 40 de 15 de fevereiro de 1991 Possui em 2019 167 Estados partes Na mesma linha do que já estava disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos artigo V no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos art 7º e na Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes aprovada pela Assembleia Geral em 9 de dezembro de 1975 a Convenção veio também determinar que ninguém será sujeito à tortura ou a pena ou tratamento cruel desumano ou degradante A Convenção é composta por 33 artigos divididos em três partes Na Parte I determina as definições aplicáveis ao seu texto e explicita as obrigações dos Estados na Parte II estabelece a criação do Comitê contra a Tortura e finalmente na Parte III apresenta suas disposições finais Na Parte I no art 1º a Convenção define o que se entende por tortura para seus fins qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões ou para castigála por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido ou para intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência Assim para a Convenção há quatro elementos definidores do conceito de tortura i natureza do ato ii dolo do torturador iii finalidade e iv envolvimento direto ou indireto de agente público Quanto à natureza há vários tipos de atos tanto comissivos quanto omissivos que podem caracterizar a tortura pelo grau de sofrimento físico e mental A prática internacional reconhece inclusive que as ameaças e o perigo real de submeter determinada pessoa ou seus familiares a tortura caracterizam por sua vez tortura psicológica que também é proibido pelo Direito Internacional 163 Por outro lado atos omissivos como a privação de sono alimento água etc podem também caracterizar tortura Já quanto ao dolo do torturador a mera negligência não seria suficiente para caracterizar a tortura pois se exige que o agente queira o resultado ou assuma o risco de produzilo dolo eventual Quanto à finalidade a Convenção traz quatro objetivos visados pelo torturador obter informação ou confissão punição intimidação ou coação e por qualquer outro motivo baseado em discriminação de qualquer espécie Finalmente quanto ao envolvimento do agente público a Convenção exige que haja no mínimo a sua instigação ou ainda que o particular aja com o consentimento ou aquiescência do agente público A Convenção não considera como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram No art 2º a Convenção prevê que o Estado deve tomar medidas eficazes de caráter legislativo administrativo judicial ou de outra natureza a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição Ademais a proibição da prática da tortura é absoluta para a Convenção Circunstâncias excepcionais tais como ameaça ou estado de guerra instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública não poderão ser invocadas como justificação da tortura em nenhum caso nem a ordem de um funcionário superior ou de uma autoridade pública poderá ser invocada para justificála Entendese que tal proibição absoluta da tortura é parte integrante do jus cogens norma imperativa do Direito Internacional ou seja é hierarquicamente superior às demais normas comuns internacionais 164 O art 3º veda a expulsão devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado quando houver razões substanciais para crer que ela corre perigo de ali ser submetida a tortura princípio do nonrefoulement ou proibição do rechaço Para a determinação da existência dessas razões as autoridades competentes devem levar em conta todas as considerações pertinentes inclusive quando for o caso a existência no Estado em questão de um quadro de violações sistemáticas e graves de direitos humanos A criminalização de todos os atos de tortura deve ser concretizada por todo Estado Parte nos termos do art 4º da Convenção bem como da tentativa de tortura e todo ato de qualquer pessoa que constitua cumplicidade ou participação na tortura O Estado deve punir estes crimes com penas adequadas que levem em conta a sua gravidade Novamente o Direito Internacional dos Direitos Humanos pede auxílio ao Direito Penal para promover o respeito aos seus comandos Medidas devem ser tomadas pelo Estado para estabelecer sua jurisdição sobre tais crimes quando tenham sido cometidos em qualquer território sob sua jurisdição ou a bordo de navio ou aeronave registrada no Estado em questão quando o suposto autor for nacional do Estado em questão ou quando a vítima for nacional do Estado em questão e este o considerar apropriado art 5º Esse é mais um mandado internacional de criminalização Também o Estado Parte tomará as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre tais crimes nos casos em que o suposto autor se encontre em qualquer território sob sua jurisdição e o Estado não extradite aut dedere aut judicare ou extradita ou julga Se uma pessoa suspeita de ter cometido os crimes relacionados a tortura estiver no território de Estado Parte este se considerar após o exame das informações de que dispõe que as circunstâncias o justificam procederá à detenção de tal pessoa ou tomará outras medidas legais para assegurar sua presença Observese que a detenção e outras medidas legais devem ser tomadas de acordo com a lei do Estado mas vigorarão apenas pelo tempo necessário ao início do processo penal ou de extradição O Estado procederá a uma investigação preliminar dos fatos imediatamente Assegurase à pessoa detida facilidades para comunicarse imediatamente com o representante mais próximo do Estado de que é nacional ou se for apátrida com o representante do Estado de residência habitual Promovida a detenção o Estado notificará imediatamente os Estados mencionados no art 5º sobre a detenção e sobre as circunstâncias que a justificam O Estado que proceder à investigação preliminar comunicará sem demora seus resultados aos Estados mencionados e indicará se pretende exercer sua jurisdição Atentese para o fato de que qualquer pessoa processada por qualquer dos crimes previstos na Convenção receberá garantias de tratamento justo em todas as fases do processo art 7º Os crimes previstos na Convenção devem ser considerados como extraditáveis em qualquer tratado de extradição existente entre os Estados Partes e estes se obrigarão a incluir tais crimes como extraditáveis em todo tratado de extradição que vierem a concluir entre si Se o Estado que condicionar a extradição à existência de um tratado receber um pedido de extradição por parte do outro Estado Parte com o qual não mantém tratado de extradição a Convenção poderá ser considerada como base legal para a extradição com respeito a tais crimes sujeitandose a extradição às outras condições estabelecidas pela lei do Estado que receber a solicitação Os Estados Partes que não condicionam a extradição à existência de um tratado reconhecerão entre si que tais crimes devem ser entendidos como extraditáveis dentro das condições estabelecidas pela lei do Estado que receber a solicitação art 8º O art 9º determina que os Estados Partes devem prestar entre si assistência jurídica penal sobre qualquer dos delitos mencionados na Convenção inclusive no que diz respeito ao fornecimento de todos os elementos de prova necessários para o processo que estejam em seu poder Tais obrigações serão cumpridas conforme quaisquer tratados de assistência jurídica existentes entre os Estados Nos arts 10 a 16 a Convenção explicita outras obrigações assumidas pelos Estados Partes Estes devem assegurar conforme determina o art 10 que o ensino e a informação sobre a proibição de tortura sejam plenamente incorporados no treinamento do pessoal civil ou militar encarregado da aplicação da lei do pessoal médico dos funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas que possam participar da custódia interrogatório ou tratamento de qualquer pessoa submetida a qualquer forma de prisão detenção ou reclusão Tal proibição deve ser incluída nas normas ou instruções relativas aos deveres e funções de tais pessoas As normas instruções métodos e práticas de interrogatório bem como as disposições sobre a custódia e o tratamento das pessoas submetidas a qualquer forma de prisão detenção ou reclusão devem ser mantidas pelo Estado Parte sistematicamente sob exame em qualquer território sob sua jurisdição com o objetivo de se evitar qualquer caso de tortura art 11 O Estado Parte deve também assegurar que suas autoridades competentes procederão imediatamente a uma investigação imparcial sempre que houver motivos razoáveis para crer que um ato de tortura tenha sido cometido em qualquer território sob sua jurisdição art 12 e deve assegurar a qualquer pessoa que alegue ter sido submetida a tortura em qualquer território sob sua jurisdição o direito de apresentar queixa perante as autoridades competentes do referido Estado que procederão imediatamente e com imparcialidade ao exame do seu caso Medidas para assegurar a proteção do queixoso e das testemunhas contra qualquer mau tratamento ou intimação em consequência da queixa apresentada ou de depoimento prestado devem ser tomadas pelo Estado art 13 À vítima de ato de tortura cada Estado Parte deve assegurar em seu sistema jurídico o direito à reparação e a uma indenização justa e adequada incluídos os meios necessários para a mais completa reabilitação possível Em caso de morte da vítima como resultado de um ato de tortura seus dependentes terão direito à indenização Essa disposição não afeta qualquer direito a indenização que a vítima ou outra pessoa possam ter em decorrência das leis nacionais art 14 No art 15 a Convenção determina que o Estado Parte deve assegurar que nenhuma declaração que se demonstre ter sido prestada como resultado de tortura possa ser invocada como prova em qualquer processo salvo contra uma pessoa acusada de tortura como prova de que a declaração foi prestada Finalmente o art 16 determina que o Estado se comprometerá a proibir em qualquer território sob sua jurisdição outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis desumanos ou degradantes que não constituam tortura tal como definida na Convenção quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência Observese que se aplicam em particular as obrigações mencionadas nos arts 10 11 12 e 13 com a substituição das referências a tortura por referências a outras formas de tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Como veremos na Parte IV deste livro sobre direitos em espécie houve evolução da prática internacional no tocante à diferenciação entre a tortura e o tratamento cruel desumano ou degradante Três parâmetros servem de auxílio ao intérprete i situação de impotência vulnerabilidade ou sujeição powerlessness da vítima quanto maior a situação de impotência ou sujeição da vítima o ato aproximase da tortura ii gravidade do ato é verificada pela sua duração impacto físico ou psíquico na vítima bem como características pessoais da vítima sexo idade e estado de saúde e iii a finalidade cabe analisar se houve ou não as quatro finalidades da tortura No caso Lizardo Cabrera vs República Dominicana a Comissão Interamericana de Direitos Humanos levou esses parâmetros em consideração as circunstâncias pessoais do Sr Cabrera estado de saúde frágil após greve de fome fizeram com que o sofrimento imposto pelos atos imputados ao Estado isolamento e estado de incomunicabilidade fossem considerados como tortura 165 Na Parte II a Convenção determina a constituição do Comitê contra a Tortura 166 bem como o procedimento de apresentação de relatórios sobre as medidas adotadas para o cumprimento das obrigações assumidas na Convenção pelos Estados a competência do Comitê para receber comunicações interestatais e para receber petições individuais comunicações enviadas por pessoas sob sua jurisdição ou em nome delas que aleguem ser vítimas de violação por um Estado Parte das disposições da Convenção O Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes por sua vez teve por objetivo estabelecer um sistema de visitas regulares de órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde as pessoas são privadas de liberdade com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes conforme prevê seu art 1º Foi adotado em Nova Iorque por Resolução da Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 2002 O Brasil o assinou em 13 de outubro de 2003 e o Congresso Nacional o aprovou por meio do Decreto Legislativo n 483 de 20 de dezembro de 2006 O instrumento de ratificação foi depositado em 11 de janeiro de 2007 e o Protocolo foi promulgado pelo Decreto n 6085 de 19 de abril de 2007 O Protocolo é composto por 37 artigos divididos em sete partes princípios gerais arts 1º a 4º Subcomitê de Prevenção arts 5º a 10 Mandato do Subcomitê de Prevenção arts 11 a 16 Mecanismos preventivos nacionais arts 17 a 23 Declaração art 24 Disposições Financeiras arts 25 e 26 e Disposições Finais arts 27 a 37 Na Parte I sobre princípios gerais o Protocolo prevê que um Subcomitê de Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes deverá ser criado Tratase de Subcomitê do Comitê contra a Tortura que deve desempenhar suas funções no marco da Carta das Nações Unidas e deve ser guiado por seus princípios e propósitos bem como pelas normas das Nações Unidas relativas ao tratamento das pessoas privadas de sua liberdade Deve ainda ser guiado pelos princípios da confidencialidade imparcialidade não seletividade universalidade e objetividade art 2º Em nível nacional os Estados se comprometem a designar ou manter um ou mais mecanismos preventivos nacionais órgãos de visita encarregados de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes art 3º Os Estados Partes devem permitir as visitas tanto do órgão internacional quanto do nacional a qualquer lugar sob sua jurisdição onde pessoas são ou podem ser presas por força de ordem dada por autoridade pública Na Parte II o Protocolo estabelece a composição do Subcomitê de Prevenção a forma de eleição dos membros e da mesa e o tempo de mandato e na Parte III determina como deverá ser cumprido o mandato do Subcomitê Na Parte IV arts 17 a 23 o Protocolo versa sobre os mecanismos preventivos nacionais Na Parte V o Protocolo estabelece que por ocasião da ratificação os Estados Partes poderão fazer uma declaração que adie a implementação de suas obrigações o que será válido pelo máximo de três anos que poderão ser estendidos pelo Comitê contra Tortura por mais dois anos após representações formuladas pelo Estado Parte e após consultas ao Subcomitê de Prevenção Finalmente na Parte VI o Protocolo dispõe sobre o financiamento do Subcomitê de Prevenção As despesas realizadas por ele na implementação do Protocolo serão custeadas pela ONU e paralelamente deverá ser estabelecido um Fundo Especial administrado de acordo com o regulamento financeiro e as regras de gestão financeira das Nações Unidas para auxiliar no financiamento da implementação das recomendações feitas pelo Subcomitê de Prevenção após a visita a um Estado Parte bem como programas educacionais dos mecanismos preventivos nacionais O Fundo poderá ser financiado por contribuições voluntárias feitas por Governos organizações intergovernamentais e não governamentais e outras entidades públicas ou privadas Em 2 de agosto de 2013 foi aprovada a Lei n 12847 que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura SNPCT com o objetivo de fortalecer a prevenção e o combate à tortura Esse sistema é composto pelo i Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura CNPCT pelo ii Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura MNPCT pelo iii Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CNPCP e pelo órgão do Ministério da Justiça responsável pelo sistema penitenciário nacional atualmente o iv Departamento Penitenciário Nacional DEPEN O CNPCT é composto por vinte e três membros escolhidos e designados pelo Presidente da República sendo onze representantes de órgãos do Poder Executivo federal e doze de conselhos de classes profissionais e de organizações da sociedade civil sendo presidido pelo Secretário de Direitos Humanos da Presidência da República que possui status de Ministro de Estado Sua missão é acompanhar avaliar e propor aperfeiçoamentos às ações aos programas aos projetos e aos planos de prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes desenvolvidos em âmbito nacional Já o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura MNPCT órgão integrante da estrutura do Ministério dos Direitos Humanos 167 é composto por 11 peritos escolhidos pelo CNPCT e tem como principal missão planejar realizar e monitorar visitas periódicas e regulares a pessoas privadas de liberdade em todas as unidades da Federação para verificar as condições a que se encontram submetidas O Decreto n 81542013 regulamentou o funcionamento do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura bem como regrou a composição e o funcionamento do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura regulando ainda o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura É composto por 11 peritos especialistas e independentes que possuem amplo acesso aos espaços de privação de liberdade como prisões sistema socioeducativo asilos albergues hospitais psiquiátricos e de custódia comunidades terapêuticas e outros Possui competência para realizar visitas periódicas e regulares aos locais de privação de liberdade para subsidiar a elaboração de relatórios e recomendações às autoridades públicas e privadas responsáveis por esses espaços Ademais diante da constatação de indícios da prática de tortura e de outros tratamentos e práticas cruéis desumanos ou degradantes deve requerer à autoridade competente que instaure procedimento criminal e administrativo O Decreto n 9831 de 11 de junho de 2019 remanejou esses 11 cargos utilizados pelos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura MNPCT para outra área do Poder Público federal exonerando os seus ocupantes e determinando que a participação no Mecanismo seria considerada doravante prestação de serviço público relevante não remunerada A ProcuradoriaGeral da República ingressou com arguição de descumprimento de preceito fundamental contra tal modificação no MNPCT ver acima na medida em que esvaziou significativamente o MNPCT órgão essencial para o combate à prática de tortura e demais tratamentos degradantes ou desumanos em ambientes de detenção e custódia coletiva de pessoas ao transformar o mecanismo antes profissional em trabalho voluntário e precário petição inicial da PGR ADPF 607 rel Min Luiz Fux em trâmite Assim o Brasil cumpriu o disposto no Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes promulgado pelo Decreto n 6085 de 19 de abril de 2007 QUADRO SINÓTICO Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Definição de tortura Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência a fim de obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões castigála por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza O Estado deve tomar medidas eficazes de caráter legislativo administrativo judicial ou de outra natureza a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição Circunstâncias excepcionais tais como ameaça ou estado de guerra instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública não poderão ser invocadas como justificação da tortura em nenhum caso nem a ordem de um funcionário superior ou de uma autoridade pública poderá ser invocada para justificála A criminalização de todos os atos de tortura deve ser concretizada por todo Estado Parte Qualquer pessoa processada por qualquer dos crimes previstos na Convenção receberá garantias de tratamento justo em todas as fases do processo Os crimes discriminados na Convenção devem ser considerados como extraditáveis em qualquer tratado de extradição existente entre os Estados Partes e estes se obrigarão a incluir tais crimes como extraditáveis em todo tratado de extradição que vierem a concluir entre si Mecanismos de monitoramento da Convenção procedimento de relatorias periódicas comunicações interestatais petições individuais Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Objetivo Estabelecer um sistema de visitas regulares de órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde as pessoas são presas com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Mecanismos de monitoramento do Protocolo Subcomitê de Prevenção no plano internacional órgão nacional para prevenir a prática de tortura as visitas tanto do órgão internacional quanto do nacional a qualquer lugar sob sua jurisdição onde pessoas são ou podem ser presas por força de ordem dada por autoridade pública 16 Protocolo de Istambul A incompatibilidade entre a proibição da tortura e sua subsistência no cenário contemporâneo evidencia a necessidade constante de implementação de medidas eficazes contra tratamentos desumanos por parte dos Estados Por este motivo foi apresentado ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em 9 de agosto de 1999 manual para a investigação e documentação eficazes da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes também denominado Protocolo de Istambul Em 2003 o Protocolo foi oficialmente adotado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos como manual modelo na área bem como tem sido sua utilização recomendada no âmbito do Conselho de Direitos Humanos relatoria especial contra a tortura por exemplo O Protocolo é formalmente não vinculante por ser soft law mas como Claudio Grossman bem assinala o manual deve servir de instrumento para implementar o dever internacional do Estado de combater a tortura 168 O objetivo principal desse Protocolo foi fornecer aos Estados auxílio na coleta e utilização de provas da prática da tortura e maustratos possibilitando consequentemente a responsabilização dos infratores A despeito do foco do Protocolo ser os crimes de tortura os métodos de documentação ali previstos também são ferramentas úteis na investigação e supervisão de outras questões de direitos humanos como por exemplo a avaliação de situações de asilo a defesa de indivíduos que admitem a prática de crimes sob tortura e a análise das necessidades de tratamento das vítimas O Protocolo de Istambul especifica as regras sobre os inquéritos estatais que investigam crimes de tortura mencionando a necessidade de determinar o órgão competente para a realização do inquérito recolher e preservar provas materiais médicas fotográficas etc realizar a colheita dos depoimentos das vítimas e testemunhas e estabelecer comissões de inquérito Ademais o Protocolo pormenoriza considerações sobre o procedimento e a finalidade da entrevista das vítimas e da colheita dos indícios físicos e psicológicos da tortura asseverando sobre as especificidades das provas e as reações e dificuldades na instrução de tais procedimentos A análise geral das condições da vítima e do ambiente deve ser feita para o exame dos métodos de tortura empregados eis que estes podem causar sintomas psicológicos orgânicos e de memória às vítimas bem como estas podem sequer ter noção da real extensão dos maus tratos sofridos O Protocolo enfatiza a necessidade de salvaguardar questões processuais e evitar nulidades ressaltando que a solicitação de exame médicolegal deve ser realizada pelo Ministério Público ou outra autoridade competente e que a documentação do perfil psicossocial da vítima deve incluir os seus antecedentes a detenção os maustratos sofridos as condições da prisão e o método de tortura empregado Visando estabelecer uma imagem real e completa da realidade dos centros de detenção o Protocolo recomenda visitas oficiais periódicas a tais estabelecimentos Sobre os indícios físicos de tortura elementos corroboram os depoimentos prestados pelas vítimas e testemunhas e o Protocolo ressalta a importância da sua documentação detalhada É essencial a colheita de histórico médico da vítima com as lesões sofridas antes da detenção e suas possíveis sequelas e a seguir realização de exame físico geral pele rosto peito e abdômen sistema músculo esquelético sistema geniturinário e sistema nervoso central e periférico e específico sobre as formas de tortura espancamento suspensão tortura posicional choques elétricos tortura dentária asfixia tortura sexual e violação etc Como atos de violência podem não deixar marcas físicas visíveis ou permanentes bem como a tortura pode se dar apenas na forma psicológica o Protocolo recomenda a realização de exame neuropsicológico atentando para as reações psicológicas mais comuns à tortura revivência do trauma negação e alheamento emocional depressão dissociação despersonalização psicoses abusos de substâncias etc Como consequência do Protocolo de Istambul em âmbito nacional foi elaborado em 2003 o Protocolo Brasileiro de Perícia Forense no crime de tortura o qual adaptou tais normas regras e orientações à realidade do país Ademais o Conselho Nacional de Justiça CNJ editou a Recomendação n 492014 na qual reitera a obrigatoriedade de observância das normas do Protocolo de Istambul e do Protocolo Brasileiro de Perícia Forense pelos magistrados brasileiros QUADRO SINÓTICO Protocolo de Istambul Natureza jurídica Soft law mas deve ser utilizado como instrumento para que os Estados comprovem que zelam pelo combate à tortura dever internacional Objetivo Criar regras e procedimentos para documentar casos de tortura física e psicológica bem como orientar a prevenção como por exemplo por meio de visitas periódicas aos centros de detenção Uso no Brasil Foi criado em 2003 o Protocolo Brasileiro de Perícia Forense no crime de tortura O CNJ em 2014 recomendou o uso do Protocolo de Istambul e do Protocolo Brasileiro de Perícia Forense para apurar o crime de tortura 17 Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos Regras Nelson Mandela As Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos foram adotadas pelo I Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e para o Tratamento de Delinquentes que foi realizada em Genebra em 31 de agosto de 1955 Foram posteriormente aprovadas pelo Conselho Econômico e Social por meio das Resoluções n 663 C XXIV de 31 de julho de 1957 e 2076 LXII de 13 de maio de 1977 Em maio de 2015 foram atualizadas pela Comissão das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Justiça Criminal tendo tais atualizações sido aprovadas à unanimidade pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2015 Foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU a denominação honorífica da Resolução como Regras Nelson Mandela em homenagem a quem passou 27 anos de sua vida preso na luta pelos direitos humanos igualdade democracia e promoção da cultura da paz parte dos considerandos da Resolução 169 Um dos fatores a favor da atualização das regras foi a constatação da existência de mais de 10 milhões de pessoas encarceradas no mundo No Brasil os dados de 2018 apontam que há 726 mil pessoas encarceradas a terceira população carcerária no mundo em termos absolutos sem levar em consideração a população total do país Por sua vez o Brasil possuía em 2018 somente 437 mil vagas no sistema prisional levando à superpopulação carcerária taxa de ocupação de 166 170 As Regras Mínimas possuem natureza de soft law que consiste no conjunto de normas não vinculantes de Direito Internacional mas que podem se transformar em normas vinculantes posteriormente caso consigam a anuência dos Estados Ademais tais normas espelham diversos direitos dos presos previstos em tratados como por exemplo o direito à integridade física e psíquica igualdade liberdade de religião direito à saúde entre outros Essa interação das Regras com normas de direitos humanos foi atestada nos considerandos da Resolução de 2015 pois se reconheceu a influência do Comentário Geral n 21 do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Assim por consequência a violação das regras mínimas pode concretizar a violação de dispositivos previstos em tratados de direitos humanos Nesse sentido as Regras Mínimas foram expressamente mencionadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Tibi vs Equador como forma de esclarecer o alcance e o sentido do direito à integridade dos presos No caso a Corte IDH constatou o desrespeito pelo Equador do art 24 das Regras direito a tratamento médico 171 A revisão de 2015 abrangeu nove áreas temáticas tratamento médico na prisão restrições disciplina e sanções ao preso buscas nas celas de detenção contato exterior reclamações dos presos investigações e inspeções Entre as alterações destacase a definição de confinamento solitário 172 As novas Regras Mínimas compostas por 122 artigos anteriormente eram 95 estão divididas em três seções observações preliminares regras de aplicação geral Parte I Regras 1 a 85 e regras aplicáveis a categorias especiais Parte II Regras 86 a 122 As observações preliminares deixam claro que não se pretende que as regras descrevam pormenorizadamente um sistema penitenciário e que levandose em conta a grande variedade de condições legais sociais econômicas e geográficas existentes não serão aplicadas indistintamente em todos os lugares Pretendeuse entretanto estabelecer princípios e regras básicos para a organização penitenciária e o tratamento dos reclusos que devem servir de estímulo para esforços no sentido de promover a sua aplicação A primeira parte conforme explicitam as observações preliminares cuida de matérias relativas à administração geral dos estabelecimentos penitenciários e se aplica a todas as categorias de reclusos quer em foro criminal quer em foro cível incluindose aqueles em prisão preventiva ou já condenados bem como os detidos por medida de segurança ou medida de reeducação ordenadas por juiz Conquanto as regras não tenham como objetivo enquadrar a organização de estabelecimentos juvenis considerase que as regras de aplicação geral podem ser também a eles aplicadas e como regra tais jovens não devem ser condenados a penas de reclusão Enunciase de início o princípio básico a aplicação das regras de forma imparcial sem qualquer tipo de discriminação com base em raça cor sexo língua religião opinião política ou outra origem nacional ou social meios de fortuna nascimento ou outra condição No caso das pessoas com deficiência as administrações prisionais devem fazer todos os ajustes possíveis para garantir que tais presos tenham acesso completo e efetivo à vida prisional em base de igualdade Ainda as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o preso devem ser respeitados Os objetivos da sentença de encarceramento foram explicitados a saber i proteger a sociedade contra a criminalidade e ii reduzir a reincidência Esses objetivos só podem ser alcançados se o período de encarceramento for utilizado para assegurar na medida do possível a reintegração de tais indivíduos à sociedade após sua soltura para que possam levar uma vida autossuficiente com respeito às leis Por isso as administrações prisionais e demais autoridades competentes devem oferecer educação formação profissional e trabalho bem como outras formas de assistência apropriadas e disponíveis inclusive aquelas de natureza reparadora moral espiritual social esportiva e de saúde Tais programas atividades e serviços devem ser oferecidos em consonância com as necessidades individuais de tratamento dos presos Consequentemente o regime prisional deve procurar minimizar as diferenças entre a vida no cárcere e aquela em liberdade que tendem a reduzir a responsabilidade dos presos ou o respeito à sua dignidade como seres humanos Estabelecemse regras sobre o registro de informações sobre o preso como a identidade os motivos da detenção e a autoridade que a ordenou e o dia e hora de entrada e saída além da impossibilidade de que alguém seja preso sem ordem de detenção válida cujos pormenores tenham sido registrados Os bens pessoais do detido quando não puderem manter sua posse durante a reclusão serão guardados em lugar seguro e conservados em bom estado para serem restituídos ao preso no momento de sua libertação Também no momento da admissão cada preso deve receber informações inclusive disponibilizadas nos idiomas mais utilizados ou com uso de intérprete se necessário escritas ou oralmente se o preso for analfabeto sobre o regime aplicável à sua categoria sobre as regras disciplinares do estabelecimento sobre os meios autorizados para obter informações e formular queixas e sobre todos os outros pontos necessários para conhecer seus direitos e obrigações e para se adaptar à vida no estabelecimento Presos com deficiências sensoriais devem receber as informações de maneira apropriada a suas necessidades Todo preso deve ter o direito de fazer uma solicitação ou reclamação sobre seu tratamento sem censura quanto ao conteúdo à administração prisional central à autoridade judiciária ou a outras autoridades competentes inclusive àqueles com poderes de revisão e de remediação Toda solicitação ou reclamação deve ser prontamente apreciada e respondida sem demora Se a solicitação ou reclamação for rejeitada ou no caso de atraso indevido o reclamante terá o direito de levála à autoridade judicial ou outra autoridade Mecanismos de salvaguardas devem ser criados para assegurar que os presos possam fazer solicitações e reclamações de forma segura e se requisitado pelo reclamante confidencialmente O preso seus familiares ou advogados não devem ser expostos a qualquer risco de retaliação intimidação ou outras consequências negativas como resultado de uma solicitação ou reclamação Ademais as diferentes categorias de reclusos devem ser mantidas em estabelecimentos separados ou em diferentes zonas considerandose o sexo e a idade além de antecedentes penais razões da detenção e medidas necessárias Dessa forma fica estabelecido que na medida do possível homens e mulheres devem ser detidos em estabelecimentos separados ou em celas totalmente separadas os presos preventivos devem ser separados dos condenados os presos cíveis daqueles presos por motivos penais e os jovens reclusos com relação aos adultos Quanto aos locais de reclusão as regras definem que não podem ser ocupados por mais de um recluso salvo se houver excesso temporário de população prisional quando dois reclusos poderão ficar em uma mesma cela Tais locais devem atender a todas as exigências de higiene e saúde Devese garantir também vestuário que não pode ser degradante ou humilhante e roupa de cama além de alimentação de valor nutritivo adequado acesso à água potável e a prática diária de exercício físico Onde houver dormitórios estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados como sendo capazes de serem alojados juntos Durante a noite deve haver vigilância regular de acordo com a natureza do estabelecimento prisional Ademais toda unidade prisional deve possuir serviço de saúde incumbido de avaliar promover proteger e melhorar a saúde física e mental dos presos prestando particular atenção aos presos com necessidades especiais ou problemas de saúde que dificultam sua reabilitação Os serviços de saúde devem ser compostos por equipe interdisciplinar com pessoal qualificado suficiente atuando com total independência clínica e deve abranger a experiência necessária de psicologia e psiquiatria Serviço odontológico qualificado deve ser disponibilizado a todo preso Nos estabelecimentos em que houver reclusas grávidas devem existir instalações especiais para o seu tratamento e se a criança lá nascer tal fato não pode constar de seu registro Entre outras atribuições do médico as regras mínimas preveem seu dever de examinar o preso o mais rapidamente possível após a sua admissão no estabelecimento para tomar as medidas necessárias bem como de vigiar a saúde física e mental dos reclusos As Regras determinam que os presos devem ter a oportunidade tempo e meios adequados para receberem visitas e de se comunicarem com um advogado de sua própria escolha ou com um defensor público i sem demora ii interceptação ou censura iii em total confidencialidade iv sobre qualquer assunto legal v em conformidade com a legislação local Tais encontros podem estar sob as vistas de agentes prisionais mas não passíveis de serem ouvidos por estes A confidencialidade da conversa entre o preso e seu advogado é a regra geral mas o conteúdo da conversa deve ser restrito à matéria legal e em conformidade com a legislação local Por isso a eventual gravação ambiental do parlatório sala separada por vidro e a comunicação entre advogado e preso é feita mediante interfone com a gravação e filmagem da conversa pode ser excepcionalmente autorizada por ordem judicial caso haja indícios da prática de crime com envolvimento do advogado devendo ser inutilizado qualquer outro teor da conversa 173 As Regras preveem ainda que cada estabelecimento penitenciário deve contar com uma biblioteca para uso dos presos e que se reunir um número suficiente de presos de uma mesma religião um representante dela deve ser nomeado ou autorizado Entretanto se o recluso se opuser à visita de um representante sua vontade deve ser respeitada A realidade brasileira demonstra claramente que tais regras não são cumpridas no Brasil a superlotação dos presídios a reclusão do preso em cela não separada de outras categorias as péssimas condições de higiene e salubridade abusos físicos e sexuais das mais variadas formas bem como o controle de facto do presídio por organizações criminosas exemplificam o quanto ainda se está distante do modelo concebido nas Regras Mínimas Estabelecese ainda que a ordem e a disciplina devem ser mantidas com firmeza sem entretanto que se imponham mais restrições do que as necessárias para a manutenção da segurança e da boa organização da vida comunitária Com efeito as condutas que constituem infração disciplinar o tipo e a duração das sanções e a autoridade competente para pronunciá las devem ser determinados por lei ou regulamentação emanada da autoridade administrativa competente Ademais o preso não pode ser punido sem o respeito ao devido processo legal o que inclui a assistência jurídica e a vedação ao bis in idem ser punido duas vezes pelo mesmo fato Todas as punições cruéis desumanas ou degradantes ou que impliquem tortura devem ser completamente proibidas como sanções disciplinares As seguintes práticas em particular devem ser proibidas a Confinamento solitário indefinido b Confinamento solitário prolongado c Encarceramento em cela escura ou constantemente iluminada d Castigos corporais ou redução da dieta ou água potável do preso e Castigos coletivos Instrumentos de imobilização jamais devem ser utilizados como sanção a infrações disciplinares Mesmo que o preso sofra sanções disciplinares ou medidas restritivas poderá em geral ter contato com sua família que só pode ser restringido por um prazo limitado e quando for estritamente necessário para a manutenção da segurança e da ordem Em grande avanço para reduzir a discricionariedade dos Estados o confinamento solitário foi definido como o confinamento do preso por 22 horas ou mais por dia sem contato humano significativo O confinamento solitário prolongado sanção proibida referese ao confinamento solitário por mais de 15 dias consecutivos Por oportuno ressaltase que embora sua constitucionalidade não tenha sido julgada pelo STF 174 o Regime Disciplinar Diferenciado RDD incluído pela Lei n 10792 de 1º de dezembro de 2003 à Lei de Execução Penal Lei n 721084 que submete o preso ao confinamento solitário prolongado por até 360 dias sem limite de repetição da sanção por nova falta grave é questionado por ser considerado violador das Regras Mínimas pela segregação prolongada de presos sem a observância dos limites vistos supra O uso de correntes imobilizadores de ferro ou outros instrumentos restritivos inerentemente degradantes ou dolorosos deve ser proibido Outros instrumentos restritivos por exemplo algemas devem ser utilizados apenas quando i previstos em lei e ii em circunstâncias definidas tais como por precaução contra evasão durante transferência desde que sejam removidos quando o preso estiver diante de autoridade judicial ou administrativa ou por razões médicas sob indicação do médico Esses instrumentos de restrição devem ser i os menos invasivos ii temporários sendo retirados depois que o risco que motivou a restrição não esteja mais presente Os instrumentos de restrição não devem ser utilizados em mulheres em trabalho de parto nem durante e imediatamente após o parto No Brasil a Lei n 134342017 vedou o uso de algemas em i mulheres grávidas durante os atos médicohospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto bem como em ii mulheres durante o período de puerpério imediato Além disso o Decreto n 88582016 regulamentou o uso de algemas no Brasil Ademais a Súmula Vinculante 11 tem o seguinte teor restringindo o uso de algemas Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros justificada a excepcionalidade por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado ver mais na Parte IV Cap 119 deste Curso As revistas íntimas e inspeções serão conduzidas respeitandose a inerente dignidade humana e privacidade do indivíduo sob inspeção assim como os princípios da proporcionalidade legalidade e necessidade de garantir a segurança nas unidades prisionais O registro das revistas é obrigatório para fins de controle As revistas íntimas invasivas o que inclui o ato de despir o preso e inspecionar as partes íntimas devem ser empreendidas apenas quando forem absolutamente necessárias As administrações prisionais devem ser encorajadas a desenvolver e utilizar outras alternativas apropriadas em vez de revistas íntimas Há ainda a previsão da realização da revista íntima apenas por profissionais de saúde qualificados mas se aceita que seja feita por pessoal apropriadamente treinado por profissionais da área médica nos padrões de higiene saúde e segurança Quanto ao visitante as Regras reconhecem que sua entrada depende do seu consentimento em se submeter à revista caso não concorde a administração prisional poderá vedarlhe o acesso Por outro lado os procedimentos de entrada e revista para visitantes não devem ser degradantes e devem ser regidos no mínimo pelos mesmos parâmetros protetivos da revista aos presos Revistas em partes íntimas do corpo do visitante devem ser evitadas mas não foram expressamente proibidas e não devem ser utilizadas em crianças proibição Para permitir contatos com o mundo exterior as Regras Mínimas aludem expressamente ao dever de se conceder aos presos a possibilidade de comunicarse com as suas famílias e amigos seja por meio de correspondência e onde houver telecomunicações meios digitais eletrônicos e outros seja por meio de visitas Caso sejam permitidas as visitas íntimas estas devem ser garantidas sem discriminação devendo as mulheres presas exercerem tal direito nas mesmas bases que os homens Devem ser instaurados procedimentos e locais devem ser disponibilizados de forma a garantir o justo e igualitário acesso à visita íntima respeitandose a segurança e a dignidade dos envolvidos Há ainda o dever de manter os presos regularmente informados sobre as notícias mais importantes por meio de jornais periódicos ou outros meios autorizados ou controlados pela administração Há regras também sobre a notificação de morte doença e transferência dentre outros fatos ao preso e à sua família regras sobre a forma de transferência situação em que medidas apropriadas devem ser tomadas para proteger de insultos curiosidade ou publicidade e regra sobre a inspeção regular dos estabelecimentos e serviços penitenciários para assegurar que sejam administrados de acordo com as leis e regulamentos vigentes Quanto aos sistemas de controle as Regras estabelecem que não obstante uma investigação interna o diretor da unidade prisional deve reportar imediatamente a morte o desaparecimento ou o ferimento grave à autoridade judicial ou a outra autoridade competente independentemente da administração prisional e deve determinar a investigação imediata imparcial e efetiva sobre as circunstâncias e causas de tais eventos A administração prisional deve cooperar integralmente com a referida autoridade e assegurar que todas as evidências sejam preservadas Há preocupação especial com a tortura todas as alegações de tortura ou tratamentos ou sanções cruéis desumanas ou degradantes devem ser apreciadas imediatamente e resultar em pronta e imparcial investigação conduzida por autoridade nacional independente por exemplo o Ministério Público Finalmente as Regras Mínimas apresentam as diretrizes para a formação e o trabalho dos membros do pessoal penitenciário ressaltando sua missão social de grande importância bem como diretrizes sobre o relacionamento dos funcionários com os presos especialmente tendo se em conta o tratamento com as mulheres A segunda parte de outro lado contém regras referentes ao objetivo de reinserção do preso na sociedade As regras aplicáveis aos presos condenados são também aplicadas aos presos com transtornos mentais presos detidos ou aguardando julgamento e condenados por dívidas ou a prisão civil se não forem contraditórias com as regras específicas dessas seções e se levarem a uma melhoria de condições para tais presos Inicialmente são apresentados os princípios gerais que devem nortear a administração dos sistemas penitenciários e os objetivos a que devem atender O sistema penitenciário não deve agravar o sofrimento inerente à situação de privação de liberdade exceto pontualmente por razões justificáveis de segregação e para a manutenção da disciplina Nesse sentido o tratamento de presos sentenciados ao encarceramento ou a medida similar deve ter como propósito até onde a sentença permitir criar nos presos a vontade de levar uma vida de acordo com a lei e autossuficiente após sua soltura e capacitálos a isso além de desenvolver seu senso de responsabilidade e autorrespeito Por isso o tratamento dos presos deve enfatizar não a sua exclusão da comunidade mas sua participação contínua nela devendo existir a participação social para auxiliar a equipe da unidade prisional na tarefa de reabilitação social dos presos Elegese como fim da pena de privação de liberdade a proteção de direitos humanos de terceiros contra o crime o que só pode ser assegurado se o preso após seu regresso à liberdade tenha vontade e aptidão para seguir um modo de vida de acordo com a lei e provendo suas próprias necessidades Para tanto diversas medidas são apresentadas com a finalidade de permitir a reintegração do preso à sociedade A tarefa da sociedade não termina com a liberação de um preso Deve haver portanto agências governamentais ou privadas capazes de prestar acompanhamento póssoltura de forma eficiente direcionadas à diminuição do preconceito contra ele e visando à sua reinserção social Para atender à individualização da pena cada preso deve ter sua personalidade analisada para que lhe seja preparado um programa de tratamento atendendo às suas necessidades individuais suas capacidades e seu estado de espírito O trabalho na prisão é apresentado como uma medida apta a aumentar nos presos a habilidade de viver de modo digno após a liberdade O trabalho na prisão não deve ser de natureza estressante e os presos não devem ser mantidos em regime de escravidão ou servidão Dessa forma prevêse que a organização e os métodos do trabalho penitenciário devem se aproximar de trabalho semelhante fora do estabelecimento garantindose aos reclusos os cuidados destinados a proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores e que a lei preveja seus direitos de limitação do tempo de jornada descanso semanal remuneração equitativa indenização em caso de acidente de trabalho ou doenças profissionais dentre outros Também para atender ao objetivo de inclusão futura do preso prevêse que devem ser tomadas todas as medidas para melhorar sua educação sendo esta obrigatória para analfabetos e jovens presos além de atividades de recreio e culturais Ademais observase a necessidade de se prestar atenção à manutenção e à melhora das relações entre o preso e a família e de se estimular o preso a estabelecer relações com pessoas e organizações externas Todas as unidades prisionais devem oferecer atividades recreativas e culturais em benefício da saúde física e mental dos presos As Regras Mínimas então apresentam o especial tratamento que deve ser conferido aos presos com deficiência mental ou com problemas de saúde severos que não devem ser mantidos em prisões mas transferidos para estabelecimentos apropriados Quanto aos presos ainda no aguardo de sentença definitiva estes devem ser tratados como presos não julgados sendo presumidos inocentes e assim devem ser tratados Devem ser mantidos separados dos condenados garantindose a eles maiores direitos como o de ser visitado ou tratado por seu médico e dentista pessoais e o de se entrevistar com seu advogado sem que seja ouvido embora possa ser visto por funcionário da polícia ou do estabelecimento tal qual os demais presos Há também regras para os países cuja legislação preveja a prisão por dívidas ou por outras formas pronunciadas por decisão sem natureza penal cujo tratamento não será menos favorável do que aquele oferecido a presos não julgados exceto para aqueles obrigados a trabalhar Finalmente para os presos sem acusação sem prejuízo do que dispõe o art 9º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que garante a qualquer pessoa privada de sua liberdade o direito de recorrer a um tribunal para que decida sobre a legalidade de seu encarceramento aplicamse as disposições da Parte I das Regras Mínimas além das aplicadas aos presos não julgados e dos princípios gerais da Parte II QUADRO SINÓTICO Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos Regras Nelson Mandela Natureza jurídica de soft law Mas reflete vários direitos previstos em tratados internacionais Atualizadas em 2015 com diversas inovações Regras levam em conta a grande variedade de condições legais sociais econômicas e geográficas existentes de forma que não serão aplicadas indistintamente em todos os lugares A aplicação das regras deve ser feita de forma imparcial sem qualquer tipo de discriminação com base em raça cor sexo língua religião opinião política ou outra origem nacional ou social meios de fortuna nascimento ou outra condição Entretanto as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o recluso devem ser respeitados Devem ser respeitados os demais direitos fundamentais do preso não afetados pela restrição de sua liberdade O objetivo é a reinserção social e prevenção da reincidência 18 Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras Regras de Bangkok As Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras resultam do trabalho de um grupo de especialistas realizado em Bangkok entre 23 e 26 de novembro de 2009 visando o desenvolvimento de normas específicas para o tratamento das mulheres submetidas a medidas privativas e não privativas de liberdade As também denominadas Regras de Bangkok consideradas como complementares às Regras mínimas para o tratamento de presos Regras Nelson Mandela foram aprovadas pela Assembleia Geral da ONU na Resolução n 65229 de 21 de dezembro de 2010 175 Com isso tratase de um conjunto de normas de soft law não possuindo força vinculante aos Estados Porém serve como importante vetor de interpretação do alcance de normas nacionais e internacionais sobre direitos humanos que podem incidir sobre as mulheres presas como por exemplo o direito à integridade pessoal devido processo legal entre outras bem como para orientar a produção normativa posterior No caso brasileiro em 2016 foi editado o Decreto n 8858 determinando o uso das Regras de Bangkok como diretrizes para o emprego de algemas O objetivo principal do documento é estabelecer regras e políticas públicas de prevenção de crimes e justiça criminal especificamente voltadas para as mulheres sendo direcionadas às autoridades nacionais legisladores Poder Judiciário Ministério Público e agentes penitenciários envolvidas na administração das penas privativas de liberdade e alternativas à prisão As Regras de Bangkok pautamse por dois pressupostos i as necessidades específicas das mulheres as quais incluem entre outras idade orientação sexual identidade de gênero nacionalidade situação de gestação e maternidade ii o reconhecimento de que parcela das mulheres infratoras não representa risco à sociedade de modo que o encarceramento pode dificultar a sua reinserção social 176 As Regras de Bangkok são divididas em quatro seções a Seção I aborda as Regras 1 a 39 relativas à administração das instituições e possui aplicação geral a todas as mulheres privadas de liberdade a Seção II traz as Regras 40 a 56 aplicáveis a categorias especiais sendo subdividida entre as regras que se aplicam às presas condenadas subseção A e aquelas concernentes às presas provisórias subseção B a Seção III contém as Regras 57 a 66 para as mulheres submetidas a sanções não privativas de liberdade e finalmente a Seção IV enumera as regras sobre pesquisa avaliação planejamento e compartilhamento de informações aplicáveis a todas as categorias de mulheres infratoras No total são enumeradas 70 regras no documento Antes das regras é enunciado um princípio básico a proibição a qualquer tipo de discriminação na aplicação das Regras de Bangkok Em caráter complementar a Regra 1 reforça que a igualdade material de gênero depende do reconhecimento de necessidades distintas das mulheres presas As Regras 2 3 e 4 dizem respeito ao ingresso registro e alocação das mulheres infratoras Ao ingressar no estabelecimento prisional deve ser permitido o contato com parentes acesso à assistência judiciária e às informações sobre o regulamento das prisões em idioma de sua compreensão Para as mães deve ser autorizada a adoção de providências em relação a seus filhos incluindo no melhor interesse da criança eventual suspensão da medida privativa de liberdade Ademais devem ser incluídos no registro da infratora em caráter confidencial os nomes e as idades dos filhos sua localização e situação de guarda ou custódia Outra providência é a priorização da permanência em prisão próxima ao seu meio familiar levando em consideração as responsabilidades da mulher como fonte de cuidado dos filhos No Brasil a Lei n 132572016 alterou o Código de Processo Penal para incluir uma série de medidas que visam inserir nos atos procedimentais penais lavratura do auto de prisão em flagrante inquérito policial interrogatório policial o registro de informações sobre existência de filhos respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos A seguir as Regras 5 a 18 tratam da higiene pessoal e dos cuidados médicos das mulheres Nessa linha as instalações devem ser satisfatórias para as necessidades das mulheres incluindo suprimento de produtos de higiene íntima gratuitos e água disponível O cuidado com a saúde das infratoras pressupõe igualmente a realização de amplo exame médico de ingresso o qual deve incluir entre outras medidas o diagnóstico de abuso sexual ou outras formas de violência sofridas acompanhado da informação do seu direito de denunciar aos abusos e recorrer às autoridades judiciais Havendo crianças que acompanham a infratora estas também devem passar por exame médico Outras regras relativas à saúde das mulheres incluem i o atendimento médico específico físico e mental com a prioridade se for solicitado pela mulher de tratamento ou exame realizado por médica ou enfermeira ii a presença apenas da equipe médica durante os exames ressalvados os casos em que para a segurança da equipe médica ou da própria mulher for necessária a presença de funcionário do presídio iii o fornecimento de programas de prevenção e tratamento especializado para o HIV consumo de drogas e prevenção às lesões autoinflingidas e ao suicídio A segurança e a vigilância das mulheres são abordadas nas Regras 19 a 25 Os métodos de inspeção devem respeitar a dignidade das mulheres evitandose as revistas íntimas e as inspeções corporais invasivas as quais quando necessárias devem ser conduzidas por funcionárias devidamente treinadas Visando proteger as crianças é vedada a imposição de sanções de isolamento ou segregação disciplinar às gestantes e mães em período de amamentação É vedada também a utilização de instrumentos de contenção em mulheres em trabalho de parto ou no período imediatamente posterior Nessa linha e como já visto anteriormente a Lei n 134342017 vedou o uso de algemas em i mulheres grávidas durante os atos médicohospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto bem como em ii mulheres durante o período de puerpério imediato O contato entre a presa e o mundo exterior pautado pelo estímulo à comunicação e visitas dos familiares está enunciado nas Regras 26 a 28 Ao final da Seção I as Regras 29 a 35 abordam a capacitação dos funcionários penitenciários com atenção especial às necessidades das presas e as Regras 36 a 39 reforçam o dever de aplicação das regras para as adolescentes em conflito com a lei atentandose para as peculiaridades de sua idade e gênero A subseção A da Seção 2 abarca as presas condenadas As Regras 40 e 41 determinam a classificação e individualização das presas de acordo com suas necessidades de gênero e situação de modo a instituir programas apropriados de reabilitação No mesmo sentido a Regra 42 disciplina o regime prisional o qual deve oferecer serviços adequados para a realização de atividades específicas de gênero bem como para o cuidado de crianças Já as Regras 43 a 47 trazem o dever de incentivo por parte das autoridades prisionais às relações social e assistencial posterior ao encarceramento Para facilitar a transição da prisão para a liberdade estimulase na medida do possível que as autoridades autorizem por exemplo o sursis a fixação de regime prisional aberto e as saídas temporárias As mulheres gestantes lactantes ou com filhos deverão receber orientações de dieta saúde e qualidade de vida conforme preceituado nas Regras 48 a 52 Devese estimular a amamentação e visando o melhor interesse da criança fornecer ambiente adequado com serviços de saúde e educação para crianças que vivam com as mães na prisão A subseção A da parte II termina enfatizando a prioridade na transferência de presas estrangeiras o mais cedo possível para o seu país de origem e o dever de reconhecimento das necessidades distintas das minorias e dos povos indígenas Regras 53 a 55 177 A subseção B da Seção II contempla apenas a Regra 56 que estipula a adoção de medidas para minimizar o risco específico de abuso às mulheres em prisão cautelar Ressaltase que apesar da divisão entre as subseções da Seção II as regras da subseção A se aplicam a subseção B desde que beneficiem a mulher e não sejam incompatíveis com as regras específicas das presas condenadas ou provisórias Compreendendo o histórico de vitimização das mulheres infratoras e suas responsabilidades de cuidado a Seção III foca nas Regras 57 e 58 no estabelecimento de medidas despenalizadoras e alternativas à prisão das mulheres A seguir a Regra 59 traz a regra da utilização de medidas protetivas não privativas de liberdade albergues e serviços comunitários admitindo a privação temporária da liberdade unicamente para a proteção da mulher caso seja por ela solicitada com a devida fiscalização judicial da medida Para auxiliar as mulheres a combater os estímulos mais comuns à criminalidade a Regra 60 prevê a disponibilização de cursos e orientações especificamente para vítimas de violência doméstica e abuso sexual tratamento para transtorno mental e programas de capacitação para melhorar as possibilidades de acesso ao mercado de trabalho A Regra 61 autoriza a consideração da primariedade da natureza da falta de gravidade do crime e das responsabilidades de cuidado das mulheres como fatores atenuantes da pena a ser imposta A compreensão dos traumas sofridos exclusivamente por mulheres inspira a Regra 62 que prevê a prestação de serviços comunitários destinados exclusivamente para mulheres como tratamento para o consumo de drogas Além disso a Regra 63 reforça a necessidade de políticas específicas de reintegração da mulher infratora na sociedade assim como o reconhecimento das responsabilidades de cuidado as quais devem ser ponderadas de forma positiva nas decisões sobre livramento condicional A Regra 64 prevê que às mulheres gestantes e com filhos dependentes devem ser estipuladas medidas alternativas sendo a prisão excepcional e aceita apenas para a prática de crimes graves ou violentos ou quando a mulher representar ameaça contínua à sociedade Nesse sentido a Lei n 132572016 Marco Legal de Atenção à Primeira Infância dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e em linha com as Regras de Bangkok autoriza por intermédio da alteração do art 318 do CPP a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar quando se tratar a de gestante b de mulher com filho de até 12 doze anos de idade incompletos c de homem caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 doze anos incompletos ou d de agente considerado imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 seis anos de idade ou com deficiência citando expressamente as Regras de Bangkok conferir STF HC 134734 rel Min Celso de Mello decisão de 3062016 e também STF HC 134104 rel Min Gilmar Mendes j 282016 A preocupação com a vulnerabilidade de gênero e com a máxima proteção das vítimas rege as Regras 65 e 66 as quais preceituam a institucionalização mínima de adolescentes em conflito com a lei e a ratificação dos documentos internacionais para a prevenção e repressão do tráfico de mulheres e crianças Por fim na Seção IV as Regras 67 a 69 valorizam o estímulo à pesquisa planejamento e avaliação de aspectos relativos às características delitos e encarceramento das mulheres infratoras visando contribuir para a formulação de políticas e programas que reduzam a estigmatização da mulher e facilitem a sua reintegração social Em caráter acessório a Regra 70 enfatiza o papel de conscientização dos meios de comunicação e do público sobre os motivos que levam as mulheres à criminalidade e os mecanismos eficazes de lidar com tais problemas QUADRO SINÓTICO Regras de Bangkok Natureza jurídica Resolução n 65229 de 21 de dezembro de 2010 da Assembleia Geral da ONU soft law Serve como vetor de interpretação das normas nacionais e internacionais sobre os direitos humanos que incidem sobre as mulheres submetidas a tais medidas Utilizada já expressamente em precedente do STF Objetivo Desenvolver normas específicas para o tratamento das mulheres submetidas a medidas privativas e não privativas de liberdade Em linha com a Lei n 132572016 Marco Legal de Atenção à Primeira Infância Essência do documento Estabelecer regras e políticas públicas de prevenção de crimes e de justiça criminal especificamente voltadas para as mulheres tendo em vista as suas necessidades específicas de idade orientação sexual identidade de gênero nacionalidade situação de gestação e maternidade 19 Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado A Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado foi assinada em Nova York em dezembro de 2006 Possui em 2019 61 Estados partes No Brasil a Convenção foi assinada em 6 de fevereiro de 2007 aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 661 publicado em 1º de setembro de 2010 e ratificada em 29 de novembro de 2010 Somente foi promulgada internamente seis anos depois da ratificação pelo Decreto n 8767 de 11 de maio de 2016 Foi firmada após a adoção da Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados pela Assembleia Geral das Nações Unidas Resolução n 47133 de 18 de dezembro de 1992 tendo em vista a gravidade do desaparecimento forçado que constitui crime e em determinadas circunstâncias definidas pelo direito internacional crime contra a humanidade Nesse sentido em seu preâmbulo a Convenção ressalta a necessidade de prevenir o desaparecimento forçado e de combater a impunidade nesses casos afirmando o direito à verdade das vítimas sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado e o destino da pessoa desaparecida bem como o direito à liberdade de buscar receber e difundir informação com este fim Tratase de um importante instrumento para o Brasil em conjunto com a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado que também já foi ratificada e incorporada internamente A Convenção possui o preâmbulo e 45 artigos divididos em três partes que podem ser assim esquematizadas i Parte I obrigações estatais direitos e garantias arts 1º a 25 ii Parte II Comitê contra Desaparecimentos Forçados arts 26 a 36 e iii Parte III disposições finais arts 37 a 45 Iniciando a Parte I o art 1º enuncia nenhuma pessoa será submetida a desaparecimento forçado e nenhuma circunstância excepcional seja estado de guerra ou ameaça de guerra instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública poderá ser invocada como justificativa para o desaparecimento forçado Em seguida o art 2º define o desaparecimento forçado como a prisão a detenção o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização apoio ou aquiescência do Estado e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida privandoa assim da proteção da lei Tratase de definição bastante semelhante à já adotada pela Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado Já no art 24 a Convenção define como vítima a pessoa desaparecida e todo indivíduo que tiver sofrido dano como resultado direto de um desaparecimento forçado No art 5º a Convenção determina que a prática generalizada ou sistemática de desaparecimento forçado constitui crime contra a humanidade tal como define o direito internacional aplicável o qual está sujeito às consequências nele previstas O art 3º determina ao Estado Parte a adoção de medidas apropriadas para investigar os atos definidos no art 2º cometidos por pessoas ou grupos de pessoas que atuem sem a autorização o apoio ou a aquiescência do Estado bem como para levar os responsáveis à justiça Ademais a Convenção estabelece um mandado de criminalização ao determinar que os Estados tomem as medidas necessárias para assegurar que o desaparecimento forçado constitua crime em conformidade com o seu direito penal Em seguida o art 6º determina que os Estados partes tomem as medidas necessárias para responsabilizar penalmente ao menos a toda pessoa que cometa ordene solicite ou induza a prática de um desaparecimento forçado tente praticálo seja cúmplice ou partícipe do ato b o superior que i tiver conhecimento de que os subordinados sob sua autoridade e controle efetivos estavam cometendo ou se preparavam para cometer um crime de desaparecimento forçado ou que tiver conscientemente omitido informação que o indicasse claramente ii tiver exercido sua responsabilidade e controle efetivos sobre as atividades relacionadas com o crime de desaparecimento forçado e iii tiver deixado de tomar todas as medidas necessárias e razoáveis a seu alcance para prevenir ou reprimir a prática de um desaparecimento forçado ou de levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes para fins de investigação e julgamento Ademais nenhuma ordem ou instrução de autoridade pública civil militar ou de outra natureza pode ser utilizada para justificar um crime de desaparecimento forçado Além de criminalizar a conduta o Estado Parte deve fazer com que o crime seja punível com penas apropriadas que levem em conta a sua gravidade Entretanto poderão ser definidas circunstâncias atenuantes especialmente para pessoas que tendo participado do cometimento de um desaparecimento forçado efetivamente contribuam para a reaparição com vida da pessoa desaparecida ou possibilitem o esclarecimento desses casos ou a identificação dos responsáveis por eles Por outro lado poderão ser definidas também circunstâncias agravantes especialmente em caso de morte da pessoa desaparecida ou do desaparecimento forçado de gestantes menores pessoas com deficiência ou outras pessoas particularmente vulneráveis art 7º Com relação à prescrição penal do crime de desaparecimento forçado art 8º o Estado Parte que adotála deve tomar as medidas necessárias para assegurar que o prazo seja de longa duração e proporcional à extrema seriedade desse crime e que sua contagem se inicie no momento em que cessar o desaparecimento forçado considerandose a sua natureza permanente Em paralelo cada Estado Parte deve garantir às vítimas de desaparecimento forçado o direito a um recurso efetivo durante o prazo de prescrição Ademais o Estado deve tomar as medidas necessárias para instituir sua jurisdição sobre o crime de desaparecimento forçado quando o crime for cometido em qualquer território sob sua jurisdição ou a bordo de um navio ou aeronave que estiver registrado no referido Estado quando o suposto autor do crime for um nacional desse Estado ou quando a pessoa desaparecida for nacional desse Estado e este o considere apropriado Deve também tomar medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre o crime de desaparecimento forçado quando o suposto autor do crime encontrarse em território sob sua jurisdição salvo se extraditálo ou entregálo a outro Estado de acordo com suas obrigações internacionais ou entregálo a uma corte penal internacional cuja jurisdição reconheça Entretanto a Convenção não exclui qualquer outra jurisdição penal exercida em conformidade com o direito interno art 9º No art 10 a Convenção estabelece que caso uma pessoa suspeita de ter cometido um crime de desaparecimento forçado esteja em território de um Estado Parte este após o exame da informação disponível e se considerar que as circunstâncias assim o justifiquem pode proceder à detenção dessa pessoa ou adotar outras medidas legais necessárias para assegurar sua permanência Nesses casos será imediatamente iniciado um inquérito ou investigações para apurar os fatos A pessoa detida nesses termos tem o direito de comunicar se imediatamente com o representante mais próximo do Estado de que é nacional ou caso se trate de pessoa apátrida com o representante do Estado onde habitualmente resida Já o art 11 estabelece que o Estado Parte no território de cuja jurisdição se encontre uma pessoa suspeita de haver cometido crime de desaparecimento forçado caso não conceda sua extradição ou a sua entrega a outro Estado de acordo com suas obrigações internacionais ou sua entrega a uma corte penal internacional cuja jurisdição tenha reconhecido deve submeter o caso a suas autoridades competentes para fins de ajuizamento da ação penal Em paralelo toda pessoa investigada por crime de desaparecimento forçado terá a garantia de tratamento justo em todas as fases do processo e deverá beneficiarse de um julgamento justo ante uma corte ou tribunal de justiça competente independente e imparcial estabelecido por lei Ademais o art 13 prevê que para fins de extradição entre os Estados partes o crime de desaparecimento forçado não pode ser considerado crime político um delito conexo a um crime político nem um crime de motivação política Dessa forma um pedido de extradição fundado em um crime desse tipo não poderá ser recusado por este único motivo Além disso o crime de desaparecimento forçado deve estar entre os crimes passíveis de extradição em qualquer tratado celebrado entre Estados partes antes da entrada em vigor da Convenção e os Estados partes assumem o compromisso de incluir o crime de desaparecimento forçado entre os crimes passíveis de extradição em todos os tratados de extradição que vierem a firmar A Convenção também pode ser considerada como a base legal necessária para extradições relativas ao crime de desaparecimento forçado se um Estado Parte condicionar a extradição à existência de um tratado e não o tiver com outro Estado Parte Por outro lado os Estados partes que não condicionarem a extradição à existência de um tratado reconhecerão o crime de desaparecimento forçado como passível de extradição entre si Em todos esses casos a extradição está sujeita às condições estipuladas pela legislação do Estado Parte requerido ou pelos tratados de extradição aplicáveis o que inclui as condições relativas à pena mínima exigida para a extradição e à motivação pela qual o Estado Parte requerido poderá recusar a extradição ou sujeitála a certas condições Por outro lado nada da Convenção pode ser interpretado no sentido de obrigar o Estado Parte requerido a conceder a extradição se este tiver razões substantivas para crer que o pedido tenha sido apresentado com o propósito de processar ou punir uma pessoa com base em razões de sexo raça religião nacionalidade origem étnica opiniões políticas ou afiliação a determinado grupo social ou que a aceitação do pedido causaria dano àquela pessoa por qualquer dessas razões O Estado deve assegurar a qualquer indivíduo que alegue que alguém foi vítima de desaparecimento forçado o direito de relatar os fatos às autoridades competentes as quais examinarão as alegações pronta e imparcialmente e caso necessário instaurarão sem demora uma investigação completa e imparcial Ademais medidas apropriadas devem ser tomadas caso necessário para assegurar que o denunciante as testemunhas os familiares da pessoa desaparecida e seus defensores bem como os participantes da investigação sejam protegidos contra maustratos ou intimidação em decorrência da denúncia ou de qualquer declaração prestada Ainda caso haja motivos razoáveis para crer que uma pessoa tenha sido vítima de desaparecimento forçado as autoridades instaurarão uma investigação mesmo que não tenha havido denúncia formal Também deve assegurar que as autoridades mencionadas tenham os poderes e recursos necessários para conduzir eficazmente a investigação inclusive acesso à documentação e a outras informações que lhe sejam relevantes bem como tenham acesso se necessário mediante autorização prévia de autoridade judicial emitida com brevidade a qualquer local de detenção ou qualquer outro local onde existam motivos razoáveis que levem a crer que a pessoa desaparecida se encontre O Estado deve também adotar as medidas necessárias para prevenir e sancionar atos que obstruam o desenvolvimento da investigação e assegurar que pessoas suspeitas de haverem cometido o crime de desaparecimento forçado não estejam em posição que possa influenciar o andamento da investigação por meio de pressão ou atos de intimidação ou represália dirigidos contra o denunciante as testemunhas os familiares da pessoa desaparecida ou seus defensores ou contra quaisquer pessoas que participarem da investigação A Convenção estabelece em seu art 14 que os Estados devem prestar mutuamente toda a assistência judicial possível no que diz respeito a processos penais relativos a um crime de desaparecimento forçado inclusive disponibilizando toda evidência em seu poder que for necessária ao processo Tal assistência judicial está sujeita às condições previstas no direito interno do Estado Parte requerido ou nos tratados de cooperação judicial aplicáveis incluindo em particular os motivos pelos quais o Estado Parte requerido poderá recusarse a conceder assistência judicial recíproca ou sujeitála a certas condições Além disso o art 15 determina que os Estados partes cooperem entre si e prestem a máxima assistência recíproca para assistir as vítimas de desaparecimento forçado e para a busca localização e libertação de pessoas desaparecidas e na eventualidade de sua morte para exumálas identificálas e restituir seus restos mortais Pela Convenção nenhum Estado Parte pode expulsar entregar ou extraditar uma pessoa a outro Estado onde haja razões fundadas para crer que a pessoa correria o risco de ser vítima de desaparecimento forçado Para avaliálo as autoridades competentes devem levar em conta todas as considerações pertinentes inclusive se couber a existência no Estado em questão de um padrão de violações sistemáticas graves flagrantes e maciças dos direitos humanos ou graves violações do direito internacional humanitário art 16 O art 17 prevê que nenhuma pessoa será detida em segredo Ademais estabelece que sem prejuízo de outras obrigações internacionais do Estado Parte em matéria de privação de liberdade cada Estado Parte em sua legislação i deve estabelecer as condições sob as quais pode ser emitida autorização para a privação de liberdade ii deve indicar as autoridades facultadas a ordenar a privação de liberdade iii deve garantir que toda pessoa privada de liberdade seja mantida unicamente em locais de detenção oficialmente reconhecidos e supervisionados iv deve garantir que toda pessoa privada de liberdade seja autorizada a comunicarse com seus familiares advogados ou qualquer outra pessoa de sua escolha e a receber sua visita de acordo com as condições estabelecidas em lei ou no caso de um estrangeiro de comunicarse com suas autoridades consulares de acordo com o direito internacional aplicável v deve garantir acesso de autoridades e instituições competentes e legalmente autorizadas aos locais onde houver pessoas privadas de liberdade se necessário mediante autorização prévia de uma autoridade judicial e por fim vi deve garantir que toda pessoa privada de liberdade ou em caso de suspeita de crime de desaparecimento forçado por encontrarse a pessoa privada de liberdade incapaz de exercer esse direito quaisquer outras pessoas legitimamente interessadas tais como seus familiares representantes ou advogado possam em quaisquer circunstâncias iniciar processo perante uma corte para que esta decida sem demora quanto à legalidade da privação de liberdade e ordene a soltura da pessoa no caso de tal privação de liberdade ser ilegal O Estado deve ainda assegurar a compilação e a manutenção de um ou mais registros oficiais ou prontuários atualizados de pessoas privadas de liberdade os quais conterão certas informações determinadas pela Convenção e serão prontamente postos à disposição mediante solicitação de qualquer autoridade judicial ou de qualquer outra autoridade ou instituição competente ao amparo do direito interno ou de qualquer instrumento jurídico internacional relevante de que o Estado Parte seja parte Ademais cada Estado Parte deve garantir a quaisquer pessoas com interesse legítimo nessa informação tais como familiares da pessoa privada de liberdade seus representantes ou seu advogado o acesso a pelo menos as seguintes informações autoridade que ordenou a privação de liberdade data hora e local em que a pessoa foi privada de liberdade e admitida no local de privação de liberdade autoridade que controla a privação de liberdade local onde se encontra a pessoa privada de liberdade e no caso de transferência para outro local de privação de liberdade o destino e a autoridade responsável pela transferência data hora e local da soltura dados sobre o estado de saúde da pessoa privada de liberdade e em caso de falecimento durante a privação de liberdade as circunstâncias e causa do falecimento e o destino dado aos restos mortais art 18 Esse direito só pode ser restringido em caso de estrita necessidade previsto por lei e de maneira excepcional quando a pessoa estiver sob proteção da lei e a privação de liberdade estiver sujeita a controle judicial quando a transmissão da informação puder afetar de maneira adversa a privacidade ou a segurança da pessoa obstruir uma investigação criminal ou por outros motivos equivalentes de acordo com a lei em conformidade com o direito internacional aplicável e com os objetivos da Convenção Devese assegurar às pessoas com interesse legítimo na informação o direito a um rápido e efetivo recurso judicial como meio de obter sem demora as informações previstas nessa disposição o qual não poderá sob qualquer circunstância ser suspenso ou restringido art 20 Os dados pessoais que forem coletados eou transmitidos no âmbito da busca por uma pessoa desaparecida incluindo os dados médicos e genéticos não podem ser utilizados ou disponibilizados para outros propósitos que não a referida busca o que não prejudica a utilização de tais informações em procedimentos criminais relativos ao crime de desaparecimento forçado ou ao exercício do direito de obter reparação A coleta processamento utilização e armazenamento de dados pessoais não devem infringir ou ter o efeito de infringir os direitos humanos as liberdades fundamentais ou a dignidade humana de um indivíduo art 19 O art 21 prevê que cada Estado Parte deve tomar as medidas necessárias para assegurar que as pessoas privadas de liberdade sejam libertadas de forma que permita verificar com certeza terem sido elas efetivamente postas em liberdade Ademais deve adotar as medidas necessárias para assegurar a integridade física dessas pessoas e sua capacidade de exercer plenamente seus direitos quando da soltura sem prejuízo de quaisquer obrigações a que essas pessoas possam estar sujeitas em conformidade com a legislação nacional Os Estados devem também tomar as medidas necessárias para prevenir e punir a conduta de retardar ou obstruir os recursos das pessoas privadas de liberdade para decidir sobre a legalidade da prisão e os relativos ao direito à informação anteriormente mencionado Também devem ser punidas as condutas de deixar de registrar a privação de liberdade de qualquer pessoa bem como registrar informação que o agente responsável pelo registro oficial sabia ou deveria saber ser errônea e recusar prestar informação sobre a privação de liberdade de uma pessoa ou prestar informação inexata apesar de preenchidos os requisitos legais para o fornecimento dessa informação art 22 Ainda os Estados devem assegurar que a formação dos agentes responsáveis pela aplicação da lei civis ou militares de pessoal médico de funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas suscetíveis de envolvimento na custódia ou no tratamento de pessoas privadas de liberdade inclua a educação e a informação necessárias ao respeito das disposições pertinentes da Convenção com o objetivo de prevenir o envolvimento de tais agentes em desaparecimentos forçados ressaltar a importância da prevenção e da investigação desses crimes e assegurar que seja reconhecida a necessidade urgente de resolver esses casos Devem ainda assegurar que sejam proibidas ordens ou instruções determinando autorizando ou incentivando desaparecimentos forçados e que as pessoas que se recusarem a obedecer a ordens dessa natureza não sejam punidas Por fim devem assegurar que as pessoas que tiverem motivo para crer que um desaparecimento forçado ocorreu ou está sendo planejado levem o assunto ao conhecimento de seus superiores e quando necessário das autoridades competentes ou dos órgãos investidos de poder de revisão ou recurso art 23 O art 24 diz respeito às vítimas de desaparecimento forçado Assim toda vítima tem o direito de saber a verdade sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado o andamento e os resultados da investigação e o destino da pessoa desaparecida devendo o Estado Parte tomar medidas apropriadas a esse respeito Ademais o Estado deve tomar todas as medidas cabíveis para procurar localizar e libertar pessoas desaparecidas e no caso de morte localizar respeitar e devolver seus restos mortais além de assegurar que sua legislação garanta às vítimas o direito de obter reparação e indenização rápida justa e adequada O direito à obtenção de reparação abrange danos materiais e morais e se couber outras formas de reparação como restituição reabilitação satisfação inclusive o restabelecimento da dignidade e da reputação e garantias de não repetição Cada Estado Parte deve adotar as providências cabíveis em relação à situação jurídica das pessoas desaparecidas cujo destino não tiver sido esclarecido bem como à situação de seus familiares no que diz respeito à proteção social a questões financeiras ao direito de família e aos direitos de propriedade Ainda deve garantir o direito de fundar e participar livremente de organizações e associações que tenham por objeto estabelecer as circunstâncias de desaparecimentos forçados e o destino das pessoas desaparecidas bem como assistir as vítimas desses crimes Por fim o art 25 prevê que cada Estado Parte deve tomar as medidas necessárias para prevenir e punir penalmente a apropriação ilegal de crianças submetidas a desaparecimento forçado de filhos cujo pai mãe ou guardião legal for submetido a esse crime ou de filhos nascidos durante o cativeiro de mãe submetida a desaparecimento forçado Ademais deve adotar medidas para prevenir e punir penalmente a falsificação ocultação ou destruição de documentos comprobatórios da verdadeira identidade das mencionadas crianças Também devem ser adotadas providências para procurar e identificar as crianças e restituílas a suas famílias de origem em conformidade com os procedimentos legais e os acordos internacionais aplicáveis Para a procura identificação e localização das crianças os Estados devem assistir uns aos outros Ainda tendo em vista a necessidade de assegurar o melhor interesse da criança e seu direito de preservar ou de ter restabelecida sua identidade inclusive nacionalidade nome e relações familiares reconhecidos pela lei os Estados partes que reconhecerem um sistema de adoção ou outra forma de concessão de guarda de crianças devem estabelecer procedimentos jurídicos para rever o sistema de adoção ou concessão de guarda e quando apropriado para anular qualquer adoção ou concessão de guarda de crianças resultante de desaparecimento forçado Em todos os casos o melhor interesse da criança merece consideração primordial e a criança que for capaz de formar opinião própria terá o direito de expressála livremente à qual se dará o peso devido de acordo com a idade e a maturidade da criança Na Parte II a Convenção estabelece a criação do Comitê contra Desaparecimentos Forçados 178 Um relatório sobre as medidas tomadas pelo Estado em cumprimento das obrigações assumidas ao amparo da Convenção deve ser enviado pelo Estado Parte ao Comitê dentro de dois anos contados a partir da data de entrada em vigor do texto para o Estado Parte interessado Ainda é possível a submissão ao Comitê em regime de urgência de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida por seus familiares ou por seus representantes legais advogado ou qualquer pessoa por eles autorizada bem como por qualquer outra pessoa detentora de interesse legítimo Também há a possibilidade de o Estado reconhecer a competência do Comitê para receber comunicações individuais ou interestatais O Brasil ainda não fez tal reconhecimento Caso receba informação confiável de que um Estado Parte está incorrendo em grave violação do disposto na Convenção o Comitê pode após consulta ao Estado em questão encarregar um ou vários de seus membros a empreender uma visita a esse Estado e a informálo a respeito o mais prontamente possível Por fim a Parte III da Convenção contém suas disposições finais O art 37 dispõe que nada do que nela disposto afetará quaisquer outras disposições mais favoráveis à proteção das pessoas contra desaparecimentos forçados contempladas no direito de um Estado Parte ou no direito internacional em vigor para o referido Estado Ademais conforme prevê o art 43 a Convenção não afeta as disposições de direito internacional humanitário incluindo as obrigações das Altas Partes Contratantes das quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 e de seus dois Protocolos Adicionais de 8 de junho de 1977 nem a possibilidade que qualquer Estado Parte tem de autorizar o Comitê Internacional da Cruz Vermelha a visitar locais de detenção em situações não previstas pelo direito internacional humanitário Os demais dispositivos versam sobre assinatura ratificação e adesão art 38 entrada em vigor art 39 notificações do SecretárioGeral da ONU art 40 aplicação a todas as unidades dos Estados federativos art 41 submissão de controvérsias a arbitragem ou à Corte Internacional de Justiça art 42 emenda à Convenção art 44 e idiomas art 45 QUADRO SINÓTICO Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado Definições Desaparecimento forçado a prisão a detenção o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização apoio ou aquiescência do Estado e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida privandoa assim da proteção da lei Vítima de desaparecimento forçado a pessoa desaparecida e todo indivíduo que tiver sofrido dano como resultado direto de um desaparecimento forçado Principais obrigações assumidas pelos Estados Criminalização investigação e punição do desaparecimento forçado Manutenção de informações sobre pessoas privadas de liberdade Prevenir e punir a conduta de retardar ou obstruir os recursos das pessoas privadas de liberdade para decidir sobre a legalidade da prisão e relativos ao direito à informação sobre pessoas privadas de liberdade Prevenir e punir as condutas de deixar de registrar a privação de liberdade de qualquer pessoa bem como registrar informação que o agente responsável pelo registro oficial sabia ou deveria saber ser errônea e recusar prestar informação sobre a privação de liberdade de uma pessoa ou prestar informação inexata apesar de preenchidos os requisitos legais para o fornecimento dessa informação Assegurar que a formação dos agentes responsáveis pela aplicação da lei civis ou militares de pessoal médico de funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas suscetíveis de envolvimento na custódia ou no tratamento de pessoas privadas de liberdade inclua a educação e a informação necessárias a respeito do desaparecimento forçado Tomar todas as medidas cabíveis para procurar localizar e libertar pessoas desaparecidas e no caso de morte localizar respeitar e devolver seus restos mortais Assegurar que sua legislação garanta às vítimas o direito de obter reparação e indenização rápida justa e adequada Prevenir e punir penalmente a apropriação ilegal de crianças submetidas a desaparecimento forçado de filhos cujo pai mãe ou guardião legal for submetido a esse crime ou de filhos nascidos durante o cativeiro de mãe submetida a desaparecimento forçado Principais direitos e garantias Nenhuma pessoa será submetida a desaparecimento forçado Nenhuma circunstância excepcional seja estado de guerra ou ameaça de guerra instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública poderá ser invocada como justificativa para o desaparecimento forçado Direito de qualquer indivíduo que alegue que alguém foi vítima de desaparecimento forçado de relatar os fatos às autoridades competentes as quais examinarão as alegações pronta e imparcialmente e caso necessário instaurarão sem demora uma investigação completa e imparcial Direito de não ser detido em segredo Direito de informação acerca das pessoas privadas de liberdade Direito das vítimas de desaparecimento forçado de saber a verdade sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado o andamento e os resultados da investigação e o destino da pessoa desaparecida Mecanismos de monitoramento Comitê contra Desaparecimentos Forçados com competência para Exame de relatórios apresentados pelos Estados partes sobre as medidas tomadas em cumprimento das obrigações assumidas ao amparo da Convenção dentro de dois anos contados a partir da data de sua entrada em vigor para o Estado Parte interessado Exame de comunicações interestatais Exame de petições individuais Possibilidade de exame de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida em regime de urgência Visita ao Estado Parte 20 Convenção sobre os Direitos da Criança A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 e entrou em vigor internacional em 2 de setembro de 1990 no trigésimo dia após a data de depósito do vigésimo instrumento de ratificação ou adesão junto ao SecretárioGeral das Nações Unidas É a Convenção que possui o mais elevado número de ratificações já que conta em 2019 com 196 partes incluindo a Santa Sé e o Estado da Palestina Os Estados Unidos não a ratificaram contudo A Convenção leva em conta o direito de que as pessoas na infância recebam cuidados e assistência especiais em virtude da falta de maturidade física e mental conforme reconheceu a Declaração Universal dos Direitos Humanos bem como a Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança a Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral em 20 de novembro de 1959 e os Pactos de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Embora outros diplomas internacionais também confiram proteção às crianças a Convenção sistematizou não só direitos civis e políticos mas também econômicos sociais e culturais em um só texto voltado especificamente para a sua proteção A Convenção foi assinada pelo Brasil em 26 de janeiro de 1990 aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 28 de 14 de setembro de 1990 ratificada em 24 de setembro de 1990 Entrou em vigor para o Brasil em 23 de outubro de 1990 e foi promulgada por meio do Decreto n 99710 em 21 de novembro de 1990 Notase a grande celeridade de sua incorporação ao Direito brasileiro A Convenção possui 54 artigos divididos em três partes Na Parte I a Convenção estabelece definições e obrigações dos Estados Partes na Parte II determina a constituição de um Comitê para os Direitos das Crianças e na Parte III fixa as disposições finais assinatura ratificação adesão entrada em vigor emendas e reservas denúncias dentre outras O art 1º da Convenção define que é considerado como criança para seus fins como todo ser humano com menos de dezoito anos de idade a não ser que em conformidade com a lei aplicável à criança a maioridade seja alcançada antes Observese que a definição da criança para a Convenção distinguese da previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n 80691990 que considera como criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade art 2º O art 2º da Convenção enuncia a obrigação geral dos Estados Partes de respeitarem os direitos nela previstos bem como de assegurar sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição sem distinção alguma independentemente de raça cor sexo idioma crença opinião política ou de outra índole origem nacional étnica ou social posição econômica deficiências físicas nascimento ou qualquer outra condição da criança de seus pais ou de seus representantes legais Ademais estabelece que os Estados devem tomar todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição das atividades das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais representantes legais ou familiares O art 3º por sua vez determina a consideração primordial do melhor interesse da criança best interests of the child em todas as ações relativas às crianças levadas a efeito por autoridades administrativas ou órgãos legislativos e que se assegure à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bemestar levando em consideração os direitos e deveres de seus pais tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e com essa finalidade tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas Ainda determina que os Estados Partes se certifiquem de que as instituições os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes especialmente no que diz respeito à sua segurança e à saúde ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada A Convenção determina que os Estados Partes devem adotar todas as medidas administrativas legislativas ou de outra espécie com a finalidade de implementar os direitos nela reconhecidos e com relação aos direitos econômicos sociais e culturais devem adotar essas medidas utilizando ao máximo os recursos disponíveis e quando necessário dentro de um quadro de cooperação internacional conforme determina o art 4º Devem também respeitar as responsabilidades os direitos e os deveres dos pais ou quando for o caso dos membros da família ampliada ou da comunidade conforme determinem os costumes locais dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis de proporcionar à criança instrução e orientação adequadas à evolução de sua capacidade no exercício dos direitos reconhecidos na Convenção art 5º A partir do art 6º a Convenção passa a enunciar os direitos em espécie a serem protegidos ou promovidos O primeiro deles é o direito à vida reconhecido como inerente a toda criança devendo os Estados assegurar ao máximo sua sobrevivência e o seu desenvolvimento art 6º No art 7º garantese o direito de que seja registrada imediatamente após seu nascimento e de que tenha desde o momento do nascimento um nome uma nacionalidade e na medida do possível a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles Os Estados devem zelar pela aplicação desses direitos em conformidade com sua legislação nacional e com as obrigações assumidas em virtude de instrumentos internacionais sobretudo se de outro modo a criança se tornaria apátrida Devem também se comprometer a respeitar o direito da criança de preservar sua identidade inclusive a nacionalidade o nome e as relações familiares de acordo com a lei sem interferências ilícitas art 8º Nesse sentido quando uma criança for privada ilegalmente de algum ou de todos os elementos que configuram sua identidade os Estados Partes devem prestar assistência e proteção adequadas com o intuito de restabelecer rapidamente sua identidade Nessa esteira o art 9º determina que os Estados zelem para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade destes salvo se a separação atender ao melhor interesse da criança mediante autorização das autoridades competentes em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis sendo possível a revisão judicial A Convenção menciona que a determinação de separação pode ser necessária em casos específicos exemplificando os casos em que a criança sofre maustratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão precisa ser tomada a respeito do local de sua residência No caso de determinação de separação todas as partes interessadas devem ter a oportunidade de participar e de manifestar suas opiniões e à criança separada de um ou de ambos os pais reconhecese o direito de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos a menos que isso seja contrário ao melhor interesse da criança Se a separação ocorrer em virtude de uma medida adotada por um Estado Parte como detenção prisão exílio deportação ou morte de um dos pais da criança ou de ambos ou da própria criança o Estado quando solicitado deve proporcionar aos pais à criança ou se for o caso a outro familiar informações básicas a respeito do paradeiro do familiar ou familiares ausentes a não ser que tal procedimento seja prejudicial ao bemestar da criança Ademais a Convenção estabelece obrigações que favorecem a reunião da família Assim toda solicitação apresentada por uma criança ou por seus pais para ingressar ou sair de um Estado Parte com vistas à reunião da família deverá ser atendida pelos Estados Partes de forma positiva humanitária e rápida e estes deverão assegurar que a apresentação de tal solicitação não acarretará consequências adversas para os solicitantes ou para seus familiares Ademais a criança cujos pais residam em Estados diferentes terá o direito de manter periodicamente relações pessoais e contato direto com ambos exceto em circunstâncias especiais Assim os Estados Partes devem respeitar o direito da criança e de seus pais de ingressar no seu próprio país e de sair de qualquer país inclusive do próprio sujeitandose neste caso apenas às restrições determinadas pela lei que sejam necessárias para proteger a segurança nacional a ordem pública a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades de outras pessoas e que estejam de acordo com os demais direitos reconhecidos pela Convenção art 10 Entretanto os Estados devem adotar medidas com a finalidade de combater a transferência ilegal de crianças para o exterior e a retenção ilícita destas fora do país promovendo para tanto a conclusão de acordos bilaterais ou multilaterais ou a adesão a acordos já existentes art 11 Nesse sentido o Brasil ratificou a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças concluída na cidade de Haia em 25 de outubro de 1980 incorporandoa internamente pelo Decreto n 34132000 pela qual se busca proteger a criança no plano internacional dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual No art 12 a Convenção confere à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o importante direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos com ela relacionados levandose devidamente em consideração essas opiniões em função da idade e maturidade da criança Nesse sentido o Estado deve proporcionar à criança a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma diretamente ou por intermédio de um representante ou órgão apropriado em conformidade com as regras processuais da legislação nacional Nessa esteira a Convenção também garante à criança o direito à liberdade de expressão o qual inclui a liberdade de procurar receber e divulgar informações e ideias de todo tipo independentemente de fronteiras de forma oral escrita ou impressa por meio das artes ou por qualquer outro meio escolhido pela criança art 13 Certas restrições podem ser impostas ao exercício de tal direito mas unicamente se previstas em lei e se forem necessárias para o respeito dos direitos ou da reputação dos demais ou para a proteção da segurança nacional ou da ordem pública ou da saúde e da moral públicas Às crianças também é garantido o direito à liberdade de pensamento de consciência e de crença Os Estados Partes devem respeitar os direitos e deveres dos pais e dos representantes legais de orientar a criança com relação ao exercício de seus direitos de acordo com a evolução de sua capacidade Ademais a liberdade de professar a própria religião ou as próprias crenças estará sujeita unicamente às limitações prescritas em lei e necessárias para proteger a segurança a ordem a moral a saúde pública ou os direitos e liberdades fundamentais dos demais art 14 O art 15 determina aos Estados Partes o reconhecimento dos direitos da criança à liberdade de associação e à liberdade de realizar reuniões pacíficas não podendo ser impostas restrições ao exercício desses direitos salvo as estabelecidas em conformidade com a lei e que sejam necessárias numa sociedade democrática no interesse da segurança nacional ou pública da ordem pública da proteção à saúde e à moral públicas ou da proteção aos direitos e liberdades dos demais A Convenção prevê que nenhuma criança poderá ser objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular sua família seu domicílio ou sua correspondência nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação devendo o Estado conferir o direito à proteção da lei contra essas interferências ou atentados art 16 No art 17 a Convenção declara que os Estados Partes reconhecem a importância da função desempenhada pelos meios de comunicação Nesse sentido devem zelar para que a criança tenha acesso a informações e materiais procedentes de diversas fontes nacionais e internacionais especialmente informações e materiais que visem a promover seu bemestar social espiritual e moral e sua saúde física e mental Para tanto os Estados Partes devem incentivar os meios de comunicação a difundir informações e materiais de interesse social e cultural para a criança bem como a produção e difusão de livros para crianças promover a cooperação internacional na produção no intercâmbio e na divulgação dessas informações e desses materiais procedentes de diversas fontes culturais nacionais e internacionais incentivar os meios de comunicação no sentido de particularmente considerar as necessidades linguísticas da criança que pertença a um grupo minoritário ou que seja indígena e finalmente promover a elaboração de diretrizes apropriadas a fim de proteger a criança contra toda informação e material prejudiciais ao seu bemestar A Convenção ainda prevê que os Estados devem envidar seus melhores esforços para assegurar o reconhecimento de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança Estabelece que cabe aos pais ou quando for o caso aos representantes legais a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança devendo ser o melhor interesse da criança sua preocupação fundamental Para que se garantam os direitos enunciados na Convenção os Estados devem prestar assistência adequada aos pais e aos representantes legais para o desempenho de suas funções no que tange à educação da criança assegurando a criação de instituições instalações e serviços para o cuidado das crianças Devem também adotar todas as medidas apropriadas a fim de que as crianças cujos pais trabalhem tenham direito a beneficiarse dos serviços de assistência social e creches art 18 O art 19 determina que os Estados adotem todas as medidas legislativas administrativas sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental abuso ou tratamento negligente maustratos ou exploração inclusive abuso sexual enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela Tais medidas devem incluir procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado bem como para outras formas de prevenção para a identificação notificação transferência a uma instituição investigação tratamento e acompanhamento posterior dos casos mencionados de maustratos à criança e conforme o caso para a intervenção judiciária Nessa linha foi editada a Lei n 13431 de 4 de abril de 2017 institui o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência Esta Lei normatiza e organiza o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente i vítima ou ii testemunha de violência bem como iii cria mecanismos para prevenir e coibir a violência nos termos do art 227 da Constituição Federal da Convenção sobre os Direitos da Criança e seus protocolos adicionais da Resolução n 202005 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas 179 e de outros diplomas internacionais estabelecendo medidas de assistência e proteção à criança e ao adolescente em situação de violência A lei prevê que poderão ser criadas i delegacias especializadas no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência e ainda ii juizados ou varas especializadas em crimes contra a criança e o adolescente Por sua vez a Res n 202005 mencionada expressamente na lei consiste em diploma de soft law que estabelece as diretrizes para a justiça em assuntos envolvendo crianças vítimas ou testemunhas de crimes devendo servir como vetor interpretativo da Lei n 13431 No art 20 garantese às crianças privadas temporária ou permanentemente do seu meio familiar ou cujo melhor interesse exija que não permaneçam nesse meio o direito à proteção e assistência especiais do Estado devendo os Estados Partes garantir de acordo com suas leis nacionais cuidados alternativos para essas crianças inclusive a colocação em lares de adoção a kafalah do direito islâmico a adoção ou caso necessário a colocação em instituições adequadas de proteção para as crianças Se tais soluções forem eleitas devese dar especial atenção à origem étnica religiosa cultural e linguística da criança bem como à conveniência da continuidade de sua educação O art 21 versa sobre sistema de adoção Os Estados Partes devem considerar sempre o melhor interesse da criança atentando para cinco aspectos i a adoção seja autorizada apenas pelas autoridades competentes as quais determinarão conforme as leis e os procedimentos cabíveis e com base em todas as informações pertinentes e fidedignas que a adoção é admissível em vista da situação jurídica da criança com relação a seus pais parentes e representantes legais e que caso solicitado as pessoas interessadas tenham dado com conhecimento de causa seu consentimento à adoção com base no assessoramento que possa ser necessário ii a adoção para Estado estrangeiro seja considerada como outro meio de cuidar da criança no caso em que esta não possa ser colocada em um lar de adoção ou entregue a uma família adotiva ou não receba atendimento adequado em seu país de origem iii a criança adotada em outro país goze de salvaguardas e normas equivalentes às existentes em seu país de origem com relação à adoção iv todas as medidas apropriadas sejam implementadas a fim de garantir que em caso de adoção em outro país a colocação não permita benefícios financeiros indevidos aos que dela participarem v os Estados devem promover os objetivos do sistema de adoção mediante ajustes ou acordos bilaterais ou multilaterais envidando esforços para assegurar que a colocação da criança em outro país seja levada a cabo por intermédio das autoridades ou organismos competentes No art 22 a Convenção determina que os Estados Partes devem adotar medidas pertinentes para assegurar que a criança que tente obter a condição de refugiada ou que seja considerada como refugiada de acordo com o direito e os procedimentos internacionais ou internos aplicáveis receba tanto no caso de estar sozinha como acompanhada por seus pais ou por qualquer outra pessoa a proteção e a assistência humanitária adequadas Com isso buscase garantir que possa usufruir dos direitos enunciados na Convenção e em outros instrumentos internacionais de direitos humanos ou de caráter humanitário dos quais os Estados sejam partes Nesse sentido os Estados devem cooperar com as Nações Unidas e demais organizações intergovernamentais competentes ou organizações não governamentais que cooperem com as Nações Unidas com o objetivo de proteger e ajudar a criança refugiada bem como de localizar seus pais ou outros membros de sua família a fim de obter informações necessárias que permitam sua reunião com a família Ademais quando não for possível localizar nenhum dos pais ou membros da família será concedida à criança a mesma proteção outorgada a qualquer outra criança privada permanente ou temporariamente de seu ambiente familiar seja qual for o motivo O art 23 trata de direitos da criança com deficiência física ou mental Os Estados devem reconhecer que estas devem desfrutar de uma vida plena e decente em condições que garantam sua dignidade favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade No Brasil deve ser mencionada a decisão do STF em um marco antidiscriminatório na ADI n 5647 pela qual foram considerados constitucionais os artigos 28 1º e 30 caput da Lei brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 131462015 que determinam o dever das escolas privadas de acolher os alunos com deficiência provendo a acessibilidade e serviços adicionais sem discriminação ou cobrança de taxas adicionais STF ADI 5647 rel Min Fachin j 962016 publicada no DJe de 11112016 180 Voltando à Convenção ora analisada os Estados ainda reconhecem o direito de toda criança receber cuidados especiais e de acordo com os recursos disponíveis e sempre que a criança ou seus responsáveis reúnam as condições requeridas devem estimular e assegurar a prestação da assistência solicitada que seja adequada ao estado da criança e às circunstâncias de seus pais ou das pessoas encarregadas de seus cuidados A assistência prestada para atender às necessidades especiais da criança com deficiência será gratuita sempre que possível levandose em consideração a situação econômica dos pais ou das pessoas que cuidem da criança e objetivará assegurar a ela o acesso efetivo à educação à capacitação aos serviços de saúde aos serviços de reabilitação à preparação para o emprego e às oportunidades de lazer de maneira que atinja a mais completa integração social possível e o maior desenvolvimento individual factível inclusive seu desenvolvimento cultural e espiritual Os Estados devem promover intercâmbio adequado de informações nos campos da assistência médica preventiva e do tratamento médico psicológico e funcional das crianças com deficiência inclusive a divulgação de informações a respeito dos métodos de reabilitação e dos serviços de ensino e formação profissional bem como o acesso a essa informação a fim de que os Estados possam aprimorar sua capacidade e seus conhecimentos e ampliar sua experiência nesses campos levandose em conta as necessidades dos países em desenvolvimento Pelo art 24 a Convenção determina que os Estados Partes reconheçam o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde envidando esforços para assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários Os Estados devem garantir a plena aplicação desse direito adotando em especial medidas apropriadas para reduzir a mortalidade infantil assegurar a prestação de assistência médica e cuidados sanitários necessários a todas as crianças com ênfase nos cuidados básicos de saúde combater as doenças e a desnutrição dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável assegurar às mães adequada assistência prénatal e pósnatal assegurar que todos os setores da sociedade conheçam os princípios básicos de saúde e nutrição das crianças as vantagens da amamentação da higiene e do saneamento ambiental e das medidas de prevenção de acidentes tenham acesso à educação pertinente e recebam apoio para a aplicação desses conhecimentos e finalmente desenvolver a assistência médica preventiva a orientação aos pais e a educação e serviços de planejamento familiar Os Estados também devem adotar todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudicais à saúde da criança e se comprometem a promover e incentivar a cooperação internacional para alcançar progressivamente a plena efetivação do direito à saúde O art 25 cuida da internação de crianças em estabelecimento por autoridades competentes para fins de atendimento proteção ou tratamento de saúde física ou mental Nesse contexto os Estados reconhecem pela Convenção o direito da criança a um exame periódico de avaliação do tratamento ao qual está sendo submetida e de todos os demais aspectos relativos à sua internação No art 26 reconhecese o direito das crianças de usufruir da previdência social inclusive do seguro social Assim os Estados devem adotar as medidas necessárias para alcançar a plena consecução desse direito em conformidade com sua legislação nacional Os benefícios serão concedidos tendo em conta os recursos e a situação da criança e das pessoas responsáveis por seu sustento além de outras considerações cabíveis O direito de toda criança a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico mental espiritual moral e social é reconhecido no art 27 da Convenção Nesse sentido atribuise aos pais ou a outras pessoas encarregadas a responsabilidade primordial de propiciar de acordo com suas possibilidades e meios financeiros as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança Os Estados entretanto de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades devem adotar medidas apropriadas para ajudar a tornar efetivo esse direito e caso necessário devem proporcionar assistência material e programas de apoio especialmente no que diz respeito à nutrição ao vestuário e à habitação Os Estados devem também tomar todas as medidas adequadas para assegurar o pagamento da pensão alimentícia por parte dos pais ou de outras pessoas financeiramente responsáveis pela criança quer residam no Estado Parte quer no exterior Assim se a pessoa que detém a responsabilidade financeira pela criança residir em Estado diferente daquele onde mora a criança o Estado Parte deve promover a adesão a acordos internacionais ou a conclusão de tais acordos bem como a adoção de outras medidas apropriadas O art 28 cuida do direito da criança à educação Para que se possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito os Estados Partes devem tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente para todos Devem também estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas inclusive o ensino geral e profissionalizante tornandoo disponível e acessível a todas as crianças e adotar medidas apropriadas como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência financeira em caso de necessidade Ademais devem tornar o ensino superior acessível a todos com base na capacidade e tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais disponíveis e acessíveis a todas as crianças Devem ainda adotar medidas para estimular a frequência regular às escolas e a redução do índice de evasão escolar e para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade humana da criança Finalmente a Convenção atribui aos Estados Partes a obrigação de promover e estimular a cooperação internacional em questões relativas à educação especialmente com o intuito de contribuir para a eliminação da ignorância e do analfabetismo no mundo e facilitar o acesso aos conhecimentos científicos e técnicos e aos métodos modernos de ensino No art 29 a Convenção ainda especifica como deve ser orientada a educação da criança Em primeiro lugar deve ser voltada a desenvolver sua personalidade suas aptidões e sua capacidade mental e física em todo o seu potencial Ademais deve imbuir nela o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais ao meio ambiente e aos seus pais à sua própria identidade cultural ao seu idioma e seus valores aos valores nacionais do seu país de residência e de origem e aos das civilizações diferentes da sua Finalmente deve preparar a criança para assumir uma vida responsável numa sociedade livre com espírito de compreensão paz tolerância igualdade de sexos e amizade entre todos os povos grupos étnicos nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena Tais disposições entretanto não podem ser interpretadas para restringir a liberdade dos indivíduos ou das entidades de criar e dirigir instituições de ensino desde que a educação ministrada em tais instituições esteja em conformidade com os padrões mínimos estabelecidos pelo Estado A Convenção dispõe também sobre a situação das crianças de Estados Partes onde existam minorias étnicas religiosas ou linguísticas ou pessoas de origem indígena em seu art 30 À criança que pertença a tais minorias ou que seja indígena é conferido o direito de em comunidade com os demais membros de seu grupo ter sua própria cultura professar e praticar sua própria religião ou utilizar seu próprio idioma Reconhecese ainda o direito ao descanso e ao lazer ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade bem como à livre participação na vida cultural e artística devendo os Estados respeitar o direito da criança de participar plenamente da vida cultural e artística e encorajar a criação de oportunidades adequadas em condições de igualdade para que participem da vida cultural artística recreativa e de lazer art 31 Garantese ainda o direito de a criança estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico mental espiritual moral ou social Para assegurar sua efetivação os Estados devem adotar medidas legislativas administrativas sociais e educacionais e devem em particular estabelecer idade mínima para a admissão em empregos regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego e sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo dessa disposição art 32 No art 33 a Convenção determina que os Estados adotem medidas apropriadas inclusive legislativas administrativas sociais e educacionais com o fim de proteger a criança contra o uso ilícito de drogas e substâncias psicotrópicas descritas nos tratados internacionais pertinentes e para impedir que sejam utilizadas na produção e no tráfico ilícito dessas substâncias Os Estados também se comprometem pelo art 34 a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual Para tanto os Estados devem tomar todas as medidas de caráter nacional bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais e em espetáculos ou materiais pornográficos Também com o fim de impedir o sequestro a venda ou o tráfico de crianças para qualquer fim ou sob qualquer forma os Estados Partes devem tomar todas as medidas de caráter nacional bilateral e multilateral que sejam necessárias art 35 Ademais os Estados devem proteger a criança contra todas as demais formas de exploração que sejam prejudiciais para qualquer aspecto de seu bemestar art 36 O art 37 versa sobre aspectos relativos a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes e à privação da liberdade das crianças Assim os Estados devem zelar para que nenhuma criança seja submetida a tortura nem a outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes e não poderão impor a pena de morte nem a prisão perpétua sem possibilidade de livramento por delitos cometidos por menores de dezoito anos de idade Ademais nenhuma criança deve ser privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária devendo a detenção a reclusão ou a prisão de uma criança ser efetuada em conformidade com a lei e apenas como último recurso e durante o mais breve período de tempo que for apropriado Toda criança que for privada da liberdade deve ser tratada com humanidade e respeito e levandose em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade Crianças em tais condições devem ficar separadas dos adultos a não ser que tal fato seja considerado contrário ao melhor interesse da criança assegurandose a elas o direito de manter contato com sua família por meio de correspondência ou de visitas salvo em circunstâncias excepcionais Finalmente explicitase que toda criança privada de liberdade deve ter direito a assistência jurídica e a qualquer outra assistência adequada bem como direito a impugnar a legalidade da privação de sua liberdade perante autoridade competente independente e imparcial e a uma rápida decisão a respeito de tal ação O art 38 versa sobre a participação de crianças em conflitos armados e hostilidades Nesse sentido os Estados se comprometem por meio da Convenção a respeitar e a fazer com que sejam respeitadas as normas do direito humanitário internacional aplicáveis em casos de conflito armado no que digam respeito às crianças Devem adotar todas as medidas possíveis a fim de assegurar que todas as pessoas que ainda não tenham completado quinze anos de idade não participem diretamente de hostilidades Devem também absterse de recrutar pessoas que não tenham completado 15 anos de idade para servir em suas forças armadas caso recrutem pessoas que tenham completado 15 anos mas que tenham menos de 18 anos devese dar prioridade aos mais velhos Finalmente em conformidade com suas obrigações de acordo com o direito humanitário internacional para proteção da população civil durante os conflitos armados os Estados Partes devem adotar todas as medidas necessárias para assegurar a proteção e o cuidado das crianças afetadas por um conflito armado Todas as medidas apropriadas para estimular a recuperação física e psicológica e a reintegração social de toda criança vítima de qualquer forma de abandono exploração ou abuso de tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes ou de conflitos armados devem ser adotadas pelos Estados o que deve ser feito em um ambiente que estimule a saúde o respeito próprio e a dignidade da criança art 39 Finalmente o art 40 da Convenção assegura uma série de direitos processuais às crianças Enunciase que os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a quem se alegue ter infringido as leis penais de ser tratada de modo a promover e estimular seu sentido de dignidade e de valor e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros levando em consideração a idade da criança e a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade Para tanto a Convenção determina que os Estados assegurem uma série de medidas Primeiramente o Estado deve assegurar que não se alegue que nenhuma criança tenha infringido as leis penais nem se acuse ou declare culpada nenhuma criança de ter infringido essas leis por atos ou omissões que não eram proibidos pela legislação nacional ou pelo direito internacional no momento em que foram cometidos Às crianças nessas condições devem ser concedidas as seguintes garantias ser considerada inocente enquanto não for comprovada sua culpabilidade conforme a lei ser informada sem demora e diretamente ou por intermédio de seus pais ou de seus representantes legais das acusações que pesam contra ela dispor de assistência jurídica ou outro tipo de assistência apropriada para a preparação e apresentação de sua defesa ter a causa decidida sem demora por autoridade ou órgão judicial competente independente e imparcial em audiência justa conforme a lei com assistência jurídica ou outra assistência e a não ser que seja considerado contrário aos melhores interesses da criança levando em consideração especialmente sua idade ou situação e a de seus pais ou representantes legais não ser obrigada a testemunhar ou a se declarar culpada e poder interrogar ou fazer com que sejam interrogadas as testemunhas de acusação bem como poder obter a participação e o interrogatório de testemunhas em sua defesa em igualdade de condições contar com a assistência gratuita de um intérprete caso a criança não compreenda ou fale o idioma utilizado ter plenamente respeitada sua vida privada durante todas as fases do processo e finalmente ter submetidas a revisão por autoridade ou órgão judicial superior competente independente e imparcial de acordo com a lei as decisões que reconheçam a violação a leis penais Nessa esteira os Estados se comprometem a buscar promover o estabelecimento de leis procedimentos autoridades e instituições específicas para as crianças de quem se alegue ter infringido as leis penais ou que sejam acusadas ou declaradas culpadas de têlas infringido Em especial devem estabelecer uma idade mínima antes da qual se presumirá que a criança não tem capacidade para infringir as leis penais e devem adotar sempre que conveniente e desejável medidas para tratar dessas crianças sem recorrer a procedimentos judiciais respeitandose plenamente os direitos humanos e as garantias legais No caso brasileiro a Constituição de 1988 estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos sujeitos às normas da legislação especial art 228 Ademais devem disponibilizar diversas medidas como ordens de guarda orientação e supervisão aconselhamento liberdade vigiada colocação em lares de adoção programas de educação e formação profissional bem como outras alternativas à internação em instituições para garantir que as crianças sejam tratadas de modo apropriado ao seu bemestar e de forma proporcional às circunstâncias e ao tipo do delito No art 41 a Convenção determina que nada do que nela estipulado afeta disposições mais convenientes para a realização dos direitos das crianças que constem das leis de Estado Parte ou das normas de direito internacional vigentes para esse Estado Na Parte II como já mencionado determinase a constituição do Comitê para os Direitos da Criança para conferir maior eficácia com relação às disposições da Convenção devendo os Estados periodicamente encaminhar relatórios sobre a situação nacional dos direitos protegidos 181 Na Parte III finalmente a Convenção apresenta disposições finais Em dezembro de 2011 a Assembleia Geral da ONU adotou o 3º Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Crianças relativo aos Procedimentos de Comunicação aberto a ratificações somente a partir de fevereiro de 2012 que cria um direito de petição das vítimas ao Comitê para os Direitos das Crianças Em 2017 possui 34 Estados Partes Este 3º Protocolo já foi submetido e aprovado no Congresso Nacional Decreto Legislativo n 85 de 9 62017 tendo sido ratificado Aguardase a edição do decreto presidencial 201 O PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA RELATIVO AO ENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS EM CONFLITOS ARMADOS O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados foi adotado em Nova Iorque em 25 de maio de 2000 e entrou em vigor internacionalmente em 12 de fevereiro de 2002 Possui em 2019 168 Estados partes Tem o objetivo primordial de estabelecer um aumento de idade para o possível recrutamento forçado ou voluntário de pessoas pelas forças armadas reconhecendose as necessidades especiais das crianças particularmente vulneráveis ao recrutamento ou utilização em hostilidades em decorrência de sua situação econômica social ou de sexo O Protocolo leva em consideração as causas econômicas sociais e políticas que levam ao envolvimento de crianças em conflitos armados O Protocolo foi firmado seguindo tendência internacional uma vez que a vigésima sexta Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho realizada em dezembro de 1995 já havia recomendado que as partes envolvidas em conflitos adotassem todas as medidas possíveis para garantir que crianças menores de 18 anos não participem de hostilidades Ademais a Convenção n 182 da OIT sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação adotada em julho de 1999 proíbe o recrutamento forçado ou compulsório de crianças para utilização em conflitos armados O Protocolo foi assinado pelo Brasil em 6 de setembro de 2000 aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 230 de 29 de maio de 2003 e ratificado em 27 de janeiro de 2004 Entrou em vigor para o Brasil em 27 de fevereiro de 2004 e foi promulgado pelo Decreto n 5006 de 8 de março de 2004 Possui apenas 13 artigos alguns dos quais versam sobre o recrutamento para as forças armadas e outros se referem a grupos distintos das forças armadas Devese observar que por disposição expressa nenhuma das disposições do Protocolo deve ser interpretada de modo a impedir a aplicação dos preceitos do ordenamento interno do Estado ou de instrumentos internacionais e do direito humanitário internacional quando forem mais propícios à realização dos direitos da criança art 5º Já nos arts 1º e 2º o Protocolo enuncia que os Estados Partes deverão adotar todas as medidas possíveis para assegurar que membros de suas forças armadas menores de 18 anos não participem diretamente de hostilidades e deverão assegurar que menores de 18 anos não serão recrutados de maneira compulsória em suas forças armadas Os Estados devem ainda elevar a idade mínima para o recrutamento voluntário de pessoas em suas forças armadas nacionais acima de 15 anos idade fixada no art 38 parágrafo 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança nos termos do art 3º do Protocolo Para tanto ao ratificar o Protocolo ou aderir a ele cada Estado depositará uma declaração vinculante que fixa a idade mínima permitida para o recrutamento voluntário nas forças armadas nacionais além de apresentar as salvaguardas adotadas para assegurar que o recrutamento não seja feito por meio da força ou coação A declaração poderá ser ampliada a qualquer tempo pelos Estados por meio de notificação encaminhada ao SecretárioGeral da ONU Observese que a exigência de elevação de idade não se aplica a escolas operadas ou controladas pelas forças armadas Se os Estados Partes permitirem o recrutamento voluntário de menores de 18 anos devem manter salvaguardas para assegurar no mínimo que o recrutamento seja realmente voluntário que seja feito com o consentimento informado dos pais do menor ou de seus tutores legais que os menores sejam devidamente informados das responsabilidades envolvidas no serviço militar e que comprovem sua idade antes de serem aceitos no serviço militar nacional Assim o Protocolo diferencia as criançassoldado em duas categorias impondo limites à ação do Estado a aquelas crianças que se voluntariaram a participar do conflito e b às submetidas ao recrutamento compulsório ou forçado Além dos limites etários que variam entre as duas categorias como visto acima há os deveres do Estado envolvendo a a informação sobre o impacto do alistamento militar voluntário para a criança e b a restrição na participação direta em hostilidades No art 4º o Protocolo estabelece que os grupos armados distintos das forças armadas de um Estado não deverão em qualquer circunstância recrutar ou utilizar menores de 18 anos em hostilidades devendo os Estados adotar todas as medidas possíveis para evitar esse recrutamento e essa utilização inclusive mediante a adoção de medidas legais necessárias para proibir e criminalizar tais práticas O art 6º determina que os Estados Partes devem adotar todas as medidas legais administrativas e de outra natureza necessárias para assegurar a implementação e aplicação efetivas das disposições do Protocolo em suas jurisdições comprometendose a disseminar e promover os princípios e as disposições do Protocolo junto a adultos e crianças Também devem comprometerse a adotar todas as medidas possíveis para assegurar que pessoas em sua jurisdição recrutadas ou utilizadas em hostilidades em contrariedade ao Protocolo sejam desmobilizadas ou liberadas do serviço de outro modo prestando a essas pessoas quando for necessário toda a assistência apropriada para a sua recuperação física e psicológica e para sua reintegração social O art 7º cuida da cooperação que deve ocorrer entre os Estados inclusive por meio de cooperação técnica e assistência financeira para implementação do Protocolo também quanto à prevenção de qualquer atividade contrária às suas disposições e na reabilitação e reintegração social de vítimas A assistência e cooperação devem ser implementadas de comum acordo com os Estados Partes envolvidos e organizações internacionais relevantes e os Estados que tenham condições prestarão assistência por meio de programas multilaterais bilaterais ou de outros programas existentes ou por meio de um fundo voluntário criado em conformidade com as normas da Assembleia Geral Finalmente no artigo 8º o Protocolo determina a submissão de relatório abrangente ao Comitê sobre os Direitos da Criança no prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor do Protocolo que conterá inclusive as medidas adotadas para implementar as disposições sobre participação e recrutamento Após a apresentação desse relatório o Estado Parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo Outros Estados Partes do Protocolo e que não forem Estados partes da Convenção dos Direitos da Criança o que não ocorreu até o momento devem submeter um relatório a cada cinco anos O Comitê poderá solicitar aos Estados informações adicionais relevantes para a implementação do Protocolo A partir do art 9º o Protocolo enuncia suas disposições finais assinatura ratificação e adesão art 9º entrada em vigor art 10 denúncia art 11 proposição de emenda art 12 dentre outras 202 PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA REFERENTE À VENDA DE CRIANÇAS À PROSTITUIÇÃO INFANTIL E À PORNOGRAFIA INFANTIL O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil foi adotado em Nova Iorque em 25 de maio de 2000 e entrou em vigor internacional em 18 de janeiro de 2002 Possui em 2019 176 Estados partes No Brasil o Congresso Nacional o aprovou por meio do Decreto Legislativo n 230 de 29 de maio de 2003 O instrumento de ratificação foi depositado junto à Secretaria Geral da ONU em 27 de janeiro de 2004 e o Protocolo entrou em vigor para o Brasil em 27 de fevereiro de 2004 e foi promulgado por meio do Decreto n 5007 de 8 de março de 2004 Foi adotado com a finalidade de ampliar medidas previstas na Convenção sobre os Direitos da Criança com a finalidade de garantir a proteção das crianças grupo particularmente vulnerável e mais exposto ao risco de exploração sexual contra a venda de crianças a prostituição infantil e a pornografia infantil ante a preocupação com o significativo e crescente tráfico internacional de crianças para tais fins com a prática disseminada do turismo sexual e com a crescente disponibilidade de pornografia infantil na internet e em outras tecnologias modernas 182 Considerouse nesse sentido o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho perigoso ou capaz de interferir em sua educação ou ser prejudicial à sua saúde ou ao seu desenvolvimento físico mental espiritual moral ou social A elaboração do Protocolo levou em consideração os aspectos que contribuem para a ocorrência da venda de crianças da prostituição infantil e da pornografia como o subdesenvolvimento a pobreza as disparidades econômicas a estrutura socioeconômica desigual as famílias com disfunções a ausência de educação a migração do campo para a cidade a discriminação sexual o comportamento sexual adulto irresponsável as práticas tradicionais prejudiciais e os conflitos armados e o tráfico de crianças conforme explicitado em seus consideranda O Protocolo possui 17 artigos não divididos em seções específicas No primeiro deles o documento estabelece que os Estados Partes deverão proibir a venda de crianças a prostituição infantil e a pornografia infantil No art 2º são apresentadas as definições para os seus propósitos Assim a venda de crianças é definida como qualquer ato ou transação pela qual uma criança é transferida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas a outra pessoa ou grupo de pessoas em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação A prostituição infantil consiste no uso de uma criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação e finalmente a pornografia infantil é definida como qualquer representação por qualquer meio de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais O Protocolo estabelece diversos mandados internacionais de criminalização dos atos relacionados à venda de crianças à prostituição e pornografia infantis O art 3º determina que os Estados Partes devem assegurar a criminalização integral dos atos mencionados quer sejam cometidos dentro quer fora de suas fronteiras de forma individual ou organizada Assim no contexto da venda de crianças os Estados devem criminalizar a oferta entrega ou aceitação de uma criança por qualquer meio para fins de exploração sexual transplante de órgãos com fins lucrativos ou envolvimento em trabalho forçado No Brasil a Lei n 134402017 alterou o tipo penal do art 244A do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n 806990 que tipifica a prática de submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual tendo sido estipulada além da pena de reclusão e multa a perda dos bens e valores utilizados na prática criminosa em favor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da unidade da Federação brasileira em que foi cometido o crime ressalvado o direito de terceiro de boafé Nesse contexto o Estado deve ainda criminalizar a indução indevida ao consentimento na qualidade de intermediário para adoção de uma criança em violação dos instrumentos jurídicos internacionais aplicáveis sobre adoção Devem ser considerados crimes também os atos de oferta obtenção aquisição aliciamento ou o fornecimento de uma criança para fins de prostituição infantil e a produção distribuição disseminação importação exportação oferta venda ou posse para os fins mencionados de pornografia infantil A tentativa desses atos também será punida bem como cumplicidade ou participação em qualquer deles A cominação das penas deve levar em conta a gravidade dos delitos e os Estados devem adotar medidas quando for apropriado para determinar a responsabilização legal das pessoas jurídicas que poderá ser de natureza criminal civil ou administrativa Ademais os Estados devem adotar todas as medidas legais e administrativas apropriadas para assegurar que todas as pessoas envolvidas na adoção de uma criança ajam em conformidade com os instrumentos jurídicos internacionais aplicáveis O art 4º determina que o Estado Parte adote as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre os crimes cometidos em seu território ou a bordo de embarcação ou aeronave registrada no Estado bem como medidas para estabelecer sua jurisdição sobre os delitos quando o criminoso presumido estiver presente em seu território e não for extraditado para outro Estado aut dedere aut judicare ou extradita ou julga O Estado pode também adotar medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre os delitos nos casos em que o criminoso presumido for um cidadão daquele Estado ou uma pessoa que mantém residência habitual em seu território ou nos casos em que a vítima for um cidadão daquele Estado O art 5º por sua vez determina que os delitos relativos à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil devem ser considerados delitos passíveis de extradição em qualquer tratado de extradição existente entre Estados Partes e devem ser incluídos como delitos passíveis de extradição em todo tratado de extradição subsequentemente celebrado entre eles Se o Estado Parte que condicionar a extradição à existência de um tratado receber solicitação de extradição de outro Estado Parte com o qual não mantém tratado de extradição poderá adotar o Protocolo como base jurídica para a extradição quanto a esses delitos sujeitandose a extradição às condições previstas na legislação do Estado demandado Ainda se os Estados Partes não condicionarem a extradição à existência de um tratado devem reconhecer os delitos como passíveis de extradição entre si em conformidade com as condições estabelecidas na legislação do Estado demandado Se este Estado não conceder a extradição ou recusarse a concedêla com base na nacionalidade do autor do delito este Estado adotará as medidas apropriadas para submeter o caso às suas autoridades competentes com vistas à instauração de processo penal aut dedere aut judicare ou entrega ou julga O art 6º versa sobre a prestação de assistência jurídica penal mútua entre os Estados Partes no que se refere a investigações ou processos criminais ou de extradição instaurados inclusive para obtenção de provas à sua disposição e necessárias para a condução dos processos Tais obrigações devem ser cumpridas em conformidade com quaisquer tratados ou outros acordos sobre assistência jurídica mútua que porventura existam entre os Estados Partes e na ausência destes devem prestarse assistência mútua em conformidade com sua legislação nacional Para dificultar a ocorrência dos delitos relacionados à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil os Estados Partes devem adotar medidas para permitir o sequestro e confisco conforme o caso de bens tais como materiais ativos e outros meios utilizados para cometer ou facilitar o cometimento dos delitos bem como rendas decorrentes do seu cometimento Devem também atender às solicitações de outro Estado Parte referentes ao sequestro ou confisco de bens ou rendas e para fechar temporária ou definitivamente os locais utilizados para cometer esses delitos O art 8º dispõe sobre as medidas a serem adotadas para proteger os direitos e interesses de crianças vítimas das práticas proibidas pelo Protocolo em todos os estágios do processo judicial criminal considerandose primordialmente o melhor interesse da criança Nesse contexto o Estado deve reconhecer a vulnerabilidade de crianças vitimadas e adaptando procedimentos para reconhecer suas necessidades especiais inclusive como testemunhas além de assegurar sua segurança bem como de suas famílias e testemunhas contra intimidação e retaliação e de prestar serviços adequados de apoio às crianças vitimadas no transcorrer do processo judicial Os Estados devem ainda informar as crianças sobre seus direitos seu papel além do alcance datas e andamento dos processos e a condução de seus casos e evitar a demora desnecessária na condução de causas e no cumprimento de ordens ou decretos concedendo reparação a crianças vitimadas Devem permitir que suas opiniões necessidades e preocupações sejam apresentadas e consideradas nos processos em que seus interesses pessoais forem afetados de forma coerente com as normas processuais da legislação nacional A privacidade e a identidade das crianças também devem ser protegidas devendo o Estado adotar medidas para evitar a disseminação inadequada de informações que possam levar à sua identificação Os Estados devem assegurar que eventuais dúvidas sobre a idade real da vítima não impeçam que se dê início a investigações sejam elas criminais ou para determinar a idade da vítima Ademais devem assegurar treinamento apropriado especialmente jurídico e psicológico às pessoas que trabalham com vítimas dos delitos em questão e nos casos apropriados devem adotar medidas para proteger a segurança e integridade das pessoas e organizações envolvidas na prevenção ou proteção e reabilitação de vítimas desses delitos O art 9º prevê as medidas a serem tomadas pelos Estados para implementar as disposições do Protocolo Assim determina que os Estados adotem ou reforcem implementem e disseminem leis medidas administrativas políticas e programas sociais para evitar os delitos estabelecidos no Protocolo conferindo especial atenção à proteção de crianças especialmente vulneráveis às práticas nele descritas Devem ainda promover a conscientização do público em geral inclusive das crianças por meio de informações disseminadas por todos os meios apropriados educação e treinamento sobre as medidas preventivas e os efeitos prejudiciais da venda de crianças da prostituição e pornografia infantis No cumprimento dessas obrigações os Estados Partes devem incentivar a participação da comunidade e em particular de crianças vitimadas nas informações e em programas educativos e de treinamento inclusive em nível internacional Devem ainda adotar todas as medidas possíveis para assegurar assistência apropriada às vítimas inclusive sua completa reintegração social e sua total recuperação física e psicológica e assegurar que tenham acesso a procedimentos adequados que lhes permitam obter das pessoas legalmente responsáveis sem discriminação reparação pelos danos sofridos Conforme determina o art 10 os Estados devem adotar todas as medidas necessárias para intensificar a cooperação internacional por meio de acordos multilaterais regionais e bilaterais para prevenir detectar investigar julgar e punir os responsáveis por atos envolvendo a venda de crianças a prostituição infantil a pornografia infantil e o turismo sexual infantil Ademais devem promover a cooperação e coordenação internacionais entre suas autoridades organizações não governamentais nacionais e internacionais e organizações internacionais Devem ainda promover a cooperação internacional com a finalidade de prestar assistência às crianças vitimadas em sua recuperação física e psicológica sua reintegração social e repatriação bem como o seu fortalecimento da cooperação para lutar contra as causas básicas tais como pobreza e subdesenvolvimento que contribuem para a vulnerabilidade das crianças Os Estados que possuírem condições poderão ainda prestar assistência financeira técnica ou de outra natureza por meio de programas multilaterais regionais bilaterais ou outros programas existentes No art 11 o Protocolo prevê que nenhuma disposição poderá afetar quaisquer outras disposições mais propícias à fruição dos direitos da criança e que possam estar contidas na legislação interna do Estado ou na legislação internacional em vigor para aquele Estado O art 12 por sua vez prevê a apresentação de relatórios periódicos por cada Estado Parte ao Comitê sobre os Direitos da Criança no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Protocolo para aquele Estado Parte que deverá conter informações abrangentes sobre as medidas adotadas para implementar as disposições do Protocolo Após sua apresentação do relatório abrangente o Estado parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo e os demais Estados devem fazêlo a cada cinco anos O Comitê poderá solicitar aos Estados informações adicionais relevantes para a implementação do Protocolo A partir do art 13 estão previstas disposições finais do Protocolo assinatura entrada em vigor denúncia emendas dentre outras No Brasil a Lei n 134412017 inseriu a Seção VA no Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n 806990 que trata da infiltração de agentes policiais para investigar de crimes contra a dignidade sexual de criança e de adolescente A infiltração dependerá de i ordem judicial e ii assegura a atipicidade de condutas de ocultação de identidade do policial em sua atividade na internet para colher indícios de autoria e materialidade de diversos crimes envolvendo crimes contra a dignidade sexual da criança e do adolescente Em 2018 foi tipificada pela Lei n 13718 a oferta troca disponibilização transmissão venda ou exposição à venda bem como a distribuição publicação ou divulgação por qualquer meio inclusive internet de foto vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou estupro de vulnerável ou que faça apologia a sua prática ou sem o consentimento da vítima cena de sexo nudez ou pornografia A pena é aumentada de 13 um terço a 23 dois terços se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação revenge porn pornografia da vingança novo art 218C do Código Penal 203 PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS CRIANÇAS RELATIVO AOS PROCEDIMENTOS DE COMUNICAÇÃO O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo aos procedimentos de comunicação foi adotado em Nova Iorque em 19 de dezembro de 2001 e entrou em vigor internacional em 14 de abril de 2014 Possui em 2019 45 Estados partes O Protocolo foi assinado pelo Brasil em 8 de fevereiro de 2012 aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 85 de 8 de junho de 2017 e ratificado em 29 de setembro de 2017 ainda não foi promulgado Visando complementar os mecanismos nacionais e internacionais de proteção às crianças o Protocolo permite que as crianças apresentem denúncias pela violação dos seus direitos previstos na Convenção sobre os Direitos da Criança e nos seus Protocolos Facultativos ao Comitê dos Direitos da Criança O art 2 prevê o que o princípio do melhor interesse da criança regerá as funções do Comitê o qual nos termos do art 3 incluirá nos seus procedimentos salvaguardas para evitar a manipulação da criança por quem atue em seu nome podendo recusar o exame de comunicações que considerem ser contrárias ao interesse superior da criança O art 4 por sua vez versa sobre as medidas de proteção às pessoas que comunicam situações ou cooperam com o Comitê Os arts 5 a 12 versam sobre o Procedimento de Comunicações As comunicações podem ser apresentadas por i pessoas ou grupo de pessoas não podendo ser anônimas ii em nome de pessoas ou grupos de pessoas vítimas de violações cometidas por Estado Parte da Convenção dos Direitos das Crianças ou de seus protocolos Após examinar a admissibilidade do pedido art 7 o Comitê informa o Estado interessado sobre a comunicação apresentada solicitando explicações ou declarações sobre as medidas adotadas art 8 Medidas provisórias medidas cautelares podem ser solicitadas a qualquer tempo antes da decisão de mérito em casos excepcionais para evitar danos irreparáveis à vítima art 6 bem como as partes podem chegar a uma solução amistosa sobre o caso art 9 O exame das comunicações bem como as recomendações do Comitê serão encaminhados às partes art 10 devendo o Estado apresentar uma resposta em seis meses sobre as medidas adotadas à luz das recomendações do Comitê art 11 O art 12 prevê que os Estados podem declarar que reconhecem ainda a competência do Comitê para receber e examinar comunicações nas quais um Estado alegue que outro Estado não cumpriu com as obrigações decorrentes da Convenção sobre os Direitos da Crianças ou seus Protocolos Facultativos Os arts 13 e 14 abordam os procedimentos de investigações em casos de violações graves ou sistemáticas as quais terão caráter confidencial e podem incluir visitas ao território do Estado Os arts 15 16 e 17 estipulam a assistência e cooperação internacionais entre os Estados os organismos especializados os fundos os programas e outros órgãos competentes da ONU bem como a submissão de resumo das suas atividades em relatório a ser enviado para a Assembleia Geral a cada dois anos cabendo ademais a cada Estado a divulgação e informação sobre o Protocolo Facultativo no seu território Finalmente os arts 18 a 20 compreendem a assinatura ratificação e adesão entrada em vigor o Comitê possui competência somente em relação a violações que ocorrerem após a data de entrada em vigor do Protocolo e os arts 21 a 24 dispõem sobre as emendas denúncia depósito e idiomas do Protocolo QUADRO SINÓTICO Convenção sobre os Direitos da Criança Definição de criança Todo ser humano com menos de 18 anos de idade a não ser que em conformidade com a lei aplicável à criança a maioridade seja alcançada antes Previsão da consideração do melhor interesse da criança best interest of the child Principais direitos enunciados Direito à vida Direito de que seja registrada imediatamente após seu nascimento Direito de ter desde o momento do nascimento um nome uma nacionalidade e na medida do possível de conhecer seus pais e a ser cuidada por eles Direito de preservar sua identidade Direito de que não seja separada dos pais contra a vontade destes salvo se a separação atender ao melhor interesse da criança Direito de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos os pais a menos que isso seja contrário ao melhor interesse da criança no caso de criança separada de um ou de ambos os pais Direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos com ela relacionados Direito à liberdade de expressão Direito à liberdade de pensamento de consciência e de crença Direitos à liberdade de associação e à liberdade de realizar reuniões pacíficas Direito à proteção da lei contra interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular sua família seu domicílio ou sua correspondência e contra atentados ilegais a sua honra e a sua reputação Direito de acesso à informação Direito à proteção e assistência especiais do Estado para crianças privadas temporária ou permanentemente do seu meio familiar ou cujo melhor interesse exija que não permaneçam nesse meio Direito a proteção e a assistência humanitária adequadas para crianças refugiadas Direitos específicos da criança com deficiência física ou mental vida plena e decente em condições que garantam sua dignidade favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade Direito de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde Direito a um exame periódico de avaliação do tratamento e de todos os demais aspectos relativos à sua internação Direito de usufruir da previdência social Direito a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico mental espiritual moral e social Direito à educação Direito de em comunidade com os demais membros de seu grupo ter sua própria cultura professar e praticar sua própria religião ou utilizar seu próprio idioma especialmente para crianças de Estados Partes onde existam minorias étnicas religiosas ou linguísticas ou pessoas de origem indígena Direito ao descanso e ao lazer ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade bem como à livre participação na vida cultural e artística Direito de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico mental espiritual moral ou social Direito à proteção contra todas as formas de exploração e abuso sexual Direito de não ser submetida a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes nem à pena de morte ou à prisão perpétua sem possibilidade de livramento por delitos cometidos por menores de dezoito anos de idade Direito de não ser privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária Direito da criança privada da liberdade ser tratada com humanidade e respeito e levandose em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade direito de manter contato com sua família por meio de correspondência ou de visitas direito a assistência jurídica e a qualquer outra assistência adequada direito a impugnar a legalidade da privação de sua liberdade perante autoridade competente independente e imparcial e a uma rápida decisão a respeito de tal ação Direitos processuais Mecanismo de monitoramento Procedimento de relatórios periódicos Atenção 3º Protocolo à Convenção dezembro de 2011 direito de petição das vítimas ao Comitê Brasil já ratificou 2017 Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados Objetivo Estabelecer um aumento de idade para o possível recrutamento de pessoas pelas forças armadas reconhecendose as necessidades especiais das crianças particularmente vulneráveis ao recrutamento ou utilização em hostilidades em decorrência de sua situação econômica ou social ou de sexo Nesse sentido os Estados Partes devem adotar todas as medidas possíveis para assegurar que membros de suas forças armadas menores de 18 anos não participem diretamente de hostilidades e devem assegurar que menores de 18 anos não serão recrutados de maneira compulsória em suas forças armadas além de elevar a idade mínima para o recrutamento voluntário de pessoas em suas forças armadas nacionais acima de 15 anos Ademais os grupos armados distintos das forças armadas de um Estado não deverão em qualquer circunstância recrutar ou utilizar menores de 18 anos em hostilidades Mecanismo de monitoramento Submissão de relatórios ao Comitê sobre os Direitos da Criança Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil Objetivo Ampliar medidas previstas na Convenção sobre os Direitos da Criança com a finalidade de garantir a proteção das crianças contra a venda a prostituição infantil e a pornografia infantil ante a preocupação com o significativo e crescente tráfico internacional de crianças para tais fins com a prática disseminada do turismo sexual e com a crescente disponibilidade de pornografia infantil na Internet e em outras tecnologias modernas Definições Venda de crianças qualquer ato ou transação pela qual uma criança é transferida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas a outra pessoa ou grupo de pessoas em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação Prostituição infantil o uso de uma criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação Pornografia infantil qualquer representação por qualquer meio de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais Mecanismo de monitoramento Submissão de relatórios ao Comitê sobre os Direitos da Criança 21 Declaração e Programa de Ação de Viena 1993 A II Conferência Mundial de Direitos Humanos Conferência de Viena de 1993 foi a segunda grande conferência sobre direitos humanos sob o patrocínio da ONU a primeira foi a de Teerã 1968 e contou com a participação de delegações de 171 Estados e mais de 800 organizações não governamentais acreditadas como observadores oficiais além do Fórum das ONGs em paralelo ao evento caracterizandose como um verdadeiro marco para o Direito Internacional 183 Na Conferência de 1993 foram adotadas a Declaração e Programa de Ação de Viena por consenso resultando em uma abrangente análise global do sistema internacional de direitos humanos e dos mecanismos de proteção destes direitos e ainda consagrando a universalidade como característica marcante do regime jurídico internacional dos direitos humanos Realçou se ainda a responsabilidade de todos os Estados desenvolverem e encorajarem o respeito a todos os direitos humanos A Declaração e Programa de Ação de Viena é um documento único 184 constituído de um preâmbulo de 17 parágrafos da Parte I com as declarações apresentadas em 39 itens e da Parte II com 100 recomendações Inicialmente declarase que todos os povos têm direito à autodeterminação podendo escolher livremente seu estatuto político e prosseguir livremente no seu desenvolvimento econômico social e cultural Dessa forma a Conferência Mundial de Direitos Humanos reconhece o direito dos povos sob domínio colonial ou ocupação estrangeira de empreenderem qualquer ação legítima em conformidade com a Carta da ONU para realizar seu direito à autodeterminação item 2 da Declaração A Declaração ressalta a importância de se adotarem medidas internacionais para garantir e fiscalizar o cumprimento das normas de direitos humanos relativamente a povos sujeitos a ocupação estrangeira item 3 e ressalta que a promoção e a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais devem ser considerados objetivos prioritários da ONU devendo os órgãos e agências especializadas reforçar a coordenação das suas atividades com base na aplicação coerente e objetiva dos instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos item 4 Enunciase que todos os direitos humanos são universais indivisíveis e interrelacionados devendo a comunidade internacional considerálos globalmente de forma justa e equitativa no mesmo pé e com igual ênfase item 5 e reafirmase a importância de se garantir a universalidade a objetividade e a não seletividade na consideração de questões relativas aos direitos humanos item 32 Ressaltase também que embora o significado das especificidades nacionais e regionais e os diversos antecedentes históricos culturais e religiosos devam ser sempre levados em consideração compete aos Estados independentemente dos seus sistemas políticos econômicos e culturais promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais No item 8 declarase que a democracia o desenvolvimento e o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais são interdependentes e reforçamse mutuamente Nesse sentido países menos desenvolvidos empenhados no processo de democratização e de reformas econômicas devem ser apoiados pela comunidade internacional para que alcancem sucesso na sua transição para a democracia e para o desenvolvimento econômico item 9 Reafirmase também o direito ao desenvolvimento item 10 como direito inalienável e parte integrante dos direitos humanos que deve ser realizado de modo a satisfazer de forma equitativa as necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e vindouras item 11 Reconhecese também que todos têm direito de usufruir os benefícios decorrentes do progresso científico e das suas aplicações práticas considerandose que alguns progressos nomeadamente nas ciências biomédicas e da vida bem como na tecnologia de informação podem ter consequências potencialmente adversas para a integridade a dignidade e os direitos humanos do indivíduo Por meio da Declaração a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos exorta a comunidade internacional a envidar todos os esforços necessários para ajudar a aliviar o peso da dívida externa dos países em vias de desenvolvimento item 12 conclamaa a promover esforços para atenuar e eliminar a pobreza extrema generalizada item 14 a eliminar todas as formas de racismo e discriminação racial xenofobia e manifestações conexas de intolerância item 15 e a combater o terrorismo item 17 A Declaração também reafirma explicitamente os direitos humanos das mulheres e das crianças do sexo feminino exaltando como objetivos prioritários da comunidade internacional os esforços para eliminar a discriminação Condenase a violência baseada no sexo da pessoa e todas as formas de assédio e exploração sexual item 18 Declarase também a importância de se promoverem e protegerem os direitos das minorias item 19 dos grupos vulneráveis como os trabalhadores migrantes item 24 e dos povos indígenas item 20 Ressaltase também a necessidade de se efetivarem os direitos das crianças considerandose sempre o melhor interesse da criança item 21 e das pessoas com deficiência incluindo a sua participação ativa em todos os aspectos da vida em sociedade item 22 Reafirmase o direito de todos sem distinção de procurar e obter noutros países asilo contra as perseguições de que sejam alvo bem como o direito de regressar ao seu próprio país reconhecendo a necessidade de adoção de estratégias para abordar as causas remotas e os efeitos das movimentações de refugiados e outras pessoas deslocadas o reforço de mecanismos de alerta e resposta em caso de emergência a disponibilização de proteção e assistência efetivas bem como a obtenção de soluções duradouras e a prestação de assistência humanitária às vítimas de todas as catástrofes quer naturais quer causadas pelo ser humano item 23 Após reafirmar os direitos humanos a Declaração conclama os Estados a oferecer um quadro institucional efetivo de soluções para reparar injustiças ou violações dos direitos humanos e ressalta a importância de uma administração da justiça forte e independente item 27 Manifesta também a consternação pelas violações desses direitos em especial sob a forma de genocídio limpeza étnica e estupro sistemático de mulheres em situações de guerra originando êxodos em massa de refugiados e pessoas deslocadas reiterando a necessidade de punição dos autores e eliminação dessas práticas item 28 aceitação dos mandados internacionais de criminalização Expressa também a profunda preocupação com as violações dos direitos humanos que ocorrem durante os conflitos armados que afetam a população civil sobretudo mulheres crianças idosos e pessoas com deficiências reafirmando a necessidade de observância do Direito Internacional Humanitário item 29 Mencionase também a preocupação com a reiteração em todo o mundo de práticas de tortura e de penas ou tratamentos cruéis desumanos e degradantes as execuções sumárias e arbitrárias os desaparecimentos as detenções arbitrárias todas as formas de racismo discriminação racial e apartheid a ocupação e o domínio por parte de potências estrangeiras a xenofobia a pobreza a fome e outras negações dos direitos econômicos sociais e culturais a intolerância religiosa o terrorismo a discriminação contra as mulheres e a inexistência do Estado de Direito item 30 A Declaração também exorta os Estados a que se abstenham de tomar qualquer medida unilateral que não esteja em conformidade com o Direito Internacional e com a Carta das Nações Unidas e que crie obstáculos às relações comerciais entre Estados e obste à plena realização dos direitos humanos em especial do direito de todos a um nível de vida adequado à sua saúde e bemestar não podendo a alimentação ser usada como meio de pressão política item 31 Realçase a importância de se garantir que a educação se destine a reforçar o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais promovendo a compreensão a tolerância a paz e as relações amistosas entre as nações e todos os grupos raciais ou religiosos item 33 A Declaração menciona que devem ser empreendidos esforços acrescidos para apoiar os países que o solicitem a criar as condições que permitam a cada indivíduo usufruir os direitos humanos e das liberdades fundamentais universalmente reconhecidos ressaltando o papel dos Governos do sistema das Nações Unidas bem como de outras organizações multilaterais item 34 Finalmente menciona a necessidade de dotar as atividades das Nações Unidas de mais recursos para a plena e efetiva execução de suas atividades item 35 e ressalta a importância das instituições nacionais e das organizações não governamentais para a promoção e proteção dos direitos humanos itens 36 e 38 Em seguida a Declaração e Programa de Ação de Viena apresenta as cem recomendações que são divididas em tópicos e que referem à busca de igualdade e dignidade educação para os direitos humanos bem como maior coordenação no âmbito do sistema das Nações Unidas e meios de supervisão e controle do respeito aos direitos humanos QUADRO SINÓTICO Declaração e Programa de Ação de Viena É produto da análise global do sistema internacional de direitos humanos e dos mecanismos de proteção destes direitos Ressalta que os direitos humanos são universais indivisíveis e interrelacionados devendo a comunidade internacional considerálos globalmente de forma justa e equitativa 22 Protocolo de Prevenção Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas especialmente Mulheres e Crianças complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional O Protocolo de Prevenção Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas especialmente Mulheres e Crianças complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional adotado em Nova Iorque em 15 de novembro de 2000 foi firmado tendose em vista que a prevenção e o combate ao tráfico de pessoas requer atuação conjunta dos países de origem trânsito e destino com medidas destinadas a prevenir o tráfico punir os traficantes e proteger suas vítimas nos termos de seu preâmbulo Possui em 2019 174 Estados partes No Brasil foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 231 de 29 de maio de 2003 e ratificado em 29 de janeiro de 2004 Entrou em vigor internacional em 29 de setembro de 2003 e para o Brasil em 28 de fevereiro de 2004 Foi finalmente promulgado pelo Decreto n 5017 de 12 de março de 2004 O Protocolo possui vinte artigos divididos em quatro partes disposições gerais arts 1º a 5º proteção de vítimas de tráfico de pessoas arts 6º a 8º e prevenção cooperação e outras medidas arts 9º a 13 e disposições finais arts 14 a 20 No art 1º explicitase que o Protocolo completa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional devendo ser interpretado em conjunto com ela cujas disposições aplicamse mutatis mutandis ao Protocolo O art 2º por sua vez enuncia quais são os objetivos do Protocolo quais sejam prevenir e combater o tráfico de pessoas com especial atenção às mulheres e às crianças proteger e ajudar as vítimas do tráfico com respeito pleno aos seus direitos humanos e promover a cooperação entre os Estados Partes com a finalidade de atingir tais objetivos Ainda nas disposições gerais o art 3º apresenta definições para efeitos do Protocolo O tráfico de pessoas significa O recrutamento o transporte a transferência o alojamento ou o acolhimento de pessoas Ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação ao rapto à fraude ao engano ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração A exploração incluirá no mínimo a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual o trabalho ou serviços forçados escravatura ou práticas similares à escravatura a servidão ou a remoção de órgãos O consentimento dado pela vítima será considerado irrelevante em face de qualquer exploração descrita De outro lado se o recrutamento o transporte a transferência o alojamento ou o acolhimento para fins de exploração se referirem a crianças assim consideradas qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos restará configurado o tráfico de pessoas ainda que a exploração não envolva nenhum dos meios acima referidos O art 5º exige por sua vez que o Estado criminalize os atos descritos como tráfico de pessoas que tenham sido praticados intencionalmente bem como sua tentativa a participação como cúmplice a organização da prática do tráfico ou a conferência de instruções a outras pessoas para que a pratiquem O Protocolo se aplica à prevenção investigação e repressão das infrações estabelecidas quando forem de natureza transnacional e envolverem grupo criminoso organizado bem como à proteção das vítimas de tais infrações Na Parte II o Protocolo dispõe sobre as medidas para proteção de vítimas do tráfico de pessoas Nesse sentido no art 6º que diz respeito à assistência e proteção às vítimas de tráfico de pessoas fica estabelecido que o Estado protegerá a privacidade e a identidade das vítimas de tráfico de pessoas inclusive com relação aos procedimentos judiciais relativos ao tráfico nos casos em que se considere apropriado e na medida em que seja permitido pelo seu direito interno Ademais o Estado deve assegurar que seu sistema jurídico ou administrativo possua medidas que informem às vítimas do tráfico quando for necessário sobre os procedimentos judiciais e administrativos e assistência para permitir que suas preocupações sejam levadas em conta no processo penal instaurado contra o autor das infrações O Estado ainda deve fornecer medidas que permitam a recuperação física psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas em especial alojamento aconselhamento e informação assistência médica psicológica e material e oportunidades de emprego educação e formação O Estado deve ainda promover esforços para garantir a segurança física das vítimas de tráfico de pessoas e assegurar que seu sistema jurídico viabilize a possibilidade de obterem indenização por danos sofridos No art 7º o Protocolo estabelece um estatuto das vítimas de tráfico de pessoas no Estado de acolhimento prevendo que o Estado deve considerar a possibilidade de adotar medidas que permitam às vítimas de tráfico permanecerem em seu território a título temporário ou permanente Finalmente no art 8º o Protocolo versa sobre o repatriamento das vítimas de tráfico de pessoas de modo que o Estado Parte do qual a vítima é nacional ou em que tinha residência permanente deve facilitar e aceitar sem demora indevida ou injustificada o retorno da pessoa Evidentemente conforme previsto devese levar em conta a segurança da pessoa e a situação de processo judicial relacionado ao fato de a pessoa ser vítima de tráfico Na terceira parte Prevenção cooperação e outras medidas são determinadas medidas a serem adotadas pelos Estados para a prevenção e combate ao tráfico de pessoas e para proteção às suas vítimas especialmente mulheres e crianças tais como campanhas de informação e de difusão através dos órgãos de comunicação e iniciativas sociais e econômicas Nesse sentido devem tomar medidas para reduzir os fatores como a pobreza o subdesenvolvimento e a desigualdade de oportunidades que possam tornar as pessoas vulneráveis ao tráfico bem como desencorajar a procura que fomenta atos de exploração de pessoas conducentes ao tráfico O art 10 prevê que os órgãos do Estado devem cooperar entre si mediante troca de informações para verificar se as pessoas que atravessam ou tentam atravessar fronteira internacional com documentos de viagem pertencentes a terceiros ou sem documentos de viagem são autores ou vítimas de tráfico de pessoas bem como para verificar os tipos de documentos de viagem que as pessoas têm utilizado ou tentado utilizar para atravessar uma fronteira internacional com o objetivo de tráfico de pessoas e os meios e métodos utilizados por grupos criminosos organizados com o objetivo de tráfico de pessoas Os Estados Partes também devem assegurar a formação dos agentes dos serviços competentes para a aplicação da lei dos serviços de imigração ou de outros serviços competentes na prevenção do tráfico de pessoas devem reforçar os controles fronteiriços necessários para prevenir e detectar o tráfico de pessoas devem adotar medidas apropriadas para prevenir a utilização de meios de transporte explorados por transportadores comerciais na prática de tráfico de pessoas dentre outras medidas nas fronteiras arts 10 e 11 Finalmente os Estados devem adotar medidas necessárias para a segurança e o controle de documentos art 12 bem como sua legitimidade e validade art 13 Nas disposições finais o Protocolo estabelece além dos dispositivos de praxe uma cláusula de salvaguarda pela qual o Protocolo não prejudicará os direitos obrigações e responsabilidades dos Estados e das pessoas por força do Direito Internacional incluindose aí o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário e se forem aplicáveis a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados e ao princípio do nonrefoulement Ademais as medidas do Protocolo devem ser interpretadas e aplicadas de forma que as vítimas não sejam discriminadas art 14 a vítima não pode ser culpada pela situação de tráfico Em 2016 foi adotada a Lei n 13344 Lei de Tráfico de Pessoas atualizando a legislação interna que anteriormente punia o tráfico de pessoas na sua finalidade de exploração sexual arts 231 e 231A do Código Penal A nova lei é genérica e visa reprimir o tráfico de pessoas cometido no território nacional contra vítima brasileira ou estrangeira e no exterior contra vítima brasileira art 1º Nesse sentido foram tipificadas diversas condutas agenciar aliciar recrutar transportar transferir comprar alojar ou acolher pessoa mediante grave ameaça violência coação fraude ou abuso e finalidades de tráfico de pessoas como o tráfico para fins de remoção de órgãos submissão a trabalho escravo servidão adoção ilegal ou exploração sexual redação do art 149A do CP em linha com o art 3º do Protocolo analisado A Lei n 133442016 na linha do que dispõe o Protocolo é calcada em 3 eixos a saber prevenção capítulo II repressão capítulo III e proteção e assistência às vítimas capítulo IV QUADRO SINÓTICO Protocolo de Prevenção Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas especialmente Mulheres e Crianças complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Objetivos Prevenir e combater o tráfico de pessoas com especial atenção às mulheres e às crianças Proteger e ajudar as vítimas do tráfico com respeito pleno aos seus direitos humanos e Promover a cooperação entre os Estados Partes com a finalidade de atingir tais objetivos Definição de tráfico de pessoas O recrutamento o transporte a transferência o alojamento ou o acolhimento de pessoas recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação ao rapto à fraude ao engano ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração A exploração incluirá no mínimo a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual o trabalho ou serviços forçados escravatura ou práticas similares à escravatura a servidão ou a remoção de órgãos O consentimento dado pela vítima será considerado irrelevante em face de qualquer exploração descrita Principais medidas para proteção de vítimas do tráfico de pessoas Assistência e proteção às vítimas de tráfico de pessoas inclusive proteção da privacidade e da identidade das vítimas de tráfico de pessoas Medidas que permitam a recuperação física psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas Segurança física das vítimas de tráfico de pessoas Viabilização da possibilidade de no sistema jurídico as vítimas obterem indenização por danos sofridos Medidas que permitam às vítimas de tráfico permanecerem no território do Estado Parte a título temporário ou permanente 23 Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo foram assinados em Nova York em 30 de março de 2007 A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência possui 50 artigos não divididos em partes específicas e seu Protocolo Facultativo possui 18 artigos A Convenção e seu Protocolo possuem em 2019 respectivamente 180 e 96 Estados partes No Brasil a Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 186 de 9 de julho de 2008 conforme o procedimento do 3º do art 5º da Constituição O instrumento de ratificação dos textos foi depositado junto ao SecretárioGeral das Nações Unidas em 1º de agosto de 2008 entrando em vigor para o Brasil no plano jurídico externo em 31 de agosto de 2008 A promulgação deuse por meio do Decreto n 6949 de 25 de agosto de 2009 Como o rito utilizado foi o do art 5º 3º da CF88 esse tratado possui consequentemente hierarquia interna equivalente ao de emenda constitucional ver Parte III Capítulo 3 sobre a incorporação dos tratados de direitos humanos ao ordenamento brasileiro Até 2006 havia uma impressionante lacuna na questão ante a inexistência de um tratado internacional universal celebrado sob os auspícios da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência Não que esta questão fosse de pouco interesse havia até a edição da Convenção vários diplomas normativos específicos não vinculantes sobre os direitos das pessoas com deficiência que compunham a chamada soft law 185 Ademais a Organização Mundial da Saúde OMS em relatório de 2011 calculou à época que 1 bilhão de pessoas possuíam alguma deficiência 186 Mas a invisibilidade e a falta de foco das instâncias de proteção de direitos humanos sobre o tema da deficiência gerava assimetria na proteção local perpetuação de estereótipos falta de políticas de apoio e finalmente exclusão A invisibilidade no que tange aos direitos das pessoas com deficiência é particularmente agravada pela separação existente entre elas e o grupo social majoritário causada por barreiras físicas e sociais Mesmo quando há notícia pública da marginalização há ainda o senso comum de que tal marginalização é fruto da condição individual modelo médico da deficiência e não do contexto social Por exemplo no caso brasileiro a inacessibilidade de alguns locais de votação no Brasil teve como resposta a edição de resolução do Tribunal Superior Eleitoral desonerando os eleitores com deficiência de votar o que aliás contraria o dever de votar previsto na CF88 ao invés de exigir a modificação e acessibilidade total destes locais Devemos aqui expor pequena observação sobre a terminologia utilizada na questão A expressão pessoa portadora de deficiência corresponde àquela usada pela Constituição brasileira art 7º XXXI art 23 II art 24 XIV art 37 VIII art 203 IV art 203 V art 208 III art 227 1º II art 227 2º art 244 Porém o termo portadora realça o portador como se fosse possível deixar de ter a deficiência Assim a expressão utilizada pela Organização das Nações Unidas é pessoas com deficiência persons with disabilities conforme consta da Standard Rules e da Convenção da ONU de 2006 Cabe salientar ademais que tendo a Convenção em tela status normativo equivalente ao de emenda constitucional houve atualização constitucional da denominação para pessoa com deficiência que deve a partir de 2009 ser o termo utilizado Vale ressaltar nesse ponto que o medical model modelo médico da abordagem da situação das pessoas com deficiência via a deficiência como um defeito que necessitava de tratamento ou cura Quem deveria se adaptar à vida social eram as pessoas com deficiência que deveriam ser curadas A atenção da sociedade e do Estado então voltavase ao reconhecimento dos problemas de integração da pessoa com deficiência para que esta desenvolvesse estratégias para minimizar os efeitos da deficiência em sua vida cotidiana A adoção desse modelo gerou falta de atenção às práticas sociais que justamente agravavam as condições de vida das pessoas com deficiência ocasionando pobreza invisibilidade e perpetuação dos estereótipos das pessoas com deficiência como destinatárias da caridade pública e piedade compungida negandolhes a titularidade de direitos como seres humanos Além disso como a deficiência era vista como defeito pessoal a adoção de uma política pública de inclusão não era necessária Já o modelo de direitos humanos ou modelo social vê a pessoa com deficiência como ser humano utilizando o dado médico apenas para definir suas necessidades A principal característica desse modelo é sua abordagem de gozo dos direitos sem discriminação Este princípio de antidiscriminação acarreta a reflexão sobre a necessidade de políticas públicas para que seja assegurada a igualdade material consolidando a responsabilidade do Estado e da sociedade na eliminação das barreiras à efetiva fruição dos direitos do ser humano Assim não se trata mais de exigir da pessoa com deficiência que esta se adapte mas sim de exigir com base na dignidade humana que a sociedade trate seus diferentes de modo a assegurar a igualdade material eliminando as barreiras à sua plena inclusão Na primeira parte do art 1º a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência adota expressamente o modelo de direitos humanos ao estabelecer que seu propósito é promover proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente Na parte final do art 1º a Convenção estabelece que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física intelectual ou sensorial os quais em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas Assim vêse que tal qual consta do preâmbulo a deficiência é considerada um conceito social e não médico em evolução resultante da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas preâmbulo item e A espinha dorsal da Convenção é o seu compromisso com a dignidade e os direitos das pessoas com deficiência que são tidos como titulares dos direitos e não como objeto ou alvo da compaixão pública Já no preâmbulo da Convenção ficou estabelecido que com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos toda pessoa faz jus a todos os direitos e liberdades ali estabelecidos sem distinção de qualquer espécie bem como a necessidade de garantir que todas as pessoas com deficiência os exerçam plenamente sem discriminação Esta visão da Convenção das pessoas com deficiência como rights holders titulares de direitos abrange os direitos civis políticos sociais econômicos e culturais inclusive o direito a um padrão mínimo de vida reafirmando as características da universalidade indivisibilidade e interdependência do regime jurídico dos direitos humanos no plano internacional Além de 26 parágrafos em seu preâmbulo a Convenção é regida pelos vários princípios estabelecidos no art 3º em especial o princípio do respeito da dignidade humana da autonomia individual e a independência das pessoas Além destes princípios diretivos a Convenção que tem um claro desejo de reforço e explicitação ainda fez menção ao princípio da não discriminação igualdade entre o homem e a mulher e da igualdade de oportunidades da plena e efetiva participação e inclusão na sociedade do respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade da acessibilidade e do respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade Por meio da ratificação da Convenção cabe ao Brasil adotar todas as medidas legislativas administrativas e de qualquer outra natureza necessárias para a realização dos direitos reconhecidos bem como eliminar os dispositivos e práticas que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência Em síntese deve o Estado absterse de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com seu texto além de tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência por parte de qualquer pessoa organização ou empresa privada O art 5º da Convenção estabelece que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus sem qualquer discriminação a igual proteção e igual benefício da lei Além disso os Estados devem proibir qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo Assim a Convenção alinhase com a tradição humanista de defesa da igualdade Neste século XXI a Convenção zela pelo reconhecimento de direitos para todos a igualdade formal dos clássicos do século XIX mas sem se descurar dos instrumentos de promoção da igualdade material em uma sociedade plural Esta sociedade plural é marcada pela afirmação das diferenças que não pode gerar guetos e incomunicabilidade entre grupos ou culturas sob pena de congelar a desigualdade de trato Por isso a Convenção estabelece que a fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida Consequentemente as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias Nesse contexto a Convenção reconhece a possibilidade de os Estados adotarem as chamadas ações afirmativas que objetivam fornecer condições estruturais de mudança social evitando que a discriminação continue através de mecanismos informais enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo Por essa razão para dar efetividade à igualdade há a necessidade de uma conduta ativa visando a diminuição das desigualdades e a inclusão dos grupos vulneráveis Com isso ao afirmar a meta da igualdade material a Convenção faz clara opção pela sociedade inclusiva No art 24 ficou estabelecido o direito das pessoas com deficiência à educação Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades os Estados assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis bem como o aprendizado ao longo de toda a vida para que seja obtido 1 pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pela diversidade humana 2 o máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência assim como de suas habilidades físicas e intelectuais e finalmente 3 a participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre Para tanto a Convenção é explícita em estabelecer que as pessoas com deficiência não podem ser excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência Assim as crianças com deficiência não podem ser excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário sob alegação de que não acompanham Consequentemente as pessoas com deficiência devem ter acesso ao ensino primário inclusivo de qualidade e gratuito e ao ensino secundário em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem tendo que ser garantidas as adaptações de acordo com as necessidades individuais Por isso consta da Convenção que as pessoas com deficiência devem receber o apoio necessário no âmbito do sistema educacional geral com vistas a facilitar sua efetiva educação devendo ser adotadas as medidas de apoio individualizadas e efetivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social de acordo com a meta de inclusão plena Nessa linha e como já visto acima o STF na ADI n 5647 cumpriu a Convenção ao considerar constitucional o dever dos estabelecimentos privados de ensino de adotar todas as medidas necessárias para acolher alunos com deficiência sem mensalidades diferenciadas com cobranças e taxas adicionais STF ADI 5647 rel Min Fachin j 962016 publicado no DJe de 11112016 A Convenção ainda prevê disposições específicas sobre mulheres com deficiência art 6º crianças com deficiência art 7º conscientização art 8º acessibilidade art 9º direito à vida art 10 situações de risco e emergências humanitárias art 11 reconhecimento igual perante a lei art 12 acesso à justiça art 13 liberdade e segurança da pessoa art 14 prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes art 15 prevenção contra a exploração a violência e o abuso art 16 proteção da integridade da pessoa art 17 liberdade de movimentação e nacionalidade art 18 vida independente e inclusão na comunidade art 19 mobilidade pessoal art 20 liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação art 21 respeito à privacidade art 22 respeito pelo lar e pela família art 23 saúde art 25 habilitação e reabilitação art 26 trabalho e emprego art 27 padrão de vida e proteção social adequados art 28 participação na vida política e pública art 29 e participação na vida cultural e em recreação lazer e esporte art 30 Com relação à sua efetiva implementação a Convenção prevê a obrigação dos Estados Partes de coletarem dados apropriados inclusive estatísticos e de pesquisas para que possam formular e implementar políticas destinadas a colocála em prática art 31 Devem ainda designar um ou mais de um ponto focal no âmbito do Governo para assuntos relacionados com a implementação da Convenção e devem dar a devida consideração ao estabelecimento ou designação de um mecanismo de coordenação no âmbito do Governo a fim de facilitar ações correlatas nos diferentes setores e níveis Ademais em conformidade com seus sistemas jurídico e administrativo devem manter fortalecer designar ou estabelecer estrutura incluindo um ou mais de um mecanismo independente de maneira apropriada para promover proteger e monitorar a implementação da Convenção art 33 No âmbito internacional estabelece que os Estados Partes devem reconhecer a importância da cooperação internacional e de sua promoção em apoio aos esforços nacionais para a consecução do propósito e dos objetivos da Convenção e assim devem adotar medidas apropriadas e efetivas entre os Estados e de maneira adequada em parceria com organizações internacionais e regionais relevantes e com a sociedade civil e em particular com organizações de pessoas com deficiência art 32 A implementação da Convenção é monitorada pelo chamado sistema de relatórios periódicos por meio dos quais os Estados se obrigam a enviar informes nos quais devem constar as ações que realizaram para a obtenção do respeito e garantia dos direitos humanos No caso da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi criado o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência composto por 18 especialistas independentes 12 inicialmente e 18 quando a Convenção alcançar 60 ratificações indicados pelos Estados contratantes para mandatos de quatro anos com uma reeleição possível Os Estados devem informar ao citado Comitê sobre as medidas legislativas judiciais ou administrativas que tenham adotado e que serviram para implementar os dispositivos da Convenção A periodicidade na apresentação dos relatórios é feita da seguinte forma em primeiro lugar há o relatório inicial que deve ser entregue após dois anos da ratificação da Convenção após este relatório outro deve ser entregue a cada quatro anos A Convenção prevê que os Estados Partes devem se reunir regularmente em Conferência dos Estados Partes a fim de considerar matérias relativas a sua implementação art 40 O Brasil ainda ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência sob o mesmo rito do art 5º 3º da CF88 que também tem então hierarquia equivalente à emenda constitucional De acordo com o Protocolo o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência criado pela Convenção pode receber e considerar comunicações submetidas por pessoas ou grupos de pessoas ou em nome deles sujeitos à sua jurisdição alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção pelo referido Estado QUADRO SINÓTICO Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo Definição de pessoas com deficiência São aquelas que têm impedimentos de natureza física intelectual ou sensorial as quais em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas Princípios diretivos da Convenção respeito pela dignidade inerente a autonomia individual inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas e a independência das pessoas não discriminação plena e efetiva participação e inclusão na sociedade respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade igualdade de oportunidades acessibilidade igualdade entre o homem e a mulher respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade Principais obrigações assumidas pelos Estados Adotar todas as medidas legislativas administrativas e de qualquer outra natureza necessárias para a realização dos direitos reconhecidos bem como eliminar os dispositivos e práticas que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência O Estado deve absterse de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com seu texto além de tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência por parte de qualquer pessoa organização ou empresa privada Mecanismos de monitoramento Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência com competência para Exame dos relatórios periódicos Exame de petições das vítimas 24 Tratado de Marraqueche sobre acesso facilitado a obras publicadas O Tratado de Marraqueche 187 para facilitar o acesso às obras publicadas às pessoas cegas com deficiência visual ou com outras dificuldades para ter alcance ao texto impresso concluído no âmbito da Organização Mundial de Propriedade Intelectual foi celebrado em 27 de junho de 2013 em Marraqueche no Marrocos Possui em 2019 57 Estados partes No Brasil foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 261 de 29 de novembro de 2015 de acordo com o rito especial do 3º do art 5º da Constituição estatuto equivalente ao de emenda constitucional tendo sido ratificado em 11 de dezembro de 2015 Foi promulgado internamente pelo Decreto n 9522 de 8 de outubro de 2018 quase três anos depois da ratificação Anotese que este é o terceiro tratado aprovado de acordo com o rito especial do 3º do art 5º da CF88 todos referentes aos direitos das pessoas com deficiência Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Protocolo Facultativo à Convenção e agora o Tratado de Marraqueche 188 Possui como objetivo principal a criação de instrumentos normativos e administrativos internos voltados a assegurar o acesso facilitado à reprodução e distribuição de obras em formato acessível aos cegos e deficientes visuais superando limitações por exemplo direitos autorais Visa assim eliminar a escassez crônica de publicação de obras em formatos acessíveis a pessoas com deficiência visual democratizando o acesso à cultura educação bem como ao desenvolvimento pessoal e ao trabalho em igualdade de oportunidades Consta da exposição de motivos ministerial EMI n 42014 conjunta dos Ministérios das Relações Exteriores Secretaria de Direitos Humanos e Ministério da Cultura que menos de 5 das obras publicadas estão disponíveis em formato acessível para o uso dessas pessoas e em países em desenvolvimento esse percentual baixa para até 1 Com isso a escassez de obras em formato acessível resulta em verdadeira fome de livros book famine O Tratado de Marraqueche foi negociado no seio da Organização Mundial da Propriedade Intelectual OMPI tendo sido fruto de proposta apresentada por Brasil Equador e Paraguai em maio de 2009 para pagar dívida histórica com as pessoas com deficiência visual Sua entrada em vigor ocorreu em 30 de setembro de 2016 três meses após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação feito pelo Canadá nos termos do artigo 18 A base do tratado é o estabelecimento de duas exceções aos direitos autorais que permitem i a livre produção e distribuição de obras em formato acessível no território dos Estados partes e ii o intercâmbio transfronteiriço desimpedido desses formatos Este último dispositivo aumenta o alcance do Tratado na medida em que permite que as pessoas com deficiência visual residentes em um Estado Parte tenham acesso aos formatos acessíveis produzidos no território de outro Estado Parte Esse acesso facilitado promove a igualdade de oportunidades a liberdade de expressão e de comunicação e o direito à cultura estimulando a participação e a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade O Tratado que possui somente 22 artigos reforça o dever estatal na promoção da igualdade às pessoas com deficiência Na parte introdutória o artigo 1º traz a relação do Tratado com outras normas de Direito Internacional estipulando a não derrogação de obrigações ou direitos dos Estados decorrentes de outros tratados No tocante ao objeto do Tratado os artigos 2º e 3º trazem definições importantes sobre o seu objeto O artigo 2º trata de conceitos importantes i o termo obra abarca todas as obras literárias e artísticas em formato de texto ilustração ou áudio ii o termo exemplar em formato acessível significa a reprodução da obra para pessoas impossibilitadas de leitura impressa com respeito a integridade da original de forma alternativa que garanta acesso de maneira tão prática como o faria a uma pessoa sem deficiência visual e iii o termo entidade autorizada como aquela autorizada ou reconhecida pelo governo para promover sem intuito lucrativo a leitura adaptada ou o acesso à informação bem como para determinar os beneficiários dos exemplares em formato acessível O artigo 3º por sua vez estabelece os beneficiários como sendo i cegos ii pessoas com deficiência visual ou de percepção ou leitura que não possa ser substancialmente corrigida de modo a ser impossível a leitura de material impresso de forma equivalente à pessoa sem deficiência ou dificuldade e iii pessoas que estejam impossibilitadas por deficiência física de sustentar ou manipular livro ou focar ou mover os olhos da forma necessária à leitura impressa A harmonização da legislação interna de direito autoral com a promoção da igualdade de oportunidades é reiterada como obrigação dos Estados partes do Tratado de Marraqueche Dispõe o artigo 4º que a permissão de acesso a obras em formato alternativo às pessoas com dificuldade para leitura de material impresso é exceção ou limitação aos direitos de reprodução Com o intuito de facilitar o acesso e o uso de obras publicadas por pessoas com deficiência o Tratado concretiza as chamadas regras do teste dos três passos three step test para limitação da reprodução de obras por terceiros previstas no artigo 92 da Convenção de Berna sobre a Proteção de Obras Literárias e Artísticas promulgada internamente pelo Decreto n 75699 de 6 de maio de 1975 Pelo teste dos três passos é admissível a limitação do direito do autor i em certos casos especiais ii que não prejudiquem a exploração comercial normal da obra e iii não causem prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor O objetivo do teste dos três passos é só permitir a reprodução das obras com limitações aos direitos autorais caso isso seja feito excepcionalmente e sem que tais reproduções entrem em competição com a obra comercializada com o consentimento do titular de seus direitos autorais o que é justamente a situação das obras acessíveis abarcadas pelo Tratado de Marraqueche 189 A situação abrangida pelo Tratado é especial justificada e não prejudica a comercialização ordinária das obras destinadas aos que não possuem deficiência visual Como consequência as entidades autorizadas poderão sem a necessidade de consentimento do titular dos direitos do autor produzir exemplar em formato acessível de obra e fornecêlo sem fins lucrativos aos beneficiários Tal direito é estendido aos beneficiários e pessoas agindo em seu nome as quais podem produzir exemplar acessível para uso pessoal do beneficiário Em ambas as situações pode o Estado restringir tais exceções às obras que não possam ser obtidas comercialmente sob condições razoáveis para os beneficiários daquele mercado desde que declare tal intenção em notificação depositada junto ao Diretorgeral da OMPI no momento da ratificação aceitação ou adesão ao Tratado ou em qualquer momento posterior art 4º4 o que o Brasil não fez até o momento Além disso cabe à legislação interna determinar se as exceções ou limitações demandam remuneração Na mesma linha as obrigações gerais sobre as limitações e exceções disciplinadas no artigo 11 expressam a conformidade do Tratado de Marraqueche com a permissão de reprodução de obras em casos especiais prevista no artigo 92 da Convenção de Berna no artigo 13 do Acordo Relativo aos aspectos do Direito de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio e nos artigos 101 e 102 do Tratado da Organização Mundial de Propriedade Intelectual Ademais o artigo 12 do Tratado de Marraqueche autoriza os Estados partes de acordo com as suas necessidades socioeconômicas e culturais a adotarem outras exceções ou limitações ao direito autoral visando a facilitar o acesso a obras publicadas às pessoas impossibilitadas de ter alcance ao texto impresso Para estimular o acesso a obras publicadas às pessoas com deficiência visual os artigos 5º e 6º estabelecem as diretrizes para o intercâmbio transfronteiriço e para a importação de exemplares em formato acessível sem a autorização do titular do direito A seguir o artigo 7º prevê que a adoção de medidas tecnológicas para proteção de direitos autorais não interfira com as medidas adotadas para facilitar o acesso alternativo às obras impressas Já o artigo 8º reitera o respeito à privacidade dos beneficiários do acesso às obras em formato alternativo ao impresso nas mesmas condições de outras pessoas Por sua vez os artigos 9º e 10 reforçam a cooperação necessária para a implementação do Tratado ao estimularem o compartilhamento de informações e o comprometimento com a adoção das medidas internas necessárias para garantir a sua aplicação Para organizar a admissão e as decisões relativas ao Tratado o artigo 13 estabelece a criação de Assembleia composta por um delegado de cada Estado Parte com direito a voto que se reunirá mediante convocação do DiretorGeral para decidir sobre i a adesão de organização governamental ao Tratado nos termos do artigo 15 ii a aplicação manutenção e desenvolvimento do Tratado e iii a convocação de conferência diplomática para revisão do Tratado As decisões da Assembleia devem ser tomadas preferencialmente por consenso cabendolhe definir o quórum e maioria exigidos para as diferentes decisões Ainda no âmbito administrativo o artigo 14 fixa o escritório internacional da Organização Mundial de Propriedade Intelectual em Genebra para executar as tarefas administrativas relativas ao Tratado Por sua vez o artigo 15 traz as condições para se tornar parte do Tratado permitindo a adesão i de qualquer Estado Parte da Organização Mundial de Propriedade Intelectual e ii de Organização Intergovernamental com menção expressa à União Europeia com competência comum sobre o tema em questão Finalmente o artigo 16 fixa o cumprimento das obrigações e gozo dos direitos previstos no Tratado por todos os Estados partes e os artigos 17 a 22 determinam as condições para assinatura entrada em vigor produção dos efeitos denúncia línguas e depositário do Tratado O Tratado de Marraqueche reforça o disposto na Lei Brasileira de Inclusão Lei n 131462015 190 pela qual a pessoa com deficiência tem direito à cultura ao esporte ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas sendolhe garantido o acesso a bens culturais em formato acessível art 42 I O 1º do art 42 da LBI é claro ao dispor que é vedada a recusa de oferta de obra intelectual em formato acessível à pessoa com deficiência sob qualquer argumento inclusive sob a alegação de proteção dos direitos de propriedade intelectual No mesmo sentido o art 68 da LBI determina ao poder público que adote mecanismos de incentivo à produção à edição à difusão à distribuição e à comercialização de livros em formatos acessíveis inclusive em publicações da administração pública ou financiadas com recursos públicos com vistas a garantir à pessoa com deficiência o direito de acesso à leitura à informação e à comunicação Também dispõe art 68 1º que nos editais de compras de livros inclusive para o abastecimento ou a atualização de acervos de bibliotecas em todos os níveis e modalidades de educação e de bibliotecas públicas o poder público deverá adotar cláusulas de impedimento à participação de editoras que não ofertem sua produção também em formatos acessíveis Cabe anotar que há críticas ao conteúdo do Tratado por parte de organizações não governamentais e por parte da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão PFDC 191 do Ministério Público Federal que apontam contradição entre a proteção dada pelo Tratado de Marraqueche e o teor da Convenção das Nações Unidas sobre Direito das Pessoas com Deficiência e da Lei Brasileira de Inclusão LBI em especial i uso do termo entidade autorizada previsto nos arts 2º e 4º do tratado o que poderia sugerir que somente essas poderiam editar o livro acessível gerando uma tutela indevida sobre as pessoas com deficiência retorno ao assistencialismo ii como consequência da primeira crítica o tratado teria violado o direito das pessoas com deficiência de acesso a bens culturais em formato acessível art 42 da LBI eliminando o dever das editoras em fornecer esses bens restando ao Estado fornecer subsídios às organizações não governamentais entidades autorizadas Contudo o próprio tratado prudentemente faz expressamente ponderação de direitos a favor das pessoas com deficiência limitando eventuais alegações de defesa do direito de propriedade ao prever uma cláusula de preferência a favor da acessibilidade com base em outras obrigações internacionais por exemplo a Convenção da ONU sobre Direito das Pessoas com Deficiência e na legislação nacional conforme dispõem respectivamente o art 121 192 e 122 193 Por isso a LBI regula no plano interno o acesso facilitado previsto no Tratado de Marraqueche não podendo ser o tratado de Marraqueche interpretado de modo a diminuir a acessibilidade já assegurada em exemplo de ponderação de direitos e proibição do retrocesso QUADRO SINÓTICO Tratado de Marraqueche para facilitar o acesso de obras publicadas às pessoas cegas com deficiência visual ou com outras dificuldades para ter acesso ao texto impresso Natureza jurídica Tratado ratificado pelo Brasil em 11 de dezembro de 2015 com estatuto interno equivalente ao de emenda constitucional Objetivo Promover a igualdade de oportunidades a liberdade de expressão e de comunicação e o direito à cultura estimulando a participação e a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade mediante a facilitação ao acesso de obras publicadas às pessoas impossibilitadas à leitura impressa Essência da Convenção Está em linha com o teste dos três passos Reforça o dever do Estado na promoção da igualdade às pessoas com deficiência ao estabelecer a obrigação estatal de criar instrumentos para impedir limitações e facilitar a reprodução e distribuição de obras em formato acessível aos cegos e deficientes visuais 25 Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias foi adotada pela Assembleia Geral da ONU por meio da Resolução n 45158 de 18 de dezembro de 1990 em Nova Iorque Entrou em vigor em 1º de julho de 2003 conforme determina seu art 87 possuindo em 2019 55 Estados partes No Brasil em 15 de dezembro de 2010 o Poder Executivo submeteu a apreciação de seu texto ao Congresso Nacional por meio da Mensagem de Acordos convênios tratados e atos internacionais MSC n 6962010 a qual ainda está em tramitação 194 O tratado foi elaborado tendo em vista uma série de diplomas internacionais já existentes sobre os direitos dos trabalhadores migrantes bem como considerando a amplitude do fenômeno da migração nessa era de globalização Seu objetivo fundamental foi estabelecer normas para uniformizar princípios fundamentais relativos ao tratamento dos trabalhadores migrantes e de suas famílias por meio de uma proteção internacional adequada especialmente tendo em vista sua situação de vulnerabilidade e seu afastamento do Estado de origem A elaboração do tratado considerou ainda os problemas das migrações irregulares em que os trabalhadores são frequentemente empregados em condições de trabalho menos favoráveis que outros o que leva a que se procure tal mão de obra a fim de se beneficiar da concorrência desleal Assim seu texto considerou a necessidade de encorajar a adoção de medidas adequadas para prevenir e eliminar os movimentos clandestinos e o tráfico dos trabalhadores migrantes assegurando ao mesmo tempo a proteção dos direitos fundamentais desses trabalhadores Nesse passo considerouse que o emprego dos trabalhadores migrantes em situação irregular seria desencorajado se os direitos humanos fundamentais de todos os trabalhadores migrantes fossem mais amplamente reconhecidos O texto da Convenção possui o preâmbulo e 93 artigos divididos em nove partes Na Parte I a Convenção cuida de seu alcance e traz definições No art 1º determina sua aplicação salvo disposição em contrário em seu próprio texto a todos os trabalhadores migrantes e aos membros das suas famílias sem qualquer distinção fundada nomeadamente no sexo raça cor língua religião ou convicção opinião política origem nacional étnica ou social nacionalidade idade posição econômica patrimônio estado civil nascimento ou outra situação Aplicase também a todo o processo migratório dos trabalhadores migrantes e membros das suas famílias preparação da migração a partida o trânsito e a duração total da estada a atividade remunerada no Estado de emprego bem como o regresso ao Estado de origem ou ao Estado de residência habitual No art 2º são definidos os conceitos relevantes de trabalhador migrante para os fins da Convenção e nos arts 4º e 6º são apresentadas outras definições abaixo esquematizadas Trabalhador migrante Pessoa que vai exercer exerce ou exerceu uma atividade remunerada num Estado de que não é nacional Trabalhador fronteiriço Trabalhador migrante que conserva a sua residência habitual num Estado vizinho a que regressa em princípio todos os dias ou pelo menos uma vez por semana Trabalhador sazonal Trabalhador migrante cuja atividade pela sua natureza depende de condições sazonais e só se realiza durante parte do ano Marítimo Abrange os pescadores e designa o trabalhador migrante empregado a bordo de um navio matriculado num Estado de que não é nacional Trabalhador numa estrutura marítima Trabalhador migrante empregado numa estrutura marítima que se encontra sob a jurisdição de um Estado de que não é nacional Trabalhador itinerante Trabalhador migrante que tendo a sua residência habitual num Estado tem de viajar para outros Estados por períodos curtos devido à natureza da sua ocupação Trabalhador vinculado a um projeto Trabalhador migrante admitido num Estado de emprego por tempo definido para trabalhar unicamente num projeto concreto conduzido pelo seu empregador nesse Estado Trabalhador com emprego específico i Que tenha sido enviado pelo seu empregador por um período limitado e definido a um Estado de emprego para aí realizar uma tarefa ou função específica ou ii Que realize por um período limitado e definido um trabalho que exige competências profissionais comerciais técnicas ou altamente especializadas de outra natureza ou iii Que a pedido do seu empregador no Estado de emprego realize por um período limitado e definido um trabalho de natureza transitória ou de curta duração e que deva deixar o Estado de emprego ao expirar o período autorizado de residência ou mais cedo se deixa de realizar a tarefa ou função específica ou o trabalho inicial Trabalhador independente Trabalhador migrante que exerce uma atividade remunerada não submetida a um contrato de trabalho e que ganha a sua vida por meio desta atividade trabalhando normalmente só ou com membros da sua família assim como o trabalhador considerado independente pela legislação aplicável do Estado de emprego ou por acordos bilaterais ou multilaterais Membros da família Pessoa casada com o trabalhador migrante ou que com ele mantém uma relação que em virtude da legislação aplicável produz efeitos equivalentes aos do casamento bem como os filhos a seu cargo e outras pessoas a seu cargo reconhecidas como familiares pela legislação aplicável ou por acordos bilaterais ou multilaterais aplicáveis entre os Estados interessados Estado de origem Estado de que a pessoa interessada é nacional Estado de emprego Estado onde o trabalhador migrante vai exercer exerce ou exerceu uma atividade remunerada consoante o caso Estado de trânsito Estado por cujo território a pessoa interessada deva transitar a fim de se dirigir para o Estado de emprego ou do Estado de emprego para o Estado de origem ou de residência habitual O art 3º explicita que a Convenção não se aplica i às pessoas enviadas ou empregadas por organizações e organismos internacionais nem às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado fora do seu território para desempenharem funções oficiais cuja admissão e estatuto são regulados pelo direito internacional geral ou por acordos internacionais ou convenções internacionais específicas ii às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado ou por conta desse Estado fora do seu território que participam em programas de desenvolvimento e em outros programas de cooperação cuja admissão e estatuto são regulados por acordo celebrado com o Estado de emprego e que nos termos deste acordo não são consideradas trabalhadores migrantes iii às pessoas que se instalam num Estado diferente do seu Estado de origem na qualidade de investidores iv aos refugiados e apátridas salvo disposição em contrário da legislação nacional pertinente do Estado Parte interessado ou de instrumentos internacionais em vigor para esse Estado v aos estudantes e estagiários e vi aos marítimos e aos trabalhadores de estruturas marítimas que não tenham sido autorizados a residir ou a exercer uma atividade remunerada no Estado de emprego O art 5º por sua vez apresenta a distinção entre os trabalhadores e membros de suas famílias considerados em situação regular ou irregular São considerados documentados ou em situação regular se forem autorizados a entrar permanecer e exercer uma atividade remunerada no Estado de emprego ao abrigo da legislação desse Estado e das convenções internacionais de que esse Estado seja Parte Por outro lado são considerados indocumentados ou em situação irregular aqueles que não preencherem tais condições Na Parte II a Convenção dispõe sobre a não discriminação em matéria de direitos Assim em seu art 7º os Estados Partes se comprometem em conformidade com os instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos a respeitar e garantir os direitos previstos na Convenção a todos os trabalhadores migrantes e membros da sua família que se encontrem no seu território e sujeitos à sua jurisdição sem distinção alguma independentemente de qualquer consideração de raça cor sexo língua religião ou convicção opinião política ou outra origem nacional étnica ou social nacionalidade idade posição econômica patrimônio estado civil nascimento ou de qualquer outra situação Na Parte III por sua vez a Convenção enuncia os direitos humanos de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias Tratase de uma relação de direitos reconhecidos a todos os seres humanos os quais em linhas gerais podem ser assim resumidos direito à vida art 9º impossibilidade de submissão a tortura a penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes art 10 a escravidão ou servidão ou à realização de um trabalho forçado ou obrigatório art 11 liberdade de expressão art 13 inviolabilidade de domicílio correspondência comunicações art 14 expropriação condicionada a indenização justa e adequada art 15 liberdade e segurança além de proteção contra a violência os maustratos físicos as ameaças e a intimidação por parte de funcionários públicos ou privados grupos ou instituições proteção contra detenção ou prisão arbitrárias art 16 Além disso a Convenção prevê direito a tratamento com humanidade e com respeito da dignidade inerente à pessoa humana e à sua identidade cultural direitos dos trabalhadores migrantes detidos ou presos art 17 equiparação de garantias processuais às conferidas aos nacionais do Estado de emprego art 18 em matéria penal princípio da legalidade e irretroatividade da lei salvo se mais benéfica ao sentenciado art 19 impossibilidade de detenção por descumprimento de obrigação contratual e impossibilidade de privação de autorização de residência ou de trabalho impossibilidade de expulsão por descumprimento de obrigação decorrente de um contrato de trabalho art 20 direito ao reconhecimento da personalidade jurídica art 24 e direito de reunião e associação além do direito de inscrever se livremente em sindicatos art 26 Vale ressaltar neste ponto o art 8º que garante aos trabalhadores migrantes e suas famílias o direito de poder sair livremente de qualquer Estado incluindo o seu Estado de origem o qual só pode ser objeto de restrições que sendo previstas na lei constituam disposições necessárias para proteger a segurança nacional a ordem pública a saúde ou moral públicas ou os direitos e liberdades de outrem e se mostrem compatíveis com os outros direitos reconhecidos nesta parte da Convenção Ademais têm o direito a regressar em qualquer momento ao seu Estado de origem e aí permanecer O art 21 veda a todas as pessoas com exceção dos funcionários públicos devidamente autorizados por lei para este efeito o direito de apreender destruir ou tentar destruir documentos de identidade documentos de autorização de entrada permanência residência ou de estabelecimento no território nacional ou documentos relativos à autorização de trabalho Ademais em nenhum caso é permitido destruir o passaporte ou documento equivalente de um trabalhador migrante ou de um membro da sua família O art 22 dispõe que os trabalhadores migrantes e membros das suas famílias não podem ser objeto de medidas de expulsão coletiva devendo cada caso ser examinado individualmente A expulsão do território de um Estado Parte só pode ocorrer em cumprimento da decisão tomada por autoridade competente em conformidade com a lei Já o art 23 garante aos trabalhadores migrantes e membros das suas famílias o direito de recorrer à proteção e à assistência das autoridades diplomáticas e consulares do seu Estado de origem ou de um Estado que represente os interesses daquele Estado em caso de violação dos direitos reconhecidos na Convenção O art 25 por sua vez garante tratamento não menos favorável que aquele que é concedido aos nacionais do Estado de emprego em matéria de retribuição e outras condições de trabalho e emprego não sendo admitidas derrogações ao princípio da igualdade nos contratos de trabalho privados Nos arts 27 e 28 a Convenção garante direitos sociais aos trabalhadores migrantes e membros das suas famílias que se beneficiam no Estado de emprego em matéria de segurança social de tratamento igual ao que é concedido aos nacionais desse Estado sem prejuízo das condições impostas pela legislação nacional e pelos tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis Ademais têm direito de receber os cuidados médicos urgentes que sejam necessários para preservar a sua vida ou para evitar danos irreparáveis à sua saúde em pé de igualdade com os nacionais do Estado em questão os quais não podem serlhes recusados por motivo de irregularidade em matéria de permanência ou de emprego Nos arts 29 e 30 a Convenção garante ao filho de um trabalhador migrante o direito a um nome ao registro do nascimento e a uma nacionalidade além do direito fundamental de acesso à educação em condições de igualdade de tratamento com os nacionais do Estado interessado não podendo ser negado ou limitado o acesso a estabelecimentos públicos de ensino préescolar ou escolar por motivo de situação irregular em matéria de permanência ou emprego de um dos pais ou com fundamento na permanência irregular da criança no Estado de emprego Ademais a Convenção prevê em seu art 31 que os Estados Partes devem assegurar respeito à identidade cultural dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias e não impedilos de manter os laços culturais com o seu Estado de origem podendo adotar as medidas adequadas para apoiar e encorajar esforços neste domínio Além disso cessando a permanência no Estado de emprego os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de transferir os seus ganhos e as suas poupanças e nos termos da legislação aplicável dos Estados interessados os seus bens e pertences O art 33 por sua vez enuncia o direito dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias serem informados pelo Estado de origem Estado de emprego ou Estado de trânsito conforme o caso relativamente aos direitos que lhes são reconhecidos pela Convenção e às condições de admissão direitos e obrigações em virtude do direito e da prática do Estado interessado e outras questões que lhes permitam cumprir as formalidades administrativas ou de outra natureza exigidas por esse Estado Por fim os arts 34 e 35 dispõem que nenhum desses direitos isenta os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias do dever de cumprir as leis e os regulamentos dos Estados de trânsito e do Estado de emprego e de respeitar a identidade cultural dos habitantes desses Estados Ademais nenhuma disposição da Convenção deve ser interpretada de forma a implicar a regularização da situação dos trabalhadores migrantes ou dos membros das suas famílias que se encontram indocumentados ou em situação irregular nem como no sentido de criar qualquer direito a ver regularizada a sua situação nem como capaz de afetar as medidas destinadas a assegurar condições satisfatórias e equitativas para a migração internacional previstas na Parte VI da Convenção Na Parte IV a Convenção prevê outros direitos dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias que se encontram documentados ou em situação regular para além dos direitos anteriormente previstos Nesses casos há algum paralelismo com os direitos já garantidos pela Convenção na Parte III A Parte V da Convenção arts 57 a 63 apresenta as disposições aplicáveis a categorias especiais de trabalhadores migrantes e membros de suas famílias trabalhadores fronteiriços trabalhadores sazonais trabalhadores itinerantes trabalhadores vinculados a um projeto trabalhadores com emprego específico e trabalhadores independentes Os dispositivos desta Parte especificam o benefício dos direitos previstos na Parte IV que são aplicáveis a cada um desses tipos de trabalhadores por força da sua presença e do seu trabalho no território do Estado de emprego e que sejam compatíveis com seu estatuto fazendo entretanto algumas ressalvas Na Parte VI a Convenção dispõe sobre a promoção de condições saudáveis equitativas dignas e justas em matéria de migração internacional de trabalhadores migrantes e de membros de suas famílias O art 64 determina que os Estados Partes interessados consultem se e cooperem se necessário a fim de promover referidas condições A esse respeito a Convenção prevê que sejam tomadas em conta não só as necessidades e recursos de mão de obra ativa mas também as necessidades de natureza social econômica cultural e outra dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias bem como as consequências das migrações para as comunidades envolvidas A Convenção prevê ainda que sempre que os Estados Partes interessados considerarem a possibilidade de regularizar a situação dessas pessoas devem ter devidamente em conta as circunstâncias da sua entrada a duração da sua estada no Estado de emprego bem como outras considerações relevantes em particular as que se relacionem com a sua situação familiar Os Estados devem ainda adotar medidas não menos favoráveis do que as aplicadas aos seus nacionais para garantir que as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias em situação regular sejam conformes às normas de saúde de segurança e de higiene e aos princípios inerentes à dignidade humana além de facilitar o repatriamento para o Estado de origem dos restos mortais dos trabalhadores migrantes ou dos membros das suas famílias A Parte VII da Convenção dispõe sobre sua aplicação Assim em seu art 72 institui o Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de Suas Famílias com o fim de examinar a aplicação de seu texto O Comitê é composto por 14 peritos de alta autoridade moral imparcialidade e reconhecida competência no domínio abrangido pela Convenção para exercerem suas funções a título pessoal Os peritos são eleitos para um período de quatro anos por escrutínio secreto pelos Estados Partes dentre uma lista de candidatos designados pelos Estados Partes tendo em consideração a necessidade de assegurar uma repartição geográfica equitativa no que respeita quer aos Estados de origem quer aos Estados de emprego e uma representação dos principais sistemas jurídicos Cada Estado Parte pode designar um perito dentre os seus nacionais e pode haver reeleição Por força do art 73 os Estados Partes se comprometem a apresentar ao Comitê por meio do SecretárioGeral da ONU relatórios periódicos sobre as medidas legislativas judiciais administrativas e de outra natureza que hajam adotado para dar aplicação às disposições da Convenção de cinco em cinco anos ou sempre que o Comitê solicitar O Comitê examina os relatórios apresentados por cada Estado Parte transmitindo a ele os comentários que julgar apropriados e podendo solicitar informações complementares O Comitê pode convidar agências especializadas e outros órgãos da ONU bem como organizações intergovernamentais e outros organismos interessados a submeter por escrito para apreciação pelo Comitê informações sobre a aplicação da Convenção nas áreas relativas aos seus domínios de atividade Ademais o Secretariado Internacional do Trabalho é convidado pelo Comitê a designar os seus representantes a fim de participarem na qualidade de consultores das reuniões O Comitê submete um relatório anual à Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a aplicação da Convenção contendo suas observações e recomendações fundadas na apreciação dos relatórios e nas observações apresentadas pelos Estados Tais relatórios são transmitidos pelo SecretárioGeral da ONU aos Estados Partes na Convenção ao Conselho Econômico e Social à Comissão dos Direitos Humanos da ONU ao DiretorGeral do Secretariado Internacional e a outras organizações relevantes neste domínio O art 76 prevê ainda a possibilidade de que os Estados Partes declarem que reconhecem a competência do Comitê para avaliar comunicações interestatais ou seja para receber e apreciar comunicações de um Estado Parte invocando o não cumprimento por outro Estado das obrigações decorrentes da presente Convenção Por sua vez o art 77 viabiliza também a possibilidade de que qualquer Estado Parte declare que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar comunicações individuais ou seja apresentadas por pessoas sujeitas à sua jurisdição ou em seu nome invocando a violação por esse Estado Parte dos seus direitos individuais estabelecidos pela Convenção Ainda a Parte VIII estabelece as disposições gerais da Convenção No art 79 determinase que nenhuma disposição da Convenção afeta o direito de cada Estado Parte de estabelecer os critérios de admissão de trabalhadores migrantes e de membros de suas famílias Entretanto com relação às outras questões relativas ao estatuto jurídico e ao tratamento dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias os Estados Partes ficam vinculados pelas limitações impostas pela Convenção Além disso nenhuma disposição da Convenção deve ser interpretada de forma a afetar as disposições da Carta da ONU e atos constitutivos das agências especializadas que definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da ONU e das agências especializadas art 80 e nenhuma disposição afeta as normas mais favoráveis à realização dos direitos ou ao exercício das liberdades dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias que possam figurar na legislação ou na prática de um Estado Parte ou em qualquer tratado bilateral ou multilateral em vigor para esse Estado Além disso nenhuma disposição da Convenção deve ser interpretada como implicando para um Estado grupo ou pessoa o direito a dedicarse a uma atividade ou a realizar um ato que afete os direitos ou as liberdades nela enunciados art 81 O art 82 enuncia que os direitos dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias previstos na Convenção não podem ser objeto de renúncia não sendo permitida qualquer forma de pressão sobre eles para que renunciem a estes direitos ou se abstenham de exercêlos Assim também não é possível a derrogação por contrato dos direitos reconhecidos na Convenção e os Estados Partes devem tomar as medidas adequadas para garantir que esses princípios sejam respeitados No art 83 são apresentados os compromissos dos Estados Partes no sentido de garantir um recurso efetivo a toda pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção tenham sido violados ainda que a violação tenha sido cometida por pessoa no exercício de funções oficiais Os Estados devem garantir que ao exercer tal recurso o interessado possa ver a sua queixa apreciada e decidida por uma autoridade judiciária administrativa ou legislativa competente ou por qualquer outra autoridade competente prevista no sistema jurídico do Estado e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial Além disso os Estados devem garantir que as autoridades competentes deem seguimento ao recurso quando este for considerado fundado Por fim de acordo com o art 84 os Estados se comprometem a adotar todas as medidas legislativas e outras que se afigurem necessárias à aplicação das disposições da Convenção Finalmente na Parte IX arts 85 a 92 a Convenção traz suas disposições finais Secretário Geral da ONU como depositário do tratado art 85 assinatura adesão e ratificação art 86 entrada em vigor art 87 impossibilidade de exclusão de aplicação da Convenção a qualquer uma das partes art 88 denúncia art 89 revisão e emenda da Convenção art 90 reservas art 91 mecanismos de resolução de conflitos para interpretações distintas de seu texto art 92 e idiomas da Convenção art 93 QUADRO SINÓTICO Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias Aplicação da Convenção Aplicase a todos os trabalhadores migrantes e aos membros das suas famílias sem qualquer distinção fundada nomeadamente no sexo raça cor língua religião ou convicção opinião política ou outra origem nacional étnica ou social nacionalidade idade posição econômica patrimônio estado civil nascimento ou outra situação Compreende a preparação da migração a partida o trânsito e a duração total da estada a atividade remunerada no Estado de emprego bem como o regresso ao Estado de origem ou ao Estado de residência habitual Convenção não se aplica a às pessoas enviadas ou empregadas por organizações e organismos internacionais nem às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado fora do seu território para desempenharem funções oficiais cuja admissão e estatuto são regulados pelo direito internacional geral ou por acordos internacionais ou convenções internacionais específicas b às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado ou por conta desse Estado fora do seu território que participam em programas de desenvolvimento e noutros programas de cooperação cuja admissão e estatuto são regulados por acordo celebrado com o Estado de emprego e que nos termos deste acordo não são consideradas trabalhadores migrantes c às pessoas que se instalam num Estado diferente do seu Estado de origem na qualidade de investidores d aos refugiados e apátridas salvo disposição em contrário da legislação nacional pertinente do Estado Parte interessado ou de instrumentos internacionais em vigor para esse Estado e aos estudantes e estagiários f aos marítimos e aos trabalhadores de estruturas marítimas que não tenham sido autorizados a residir ou a exercer uma atividade remunerada no Estado de emprego Principais obrigações dos Estados Partes Não discriminação em matéria de direitos compromisso de respeitar e garantir os direitos previstos na Convenção a todos os trabalhadores migrantes e membros da sua família que se encontrem no seu território e sujeitos à sua jurisdição sem distinção alguma independentemente de qualquer consideração de raça cor sexo língua religião ou convicção opinião política ou outra origem nacional étnica ou social nacionalidade idade posição econômica patrimônio estado civil nascimento ou de qualquer outra situação Promoção de condições saudáveis equitativas dignas e justas em matéria de migração internacional de trabalhadores migrantes e de membros das suas famílias Direitos garantidos Convenção tem por objetivo garantir o respeito aos direitos da pessoa humana também com relação aos trabalhadores migrantes o que inclui direito à vida direito à liberdade de expressão direito de associação dentre outros Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de Suas Famílias Composto por 14 peritos de alta autoridade moral imparcialidade e reconhecida competência no domínio abrangido pela Convenção para exercerem suas funções a título pessoal eleitos para um período de quatro anos Relatórios periódicos apresentados ao Comitê pelos Estados Partes de cinco em cinco anos Comitê apresenta relatório anual à Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a aplicação da Convenção Possibilidade de reconhecimento da competência do Comitê para avaliar comunicações interestatais Possibilidade de reconhecimento da competência do Comitê para avaliar comunicações individuais 26 Princípios de Yogyakarta sobre orientação sexual Mais 10 Em 2006 especialistas em direitos humanos em nome próprio sem representarem os seus Estados de origem ou mesmo os órgãos internacionais nos quais trabalhavam reunidos em Yogyakarta na Indonésia elaboraram os Princípios sobre a aplicação do direito internacional dos direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero Princípios de Yogyakarta A natureza jurídica dos Princípios de Yogyakarta é não vinculante não pertencendo ao conjunto de normas de soft law direito em formação primária produzido pelos Estados ou por organizações internacionais Sua origem privada os insere na soft law derivada produzida por associações ou por indivíduos como é o caso dos mencionados especialistas Contudo os Princípios representam importante vetor de interpretação do direito à igualdade e combate à discriminação por orientação sexual que pode ser extraído pela via interpretativa dos tratados já existentes Nessa linha os Princípios buscam invocar direitos genericamente previstos em tratados internacionais de direitos humanos declarações ou resolução já consagrados para aplicálos especificamente aos temas essenciais envolvendo a orientação sexual visando assegurar igualdade e vedar discriminação estigmatização e violência contra pessoas em razão de sua identidade de gênero e orientação sexual Essa opção pela aplicação das normas gerais de direitos a situações específicas de discriminação foi pragmática uma vez que há grande resistência de vários Estados na elaboração de textos tratados ou não específicos sobre orientação sexual e identidade de gênero Por isso os Princípios concretizam a proteção indireta de vulneráveis que é aquela realizada pela interpretação ampliativa dos direitos já existentes em contraposição à proteção direta que é feita pela especificação de direitos voltados a um determinado grupo de pessoas submetido a determinada vulnerabilidade O documento elenca 29 princípios relacionados à orientação sexual e identidade de gênero aspectos essenciais da dignidade dos indivíduos além de prescrever recomendações específicas para os Estados visando esclarecer as suas obrigações internacionais e garantir a plena implementação de cada um desses direitos A orientação sexual é definida como sendo a capacidade de cada indivíduo experimentar atração afetiva emocional ou sexual por pessoas de gênero diferente mesmo gênero ou mais de um gênero Por sua vez a identidade de gênero consiste na experiência interna individual em relação ao gênero a qual pode corresponder ou não ao sexo atribuído quando do nascimento e que inclui expressões de gênero como o sentimento pessoal do corpo e o modo de vestirse e falar Os princípios 1 e 2 expressam os princípios básicos do gozo universal dos direitos humanos e da igualdade e não discriminação reforçando terem todos os indivíduos direito de desfrutar de todos os direitos livres de preconceito por suas escolhas sexuais ou de gênero Para a implementação de tais direitos os Estados devem incorporálos nas legislações internas emendando e revogando se necessário textos vigentes que os violem assim como implementando políticas públicas e programas educacionais de conscientização e treinamento sobre o tema O princípio 3 aborda o direito à capacidade jurídica em todos os seus aspectos ou seja o pleno reconhecimento perante a lei proibindose a adoção de práticas que atentem contra identidade de gênero ou orientação sexual partes integrantes da personalidade autodeterminação liberdade e dignidade individual Coíbe por exemplo a prática de procedimentos cirúrgicos e imposições de status parental como requisitos para o reconhecimento legal da identidade de gênero ou orientação sexual Dentre os deveres estatais exigese a implementação de programas focados no apoio social aos indivíduos em situação de transição ou mudança de gênero No Brasil há importante precedente do Superior Tribunal de Justiça no qual ficou estabelecido ser possível a alteração do sexo constante no registro civil de transexual que comprove judicialmente a mudança de gênero independentemente da realização de cirurgia de adequação sexual De acordo com o precedente a averbação será feita no assentamento de nascimento original com a indicação da determinação judicial sendo proibida a inclusão ainda que sigilosa i da expressão transexual ii do sexo biológico ou dos motivos das modificações registrais Os princípios de Yogyakarta foram mencionados expressamente pelo relator Min Luis Felipe Salomão 195 No Supremo Tribunal Federal a matéria possibilidade de alteração de sexo no registro civil de transexual sem a realização de cirurgia foi discutida no Recurso Extraordinário n 670422 repercussão geral e na ADI n 4275 proposta pelo ProcuradorGeral da República Foi fixada a seguinte tese pelo STF i O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil não se exigindo para tanto nada além da manifestação de vontade do indivíduo o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa ii Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento vedada a inclusão do termo transgênero iii Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato vedada a expedição de certidão de inteiro teor salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial iv Efetuandose o procedimento pela via judicial caberá ao magistrado determinar de ofício ou a requerimento do interessado a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos Recurso Extraordinário n 670422 com repercussão geral rel Min Dias Toffoli j 1582018 Assim cabe agora a alteração do prenome e sexo no registro civil diretamente pela via administrativa bem como ficou vedada a inclusão da origem do ato e o termo transgênero Também ficou afastada a imposição da realização da cirurgia de transgenitalização para que seja alterado o gênero no assentamento civil de transexual já que tal exigência viola o direito à saúde e à liberdade da pessoa trans Direito à vida segurança pessoal e privacidade são mencionados nos princípios 4 a 6 Proíbese especificamente a imposição de pena de morte por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero bem como estabelecese o direito de todos sem preconceito sexual ou de gênero à segurança pessoal e proteção do Estado contra qualquer forma de violência Mencionase ainda o direito de desfrutar da privacidade em todas as suas formas família residência correspondência e informações pessoais sobre orientação sexual ou identidade de gênero protegendose ataques ilegais à honra e reputação Os princípios 7 8 9 10 e 23 dizem respeito à não privação arbitrária da liberdade ao direito a julgamento justo ao tratamento humano durante a detenção à proibição da tortura ou tratamento desumano e ao asilo Nesse sentido estabelecese que prisão baseada na orientação sexual ou identidade de gênero é arbitrária mesmo que derive de ordem judicial Orientação sexual e identidade de gênero não podem tampouco gerar tortura tratamento cruel ou degradante Quanto aos direitos ao tratamento com dignidade durante a detenção e ao respeito ao devido processo legal reiterase a sua obrigatoriedade sem preconceito em razão de sexo ou gênero O direito de buscar asilo para escapar de situações de risco e perseguição por sua vez inclui a proibição de expulsão ou extradição de pessoas para locais onde possam sofrer tortura perseguição ou tratamento desumano em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero No âmbito dos direitos sociais os princípios de Yogyakarta abarcam o direito ao trabalho digno com condições justas princípio 12 medidas de proteção social princípio 13 habitação princípio 15 educação princípio 16 padrão de vida adequado princípio 14 todos sem preconceito por orientação sexual e identidade de gênero e respeitando essas características A saúde sexual e reprodutiva é parte fundamental do direito ao padrão mais alto alcançável de saúde princípio 17 Ademais a proibição de considerar orientação sexual ou identidade de gênero como doenças médicas é protegida pelo direito à proteção contra abusos médicos princípio 18 Nesse sentido estabelecese como dever dos Estados assegurar que os serviços de atendimento à saúde sejam planejados para levar em conta características de orientação sexual ou identidade de gênero e que os registros médicos relacionados sejam tratados de forma confidencial Os princípios 19 a 22 tratam de diversas esferas do direito à liberdade A liberdade de opinião e expressão inclui qualquer representação de identidade pessoal fala comportamento vestimenta escolha de nome etc assim como a liberdade para transmitir informação de todos os tipos incluindo aquelas relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero A liberdade de reunião e associação pacíficas compreende o direito de formar associações baseadas na orientação sexual ou identidade de gênero bem como de defender os direitos de tais grupos A liberdade de pensamento consciência e religião por seu turno inclui a proibição de se invocar tais direitos para justificar leis ou práticas que discriminem por questões relacionadas a sexo ou gênero O direito de ir e vir tampouco pode ser limitado por motivos de orientação sexual ou identidade de gênero Dentre as obrigações estatais destacamse garantir que as noções de ordem pública moralidade saúde e segurança não sejam empregadas para restringir com preconceito liberdade de opinião e expressão que afirme a diversidade de orientações sexuais e identidades de gênero assegurar que os produtos das mídias reguladas pelos Estados sejam pluralistas e não discriminatórios em relação às questões de orientação sexual e identidade de gênero e que o recrutamento de pessoal e as políticas de promoção dessas organizações não realizem qualquer tipo de discriminação Os direitos de constituição de família e participação na vida pública e cultural também são lembrados nos princípios 24 25 e 26 O direito à família inclui a sua constituição nas mais diversas formas independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero princípio 24 A participação na vida pública abarca o direito de concorrer a cargos eletivos e o acesso a serviços públicos incluindo a polícia e a força militar sem discriminação por motivo de sexo ou gênero A participação cultural nas suas mais diversas formas de expressão também deve ser garantida sem preconceitos de cunho de orientação sexual ou de identidade de gênero O direito à promoção dos direitos humanos o direito a recursos jurídicos e o direito à responsabilização princípios 27 28 e 29 são elementares para a proteção efetiva dos direitos humanos a nível local e internacional Tais princípios incluem medidas como promoção de atividades que estimulem a defesa dos direitos de pessoas com orientação sexual ou identidade de gênero diversas utilização de remédios jurídicos adequados a fornecerem a reparação às violações sofridas responsabilização accountability daqueles que de alguma forma praticaram violação de direitos humanos relacionados à orientação sexual ou identidade de gênero afastando a sua impunidade Ao final do documento recomendase que diversos órgãos internacionais assumam o papel de promoção e implementação dos Princípios de Yogyakarta dentre eles o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos o Conselho de Direitos Humanos e o Conselho Econômico e Social da ONU a Organização Mundial da Saúde o UNAIDS o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados os diversos órgãos previstos nos Tratados de Direitos Humanos as organizações internacionais não governamentais humanitárias profissionais e comerciais e os tribunais de direitos humanos Em 2017 foi adotado o documento denominado Princípios de Yogyakarta Mais 10 Yogyakarta Principles plus 10 em homenagem aos 10 anos da primeira edição 2006 2016 trazendo novos nove princípios e 111 obrigações dos Estados devendo ser lido em conjunto com os 29 princípios anteriores totalizando 38 princípios O documento foi elaborado a partir de um chamamento público a especialistas e depois por um Comitê de Redação reunidos em Genebra em setembro de 2017 O princípio n 30 referese ao direito à proteção do Estado contra violência discriminação e qualquer outro mal quer seja praticado por agente público ou particular Nesse sentido a criminalização da homotransfobia racismo homotransfóbico ver abaixo comentário às decisões do STF na ADO 26 e no MI 4733 está em linha com o dever de proteção estatal Por sua vez o princípio n 31 traz o direito ao reconhecimento jurídico que inclui o direito de obter documentos sem identificação da orientação sexual de gênero ou características sexuais Caso haja documento com tais informações toda pessoa tem o direito de modificálas Os especialistas consideraram que os documentos com informações pessoais deveriam eliminar o registro de sexo e gênero Caso continuem a manter tais informações o Estado deve assegurar mecanismos de autodeterminação da pessoa para modificar tais informações sem requisitos como intervenção ou autorização médica idade etc O princípio n 32 assegura que todos têm o direito a integridade física e psíquica resultando que ninguém deve ser submetido a procedimentos médicos invasivos ou irreversíveis relativos à características sexuais sem o seu consentimento prévio livre e informado O princípio n 33 assegura a todos o direito de não enfrentar a criminalização ou outra forma de sanção fundada na orientação sexual ou identidade de gênero em sentido amplo Esse princípio busca a vedação de punições baseadas em conceitos discriminatórios como moralidade decência que discrimina por orientação sexual ou identidade de gênero Por seu turno o princípio n 34 prevê a proteção de todos da exclusão social e da pobreza uma vez que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero pode levar ao desemprego ou subemprego e a um círculo vicioso de miséria e ausência de fruição de direitos O princípio n 35 trata do direito de acesso a instalações sanitárias de modo seguro e sem discriminação No Brasil o chamado direito dos banheiros 196 está sob apreciação do STF Recurso Extraordinário n 845779SC rel Min Roberto Barroso em trâmite em setembro de 2019 em caso sob repercussão geral no qual a autora sustentou que apesar de ser transexual foi impedida por funcionários do shopping center de utilizar o banheiro feminino do estabelecimento em abordagem grosseira e vexatória O princípio n 36 protege o direito de acesso igualitário à informação e às tecnologias de informação assegurandose o acesso por meio encriptado ou anônimo ou com uso de pseudônimos evitando que haja perseguição e violação da privacidade por motivo de orientação sexual e identidade de gênero Por sua vez o princípio n 37 assegura o direito à verdade às vítimas de violações de direitos humanos causadas por motivo de orientação sexual e identidade de gênero O direito à verdade não pode ser submetido às regras prescricionais tendo uma faceta individual e também difusa direito da sociedade para evitar repetições O princípio n 38 reafirma o direito à diversidade cultural impedindo que manifestações culturais sejam censuradas ou discriminadas por orientação sexual ou por identidade de gênero No Brasil houve reação do Ministério Público Federal Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio Grande do Sul ao prematuro encerramento da exposição Queermuseu Cartografias da Diferença na Arte Brasileira realizada em Porto Alegre em 2017 após protestos de determinados grupos contrários às questões de gênero lá debatidas Foi firmado Termo de Compromisso entre o MPF e o expositor que se comprometeu a realizar duas novas exposições sobre a diferença e a diversidade na ótica dos direitos humanos 197 Em que pese sua origem fruto do trabalho de especialistas e não dos Estados ou das organizações internacionais os Princípios representam dada a omissão internacional na matéria importante passo rumo à igualdade e eliminação de toda forma de discriminação por orientação sexual Fica também o registro negativo da constante omissão dos Estados e das organizações internacionais voltadas à proteção de direitos humanos que ainda não produziram um diploma normativo geral de soft law primária na temática Em 2016 o Conselho de Direitos Humanos editou a Resolução sobre Direitos Humanos orientação sexual e identidade de gênero o Brasil foi um dos proponentes determinando a criação do posto de Especialista Independente do Conselho de Direitos Humanos para a proteção contra a violência e discriminação baseada em orientação sexual e identidade de gênero 198 Ainda em 2016 o Professor Vitit Muntarbhorn Tailândia um dos participantes da redação dos Princípios de Yogyakarta foi designado pelo Conselho de Direitos Humanos o primeiro especialista independente na temática com mandato renovado em 2019 com voto favorável do Brasil QUADRO SINÓTICO Princípios de Yogyakarta Natureza jurídica Soft law podendo ser utilizado como guia de interpretação do direito à igualdade e combate à discriminação deveres internacionais Definição de orientação sexual Capacidade de cada indivíduo experimentar atração afetiva emocional ou sexual por pessoas de gênero diferente mesmo gênero ou mais de um gênero Definição de identidade de gênero A identidade de gênero consiste na experiência interna individual em relação ao gênero a qual pode corresponder ou não ao sexo atribuído quando do nascimento e que inclui expressões de gênero como o sentimento pessoal do corpo e o modo de vestirse e falar Direitos em espécie Igualdade e não discriminação reforçando terem todos os indivíduos direito de desfrutar de todos os direitos livres de preconceito por suas escolhas sexuais ou de gênero Proíbese especificamente a imposição de pena de morte por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero bem como estabelecese o direito de todos sem preconceito sexual ou de gênero à segurança pessoal e proteção do Estado contra qualquer forma de violência Direito ao tratamento com dignidade durante a detenção e ao respeito ao devido processo legal sem discriminação por orientação sexual O direito de buscar asilo para escapar de situações de risco e perseguição por sua vez inclui a proibição de expulsão ou extradição de pessoas para locais onde possam sofrer tortura perseguição ou tratamento desumano em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero O direito à família inclui a sua constituição nas mais diversas formas independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero A participação na vida pública abarca o direito de concorrer a cargos eletivos e o acesso a serviços públicos incluindo a polícia e a força militar sem discriminação por motivo de sexo ou gênero 27 Convenção n 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais A Convenção n 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre Povos Indígenas e Tribais foi adotada pela OIT em 27 de junho de 1989 entrando em vigor internacional em 1991 O Brasil ratificoua em 2002 e incorporoua internamente pelo Decreto n 5051 de 2004 Possui em 2019 apenas 23 Estados partes Vários países com populações indígenas expressivas ainda não a ratificaram como Austrália Canadá Estados Unidos e Nova Zelândia Como i se trata de um tratado de direitos humanos e ii não foi aprovado no Congresso Nacional pelo rito especial previsto no art 5º 3º da CF88 possui força supralegal na hierarquia normativa interna à luz da jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal sobre a estatura normativa dos tratados de direitos humanos É a única convenção internacional em vigor especificamente voltada a direitos dos povos indígenas com foco especial na igualdade e combate à discriminação A maior parte dos Estados que a ratificaram está na América Latina Sua edição atendeu a reclamos de revisão ou revogação da antiga Convenção n 107 da OIT sobre Populações Indígenas e Tribais de 1957 que era fortemente criticada pelo seu espírito integracionista no qual os povos indígenas seriam assimilados pela sociedade envolvente não indígena em claro espírito de hierarquia de culturas e falso sentido de evolução para a civilização 199 Com a edição da Convenção n 169 a OIT continuou a ser atuante na questão dos direitos humanos dos povos indígenas ocupando o vazio gerado pela inexistência pela resistência dos Estados influentes dotados de população indígena à adoção de uma convenção da ONU de direitos humanos dos povos indígenas A inclinação de uma organização teoricamente voltada às relações de trabalho em tema de defesa dos direitos em geral dos povos indígenas e não somente referentes a direitos trabalhistas explicase por ser a OIT permeável a pressões de movimentos internos de um Estado graças a sua peculiar estrutura tripartite na qual as delegações dos Estados devem contar com um representante dos trabalhadores um representante dos empregadores além do representante governamental Obviamente a Convenção n 169 aproveitouse da gramática dos direitos humanos especialmente o que consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e dos numerosos instrumentos internacionais sobre a prevenção da discriminação Interessante que já há precedente sobre sua aplicabilidade como guia hermenêutico para que se interprete as demais obrigações de direitos humanos Em caso contra o Equador que não havia ratificado a Convenção n 169 a Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH entendeu que a Convenção n 169 serve como baliza interpretativa para dimensionar as obrigações do Estado perante a Convenção Americana de Direitos Humanos Caso Sarayaku vs Equador ver comentário abaixo neste Curso É composta por 44 artigos divididos em dez partes política geral terras contratação e condições de emprego indústrias rurais seguridade social e saúde educação e meios de comunicação contatos e cooperação através das fronteiras administração disposições gerais disposições finais Seu espírito é de respeito às aspirações dos povos indígenas a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico e manter e fortalecer suas identidades línguas e religiões dentro do âmbito dos Estados onde moram Seu mote é igualdade e autonomia A Convenção aplicase aos povos indígenas que são caracterizados de duas maneiras a primeira é a que define o povo indígena pelo seu traço distintivo fundado i em condições sociais culturais e econômicas próprias diferentes de outros setores da coletividade envolvente e ii no fato de serem regidos total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial A segunda maneira define o povo indígena pelo seu vínculo histórico e cultural sendo considerados indígenas pelo fato de i descenderem de populações que habitavam a região na época da conquista e que ii conservam todas as suas próprias instituições sociais econômicas culturais e políticas ou parte delas A Convenção escolheu o critério da autoidentificação da condição de membro de povo indígena como sendo a consciência de sua identidade indígena A base da Convenção é a universalidade dos direitos humanos os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais sem obstáculos nem discriminação A vulnerabilidade histórica dos povos indígenas submetidos a práticas coloniais brutais fez com que a Convenção exigisse que o Estado adote as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas as instituições os bens as culturas e o meio ambiente dos povos interessados Tais medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos dos próprios povos interessados Por isso os Estados devem proteger os valores e práticas sociais culturais religiosas e espirituais próprios dos povos indígenas sempre com a participação e consulta aos povos interessados A lógica que permeia a consulta é a do empoderamento dos povos indígenas em nome da igualdade As medidas não podem ser de cunho paternalista e os indígenas têm o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento conforme ele afete as suas vidas crenças instituições e bemestar espiritual bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma e de controlar quando possível o seu próprio desenvolvimento econômico social e cultural Os povos indígenas deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos Sempre que for necessário deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar os conflitos que possam surgir de maneira a compatibilizar as regras indígenas com as regras de direitos humanos Por isso ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados deverão ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário Esse respeito às regras indígenas surge na Convenção inclusive no que tange ao Direito Penal Na medida em que for compatível com o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros art 9º Esse respeito gera a impossibilidade do Estado punir criminalmente àquele que já sofreu a punição indígena Essa vedação ao bis in idem advém da natureza supralegal da Convenção n 169 por ser um tratado de direitos humanos 200 que se sobrepõe ao Código Penal brasileiro impedindo uma sucessão de penas sobre o mesmo fato pena indígena e depois a pena criminal geral 201 Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros dos povos mencionados deverão ser levadas em conta as suas características econômicas sociais e culturais dandose preferência a penas outras que a de privação da liberdade O respeito aos usos e costumes locais surge novamente na Convenção pela proibição de imposição de serviços obrigatórios por exemplo servir como jurado ou ainda prestar serviço militar obrigatório para os de sexo masculino Contudo os membros desses povos podem exercer os direitos reconhecidos para todos os cidadãos do país e assumir as obrigações correspondentes Novamente ressaltese o respeito ao empoderamento dos povos indígenas que podem optar pelas regras e direitos da sociedade envolvente não subsistindo a lógica da manutenção estática das práticas indígenas até porque as práticas da sociedade envolvente também mudaram em muito desde os primeiros contatos da época colonial Quanto aos direitos a Convenção reforça a importância da preservação e respeito ao território indígena tema indispensável para a autonomia e garantia da dignidade dos povos indígenas Por isso os Estados devem respeitar a importância especial da relação com as terras para as culturas e valores espirituais dos povos indígenas o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma Nesse sentido a Convenção proclama os direitos de propriedade e de posse indígena sobre as terras que tradicionalmente ocupam art 14 Apesar de no Brasil a CF88 considerar bens da União as terras indígenas fica evidente que a Convenção é cumprida pela proteção efetiva à permanência e uso mesmo que o domínio jurídico seja da União Quanto à exploração da terra indígena os povos indígenas têm o direito de participarem da utilização administração e conservação dos recursos de suas terras Como ocorre no Brasil no caso de a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo ser do Estado há o direito de consulta prévia antes mesmo da autorização de exploração Os povos interessados deverão participar sempre que for possível dos benefícios que essas atividades produzam e receber indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades A regra geral da Convenção é a permanência dos povos indígenas em suas terras Quando excepcionalmente o translado e o reassentamento desses povos sejam considerados necessários só poderão ser efetuados com o consentimento deles concedido livremente e com pleno conhecimento de causa Quando não for possível obter o seu consentimento o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional inclusive consultas públicas quando for apropriado nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar efetivamente representados Os povos indígenas têm o direito de voltar a suas terras tradicionais assim que deixarem de existir as causas que motivaram seu translado e reassentamento Deverão ser respeitadas as modalidades de transmissão dos direitos sobre a terra entre os membros dos povos interessados estabelecidas por esses povos Os povos interessados deverão ser consultados sempre que for considerada sua capacidade para alienarem suas terras ou transmitirem de outra forma os seus direitos sobre essas terras para fora de sua comunidade Expressamente a Convenção determina que deve ser punida a intrusão não autorizada nas terras indígenas art 18 A Convenção ainda trata do direito ao trabalho e medidas de cunho igualitário e protetivo nas relações de trabalho direito à seguridade social e saúde direito à educação desenvolvido em cooperação com os povos indígenas e ressalvado seu direito de criação de seus modos de educação e mantença do idioma A Convenção aplica aqui o direito à igualdade com autonomia pois os povos indígenas devem ter acesso à educação caso queiram que permita a participação plena na vida de sua própria comunidade e na da sociedade envolvente art 29 Devem ser adotados esforços de educação para a eliminação dos preconceitos da sociedade não índia em especial com a inclusão nos livros de História e demais materiais didáticos de uma descrição equitativa exata e instrutiva das sociedades e culturas dos povos indígenas art 31 Por fim para aplacar o receio de Estados de que os povos indígenas pudessem reclamar o direito à autodeterminação dos povos levando a disputas territoriais a Convenção veda expressamente o uso do termo povos no sentido comumente atribuído ao termo no Direito Internacional O artigo 1º tanto do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos quanto do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais prevê que todos os povos têm direito à autodeterminação Em virtude desse direito determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico social e cultural o que representa o direito à emancipação política e secessão dos povos submetidos à dominação estrangeira ou regime colonial O direito de secessão então não foi reconhecido pela Convenção que contudo representa um importante avanço ao tratar com dignidade respeito e especialmente reconhecer sua autonomia e empoderamento no trato de questões de seu interesse Nas Disposições Gerais da Convenção há peculiar mecanismo que dificulta o retrocesso O Estado após a ratificação só pode denunciar a Convenção após dez anos contados da entrada em vigor do tratado para o denunciante A denúncia só surtirá efeito um ano depois Caso não o faça mantémse vinculado por mais um período de dez anos quando ao final poderá denunciála e assim sucessivamente No caso brasileiro a Convenção entrou em vigor internacionalmente para o Brasil em 25 de julho de 2003 em que pese o atraso na edição do Decreto de Promulgação entrada em vigor no plano interno somente em 2004 Assim as eventuais pressões de grupos de interesse em especial de setores vinculados ao agronegócio para a denúncia da Convenção devem aguardar mais dez anos QUADRO SINÓTICO Convenção n 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais Tratado ratificado e incorporado internamente No caso brasileiro a Convenção entrou em vigor Natureza jurídica internacionalmente para o Brasil em 25 de julho de 2003 em que pese o atraso na edição do Decreto de Promulgação entrada em vigor no plano interno somente em 2004 Possui peculiar mecanismo de denúncia o que a imuniza contra desejos de momento nos Estados Como o Brasil não denunciou a Convenção em 2013 só poderá fazêlo em 2023 lapso de 10 anos para que a denúncia seja possível Objetivo A Convenção trata dos direitos dos povos indígenas com foco especial na igualdade e combate à discriminação Essência da Convenção Sempre que for necessário deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar os conflitos que possam surgir de maneira a compatibilizar as regras indígenas com as regras de direitos humanos 28 Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU tendo sido redigida no Conselho de Direitos Humanos contando com 143 votos a favor 11 abstenções e 4 votos em contrário Estados Unidos Nova Zelândia Austrália e Canadá justamente países com expressiva população indígena Compõe a chamada soft law primária do Direito Internacional pois suas normas não são vinculantes aos Estados mas podem ao longo do tempo servir como base de um futuro costume internacional de proteção dos direitos indígenas Serve também para auxiliar a interpretação das normas internacionais vinculantes por exemplo tratados de direitos humanos eventualmente aplicáveis à matéria indígena como por exemplo a Convenção Americana de Direitos Humanos Possui 46 artigos abrangendo tanto os direitos civis e políticos quanto os direitos sociais econômicos e culturais Entre outros a Declaração prevê os seguintes direitos Pleno exercício dos direitos humanos sem discriminação Os indígenas têm direito a título coletivo ou individual ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos direitos humanos art 1º Assim por exemplo devem ter os mesmos direitos da sociedade não índia no acesso igualitário aos serviços públicos oferecidos pelo Estado brasileiro Autodeterminação Para o Direito Internacional o direito à autodeterminação consiste na emancipação política de comunidade humana submetida a jugo colonial dominação estrangeira ou de modo discutível já que não integralmente aceito pela Corte Internacional de Justiça vide voto concordante em separado do Juiz Cançado Trindade no Parecer Consultivo sobre a Independência do Kosovo 2010 a regime no qual há grave e sistemática violação de seus direitos humanos A Declaração de 2007 não reconhece tal sentido do direito à autodeterminação pelo contrário há menção expressa de que a integridade territorial dos Estados não deve sofrer modificação diante dos direitos dos povos indígenas art 46 Assim o sentido singular de autodeterminação dos povos indígenas consiste em reconhecer que eles têm o direito de determinar livremente sua condição política e buscar livremente seu desenvolvimento econômico social e cultural tendo direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais assim como a disporem dos meios para financiar suas funções autônomas arts 3º e 4º O tripé da autodeterminação dos povos indígenas é território governo e jurisdição e não secessão Podem conservar e reforçar então seus próprios sistemas de edição de normas educação saúde moradia cultura meios de informação e solução de conflitos entre outros Direito ao território Os povos indígenas têm direito às terras territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido não podendo ser removidos à força de suas terras ou territórios Nenhum traslado se realizará sem o consentimento livre prévio e informado dos povos indígenas interessados e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa e equitativa e sempre que possível com a opção do regresso Direito ao consentimento livre prévio e informado Os povos indígenas têm o direito de serem consultados e de consentirem previamente antes da adoção e aplicação de medidas legislativas e administrativas que os afetem art 19 Há previsão expressa de consentimento prévio antes da aprovação de projeto que afete suas terras ou gere exploração de recurso hídrico mineral ou de qualquer outro tipo art 32 Estes dispositivos além da discussão sobre autodeterminação foram responsáveis por anos de debate e atraso na aprovação do texto final da Declaração Obviamente a controvérsia estava na exigência do consentimento o que dá poder de veto às comunidades indígenas sobre tais projetos Direito à educação e saúde de acordo com suas práticas Os povos indígenas têm o direito de estabelecer e controlar seus sistemas e instituições educativos que ofereçam educação em seus próprios idiomas em consonância com seus métodos de ensino Também têm direito a seus medicamentos tradicionais e a manter suas práticas de saúde Direito ao desenvolvimento Os povos indígenas têm o direito de determinar e elaborar prioridades e estratégias para o exercício do seu direito ao desenvolvimento Direito à cultura Os povos e pessoas indígenas têm o direito de pertencerem a uma comunidade ou nação indígena em conformidade com as tradições e costumes da comunidade ou nação em questão Assim têm direito a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua cultura Direito à propriedade imaterial sobre o conhecimento tradicional Os povos indígenas têm o direito à propriedade intelectual sobre seu patrimônio cultural seus conhecimentos tradicionais e suas expressões culturais tradicionais Direito à manutenção dos contatos transfronteiriços Os povos indígenas em particular os que estão divididos por fronteiras internacionais têm o direito de manter e desenvolver contatos relações e cooperação incluindo atividades de caráter espiritual cultural político econômico e social com seus próprios membros assim como com outros povos através das fronteiras Conflito entre as regras indígenas e as normas internacionais de direitos humanos Os povos indígenas têm o direito de promover desenvolver e manter suas estruturas institucionais e seus próprios costumes espiritualidade tradições procedimentos práticas e quando existam costumes ou sistema jurídicos em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos QUADRO SINÓTICO Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas Natureza jurídica Soft law Uso para interpretar normas internacionais eventualmente aplicáveis à matéria indígena Objetivo Promover o respeito aos direitos dos indígenas a título coletivo ou individual reconhecidos pela Carta das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos direitos humanos Essência da Convenção Possui 46 artigos abrangendo tanto os direitos civis e políticos quanto os direitos sociais econômicos e culturais Adoção da gramática de direitos aplicada à matéria indígena mas ao mesmo tempo aceitação dos usos e costumes de cada comunidade Os povos indígenas deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos Sempre que for necessário deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar os conflitos que possam surgir de maneira a compatibilizar as regras indígenas com as regras de direitos humanos 29 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais Apesar de não ser uma convenção especificamente voltada aos direitos dos povos indígenas a Convenção da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais é importante para a temática pois consagra o dever dos Estados de proteger a diversidade cultural e respeitar a cultura indígena Foi celebrada em Paris em 20 de outubro de 2005 ratificada pelo Brasil em 16 janeiro de 2007 e incorporada internamente pelo Decreto n 6177 de 1º de agosto de 2007 Possui em 2018 145 Estados Partes Inicialmente podemos definir cultura como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarcam os modos de vida artes os sistemas de valores as tradições e as crenças de uma comunidade ver Declaração do México sobre Políticas Culturais UNESCO 1982 Os direitos culturais são reconhecidos como parte da gramática dos direitos humanos conforme consta do artigo XXVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade bem como do artigo 15 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de participar da vida cultural Atualmente a defesa dos direitos culturais é tema que envolve três aspectos i proteção e promoção do direito à cultura associando os direitos culturais à inclusão ii proteção da circulação dos bens culturais tema que interessa à Organização Mundial do Comércio e separa os Estados Unidos interessados em amplo e irrestrito acesso de mercado aos bens produzidos em Hollywood de outros Estados como França interessada na restrição de acesso a mercados para proteger os produtos culturais produzidos em francês iii proteção da produção cultural bens e expressões culturais A diversidade cultural revelase pelas formas originais e plurais de identidades dos mais diversos grupos que integram a espécie humana Ademais essas formas plurais e originais de expressões culturais não são estanques e interagem gerando por sua vez intercâmbios inesperados e inovações criativas Nasce a chamada interculturalidade que consiste no fenômeno da existência e interação equitativa de diversas culturas assim como na possibilidade de geração de expressões culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo Por isso a diversidade cultural é indispensável para a humanidade tendo sido considerada pela Convenção de 2005 patrimônio comum da humanidade devendo ser defendida para benefício das gerações presentes e futuras Por sua vez a diversidade cultural ao florescer em um ambiente de democracia tolerância justiça social e mútuo respeito entre povos e culturas é indispensável para a paz e a segurança no plano local nacional e internacional Com a globalização o gigante fluxo de bens e serviços entre os Estados impacta fortemente as formas diversas que a cultura adquiriu nas comunidades humanas existindo o risco de homogeneização e perda da diversidade pela conquista de mercado dos produtos culturais mais baratos e acessíveis pela sua escala de produção global O exemplo mais conhecido é o do cinema norteamericano cujos altíssimos custos de produção que gera a indiscutível e superior qualidade técnica dessa indústria cinematográfica são diluídos pelo avanço nos mercados de países terceiros Nasce um círculo vicioso difícil de ser rompido a superioridade técnica conquista mercados globais que por sua vez financiam maior superioridade técnica o que torna quase impossível a entrada de novos atores nesse mercado No caso das populações indígenas a Convenção reconhece a importância dos conhecimentos tradicionais como fonte de riqueza material e imaterial e sua contribuição positiva para o desenvolvimento sustentável o que impõe a necessidade de sua adequada proteção e promoção Por isso a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais de 2005 da UNESCO visa nesse cenário de globalização e risco a produções culturais de menor fôlego econômico preservar a diversidade das expressões culturais possuindo os oito princípios seguintes 1 Princípio do respeito aos direitos humanos Para a Convenção a diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se estiverem garantidos os direitos humanos tais como a liberdade de expressão informação e comunicação bem como a possibilidade dos indivíduos de escolherem expressões culturais 2 Princípio da soberania De acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional os Estados têm o direito soberano de adotar medidas e políticas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em seus respectivos territórios 3 Princípio da igualdade e idêntica dignidade entre todas as culturas A proteção da diversidade das expressões culturais pressupõe o reconhecimento da igual dignidade e o respeito por todas as culturas incluindo as dos povos indígenas 4 Princípio da cooperação Para a Convenção a cooperação internacional deve permitir a todos os países em particular os países em desenvolvimento criarem e fortalecerem os meios necessários a sua expressão cultural incluindo as indústrias culturais sejam elas nascentes ou estabelecidas nos planos local nacional e internacional 5 Princípio da complementaridade entre os aspectos econômicos e culturais do desenvolvimento A cultura é um dos motores fundamentais do desenvolvimento Assim os aspectos culturais deste são tão importantes quanto os seus aspectos econômicos e os indivíduos e povos têm o direito fundamental de dele participarem e se beneficiarem 6 Princípio do desenvolvimento sustentável A diversidade cultural constitui grande riqueza para os indivíduos e as sociedades sendo condição essencial para o desenvolvimento sustentável em benefício das gerações atuais e futuras 7 Princípio do acesso equitativo O acesso equitativo a uma rica e diversificada gama de expressões culturais provenientes de todo o mundo e o acesso das culturas aos meios de expressão e de difusão constituem importantes elementos para a valorização da diversidade cultural e o incentivo ao entendimento mútuo 8 Princípio da abertura e do equilíbrio Ao adotarem medidas para favorecer a diversidade das expressões culturais os Estados buscarão promover de modo apropriado a abertura a outras culturas do mundo e garantir que tais medidas estejam em conformidade com os objetivos perseguidos pela Convenção Finalmente de acordo com a Convenção de 2005 os Estados devem encorajar indivíduos e grupos sociais a criar produzir difundir distribuir suas próprias expressões culturais e a elas ter acesso conferindo a devida atenção às circunstâncias e necessidades especiais da mulher assim como dos diversos grupos sociais incluindo as pessoas pertencentes às minorias e povos indígenas Em 2016 o STF julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4983 promovida pelo ProcuradorGeral da República contra a Lei estadual 152992013 do Estado do Ceará que regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural naquele estado Para o rel Min Marco Aurélio a obrigação do Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais incentivando a valorização e a difusão das manifestações deve observar contudo o disposto no art 225 VII da CF88 que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade 202 Citou o Relator os laudos técnicos juntados pelo ProcuradorGeral da República pelos quais ficam atestadas as consequências nocivas à saúde dos bovinos decorrentes da tração forçada no rabo seguida da derrubada tais como fraturas nas patas ruptura de ligamentos e de vasos sanguíneos traumatismos e deslocamento da articulação do rabo ou até o arrancamento deste resultando no comprometimento da medula espinhal e dos nervos espinhais dores físicas e sofrimento mental Assim para o Relator ante os dados empíricos evidenciados pelas pesquisas tem se como indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas Para o Min Dias Toffoli vencido a vaquejada é uma atividade esportiva e festiva que pertence à cultura do povo devendo ser respeitada Quanto à crueldade com os animais envolvidos o Min Toffoli sustentou que há técnica regramento e treinamento diferenciados o que torna a atuação exclusiva de vaqueiros profissionais Contudo para o Relator seguido pela maioria dos Ministros a crueldade intrínseca à vaquejada não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Carta de 1988 grifo meu não constante do voto original ADI n 4983 rel Min Marco Aurélio j 1612 2016 publicado no DJe de 27042017 Antes do julgamento deste STF foi editada a Lei n 13364 de 29 de novembro de 2016 que elevou o Rodeio a Vaquejada bem como as respectivas expressões artísticoculturais à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial para reforçar a posição daqueles que defenderam como o Min Toffoli a prevalência do direito à cultura Em 6 de junho 2017 foi promulgada a Emenda Constitucional n 96 que acrescentou o 7º ao art 225 da CF88 determinando que não serão consideradas cruéis as práticas desportivas que utilizem animais desde que sejam manifestações culturais De acordo com o texto da EC 96 lei posterior deve assegurar o bemestar dos animais envolvidos 203 QUADRO SINÓTICO Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais Contexto Tratado ratificado e incorporado internamente A cultura consiste no conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarcam os modos de vida artes os sistemas de valores as tradições e as crenças de uma comunidade ver Declaração do México sobre Políticas Culturais A defesa dos direitos culturais é tema que envolve três aspectos i proteção e promoção do direito à cultura associando os direitos culturais à inclusão ii proteção da circulação dos bens culturais assunto que interessa à Organização Mundial do Comércio e separa os Estados Unidos interessados em amplo e irrestrito acesso de mercado aos bens produzidos em Hollywood de outros Estados como França empenhada na restrição de acesso a mercados para proteger os produtos culturais produzidos em francês iii proteção da produção cultural bens e expressões culturais Objetivo Visa no atual cenário de globalização e risco a produções culturais de menor fôlego econômico preservar a diversidade das expressões culturais Essência da Convenção Impacta na formatação dos direitos culturais A diversidade cultural revelase pelas formas originais e plurais de identidades dos mais diversos grupos que integram a espécie humana A diversidade cultural é indispensável para a humanidade tendo sido considerada pela Convenção de 2005 patrimônio comum da humanidade Contém oito princípios que regulam a proteção da diversidade cultural 30 Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos O respeito dos direitos humanos pelas empresas é consequência do reconhecimento i da eficácia horizontal e ii da dimensão objetiva dos direitos humanos como já visto no Capítulo III item 23 da Parte I Os direitos humanos incidem não somente nas relações entre Estado e indivíduo eficácia vertical dos direitos humanos mas também nas relações entre particulares o que obriga as empresas a respeitarem os direitos humanos na condução de suas atividades Por sua vez a dimensão objetiva consiste no reconhecimento de deveres de proteção aos direitos humanos reconhecidos Assim os direitos humanos possuem dupla dimensão a saber a dimensão subjetiva reconhecimento de faculdades e a dimensão objetiva imposição de deveres de proteção De acordo com a dimensão objetiva o Estado deve agir para promover o respeito aos direitos humanos não permitindo que seus agentes públicos ou mesmo particulares os violem Essa dimensão objetiva é fruto implícito do próprio reconhecimento de determinado direito assim a CF88 ao mencionar o direito à vida implicitamente exige do Estado que aja adequadamente para sua proteção 204 Há duas abordagens sobre a observância pelas empresas das normas de direitos humanos i a direta e ii a indireta Pela abordagem direta há regras específicas de direitos humanos que incidem sobre as empresas para que estas observem na condução de suas atividades determinados padrões de conduta tanto no seu aspecto interno nas relações com seus trabalhadores por exemplo quanto externo nas relações com a comunidade como por exemplo no respeito às normas ambientais Pela abordagem indireta as normas de direitos humanos já existentes responsabilizam os Estados e exigem que estes então cobrem das empresas uma conduta pro homine No tocante à abordagem indireta há diversos exemplos na jurisprudência internacional de direitos humanos da responsabilização internacional dos Estados por violação de direitos humanos realizadas por empresas O Estado é responsabilizado pela sua omissão em prevenir e muitas vezes pela omissão em reprimir as violações de direitos humanos realizadas por empresas 205 Já a abordagem direta é mais sistemática e geral mas exige consenso sobre qual deve ser o conteúdo das normas diretamente incidente sobre as empresas em especial aquelas cujo tamanho e poder econômico rivalizam inclusive com os próprios Estados No sistema global de direitos humanos a vinculação das empresas à gramática dos direitos humanos é fundada genericamente na própria afirmação da universalidade dos direitos humanos que tem como marco a Carta da Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos A universalidade dos direitos humanos não seria completa sem o reconhecimento da incidência desses direitos em todas as relações sociais o que abarca obviamente as relações que envolvem empresas e suas atividades Porém a evolução das normas que tratam especificamente da incidência dos direitos humanos nas atividades das empresas abordagem direta foi lenta Na década de 70 do século passado o Conselho Econômico e Social da ONU criou o Centro das Nações Unidas para as Empresas Transnacionais visando a elaboração de um código de conduta para tais empresas Na época a ONU influenciada pelos novos Estados recém independentes e em busca de novos padrões do comércio internacional após o colapso dos impérios coloniais preocupavase com o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional 206 na qual houvesse repartição de ganhos entre os Estados exportadores de capital e suas multinacionais e os Estados importadores de capital subdesenvolvidos Nesse contexto a preocupação sobre a atuação das empresas multinacionais cujas controladoras eram da nacionalidade dos Estados desenvolvidos ficou ainda mais aguçada pela participação de algumas no financiamento de golpes contra governos tidos como nacionalistas ou estatizantes 207 Não havia contudo uma menção explícita às regras de direitos humanos a serem cumpridas pelas empresas multinacionais também chamadas transnacionais Ainda nessa época em 1977 a Organização Internacional do Trabalho edita a Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social alterada em 2000 2006 e em 2017 São 68 parágrafos nos quais a OIT enumera princípios relativos às atividades das empresas multinacionais nas áreas do emprego seguridade social eliminação do trabalho forçado ou compulsório abolição do trabalho infantil e penoso igualdade de oportunidade e de tratamento segurança laboral treinamento salários benefícios e condições de trabalho saúde e segurança nas empresas relações industriais focando desde à liberdade sindical até arbitragem Há menções genéricas sobre a necessidade de cumprimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Pactos onusianos Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais A Declaração é de cumprimento voluntário soft law e não elimina a necessidade dos Estados cumprirem os tratados celebrados na OIT Nesse ambiente regulatório internacional das atividades das empresas multinacionais iniciouse em 1977 a preparação do código de conduta das Nações Unidas sobre Empresas Transnacionais cujo projeto de 1983 foi alterado em 1990 para fazer menção expressa ao dever das empresas transnacionais de respeitar os direitos humanos e liberdades fundamentais nos países nos quais elas operam art 14 Em 1993 houve o encerramento dos trabalhos no âmbito do Conselho Econômico e Social da ONU sem que houvesse consenso para sua aprovação final na Assembleia Geral da ONU Após o final da guerra fria e com a aceleração da globalização a abordagem direta da temática empresas e direitos humanos foi retomada em 2003 com a aprovação pela Subcomissão para a Prevenção e Proteção de Direitos Humanos da antiga hoje extinta Comissão de Direitos Humanos da resolução intitulada Normas sobre as responsabilidades das empresas transnacionais e outras empresas privadas em relação a direitos humanos Seu alcance era geral não somente empresas transnacionais e havia várias referências a direitos humanos em geral a partir do preâmbulo com referências à Declaração Universal dos Direitos Humanos Houve forte reação de Estados desenvolvidos e entidades empresariais e em 2004 o Conselho Econômico e Social a partir de provocação da própria Comissão de Direitos Humanos decidiu que as Normas não possuíam efeito vinculante e nem deveriam ter sua observância monitorada nas Nações Unidas 208 Em 2005 o SecretárioGeral da ONU designou John Ruggie para ser o representante especial para a questão dos direitos humanos e empresas transnacionais e outras empresas A própria forma de nomeação pelas mãos do SecretárioGeral e não por órgão colegiado interno da ONU composto por Estados mostra as controvérsias em relação à temática no sistema global de direitos humanos em especial entre aqueles que defendiam a i expansão da interpretação das normas de direitos humanos para alcançar de maneira clara as empresas caso da tentativa frustrada da Subcomissão vista acima e ii aqueles que defendiam a busca pela colaboração com as empresas para consolidação de uma cidadania corporativa mundial visando inclusive estancar as críticas sobre os malefícios da globalização No que tange à segunda visão colaboração com as empresas o próprio Ruggie na função de conselheiro do SecretárioGeral da ONU havia participado do lançamento do Pacto Global feito por Kofi Annan então SecretárioGeral da ONU em 1999 O Pacto Global é uma iniciativa da ONU para mobilizar de modo voluntário a comunidade empresarial internacional rumo a implementação de boa governança empresarial nas áreas de direitos humanos relações de trabalho meio ambiente e combate à corrupção refletidos em 10 princípios 209 Direitos Humanos 1 As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente e 2 Assegurarse de sua não participação em violações destes direitos Trabalho 3 As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva 4 A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório 5 A abolição efetiva do trabalho infantil e 6 Eliminar a discriminação no emprego Meio Ambiente 7 As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais 8 Desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental e 9 Incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis Corrupção 10 As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas inclusive extorsão e propina Como o Pacto Global não é sequer um código de conduta e sim uma iniciativa voluntária envolvendo empresas em colaboração com a ONU e redes locais não há mecanismos para efetivamente verificar o cumprimento dos 10 princípios apenas a possibilidade de exclusão da lista do rol de empresas participantes caso sejam comprovadas violações sistemáticas desses valores medida de integridade De 2005 a 2011 Ruggie preparou relatórios sobre a temática nos quais criticou a opção tida como estatocêntrica das Normas nas quais repetiase o vetor do Direito Internacional dos Direitos Humanos no qual o Estado responderia pelas violações por parte das empresas não sendo clara qual era a carga de deveres desses entes privados No relatório de 2008 Ruggie defendeu um giro copernicano na temática por meio da adoção dos parâmetros proteger respeitar e reparar que são utilizados tanto para sistematizar os principais pontos da temática quanto para dividir a responsabilidade na defesa de direitos humanos entre os Estados e as empresas Em março de 2011 Ruggie apresentou seu relatório final no qual os princípios orientadores constam no anexo 210 e em junho do mesmo ano o Conselho de Direito adotou a Resolução 174 211 pela qual endossa o conteúdo do que foi apresentado no relatório final de Ruggie São 31 Princípios de Ruggie 212 divididos em i Princípios Gerais ii Dever do Estado em proteger os direitos humanos Princípios 1 a 10 iii Responsabilidade empresarial em respeitar os direitos humanos Princípios 11 a 24 e iv Acesso a recursos e reparação Princípios 25 a 31 Os princípios gerais reforçam os três parâmetros proteger respeitar e reparar já consagrados anteriormente pelos quais 1 cabe ao Estado proteger os direitos humanos 2 às empresas cabe respeitar os direitos humanos e 3 a ambos cabe reparar os danos causados pelas violações aos direitos humanos Os princípios não criam ou restringem obrigações internacionais já existentes devem ser aplicados de forma não discriminatória a todas as empresas transnacionais ou não independentemente de seu tamanho titularidade controle etc Quanto às três categorias de princípios estes abordam em síntese o seguinte Princípios referentes à atuação do Estado na proteção dos direitos humanos Princípios 1 a 10 1 Cabe ao Estado zelar pela proteção de direitos humanos em seu território adotando medidas para prevenir investigar punir e reparar tais abusos cometidos por particulares inclusive empresas Devem os Estados adotar políticas públicas vinculando inclusive o financiamento 2 Deve o Estado zelar pela atividade extraterritorial pro homine de empresas com sede em seu território 3 Deve o Estado adotar leis e possuir formas de orientação às empresas para uma atuação que preserve direitos humanos 4 As agências estatais ou empresas estatais devem atuar de forma compatível com o respeito aos direitos humanos exigindose se for o caso auditorias due diligence na temática 5 A contratação de empresas pelo Estado deve ser supervisionada protegendose direitos humanos 6 O Estado deve exigir o respeito aos direitos humanos das empresas com as quais faz transações comerciais 7 O Estado deve fiscalizar o respeito aos direitos humanos pelas empresas em áreas de conflito 8 O Estado deve assegurar coerência de atuação dos seus diversos órgãos em especial os que orientam as práticas empresariais para que sejam conforme os direitos humanos 9 Os Estados devem manter um marco normativo nacional que assegure o cumprimento das obrigações de direitos humanos no âmbito de tratados ou contratos de investimento referentes a atividades empresariais em outros Estados 10 Os Estados devem atuar com coerência e em prol dos direitos humanos na sua conduta como membros de instituições internacionais que tratam de questões referentes a atividades empresariais Princípios referentes à responsabilidade das empresas em respeitar os direitos humanos Princípios 11 a 24 11 As empresas devem respeitar os direitos humanos abstendose de infringir direitos de terceiros e reparando os danos eventualmente causados 12 As empresas devem respeitar os direitos humanos enunciados internacionalmente e no mínimo os enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais bem como os direitos previstos nas 8 convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho podendo incidir outras normas internacionais a depender do caso concreto por exemplo envolvendo crianças pessoas com deficiência etc 13 As empresas devem evitar atividades que impactem negativamente sobre direitos humanos ou ainda buscar prevenir ou mitigar tais impactos relacionados com suas atividades empresariais 14 A responsabilidade das empresas quanto ao respeito de direitos humanos é plena independentemente de seu tamanho setor contexto operacional proprietário e estrutura mas as exigências quanto aos meios e recursos que devem ser disponibilizados podem variar a depender desses fatores 15 Para cumprir suas responsabilidades as empresas de acordo com tamanho e circunstâncias de atuação devem adotar o compromisso político de respeitar os direitos humanos possuir auditoria na matéria due diligence e procedimentos que permitam a plena reparação dos danos eventualmente causados 16 As empresas devem adotar compromisso com o respeito aos direitos humanos aprovado pelo mais alto nível diretivo que seja embasado em apoio especializado na área e que esclareça publicamente o que se espera em relação aos direitos humanos do seu corpo de funcionários sócios e demais envolvidos na atividade empresarial devendo ser tal compromisso refletido nos procedimentos operacionais adotados 17 As empresas devem realizar auditorias contínuas due diligence em matéria de direitos humanos incluindo avaliações sobre o impacto real e potencial das atividades sobre os direitos humanos entre outros 18 As empresas devem identificar e avaliar as consequências reais ou potenciais de suas ações sobre os direitos humanos com recurso a especialistas internos ou independentes bem como incluindo consultas aos grupos afetados ou interessados 19 As empresas devem aplicar as conclusões de suas avaliações dos impactos de suas atividades sobre os direitos humanos em seus procedimentos internos de modo a prevenir e mitigar as consequências negativas eventualmente geradas 20 As empresas devem possuir sistema de monitoramento sobre as medidas de prevenção adotadas 21 As empresas devem adotar medidas de comunicação social acessível e com capacidade de fornecer as informações adequadas preservadas as sujeitas a sigilo comercial 22 As empresas devem proativamente reparar os danos causados 23 As empresas devem cumprir as leis e respeitar os direitos humanos onde quer que operem buscando fórmulas de respeito aos direitos humanos quando confrontados com exigências conflitantes 24 As empresas devem priorizar medidas que visam atenuar as consequências graves ou que possam se tornar irreversíveis Princípios referentes ao acesso a mecanismos de reparação Princípios 25 a 31 25 Os Estados devem adotar medidas de reparação eficazes pelas vias judiciais administrativas legislativas ou outros meios 26 Os Estados devem assegurar a eficácia dos mecanismos judiciais nos casos abordando violações de direitos humanos por parte de empresas 27 Os Estados devem estabelecer mecanismos extrajudiciais eficazes e adequados em paralelo aos mecanismos judiciais para a integral reparação das violações de direitos humanos por parte das empresas 28 Os Estados devem facilitar o acesso a mecanismos não estatais de denúncia sobre a temática 29 As empresas devem possuir ou participar de mecanismos de denúncia eficazes à disposição das pessoas e comunidades afetadas 30 As iniciativas empresariais de colaboração por exemplo os códigos de conduta empresariais devem prever a disponibilidade de mecanismos eficazes de conduta 31 Os mecanismos de recebimento de denúncia estatais e não estatais devem ser confiáveis acessíveis com procedimento claro e equitativo bem como serem transparentes em especial quanto à evolução do trâmite e resultado Pelo exposto vêse que a essência dos Princípios Orientadores é distribuir a responsabilidade pela proteção de direitos humanos nas atividades empresariais entre os Estados e também às empresas Os princípios orientadores constituemse em soft law servindo para orientar a interpretação das normas nacionais e internacionais bem como podem espelhar caso haja prática reiterada dos Estados com convicção de obrigatoriedade costume internacional Além disso o Conselho de Direitos Humanos na mesma Res 174 instituiu um Grupo de Trabalho da Organização das Nações Unidas ONU sobre Direitos Humanos Empresas Transnacionais e outras Empresas encarregado de monitorar o cumprimento dos Princípios Orientadores formulando recomendações aos Estados Em 2016 o Grupo apresentou ao Conselho de Direitos Humanos o Relatório da visita realizada ao Brasil em dezembro de 2015 com forte ênfase nas consequências negativas às comunidades afetadas por grandes empreendimentos de infraestrutura hidroelétrica de Belo Monte obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas etc e desastres ambientais como o desastre de Mariana O relatório ainda revelou preocupação com a falta de efetiva fiscalização do Estado que inclusive financiou várias dessas obras graças ao BNDES Por sua vez o relatório fez 32 recomendações sendo 21 destinadas ao Estado 7 às empresas e 4 à sociedade civil organizada Chamou a atenção certa incoerência do Grupo de Trabalho que concentrou seu foco no Estado vide o número de recomendações fugindo à assunção de responsabilidade das empresas privadas que são a base dos Princípios de Ruggie 213 Em que pese o avanço dado pelos Princípios Orientadores quanto à responsabilidade das empresas pela prevenção e reparação das violações de direitos humanos há fragilidade na implementação de suas normas A opção pela edição dos Princípios sem força vinculante e sem uma sistemática clara de cobrança efetiva do real compromisso das empresas com a proteção de direitos humanos permite a adesão retórica por parte desses conglomerados com uso publicitário inclusive sem que suas condutas reais sejam efetivamente favoráveis à gramática dos direitos humanos Por isso em 2014 o Conselho de Direitos Humanos aprovou a Res 269 214 pela qual foi estabelecido grupo de trabalho com o objetivo de elaborar um tratado internacional sobre a temática direitos humanos e empresas mostrando possível evolução no atual estágio da temática no sistema global A elaboração de um tratado sobre direitos humanos e empresas demonstra a maturidade da temática no âmbito da ONU após décadas de edições de normas de soft law Prova também a necessidade de discussão da responsabilidade direta das empresas multinacionais e a insuficiência da responsabilização internacional somente dos Estados que em muitos casos não quer ou não consegue impor a rule of law e o respeito aos direitos humanos de todos os envolvidos No Brasil casos como o rompimento da barragem do Fundão em Mariana MG na Bacia do Rio Doce em 5 de novembro de 2015 que até hoje não foi devidamente reparado mostra a necessidade de uma nova etapa na responsabilização das empresas perante o Direito Internacional dos Direitos Humanos Em 2017 o Conselho de Direitos Humanos no bojo dos mecanismos dos procedimentos especiais criou o Grupo de Trabalho sobre a questão de direitos humanos e empresas transnacionais e outras empresas comerciais 215 Em 2018 esse grupo de trabalho apresentou minuta de tratado sobre a temática Draft que está em 2019 em discussão 31 Convenção Quadro de Controle do Tabaco CQCT A Convenção Quadro de Controle do Tabaco CQCT é o primeiro tratado internacional negociado sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde OMS Foi adotado pela Assembleia Mundial da Saúde em 21 de maio de 2003 e entrou em vigor em 27 de fevereiro de 2005 A CQCT tornouse um dos tratados mais rápida e amplamente adotados na história do Sistema das Nações Unidas Possui em agosto de 2019 181 Estados partes A CQCT foi construída como uma resposta à epidemia global de tabaco reconhecida na década de 1970 pela Assembleia Mundial da Saúde Entre 1978 e 1993 a Assembleia Mundial da Saúde AMS aprovou 10 resoluções sobre os perigos à saúde causados pelo uso do tabaco A OMS institucionalmente afirma que a CQCT é um tratado baseado em evidências científicas que reafirma o direito de todas as pessoas ao mais alto padrão de saúde A Convenção versa sobre promoção da saúde pública fornecendo novas dimensões legais para a cooperação internacional em saúde Após a aprovação interna do tratado pela edição do Decreto Legislativo n 1012 de 27 de outubro de 2005 o Brasil ratificou a CQCT em 3 de novembro tendo promulgado a convenção internamente pelo Decreto 5658 de 2 de janeiro de 2006 Desde 2014 a Head do Secretariado da CQCT na OMS em Genebra é a brasileira Vera Luiza da Costa e Silva exercendo a função de coordenar junto às partes do tratado ações pela implementação da CQCT nos países membros Apesar de não fazer parte formalmente das chamadas grandes convenções das Nações Unidas sobre direitos humanos a CQCT ao fazer alusão expressa em seu preâmbulo conecta se ao Artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais pelo qual se declara que toda pessoa tem direito de gozar o mais elevado nível de saúde física e mental Também são destacadas a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres adotada pela Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979 e a Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 Além disso a CQCT destaca que no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde afirmase que o gozo do mais elevado nível de saúde que se possa alcançar é um dos direitos fundamentais de todo ser humano sem distinção de raça religião ideologia política condição econômica ou social 216 No Art 2º a CQCT faz a sua relação com outros acordos e instrumentos jurídicos deixando claro que deve ser interpretada como garantia mínima fazendo previsão de que as normas internas e as internacionais podem ser mais avançadas no controle do tabaco porém as regras da CQCT devem formar o conjunto mínimo de proteção Sendo certo que o objetivo da CQCT e de seus protocolos é proteger as gerações presentes e futuras das devastadoras consequências sanitárias sociais ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco proporcionando uma referência para as medidas de controle do tabaco a serem implementadas pelas Partes nos níveis nacional regional e internacional a fim de reduzir de maneira contínua e substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco art 3º Também há no documento a listagem dos seus Princípios norteadores no art 4º que são i informação ii governança multidimensional iii cooperação internacional iv construção de políticas públicas internas coordenadas v responsabilização pelos danos vi sustentabilidade e vii participação da sociedade civil Inovação importante no tratado é o Artigo 5º numeral 3 que nasce da preocupação relativa à aplicação de direitos humanos às empresas pois reconhece a influência das empresas na construção das normas internas e para evitar interferências indevidas determina que ao estabelecer e implementar suas políticas de saúde pública relativas ao controle do tabaco as Partes agirão para proteger essas políticas dos interesses comerciais ou outros interesses garantidos para a indústria do tabaco em conformidade com a legislação nacional Nos arts 6º e 7º é destacada a preocupação com o consumo do tabaco Assim há determinações relativas à criação de medidas relacionadas a preços e impostos para reduzir a demanda de tabaco além de medidas não relacionadas a preços para reduzir a demanda de tabaco Uma das primeiras disputas de direitos fundamentais nascidas após a vinculação do Brasil à CQCT é a relacionada com os ambientes livres de tabaco De acordo com o art 8º os Estados Partes devem garantir a proteção das pessoas contra a exposição à fumaça do tabaco indicando que deve ser proibida qualquer conduta que exponha as pessoas à fumaça o que faz nascer a necessidade dos ambientes livres de fumo em especial para proteção daquele que é chamado de fumante passivo Nesse campo nasce o embate entre o direito à saúde e a possibilidade de fumar As primeiras normas proibindo completamente o fumo em ambientes fechados coletivos foram subnacionais a começar pelo Estado de São Paulo em 2009 a Lei Estadual Paulista n 13541 de 7 de maio de 2009 Depois dela outras normas vieram A lei paulista foi alvo da ADI 4249 217 no STF que em setembro de 2019 está em trâmite O foco era a violação às normas constitucionais de competência no âmbito federativo Porém em 2011 a Lei n 12546 tornou nacional a proibição de fumar em ambiente fechado o que pode ter refletido no objeto da ADI No art 9º há determinação da regulamentação do conteúdo dos produtos de tabaco A partir desse dispositivo foram aprovadas diretrizes na Conferência das Partes nas reuniões de 2010 e 2012 sobre a necessidade de proibição de aditivos que possam aumentar o consumo do tabaco Com base em tais diretrizes foi aprovada em 2012 a RDC 14 da ANVISA 218 que regula o uso de aditivos em produtos de tabaco Tal resolução foi alvo da ADI 4874 na qual a Confederação Nacional da Indústria CNI pretendia a declaração de inconstitucionalidade do inciso XV do art 7º da Lei n 978299 e consequentemente invalidar norma da ANVISA RDC 142012 que proíbe o uso de aditivos em produtos de tabaco No plenário o resultado foi empate em 5 votos o que impediu a declaração de inconstitucionalidade pretendida reconhecendose a competência da ANVISA para regular a questão Em setembro de 2019 o Ministro Luiz Fux STF MC na Reclamação n36220 rel Min Luiz Fux suspendeu liminarmente decisão do TRF da 1ª Região que mantinha suspensa a RDC 1412 na mesma linha da Ministra Cármen Lúcia que suspendeu decisão semelhante do mesmo TRF da 1ª Região STF Reclamação n 32787 rel Min Cármen Lúcia No art 11 há determinação relativa à embalagem e etiquetagem de produtos de tabaco que levou à colocação de avisos nos maços de cigarros Debate importante junto ao Centro Internacional para Resolução de Controvérsias sobre Investimentos do Banco Mundial 219 sobre investimentos estrangeiros foi travado no caso Philip Morris v Uruguai 220 decidido em outubro de 2018 favoravelmente ao Uruguai que determinou restrições ao uso da marca de cigarro Além disso a empresa Philip Morris também foi derrotada em ação contra a Austrália relativa ao empacotamento genérico plain packaging do tabaco 221 As decisões sobre o empacotamento do tabaco seguem o art 11 da CQCT que determina que cada parte adotará e implementará de acordo com sua legislação nacional medidas efetivas para garantir que a a embalagem e a etiquetagem dos produtos de tabaco não promovam produto de tabaco de qualquer forma que seja falsa equivocada ou enganosa ou que possa induzir ao erro com respeito a suas características efeitos para a saúde riscos ou emissões incluindo termos ou expressões elementos descritivos marcas de fábrica ou de comércio sinais figurativos ou de outra classe que tenham o efeito direto ou indireto de criar a falsa impressão de que um determinado produto de tabaco é menos nocivo que outros São exemplos dessa promoção falsa equívoca ou enganosa ou que possa induzir a erro expressões como low tar baixo teor de alcatrão light ultra light ou mild suave e b cada carteira unitária e pacote de produtos de tabaco e cada embalagem externa e etiquetagem de tais produtos também contenham advertências descrevendo os efeitos nocivos do consumo do tabaco podendo incluir outras mensagens apropriadas No art 13 há regulação da publicidade promoção e patrocínio do tabaco determinando que a proibição total da publicidade da promoção e do patrocínio reduzirá o consumo de produtos de tabaco Em consonância com a CQCT em 1º outubro de 2018 Decreto n 9516 o Brasil promulgou o Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco de 12 de novembro de 2012 que foi celebrado a partir do art 15 da CQCT O diploma de controle do tabaco se preocupa ainda com a exposição do tabaco para venda permitindo publicidade apenas em pontos de venda Além disso no art 17 para construir alternativas à produção do tabaco há a determinação sobre o apoio a atividades alternativas economicamente viáveis para que o produtor não seja atingido pela restrição do consumo do tabaco No Brasil há a Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco e de seus Protocolos CONICQ criada por Decreto de 1º de agosto de 2003 222 A CONICQ tem o objetivo de promover o desenvolvimento a implementação e a avaliação de estratégias planos e programas assim como políticas legislações e outras medidas para o cumprimento das obrigações previstas na Convenção Quadro da OMS para o Controle do Tabaco art 2º IV do Decreto Assim os temas ligados a controle do tabaco devem ser analisados internamente pela CONICQ 223 QUADRO SINÓTICO Convenção Quadro de Controle do Tabaco Contexto Tratado ratificado e incorporado internamente Os motivos que impulsionaram a celebração do tratado foram principalmente i o reconhecimento de que a propagação da epidemia do tabagismo é um problema global com sérias consequências para a saúde pública ii o aumento do consumo e da produção mundial de cigarros e outros produtos de tabaco iii o fato de que o consumo e a exposição à fumaça do tabaco são causas de mortalidade morbidade e incapacidade iv os cigarros e outros produtos contendo tabaco são elaborados de maneira sofisticada de modo a criar e a manter a dependência Nesse contexto os Estados Partes demonstraram sua preocupação com o impacto que o tabaco causa em direitos humanos e nos orçamentos públicos Objetivo Seu objetivo básico é proteger as gerações presentes e futuras das consequências sanitárias sociais ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco proporcionando uma referência para as medidas de controle do tabaco a serem implementadas pelas Partes nos níveis nacional regional e internacional a fim de reduzir de maneira contínua e substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco Essência da Convenção A Convenção cria diversos deveres de proteção de direitos humanos relacionados ao uso do tabaco impactando na formatação das políticas públicas internas dos Estados Partes especialmente na promoção da saúde III O SISTEMA REGIONAL AMERICANO 1 A Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem aspectos gerais do sistema Durante a 9ª Conferência Interamericana realizada em Bogotá entre 30 de março a 2 de maio de 1948 foram aprovadas a Carta da Organização dos Estados Americanos OEA e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem A Carta da OEA proclamou de modo genérico o dever de respeito aos direitos humanos por parte de todo Estadomembro da organização Já a Declaração Americana enumerou quais são os direitos fundamentais que deveriam ser observados e garantidos pelos Estados A Declaração Americana que é anterior à Declaração Universal dos Direitos Humanos reconheceu a universalidade dos direitos humanos ao expressar que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele cidadão ou nacional de um Estado mas sim de sua condição humana Preâmbulo da Declaração As disposições de direitos humanos da Carta da OEA estão previstas já no seu preâmbulo que estabelece que o verdadeiro sentido da solidariedade americana e da boa vizinhança não pode ser outro senão o de consolidar um regime de liberdade individual e de justiça social fundado no respeito dos direitos essenciais do homem Os Estados americanos reconhecem ainda os direitos fundamentais da pessoa humana sem fazer distinção de raça nacionalidade credo ou sexo art 3 alínea k Já o artigo 16 da Carta estipula que o desenvolvimento deve ser feito respeitandose os direitos da pessoa humana e os princípios da moral universal Finalmente o art 44 da Carta estabelece direitos sociais tais como o direito ao bemestar material o direito ao trabalho direito à livre associação direito à greve e à negociação coletiva direito à previdência social e à assistência jurídica para fazer valer seus direitos O art 48 estabelece o direito à educação considerado como fundamento da democracia da justiça social e do progresso Além desses dispositivos da Carta os Estadosmembros da OEA estão vinculados ao cumprimento dos direitos mencionados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem que é considerada interpretação autêntica dos dispositivos genéricos de proteção de direitos humanos da Carta da OEA conforme decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos Parecer Consultivo sobre interpretação da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem art 64 da Convenção 1989 45 Após a adoção da Carta da OEA e da Declaração Americana iniciouse um lento desenvolvimento da proteção interamericana de direitos humanos O primeiro passo foi a criação de um órgão especializado na promoção e proteção de direitos humanos no âmbito da OEA Na 5ª Reunião de consultas dos Ministros de Relações Exteriores realizada em Santiago do Chile em 1959 foi aprovada moção pela criação de um órgão voltado para a proteção de direitos humanos no seio da OEA que veio a ser a Comissão Interamericana de Direitos Humanos Pela proposta aprovada a Comissão funcionaria provisoriamente até a adoção de uma Convenção Interamericana de Direitos Humanos Após a edição do Protocolo de Buenos Aires em 1967 entrou em vigor em 1970 que emendou a Carta da OEA a Comissão passou a ser órgão principal da própria Organização dos Estados Americanos superando a debilidade inicial de ter sido criada por mera resolução adotada em reunião de Ministros Assim a Comissão incorporouse à estrutura permanente da OEA tendo os Estados a obrigação de responder aos seus pedidos de informação bem como cumprir em boafé com suas recomendações pois essas eram fundadas na própria Carta da OEA agora reformada A Comissão é composta de sete comissários que são pessoas de alta autoridade moral e notório saber na área de direitos humanos indicados por Estados da OEA e eleitos em escrutínio secreto pela Assembleia da organização para mandato de quatro anos com a possibilidade de uma recondução Apesar da indicação governamental os membros da Comissão atuam a título pessoal ou seja devem desempenhar suas funções com independência com base em suas convicções pessoais sem se ater a considerações políticas ou nacionais Em 2017 a professora brasileira Flávia Piovesan foi escolhida pela Assembleia Geral dos Estados da OEA a partir de indicação do governo brasileiro para ser membro da Comissão IDH com seu mandato iniciandose em janeiro de 2018 Atualmente a OEA possui dois órgãos voltados à promoção de direitos humanos a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Conselho Interamericano para o Desenvolvimento Integral Incumbe à Comissão Interamericana de Direitos Humanos a tarefa principal de responsabilização dos Estados por descumprimento dos direitos civis e políticos expressos na Carta e na Declaração Americana Já o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral deve zelar pela observância dos chamados direitos econômicos sociais e culturais O próximo salto no desenvolvimento do sistema interamericano de proteção de direitos humanos foi a aprovação do texto da Convenção Americana de Direitos Humanos em São José Costa Rica em 1969 A Convenção entretanto só entrou em vigor em 1978 após ter obtido o mínimo de 11 ratificações Essa Convenção além de dotar a já existente Comissão Interamericana de Direitos Humanos de novas atribuições criou a Corte Interamericana de Direitos Humanos como o segundo órgão de supervisão do sistema interamericano de direitos humanos Em relação aos direitos protegidos a Convenção aprofundou a redação dos direitos enunciados na Declaração Americana vinculando os Estados a Declaração Americana era tida como um texto não vinculante por não ser um tratado propriamente dito A partir da entrada em vigor da Convenção a Comissão passou a ter papel dúplice Em primeiro lugar continuou a ser um órgão principal da OEA encarregado de zelar pelos direitos humanos de modo amplo incumbido até mesmo do processamento de petições individuais retratando violações de direitos humanos protegidos pela Carta da OEA e pela Declaração Americana Em segundo lugar a Comissão passou a ser também órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos analisando petições individuais e interpondo ação de responsabilidade internacional contra um Estado perante a Corte 224 Caso o Estado não tenha ratificado ainda a Convenção ou caso tenha ratificado mas não tenha reconhecido a jurisdição obrigatória da Corte a Comissão insere suas conclusões sobre a petição individual no seu Informe Anual que será apreciado pela Assembleia Geral da OEA Além da Convenção Americana de Direitos Humanos o sistema interamericano conta com diversos instrumentos internacionais que protegem direitos específicos O mais importante deles é sem dúvida o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Diretos Econômicos Sociais e Culturais Protocolo de San Salvador adotado em 1988 e ratificado pelo Brasil em 1996 Em uma região marcada por desigualdades sociais e pelo contraste entre a riqueza ostensiva de poucos e a miséria de milhões o Protocolo Adicional veio ao encontro da necessidade de aferir o cumprimento dos direitos sociais em sentido amplo pelo Estado Quanto aos demais instrumentos internacionais do sistema interamericano de direitos humanos citese entre outros a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir o Crime de Tortura adotada em 1985 e ratificada pelo Brasil em 1989 o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos relativo à Abolição da Pena de Morte adotado em 1990 e ratificado pelo Brasil em 1996 a Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher adotada em 1994 em Belém do Pará Brasil e ratificada pelo Brasil em 1995 e a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas adotada em 1994 e já ratificada pelo Brasil 2 Atuação específica da Organização dos Estados Americanos OEA 21 A OEA E A VALORIZAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA Entre as várias atuações específicas da OEA na área dos direitos humanos destacase a valorização do trabalho dos defensores públicos na promoção de direitos humanos Nesse sentido foi editada pela OEA a Resolução n 26562011 intitulada garantias de acesso à justiça o papel dos defensores públicos oficiais na qual se enfatizou a importância do trabalho realizado pelos defensores públicos oficiais em diversos países do Hemisfério na defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos que assegura o acesso de todas as pessoas à justiça sobretudo daquelas que se encontram em situação especial de vulnerabilidade A OEA recomendou pela resolução aos Estados como o Brasil que já disponham do serviço de assistência jurídica gratuita que adotem medidas garantindo aos defensores públicos oficiais independência e autonomia funcional Também incentivou os Estados membros que ainda não disponham da instituição da defensoria pública oficial o chamado modelo brasileiro que considerem a possibilidade de criála em seus ordenamentos jurídicos e ainda pugnou pela celebração de convênios para a capacitação e formação de defensores públicos oficiais Em 2012 a OEA editou a Resolução n 2714 de 2012 ressaltando a necessidade dos Estados americanos em assegurar o acesso à justiça bem como garantir a independência e autonomia funcional da Defensoria Pública Apesar de não possuírem força vinculante essas resoluções indicam a posição da OEA sobre as defensorias delineando o dever dos Estados de promover os direitos humanos por intermédio da adoção do modelo de defensoria pública oficial 22 OS RELATÓRIOS ANUAIS E RELATORIA PARA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO A Organização dos Estados Americanos criou ao longo dos anos Relatorias sobre temas de direitos humanos vinculadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos A mais importante dessas Relatorias é a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão criada em 1997 e com caráter permanente independência funcional e estrutura própria que inclusive conta com financiamento externo A criação dessa Relatoria permanente busca incentivar a plena liberdade de expressão e informação nas Américas direito essencial para o enraizamento da democracia em Estados de passado ditatorial recente a maior parte dos Estados americanos vivenciaram períodos longos de ditaduras no século XX Cabe à Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão 1 elaborar relatório anual sobre a situação da liberdade de expressão nas Américas e apresentálo à Comissão para apreciação e futura inclusão no Relatório Anual da Comissão IDH à Assembleia Geral da OEA 2 preparar relatórios temáticos 3 obter informações e realizar atividades de promoção e capacitação sobre a temática 4 acionar imediatamente a Comissão a respeito de situações urgentes para que estude a adoção de medidas cautelares ou solicite a adoção à Corte Interamericana de Direitos Humanos e 5 remeter informação à Comissão para instruir casos individuais relacionados com a liberdade de expressão Em síntese há as seguintes Relatorias da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA com ano de criação 225 a Relatoria sobre os direitos das mulheres 1994 b Relatoria sobre os direitos dos migrantes 1996 c Relatoria sobre os direitos da criança 1998 d Relatoria sobre os direitos de lésbicas gays bissexuais trans e intersexuais LGBTI 2011 e Relatoria sobre os direitos das pessoas privadas de liberdade 2004 f Relatoria sobre os direitos das pessoas afrodescendentes e contra a discriminação racial 2005 g Relatoria sobre os direitos dos povos indígenas 1990 h Relatoria sobre os defensores e defensoras de direitos humanos 2001 i Relatoria Especial sobre Liberdade de Expressão 1997 j Relatoria Especial sobre os direitos econômicos sociais e culturais 2012 k Unidade sobre memória verdade e justiça transformada em 2019 em Relatoria de Memória Verdade e Justiça l Unidade sobre direitos das pessoas com deficiência m Unidade sobre os direitos dos idosos As relatorias temáticas podem ser coordenadas por um Comissionado comissário ou mesmo por um especialista especialmente escolhido pela Comissão casos na atualidade da Relatoria Especial sobre Liberdade de Expressão e da Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais Cada comissionado comissário é também relator geográfico para determinado grupo de países membros da OEA Apesar de não possuírem força vinculante e serem considerados meras recomendações os relatórios temáticos são amplamente divulgados e podem servir para que a Comissão IDH venha a processar os Estados infratores perante a Corte IDH ver abaixo Por isso em 2011 o Equador sugeriu uma série de mudanças na Comissão IDH que atingem diretamente a Relatoria sobre liberdade de expressão Entre as mudanças pretendidas mas não adotadas em virtude de forte crítica de movimentos organizados de direitos humanos estava a eliminação dos relatórios temáticos com a elaboração de um relatório anual único da Comissão IDH que incorporaria as recomendações dos relatores 3 Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica A Convenção Americana de Direitos Humanos CADH ou Pacto de San José da Costa Rica foi adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos por ocasião da Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos de 22 de novembro de 1969 em São José na Costa Rica Entrou em vigor internacional somente em 18 de julho de 1978 conforme determinava o 2º de seu art 74 após ter obtido 11 ratificações Em 2019 a Convenção conta com 23 Estados partes 226 entre os 35 Estados independentes das Américas após a denúncia de Trinidad e Tobago 1998 e da Venezuela 2012 227 Em seu preâmbulo a Convenção ressalta o reconhecimento de que os direitos essenciais da pessoa humana derivam não da nacionalidade mas sim da sua condição humana o que justifica a proteção internacional de natureza convencional coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados O ideal do ser humano livre do temor e da miséria só pode ser realizado se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar não só dos seus direitos civis e políticos mas também dos seus direitos econômicos sociais e culturais O Brasil aderiu à Convenção em 9 de julho de 1992 depositou a carta de adesão em 25 de setembro de 1992 e a promulgou por meio do Decreto n 678 de 6 de novembro do mesmo ano O ato multilateral entrou em vigor para o Brasil em 25 de setembro de 1992 data do depósito de seu instrumento de ratificação art 74 2º A Convenção Americana é composta por 82 artigos divididos em três partes Parte I sobre os Deveres dos Estados e Direitos Protegidos a Parte II sobre os Meios de Proteção e a Parte III sobre as Disposições Gerais e Transitórias A Parte I portanto enuncia os deveres impostos aos Estados Partes por meio da Convenção e os direitos por ela protegidos O Capítulo I enumera os deveres dos Estados respeitar os direitos e garantilos adotando disposições protetivas de direito interno O primeiro dos deveres portanto é a obrigação de respeitar os direitos e as liberdades reconhecidos na Convenção e de garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição sem discriminação alguma por motivo de raça cor sexo idioma religião opiniões políticas ou de qualquer outra natureza origem nacional ou social posição econômica nascimento ou qualquer outra condição social art 1º Explicitase nesse ponto que para efeitos da Convenção pessoa é todo ser humano O segundo dos deveres enunciados é o de adotar disposições de direito interno medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades caso o seu exercício ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza art 2º O Capítulo II enuncia os direitos civis e políticos garantidos pela Convenção Devese observar que a Convenção conferiu ênfase a tais direitos apresentando um largo rol de direitos civis e políticos protegidos e explicitando situações decorrentes de sua proteção O art 3º inicia o rol anunciando o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica conferido a toda pessoa O art 4º por sua vez reconhece o direito à vida Nesse sentido expõese que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida o qual deve ser protegido por lei e em geral desde o momento da concepção Assim ninguém pode ser privado de sua vida arbitrariamente A possibilidade de autorização legal de hipóteses de aborto ou eutanásia não foi vedada pela Convenção mas deve ser regrado de modo fundamentado como exceção à proteção geral da vida desde a concepção Como decorrência do reconhecimento do direito à vida a Convenção dispõe que nos países em que a pena de morte não tiver sido abolida esta poderá ser imposta apenas para delitos mais graves após a sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena promulgada antes de haver o delito sido cometido A pena de morte não poderá ter sua aplicação estendida aos delitos aos quais não se aplique no momento da ratificação do tratado e nos Estados Partes que a tenham abolido não poderá ser restabelecida Em nenhum caso poderá ser aplicada a delitos políticos ou a delitos comuns conexos com políticos Ademais a Convenção determina que não se deve impor a pena de morte a pessoa que no momento do cometimento do delito for menor de 18 anos ou maior de 70 nem se pode aplicála a mulher grávida Finalmente garantese que toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia indulto ou comutação da pena os quais podem ser concedidos em todos os casos Enquanto tal pedido estiver pendente de decisão perante a autoridade competente a pena de morte não pode ser executada O art 5º dispõe sobre o direito à integridade pessoal Nesse sentido enunciase que toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física psíquica e moral não podendo qualquer pessoa ser submetida a torturas nem a penas ou tratos cruéis desumanos ou degradantes Como decorrência desse direito a Convenção determina que toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano e que a pena não pode passar da pessoa do delinquente Ademais os processados devem ficar separados dos condenados salvo em circunstâncias excepcionais devendo ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas e os menores devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado com a maior rapidez possível para seu tratamento Finalmente o art 5º determina que as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a ressocialização dos condenados No art 6º a Convenção veda a submissão de qualquer pessoa a escravidão ou servidão que são proibidas em todas as suas formas assim como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres Ademais ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório Entretanto nos países em que se prevê a pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados essa disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o cumprimento dessa pena imposta por um juiz ou tribunal competente De qualquer forma o trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso A Convenção explicita as situações que não podem ser consideradas como trabalhos forçados ou obrigatórios serviço militar e nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência qualquer serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele serviço exigido em casos de perigo ou de calamidade que ameacem a existência ou o bemestar da comunidade trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais Além disso os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente não podem ser considerados como trabalhos forçados ou obrigatórios mas devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado No art 7º garantese que toda pessoa tem direito à liberdade e segurança pessoais Nesse sentido a Convenção prevê que ninguém pode ser privado de sua liberdade física salvo por causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições dos Estados ou pelas leis conformes com elas Ademais ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários e toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada sem demora da acusação ou das acusações formuladas contra ela A pessoa nessas condições deve também ser conduzida sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade sem prejuízo de que prossiga o processo 228 Entretanto sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo A Convenção garante ainda a toda pessoa privada da liberdade o direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sem demora sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e de que se ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais Nos Estados Partes que contemplem a previsão de que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente este recurso não pode ser restringido nem abolido e poderá ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa Finalmente como decorrência do direito à liberdade e segurança pessoais o art 7º estabelece que ninguém deve ser detido por dívidas salvo os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar Observese que essa disposição da Convenção foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro por ocasião da decisão sobre a impossibilidade de prisão civil por dívidas do depositário infiel 229 hipótese viabilizada pela Constituição brasileira art 5º LXVII mas não prevista na Convenção Americana O STF decidiu que a subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel HC 87585 rel Min Marco Aurélio j 3122008 Plenário DJe de 2662009 O art 8º por sua vez enuncia as garantias judiciais contempladas pela Convenção Assim garantese a toda pessoa o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou Tribunal competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra natureza Toda pessoa acusada de um delito tem também o direito à presunção de inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa Ademais toda pessoa tem direito durante o processo de ser assistida gratuitamente por um tradutor ou intérprete caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada direito de lhe serem concedidos o tempo e os meios necessários à preparação da defesa direito de defenderse pessoalmente ou de ser assistida por um defensor de sua escolha e de comunicarse livremente e em particular com seu defensor direito de ser assistida por um defensor proporcionado pelo Estado remunerado ou não segundo a legislação interna se acusada não se defender ela própria nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento como testemunhas ou peritos de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos direito de não ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessarse culpada e direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior O direito ao duplo grau de jurisdição previsto no Pacto de San José não é pleno no Brasil pois a própria Constituição de 1988 prevê casos de competência criminal originária de Tribunais cujas decisões não podem ser questionadas por recursos de cognição ampla Isso sem contar os casos de competência original criminal do próprio STF cujas decisões não podem ser questionadas de qualquer forma perante outro Tribunal doméstico Para o STF se bem é verdade que existe uma garantia ao duplo grau de jurisdição por força do Pacto de São José também é fato que tal garantia não é absoluta e encontra exceções na própria Carta AI 601832AgR voto do rel Min Joaquim Barbosa j 1732009 Segunda Turma DJe de 34 2009 Garantese também que a confissão do acusado só será válida se feita sem coação de nenhuma natureza e que o acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos Finalmente a Convenção estabelece que o processo penal deve ser público salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça No art 9º garantese o princípio da legalidade e da retroatividade da lei penal benéfica Assim a Convenção estabelece que ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que no momento em que foram cometidos não constituam delito de acordo com o direito aplicável Ademais não se pode impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito e se após o cometimento do delito a lei estabelecer a imposição de pena mais leve o indivíduo será beneficiado O art 10 determina que toda pessoa tem direito a ser indenizada por erro judiciário conforme a lei no caso de haver sido condenada em sentença transitada em julgado O art 11 por sua vez voltase ao direito à proteção da honra e da dignidade Assim a Convenção reconhece que toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade de forma que ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação Nesse sentido garantese também o direito de toda pessoa à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas Já o art 12 garante a liberdade de consciência e de religião a toda pessoa A Convenção explicita que esse direito implica a liberdade de conservar ou mudar sua religião ou suas crenças bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças individual ou coletivamente tanto em público como privadamente Nesse sentido não se pode submeter qualquer pessoa a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças ou de mudálas e os pais e quando for o caso os tutores têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções Essa liberdade pode ficar sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança a ordem a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas O art 13 contempla o direito de toda pessoa à liberdade de pensamento e de expressão que inclui a liberdade de procurar receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza sem considerações de fronteiras verbalmente ou por escrito ou em forma impressa ou artística ou por qualquer meio de sua escolha Pela Convenção esse direito não pode estar sujeito à censura prévia mas a responsabilidades ulteriores que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas e a proteção da segurança nacional da ordem pública ou da saúde ou da moral públicas Também não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões De outro lado a lei poderá submeter os espetáculos públicos a censura prévia com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles para proteção moral da infância e da adolescência e deverá proibir toda propaganda a favor da guerra bem como toda apologia ao ódio nacional racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação à hostilidade ao crime ou à violência Observese que a manifestação da Corte Interamericana de Direitos Humanos órgão judicial criado pelo próprio Pacto de San José sobre esse dispositivo da Convenção foi utilizada pelos Ministros do STF como fundamento para declarar não recepcionada pela Constituição de 1988 a exigência de diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista Na ementa do RE 511961 rel Min Gilmar Mendes j 1762009 Plenário DJe de 13112009 sintetizouse o fundamento A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão no dia 13 de novembro de 1985 declarando que a obrigatoriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da profissão de jornalista viola o art 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos que protege a liberdade de expressão em sentido amplo caso La colegiación obligatoria de periodistas Opinião Consultiva OC585 de 13 de novembro de 1985 230 O art 14 por sua vez versa sobre o direito de retificação ou resposta Assim explicitase que toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral tem direito a fazer pelo mesmo órgão de difusão sua retificação ou resposta nas condições que estabeleça a lei Tal retificação ou resposta não exime em nenhum caso de outras responsabilidades legais em que se houver incorrido Ademais para garantir a efetiva proteção da honra e da reputação a Convenção determina que toda publicação ou empresa jornalística cinematográfica de rádio ou televisão deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial No art 15 reconhecese o direito de reunião pacífica e sem armas cujo exercício só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias em uma sociedade democrática ao interesse da segurança nacional da segurança ou ordem públicas ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas O art 16 versa sobre a liberdade de associação Assim garantese a todas as pessoas o direito de associarse livremente com fins ideológicos religiosos políticos econômicos trabalhistas sociais culturais desportivos ou de qualquer outra natureza Restrições a esse direito também devem estar previstas em lei e somente podem ser impostas se forem necessárias em uma sociedade democrática ao interesse da segurança nacional da segurança e da ordem públicas ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas Entretanto tal disposição não impede a imposição de restrições legais ou a privação do exercício do direito de associação aos membros das forças armadas e da polícia No art 17 a Convenção cuida da proteção da família apresentandoa como o núcleo natural e fundamental da sociedade que deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado Reconhecese o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de constituírem uma família se tiverem a idade e as condições para tanto exigidas pelas leis internas na medida em que não afetem estas o princípio da não discriminação estabelecido na Convenção A Convenção prevê também que o casamento não pode ser celebrado sem o consentimento livre e pleno dos contraentes e que a lei deve reconhecer iguais direitos tanto aos filhos nascidos fora do casamento como aos nascidos dentro do casamento Por meio da Convenção os Estados se comprometem a adotar as medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e a adequada equivalência de responsabilidades dos cônjuges quanto ao casamento durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução e neste caso devem ser adotadas disposições que assegurem a proteção necessária aos filhos com base unicamente no interesse e conveniência deles A Convenção garante ainda que toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes devendo a lei regular a forma de assegurar a todos esse direito ainda que mediante nomes fictícios se for necessário art 18 O art 19 por sua vez busca assegurar que toda criança tenha direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família da sociedade e do Estado No art 20 garantese a toda pessoa o direito a uma nacionalidade O direito à nacionalidade do Estado é garantido a toda pessoa em cujo território houver nascido se não tiver direito a outra não se podendo privar arbitrariamente qualquer pessoa de sua nacionalidade nem do direito de mudála Ressaltese que o Pacto de San José é ousado ao dispor que o Estado Parte deve dar a sua nacionalidade a quem tiver nascido no seu território caso a pessoa não tiver direito a outra eliminase assim a condição de apátrida O art 21 assegura o direito à propriedade privada Nesse sentido toda pessoa tem o direito ao uso e gozo de seus bens mas a lei pode subordinálos ao interesse social A Convenção assegura que ninguém poderá ser privado de seus bens salvo mediante o pagamento de indenização justa por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei Ademais a usura ou qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei O art 22 por sua vez garante o direito de circulação e de residência Assim toda pessoa que se encontre legalmente no território de um Estado tem o direito de nele livremente circular e de nele residir em conformidade com as disposições legais bem como o direito de sair livremente de qualquer país inclusive do seu próprio O exercício desses direitos não pode ser restringido senão em virtude de lei na medida indispensável em uma sociedade democrática para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional a segurança ou a ordem pública a moral ou a saúde públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas Ademais restrições também podem ser feitas pela lei em zonas determinadas por motivo de interesse público A Convenção determina que ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional nem ser privado do direito de nele entrar Ademais determina que o estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estado Parte só poderá ser expulso dele em decorrência de decisão adotada em conformidade com a lei Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país seja ou não de origem onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça nacionalidade religião condição social ou de suas opiniões políticas consagrando o princípio do nonrefoulement na Convenção Americana de Direitos Humanos Ademais proíbese a expulsão coletiva de estrangeiros A Convenção garante ainda que toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos de acordo com a legislação de cada Estado e com as Convenções internacionais No art 23 são garantidos os direitos políticos Assim a Convenção estabelece que todos os cidadãos devem gozar dos direitos e oportunidades de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos de votar e ser eleito em eleições periódicas autênticas realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores e de ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país O exercício de tais direitos e oportunidades pode ser regulado por lei exclusivamente por motivo de idade nacionalidade residência idioma instrução capacidade civil ou mental ou condenação por juiz competente em processo penal 231 No art 24 a Convenção garante o direito à igualdade perante a lei de forma que todas as pessoas têm direito sem discriminação alguma a igual proteção da lei O art 25 versa sobre a proteção judicial Assim garantese que toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo perante os juízes ou tribunais competentes que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição pela lei ou pela Convenção mesmo quando a violação for cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais Para tanto os Estados assumem o compromisso de assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso de desenvolver as possibilidades de recurso judicial e de assegurar o cumprimento pelas autoridades competentes de toda decisão em que se tenha julgado procedente o recurso O Capítulo III composto apenas pelo art 26 versa sobre os direitos econômicos sociais e culturais mencionando o compromisso dos Estados Partes de adotar providências tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional para alcançar progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas sociais e sobre educação ciência e cultura constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos na medida dos recursos disponíveis por via legislativa ou por outros meios apropriados A Convenção redigida em 1969 deu ênfase à implementação dos direitos civis e políticos apenas mencionando o vago compromisso dos Estados com o desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos sociais e culturais Posteriormente esses direitos foram objeto do Protocolo de San Salvador Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1988 quase vinte anos depois do Pacto de San José Já o Capítulo IV arts 27 a 29 cuida da suspensão interpretação e aplicação da Convenção O art 27 dispõe ser possível ao Estado Parte suspender as obrigações assumidas em virtude da Convenção em caso de guerra de perigo público ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado e desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações impostas pelo Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça cor sexo idioma religião ou origem social Todo Estado que fizer uso desse direito de suspensão deve comunicar imediatamente por meio do SecretárioGeral da OEA aos outros Estados Partes na Convenção sobre as disposições cuja aplicação foi suspensa os motivos determinantes da suspensão e a data em que foi finalizada Observese que essa autorização não permite a suspensão dos seguintes direitos direito ao reconhecimento da personalidade jurídica direito à vida direito à integridade pessoal proibição da escravidão e da servidão princípio da legalidade e da retroatividade liberdade de consciência e religião proteção da família direito ao nome direitos da criança direito à nacionalidade e direitos políticos nem permite a suspensão das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos O art 28 disciplina a chamada cláusula federal quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado Federal o governo nacional deve cumprir todas as disposições da Convenção relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial Para as disposições relativas a matérias cuja competência é atribuída a entidades componentes da federação o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinentes em conformidade com sua Constituição e com suas leis para que as autoridades competentes de tais entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento da Convenção A Corte Interamericana de Direitos Humanos interpretou restritivamente esse dispositivo que não exonera o Estado Federal de cumprir a Convenção em todo o seu território No caso brasileiro não poderia o Brasil alegar não ter responsabilidade sobre um ato de um Estadomembro ou município da Federação brasileira É o Estado como um todo que possui personalidade jurídica de Direito Internacional não podendo como é óbvio alegar óbice de direito interno para se eximir de sua responsabilidade Corte Interamericana de Direitos Humanos Parecer Consultivo sobre o direito à informação sobre a assistência consular em relação às garantias do devido processo legal Parecer Consultivo n 1699 de 1º101999 Série A n 16 O art 29 traz as normas de interpretação Determina que nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada para permitir a qualquer dos Estados grupo ou indivíduo suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá los em maior medida do que a nela prevista Ademais a interpretação não pode limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados não pode excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo e não pode excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza Consagrase nesse dispositivo o princípio da norma mais favorável ao indivíduo ou seja entre duas normas não importando a origem se nacional ou internacional cabe ao intérprete adotar a norma mais protetiva ao indivíduo veja acima a impossibilidade de invocação desse princípio na atualidade de colisão de direitos O art 30 por sua vez dispõe sobre o alcance das restrições ao gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos da Convenção Nesse sentido determinase que as restrições permitidas de acordo com a Convenção não podem ser aplicadas senão de acordo com leis que forem promulgadas por motivo de interesse geral e com o propósito para o qual houverem sido estabelecidas O art 31 enfim dispõe que outros direitos e liberdades reconhecidos de acordo com os processos estabelecidos nos arts 69 e 70 podem ser incluídos no regime de proteção da Convenção O Capítulo V composto pelo art 32 cuida da correlação entre direitos e deveres Assim dispõe que toda pessoa tem deveres para com a família a comunidade e a humanidade e os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum em uma sociedade democrática Fica patente aqui a adoção da dupla dimensão dos direitos humanos dimensão subjetiva e dimensão objetiva conforme já visto acima na Parte I desta obra Na Parte II a Convenção Americana prevê os meios de proteção O Capítulo VI composto apenas pelo art 33 prevê os órgãos competentes para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados Partes na Convenção a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos Observese que a Corte Interamericana foi criada pela Convenção mas a Comissão Interamericana já existia como visto acima Dessa forma a Convenção apenas ampliou suas atribuições O Capítulo VII arts 34 a 51 estabelece a organização as funções a competência da Comissão determinando também como deve ser conduzido o processo em seu âmbito Com a Convenção a Comissão passou a ter um papel dúplice órgão principal da OEA encarregado de zelar pelos direitos humanos e órgão da Convenção Americana A atuação da Comissão é idêntica nos dois âmbitos Entretanto apenas no âmbito da Convenção há possibilidade de processar o Estado infrator perante a Corte IDH Observese que o Governo brasileiro ao depositar a carta de adesão à Convenção Americana fez a declaração interpretativa de que os arts 43 e 48 alínea d não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos as quais dependerão da anuência expressa do Estado 232 Assim caso a Comissão queira fazer visitas ao território brasileiro deve obter a anuência prévia do nosso governo O Capítulo VIII arts 52 a 69 por sua vez determina a organização a competência as funções e o processo da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH cuja sede é em San José da Costa Rica sendo por isso denominada Corte de San José 233 O Capítulo IX finalmente apresenta as disposições comuns a ambas que dizem respeito aos juízes e membros da Corte gozo das mesmas imunidades reconhecidas aos agentes diplomáticos pelo Direito Internacional privilégios diplomáticos impossibilidade de responsabilização por votos ou opiniões no exercício da função incompatibilidade com atividades que possam afetar independência e imparcialidade recebimento de honorários e despesas de viagem e sanções aplicáveis Por fim a Parte III contempla as disposições gerais e transitórias O Capítulo X arts 74 a 78 versa sobre assinatura ratificação reserva emenda e denúncia A denúncia consiste no ato unilateral do Estado pelo qual é manifestada sua vontade de não mais vincularse a determinado tratado A denúncia ao Pacto de San José é prevista no art 78 pelo qual o Estado deve conceder o aviso prévio de um ano notificando o SecretárioGeral da Organização o qual deve informar as outras partes Nesse ano de aviso prévio o Estado deve cumprir normalmente seus deveres de proteção de direitos humanos estando ainda obrigado a obedecer as determinações da Corte IDH a respeito das violações cometidas por ele anteriormente à data na qual a denúncia produzir efeito Assim é possível que a Corte IDH ainda julgue casos contra a Venezuela que denunciou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 2012 caso os fatos estejam abrangidos pelo período no qual a Venezuela era parte e reconhecia a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte acrescido do ano de aviso prévio Já o Capítulo XI arts 79 a 82 divididos em duas seções versa sobre as disposições transitórias que tinham por fim permitir que com a entrada em vigor da Convenção fossem apresentados e eleitos os membros da Comissão e os juízes da Corte QUADRO SINÓTICO Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica Aprofundou a redação dos direitos enunciados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem mas vinculando os Estados Principais direitos protegidos DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica Direito à vida o que incluiu a impossibilidade de restabelecimento da pena de morte para os países que a aboliram Direito à integridade pessoal integridade física psíquica e moral Proibição da escravidão e da servidão Direito à liberdade e à segurança pessoais Garantias judiciais direito de ser ouvido por tribunal competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei presunção de inocência direito de tempo e meios necessários para a defesa direito de ser assistido por defensor direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo direito de recorrer a tribunal superior dentre outros Princípio da legalidade e da retroatividade Direito à indenização por erro judiciário Proteção da honra e da dignidade Liberdade de consciência e de religião Liberdade de pensamento e de expressão Direito de retificação ou resposta Direito de reunião Liberdade de associação Proteção da família Direito ao nome Direitos da criança Direito à nacionalidade Direito à propriedade privada Direito de circulação e de residência Direitos políticos Igualdade perante a lei Proteção judicial DIREITOS ECONÔMICOS SOCIAIS E CULTURAIS mencionase apenas o compromisso dos Estados Partes com seu desenvolvimento progressivo Posteriormente foi o Protocolo de San Salvador que versou sobre esses direitos Meios de proteção Comissão Interamericana de Direitos Humanos observação possui papel dúplice no sistema interamericano órgão da OEA e órgão da Convenção Americana sede em Washington sede da OEA Corte Interamericana de Direitos Humanos sede em San José da Costa Rica também chamada Corte de San José 4 Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos sociais e culturais Protocolo de San Salvador O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais conhecido como Protocolo de San Salvador foi adotado pela Assembleia Geral da OEA em 17 de novembro de 1988 em São Salvador El Salvador sendo voltado aos direitos econômicos sociais e culturais garantidos no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos O Protocolo possui em 2019 16 Estados partes entre os 35 Estados independentes das Américas O Congresso Nacional brasileiro aprovou o ato por meio do Decreto Legislativo n 56 de 19 de abril de 1995 O Brasil aderiu ao Protocolo em 8 de agosto de 1996 e o ratificou em 21 de agosto de 1996 entrando o ato em vigor para o Brasil em 16 de novembro de 1999 Finalmente deuse a promulgação por meio do Decreto n 3321 de 30 de dezembro de 1999 Em seu preâmbulo o Protocolo ressalta a estreita relação existente entre os direitos econômicos sociais e culturais os direitos civis e políticos uma vez que as diferentes categorias de direito constituem um todo indissolúvel que protege a dignidade humana As duas categorias de direitos exigem uma tutela e promoção permanentes com o objetivo de conseguir sua vigência plena sem que jamais possa ser justificável a violação de uns a pretexto da realização de outros O Protocolo é composto por 22 artigos não divididos expressamente em seções mas que podem ser assim classificados i obrigações dos Estados arts 1º a 3º ii restrições permitidas e proibidas e seu alcance arts 4º e 5º iii direitos protegidos arts 6º a 18 iv meios de proteção art 19 disposições finais arts 20 a 22 No art 1º o Protocolo estabelece a obrigação de adotar medidas necessárias de ordem interna ou por meio de cooperação entre os Estados até o máximo dos recursos disponíveis e levando em conta o grau de desenvolvimento do Estado a fim de conseguir progressivamente e de acordo com a legislação interna a plena efetividade dos direitos nele reconhecidos No art 2º determinase ainda a obrigação de os Estados Partes adotarem as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos esses direitos Vêse o linguajar tímido que permite ao Estado implementar os direitos sociais previstos no Protocolo de maneira lenta e progressiva Por sua vez o art 3º fixa a obrigação de não discriminação ou seja os Estados se comprometem a garantir o exercício dos direitos enunciados no Pacto sem discriminação alguma por motivo de raça cor sexo idioma religião opiniões políticas ou de qualquer outra natureza origem nacional ou social posição econômica nascimento ou qualquer outra condição social O art 4º ressalta que não se admite restrição ou limitação de qualquer dos direitos reconhecidos ou vigentes em um Estado em virtude de sua legislação interna ou de convenções internacionais sob pretexto de que o Protocolo não os reconhece ou os reconhece em menor grau Novamente fica aqui consagrado o princípio da norma mais favorável ao indivíduo Restrições ou limitações ao gozo ou ao exercício dos direitos estabelecidos no Protocolo só poderão ser estabelecidas mediante leis promulgadas que tenham por objetivo a preservação do bemestar geral da sociedade democrática na medida em que não contrariem o propósito e razão dos mesmos art 5º A partir do art 6º o Protocolo passa a enunciar os direitos nele protegidos O primeiro deles é o direito de toda pessoa ao trabalho que inclui a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita livremente escolhida ou aceita art 6º Nesse sentido os Estados se comprometem a adotar medidas que garantam a plena efetividade desse direito especialmente quanto à consecução do pleno emprego à orientação vocacional e ao desenvolvimento de projetos de treinamento técnico profissional particularmente os destinados às pessoas com deficiência Comprometemse ainda a executar e fortalecer programas que auxiliem o adequado atendimento da família para que se possa dar à mulher a real possibilidade de exercer esse direito Os Estados devem ainda reconhecer que esse direito pressupõe que toda pessoa goze do mesmo em condições justas equitativas e satisfatórias no trabalho art 7º Nesse sentido os Estados devem garantir em sua legislação nacional uma remuneração que assegure no mínimo a todos os trabalhadores condições de subsistência digna e um salário equitativo e igual por trabalho idêntico sem nenhuma distinção Devem assegurar ainda o direito de todo trabalhador de seguir sua vocação de dedicarse à atividade que melhor atenda a suas expectativas e de trocar de emprego de acordo com a respectiva regulamentação nacional Ainda devem assegurar o direito do trabalhador à promoção ou avanço no trabalho à segurança e higiene ao repouso ao gozo do tempo livre a férias remuneradas a remuneração nos feriados nacionais e a limitação razoável das horas de trabalho que deverão ser ainda mais reduzidas quando se tratar de trabalhos perigosos insalubres ou noturnos Devem também garantir a estabilidade no emprego de acordo com as características das profissões e nos casos de demissão injustificada o direito a indenização ou a readmissão no emprego ou outras prestações previstas pela legislação nacional Finalmente devem proibir o trabalho noturno ou em atividades insalubres e perigosas para os menores de 18 anos e em geral todo trabalho que possa pôr em perigo sua saúde segurança ou moral Se se tratar de menores de 16 anos a jornada de trabalho deve subordinarse às disposições sobre ensino obrigatório e em nenhum caso pode constituir impedimento à assistência escolar ou limitação para beneficiarse da instrução recebida O art 8º versa sobre os direitos sindicais Assim os Estados devem garantir o direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiarse ao de sua escolha para proteger e promover seus interesses de outro lado ninguém poderá ser obrigado a pertencer a um sindicato Devem também permitir que os sindicatos formem federações e confederações nacionais que se associem aos já existentes bem como que formem organizações sindicais internacionais e que se associem à de sua escolha e ainda que funcionem livremente Garantese também o direito de greve Limitações e restrições a tais direitos seguem as condições abaixo expostas a devem estar previstas somente em lei b devem ser apenas aquelas próprias a uma sociedade democrática e necessárias para salvaguardar i a ordem pública e ii proteger a saúde ou a iii moral pública e os iv direitos ou liberdades dos demais c ademais os membros das forças armadas da polícia e de outros serviços públicos essenciais estarão sujeitos às limitações e restrições impostas pela lei Nessa linha o STF reconheceu com repercussão geral que o exercício do direito de greve sob qualquer forma ou modalidade é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública Por outro lado o STF reconheceu que é obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública nos termos do art 165 do CPC 234 para vocalização dos interesses da categoria STF Recurso Extraordinário com Agravo n 654432 rel para o acórdão Min Alexandre de Moraes j 542017 O art 9º estabelece o direito à previdência social para proteção quanto a consequências da velhice e da incapacitação que impossibilite a pessoa física ou mentalmente de obter os meios de vida digna e decorosa No caso de morte do beneficiário estabelecese que as prestações da previdência social beneficiarão seus dependentes Para as pessoas em atividade esse direito deve abranger pelo menos o atendimento médico e o subsídio ou pensão em casos de acidentes de trabalho ou de doença profissional e quando se tratar da mulher licença remunerada para a gestante antes e depois do parto O art 10 por sua vez garante o direito à saúde a toda pessoa entendendoa como o gozo do mais alto nível de bemestar físico mental e social Para tornálo efetivo o Protocolo determina que os Estados o reconheçam como bem público adotando medidas para garantilo atendimento primário de saúde assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado imunização total contra as principais doenças infecciosas prevenção e tratamento das doenças endêmicas profissionais e de outra natureza educação sobre a prevenção e o tratamento dos problemas de saúde e finalmente satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que por suas condições de pobreza sejam mais vulneráveis O Protocolo prevê ainda o direito de toda pessoa a um meio ambiente sadio e de contar com os serviços públicos básicos art 11 Os Estados de outro lado devem promover a proteção a preservação e o melhoramento do meio ambiente O próximo direito garantido é o direito à alimentação devendose garantir a toda pessoa uma nutrição adequada que assegure a possibilidade de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico emocional e intelectual Para tornálo efetivo e eliminar a desnutrição os Estados se comprometem pelo Protocolo a aperfeiçoar os métodos de produção abastecimento e distribuição de alimentos e a promover maior cooperação internacional com vistas a apoiar as políticas nacionais sobre o tema O art 13 por sua vez garante a toda pessoa o direito à educação Por meio do Protocolo os Estados convêm em que a educação deve orientarse para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e no sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos pelo pluralismo ideológico pelas liberdades fundamentais pela justiça e pela paz capacitando todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista para conseguir uma subsistência digna para favorecer a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais étnicos ou religiosos e para promover as atividades em prol da manutenção da paz Para alcançar o pleno exercício do direito à educação por meio do Protocolo os Estados reconhecem que o ensino de primeiro grau deve ser obrigatório e acessível a todos gratuitamente que o ensino de segundo grau deve ser generalizado e tornarse acessível a todos pelos meios que forem apropriados e especialmente pela implantação progressiva do ensino gratuito e que o ensino superior deve tornarse igualmente acessível a todos de acordo com a capacidade de cada um pelos meios apropriados e especialmente pela implantação progressiva do ensino gratuito Os Estados reconhecem ainda que se deve promover ou intensificar na medida do possível o ensino básico para as pessoas que não tiverem recebido ou terminado o ciclo completo de instrução do primeiro grau e que devem ser estabelecidos programas de ensino diferenciado para as pessoas com deficiência com a finalidade de proporcionar instrução e a formação dessas pessoas O Protocolo prevê ainda que os pais terão direito a escolher o tipo de educação a ser dada aos seus filhos de acordo com a legislação interna dos Estados Partes e desde que esteja de acordo com aqueles princípios Ademais estabelece que nenhuma de suas disposições pode ser interpretada como restrição da liberdade dos particulares e entidades de estabelecer e dirigir instituições de ensino de acordo com a legislação interna dos Estados O art 14 cuida dos direitos culturais Assim os Estados Partes pelo Protocolo reconhecem o direito de toda pessoa de participar na vida cultural e artística da comunidade de gozar dos benefícios do progresso científico e tecnológico e de beneficiarse da proteção dos interesses morais e materiais que lhe caibam em virtude das produções científicas literárias ou artísticas de que for autora Dentre as medidas adotadas pelo Estado para assegurar esse direito devem figurar as necessárias para a conservação desenvolvimento e divulgação da ciência da cultura e da arte O Protocolo ainda enuncia que os Estados se comprometem a respeitar a liberdade indispensável para a pesquisa científica e atividade criadora Ademais prevê que os Estados reconhecem os benefícios que decorrem da promoção e desenvolvimento da cooperação e das relações internacionais em assuntos científicos artísticos e culturais comprometendose assim a propiciar maior cooperação internacional nesse campo O art 15 por sua vez versa sobre o direito à constituição e proteção da família Enunciase assim que a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pelo Estado que deverá velar pelo melhoramento de sua situação moral e material Garante se nesse sentido o direito de toda pessoa de constituir família o qual deve ser exercido de acordo com as disposições da legislação interna Finalmente o Protocolo determina que os Estados Partes se comprometam a proporcionar adequada proteção ao grupo familiar especialmente dispensando atenção e assistência especiais à mãe por um período razoável antes e depois do parto garantindo às crianças alimentação adequada tanto no período de lactação quanto na idade escolar adotando medidas especiais de proteção dos adolescentes a fim de assegurar o pleno amadurecimento de suas capacidades físicas intelectuais e morais e finalmente executando programas especiais de formação familiar a fim de contribuir para a criação de um ambiente estável e positivo em que as crianças percebam e desenvolvam os valores de compreensão solidariedade respeito e responsabilidade A partir do art 16 o Protocolo passa a apresentar os direitos garantidos em seu âmbito a grupos vulneráveis O art 16 cuida do direito das crianças Nesse sentido prevê que toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer por parte de sua família da sociedade e do Estado e tem direito de crescer ao amparo e sob a responsabilidade de seus pais salvo em circunstâncias excepcionais reconhecidas judicialmente A criança de tenra idade não deve ser separada de sua mãe Ademais prevêse que toda criança tem direito à educação gratuita e obrigatória pelo menos no nível básico e a continuar sua formação em níveis mais elevados do sistema educacional No art 17 o Protocolo versa sobre a proteção das pessoas idosas garantindo o direito de que toda pessoa tenha proteção especial na velhice Assim a obrigação de realizar progressivamente uma série de medidas é atribuída ao Estado Parte que deve proporcionar instalações adequadas bem como alimentação e assistência médica especializada a idosos que careçam dela e não estejam em condições de provêlas por meios próprios executar programas de trabalho destinados a dar a pessoas idosas a possibilidade de realizar atividade produtiva adequada às suas capacidades e respeitando sua vocação ou desejos e por fim promover a formação de organizações sociais destinadas a melhorar a qualidade da vida das pessoas idosas Finalmente o art 18 versa sobre a proteção das pessoas com deficiência Nesse sentido garantese que toda pessoa afetada por diminuição de suas capacidades físicas e mentais tem direito a receber atenção especial com a finalidade de permitir que alcance máximo desenvolvimento de sua personalidade Os Estados assim comprometemse a adotar medidas para proporcionar aos deficientes os recursos e o ambiente necessário para alcançar esse objetivo inclusive programas trabalhistas adequados a suas possibilidades e que deverão ser livremente aceitos por eles ou se for o caso por seus representantes legais proporcionar formação especial às famílias dos deficientes para que possam ajudálos a resolver os problemas de convivência e convertêlos em elementos atuantes no desenvolvimento físico mental e emocional destes incluir em seus planos de desenvolvimento urbano de maneira prioritária a consideração de soluções para os requisitos específicos decorrentes das necessidades das pessoas com deficiência e por fim promover a formação de organizações sociais nas quais as pessoas com deficiência possam desenvolver uma vida plena No art 19 o Protocolo cuida dos meios de proteção relatórios periódicos e em certos casos possibilidade de petição das vítimas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos Assim os Estados se comprometem a apresentar ao SecretárioGeral da OEA relatórios periódicos sobre as medidas progressivas que tiverem adotado a fim de assegurar o respeito dos direitos consagrados no Protocolo O SecretárioGeral deve transmitilos ao Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral para que possa examinálos e deve enviar cópia desses relatórios à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e aos organismos especializados do Sistema Interamericano dos quais sejam membros os Estados Partes no Protocolo à medida que tenham relação com matérias que sejam da competência de tais organismos de acordo com seus instrumentos constitutivos Os relatórios anuais que o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral apresenta à Assembleia Geral devem conter um resumo da informação recebida dos Estados Partes e dos organismos especializados sobre as medidas progressivas adotadas a fim de assegurar o respeito dos direitos reconhecidos no Protocolo e as recomendações de caráter geral que considerarem pertinentes Se os direitos sindicais excetuado o direito de greve e o direito à educação forem violados por ação imputável a Estado Parte do Protocolo é possível a utilização do sistema de petições individuais regulado pelos arts 44 a 51 e 61 a 69 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que caso entender cabível pode acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos processando o Estado faltoso ver o mecanismo de acionamento da Corte IDH abaixo Sem prejuízo disso a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pode formular observações e recomendações que considerar pertinentes sobre a situação dos direitos econômicos sociais e culturais nos Estados Partes podendo incluílas no Relatório Anual à Assembleia Geral ou num relatório especial conforme considerar mais apropriado O Protocolo estabelece ainda que o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos devem levar em conta natureza progressiva da vigência dos direitos protegidos no Protocolo Finalmente o art 20 estabelece a possibilidade de formulação de reservas e o art 21 versa sobre assinatura ratificação adesão e entrada em vigor O art 22 cuida da possibilidade de apresentação de propostas de emendas para incorporação de outros direitos e ampliação dos reconhecidos QUADRO SINÓTICO Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Protocolo de San Salvador Aprofunda os direitos econômicos sociais e culturais protegidos no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos Principais direitos protegidos Direito ao trabalho Direito de gozar do direito ao trabalho em condições justas equitativas e satisfatórias incluindo direito à promoção ou avanço no trabalho direito à segurança e higiene direito a repouso direito a férias remuneradas direito a limitação de horas de trabalho dentre outros Direitos sindicais direito de filiarse ou não direito de greve dentre outros Direito à previdência social Direito à saúde Direito de toda pessoa a um meio ambiente sadio e de contar com os serviços públicos básicos Direito à alimentação Direito à educação Direito aos benefícios da cultura Direito à constituição e proteção da família Direitos das crianças Direitos das pessoas idosas Direitos das pessoas com deficiência Mecanismos de monitoramento Relatórios periódicos Petições individuais para o caso de violação aos direitos sindicais exceto o direito à greve e o direito à educação 5 Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte foi adotado em Assunção em 8 de junho de 1990 durante a XX Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos na esteira da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que já restringira a aplicação da pena de morte Entrou em vigor internacional em 28 de agosto de 1991 Possui em 2019 13 Estados partes Foi assinado pelo Brasil em 7 de junho de 1994 O Congresso Nacional o aprovou por meio do Decreto Legislativo n 56 de 19 de abril de 1995 e o instrumento de ratificação foi depositado em 13 de agosto de 1996 Apôsse reserva entretanto para assegurar ao Estado brasileiro o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra de acordo com o Direito Internacional por delitos sumamente graves de caráter militar Finalmente o Protocolo foi promulgado por meio do Decreto n 2754 de 27 de agosto de 1998 O Protocolo é composto além do seu preâmbulo por apenas quatro artigos No primeiro deles fica estabelecido que os Estados Partes não podem aplicar em seu território a pena de morte a nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição No art 2º determinase que não se admitirá reserva alguma ao Protocolo Entretanto os Estados podem declarar no momento de ratificação ou adesão que se reservam o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra de acordo com o Direito Internacional por delitos sumamente graves de caráter militar o que foi feito pelo Brasil Quando o Estado formular essa reserva deve comunicar ao Secretáriogeral da OEA no momento da ratificação ou adesão as disposições pertinentes de sua legislação nacional aplicáveis em tempo de guerra que se referem à reserva Ademais o Estado que a tiver feito deve notificar o SecretárioGeral da OEA sobre todo início ou fim de um estado de guerra aplicável ao seu território Finalmente os arts 3º e 4º dizem respeito às disposições finais abertura à assinatura e ratificação ou adesão de todo Estado Parte na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e depósito do instrumento de ratificação ou adesão na Secretaria Geral da OEA e entrada em vigor QUADRO SINÓTICO Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte Estados Partes não podem aplicar em seu território a pena de morte a nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição Não se admite reserva salvo para o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra de acordo com o Direito Internacional por delitos sumamente graves de caráter militar O Brasil fez a reserva 6 Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura foi adotada pela Assembleia Geral da OEA em Cartagena das Índias na Colômbia em 9 de dezembro de 1985 Foi assinada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1986 foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 5 de 31 de maio de 1989 e foi ratificada em 20 de julho de 1989 Finalmente foi promulgada pelo Decreto n 98386 de 9 de dezembro de 1989 Possui em 2019 18 Estados partes A Convenção é composta por 24 artigos não divididos expressamente em seções específicas No art 1º determina que os Estados Partes por meio dela obrigamse a prevenir e punir a tortura nos termos da Convenção O art 2º estabelece a definição de tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais com fins de investigação criminal ou como meio de intimidação ou como castigo pessoal ou como medida preventiva como pena ou com qualquer outro fim Entenderseá também como tortura a aplicação sobre uma pessoa de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima ou a diminuir sua capacidade física ou mental embora não causem dor física ou angústia psíquica Essa figura especial de tortura não consta expressamente da Convenção contra a Tortura da ONU Excluise expressamente do conceito de tortura entretanto as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente consequência de medidas legais ou inerentes a elas contanto que não incluam a realização dos atos ou aplicação dos métodos mencionados na definição de tortura O art 3º por sua vez determina quais são os responsáveis pelo delito de tortura São considerados responsáveis os empregados ou funcionários públicos que nessa condição ordenem sua comissão ou instiguem ou induzam a ela cometamno diretamente ou podendo impedilo não o façam São também consideradas responsáveis as pessoas que por instigação dos funcionários ou empregados públicos anteriormente mencionados ordenem sua comissão instiguem ou induzam a ela ou nela sejam cúmplices A Convenção é clara ao determinar que o fato de se ter agido por ordens superiores não exime da responsabilidade penal correspondente art 4º Ademais não se admite como justificativa para a prática de tortura a existência de circunstâncias como o estado de guerra a ameaça de guerra o estado de sítio ou emergência a comoção ou conflito interno a suspensão das garantias constitucionais a instabilidade política interna ou outras emergências ou calamidades públicas Também não se admite como justificativa a periculosidade do detido ou condenado nem a insegurança do estabelecimento carcerário ou penitenciário art 5º Os arts 6º e 7º versam sobre medidas a serem tomadas pelos Estados Partes da Convenção para prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição Nesse sentido devem assegurar que todos os atos de tortura e as tentativas de praticar atos dessa natureza sejam considerados delitos penais estabelecendo penas severas para sua punição que levem em conta sua gravidade constituindo mais um mandado internacional de criminalização Obrigamse também a tomar medidas efetivas para prevenir e punir outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes no âmbito de sua jurisdição Ademais devem tomar medidas para que no treinamento de polícia e de outros funcionários públicos responsáveis pela custódia de pessoas privadas de liberdade provisória ou definitivamente e nos interrogatórios detenções ou prisões ressaltese de maneira especial a proibição do emprego da tortura bem como de evitar outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Nos arts 8º e 9º a Convenção determina a adoção de medidas com foco na pessoa vítima de tortura Nesse sentido os Estados devem assegurar que qualquer pessoa que denunciar ter sido submetida a tortura terá o direito de que o caso seja examinado de maneira imparcial Se houver denúncia ou razão fundada para supor que ato de tortura tenha sido cometido no âmbito de sua jurisdição o Estado deve garantir que suas autoridades procederão de ofício e imediatamente à realização de uma investigação sobre o caso iniciando se for cabível o respectivo processo penal Esgotado o procedimento jurídico interno do Estado inclusive em âmbito recursal o caso poderá ser submetido a instâncias internacionais cuja competência tenha sido aceita por esse Estado Os Estados se comprometem ainda a estabelecer em suas legislações nacionais normas que garantam compensação adequada para as vítimas do delito de tortura O art 10 determina que nenhuma declaração que se comprove haver sido obtida mediante tortura poderá ser admitida como prova em um processo salvo em processo instaurado contra a pessoa ou pessoas acusadas de haver obtido prova mediante atos de tortura mas unicamente como prova de que por esse meio o acusado obteve tal declaração De acordo com o art 12 todo Estado Parte deve adotar medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre o delito de tortura i quando houver sido cometida no âmbito de seu território ii ou quando o suspeito for nacional do Estado Parte de que se trate iii ou quando a vítima for nacional do Estado Parte de que se trate e este o considerar apropriado iv ou quando o suspeito se encontrar no âmbito de sua jurisdição e o Estado não o extraditar aut dedere aut judicare ou entrega ou julga Os arts 11 13 e 14 versam sobre a extradição Os Estados Partes da Convenção devem tomar as medidas necessárias para conceder a extradição de toda pessoa acusada de delito de tortura ou condenada por esse delito em conformidade com suas legislações nacionais sobre extradição e suas obrigações internacionais na matéria Ademais os delitos de tortura devem ser considerados incluídos entre os delitos que são motivo de extradição em todo tratado de extradição celebrado entre Estados Partes e os Estados se comprometem a incluir o delito de tortura como caso de extradição em todo tratado de extradição que celebrarem entre si no futuro Caso receba de outro Estado Parte com o qual não tiver tratado uma solicitação de extradição todo Estado que sujeitar a extradição à existência de um tratado poderá considerar a Convenção como a base jurídica necessária para a extradição referente ao delito de tortura Os Estados Partes que não sujeitarem a extradição à existência de um tratado devem reconhecer esses delitos como casos de extradição entre eles respeitando as condições exigidas pelo direito do Estado requerido A Convenção determina ainda que não se concederá a extradição nem se procederá à devolução da pessoa requerida quando houver suspeita fundada de que sua vida corre perigo de que será submetida à tortura tratamento cruel desumano ou degradante ou de que será julgada por tribunais de exceção ou ad hoc no Estado requerente Isso consagra o princípio do nonrefoulement ou proibição do rechaço em caso de tortura No art 15 a Convenção determina que nada do que nela disposto pode ser interpretado como limitação do direito de asilo quando for cabível nem como modificação das obrigações dos Estados Partes em matéria de extradição O art 16 explicita que a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura deixa a salvo o disposto pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos por outras Convenções sobre a matéria e pelo Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos com relação ao delito de tortura Por meio da Convenção os Estados Partes se comprometem a informar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre as medidas legislativas judiciais administrativas e de outra natureza que adotarem em sua aplicação A Comissão Interamericana procurará analisar em seu relatório anual a situação prevalecente nos Estadosmembros da OEA no que diz respeito à prevenção e supressão da tortura em conformidade com suas atribuições art 17 A partir do art 18 a Convenção traz suas disposições finais assinatura art 18 ratificação art 19 adesão art 20 reservas art 21 entrada em vigor art 22 denúncia apesar da vigência indefinida da Convenção art 23 notificações art 24 QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura Definição de tortura Todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais com fins de investigação criminal como meio de intimidação como castigo pessoal como medida preventiva como pena ou com qualquer outro fim Entenderseá também como tortura a aplicação sobre uma pessoa de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima ou a diminuir sua capacidade física ou mental embora não causem dor física ou angústia psíquica Excluise expressamente do conceito de tortura entretanto as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente consequência de medidas legais ou inerentes a elas contanto que não incluam a realização dos atos ou aplicação dos métodos mencionados na definição de tortura Direitos das pessoas vítimas de tortura direito de ser examinada de maneira imparcial direito à compensação adequada Convenção contém mandado de criminalização da tortura Estados Partes se comprometem a informar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre as medidas legislativas judiciais administrativas e de outra natureza que adotarem em sua aplicação A Comissão procurará analisar em seu relatório anual a situação prevalecente nos Estadosmembros da OEA no que diz respeito à prevenção e supressão da tortura em conformidade com suas atribuições No caso de o Estado não poder extraditar por algum motivo o torturador deve julgálo aut dedere aut judicare 7 Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher Convenção de Belém do Pará A Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher Convenção de Belém do Pará foi concluída pela Assembleia Geral da OEA em Belém do Pará no Brasil em 9 de junho de 1994 como resposta à situação de violência contra mulheres existente na América Possui em 2019 32 Estados partes não a tendo ratificado somente Estados Unidos Canadá e Cuba 235 O Brasil a assinou na mesma data e o Congresso Nacional a aprovou por meio do Decreto Legislativo n 107 de 31 de agosto de 1995 O governo brasileiro depositou a carta de ratificação em 27 de novembro de 1995 data em que a Convenção começou a vigorar para o Brasil Finalmente a promulgação deuse com o Decreto n 1973 de 1º de agosto de 1996 A Convenção é composta por 25 artigos divididos em cinco capítulos definição e âmbito de aplicação arts 1º e 2º direitos protegidos arts 3º a 6º deveres dos Estados arts 7º a 9º mecanismos interamericanos de proteção arts 10 a 12 disposições gerais arts 13 a 25 No art 1º a violência contra a mulher é definida como qualquer ação ou conduta baseada no gênero que cause morte dano ou sofrimento físico sexual ou psicológico à mulher tanto no âmbito público como no privado O art 2º por sua vez determina que a violência contra a mulher abrange a violência física sexual ou psicológica quer tenha ocorrido no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende entre outros estupro violação maustratos e abuso sexual quer no âmbito da comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa Nesse caso compreende entre outros violação abuso sexual tortura maustratos tráfico de mulheres prostituição forçada sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho bem como em instituições educacionais estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar A violência contra a mulher abrange ainda aquela perpetrada pelo Estado ou seus agentes onde quer que ocorra No Capítulo II a Convenção enumera os direitos das mulheres a serem protegidos O primeiro deles estabelecido no art 3º é o direito de toda mulher ser livre de violência tanto na esfera pública quanto privada O direito a uma vida livre de violência inclui entre outros o direito da mulher de ser livre de toda forma de discriminação e o direito de ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade ou subordinação art 6º A Convenção ainda enuncia que toda mulher tem direito ao reconhecimento gozo exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos os quais compreendem o direito a que se respeite sua vida e sua integridade física psíquica e moral o direito à liberdade e à segurança pessoais o direito a não ser submetida a torturas o direito a que se respeite a dignidade inerente a sua pessoa e que se proteja sua família o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes que a ampare contra atos que violem seus direitos o direito à liberdade de associação o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças de acordo com a lei e o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos incluindo a tomada de decisões art 4º O art 5º da Convenção ainda reafirma que toda mulher pode exercer livre e plenamente seus direitos civis políticos econômicos sociais e culturais e deve contar com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos devendo os Estados reconhecer que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos No Capítulo III arts 7º a 9º a Convenção apresenta os deveres dos Estados Em primeiro lugar esclarecese que os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e concordam em adotar por todos os meios apropriados e sem demora políticas orientadas a prevenila punila e erradicála Nesse sentido devem absterse de prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades seus funcionários pessoal e agentes e instituições públicas cumpram essa obrigação e devem atuar com a devida diligência para prevenir investigar e punir a violência contra a mulher Ademais devem incluir em sua legislação interna normas penais civis e administrativas que sejam necessárias para tais fins adotando as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso Devem também adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de fustigar perseguir intimidar ameaçar machucar ou pôr em perigo a vida da mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade Ainda devem tomar medidas apropriadas para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou para modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência ou a tolerância da violência contra a mulher Têm ainda a obrigação de estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes que incluam entre outros medidas de proteção para que a mulher vítima de violência doméstica tenha um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos bem como a obrigação de estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar o acesso efetivo a ressarcimento reparação do dano ou outros meios de compensação justos e eficazes art 7º Esses inúmeros deveres do Estado foram fundamentais para que o Brasil finalmente editasse uma lei específica de combate à violência doméstica a Lei n 113402006 também denominada Lei Maria da Penha Tal lei criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher nos termos da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CEDAW e da Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher De forma progressiva os Estados devem ainda adotar medidas específicas art 8º inclusive programas para fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos Devem adotar programas também para modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres para eliminar preconceitos e costumes e práticas que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher que legitimam ou exacerbam a violência contra a mulher Os programas também devem se destinar a fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da justiça policial e demais funcionários encarregados da aplicação da lei assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção sanção e eliminação da violência contra a mulher a aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento necessário à mulher objeto de violência por meio de entidades dos setores público e privado inclusive abrigos e cuidado e custódia dos menores afetados e a oferecer à mulher vítima de violência acesso a programas eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente na vida pública privada e social Ademais devem voltarse a fomentar e apoiar programas de educação governamentais e do setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas relacionados com a violência contra a mulher os recursos jurídicos e a reparação correspondente e a estimular os meios de comunicação a elaborar diretrizes adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher Finalmente devem voltarse à investigação de estatísticas e outras informações sobre as causas consequências e frequência da violência contra a mulher com o objetivo de avaliar a eficácia das medidas para prevenir punir e eliminar a violência contra a mulher e de formular e aplicar as mudanças que sejam necessárias bem como à promoção da cooperação internacional para o intercâmbio de ideias e experiências e a execução de programas destinados a proteger a mulher vítima de violência Para adoção das referidas medidas os Estados devem ter em conta a situação de vulnerabilidade à violência que a mulher possa sofrer em consequência entre outras de sua raça ou de sua condição étnica de migrante refugiada ou desterrada Devem ter em conta também a situação da mulher vítima de violência que estiver grávida for pessoa com deficiência menor de idade anciã ou estiver em situação socioeconômica desfavorável ou afetada por situações de conflitos armados ou de privação de sua liberdade art 9º No Capítulo IV a Convenção versa sobre os mecanismos interamericanos de proteção No art 10 com o fim de proteger o direito da mulher a uma vida livre de violência os Estados devem incluir nos informes nacionais à Comissão Interamericana de Mulheres informações sobre as medidas adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher para assistir a mulher afetada pela violência assim como sobre as dificuldades que observem na aplicação dessas e dos fatores que contribuam à violência contra a mulher O art 11 permite que os Estados Partes da Convenção e a Comissão Interamericana de Mulheres requeiram opinião consultiva sobre a interpretação da Convenção à Corte Interamericana de Direitos Humanos No art 12 permitese ainda que qualquer pessoa grupo de pessoas ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estadosmembros da Organização apresente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação de deveres previstos na Convenção para o Estado Parte A Comissão deve considerálas de acordo com as normas e os requisitos de procedimento para a apresentação e consideração de petições determinados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos podendo se cabível processar o Estado infrator perante a Corte IDH caso o Estado tenha reconhecido a jurisdição obrigatória da Corte como é o caso do Brasil desde 1998 Finalmente no Capítulo V a Convenção apresenta as disposições gerais arts 13 a 25 Os arts 13 e 14 determinam que as disposições da Convenção não poderão ser interpretadas como restrição ou limitação à legislação interna dos Estados Partes que preveja iguais ou maiores proteções e garantias aos direitos da mulher e salvaguardas adequadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher nem à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou a outras convenções internacionais sobre a matéria que prevejam iguais ou maiores proteções relacionadas com este tema Novamente o princípio da norma mais favorável ao ser humano é adotado em um tratado internacional O art 23 determina que o SecretárioGeral apresente um informe anual aos Estados membros da OEA sobre a situação da Convenção inclusive quanto a assinaturas depósitos de instrumentos de ratificação adesão ou declarações e reservas O art 24 finalmente permite que os Estados denunciem a Convenção mediante depósito de instrumento na Secretaria Geral da OEA mas ressalva que a Convenção vigorará indefinidamente Outros artigos do Capítulo versam sobre assinatura art 15 ratificação art 16 adesão art 17 reservas art 18 proposta de emenda art 19 entrada em vigor art 21 dentre outros aspectos QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher Convenção de Belém do Pará Definição de violência contra a mulher Qualquer ação ou conduta baseada no gênero que cause morte dano ou sofrimento físico sexual ou psicológico à mulher tanto no âmbito público como no privado A violência contra a mulher abrange a violência física sexual ou psicológica quer tenha ocorrido no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende entre outros estupro violação maus tratos e abuso sexual quer no âmbito da comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa Direitos protegidos Direito de toda mulher ser livre de violência tanto na esfera pública quanto privada o que inclui o direito de ser livre de toda forma de discriminação e o direito de ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade ou subordinação Direito ao reconhecimento gozo exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos os quais compreendem o direito a que se respeite sua vida e sua integridade física psíquica e moral o direito à liberdade e à segurança pessoais o direito a não ser submetida a torturas o direito a que se respeite a dignidade inerente a sua pessoa e que se proteja sua família o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes que a ampare contra atos que violem seus direitos o direito à liberdade de associação o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças de acordo com a lei e o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos incluindo a tomada de decisões Mecanismos de proteção Informes à Comissão Interamericana de Mulheres Pedido de opinião consultiva sobre a interpretação da Convenção à Corte Interamericana de Direitos Humanos Petição de qualquer pessoa grupo de pessoas ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estadosmembros da Organização à Comissão Interamericana de Direitos Humanos Caso cabível a Comissão pode processar o Estado infrator perante a Corte IDH 8 Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência foi adotada pela Assembleia Geral da OEA em 7 de junho de 1999 na Cidade da Guatemala Guatemala O Brasil a assinou um dia depois em 8 de junho de 1999 O Congresso Nacional a aprovou por meio do Decreto Legislativo n 198 de 13 de junho de 2001 e a ratificação se deu em 15 de agosto de 2001 A Convenção entrou em vigor em 14 de setembro de 2001 e finalmente foi promulgada por meio do Decreto n 3956 de 8 de outubro de 2001 Possui em 2019 19 Estados partes 236 É composta por 14 artigos não divididos em seções ou capítulos específicos Em seu preâmbulo a Convenção já reafirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas os quais emanam da dignidade e igualdade inerentes a todo ser humano Possuem assim o direito de não serem submetidas à discriminação com base na deficiência O artigo I apresenta as definições dos termos utilizados na Convenção Deficiência é definida como uma restrição física mental ou sensorial de natureza permanente ou transitória que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária causada ou agravada pelo ambiente econômico e social Apesar de a Convenção Interamericana utilizar a expressão portador de deficiência anotese que após anos de discussão a expressão utilizada atualmente é pessoa com deficiência como se vê na Convenção da ONU de 2006 comentada acima A discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência nos termos da Convenção é apresentada como toda diferenciação exclusão ou restrição baseada em deficiência antecedente de deficiência consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais O mesmo dispositivo abre margem para a adoção de ações afirmativas em benefício das pessoas com deficiência ao explicitar que não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dessas pessoas desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o seu direito à igualdade e que as pessoas com deficiência não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência Ademais também não constituirá discriminação a previsão pela legislação interna de declaração de interdição quando for necessária e apropriada para o bemestar da pessoa com deficiência O artigo II deixa claro que o objetivo da Convenção é prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência e propiciar sua plena integração à sociedade Os artigos III e IV listam os compromissos assumidos pelos Estados Partes para que alcancem esse objetivo Assim determina inicialmente que os Estados devem tomar as medidas de caráter legislativo social educacional trabalhista ou de qualquer outra natureza que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas com deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade Nesse sentido algumas medidas devem ser tomadas em especial medidas das autoridades governamentais e de entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens serviços instalações programas e atividades tais como o emprego o transporte as comunicações a habitação o lazer a educação o esporte o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração medidas de acessibilidade para que os edifícios os veículos e as instalações que venham a ser construídos ou fabricados facilitem o transporte a comunicação e o acesso das pessoas com deficiência bem como medidas para eliminar na medida do possível os obstáculos nesses meios e finalmente medidas para assegurar que as pessoas encarregadas de aplicar a Convenção e a legislação interna sobre a matéria estejam capacitadas a fazêlo O Estado deve ainda trabalhar prioritariamente nas áreas de prevenção de todas as formas de deficiência possíveis de detecção e intervenção precoce tratamento reabilitação educação formação ocupacional e prestação de serviços completos para garantir o melhor nível de independência e qualidade de vida para as pessoas com deficiência e de sensibilização da população por meio de campanhas de educação destinadas a eliminar preconceitos estereótipos e outras atitudes que atentam contra o direito das pessoas a serem iguais Os Estados se comprometem ainda a cooperar entre si para contribuir para a prevenção e eliminação da discriminação contra as pessoas com deficiência e colaborar de forma efetiva na pesquisa científica e tecnológica relacionada com a prevenção das deficiências o tratamento a reabilitação e a integração na sociedade e o desenvolvimento de meios destinados a facilitar ou promover a vida independente a autossuficiência e a integração total à sociedade em condições de igualdade das pessoas com deficiência A Convenção determina ainda em seu artigo V que os Estados devem promover se isso for coerente com as suas legislações nacionais a participação de representantes de organizações de pessoas com deficiência de organizações não governamentais que trabalham nessa área ou se estas não existirem de pessoas com deficiência na elaboração execução e avaliação de medidas e políticas para aplicála Ademais devem criar canais de comunicação eficazes que permitam difundir entre as organizações públicas e privadas que trabalham com pessoas com deficiência os avanços normativos e jurídicos ocorridos para a eliminação da discriminação O artigo VI estabelece a criação da Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência que é constituída por um representante designado por cada Estado Parte Os Estados se comprometeram a na primeira reunião da Comissão apresentar um relatório ao SecretárioGeral da OEA Essa reunião ocorreu entre 28 de fevereiro e 1º de março de 2008 no Panamá quando foi aprovado o Regulamento da Comissão Após essa primeira reunião os Estados Partes da Convenção se comprometeram a apresentar relatórios a cada quatro anos que devem incluir as medidas que os Estadosmembros tiverem adotado na aplicação da Convenção qualquer progresso alcançado na eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência bem como toda circunstância ou dificuldade que afete o grau de cumprimento de obrigação decorrente da Convenção Com efeito a Convenção explicita que a Comissão será o foro encarregado de examinar o progresso registrado na sua aplicação e de trocar experiências entre os Estados Partes Os relatórios que a Comissão vai produzir devem refletir os debates incluindo informações sobre as medidas que os Estados Partes tenham adotado para aplicar a Convenção o progresso alcançado na eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência as circunstâncias ou dificuldades que tenham tido na implementação da Convenção bem como as conclusões observações e sugestões gerais da Comissão para o seu cumprimento progressivo A partir do artigo VII a Convenção traz as disposições finais Inicia mencionando que nenhuma disposição poderá ser interpretada para restringir ou permitir que os Estados limitem o gozo dos direitos das pessoas com deficiência reconhecidos pelo Direito Internacional consuetudinário ou pelos instrumentos internacionais vinculantes para um determinado Estado Parte Em seguida dispõe sobre assinatura ratificação e entrada em vigor artigo VIII adesão artigo IX depósito dos instrumentos de ratificação e adesão artigo X propostas de emenda artigo XI reservas artigo XII denúncia a despeito da vigência indefinida artigo XIII idiomas das cópias do instrumento original da Convenção e notificações artigo XIV QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência Objetivo Prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência e propiciar sua plena integração à sociedade Definição de deficiência Restrição física mental ou sensorial de natureza permanente ou transitória que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária causada ou agravada pelo ambiente econômico e social Toda diferenciação exclusão ou restrição baseada em deficiência antecedente de deficiência consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada que tenha o Definição de discriminação contra pessoas com deficiência efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dessas pessoas desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o seu direito à igualdade e que as pessoas com deficiência não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência Ademais também não constituirá discriminação a previsão pela legislação interna de declaração de interdição quando for necessária e apropriada para o bemestar da pessoa com deficiência Mecanismos de monitoramento Relatórios periódicos ao SecretárioGeral da OEA Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência é encarregada de examinar o progresso registrado na aplicação da Convenção e de trocar experiências entre os Estados produzindo relatórios 9 Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado Na esteira da Declaração n 47133 de 1992 da Assembleia Geral da ONU sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado foi adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos em 9 de junho de 1994 em Belém do Pará a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas A Convenção é um marco na prevenção punição e eliminação do desaparecimento forçado tendo inspirado dispositivos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998 e da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado de 2007 A Convenção entrou em vigor em 28 de março de 1996 e em 2019 conta com 15 Estados partes 237 o que é pouco se for levada em consideração a prática de desaparecimento forçado generalizada em diversos países nos tempos das ditaduras latinoamericanas No âmbito nacional a assinatura brasileira ocorreu em 11 de junho de 1994 a aprovação pelo Congresso Nacional ocorreu por meio do Decreto Legislativo n 127 em 11 de abril de 2011 a ratificação brasileira ocorreu em 3 de fevereiro de 2014 e a promulgação da Convenção deuse com o Decreto n 8766 de 11 de maio de 2016 O preâmbulo da Convenção reconhece que a prática sistemática de desaparecimentos forçados constitui crime contra a humanidade e os principais objetivos da Convenção são resumidos no artigo 1º i a proibição à prática permissão ou tolerância ao desaparecimento forçado em qualquer situação incluindo as excepcionais ocasiões de Estado de emergência e de suspensão de garantias individuais ii a punição interna dos autores cúmplices e partícipes do crime ou da tentativa de crime de desaparecimento forçado iii a cooperação para prevenção punição e erradicação do desaparecimento forçado e iv a adoção de medidas internas de cunho administrativo legislativo e judicial para adimplir os compromissos assumidos na Convenção Para a Convenção art 2º o desaparecimento forçado consiste i na privação da liberdade de um ou mais indivíduos a qual pode ocorrer de várias formas realizada ii por agentes estatais ou pessoas autorizadas ou apoiadas pelo Estado associada iii à negativa ao reconhecimento da privação de liberdade ou ao fornecimento de informações sobre os indivíduos detidos de modo a impedir o exercício dos direitos e garantias processuais inerentes à detenção Assim o núcleo deste delito consiste nesses três elementos privação da liberdade envolvimento direto ou indireto de agentes públicos e negativa do reconhecimento da detenção Os artigos 3º e 4º tratam da obrigação estatal em adotar medidas legislativas para a tipificação do delito de desaparecimento forçado de pessoas no âmbito dos ordenamentos jurídicos internos O artigo 3º prevê que na pendência da localização do paradeiro da vítima o crime seja considerado como de natureza continuada ou permanente bem como que a pena a ser imposta ao delito corresponda a sua extrema gravidade Ainda é facultado aos Estados o estabelecimento de circunstâncias atenuantes nos casos em que os partícipes do crime contribuam para o seu esclarecimento ou forneçam informações sobre o destino das vítimas O artigo 4º dispõe inicialmente que os atos constitutivos do desaparecimento forçado de pessoas serão considerados delitos em qualquer Estado Parte Após determina as hipóteses de jurisdição dos Estados Partes nos casos de desaparecimento forçado Cabe ao Estado Parte adotar medidas para estabelecer a sua jurisdição quando i os atos forem perpetrados no âmbito da sua jurisdição ii os agentes forem nacionais do Estado iii as vítimas forem nacionais do Estado se apropriado e iv o agente estiver em seu território e o Estado não o extradite Assim não obstante a Convenção estipule que o desaparecimento forçado seja reconhecido como crime em todos os Estados Partes não é permitido o exercício da jurisdição estatal ou das funções reservadas às autoridades internas em outro Estado Parte O artigo 5º por seu turno disciplina a extradição dos agentes que praticarem o crime de desaparecimento forçado proibindose que este seja considerado como delito político Para os Estados que subordinam a extradição a existência de tratado específico prevêse a inclusão do desaparecimento forçado no rol de delitos passíveis de extradição em todos os tratados extradicionais existentes e futuros celebrados entre os Estados Partes Nos casos de inexistência de tratado de extradição entre os Estados Partes a Convenção pode ser utilizada como substrato jurídico para a solicitação de extradição relativa ao delito de desaparecimento forçado Nos Estados nos quais os tratados extradicionais não são exigidos o desaparecimento forçado será reconhecido como crime passível de extradição sujeita às condições estabelecidas pelo Estado requerido Em ambas as situações a extradição obedecerá a Constituição e nas leis internas do Estado requerido De forma complementar o artigo 6º estabelece caso negada a extradição o dever de submissão dos casos às autoridades competentes internas aut dedere aut judicare Destarte investigação e persecução penal devem ser processadas em conformidade com a legislação interna como se o delito tivesse sido praticado no âmbito da jurisdição do Estado com a comunicação da decisão ao Estado que originalmente solicitou a extradição Os artigos 7º 8º e 9º trazem cláusulas específicas para evitar a impunidade dos agentes responsáveis pelo desaparecimento forçado ao estabelecerem i a sua imprescritibilidade ii a impossibilidade de escusa pela obediência hierárquica e iii a proibição de julgamento por jurisdição especial A imprescritibilidade da pretensão punitiva e da pretensão executória do crime de desaparecimento forçado está expressa no artigo 7º o qual contudo excetua dessa regra os Estados que possuam normas de caráter fundamental que vedem a imprescritibilidade o que não é o caso do Brasil 238 hipótese em que o prazo prescricional para o desaparecimento forçado deve ser equiparado àquele estipulado para o delito mais grave previsto na legislação interna Nesse ponto a Convenção Interamericana é distinta da Convenção da ONU sobre a temática que não parte da imprescritibilidade mas ordena que a prescrição seja compatível com a natureza grave do crime art 8º Ademais tampouco é possível contornar o dever de punir os responsáveis pelo desaparecimento forçado pelo reconhecimento da obediência hierárquica como excludente de ilicitude O artigo 8º da Convenção é claro ao estipular igualmente que toda pessoa que receber ordens para perpetrar o delito em questão possui o direito e o dever de não obedecê las Para implementar a previsão contida nesse dispositivo os Estados devem garantir que seja fornecida a formação pessoal e a educação adequada relativamente ao delito de desaparecimento forçado aos funcionários públicos encarregados da aplicação da lei penal Na mesma linha para evitar a impunidade o artigo 9º fixa a jurisdição comum para o julgamento dos agentes responsáveis pela prática do crime de desaparecimento forçado excluindo expressamente a possibilidade de incidência de qualquer jurisdição especial Assim não apenas é impossível a alegação de que o crime de desaparecimento forçado fora cometido no exercício de funções militares bem como não são admitidas imunidades privilégios e dispensas especiais nas ações penais que investiguem a prática deste crime ressalvadas apenas as disposições da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas O artigo 10 reforça a proibição total à prática do desaparecimento forçado independentemente do contexto sociopolítico interno Instabilidade política emergência pública Estado ou ameaça de guerra ou qualquer outra circunstância interna não podem ser utilizadas como justificativa para autorizar o desaparecimento forçado de pessoas Nessas circunstâncias excepcionais deve ser garantido o acesso a procedimentos judiciais expeditos e eficazes para determinar a autoridade responsável pela detenção e o paradeiro e condições das pessoas detidas Para combater o desaparecimento forçado é garantida às autoridades judiciárias que tiverem indícios da prática deste crime a livre entrada em todos os centros de detenção inclusive àqueles sujeitos à jurisdição militar Já o artigo 11 traz as garantias mínimas relacionadas à detenção São deveres do Estado relacionados à privação de liberdade i manter os detentos em locais oficialmente reconhecidos ii conduzir os detentos sem demora e nos ditames da legislação interna à autoridade judiciária competente e iii manter registros oficiais atualizados sobre os detidos com consulta disponível para os familiares e advogado do detido bem como para os juízes autoridades e outras pessoas com interesse legítimo Reconhecendo o caráter perene do desaparecimento forçado bem como o seu impacto negativo sobre as entidades familiares o artigo 12 estipula a cooperação recíproca entre os Estados Partes para a localização identificação e restituição de menores que tenham sido transportados para ou retidos em outros Estados como consequência do desaparecimento forçado de seus pais ou tutores A importância do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos para prevenir e punir o crime de desaparecimento forçado está estabelecida nos artigos 13 e 14 O artigo 13 dispõe que a tramitação de petições relativas a tal crime na Comissão Interamericana de Direitos Humanos segue o rito estabelecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos bem como nos Estatutos e Regulamentos da própria Comissão e da Corte Interamericana com menção especial à possibilidade de adoção de medidas cautelares Paralelamente aos procedimentos perante o sistema interamericano o artigo 14 estabelece que quando do recebimento de petição relatando desaparecimento forçado a Comissão requisitará ao Estado pertinente informação em caráter urgente e confidencial sobre o paradeiro e outras circunstâncias relevantes da pessoa supostamente desaparecida Tal pedido de informação contudo não tem o condão de prejudicar a admissibilidade da petição apresentada à Comissão O artigo 15 traz limitações à aplicabilidade da Convenção ao prever que ela não restringe tratados bilaterais ou multilaterais assinados pelos Estados Partes bem como não se aplica aos conflitos armados disciplinados pelas Convenções de Genebra de 1949 sobre a proteção dos feridos doentes e náufragos das forças armadas e a prisioneiros civis em tempo de guerra Os artigos 16 a 22 trazem as condições para que um Estado se obrigue à Convenção Os artigos 16 e 17 preveem que a Convenção está aberta para assinatura por todos os Estados membros da OEA ficando sujeita à ratificação a ser depositada na Secretaria Geral da Organização A adesão da Convenção por outros Estados mediante depósito do referido instrumento também na Secretaria Geral é facultada no artigo 18 A apresentação de reservas à Convenção está autorizada no artigo 19 as quais podem ser realizadas na sua aprovação assinatura ratificação ou adesão desde que sejam específicas e compatíveis com os objetivos da Convenção O artigo 20 determina a entrada em vigor da Convenção no plano internacional com o depósito do 2º instrumento de ratificação e para os Estados que a ratificarem posteriormente a sua entrada em vigor no trigésimo dia a partir da data do depósito da sua ratificação Finalmente o artigo 21 admite a possibilidade de denúncia à Convenção com a cessação de efeitos para o Estado denunciante após um ano contado do depósito do instrumento de denúncia na Secretaria Geral da OEA Já o artigo 22 prevê que o depósito do instrumento original da convenção nas línguas oficiais será realizado também na Secretaria Geral da Organização sendo enviada cópia autenticada do texto para o Secretariado da ONU Ainda havendo assinatura ratificação adesão reserva ou denúncia à Convenção os Estados membros da OEA serão comunicados QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas proibição à prática permissão ou tolerância ao desaparecimento forçado em qualquer situação Objetivo punição interna dos autores cúmplices e partícipes do crime de desaparecimento forçado cooperação para prevenção punição e erradicação do desaparecimento forçado adoção de medidas internas de cunho administrativo legislativo e judicial para prevenir punir e erradicar o desaparecimento forçado Reforça o dever dos Estados de prevenir punir e eliminar os desparecimentos forçados com o reconhecimento de que a sua prática sistemática constitui crime contra a humanidade Definição de desaparecimento forçado Restrição física mental ou sensorial de natureza permanente ou transitória que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária causada ou agravada pelo ambiente econômico e social Mecanismos de monitoramento Adoção dos mesmos procedimentos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos permitindo à Comissão IDH e à Corte IDH zelarem pela observância da Convenção novidade ao receber a petição sobre desaparecimento forçado a Comissão pode pedir informações urgentes e em sigilo ao Estado tido como infrator sem que isso interfira no processamento regular da petição em si 10 Carta Democrática Interamericana A Carta Democrática Interamericana CDI foi aprovada em 11 de setembro de 2001 na primeira sessão do XXVIII período extraordinário da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em Lima Peru A Carta por ter sido aprovada como resolução da Assembleia Geral da OEA não é vinculante compondo a soft law primária direito em formação que rege a temática na região Contudo a Carta constitui importante vetor de interpretação de como promover a democracia prevista na Carta da OEA art 2º b 239 O ineditismo da Carta Democrática Interamericana consiste em seu objetivo de exigir o respeito à democracia formal rotatividade do poder e eleições periódicas e também à democracia substancial justiça social estabelecendo o direito à democracia bem como superando a antiga preocupação de defesa da ordem democrática somente nos casos de golpes de Estado que caracterizaram a região por décadas A Carta possui 28 artigos divididos em 6 partes I a democracia e o sistema interamericano II a democracia e os direitos III democracia desenvolvimento integral e combate à pobreza IV fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática V a democracia e as missões de observação eleitoral e VI promoção da cultura democrática A Parte I abarca disposições gerais sobre o exercício da democracia na região latino americana A democracia é tida como direito tendo os governos o dever de promovêla e defendêla artigo 1º e sendo o seu exercício a base do Estado de Direito este deve ser realizado de forma ética e responsável com a participação permanente dos cidadãos artigo 2º Como elementos da democracia o artigo 3º aponta o respeito dos direitos humanos e liberdades fundamentais a realização de eleições periódicas livres e justas o sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo o pluralismo de partidos políticos e a separação dos poderes públicos O artigo 4º por sua vez elenca a transparência a probidade a responsabilidade na gestão pública e o respeito aos direitos sociais e à liberdade de imprensa como componentes fundamentais ao exercício da democracia O artigo 5º demonstra preocupação com o papel dos partidos políticos na democracia diante dos altos custos de suas campanhas eleitorais primando pelo estabelecimento de regime equilibrado e transparente de seus financiamentos Já o artigo 6º evidencia a importância da participação popular a qual é concomitantemente direito responsabilidade e condição para o exercício efetivo da democracia A Parte II enfatiza a indispensabilidade da democracia para o pleno exercício dos direitos humanos artigo 7º Como violações a tais direitos podem gerar denúncia aos órgãos do sistema interamericano os Estados devem assegurar a sua proteção artigo 8º Nesse sentido a promoção dos direitos humanos e da diversidade e a eliminação de toda forma de discriminação e intolerância fortalecem a democracia e a participação cidadã artigo 9º O artigo 10 lembra também que a melhoria das condições de trabalho e qualidade de vida dos trabalhadores auxilia na promoção da democracia A relação entre democracia pobreza e desenvolvimento é analisada na Parte III Expressa se a interdependência e o reforço mútuo entre os três conceitos artigo 11 assinalando que os baixos índices de desenvolvimento contribuem negativamente para a democracia de modo que os Estados devem adotar ações objetivando a criação de empregos a redução da pobreza e a coesão social artigo 12 O crescimento econômico por sua vez pressupõe a promoção dos direitos de cunho econômico social e cultural artigo 13 e os Estados devem fomentar o diálogo e cooperação para promovêlos artigo 14 O exercício da democracia também contribui para o desenvolvimento sustentável de modo que políticas de preservação ambiental devem ser adotadas pelos Estados artigo 15 Grifase ademais que a educação acessível para todos é fundamental para a consolidação das instituições democráticas e para o crescimento econômico artigo 16 A manutenção das instituições democráticas é o foco da Parte IV da Carta Democrática Interamericana Estabelecese que caso se considere que o processo político democrático ou o seu exercício estão em risco o SecretárioGeral ou o Conselho Permanente podem com o consentimento prévio do governo afetado realizar visitas e elaborar relatórios de avaliação coletiva da situação para instruir o Conselho Permanente sobre a necessidade de adotar medidas para preservar e consolidar a democracia na região artigos 17 e 18 Tal prerrogativa do Conselho Permanente de atuação para a normalização da institucionalidade democrática também pode ser provocada pelos Estadosmembros artigo 20 A ruptura da ordem democrática ou alteração constitucional que a afete gravemente constitui enquanto durar obstáculo à participação de membro na Assembleia Geral e demais órgãos estabelecidos na OEA ficando o Estado suspenso mediante voto afirmativo de dois terços dos demais membros o que já consta do Protocolo de Washington de 1992 que reformou a Carta da OEA Contudo tal suspensão não escusa o Estado do cumprimento de suas obrigações como membro da OEA especialmente o respeito aos direitos humanos artigos 19 e 21 Para a superação da suspensão quando cessada a situação que lhe deu causa exigese o mesmo quórum de dois terços artigo 22 No âmbito da responsabilidade dos Estados pela organização de processos eleitorais livres e justos a Parte V trata das missões de observação eleitorais as quais podem ser solicitadas por Estadosmembros para auxiliarem no desenvolvimento das instituições e processos eleitorais artigo 23 A formalização e o alcance das missões de observação eleitorais imparciais e independentes são estipulados em convênio celebrado entre o SecretárioGeral e o Estado solicitante e os resultados sobre as condições necessárias à realização de eleições livre e justas são apresentados ao Conselho Permanente o qual caso necessário pode enviar missões especiais para melhorar os indicadores potencialmente problemáticos artigos 24 25 e 26 Por fim a Parte VI versa sobre a promoção da cultura democrática a qual abarca o desenvolvimento de programas que considerem a democracia como sistema de vida com liberdade e desenvolvimento econômico social e cultural artigo 26 Tais programas devem ter como objetivos específicos a promoção da governabilidade boa gestão e fortalecimento das instituições políticas com especial atenção para a educação na infância e juventude como ferramenta para a continuidade dos valores democráticos e para a participação da mulher nas estruturas políticas artigos 27 e 28 A Carta Democrática Interamericana é valioso instrumento para a interpretação do direito à democracia e dos direitos políticos no Brasil especialmente diante de inovações como a Lei da Ficha Limpa que busca afastar temporariamente da possibilidade de ser eleito aqueles cuja conduta revela falta de compromisso com o direito à boa governança entre outros 240 QUADRO SINÓTICO Carta Democrática Interamericana CDI Natureza jurídica Soft law mas deve ser utilizado como instrumento de interpretação dos deveres do Estado na promoção da democracia que consta da Carta da OEA Objetivo Tratar de maneira ampla o direito à democracia tanto no aspecto formal eleições livres periódicas e justas quanto no aspecto material ou substancial que abarca a justiça social e o desenvolvimento sustentável Uso no Brasil A CDI é valioso instrumento para a interpretação do direito à democracia e dos direitos políticos no Brasil especialmente diante de inovações como a Lei da Ficha Limpa que busca afastar temporariamente das eleições aqueles cuja conduta revela falta de compromisso com o direito à boa governança entre outros 11 Carta Social das Américas A Carta Social das Américas foi aprovada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos OEA em 2012 em linha com o que dispõe a Carta Democrática Interamericana no que tange à interdependência entre o desenvolvimento econômico e social e a democracia A Carta estimula os Estados a erradicar a pobreza enfrentar a exclusão social e combater a desigualdade que são considerados óbices à consolidação da democracia no continente A Carta possui 35 artigos divididos em 5 capítulos 1 justiça social desenvolvimento com igualdade e democracia 2 desenvolvimento econômico inclusivo e equitativo 3 desenvolvimento cultural diversidade e pluralidade 4 solidariedade e esforço conjunto das Américas e 5 cooperação interamericana para a obtenção de justiça social e eliminação da pobreza Nos considerandos a Carta reconhece a universalidade a indivisibilidade e a interdependência de todos os direitos humanos e seu papel essencial para o desenvolvimento social e a realização do potencial humano e reconhecendo a legitimidade e a importância do Direito Internacional dos Direitos Humanos para sua promoção e proteção Entretanto esse reconhecimento da indivisibilidade dos direitos humanos não impede a Carta de prever timidamente a adoção progressiva de medidas para implementar os direitos sociais em sentido amplo por parte dos Estados membros o que não ocorre com os direitos civis e políticos O primeiro capítulo abarca dispositivos sobre a busca pela justiça social que deve ser promovida pelos Estados já que o desenvolvimento com igualdade fortalece a democracia sendo ambos interdependentes e se reforçam mutuamente Foi enfatizado que a garantia dos direitos econômicos sociais e culturais são inerentes ao desenvolvimento integral ao crescimento econômico com igualdade e à consolidação da democracia nos Estados art 2º Contudo os Estados devem implementar tais direitos apenas progressivamente pela adoção de políticas e programas que considerem mais eficazes e adequados às suas necessidades em conformidade com as escolhas democráticas e os recursos disponíveis O combate à pobreza deve ser objetivo do Estado para que seja suprimida a exclusão social e desigualdade devendo ser adotadas políticas e programas públicos para alcançar esse fim Por sua vez cada Estado tem a responsabilidade primordial pelo seu desenvolvimento e ao escolher seu sistema econômico e social em um ambiente de democracia deve buscar o estabelecimento de uma ordem econômica e social mais justa que possibilite a plena realização do ser humano Nessa linha a Carta estipula que a pessoa humana é o centro partícipe e beneficiária principal do processo de desenvolvimento econômico inclusivo justo e equitativo art 6º Por isso as políticas econômicas e sociais devem promover a geração de emprego e a redução da desigualdade de renda focando no combate à pobreza desigualdade e dignidade o que é uma luta conjunta do Estado e da sociedade civil Os Estados devem buscar eliminar os obstáculos ao desenvolvimento com vistas à consolidação e plena vigência dos direitos civis políticos econômicos sociais e culturais art 7º No tocante aos direitos dos trabalhadores cabe ao Estado a promoção do trabalho decente a redução do desemprego e do subemprego e a atenção aos desafios do trabalho informal que constituem elementos essenciais para que se alcance o desenvolvimento econômico com igualdade art 8º A Carta faz ainda referência à Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Acompanhamento de 1998 pela qual se busca o fomento de uma força de trabalho de qualidade e com justiça social Além disso os Estados devem promover e executar políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico com justiça social reconhecendo a importância dos programas que contribuam para a inclusão e a coesão social e gerem renda e emprego A Carta ressalta o importante papel das micro pequenas e médias empresas bem como das cooperativas e outras unidades de produção As políticas públicas e as estruturas normativas devem promover a criação de novas empresas e a incorporação do setor informal à economia formal art 9º Apesar da forte inclinação na proteção dos trabalhadores e dos setores excluídos das sociedades americanas a Carta reconhece o direito de propriedade art 11 pugnando pela criação de um sistema de direitos de propriedade voltado a oferta de segurança jurídica aos povos das Américas facilitando a formação de capital e promovendo o desenvolvimento econômico com justiça social e desse modo contribuindo para a sua prosperidade geral A Carta valorizou também o meio ambiente os Estados promoverão em parceria com o setor privado e a sociedade civil o desenvolvimento sustentável por meio do crescimento econômico do desenvolvimento social e da conservação e uso sustentável dos recursos naturais Por sua vez a Carta estabelece que os Estados devem implementar políticas de proteção social integral com prioridade aos vulneráveis art 14 reconhecendo as contribuições dos povos indígenas afrodescendentes e comunidades migrantes para o processo histórico continental devendose valorizálas Por isso cabe aos Estados adotar políticas para promover a inclusão e prevenir combater e eliminar todo tipo de intolerância e discriminação especialmente a discriminação de gênero étnica e racial para resguardar a igualdade de direitos e oportunidades e fortalecer os valores democráticos Tal qual a Carta Democrática Interamericana a Carta Social das Américas CSA não é um texto vinculante possuindo a natureza jurídica de soft law primária ou seja um diploma não vinculante que serve para apontar aos Estados condutas que podem se transformar em normas vinculantes no futuro pela sua aceitação como norma consuetudinária ou inserção em tratados internacionais Outra possibilidade de aplicação da Carta Social é seu uso pela Corte Interamericana de Direitos Humanos como instrumento de interpretação da dimensão social dos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos QUADRO SINÓTICO Carta Social das Américas CSA Natureza jurídica Soft law mas pode ser utilizado como instrumento de interpretação da dignidade humana e da dimensão social dos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos Objetivo Tratar dos direitos sociais e das missões dos Estados no combate à pobreza exclusão social e miséria no continente Vincula ainda desenvolvimento social com democracia Uso no Brasil A CSA é valioso instrumento para a interpretação dos deveres do Estado na elaboração de políticas econômicas que não podem gerar mais exclusão e concentração de renda 12 Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas A crescente longevidade da humanidade impacta no crescimento da população idosa que abrange os indivíduos de 60 anos ou mais Dados da ONU indicam que o número de pessoas idosas no mundo dobrará de aproximadamente 841 milhões em 2013 para mais de 2 bilhões em 2050 241 A longevidade crescente obtida pela humanidade e o consequente envelhecimento populacional global sensibilizou a Organização das Nações Unidas a tratar da matéria nas últimas décadas com a adoção dos seguintes textos normativos i Plano Internacional de Ação sobre Envelhecimento fruto de conferência mundial sobre envelhecimento organizada pela ONU ii Resolução n 45106 da Assembleia Geral de 1990 que designou o dia 1º de outubro como o Dia Internacional da Pessoa Idosa iii Resolução n 46 de 1991 que adotou os Princípios das Nações Unidas em favor das Pessoas Idosas Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento de Madri de 2002 na segunda conferência mundial sobre a temática organizada pela ONU entre outros Esses textos não são dotadas de força vinculante compondo a soft law da matéria mas que podem servir para interpretação em face da pessoa idosa do alcance dos direitos previstos nos tratados No plano convencional onusiano o Comentário ou Observação Geral n 6 1996 do Comitê para os Direitos Sociais Econômicos e Culturais do PIDESC Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais fez aprofundada interpretação dos direitos das pessoas idosas com base nos ditames do Pacto Em 2014 o Conselho de Direitos Humanos da ONU designou um Especialista Independente para o gozo de todos os direitos humanos das pessoas idosas No plano interamericano foi adotada a Declaração de Brasília sobre o Envelhecimento durante a II Conferência Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e no Caribe em dezembro de 2007 Nesse diploma de soft law ficou claro que a velhice não pode mais ser tratada como uma etapa de vida episódica ou mesmo curta mas sim como uma fase regular e cada vez maior da vida do ser humano Em 2015 a OEA deu um importante passo adicional ao adotar a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas A Convenção já foi assinada pelo Brasil 1562015 mas ainda não foi ratificada e incorporada internamente na data do fechamento deste Curso Possui em 2019 7 Estados partes Essa Convenção é pioneira nas Américas e também precede a eventual tratado universal sobre os direitos das pessoas idosas A adoção de um tratado específico fornece i visibilidade e ii aprofunda a redação e amplitude dos direitos ao segmento vulnerável como ocorreu agora com a Convenção Interamericana A Convenção é composta por 41 artigos e visa promover proteger e assegurar o pleno gozo e exercício dos direitos do idoso Define inicialmente a pessoa idosa como aquela com 60 anos ou mais exceto se a lei interna determinar uma idadebase menor ou maior desde que esta não seja superior a 65 anos No Brasil em linha com a Convenção o Estatuto do Idoso Lei n 107412003 define a pessoa idosa como aquela com idade igual ou superior a 60 anos Em 2017 foi editada a Lei n 13466 pela qual foi alterado o Estatuto do Idoso tendo sido prevista a figura qualificada do idoso com mais de 80 anos A nova lei assegurou dentre os idosos prioridade especial aos maiores de oitenta anos atendendose suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos O envelhecimento consiste para a Convenção em um processo gradual que se desenvolve durante o curso de vida e que implica alterações biológicas fisiológicas psicossociais e funcionais de várias consequências as quais se associam com interações dinâmicas e permanentes entre o sujeito e seu meio Por isso a Convenção adota como dever do Estado a promoção do envelhecimento ativo e saudável que consiste no processo pelo qual se otimizam as oportunidades de bemestar físico mental e social da pessoa idosa possibilitando a participação em atividades sociais econômicas culturais espirituais e cívicas bem como assegurando proteção segurança e atenção com o objetivo de ampliar sua expectativa de vida saudável e com qualidade e permitindo à pessoa idosa seguir contribuindo ativamente nas relações familiares e sociais O principal vetor da Convenção é a promoção de direitos da pessoa idosa pautada na dignidade independência protagonismo e autonomia Assim não é possível em virtude da idade excluir a pessoa idosa das decisões que a afetem Entre os principais direitos assegurados pela Convenção estão i Direito à vida digna na velhice A pessoa idosa tem direito à vida digna na velhice em igualdade de condições com outros setores da população A Convenção não adotou posição sobre a eutanásia 242 mas exige dos Estados que estabeleçam os cuidados paliativos que consiste na atenção e no cuidado ativo integral e interdisciplinar de pacientes cuja enfermidade não responde a um tratamento curativo ou que sofrem dores evitáveis a fim de melhorar sua qualidade de vida até a morte De acordo com a Convenção os cuidados paliativos não aceleram nem retardam a morte Os Estados devem ainda estabelecer medidas que impeçam o sofrimento desnecessário e as intervenções fúteis e inúteis a chamada obstinação terapêutica em conformidade com o direito do idoso a expressar o consentimento informado ii Direito à independência e à autonomia O respeito à autonomia da pessoa idosa na tomada de suas decisões bem como a independência na realização de seus atos implica uma série de consequências como por exemplo que a pessoa idosa tenha a oportunidade de escolher seu lugar de residência e onde e com quem viver em igualdade de condições com as demais pessoas e não se veja obrigado a viver de acordo com um sistema de vida específico iii Direito à participação e integração comunitária A pessoa idosa tem direito à participação ativa produtiva plena e efetiva dentro da família da comunidade e da sociedade para sua integração em todas elas iv Direito à saúde e consentimento livre e informado A pessoa idosa tem direito a aceitar recusar ou interromper voluntariamente tratamentos médicos ou cirúrgicos inclusive os da medicina tradicional alternativa e complementar pesquisa experimentos médicos ou científicos sejam de caráter físico ou psíquico e a receber informação clara e oportuna sobre as possíveis consequências e os riscos dessa decisão v Direitos à seguridade social Todo idoso tem direito à seguridade social que o proteja para levar uma vida digna vi Direito ao trabalho A pessoa idosa tem direito ao trabalho digno e à igualdade de oportunidades e de tratamento em relação aos outros trabalhadores independentemente da idade Por sua vez a Convenção prevê que os Estados devem adotar as medidas legislativas administrativas ou de outra índole para promover o emprego formal do idoso e regular as diversas formas de autoemprego e o emprego doméstico e para impedir a discriminação profissional do idoso O conjunto de direitos previsto na Convenção pode ser resumido como consistindo no direito ao cuidado com autonomia e protagonismo da pessoa idosa QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas Natureza jurídica Tratado assinado mas não ratificado ainda pelo Brasil Objetivo Fomentar o envelhecimento ativo e saudável que consiste no processo pelo qual se otimizam as oportunidades de bemestar físico mental e social da pessoa idosa possibilitando a participação em atividades sociais econômicas culturais espirituais e cívicas bem como assegurando proteção segurança e atenção com o objetivo de ampliar sua expectativa de vida saudável e com qualidade e permitindo à pessoa idosa seguir contribuindo ativamente nas relações familiares e sociais Essência da Convenção Promoção de direitos da pessoa idosa pautada na dignidade independência protagonismo e autonomia Assim não é possível em virtude da idade excluir a pessoa idosa das decisões que a afetem 13 Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância Em junho de 2013 na Assembleia ordinária da Organização dos Estados Americanos realizada em Antígua foram aprovadas duas importantes convenções contra a intolerância e discriminação a Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância numerada como A68 e a Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância numerada como A69 A elaboração dessas convenções teve início com a iniciativa em 2000 da Assembleia Geral da OEA que recomendou ao Conselho Permanente que estudasse a possibilidade de elaborar projeto de convenção interamericana para prevenir sancionar e erradicar o racismo e toda forma de discriminação e intolerância Em 2011 o Grupo de Trabalho encarregado da redação da minuta do texto entendeu ser necessário dividir o projeto original abandonandose a ideia de uma grande convenção antidiscriminação uma vez que alguns Estados não ratificariam uma convenção que abarcasse temas envolvendo identidade de gênero e orientação sexual Por isso a primeira convenção A68 centrouse no combate ao racismo e à discriminação racial a segunda A69 ataca a discriminação e a intolerância em geral combatendo facetas inéditas no Direito Internacional convencional referentes à discriminação como aquelas geradas por orientação sexual identidade de gênero e condição infectocontagiosa estigmatizada Essas convenções tratam de atualizar e fazer avançar o acervo antidiscriminatório do Direito Internacional dos Direitos Humanos que tem seu marco inicial na edição da Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 Quanto à Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância esta já foi assinada mas não ratificada pelo Brasil Possui até 2019 apenas um Estado parte Uruguai 243 Essa Convenção é pioneira nas Américas e também precede a eventual tratado universal sobre o combate à discriminação e intolerância em geral Além disso essa convenção realizou avanço significativo na matéria nenhuma outra convenção de direitos humanos possui até o momento um conceito tão inclusivo no que tange às diferentes facetas da discriminação explicitando fatores de discriminação e grupos vulneráveis como a orientação sexual e migrantes outrora esquecidos Em linhas gerais a adoção de um tratado específico sobre discriminação e intolerância é importante porque fornece i visibilidade e ii aprofunda a redação e amplitude dos direitos ao segmento vulnerável como ocorreu agora com essa Convenção Interamericana Nos Considerandos a Convenção estabelece o dever dos Estados de fomentar e estimular o respeito aos direitos humanos sem distinção de sexo idade orientação sexual idioma religião opiniões políticas ou de qualquer natureza origem social posição econômica condição de migrante refugiado ou deslocado interno nascimento condição infectocontagiosa estigmatizada característica genética deficiência sofrimento psíquico incapacitante ou qualquer outra condição social Por isso fica estabelecido que uma sociedade pluralista e democrática deve respeitar a identidade cultural linguística religiosa de gênero e sexual de toda pessoa que pertença ou não a uma minoria bem como criar condições que lhe permitam expressar preservar e desenvolver tal identidade A Convenção é composta por 22 artigos e visa a promoção de direitos pautada na dignidade ausência de qualquer discriminação odiosa e respeito à alteridade combatendo simultaneamente a intolerância e a busca da exclusão ilegítima do outro Nessa linha a Convenção define discriminação como sendo qualquer i distinção ii exclusão iii restrição ou iv preferência em qualquer esfera pública ou privada que tenha como objetivo ou efeito anular ou limitar o reconhecimento gozo ou exercício em condições de igualdade de direitos humanos consagrados em instrumentos internacionais Assim a discriminação é todo tratamento de diferenciação restrição ou mesmo exclusão sem justificativa racional e proporcional realizado por agentes públicos ou privados visando a privação ou prejuízo a direitos de outrem Na linha dos considerandos o art 11 da Convenção estipula que a discriminação pode estar baseada em 15 motivos a saber i nacionalidade ii idade iii sexo iv orientação sexual v identidade e expressão de gênero 244 vi idioma vii religião viii identidade cultural ix opiniões políticas ou de qualquer natureza x origem social xi posição socioeconômica xii nível de educação xiii condição migratória de refugiado repatriado apátrida ou deslocado interno xiv deficiência xv característica genética xvi condição de saúde mental ou física incluindo doença infectocontagiosa psíquica incapacitante ou qualquer outra A discriminação pode ser direta ou indireta a discriminação direta assume um dos critérios de diferenciação vistos acima para gerar desvantagem de modo desigual e injusto a discriminação indireta adota critério aparentemente neutro mas que implica em desvantagem maior para os que pertencem a determinado grupo Ainda a discriminação pode ser múltipla ou agravada que consiste em qualquer preferência distinção exclusão ou restrição baseada concomitantemente em dois ou mais fatores de diferenciação já expostos acima A Convenção não considera discriminação odiosa as medidas especiais ou ações afirmativas que são adotadas para assegurar a igualdade material e o exercício de direitos por parte de determinados grupos desde que tais medidas não impliquem na manutenção de direitos separados para grupos distintos e ainda que sejam temporárias até que seus objetivos sejam atingidos Já a intolerância consiste no ato conjunto de atos ou manifestações que expressam o desrespeito rechaço ou desprezo da dignidade características convicções e opiniões de seres humanos por serem diferentes ou contrárias A intolerância pode ser manifestada em atos de marginalização ou mesmo exclusão da participação na vida pública ou privada de grupos em condições de vulnerabilidade bem como pode ser expressa em atos de violência Entre seus principais dispositivos estão i Direitos protegidos A Convenção determina que todo ser humano é igual perante a lei e tem direito à proteção igualitária contra toda forma de discriminação e intolerância em qualquer âmbito da sua vida pública e privada Nessa linha todo ser humano tem o direito ao reconhecimento gozo exercício e proteção em condições de igualdade de todos os demais direitos e liberdades consagrados no direito nacional e internacional tanto no âmbito individual quanto no coletivo ii Reconhecimento do dever do Estado em prevenir e reprimir a discriminação e intolerância Os Estados devem prevenir eliminar proibir e sancionar os atos e manifestações de intolerância e discriminação em todas as áreas o que inclui o uso da internet ou qualquer meio de comunicação para tais propósitos combate ao hate speech iii Adoção de políticas e ações afirmativas Os Estados devem adotar políticas e ações afirmativas para garantir o gozo e o exercício de direitos por parte das pessoas e grupos discriminados e alvos de intolerância com o objetivo de promover condições de igualdade e oportunidade para todos iv Representação política pautada na diversidade Os Estados devem assegurar que seus sistemas políticos e jurídicos reflitam apropriadamente a diversidade dentro de suas sociedades a fim de atender às necessidades especiais e legítimas de cada setor da população para combater a discriminação e intolerância v Mandados de criminalização Os Estados comprometemse a assegurar às vítimas de discriminação e intolerância um tratamento equitativo igualitário e não discriminatório no acesso ao sistema justiça com processos ágeis e eficazes para que seja obtida uma justa reparação no âmbito civil ou penal vi Supervisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos A Convenção estabelece sistema de petição individual e interestatal para a Comissão IDH que por sua vez pode enviar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos caso o Estado infrator tenha reconhecido a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte vii Comitê Interamericano para a Prevenção e Eliminação do Racismo Discriminação Racial e Todas as Formas de Discriminação e Intolerância Foi criado um Comitê composto por especialistas independentes nomeados pelos Estados Partes que tem a atribuição de monitorar os compromissos assumidos perante esta Convenção e também perante a Convenção Interamericana contra o Racismo a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância a seguir comentada QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância Natureza jurídica Tratado assinado mas não ratificado ainda pelo Brasil Objetivo Promover o respeito aos direitos sem discriminação odiosa de qualquer natureza abrangendo fatores de discriminação e intolerância não mencionados explicitamente em tratados anteriores como a discriminação por orientação sexual por condição infectocontagiosa estigmatizada etc Essência Estabelece o dever dos Estados de fomentar e estimular o respeito aos direitos humanos sem distinção de sexo idade orientação sexual idioma religião opiniões políticas ou de qualquer natureza origem social da Convenção posição econômica condição de migrante refugiado ou deslocado interno nascimento condição infectocontagiosa estigmatizada característica genética deficiência sofrimento psíquico incapacitante ou qualquer outra condição social 14 Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância A Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância foi aprovada em 2013 pela Organização dos Estados Americanos tendo já sido assinada mas não ratificada pelo Brasil Atualmente em vigor possui em 2019 somente 3 Estados partes 245 Nos Considerandos a Convenção estabelece o dever dos Estados de erradicar total e incondicionalmente o racismo a discriminação racial e toda forma de intolerância Por isso fica estabelecido que o Estado democrático deve fomentar a igualdade jurídica efetiva e ainda criar mecanismos que favoreçam a igualdade de oportunidade combatendo a discriminação racial em todas as suas manifestações individuais estruturais e institucionais Para a Convenção o racismo consiste em qualquer teoria doutrina ideologia ou conjunto de ideia que sustenta a existência de um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupo de indivíduos com suas características intelectuais culturais e de personalidade incluindo o falso conceito de superioridade racial Já a discriminação racial consiste em qualquer i distinção ii exclusão iii restrição ou iv preferência em qualquer esfera pública ou privada baseada em motivos de raça cor linhagem ou origem nacional ou étnica que tenha como objetivo ou efeito anular ou limitar o reconhecimento gozo ou exercício em condições de igualdade de direitos humanos consagrados em instrumentos internacionais Assim a discriminação é todo tratamento de diferenciação restrição ou mesmo exclusão sem justificativa razoável realizado por agentes públicos ou privados visando a privação ou prejuízo a direitos de outrem Por sua vez tal qual visto na Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância não se considera discriminação odiosa as medidas especiais ou ações afirmativas que são adotadas para assegurar a igualdade material e o exercício de direitos por parte de determinados grupos desde que tais medidas não impliquem na manutenção de direitos separados para grupos distintos e ainda que sejam temporárias até que seus objetivos sejam atingidos A Convenção é composta por 22 artigos e entre seus principais dispositivos estão i Direitos protegidos A Convenção estipula que todo ser humano é igual perante a lei e tem o direito à idêntica proteção contra o racismo a discriminação racial e formas conexas de intolerância em qualquer âmbito da vida pública e privada Nessa linha todo ser humano tem o direito ao reconhecimento gozo exercício e proteção em condições de igualdade de todos os demais direitos e liberdades consagrados no direito nacional e internacional tanto no âmbito individual quanto no coletivo ii Reconhecimento do dever do Estado em prevenir eliminar proibir e sancionar A Convenção determina que os Estados adotem medidas para prevenir eliminar proibir e sancionar todos os atos e manifestações de racismo discriminação racial e formas conexas de intolerância o que inclui o apoio privado ou público a atividades racialmente discriminatórias e racistas promoção de ódio qualquer tipo de defesa ou promoção de atos de genocídio ou de crimes contra a humanidade entre outros iii Adoção de políticas e ações afirmativas Os Estados devem adotar políticas e ações afirmativas para garantir o gozo e o exercício de direitos por parte das pessoas e grupos discriminados com o objetivo de promover condições de igualdade e oportunidade para todos iv Adoção de leis contra o racismo Os Estados devem adotar legislação que defina e proíba claramente o racismo discriminação racial e formas conexas de intolerância tanto no setor público quanto no privado em especial na área do emprego participação em organizações profissionais educação moradia saúde etc v Mandados de criminalização Os Estados comprometemse a assegurar às vítimas de discriminação e intolerância um tratamento equitativo igualitário e não discriminatório no acesso ao sistema justiça com processos ágeis e eficazes para que seja obtida uma justa reparação no âmbito civil ou penal vi Supervisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos A Convenção estabelece sistema de petição individual e interestatal para a Comissão IDH que por sua vez pode enviar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos caso o Estado infrator tenha reconhecido a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte vii Comitê Interamericano para a Prevenção e Eliminação do Racismo Discriminação Racial e Todas as Formas de Discriminação e Intolerância Foi criado um Comitê composto por especialistas independentes nomeados pelos Estados Partes que tem a atribuição de monitorar os compromissos assumidos perante esta Convenção e também perante a Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância já comentada QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância Natureza jurídica Tratado assinado mas não ratificado ainda pelo Brasil Objetivo Busca erradicar total e incondicionalmente o racismo a discriminação racial e toda forma de intolerância Por isso fica estabelecido que o Estado democrático deve fomentar a igualdade jurídica efetiva e ainda criar mecanismos que favoreçam a igualdade de oportunidade combatendo a discriminação racial em todas as suas manifestações individuais estruturais e institucionais Essência da Convenção Reforça o dever dos Estados de combater o racismo a discriminação racial e as formas conexas de intolerância estipulando uma série de condutas a serem adotadas 15 Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas Como resultado de quase duas décadas de elaboração de um documento para a promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas nas Américas foi aprovada à unanimidade pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 15 de junho de 2016 AGdoc553716 a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas Tratase de instrumento de soft law que não possui força vinculante mas que pode servir para orientar a interpretação de tratados como a Convenção Americana de Direitos Humanos em sua incidência sobre a temática indígena Pautada pelo reconhecimento da contribuição dos povos indígenas para o desenvolvimento pluralidade e diversidade cultural das Américas a Declaração possui como objetivo respeitar e promover os direitos dos povos indígenas no continente americano nos seus aspectos políticos econômicos sociais culturais espirituais históricos e filosóficos Com um total de 41 artigos a Declaração é dividida em seis seções a seção primeira que abarca o âmbito de aplicação da declaração a seção segunda que aborda os direitos humanos e os direitos coletivos a seção terceira centrada na identidade cultural indígena a seção quarta relativa aos direitos de organização e aos direitos políticos a seção quinta que versa sobre os direitos sociais econômicos e de propriedade e a seção sexta com dispositivos gerais O artigo I determina o escopo de aplicação da declaração a todos os povos indígenas da América com especial valoração para a autoidentificação como critério de reconhecimento Em complementação os artigos II e III estipulam o respeito ao caráter pluricultural e multilíngue dos povos indígenas e o seu direito à autodeterminação O escopo de aplicação da declaração é limitado pelo artigo IV que impede a sua interpretação em sentido contrário à Carta da OEA ou que coloque em risco a integridade territorial e a unidade política dos Estados membros Na seção segunda relativa aos direitos humanos e coletivos dos povos indígenas os artigos V e VI reiteram a máxima do gozo de todos os direitos humanos pelos indígenas assim como dos direitos coletivos indispensáveis para a sua existência bemestar e desenvolvimento integral como povo O artigo VII por sua vez expressa a igualdade de gênero enfatizando os direitos das mulheres indígenas à proteção contra todas as formas de discriminação e violência Já o direito a pertencer a um povo indígena de acordo com a sua identidade tradição e costumes vedada qualquer hipótese de discriminação está expresso no artigo VIII A seguir os artigos IX e X reconhecem a personalidade jurídica dos povos indígenas e o direito de expressão livre da sua identidade cultural proibindo as tentativas externas de assimilação ou destruição da cultura indígena Os dois artigos subsequentes vedam práticas odiosas contra indígenas especificamente o genocídio racismo xenofobia e intolerância as quais devem ser combatidas com medidas preventivas e corretivas estatais A identidade cultural tema abordado na seção terceira é definida no artigo XIII como a integridade cultural e o patrimônio tangível e intangível histórico e ancestral a ser preservado para a coletividade e para as gerações futuras Ocorrendo violação à identidade cultural os Estados devem garantir a reparação aos indígenas por meio de mecanismos de restituição dos bens culturais intelectuais religiosos e espirituais dos quais os indígenas foram privados sem o seu consentimento O artigo XIV versa sobre os sistemas de linguagem e comunicação indígenas os quais devem ser preservados utilizados e repassados Na mesma linha o direito à educação a todas as crianças indígenas sem discriminação em relação aos não indígenas é previsto no artigo XV o qual autoriza ainda a educação nos métodos culturais de aprendizagem indígena inclusive em seus próprios idiomas Já o artigo XVI foca na liberdade de exercício da espiritualidade indígena nas suas mais diversas formas o qual inclui a realização de tradições e cerimônias em público o acesso a locais sagrados e a proteção dos símbolos religiosos Nos ditames do artigo XVII é garantida ainda a preservação dos próprios sistemas de família indígenas nas variadas formas de união patrimonial filiação e descendência Nas questões de custódia e adoção prevêse o melhor interesse da criança indígena como critério norteador abarcando o direito de desfrutar da própria cultura religião e idioma O direito à saúde é tutelado de forma ampla no artigo XVIII Permitese o uso dos sistemas e práticas de saúde indígenas plantas animais e minerais de uso medicinal assim como o acesso irrestrito aos serviços de saúde acessíveis à população em geral ao mesmo tempo em que vedase a experimentação médica ou biológica e a esterilização sem consentimento Intrinsecamente ligado ao direito à saúde indígena o direito ao meio ambiente sadio está disposto no artigo XIX com destaque para o manejo sustentável das terras territórios e recursos indígenas Aos indígenas são garantidos igualmente os direitos de organização e os direitos políticos O artigo XX reforça os direitos de livre associação reunião liberdade de expressão e pensamento Já os artigos XXI e XXII trazem como consequência do direito a autodeterminação o direito ao autogoverno em questões relacionadas aos assuntos locais e internos indígenas bem como o direito à jurisdição indígena desde que em conformidade com as normas internacionais de proteção aos direitos humanos Ainda os direitos de participação ampla e efetiva dos povos indígenas na vida política estão dispostos no artigo XXIII e o direito dos povos indígenas nos tratados e acordos construtivos é elucidado no artigo XXIV O art XXIII numeral 2 determina que os Estados devem obter o consentimento livre prévio e informado dos povos indígenas antes de adotar e aplicar medidas legislativas ou administrativas que os afetem O direito dos indígenas sobre as terras e recursos que tradicionalmente ocupam e utilizam bem como o reconhecimento das formas alternativas de propriedade posse e domínio de terras são previstas no artigo XXV Igualmente o direito de uma comunidade indígena manter se em isolamento voluntário é resguardado no artigo XXVI O artigo XXVII detalha os direitos trabalhistas dos indígenas fixando a obrigação estatal de adotar medidas para eliminar práticas exploratórias e discriminatórias Por sua vez o patrimônio cultural indígena e a sua propriedade intelectual coletiva a qual inclui os conhecimentos tradicionais sobre recursos genéticos e procedimentos ancestrais são protegidos no artigo XXVIII Reconhecendo as violações e abusos sistemáticos sofridos pelos povos indígenas os artigos XXIX e XXX pormenorizam os direitos ao desenvolvimento político social econômico e cultural à paz à segurança e à proteção dos indígenas limitase a realização de atividades militares em territórios indígenas às situações de interesse público pertinente ou consentimento da parte Na última seção da Declaração os artigos XXXI e XXXII reforçam a obrigação estatal em garantir o pleno gozo de todos os direitos por indígenas sem discriminação de gênero Nessa linha o artigo XXXIII prevê o acesso aos recursos judiciais para a reparação de violação aos direitos indígenas enquanto o artigo XXXIV tutela a participação ampla e efetiva dos indígenas nos referidos procedimentos Além disso os artigos XXXV e XXXVI reiteram a complementaridade entre a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas e o direito internacional dos direitos humanos não sendo autorizada nenhuma interpretação que não esteja de acordo com a proteção internacional de direitos humanos O artigo XXXVII compreende o direito dos povos indígenas a assistência financeira e técnica dos Estados e os artigos XXXVIII a XL estipulam o dever dos Estados membros da OEA em promover o pleno respeito aos direitos da Declaração Finalmente o artigo XLI faz expressa menção à Declaração da ONU sobre o Direito dos Povos Indígenas concluindo que ambas contêm as normas mínimas para a sobrevivência dignidade e bemestar dos povos indígenas das Américas QUADRO SINÓTICO Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas Natureza jurídica Resolução da Assembleia Geral da OEA em 14 de junho de 2016 soft law que não possui força vinculante mas que pode servir para orientar a interpretação de tratados como a Convenção Americana de Direitos Humanos em sua incidência sobre a temática indígena Objetivo Promover e proteger os direitos necessários para a sobrevivência dignidade e bemestar dos povos indígenas nas Américas Essência do documento Reconhecer a contribuição dos povos indígenas para o desenvolvimento pluralidade e diversidade cultural das Américas e promover os direitos dos povos indígenas nos seus aspectos políticos econômicos sociais culturais espirituais históricos e filosóficos 16 Acordo Regional sobre Acesso à Informação Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe Acordo de Escazú O Acordo Regional sobre Acesso à Informação Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe conhecido como Acordo de Escazú cidade da Costa Rica na qual o tratado foi adotado tem por objetivo combater a desigualdade a discriminação e garantir o direito a um meio ambiente saudável e ao desenvolvimento sustentável especialmente em relação às pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade Foi adotado em 2018 no bojo da comemoração do 70º aniversário da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CEPAL e da Declaração Universal dos Direitos Humanos tendo se inspirado na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio20 de 2012 e fundamentado no Princípio 10 246 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 o qual trata do direito de acesso à informação e à reparação de danos Consagra o i multilateralismo regional da América Latina e Caribe estimulado pela Organização das Nações Unidas bem como ii a inserção da temática ambiental no arcabouço de um tratado de direitos humanos O objetivo do Acordo é assegurar a implementação plena e efetiva na América Latina e no Caribe de três direitos a saber i direito de acesso à informação ambiental ii direito de participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais e iii direito de acesso à justiça em questões ambientais Além disso há a previsão de criação e de fortalecimento das capacidades e cooperação contribuindo para a proteção do direito de cada pessoa das gerações presentes e futuras a viver em um meio ambiente saudável e a um desenvolvimento sustentável Por isso o art 4º prevê expressamente que o Estado parte garantirá o direito de toda pessoa a viver em um meio ambiente saudável bem como qualquer outro direito humano universalmente reconhecido que esteja relacionado Nesse sentido ficou explicitado o direito a acessar a informação ambiental que esteja em i poder do Estado sob seu iii controle ou custódia de acordo com o princípio de máxima publicidade O acesso à informação poderá ser recusado em conformidade com a legislação nacional Nessa hipótese a autoridade pública deverá comunicar por escrito a denegação incluindo as disposições jurídicas e as razões que justificarem essa decisão em cada caso e informar ao solicitante sobre seu direito de impugnála e recorrer Caso não haja um regime nacional de exceções ao acesso o acordo prevê a recusa de fornecimento da informação fundada nas seguintes hipóteses i quando a divulgação da informação puder pôr em risco a vida a segurança ou a saúde de uma pessoa física ii quando a divulgação da informação afetar negativamente a segurança nacional a segurança pública ou a defesa nacional iii quando a divulgação da informação afetar negativamente a proteção do meio ambiente inclusive qualquer espécie ameaçada ou em risco de extinção ou iv quando a divulgação da informação gerar um risco claro provável e específico de dano significativo à execução da lei ou à prevenção investigação e persecução de delitos As autoridades competentes deverão responder a um pedido de informação ambiental com a máxima brevidade possível num prazo não superior a 30 dias úteis contados a partir da data de recebimento do pedido ou num prazo menor se assim estiver previsto expressamente na norma interna Importante requisito para o direito de acesso é a coleta e difusão das informações ambientais Por isso o art 6º dispõe sobre a i geração e ii divulgação da informação ambiental que devem ser feitas de modo sistemático proativo oportuno regular acessível e compreensível O acordo enuncia que cada Estado parte envidará todos os esforços para publicar e difundir em intervalos regulares que não superem cinco anos um relatório nacional sobre o meio ambiente que poderá conter a informações sobre o meio ambiente e os recursos naturais incluídos os dados quantitativos quando isso for possível b as ações nacionais para o cumprimento das obrigações legais em matéria ambiental c os avanços na implementação dos direitos de acesso d os convênios de colaboração entre os setores público e privado e a sociedade civil Esses relatórios deverão ser redigidos de maneira que sejam de fácil compreensão estar acessíveis ao público em diferentes formatos e ser difundidos através de meios apropriados considerando as realidades culturais Cada Estado poderá convidar o público a contribuir para esses relatórios e ainda incentivará a realização de avaliações independentes de desempenho ambiental que levem em conta critérios e guias acordados nacional ou internacionalmente e indicadores comuns a fim de avaliar a eficácia a efetividade e o progresso das políticas nacionais ambientais no cumprimento de seus compromissos nacionais e internacionais O Estado deve promover o acesso à informação ambiental contida nas concessões contratos convênios e autorizações que tenham sido concedidas e que envolvam o uso de bens serviços ou recursos públicos de acordo com a legislação nacional Por sua vez o Estado assegurará que os consumidores e usuários contem com informação i oficial ii pertinente e iii clara sobre as qualidades ambientais de bens e serviços e seus efeitos sobre a saúde favorecendo padrões de consumo e produção sustentáveis No tocante ao direito à participação pública há o compromisso de implantar mecanismos de participação do público nos processos de tomada de decisões revisões reexames ou atualizações relativos a projetos e atividades bem como em outros processos de autorizações ambientais que tenham ou possam ter um impacto significativo sobre o meio ambiente incluindo os que possam afetar a saúde Não se trata tão somente de tomar conhecimento o direito do público de participar nos processos de tomada de decisões ambientais incluirá a oportunidade de apresentar observações por meios apropriados e disponíveis que devem ser levadas em consideração pela autoridade pública antes da decisão Evitase assim a queixa tradicional de participação meramente formal da sociedade em audiências públicas Ponto importante envolvendo os direitos linguísticos dos povos indígenas no Brasil consta do acordo que quando o público diretamente afetado falar majoritariamente idiomas distintos dos oficiais a autoridade pública assegurará meios para que se facilite sua compreensão e participação Já quanto ao direito de acesso à justiça em questões ambientais este deve ser assegurado respeitandose as garantias do devido processo Para assegurar esse direito de acesso à justiça o Estado deve contar com a órgãos estatais competentes com acesso a conhecimentos especializados em matéria ambiental b procedimentos efetivos oportunos públicos transparentes imparciais e sem custos proibitivos c legitimação ativa ampla em defesa do meio ambiente em conformidade com a legislação nacional d a possibilidade de dispor de medidas cautelares e provisórias para entre outros fins prevenir fazer cessar mitigar ou recompor danos ao meio ambiente e medidas para facilitar a produção da prova do dano ambiental conforme o caso e se for aplicável como a inversão do ônus da prova e a carga dinâmica da prova f mecanismos de execução e de cumprimento oportunos das decisões judiciais e administrativas correspondentes e g mecanismos de reparação conforme o caso tais como a restituição ao estado anterior ao dano a restauração a compensação ou a imposição de uma sanção econômica a satisfação as garantias de não repetição a atenção às pessoas afetadas e os instrumentos financeiros para apoiar a reparação Tendo em vista os riscos pessoais aos defensores e defensoras de direitos ambientais o Estado deve assegurar que as pessoas os grupos e as organizações protetoras de direitos humanos em questões ambientais possam atuar sem ameaças restrições e insegurança Do ponto de vista institucional ficou estabelecida i a Conferência das Partes e o ii Comitê de Apoio à Implementação e ao Cumprimento como órgão encarregado de zelar por atividades de observância do acordo Cabe lembrar que este acordo é o primeiro tratado que se refere expressamente às pessoas defensoras de direitos humanos preocupandose com sua segurança QUADRO SINÓTICO Acordo Regional sobre Acesso à Informação Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe Acordo de Escazú Natureza jurídica Tratado celebrado sob os auspícios da ONU mas restrito à celebração pelos países da América Latina e Caribe Objetivo Assegurar a implementação plena e efetiva na América Latina e no Caribe de três direitos i direito de acesso à informação ambiental ii direito de participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais iii direito de acesso à justiça em questões ambientais Essência do documento Combater a desigualdade a discriminação e garantir o direito a um meio ambiente saudável e ao desenvolvimento sustentável especialmente em relação às pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade IV O SISTEMA DO MERCADO COMUM DO SUL MERCOSUL 1 Aspectos gerais do Mercosul e a defesa da democracia e dos direitos humanos Fruto de intensas negociações foi assinado em 26 de março de 1991 por Brasil Argentina Uruguai e Paraguai o Tratado de Assunção para Constituição do Mercado Comum do Sul Depois do depósito das devidas ratificações o Tratado de Assunção entrou em vigor em 29 de novembro de 1991 O Tratado de Assunção de 1991 é um marco no lento processo de integração entre as economias dos Estados do Cone Sul americano ao estabelecer como objetivo final a constituição de um mercado comum entre Brasil Argentina Paraguai e Uruguai e a partir de 12 de agosto de 2012 também a Venezuela 247 Em agosto de 2017 a Venezuela foi suspensa das atividades do bloco e só retornará até que haja a restauração da ordem democrática ver abaixo o mecanismo democrático do Mercosul São ainda Estados associados Bolívia Chile a partir de 1996 Peru a partir de 2003 Colômbia Equador a partir de 2004 Guiana e Suriname ambos desde 2013 O direito primário do Mercosul é composto essencialmente pelo Tratado de Assunção 1991 o Protocolo de Ouro Preto 1994 e o Protocolo de Olivos 2004 Esses acordos são considerados tipicamente acordos de integração econômica porque tratam do delineamento básico da organização internacional integracionista seus objetivos e instrumentos bem como seu sistema de solução de controvérsias Não há previsão específica ou capítulo próprio sobre a proteção de direitos humanos nesses tratados Contudo o Tratado de Assunção dispõe em seu preâmbulo sobre vários objetivos relacionados com a qualidade de vida dos indivíduos dos Estados membros do bloco em formação Na primeira alínea do Preâmbulo ficou estabelecido que a ampliação das atuais dimensões dos mercados nacionais dos Estados membros constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social Em complemento reconheceram os Estados que o Mercosul deve almejar melhorar as condições de vida de seus habitantes alínea sexta do Preâmbulo No Protocolo de Ouro Preto 1994 houve uma breve menção no Preâmbulo à necessidade de uma consideração especial para países e regiões menos desenvolvidos do Mercosul Assim há nos preâmbulos dos dois principais acordos do Direito do Mercosul uma fraca menção a objetivos sociais ou não econômicos da integração Todavia não há nos textos dos citados tratados qualquer menção explícita à proteção de direitos humanos ou a sua relação com o processo de integração Essa tibieza dos Estados é explicada pela concepção minimalista do Mercosul que objetiva a formação de um Mercado Comum em etapas sendo que a mais factível de ser alcançada ainda em formação é a união aduaneira Nesse contexto não havia maior divagação sobre o impacto da integração econômica na proteção de direitos humanos 2 Os protocolos de Ushuaia I e II Em que pese a ausência de menções específicas sobre a proteção de direitos humanos no Tratado de Assunção e no Protocolo de Ouro Preto espinha dorsal do Mercosul até o momento e também a ausência de um catálogo de direitos como o existente na União Europeia Carta de Direitos Fundamentais 248 houve evidente evolução na determinação dos direitos no âmbito do Mercosul especialmente no que tange à admissão e permanência dos Estados no bloco Em 1998 foi assinado o Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no Mercosul 249 por meio do qual os quatro membros e os dois Estados associados Chile e Bolívia reconheceram em um tratado internacional que a vigência das instituições democráticas é condição necessária para o gozo dos direitos de Estado membro ou associado do processo de integração do Cone Sul Assim toda ruptura da ordem democrática é considerada um obstáculo intransponível para o ingresso no bloco ou a continuidade do processo de integração No caso de ruptura da ordem democrática em um Estado Parte do Protocolo os demais Estados Partes iniciarão consultas entre si e com o Estado em crise Quando as consultas resultarem infrutíferas os demais Estados Partes do Protocolo no âmbito específico dos acordos de Integração vigentes entre eles devem decidir sobre a natureza e o alcance das medidas de coerção objetivando o retorno ao regime democrático serem aplicadas levando em conta a gravidade da situação existente O Protocolo em seu artigo 5º estabelece que as medidas compreenderão desde a suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos dos respectivos processos de integração até a suspensão dos direitos e obrigações resultantes destes processos As medidas previstas no mencionado artigo 5º deverão ser adotadas por consenso pelos Estados Partes daquele Protocolo e comunicadas ao Estado afetado que não participará do processo decisório pertinente Tais medidas entrarão em vigor na data em que se faça a comunicação respectiva De acordo com o artigo 7º do Protocolo as medidas cessarão com o pleno restabelecimento da ordem democrática Embora tenha sido tímido ao exigir o consenso para a tomada de medidas de coerção pelo menos seu artigo 8º estabelece que o Protocolo é parte integrante do Tratado de Assunção e dos respectivos Acordos de Integração celebrados entre o Mercosul Bolívia e Chile Na mesma linha foi subscrita em 1998 a Declaração Política do Mercosul Bolívia e Chile como Zona de Paz pela qual foi dito que a paz constitui elemento essencial para a manutenção do processo de integração regional Os Estados signatários da citada Declaração comprometeramse a desenvolver mecanismos de consulta e cooperação nas áreas de defesa segurança bem como desarmamento e uso pacífico da energia nuclear Em 2004 o Regime de Participação dos Estados Associados ao Mercosul estabelecido pela Decisão MercosulCMC n 182004 prevê art 2º que a adesão ao Protocolo de Ushuaia e à Declaração Presidencial sobre Compromisso Democrático no Mercosul constitui condição sine qua non para que um Estado venha a adquirir a condição de Estado Associado ao bloco cláusula reiterada em 2013 Decisão CMC n 1113 Em dezembro de 2011 foi aprovada pelo Conselho do Mercado Comum a futura reforma do mecanismo democrático do Mercosul com a adoção do Protocolo de Montevidéu sobre Compromisso com a Democracia no Mercosul chamado pelos próprios redatores de Protocolo Ushuaia II para demonstrar suas origens O novo Protocolo supre a lacuna do anterior e prevê exemplificadamente algumas medidas que podem ser adotadas para estimular o retorno à democracia como a suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos da estrutura institucional do Mercosul b fechamento das fronteiras c suspensão ou limitação do comércio o tráfego aéreo e marítimo as comunicações e o fornecimento de energia serviços e abastecimento d suspensão da Parte afetada do gozo dos direitos e benefícios emergentes do Mercosul e ações dos demais Estados para incentivar a suspensão do Estado infrator em outras organizações internacionais e também de direitos derivados de outros acordos de cooperação f ação dos Estados para apoiar os esforços regionais e internacionais para o retorno à democracia por exemplo na Organização das Nações Unidas ou na Organização dos Estados Americanos e g adoção de sanções políticas e diplomáticas adicionais O novo Protocolo almeja evitar que o inocente pague pelo culpado as medidas devem ser proporcionais à gravidade da situação existente e não deverão pôr em risco o bemestar da população e o gozo efetivo dos direitos humanos e liberdades fundamentais no Estado afetado Dos membros do Mercosul apenas a Venezuela já o ratificou No Brasil o projeto de Decreto Legislativo n 12902013 tramita sob regime de urgência no Congresso Nacional brasileiro e foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados estando em trâmite em setembro de 2019 Assim o Protocolo Ushuaia II não entrou em vigor mas pode servir como norte para a atuação dos Estados envolvidos uma vez que algumas das medidas de coerção listadas acima podem ser adotadas pelos países do Mercosul no interior do bloco ou ainda em suas próprias ações diplomáticas e em outras organizações internacionais 3 Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul O Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul é mais uma etapa rumo à consagração da proteção de direitos humanos no cenário integracionista do Mercosul Apesar de não conter uma Carta de Direitos Fundamentais o Protocolo busca inserir como veremos uma cláusula de direitos humanos do Mercosul Sua redação é fruto da I Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos e Chancelarias do Mercosul e Estados Associados foro criado em 2004 e foi prevista na Declaração Presidencial de Porto Iguaçu de 8 de julho de 2004 na qual os Presidentes dos Estados do Mercosul afirmaram o desejo de valorizar a promoção e garantia dos direitos humanos e as liberdades fundamentais no bloco Nos Considerandos da Decisão n 172005 do CMC que adotou o Protocolo realçouse que é fundamental assegurar a proteção promoção e garantia dos Direitos Humanos e as liberdades fundamentais de todas as pessoas e que o gozo efetivo dos direitos fundamentais é condição indispensável para a consolidação do processo de integração No preâmbulo do Protocolo encontramse as principais afirmações dos Estados Partes em prol dos direitos humanos no bloco De início salientouse o endosso aos princípios e normas contidos i na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem ii na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e iii em outros instrumentos regionais de direitos humanos Além disso o preâmbulo ressaltou que a democracia o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente tal qual foi expresso na Declaração e no Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993 Também foi feita referência às resoluções da Assembleia Geral e da Comissão de Direitos Humanos hoje Conselho das Nações Unidas nas quais ficou estabelecido que o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais são elementos essenciais da democracia Por outro lado o preâmbulo reconheceu as características de universalidade indivisibilidade interdependência e interrelação de todos os direitos humanos sejam direitos econômicos sociais culturais civis ou políticos Em que pese a força retórica dos considerandos e do preâmbulo o conteúdo do Protocolo foi tímido Em síntese o Protocolo criou um sistema de consultas similar ao atualmente previsto no Protocolo de Ushuaia para casos de ruptura democrática com previsão de adoção de medidas de reação contra violações sistemáticas e graves de direitos humanos em situação de crise institucional ou vigência de estados de exceção art 3º Com isso não estão incluídos no alcance do Protocolo os casos sistemáticos de violação de direitos humanos sem crise institucional ou estado de exceção como por exemplo ocorre no sistema prisional brasileiro na miséria crônica de várias regiões brasileiras ou paraguaias nas favelas argentinas etc Quando tais consultas resultarem ineficazes as demais Partes por consenso considerarão a natureza e o alcance das medidas a aplicar tendo em vista a gravidade da situação existente Tais medidas abarcarão desde a suspensão do direito a participar deste processo de integração até a suspensão dos direitos e obrigações emergentes do mesmo artigo 4º A falta de vontade de explicitar o teor das medidas de coerção ao Estado Membro violador de direitos humanos ficou evidente Além disso a regra do consenso que impera no Mercosul foi também aqui adotada o que pode dificultar a adoção de qualquer medida mais gravosa De qualquer modo o Protocolo de Assunção é um passo importante na construção normativa mercosulina porque insere o tema da violação grave e sistemática de direitos humanos como uma preocupação adicional do bloco QUADRO SINÓTICO Mercosul e Direitos Humanos Estágio da proteção da democracia e direitos humanos no Mercosul Protocolo de Ushuaia I ratificado e já incorporado internamente admissão e permanência de Estados no bloco estão vinculadas à democracia Protocolo de Ushuaia II ainda não em vigor aperfeiçoa a chamada cláusula democrática do Mercosul Protocolo de Assunção ratificado e incorporado internamente implanta sistema de reação do Mercosul em caso de graves violações de direitos humanos em crises institucionais ou vigência de estado de exceção Objetivo Vincula o processo de integração à proteção da democracia e promoção de direitos humanos Principais deveres dos Estados Cabe ao Mercosul estimular a preservação da democracia e promoção de direitos humanos Possibilidade de suspensão e exclusão do bloco e outras sanções Protocolos de Ushuaia I e II Consultas no caso do Protocolo de Assunção V MECANISMOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E MONITORAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS COMPETÊNCIA COMPOSIÇÃO E FUNCIONAMENTO 250 1 Aspectos gerais do sistema global ONU A Organização das Nações Unidas possui órgãos próprios e ainda relações de apoio administrativo e técnico com entes criados por tratados elaborados sob seu patrocínio voltados à proteção de direitos humanos O conjunto de mecanismos de proteção geridos tanto por órgãos onusianos quanto por órgãos previstos em tratados diversos apoiados pela ONU recebe o nome de sistema global onusiano ou universal de direitos humanos O ponto de união entre esses órgãos é a atuação da ONU quer i diretamente são órgãos da própria organização quer ii indiretamente são órgãos independentes previstos em tratados elaborados sob o patrocínio da ONU e recebem apoio técnico e administrativo daquela organização São órgãos e entes internos da ONU voltados precipuamente à proteção dos direitos humanos Conselho de Direitos Humanos Relatorias Especiais de Direitos Humanos Alto Comissariado de Direitos Humanos São órgãos e entes externos criados por tratados diversos elaborados com incentivo explícito da ONU e que recebem apoio da ONU Comitês criados por tratados internacionais de âmbito universal Tribunal Penal Internacional QUADRO SINÓTICO Sistema Onusiano Criação Conjunto de órgãos da ONU e ainda de tratados elaborados sob os auspícios da ONU Composição Conselho de Direitos Humanos Altos Comissários Relatores especiais Comitês criados pelos tratados internacionais e Tribunal Penal Internacional Competência Zelar pelo cumprimento da Carta da ONU e a depender do tratado do seu teor 2 Conselho de Direitos Humanos Em 10 de dezembro de 1946 o Conselho Econômico e Social da ONU decidiu criar um órgão específico para a promoção de direitos humanos denominado Comissão de Direitos Humanos que entrou em funcionamento em 1947 sendo extinta em 2006 e substituída pelo Conselho de Direitos Humanos O Conselho de Direitos Humanos é composto por 47 Estadosmembros e vinculado à Assembleia Geral da ONU e não mais ao Conselho Econômico e Social Seu surgimento em 2006 se deu por ampla maioria por meio da Resolução n 60251 da Assembleia Geral da ONU adotada por 170 votos favoráveis quatro contra Estados Unidos Israel Ilhas Marshall Palau e três abstenções Irã Belarus e Venezuela A admissão dos novos membros do Conselho de Direitos Humanos é regrada pela Resolução n 60251 que em seus parágrafos 7 8 e 9 determina que o Conselho deve contar com 47 membros eleitos de modo direto e individualmente por voto secreto da Assembleia Geral devendo ter representantes de várias regiões do globo Grupo dos Estados africanos 13 grupo dos Estados asiáticos 13 Grupo da Europa do Leste 6 Grupo da América Latina e Caribe 8 Grupo da Europa Ocidental e outros Estados 7 A Resolução exige que sejam escolhidos membros comprometidos com a proteção de direitos humanos ao mesmo tempo em que determinou que os Estados eleitos sejam submetidos ao mecanismo da revisão universal periódica ver abaixo Também foi fixada possível sanção aos eleitos por meio da suspensão do mandato de membro pela prática de grave e sistemática violação de direitos humanos por votação da Assembleia Geral com maioria de dois terços Essa suspensão foi posta em prática pela primeira vez em março de 2011 com a suspensão da Líbia por votação unânime da Assembleia Geral em virtude da repressão sangrenta aos opositores da ditadura de Kadafi Após a criação do Conselho adotouse o Mecanismo de Revisão Periódica Universal que coexiste com os procedimentos especiais ver abaixo criados ainda na época da extinta Comissão de Direitos Humanos QUADRO SINÓTICO Conselho de Direitos Humanos da ONU Criação 2006 sucedendo a Comissão de Direitos Humanos 19462006 Composição 47 Estadosmembros escolhidos por votação secreta da Assembleia Geral da ONU Competência Promover e fiscalizar a observância da proteção de direitos humanos pelos Estados da ONU Atualmente gere o sistema dos procedimentos especiais e o Mecanismo da Revisão Periódica Universal RPU 21 RELATORES ESPECIAIS A extinta Comissão de Direitos Humanos da ONU desenvolveu a partir do final da década de 60 procedimentos especiais de análise da situação de direitos humanos no mundo com base nos dispositivos genéricos da Carta de São Francisco que estabelecem o dever dos Estados de promover direitos humanos Em síntese não houve acordos específicos pelo contrário buscavase extrair a proteção aos direitos humanos da interpretação ampla dos objetivos da ONU e do dever de cooperação dos Estados para alcançar tais objetivos 251 Mesmo após a extinção da Comissão e sua substituição pelo Conselho de Direitos Humanos os procedimentos foram mantidos Existem o procedimento público baseado na Resolução n 1235 de 1967 do Conselho Econômico e Social e o procedimento confidencial Resolução n 1503 de 1970 do mesmo Conselho atualizada em 2007 pela Resolução n 51 do Conselho de Direitos Humanos O procedimento confidencial tem alcance diminuto pois visa apenas detectar quadro de violação grave e sistemática de direitos humanos em um país Por sua vez os procedimentos públicos exigem a nomeação de um órgão de averiguação de violações de direitos humanos cuja abrangência pode ser geográfica por país ou temática Esses órgãos de averiguação podem ser unipessoais ou coletivos A denominação varia nos casos unipessoais há o uso da expressão Relator Especial e ainda Especialista Independente no caso dos órgãos colegiados utilizase a expressão Grupo de Trabalho Esses relatores e especialistas são escolhidos pelo Conselho de Direitos Humanos a título pessoal não representando o Estado de nacionalidade e assumem o encargo sob juramento de independência e autonomia diante dos Estados Há um processo público de seleção no qual as qualificações da função são esclarecidas conhecimento de idioma oficial da ONU expertise na área da proteção de direitos humanos entre outros Eles não serão funcionários da ONU e só recebem ajuda de custo porém durante o exercício de suas funções são protegidos pela Convenção sobre as Prerrogativas e Imunidades das Nações Unidas especialmente o art 22 VI Seu trabalho consiste em realizar visitas aos países em missões de coleta de dados fact finding missions bem como em agir diante de violações de direitos humanos solicitando não podem exigir atenção do Estado infrator sobre os casos Seus relatórios não vinculam apenas contêm recomendações que são enviadas aos Estados e também ao Conselho de Direitos Humanos e Assembleia Geral da ONU O Brasil é um dos países do mundo que já comunicou ao Conselho de Direitos Humanos que aceita toda e qualquer visita dos Relatores e Grupos de Trabalho sem que estes precisem pedir anuência prévia a cada missão oficial no país O Alto Comissariado das Nações Unidas órgão da ONU com sede em Genebra fornece o suporte administrativo e técnico aos procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos Até 2019 há 57 procedimentos públicos sendo 44 temáticos e 12 geográficos por país 252 Entre as novidades dos últimos anos citese que em 2016 foi criada após superada a resistência de diversos Estados a primeira relatoria especial referente à orientação sexual e identidade de gênero com a designação do primeiro Especialista Independente do Conselho de Direitos Humanos para a proteção contra a violência e discriminação baseada em orientação sexual e identidade de gênero Em 2017 foi criado o Grupo de Trabalho sobre a questão de direitos humanos e empresas transnacionais e outras empresas comerciais QUADRO SINÓTICO Procedimentos especiais e seus relatores Criação 1967 Res n 1235 e 1970 Res n 1503 atualizada pela Res 51 de 2007 Composição Especialistas que a título pessoal e com independência são escolhidos pelo Conselho de Direitos Humanos Competência investigar situações de violação de direitos humanos efetuar visitas in loco com a anuência do Estado bem como elaborar relatórios finais contendo recomendação de ações aos Estados 22 REVISÃO PERIÓDICA UNIVERSAL No bojo da criação do Conselho de Direitos Humanos em 2006 foi criado o Mecanismo de Revisão Periódica Universal RPU A essência do RPU é o peer review monitoramento pelos pares pelo qual um Estado tem a sua situação de direitos humanos analisada pelos demais Estados da ONU e que futuramente poderá vir a substituir os procedimentos especiais vistos acima O RPU prevê que todos os Estados da ONU serão avaliados em períodos de quatro a cinco anos evitandose a seletividade e os parâmetros dúbios da escolha de um determinado país e não outro O trâmite é simples e previsto no anexo da Resolução n 51 do Conselho de Direitos Humanos de 18 de junho de 2007 De início cabe ao Estado a ser examinado apresentar i relatório nacional oficial ao Conselho de Direitos Humanos sobre a situação geral de direitos humanos em seu território Após apresentase ii uma compilação de todas as informações referentes a direitos humanos no Estado examinado constante dos procedimentos especiais do próprio Conselho de Direitos Humanos e demais órgãos internacionais de direitos humanos Por fim as organizações não governamentais e a instituição nacional de direitos humanos ver na Parte III item 181 o conceito de instituição nacional de direitos humanos podem também apresentar iii informes e outros documentos relevantes que serão resumidos por equipe do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos Após o Estado a ser examinado é questionado no Conselho de Direitos Humanos em relação à promoção de direitos humanos constante da Carta da ONU Declaração Universal dos Direitos Humanos e ainda nos tratados internacionais de direitos humanos eventualmente ratificados Esse exame tem como peçachave o diálogo construtivo entre o Estado sob revisão e outros Estadosmembros da ONU membros ou não do Conselho Para tanto é formado um Grupo de Trabalho capitaneado pelo Presidente do Conselho e composto pelos seus 47 Estadosmembros Todos os documentos acima expostos sobre a situação de direitos humanos devem ser apreciados em reunião desse Grupo de Trabalho prevista para durar três horas Esse diálogo permite ao Estado examinado responder às dúvidas e ainda opinar sobre os comentários e sugestões dos demais Estados Não há então condenação ou conclusões vinculantes Buscase a cooperação e adesão voluntária do Estado examinado Para sistematizar o exame são nomeados pelo Conselho três Estados escolhidos entre os diversos grupos regionais por sorteio conhecidos como troika que atuam como verdadeiros relatores da revisão periódica do Estado examinado Cabe à troika resumir as discussões elaborando o chamado Relatório de Resultado ou Relatório Final fazendo constar um sumário dos passos tomados no exame observações e sugestões dos Estados bem como as respostas e eventuais compromissos voluntários do Estado examinado Esse relatório será apreciado pelo colegiado do Conselho de Direitos Humanos O art 27 do Anexo da Resolução n 51 deixa claro que a RPU é um mecanismo cooperativo Assim o conteúdo do resultado do exame deverá conter uma avaliação objetiva e transparente da situação de direitos humanos do país que inclua os avanços e desafios ainda existentes bem como os compromissos voluntariamente aceitos pelo Estado examinado O Brasil foi pioneiro na proposição de um novo mecanismo de exame da situação de direitos humanos na ONU e na condição de membro da primeira composição do recémcriado Conselho acatou ser submetido a exame já na primeira sessão do Conselho No primeiro ciclo da RPU 20082011 a troika indicada foi composta por Gabão Arábia Saudita e Suíça que editou um Relatório de Resultado sobre o Brasil em maio de 2008 Em 2012 o Brasil foi submetido a nova revisão no segundo ciclo da RPU 20122016 a troika foi Equador Polônia e China O Brasil recebeu 170 recomendações das quais acatou integralmente 159 rejeitou uma e acatou parcialmente 10 Em 2017 o Brasil foi submetido ao terceiro ciclo da RPU que se iniciou em 2017 e deve terminar em 2021 tendo sido escolhidos o Quirguistão El Salvador e Botsuana para atuar como relatores troika Inicialmente o Brasil apresentou a sua visão sobre o cumprimento das recomendações acatadas em 2012 Ressalto que não é difícil para o Estado avaliado qualquer que seja apontar o cumprimento das recomendações que são propositalmente feitas de modo genérico e programático Assim basta apontar a edição de uma lei ou mesmo um investimento para que recomendações do tipo fazer esforços promover adotar medidas sejam consideradas cumpridas Por outro lado quando um Estado faz uma recomendação direta cujo cumprimento é de fácil aferição tudo ou nada basta que o Estado avaliado a recuse Por exemplo em 2012 a Dinamarca fez recomendação do tipo direto ao Brasil união das polícias civil e militar gerando a desmilitarização do policiamento ostensivo que a recusou No terceiro ciclo brasileiro houve intensa participação dos Estados examinadores com a apresentação de 246 recomendações Várias delas continuam a ser programáticas e genéricas por exemplo adotar medidas para reformar o sistema prisional à luz dos direitos humanos feita pela Itália Namíbia Argélia Áustria Santa Sé Irlanda e há inclusive recomendação com potencial discriminatório como a feita pela Santa Sé que sugeriu que o Brasil continuasse a proteger a família natural e o casamento formado pelo marido e esposa 253 Foram quatro recomendações rejeitadas pelo Brasil a formulada pela Santa Sé vista acima Venezuela duas referentes ao impeachment da Presidente Dilma Rousseff e ao congelamento de gastos por 20 anos da EC 9516 e ainda a do Reino Unido referente à adoção de critério transparente e meritocrático para seleção de candidatos nacionais para órgãos da ONU 254 O resultado desse mecanismo caso continuem a existir essas recomendações genéricas sem maior atenção a dados objetivos e mensuráveis tende a se restringir a fornecer um espaço político de visibilidade sobre a situação de direitos humanos em um determinado país sem maiores consequências ao Estado avaliado QUADRO SINÓTICO Revisão Periódica Universal RPU Criação Resolução do Conselho de Direitos Humanos 2007 Composição Os Membros do Conselho de Direitos Humanos avaliam o Estado Todos os Estados da ONU devem passar pela RPU a cada quatro anos Competência Estabelecer um diálogo construtivo com o Estado examinado Os compromissos são voluntários e não podem ser impostos 3 Comitê de Direitos Humanos O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP determinou a constituição do Comitê de Direitos Humanos O Comitê é composto de 18 membros eleitos que exercem suas funções a título pessoal É integrado por nacionais de Estados Partes do Pacto que devem ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos art 28 Cada Estado poderá indicar apenas duas pessoas que devem ser nacionais do país que as indicou sendo possível a indicação mais de uma vez art 29 A eleição se dá mediante votação secreta entre os Estados Partes O Comitê não poderá ter mais de um nacional do mesmo Estado O art 30 do PIDCP determina que seus membros serão eleitos em reuniões dos Estados Partes convocados pelo SecretárioGeral da ONU cujo quorum estabelecido é de dois terços dos Estados Partes sendo eleitos os candidatos que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados Partes presentes e votantes As eleições devem levar em consideração uma distribuição geográfica equitativa e a representação das diversas formas de civilização no termos do Pacto bem como dos principais sistemas jurídicos art 31 Os membros do Comitê são eleitos para um mandato de quatro anos podendo caso suas candidaturas sejam apresentadas novamente ser reeleitos O Pacto determina que o Comitê deve se reunir em todas as ocasiões previstas em suas regras de procedimento e as reuniões devem ser realizadas normalmente na sede da ONU Nova York ou no Escritório das Nações Unidas em Genebra como é feito usualmente nos dias de hoje art 37 Antes de iniciar suas funções todos os membros do Comitê devem antes de iniciar suas funções assumir publicamente o compromisso solene de desempenhar suas funções de forma imparcial e consciente art 38 A mesa diretora do Comitê é eleita para um período de dois anos e os seus membros poderão ser reeleitos As regras de procedimentos são estabelecidas pelo próprio Comitê mas devem por disposição expressa do Pacto conter as seguintes disposições quorum de doze membros e determinação de que as decisões do Comitê sejam tomadas por maioria de votos dos membros presentes art 39 O Pacto prevê ainda a necessidade de submissão ao Comitê pelos Estados Partes de relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos nele reconhecidos bem como os fatores e as dificuldades que prejudiquem sua implementação caso existam O primeiro relatório deve ser apresentado no prazo de um ano a contar do início da vigência do Pacto e a partir de então sempre que o Comitê solicitar podendo os outros Estados Partes do Pacto apresentar relatórios usualmente a cada quatro anos O Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação de direitos humanos naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê de Direitos Humanos elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre os direitos protegidos Atualmente há 36 observações gerais sendo a penúltima emitida em dezembro de 2014 sobre a liberdade e segurança individual e a última em outubro de 2018 sobre o direito à vida Além disso o Estado Parte do Pacto pode declarar que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar as comunicações em que um Estado Parte alegue que outro não vem cumprindo as obrigações nele previstas Esse mecanismo é conhecido como mecanismo interestatal Se dentro de seis meses a contar da data do recebimento da comunicação original pelo Estado destinatário a questão não estiver dirimida satisfatoriamente ambos os Estados envolvidos poderão submeter a questão ao Comitê que oferecerá os seus bons préstimos para que se alcance uma solução amistosa Se a questão ainda não for dirimida satisfatoriamente o Comitê poderá mediante o consentimento prévio dos Estados Partes interessados constituir uma comissão ad hoc que também oferecerá os seus bons préstimos para alcançar uma solução amistosa Ao final a Comissão apresentará um relatório de acordo com o estágio da questão Se solução amistosa não tiver sido alcançada apresentará no relatório opinião sobre a situação devendo os Estados Partes interessados comunicar se aceitam ou não os termos do relatório O Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos por sua vez foi adotado pela Resolução da Assembleia Geral da ONU na mesma ocasião em que o Pacto foi adotado com a finalidade de instituir mecanismo de petição individual ao Comitê de Direitos Humanos por violações a direitos civis e políticos previstos no Pacto Está em vigor desde 23 de março de 1976 No Brasil foi aprovado apenas em 16 de junho de 2009 pelo Decreto Legislativo n 3112009 junto com o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte Em 25 de setembro de 2009 o Brasil ratificou esses dois protocolos Quatorze artigos compõem o primeiro Protocolo Facultativo O art 1º enuncia que os Estados que se tornarem partes do Protocolo reconhecem a competência do Comitê para receber e examinar comunicações de indivíduos sujeitos à sua jurisdição que aleguem ser vítimas de violação de qualquer dos direitos previstos no Pacto pelos Estados Partes Não serão admissíveis as comunicações anônimas ou cuja apresentação constitua abuso de direito ou que for incompatível com as disposições do Pacto art 3º O Comitê dará conhecimento das comunicações que lhe forem apresentadas aos Estados Partes que aleguem que tenham violado direitos estabelecidos no Pacto os quais deverão em seis meses submeter por escrito ao Comitê as explicações ou declarações que esclareçam a questão indicando se for o caso as medidas que tenham tomado para remediar a situação art 5º Para que possa examinar a comunicação entretanto o Comitê obedecendo à subsidiariedade do mecanismo deverá se assegurar de que a mesma questão não esteja sendo examinada por outra instância internacional de inquérito ou decisão e de que o indivíduo tenha esgotado os recursos internos disponíveis salvo em caso de demora injustificada As sessões relativas às comunicações individuais serão realizadas a portas fechadas comunicandose as conclusões ao Estado Parte interessado e ao indivíduo art 5º As atividades relativas às comunicações individuais previstas nesse Protocolo serão incluídas pelo Comitê em seu relatório anual art 6º A força vinculante das deliberações do Comitê foi questionada no Brasil na análise da petição individual do expresidente da República Luiz Inácio Lula da Silva que alega Caso 28412016 ainda em trâmite em setembro de 2019 violações ao devido processo legal em processo criminal no Brasil no qual foi condenado em 1ª instância tendo sido confirmada a condenação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região Apelação Criminal n 50465129420164047000PR 8ª Turma rel Des João Pedro Gebran Neto j 2412018 Em abril de 2018 o peticionário requereu medida provisória medida cautelar interim measure ao Comitê para que fosse assegurada a sua participação no pleito eleitoral presidencial em 2018 até que houvesse o trânsito em julgado desse processo criminal Como o Comitê não é um órgão permanente tais medidas são analisadas pelos relatores especiais sobre novas comunicações e medidas provisórias No caso os relatores Sarah H Cleveland e Olivier de Frouville concluíram pela existência de dano irreparável aos direitos políticos do peticionário Luiz Inácio Lula da Silva previstos no art 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP Por conseguinte e de acordo com o art 92 das regras de procedimento do Comitê de Direitos Humanos os Relatores Especiais em nome do citado Comitê pediram ao Brasil que adotasse todas as medidas necessárias para que o peticionário pudesse gozar e exercer seus direitos políticos mesmo preso como candidato nas eleições presidenciais de 2018 o que inclui o acesso apropriado à mídia e aos membros do seu partido político também pediram não fosse proibida a sua postulação como candidato a presidente nas eleições presidenciais enquanto sua condenação criminal não tenha transitado em julgado A natureza de tal medida é cautelar ou seja visa somente assegurar o resultado útil da deliberação final do Comitê não se constituindo em julgamento final sobre a existência ou não de violação do Estado aos direitos do peticionário Como já defendi em obra própria os Estados ao ratificar o Primeiro Protocolo Facultativo avançaram na proteção de direitos de seus jurisdicionados permitindo que as pretensas vítimas possam contar com uma proteção adicional não prevista no Pacto Essa proteção adicional não pode gerar uma deliberação que tenha força de mera recomendação como se fosse o resultado da avaliação dos relatórios estatais submetidos periodicamente ao Comitê por força do disposto no Pacto 255 No que tange às medidas provisórias o Comitê no Comentário Geral n 33 de 2009 dirimiu as dúvidas e deliberou que os Estados em nome do princípio da boafé têm que cumprir as deliberações provisórias do Comitê no exame das comunicações individuais O próprio conceito de medida provisória exige seu cumprimento imediato uma vez que há risco de dano irreparável ao resultado útil da análise da comunicação pelo Comitê No Caso Piandiong et al vs Filipinas o Estado réu descumpriu em 1999 a medida provisória que suspendia a execução de pena de morte ao peticionário até o final do trâmite do caso no Comitê de Direitos Humanos Mesmo após a execução do peticionário o Comitê continuou a analisar o caso e decidiu em 2000 que o Estado descumpriu seu dever de cumprir tais medidas provisórias Esse dever para o Comitê é oriundo implicitamente da própria adesão do Estado ao Primeiro Protocolo Facultativo pois de nada serviria o direito de petição das vítimas se o Estado não adotasse as medidas necessárias para assegurar o resultado útil da futura decisão do Comitê No Caso Lula como veremos abaixo somente o Min Fachin no Tribunal Superior Eleitoral reconheceu o dever brasileiro de cumprir as medidas provisórias do Comitê de Direitos Humanos Para Fachin negar a força vinculante das medidas provisórias significa negar o próprio sistema de comunicações individuais nos casos em que houvesse a necessidade de evitar danos irreparáveis Tribunal Superior Eleitoral Registro de Candidatura 11532 n 06009035020186000000 rel min Roberto Barroso por maioria j 31 de agosto de 2018 voto do Min Edson Fachin p 19 A conduta dos Estados em negar a força vinculante das deliberações finais e também das medidas provisórias do Comitê de Direitos Humanos no bojo do sistema de petições individuais é mais uma amostra da resistência estatal à interpretação internacionalista dos tratados Criase assim um Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos nacional o que torna inútil obviamente a internacionalização da temática Essa conduta dos Estados consiste em clara violação do tratado ao qual eles voluntariamente aderiram Os dispositivos finais dizem respeito a assinatura ratificação e adesão ao Protocolo art 8º data de entrada em vigor art 9º aplicação a todas as unidades constitutivas dos Estados federais art 10 o procedimento para a proposição de emendas art 11 e a possibilidade de denúncia art 12 O Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte ratificado pelo Brasil em 2009 determinou também que as medidas adotadas para implementar o Protocolo deverão ser informadas pelos Estados Partes nos relatórios que submeterem ao Comitê de Direitos Humanos art 40 do Pacto Também para aqueles que tenham feito a declaração prevista no art 41 no Pacto o reconhecimento de competência do Comitê para receber e apreciar comunicações nas quais um Estado Parte alega que outro não cumpre suas obrigações é extensivo às disposições do Segundo Protocolo art 4º salvo se declaração em contrário tenha sido feita no momento da ratificação ou adesão Além disso para os Estados que tenham aderido ao primeiro Protocolo Adicional ao Pacto de Direitos Civis e Políticos também é extensiva às disposições do Segundo Protocolo a competência do Comitê de Direitos Humanos para receber e examinar as comunicações feitas por indivíduos sujeitos à sua jurisdição salvo declaração em sentido contrário no momento da ratificação ou adesão art 5º QUADRO SINÓTICO Comitê de Direitos Humanos Criação Pacto de Direitos Civis e Políticos Composição Dezoito membros eleitos nacionais de Estados Partes do Pacto que exercem suas funções a título pessoal Devem ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos A eleição se dá mediante votação secreta dentre uma lista de pessoas que preencham os mencionados requisitos e indicadas pelos Estados Partes Competência atribuída pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Exame de relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos reconhecidos no Pacto enviados pelos Estados Partes O Comitê após análise do relatório emite recomendações sem força vinculante ao Estado Receber e examinar as comunicações em que um Estado Parte alegue que outro não vem cumprindo as obrigações nele previstas No âmbito das comunicações interestatais pode oferecer os seus bons préstimos para que se alcance uma solução amistosa Se esta não tiver sido alcançada o Comitê deve apresentar relatório e os Estados Partes interessados comunicam se aceitam ou não seus termos Competência atribuída pelo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Receber e examinar comunicações de indivíduos que aleguem ser vítimas de violação de qualquer dos direitos previstos no Pacto pelos Estados Partes Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte As medidas adotadas para implementar o Protocolo deverão ser informadas pelos Estados Partes nos relatórios que submeterem ao Comitê de Direitos Humanos Ademais o Comitê tem competência para receber e apreciar comunicações nas quais um Estado Parte alega que outro não cumpre suas obrigações estabelecidas no Segundo Protocolo Tem ainda competência para receber e examinar as comunicações feitas por indivíduos sujeitos à sua jurisdição salvo declaração em sentido contrário no momento da ratificação ou adesão quanto às situações previstas no Segundo Protocolo 4 Conselho Econômico e Social e Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais O Conselho Econômico e Social foi criado pela Carta das Nações Unidas Capítulo X arts 61 a 72 como órgão das Nações Unidas responsável por coordenar assuntos internacionais de caráter econômico social cultural educacional de saúde e conexos Tratase do foro central para discussão desses temas e de formulação de recomendações aos Estados e ao sistema das Nações Unidas É composto por 54 Estados das Nações Unidas eleitos pela Assembleia Geral e cada membro tem um voto As decisões são tomadas por maioria dos membros presentes e votantes Os arts 62 a 64 definem seus poderes e funções Dentre outras funções o Conselho Econômico e Social pode fazer ou iniciar estudos e relatórios a respeito de assuntos de sua competência podendo fazer recomendações à Assembleia Geral aos membros das Nações Unidas e às organizações especializadas interessadas Pode preparar para os assuntos de sua competência projetos de convenções a serem submetidos à Assembleia Geral e pode convocar de acordo com as regras estipuladas pela ONU conferências internacionais sobre assuntos de sua competência Pode ainda coordenar as atividades das agências especializadas 256 da ONU por meio de consultas e recomendações às mesmas e de recomendações à Assembleia Geral e aos membros das Nações Unidas Pode também tomar as medidas adequadas a fim de obter relatórios regulares das agências especializadas dentre outras atribuições Ademais o Conselho Econômico e Social pode criar comissões para os assuntos econômicos sociais e para a proteção dos direitos humanos bem como outras comissões necessárias ao desempenho de suas funções Finalmente pode entrar em entendimentos convenientes para a consulta com organizações não governamentais que se ocupem de assuntos no âmbito da sua competência O Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais por sua vez foi instituído pela Resolução n 198517 do Conselho Econômico e Social de 28 de maio de 1985 inicialmente para prestar assistência ao Conselho no exame de informes apresentados pelos Estados Partes ou seja nas funções de monitoramento atribuídas ao Conselho na Parte IV do Pacto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Nos termos da referida Resolução o Comitê é composto por 18 membros que devem ser especialistas de reconhecida competência na esfera dos direitos humanos e que atuam a título pessoal São eleitos pelo Conselho em votação secreta levandose em consideração a distribuição geográfica equitativa e a representação de diferentes sistemas sociais e jurídicos para um período de quatro anos podendo ser reeleitos se suas candidaturas forem novamente apresentadas A metade dos membros se renova a cada dois anos para atender à necessidade de manter a distribuição geográfica equitativa O Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais foi concebido pelo Conselho para auxiliálo no exercício dessas funções pois o PIDESC não havia feito menção a um Comitê específico Somente em 2008 o Comitê foi criado por norma internacional convencional no caso o Protocolo Facultativo ao PIDESC Os Estados Partes devem apresentar relatórios ao Comitê do PIDESC sobre as medidas adotadas e sobre os progressos realizados com o objetivo de assegurar a observância dos direitos econômicos sociais e culturais O primeiro relatório deve ser apresentado em um ano após a ratificação e os demais em períodos de cinco anos No que tange à análise dos relatórios dos Estados o Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação dos direitos sociais econômicos e culturais naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê do PIDESC elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre os direitos protegidos Em julho de 2019 há 24 observações gerais sendo a penúltima emitida em 2016 sobre o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis art 7º do Pacto e a última emitida em 2017 sobre as obrigações dos Estados no contexto das atividades empresariais Os relatórios que contenham recomendações de caráter geral ou resumo de informações recebidas dos Estados Partes e das agências especializadas sobre medidas adotadas e progressos realizados poderão ser ocasionalmente apresentados pelo Conselho à Assembleia Geral art 21 Além disso quaisquer questões suscitadas nos relatórios poderão ser levadas pelo Conselho ao conhecimento de outros órgãos da ONU de seus órgãos subsidiários ou de agências especializadas interessadas incumbidas de prestação de assistência técnica para que tais entidades se pronunciem dentro de sua competência sobre a conveniência de medidas internacionais que possam contribuir para a implementação efetiva e progressiva do Pacto art 22 Como já mencionado o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais previa apenas o mecanismo de relatórios periódicos para o monitoramento dos direitos Por isso atendendo a recomendação da Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 foi editado em 2008 o Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais que veio implementar o sistema de petições o procedimento de investigação e as medidas provisionais cautelares reafirmando assim a exigibilidade e a justiciabilidade de tais direitos como visto acima Como já estudado acima o Protocolo é composto por 22 artigos O art 1º prevê a competência para os Estados que a reconheçam do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais para receber petições individuais ou no interesse de indivíduos e grupos de indivíduos mediante seu consentimento que denunciem violações de direitos econômicos sociais e culturais que tenham sido realizadas pelo Estado Parte Este deve tomar todas as medidas necessárias para garantir que os indivíduos sob sua jurisdição não sejam submetidos a maustratos ou intimidação em decorrência de terem recorrido ao Comitê art 13 QUADRO SINÓTICO Conselho Econômico e Social Origem Carta das Nações Unidas Composição Cinquenta e quatro membros das Nações Unidas eleitos pela Assembleia Geral Principais funções Fazer ou iniciar estudos e relatórios a respeito de assuntos de sua competência podendo fazer recomendações à Assembleia Geral aos membros das Nações Unidas e às organizações especializadas interessadas Preparar para os assuntos de sua competência projetos de convenções a serem submetidos à Assembleia Geral Convocar de acordo com as regras estipuladas pela ONU conferências internacionais sobre assuntos de sua competência Coordenar as atividades das organizações especializadas por meio de consultas e recomendações às mesmas e de recomendações à Assembleia Geral e aos membros das Nações Unidas Tomar as medidas adequadas a fim de obter relatórios regulares das organizações especializadas Criar comissões para os assuntos econômicos e sociais e para a proteção dos direitos do homem bem como outras comissões necessárias ao desempenho de suas funções Entrar em entendimentos convenientes para a consulta com organizações não governamentais que se ocupem de assuntos no âmbito da sua competência Competência atribuída pelo PIDESC Examinar relatórios sobre as medidas adotadas e sobre os progressos realizados com o objetivo de assegurar a observância dos direitos econômicos sociais e culturais O Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais foi instituído para auxiliar o Conselho no exercício dessa função Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Origem Resolução n 198517 do Conselho Econômico e Social e Protocolo Facultativo ao PIDESC ainda não ratificado pelo Brasil Composição Dezoito membros que devem ser especialistas de reconhecida competência na esfera dos direitos humanos e que atuam a título pessoal São eleitos pelo Conselho em votação secreta levandose em consideração distribuição geográfica equitativa e a representação de diferentes sistemas sociais e jurídicos para um período de quatro anos podendo ser reeleitos se suas candidaturas forem novamente apresentadas Principais funções Apresentar ao Conselho um informe sobre suas atividades que incluirá um resumo de seu exame dos relatórios apresentados pelos Estados Partes do Pacto Deve ainda formular sugestões e recomendações de caráter geral baseandose nos exames desses relatórios e daqueles apresentados pelos mecanismos especializados com a finalidade de auxiliar o Conselho Econômico e Social a cumprir suas funções Competência atribuída ao Comitê pela Resolução Auxiliar o Conselho Econômico e Social no exame dos relatórios apresentados pelos Estados Partes Emitir recomendações aos Estados Elaborar observações gerais Competência estabelecida no Protocolo Facultativo ao Pacto Receber petições individuais ou no interesse de indivíduos e grupos de indivíduos mediante seu consentimento que denunciem violações de direitos econômicos sociais e culturais que tenham sido realizadas pelo Estado Parte Apresentar pedido de medidas provisórias ao Estado Parte para sua urgente consideração com a finalidade de evitar possíveis danos irreparáveis em circunstâncias excepcionais a qualquer tempo depois do reconhecimento da comunicação e antes da decisão de mérito Disponibilizar os seus bons préstimos para a finalidade de se alcançar um acordo amigável entre as partes interessadas Receber comunicações interestatais Convidar o Estado Parte a cooperar no exame de informações caso receba informação confiável que indique graves ou sistemáticas violações pelo Estado de qualquer um dos direitos arrolados no Pacto procedimento de investigação 5 Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial determinou a criação do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial O Comitê é composto de dezoito peritos conhecidos por sua alta moralidade e imparcialidade que são eleitos para mandatos de 2 anos pelos Estados Partes dentre seus nacionais e que atuam a título individual levandose em conta uma repartição geográfica equitativa e a representação das formas diversas de civilização assim como dos principais sistemas jurídicos artigo VIII A Convenção estabelece o mecanismo de relatórios que serão examinados pelo Comitê e devem ser apresentados no prazo de um ano da entrada em vigor da Convenção e a partir de então a cada dois anos e sempre que o Comitê solicitar Os relatórios devem conter todas as medidas legislativas judiciárias administrativas ou outras aptas a tornarem efetivas as disposições da Convenção artigo IX No que tange à análise dos relatórios dos Estados o Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação dos direitos protegidos naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê de Direitos Humanos elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre como alcançar o fim da discriminação racial Atualmente 2019 há 35 observações gerais sendo a última emitida em 2013 sobre o combate ao discurso de ódio de conteúdo racista comentário corrigido em 2014 para suprimir erro material Com base nos relatórios e informações recebidas pelos Estados Partes o Comitê deverá submeter à Assembleia Geral da ONU um relatório sobre suas atividades podendo fazer sugestões e recomendações de ordem geral O artigo XI prevê a possibilidade de um Estado Parte chamar a atenção do Comitê caso entenda que outro Estado Parte não aplica as disposições da Convenção mecanismo interestatal Se no prazo de seis meses a contar do recebimento da comunicação pelo Estado destinatário a questão não tiver sido resolvida pelos dois Estados Partes esta poderá ser submetida novamente ao Comitê que poderá dela conhecer ante o esgotamento dos recursos internos salvo prazo excessivo Examinadas as questões necessárias o Comitê deve nomear uma Comissão ad hoc para alcançar uma solução amigável artigo XII que após analisar a questão sob todos os seus aspectos submeterá ao presidente do Comitê um relatório com as conclusões sobre as questões de fato e com as recomendações que entender razoáveis para se alcançar solução amistosa para a polêmica Os Estados posteriormente devem comunicar se aceitam ou não as recomendações artigo XIII Finalmente além do mecanismo de relatórios periódicos e de comunicação interestatal a Convenção prevê que os Estados Partes podem declarar que reconhecem a competência do Comitê para examinar comunicações individuais ou de grupos de indivíduos sob sua jurisdição que se considerarem vítimas de violações de direitos nela protegidos nos termos do artigo XIV A declaração pode ser retirada a qualquer tempo sem prejuízo das comunicações que já tenham sido estudadas pelo Comitê Por fim a Convenção estabelece que o Comitê receberá cópias de petições provenientes de órgãos das Nações Unidas que se ocupem de questões diretamente relacionadas com os princípios e objetivos da Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial incluindo em seu relatório à Assembleia Geral um resumo das petições e relatórios que houver recebido de órgãos da ONU e as opiniões e recomendações que houver proferido sobre tais petições e relatórios artigo XV QUADRO SINÓTICO Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial Criação Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial Composição Dezoito peritos conhecidos por sua alta moralidade e imparcialidade que são eleitos periodicamente pelos Estadosmembros dentre seus nacionais e que atuam a título individual levandose em conta uma repartição geográfica equitativa e a representação das formas diversas de civilização assim como dos principais sistemas jurídicos Exame de relatórios que devem ser apresentados no prazo de um ano da entrada em vigor da Convenção e a partir de então a cada dois anos e sempre que o Comitê solicitar O Comitê elabora um relatório contendo recomendações ao Estado sem força vinculante Competência Com base nos relatórios e informações recebidas pelos Estados Partes o Comitê deverá submeter à Assembleia Geral da ONU um relatório sobre suas atividades podendo fazer sugestões e recomendações de ordem geral Exame de comunicações interestatais com possibilidade de alcançar solução amigável e de o Comitê apresentar recomendações aos Estados que poderão ou não ser aceitas Examinar comunicações individuais ou de grupos de indivíduos que se considerarem vítimas de violações de direitos nela protegidos 6 Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher conhecida também pela sigla em inglês CEDAW determinou a criação do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher que tem a finalidade de examinar os progressos alcançados na sua aplicação O Comitê é composto de 23 especialistas de grande prestígio moral e competência na área abarcada pela Convenção que são eleitos pelos Estados Partes exercendo suas funções a título pessoal São eleitos em votação secreta dentre uma lista de pessoas indicadas pelos Estados Partes cada Estado pode indicar uma pessoa dentre os seus nacionais para um mandato de quatro anos Em caso de necessidade de preenchimento de vagas fortuitas o Estado cujo especialista também chamado de perito tenha deixado de exercer suas funções nomeará outro perito entre seus nacionais sob reserva da aprovação do Comitê art 17 O art 18 prevê a obrigação de os Estados Partes submeterem ao SecretárioGeral das Nações Unidas para exame do Comitê um relatório sobre as medidas legislativas judiciárias administrativas ou outras que adotarem para tornarem efetivas as disposições da Convenção e dos progressos alcançados a respeito Isso deve ser feito no prazo de um ano a partir da entrada em vigor da Convenção para o Estado interessado e posteriormente pelo menos a cada quatro anos e toda vez que o Comitê vier a solicitar No que tange à análise dos relatórios dos Estados o Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação dos direitos protegidos naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre como alcançar o fim da discriminação contra a mulher Atualmente 2019 há 37 observações gerais Em 2016 foi editada a recomendação n 34 sobre os direitos das mulheres que vivem em áreas rurais 25 da população mundial de acordo com o Comitê Em 2017 houve edição da observação geral n 35 pela qual foi atualizada a observação n 19 sobre a violência de gênero contra a mulher O Comitê adotará seu próprio regulamento art 19 e todos os anos se reunirá para examinar os relatórios que lhe forem submetidos art 20 Ainda em 2017 foi editada a observação geral n 36 sobre o direito à educação em 2018 adotouse a observação geral n 37 sobre as dimensões de gênero associadas aos riscos de desastres no contexto da mudança climática Já o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher adotado por Resolução da Assembleia Geral da ONU de 6 de outubro de 1999 teve por objetivo aperfeiçoar o sistema de monitoramento da Convenção assegurando o direito de petição das vítimas de violações dos direitos nela garantidos Foi adotado pelo Brasil em 13 de março de 2001 aprovado pelo Decreto Legislativo n 107 de 6 de junho de 2002 e ratificado em 28 de junho de 2002 Foi promulgado pelo Decreto n 4316 de 30 de julho de 2002 mas entrou em vigor apenas em 28 de setembro de 2002 e portanto após a entrada em vigor da Convenção Por meio do Protocolo que contém 21 artigos o Estado reconhece a competência do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher para receber e considerar comunicações apresentadas por indivíduos ou grupo de indivíduos ou em nome deles se contarem com seu consentimento ou se se justificar a ação independente do consentimento que se encontrem sob sua jurisdição e que sejam vítimas de violações de quaisquer dos direitos estabelecidos na Convenção arts 1º e 2º Os requisitos e procedimentos para tanto estão previstos no Protocolo nos termos dos arts 3º a 14 estabelecendose a possibilidade de o Comitê solicitar ao Estado a adoção de medidas cautelares antecipando a tutela necessárias para evitar possíveis danos irreparáveis à vítima da violação art 5º O Comitê apenas poderá considerar a comunicação se tiver reconhecido que todos os recursos internos foram esgotados ou que a sua utilização está sendo protelada além do razoável ou deixa dúvidas quanto a produzir o efetivo amparo O Protocolo também enumera as hipóteses em que a comunicação será considerada inadmissível quando se referir a assunto que já tiver sido examinado pelo Comitê ou tiver sido examinado ou estiver sob exame sob outro procedimento internacional de investigação ou solução de controvérsias quando for incompatível com as disposições da Convenção quando estiver manifestamente mal fundamentada ou não suficientemente consubstanciada quando constituir abuso do direito de submeter comunicação quando tiver como objeto fatos que tenham ocorrido antes da entrada em vigor do Protocolo para o Estado Parte em questão a não ser no caso de tais fatos terem tido continuidade após aquela data No prazo de seis meses o Estado Parte que receber a comunicação deve apresentar ao Comitê explicações ou declarações por escrito esclarecendo o assunto e o remédio se houver que possa ter sido aplicado pelo Estado art 6º O Comitê deve realizar reuniões fechadas ao examinar as comunicações no âmbito do Protocolo Após examinála deve transmitir suas opiniões a respeito juntamente com sua recomendação se houver às partes em questão Dentro de seis meses o Estado Parte deve apresentar resposta por escrito incluindo as informações sobre quaisquer ações realizadas à luz das opiniões e recomendações do Comitê art 7º Se o Comitê receber informação fidedigna indicando graves ou sistemáticas violações por um Estado Parte dos direitos estabelecidos na Convenção deve convidar o Estado Parte a cooperar no exame da informação e para esse fim a apresentar observações quanto à informação em questão O Comitê poderá designar um ou mais de seus membros para conduzir uma investigação o que será feito em caráter confidencial e com a cooperação do Estado Parte em todos os estágios dos procedimentos e para apresentar relatório urgentemente ao Comitê Sempre que justificado e com o consentimento do Estado Parte a investigação poderá incluir visita ao território deste último Após o exame dos resultados da investigação o Comitê deve transmitilos ao Estado Parte em questão com comentários e recomendações Em seis meses contados do recebimento do resultado o Estado Parte deverá apresentar suas observações ao Comitê art 8º O Protocolo ressalta que os Estados Partes devem tomar todas as medidas apropriadas para assegurar que os indivíduos sob sua jurisdição não fiquem sujeitos a maustratos ou intimidação como consequência de sua comunicação com o Comitê art 11 Por meio do Protocolo os Estados também se comprometem a tornar públicos e amplamente conhecidos a Convenção e o Protocolo e a facilitar o acesso a informações sobre as opiniões e recomendações do Comitê especialmente as que dizem respeito ao próprio Estado Parte art 13 O primeiro caso brasileiro nesse Comitê foi referente à morte da Sra Alyne da Silva Pimentel Alyne foi vítima da precariedade da assistência médica do Estado do Rio de Janeiro em 2002 grávida de 27 semanas sua morte e a de seu feto foi fruto de negligência e imperícia nos cinco dias que se passaram desde o início de seu malestar até seu falecimento Sua família ingressou com ação cível na Justiça Estadual e a delonga do Poder Judiciário estadual gerou a dispensa do esgotamento dos recursos internos viabilizando a análise da petição pelo Comitê Em 2011 o Comitê decidiu que o Brasil falhou no monitoramento e controle dos serviços privados de saúde que são remunerados pelo Poder Público caso das instituições privadas que atenderam Alyne sob o regime do SUS Sistema Único de Saúde Também decidiu que a falta de serviços de saúde materna violou o direito da mulher à saúde e que houve discriminação pela sua condição de mulher afrodescendente e oriunda de grupo socioeconômico não privilegiado Finalmente considerou que o Brasil violou o direito de acesso à justiça pela delonga no trâmite da ação indenizatória Apesar do Protocolo estabelecer que a deliberação do Comitê é uma recomendação o Estado deve apresentar informações sobre suas ações após a recomendação No caso o Brasil pagou indenização à mãe da vítima cerca de 130 mil reais tendo ainda realizado satisfação uma unidade de terapia intensiva foi denominada Alyne Pimentel e ainda adotou determinados programas de treinamento e fornecimento de remédios envolvendo o direito à saúde reprodutiva das mulheres Contudo quanto às sanções aos responsáveis médicos recomendadas pelo Comitê o Conselho Regional de Medicina arquivou os procedimentos disciplinares contra os médicos envolvidos QUADRO SINÓTICO Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher Criação Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher Composição Vinte e três peritos de grande prestígio moral e competência na área abarcada pela Convenção eleitos pelos Estados Partes exercendo suas funções a título pessoal para um mandato de quatro anos Competência Exame de relatórios periódicos sobre as medidas adotadas para tornar efetiva a Convenção e sobre os progressos alcançados a respeito Os relatórios devem ser apresentados no prazo de um ano a partir da entrada em vigor da Convenção para o Estado interessado e posteriormente pelo menos a cada quatro anos e toda vez que o Comitê vier a solicitar O Comitê elabora recomendações aos Estados após a análise dos relatórios sem força vinculante Receber e considerar comunicações apresentadas por indivíduos ou grupo de indivíduos ou em nome deles se contarem com seu consentimento ou se se justificar a ação independente do consentimento que sejam vítimas de violações de quaisquer dos direitos estabelecidos na Convenção competência determinada pelo Protocolo Facultativo à Convenção 7 Comitê contra a Tortura A Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes determinou em sua Parte II a constituição do Comitê contra a Tortura O Comitê é composto por 10 especialistas também chamados de peritos de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos que exercerão suas funções a título pessoal e serão eleitos pelos Estados Partes para mandatos de 4 anos levando em conta uma distribuição geográfica equitativa e a utilidade da participação de algumas pessoas com experiência jurídica Os Estados Partes devem submeter ao Comitê relatórios sobre as medidas adotadas para o cumprimento das obrigações assumidas na Convenção no prazo de um ano a contar do início da vigência da Convenção para o Estado Parte interessado A partir de então os Estados devem apresentar relatórios a cada quatro anos ou quando o Comitê solicitar sobre todas as novas disposições que tiverem sido adotadas No que tange à análise dos relatórios dos Estados o Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação dos direitos protegidos naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê contra a Tortura elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre como alcançar o fim da tortura e outros tratamentos cruéis desumanos e degradantes Atualmente 2019 há quatro observações gerais sendo a penúltima emitida em 2012 tendo considerado a proibição da tortura norma de jus cogens Em 2017 foi emitida a Observação Geral n 4 que substituiu a de n 1 sobre o dever do Estado Parte de não deportar devolver refouler ou extraditar uma pessoa para outro Estado quando existirem razões fundadas para crer que essa pessoa estará sob o risco de ser submetida a tortura art 3º Se o Comitê receber informações fidedignas que indiquem de forma fundamentada que a tortura é praticada sistematicamente no território de um Estado Parte este será convidado a cooperar no exame das informações e nesse sentido a transmitir ao Comitê as observações que julgar pertinentes Levando em consideração todas as questões de que dispuser o Comitê poderá designar membros para procederem a uma investigação confidencial que poderá incluir visita ao território se houver concordância do Estado Parte em questão O art 21 prevê a possibilidade de reconhecimento pelos Estados Partes da Convenção a qualquer momento da competência do Comitê para receber comunicações interestatais nas quais um Estado Parte alegue que outro Estado Parte não vem cumprindo as obrigações que lhe impõe a Convenção Tais comunicações somente podem ser apresentadas por um Estado Parte que houver feito uma declaração em que reconheça com relação a si próprio a competência do Comitê Toda declaração poderá ser retirada a qualquer momento mediante notificação endereçada ao SecretárioGeral o que será feito sem prejuízo do exame de quaisquer questões que constituam objeto de uma comunicação já transmitida A Convenção determina o procedimento para as comunicações interestatais Levada a questão por um Estado Parte ao Estado destinatário este no prazo de três meses a contar da data do recebimento da comunicação deverá fornecer ao Estado que enviou a comunicação explicações ou quaisquer outras declarações por escrito que esclareçam a questão as quais deverão fazer referência até onde seja possível e pertinente aos procedimentos nacionais e aos recursos jurídicos adotados em trâmite ou disponíveis sobre a questão Se no prazo de seis meses a contar da data do recebimento da comunicação original pelo Estado destinatário a questão não estiver dirimida satisfatoriamente para os Estados Partes interessados ambos terão o direito de submetêla ao Comitê mediante notificação a ele endereçada ou ao outro Estado interessado Assim o Comitê tratará de todas as questões que lhe forem submetidas por meio de comunicações interestatais somente após terse assegurado de que houve o esgotamento dos recursos internos salvo se a aplicação dos recursos se prolongar injustificadamente ou se não for provável que sua aplicação venha a melhorar realmente a situação da vítima Quando for examinar as comunicações o Comitê deve realizar reuniões confidenciais Sem prejuízo da análise das questões pelo Comitê este deve colocar seus bons ofícios à disposição dos Estados Partes interessados no intuito de se alcançar uma solução amistosa podendo inclusive constituir se julgar conveniente uma comissão de conciliação ad hoc Para todas as questões interestatais submetidas ao Comitê este poderá solicitar aos Estados Partes interessados que lhe forneçam quaisquer informações pertinentes Estes por sua vez terão o direito de fazerse representar quando as questões forem examinadas no Comitê e de apresentar suas observações verbalmente eou por escrito Dentro dos doze meses seguintes à data de recebimento de notificação pelo Estado destinatário o Comitê apresentará relatório em que se houver sido alcançada uma solução amistosa restringirseá a uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada e se a solução amistosa não tiver sido alcançada apresentará breve exposição dos fatos anexando se ao relatório o texto das observações escritas e as atas das observações orais apresentadas pelos Estados Partes interessados No art 22 a Convenção versa sobre a possibilidade de reconhecimento pelos Estados da competência do Comitê para receber petições individuais comunicações enviadas por pessoas sob sua jurisdição ou em nome delas que aleguem ser vítimas de violação por um Estado Parte das disposições da Convenção O Comitê não poderá receber comunicação anônima ou que constitua abuso de direito ou que seja incompatível com as disposições da Convenção A declaração de reconhecimento dessa competência poderá ser retirada a qualquer momento mediante notificação endereçada ao SecretárioGeral O Brasil fez essa declaração em 2006 O Comitê deverá levar todas as petições individuais ao conhecimento do Estado Parte da Convenção que houver feito a declaração e sobre o qual se alegue ter violado qualquer disposição da Convenção Dentro dos seis meses seguintes o Estado destinatário deverá submeter ao Comitê as explicações ou declarações por escrito que elucidem a questão e se for o caso indiquem o recurso jurídico adotado pelo Estado em questão As petições individuais serão analisadas pelo Comitê à luz de todas as informações a ele submetidas pela pessoa interessada ou em nome dela e pelo Estado Parte interessado A petição não será analisada sem que se tenha assegurado de que a mesma questão não foi nem está sendo examinada perante uma outra instância internacional de investigação ou solução e de que a pessoa em questão esgotou todos os recursos jurídicos internos disponíveis salvo quando a aplicação dos recursos se prolongar injustificadamente ou quando não for provável que sua aplicação venha a melhorar realmente a situação da vítima Quando estiver examinando petições individuais o Comitê realizará reuniões confidenciais Este comunicará seu parecer ao Estado Parte e à pessoa em questão O Comitê ainda apresentará um relatório anual sobre suas atividades aos Estados Partes e à Assembleia Geral da ONU Conforme defendo em livro específico a deliberação em petição individual por parte do Comitê é vinculante ao Estado que aceitou tal competência de modo voluntário 257 O Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes foi adotado em 18 de dezembro de 2002 O Congresso Nacional aprovou por meio do Decreto Legislativo n 483 de 20 de dezembro de 2006 seu texto e o Brasil depositou o instrumento de ratificação do Protocolo junto ao SecretárioGeral da ONU em 11 de janeiro de 2007 Posteriormente o Protocolo foi promulgado internamente pelo Decreto n 6085 de 19 de abril de 2007 Esse Protocolo por sua vez teve por objetivo estabelecer um sistema de visitas regulares de órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde as pessoas são privadas de liberdade com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes conforme prevê seu art 1º O Protocolo é composto por 37 artigos divididos em sete partes Princípios gerais arts 1º a 4º Subcomitê de Prevenção arts 5º a 10 Mandato do Subcomitê de Prevenção arts 11 a 16 Mecanismos preventivos nacionais arts 17 a 23 Declaração art 24 Disposições Financeiras arts 25 e 26 e Disposições Finais arts 27 a 37 Na Parte I sobre princípios gerais o Protocolo prevê que um Subcomitê de Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes deverá ser criado Tratase de Subcomitê do Comitê contra a Tortura que deve desempenhar suas funções no marco da Carta das Nações Unidas e deve ser guiado por seus princípios e propósitos bem como pelas normas das Nações Unidas relativas ao tratamento das pessoas privadas de sua liberdade Deve ainda ser guiado pelos princípios da confidencialidade imparcialidade não seletividade universalidade e objetividade art 2º Em nível doméstico os Estados se comprometem a designar ou manter um ou mais mecanismos preventivos nacionais órgãos de visita encarregados de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes art 3º Os Estados Partes devem permitir as visitas dos dois mecanismos a qualquer lugar sob sua jurisdição onde pessoas são ou podem ser privadas de liberdade por força de ordem dada por autoridade pública Na Parte II o Protocolo estabelece a composição do Subcomitê de Prevenção a forma de eleição dos membros e da mesa e o tempo de mandato e na Parte III determina como deverá ser cumprido o mandato do Subcomitê O Subcomitê de Prevenção após a quinquagésima ratificação ou adesão ao Protocolo em 2011 passou a ser constituído por 25 membros São escolhidos entre pessoas de elevado caráter moral de comprovada experiência profissional no campo da administração da justiça em particular o direito penal e a administração penitenciária ou policial ou nos vários campos relevantes para o tratamento de pessoas privadas de liberdade Para a composição do Subcomitê devese considerar também a distribuição geográfica equitativa e a representação de diferentes formas de civilização e de sistema jurídico dos Estadosmembros bem como o equilíbrio de gênero com base nos princípios da igualdade e da não discriminação Observese que os membros do Subcomitê devem servir em sua capacidade individual atuando de forma independente e imparcial art 5º As eleições dos membros do Subcomitê de Prevenção devem ser realizadas em uma reunião bienal dos Estados Partes convocada pelo SecretárioGeral das Nações Unidas Serão eleitos aqueles que obtenham o maior número de votos e uma maioria absoluta de votos dos representantes dos Estados presentes e votantes O quorum da reunião é de dois terços dos Estados Partes art 7º Os membros do Subcomitê são eleitos para mandato de quatro anos podendo ser reeleitos uma vez caso suas candidaturas sejam novamente apresentadas art 9º Os membros da mesa serão eleitos pelo Subcomitê de Prevenção para um período de dois anos O art 10 determina que o Subcomitê estabeleça seu próprio regimento Ademais prevê que após a reunião inicial este deve reunirse nas ocasiões previstas no regimento mas o Subcomitê de Prevenção e o Comitê contra a Tortura deverão convocar suas sessões simultaneamente pelo menos uma vez por ano O Subcomitê deverá visitar os lugares onde haja pessoas privadas de liberdade e fazer recomendações para os Estados Partes a respeito da proteção de pessoas privadas de liberdade contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Quanto aos mecanismos preventivos nacionais o Subcomitê deve aconselhar e assistir os Estados Partes quando necessário no estabelecimento desses mecanismos deve manter diretamente e se necessário de forma confidencial contatos com os mecanismos e oferecer treinamento e assistência técnica com vistas a fortalecer sua capacidade deve aconselhálos e assistilos na avaliação de suas necessidades e no que for preciso para fortalecer a proteção das pessoas privadas de liberdade e finalmente deve fazer recomendações e observações aos Estados Partes com a finalidade de fortalecer a capacidade e o mandato dos mecanismos preventivos nacionais para a prevenção da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Além disso o Subcomitê deve cooperar para a prevenção da tortura em geral com os órgãos e mecanismos relevantes das Nações Unidas bem como com organizações ou organismos internacionais regionais ou nacionais que trabalhem para fortalecer a proteção de todas as pessoas contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes De outro lado o art 12 prevê as obrigações dos Estados Partes para que o Subcomitê de Prevenção possa cumprir sua missão receber o Subcomitê em seu território e franquearlhe o acesso aos centros de detenção fornecer todas as informações relevantes que o Subcomitê solicitar para avaliar as necessidades e medidas que deverão ser adotadas para fortalecer a proteção das pessoas privadas de liberdade contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes encorajar e facilitar os contatos entre o Subcomitê e os mecanismos preventivos nacionais e examinar as recomendações do Subcomitê de Prevenção e com ele engajarse em diálogo sobre possíveis medidas de implementação De acordo com o art 13 o Subcomitê deve estabelecer inicialmente por sorteio um programa de visitas regulares aos Estados Partes com a finalidade de pôr em prática seu mandato Após proceder a consultas deverá notificar os Estados Partes de seu programa para que eles possam sem demora fazer os arranjos práticos necessários para que as visitas sejam realizadas As visitas devem ser realizadas por pelo menos dois membros do Subcomitê de Prevenção que deverão ser acompanhados se necessário por peritos que demonstrem experiência profissional e conhecimento no campo abrangido pelo Protocolo Deverão ser selecionados de uma lista de peritos preparada com bases nas propostas feitas pelos Estados Partes pelo Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas e pelo Centro Internacional para Prevenção de Crimes das Nações Unidas Para elaborar a lista de peritos os Estados Partes interessados deverão propor não mais que cinco peritos nacionais e o Estado interessado pode se opor à inclusão de algum perito específico na visita devendo o Subcomitê indicar outro perito O Subcomitê poderá propor se considerar apropriado curta visita de seguimento de visita regular anterior De acordo com o art 14 os Estados Partes ainda se comprometem a conceder ao Subcomitê acesso irrestrito a todas as informações relativas ao número de pessoas privadas de liberdade em centros de detenção bem como o número de centros e sua localização acesso irrestrito a todas as informações relativas ao tratamento dessas pessoas bem como às condições de sua detenção acesso irrestrito a todos os centros de detenção suas instalações e equipamentos oportunidade de entrevistarse privadamente com pessoas privadas de liberdade sem testemunhas pessoalmente ou com intérprete se considerado necessário bem como com qualquer outra pessoa que o Subcomitê acredite poder fornecer informação relevante e finalmente liberdade de escolher os lugares que pretende visitar e as pessoas que quer entrevistar Assim objeções a visitas a algum lugar de detenção em particular só poderão ser feitas com fundamentos urgentes e imperiosos ligados à defesa nacional à segurança pública ou a algum desastre natural ou séria desordem no lugar a ser visitado que temporariamente impeçam a realização da visita e a existência de uma declaração de estado de emergência não deverá ser invocada por um Estado Parte como razão para objetar uma visita O Protocolo determina em seu art 15 que nenhuma autoridade ou funcionário público deverá ordenar aplicar permitir ou tolerar qualquer sanção contra qualquer pessoa ou organização por haver comunicado ao Subcomitê de Prevenção ou a seus membros qualquer informação verdadeira ou falsa e nenhuma dessas pessoas ou organizações deverá ser de qualquer outra forma prejudicada O art 16 estabelece as obrigações do Subcomitê Este deve comunicar suas recomendações e observações confidencialmente para o Estado Parte e se for o caso para o mecanismo preventivo nacional Deverá publicar seus relatórios em conjunto com qualquer comentário do Estado Parte interessado quando solicitado pelo Estado Se este fizer parte do relatório público o Subcomitê poderá publicar o relatório total ou parcialmente Observese que nenhum dado pessoal deverá ser publicado sem o expresso consentimento da pessoa interessada O Subcomitê de Prevenção deverá apresentar um relatório público anual sobre suas atividades ao Comitê contra a Tortura Se o Estado se recusar a cooperar com o Subcomitê de Prevenção ou a tomar as medidas para melhorar a situação à luz de suas recomendações o Comitê contra a Tortura poderá a pedido do Subcomitê e depois que o Estado Parte tenha a oportunidade de fazer suas observações decidir pela maioria de votos dos membros fazer declaração sobre o problema ou publicar o relatório do Subcomitê de Prevenção Na Parte IV arts 17 a 23 o Protocolo versa sobre os mecanismos preventivos nacionais O art 17 estabelece a obrigatoriedade de o Estado manter designar ou estabelecer dentro de um ano da entrada em vigor do Protocolo ou de sua ratificação ou adesão um ou mais mecanismos preventivos nacionais independentes para a prevenção da tortura em nível doméstico Observese que os mecanismos estabelecidos por meio de unidades descentralizadas poderão ser designados como mecanismos preventivos nacionais para os fins do Protocolo se estiverem em conformidade com suas disposições O art 18 prevê que os Estados devem garantir a independência funcional dos mecanismos preventivos nacionais bem como a independência de seu pessoal Devem tomar as medidas necessárias para assegurar que os seus peritos tenham as habilidades e o conhecimento profissional necessários e devem buscar equilíbrio de gênero e representação adequada dos grupos étnicos e minorias no país Comprometemse ainda a tornar disponíveis todos os recursos necessários para o funcionamento dos mecanismos No art 19 o Protocolo determina as competências mínimas a serem conferidas aos mecanismos preventivos nacionais dentre as quais a de examinar regularmente o tratamento de pessoas presas em centro de detenção com vistas a fortalecer se necessário sua proteção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes a de fazer recomendações às autoridades relevantes com o objetivo de melhorar o tratamento e as condições das pessoas privadas de liberdade e o de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes e a de submeter propostas e observações a respeito da legislação existente ou ainda em projeto Para habilitar os mecanismos preventivos nacionais a cumprirem seu mandato art 20 os Estados Partes comprometemse a lhes conceder à semelhança do disposto no art 14 quanto ao Subcomitê o acesso a todas as informações relativas ao número de pessoas privadas de liberdade em centros de detenção bem como o número de centros e sua localização o acesso a todas as informações relativas ao tratamento daquelas pessoas bem como às condições de sua detenção o acesso a todos os centros de detenção suas instalações e equipamentos a oportunidade de entrevistarse privadamente com presos sem testemunhas pessoalmente ou com intérprete bem como com qualquer outra pessoa que os mecanismos preventivos nacionais acreditem poder fornecer informação relevante a liberdade de escolher os lugares que pretendem visitar e as pessoas que querem entrevistar e o direito de manter contato com o Subcomitê de Prevenção enviarlhe informações e encontrarse com ele No mesmo sentido do que disposto no art 15 o art 21 determina que nenhuma autoridade ou funcionário público deverá ordenar aplicar permitir ou tolerar qualquer sanção contra qualquer pessoa ou organização por haver comunicado ao mecanismo preventivo nacional qualquer informação verdadeira ou falsa e nenhuma dessas pessoas ou organizações deverá ser de qualquer outra forma prejudicada Determinase que as informações confidenciais obtidas pelos mecanismos preventivos nacionais deverão ser privilegiadas e nenhum dado pessoal deverá ser publicado sem o consentimento expresso da pessoa em questão Finalmente o art 22 prevê que as autoridades competentes do Estado interessado devem examinar as recomendações do mecanismo preventivo nacional e com ele engajarse em diálogo sobre possíveis medidas de implementação e o art 23 determina que os Estados comprometemse a publicar e difundir os relatórios anuais dos mecanismos preventivos nacionais Na Parte V o Protocolo estabelece que por ocasião da ratificação os Estados Partes poderão fazer uma declaração que adie a implementação de suas obrigações o que será válido pelo máximo de três anos que poderão ser estendidos pelo Comitê contra Tortura por mais dois anos após representações formuladas pelo Estado Parte e após consultas ao Subcomitê de Prevenção Finalmente na Parte VI o Protocolo dispõe sobre o financiamento do Subcomitê de Prevenção As despesas realizadas por ele na implementação do Protocolo serão custeadas pela ONU e paralelamente deverá ser estabelecido um Fundo Especial administrado de acordo com o regulamento financeiro e as regras de gestão financeira das Nações Unidas para auxiliar no financiamento da implementação das recomendações feitas pelo Subcomitê de Prevenção após a visita a um Estado Parte bem como programas educacionais dos mecanismos preventivos nacionais O Fundo poderá ser financiado por contribuições voluntárias feitas por Governos organizações intergovernamentais e não governamentais e outras entidades públicas ou privadas QUADRO SINÓTICO Comitê contra a Tortura Criação Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Composição Dez peritos de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos que exercerão suas funções a título pessoal e serão eleitos pelos Estados Partes levando em conta uma distribuição geográfica equitativa e a utilidade da participação de algumas pessoas com experiência jurídica Competência Exame de relatórios apresentados pelos Estados Partes no prazo de um ano a contar do início da vigência da Convenção no Estado Parte interessado e a partir de então a cada quatro anos ou quando o Comitê solicitar sobre todas as novas disposições que tiverem sido adotadas Exame de comunicações interestatais situação em que pode tentar alcançar solução amistosa Exame de petições individuais comunicações enviadas por vítimas de violação dos direitos garantidos na Convenção ou de pessoas em nome delas Subcomitê de Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Criação Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Composição Vinte e cinco membros escolhidos entre pessoas de elevado caráter moral de comprovada experiência profissional no campo da administração da justiça em particular o direito penal e a administração penitenciária ou policial ou nos vários campos relevantes para o tratamento de pessoas presas que servem em sua capacidade individual atuando de forma independente e imparcial São eleitos para um mandato de quatro anos permitida uma reeleição Competência Realizar visitas a lugares onde haja pessoas privadas de liberdade com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Fazer recomendações aos Estados Partes a respeito da proteção das pessoas privadas de liberdade Quanto aos mecanismos preventivos nacionais o Subcomitê deve aconselhar e assistir os Estados Partes quando necessário no estabelecimento desses mecanismos deve manter diretamente e se necessário de forma confidencial contatos com os mecanismos e oferecer treinamento e assistência técnica com vistas a fortalecer sua capacidade deve aconselhálos e assistilos na avaliação de suas necessidades e no que for preciso para fortalecer a proteção das pessoas privadas de liberdade e deve fazer recomendações e observações aos Estados Partes com a finalidade de fortalecer a capacidade e o mandato dos mecanismos preventivos nacionais para a prevenção da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Cooperar para a prevenção da tortura em geral com os órgãos e mecanismos relevantes das Nações Unidas bem como com organizações ou organismos internacionais regionais ou nacionais que trabalhem para fortalecer a proteção de todas as pessoas contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Mecanismos preventivos nacionais São mecanismos independentes criados para a prevenção da tortura em nível doméstico Criação Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Competências mínimas Examinar regularmente o tratamento de pessoas privadas de sua liberdade em centro de detenção com vistas a fortalecer se necessário sua proteção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Fazer recomendações às autoridades relevantes com o objetivo de melhorar o tratamento e as condições dos presos e o de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Submeter propostas e observações a respeito da legislação existente ou ainda em projeto 8 Comitê para os Direitos da Criança A Convenção sobre os Direitos da Criança determinou a constituição do Comitê para os Direitos da Criança com a finalidade de examinar os progressos realizados no cumprimento das obrigações contraídas pelos Estados Partes quanto às obrigações nela assumidas art 43 Esse Comitê monitora a implementação da Convenção e ainda de seus três protocolos facultativos o i Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados o ii Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil e o iii 3º Protocolo à Convenção sobre os Direitos da Criança que cria o mecanismo de petição individual ao Comitê para os Direitos da Criança todos já ratificados pelo Brasil O Comitê é integrado por 10 especialistas de reconhecida integridade moral e competência nas áreas cobertas pela Convenção com mandato de 4 anos Os membros do Comitê são eleitos pelos Estados Partes dentre seus nacionais e exercem suas funções a título pessoal tomandose em conta a distribuição geográfica equitativa bem como os principais sistemas jurídicos Eles são escolhidos em votação secreta de uma lista de pessoas indicadas pelos Estados Partes podendo cada Estado indicar uma pessoa dentre os cidadãos de seu país O Comitê tem competência para estabelecer suas próprias regras de procedimento e deve eleger a mesa para um período de dois anos Deve reunirse normalmente todos os anos e as reuniões serão celebradas na sede das Nações Unidas ou em qualquer outro lugar que o Comitê julgar conveniente O art 44 determina que os Estados Partes se comprometam a apresentar ao Comitê por intermédio do SecretárioGeral das Nações Unidas relatórios sobre as medidas que tenham adotado com vistas a tornar efetivos os direitos reconhecidos na Convenção e sobre os progressos alcançados no desempenho desses direitos no prazo de dois anos a partir da data em que entrou em vigor para cada Estado Parte e a partir de então a cada cinco anos Os relatórios devem indicar as circunstâncias e dificuldades que afetam o grau de cumprimento das obrigações derivadas da Convenção Devem também conter informações suficientes para que o Comitê compreenda com exatidão a implementação da Convenção no país O Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação dos direitos da criança naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê de Direitos Humanos elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre os direitos protegidos Atualmente 2019 há 23 comentários gerais estando entre os últimos adotados o de 2016 sobre os recursos públicos destinados à implementação dos direitos da criança art 4º da Convenção n 19 o emitido também em 2016 sobre a implementação dos direitos da criança na adolescência n 20 o de n 21 foi adotado em 2017 e trata da situação dos meninos de rua Os dois últimos comentários gerais são conjuntos com o Comitê sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias O de n 22 abarca os princípios gerais referentes aos direitos humanos das crianças no contexto da migração internacional Já o de n 23 trata das obrigações dos Estados sobre os direitos humanos das crianças no contexto da migração internacional Ambos foram adotados no final de 2017 A cada dois anos o Comitê deve submeter relatórios sobre suas atividades à Assembleia Geral da ONU por meio do Conselho Econômico e Social De outro lado os Estados Partes devem tornar seus relatórios amplamente disponíveis ao público dos seus respectivos países Para incentivar a efetiva implementação da Convenção e estimular a cooperação internacional nas esferas por ela regulamentadas o art 45 prevê uma série de medidas a serem adotadas Nesse sentido os organismos especializados o Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF e outros órgãos das Nações Unidas possuem o direito de estar representados quando for analisada a implementação das disposições da Convenção que estejam compreendidas no âmbito de seus mandatos O Comitê pode convidar as agências especializadas o Fundo das Nações Unidas para a Infância e outros órgãos competentes que considere apropriados para fornecer assessoramento especializado sobre a implementação da Convenção em matérias correspondentes a seus respectivos mandatos Ademais poderá convidar as agências especializadas o Fundo das Nações Unidas para Infância e outros órgãos das Nações Unidas para apresentarem relatórios sobre a implementação das disposições da Convenção compreendidas no âmbito de suas atividades O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados determina em seu art 8º a submissão de relatório abrangente ao Comitê sobre os Direitos da Criança no prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor do Protocolo que conterá inclusive as medidas adotadas para implementar as disposições sobre participação e recrutamento Após a apresentação desse relatório o Estado Parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo Outros Estados Partes do Protocolo devem submeter um relatório a cada cinco anos O Comitê poderá solicitar aos Estados informações adicionais relevantes para a implementação do Protocolo Na mesma linha da apreciação dos relatórios vistos acima o Comitê emite recomendações sem força vinculante ao Estado Também o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil prevê a apresentação de relatórios periódicos por cada Estado Parte ao Comitê sobre os Direitos da Criança no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Protocolo para aquele Estado Parte que deverá conter informações abrangentes sobre as medidas adotadas para implementar as disposições do Protocolo art 12 Após sua apresentação do relatório abrangente o Estado Parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo e os demais Estados devem fazêlo a cada cinco anos O Comitê poderá solicitar aos Estados informações adicionais relevantes para a implementação do Protocolo e emitirá as recomendações pertinentes Finalmente o 3º Protocolo aberto a ratificações em fevereiro de 2012 cria o tão esperado mecanismo de petição individual das vítimas de violações da Convenção e dos dois Protocolos Facultativos ao Comitê para os Direitos da Criança Em 2014 o Protocolo entrou em vigor após atingir o mínimo de 10 ratificações Possui em 2019 46 Estados Partes O Brasil ratificou o Protocolo em 29 de setembro de 2017 após ter sido aprovado no Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n 8517 A sistemática é similar a dos demais Comitês que aceitam petições de vítimas de violações de direitos protegidos Vítimas e representantes podem peticionar Há cláusulas de admissibilidade em especial a do esgotamento prévio dos recursos internos Pode existir solução amistosa entre a vítima e o Estado ou ainda um procedimento de investigação das violações Se for considerada procedente a petição o Comitê decidirá sobre a reparação cabível devendo o Estado comunicar seus atos de reparação em um prazo de seis meses QUADRO SINÓTICO Comitê para os Direitos da Criança Criação Convenção sobre os Direitos da Criança Composição Dez especialistas de reconhecida integridade moral e competência nas áreas cobertas pela Convenção eleitos pelos Estados Partes dentre seus nacionais tomandose em conta a distribuição geográfica equitativa bem como os principais sistemas jurídicos Os membros exercem suas funções a título pessoal e são escolhidos em votação secreta por uma lista de pessoas indicadas pelos Estados Partes podendo cada Estado indicar uma pessoa dentre os cidadãos de seu país Os membros são eleitos para um mandato de quatro anos podendo ser reeleitos caso sejam apresentadas novamente suas candidaturas Competência Examinar relatórios sobre as medidas que os Estados tenham adotado com vistas a tornar efetivos os direitos reconhecidos na Convenção e sobre os progressos alcançados no desempenho desses direitos no prazo de dois anos a partir da data em que entrou em vigor para cada Estado Parte e a partir de então a cada cinco anos Observação o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil determinam a apresentação de relatórios periódicos por cada Estado Parte ao Comitê sobre os Direitos da Criança no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Protocolo para aquele Estado Parte que deverá conter informações abrangentes sobre as medidas adotadas para implementar as disposições do Protocolo Após sua apresentação do relatório abrangente o Estado Parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo e os demais Estados devem fazêlo a cada cinco anos 9 Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência O Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi criado pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para avaliar sua implementação É composto por 18 especialistas independentes indicados pelos Estados contratantes para mandatos de quatro anos com uma reeleição possível Os membros atuam a título pessoal e são eleitos pelos Estados Partes observandose uma distribuição geográfica equitativa representação de diferentes formas de civilização e dos principais sistemas jurídicos representação equilibrada de gênero e participação de peritos com deficiência Os Estados Partes por meio do SecretárioGeral da ONU devem submeter relatório abrangente sobre as medidas adotadas em cumprimento de suas obrigações estabelecidas pela Convenção e sobre o progresso alcançado nesse aspecto dentro do período de dois anos após a entrada em vigor da presente Convenção para o Estado Parte concernente Depois disso devem ser apresentados relatórios periódicos ao menos a cada quatro anos ou quando o Comitê solicitar Na consideração dos relatórios o Comitê fará sugestões e recomendações que julgar pertinentes transmitindoas aos Estados Partes Estes poderão responder ao Comitê com as informações que julgarem pertinentes Os relatórios são colocados à disposição de todos os Estados Partes pelo SecretárioGeral da ONU e todos os Estados devem tornar seus relatórios amplamente disponíveis ao público em seus países facilitando o acesso à possibilidade de sugestões e de recomendações gerais a respeito desses relatórios Ademais o Comitê transmitirá às agências fundos e programas especializados das Nações Unidas e a outras organizações competentes da maneira que julgar apropriada os relatórios dos Estados Partes que contenham demandas ou indicações de necessidade de consultoria ou de assistência técnica acompanhados de eventuais observações e sugestões do Comitê em relação às referidas demandas ou indicações a fim de que possam ser consideradas A cada dois anos o Comitê deve submeter à Assembleia Geral e ao Conselho Econômico e Social um relatório de suas atividades podendo fazer sugestões e recomendações gerais baseadas no exame dos relatórios e nas informações recebidas dos Estados Partes Por meio do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência os Estados Partes reconhecem a competência do Comitê para receber e considerar comunicações submetidas por pessoas ou grupos de pessoas ou em nome deles sujeitos à sua jurisdição alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção pelo referido Estado Parte O Comitê não pode receber comunicação referente a qualquer Estado Parte que não seja signatário do Protocolo O Comitê considerará inadmissível a comunicação quando for anônima ou for incompatível com as disposições da Convenção Além disso há a previsão de coisa julgada e litispendência não cabe apreciação se a mesma matéria já tenha sido examinada pelo Comitê ou tenha sido ou estiver sendo examinada sob outro procedimento de investigação ou resolução internacional bem como a exigência do chamado esgotamento prévio dos recursos internos que consagra a subsidiariedade da jurisdição internacional O Comitê realizará sessões fechadas para examinar comunicações a ele submetidas em conformidade com o presente Protocolo Depois de examinar uma comunicação o Comitê enviará suas sugestões e deliberações se houver ao Estado Parte concernente e ao requerente Finalmente o Comitê elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre os direitos protegidos Atualmente 2019 há 7 comentários gerais sendo o de n 4 emitido em 2016 sobre o direito à educação inclusiva art 24 da Convenção O de n 5 trata do direito à vida independente art 19 da Convenção o de n 6 emitido em 2018 trata da igualdade e não discriminação Também em 2018 foi adotado o de n 7 que explicita o direito à participação das pessoas com deficiência na implementação e monitoramento da própria Convenção QUADRO SINÓTICO Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência Criação Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Composição Composto por 18 especialistas independentes 12 inicialmente e 18 quando a Convenção alcançar 60 ratificações indicados pelos Estados contratantes para mandatos de quatro anos com uma reeleição possível Competência Exame dos relatórios periódicos recomendação Exame de petições das vítimas deliberação Elaboração de comentários observações gerais 10 Comitê contra Desaparecimentos Forçados A Convenção da ONU para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado criou o Comitê contra Desaparecimentos Forçados composto por 10 especialistas de elevado caráter moral e de reconhecida expertise em matéria de direitos humanos que atuam em sua própria capacidade com independência e imparcialidade Eles são eleitos pelos Estados Partes para um mandato de quatro anos permitida uma reeleição com base em distribuição geográfica equitativa levandose em consideração o interesse de que se reveste para os trabalhos do Comitê a presença de pessoas com relevante experiência jurídica e equilibrada representação de gênero Os membros do Comitê são eleitos por voto secreto a partir de uma lista de candidatos designados pelos Estados Partes entre seus nacionais em reuniões bienais convocadas com esse propósito pelo SecretárioGeral da ONU Têm direito às instalações aos privilégios e às imunidades a que fazem jus os peritos em missão das Nações Unidas em conformidade com as seções relevantes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas O Comitê deve cooperar com todos os órgãos repartições agências e fundos especializados das Nações Unidas e com as organizações ou órgãos intergovernamentais regionais pertinentes bem como com todas as instituições agências ou repartições governamentais relevantes que se dediquem à proteção de todas as pessoas contra desaparecimentos forçados Ademais deve consultar os órgãos instituídos por relevantes instrumentos internacionais de direitos humanos particularmente o Comitê de Direitos Humanos estabelecido pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos a fim de assegurar a consistência de suas respectivas observações e recomendações Cada Estado Parte deve submeter ao Comitê um relatório sobre as medidas tomadas em cumprimento das obrigações assumidas ao amparo da Convenção dentro de dois anos contados a partir da data de sua entrada em vigor para o Estado Parte interessado O Comitê pode emitir comentários observações e recomendações que julgar apropriados os quais serão comunicados ao Estado Parte interessado que poderá responder por iniciativa própria ou por solicitação do Comitê O Comitê pode também solicitar informações adicionais aos Estados Partes a respeito da implementação da Convenção Não se trata portanto de um mecanismo de relatoria periódica mas da apresentação de um relatório inicial e sempre que houver solicitação A Convenção prevê ainda a possibilidade de submissão ao Comitê de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida em regime de urgência por familiares da pessoa desaparecida ou por seus representantes legais advogado ou qualquer pessoa por eles autorizada bem como por qualquer outra pessoa detentora de interesse legítimo O Comitê pode transmitir recomendações ao Estado Parte acompanhadas de pedido para que este tome todas as medidas necessárias inclusive de natureza cautelar para localizar e proteger a pessoa e para que informe o Comitê no prazo que este determine das medidas tomadas tendo em vista a urgência da situação O Comitê deverá manter o autor da petição informado sobre as providências adotadas O Estado pode declarar que reconhece a competência do Comitê para receber comunicações individuais ou seja apresentadas por indivíduos ou em nome de indivíduos sujeitos à sua jurisdição que alegam serem vítimas de violação pelo Estado Parte de disposições da Convenção Tal comunicação é inadmissível quando for anônima quando constituir abuso do direito de apresentar essas comunicações ou for inconsistente com as disposições da Convenção quando a mesma questão estiver sendo examinada em outra instância internacional de exame ou de solução de mesma natureza ou quando todos os recursos efetivos disponíveis internamente não tiverem sido esgotados salvo na hipótese de excesso de prazo razoável Caso a demanda seja considerada admissível o Comitê transmite a comunicação ao Estado Parte interessado solicitandolhe que envie suas observações e comentários dentro de um prazo fixado pelo Comitê Este pode também dirigir ao Estado Parte interessado um pedido urgente para que tome as medidas cautelares necessárias para evitar eventuais danos irreparáveis às vítimas da violação alegada Também pode ser reconhecida a competência do Comitê para receber e considerar comunicações interestatais ou seja comunicações em que um Estado Parte alega que outro Estado Parte não cumpre as obrigações decorrentes da Convenção Caso o Comitê receba informação confiável de que um Estado Parte está incorrendo em grave violação do disposto na Convenção poderá após consulta àquele encarregar um ou vários de seus membros a empreender uma visita e a informálo a respeito o mais prontamente possível A intenção de organizar uma visita indicando a composição da delegação e o seu objetivo deve ser informada por escrito ao Estado O adiamento ou cancelamento da visita poderá ocorrer mediante pedido fundamentado deste Após a visita o Comitê comunica ao Estado Parte interessado suas observações e recomendações A competência do Comitê limitase aos desaparecimentos forçados ocorridos após a entrada em vigor da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado e caso um Estado se torne signatário após sua entrada em vigor somente para os desaparecimentos forçados ocorridos após a entrada em vigor para o referido Estado Ainda a Convenção estabelece que o Comitê deve apresentar um relatório anual de suas atividades aos Estados Partes e à Assembleia Geral das Nações Unidas As observações relativas a um determinado Estado Parte contidas no relatório devem ser previamente anunciadas a esse Estado que disporá de um prazo razoável de resposta e poderá solicitar a publicação de seus comentários e observações no relatório QUADRO SINÓTICO Comitê contra Desaparecimentos Forçados Criação Convenção Internacional para a Proteção de Todas das Pessoas contra o Desaparecimento Forçado Composição Dez peritos de elevado caráter moral e de reconhecida competência em matéria de direitos humanos que atuarão em sua própria capacidade com independência e imparcialidade Mandato de quatro anos permitida uma reeleição Eleição com base em distribuição geográfica equitativa levandose em consideração o interesse de que se reveste para os trabalhos do Comitê a presença de pessoas com relevante experiência jurídica e equilibrada representação de gênero Competência Exame de relatórios apresentados pelos Estados Partes sobre as medidas tomadas em cumprimento das obrigações assumidas ao amparo da Convenção dentro de dois anos contados a partir da data de sua entrada em vigor para o Estado Parte interessado Exame de comunicações interestatais Exame de petições individuais Possibilidade de exame de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida em regime de urgência Visita ao Estado Parte 11 Resumo da atividade de monitoramento internacional pelos Comitês treaty bodies Os principais tratados universais ou globais ou onusianos criaram Comitês também chamados comumente de treaty bodies para o monitoramento internacional da situação dos direitos protegidos A princípio o monitoramento limitase ao envio pelo Estado de relatórios periódicos que serão analisados pelo Comitê que emitirá recomendações Como os Comitês não são vinculados entre si nada impede que tais recomendações sejam contraditórias ou suicidas Por exemplo determinado Comitê recomenda ação que colide com outra ação proposta por Comitê distinto sem maior preocupação com a coerência A ausência de força vinculante das recomendações minimiza esse problema porém essas contradições desprestigiam o próprio sistema de relatórios periódicos 258 Nove dos tratados onusianos que possuem esses Comitês admitem sob condições o mecanismo de petições individuais Comitê de Direitos Humanos via Protocolo Facultativo Comitê pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação Racial via cláusula de adesão facultativa prevista no próprio tratado Comitê pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação contra a Mulher via Protocolo Facultativo Comitê contra a Tortura via cláusula de adesão facultativa prevista no próprio tratado e Comitê sobre os Direitos da Criança 3º Protocolo Facultativo Comitê do PIDESC via Protocolo Facultativo Comitê contra o Desaparecimento Forçado cláusula facultativa e Comitê sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias via cláusula facultativa prevista no próprio tratado O Brasil já reconheceu o mecanismo de petição individual de seis Comitês Comitê pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação Racial 259 Comitê pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação contra a Mulher 260 Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência 261 Comitê de Direitos Humanos Comitê contra a Tortura e Comitê sobre os Direitos da Criança No caso de o Comitê considerar no bojo de uma petição individual contra um Estado que houve violação de direitos humanos este determina ao Estado que realize a reparação força vinculante questionada Ainda o Brasil adotou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes que estabelece a competência para fins preventivos do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes do Comitê contra a Tortura 262 e exige a criação de mecanismo nacional 12 Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos O posto de Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos foi criado por meio da Resolução 48141 da Assembleia Geral da ONU de 20 de dezembro de 1993 objetivando focar os esforços e dar sinergia às atividades das Nações Unidas na área dos direitos humanos Compõe a estrutura do SecretariadoGeral da ONU e possui sede em Genebra Suíça no Palais Wilson ver abaixo Esse posto foi sugerido já na Declaração e Programa de Ação de Viena em 1993 que o via como essencial para aperfeiçoar a coordenação e consequentemente a eficiência e efetividade dos diversos órgãos onusianos de proteção de direitos humanos O Alto Comissário deve ser alguém de elevada idoneidade moral e integridade pessoal devendo possuir expertise no campo dos direitos humanos bem como conhecimento e compreensão das diversas culturas para realizar suas atribuições de forma imparcial objetiva não seletiva e efetiva É indicado pelo SecretárioGeral das Nações Unidas e aprovado pela Assembleia Geral tendo em conta uma alternância geográfica para um mandato de quatro anos renovável uma vez por mais quatro Foram Altos Comissários José AyalaLasso Equador 19941997 Mary Robinson Irlanda 19972002 Sergio Vieira de Mello Brasil 20022003 morto em ataque a bomba por insurgentes em Bagdá Louise Arbour Canadá 20042008 Navanethem Pillay África do Sul 20082014 e Zeid Raad Al Hussein Jordânia 20142018 Em setembro de 2018 assumiu o posto Michelle Bachelet Jeria expresidente do Chile De acordo com a Resolução n 48141 de 1993 o Alto Comissário deve exercer suas funções pautado no respeito à Carta das Nações Unidas à Declaração Universal dos Direitos Humanos e a instrumentos internacionais observando a soberania a integridade territorial e a jurisdição doméstica dos Estados e promovendo o respeito e a observância universal dos direitos humanos como uma preocupação legítima da comunidade internacional Deve também ser guiado pelo reconhecimento de que todos os direitos humanos são universais indivisíveis interdependentes e interrelacionados e pelo fato de que mesmo que as particularidades nacionais e regionais e históricas culturais e religiosas sejam aspectos que devem ser levados em consideração é obrigação dos Estados independentemente de seu sistema político econômico ou cultural promover todos os direitos e liberdades fundamentais Por fim a Resolução enuncia que o Alto Comissário deve reconhecer a importância de se promover o desenvolvimento sustentável para todos e de assegurar a realização do direito ao desenvolvimento Em seguida a Resolução da Assembleia Geral lista onze atribuições do Alto Comissário A primeira delas é a promoção e proteção do efetivo gozo de todos os direitos civis políticos econômicos culturais e sociais Em segundo lugar deve realizar as tarefas a ele atribuídas pelos órgãos competentes do sistema das Nações Unidas no campo dos direitos humanos bem como fazer recomendações a eles para aperfeiçoar a promoção e proteção de todos os direitos humanos Em terceiro lugar deve promover e proteger a realização do direito ao desenvolvimento e aumentar o apoio de órgãos relevantes do sistema das Nações Unidas para esse propósito Deve ainda fornecer por meio do Centro para os Direitos Humanos órgão por ele presidido serviços de consultoria e assistência técnica e financeira a pedido do respectivo Estado e quando apropriado de organizações regionais de direitos humanos com o intuito de apoiar ações e programas no campo dos direitos humanos O Alto Comissário ainda coordena programas de educação e informação pública relevantes das Nações Unidas no campo dos Direitos Humanos Deve ter papel ativo na remoção de obstáculos no enfrentamento de desafios para a completa realização de todos os direitos humanos e na prevenção na continuidade de violações a direitos humanos ao redor do mundo como estabelecido na Declaração e Programa de Ação de Viena Deve também envolver os Governos num diálogo para a implementação de seu mandato com a finalidade de assegurar o respeito aos direitos humanos O Alto Comissário deve ainda incentivar o aumento da cooperação internacional para a promoção e proteção dos direitos humanos coordenar as atividades de promoção e proteção dos direitos humanos do sistema das Nações Unidas realizar a supervisão do Centro para os Direitos Humanos e finalmente racionalizar adaptar fortalecer e simplificar os mecanismos das Nações Unidas no âmbito dos direitos humanos com o intuito de aumentar sua eficiência e efetividade Em resumo o Alto Comissário deveria ser o SecretárioGeral dos direitos humanos na ONU capaz de angariar recursos administrativos para os demais órgãos de direitos humanos por exemplo os Comitês e relatorias especiais simplificar e obter eficiência na ação dos variados órgãos de direitos humanos na ONU bem como aumentar o engajamento dos Estados e ainda sinalizar os futuros passos para a implementação dos direitos humanos O Alto Comissário envia relatório anual sobre suas atividades para o Conselho de Direitos Humanos e por meio do Conselho Econômico e Social para a Assembleia Geral Como já mencionado o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos está localizado em Genebra no histórico Palais Wilson e possui um escritório em Nova Iorque O Palais Wilson foi sede original da Liga das Nações antecessora da ONU e foi assim denominado em homenagem ao Presidente norteamericano Woodrow Wilson idealizador da Liga apesar de os Estados Unidos nunca dela terem participado O Secretário Geral da ONU deve fornecer pessoal e recursos para permitir que o Alto Comissário realize seu mandato As prioridades do Alto Comissariado incluem maior engajamento dos Estados em estreita colaboração com os parceiros em nível nacional e regional para assegurar que as normas internacionais de direitos humanos sejam aplicadas papel de liderança mais forte para o Alto Comissariado e parcerias mais estreitas com a sociedade civil e com agências das Nações Unidas QUADRO SINÓTICO Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos Criação Resolução n 48141 da Assembleia Geral da ONU de 20 de dezembro de 1993 Sede principal Genebra Palais Wilson Composição Alto Comissário deve ser alguém de elevada idoneidade moral e integridade pessoal e deve possuir expertise inclusive no campo dos direitos humanos e conhecimento e compreensão das diversas culturas para realizar suas atribuições de forma imparcial objetiva não seletiva e efetiva É indicado pelo SecretárioGeral das Nações Unidas e aprovado pela Assembleia Geral tendo em conta uma alternância geográfica para um mandato de quatro anos renovável uma vez por mais quatro Promover e proteger o efetivo gozo de todos os direitos civis políticos econômicos culturais e sociais Realizar as tarefas a ele atribuídas pelos órgãos competentes do sistema das Nações Unidas no campo dos direitos humanos bem como fazer recomendações a eles para aperfeiçoar a promoção e proteção de todos os direitos humanos Promover e proteger a realização do direito ao desenvolvimento e aumentar o apoio de órgãos relevantes do sistema das Nações Unidas para esse propósito Fornecer por meio do Centro para os Direitos Humanos serviços de consultoria e assistência técnica e Atribuições financeira a pedido do respectivo Estado e quando apropriado de organizações regionais de direitos humanos com o intuito de apoiar ações e programas no campo dos direitos humanos Coordenar programas de educação e informação pública relevantes das Nações Unidas no campo dos Direitos Humanos Atuar ativamente na remoção de obstáculos no enfrentamento de desafios para a completa realização de todos os direitos humanos e na prevenção na continuidade de violações a direitos humanos ao redor do mundo como estabelecido na Declaração e Programa de Ação de Viena Envolver os Governos num diálogo para a implementação de seu mandato com a finalidade de assegurar o respeito aos direitos humanos Aumentar a cooperação internacional para a promoção e proteção dos direitos humanos Coordenar as atividades de promoção e proteção dos direitos humanos do sistema das Nações Unidas Realizar a supervisão do Centro para os Direitos Humanos Racionalizar adaptar fortalecer e simplificar os mecanismos das Nações Unidas no âmbito dos direitos humanos com o intuito de aumentar sua eficiência e efetividade 13 Comissão Interamericana de Direitos Humanos Comissão IDH 131 ASPECTOS GERAIS A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é órgão principal da Organização dos Estados Americanos OEA sendo composta por sete membros denominados Comissários ou mais usualmente como decorrência de termo em espanhol Comissionados que deverão ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos Os membros da Comissão serão eleitos por quatro anos e só poderão ser reeleitos uma vez sendo que o mandato é incompatível com o exercício de atividades que possam afetar sua independência e sua imparcialidade ou a dignidade ou o prestígio do seu cargo na Comissão O conhecimento jurídico não é tido como indispensável para o cargo Os membros da Comissão serão eleitos a título pessoal pela Assembleia Geral da OEA de uma lista de candidatos propostos pelos Governos dos Estadosmembros Cada Governo pode propor até três candidatos ou seja também pode propor apenas um nome nacionais do Estado que os proponha ou de qualquer outro Estadomembro Quando for proposta uma lista tríplice de candidatos pelo menos um deles deverá ser nacional de Estado diferente do proponente Em resumo a Comissão é um órgão principal da OEA porém autônomo pois seus membros atuam com independência e imparcialidade não representando o Estado de origem Em relação à Convenção Americana de Direitos Humanos a Comissão pode receber petições individuais e interestatais contendo alegações de violações de direitos humanos O procedimento individual é considerado de adesão obrigatória e o interestatal é facultativo A Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe que qualquer pessoa não só a vítima pode peticionar à Comissão alegando violação de direitos humanos de terceiros A própria Comissão pode de ofício iniciar um procedimento contra determinado Estado para verificar a violação de direitos humanos de indivíduo ou grupo de indivíduos Já a Corte Interamericana só pode ser acionada jus standi pelos Estados contratantes e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos que exerce a função similar à do Ministério Público brasileiro 263 A vítima ou seus representantes possui somente o direito de petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos A Comissão analisa tanto a admissibilidade da demanda há requisitos de admissibilidade entre eles o esgotamento prévio dos recursos internos quanto seu mérito Caso a Comissão arquive o caso demanda inadmissível ou quanto ao mérito infundada não há recurso disponível à vítima Outra hipótese de ser o caso apreciado pela Corte ocorre se algum Estado no exercício de uma verdadeira actio popularis ingressar com a ação contra o Estado violador Mesmo nesse caso o procedimento perante a Comissão é obrigatório Em 2007 a Comissão julgou inadmissível a petição proposta pela Nicarágua contra Costa Rica Em 2010 mostrando uma nova posição dos Estados a Comissão aceitou a petição do Equador contra a Colômbia pela morte de um nacional equatoriano Senhor Franklin Guillermo Aisalla Molina durante o ataque colombiano ao acampamento da guerrilha colombiana em território equatoriano em 2008 Em 2013 em face de acordo entre os Estados envolvidos a Comissão arquivou o caso 132 A COMISSÃO IDH E O TRÂMITE DAS PETIÇÕES INDIVIDUAIS 1321 Provocação e condições de admissibilidade A Comissão é provocada por meio de uma petição escrita que pode ser de i autoria da própria vítima ii de terceiros incluindo as organizações não governamentais demandas individuais ou ainda iii oriunda de outro Estado demandas interestatais de impacto reduzido até hoje apenas 2 casos na Comissão Também a iv Comissão pode agir de ofício Em sua petição internacional o representante deve apontar os fatos que comprovem a violação de direitos humanos denunciada assinalando se possível o nome da vítima e de qualquer autoridade que tenha tido conhecimento da situação As condições de admissibilidade da petição individual à Comissão IDH são as seguintes i o esgotamento dos recursos locais ii ausência do decurso do prazo de seis meses contados do esgotamento dos recursos internos para a apresentação da petição iii ausência de litispendência internacional o que impede o uso simultâneo de dois mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos e iv ausência de coisa julgada internacional o que impede o uso sucessivo de dois mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos O esgotamento dos recursos internos exige que o peticionante prove que tenha esgotado os mecanismos internos de reparação quer administrativos quer judiciais antes que sua controvérsia possa ser apreciada perante o Direito Internacional Fica respeitada a soberania estatal ao se enfatizar o caráter subsidiário da jurisdição internacional que só é acionada após o esgotamento dos recursos internos Contudo os Estados têm o dever de prover recursos internos aptos a reparar os danos porventura causados aos indivíduos No caso de inadequação destes recursos o Estado responde duplamente pela violação inicial e também por não prover o indivíduo de recursos internos aptos a reparar o dano causado Há casos de dispensa da necessidade de prévio esgotamento dos recursos internos a saber 1 não existir o devido processo legal para a proteção do direito violado 2 não se houver permitido à vítima o acesso aos recursos da jurisdição interna ou houver sido ele impedido de esgotálos 3 houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos artigo 462 4 o recurso disponível for inidôneo por exemplo o recurso não é apto a reparar o dano 5 o recurso for inútil por exemplo já há decisão da Suprema Corte local em sentido diverso ou 6 faltam defensores ou há barreiras de acesso à justiça Atualmente a Corte IDH consagrou o entendimento que a exceção de admissibilidade por ausência de esgotamento dos recursos internos tem que ser invocada pelo Estado já no procedimento perante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos Assim se o Estado nada alega durante o procedimento perante a Comissão subentendese que houve desistência tácita dessa objeção Após não pode o Estado alegar a falta de esgotamento pois seria violação do princípio do estoppel ou seja da proibição de se comportar de modo contrário a sua conduta anterior non concedit venire contra factum proprium 1322 A conciliação perante a Comissão Passada a fase da admissibilidade da petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ingressase na fase conciliatória Caso tenha sido obtida a solução amigável entre a vítima e o Estado infrator a Comissão elabora seu relatório contendo os fatos e o acordo alcançado sendo o mesmo remetido ao peticionário aos Estados e também ao SecretárioGeral da OEA Há vários exemplos bemsucedidos de conciliação perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos envolvendo diversos países O primeiro caso brasileiro que foi objeto de conciliação foi o Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão em 2005 264 1323 As medidas cautelares da Comissão O art 25 do regulamento da Comissão IDH prevê a edição de medidas cautelares para proteger pessoas ou grupo de pessoas do i risco de dano irreparável em ii situações de gravidade e urgência quer haja relação ou não com petição em trâmite Não há dispositivo expresso na Convenção Americana de Direitos Humanos sobre a eficácia vinculante de tais medidas cautelares que são então entendidas como recomendações à luz do art 41 b da Convenção A reforma do regulamento da Comissão em 2013 inseriu a oitiva do Estado antes da edição de medidas cautelares Contudo em casos de gravidade e urgência a Comissão ainda pode adotar medidas cautelares sem ouvir o Estado para evitar dano irreparável referente a um caso Em março de 2011 a Comissão adotou medida cautelar requerendo a suspensão da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte a principal obra de fornecimento de energia do Brasil nos últimos anos por ofensa a diversos direitos dos povos indígenas Após veemente recusa do Estado brasileiro em cumprir tal deliberação a Comissão modificou sua posição e decidiu que a obra poderia continuar desde que fossem tomadas determinadas cautelas na preservação dos direitos até deliberação final da Comissão O episódio mostrou que a ausência de previsão expressa das medidas cautelares da Comissão na Convenção Americana de Direitos Humanos faz com que os Estados Partes da Convenção não aceitem sua força vinculante Por outro lado a Comissão pode requerer medidas provisórias à Corte IDH que possuem de modo expresso previsão na Convenção Não é incomum que a Comissão adote medida cautelar e após comprovada a falta de cumprimento pelo Estado peça à Corte IDH uma medida provisória Por exemplo a Comissão adotou medida cautelar para que o Estado adotasse medidas a favor dos direitos dos presos do Complexo de Pedrinhas São LuísMA 265 Dada a ineficácia da medida cautelar a Comissão pleiteou medida provisória da Corte IDH que a deferiu em 18 de novembro de 2014 ver abaixo o item 1337 sobre as medidas provisórias da Corte De acordo com o Regulamento da Comissão esta acionará a Corte e solicitará medidas provisórias quando 1 o Estado não tiver cumprido as medidas cautelares anteriores 2 as medidas cautelares não tiverem sido eficazes 3 já existir uma medida cautelar conectada com o caso submetido à jurisdição da Corte e finalmente 4 a Comissão entender ser pertinente para dar maior efeito às medidas cautelares já exaradas fundamentando seus motivos cláusula geral que permite flexibilidade à Comissão Caso a Corte indefira o pedido de medidas provisórias a Comissão só considerará um novo pedido de medidas cautelares se surgirem fatos novos que o justifiquem Em todo caso a Comissão poderá considerar o uso de outros mecanismos de monitoramento da situação Desde 1996 a Comissão IDH adotou 42 medidas cautelares contra o Brasil em cinco temas i adolescentes em conflito com a lei privados de liberdade ii pessoas privadas de liberdade iii proteção de testemunhas iv proteção de defensores de direitos humanos e v comunidades indígenas O maior número de cautelares outorgadas pela Comissão IDH nessas décadas referese à proteção de defensores de direitos humanos Somamse ao todo 13 medidas incluindo o caso Manoel Mattos cujo assassinato foi submetido ao Incidente de Deslocamento de Competência analisado neste Curso A crise aguda do sistema prisional brasileiro foi detectada pela Comissão IDH que emitiu já 15 medidas cautelares sobre o tema sendo sete em relação às ameaças da integridade física e a vida de adolescentes e oito em relação a adultos detentos Entre os sete casos envolvendo adolescentes privados de liberdade encontramse o caso das Crianças Privadas de Liberdade na FEBEM Tatuapé em São Paulo e o caso dos Adolescentes Privados de Liberdade em Centros de Atenção Socioeducativa de Internação Masculina no Ceará incluindo ainda outros casos do Espírito Santo do Rio de Janeiro e do Distrito Federal As oito medidas em relação à proteção dos direitos humanos de presos referemse ao caso do Complexo Penitenciário de Pedrinhas no Maranhão ao caso do Presídio Professor Aníbal Bruno em Pernambuco e ao caso da Penitenciária de Urso Branco caso já arquivado pela Comissão em Rondônia ao caso da Penitenciária Evaristo de Moraes no Rio de Janeiro somando ainda outros casos no Rio Grande do Sul Espírito Santo Três medidas cautelares visaram à proteção dos direitos de comunidades indígenas no Pará Roraima e Pernambuco sendo respectivamente os casos Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu Caso Belo Monte Povos Indígenas na Raposa Serra do Sol e Líderes Indígenas do Povo Xucuru Em relação à proteção de testemunhas a Comissão IDH deferiu três medidas cautelares visando à proteção da vida de pessoas que testemunharam assassinatos de seus familiares 266 Em uma das medidas cautelares órgão da OEA determinou ao Estado que investigasse o desaparecimento de policial militar ameaçado pela milícia no Rio de Janeiro Em 2018 e 2019 a Comissão emitiu quatro medidas cautelares para possibilitar a continuidade do trabalho de defensoras e defensores de direitos humanos sem que sejam alvo de ameaças intimidações ou atos de violência durante o exercício de suas funções Destacam se o caso de Padre Julio Lancellotti da Pastoral da População em Situação de Rua Jean Wyllys de Matos Santos exdeputado federal e militante da luta LGBTI Monica Benício ex companheira da vereadora Marielle Franco e Joana Darc Mendes mãe na busca por justiça após a morte de seu filho por policiais militares As recomendações da Comissão IDH alertam para as deficiências do programa de proteção de defensores de direitos humanos no Brasil e da importância de proteger à vida e a integridade dessas pessoas 267 Seguem comentários a alguns desses casos Jean Wyllys 2018 o exdeputado Jean Wyllys e seus familiares receberam uma série de ameaças por meio eletrônico e redes sociais em razão de sua atuação como militante por direitos das pessoas LGBTI além de ser o primeiro deputado a abertamente falar sobre sua orientação sexual Em razão da falta de atuação do Estado para proteger o deputado por meio de escolta e suporte aos familiares e diante da urgência e gravidade dos riscos à integridade pessoal e à vida a Comissão IDH emitiu medida cautelar André Luiz Moreira de Souza 2019 policial militar no Rio de Janeiro designado para atuar em unidade de polícia pacificadora a qual mostrou sua indignação pelos perigos do novo posto de trabalho Em setembro de 2018 enquanto estava com a família em um veículo foi abordado por homens armados e desapareceu Seu carro foi encontrado no outro dia queimado Diante do contexto de ameaças a policiais por parte da milícia a CIDH entendeu que o Estado não atuou para investigar os fatos e para encontrar André Luiz de modo que após três meses de seu desaparecimento a medida cautelar atendeu aos critérios de urgência e gravidade No mais a Comissão IDH reforçou seu entendimento de que não é necessário o esgotamento dos recursos internos mas apenas uma notificação do Estado e sua consequente omissão para concessão de medida cautelar Padre Julio Lancellotti 2019 Padre Julio Lancellotti é importante defensor dos direitos das pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo Contudo há anos vem sofrendo ameaças por partes de agências policiais e guardas civis Diante da ausência de medidas protetivas para que o defensor pudesse continuar realizando seu trabalho a Corte emitiu a medida cautelar 1324 O Primeiro Informe e possível ação perante a Corte IDH No caso de constatação de violação de direitos humanos a Comissão elabora o chamado Primeiro Informe ou Primeiro Relatório encaminhandoo ao Estado infrator Cabe ao Estado cumprir as recomendações desse primeiro relatório que é confidencial Se em até três meses após a remessa ao Estado do primeiro relatório da Comissão o caso não tiver sido solucionado reparação dos danos pelo Estado pode ser submetido à Corte se i o Estado infrator houver reconhecido sua jurisdição obrigatória e ii se a Comissão entender tal ação conveniente para a proteção dos direitos humanos no caso concreto De acordo com o regulamento da Comissão no caso de Estados que já tenham reconhecido a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte e que não cumpriram o conteúdo do Primeiro Informe é necessária maioria de votos dos Comissários para que o caso não seja encaminhado à Corte A prática interamericana contempla a prorrogação do prazo de três meses bastando a anuência da Comissão e do Estado O Estado é beneficiado pela prorrogação do prazo pois teria mais tempo para evitar uma ação da Comissão perante a Corte de San José Não pode depois justamente alegar perante a Corte IDH a decadência do direito da Comissão em propor a ação Seria mais um exemplo do princípio do estoppel também chamado de proibição de venire contra factum proprium Se o Estado não tiver reconhecido ainda a jurisdição da Corte ou os fatos e repercussões dos fatos forem anteriores ao reconhecimento vários Estados só aceitam a jurisdição da Corte para os casos futuros e não tiver cumprido o Primeiro Informe deve a Comissão Interamericana de Direitos Humanos elaborar um segundo informe 1325 O Segundo Informe Esse Segundo Informe é público diferentemente do Primeiro Informe que é confidencial restrito às partes e só é elaborado na ausência de ação judicial perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Inicialmente a Comissão encaminha o texto do segundo informe às partes contendo suas conclusões finais e recomendações com prazo fixado para informar sobre o cumprimento do seu teor art 47 do Regulamento da Comissão Após o decurso desse prazo a Comissão agrega a informação sobre o cumprimento das medidas requeridas publicando o Segundo Informe No caso de descumprimento do Segundo Informe a Comissão Interamericana de Direitos Humanos encaminha seu relatório anual à Assembleia Geral da OEA fazendo constar as deliberações não cumpridas pelos Estados para que a OEA adote medidas para convencer o Estado a restaurar os direitos protegidos 133 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 1331 Composição e o juiz ad hoc A Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH é uma instituição judicial autônoma não sendo órgão da OEA mas sim da Convenção Americana de Direitos Humanos Possui jurisdição contenciosa e consultiva pode emitir pareceres ou opiniões consultivas não vinculantes Não é obrigatório o reconhecimento de sua jurisdição contenciosa o Estado pode ratificar a Convenção Americana e não reconhecer a jurisdição contenciosa da Corte IDH pois tal reconhecimento é cláusula facultativa da Convenção O Estado deve reconhecer a jurisdição contenciosa por declaração específica para todo e qualquer caso art 62 da Convenção ou mesmo para somente um caso específico A jurisdição da Corte para julgar pretensas violações em face do Pacto de São José foi admitida até o momento por 20 Estados inclusive o Brasil entre os 23 contratantes do Pacto 268 exercendo a Corte IDH jurisdição sobre aproximadamente 550 milhões de pessoas Apesar de ter ratificado e incorporado internamente a Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992 foi somente em 1998 que o Brasil reconheceu a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos O Decreto Legislativo n 8998 aprovou tal reconhecimento em 3 de dezembro de 1998 Por meio de nota transmitida ao SecretárioGeral da OEA no dia 10 de dezembro de 1998 o Brasil reconheceu a jurisdição da Corte Curiosamente o Poder Executivo editou o Decreto n 4463 somente em 8 de novembro de 2002 promulgando o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana no território nacional quase quatro anos após o reconhecimento internacional A Corte IDH é composta por sete juízes cuja escolha é feita pelos Estados Partes da Convenção em sessão da Assembleia Geral da OEA de uma lista de candidatos propostos pelos mesmos Estados São requisitos para ser juiz da Corte i ser jurista da mais alta autoridade moral ii ter reconhecida competência em matéria de direitos humanos iii reunir as condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais ou do Estado que os propuser como candidatos e iv ter a nacionalidade de um dos Estados da OEA ou seja mesmo nacionais de Estados que sequer ratificaram a CADH podem ser juízes da Corte Os juízes da Corte serão eleitos para um mandato de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez O brasileiro Roberto Caldas foi juiz da Corte IDH para o mandato de 20132018 No governo Temer o Brasil não apresentou nenhum candidato para eventualmente substituir o Juiz Caldas Desde o início do funcionamento da Corte o Brasil tem tímida participação na sua composição tendo tido apenas 2 juízes permanentes desconsiderando os juízes ad hoc i Juiz Cançado Trindade 19952006 dois mandatos e ii Juiz Roberto Caldas 20132018 mandato único tendo renunciado por motivos pessoais antes do seu fim do seu período 269 Além dos 7 juízes determinado caso pode ter um juiz ad hoc na jurisdição contenciosa caso o EstadoRéu não possua um juiz de sua nacionalidade em exercício na Corte A Corte IDH restringiu em 2009 por meio de Opinião Consultiva n 20 a interpretação do art 55 da Convenção que trata do juiz ad hoc eliminando tal figura nas demandas iniciadas pela Comissão a pedido de vítimas ou seja todas até o momento e mantendoo somente para as demandas originadas de comunicações interestatais Também em 2009 na mesma Opinião Consultiva n 20 a Corte restringiu a possibilidade do juiz que porventura possuir a mesma nacionalidade do Estado Réu atuar no caso Somente o fará nas demandas interestatais inexistentes até o momento Nas demandas iniciadas pela Comissão a pedido das vítimas o juiz da nacionalidade do Estado Réu deve se abster de participar do julgamento tal qual ocorre com o Comissário da nacionalidade do Estado em exame que não pode participar das deliberações da Comissão IDH 1332 Funcionamento A Corte fez sua primeira sessão em 1979 Seu funcionamento ocorre em sessões ordinárias e extraordinárias uma vez que a Corte IDH não é um tribunal permanente Os períodos extraordinários de sessões deverão ser convocados pelo seu presidente ou por solicitação da maioria dos juízes O quorum para as deliberações da Corte IDH é de cinco juízes sendo que as decisões da Corte serão tomadas pela maioria dos juízes presentes Em caso de empate o presidente terá o voto de qualidade Os idiomas oficiais da Corte são os da OEA ou seja o espanhol o inglês o português e o francês Os idiomas de trabalho são escolhidos anualmente pela Corte No trâmite de casos contenciosos pode ser adotado o idioma do Estado Réu A sede da Corte é em San José da Costa Rica podendo a Corte realizar sessões em outros países para difundir seu trabalho Como visto a Corte possui jurisdição contenciosa e consultiva pode emitir pareceres ou opiniões consultivas não vinculantes 1333 Legitimidade ativa e passiva nos processos contenciosos Somente Estados que tenham reconhecido a jurisdição da Corte e a Comissão podem processar Estados perante a Corte Interamericana no exercício da jurisdição contenciosa Assim os indivíduos dependem da Comissão ou de outro Estado actio popularis para que seus reclamos cheguem à Corte IDH Já a legitimidade passiva é sempre do Estado a Corte IDH não é um Tribunal que julga pessoas o que será debatido mais abaixo A Corte julga assim uma ação de responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos 270 1334 O EPAP ESAP e o defensor público interamericano A Comissão em no máximo três meses após o não acatamento das conclusões do seu Primeiro Informe pelo Estado infrator pode acionálo perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos caso o Estado tenha reconhecido a jurisdição da Corte Os outros Estados contratantes que tenham também reconhecido a jurisdição da Corte podem acionar um Estado já que a garantia de direitos humanos é uma obrigação objetiva de interesse de todos contratantes da Convenção Americana de Direitos Humanos Ou mesmo o próprio Estado interessado pode propor a ação para substituir eventual relatório desfavorável da Comissão por uma sentença que o isente das violações apontadas Como já abordado o art 51 da Convenção estabelece o prazo de até três meses contados da remessa do Primeiro Informe ou Relatório ao Estado interessado sobre o caso para que a Comissão acione a Corte A ação é iniciada pelo envio do Primeiro Informe da Comissão à Corte As vítimas ou seus representantes são intimados a apresentar a petição inicial do processo internacional no prazo de dois meses Essa petição inicial é denominada Escrito de petições argumentos e provas EPAP em espanhol a sigla comumente utilizada é ESAP 271 que deve conter i a descrição dos fatos dentro do marco fático estabelecido na apresentação do caso pela Comissão em seu Primeiro Informe ii as provas oferecidas devidamente ordenadas com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos sobre os quais versam iii a individualização dos declarantes e o objeto de sua declaração No caso dos peritos deverão ademais remeter iv seu currículo e seus dados de contato v as pretensões incluídas as que concernem a reparações e custas Assim os fatos expostos pela Comissão no Primeiro Informe determinam em geral os limites objetivo e subjetivo do objeto do processo Não podem ser agregados fatos distintos ou novas vítimas A exceção a essa restrição são os fatos novos que se qualificam como supervenientes ou mesmo antecedentes mas trazidos por provas novas desde que vinculados aos fatos já apresentados pela Comissão 272 Assim estamos em uma fase de transição pois não cabe aos novos Autores as vítimas ou seus representantes nem sequer fixar o objeto do processo mas sim à Comissão Após todas as etapas processuais são focadas nas vítimas e no Estado Réu e secundariamente na Comissão como fiscal da lei custos legis Há ainda o Defensor Interamericano que deve representar judicialmente às vítimas sem recursos até 2009 a representação era feita pela própria Comissão A OEA fez convênio com a Associação Interamericana de Defensorias Públicas que possui uma lista de defensores públicos nacionais especializados no sistema interamericano que conta inclusive com defensores públicos brasileiros Dessa lista há a nomeação de um Defensor Público Interamericano às vítimas ou representantes que não possuam ainda representação jurídica para atuar nos processos perante a Corte IDH 1335 Contestação exceções preliminares e provas O Estado Réu é notificado para oferecer sua contestação no prazo idêntico de dois meses O Estado demandado pode não impugnar os fatos e as pretensões acatando sua responsabilidade internacional Nesse caso a Corte estará apta a sentenciar Caso queira contestar deve já indicar as provas inclusive as periciais bem como os fundamentos de direito as observações às reparações e às custas solicitadas bem como as conclusões pertinentes Na própria contestação o Estado deve caso queira apresentar suas exceções preliminares São exceções preliminares toda a matéria que impeça a Corte de se pronunciar sobre o mérito da causa como por exemplo ausência de esgotamento prévio dos recursos internos Ao opor exceções preliminares deverão ser expostos os fatos os fundamentos de direito as conclusões e os documentos que as embasem bem como o oferecimento de provas A apresentação de exceções preliminares não suspenderá o procedimento em relação ao mérito nem aos prazos e aos termos respectivos A Comissão as supostas vítimas ou seus representantes poderão apresentar suas observações às exceções preliminares no prazo de 30 dias contado a partir do seu recebimento Quando considerar indispensável a Corte poderá convocar uma audiência especial para as exceções preliminares depois da qual sobre estas decidirá Ao fim desse contraditório a Corte decidirá sobre as exceções preliminares podendo arquivar o caso ou ordenar o seu prosseguimento Porém há vários casos nos quais a Corte prefere adotar uma única sentença contendo as exceções preliminares o mérito e inclusive as determinações de reparações e as custas Assim as exceções preliminares ficam no feito que segue normalmente com a produção probatória para serem decididas ao final em conjunto com o mérito Quanto às provas são admitidos todos os modos de produção previstos também no direito brasileiro como as provas testemunhais periciais e documentais As provas produzidas pela Comissão em seu procedimento próprio só serão incorporadas ao processo perante a Corte IDH se foram produzidas em procedimento que foi fruto do contraditório A fase probatória encerrase com a apresentação de alegações finais escritas pelas vítimas Estado demandado e também a Comissão 1336 Os amici curiae No Direito Internacional o amicus curiae na tradução literal amigo do Tribunal consiste em um ente que não é parte na disputa e que oferece a determinada Corte Internacional uma perspectiva própria argumentos ou determinado saber especializado que poderão ser úteis na tomada de decisão A petição escrita do amicus curiae na jurisdição contenciosa poderá ser apresentada a qualquer momento do processo até a data limite de 15 dias posteriores à celebração da audiência de coleta de testemunhos Nos casos em que não se realize audiência deverá ser remetido dentro dos 15 dias posteriores à resolução correspondente na qual se outorga prazo para o envio de alegações finais Após consulta à Presidência o escrito de amicus curiae junto com seus anexos será posto imediatamente em conhecimento das partes para sua informação 1337 As medidas provisórias A Corte nos casos sob sua apreciação poderá tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes para em casos de extrema gravidade e urgência evitar danos irreparáveis às pessoas A melhor terminologia seria naturalmente medidas cautelares cuja necessidade é evidente pois em nada serviria o processo internacional se a Corte IDH não pudesse proteger in limine as pessoas de danos irreparáveis A Corte nos casos já sob sua análise pode agir ex officio ou ainda por provocação das vítimas ou representantes Tratandose de casos ainda não submetidos à sua consideração a Corte só poderá atuar por requerimento da Comissão O Estado deve cumprir as medidas provisórias e informar periodicamente a Corte IDH A Corte incluirá em seu relatório anual à Assembleia Geral uma relação das medidas provisórias que tenha ordenado durante o período do relatório e quando tais medidas não tenham sido devidamente executadas Em relação ao Brasil a Corte adotou entre 2002 e setembro de 2019 43 medidas provisórias a pedido da Comissão IDH em 8 situações emergenciais a saber 1 Caso da Penitenciária de Urso Branco Porto VelhoRO já arquivado pela Comissão 273 2 Caso das crianças e adolescentes privados de liberdade no Complexo do Tatuapé da FEBEM São Paulo Capital 274 3 Caso das pessoas privadas de liberdade na Penitenciária Dr Sebastião Martins Silveira AraraquaraSão Paulo 275 4 Caso do Centro Penitenciário de Curado Prof Aníbal Bruno RecifePE 276 5 Caso do Complexo de Pedrinhas São LuísMA 277 6 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia 278 e 7 Caso da Unidade de Internação Socioeducativa CariacicaES 279 e 8 Caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho GericinóRJ 280 Destacase ainda a resolução inédita da Corte IDH chamada de supercaso pelas organizações da sociedade civil que reuniu quatro casos já acompanhados pela Corte por meio de medidas provisória Pedrinhas Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho Unidade de Internação Socioeducativa e Complexo Curado em razão de um padrão sistêmico de violação do direito à integridade física de pessoas privadas de liberdade cobrando do Brasil respostas e ações para reverter o quadro de violações de direitos humanos nos presídios 281 Em 2018 nos casos do Complexo Penitenciário de Curado e do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho a Corte determinou de forma paradigmática ações concretas ao Estado brasileiro para reduzir a superpopulação prisional dos presídios como i o cômputo em dobro de cada dia de privação de liberdade nas citadas unidades prisionais para todas as pessoas privadas de liberdade não acusadas de delitos contra a vida integridade física ou sexuais 282 ii observância da Súmula Vinculante 56 do Supremo Tribunal Federal 283 e iii proibição de transferências de novos presos 284 1338 Desistência reconhecimento e solução amistosa O processo perante a Corte IDH pode ser abreviado em três situações solução amistosa que consiste no acordo entre as vítimas e o Estado Réu fiscalizado pela Corte que pode ou não homologálo desistência por parte das vítimas mas a Corte ouvida a opinião de todos os intervenientes no processo decidirá sobre sua procedência e seus efeitos jurídicos reconhecimento do pedido total ou parcial pelo qual o Estado Réu acata as pretensões das vítimas cabendo à Corte decidir sobre os efeitos do reconhecimento Nas três situações desistência reconhecimento e solução amistosa não há automatismo na eventual extinção do processo A natureza das obrigações em jogo exige que a Corte zele pela indisponibilidade dos direitos humanos mesmo na existência de um acordo Por isso mesmo em presença desse tipo especial de vontade das partes desistindo reconhecendo ou mesmo entrando em acordo a Corte IDH poderá decidir pelo prosseguimento do exame do caso 1339 A sentença da Corte as obrigações de dar fazer e não fazer A Corte IDH pode decidir pela procedência ou improcedência parcial ou total da ação de responsabilização internacional do Estado por violação de direitos humanos O conteúdo da sentença de procedência consiste em assegurar à vítima o gozo do direito ou liberdade violados Consequentemente a Corte IDH pode determinar toda e qualquer conduta de reparação e garantia do direito violado abrangendo obrigações de dar fazer e não fazer Há o dever do Estado de cumprir integralmente a sentença da Corte conforme dispõe expressamente o art 681 da seguinte maneira Os Estados Partes na Convenção comprometemse a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes É tarefa do Estado escolher o meio de execução que em geral depende do tipo de órgão imputado por exemplo se judicial ou não e de seu status normativo Importante ressaltar também que essa aparente liberdade dos Estados em definir os meios internos de execução de sentença internacional foi reduzida pela Convenção Americana de Direitos Humanos no art 682 o qual dispõe que no tocante a parte da sentença relativa à indenização compensatória esta seria executada de acordo com o processo interno de execução de sentença contra o Estado No caso de não cumprimento sponte propria das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos o art 65 da Convenção Americana de Direitos Humanos possibilita à Corte Interamericana de Direitos Humanos a inclusão dos casos em que o Estado não tenha dado cumprimento a suas sentenças no seu relatório anual à Assembleia Geral da OEA Além disso a Corte IDH exige que o Estado condenado apresente relatórios periódicos de cumprimento da sentença Quando considere pertinente a Corte poderá convocar o Estado e os representantes das vítimas a uma audiência para supervisionar o cumprimento de suas decisões ouvindose a Comissão 13310 O recurso cabível A sentença da Corte IDH é definitiva e inapelável Em caso de divergência sobre o sentido ou alcance da sentença cabe à parte vítima ou Estado ou ainda à Comissão interpor recurso ou pedido de interpretação semelhante aos nossos embargos de declaração cujo prazo para apresentação é de noventa dias a partir da data da notificação da sentença Além disso a Corte poderá por iniciativa própria ou a pedido de uma das partes apresentado no mês seguinte à notificação retificar erros notórios de edição ou de cálculo Se for efetuada alguma retificação a Corte notificará a Comissão as vítimas ou seus representantes e o Estado 13311 Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos casos contenciosos A Corte IDH editou mais de 379 decisões em 246 casos contenciosos e 630 resoluções de medidas provisórias de 1979 1ª sessão da Corte a julho de 2019 Entre os casos mais renomados sem contar os brasileiros citemse 285 Velasquez Rodriguez vs Honduras sentença de 2971988 Tratouse de desaparecimentos forçados de pessoas por agentes da ditadura militar de Honduras nos anos 80 do século passado O Caso Velasquez Rodriguez em conjunto com o Caso Godinez Cruz e Fairén Garbi e Solís Corrales representam os três primeiros julgamentos de mérito da Corte IDH em 1989 os chamados casos hondurenhos pois todos foram contra Honduras A Corte inverteu contra o Estado o ônus da prova no caso de desaparecimentos Fixaramse indenizações por danos materiais e morais aos familiares das vítimas e também determinaramse investigações e punições criminais aos responsáveis Genie Lacayo vs Nicarágua sentença de 2911997 Tratouse de assassinato do jovem Genie Lacayo que não foi investigado apropriadamente em virtude do envolvimento de membros das forças de segurança de alto governante da Nicarágua também é conhecido como o Caso da Comitiva de Ortega A Nicarágua foi condenada pela violação do direito à verdade e justiça dos familiares da vítima assassinada Assim a Corte decidiu em 1997 que houve violação do direito da vítima a um processo contra os violadores de direitos humanos com duração razoável art 8º da Convenção Loayza Tamayo vs Peru sentença de 27111998 Tratouse de condenações injustas realizadas pelo Judiciário peruano contra a Sra Tamayo suposta apoiadora da guerrilha do Sendero Luminoso O Peru foi condenado em 1997 pela violação ao direito à liberdade à integridade pessoal maustratos exibição pública em trajes infamantes ao devido processo legal juízes sem rosto foro militar juiz parcial e em especial a violação à proibição do bis in idem Com isso fixouse o repúdio da Corte a medidas excepcionais de julgamento de supostos colaboradores do terrorismo Caso Castillo Petruzzi vs Peru Caso dos juízes sem rosto sentença de 3051999 Tratouse de julgamento de civil por juízo militar no Peru com a participação de juízes e promotores sem rosto ou seja sem que a Defesa pudesse conhecer e impugnar o juiz natural e o promotor natural O Peru foi condenado em 1999 pois para a Corte IDH o foro militar é excepcional e serve somente para julgamento de ofensas disciplinares não podendo julgar civis Além disso não podem oficiar juízes ou promotores sem rosto O processo penal público deve ser a regra e o advogado deve ter condições para o exercício de sua defesa técnica Villagrán Morales vs Guatemala ou Caso dos Meninos de Rua sentença de 1911 1999 Tratouse de sequestro tortura e morte por parte de agentes do Estado de menores de rua na Guatemala A Corte IDH determinou o dever do Estado de zelar pela vida digna das crianças nessa condição dando conteúdo social ao conceito de direito à vida previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos Nos votos concorrentes dos Juízes Cançado Trindade e Burelli foi retomado o conceito da reparação do projeto de vida visto pela primeira vez no Caso Tamayo ou seja o dever do Estado de recompor a situação provável de desenvolvimento pessoal e profissional de cada indivíduo que é interrompida e modificada em virtude de violações de direitos humanos Olmedo Bustos vs Chile Caso A última tentação de Cristo sentença de 522001 Tratouse de censura à exibição do filme A Última Tentação de Cristo no Chile fundada no art 19 inciso 12 de sua Constituição confirmada pelo Poder Judiciário local A Corte IDH determinou que mesmo diante de norma constitucional deve o Estado cumprir a Convenção Americana de Direitos Humanos devendo então alterar sua própria Constituição Para a Corte a liberdade de expressão e de pensamento possui duas dimensões a dimensão individual que consiste no direito de expressar o próprio pensamento e a dimensão coletiva ou social que consiste no direito de receber as manifestações de pensamento e expressão de outros A Corte decidiu que a censura prévia ao filme em questão violou os direitos à liberdade de expressão e liberdade de consciência consagrados nos arts 12 e 13 da Convenção em detrimento da sociedade chilena O Chile após alterou sua Constituição Caso Barrios Altos vs Peru sentença de 1432001 Este caso faz referência a um massacre ocorrido em Lima inserido nas práticas estatais de extermínio conduzido pelo Exército peruano de Fujimori As leis de anistia que impediram a responsabilização criminal dos indivíduos ligados ao massacre foram consideradas pela CtIDH incompatíveis com as garantias outorgadas pelos arts 8º e 25 da CADH Este caso é paradigmático por estabelecer a invalidade das leis de anistia de medidas que impliquem a impunidade de agentes responsáveis por graves violações de Direitos Humanos ver também sobre esse tema os comentários aos casos Almonacid Chile e Gomes LundBrasil Caso de la Comunidad Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua sentença de 318 2001 O caso Comunidad Mayagna Awas Tingni expandiu a extensão da proteção conferida pelo art 21 da CADH no sentido de não apenas proteger a propriedade privada mas também a propriedade comunal dos povos indígenas conforme todas as particularidades que este grupo exige Além disso a Corte estabeleceu restrições para a outorga a terceiros de direitos de exploração sobre recursos naturais em territórios indígenas Caso Cantos vs Argentina sentença de exceções preliminares de 792001 A Corte IDH admitiu que em determinadas circunstâncias os indivíduos peticionem à Comissão mesmo quando envolvidas pessoas jurídicas Apesar de a sentença de mérito não ter incluído violações cujas vítimas fossem propriamente as empresas das quais o Sr Cantos era acionista este caso é um importante precedente na tendência crescente do sistema de reconhecer o caráter eminentemente coletivo de alguns direitos como a liberdade de expressão e a propriedade comunal indígena Caso Bulacio vs Argentina sentença de 1892003 Tratouse de detenção arbitrária e morte fruto dos maustratos e tortura do adolescente Walter Bulacio no contexto de detenções em massa realizadas pela polícia argentina O processo contra um agente policial já durava mais de 10 anos e a sanção dos responsáveis pelas violações tinha sido obstaculizada depois da prescrição da ação penal existindo então coisa julgada nacional a favor do acusado A Argentina reconheceu sua responsabilidade internacional por violação dos direitos à vida à integridade pessoal à liberdade pessoal às garantias judiciais e à proteção judicial e aos direitos da criança Em relação às medidas de reparação a Corte reforçou que a grave situação de impunidade deveria ser revertida e que o Estado deveria concluir a investigação e sancionar os responsáveis independentemente de qualquer óbice de direito interno ou seja exigiu a superação da coisa julgada nacional em favor do direito dos familiares à justiça Depois de intenso debate interno de como cumprir a decisão da Corte IDH houve a reabertura do caso e em 2013 um acusado da detenção arbitrária foi finalmente condenado a três anos de prisão Caso Instituto de Reeducación del Menor vs Paraguay sentença de 292004 Tratouse da ocorrência de sucessivos incêndios que feriram e mataram crianças em um estabelecimento de detenção A Corte detalhou os parâmetros que o sistema de detenção juvenil deve seguir além da obrigação de plena separação entre crianças e adultos em estabelecimentos prisionais Além disso a Corte amenizou o requisito de individualização das vítimas no procedimento perante a Comissão que não havia cumprido plenamente esta exigência no momento da apresentação do caso A Corte admitiu a complementação posterior feita pela Comissão e rejeita a exceção preliminar relativa à não individualização das vítimas proposta pelo Paraguai Ainda foi constatada a violação do artigo 26 que trata dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais Caso Acosta Calderón vs Equador sentença de 2462005 Tratase da responsabilidade internacional do Equador pela prisão do Sr Acosta Calderón por tráfico de drogas o qual após dois anos de sua detenção em flagrante não foi apresentado a um juiz audiência de custódia ou garantido seu direito a assistência consular Ao total permaneceu por mais de cinco anos em prisão preventiva violando o direito a um prazo razoável no processo criminal diante da ausência de complexidade do assunto e de qualquer atuação por parte do Sr Calderón para atrasar o processo sendo a demora associada à inércia das autoridades judiciais Por fim a Corte entendeu que houve violação do direito à liberdade pessoal devido processo legal e proteção judicial No caso reafirmou que toda pessoa presa deverá ser apresentada a uma autoridade judicial após a prisão bem como acessar um recurso efetivo e não ilusório Caso Yatama vs Nicarágua sentença de 2362005 Na sua primeira oportunidade para decidir sobre os direitos políticos de povos indígenas a Corte IDH analisou as normas eleitorais da Nicarágua que exigiam que o partido indígena Yatama possuísse candidatos em 80 dos municípios O fato de o Yatama não ter conseguido ser admitido no pleito eleitoral nem mesmo nas regiões em que tinha lideranças e estruturas fez com que a Corte concluísse que o Estado estava restringindo de forma desproporcional os direitos políticos dos povos indígenas ao exigir dos candidatos indígenas formas de organização política que eram estranhas aos seus costumes e tradições Caso de las Niñas Yean y Bosico vs República Dominicana sentença de 892005 Tratouse no caso de filhas de mães dominicanas e pais haitianos as meninas Dilcia Yean e Violeta Bosico que foram privadas do direito à nacionalidade e permaneceram apátridas por mais de quatro anos graças a sucessivas exigências de documentação feitas pela República Dominicana para realizar o registro tardio de nascimento das meninas Em linha com o que já havia sido exposto na Opinião Consultiva n 18 ver tópico abaixo sobre a jurisdição consultiva a Corte reafirmou que a não discriminação é um direito que independe de status migratório Assim a Corte considerou que a República Dominicana tinha práticas administrativas e medidas legislativas em matéria de nacionalidade que eram discriminatórias e que por essa razão agravaram a situação de vulnerabilidade das meninas e afetaram o gozo de outros direitos previstos na Convenção Americana como o direito ao nome Caso de las Masacres de Ituango vs Colômbia sentença de 1º72006 Em mais uma sentença que tratou das violações de Direitos Humanos cometidas por grupos paramilitares na Colômbia e das consequências relativas a deslocamentos forçados e assassinatos este caso é paradigmático por ser o primeiro a abordar uma violação do art 62 vide acima a análise artigo por artigo da Convenção Americana Referindose à Convenção 29 da OIT a Corte IDH fixou os parâmetros para a identificação de um trabalho forçado i a ameaça de sanção ii o oferecimento não espontâneo para o trabalho e iii a atribuição da violação a agentes do Estado sendo que os dois primeiros podem sofrer variações no grau com que se apresentam Caso Claude Reyes y otros vs Chile sentença de 1992006 A Corte ampliou o conteúdo do art 13 da CADH liberdade de informação para também proteger sua dimensão coletiva direito de acesso público à informação Como se tratava de acesso público a informação sobre impactos ambientais de uma obra a Corte IDH analisou ainda que indiretamente o direito a um meio ambiente equilibrado O Chile foi condenado então pela violação do art 13 da Convenção por ofender o princípio da máxima divulgação e negar sem a devida fundamentação informações sobre os impactos ambientais que o projeto Río Condor teria sobre o desenvolvimento sustentável no país Caso Almonacid Arellano y otros vs Chile sentença de 2692006 A Corte decidiu pela incompatibilidade entre uma lei de anistia e o Pacto de San José da Costa Rica condenando o Chile pela ausência de investigação e persecução criminal dos responsáveis pela execução extrajudicial do Sr Almonacid Arellano durante a ditadura de Pinochet Diferentemente do que ocorrera no Peru Barrios Alto conforme estudado acima contudo no Chile já tinha sido estabelecida uma Comissão da Verdade e outorgada reparação material e simbólica dos quais os familiares de Sr Almonacid Arellano se beneficiaram Mesmo assim a Corte determinou o cumprimento da obrigação de investigação persecução e punição criminal e dos violadores bárbaros de direitos humanos não sendo aceitável anistia a um grave crime contra a humanidade O Chile foi condenado então pela violação do direito à justiça das vítimas graças a uma interpretação ampla dos arts 8º e 25 em relação aos arts 11 e 2º da Convenção Caso del Pueblo Saramaka vs Suriname sentença de 27112007 e sentença de interpretação de 1282008 A Corte IDH decidiu que os Estados devem consultar os povos indígenas afetados por grandes alto impacto projetos de exploração de recursos naturais com os seguintes parâmetros que essa consulta deve observar i o consentimento livre prévio e informado ii a garantia ao acesso às informações sobre impactos sociais e ambientais e iii o respeito aos métodos tradicionais da comunidade para a tomada de decisões Para a Corte é imprescindível a obtenção do consentimento das comunidades afetadas pelos grandes projetos ampliando a interpretação dos efeitos da consulta prevista na Convenção n 169 ver parágrafos 133 a 137 da sentença de 2007 e parágrafo 17 da sentença de interpretação Caso Chaparro Álvarez y Lapo Íñiguez vs Equador Caso da audiência de custódia sentença de 21112007 Tratouse da detenção de duas pessoas e da apreensão de uma fábrica de refrigeradores por suspeitas de relação com o tráfico internacional de drogas O Equador foi responsabilizado internacionalmente por violar os direitos à liberdade pessoal à integridade física a garantias judiciais e à propriedade Em particular a Corte exigiu o cumprimento do direito do preso de ser apresentado sem demora à autoridade judicial ou com poderes judiciais após sua prisão não bastando como ocorria no Brasil a entrega dos autos de prisão a um juiz para que este avalie documentalmente a legalidade da prisão sem ouvir o preso parágrafo 85 da sentença A Corte estabeleceu parâmetros para analisar a adequação de uma restrição à propriedade realizada mediante medida cautelar Além disso determinou que a apreensão dos bens de uma empresa afeta o direito à propriedade de um indivíduo em virtude de sua participação societária Caso Revéron Trujillo vs Venezuela sentença de 3062009 Tratase da destituição da Sra María Cristina Reverón Trujillo do cargo de juíza provisória no poder judiciário venezuelano Mesmo após recurso de nulidade que reconheceu a ilegalidade da sua destituição a Sra Trujillo não foi restituída ao cargo ou recebeu o pagamento de salários e benefícios sociais A Corte responsabilizou o Estado pela violação ao direito à proteção judicial artigo 25 CADH por entender que não basta a existência de recursos na lei mas estes devem ser idôneos e efetivos para estabelecer se houve violação de direitos humanos e garantir o necessário para remediála No mais reforçou seu entendimento de que os juízes devem atuar com a independência necessária para o exercício da função judicial o que é um dos pilares do devido processo legal Apoiandose nos Princípios Básicos das Nações Unidas relativos à Independência do Judiciário a Corte determinou que a independência judicial requer um adequado processo de nomeação estabilidade inamovibilidade do cargo e garantias contra pressões externas Por fim em relação aos juízes provisórios venezuelanos o Tribunal considerou que esta deve consistir em uma situação excepcional e não na regra pelos riscos gerados à independência judicial de modo que a situação provisória da Sra Trujillo resultou em uma violação do seu direito a acessar as funções públicas em igualdade Caso Acevedo Buendía e outros vs Peru sentença de 1º72009 Tratouse do descumprimento de sentenças do Tribunal Constitucional do Peru relativas a direitos previdenciários Aqui a Corte analisou o art 26 da CADH direitos sociais em sentido amplo firmando sua competência para a apreciação de sua violação Contudo no julgamento do caso foi decidido que o Peru não impediu o desenvolvimento progressivo do direito à pensão mas descumprido decisões judiciais acabando por ofender o direito à propriedade Caso González e outras Campo Algodonero vs México sentença de 16112009 Tratouse de emblemático caso de violência de gênero que envolveu o desaparecimento e assassinato de três mulheres cujos corpos foram encontrados em um campo algodoeiro em Ciudad Juárez México A Corte IDH analisou pela primeira vez a situação de violência estrutural de gênero A sentença voltouse além da indenização aos familiares também à promoção de medidas gerais de compatibilização do direito interno com parâmetros internacionais de proteção à mulher sobretudo em relação à Convenção de Belém do Pará Tendo em vista a existência de múltiplos casos de feminicídio que ocorrem em Ciudad Juárez a Corte determinou a necessidade de as autoridades estatais adotarem medidas amplas de luta contra os casos de violência ligados a estereótipos de gênero socialmente dominantes bem como combaterem a impunidade nos casos de violência contra as mulheres mais um uso do Direito Penal pelos Tribunais de Direitos Humanos Caso Vélez Loor vs Panamá sentença de 23112010 Tratouse de caso envolvendo a situação da imigração irregular No caso Jesús Vélez Loor cidadão equatoriano foi preso e processado no Panamá por delitos relacionados à sua situação migratória sem a observação do devido processo legal Apesar de os Estados poderem fixar políticas migratórias são consideradas arbitrárias as políticas migratórias cujo eixo central é a detenção obrigatória dos migrantes irregulares sem que as autoridades competentes verifiquem em cada caso em particular e mediante uma avaliação individualizada a possibilidade de utilizar medidas menos restritivas que sejam efetivas para alcançar os fins legítimos buscados Além disso a prisão ocorreu em condições desumanas e sem que lhe fossem asseguradas as garantias do devido processo tendo sido o Panamá condenado por violações de dispositivos dos arts 11 2º 5º 7º 8º 9º e 25 da CADH além dos arts 1º 6º e 8º da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura Caso Cabrera García e Montiel Flores vs México sentença de 26112010 Tratouse de caso envolvendo prisão em condições degradantes bem como de violação do devido processo posteriormente à prisão e da falha na investigação e punição dos agentes responsáveis por toda esta situação e também pela tortura ocorrida Destaque para a necessidade de exclusão de provas obtidas mediante coação e também das evidências que indiretamente se depreendam daquele ato irregular regra de exclusão e prova ilícita por derivação Caso Gelman vs Uruguai sentença de 2422011 Tratase de caso envolvendo a parte uruguaia da Operação Condor 286 com violações de direitos humanos que não foram devidamente punidas em função de uma lei de anistia caso de justiça de transição A Corte analisou a situação de pessoa María Macarena que ao nascer foi subtraída de seus pais biológicos argentinos por agentes da repressão e entregue ilegitimamente à adoção em família uruguaia A negação de sua própria identidade configurou para a Corte um caso particular de desaparecimento forçado O Uruguai foi condenado pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica à vida à integridade pessoal à liberdade pessoal à família à nacionalidade ao nome e aos direitos da criança Caso Barreto Leiva vs Venezuela sentença de 17112009 Este caso está ligado à violação de garantias judiciais no processo que condenou Oscar Enrique Barreto por crimes contra o patrimônio público sem que ele pudesse exercer adequadamente seu direito à defesa Para a Corte a presença do Ministério Público no processo não supre a falta de defesa técnica para o réu já que defensores e Ministério Público desempenham papéis antagônicos Além disso o caso foi conhecido e julgado por uma única instância a Corte Suprema de Justiça inviabilizando o direito individual de recorrer da sentença condenatória A duração da prisão preventiva superou a própria pena a que o réu foi condenado sendo considerada fora dos limites de temporalidade proporcionalidade e razoabilidade a que deveria estar sujeita violando o direito à presunção de inocência e à liberdade pessoal Este caso é sempre citado nos debates sobre a inconvencionalidade da competência constitucional originária do Supremo Tribunal Federal para julgar crimes de determinadas autoridades vide o debate no Caso do Mensalão APn 470 rel Min Joaquim Barbosa j 17122012 Plenário DJe de 2242013 Radilla Pacheco vs México sentença de 23112009 O caso aborda novamente a sensível temática do desaparecimento forçado Em decorrência de sua prisão por agentes policiais a vítima nunca mais foi vista Seus familiares buscaram as vias judiciais para que se realizassem investigações dos fatos e a sanção dos responsáveis O processo acabou na justiça penal militar e foi infrutífero Em sua sentença de 2009 a Corte reafirmou que a proibição do desaparecimento forçado alcançou o status de jus cogens internacional Também reiterou sua posição de que os juízos penais militares em Estados Democráticos devem ter um alcance restritivo e excepcional Por fim o caso é de grande relevância por continuar o paulatino desenvolvimento da doutrina do controle de convencionalidade de matriz internacional Caso Fernandez Ortega vs México sentença de 3082010 Tratase da violência sexual e tortura sofrida pela Sra Fernandez Ortega por parte de agentes militares na região de Guerreiro no México No caso a Corte entendeu que mulheres indígenas são afetadas de maneira particular pela violência institucional e reafirmou o dever reforçado do estado de atuar com devida diligência para investigar e se for o caso punir violência perpetrada contra mulheres conforme previsão da Convenção de Belém do Pará Além disso a Corte ainda determinou que houve discriminação no acesso à justiça às vítimas por não terem sido fornecidos intérpretes no idioma mephaa quando requereu atenção médica nem quando apresentou as denúncias iniciais Caso López Mendoza vs Venezuela sentença de 1º92011 Neste caso a Corte considerou que o direito a ser eleito foi violado em virtude de sanções que impediam o exercício de funções públicas terem sido impostas por um órgão administrativo e não por uma condenação por um juiz competente em um processo penal conforme dispõe o artigo 232 A Corte reforçou que todos os órgãos que exerçam funções materialmente jurisdicionais devem respeitar as garantias do devido processo sendo que no caso o dever de motivar as decisões não foi cumprido pela autoridade administrativa que decidiu pela restrição ao direito de ser votado Este caso é sempre lembrado por aqueles que defendem a inconvencionalidade de vários dispositivos da Lei Complementar n 1352010 Lei da Ficha Limpa em especial aqueles que tratam de novas hipóteses não criminais de inelegibilidades ver item 48 sobre direitos políticos na Parte IV especialmente sobre a convencionalidade da Lei da Ficha Limpa Caso Atala Riffo e Filhas vs Chile sentença de 2422012 Tratase do primeiro caso em que a Corte afirmou que orientação sexual e identidade de gênero são categorias protegidas pela Convenção Americana no âmbito do direito à igualdade e não discriminação do artigo 11 A decisão da Suprema Corte chilena que retirou da mãe a guarda de suas três filhas argumentando que uma convivência homoafetiva afetaria o desenvolvimento das crianças foi considerada discriminatória e ofensiva aos direitos à vida privada e familiar A Corte afirmou que o melhor interesse da criança não pode ser utilizado para fundamentar a discriminação sexual contra qualquer um dos pais e que a Convenção Americana não estabelece um modelo único de família e tampouco o reduz ao matrimônio devendo abarcar outros laços familiares de fato Caso Povo indígena Kichwa de Sarayaku vs Equador sentença de 2762012 A partir de consórcio entre empresas privadas e pública buscouse explorar os recursos petrolíferos das terras indígenas do povo Sarayaku Mesmo sem a obtenção do consentimento dos interessados o consórcio iniciou suas atividades que ocasionaram um vasto impacto no meio ambiente e no meio cultural local O Equador foi condenado em 2012 pela violação dos direitos à vida integridade e liberdade pessoais direito à propriedade comunal e a ser consultado Sendo o mais recente caso sobre violações a direitos de comunidades indígenas e tradicionais o caso Sarayaku traz importante fortalecimento dos parâmetros interpretativos já desenvolvidos pela Corte em outros casos com destaque para a necessidade de se atingir um consentimento sobre as medidas propostas após a realização da consulta prévia Caso Nadege Dorzema ou outros vs República Dominicana sentença de 2482012 Em um contexto de graves e reiteradas ações discriminatórias contra haitianos ou descendentes de haitianos na República Dominicana em 2012 a Corte continuou a julgar uma sequência de casos sobre o assunto Tratouse do uso excessivo da força por parte de militares da Rep Dominicana contra grupo de haitianos no qual foram mortas sete pessoas Os militares envolvidos foram absolvidos pela justiça militar nacional e algumas das vítimas sobreviventes foram deportadas pelo Estado infrator A Corte considerou que o caso demonstrava mesmo após o julgamento do Caso de las Niñas Yean y Bosico vs República Dominicana que a situação de discriminação estrutural contra haitianos ou pessoas de origem haitiana continuava a existir no Estado infrator gerando violação de direitos e impunidade O caso impressiona pelo rigor e diversidade das reparações que vão desde o pagamento de indenizações até medidas estruturais como a adequação do direito interno à Convenção Americana e a realização de investigações e consequente sanção aos responsáveis Caso Furlan e Familiares vs Argentina sentença de 3182012 O caso relacionase ao acidente que sofreu o adolescente Sebastián Furlan nas dependências desativadas de um quartel militar gerando incapacidade psíquica cognitiva e motora A Corte entendeu que a demora prolongada das autoridades judiciárias argentinas bem como a falta de resposta adequada a uma ação civil contra o Estado por danos e prejuízos da qual dependia Furlan para a realização de tratamento de saúde resultou em violação de direitos da CADH Recorrendo à Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência a Corte destacou que a condição de pessoa com deficiência não deriva meramente de limites físicos mentais intelectuais ou sensoriais mas se interrelaciona com as barreiras socialmente impostas para que as pessoas possam exercer seus direitos de forma efetiva Assim os Estados devem garantir o acesso à justiça das pessoas com deficiência incluindo o direito de as crianças com deficiência serem ouvidas em processos judiciais que as envolvam Nesse sentido os Estados devem promover a inclusão e adotar medidas de diferenciação positivas para eliminar as barreiras à participação das pessoas com deficiência Caso Mohamed vs Argentina sentença de 23112012 A partir de um atropelamento na cidade de Buenos Aires e do desencadeamento de um processo penal pelo crime de homicídio culposo o Sr Mohamed o motorista foi absolvido em primeira instância mas condenado em sede de apelação Ocorreu que a legislação argentina tal como a brasileira não previa a existência de recurso penal ordinário para a sentença condenatória de segunda instância Em 2012 a Corte condenou a Argentina pela violação dos direitos e garantias judiciais e do princípio da legalidade Estabeleceu dentre outras reparações o dever do Estado de adotar medidas para garantir à vítima o direito de recurso à decisão penal condenatória além da suspensão da sentença No Brasil na mesma hipótese absolvição no juízo de 1º grau e condenação no Tribunal de Justiça estadual não há recurso ordinário aquele que devolve toda a matéria inclusive fática ao Tribunal ad quem e só cabem os recursos especial e extraordinário que possuem requisitos específicos de admissibilidade como por exemplo a repercussão geral no caso do recurso extraordinário Caso Artavia Murillo y otros vs Costa Rica sentença de 28112012 O caso referese aos impactos gerados por uma decisão da Suprema Corte costarriquense que anulou a autorização ao procedimento de fertilização in vitro FIV no país Para a Corte tal decisão violou o direito à liberdade pessoal e à vida privada a qual inclui a autonomia reprodutiva e o acesso aos serviços de saúde reprodutiva Como a proibição para a FIV tinha se baseado no texto da própria CADH em que se diz que a vida é protegida em geral desde o momento da concepção a Corte analisou profundamente o artigo 4 com base nos seguintes métodos de interpretação i conforme ii sistemático e histórico iii evolutivo e iv do sentido e fim do tratado A conclusão da Corte foi de que o embrião não pode ser considerado pessoa nos termos da Convenção Americana e que a concepção teria início com a implantação do embrião no útero Essa decisão está em linha com o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no caso da pesquisa com célulastronco ADI 3510 rel Min Ayres Britto j 2952008 Plenário DJe de 2852010 Defensor de Direitos Humanos e outros vs Guatemala sentença de 10102013 A Corte determinou a responsabilidade internacional da Guatemala por não adotar medidas adequadas para proteger a defensora de direitos humanos B A e sua família assim como por não conduzir uma investigação adequada a respeito do assassinato de A A também defensor de direitos humanos e pai de B A Conforme destacado pelos juízes Roberto F Caldas e Eduardo Ferrer MacGregor Poisot em seu voto parcialmente dissidente este foi o primeiro caso em que a Corte estabeleceu uma definição clara para a categoria defensores de direitos humanos Além disso foram utilizados parâmetros para analisar a adequação de medidas adotadas pelo Estado para proteger as atividades de defensores Comunidades Afrodescendentes Deslocadas do Rio Cacarica vs Colômbia sentença de 20112013 Este caso também conhecido como Operação Gênesis referese às violações sofridas por comunidades afrodescendentes deslocadas em decorrência de uma operação militar da Colômbia contra guerrilheiros das FARC assim como da ação de grupos paramilitares Apesar da responsabilização do Estado colombiano pela violação dos direitos à vida à integridade pessoal à liberdade de circulação e residência à propriedade coletiva assim como de outros direitos relacionados a Corte sinalizou admitir que processos transicionais de países emergentes em conflito armado interno possam exceder a capacidade do sistema judiciário doméstico posição que contrasta com sua jurisprudência anterior Caso J vs Peru sentença de 27112013 Tratase de caso no qual houve a violação de vários direitos da vítima J durante a repressão estatal aos suspeitos de terrorismo nos anos 90 no Peru Durante o período em que a vítima foi presa em péssimas condições teve sua integridade pessoal ofendida tendo ocorrido abusos sexuais A Corte IDH aplicou as regras de Bangkok estudadas anteriormente sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras Regras n 5 7 e 102 A Corte considerou que o exame médico nos casos de violência sexual deverá ser realizado por profissionais capacitados e idôneos do sexo que a vítima prefira tendo sempre presente uma funcionária mulher Regra 102 No caso de o exame médico determinar a ocorrência da violência sexual a mulher encarcerada receberá assistência jurídica para dar início aos procedimentos investigatórios e judiciais bem como receberá imediatamente atendimento médico e psicológico Regra 7 Por fim a Corte considerou que os locais de alojamento de mulheres presas devem ter instalações e artigos necessários a higiene próprias de seu gênero Caso Família Pacheco Tineo vs Bolívia sentença de 25112013 Este foi o primeiro caso submetido à Corte em que um país foi responsabilizado por violações de direitos humanos ocorridas no marco de um procedimento de solicitação de reconhecimento do estatuto de refugiado mostrando uma tendência de absorção do Direito Internacional dos Refugiados pelos processos internacionais de direitos humanos Para a Corte procedimentos migratórios ligados à solicitação de refúgio ou que podem levar à deportação ou à expulsão de alguém devem contemplar as garantias mínimas do devido processo legal Além disso o sistema interamericano reconhece que qualquer pessoa estrangeira não deve ser devolvida quando sua vida integridade pessoal ou liberdade estejam sob risco de serem violadas No caso a expulsão da família Pacheco Tineo para o Peru inclusive de seus filhos violou o direito a buscar e receber asilo e ao princípio do non refoulement Caso Norín Catrimán e outros vs Chile sentença de 2252014 Tratouse de condenação de lideranças do povo indígena mapuche por condutas consideradas terroristas em um contexto de protestos sociais pelo direito às terras ancestrais e aos recursos naturais A Corte decidiu que na investigação e sanção de condutas ilícitas o princípio da legalidade impõe que não se presuma uma ação terrorista pela presença de determinados elementos objetivos ex uso de fogos de artifício e que esses tipos penais não devem ser usados caso o ilícito possa ser apurado a partir de um tipo penal ordinário de menor reprovabilidade No caso considerouse que a aplicação da lei penal às lideranças violou o princípio da não discriminação e da igualdade perante a lei porque esteve baseada em estereótipos negativos associados a um grupo étnico Caso Brewer Carías vs Venezuela sentença de 2652014 Tratouse de persecução penal contra o advogado Allan Brewer Carías acusado de participar do golpe de Estado contra o governo eleito da Venezuela em 2002 A Corte de forma inédita deixou de realizar a análise de mérito de um caso em razão de ter acolhido a exceção preliminar de não esgotamento dos recursos internos A decisão da maioria dos juízes considerou que o processo ainda estava em etapa intermediária e que o principal obstáculo para que avançasse era a ausência de Brewer Carías da Venezuela Tratandose ainda de uma fase processual tão inicial as solicitações de nulidade absoluta feitas pelo réu não seriam aptas a esgotar os recursos idôneos e efetivos Os juízes Ventura Robles e Ferrer MacGregor divergiram da maioria argumentando que a Venezuela não teria cumprido seu dever de indicar durante o trâmite da petição perante a Comissão IDH precisamente quais eram os recursos idôneos e efetivos que estavam disponíveis e que a interpretação com base no princípio do estoppel levaria a considerar os recursos esgotados Além disso a etapa processual não poderia ser considerada como fez a maioria dos juízes como um critério para apurar se o esgotamento ocorreu sob risco de se negar o direito de acesso à justiça Caso das Pessoas dominicanas e haitianas expulsas vs República Dominicana sentença de 2882014 Tratouse de caso envolvendo a expulsão ou deportação de membros de cinco famílias de origem haitiana da República Dominicana no final do século XX 1999 e 2000 O cenário comum dessas expulsões ou deportações foi a detenção arbitrária e retirada para a fronteira do Haiti sem observância do direito a defesa Para a Corte houve violações do direito ao devido processo legal nos processos de expulsão e deportação com ofensas ainda ao direito à liberdade pessoal direito à nacionalidade alguns eram nacionais da República Dominicana mas o Estado Réu dificultava o fornecimento da documentação em virtude da origem haitiana direitos de proteção à criança e da família A Corte ainda considerou que a sentença do Tribunal Constitucional local sentença TC0116813 de 2013 bem como determinados artigos da lei de migração nacional de 2014 violavam a Convenção Americana de Direitos Humanos A Corte condenou o Estado a adotar medidas cabíveis para que tais atos inclusive a sentença nacional deixem de produzir os seus efeitos Destaquese que o Tribunal Constitucional da República Dominicana buscou na fundamentação da decisão atacada pela Corte IDH defender o uso da teoria da margem de apreciação nacional utilizada na Corte Europeia de Direitos Humanos na hipótese da temática da nacionalidade dominicana requerida por haitianos O Tribunal Constitucional do Estado Réu assim criticou a atuação da Corte IDH em tema que seria sensível aos dominicanos A República Dominicana manifestouse contrariamente à sentença da Corte IDH considerando que a lei nacional impugnada Lei n 16914 havia sido aprovada à unanimidade no Congresso local e a Corte deveria respeitar a soberania estatal Curiosamente na mesma manifestação o governo reiterou o seu compromisso com o sistema interamericano de direitos humanos No final de 2014 em clara reação à jurisprudência da Corte IDH o Tribunal Constitucional dominicano considerou inconstitucional o reconhecimento da jurisdição da Corte IDH pela República Dominicana pois o instrumento de aceitação deveria ter sido aprovado também pelo Congresso e não somente pelo Presidente da República TC025614 de novembro de 2014 Caso Wong Ho Wing vs Peru sentença de 3062015 O caso trata do pedido de extradição do Sr Wing formulado pela República Popular da China ao Estado peruano sob alegações de que este cometera o crime de contrabando de mercadorias comuns cuja pena máxima na legislação chinesa era a pena de morte legislação depois revogada Após idas e vindas com direito à atuação diplomática chinesa o processo de extradição resultou num impasse duas decisões internas com fundamentos diversos e a inatividade do Poder Executivo para tomar a decisão extradicional final O caso é paradigmático pois é o primeiro a vincular a cooperação jurídica internacional aos direitos humanos a Corte exigiu que os Estados americanos não cooperem caso o extraditando possa ser submetido a pena de morte a tortura ou tratamento cruel desumano e degradante Contudo a Corte decidiu que não bastam alegações genéricas de violações de direitos humanos no Estado requerente da cooperação jurídica mas deve o Estado requerido analisar especificamente as circunstâncias do caso concreto Esse posicionamento da Corte IDH está em linha com o debate da temática cooperação jurídica internacional e os direitos humanos 287 na Corte Europeia de Direitos Humanos No caso a Corte IDH considerou que não foi constatado risco específico ao extraditando mas determinou que se tome uma decisão final o mais brevemente possível e que se revise a privação de liberdade do Sr Wing Em junho de 2016 a Corte IDH prolatou sentença de interpretação a pedido do Estado recurso de interpretação pela qual esclareceu que o Peru é obrigado a permitir o acesso pelo extraditando a uma revisão judicial da decisão do Poder Executivo favorável à extradição Caso Gonzales Lluy e outros vs Equador sentença de 1º92015 Tratase de caso envolvendo contágio pelo vírus do HIV da vítima Talia Lluy em sua infância por conta de transfusão de sangue sem os devidos exames realizados Posteriormente por conta da sua condição de mulher pobre e portadora do vírus do HIV foram impostos diversos obstáculos para que Talia ingressasse na escola e obtivesse um tratamento de saúde de qualidade A Corte IDH entendeu que o Estado era responsável pela violação ao direito à vida e à integridade pessoal arts 4º e 5º da CADH por conta da ausência de fiscalização e controle dos bancos de sangue e serviços de saúde particulares No mais em face da proibição de frequentar a escola por conta de sua situação de portadora do vírus HIV a Corte responsabilizou o Equador pela violação do direito social à educação de Talia previsto no artigo 13 do Protocolo de San Salvador Caso Ruano Torres vs El Salvador sentença de 5102015 O caso trata da responsabilidade internacional do Estado peruano em razão das negligências na defesa efetiva ofertada pela Defensoria Pública bem como da garantia do devido processo legal durante o trâmite do processo criminal no qual o Sr Ruano Torres era acusado de delito de sequestro existindo sérias dúvidas quanto a ser o autor do crime A Corte entendeu que houve violação do direito à presunção da inocência em razão da falta de investigações efetivas para determinar a autoria do crime bem como da fundamentação da sentença única e exclusivamente na declaração de um corréu sem outros elementos de comprovação Diante dos fatos do caso houve ainda ausência de defesa técnica materialmente efetiva que incorporasse as garantias mínimas legais previstas no art 82 da CADH Por essa razão a Corte elencou os seguintes parâmetros para aferir a qualidade da defesa realizada pela Defensoria Pública lista não exaustiva a não realizar mínima atividade probatória b inatividade argumentativa c carência de conhecimento técnico d falta de interposição de recursos e indevida fundamentação dos recursos f abandono de defesa Como reparação determinou que a Defensoria Pública de El Salvador coloque uma placa em sua unidade para lembrar a importância de garantir a defesa técnica efetiva e estimular a consciência institucional Caso Espinoza Gonzáles vs Peru sentença de 20112015 Tratase de violações de diversos direitos da Sra Espinoza condenada a 25 anos pela prática do crime de terrorismo em plena repressão estatal dos anos 90 tendo sido vítima de abusos sexuais e práticas de tortura relacionadas ao seu gênero Não obteve atendimento médico especializado após a violência sexual e seus relatos foram desconsiderados por conta de preconceitos de gênero utilizados para avaliar suas declarações O Peru foi responsabilizado pela violação do direito à liberdade pessoal integridade física e garantias judiciais respectivamente arts 7º 5º 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos bem como pela ausência de investigação e punição dos responsáveis pela violência de gênero art 7ºb da Convenção Interamericana para prevenir punir e erradicar a violência contra a mulher Convenção de Belém do Pará No caso a Corte IDH estabeleceu parâmetros de proteção de mulheres em conflito com a lei considerando discriminatório os estereótipos construídos sobre mulheres infratoras em seus processos judiciais No mais estabelece parâmetros para a investigação e punição da violência sexual sofrida por mulheres presas em especial i inclusão da perspectiva de gênero nas investigações que deverão ser realizadas por funcionários capacitados sendo a entrevista com a vítima realizada em lugar seguro e com privacidade com registro consentido para evitar a repetição do depoimento ii a realização dos exames médicos deve levar em consideração o gênero da vítima e a falta de evidência médica não deve diminuir a veracidade da declaração da vítima 153 da sentença A Corte ainda estabeleceu que a garantia do acesso à justiça de mulheres vítimas de violência sexual exige previsão de regras para valoração da prova que evite afirmações e insinuações estereotipadas 278 da sentença Caso Duque vs Colômbia sentença de 2622016 A Corte IDH condenou a Colômbia por discriminação por orientação sexual uma vez que a vítima Sr Duque foi impedida de receber a pensão por morte de seu companheiro do mesmo sexo em 2002 A Corte IDH reconheceu diálogo das Cortes o esforço e as decisões da Corte Constitucional Colombiana a partir de 2007 no sentido de permitir o recebimento de benefícios de pensão direitos de propriedade e seguro social para casais do mesmo sexo significativo avanço jurisprudencial 133 Contudo como o próprio Estado reconheceu dúvida sobre se os pagamentos devidos seriam pagos retroativamente desde 2002 a Corte IDH decidiu que houve violação do artigo 24 em relação ao artigo 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos Caso Flor Freire vs Equador sentença de 3182016 Tratase de caso apresentado pela Comissão IDH à Corte IDH em 11 de dezembro de 2014 relativo ao desligamento do Exército do tenente Homero Flor Freire pela prática de atos homossexuais A Comissão alegou que a sanção aplicável a este caso era mais grave do que a aplicável a atos sexuais ilegítimos o que conferia tratamento discriminatório A Corte reconheceu a responsabilidade internacional do Estado Caso Herrera Espinoza e outros vs Equador sentença de 1º92016 Tratase de caso apresentado pela Comissão IDH à Corte IDH em 21 de novembro de 2014 relativo a prisões arbitrárias e torturas durante investigação por tráfico internacional de drogas além de violações ao devido processo legal e proteção judicial A Corte reconheceu a responsabilidade internacional do Estado Caso Yarce e outras vs Colômbia sentença de 22112016 Tratase de caso apresentado pela Comissão IDH à Corte IDH em 3 de junho de 2014 referente a ameaças perseguições invasões de domicílio e prisões arbitrárias de cinco defensoras de direitos humanos em 2002 no seio de conflito armado existente na Comuna 13 em Medellín Colômbia que culminou com a morte de Ana Teresa Yarce em 2004 A Corte reconheceu a responsabilidade internacional do Estado sendo precedente importante no que tange à proteção dos defensores de direitos humanos em contexto de operações militares em conflitos armados Caso I V vs Bolívia sentença de 30112016 Tratase de caso apresentado pela Comissão IDH à Corte IDH em 23 de abril de 2015 relativo à esterilização da senhora I V sem consentimento prévio em hospital público durante procedimento de cesárea A Corte reconheceu a responsabilidade do Estado pela violação dos direitos à integridade liberdade integridade dignidade vida privada e familiar acesso à informação e o direito de fundar uma família Caso Zegarra Marin vs Peru sentença de 1522017 O Sr Zegarra Marin foi condenado por delitos contra a administração pública falsificação de documentos e corrupção de funcionários em razão da tramitação de passaportes de forma irregular quando era Subdiretor da Direção de Migrações e Naturalizações A Corte entendeu que houve violação do direito à presunção de inocência e à motivação das decisões judiciais art 8º CADH Em relação ao princípio da presunção da inocência a Corte reafirmou seu entendimento de que este é um princípio orientador da análise probatória estabelecendo limites à discricionariedade e à subjetividade das autoridades judiciais Assim a prova deve ser analisada no processo pessoal de forma racional objetiva e imparcial e de modo algum o ônus da prova deve recair sobre o acusado Na verdade cabe à parte acusadora demonstrar os fatos e o cometimento do crime e de forma alguma deve existir presunção de culpabilidade que obrigue o acusado a provar sua inocência Caso Lagos del Campo vs Peru sentença de 3182017 Tratouse de caso sobre a dispensa arbitrária de líder dos trabalhadores em razão de entrevista concedida a periódico peruano no qual teceu críticas à empresa na qual possuía estabilidade laboral Apesar de se tratar de demanda cujo objeto central era claramente o direito social à estabilidade laboral tanto a Comissão em seu informe de mérito quanto os litigantes requereram o reconhecimento de violações à liberdade de expressão art 13 da CADH liberdade de associação art 16 da CADH e direito de acesso à justiça e a um remédio judicial efetivo arts 8 e 25 da CADH todos em relação com o art 11 da Convenção Utilizouse então a tradicional defesa indireta dos direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCA que é aquela pela qual a proteção de tais direitos é feita pela invocação de facetas sociais dos direitos civis e políticos Contudo em uma decisão paradigmática a Corte IDH Interamericana liderada pelo voto do Juiz Eduardo Ferrer MacGregor Poisot que já vinha defendendo em inúmeros votos dissidentes desde 2013 288 a necessidade de abordagem das violações aos DESCAs pela via direta finalmente obteve a maioria de votos para declarar de ofício a violação ao art 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos que trata do desenvolvimento progressivo da implementação dos direitos sociais em sentido amplo A Corte ressaltou que apesar da inexistência de pedido formal das partes no procedimento perante a Corte o peticionário tinha suscitado a violação à estabilidade laboral perante os tribunais internos de forma que o Estado tivera ampla oportunidade para se defender a respeito desta violação Foi a primeira vez que a Corte declarou uma violação ao art 26 da Convenção Dessa forma o caso Lagos Del Campo vs Peru é paradigmático ao dar início a uma nova etapa na jurisprudência da Corte cujo principal desafio é a densificação do conteúdo sentido e alcance dos DESCAs Caso VRP VPC vs Nicarágua sentença de 832018 Tratase de caso de abuso sexual de criança de nove anos pelo pai A Corte determinou que o Estado é internacionalmente responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal e à proibição de tratos desumanos cruéis e degradantes às garantias judiciais à proteção da vida privada e familiar à proteção da família à residência e à proteção judicial A Corte apontou a violação a obrigações derivadas da Convenção de Belém do Pará tendo levado em consideração a situação de vulnerabilidade agravada da vítima enquanto menina A relevância do caso também é reforçada pela análise da revitimização do sistema de justiça em casos de abuso sexual de criança Caso Acosta e outros vs Nicarágua sentença de 2532017 Tratase de caso apresentado pela Comissão IDH à Corte IDH em 29 de julho de 2015 relativo ao homicídio do marido da Sra María Luisa Acosta defensora de direitos humanos dos povos indígenas ocorrido em 2002 na Nicarágua em que o Estado foi acusado de não investigar diligentemente e em prazo razoável a hipótese de crime contra defensores de direitos humanos A Corte reconheceu a violação aos direitos de acesso à justiça à verdade às garantias judiciais e à proteção judicial de Maria Luisa Acosta e outros familiares Caso Poblete Vilches vs Chile sentença de 832018 Tratouse da violação do direito à saúde sem discriminação do Sr Vinicio Antonio Poblete Vilches A falta de cuidados adequados resultou na morte da vítima O Chile foi declarado internacionalmente responsável por violação aos arts 1 4 5 7 8 11 13 25 e 26 da Convenção Americana Nesse caso houve o desenvolvimento de parâmetros para análise de direitos econômicos sociais e culturais tendo sido a primeira vez que a Corte detectou a violação autônoma do art 26 da Convenção com base no direito à saúde Foi realçada ainda a especial vulnerabilidade de pessoas idosas Caso Ramírez Escobar vs Guatemala sentença de 932018 Tratouse de separação forçada de membros de uma família como resultado de irregularidades sistemáticas em processos de adoção internacional de crianças guatemaltecas A Corte declarou a responsabilidade internacional do Estado pela separação arbitrária dos membros da família com consequentes violações à proibição de ingerências arbitrárias na vida familiar ao direito à proteção da família às garantias judiciais ao direito à proteção judicial à proibição da discriminação ao direito à integridade pessoal além do direito à liberdade ao nome e à identidade O caso é relevante por se referir ao tema da adoção internacional Caso Amrhein vs Costa Rica sentença de 2542018 Tratouse da ausência de recurso que permitiria obter uma revisão abrangente de condenações penais de dezessete pessoas na Costa Rica após o país ter realizado reformas legislativas para implementar as determinações da Corte IDH no caso Herrera Ulloa vs Costa Rica A Corte IDH declarou o Estado da Costa Rica responsável internacionalmente pela violação do direito à liberdade pessoal de Jorge Martínez Meléndez Todavia a Corte acolheu algumas das exceções preliminares interpostas pelo Estado inclusive a tese da quarta instância e determinou que o Estado não violou os direitos ao recurso a um juiz imparcial à presunção de inocência ao prazo razoável à defesa a recorrer da legalidade da detenção e à integridade pessoal Com esse reconhecimento da ausência de violação de diversos direitos a Corte IDH faz nova delimitação das garantias processuais penais Caso Carvajal Carvajal y otros vs Colombia sentença de 1332018 Tratase da responsabilidade internacional do Estado colombiano pela violação do direito à vida do Sr Carvajal bem como de seu direito à liberdade de expressão em razão de seu assassinato por conta de sua atuação profissional como jornalista O caso se insere em um contexto de uma série de assassinatos de jornalistas na Colômbia e uma atuação omissa no dever de investigar e eventualmente punir os responsáveis Após cerca de 20 anos a morte do Sr Carvajal ainda não foi solucionada e os fatos permanecem na impunidade de forma que a Corte reconheceu a violação do direito ao acesso à justiça em um prazo razoável No mais familiares do Sr Carvajal foram obrigados a se deslocar de suas residências por conta de ameaças violando seu direito à livre circulação e residência e a integridade pessoal Caso Coc Max e outros Massacre de Xamán vs Guatemala sentença de 2282018 Tratase da responsabilidade do Estado da Guatemala por massacre na região de Xamán o qual afetou a comunidade Aurora 8 de outubro composta por indígenas de várias etnias resultando na morte de 11 pessoas entre elas crianças bem como na afetação da integridade pessoal de outras 29 pessoas O uso da força por parte de militares no caso em tela foi compreendido como uma violação desproporcional e discriminatória às populações indígenas Determinou ainda uma ausência de ações para investigar com a devida diligência os fatos e eventualmente punir os responsáveis Por fim a Corte reafirmou sua jurisprudência reiterada de que o foro militar não é competente para investigar violações de direitos humanos mas afastou a responsabilidade do Estado visto que o caso permaneceu apenas por quatro meses na jurisdição militar o que não afetou de forma exagerada o processo Caso Cuscul Pivaral e outros vs Guatemala sentença de 2382018 Tratouse de caso sobre o direito à saúde de 49 pessoas diagnosticadas com HIVAIDS na Guatemala entre 1992 e 2003 A Corte reconheceu que o Estado foi omisso em seu dever de fornecer um tratamento médico adequado e acessível às pessoas com HIVAIDS violando não apenas seu direito à vida e à integridade pessoal mas também de forma autônoma o direito à saúde com base na proteção progressiva do art 26 da CADH Mais uma vez a Corte se referiu às normas sobre direitos econômicos sociais educação ciência e cultura da Carta da OEA para definir parâmetros de proteção do direito à saúde No que tange às mulheres gestantes com HIVAIDS a Corte considerou que houve discriminação de gênero no acesso à saúde Por fim a Corte entendeu que a demora prolongada para analisar recursos judiciais apresentados pelas vítimas implicou uma violação dos direitos ao devido processo legal e à proteção judicial Caso Lopez Soto e outros vs Venezuela sentença de 2692018 Tratase da violação do direito à liberdade pessoal à integridade pessoal à vida à dignidade à autonomia e ao direito de viver livre de violência e discriminação de gênero de uma jovem de 19 anos que permaneceu privada de sua liberdade por terceiro Nessa oportunidade a Corte reafirmou a responsabilidade estatal por atos de particulares em casos nos quais se está diante de um dever de evitar violações quando há um risco real e imediato especialmente diante do dever reforçado de investigar e punir a violência contra a mulher O caso é paradigmático pois reconhece que a prática de atos de tortura não se limita à atuação de agentes estatais mas também engloba atos de particulares intencionais e destinados a causar sofrimento e humilhação a pessoas submetidas a sua autoridade Caso Mulheres Vítimas de Tortura Sexual em Atenco México vs México sentença de 28 112018 Tratase da violação dos direitos à integridade física vida liberdade pessoal bem como da proibição da tortura e da violência contra mulher em razão da detenção ilegal e das violências sexuais e tortura praticadas contra 11 mulheres detidas no decorrer da repressão de uma manifestação no México A Corte entendeu que a violência sexual constituiu uma estratégia de controle e domínio de forma a instrumentalizar seus corpos para enviar mensagens de desaprovação e repressão aos protestos realizados Ademais determinouse a violação da Convenção de Belém do Pará pois não houve incorporação de uma perspectiva de gênero nas investigações As autoridades estatais incorporaram estereótipos de gênero o que resultou em um processo de revitimização das mulheres Como mecanismo de reparação determinou o estabelecimento de um Mecanismo de Acompanhamento de casos de Tortura Sexual Cometida contra Mulheres Caso Órdenes Guerra e outros vs Chile sentença de 29112018 Tratase de caso no qual a Corte reconheceu a responsabilidade internacional do Estado pela violação do direito ao acesso à justiça e à proteção judicial pelo negatória por parte do Poder Judiciário chileno de indenizações aos familiares de vítimas de sequestros desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais durante a ditadura militar na década de 1970 A Corte reiterou sua jurisprudência de que não são prescritíveis ações de reparação civil por danos derivados de delitos contra a humanidade Caso Colindres Schonenberg vs El Salvador sentença de 422019 Tratase da violação dos direitos à proteção judicial e à permanência em cargo público em condição de igualdade em razão da destituição do Sr Colindres Schonenberge do cargo de magistrado do Tribunal Supremo Eleitoral por parte da Assembleia Legislativa sem que houvesse previsão legal ou procedimento previsto para tal ato Contudo apesar das ações de amparo interpostas pelo magistrado não foi realizada uma revisão judicial efetiva de forma a violar o direito ao devido processo legal e à proteção judicial Caso VillaSeñor Velarde e outros vs Guatemala sentença de 522019 Tratase das ameaças sofridas pela Sra Velarde e seus familiares quando exercia a função de juíza na Guatemala e dos efeitos gerados em sua independência funcional e direito à integridade pessoal A Corte afastou a responsabilidade internacional do Estado pelas ameaças sofridas bem como pela violação do direito à honra e à intimidade da magistrada Apenas foi considerado violada a obrigação de meio de investigar e punir as ameaças sofridas pela ausência de uma investigação efetiva Caso Muelle Flores vs Peru sentença de 632019 Tratase de reconhecimento da responsabilidade internacional do estado pela violação do direito a tutela jurisdicional e proteção judicial efetiva em razão da demora prolongada em garantir o direito à seguridade social de pessoa idosa em clara situação de vulnerabilidade o que gerou efeitos na sua qualidade de vida e garantia de direito à saúde A Corte reconheceu pela primeira vez de forma autônoma a violação do direito à seguridade social com fundamento na proteção progressiva de direitos econômicos sociais e culturais previstos no art 26 No mais a Corte analisou o impacto das privatizações na proteção de direitos humanos Caso Arrom Suhurt e outros vs Paraguai sentença de 1352019 Tratase de caso sobre o desaparecimento violação da integridade física tortura e detenção ilegal de dois membros da organização Patria Libre do Paraguai A Corte entendeu que o Estado não violou a Convenção Americana em razão da ausência de provas para concluir que as supostas vítimas teriam sido privadas de liberdade por agentes estatais ou com sua aquiescência argumentando que não se tratava de um contexto sistemático de desaparecimento forçado e perseguição política como em outros casos já analisados pela corte Do mesmo modo a Corte afastou a responsabilidade internacional pela ausência de devida diligência nas investigações ou de violação da integridade pessoal dos familiares Após essa decisão o Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro em julho de 2019 indeferiu recurso de Juan Arrom Anuncio Martí e Víctor Colmán exlíderes do Partido Pátria Livre PPL cujo estatuto de refugiados reconhecido em 2003 havia sido cancelado por decisão do CONARE Comitê Nacional para os Refugiados ver abaixo Os casos brasileiros são os seguintes Damião Ximenes Lopes procedência Datas A Comissão recebeu a petição dos familiares em 22 de novembro de 1999 e apresentou o caso n 12237 à Corte em 1º de outubro de 2004 Foram proferidas sentenças em 30 de novembro de 2005 exceções preliminares e 4 de julho de 2006 mérito Conteúdo O Sr Damião Ximenes Lopes pessoa com doença mental foi assassinado cruelmente em 1999 na Casa de Repouso de Guararape Ceará Com a delonga nos processos cível e criminal na Justiça estadual do Ceará a família peticionou à Comissão IDH alegando violação do direito à vida integridade psíquica dos familiares pela ausência de punição aos autores do homicídio devido processo legal em prazo razoável Na sentença de mérito da Corte ficou reconhecida a violação do direito à vida e à integridade pessoal bem como das garantias judiciais e consequentemente foram fixadas diversas obrigações de reparação Importância É o primeiro caso envolvendo pessoa com deficiência na Corte IDH A sentença expõe as mazelas do Brasil Uma pessoa portadora de doença mental com as mãos amarradas foi morta em Casa de Repouso situada em Guararapes Ceará em situação de extrema vulnerabilidade Somente sete anos depois 2006 é que uma sentença internacional restaurou em parte a justiça concedendo indenizações danos materiais e morais e exigindo punições criminais dos autores do homicídio Também ficaram estabelecidos deveres do Estado de elaboração de política antimanicomial O caso mostra que o Brasil pode ser condenado por ato de ente federado ou por ato do Poder Judiciário não sendo aceitas alegações como respeito ao federalismo ou respeito à separação de poderes Gilson Nogueira Carvalho improcedência Datas A Comissão recebeu denúncia em 11 de dezembro de 1997 e apresentou o caso n 12058 à Corte em 13 de janeiro de 2005 Sentença de 28 de novembro de 2006 Conteúdo O caso referiuse a homicídio do Dr Gilson Nogueira Carvalho advogado defensor de direitos humanos no Estado do Rio Grande do Norte possivelmente por membros de esquadrão da morte conhecido como Meninos de Ouro O Brasil foi acusado pela Comissão por não ter investigado e punido a contento os responsáveis pela morte do Sr Gilson violando o direito de acesso à justiça por parte das vítimas direito à verdade e à justiça Entretanto a Corte considerou a ação da Comissão improcedente uma vez que para a Corte a obrigação de investigar perseguir criminalmente e punir os responsáveis pelas violações de direitos humanos é uma obrigação de meio e não de resultado Malgrado então os resultados pífios apenas um dos pretensos responsáveis foi processado e absolvido pelo Júri popular a Corte considerou que o Brasil esforçouse para cumprir suas obrigações internacionais de garantia de direitos humanos Importância O caso mostra a importância do mecanismo coletivo de proteção de direitos humanos também para os Estados O Brasil defendeuse de modo adequado e a demanda internacional foi considerada improcedente Escher e outros procedência Datas A Comissão recebeu petição em 26 de dezembro de 2000 e apresentou o caso n 12353 à Corte em 20 de dezembro de 2007 Foram proferidas sentenças em 6 de julho de 2008 exceções preliminares e 20 de novembro de 2009 mérito Conteúdo A Corte condenou o Brasil pela violação do direito à privacidade e o direito à honra e à reputação resultantes da interceptação gravação e divulgação das conversas telefônicas de vários indivíduos de movimentos sociais de modo totalmente indevido de acordo com a própria lei brasileira houve pedido direto da Polícia Militar à Juíza de Direito de região do Paraná marcada por choques de fazendeiros e sem terra sem notificação ao Ministério Público e sem investigação criminal formal servindo apenas para controle dos movimentos populares Ademais a Corte considerou que o Brasil violou o direito à liberdade de associação reconhecido no art 16 da Convenção Americana uma vez que as interceptações telefônicas ilegais tinham como propósito embaraçar o funcionamento de associações legítimas relacionadas a movimentos sociais O Brasil foi condenado a pagar indenizações e investigar e punir os responsáveis pelas violações acima mencionadas Importância A Corte traçou importantes parâmetros para o tratamento do direito à privacidade e à honra em um contexto de disputa agrária entre fazendeiros e membros de movimentos populares de reforma agrária que de modo ilegal foram submetidos à interceptação telefônica autorizada pelo Judiciário do Paraná sem ciência do Ministério Público e sem investigação criminal formal Garibaldi procedência Datas A Comissão recebeu petição sobre o caso em 6 de maio de 2003 e apresentou o caso n 12478 à Corte em 24 de dezembro de 2007 A sentença foi proferida em 23 de setembro de 2009 Conteúdo Tratouse do homicídio do Sr Garibaldi militante do movimento sem terra que foi assassinado por milícia rural em uma invasão de terras no Paraná na mesma região do Caso Escher O Brasil foi condenado por ter descumprido graças a falhas gritantes do inquérito policial sua obrigação de investigar e punir as violações de direitos humanos A Corte concluiu que o lapso de mais de cinco anos que demorou o procedimento interno apenas na fase de investigação dos fatos ultrapassou excessivamente o chamado prazo razoável para que um Estado realize as diligências de investigação criminal constituindo uma denegação de justiça criminal em prejuízo dos familiares de Sétimo Garibaldi Assim declarou haver violação aos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial direito à verdade e à justiça Importância Na mesma região e no mesmo contexto de disputa agrária do Caso Escher a Corte IDH exigiu o respeito ao devido processo legal penal e ao direito das vítimas à justiça punindose o assassino do Sr Garibaldi Essa faceta punitiva da Corte IDH exige modificações no obsoleto sistema do inquérito policial brasileiro que elucida pouco menos de 8 dos crimes contra a vida Gomes Lund e outros Caso Guerrilha do Araguaia procedência Datas A Comissão recebeu a representação em 7 de agosto de 1995 caso n 11552 e processou o Brasil perante a Corte em 26 de março de 2009 A sentença foi proferida em 24 de novembro de 2010 Conteúdo Tratouse de ação promovida pela Comissão pelo desaparecimento forçado de mais de 60 pessoas que lutaram contra a ditadura militar brasileira em geral membros do Partido Comunista do Brasil PC do B na região do Araguaia Tocantins durante o início da década de 70 do século XX O destino torturados assassinados etc e os eventuais restos mortais dos guerrilheiros jamais foram revelados pelo Exército A Corte declarou o Estado responsável pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica à vida à integridade física e à liberdade pessoal pelo desaparecimento forçado às garantias judiciais e de proteção judicial pela falta de investigação dos fatos e do julgamento e sanção dos responsáveis em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e pela delonga no processamento dos acusados Também o declarou responsável pela violação ao direito à liberdade de pensamento e de expressão ao direito de buscar e receber informação e ao direito à verdade Por tudo isso a Corte determinou que o Estado realizasse uma série de medidas para reparação dos danos causados dentre elas promover todos os esforços para determinar o paradeiro das pessoas desaparecidas e ainda investigar processar e punir no foro criminal comum e não na Justiça Militar os responsáveis pelas graves violações de direitos humanos na ditadura militar A Corte declarou a anistia aos agentes da ditadura militar incompatível com a Convenção Importância O julgamento da Corte representou importante contribuição no tratamento do caso de desaparecimento forçado de pessoas em período de regime militar em benefício dos familiares dos desaparecidos Novamente a Corte IDH enfatizou o direito à justiça e à verdade exigindo punições penais aos violadores de direitos humanos Também enfatizou que o controle de convencionalidade internacional deve ser respeitado tendo considerado inconvencional a Lei da Anistia Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde procedência Datas A Comissão recebeu a representação em 12 de novembro de 1998 e submeteu o caso à jurisdição da Corte em 04 de março de 2015 quase 17 anos depois A sentença foi proferida em 20 de outubro de 2016 Conteúdo Tratase de condenação do Brasil pela sua omissão na prevenção e repressão da situação de escravidão contemporânea bem como pela omissão no tocante ao desaparecimento de dois adolescentes trabalhadores na fazenda Brasil Verde localizada no Estado do Pará Esta fazenda havia sido objeto de várias inspeções trabalhistas sendo as mais recentes apreciadas pela Corte realizadas em 1997 e 2000 sem que houvesse punição adequada aos escravizadores Além disso registrou que a prescrição dos crimes prevista no direito interno é incompatível com as obrigações internacionais assumidas pelo Estado A defesa do Estado apresentou 10 exceções preliminares tendo sido aceita a incompetência ratione temporis para os fatos anteriores à data do reconhecimento brasileiro da jurisdição contenciosa da Corte 10121998 Por isso Corte apreciou dois grupos de fatos as ações e omissões a partir de 10 de dezembro de 1998 na investigação e nos processos relacionados à inspeção realizada na Fazenda Brasil Verde no ano de 1997 e os fatos violatórios e a respectiva investigação e processos decorrentes da inspeção realizada em 15 de março de 2000 à referida Fazenda Para a Corte ficou provado o contexto de captação ou aliciamento de trabalhadores rurais por meio de fraude enganos e falsas promessas para fazendas no norte do Brasil Também ficou provada a situação de discriminação estrutural histórica em razão da vulnerabilidade dos trabalhadores rurais a maioria analfabetos o que o Brasil deveria ter levado em conta na prevenção e repressão das práticas escravagistas Também a Corte considera provado que os 85 trabalhadores resgatados em março de 2000 haviam sido também vítimas de tráfico de pessoas e estavam submetidos à escravidão contemporânea Além disso foi constatada a submissão de criança a trabalho infantil em ambiente de violência e submissão à escravidão Também a Corte condenou o Brasil por não fornecer a adequada proteção judicial a 43 trabalhadores resgatados em 1997 data dos fatos anteriores ao reconhecimento da jurisdição da Corte por isso o Brasil só foi condenado por violações aos direitos às garantias judiciais e proteção judicial na Fazenda Brasil Verde e também aos 85 resgatados em 2000 Como reparação a Corte fixou indenizações por dano imaterial e ainda determinou o reinício das investigações e processos penais em prazo razoável não sendo possível aplicar a prescrição interna ao crime de trabalho em condições análogas a de escravo Importância O caso é emblemático por se tratar do primeiro caso na jurisprudência da Corte sobre a escravidão contemporânea Para a Corte há dois elementos fundamentais na definição da escravidão contemporânea i o estado ou condição de um indivíduo e ii o exercício de algum dos atributos do direito de propriedade pelo qual o escravizador exerça poder ou controle sobre a pessoa escravizada anulando a personalidade e independência da vítima Na sentença da Corte esses atributos do direito de propriedade podem consistir lista não exaustiva a restrição ou controle da autonomia individual b perda ou restrição da liberdade de movimento de uma pessoa c obtenção de um benefício por parte do escravizador d ausência de consentimento ou de livre arbítrio da vítima que pode ser gerado pelo uso ou ameaça de violência ou outras formas de coerção fraude ou falsas promessas e uso de violência física ou psicológica f vulnerabilidade da vítima g detenção ou cativeiro i exploração Para a Corte a proibição da escravidão é norma imperativa do Direito Internacional jus cogens e implica em obrigações erga omnes Cosme Rosa Genoveva Evandro de Oliveira e outros Favela Nova Brasília procedência Datas A Comissão recebeu petições de representantes das vítimas entre 1995 e 1996 tendo submetido o caso à jurisdição da Corte em 19 de maio de 2015 quase 20 anos depois A sentença foi proferida em 16 de fevereiro de 2017 Conteúdo Tratase de caso apresentado à Corte IDH pela Comissão IDH em 19 de maio de 2015 relativo à tortura violência sexual e morte inclusive de menores por agentes da Polícia Civil do Rio do Janeiro na Favela Nova Brasília nos anos de 1994 e 1995 As operações policiais resultaram em 26 mortes de moradores do local além de atos de violência sexual contra três mulheres A Corte decidiu que foram violados os direitos de vítimas e de familiares a garantias judiciais a uma investigação imparcial e independente à devida diligência e ao prazo razoável a proteção judicial e à integridade pessoal Como forma de reparação a Corte determinou que o Brasil realize investigações eficazes sobre os fatos do caso de modo a identificar processar e se for o caso punir os responsáveis afastandose eventual prescrição uma vez que essas graves violações de direitos humanos seriam imprescritíveis Há menção expressa à ProcuradoriaGeral da República para que esta avalie se os fatos referentes às incursões de 1994 e 1995 devem ser objeto de pedido de Incidente de Deslocamento de Competência A Corte determinou que o Estado deve utilizar a expressão lesão corporal ou homicídio decorrente de intervenção policial nos relatórios e investigações da polícia ou do Ministério Público em casos de mortes ou lesões provocadas por ação policial O conceito de oposição ou resistência à ação policial deverá ser abolido O Estado deverá realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação aos fatos do caso e sua posterior investigação durante o qual deverão ser inauguradas duas placas em memória das vítimas na praça principal da Favela Nova Brasília A Corte também determinou que o Estado deve providenciar tratamento psicológico e psiquiátrico às vítimas além de realizar uma série de medidas direcionadas a diminuir a letalidade e a violência policial no Brasil Ainda o Estado deverá adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias para permitir às vítimas de delitos ou a seus familiares participar de maneira formal e efetiva da investigação de delitos conduzida pela polícia ou pelo Ministério Público Também é importante mencionar que o Brasil alegou que o documento de amicus curiae apresentado pela Defensoria Pública da União não teria uma análise técnica e imparcial A Corte IDH entendeu que a manifestação brasileira era equivocada e o documento da Defensoria deveria ser levado em consideração na medida em que ofereça ao Tribunal fundamentos acerca dos fatos contidos no escrito de submissão do caso ou formula considerações jurídicas sobre a matéria do processo nota de rodapé 13 parágrafo 11 da sentença Importância O caso trata de violência policial camuflada pela elaboração dos chamados autos de resistência à prisão gerando impunidade e repetição do ciclo de violência Por isso a importância da condenação para seja alterado tal panorama em todo o Brasil Por isso foi importante que a Corte IDH tenha determinado que o Estado publique anualmente um relatório oficial com dados relativos às mortes ocasionadas durante operações da polícia em todos os estados do país Esse relatório deverá conter informação atualizada anualmente sobre as investigações realizadas a respeito de cada incidente que redunde na morte de um civil ou de um policial Povo Indígena Xucuru e seus membros vs Brasil procedência Datas A Comissão IDH encaminhou em 16 de março de 2016 à Corte IDH o Caso 12728 referente à violação do direito à propriedade coletiva do povo indígena Xucuru em consequência i da demora de mais de dezesseis anos entre 1989 e 2005 no processo administrativo de reconhecimento titulação demarcação e delimitação de suas terras e territórios ancestrais e ii da demora na regularização total dessas terras e territórios de maneira que o mencionado povo indígena possa exercer pacificamente tal direito A sentença da Corte foi proferida em 5 de fevereiro de 2018 Conteúdo Além da questão da propriedade de terras indígenas o caso abarcou a violação dos direitos às garantias judiciais e proteção judicial em consequência do descumprimento da garantia de prazo razoável no mencionado processo administrativo assim como da demora em resolver ações civis iniciadas por pessoas não indígenas em relação a parte das terras e territórios ancestrais do povo indígena Xucuru No julgado de fevereiro de 2018 a Corte Interamericana avaliou o longo processo de identificação demarcação titulação e desintrusão de terceiros do referido território ancestral indígena Contudo a Corte entendeu que só poderia analisar as violações posteriores ao reconhecimento da competência contenciosa do Brasil 10121998 Por essa limitação da competência temporal a sentença não avalia se as várias mortes antes de 1998 como a do Cacique Xicão e outros bem como a demora nas primeiras etapas do processo demarcatório constituiriam violações aos direitos consagrados na Convenção Americana de Direitos Humanos Todavia a Corte IDH levou em conta os referidos fatos para entender o contexto turbulento do conflito nas demarcações e procedeu à análise das violações em razão dos fatos posteriores à aceitação da sua competência contenciosa Em síntese a sentença entendeu que a partir 10 de dezembro de 1998 o Brasil não garantiu um procedimento administrativo em prazo razoável para demarcação e titulação das terras Xucurus não cumpriu com o dever de adotar medidas para a desintrusão integral de terceiros em prazo razoável e tampouco garantiu um remédio judicial efetivo para resolver os questionamentos suscitados o que ensejou muita insegurança jurídica para que a comunidade pudesse fruir de suas terras Por isso o Brasil foi condenado por violação aos arts 8 garantias judiciais 21 direito de propriedade e 25 direito a um remédio judicial efetivo cc art 11 da Convenção Importância Há questionamento judicial no Brasil feito por fazendeiros contra a demarcação realizada pela FUNAI sendo que alguns desses processos ainda estão em curso e há um caso em que há decisão judicial com força de coisa julgada em desfavor das pretensões do povo Xucuru Ao se debruçar sobre a complexa situação que envolve conflito de direitos humanos de indígenas e de direitos humanos dos terceiros que hoje ocupam a área a Corte determinou que o Brasil adote medidas imediatas efetivas e de ofício para garantir o direito de propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru sobre seu território Ademais exigiu também que o Estado conclua o processo de desintrusão do território indígena Xucuru com extrema diligência e efetue os pagamentos das indenizações por benfeitorias de boafé pendentes e remova qualquer tipo de obstáculo ou interferência sobre o território em questão em prazo não superior a 18 meses Para tanto caso não seja possível uma solução amigável a Corte menciona casos anteriores em que os Estados Partes para cumprir com o dever de desintrusão procederam à desapropriação por interesse social mediante justa indenização aos terceiros interessados 289 Vladimir Herzog e outros vs Brasil procedência Datas A Comissão IDH encaminhou no dia 22 de abril de 2016 à Corte o Caso 12879 que trata do homicídio do jornalista Vladimir Herzog e ainda da existência de um padrão de violência e perseguição sistemática a indivíduos militantes do Partido Comunista O caso foi sentenciado em 15 de março de 2018 Conteúdo A Corte apontou a responsabilidade internacional do Estado Brasileiro pela ausência de julgamento investigação e punição dos responsáveis pela tortura e execução do jornalista e membro do Partido Comunista Brasileiro Vladimir Herzog Para a Corte os diversos obstáculos à persecução criminal dos agentes da ditadura militar brasileira responsáveis pela morte de Herzog como i o uso da Lei de Anistia brasileira ii a invocação da prescrição criminal bem como iii a utilização do princípio de ne bis in idem e iv do instituto da coisa julgada constituem uma violação do direito às garantias judiciais previstas pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos arts 8 25 e 11 e 2 da CADH e da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura arts 1 6 e 8 No mais a ausência de esclarecimentos a respeito da morte de Herzog e a permanência por anos da falsa justificativa da morte como suicídio em conjunto com a negativa de disponibilização de documentos sobre a atuação dos militares configuraram uma violação ao direito à verdade arts 8 e 25 da CADH Por fim a Corte considerou que em consequência da falta de verdade investigação julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog os familiares diretos da vítima tiveram um profundo sofrimento e angústia em detrimento de sua integridade psíquica e moral Importância Foi mais uma oportunidade para a Corte IDH reafirmar sua jurisprudência sobre a inconvencionalidade da lei brasileira de anistia e da impossibilidade do uso de institutos como coisa julgada e prescrição nesses casos de graves violações de direitos humanos na época da ditadura em virtude do regime jurídico internacional dos crimes contra a humanidade Novamente é necessário que o sistema de justiça nacional reveja sua forma de relacionamento com os processos internacionais de direitos humanos ver abaixo os capítulos sobre controle de convencionalidade e sobre a teoria do duplo controle Também o caso demonstra o dever dos Estados de assegurar o direito de acesso à justiça penal por parte da vítima ou de seus familiares mostrando a complexidade da relação entre o direito penal e os direitos humanos 13312 A jurisdição consultiva da Corte IDH A Corte IDH pode emitir pareceres consultivos também chamados de opiniões consultivas sobre a 1 interpretação da Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos diretos humanos nos Estados americanos mesmo os tratados universais como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos etc e sobre a 2 compatibilidade entre qualquer lei interna e os mencionados instrumentos internacionais Podem solicitar pareceres consultivos Sobre a interpretação da Convenção e outros tratados de direitos humanos aplicáveis nos Estados Americanos i Estadosmembros da OEA ii Comissão IDH que possui pertinência temática universal podendo pedir parecer sobre qualquer dispositivo da Convenção qualquer tratado de direitos humanos incidente nos Estados Americanos iii outros órgãos da OEA com pertinência restrita a temas de direitos humanos de sua atuação Sobre a compatibilidade de lei interna Estadosmembros da OEA Até agosto de 2019 a Corte IDH expediu vinte e cinco opiniões consultivas todas requeridas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos ou por Estados Partes da Convenção que já reconheceram a jurisdição obrigatória da Corte de San José Em 2019 foi solicitada outra opinião consultiva pela Comissão IDH ainda em trâmite Os outros Estados da OEA que não são partes da Convenção não têm utilizado a faculdade de solicitar parecer consultivo a eles conferida pelo art 64 da Convenção Americana de Direitos Humanos 290 A Corte IDH possui tradição em desenvolver o direito internacional dos direitos humanos utilizando as opiniões consultivas para esclarecer o alcance e sentido das normas de direitos humanos que vinculam os Estados da OEA Listo abaixo as últimas opiniões consultivas emitidas Opinião consultiva n 21 de 2014 sobre os direitos e garantias das crianças migrantes Em julho de 2011 em uma iniciativa inédita os quatro paísesmembros do Mercosul Mercado Comum do Sul Argentina Brasil Paraguai e Uruguai apresentaram em conjunto um pedido de opinião consultiva pois o Mercosul não possui legitimidade para tanto sobre os direitos de crianças e adolescentes migrantes Em agosto de 2014 a Corte IDH emitiu sua opinião consultiva n 21 OC212014 sobre o tema Os países solicitantes indagaram à Corte IDH quais seriam as obrigações dos Estados em situações internas envolvendo crianças migrantes ou seus pais tendo como base a Convenção Americana de Direitos Humanos a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura Após uma longa análise das fontes do Direito Internacional dos Direitos Humanos dos direitos das crianças e dos migrantes a Corte IDH entendeu que os Estados devem priorizar os direitos das crianças por crianças devese entender toda pessoa que não tenha completado 18 anos de idade salvo que tenha alcançado a maioridade antes em conformidade com a lei levando em consideração i o seu desenvolvimento integral ii sua proteção e iii seu melhor interesse Nessa linha a criança tem direito de acesso à justiça e devido processo legal nas situações particulares que envolvem os migrantes que consistem nos seguintes direitos i o direito de ser notificada da abertura e de todo o ocorrido em processo migratório ii o direito a que os processos migratórios sejam conduzidos por um funcionário ou juiz especializado iii o direito a ser ouvida e a participar nas diferentes etapas processuais iv o direito a ser assistida gratuitamente por um tradutor eou intérprete v o acesso efetivo à comunicação e à assistência consular vi o direito a ser assistida por um representante legal e a comunicar se livremente com este vii o dever de designar um tutor no caso de criança desacompanhada ou separada viii o direito a que a decisão adotada avalie o interesse superior da criança e seja devidamente fundamentada ix o direito a recorrer da decisão perante um juiz ou tribunal superior com efeitos suspensivos e x o prazo razoável de duração do processo Quanto à privação de liberdade das crianças migrantes a Corte apontou que tal medida só pode ser imposta em casos extremos cabendo aos Estados implementar garantias de proteção às crianças privadas de liberdade Por fim a Corte IDH explicitou o princípio do non refoulement válido para todo e qualquer estrangeiro não somente para os refugiados ou seja a proibição dos Estados de transferirem qualquer que seja a nomenclatura rechaço expulsão deportação etc uma criança a um outro Estado quando sua vida segurança ou liberdade estejam em risco de violação por causa de i perseguição ou ameaça de perseguição ii violência generalizada ou iii violações massivas aos direitos humanos entre outros assim como para um Estado onde iv corra o risco de ser submetida a tortura ou outros tratamentos cruéis desumanos ou degradantes Opinião Consultiva n 22 de 2016 sobre a titularidade de direitos humanos pelas pessoas jurídicas Em 2016 a Corte IDH prolatou opinião consultiva n 22 solicitada pelo Panamá a respeito de serem ou não as pessoas jurídicas titulares de direitos à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos o que poderia caso positiva a resposta da Corte possibilitar o direito de petição por parte de pessoa jurídica à Comissão IDH Inicialmente a Corte utilizou a Convenção interamericana sobre personalidade e capacidade de pessoas jurídicas no Direito Internacional Privado que define pessoa jurídica como sendo toda entidade que tenha existência e responsabilidade próprias distintas das dos seus membros ou fundadores e que seja qualificada como pessoa jurídica segundo a lei do lugar de sua constituição art 1º 291 A Corte interpretou o art 12 da Convenção Para efeitos desta Convenção pessoa é todo ser humano para concluir que as pessoas jurídicas não são titulares de direitos convencionais não podendo ser consideradas possíveis vítimas nos processos contenciosos do sistema interamericano A Corte aduziu que o Direito Internacional dos Direitos Humanos desenvolveuse para assegurar proteção às pessoas físicas e somente reconhecem por dispositivos expressos e excepcionais direitos a pessoas jurídicas a i Convenção Europeia de Direitos Humanos e ii a Convenção das Nações Unidas pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação Racial Mesmo diante da tradição constitucional de vários países da região inclusive o Brasil de reconhecer a titularidade de direitos essenciais por pessoas jurídicas a Corte entendeu que a ausência de disposição expressa da Convenção a impedia de reconhecer tal titularidade às pessoas jurídicas Não obstante essa exclusão da titularidade de direitos humanos por parte de pessoas jurídicas a Corte reiterou o entendimento de que as comunidades indígenas são titulares de direitos protegidos pelo sistema interamericano podendo ser vítimas aplicandose o mesmo aos povos tribais No mesmo sentido o Comitê de Direitos Sociais Econômicos e Culturais do PIDESC Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais já havia reconhecido que a expressão toda pessoa referese tanto ao sujeito individual quanto ao sujeito coletivo o que implica no reconhecimento de direitos por parte de indivíduos associados com outros dentro de comunidades ou grupos Comentário Geral n 21 Nessa linha a Corte concluiu que de acordo com o Protocolo de San Salvador os sindicatos as federações e confederações de trabalhadores são titulares de direitos o que os permite atuar no sistema interamericano na defesa desses direitos A Corte determinou ainda que em alguns casos quando o indivíduo exerce seus direitos por intermédio de pessoa jurídica como membro ou controlador da pessoa jurídica pode provocar o sistema para fazer valer seus direitos humanos Nesse caso basta que a pessoa jurídica tenha esgotado previamente os recursos internos desde que o tema controvertido pelo indivíduo no sistema interamericano tenha estado contido no debate interno Opinião consultiva n 23 de 2017 sobre as obrigações de proteção do meio ambiente no marco da proteção internacional de direitos humanos A Opinião consultiva n 23 foi solicitada pela Colômbia envolvida em disputas de delimitação territorial marítima na Corte Internacional de Justiça à Corte IDH para que fosse esclarecido o alcance da obrigação de respeito e garantia do direito à vida e do direito à integridade pessoal da Convenção Americana de Direitos Humanos em relação ao dever de respeitar normas de direito internacional ambiental que buscam impedir danos ambientais que por sua vez afetam o direito à vida e o direito à integridade pessoal em especial o dever de estabelecer estudos de impacto ambiental na Região do Grande Caribe O objetivo da Colômbia foi questionar indiretamente a conduta de Estados caribenhos que estariam com suas obras de infraestrutura afetando o ambiente marinho da região A Corte IDH inicialmente não limitou seu parecer consultivo aos danos ambientais marinhos como queria a Colômbia Pela importância do direito ao meio ambiente equilibrado a Corte considerou que tal direito interessa a todos os habitantes da região Além disso tal direito pode ser diretamente apreciado pela Corte IDH naquilo que já foi comentado acima que é a defesa direta dos direitos sociais art 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos Assim a Corte reconheceu a existência de uma relação inegável entre a proteção do meio ambiente e a realização dos direitos humanos Reforçase a indivisibilidade e a interdependência existente entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais econômicos e culturais Também foi enfatizada a dimensão coletiva do direito ao meio ambiente que se constitui em um interesse universal tanto das gerações presentes quanto das futuras Mas também foi lembrada a dimensão individual do direito ao meio ambiente na medida em que sua ofensa gera impacto ao direito à saúde direito à integridade pessoal direito à vida entre outros Finalmente a Corte com base nessas considerações enfatizou a importância da defesa dos direitos dos povos indígenas do direito à informação e do direito de acesso à justiça no contexto da proteção ao meio ambiente Opinião consultiva n 24 de 2017 sobre a identidade de gênero igualdade e não discriminação a uniões homoafetivas A Costa Rica solicitou opinião consultiva à Corte IDH sobre identidade de gênero e sobre o reconhecimento dos direitos patrimoniais derivados de um vínculo entre pessoas do mesmo sexo Para o Estado solicitante a identidade de gênero é uma categoria protegida pelos arts 1 e 24 da Convenção Americana de Direitos Humanos bem como pelos arts 112 e 18 que devem ser então interpretados pela Corte para que se saiba se o Estado tem o dever de reconhecer e facilitar a mudança de nome das pessoas de acordo com a respectiva identidade de gênero Ainda a Costa Rica indagou se caso positiva a resposta à primeira consulta viola a Convenção caso seja prevista a mudança de nome somente por meio de um processo judicial sem que haja um procedimento administrativo Finalmente a Costa Rica perguntou se a proibição de discriminação por orientação sexual arts 1 e 24 da Convenção bem como art 112 exige que o Estado reconheça todos os direitos patrimoniais que derivam de um vínculo entre pessoas do mesmo sexo Se positiva a resposta a Costa Rica indaga se é necessária a existência de um instituto jurídico que regule os vínculos entre pessoas do mesmo sexo para que o Estado reconheça tais direitos patrimoniais questão sobre a autoaplicabilidade dessa proibição de discriminação por orientação sexual Para a Corte é possível que uma pessoa seja discriminada a partir da percepção social a respeito de sua relação com um grupo social independentemente da realidade ou ainda com a autoidentificação da pessoa Essa discriminação por percepção tem o efeito de impedir ou prejudicar o gozo de direitos humanos Por isso a proteção da identidade deve abarcar a identidade social sendo a expressão de gênero uma categoria protegida pela Convenção Americana de Direitos Humanos A Corte reconheceu que a identidade de gênero compõe o direito à identidade que é protegido pelo art 13 da Convenção liberdade de expressão Além disso tal direito é um instrumento para o exercício de outros como direito à personalidade ao nome à nacionalidade entre outros Assim o direito de decidir autonomamente sobre a identidade de gênero encontrase protegido pela Convenção em especial nos artigos referentes à liberdade art 7º privacidade art 112 personalidade art 3º e ao direito ao nome art 18 Quanto à modificação da identidade de gênero a Corte exigiu que os Estados embora com certa margem de escolha dos meios devem realizar a adequação integral da identidade de gênero autopercebida com base unicamente no consentimento livre e informado do solicitante afastando expressamente a certificação médica ou intervenções cirúrgicas e hormonais Por fim a Corte enfatizou que todos os direitos e não só os patrimoniais dos casais heterossexuais devem ser também reconhecidos às uniões homoafetivas No que tange ao casamento a Corte realçou que proibir o matrimônio de pessoas do mesmo sexo é ofensa à Convenção inexistindo razão convencionalmente adequada e proporcional para tanto Opinião consultiva n 25 de 2018 sobre o instituto do asilo e seu reconhecimento como direito humano O Equador solicitou uma opinião consultiva à Corte IDH sobre o alcance e fim do direito de asilo à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos do Direito Interamericano e do Direito Internacional Na petição inicial de solicitação o Estado reconhece o direito de buscar asilo como um direito humano amplamente sedimentado no âmbito da comunidade internacional e indaga em suma i quais são os limites de atuação de um Estado que concedeu asilo em relação ao indivíduo solicitante bem como os ii limites de atuação de um Estado em relação a um indivíduo asilado na Embaixada de outro Estado em seu território Essa solicitação de opinião consultiva por parte do Equador é fruto obviamente da controvérsia que envolve o fundador do site Wikileaks Julian Assange asilado na Embaixada do Equador em Londres desde 2012 O Reino Unido não concedeu até agora salvo conduto para que Assange possa sair da Embaixada rumo ao Equador Estado asilante Na opinião consultiva a Corte adotou a terminologia de asilo em sentido estrito como equivalente a asilo político bem como asilo sob o estatuto de refugiado para designar o refúgio quer pela sua definição estrita pela Convenção de Genebra de 1951 quer pela definição ampla oriunda da Declaração de Cartagena de 1984 No tocante ao asilo político a Corte identificou as suas duas formas tradicionais o asilo territorial e o asilo diplomático Somente o asilo territorial está regulado pela Convenção Americana de Direitos Humanos art 227 e pelo art XXVII da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem Já o asilo diplomático pelos seus vínculos com as prerrogativas estatais referentes à diplomacia deve ser regido por tratados específicos costumes internacionais ou mesmo suas próprias leis internas Contudo em qualquer hipótese mesmo no asilo diplomático o Estado de acolhida está obrigado a não devolver o solicitante a um território no qual este possa sofrer o risco de perseguição odiosa Assim o princípio da proibição do rechaço proibição do non refoulement é exigível por qualquer estrangeiro inclusive quando este busque asilo diplomático Para tanto a Corte assinalou que o Estado da acolhida deve adotar todos os meios necessários para proteger o estrangeiro recebido em sua missão diplomática toda vez que a sua devolução ao Estado territorial possa ameaçar sua vida liberdade integridade ou segurança de modo direto ou indireto o Estado territorial possa extraditar ou entregar de qualquer forma o indivíduo a um Estado terceiro no qual haja tais riscos Esse dever de proteção ao solicitante de asilo para a Corte é obrigação erga omnes e vincula internacionalmente os Estados Opinião Consultiva sobre a Liberdade Sindical com Perspectiva de Gênero em trâmite A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Relatoria Especial Sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais submeteram em 31 de julho de 2019 solicitação de Opinião Consultiva sobre liberdade sindical com perspectiva de gênero Buscase uma interpretação conjunta de diversas normas interamericanas relacionadas ao exercício do direito de greve e negociação coletiva como integrantes do direito à liberdade sindical a partir de um enfoque nos efeitos das discriminações de gênero no ambiente de trabalho que impedem o exercício por parte de mulheres desse direito de forma igualitária e livre de violência Assim a opinião consultiva visa também formatar i o direito à participação de mulheres nos processos de formação de sindicatos ii sua atuação como líderes em ambientes sindicais e iii o exercício de direitos à associação e liberdade de expressão 292 Solicitações de opiniões consultivas indeferidas Nos últimos anos a Corte IDH recusouse a emitir opinião consultiva em duas ocasiões ambas relacionadas aos casos de julgamentos políticos processos de impedimento ou impeachment que têm se repetido em várias democracias da América Latina atingindo mandatários eleitos ou ainda ameaçando juízes ou procuradores com cassações de mandatos Em ambas as ocasiões foram solicitadas as opiniões consultivas com base no temor da utilização indevida do processo de impeachment como forma de acesso ou manutenção do poder Em 2016 o SecretárioGeral da OEA apresentou pedido de opinião consultiva sobre quais critérios dentro da separação de poderes deveriam limitar os juízos políticos no julgamento de um político eleito referindose especificamente ao caso do impeachment da então presidente Dilma Rousseff Brasil A Corte não conheceu do pedido não deu trâmite pois considerou que a opinião consultiva i não deve referirse a um caso contencioso específico ou servir para obter pronunciamento prematuro sobre tema que poderia ser submetido à Corte através de um caso contencioso ii não pode ser utilizada como mecanismo para obter pronunciamento indireto sobre um assunto em litígio ou em controvérsia interna iii não deve ser utilizada como instrumento de debate público interno iv não deve abarcar exclusivamente temas sobre os quais a Corte já tenha se pronunciado em sua jurisprudência e v não deve procurar a solução de questões de fato apenas o sentido o propósito ou a razão das normas internas de direitos humanos de forma que os Estados membros e os órgãos da OEA cumpram de maneira cabal e efetiva suas obrigações internacionais A Corte entendeu no caso que poderia constituir um pronunciamento prematuro sobre a questão que poderia serlhe submetida em eventual caso contencioso bem como que poderia pronunciarse sobre assunto que não foi resolvido no plano interno Utilizouse assim a antiga Doutrina Carelia adotada pela Corte Permanente de Justiça Internacional pela qual não se pode utilizar a jurisdição consultiva como alternativa camuflada à jurisdição contenciosa de um tribunal internacional 293 Em 2017 a Comissão pediu opinião consultiva à Corte sobre a mesma temática convencionalidade dos juízos políticos mas com o cuidado de não referirse a um caso concreto como havia feito o SecretárioGeral da OEA anteriormente A dúvida da Comissão referiase ao alcance do princípio da legalidade do direito ao acesso à justiça e ao devido processo legal em casos de impedimentos impeachment e juízos políticos Seria possível um controle judicial desses procedimentos que tradicionalmente seriam da alçada exclusiva da política e os julgadores sequer tem que motivar seus votos a favor ou contra a cassação do mandato Contudo em 2018 a Corte recusouse novamente a emitir opinião consultiva por entender que há grande diversidade de procedimentos de juízos políticos e de impeachment na região impedindo um pronunciamento em abstrato e sendo mais adequado sua provocação na via contenciosa para dirimir qualquer controvérsia As opiniões consultivas apesar de formalmente não obrigatórias têm importante peso doméstico uma vez que consagram a interpretação internacionalista a ser seguida por todos os órgãos internos no âmbito administrativo legislativo e judicial sobre as normas de direitos humanos que vinculam o Brasil A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem reiteradamente decidido que as opiniões consultivas correspondem a um controle de convencionalidade preventivo que se seguido impede que os Estados violem a Convenção Americana de Direitos Humanos ver por exemplo a Opinião Consultiva n 22 em especial o parágrafo 26 QUADRO SINÓTICO Comissão Interamericana de Direitos Humanos Criação 1959 por resolução da OEA Em 1967 foi inserida formalmente na Carta da OEA pelo Protocolo de Buenos Aires Sede Washington EUA Composição Sete Comissários eleitos pela Assembleia Geral da OEA para mandato de quatro anos com a possibilidade de uma recondução De acordo com as competências previstas na Carta da OEA e estatuto da Comissão Competência promover estudos e capacitação em direitos humanos criar relatorias especiais de direitos humanos em temas ou países receber petições de vítimas de violação de direitos humanos e recomendar reparação De acordo com as competências previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos receber petições de vítimas recomendar reparação de danos aos Estados e caso i não cumprida a reparação e ii caso o Estado infrator tenha reconhecido a jurisdição da Corte IDH encaminhar o caso à Corte solicitar opiniões consultivas atuar nos processos perante a Corte IDH como custos legis Corte Interamericana de Direitos Humanos Criação Pela Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 A Convenção entrou em vigor somente em 1978 e a 1ª sessão da Corte IDH ocorreu em 1979 Sede San José da Costa Rica Composição Sete juízes escolhidos pelos Estados Partes da Convenção para um mandato de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez Competência Julgar casos de violação da Convenção emitindo sentenças vinculantes em casos encaminhados pela Comissão IDH ou Estados Partes da Convenção que tenham reconhecido a jurisdição da Corte Emitir opiniões consultivas não vinculantes 14 Entes e procedimentos da proteção da democracia no Mercosul A defesa da democracia no Mercosul conforme os Protocolos de Ushuaia I II e Protocolo de Assunção bem como dos demais tratados institutivos dependem da ação dos Estados Partes que podem decidir pela ruptura ou não do regime democrático acionandose as sanções lá previstas ver capítulo próprio Assim inicialmente a cláusula democrática do Mercosul depende da avaliação discricionária dos demais Estados sobre a situação de preservação da democracia em um dos membros Esse tipo de mecanismo de proteção de direitos humanos é denominado mecanismo político sendo criticado justamente por permitir uma apreciação discricionária dos demais Estados sobre a existência ou não de violação de direitos humanos no Estado infrator o que pode gerar seletividade e ambiguidade Por outro lado o Mercosul já conta com sistema de solução de controvérsias próprio capitaneado pelo Tribunal Permanente de Revisão TPR regulado pelo Protocolo de Olivos de 2004 no qual há a possibilidade de apreciação jurídica do uso dos mecanismos de proteção da democracia como veremos a seguir A ação dos Estados e do Tribunal Permanente de Revisão no caso do impeachment do Presidente Lugo em 2012 foi importante teste sobre a viabilidade do uso da cláusula democrática do Mercosul O caso diz respeito ao processo de impeachment e a destituição do Presidente Lugo em 2012 no Paraguai Tendo em vista a rapidez do processo de impedimento com restrições à ampla defesa e contraditório do Presidente Lugo e com base nas disposições do primeiro Protocolo de Ushuaia o Paraguai foi suspenso em decisão datada de 2962012 do direito de participar dos órgãos do Mercosul e suas deliberações até que restabelecida a ordem democrática no país Somente em 12 de julho de 2013 o Mercosul decidiu retirar a sanção contra o Paraguai a partir de 15 de agosto daquele mesmo ano em virtude da eleição do novo Presidente Horácio Cartes O caso Lugo mostra as divergências geradas pela apreciação discricionária da situação de direitos humanos realizada a partir do mecanismo internacional político se por um lado o Mercosul reagiu partindo da sua constatação de ruptura do regime democrático a Organização dos Estados Americanos OEA não o fez apesar de ter acompanhado a crise 294 Para aumentar a complexidade da temática a União SulAmericana de Nações Unasul também considerou que houve deposição ilegítima do Presidente eleito e suspendeu o Paraguai das atividades daquela organização internacional 295 Além disso o impeachment do Presidente Lugo do Paraguai mostrou um hibridismo do modelo mercosulino de promoção da democracia que apesar de ser essencialmente política possui certa tonalidade judiciária Essa tonalidade de mecanismo internacional judiciário é vista na possibilidade de revisão jurídica pelo sistema de controvérsia do Mercosul das sanções impostas ao Estado no qual houve a pretensa ruptura democrática Ou seja a discricionariedade típica do mecanismo político pode ser contrariada pela força do Direito Internacional graças à revisão jurídica dessas sanções No caso o Paraguai reagiu à deliberação de suspensão feita pelos demais Estados e os acionou perante o Tribunal Permanente de Revisão TPR do Mercosul em 9 de julho de 2012 cuja competência é regulada pelo Protocolo de Olivos O Paraguai requereu que fossem declaradas inaplicáveis i a decisão que o suspendeu do bloco e ii a decisão de incorporação da Venezuela como membro pleno do Mercosul O Paraguai sustentou quanto à sua suspensão a ocorrência de vícios formais como a ausência de legitimidade dos Chefes de Estados para adotarem referidas decisões e a não realização das consultas previstas no art 4º do Protocolo de Ushuaia bem como matéria de mérito ponderando que não houve ruptura da ordem democrática do país com a deposição de seu presidente No que tange à aplicação do Protocolo de Ushuaia Argentina Brasil e Uruguai defenderam se alegando que o TPR não poderia julgar o mérito em razão de sua incompetência ratione materiae por se tratar de um litígio de natureza política não alcançado pelo sistema de solução de controvérsias previsto no Protocolo de Olivos PO Subsidiariamente sustentaram os três Estados réus não ser aplicável o Protocolo de Olivos para dirimir conflitos que resultam da aplicação do Protocolo de Ushuaia PU Contudo o TPR decidiu em sede preliminar e unanimemente pela competência ratione materiae daquela Corte para apreciar controvérsia referente à legalidade dos procedimentos previstos no Protocolo de Ushuaia uma vez que o TPR poderia decidir sobre controvérsias afetas a qualquer norma do Mercosul e não somente sobre lides comerciais 296 Não obstante por maioria o TPR lembrou que o Protocolo de Olivos PO permite o acesso direto ao TPR sem a fase anterior de tribunal ad hoc somente quando os Estados Partes na controvérsia concordem expressamente em submeter o litígio diretamente em única instância ao TPR art 23 do PO Sem o consentimento dos demais Estados Partes e ainda considerando que o Paraguai não demonstrou a tentativa de realização de negociações diretas com os demais Estados outra exigência do sistema de controvérsias do Mercosul o TPR entendeu não ser possível conhecer diretamente o mérito da demanda O Laudo n 012012 do TPR indica então alguns passos para o controle da ação dos Estados contra a ruptura democrática ou mesmo graves e sistemáticas violações dos direitos humanos em situações de crise institucional i exigência de comprovação de negociações infrutíferas ii demanda de criação de tribunal arbitral ad hoc ou iii consenso para que a demanda arbitral seja instaurada diretamente no TPR Em 2017 ocorreu outro caso de invocação da cláusula democrática do Mercosul que gerou a suspensão da Venezuela por ruptura da ordem democrática Esta decisão impôs a suspensão de todos os direitos e obrigações inerentes à condição de Estado parte do Mercosul por parte da República Bolivariana da Venezuela em conformidade com o disposto no artigo 5º 2º do Protocolo de Ushuaia I 297 A decisão foi como exige o Protocolo de Ushuaia I por unanimidade dos demais membros plenos Brasil Argentina Uruguai e Paraguai O motivo foi a implementação do processo constituinte na Venezuela em meio a acusações de fraude e desbalanceamento das circunscrições eleitorais para dar maior peso a regiões de eleitores a favor do governo na escolha dos constituintes bem como pela repressão à oposição Por outro lado na hipótese de os Estados mercosulinos por razões geopolíticas ignorarem a ruptura democrática ou graves e sistemáticas violações de direitos humanos não é prevista a revisão judicial da omissão dos Estados em aplicar a cláusula democrática Por isso o controle da omissão dos Estados em invocar a cláusula democrática do Mercosul é mais problemático Há nesse caso a necessidade de utilização do sistema da Convenção Americana de Direitos Humanos em relação aos 4 Estados do Mercosul que a ratificaram bem como reconheceram a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos Argentina Brasil Paraguai e Uruguai Por exemplo pode a Comissão Interamericana de Direitos a partir de petição individual ou interestatal considerar que houve ruptura democrática e provocar a Corte Interamericana de Direitos Humanos Quanto à Venezuela que denunciou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 2012 cabe a utilização do sistema da Carta da OEA podendo a Assembleia Geral suspender o Estado no qual tenha existido a ruptura da ordem democrática maioria exigida de dois terços Também cabe a edição de medida cautelar por parte da Comissão IDH que não tem força vinculante É também possível acionar a jurisdição consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos para que seja por exemplo interpretada a compatibilidade do regime de exceção ou mesmo dos atos que ocasionaram a ruptura democrática com a Convenção Americana de Direitos Humanos A jurisdição consultiva apesar de não vinculante é importante instrumento de interpretação do real alcance e sentido das normas de direitos humanos aplicáveis nas Américas A Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH pode interpretar qualquer dispositivo de direitos humanos que incida sobre os Estados Americanos sendo que a Venezuela permanece como membro da Organização dos Estados Americanos Caso a opinião consultiva da Corte IDH aponte ruptura do regime democrático os Estados do Mercosul podem ser sensibilizados a fazer valer a cláusula democrática QUADRO SINÓTICO Órgãos e mecanismo de proteção da democracia no Mercosul Entes envolvidos Estados e Tribunal Permanente de Revisão Objetivo Cabe aos Estados dar partida ao trâmite da cláusula democrática do Mercosul podendo inclusive suspender o Estado faltoso Cabe ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul TPR no contexto das regras de solução de controvérsia analisar juridicamente a existência dos pressupostos para a implantação da cláusula democrática Essência da atuação desses entes Os Estados avaliam discricionariamente se houve ou não ruptura democrática O TPR avalia se a aplicação das sanções oriundas da ruptura do regime democrático foi bem realizada VI O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E OS DIREITOS HUMANOS 1 Os Tribunais precursores de Nuremberg a Ruanda A implementação direta do Direito Internacional Penal por tribunais internacionais remonta ao artigo 227 do Tratado de Versailles que previa um tribunal especial com juízes das potências vencedoras para julgar o Kaiser Guilherme da Alemanha vencida A pena seria determinada pelo próprio Tribunal A Holanda jamais extraditou o Kaiser que lá obtivera asilo após a Guerra e tal julgamento nunca ocorreu Contudo houve uma ruptura de paradigma no Direito Internacional até então o julgamento penal dos indivíduos era de atribuição exclusiva dos Estados A responsabilidade internacional penal do indivíduo despontava Em 1937 a Liga das Nações elaborou convenção sobre a prevenção e repressão do terrorismo que contemplava a criação de um Tribunal Penal Internacional porém com apenas uma ratificação o tratado nunca entrou em vigor Esse tratado foi feito em reação ao terrorismo após os assassinatos do Ministro das Relações Exteriores da França Louis Barthou e do Rei da Iugoslávia Alexandre I em Marseille por terroristas croatas em 1934 Em 1945 finalmente um tribunal internacional penal foi criado Pelo Acordo celebrado em Londres em 8 de agosto de 1945 foi estabelecido o Tribunal Internacional Militar tendo como partes originais o Reino Unido Estados Unidos União Soviética e França bem como 19 Estados aderentes Seu Anexo 2 continha o Estatuto do Tribunal Internacional Militar TIM que possuía sede em Berlim realizando os julgamentos em Nuremberg por isso passou para a história como Tribunal de Nuremberg Cada Estado celebrante indicou um nome para compor o colegiado de juízes sem possibilidade para a defesa arguir impedimento ou suspeição bem como uma parte acusadora cada Estado celebrante indicou um nome e defesa No julgamento principal e que deu notoriedade ao Tribunal os acusados foram 24 personalidades do regime nazista bem como organizações criminosas SS Gestapo Partido Nazista EstadoMaior das Forças Armadas e SA único caso de tribunal internacional que julgou pessoas jurídicas O libelo acusatório contou com quatro crimes conspiracy figura do direito anglosaxão sem correspondência exata no direito brasileiro mas que por aproximação se enquadraria na figura da reunião de agentes voltada para a prática de crime crimes contra a paz punição da guerra de agressão e conquista crimes contra as leis e os costumes da guerra crimes contra a humanidade desde que conexos com os demais war nexum Após três meses com dezenas de oitivas e amplo material documental as sentenças foram prolatadas entre 30 de setembro e 1º de outubro de 1946 com várias condenações à morte enforcamento O fundamento da jurisdição do TIM apesar das controvérsias é fruto do direito internacional consuetudinário de punição àqueles que cometeram crimes contra os valores essenciais da comunidade internacional Discutese obviamente a falta de tipificação clara de determinadas condutas e ainda a natureza ex post facto do tribunal Em 1947 a Comissão de Direito Internacional da ONU foi incumbida de codificar os princípios utilizados em Nuremberg para consolidar o avanço do Direito Internacional Penal Em 1950 a Comissão aprovou os seguintes sete princípios também chamados de princípios de Nuremberg 1º todo aquele que comete ato que consiste em crime internacional é passível de punição 2º lei nacional que não considera o ato crime é irrelevante 3º as imunidades locais são irrelevantes 4º a obediência às ordens superiores não são eximentes 5º todos os acusados têm direito ao devido processo legal 6º são crimes internacionais os julgados em Nuremberg 7º conluio para cometer tais atos é crime O segundo Tribunal internacional da história do século XX foi o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente com sede em Tóquio criado em 1946 por ato unilateral dos Estados Unidos potência ocupante por intermédio do Chefe da Ocupação General MacArthur que editou suas regras de funcionamento MacArthur nomeou 11 juízes nacionais dos Aliados e os componentes da Promotoria Coube ainda à potência ocupante EUA determinar a lista de acusados e a imunidade ao Imperador Hiroíto e sua família Julgou componentes do núcleo militar e civil do governo japonês por crimes contra a paz crimes de guerra e crimes contra a humanidade sendo exigida conexão com os crimes contra a paz Determinou sete penas de morte por enforcamento realizadas em 1948 bem como diversas penas de caráter perpétuo No bojo da Guerra Fria e com o Japão como aliado contra os soviéticos houve concessão de liberdade condicional aos presos a partir de 1952 por ordem do Presidente Truman Estados Unidos Em comparação o último preso do julgamento de Nuremberg Rudolf Hess condenado a prisão perpétua em 1946 morreu na prisão de Spandau Alemanha em 1987 A mesma guerra fria impediu que novos tribunais internacionais fossem estabelecidos a Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio 1948 previu a instalação de um tribunal internacional para julgar esse crime artigo VII mas não houve continuidade No seio das Nações Unidas o projeto pelo estabelecimento de um código de crimes internacionais e de um tribunal internacional penal na Comissão de Direito Internacional ficou décadas desde os anos 50 sem conseguir o consenso dos Estados Foi necessário esperar o fim da Guerra Fria com a queda do Muro de Berlim e o desmantelamento do comunismo soviético 19891990 para que o Conselho de Segurança CS da ONU determinasse a criação de dois tribunais internacionais penais ad hoc e temporários Foi criado pela Resolução n 827 do Conselho de Segurança de 1993 o Tribunal Penal Internacional para os crimes contra o Direito Humanitário cometidos na exIugoslávia com o objetivo de processar os responsáveis pelas sérias violações ao direito internacional humanitário cometidas no território da antiga Iugoslávia desde 1991 O Estatuto do Tribunal Internacional Penal para a exIugoslávia TPII com sede em Haia fixou sua competência para julgar quatro categorias de crimes a saber graves violações às Convenções de Genebra de 1949 violações às leis e costumes da guerra crimes contra a humanidade e genocídio Em 1994 com a Resolução n 955 o Conselho de Segurança CS determinou a criação de um segundo tribunal internacional penal ad hoc com o objetivo de julgar as graves violações de direitos humanos em especial genocídio ocorridas em Ruanda e países vizinhos durante o ano de 1994 Tribunal Penal Internacional para os crimes ocorridos em Ruanda TPIR Os dois tribunais têm estruturas vinculadas pois o Procurador do TPII também atua como órgão acusatório no TPIR os juízes que compõem a Câmara de Apelação do TPII são também do órgão de apelação do TPIR que possui sede em Arusha Tanzânia Esses tribunais são importantes porque codificaram os elementos de crimes internacionais como genocídio crime contra a humanidade e crimes de guerra associados ao devido processo legal com direitos da defesa Também adotaram o princípio da primazia da jurisdição internacional em detrimento da jurisdição nacional dado o momento de desconfiança contra as instituições locais da exIugoslávia e de Ruanda Assim ficou determinado que cada um desses tribunais teria primazia sobre as jurisdições nacionais podendo em qualquer fase do processo exigir oficialmente às jurisdições nacionais que abdicassem de exercer jurisdição em favor da Corte internacional A pena máxima é a pena de caráter perpétuo que inclusive já foi fixada em ambos os Tribunais nesses anos de funcionamento Com os dois tribunais ad hoc aceleraramse os esforços das Nações Unidas para a constituição de um Tribunal Internacional Penal permanente para julgar os indivíduos acusados de cometer crimes de jus cogens posteriores à data de instalação do tribunal evitandose o estigma do tribunal ad hoc e as críticas aos tribunais de exceção sob o pálio do devido processo legal como veremos abaixo 2 O Estatuto de Roma Após anos de negociação no seio das Nações Unidas em 1998 durante Conferência Intergovernamental em Roma Itália foi adotado o texto do tratado internacional que cria o Tribunal Penal Internacional TPI também chamado de Estatuto de Roma Esse marco no Direito Internacional dos Direitos Humanos ocorreu justamente no ano da comemoração do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos 19481998 O texto do Estatuto foi adotado em Roma por 120 votos a favor 7 votos contrários Estados Unidos China Índia Líbia Iêmen Israel e Catar e 21 abstenções Havia expectativa pessimista sobre a entrada em vigor do tratado pois não cabia reservas art 120 impedindo exclusões ou modificações de dispositivos mais polêmicos e exigiuse o número mínimo de 60 ratificações para tanto art 126 Em 2002 contudo o número foi atingido e atualmente 122 Estados são partes do Tribunal Penal Internacional dados de 2019 Até hoje notamse ausências expressivas como as da China Estados Unidos Israel Irã e Rússia O Estatuto de Roma foi aberto à assinatura dos Estados em 17 de julho de 1998 e entrou em vigor internacional em 1º de julho de 2002 No Brasil foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 112 de 6 de junho de 2002 e entrou em vigor em 1º de setembro de 2002 Finalmente foi promulgado pelo Decreto n 4388 de 25 de setembro de 2002 É composto de um preâmbulo e treze capítulos com 128 artigos que englobam as regras referentes aos crimes à investigação e processo à cooperação e execução da pena bem como ao financiamento das atividades O preâmbulo do Estatuto de Roma realça o vínculo entre o direito penal e a proteção de direitos humanos por meio do combate à impunidade e consequentemente evitando novas violações No preâmbulo estabeleceuse que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais pois crimes de tal gravidade constituem uma ameaça à paz à segurança e ao bemestar da humanidade O Tribunal tem personalidade jurídica internacional com sede em Haia Holanda possuindo igualmente capacidade jurídica necessária ao desempenho das suas funções e cumprimento dos seus objetivos É um tribunal independente da ONU diferente dos tribunais ad hoc da exIugoslávia e Ruanda criados pelo Conselho de Segurança da ONU com personalidade jurídica própria mas que em face de seus objetivos possui uma relação de cooperação com essa organização enviando i relatos anuais à Assembleia Geral e ainda sendo ii obediente a determinadas ordens do Conselho de Segurança quanto ao início de um caso e suspensão de trâmite vide abaixo O Tribunal é composto de quatro órgãos a saber Presidência Divisão Judicial Procuradoria Ministério Público e Secretariado Registry São 18 juízes que compõem o tribunal eleitos pelos Estados Partes para um mandato de nove anos não podem ser reeleitos A escolha deve recair sobre pessoas de elevada idoneidade moral imparcialidade e integridade que reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus respectivos países No caso do Brasil serão exigidos dos candidatos os requisitos para a nomeação ao posto de Ministro do Supremo Tribunal Federal ou seja notório saber jurídico reputação ilibada e com mais de 35 anos e menos de 65 anos Além disso o Estatuto prevê que os juízes devem ser eleitos de modo a preencher isonomicamente duas categorias a primeira categoria lista A é composta por pessoas com experiência em Direito Penal e Processo Penal a segunda categoria lista B é composta por pessoas com competência em matérias relevantes de Direito Internacional tais como o direito internacional humanitário e os direitos humanos Na seleção dos juízes os Estados Partes devem ponderar a necessidade de assegurar que a composição do Tribunal inclua representação dos principais sistemas jurídicos do mundo uma representação geográfica equitativa e uma representação justa de juízes do sexo feminino e do sexo masculino No caso brasileiro o Brasil indicou em 2002 Sylvia Steiner exProcuradora da República Ministério Público Federal e exDesembargadora Federal Tribunal Regional Federal da 3ª Região na vaga do quinto constitucional do Ministério Público eleita para a primeira composição do TPI Em 2014 o Brasil apresentou a candidatura do Professor de Direito Internacional Leonardo Nemer Caldeira Brandt UFMG que contudo não foi escolhido pela Assembleia dos Estados Partes Os juízes são divididos em três grandes Seções o Juízo de Instrução PreTrial Chamber o Juízo de Julgamento em 1ª Instância Trial Chamber e ainda o Juízo de Apelação Appeal Chamber O Ministério Público do TPI é capitaneado pelo Procurador que atua com independência funcional como órgão autônomo do Tribunal Cabe ao Procurador receber comunicações e qualquer outro tipo de informação devidamente fundamentada sobre crimes da competência do Tribunal a fim de os examinar e investigar e de exercer a ação penal junto ao Tribunal É eleito pela Assembleia dos Estados Partes para mandato de nove anos não renovável O primeiro Procurador eleito foi o argentino Luiz MorenoOcampo escolhido em 2003 A partir de 2012 foi escolhida a gambiana Fatu Bensouda para ser Procuradora do TPI Seu mandato vence em 15 de junho de 2021 3 A fixação da jurisdição do TPI A jurisdição do TPI de acordo com a matéria ratione materiae restringese aos crimes de jus cogens que consistem em crimes que ofendem valores da comunidade internacional Os crimes que compete ao TPI julgar são o genocídio os crimes contra a humanidade os crimes de guerra e o crime de agressão cujo tipo penal só foi acordado em 2010 na Conferência de Kampala Uganda Porém há a possibilidade de os Estados emendarem o Estatuto e ampliarem o rol desses crimes hoje restritos às quatro espécies permitindo que o TPI seja instrumento do incremento do número de crimes internacionais em sentido estrito No âmbito espacial a jurisdição do TPI só pode ser exercida em quatro hipóteses ou seja quando o crime de jus cogens sujeito à jurisdição do Tribunal for i cometido no território de um Estado Parte ii ou por um nacional do Estado Parte iii ou por meio de declaração específica do Estado não contratante caso o crime tiver ocorrido em seu território ou for cometido por seu nacional iv ou na ausência de quaisquer hipóteses anteriores ter o Conselho de Segurança adotado resolução vinculante adjudicando o caso ao Tribunal Penal Internacional Foi o Caso de Darfur Sudão o primeiro no qual o Conselho de Segurança determinou o início das investigações mesmo sem a ratificação pelo Sudão do Estatuto do TPI Em 2011 houve mais uma resolução vinculante do CS agora em relação aos crimes contra a humanidade realizados pelo ditador Kadafi para abafar revolta popular contra sua longeva tirania 19692011 No âmbito temporal a jurisdição do TPI só pode ser invocada para os crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto ou seja após 1º de julho de 2002 4 O princípio da complementaridade e o regime jurídico imprescritível e sem imunidades O preâmbulo do Estatuto de Roma dispõe que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais Logo estabeleceuse mais um exemplo da subsidiariedade da jurisdição internacional tal qual ocorre com os tribunais internacionais de direitos humanos O princípio que espelha essa subsidiariedade é o princípio da complementaridade Por esse princípio o TPI não exercerá sua jurisdição caso o Estado com jurisdição já houver iniciado ou terminado investigação ou processo penal salvo se este não tiver capacidade ou vontade de realizar justiça Nesse ponto o próprio Estado Parte pode solicitar a intervenção do TPI ou ainda o próprio TPI pode iniciar as investigações e persecuções criminais Assim a jurisdição internacional penal é complementar à jurisdição nacional e só poderá ser acionada se o Estado não possuir vontade ou capacidade para realizar justiça e impedir a impunidade Além disso o caso é também inadmissível se a pessoa em causa já tiver sido julgada nacionalmente pela conduta a que se refere a denúncia salvo se o julgamento doméstico tenha sido um simulacro para obter a impunidade e finalmente se o caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal A fim de determinar se há ou não vontade ou capacidade de um Estado em agir em um determinado caso o Tribunal tendo em consideração as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo Direito Internacional deve verificar a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias a intenção evidente do Estado de usar o processo nacional para subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal gerando impunidade b delonga injustificada no processo c condução tendenciosa e parcial ou seja incompatível com a intenção de fazer justiça d eventual colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça que assim não está em condições de realizar ou concluir o processo O art 20 3º do Estatuto chega ao ponto de esclarecer que o TPI não julgará de novo o criminoso salvo se o processo criminal nacional tiver sido feito para obtenção da impunidade Quem decide se o julgamento nacional mesmo que chancelado pela Suprema Corte local foi um simulacro para a obtenção da impunidade O próprio TPI Assim o princípio da complementaridade é complexo pois a um primeiro olhar evita conflito com as jurisdições locais ao remeter a jurisdição do TPI a um papel secundário complementar bem diferente do princípio da primazia assumido pelos tribunais ad hoc penais para a exIugoslávia e Ruanda Porém em um olhar mais atento cabe ao próprio TPI definir se a jurisdição nacional agiu a contento podendo inclusive desconsiderar a coisa julgada local que na sua visão serviu para camuflar a impunidade o que implica manter sempre nas mãos internacionais o poder de instaurar ou não os processos contra esses criminosos no TPI Quanto ao regime jurídico dos crimes sujeitos à jurisdição do TPI cabe notar que i Os crimes são imprescritíveis art 29 ii Nenhuma imunidade é admitida art 27 Não é imunidade a regra prevista no art 98 do Estatuto pelo qual um Estado Parte no TPI pode deixar de colaborar com o Tribunal e não entregar uma pessoa procurada caso tenha acordo nesse sentido da não entrega com outro país Se o TPI lograr cumprir o mandado de captura a pessoa não poderá alegar imunidade 5 Os crimes de jus cogens 51 GENOCÍDIO Como visto acima o genocídio é termo que foi cunhado por Lemkin em livro de 1944 ao se referir às técnicas nazistas de ocupação de território na Europa tendo se inspirado nas partículas genos raça tribo e cídio assassinato 298 A Convenção para Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio 1948 foi a primeira a tipificar o crime internacional de genocídio uma vez que o Tribunal de Nuremberg não o julgou O art 6º do Estatuto de Roma define o genocídio como sendo o ato ou atos cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso Assim exigese dolo específico de destruir no todo ou em parte O objeto tutelado é a própria existência do grupo que é constituído pelos quatro vínculos i O primeiro vínculo é o da nacionalidade que forma o grupo composto por pessoas que se reconhecem como membros de uma nação mesmo que na luta pela independência caso dos palestinos e curdos ii O segundo vínculo é o étnico que forma o grupo que compartilha uma identidade histórica e cultural iii O terceiro vínculo é o racial que aponta para grupo formado pela percepção social de traços fenotípicos distintivos Apesar da inexistência da distinção biológica entre humanos este item persiste como fenômeno social iv O quarto vínculo é o religioso que agrega os indivíduos unidos pela mesma fé espiritual Fica evidente a falta de menção da destruição de grupo político e ainda de grupo social por exemplo grupo determinado por sua orientação sexual que podem ser tipificados na categoria de crimes contra a humanidade ver abaixo Esses atos de destruição podem ser homicídios atentados graves à integridade física ou mental dos membros do grupo sujeição intencional do grupo a condições de vida voltadas a provocar a sua destruição física total ou parcial imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo e transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo A lista dos atos é meramente exemplificativa No Brasil o combate ao genocídio deuse pela ratificação da Convenção de 1948 e ainda pela edição da Lei n 2889 de 1956 O bem jurídico tutelado é transindividual a existência do grupo e as penas variam de acordo com o ato da prática do genocídio Em 2006 o STF reconheceu que a competência para julgar o crime de genocídio é da justiça federal do juiz monocrático salvo se os atos de destruição forem crimes dolosos contra a vida quando será do Tribunal do Júri federal Como o STF entende que há concurso formal entre o crime de genocídio e os atos também tipificados de sua realização homicídio lesão corporal etc no caso da prática de crime doloso contra a vida para praticar genocídio o julgamento cabe a Tribunal do Júri federal RE 351487 rel Min Cezar Peluso j 382006 Plenário DJ de 1011 2006 52 CRIMES CONTRA A HUMANIDADE Os crimes contra a humanidade foram introduzidos no Direito Internacional pelo Estatuto de Londres de 1945 que criou o conhecido Tribunal de Nuremberg ver acima item 1 Foi o art 6º c do Estatuto do Tribunal que definiu serem crimes contra a humanidade o assassinato o extermínio a escravização deportação e outros atos inumanos cometidos contra a população civil antes da guerra ou durante esta a perseguição de natureza política racial ou religiosa na execução daqueles crimes que sejam de competência do Tribunal ou em conexão com eles constituam ou não uma violação do direito interno do país do cometimento do crime Foi feita a menção a antes e durante a guerra e ainda à conexão com os crimes julgados pelo Tribunal crimes contra a paz e crimes de guerra Logo os abusos bárbaros nazistas anteriores a 1939 ano do início da guerra não foram apreciados em Nuremberg A evolução do conceito de crime contra a humanidade fez com que esse vínculo conhecido pela expressão em inglês war nexus com a situação de guerra fosse eliminado A prática dos Estados reconheceu a existência de crimes contra a humanidade praticados internamente por agentes de ditaduras militares sem situação de guerra 299 O Estatuto de Roma confirmou essa autonomia do crime contra a humanidade em seu art 7º que define ser o crime contra a humanidade um determinado ato de violação grave de direitos humanos realizado em um quadro de ataque generalizado ou sistemático contra a população civil havendo conhecimento desse ataque Buscase então punir aqueles que em regimes ditatoriais ou totalitários usam a máquina do Estado ou de uma organização privada para promover violações graves de direitos humanos em uma situação de banalização de ataques a população civil São vários os atos de violação grave de direitos humanos que foram mencionados como exemplos de crime contra a humanidade no Estatuto de Roma a saber i atos de violação do direito à vida por meio do homicídio e do extermínio ii a escravidão deportação ou transferência forçada de população prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave em violação das normas fundamentais de direito internacional iii tortura iv crimes sexuais e agressão sexual escravatura sexual prostituição forçada gravidez forçada esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável v perseguição de um grupo ou coletividade por motivos políticos raciais nacionais étnicos culturais religiosos ou de gênero ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional é o caso da perseguição aos homossexuais vi desaparecimento forçado de pessoas e crime de apartheid vii uma cláusula aberta que permite que sejam um crime contra a humanidade quaisquer atos desumanos de caráter semelhante que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental Não é necessário que ocorra uma série de atos para que se caracterize o crime contra a humanidade basta que exista essa política ou cenário de ataque sistemático à população civil para que uma única conduta seja considerada um crime contra a humanidade Tribunal Internacional Penal para a ExIugoslávia Caso Tadic julgamento de 751997 53 CRIMES DE GUERRA Os crimes de guerra consistem em violações graves do Direito Internacional Humanitário que compreende os tratados e os costumes sobre os meios ou condutas na guerra Nessa linha o art 8º do Estatuto de Roma apontou ser crime de guerra uma violação grave das Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 bem como outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional A lista de atos é meramente exemplificativa seguindo a lógica anterior aplicada no crime de genocídio e nos crimes contra a humanidade Em síntese o Direito Internacional Humanitário proíbe os meios ou instrumentos de guerra que não sejam estritamente necessários para superar o oponente bem como veda a conduta que não seja proporcional e dirigida ao combatente adversário 54 CRIME DE AGRESSÃO O crime de agressão foi apenas previsto no Estatuto de Roma em 1998 com sua implementação condicionada à aprovação do seu conteúdo final em uma conferência intergovernamental de revisão art 5º 2º do Estatuto Em junho de 2010 foi realizada em Kampala Uganda a primeira Conferência de Revisão do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional A Conferência ocorreu em virtude do disposto no art 123 1º do Estatuto de Roma que previu sete anos após a entrada em vigor do Estatuto uma Conferência de Revisão para examinar qualquer alteração ao Estatuto A revisão deveria incidir especialmente mas não exclusivamente sobre a lista de crimes que figura no art 5º Na Conferência de Revisão foi aprovada a Resolução n 6 de 11 de junho de 2010 que definiu o crime de agressão como sendo o planejamento início ou execução por uma pessoa em posição de efetivo controle ou direção da ação política ou militar de um Estado de um ato de agressão que por suas características gravidade e escala constitua uma violação manifesta da Carta das Nações Unidas Essa definição foi adotada por consenso seguindo a linha da Resolução n 3314 da Assembleia Geral da ONU de 1974 A entrada em vigor dessa alteração será lenta Em primeiro lugar o crime de agressão só será plenamente ativo no Estatuto a partir de 2017 por decisão de dois terços dos Estados Partes Adicionalmente o TPI só poderá adjudicar esses casos em relação a crimes de agressão ocorridos um ano após a ratificação da emenda por trinta Estados Partes Em 26 de junho de 2016 finalmente este número foi atingido após a ratificação da Palestina em setembro de 2016 já eram 32 Estados Assim a partir de 1º de janeiro de 2017 os Estados Partes podem decidir em ativar a jurisdição do TPI para os crimes de agressão por maioria de dois terços Também pode determinado Estado declarar que não aceita a jurisdição do TPI por crime de agressão art 15 bis do Estatuto conforme as emendas de Kampala em 2016 dada a futura ativação da jurisdição por crime de agressão Quênia foi o primeiro Estado a depositar essa declaração de não aceitação opt out Respeitando o lapso de um ano depois da 30ª ratificação ocorrida em 26 de junho de 2016 a jurisdição do TPI para o crime de agressão foi ativada em 17 de julho de 2018 data do 20º aniversário do Estatuto de Roma após intensa negociação entre os Estados Partes ocorrida em dezembro de 2017 Assim em síntese a persecução do crime de agressão perante o TPI pode ser feita a Pela adjudicação da situação pelo Conselho de Segurança ou b Pela provocação por Estado Parte ao Procurador do TPI ou ainda por iniciativa própria do Procurador motu proprio caso os Estados envolvidos na agressão sejam i partes do Estatuto de Roma ii sendo que um deles deve ter ratificado a Emenda de Kampala e ainda iii o Estado agressor não tenha aderido à cláusula de exclusão da jurisdição da Corte sobre o crime de agressão opt out Até setembro de 2019 o Brasil ainda não havia ratificado a Emenda de Kampala A mecânica da ação criminal contra os líderes agressores levará em conta ainda a missão do Conselho de Segurança CS da ONU na preservação da paz O Procurador deverá acionar o CS que pode concordar com a existência de um cenário de agressão essa conclusão política não vinculará o Tribunal no julgamento de cada indivíduo acusado Caso o Conselho não determine a existência de agressão em seis meses o Procurador poderá conduzir as investigações com autorização do Juízo de Instrução PreTrial Chamber do TPI Claro que o CS pode usar seu poder geral de suspender o processo invocando o art 16 do Estatuto que permite suspensão dos procedimentos do TPI por 12 meses renováveis indefinidamente por decisão do próprio CS 6 O trâmite Dentro dos limites da jurisdição do Tribunal limites materiais espaciais e temporais o início da investigação pode ocorrer por 1 iniciativa motu proprio do Procurador desde 2012 a Procuradora é Fatu Bensouda primeira mulher a ocupar esse posto 2 por remessa de um Estado Parte ou por declaração específica de Estado não Parte e finalmente 3 por decisão do Conselho de Segurança que atingirá inclusive os crimes ocorridos em Estados não contratantes Em 1º de janeiro de 2015 o Estado da Palestina depositou declaração específica na linha do item 2 acima Estado não parte reconhecendo a jurisdição do TPI para supostos crimes de guerra cometidos nos territórios palestinos ocupados por Israel incluindo Jerusalém Oriental desde 13 de junho de 2014 Em 2 de janeiro de 2015 o Estado da Palestina aderiu ao Estatuto de Roma tornandose Estado Parte O Gabinete do Procurador abriu em 2015 investigação preliminar sobre a situação na Palestina A remessa da informação pelo Estado não vincula o Procurador Caso entenda procedente essa notícia do Estado Parte e ainda nos casos de investigação aberta motu proprio o Procurador deverá notificar todos os Estados Partes e os Estados que de acordo com a informação disponível teriam jurisdição sobre esses crimes Essa notificação pode ser feita confidencialmente e sempre que seja necessário para proteger pessoas impedir a destruição de provas ou a fuga poderá ser limitada No prazo de um mês após a recepção da referida notificação qualquer Estado poderá informar o Tribunal de que está procedendo ou já procedeu a um inquérito sobre nacionais seus ou outras pessoas sob a sua jurisdição A pedido desse Estado o Procurador transferirá o inquérito sobre essas pessoas a menos que a pedido do Procurador o TPI por meio de sua PreTrial Chamber ou Juízo de Instrução decida autorizar o inquérito A transferência do inquérito poderá ser reexaminada pelo Procurador seis meses após a data em que tiver sido decidida ou a todo o momento quando tenha ocorrido uma alteração significativa de circunstâncias decorrente da falta de vontade ou da incapacidade efetiva do Estado de levar a cabo o inquérito No caso da abertura de investigação ex officio o Procurador deve inicialmente pedir autorização ao Juízo de Instrução Se após examinar o pedido e a documentação que o acompanha o Juízo de Instrução considerar que há fundamento suficiente para abrir um Inquérito e que o caso parece caber na jurisdição do Tribunal autorizará a abertura do inquérito sem prejuízo das decisões que o Tribunal vier a tomar posteriormente em matéria de competência e de admissibilidade Se depois da análise preliminar o Procurador concluir que a informação apresentada não constitui fundamento suficiente para um inquérito o Procurador informará quem a tiver apresentado de tal entendimento Tal não impede que o Procurador examine à luz de novos fatos ou provas qualquer outra informação que lhe venha a ser comunicada sobre o mesmo caso Já no caso da investigação ser determinada por resolução do Conselho de Segurança por exemplo nos casos de Darfur e da Líbia o Procurador é obrigado a iniciar as investigações As regras de direito processual constam das Partes V e VI do Estatuto e determinam o modo de investigação e processamento dos acusados perante a Corte Os direitos das pessoas investigadas foram mencionados no art 55 do Estatuto bem como o conteúdo e limites da atividade de investigação do promotor Ainda em relação à atividade préprocessual o Estatuto do Tribunal estipula as regras relativas à prisão processual e os direitos do preso Quanto ao processamento propriamente dito do feito criminal o Estatuto do Tribunal dispõe sobre o juiz natural os direitos do acusado no processo afirmando em especial a sua presunção de inocência art 66 e também sobre a coleta de provas com dispositivos específicos para a oitiva de testemunhas e das vítimas art 68 As regras relativas ao direito ao duplo grau de jurisdição encontramse mencionadas na Parte VII do Estatuto determinandose as regras de processamento da apelação e da revisão criminal Em linhas gerais a sentença é recorrível fundada em vício processual erro de fato erro de direito ou qualquer outro motivo suscetível de afetar a equidade ou a regularidade do processo ou da sentença esse só em benefício do condenado O Procurador ou o condenado poderão em conformidade com o Regulamento Processual interpor recurso da pena invocando a desproporcionalidade da pena Foi criado um Fundo de Reparação em benefício das vítimas De acordo com o art 79 do Estatuto a Corte pode determinar que os valores e os bens recebidos a título de multa sejam transferidos a tal Fundo para posterior reparação às vítimas Até hoje foi autorizada pelo TPI a abertura de investigação em 11 situações Burundi Uganda República do Congo República CentroAfricana duas situações a última em setembro de 2014 Darfur Sudão Quênia Líbia Mali Costa do Marfim e Geórgia Desses casos cinco foram remetidos pelos Estados Partes Uganda Congo Mali e República Centro Africana 2 dois pelo Conselho de Segurança Darfur e Líbia e quatro foram iniciados ex officio pelo Procurador Burundi Georgia Quênia e Costa do Marfim Atualmente dados de 2019 são 27 casos referentes às onze situações vistas acima com 43 pessoas indiciadas todas de países africanos surgindo a crítica do foco excessivamente em situações na África pelo Tribunal O primeiro julgamento ocorreu em 2012 com a condenação de Thomas Lubanga Dyilo situação da República Democrática do Congo por crime de guerra alistamento forçado de crianças child soldier a 14 anos de prisão Em 2014 houve a segunda condenação de Germain Katanga por cumplicidade em crimes contra a humanidade no chamado massacre de Bogoro Congo no qual cerca de 200 pessoas foram assassinadas com estupros de mulheres e submissão de crianças a alistamento forçado Katanga foi condenado a 12 anos de prisão tendo sido absolvido da prática dos estupros e alistamento forçado de crianças Em 2016 houve a terceira condenação de JeanPierre Bemba Gombo Procurador v Jean Pierre Bemba Gombo condenado por dois crimes contra a humanidade homicídio e estupro e três crimes de guerra homicídio estupro e pilhagem no contexto do conflito armado não internacional da República CentroAfricana entre 2002 e 2003 quando estava no comando do Movimento de Libertação do Congo Foi condenado em 21 de junho de 2016 a 18 anos de prisão Em 20 de outubro de 2016 houve nova condenação no contexto do Caso Bemba Gombo agora no caso Procurador v JeanPierre Bemba Gombo Aimé Kilolo Musamba Jean Jacques Mangenda Kabongo Fidèle Babala Wandu e Narcisse Arido O TPI condenou os cinco acusados por crimes contra a administração da justiça no curso do Caso Bemba Gombo quando agiram para corromper 14 testemunhas de defesa a apresentar falsos testemunhos no TPI Em 27 de setembro de 2016 o TPI condenou Ahmad Al Faqi Al Mahdi que havia se declarado culpado por crime de guerra consistente na sua participação nos ataques a prédios históricos e religiosos em Timbuktu Mali durante o conflito armado não internacional naquele país em 2012 Al Mahdi teria concordado e incentivado a destruição de nove mausoléus do século XIV tendo sido condenado a nove anos de prisão Foram levadas em consideração circunstâncias atenuantes em especial a confissão cooperação do acusado com a Procuradoria reconhecido remorso e sua relutância inicial em cometer os crimes Foi a primeira vez que o TPI condenou indivíduo por crime de guerra na espécie ataque a bens protegidos art 8º2 e iv Atacar intencionalmente edifícios consagrados ao culto religioso à educação às artes às ciências ou à beneficência monumentos históricos hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos sempre que não se trate de objetivos militares Ainda o Gabinete da Procuradora conduz investigações preliminares para verificar se é caso ou não de requerer investigação plena ao TPI de crimes ocorridos no território do Afeganistão Colômbia Gabão Guiné IraqueReino Unido Nigéria Palestina Filipinas Comores Grécia Cambodja Venezuela e Ucrânia Com essas investigações preliminares em variados continentes a Procuradoria do TPI busca evitar a estigmatização de até agora só ter acionado o Tribunal em casos ocorridos no continente africano Em setembro de 2016 o Gabinete da Procuradora do TPI divulgou sua política de seleção e priorização dos casos a serem eventualmente investigados e processados Chamou a atenção na linha do julgamento Mahdi visto acima a inclusão como critério de gravidade o impacto da conduta criminosa sobre o meio ambiente 300 7 Penas e ordens de prisão processual Não há previsão de intervalo específico de pena por tipo de crime o Tribunal pode impor à pessoa condenada pena de prisão por um número determinado de anos até o limite máximo de 30 anos ou ainda a pena de prisão perpétua se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem Além da pena de prisão o Tribunal poderá aplicar multa e ainda a perda de produtos bens e haveres provenientes direta ou indiretamente do crime sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boafé As penas podem passar por revisão a favor do sentenciado após 23 do seu cumprimento Nas penas de caráter perpétuo poderá existir revisão após 25 anos de cumprimento Também pode o Tribunal impor medidas de detenção preventiva solicitando que os Estados cumpram o pedido de entrega surrender Para efetivar suas ordens de prisão o TPI conta com 12 celas nas instalações holandesas de Scheveningen 8 O TPI e o Brasil O Brasil apesar de ter votado a favor da aprovação do texto do Estatuto do Tribunal Penal Internacional na Conferência de Roma de 1998 manifestou por meio de declaração de voto sua preocupação com o fato de a Constituição brasileira proibir a extradição de nacionais e também proibir penas de caráter perpétuo que foram aceitas pelo Estatuto Apesar dessa preocupação o Brasil assinou o Estatuto de Roma em 7 de dezembro de 2000 O Congresso Nacional à luz do art 49 I da Constituição aprovou o texto do futuro tratado pelo Decreto Legislativo n 112 de 6 de junho de 2002 vindo o Brasil a depositar o ato de ratificação em 20 de junho de 2002 O ato final do ciclo de incorporação interna deuse com o Decreto n 4388 de 25 de setembro de 2002 Para suprir eventuais lacunas do ordenamento jurídico nacional e levando em consideração o art 88 do Estatuto de Roma o Presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional por meio da Mensagem n 700 de 17 de setembro de 2008 projeto de lei que recebeu o n 46382008 que dispõe sobre o crime de genocídio define os crimes contra a humanidade os crimes de guerra e o crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal Internacional institui normas processuais específicas dispõe sobre a cooperação com o Tribunal Penal Internacional e dá outras providências Além de tipificar vários crimes na linha do estabelecido pelo Estatuto de Roma o projeto também busca cumprir os deveres impostos ao Brasil em relação aos atos de cooperação com o Tribunal Penal Internacional Esses atos de cooperação foram divididos por este autor em três espécies os atos de entrega de pessoas à jurisdição do Tribunal os atos instrutórios diversos e por último os atos de execução das penas Em 2004 em um claro movimento para abafar as críticas referentes a eventuais inconstitucionalidades do Estatuto de Roma a Emenda Constitucional n 452004 introduziu o novo 4º do art 5º que dispõe que O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão Veremos abaixo as pretensas inconstitucionalidades por ofensa a cláusula pétrea direitos e garantias individuais art 60 4º IV da CF88 com a superação defendida pela maior parte da doutrina i Entrega de brasileiro nato Crítica a Constituição de 1988 impede que brasileiro nato seja extraditado e o brasileiro naturalizado só pode ser extraditado em duas hipóteses comprovado envolvimento com tráfico de entorpecentes ou crime anterior à naturalização Logo o Estatuto de Roma seria inconstitucional Superação o Estatuto de Roma expressamente prevê o dever do Estado de entrega surrender das pessoas acusadas cujo julgamento foi considerado admissível pela Corte O art 102 do Estatuto expressamente diferencia a extradição do ato de entrega A extradição é termo reservado ao ato de cooperação jurídica internacional penal entre Estados soberanos Já o surrender é utilizado no caso específico de cumprimento de ordem de organização internacional de proteção de direitos humanos como é o caso do Tribunal Penal Internacional Logo não haveria óbice constitucional ao cumprimento de ordem de detenção e entrega de acusado brasileiro ao Tribunal já que a Constituição brasileira só proíbe a extradição de nacionais Como o brasileiro não estaria sendo remetido a outro Estado mas sim a uma organização internacional o Tribunal Penal Internacional que representa a comunidade dos Estados não haveria impedimento algum ii A coisa julgada pro reo Crítica o princípio da complementaridade não impede que o Tribunal Penal Internacional decida pela prevalência da jurisdição do Tribunal mesmo que já exista coisa julgada absolutória nacional caso o TPI entenda que essa absolvição foi forjada ou inapropriada podendo julgar o indivíduo de novo Porém o princípio do non bis in idem tem base constitucional art 5º XXXVI podendo mesmo o acusado quando processado no Brasil pela segunda vez em relação ao mesmo fato utilizar o recurso da exceção de coisa julgada de acordo com o art 95 V do CPP Assim entregar determinada pessoa para ser julgada pelo TPI após ter sido absolvida internamente pelo mesmo fato seria inconstitucional Superação o Direito Internacional não admite que com base em leis locais e em processos locais muitas vezes utilizados para dar um bill de imunidade aos acusados de atrocidades haja a arguição da coisa julgada Em face desses crimes internacionais os Estados têm o dever de julgar ou entregar ao Tribunal Penal Internacional Caso apenas simulem um julgamento obviamente tal dever não foi cumprido a contento podendo o Tribunal Penal Internacional ordenar a entrega do acusado para novo julgamento desta vez sério e perante o Direito Internacional No limite não há desobediência ao princípio tradicional do Direito Penal do non bis in idem De fato a qualidade de coisa julgada da sentença penal local foi obtida para a obtenção da impunidade em típico caso de simulação com fraude à lei Esse vício insanável torna inoperante o seu efeito de imutabilidade do comando legal e permite o processo internacional Por fim não há identidade dos elementos da ação entre a causa nacional e a causa internacional De fato o pedido e a causa de pedir no plano internacional são amparados em normas internacionais o que não ocorre com a causa doméstica iii Imunidades materiais e formais previstas na Constituição de 1988 Crítica o Estatuto de Roma não reconhece qualquer imunidade art 27 Porém a Constituição estabelece imunidades formais e materiais por exemplo aos congressistas Superação não são aplicáveis os dispositivos internos que tratam das imunidades materiais e formais de determinadas autoridades públicas A Constituição que estabeleceu tais imunidades não pode ser interpretada em tiras Devemos então conciliar a existência de tais imunidades com a aceitação da jurisdição internacional penal o que pode ser feito pela simples separação as imunidades constitucionais são aplicadas nacionalmente tão somente Por isso é compatível com a Constituição a negação das imunidades pelo Estatuto de Roma iv Imprescritibilidade Crítica O Estatuto de Roma estipula em seu art 29 que os crimes da competência do Tribunal não prescrevem Já a CF88 estabelece inicialmente que são imprescritíveis i a prática do racismo e ii a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático respectivamente incisos XLII e XLIV do art 5º Assim a generalização da imprescritibilidade feita pelo Estatuto de Roma seria inconstitucional Superação A CF88 não estabeleceu a vedação expressa da imprescritibilidade criminal mas tão somente impôs a imprescritibilidade para pelo menos dois tipos de ação delituosa a prática do racismo e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático Assim até mesmo por lei ordinária podem ser criadas novas hipóteses de imprescritibilidade na seara penal No Supremo Tribunal Federal há precedente nesse sentido a favor da criação de novas hipóteses de imprescritibilidade criminal por mera lei ordinária no qual o relator Min Sepúlveda Pertence assinalou que a CF se limita no art 5º XLII e XLIV a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição sem proibir em tese que a legislação ordinária criasse outras hipóteses STF RE 460971RS rel Min Sepúlveda Pertence j 1322007 Primeira Turma DJ de 3032007 Com isso pode obviamente um tratado internacional que trata de proteger direitos humanos de hierarquia interna supralegal na visão majoritária do STF ver abaixo impor a imprescritibilidade para tais graves condutas v Pena de caráter perpétuo Crítica A CF88 veda expressamente a imposição de pena de caráter perpétuo art 5º XLVII b Logo o Estatuto de Roma seria inconstitucional neste aspecto Nessa linha a Lei n 134452017 Lei de Migração impõe como condição para o deferimento do pedido de extradição que o Estado requerente assuma o compromisso de comutar a pena de morte perpétua ou corporal em pena privativa de liberdade respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 anos art 96 III Superação Esse dispositivo da Lei de Migração seguiu a jurisprudência do STF que após a Extradição n 855 Caso Norambuena exige que seja comutada a pena de prisão perpétua em pena privativa de liberdade não superior a trinta anos No caso da entrega para o Tribunal Penal Internacional essa exigência não poderia ser imposta por dois motivos em primeiro lugar porque há hipótese de revisão da pena após vinte e cinco anos de cumprimento Em segundo lugar fica claro que a vedação da extradição nestes termos foi oriunda da construção do STF para impedir que a cooperação entre Estados pudesse se realizar fora de determinados padrões de respeito a direitos humanos no caso pena excessiva Mas o TPI é justamente um tribunal que visa proteger os direitos humanos pela punição daqueles que violaram valores essenciais da comunidade internacional Os direitos humanos na visão dos Tribunais Internacionais como a Corte Europeia e a Corte Interamericana de Direitos Humanos exigem a atuação penal para concretizar o direito à justiça e verdade bem como para assegurar a não repetição das condutas Logo não há sentido em aplicar a construção jurisprudencial de restrição à pena de caráter perpétuo na extradição à entrega que é utilizada para a cooperação com um tribunal TPI de natureza vinculada à proteção de direitos humanos QUADRO SINÓTICO As normas do Estatuto do Tribunal Penal Internacional em face da Constituição de 1988 Estatuto do Tribunal Penal Internacional TPI Estatuto do TPI ou Estatuto de Roma foi adotado em 1998 durante Conferência Intergovernamental em Roma Itália por 120 votos a favor 7 votos contrários Estados Unidos China Índia Líbia Iêmen Israel e Catar e 21 abstenções entrou em vigor em 2002 possui 128 artigos com normas materiais e processuais penais referentes aos chamados crimes de jus cogens que são o genocídio os crimes contra a humanidade os crimes de guerra e o crime de agressão cujo tipo penal só foi acordado em 2010 na Conferência de Kampala Uganda Tribunal Penal Internacional tem personalidade jurídica internacional e capacidade jurídica necessária ao desempenho das suas funções e cumprimento dos seus objetivos tem sede em Haia Holanda é tribunal independente da ONU embora possua uma relação de cooperação com esta organização é composto de quatro órgãos Presidência Divisão Judicial Procuradoria Ministério Público e Secretariado Registry dezoito juízes compõem o tribunal eleitos pelos Estados Partes para um mandato de nove anos não podem ser reeleitos seleção dos juízes devem ser escolhidos entre pessoas de elevada idoneidade moral imparcialidade e integridade que reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus respectivos países no caso do Brasil são os requisitos exigidos para a nomeação ao posto de Ministro do STF notório saber jurídico reputação ilibada e com mais de 35 anos e menos de 65 anos os Estados Partes devem ponderar ainda a necessidade de assegurar que a composição do Tribunal inclua representação dos principais sistemas jurídicos do mundo uma representação geográfica equitativa e uma representação justa de juízes do sexo feminino e do sexo masculino juízes são divididos em três grandes Seções Juízo de Instrução PreTrial Chamber Juízo de Julgamento em 1ª Instância Trial Chamber e Juízo de Apelação Appeal Chamber Ministério Público do TPI capitaneado pelo Procurador que atua com independência funcional como órgão autônomo do TPI atribuições receber comunicações e qualquer outro tipo de informação devidamente fundamentada sobre crimes da competência do Tribunal a fim de os examinar investigar e eventualmente propor a ação penal junto ao Tribunal eleição pela Assembleia dos Estados Partes para mandato de nove anos não renovável As principais objeções e o novo 4º do art 5º da CF88 Brasil assinou 2000 ratificou 2002 e incorporou pelo Decreto n 4388 de 25 de setembro de 2002 o Estatuto do TPI Emenda Constitucional n 452004 introduziu o novo 4º do art 5º que dispõe que o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão Brasil votou favoravelmente ao texto do projeto do Estatuto do TPI na Conferência de Roma em julho de 1998 participou ativamente das discussões promovidas pelo Tribunal e atuou com desenvoltura na Conferência de Revisão do Estatuto do TPI de 2010 Entretanto manifestou preocupação com o fato de a Constituição brasileira proibir a extradição de nacionais e vedar penas de caráter perpétuo STF Petição 4625 Caso Presidente Bashir ditador do Sudão discussão sobre se as pretensas inconstitucionalidades podem impedir que o Brasil cumpra seu dever de colaborar com o TPI o governo brasileiro entendeu ser necessária a autorização do STF para que pudesse existir a prisão e entrega no caso eventual da vinda do Presidente do Sudão ao nosso território Não há decisão final do STF Princípio da complementaridade jurisdição internacional penal é subsidiária à jurisdição nacional o TPI não exercerá sua jurisdição caso o Estado com jurisdição já houver iniciado ou terminado investigação ou processo penal salvo se este não tiver capacidade ou vontade de realizar justiça o caso é também inadmissível se a pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia salvo se o julgamento for um simulacro para obter a impunidade e finalmente se o caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal O próprio TPI decide se o julgamento nacional é simulacro para obtenção da impunidade O ato de entrega de brasileiro nato Dever do Brasil Estatuto de Roma expressamente prevê o dever do Estado de entrega de indivíduos caso exista uma ordem de detenção e entrega determinada pelo TPI Objeção Só é possível a entrega do brasileiro naturalizado na hipótese de ocorrência de crime praticado antes da naturalização Superação Não há equiparação possível entre extradição a um Estado estrangeiro e entrega ao TPI A nacionalidade é óbice somente à extradição podendo o Brasil promover a entrega de todo indivíduo ao TPI A imprescritibilidade dos crimes do TPI e o Brasil Dever do Brasil De acordo com o Estatuto de Roma os crimes sujeitos a sua jurisdição são imprescritíveis Objeção O Brasil não poderia entregar nenhum indivíduo ao TPI caso o crime do qual ele seja acusado já tenha prescrito de acordo com a lei brasileira Superação Na relação entre o Estado e o TPI deve vigorar o princípio da confiança sendo dispensável a dupla tipicidade e punibilidade A pena de prisão perpétua Dever do Brasil O Estatuto de Roma prevê que as penas podem ser 1 de prisão até o limite máximo de 30 anos ou 2 prisão perpétua Objeção O Brasil não poderia colaborar com o TPI e entregar um indivíduo pois há sempre o risco de imposição da pena de caráter perpétuo ao final do processo internacional Superação Não se aplica à entrega a vedação da pena de caráter perpétuo existente internamente e nos processos extradicionais à entrega de um indivíduo ao TPI A coisa julgada Dever do Brasil Caso o TPI decida pela prevalência da jurisdição do Tribunal deve o Estado brasileiro efetuar a entrega do acusado mesmo que já exista coisa julgada absolutória local Objeção No caso da existência de coisa julgada absolutória nacional há impedimento constitucional brasileiro para a entrega de um indivíduo ordenada pelo TPI Superação O Direito Internacional não admite que com base em leis locais e em processos locais muitas vezes utilizados para dar um bill de imunidade aos acusados de atrocidades haja a arguição da coisa julgada Se a qualidade de coisa julgada da sentença penal local foi obtida para a obtenção da impunidade em típico caso de simulação com fraude à lei o vício insanável torna inoperante o seu efeito de imutabilidade do comando legal e permite o processo internacional Além disso não cabe alegar coisa julgada como justificativa para a não implementação de decisão internacional já que seria necessária a identidade de partes pedido e causa de pedir o que não ocorre entre a causa local e a causa internacional A impossibilidade de alegação de qualquer imunidade Dever do Brasil Não há nenhuma imunidade material ou processual que impeça o TPI de realizar justiça devendo o Brasil entregar toda e qualquer pessoa ao Tribunal não importando o cargo oficial exercido no próprio país ou fora dele Objeção A Constituição de 1988 estabelece uma longa lista de imunidades materiais e processuais a altas autoridades Superação As imunidades materiais e processuais bem como as prerrogativas de foro estabelecidas na Constituição são de exclusivo alcance interno não podendo ser interpretadas de modo a imunizar quem quer que seja do alcance da jurisdição internacional Os demais atos de cooperação com o TPI Consistem em atos de instrução processual e mesmo de execução da pena porventura fixada pelo Tribunal Atos de instrução Estados contratantes obrigamse a cooperar com o Tribunal na obtenção de documentos oitiva de testemunhas facilitar o comparecimento voluntário de peritos e testemunhas perante o Tribunal realizar perícias diversas inclusive a exumação proteger testemunhas e preservar provas conceder e implementar medidas cautelares A ausência de competência constitucional do STF e do STJ para apreciar decisões do TPI As decisões do TPI não necessitam de exequatur nem de homologação de sentença estrangeira perante o STJ uma vez que a Constituição exige esse crivo somente a decisões oriundas de Estados estrangeiros nada exigindo quanto a decisões internacionais Quanto ao pedido de prisão e posterior entrega o governo brasileiro solicitou autorização do STF para a prisão e entrega do Presidente do Sudão ao TPI Petição 4625 ainda não julgada PARTE III O BRASIL E OS DIREITOS HUMANOS 1 Da Constituição de 1824 ao Congresso Nacional Constituinte 19851987 Desde a primeira Constituição brasileira em 1824 houve a previsão de um rol de direitos a serem assegurados pelo Estado O seu art 179 dispunha que a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros que tem por base a liberdade a segurança individual e a propriedade é garantida pela Constituição do Império seguindose 35 incisos detalhandose os direitos fundamentais Mas essa Constituição mascarava a real situação da época havia escravidão e o voto era censitário e excluía as mulheres Com a República a tradição de inserção do rol de direitos na Constituição de 1891 continuou o art 72 dispôs que a Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes O princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais foi reconhecido no art 78 que dispunha que a especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não enumerados mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna Também a Constituição de 1934 previu expressamente direitos fundamentais ao dispor em seu Título III Declaração de Direitos vários direitos civis e políticos Ela inovou ao estabelecer em seu Título IV Da Ordem Econômica e Social vários direitos sociais como os previstos no art 121 referentes aos direitos trabalhistas inclusive a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade sexo nacionalidade ou estado civil proibição de trabalho a menores de 14 anos previsão de férias anuais remuneradas salário mínimo e descanso semanal A Constituição de 1934 reconheceu também o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais ao estabelecer no seu art 114 que a especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros resultantes do regime e dos princípios que ela adota Em que pese a Constituição de 1937 apenas servir para camuflar a ditadura de Getúlio Vargas e seu Estado Novo houve a menção formal a um rol de direitos em seus arts 122 e seguintes Dos Direitos e Garantias Individuais e aos direitos decorrentes Art 123 A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e direitos resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição Porém a parte final do art 123 deixava clara a prevalência absoluta da razão de Estado em detrimento dos direitos humanos ao determinar que o uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público as necessidades da defesa do bemestar da paz e da ordem coletiva bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição Após o final da ditadura do Estado Novo a Constituição de 1946 instaurou uma nova ordem democrática no Brasil que se encerraria somente com o golpe militar de 1964 Ela previu em seu art 141 o rol dos direitos e garantias individuais com a cláusula de abertura dos direitos decorrentes prevista no art 144 a especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota Na linha da Constituição de 1934 a Constituição de 1946 enumerou vários direitos sociais nos arts 157 e seguintes inclusive o direito de greve art 158 que havia sido proibido expressamente pela Constituição de 1937 Com a ditadura militar a Constituição de 1967 previu formalmente um rol de direitos e garantias individuais no seu art 150 fazendo remissão a outros direitos decorrentes do regime e dos princípios constitucionais no art 150 35 A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota Contudo o art 151 trouxe a ameaça explícita aos inimigos do regime determinando que aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos 8º 23 27 e 28 do artigo anterior e dos direitos políticos para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos declarada pelo Supremo Tribunal Federal mediante representação do ProcuradorGeral da República sem prejuízo da ação civil ou penal cabível assegurada ao paciente a mais ampla defesa Assim a cláusula indeterminada do abuso dos direitos individuais pairava sobre os indivíduos demonstrando a razão de Estado que imperava naquele momento de governo militar A Emenda Constitucional n 1 de 1969 manteve a mesma situação elencando os direitos no art 153 e prevendo a abertura a novos direitos decorrentes do regime e dos princípios constitucionais no art 153 36 Com a redemocratização o Congresso Constituinte 19851987 reagiu a mais de vinte anos de ditadura com uma forte inserção de direitos e garantias no texto da futura Constituição que recebeu a alcunha de Constituição Cidadã Além dos direitos houve sensível mudança no perfil do Ministério Público que deixou de ser vinculado ao Poder Executivo e ganhou autonomia independência funcional e a missão de defesa de direitos humanos arts 127 e 129 III entre outros Também foi mencionada pela primeira vez no texto de uma Constituição a Defensoria Pública como função essencial à Justiça criando mais um ente público comprometido com a defesa dos direitos humanos Além disso foi aceita a internacionalização dos direitos humanos com a menção a tratados internacionais art 5º 2º e também a um tribunal internacional de direitos humanos art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias como estudaremos a seguir QUADRO SINÓTICO Da Constituição de 1824 ao Congresso Nacional Constituinte 19851987 Constituição de 1824 Contém a previsão constitucional de um rol de direitos inviolabilidade dos direitos civis e políticos que tem por base a liberdade a segurança individual e a propriedade O texto constitucional entretanto mascarava a real situação do Império havia escravidão e o voto era censitário Constituição Republicana de 1891 Foi mantida a tradição de inserção do rol de direitos na Constituição garantindose a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade à segurança individual e à propriedade A possibilidade de novos direitos e garantias foi também reconhecida explicitandose que a especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não excluiria outras garantias e direitos não enumerados Constituição de 1934 Também previu expressamente um rol de direitos explicitando vários direitos civis e políticos Inovou ao estabelecer vários direitos sociais como direitos trabalhistas Reconheceu também os direitos decorrentes ao estabelecer que a especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros resultantes do regime e dos princípios que ela adota Constituição de 1937 Houve a menção formal a um rol de direitos e aos direitos decorrentes mas que apenas serviam para camuflar a ditadura do Estado Novo O texto constitucional deixava clara a prevalência absoluta da razão de Estado sobre os direitos humanos Constituição de 1946 Instaurou uma nova ordem democrática no Brasil que se encerraria somente com o golpe militar de 1964 Previu um rol dos direitos e garantias individuais com a cláusula de abertura dos direitos decorrentes Enumerou vários direitos sociais inclusive o direito de greve que havia sido proibido expressamente pela Constituição de 1937 Constituição de 1967 Com a ditadura militar previu formalmente um rol de direitos e garantias individuais fazendo remissão a outros direitos decorrentes do regime e dos princípios constitucionais Trouxe a cláusula indeterminada do abuso dos direitos individuais que consistia ameaça latente aos inimigos do regime determinando a possibilidade de suspensão de direitos individuais e políticos pelo prazo de dois a dez anos declarada pelo Supremo Tribunal Federal mediante representação do ProcuradorGeral da República sem prejuízo da ação civil ou penal cabível assegurada ao paciente a mais ampla defesa Emenda n 1 de 1969 Manteve a mesma situação da Constituição de 1967 Constituição de 1988 a Constituição Cidadã Com a redemocratização houve forte inserção de direitos e garantias no texto da futura Constituição Mudança no perfil do Ministério Público deixou de ser vinculado ao Poder Executivo e ganhou autonomia independência funcional e a missão de defesa de direitos humanos Menção à Defensoria Pública como função essencial à Justiça criando mais um ente público comprometido com a defesa dos direitos humanos Aceitação da internacionalização dos direitos humanos com a menção a tratados internacionais e também a um tribunal internacional de direitos humanos 2 A Constituição de 1988 fundamentos objetivos e a internacionalização dos direitos humanos 21 OS FUNDAMENTOS E OBJETIVOS DA REPÚBLICA De acordo com o art 1º da Constituição de 1988 a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituindo se em um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos I a soberania II a cidadania III a dignidade da pessoa humana IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa V o pluralismo político Seu parágrafo único reitera a vocação democrática do Estado ao dispor que todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição Os fundamentos da República convergem para a proteção dos direitos humanos A soberania art 1º I possui duas esferas a externa e a interna Na esfera externa a soberania consiste no poder político independente na esfera internacional Na sua esfera interna a soberania consiste no poder político titularizado pelo povo redundando na soberania popular Essa soberania popular é refletida em outros dispositivos da Constituição como os relativos ao sufrágio universal direto secreto e periódico cláusula pétrea da Constituição art 60 4º II A cidadania art 1º II consiste em um conjunto de direitos e obrigações referentes à participação do indivíduo na formação da vontade do poder estatal Em geral a cidadania está associada à nacionalidade mas há no Brasil a quase nacionalidade que se refere ao estatuto da igualdade dos portugueses com a situação jurídica de brasileiro naturalizado o que permite o exercício de direitos políticos para aquele português que obtém a igualdade de direitos A cidadania da Constituição de 1988 possui diversas facetas a saber 1 cidadaniaeleição que permite ao cidadãoeleitor votar e ser votado 2 a cidadaniafiscalização que permite ao cidadão propor a ação popular art 5º LXXIII noticiar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União art 74 2º ou ainda ser eleito conselheiro do Conselho Nacional de Justiça art 103B XIII e do Conselho Nacional do Ministério Público art 130AVI 3 a cidadaniapropositiva que permite ao cidadão dar início a projetos de lei art 61 2º 4 cidadaniamediação social que permite ao cidadão ser eleito Juiz de Paz art 98 II A dignidade da pessoa humana art 1º III consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência Tratase de atributo que todo indivíduo possui inerente à sua condição humana não importando nacionalidade opção política orientação sexual credo entre outros fatores de distinção Novamente esse fundamento da República converge para a proteção de direitos humanos que é indispensável para o Estado Democrático de Direito brasileiro Por fim são fundamentos da República os valores sociais do trabalho e da livreiniciativa art 1º IV e o pluralismo político art 1º V A livre iniciativa foi utilizada pelo STF para considerar inconstitucionais leis municipais que restringiram desproporcionalmente ou proibiram a atividade de transporte individual de passageiros por meio de aplicativos Para o relator Luiz Fux ADPF 449 tais leis vulneram os princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho além da livre concorrência da liberdade profissional e da proteção ao consumidor ADPF 449 rel Luiz Fux j 852019 Essas opções refletem o desejo do constituinte de agregar como fundamento da República valores aparentemente antagônicos capital e trabalho bem como valores políticos dos mais diversos quilates redundando em uma sociedade diversificada e plural Para que se tenha essa sociedade pautada na pluralidade e respeito aos diferentes valores é essencial que exista a proteção de direitos humanos para que todos tenham assegurada uma vida digna Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil também se relacionam com a proteção de direitos humanos pois são finalidades da República a construção de uma sociedade livre justa e solidária o desenvolvimento nacional a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais e ainda a promoção do promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação Assim o Estado brasileiro deve guiar suas condutas para obter uma sociedade livre justa e solidária atacando a pobreza e desigualdades odiosas 22 A EXPANSÃO DOS DIREITOS HUMANOS E SUA INTERNACIONALIZAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Na temática dos direitos humanos a Constituição de 1988 é um marco na história constitucional brasileira Em primeiro lugar introduziu o mais extenso e abrangente rol de direitos das mais diversas espécies incluindo os direitos civis políticos econômicos sociais e culturais além de prever várias garantias constitucionais algumas inéditas como o mandado de injunção e o habeas data Além disso essa enumeração de direitos e garantias não é exaustiva uma vez que o seu art 5º 2º prevê o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais introduzido pela primeira vez na Constituição de 1891 também denominado abertura da Constituição aos direitos humanos dispondo que os direitos nela previstos não excluem outros decorrentes do i regime ii princípios da Constituição e em iii tratados celebrados pelo Brasil De forma inédita na história constitucional brasileira a abertura da Constituição aos direitos foi baseada também nos tratados internacionais celebrados pelo Brasil Quanto aos direitos sociais a Constituição de 1988 tem um capítulo específico Direitos Sociais arts 6º ao 11 sendo ainda possível novos direitos sociais decorrentes do regime e princípios bem como dos tratados celebrados pelo Brasil art 5º 2º Essa abertura constitucional aos direitos humanos refletese também no funcionamento de todo o sistema de justiça Novas demandas exigem reflexão sobre a implementação judicial dos direitos humanos bem como o papel dos atores do sistema de justiça na promoção dos direitos Além disso a Constituição determinou que o Brasil deveria cumprir nas suas relações internacionais o princípio da prevalência dos direitos humanos art 4º II Nessa mesma linha a Constituição determinou que o Brasil propugnasse pela formação de um tribunal internacional de direitos humanos art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Esse novo perfil constitucional favorável ao Direito Internacional levou o Brasil logo após a edição da Constituição de 1988 a ratificar os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos Sociais e Culturais e às Convenções contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos Desde então o Brasil celebrou todos os mais relevantes instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos tendo reconhecido em 1998 a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH e em 2002 a jurisdição do Tribunal Penal Internacional Com o reconhecimento da jurisdição da Corte IDH o Brasil deu o passo decisivo para aceitar o universalismo na área dos direitos humanos Não é mais possível uma interpretação nacionalista dos direitos humanos no Brasil pois essa interpretação pode ser questionada perante a Corte IDH ou outros órgãos internacionais devendo o Brasil cumprir a interpretação internacionalista porventura fixada Além do universalismo o Brasil após a Constituição de 1988 acatou a indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos ao ratificar indistintamente os tratados voltados a direitos civis e políticos e direitos sociais econômicos e culturais Resta agora analisar a internacionalização dos direitos humanos na perspectiva brasileira e os órgãos internos envolvidos na promoção desses direitos no Brasil do século XXI 23 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS A supremacia da Constituição consiste na sua qualidade de norma superior que representa o pressuposto de validade de todas as demais normas do ordenamento jurídico Essa qualidade superioridade é fruto de dois critérios o material e o formal Do ponto de vista material a Constituição contempla os valores considerados superiores pela vontade geral poder constituinte de uma comunidade Do ponto de vista formal a Constituição está no cume do ordenamento jurídico porque prescreve as formas de criação das demais normas e ainda suas próprias regras de alteração emendas constitucionais No que tange aos direitos humanos a Constituição de 1988 cumprindo a tradição inaugurada já com a Constituição imperial de 1824 trouxe robusto rol de direitos em seu texto Essas normas são obrigatórias e superiores às demais independentemente do grau de abstração que possuam Ademais a Constituição elenca como fundamento da República a dignidade humana art 1º III Parte da doutrina reconhece que as normas constitucionais de direitos humanos possuem hierarquia material singular uma vez que são 1 cláusulas pétreas art 60 4º IV 2 são princípios constitucionais sensíveis ou seja autorizam a decretação de intervenção federal em caso de violação dos direitos humanos pelos Estados e pelo Distrito Federal art 34 VII 3 são preceitos fundamentais defendidos pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF art 102 1º 4 são normas de aplicação imediata art 5º 1º Formalmente não há hierarquia entre as normas constitucionais oriundas do Poder Constituinte originário mas esse regime jurídico constitucional especial das normas de direitos humanos deve ser levado em consideração na argumentação jurídica que envolva a interpretação desses direitos em um caso concreto 301 Essa superioridade das normas constitucionais ainda exige que todas as demais normas do ordenamento sejam interpretadas conforme os valores previstos na Constituição Nasce a chamada filtragem constitucional que consiste na exigência de que todas as demais normas do ordenamento jurídico sejam compatíveis com a Constituição No caso das normas de direitos humanos há a chamada filtragem jusfundamentalista ou ainda a jusfundamentalização do Direito que prega que as demais normas do ordenamento jurídico sejam compatíveis com os direitos humanos Essa filtragem jusfundamentalista serve para 1 declarar inconstitucional ou não recepcionada determinada norma ofensiva aos direitos humanos 2 escolha de interpretação conforme aos direitos humanos de determinada norma 3 exigir que as políticas públicas tornem efetivas as normas de direitos humanos estabelecidas na Constituição Essa terceira e última função é questionada em face i da separação dos poderes e ii da reserva do possível temas que são debatidos neste Curso A supremacia da Constituição na seara dos direitos humanos também sofre as consequências da internacionalização dos direitos humanos A ideia de supremacia da Constituição deve ser compatibilizada com a proteção internacional dos direitos humanos fazendo nascer o respeito à interpretação internacionalista dos direitos humanos ver como conciliar a interpretação internacionalista com a interpretação nacionalista no item 3 da Parte III 24 CLÁUSULAS PÉTREAS As cláusulas pétreas são as normas constitucionais cujo conteúdo não pode ser eliminado ou amesquinhado de forma alguma mesmo por emendas constitucionais Tratase de limite ao Poder Constituinte Derivado de reforma e são também chamadas de garantias de imutabilidade A justificativa para a existência de um núcleo imutável de normas constitucionais é a escolha por parte do Poder Constituinte Originário de determinados valores que simbolizariam a própria essência do Estado Democrático brasileiro Para alterar então essa essência seria necessária a ruptura e a invocação novamente do Poder Constituinte Originário para criar outra ordem constitucional e fundar outro modelo de Estado Há duas críticas possíveis à existência de cláusulas pétreas A primeira crítica prega que a imutabilidade de determinado valor dificulta a atualização constitucional para fazer frente a novos desafios sociais fazendo nascer o risco de legislar para alémtúmulo A segunda crítica defende que o Poder Constituinte Derivado também é titularizado pelo povo podendo modificar todo e qualquer valor previsto na Constituição Apesar de tais críticas a existência de cláusulas pétreas é bem aceita no Brasil pois reforça o caráter de perenidade e estabilidade de determinados valores o que pode ser útil em determinados momentos históricos nos quais há a necessidade de se consolidar determinada visão de Estado e de respeito a direitos fundamentais No Brasil a Constituição de 1988 reconheceu limites materiais expressos robustos ao Poder Constituinte Derivado de Reforma retratados no art 60 4º que prevê a impossibilidade de ser objeto de deliberação uma emenda constitucional que tenda a abolir I a forma federativa de Estado II o voto direto secreto universal e periódico III a separação dos Poderes IV os direitos e garantias individuais A proteção de todas as cláusulas pétreas visa combater modificação posterior que tenda a abolir o respectivo valor constitucional É possível contudo 1 modificações que fortaleçam os valores mencionados 2 modificações que alterem o quadro normativo mas com neutralidade sem prejudicar ou fortalecer o valor previsto Não é possível uma modificação que enfraqueça o valor contido nas cláusulas pétreas pois isso é um passo para sua eliminação Ocorre que há valores contrastantes em todas as cláusulas pétreas vistas acima ao proteger um valor podese ferir outro dentro da mesma cláusula pétrea Por exemplo uma emenda constitucional que vise proteger com maior rigor o direito à intimidade dos políticos e personalidades pode amesquinhar o direito à liberdade de informação jornalística Essa situação foi gerada pelo próprio Poder Constituinte Originário ao usar conceitos indeterminados separação de poderes direitos e garantias individuais federalismo na redação das cláusulas pétreas Essa amplitude e indeterminação das cláusulas pétreas tiveram como resultado uma grande liberdade do STF para a tomada de decisão na sua missão de guardião máximo da Constituição Nesse sentido o STF decidiu que não cabe adotar simplesmente uma interpretação restritiva das cláusulas pétreas pois isso significaria diminuir a proteção almejada pelo Constituinte Originário Para o Min Gilmar Mendes cada uma das cláusulas pétreas é dado doutrinário que tem de ser examinado no seu conteúdo e delimitado na sua extensão Daí decorre que a interpretação é restritiva apenas no sentido de limitada aos princípios enumerados não o exame de cada um que não está nem poderá estar limitado comportando necessariamente a exploração do conteúdo e fixação das características pelas quais se defina cada qual deles nisso consistindo a delimitação do que possa ser consentido ou proibido aos Estados Repr 94 rel Min Castro Nunes Archivo Judiciário 8531 3435 1947 ADPF 33MC voto do rel Min Gilmar Mendes j 29102003 Plenário DJ de 68 2004 grifo não constante do original Há também cláusulas pétreas implícitas que consistem 1 no Estado Democrático de Direito pois é o ambiente no qual a própria Constituição atua o substrato para todas as liberdades constitucionais e 2 na inalterabilidade do próprio art 60 4º para evitar a chamada teoria da dupla revisão uma emenda constitucional eliminaria o art 60 4º e após uma outra emenda diminuiria a proteção constitucional aos valores anteriormente petrificados Há duas cláusulas pétreas com relação direta com os direitos humanos direitos e garantias individuais e voto secreto direto universal e periódico e duas com relação indireta separação dos poderes forma federativa do Estado Ao utilizar a expressão direitos e garantias individuais a Constituição de 1988 criou a seguinte dúvida na análise das cláusulas pétreas a expressão foi usada de modo literal fazendo remissão ao Capítulo I do Título II da própria Constituição que separa os direitos individuais dos direitos sociais coletivos de nacionalidade e políticos Ou a expressão direitos e garantias individuais foi usada como sinônimo de direitos essenciais titularizados pelo indivíduo o que estenderia sua aplicação a todos os direitos espalhados pela Constituição e ainda aos direitos decorrentes previstos em tratados de direitos humanos A dignidade humana epicentro axiológico da CF88 e o reconhecimento do princípio da não exaustividade dos direitos humanos art 5º 2º orientam a interpretação dessa cláusula pétrea para a aceitação de que são protegidos todos os direitos indispensáveis a uma vida digna e não somente os que pela literalidade estão contidos no Capítulo I do Título II da Constituição direitos e garantias individuais O STF também acatou essa visão tendo já considerado direitos espalhados pelo corpo da Constituição de 1988 protegidos pelo manto pétreo como por exemplo a garantia do contribuinte à anterioridade tributária art 150 III ou ainda a garantia do eleitor à anterioridade eleitoral art 16 Para a Min Ellen Gracie o art 16 representa garantia individual do cidadãoeleitor detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e a quem assiste o direito de receber do Estado o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral ADI 3345 rel Min Celso de Mello Além de o referido princípio conter em si mesmo elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado nos termos dos arts 5º 2º e 60 4º IV ADI 3685 rel Min Ellen Gracie j 2232006 Plenário DJ de 1082006 Na mesma linha decidiu o STF que a anterioridade da norma tributária quando essa é gravosa representa uma das garantias fundamentais do contribuinte traduzindo uma limitação ao poder impositivo do Estado RE 587008 rel Min Dias Toffoli j 222011 Plenário DJe de 652011 com repercussão geral repetindo a linha dada na ADI 939 rel Min Sydney Sanches j 1512 1993 Plenário DJ de 1831994 Quanto ao voto secreto direto universal e periódico entendemos que essa cláusula pétrea visa defender a cidadania e a democracia Embora haja redundância com a cláusula pétrea vista acima o Poder Constituinte preferiu dar destaque a esse núcleo imutável da Constituição tendo em vista os abusos cometidos no passado com fraudes eleitorais épocas do coronelismo e voto de cabresto e períodos ditatoriais diversos nos quais imperavam o voto indireto e ainda a suspensão das eleições O voto direto consiste na escolha pelo eleitor sem intermediário de seus representantes nos Parlamentos municipais estaduais e federal bem como nas Chefias dos respectivos Poderes Executivos Também consta da Constituição a eleição de juiz de paz arts 98 II da CF e 30 do ADCT No tocante ao Poder Judiciário a Constituição prevê concurso público ou no máximo nomeação condicionada em casos específicos dos Tribunais por exemplo quanto aos Ministros do STF condicionada ao notório saber jurídico reputação ilibada determinada faixa etária entre 35 e 65 anos e especialmente indicação pelo Presidente e aprovação por maioria absoluta do Senado Federal O art 81 da CF88 impõe exceção ao voto direto no plano federal que pode ser reproduzida nos planos estaduais e municipais reprodução não obrigatória ao determinar a escolha indireta pelo Congresso Nacional de Presidente e VicePresidente da República no caso de vacância desses cargos nos dois últimos anos do mandato presidencial Também há exceção constitucional ao voto direto quanto à escolha de Governador de Território que será nomeado pelo Presidente da República após aprovação pelo Senado O voto secreto consiste na impossibilidade de se conhecer a identidade do eleitor nas suas escolhas A liberdade de escolha do eleitor seria desfigurada e sujeita a pressões caso o voto fosse aberto Por sua vez o voto universal consiste no reconhecimento do direito de qualquer indivíduo na medida do razoável de votar Há critérios razoáveis que moldam a universalidade do voto que consistem na i idade mínima de 16 anos voto facultativo ii alistamento eleitoral e iii nacionalidade brasileira além de iv não estar com os direitos políticos suspensos Em 2011 o STF deferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo ProcuradorGeral da República para suspender os efeitos do art 5º da Lei n 120342009 que dispunha sobre a criação a partir das eleições de 2014 do voto impresso concomitante ao atual voto eletrônico A relatora Min Cármen Lúcia considerou verdadeiro retrocesso a volta do voto registrado em papel pois a impressão do voto feriria o direito inexpugnável ao voto secreto favorecendo a coação de eleitores pela possibilidade de vincular o voto ao eleitor Por outro lado a urna eletrônica atualmente utilizada permite que o resultado seja apurado de modo seguro sem a identificação do votante Para o STF a impressão do voto criaria discriminação odiosa em relação às pessoas com deficiências visuais e aos analfabetos que não teriam como verificar seus votos para o que teriam de buscar ajuda de terceiros em detrimento do direito ao sigilo igualmente assegurado a todos ADI 4543 MCDF rel Min Cármen Lúcia 19102011 Informativo STF Brasília 17 a 21102011 n 645 Em 2018 o STF considerou inconstitucional em definitivo a reintrodução do voto impresso ADI 5889DF rel orig Min Gilmar Mendes red p o ac Min Alexandre de Moraes j 662018 Já o voto periódico é fruto da própria existência do princípio republicano que repudia os postos vitalícios ou hereditários O voto periódico é aquele que é realizado em determinados lapsos de tempo podendo ser permitido apenas um número razoável de reconduções dos eleitos No Brasil o 5º do art 14 da CF prevê que o Presidente da República os Governadores de Estado e do Distrito Federal os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente Assim apenas uma recondução é permitida Para burlar essa regra alguns políticos criaram a figura do prefeito itinerante ou prefeito profissional após cumprir dois mandatos como Prefeito em um Município buscam outro mandato em município contíguo aproveitandose da reputação e notoriedade para obter vantagem sobre os demais rivais O STF com base no princípio republicano e a consequente necessidade de respeito à temporariedade e à alternância do exercício do poder entendeu que tal figura do prefeito itinerante é inconstitucional determinando que o cidadão que exerce dois mandatos consecutivos como prefeito de determinado Município fica inelegível para o cargo da mesma natureza em qualquer outro Município da federação RE 637485 rel Min Gilmar Mendes j 1º82012 P DJe de 2152013 tema 564 com repercussão geral O respeito das cláusulas pétreas é fiscalizado por um controle preventivo e repressivo Para o STF o congressista deputado ou senador tem o direito líquido e certo a um processo legislativo hígido no qual não se discuta PEC Proposta de Emenda Constitucional que fira as cláusulas pétreas Há então um controle judicial preventivo perante o STF por mandado de segurança quanto à obediência às cláusulas pétreas Além desse controle preventivo há o tradicional controle preventivo de constitucionalidade exercido pela Comissão de Constituição e Justiça de cada Casa do Congresso Nacional Já o controle repressivo será feito pela via difusa ou pela via do controle abstrato por ação direta perante o Supremo Tribunal Federal QUADRO SINÓTICO Constituição de 1988 fundamentos objetivos e a internacionalização dos direitos humanos Fundamentos da República I Soberania consiste no poder político independente na esfera internacional e na esfera interna no poder político titularizado pelo povo redundando na soberania popular II Cidadania consiste em um conjunto de direitos e obrigações referentes à participação do indivíduo na formação da vontade do poder estatal Facetas da cidadania 1 cidadaniaeleição que permite ao cidadãoeleitor votar e ser votado 2 cidadaniafiscalização que permite ao cidadão propor a ação popular noticiar irregularidades ou ilegalidades perante o TCU ou ainda ser eleito conselheiro do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público 3 a cidadaniapropositiva que permite ao cidadão dar início a projetos de lei 4 cidadaniaconciliação que permite ao cidadão ser eleito Juiz de Paz Quase nacionalidade estatuto da igualdade dos portugueses com a situação jurídica de brasileiro naturalizado o que permite o exercício de direitos políticos para aquele português que obtém a igualdade de direitos III Dignidade da pessoa humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência IV Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa V Pluralismo político Objetivos da República Construção de uma sociedade livre justa e solidária Desenvolvimento nacional Erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais Promoção do bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação A expansão dos direitos humanos e sua internacionalização na CF88 Constituição de 1988 marco na história constitucional brasileira na temática dos direitos humanos a Introdução do mais extenso e abrangente rol de direitos das mais diversas espécies incluindo os direitos civis políticos econômicos sociais e culturais além de várias garantias constitucionais algumas inéditas como o mandado de injunção e o habeas data b Essa enumeração de direitos e garantias não é exaustiva princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais ou abertura da Constituição aos direitos humanos que foi baseada também nos tratados internacionais celebrados pelo Brasil c Há um capítulo específico para os direitos sociais sendo ainda possível novos direitos sociais decorrentes do regime e princípios bem como dos tratados celebrados pelo Brasil d Determinação de que o Brasil cumpra o princípio da prevalência dos direitos humanos e Determinação de que o Brasil propugne pela formação de um tribunal internacional de direitos humanos Consequências do novo perfil constitucional favorável ao Direito Internacional a Ratificação dos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos Sociais e Culturais das Convenções contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes da Convenção Americana de Direitos Humanos além da celebração de todos os mais relevantes instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos b Reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos o que representou um passo decisivo para aceitar o universalismo na área dos direitos humanos c Aceitação da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos com a ratificação indistinta de tratados voltados a direitos civis e políticos e direitos sociais econômicos e culturais Superioridade normativa A supremacia da Constituição e os direitos humanos Supremacia da Constituição consiste na sua qualidade de norma superior que representa o pressuposto de validade de todas as demais normas do ordenamento jurídico Superioridade do ponto de vista material a Constituição contempla os valores considerados superiores pela vontade geral poder constituinte de uma comunidade Superioridade do ponto de vista formal a Constituição está no cume do ordenamento jurídico porque prescreve as formas de criação das demais normas e ainda suas próprias regras de alteração emendas constitucionais Parte da doutrina reconhece que as normas constitucionais de direitos humanos possuem certa hierarquia material com superioridade às demais normas constitucionais uma vez que são 1 cláusulas pétreas 2 princípios constitucionais sensíveis 3 preceitos fundamentais defendidos pela ADPF 4 normas de aplicação imediata Filtragem constitucional exigência de que todas as demais normas do ordenamento jurídico sejam compatíveis com a Constituição No caso das normas de direitos humanos há a filtragem jusfundamentalista ou jusfundamentalização do Direito que serve para 1 declarar inconstitucional ou não recepcionada determinada norma ofensiva aos direitos humanos 2 escolher interpretação conforme aos direitos humanos de determinada norma 3 exigir que as políticas públicas tornem efetivas as normas de direitos humanos estabelecidas na Constituição São as normas constitucionais insuscetíveis de modificação ou eliminação por emendas à Constituição Justificativa escolha por parte do Poder Constituinte Originário de determinados valores que simbolizam a essência do Estado Democrático brasileiro Críticas possíveis à existência de cláusulas pétreas 1 a imutabilidade de determinado conjunto de normas dificulta a atualização constitucional para fazer frente a novos desafios sociais 2 exigir a ruptura e uma nova ordem constitucional para atualizar a Constituição seria ignorar que o Poder Constituinte Originário Material é titularizado pelo povo e é permanente não necessitando de uma convocação específica retratada em uma Assembleia Constituinte Poder Constituinte Originário Formal Constituição de 1988 art 60 4º prevê a impossibilidade de deliberação uma Emenda Constitucional que tenda a abolir I a forma federativa de Estado II o voto direto secreto universal e periódico III a separação dos Poderes Cláusulas pétreas IV os direitos e garantias individuais É possível que sejam feitas modificações 1 que fortaleçam 2 que alterem o quadro normativo mas com neutralidade sem prejudicar ou fortalecer o valor previsto Não é possível uma modificação que enfraqueça o valor contido nas cláusulas pétreas pois isso é um passo para sua eliminação Cláusulas pétreas implícitas 1 Estado Democrático de Direito 2 inalterabilidade do próprio art 60 4º para evitar a chamada teoria da dupla revisão Dúvida acerca da expressão direitos e garantias individuais na CF88 o STF adotou a orientação de que são protegidos todos os direitos indispensáveis a uma vida digna e não somente os que pela literalidade estão contidos no Capítulo I do Título II da Constituição direitos e garantias individuais Voto secreto direto universal e periódico cláusula que visa defender a cidadania e a democracia Voto direto consiste na escolha pelo eleitor sem intermediário de seus representantes nos Parlamentos municipais estaduais e federal bem como nas Chefias dos respectivos Poderes Executivos além da eleição do juiz de paz Exceções 1 escolha indireta pelo Congresso Nacional de Presidente e VicePresidente da República no caso de vacância desses cargos nos dois últimos anos do mandato presidencial 2 escolha de Governador de Território que será nomeado pelo Presidente da República após aprovação pelo Senado Voto secreto consiste na impossibilidade de se conhecer a identidade do eleitor nas suas escolhas Voto universal consiste no reconhecimento do direito de qualquer indivíduo na medida do razoável de votar Critérios razoáveis determinados na CF88 idade mínima de 16 anos voto facultativo alistamento eleitoral e nacionalidade brasileira além de não estar com os direitos políticos suspensos Voto periódico é aquele que é realizado em determinados lapsos de tempo podendo ser permitido apenas um número razoável de reconduções O respeito das cláusulas pétreas é fiscalizado por meio do controle de constitucionalidade Controle preventivo mandado de segurança impetrado por congressista quanto à obediência às cláusulas pétreas controle exercido pela Comissão de Constituição e Justiça de cada Casa do Congresso Nacional Controle repressivo pela via difusa ou pela via do controle abstrato por ação direta perante o STF 3 Os tratados de direitos humanos formação incorporação e hierarquia normativa no Brasil 31 AS NORMAS CONSTITUCIONAIS SOBRE A FORMAÇÃO E INCORPORAÇÃO DE TRATADOS 311 Terminologia e a prática constitucional brasileira A Constituição brasileira possui alguns dispositivos que mencionam tratados utilizando uma terminologia variada tratados internacionais arts 5º 2º e 3º 49 I 84 VIII 109 V e 5º convenção internacional arts 5º 3º 84 VIII 109 V atos internacionais arts 49 I 84 VIII acordos internacionais arts 49 I 178 e 52 X do Ato das Disposições Transitórias e até mesmo compromissos internacionais art 143 X 302 Apesar dos esforços doutrinários em diferenciar essas categorias a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados cristalizou a prática dos Estados em considerar esses termos acima mencionados na Constituição como sinônimos como se vê no seu art 2º 1 a Art 2º1 a tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional quer conste de um instrumento único quer de dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja sua denominação específica 303 A Constituição de 1988 seguindo a tradição constitucional brasileira adota essa multiplicidade de termos da prática internacional considerandoos equivalentes O resultado é um processo de formação da vontade do Estado e de incorporação dos tratados ao ordenamento brasileiro como veremos abaixo 312 A teoria da junção de vontades A Constituição de 1988 inicialmente dispôs que a participação brasileira na formação do Direito Internacional é de competência da União Prevê o art 21 I que compete à União manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais A União possui um papel dúplice em nosso Federalismo é i ente federado arts 1º e 18 de igual hierarquia com os demais entes Estados Municípios e Distrito Federal e ainda ii representa o Estado Federal nas relações internacionais A Constituição exigiu um procedimento complexo que une a vontade concordante dos Poderes Executivo e do Legislativo no plano federal no que tange à formação e incorporação de tratados ao ordenamento interno As bases constitucionais são o art 84 VIII que estabelece competir ao Presidente da República celebrar tratados convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional e ainda o art 49 I que dispõe que é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional A participação dos dois Poderes na formação da vontade brasileira em celebrar definitivamente um tratado internacional consagrou a chamada teoria da junção de vontades ou teoria dos atos complexos para que um tratado internacional seja formado é necessária a conjunção de vontades do Poder Executivo e do Poder Legislativo como veremos a seguir 313 As quatro fases da formação da vontade à incorporação Há três fases que levam a formação da vontade do Brasil em celebrar um tratado assumindo obrigações perante o Direito Internacional 1 a fase da assinatura 2 a fase da aprovação congressual ou fase do Decreto Legislativo e 3 a fase da ratificação Há ainda uma quarta fase que é a fase de incorporação do tratado já celebrado pelo Brasil ao ordenamento interno denominada fase do Decreto Presidencial ou Decreto de Promulgação A fase da assinatura é iniciada com as negociações do teor do futuro tratado As negociações dos tratados internacionais não possuem destaque no corpo da Constituição de 1988 sendo consideradas de atribuição do Chefe de Estado por decorrência implícita do disposto no art 84 VIII que dispõe que compete ao Presidente da República celebrar tratados convenções e acordos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional Usualmente após uma negociação bemsucedida o Estado realiza a assinatura do texto negociado pela qual manifesta sua predisposição em celebrar no futuro o texto do tratado Por sua vez há ainda a possibilidade de adesão a textos de tratados já existentes dos quais o Brasil não participou da negociação A assinatura é de atribuição do Chefe de Estado fruto do disposto no art 84 VIII que utiliza o vocábulo celebrar em sentido impróprio a assinatura em geral não vincula o Estado brasileiro Antes é necessário de acordo com a linguagem do próprio art 84 VIII o referendo ou aprovação do Congresso Nacional Após a assinatura cabe ao Poder Executivo encaminhar o texto assinado do futuro tratado ao Congresso no momento em que julgar oportuno A Constituição de 1988 foi omissa quanto a prazos enquanto a Constituição de 1967 fixou o prazo de quinze dias após sua assinatura para que o Poder Executivo encaminhasse o texto do tratado ao Congresso Nacional art 47 parágrafo único Na ausência de prazo entendese que o próprio envio é ato discricionário do Presidente A segunda etapa do iter de formação dos tratados no Brasil é a da aprovação congressual ou fase do decreto legislativo A Constituição de 1824 introduziu essa exigência para os tratados concluídos em tempo de paz envolvendo cessão ou troca de território do Império ou de Possessões a que o Império tenha direito determinando que não poderiam ser ratificados sem a aprovação prévia da Assembleia Geral art 102 VIII Para os demais tratados não era exigida essa anuência prévia mas tão somente o envio à Assembleia para conhecimento após a ratificação desde que o interesse ou segurança do Estado permitissem admitiamse então os tratados secretos A Constituição de 1891 generalizou a necessidade de aprovação congressual antes da ratificação ao dispor em seu art 48 item 16º que ao Presidente da República cabia celebrar os tratados sempre ad referendum do Congresso Ao Congresso cabia resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras Essa fórmula foi o maior avanço constitucional no processo de formação de tratados para o Brasil impondo a necessidade de aprovação dos textos dos tratados pelo Poder Legislativo A Constituição de 1988 repetiu a velha fórmula cabe ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional art 49 I e ainda cabe ao Presidente da República celebrar tratados convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional art 84 VIII Notese que a expressão latina ad referendum tradicional nas Constituições anteriores foi substituída pelo equivalente sujeitos a referendo O trâmite da fase da aprovação congressual é o seguinte i O Presidente encaminha mensagem presidencial ao Congresso Nacional fundamentada a exposição de motivos é feita pelo Ministro das Relações Exteriores solicitando a aprovação congressual ao texto do futuro tratado que vai anexado na versão oficial em português ii Como é iniciativa presidencial o trâmite é iniciado pela Câmara dos Deputados no rito de aprovação de decreto legislativo que é espécie legislativa que veicula matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados a Mensagem Presidencial é encaminhada inicialmente para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional que prepara o projeto de decreto legislativo PDC Após o projeto é apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania que analisa a constitucionalidade do texto do futuro tratado O próximo passo é o parecer sobre a conveniência e oportunidade da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional bem como de outras Comissões temáticas a depender da matéria do futuro tratado O PDC é remetido ao Plenário da Câmara para aprovação por maioria simples veremos depois o caso especial dos tratados de direitos humanos estando presente a maioria absoluta dos membros da Casa art 47 da CF88 iii Após a aprovação no plenário da Câmara o projeto é apreciado no Senado No Senado o projeto é encaminhado à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional Em seu rito normal após o parecer dessa Comissão o projeto é votado no Plenário Há contudo um rito abreviado previsto no art 91 1º do Regimento do Senado que possibilita ao Presidente do Senado ouvidas as lideranças conferir à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional a apreciação terminativa final do projeto Aprovado no rito normal plenário ou no rito abreviado Comissão o Presidente do Senado Federal promulga e publica o Decreto Legislativo Caso o Senado apresente emenda vide abaixo a possibilidade de emenda na fase da aprovação congressual o projeto retorna para a Câmara Casa Iniciadora para a apreciação que a analisará Rejeitada a emenda pela Câmara o projeto de decreto legislativo segue para o Presidente do Senado Federal para promulgação e publicação O texto do tratado internacional é publicado como anexo ao Decreto Legislativo no Diário do Congresso Nacional Não há prazo para o término do rito de aprovação congressual mesmo quanto aos tratados de direitos humanos Tudo depende da conveniência política o projeto pode ser rapidamente analisado e aprovado ou arrastarse por décadas A atuação legislativa na análise do tratado é reduzida com pouca margem de interferência em geral cabe ao Congresso aprovar ou rejeitar o projeto Caso o projeto de decreto legislativo seja rejeitado na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal há o envio de mensagem ao Presidente da República informandoo do ocorrido Como a Constituição é omissa quanto às emendas a textos de tratados o Congresso Nacional brasileiro utilizando a máxima qui potest maius potest minus quem pode o mais pode o menos aceita aprovar tratados com emendas que assumem a forma de ressalvas Em geral as alterações do texto do tratado podem ser impostas pelo Congresso Nacional da seguinte forma i Basta que não sejam aprovados determinados dispositivos que ficam ressalvados no texto do Decreto Legislativo sem a aprovação do Congresso o Presidente não terá outra escolha a não ser impor reservas desses dispositivos no momento da ratificação a reserva é o ato unilateral pelo qual o Estado no momento da celebração final manifesta seu desejo de excluir ou modificar o texto do tratado ii Além disso a emenda pode exigir a modificação de parte do texto do tratado cuja nova redação também consta do Decreto Legislativo que também será comunicada pelo Presidente aos demais parceiros internacionais sob a forma de reservas iii Caso o Presidente não concorde com tais ressalvas sua única opção é não ratificar o tratado A fórmula usual de redação do Decreto Legislativo é concisa com dois artigos e um parágrafo no primeiro fica expressa a vontade congressual em aprovar o texto do tratado Fica aprovado contendo as ressalvas eventualmente impostas de artigos em seu parágrafo único repetese em clara redundância a fórmula do art 49 I da CF88 dispondo que ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que impliquem revisão do tratado bem como quaisquer atos que nos termos do inciso I do caput do art 49 da CF88 acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional o segundo artigo dispõe que o Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação Com isso fica o Presidente da República autorizado a celebrar em definitivo o tratado por meio da ratificação ou ato similar Aprovado o Decreto Legislativo o Presidente da República querendo pode em nome do Estado celebrar em definitivo o tratado o que é feito em geral pela ratificação O Presidente da República pode também formular reservas ao ratificar o tratado internacional além daquelas que obrigatoriamente lhe foram impostas pelas ressalvas ao texto aprovado pelo Congresso vide acima Não há a necessidade de submeter essas novas reservas ao Congresso uma vez que se trata de desejo de não submissão do Brasil à norma internacional Esse desejo não é passível de controle pelo Congresso da mesma maneira que graças à separação das funções do poder não pode ser obrigado o Presidente a ratificar um determinado tratado internacional A leitura dos arts 84 VIII e 49 I em conjunto faz nascer um mínimo denominador comum caso o Congresso ou nesse tópico do estudo o Presidente não aceite determinada disposição convencional ela deve ser sujeita à reserva Por isso a celebração de um tratado é um ato complexo não basta a vontade isolada de um Poder é necessária a junção da vontade dos Poderes Legislativo e Executivo Não há um prazo no qual o Presidente da República deve celebrar em definitivo o tratado em face do próprio dinamismo da vida internacional Como o Congresso Nacional não possui prazo para aprovar o texto do futuro tratado nada impede que a aprovação tenha sido realizada tardiamente desaparecidas as condições convenientes da época da assinatura do tratado pelo Presidente Logo não é adequado exigir que a ratificação seja obrigatória ela é da alçada discricionária do Presidente Resta ainda verificar quando o tratado entrará em vigor pois isso depende do texto do próprio tratado Há tratados que estabelecem um número mínimo de Estados partes e há tratados que exigem o decurso de um lapso temporal para que comecem a viger Essa executoriedade no plano internacional é essencial para que o tratado possa ser coerentemente exigido no plano interno Seria violar o próprio conceito de tratado exigir internamente o cumprimento de seus termos se ainda o tratado não entrou em vigor internacionalmente Temos após a ratificação e entrada em vigor do tratado no plano internacional o fim do ciclo de formação de um tratado para o Brasil Porém a norma válida internacionalmente não será válida internamente até que seja editado o Decreto de Promulgação também chamado de Decreto Executivo ou Decreto Presidencial pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores art 87 I da Constituição que incorpora ou recepciona internamente o tratado Esse Decreto inova a ordem jurídica brasileira tornando válido o tratado no plano interno Não há prazo para sua edição e até lá o Brasil está vinculado internacionalmente mas não internamente esse descompasso enseja a óbvia responsabilização internacional do Brasil De fato há casos de edição de decreto executivo anos após a entrada em vigor internacional do tratado Entretanto o STF tem decidido reiteradamente que o decreto de promulgação é indispensável para que o tratado possa ser recepcionado e aplicado internamente justificando tal exigência em nome da publicidade e segurança jurídica a todos CR 8279AgR rel Min Presidente Celso de Mello j 1761998 Plenário DJ de 1082000 Nossa posição é pela desnecessidade da edição do decreto de promulgação para todo e qualquer tratado A publicidade da ratificação e entrada em vigor internacional deve ser apenas atestada efeito meramente declaratório nos registros públicos dos atos do Ministério das Relações Exteriores Diário Oficial da União Esse aviso de caráter declaratório em nada afetaria o disposto no art 84 inciso VIII e ainda asseguraria publicidade desejável em nome da segurança jurídica e sintonia entre a validade internacional e a validade interna dos tratados 304 Contudo em 2018 no caso da impugnação do registro da candidatura do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva o Tribunal Superior Eleitoral reiterou a jurisprudência tradicional do STF e decidiu que a ausência do decreto de promulgação impedia a incorporação do Primeiro Protocolo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ao ordenamento jurídico brasileiro ironicamente não editado nas gestões do então Presidente Lula e da Presidente Dilma Rousseff Para o TSE o Primeiro Protocolo Facultativo não está em vigor na ordem interna brasileira Tribunal Superior Eleitoral Registro de Candidatura 11532 n 0600903 5020186000000 rel Min Roberto Barroso por maioria j 3182018 314 A hierarquia normativa ordinária ou comum dos tratados A Constituição de 1988 não contém capítulo específico sobre a relação do direito interno com o direito internacional consequentemente os dispositivos sobre a hierarquia dos tratados estão espalhados no texto da Constituição Sem ingressar ainda na temática dos tratados de direitos humanos que será estudada a seguir os dispositivos tradicionalmente levados em consideração na análise da hierarquia dos tratados em geral são os artigos 1 102 III b 2 105 III a e 3 47 O art 102 III b dispõe que cabe recurso extraordinário no caso de ter a decisão impugnada considerado inconstitucional lei ou tratado Já o art 105 III a estabelece que cabe recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça quando a decisão impugnada houver violado ou negado vigência a lei ou tratado Finalmente o art 47 estabelece que no caso da espécie normativa não possuir quórum de aprovação especificado no texto da Constituição esse será de maioria simples o que ocorre por exemplo com o decreto legislativo e com lei ordinária federal Esses três dispositivos constitucionais são os que normalmente são invocados para a determinação da hierarquia dos tratados internacionais comuns perante o direito brasileiro Analisando esses três dispositivos em conjunto o Supremo Tribunal Federal concluiu que os tratados internacionais incorporados possuem em geral o estatuto normativo interno equivalente ao da lei ordinária federal Essa é a hierarquia ordinária ou comum dos tratados em geral equivalência à lei ordinária federal A justificativa é simples Em primeiro lugar o art 102 III b determina que o estatuto dos tratados é infraconstitucional pois permite o controle de constitucionalidade dos tratados Em segundo lugar os arts 47 e 105 III a cuidam dos tratados da mesma maneira que as leis em dois momentos no quórum de aprovação maioria simples para a lei ordinária e para o decreto legislativo e na definição de um mesmo recurso recurso especial para a impugnação de decisões inferiores que os contrariarem ou lhes negarem vigência Esse estatuto equivalente à lei ordinária foi consagrado ainda antes da Constituição de 1988 no Recurso Extraordinário 80004 de 1977 RE 80004SE relator p o acórdão Min Cunha Peixoto j 1º61977 DJU de 29121977 Após 1988 o Supremo Tribunal Federal possui precedente claro sobre a hierarquia dos tratados internacionais a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n 1480 Nesse precedente o Supremo Tribunal Federal estabeleceu de início que os tratados se subordinam à nossa Constituição pois no sistema jurídico brasileiro os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República Em consequência nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais que incorporados ao sistema de direito positivo interno transgredirem formal ou materialmente o texto da Carta Política ADI 1480MC rel Min Celso de Mello j 491997 Plenário DJ de 1852001 Para o STF fundado na supremacia da Constituição da República no conflito entre qualquer norma constitucional e um tratado em geral cuidado ver as situações especiais abaixo a Constituição sempre prevalecerá devendo ser a incompatibilidade exposta nos controles difuso e concentrado de constitucionalidade Os diplomas normativos a serem atacados serão o Decreto Legislativo e o Decreto de Promulgação pois seriam os atos domésticos que levaram à recepção das normas convencionais ao sistema de direito positivo interno Nas palavras do Min Celso de Mello Supremacia da CF sobre todos os tratados internacionais O exercício do treatymaking power pelo Estado brasileiro está sujeito à observância das limitações jurídicas emergentes do texto constitucional Os tratados celebrados pelo Brasil estão subordinados à autoridade normativa da CF Nenhum valor jurídico terá o tratado internacional que incorporado ao sistema de direito positivo interno transgredir formal ou materialmente o texto da Carta Política Precedentes MI 772AgR rel Min Celso de Mello j 24102007 Plenário DJe de 2032009 grifo nosso Podem gerar a inconstitucionalidade de um tratado i transgressões formais e orgânicas à Constituição fruto da violação do iter de formação dos tratados por ter o Presidente excedido suas atribuições por exemplo e ii as transgressões de fundo no caso de texto do tratado colidir com o conteúdo da Constituição A solução dos conflitos entre lei e tratado de acordo com o STF não é resolvida pelo critério hierárquico mas sim pelo uso alternativo do critério cronológico later in time o último diploma suspende a eficácia do anterior que lhe for incompatível ou no brocardo latino lex posterior derogat priori ou ainda quando possível do critério da especialidade Em síntese tratase de paridade normativa entre tratados comuns e leis ordinárias o que impõe na visão do STF 1 a submissão do tratado internacional ao texto constitucional 2 a utilização do critério cronológico ou da especialidade na avaliação do conflito entre tratado e lei 3 tal qual assinalava o voto do Min Leitão de Abreu RE 8000477 há suspensão de eficácia do texto do tratado e não sua revogação pela lei posterior contrária Apesar dos ventos da redemocratização e do apelo da Constituição de 1988 à cooperação internacional art 4º IX não houve mudança drástica da orientação do STF quanto à hierarquia normativa dos tratados em geral A antiga orientação consagrada no RE 80004 de 1977 foi seguida e atualmente 2019 os tratados internacionais comuns incorporados internamente são equivalentes à lei ordinária federal Consequentemente não há a prevalência automática dos atos internacionais em face da lei ordinária já que a ocorrência de conflito entre essas normas deveria ser resolvida pela aplicação do critério cronológico a normatividade posterior prevalece later in time ou pela aplicação do critério da especialidade Futuramente é possível que com a ratificação e incorporação interna em 2009 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados o STF seja influenciado pelo seu art 27 que dispõe que nenhum Estado pode invocar dispositivos internos para não cumprir os comandos de um tratado o que modificaria a paridade normativa hoje existente entre tratado e leis ordinárias Resta analisar o caso especial que nos interessa que é o tratamento diferenciado aos tratados de direitos humanos QUADRO SINÓTICO As normas constitucionais sobre a formação e incorporação de tratados Terminologia Constituição brasileira utiliza terminologia variada para designar os tratados tratados internacionais convenção internacional atos internacionais acordos internacionais e compromissos internacionais Tais termos são sinônimos para a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados que define tratado como um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional quer conste de um instrumento único quer de dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja sua denominação específica A teoria da junção de vontades União papel dúplice no Federalismo brasileiro é ente federado de igual hierarquia com os demais entes Estados Municípios e Distrito Federal e ainda representa o Estado Federal nas relações internacionais Constituição exigiu um procedimento complexo para a formação da vontade do Brasil no plano internacional que une a vontade concordante dos Poderes Executivo e do Legislativo no que tange aos tratados internacionais Bases constitucionais art 84 VIII estabelece competir ao Presidente da República celebrar tratados convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional e art 49 I dispõe que é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional Teoria da junção de vontades ou teoria dos atos complexos para que um tratado internacional seja formado é necessária a conjunção de vontades do Poder Executivo e do Poder Legislativo A hierarquia normativa ordinária ou comum dos tratados Dispositivos constitucionais comumente utilizados para esclarecer o tema da hierarquia dos tratados ante a ausência de dispositivo expresso sobre a questão 1 Art 102 III b determina que cabe recurso extraordinário no caso de ter a decisão impugnada considerado inconstitucional lei ou tratado assim considera que o estatuto dos tratados é infraconstitucional pois permite o controle de constitucionalidade dos tratados 2 Art 105 III a determina que cabe recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça quando a decisão impugnada houver violado ou negado vigência a lei ou tratado assim define o mesmo recurso recurso especial utilizado para as leis para a impugnação de decisões inferiores que os contrariarem ou lhes negarem vigência 3 Art 47 determina que no caso de a espécie normativa não possuir quórum de aprovação especificado no texto da Constituição esse será de maioria simples assim dá tratamento igual a tratados e leis ao estabelecer o quórum de aprovação maioria simples para a lei e para o decreto legislativo Analisando referidos dispositivos em conjunto o STF concluiu que os tratados internacionais incorporados em geral possuem o estatuto normativo interno equivalente ao da lei ordinária federal Evolução da jurisprudência Antes da CF88 RE 80004 de 1977 estatuto equivalente à lei ordinária foi consagrado Após 1988 precedente sobre a hierarquia comum dos tratados internacionais na ADIMC 1480 o STF a estabeleceu o estatuto inferior à Constituição de forma que transgressões formais e de fundo podem gerar a inconstitucionalidade do tratado e b consagrou o estatuto do tratado como equivalente à lei ordinária federal de forma que as soluções de conflitos entre lei e tratado se dão por meio dos critérios cronológico e de especialidade mas não pelo não hierárquico A paridade normativa entre tratados em geral e leis ordinárias impõe 1 a submissão do tratado internacional ao texto constitucional 2 a utilização do critério cronológico ou da especialidade na avaliação do conflito entre tratado e lei 3 a suspensão de eficácia do texto do tratado e não sua revogação pela lei posterior contrária Não houve mudança da orientação do STF quanto à hierarquia normativa dos tratados em geral atualmente permanece a orientação de que os tratados internacionais comuns incorporados internamente são equivalentes à lei ordinária federal As quatro fases da formação da vontade à incorporação Três fases que levam à formação da vontade do Brasil em celebrar um tratado assumindo obrigações perante o Direito Internacional 1 FASE DA ASSINATURA É iniciada com as negociações do teor do futuro tratado que são consideradas atribuição do Chefe de Estado Com a assinatura o Estado manifesta sua predisposição em celebrar no futuro o texto do tratado A assinatura em geral não vincula o Estado brasileiro sendo necessário o referendo do Congresso Nacional É possível a adesão a textos de tratados já existentes dos quais o Brasil não participou da negociação Após a assinatura cabe ao Poder Executivo encaminhar o texto assinado do futuro tratado ao Congresso no momento em que julgar oportuno já que a Constituição de 1988 foi omissa quanto ao prazo 2 FASE DA APROVAÇÃO CONGRESSUAL OU FASE DO DECRETO LEGISLATIVO Trâmite da aprovação congressual 1 Presidente encaminha mensagem presidencial ao Congresso Nacional fundamentada solicitando a aprovação congressual ao texto do futuro tratado que vai anexado na versão oficial em português A exposição de motivos é feita pelo Ministro das Relações Exteriores 2 O trâmite é iniciado pela Câmara dos Deputados iniciativa presidencial no rito de aprovação de decreto legislativo 21 A mensagem presidencial é encaminhada para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional que prepara o projeto de decreto legislativo PDC 22 O projeto é apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania que analisa a constitucionalidade do texto do futuro tratado 23 Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional emite parecer sobre a conveniência e oportunidade bem como outras Comissões temáticas a depender da matéria do futuro tratado 24 O PDC é remetido ao Plenário da Câmara para aprovação por maioria simples estando presente a maioria absoluta dos membros da Casa 3 Após a aprovação no plenário da Câmara o projeto é apreciado no Senado 31 O projeto é encaminhado à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional 32 No rito normal após o parecer da Comissão o projeto é votado no Plenário No rito abreviado regimental o Presidente do Senado pode ouvidas as lideranças conferir à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional a apreciação terminativa do projeto 33 Aprovado o projeto o Presidente do Senado Federal promulga e publica o Decreto Legislativo 34 Caso o Senado apresente emenda o projeto retorna para a Câmara para a apreciação que a analisará Rejeitada a emenda pela Câmara o projeto de decreto legislativo segue para o Presidente do Senado Federal para promulgação e publicação 35 O texto do tratado internacional é publicado no anexo ao Decreto Legislativo no Diário do Congresso Nacional Caso o projeto de decreto legislativo seja rejeitado na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal há o envio de mensagem ao Presidente da República informandoo do ocorrido O Congresso Nacional aceita aprovar tratados com emendas que assumem a forma de ressalvas Se dispositivos não forem aprovados pelo Congresso Nacional ficam ressalvados no Decreto Legislativo e Presidente terá que impor reservas desses dispositivos no momento da ratificação Se a emenda exigir a modificação de parte do texto do tratado a nova redação também deve constar do Decreto Legislativo Se o Presidente não concordar com as ressalvas sua única opção é não ratificar os tratados 3 FASE DA RATIFICAÇÃO Após a aprovação congressual querendo o Presidente da República pode em nome do Estado celebrar o tratado em definitivo O Presidente pode formular reservas além daquelas que obrigatoriamente lhe foram impostas pelas ressalvas ao texto aprovado pelo Congresso A reserva é o ato unilateral pelo qual o Estado no momento da celebração final manifesta seu desejo de excluir ou modificar o texto do tratado Não há a necessidade de submeter essas novas reservas ao Congresso Não há um prazo no qual o Presidente da República deve celebrar em definitivo o tratado A entrada em vigor depende do texto do próprio tratado A executoriedade no plano internacional é essencial para que o tratado possa ser coerentemente exigido no plano interno Fase de incorporação do tratado já celebrado pelo Brasil no plano interno após a ratificação 4 FASE DO DECRETO PRESIDENCIAL OU DECRETO DE PROMULGAÇÃO Para que a norma válida internacionalmente seja também válida internamente deve ser editado o Decreto de Promulgação também chamado de Decreto Executivo ou Decreto Presidencial pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores art 87 I da Constituição O Decreto inova a ordem jurídica brasileira tornando válido o tratado no plano interno Não há prazo para sua edição mas ainda sem sua edição o Brasil está vinculado internacionalmente mas não internamente o que pode ensejar a responsabilização internacional do Estado 32 PROCESSO LEGISLATIVO APLICAÇÃO E HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS EM FACE DO ART 5º E SEUS PARÁGRAFOS DA CF88 321 Aspectos gerais A Constituição de 1988 possui poucos artigos que tratam do processo de formação e incorporação dos tratados como vimos acima Também foi concisa naquilo que se esperaria de uma Constituição cujo epicentro é a dignidade humana art 1º III um tratamento diferenciado aos tratados de direitos humanos Por isso a doutrina e a jurisprudência debateram com profundidade e muitas divergências as diferenças entre um tratado sobre um tema qualquer e um tratado de direitos humanos com foco em duas áreas 1 o processo legislativo e aplicação imediata dos tratados de direitos humanos e 2 a hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos A situação ficou ainda mais complexa depois da Emenda Constitucional n 45 que introduziu na Constituição de 1988 o 3º do art 5º que dispõe Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais Esse dispositivo não encerrou os debates sobre o tema como veremos abaixo 322 A situação antes da Emenda Constitucional n 452004 os 1º e 2º do art 5º Após a edição da Constituição de 1988 parte da doutrina apoiou a tese de que os tratados de direitos humanos eram diferenciados dos demais tratados em virtude da redação dos dois parágrafos originais do art 5º O 1º estabelece que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata Esse termo aplicação imediata teria para uma determinada parte da doutrina a consequência da dispensa do decreto de promulgação Consequentemente houve quem defendesse que desde 1988 a Constituição ordenava a dispensa da incorporação e a adoção automática dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil Bastaria o ato de ratificação e a entrada em vigor no plano internacional do tratado de direitos humanos para que esse fosse automaticamente válido internamente 305 O Supremo Tribunal Federal contudo interpretou o art 5º 1º restritivamente pois este regeria somente a aplicação interna dos direitos e garantias fundamentais sem relação então com a necessidade ou não de decreto executivo na incorporação de tratados Assim para o STF nada mudou no processo de formação e incorporação dos tratados todos inclusive os de direitos humanos deveriam passar pelas quatro fases vistas acima assinatura decreto legislativo ratificação e decreto presidencial para que pudessem ter validade nacional Por outro lado o art 5º 2º da CF dispõe que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte A expressão não excluem outros decorrentes dos tratados fez com que parte da doutrina defendesse que a Constituição havia adotado a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos Veremos a seguir as minúcias da hierarquia dos tratados de direitos humanos e a situação atual QUADRO SINÓTICO A situação antes da Emenda Constitucional n 452004 os 1º e 2º do art 5º Após a edição da CF88 parte da doutrina apoiou a tese de que os tratados de direitos humanos eram diferenciados dos demais tratados em virtude da redação dos dois parágrafos originais do art 5º com base nos seguintes argumentos 1 Art 5º 1º estabelece a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais consequentemente para parte da doutrina haveria a dispensa do decreto de promulgação bastando apenas a entrada em vigor internacional e a ratificação para que o tratado fosse válido internamente Entretanto o STF entendeu que todos os tratados inclusive os de direitos humanos deveriam passar pelas quatro fases de incorporação de tratados carecendo de decreto de promulgação para validade interna 2 Art 5º 2º dispõe que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte consequentemente para parte da doutrina a CF88 havia adotado a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos 33 A HIERARQUIA NORMATIVA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E A EMENDA CONSTITUCIONAL N 452004 331 Aspectos gerais De 1988 a 2008 o STF decidiu a favor da tese de que os tratados de direitos humanos teriam a mesma hierarquia dos demais tratados considerados equivalentes à lei ordinária federal como visto acima Desprezouse então o disposto no art 5º 2º da CF88 que de acordo com esse posicionamento não teria o poder de alterar a hierarquia equivalente à lei ordinária federal dos tratados internacionais como um todo uma vez que não seria possível uma alteração da Constituição feita por um tratado de direitos humanos posterior A ementa do acórdão no HC 72131 julgado em 1995 leading case do tema à época não deixa dúvida Com efeito é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária não se lhes aplicando quando tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à Constituição de 1988 o disposto no art 5º 2º pela singela razão de que não se admite emenda constitucional realizada por meio de ratificação de tratado HC 72131 voto do rel p o ac Min Moreira Alves Plenário j 23111995 Plenário DJ de 1º82003 grifo meu Assim mesmo os tratados de direitos humanos teriam estatuto normativo equivalente à lei ordinária federal O caso da prisão civil do depositário infiel é exemplar Essa prisão foi expressamente proibida pela Convenção Americana de Direitos Humanos que em seu art 7º 7 veda a prisão civil com exceção da decorrente de obrigação alimentar Ainda na década de 90 do século passado o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Convenção Americana de Direitos teria estatuto de lei ordinária federal e logo deveria ser subordinada ao texto constitucional brasileiro que em seu art 5º LXVII menciona além da prisão civil decorrente do inadimplemento de obrigação alimentar a hipótese da prisão civil do depositário infiel Para reforçar tal visão o STF comparou a Constituição de 1988 com a Constituição argentina a qual depois da reforma de 1994 consagrou expressamente a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos Para a Corte Suprema brasileira a diferença entre as duas Constituições demonstrava que quando o constituinte almeja estabelecer um status normativo diferenciado aos tratados de direitos humanos ele assim o faz expressamente Tal entendimento do STF todavia sempre possuiu ferozes críticos Em primeiro lugar houve quem defendesse o estatuto supraconstitucional dos tratados internacionais de direitos humanos 306 com base na necessidade de cumprimento dos tratados mesmo se contrariassem a Constituição Para outra parte da doutrina o art 5º 2º asseguraria a hierarquia de norma constitucional aos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil pois sua redação Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais gera cláusula de abertura que forneceria aos direitos previstos nos tratados de direitos humanos a almejada estatura constitucional 307 Para conciliar a visão majoritária do Supremo Tribunal Federal de estatura equivalente a mera lei ordinária federal com a visão doutrinária de natureza constitucional dos tratados de direitos humanos o então Ministro Sepúlveda Pertence em passagem na fundamentação do seu voto no Recurso em Habeas Corpus n 79785RJ sustentou que deveríamos aceitar a outorga de força supralegal às convenções de direitos humanos de modo a dar aplicação direta às suas normas até se necessário contra a lei ordinária sempre que sem ferir a Constituição a complementem especificando ou ampliando os direitos e garantias dela constantes Essa posição conciliatória de Sepúlveda Pertence em 2000 tratados de direitos humanos ficariam acima das leis e abaixo da Constituição não logrou inicialmente apoio no STF até a aposentadoria do Ministro RHC 79785 rel Min Sepúlveda Pertence j 2932000 Plenário DJ de 22112002 grifo nosso Assim sendo até a edição da Emenda Constitucional n 452004 havia intenso debate doutrinário sobre a posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos especialmente em virtude do disposto no art 5º 2º da Constituição Tal caos sobre a hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos pode ser resumido em quatro posições de maior repercussão i natureza supraconstitucional em face de sua origem internacional ii natureza constitucional forte apoio doutrinário iii natureza equiparada à lei ordinária federal majoritária no STF de 1988 a 2008 iv natureza supralegal acima da lei e inferior à Constituição voto solitário do Min Sepúlveda Pertence no RHC 79785RJ Apesar da diversidade de posições o posicionamento do STF até 2008 foi o seguinte o tratado de direitos humanos possuía hierarquia equivalente à lei ordinária federal como todos os demais tratados incorporados 332 As diferentes visões doutrinárias sobre o impacto do rito especial do art 5º 3º na hierarquia dos tratados de direitos humanos Em face desse caos e da resistência do Supremo Tribunal Federal em reconhecer a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos o movimento de direitos humanos buscou convencer o Congresso a aprovar emenda constitucional contendo tal reconhecimento Foi então aprovada a Emenda Constitucional n 452004 que introduziu o 3º no art 5º da CF88 com a seguinte redação Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais A redação final aprovada do dispositivo foi recebida contudo com pouco entusiasmo pelos defensores de direitos humanos pelos seguintes motivos 1 condicionou a hierarquia constitucional ao rito idêntico ao das emendas constitucionais aumentando o quórum da aprovação congressual futura e estabelecendo dois turnos tornandoa mais dificultosa 2 sugeriu ao usar a expressão que forem a existência de dois tipos de tratados de direitos humanos no pósEmenda os aprovados pelo rito equivalente ao da emenda constitucional e os aprovados pelo rito comum maioria simples 3 nada mencionou quanto aos tratados anteriores à Emenda Cançado Trindade em contundente voto em separado no Caso Damião Ximenes da Corte Interamericana de Direitos Humanos criticou duramente o citado parágrafo mal concebido mal redigido e mal formulado representa um lamentável retrocesso em relação ao modelo aberto consagrado pelo parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 Para sintetizar Cançado Trindade o denomina aberração jurídica parágrafos 30 e 31 do citado Voto em Separado Após a Emenda Constitucional houve quem defendesse sua inconstitucionalidade nesse ponto por ter piorado a hierarquia dos tratados de direitos humanos e assim violado cláusula pétrea art 60 4º referente à proibição de emenda que tenda a abolir direitos e garantias individuais Essa visão era baseada na crença da existência anterior do estatuto constitucional dos tratados internacionais de direitos fundado na interpretação do alcance do art 5º 2º não aceita pelo STF Essa visão também não foi aceita pelo próprio STF que em mais de uma ocasião fez referência ao art 5º 3º sem qualquer alegação de inconstitucionalidade Por outro lado parte da doutrina entendeu que a batalha pela natureza constitucional de todos os tratados internacionais fora perdida somente alguns seriam equivalentes à emenda constitucional a saber os que fossem aprovados pelo rito especial recémcriado Nessa linha José Afonso da Silva defendeu que após a Emenda n 45 existiriam dois tipos de tratados de direitos humanos os aprovados pelo rito especial do art 5º 3º e os que não aprovados quer por serem anteriores à EC 452004 ou se posteriores terem sido aprovados pelo rito simples Os últimos teriam estatuto equivalente à lei ordinária federal e somente os primeiros teriam estatura constitucional 308 Por sua vez houve aqueles que sustentaram que o estatuto constitucional se estenderia ao menos aos tratados de direitos humanos aprovados anteriormente graças ao instituto da recepção formal aceito pelo constitucionalismo brasileiro tal qual leis ordinárias preexistentes que foram consideradas leis complementares em face do novo posicionamento hierárquico da matéria pela nascente ordem constitucional Essa posição restou fragilizada em face novamente da redação do art 5º 3º que aceita a possibilidade de tratados no pós Emenda serem aprovados pelo rito simples Assim como os tratados anteriores seriam recepcionados com qual hierarquia se a EC 452004 usou a expressão que forem no 3º do art 5º abrindo uma alternativa ao Congresso Nacional para aprovar os tratados pelo rito simples Entre esses dois polos antagônicos floresceu visão doutrinária defendida entre outros por Piovesan 309 que fez interessante compatibilização entre a visão minoritária de outrora estatuto constitucional dos tratados de direitos humanos com a redação peculiar do rito especial do 3º e sua expressão que forem Nem o 3º do artigo seria inconstitucional nem os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito simples seriam equivalentes à lei ordinária federal Nessa linha conciliatória todos os tratados de direitos humanos incorporados antes ou depois da EC 45 teriam estatuto constitucional com base no art 5º 2º Na acepção de Piovesan todos seriam materialmente constitucionais Porém os tratados aprovados sob a forma do rito do art 5º 3º seriam material e formalmente constitucionais Ter sido aprovado pelo rito especial do art 5º 3º e ser consequentemente material e formalmente constitucional acarretaria duas consequências adicionais aos tratados de direitos humanos 1 a impossibilidade de denúncia pois tais tratados seriam material e formalmente constitucionais e 2 a inclusão no rol de cláusulas pétreas uma vez que não poderiam mais ser denunciados e excluídos do nosso ordenamento Assim teríamos tão somente a petrificação dos tratados de direitos humanos que fossem aprovados de acordo com o rito especial visto que não seriam sujeitos à denúncia ato unilateral pelo qual o Estado brasileiro manifesta sua vontade de não se engajar perante determinado tratado O STF contudo adotou outro entendimento consagrando a teoria do duplo estatuto como veremos abaixo QUADRO SINÓTICO A hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos e a EC 452004 Debate doutrinário e posição do STF sobre a hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos antes da EC 452004 Mesmo após a Constituição de 1988 prevalecia no plano judicial o posicionamento do STF o tratado de direitos humanos possuía hierarquia equivalente à lei ordinária federal como todos os demais tratados incorporados Entretanto até a edição da EC 452004 houve intenso debate doutrinário sobre a posição hierárquica dos tratados internacionais As posições de maior repercussão eram as seguintes a natureza supraconstitucional em face de sua origem internacional b natureza constitucional c natureza equiparada à lei ordinária federal STF da época d natureza supralegal acima da lei e inferior à Constituição voto do Min Sepúlveda Pertence Diferentes visões doutrinárias após a EC 452004 que introduziu o 3º no art 5º da CF88 Art 5º 3º da CF88 Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais A redação final aprovada do dispositivo gerou ainda diversos debates com os seguintes posicionamentos a inconstitucionalidade do novo parágrafo por ter piorado a hierarquia dos tratados de direitos humanos e assim violado cláusula pétrea b somente alguns tratados internacionais seriam equivalentes à emenda constitucional a saber os que fossem aprovados pelo rito especial recémcriado c o estatuto constitucional se estenderia ao menos aos tratados de direitos humanos aprovados anteriormente graças ao instituto da recepção formal d todos os tratados de direitos humanos incorporados antes ou depois da EC 45 teriam estatuto constitucional com base no art 5º 2º pois todos seriam materialmente constitucionais Piovesan as consequências do rito especial seriam apenas duas 1 a impossibilidade de denúncia pois tais tratados seriam material e formalmente constitucionais e 2 a inclusão no rol de cláusulas pétreas uma vez que não poderiam mais ser denunciados e excluídos do nosso ordenamento 34 A TEORIA DO DUPLO ESTATUTO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NATUREZA CONSTITUCIONAL OS APROVADOS PELO RITO DO ART 5º 3º E NATUREZA SUPRALEGAL TODOS OS DEMAIS O art 5º 3º da CF88 motivou revisão do posicionamento do STF sobre a hierarquia dos tratados de direitos humanos no Brasil No julgamento do RE 466343 simbolicamente também referente à prisão civil do depositário infiel a maioria de votos dos Ministros sustentou novo patamar normativo para os tratados internacionais de direitos humanos inspirada pelo 3º do art 5º da CF88 introduzido pela EC 452004 A nova posição prevalecente no STF foi capitaneada pelo Min Gilmar Mendes que retomando a visão pioneira de Sepúlveda Pertence em seu voto no HC 79785RJ sustentou que os tratados internacionais de direitos humanos que não forem aprovados pelo Congresso Nacional pelo rito especial do art 5º 3º da CF88 têm natureza supralegal abaixo da Constituição mas acima de toda e qualquer lei O voto do Min Gilmar Mendes é esclarecedor Desde a adesão do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos art 11 e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica art 7º 7 ambos no ano de 1992 não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico estando abaixo da Constituição porém acima da legislação interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão Assim ocorreu com o art 1287 do CC de 1916 e com o DecretoLei 9111969 assim como em relação ao art 652 do novo CC RE 466343 rel Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes j 3122008 Plenário DJe de 562009 com repercussão geral 310 grifo nosso Já os tratados aprovados pelo Congresso pelo rito especial do 3º ao art 5º votação em dois turnos nas duas Casas do Congresso com maioria de três quintos terão estatuto constitucional Em 2009 a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça adotou o mesmo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE n 466343SP no sentido de que os tratados de direitos humanos ratificados e incorporados internamente têm força supralegal o que resulta em que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é considerada inválida STJ REsp 914253SP Rel Ministro Luiz Fux Corte Especial j 2122009 DJe 422010 Ficou consagrada a teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos natureza constitucional para os aprovados pelo rito do art 5º 3º natureza supralegal para todos os demais quer sejam anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional n 45 e que tenham sido aprovados pelo rito comum maioria simples turno único em cada Casa do Congresso Em resumo com a consagração da teoria do duplo estatuto temos que i as leis inclusive as leis complementares e atos normativos são válidos se forem compatíveis simultaneamente com a Constituição e com os tratados internacionais de direitos humanos incorporados ii cabe ao Poder Judiciário realizar o chamado controle de convencionalidade nacional das leis utilizando os tratados de direitos humanos como parâmetro supralegal ou mesmo equivalente à emenda constitucional iii os tratados incorporados pelo rito especial previsto no art 5º 3º da CF88 passam a integrar o bloco de constitucionalidade restrito como veremos abaixo podendo servir de parâmetro para avaliar a constitucionalidade de uma norma infraconstitucional qualquer QUADRO SINÓTICO A teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos natureza constitucional os aprovados pelo rito do art 5º 3º e natureza supralegal todos os demais A introdução do 3º ao art 5º da CF88 motivou recente revisão do posicionamento do STF Leading case RE 466343 referente à prisão civil do depositário infiel a maioria de votos dos Ministros sustentou novo patamar normativo natureza supralegal para os tratados internacionais de direitos humanos Ficou consagrada a teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos a natureza constitucional para os aprovados pelo rito do art 5º 3º b natureza supralegal para todos os demais quer sejam anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional n 45 e que tenham sido aprovados pelo rito comum maioria simples turno único em cada Casa do Congresso Como consequência temse que a as leis inclusive as leis complementares e atos normativos são válidos se forem compatíveis simultaneamente com a Constituição e com os tratados internacionais de direitos humanos incorporados b os tratados de direitos humanos incorporados pelo rito simples não têm estatuto constitucional logo não cabe ao Supremo Tribunal Federal analisar no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade a compatibilidade entre leis ou atos normativos e tratado internacional de direitos humanos c cabe ao STF realizar o chamado controle de convencionalidade nacional das leis em relação aos tratados tidos como supralegais e também em relação aos tratados incorporados pelo rito especial previsto no art 5º 3º da CF88 que passam a integrar o bloco de constitucionalidade restrito 35 O IMPACTO DO ART 5º 3º NO PROCESSO DE FORMAÇÃO E INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS 351 O rito especial do art 5º 3º é facultativo os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum depois da EC 452004 A consagração da teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos não eliminou todas as dúvidas sobre o processo de formação e incorporação dos tratados de direitos humanos Vamos responder abaixo as principais perguntas sobre essa temática Em primeiro lugar o rito especial do art 5º 3º é obrigatório e deve ser sempre seguido pelo Poder Executivo e Poder Legislativo cuja tradicional junção de vontades acarreta a incorporação de um tratado ao ordenamento brasileiro A resposta é negativa A redação do 3º inicialmente abre a porta para a existência da possibilidade de os tratados serem aprovados pelo rito comum ou ordinário maioria simples pois o art 5º 3º usa a expressão que forem Logo não se pode exigir que todo e qualquer tratado de direitos humanos possua o quórum expressivo de 35 previsto no art 5º 3º pois assim dificultaríamos sua aprovação e teríamos uma situação pior que a anterior à EC 45 O Congresso brasileiro adotou esse posicionamento ao aprovar vários tratados de direitos humanos após a EC 452004 pelo rito comum ou ordinário ou seja por maioria simples e em votação em turno único Seguem abaixo alguns tratados de direitos humanos aprovados no Brasil pelo rito simples mesmo após a EC 452004 1 Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes adotado em 18 de dezembro de 2002 Decreto Legislativo n 483 de 20122006 e Decreto n 6085 de 1942007 2 Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e a Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul assinado em Assunção em 20 de junho de 2005 Decreto Legislativo n 592 de 2782009 e Decreto n 7225 de 1º72010 3 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais assinada em Paris em 20 de outubro de 2005 Decreto Legislativo n 485 de 20122006 e Decreto n 6177 de 1º82007 4 Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial adotada em Paris em 17 de outubro de 2003 e assinada em 3 de novembro de 2003 Decreto Legislativo n 22 de 1º22006 e Decreto n 5753 de 1242006 5 Segundo Protocolo relativo à Convenção da Haia de 1954 para a Proteção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado celebrado na Haia em 26 de março de 1999 Decreto Legislativo n 782 de 872005 e Decreto n 5760 de 2442006 6 A Convenção da Haia sobre o Acesso Internacional à Justiça Decreto Legislativo n 65810 de 1º92010 e ratificada em 20112011 352 O rito especial pode ser requerido pelo Presidente ou pelo Congresso Uma segunda dúvida diz também respeito ao rito especial este deve ser pedido pelo Presidente ou o Congresso pode adotálo independentemente da vontade presidencial Entendo que o rito especial pode ser pedido pelo Presidente da República em sua mensagem de encaminhamento do texto do tratado ao Congresso ou ainda pode ser o rito especial adotado pelo próprio Congresso sponte sua Nem se diga que a vontade presidencial de adoção do rito simples vincularia o Congresso É que nesse caso o Presidente é apenas o senhor da oportunidade de envio da mensagem mas a adoção do rito especial é tema que envolve matéria eminentemente congressual de acordo com o art 49 I Logo cabe ao Congresso decidir sobre o quórum de aprovação e os dois turnos de votação O Congresso pode ser provocado mas pode também adotar o rito ex officio pois não podemos concluir que esse tema dependa da iniciativa privativa do Presidente sem que a Constituição tenha expressamente assim disposto A iniciativa do Presidente é concorrente referente tão somente ao papel de provocar a manifestação do Congresso sobre o rito especial este pode inclusive rejeitar o pedido inserido na mensagem presidencial e aprovar o tratado de acordo com o rito simples por exemplo caso seja politicamente impossível aproválo pelo quórum qualificado 353 O decreto de promulgação continua a ser exigido no rito especial A terceira dúvida diz respeito às alterações do rito geral de incorporação de um tratado internacional de direitos humanos ao ordenamento interno inspirado também na redação do art 5º 3º As alterações são duas 1 a alteração do quórum de aprovação do Projeto de Decreto Legislativo que agora passa a necessitar de aprovação de 35 dos membros de cada Casa 308 deputados na Câmara dos Deputados e 49 Senadores no Senado Federal devem votar a favor 2 deve existir votação em dois turnos em cada Casa com interstício de 10 sessões ordinárias tal como ocorre no rito da PEC Proposta de Emenda Constitucional Será que o rito especial do art 5º 3º não levaria à dispensa da ratificação e do Decreto de Promulgação usando como analogia o rito da emenda constitucional que dispensa a chamada fase da deliberação executiva sanção ou veto presidencial A resposta é negativa O uso analógico do rito da emenda constitucional não pode servir para transformar a aprovação do futuro tratado em uma PEC Proposta de Emenda Constitucional O rito especial do art 5º 3º considera que o tratado de direitos humanos deve ser considerado equivalente à emenda constitucional sua natureza de tratado internacional não é afetada Assim resta ainda ao Presidente da República ratificar o tratado de direitos humanos pois esse ato internacional é que em geral leva à celebração definitiva dos tratados Como até hoje o STF ainda exige o Decreto de Promulgação vide crítica acima este deve ser editado para todo e qualquer tratado inclusive os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito especial do art 5º 3º Aliás a praxe republicana brasileira de exigência do Decreto de Promulgação é resistente o primeiro tratado internacional de direitos humanos a ser aprovado pelo rito do art 5º 3º a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi promulgado pelo Decreto Presidencial n 6949 de 25 de agosto de 2009 QUADRO SINÓTICO O impacto do art 5º 3º no processo de formação e incorporação dos tratados de direitos humanos 1 O rito especial do art 5º 3º é facultativo não se pode exigir que todo e qualquer tratado de direitos humanos possua o quórum expressivo de 35 previsto no art 5º 3º pois assim dificultaríamos sua aprovação e teríamos uma situação pior que a anterior à EC 45 2 O rito especial pode ser requerido pelo Presidente da República em sua mensagem de encaminhamento do texto do tratado ao Congresso ou pelo próprio Congresso A vontade presidencial de adoção do rito simples não vincula o Congresso já que a adoção do rito especial é tema que envolve matéria eminentemente congressual cabendo ao Congresso decidir sobre o quórum de aprovação e os dois turnos de votação De outro lado o Congresso pode também rejeitar o pedido inserido na mensagem presidencial e aprovar o tratado de acordo com o rito simples 3 Há duas alterações no rito geral de incorporação de um tratado internacional de direitos humanos ao ordenamento interno a alteração do quórum de aprovação do Projeto de Decreto Legislativo que agora passa a necessitar de aprovação de 35 dos membros de cada Casa b deve existir votação em dois turnos em cada Casa com interstício de 10 sessões ordinárias tal como ocorre no rito da PEC Proposta de Emenda Constitucional O Decreto de Promulgação entretanto continua a ser exigido no rito especial O uso analógico do rito da emenda constitucional não pode servir para transformar a aprovação do futuro tratado em uma PEC Observação a existência do Decreto de Promulgação pode ser questionada em relação a todos os tratados e não somente em relação aos tratados de direitos humanos com base na ausência de dispositivo constitucional que faça menção ao decreto presidencial de incorporação dos tratados posição minoritária 4 A denúncia de tratado internacional de direitos humanos em face do direito brasileiro A tese defendida por parte da doutrina sobre o estatuto constitucional de todos os tratados de direitos humanos mesmo após a EC 452004 repercute na temática da denúncia dos tratados ato unilateral pelo qual o Estado expressa sua vontade de não mais se obrigar perante o tratado Na linha defendida por Piovesan há duas categorias de tratados de direitos humanos ambas de estatura constitucional 1 o tratado materialmente constitucional que é aquele aprovado pelo rito comum dos tratados 2 o tratado material e formalmente constitucional que é aquele aprovado pelo rito especial do art 5º 3º Este último seria insuscetível de denúncia e ainda seria parte integrante do núcleo pétreo da Constituição Em que pese essa posição ser minoritária no STF que adotou desde 2008 a teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos entendemos ser inegável o estatuto constitucional de todos os tratados internacionais de direitos humanos em face do disposto especialmente no art 1º caput e inciso III estabelecimento do Estado Democrático de Direito e ainda consagração da dignidade humana como fundamento da República bem como em face do art 5º 2º Até o momento não há posicionamento definitivo do STF sobre a denúncia de tratados de direitos humanos Até que exista esse posicionamento a posição prevalecente é que bastaria a vontade unilateral do Poder Executivo ou ainda uma lei do Poder Legislativo ordenando ao Executivo que denunciasse o tratado no plano internacional Tudo isso sem motivação uma vez que ingressaria na área da política internacional Entendemos que essa posição prevalecente é inaplicável aos tratados de direitos humanos uma vez que há a proibição do retrocesso tal qual foi discutida neste livro O rito da denúncia de tratados encontrase ainda sob apreciação do STF na ADI 1625 proposta em 1997 na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura Contag questiona o Decreto n 210096 pelo qual o Presidente da República da época Fernando Henrique Cardoso promulgou internamente a denúncia ato internacional que já havia sido realizado à Convenção n 158 da Organização Internacional do Trabalho OIT que trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador e veda a dispensa injustificada Já há votos Min Joaquim Barbosa Min Teori Zavascki Min Rosa Webber Min Maurício Correa já falecido favoráveis à tese de que o Presidente da República deve contar com o aval prévio do Congresso antes da oferta da denúncia Assim há a tendência da superação da visão tradicional referente ao poder arbitrário do Presidente da República para denunciar tratados devendo ser obtida previamente a anuência do Congresso Nacional Caso o STF confirme esse entendimento deve ser observado ainda no caso dos tratados de direitos humanos aprovados pelo rito especial do art 5º 3º o quórum qualificado de 35 para aceitação da denúncia Além disso em qualquer hipótese a denúncia de um tratado de direitos humanos submete se ao crivo da proibição do retrocesso ou seja deve existir motivo para a denúncia que não acarrete diminuição de direitos e ainda cabe controle judicial para verificação da constitucionalidade da denúncia Em 2019 a ProcuradoriaGeral da República peticionou nos autos da ADI 1625 solicitando urgência na sua apreciação final manifestandose usando citação de passagem doutrinária do Autor deste Curso a favor da i aprovação congressual da denúncia com quórum qualificado respeitada ii a proibição do retrocesso existência de motivo para que a denúncia não acarrete a diminuição de direitos usufruídos e com iii controle judicial para a verificação da constitucionalidade da denúncia QUADRO SINÓTICO A denúncia de tratado internacional de direitos humanos em face do direito brasileiro Entendese que no caso dos tratados de direitos humanos em face da matéria vinculada à dignidade humana toda denúncia deveria ser apreciada pelo Congresso Nacional Além dessa aprovação congressual com quórum qualificado no caso dos tratados aprovados pelo rito especial do art 5º 3º a denúncia ainda deve passar pelo crivo da proibição do retrocesso ou efeito cliquet consequência do regime jurídico dos direitos fundamentais A justificativa constitucionalmente adequada para a denúncia seria a ocorrência de desvios na condução dos tratados o que conspiraria contra a defesa dos direitos humanos O controle do respeito ao efeito cliquet deve ser feito pelo Poder Judiciário A posição prevalecente sobre a denúncia de tratados de direitos humanos entretanto é que basta a vontade unilateral do Poder Executivo ou ainda uma lei do Poder Legislativo ordenando ao Executivo que denunciasse o tratado no plano internacional O tema da exigência da aprovação prévia do Congresso Nacional para a denúncia de um tratado ainda está em aberto no STF ADI 1625 de 1997 ainda em trâmite no STF em setembro de 2019 5 A aplicabilidade imediata das normas contidas em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil O art 5º 1º da Constituição determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata Essa aplicação imediata deve ser estendida aos direitos previstos nos tratados de direitos humanos como fruto lógico da aplicação desse 1º combinado com o 2º do art 5º já exposto Esses direitos são tendencialmente completos 311 ou seja aptos a serem invocados desde logo pelo jurisdicionado Essa posição foi aceita pelo STF em caso de aplicação de direitos ao extraditando o STF decidiu que direitos e garantias fundamentais devem ter eficácia imediata cf art 5º 1º a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos deve obrigar o Estado a guardarlhes estrita observância Extr 986 rel Min Eros Grau j 1582007 Plenário DJ de 510 2007 grifo nosso QUADRO SINÓTICO A aplicabilidade imediata das normas contidas em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil O art 5º 1º da Constituição determina a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais a qual deve ser estendida aos direitos previstos nos tratados de direitos humanos considerandose o disposto no 2º do art 5º Esses direitos são tendencialmente completos ou seja aptos a serem invocados desde logo pelo jurisdicionado Essa posição foi aceita pelo STF 6 O bloco de constitucionalidade 61 O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE AMPLO O bloco de constitucionalidade consiste no reconhecimento da existência de outros diplomas normativos de hierarquia constitucional além da própria Constituição No Direito Comparado o marco do reconhecimento da existência do bloco de constitucionalidade foi a decisão n 7144 DC de 1671971 do Conselho Constitucional francês relativa à liberdade de associação que consagrou o valor constitucional do preâmbulo da Constituição francesa de 1958 que por sua vez faz remissão ao preâmbulo da Constituição de 1946 e à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 Em 2005 houve alteração do preâmbulo da Constituição francesa e foi agregada remissão à Carta do Meio Ambiente Charte de lenvironment todos agora fazendo parte do bloco de constitucionalidade No Supremo Tribunal Federal em 2002 o Min Celso de Mello constatou a existência do debate sobre o bloco de constitucionalidade que influencia a atuação do STF uma vez que os dispositivos normativos pertencentes ao bloco poderiam ser utilizados como paradigma de confronto das leis e atos normativos infraconstitucionais no âmbito do controle de constitucionalidade 312 No texto constitucional o art 5º 2º permite ao dispor sobre os direitos decorrentes do regime princípios e tratados de direitos humanos o reconhecimento de um bloco de constitucionalidade amplo que alberga os direitos previstos nos tratados internacionais de direitos humanos Contudo até a edição da EC 452004 o estatuto desses tratados na visão do STF era equivalente à mera lei ordinária como visto acima Assim no máximo a doutrina e jurisprudência majoritárias reconheciam o valor constitucional apenas às normas expressas ou implícitas previstas na Constituição devendo até mesmo ser levados em consideração os valores mencionados no preâmbulo 313 Com a introdução do art 5º 3º o STF modificou sua posição mas ainda situou os tratados aprovados sem o rito especial do citado parágrafo no patamar da supralegalidade Restam então os tratados aprovados pelo rito especial do art 5º 3º como parte integrante de um bloco de constitucionalidade restrito 62 O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE RESTRITO Em que pese nossa posição de ter a redação originária da Constituição de 1988 adotado o conceito de um bloco de constitucionalidade amplo ao dotar os tratados de direitos humanos de estatuto equivalente à norma constitucional de acordo com o art 5º 2º essa posição é minoritária até o momento Assim resta a aceitação plena ao que tudo indica de um bloco de constitucionalidade restrito que só abarca os tratados aprovados pelo rito especial do art 5º 3º introduzido pela Emenda Constitucional n 452004 Logo todos os demais artigos da Constituição que tratam do princípio da supremacia da norma constitucional como por exemplo os referentes ao controle difuso e concentrado de constitucionalidade arts 102 e 103 devem agora ser lidos como sendo componentes do mecanismo de preservação da supremacia do bloco de constitucionalidade como um todo e não somente da Constituição A filtragem constitucional do ordenamento ou seja a exigência de coerência de todo o ordenamento aos valores da Constituição passa a contar também com o filtro internacionalista oriundo dos valores existentes nesses tratados aprovados pelo rito especial Consequentemente as normas paramétricas de confronto no controle de constitucionalidade devem levar em consideração não só a Constituição mas também os tratados celebrados pelo rito especial Portanto cabe acionar o controle abstrato e difuso de constitucionalidade em todas as suas modalidades para fazer valer as normas previstas nesses tratados Os dois primeiros tratados que foram aprovados de acordo com esse rito foram a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo assinados em Nova Iorque em 30 de março de 2007 Além de robusto rol de direitos previsto na Convenção houve a submissão brasileira ao sistema de petição das vítimas de violação de direitos previstos ao Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de acordo com o Protocolo Facultativo O rito especial foi seguido em sua inteireza O Presidente na mensagem presidencial de encaminhamento do texto do futuro tratado solicitou o rito especial O Decreto Legislativo n 186 foi aprovado por maioria de 35 e em dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional e publicado em 10 de junho de 2008 O Brasil depositou o instrumento de ratificação dos dois tratados a Convenção e seu Protocolo Facultativo junto ao SecretárioGeral das Nações Unidas em 1º de agosto de 2008 e estes entraram em vigor para o Brasil no plano internacional em 31 de agosto de 2008 O Decreto Presidencial n 6949 promulgou os textos dos dois tratados no âmbito interno tendo sido editado em 25 de agosto de 2009 quase um ano após a validade internacional dos referidos tratados para o Brasil Em 2015 foi aprovado no Congresso Nacional o Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas com Deficiência Visual ou com outras Dificuldades para ter Acesso ao Texto Impresso concluído no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual OMPI celebrado em Marraqueche em 28 de junho de 2013 que passou a ser o terceiro tratado de direitos humanos sob o rito do art 5º 3º da CF88 No caso do Tratado de Marraqueche a adoção do rito especial foi recomendada pela Exposição de Motivos conjunta ministerial EMI n 000042014 MRE SDH MinC Ministério das Relações Exteriores Turismo e Secretaria de Direitos Humanos então com status ministerial uma vez que o tratado em questão tem como objetivo favorecer a plena realização dos direitos das pessoas com deficiência em consonância com as normativas internacionais de direitos humanos vide em capítulo próprio a análise do Tratado de Marraqueche bem como as críticas de parte da sociedade civil organizada e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal Na mensagem presidencial n 344 de 3 de novembro de 2014 não é feito nenhum pedido referente ao rito especial mas é encaminhada a exposição de motivos conjunta O Congresso Nacional adotou o rito especial do art 5º 3º redundando na aprovação do Decreto Legislativo n 261 de 25 de novembro de 2015 Esse estatuto comum aos três tratados referentes aos direitos das pessoas com deficiência dá coerência à temática a partir da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência o Protocolo Facultativo trata do direito de petição das vítimas de violação de direitos previstos na Convenção e o Tratado de Marraqueche cumpre o disposto no art 303 da Convenção Os Estados Partes deverão tomar todas as providências em conformidade com o direito internacional para assegurar que a legislação de proteção dos direitos de propriedade intelectual não constitua barreira excessiva ou discriminatória ao acesso de pessoas com deficiência a bens culturais Os três tratados interligados constituemse então no arco internacional de inclusão da pessoa com deficiência no Brasil sendo coerente que tenham o mesmo estatuto normativo equivalente à emenda constitucional QUADRO SINÓTICO O bloco de constitucionalidade O bloco de constitucionalidade amplo Bloco de constitucionalidade consiste no reconhecimento da existência de outros diplomas normativos de hierarquia constitucional além da própria Constituição Marco do reconhecimento da existência do bloco de constitucionalidade Decisão n 7144 DC de 1671971 do Conselho Constitucional francês relativa à liberdade de associação Art 5º 2º da CF88 permite ao dispor sobre os direitos decorrentes do regime princípios e tratados de direitos humanos o reconhecimento de um bloco de constitucionalidade amplo que alberga os direitos previstos nos tratados internacionais de direitos humanos Com o posicionamento do STF sobre a hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos patamar de supralegalidade restam apenas os tratados aprovados pelo rito especial do art 5º 3º como parte integrante de um bloco de constitucionalidade restrito O bloco de constitucionalidade restrito Não obstante o disposto no art 5º 2º da Constituição permitir entender que se adotou o conceito de um bloco de constitucionalidade amplo essa é uma posição minoritária O bloco de constitucionalidade restrito só abarca os tratados aprovados pelo rito especial do art 5º 3º introduzido pelo Emenda Constitucional n 452004 Consequência do reconhecimento do bloco de constitucionalidade estrito todos os dispositivos que dizem respeito ao princípio da supremacia da norma constitucional como aqueles relativos ao controle de constitucionalidade devem ser lidos como componentes do mecanismo de preservação da supremacia do bloco de constitucionalidade como um todo 7 O controle de convencionalidade e suas espécies o controle de matriz internacional e o controle de matriz nacional O controle de convencionalidade consiste na análise da compatibilidade dos atos internos comissivos ou omissivos em face das normas internacionais tratados costumes internacionais princípios gerais de direito atos unilaterais resoluções vinculantes de organizações internacionais Esse controle pode ter efeito negativo ou positivo o efeito negativo consiste na invalidação das normas e decisões nacionais contrárias às normas internacionais resultando no chamado controle destrutivo ou saneador de convencionalidade o efeito positivo consiste na interpretação adequada das normas nacionais para que estas sejam conformes às normas internacionais efeito positivo do controle de convencionalidade resultando em um controle construtivo de convencionalidade 314 Há duas subcategorias i o controle de convencionalidade de matriz internacional também denominado controle de convencionalidade autêntico ou definitivo e o ii controle de convencionalidade de matriz nacional também denominado provisório ou preliminar O controle de convencionalidade de matriz internacional é em geral atribuído a órgãos internacionais compostos por julgadores independentes criados por tratados internacionais para evitar que os próprios Estados sejam ao mesmo tempo fiscais e fiscalizados criando a indesejável figura do judex in causa sua Na seara dos direitos humanos exercitam o controle de convencionalidade internacional os tribunais internacionais de direitos humanos Corte Europeia Interamericana e Africana os comitês onusianos entre outros Cabe mencionar também o controle de convencionalidade internacional compulsório que consiste na adoção pelo Estado das decisões internacionais exaradas em processos internacionais de direitos humanos dos quais foi réu Nessa hipótese o Estado é obrigado a cumprir a interpretação internacionalista dada pelo órgão internacional prolator de decisão A Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gelman vs Uruguai decidiu que quando existe uma sentença internacional ditada com caráter de coisa julgada a respeito de um Estado que tenha sido parte no caso submetido à jurisdição da Corte Interamericana todos seus órgãos incluídos os juízes e órgãos vinculados à administração de justiça também estão submetidos ao tratado e à sentença deste Tribunal o qual lhes obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção e consequentemente das decisões da Corte Interamericana não se vejam amesquinhadas pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade ou por decisões judiciais ou administrativas Caso Gelman supervisão de cumprimento de sentença 20 de março de 2013 parágrafo 68 Há ainda o controle de convencionalidade de matriz nacional que vem a ser o exame de compatibilidade do ordenamento interno diante das normas internacionais incorporadas realizado pelos próprios juízes internos Esse controle nacional foi consagrado na França em 1975 decisão sobre a lei de interrupção voluntária da gravidez quando o Conselho Constitucional tendo em vista o art 55 da Constituição francesa sobre o estatuto supralegal dos tratados decidiu que não lhe cabia a análise da compatibilidade de lei com tratado internacional Essa missão deve ser efetuada pelos juízos ordinários sob o controle da Corte de Cassação e do Conselho de Estado Além dos juízes é possível que o controle de convencionalidade nacional seja feito pelas autoridades administrativas membros do Ministério Público e Defensoria Pública no exercício de suas atribuições e haja inclusive o controle preventivo de convencionalidade na análise de projetos de lei no Poder Legislativo Consagrase o controle de convencionalidade de matriz nacional não jurisdicional Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Gelman vs Uruguai supervisão de cumprimento de sentença decisão de 20 de março de 2013 parágrafo 69 No âmbito jurisdicional interno o controle de convencionalidade nacional na seara dos direitos humanos consiste na análise da compatibilidade entre as leis e atos normativos e os tratados internacionais de direitos humanos realizada pelos juízes e tribunais brasileiros no julgamento de casos concretos nos quais se devem deixar de aplicar os atos normativos que violem o referido tratado É óbvio que nem sempre os resultados do controle de convencionalidade internacional coincidirão com os do controle nacional Por exemplo um Tribunal interno pode afirmar que determinada norma legal brasileira é compatível com um tratado de direitos humanos em seguida um órgão internacional de direitos humanos ao analisar a mesma situação pode chegar à conclusão de que a referida lei viola o tratado Há diferenças portanto entre o controle de convencionalidade internacional e o controle de convencionalidade nacional i Quanto ao parâmetro de confronto e objeto do controle O parâmetro de confronto no controle de convencionalidade internacional é a norma internacional em geral um determinado tratado Já o objeto desse controle é toda norma interna não importando a sua hierarquia nacional Como exemplo o controle de convencionalidade internacional exercido pelos tribunais internacionais pode inclusive analisar a compatibilidade de uma norma oriunda do Poder Constituinte Originário com as normas previstas em um tratado internacional de direitos humanos No caso do controle de convencionalidade nacional os juízes e os tribunais internos não ousam submeter uma norma do Poder Constituinte Originário à análise da compatibilidade com um determinado tratado de direitos humanos O Supremo Tribunal Federal em precedente antigo sustentou que O STF não tem jurisdição para fiscalizar a validade das normas aprovadas pelo poder constituinte originário ADI 815 rel Min Moreira Alves j 2831996 Plenário DJ de 1051996 grifo meu Assim há limite de objeto do controle de convencionalidade nacional o que o restringe ii Quanto à hierarquia do tratadoparâmetro No controle de convencionalidade nacional a hierarquia do tratadoparâmetro depende do próprio Direito Nacional que estabelece o estatuto dos tratados internacionais No caso brasileiro há tratados de direitos humanos de estatura supralegal e constitucional na visão atual do Supremo Tribunal Federal como vimos acima Já no controle de convencionalidade internacional o tratado de direitos humanos é sempre a norma paramétrica superior Todo o ordenamento nacional lhe deve obediência inclusive as normas constitucionais originárias iii Quanto à interpretação A interpretação do que é compatível ou incompatível com o tratadoparâmetro não é a mesma Há tribunais internos que se socorrem de normas previstas em tratados sem sequer mencionar qual é a interpretação dada a tais dispositivos pelos órgãos internacionais levando a conclusões divergentes O controle de convencionalidade nacional pode levar a violação das normas contidas nos tratados tal qual interpretadas pelos órgãos internacionais Isso desvaloriza a própria ideia de primazia dos tratados de direitos humanos implícita na afirmação da existência de um controle de convencionalidade Em virtude de tais diferenças na recente sentença contra o Brasil no Caso Gomes Lund caso da Guerrilha do Araguaia na Corte Interamericana de Direitos Humanos o juiz ad hoc indicado pelo próprio Brasil Roberto Caldas em seu voto concordante em separado assinalou que se aos tribunais supremos ou aos constitucionais nacionais incumbe o controle de constitucionalidade e a última palavra judicial no âmbito interno dos Estados à Corte Interamericana de Direitos Humanos cabe o controle de convencionalidade e a última palavra quando o tema encerre debate sobre direitos humanos É o que decorre do reconhecimento formal da competência jurisdicional da Corte por um Estado como o fez o Brasil 315 O controle nacional é importante ainda mais se a hierarquia interna dos tratados for equivalente à norma constitucional ou quiçá supraconstitucional Devese evitar contudo a adoção de um controle de convencionalidade nacional jurisdicional ou não jurisdicional isolado que não dialoga com a interpretação internacionalista dos direitos humanos uma vez que tal conduta nega a universalidade dos direitos humanos e desrespeita o comando dos tratados celebrados pelo Brasil Assim o controle nacional deverá dialogar com a interpretação ofertada pelo controle de convencionalidade internacional para que possamos chegar à conclusão de que os tratados foram efetivamente cumpridos Defendemos então que os controles nacionais e o controle de convencionalidade internacional interajam permitindo o diálogo entre o Direito Interno e o Direito Internacional em especial quanto às interpretações fornecidas pelos órgãos internacionais cuja jurisdição o Brasil reconheceu Esse diálogo será visto logo a seguir QUADRO SINÓTICO O controle de convencionalidade e suas espécies o controle internacional e o controle nacional Controle de convencionalidade internacional Conceito consiste na análise da compatibilidade dos atos internos comissivos ou omissivos em face das normas internacionais tratados costumes internacionais princípios gerais de direito atos unilaterais resoluções vinculantes de organizações internacionais realizada por órgãos internacionais É em geral atribuído a órgãos compostos por julgadores independentes criados por tratados internacionais para evitar que os próprios Estados sejam ao mesmo tempo fiscais e fiscalizados É portanto fruto da ação do intérprete autêntico os órgãos internacionais Controle de convencionalidade nacional Conceito consiste no exame de compatibilidade do ordenamento interno diante das normas internacionais incorporadas realizado pelos próprios Tribunais internos No Brasil o controle de convencionalidade nacional na seara dos direitos humanos consiste na análise da compatibilidade entre as leis e atos normativos e os tratados internacionais de direitos humanos realizada pelos juízes e tribunais brasileiros no julgamento de casos concretos Diferenças entre controle de convencionalidade internacional e nacional 1 O parâmetro de confronto no controle de convencionalidade internacional é a norma internacional seu objeto é toda norma interna não importando a sua hierarquia nacional podendo mesmo ser oriunda do Poder Constituinte Originário No controle nacional há limite ao objeto de controle uma vez que não se analisam normas do Poder Constituinte Originário 2 No controle de convencionalidade nacional a hierarquia do tratadoparâmetro depende do próprio Direito Nacional que estabelece o estatuto dos tratados internacionais No controle de convencionalidade internacional o tratado de direitos humanos é sempre a norma paramétrica superior 3 A interpretação do que é compatível ou incompatível com o tratadoparâmetro não é a mesma e o controle nacional nem sempre resulta em preservação dos comandos das normas contidas nos tratados tal qual interpretados pelos órgãos internacionais 8 O Diálogo das Cortes e seus parâmetros Outro ponto importante da ratificação pelo Brasil dos tratados internacionais de direitos humanos é o reconhecimento da supervisão e controle internacionais sobre o cumprimento de tais normas Até o momento 2019 a situação brasileira é a seguinte 1 em 1998 o Estado brasileiro reconheceu a jurisdição obrigatória e vinculante da Corte Interamericana de Direitos Humanos órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos 2 em 2002 o Brasil aderiu ao Protocolo Facultativo à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher conferindo então poder ao seu Comitê para receber petições de vítimas de violações de direitos protegidos nesta Convenção 316 3 em 2002 o Brasil também reconheceu a competência do Comitê para a Eliminação de Toda a Forma de Discriminação Racial para receber e analisar denúncias de vítimas de violação de direitos protegidos pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial por ato internacional depositado junto ao Secretariado Geral da ONU 317 4 em 2006 o Brasil reconheceu a competência do Comitê contra a Tortura para receber e analisar petições de vítimas contra o Brasil Em 2007 o Brasil adotou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes que estabelece a competência para fins preventivos do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes do Comitê contra a Tortura 318 5 o Brasil reconheceu a competência do Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência para receber petições de vítimas de violações desses direitos 319 6 em 2009 o Brasil deu um passo adiante após o Congresso ter aprovado a adesão brasileira ao Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 320 houve sua ratificação em 25 de setembro de 2009 permitindo a propositura de petições de vítimas de violações de direitos protegidos no citado Pacto ao Comitê de Direitos Humanos 7 em 2017 o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo aos procedimentos de comunicação Assim o Brasil deu um passo importante rumo à concretização do universalismo aceitando a interpretação internacional dos direitos humanos 321 Assim temos a seguinte situação no plano nacional há juízes e tribunais que interpretam cotidianamente esses tratados de direitos humanos No plano internacional há órgãos internacionais que podem ser acionados caso a interpretação nacional desses tratados seja incompatível com o entendimento internacional Por isso foi mencionada acima a necessidade de compatibilização entre o resultado do controle de convencionalidade nacional com o decidido no controle de convencionalidade internacional Não seria razoável por exemplo que ao julgar a aplicação de determinado artigo da Convenção Americana de Direitos Humanos o STF optasse por interpretação não acolhida pela própria Corte Interamericana de Direitos Humanos abrindo a possibilidade de eventual sentença desta Corte contra o Brasil Esse Diálogo das Cortes deve ser realizado internamente para impedir violações de direitos humanos oriundas de interpretações nacionais equivocadas dos tratados Para evitar que o Diálogo das Cortes seja mera peça de retórica judicial há que se levar em consideração os seguintes parâmetros na análise de uma decisão judicial nacional para que se determine a existência de um Diálogo efetivo 1 a menção à existência de dispositivos internacionais convencionais ou extraconvencionais de direitos humanos vinculantes ao Brasil sobre o tema 2 a menção à existência de caso internacional contra o Brasil sobre o objeto da lide e as consequências disso reconhecidas pelo Tribunal 3 a menção à existência de jurisprudência anterior sobre o objeto da lide de órgãos internacionais de direitos humanos aptos a emitir decisões vinculantes ao Brasil 4 o peso dado aos dispositivos de direitos humanos e à jurisprudência internacional 322 Claro que não é possível obrigar os juízes nacionais ao Diálogo das Cortes pois isso desnaturaria a independência funcional e o Estado Democrático de Direito Assim no caso de o diálogo inexistir ou ser insuficiente deve ser aplicada a teoria do duplo controle ou crivo de direitos humanos que reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade STF e juízos nacionais e do controle de convencionalidade internacional órgãos de direitos humanos do plano internacional Os direitos humanos então no Brasil possuem uma dupla garantia o controle de constitucionalidade nacional e o controle de convencionalidade internacional Qualquer ato ou norma deve ser aprovado pelos dois controles para que sejam respeitados os direitos no Brasil como veremos a seguir QUADRO SINÓTICO O Diálogo das Cortes e seus parâmetros Reconhecimento da supervisão e controle internacionais sobre o cumprimento dos tratados internacionais de direitos humanos pelo Brasil 1 1998 reconhecimento da jurisdição obrigatória e vinculante da Corte Interamericana de Direitos Humanos 2 2002 adesão ao Protocolo Facultativo à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher conferindo poder ao seu Comitê para receber petições de vítimas de violações de direitos protegidos nesta Convenção 3 2002 reconhecimento da competência do Comitê para a Eliminação de Toda a Forma de Discriminação Racial para receber e analisar denúncias de vítimas de violação de direitos protegidos pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 4 2006 reconhecimento da competência do Comitê contra a Tortura 2007 adoção do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes que estabelece a competência para fins preventivos do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes do Comitê contra a Tortura 5 2009 reconhecimento da competência do Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência para receber petições de vítimas de violações desses direitos 6 2009 aprovação pelo Congresso e ratificação do Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos permitindo a propositura de petições de vítimas de violações de direitos protegidos no citado Pacto ao Comitê de Direitos Humanos 7 em 2017 o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo aos procedimentos de comunicação Necessidade de compatibilização entre o resultado do controle de convencionalidade nacional com o decidido no controle de convencionalidade internacional Ideia de um Diálogo das Cortes já que tanto o STF quanto os órgãos internacionais de direitos humanos cumprem a mesma missão de assegurar o respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais Teoria do duplo controle ou crivo de direitos humanos reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade nacional STF e juízos nacionais e do controle de convencionalidade internacional órgãos de direitos humanos do plano internacional 9 A crise dos tratados internacionais nacionais e a superação do conflito entre decisões sobre direitos humanos a teoria do duplo controle Caso paradigmático do beco sem saída da interpretação nacionalista dos tratados ocorreu no chamado Caso da Guerrilha do Araguaia Pela primeira vez um tema superação ou não da anistia a agentes da ditadura militar brasileira foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos No âmbito do STF foi proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil OAB uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 153 pedindo que fosse interpretado o parágrafo único do art 1º da Lei n 6683 de 1979 Lei da Anistia conforme a Constituição de 1988 de modo a declarar que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão civis ou militares contra opositores políticos durante o regime militar Por sua vez em 26 de março de 2009 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos Comissão IDH processou o Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH sediada em San José guardiã da Convenção Americana de Direitos Humanos no chamado Caso Gomes Lund e outros contra o Brasil invocando ao seu favor entre outros argumentos a copiosa jurisprudência da Corte IDH contrária às leis de anistia e favorável ao dever de investigação persecução e punição penal dos violadores bárbaros de direitos humanos A ADPF 153 foi julgada em 28 de abril de 2010 tendo o STF decidido que a Lei da Anistia alcança os agentes da ditadura militar tornando impossível a persecução criminal pelas graves violações de direitos humanos ocorridas na época dos anos de chumbo Chama a atenção que novamente ignorouse a interpretação internacional da Convenção Americana de Direitos Humanos de responsabilidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH Contudo em 24 de novembro de 2010 meses após a decisão do STF a Corte IDH condenou o Brasil no Caso Gomes Lund exigindo que fosse feita completa investigação persecução e punição criminal aos agentes da repressão política durante a ditadura militar mandando o Brasil desconsiderar então a anistia para tais indivíduos Como cumprir a decisão da Corte IDH Inicialmente parto da seguinte premissa não há conflito insolúvel entre as decisões do STF e da Corte IDH uma vez que ambos os tribunais têm a grave incumbência de proteger os direitos humanos Adoto assim a teoria do duplo controle ou crivo de direitos humanos que reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade STF e juízos nacionais e do controle de convencionalidade internacional Corte de San José e outros órgãos de direitos humanos do plano internacional Os direitos humanos então no Brasil possuem uma dupla garantia o controle de constitucionalidade e o controle de convencionalidade internacional Qualquer ato ou norma deve ser aprovado pelos dois controles para que sejam respeitados os direitos no Brasil Esse duplo controle parte da constatação de uma verdadeira separação de atuações na qual inexistiria conflito real entre as decisões porque cada Tribunal age em esferas distintas e com fundamentos diversos De um lado o STF que é o guardião da Constituição e exerce o controle de constitucionalidade Por exemplo na ADPF 153 controle abstrato de constitucionalidade a maioria dos votos decidiu que o formato amplo de anistia foi recepcionado pela nova ordem constitucional Por outro lado a Corte de San José é guardiã da Convenção Americana de Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos que possam ser conexos Exerce então o controle de convencionalidade Para a Corte IDH a Lei da Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da ditadura Com base nessa separação é possível dirimir o conflito aparente entre uma decisão do STF e da Corte de San José Assim ao mesmo tempo em que se respeita o crivo de constitucionalidade do STF deve ser incorporado o crivo de convencionalidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos Todo ato interno não importa a natureza ou origem deve obediência aos dois crivos Caso não supere um deles por violar direitos humanos deve o Estado envidar todos os esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os danos causados No caso da ADPF 153 houve o controle de constitucionalidade No caso Gomes Lund houve o controle de convencionalidade A anistia aos agentes da ditadura para subsistir deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles mas só passou com votos contrários digase por um o controle de constitucionalidade Foi destroçada no controle de convencionalidade Cabe agora aos órgãos internos Ministério Público Poderes Executivo Legislativo e Judiciário cumprirem a sentença internacional A partir da teoria do duplo controle agora deveremos exigir que todo ato interno se conforme não só ao teor da jurisprudência do STF mas também ao teor da jurisprudência interamericana cujo conteúdo deve ser estudado já nas Faculdades de Direito Só assim será possível evitar o antagonismo entre o Supremo Tribunal Federal e os órgãos internacionais de direitos humanos evitando a ruptura e estimulando a convergência em prol dos direitos humanos QUADRO SINÓTICO A crise dos tratados internacionais nacionais e a superação do conflito entre decisões sobre direitos humanos a teoria do duplo controle Há um dever primário de cada Estado de proteger os direitos humanos Consequentemente temse que a jurisdição internacional é subsidiária agindo na falha do Estado A principal característica da interpretação internacional dos direitos humanos é ser contramajoritária porque as violações que chegam ao crivo internacional não foram reparadas mesmo após o esgotamento dos recursos internos Interpretação contramajoritária concretiza o ideal universalista do Direito Internacional dos Direitos Humanos saindo do abstrato das Declarações de Direitos e tratados internacionais e chegando ao concreto da interpretação e aplicação dessas normas no cotidiano dos povos Não é suficiente ratificar e incorporar tratados de direitos humanos ou ainda defender seu estatuto normativo especial supralegal ou mesmo constitucional sem que se aceite a consequência da internacionalização dos direitos humanos o acatamento da interpretação internacional sobre esses direitos Teoria do duplo controle ou crivo de direitos humanos reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade STF e juízos nacionais e do controle de convencionalidade Corte de San José e outros órgãos de direitos humanos do plano internacional A partir dessa teoria devese exigir que todo ato interno se conforme não só ao teor da jurisprudência do STF mas também ao teor da jurisprudência interamericana Com isso evitase o antagonismo entre o STF e os órgãos internacionais de direitos humanos evitando a ruptura e estimulando a convergência em prol dos direitos humanos 10 A competência da Justiça Federal nas hipóteses de grave violação de direitos humanos 101 O INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA ORIGENS E TRÂMITE A Emenda Constitucional n 452004 introduziu um novo 5º no art 109 estabelecendo que nas hipóteses de grave violação de direitos humanos o ProcuradorGeral da República com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte poderá suscitar perante o Superior Tribunal de Justiça em qualquer fase do inquérito ou processo incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal Simultaneamente foi introduzido o novo inciso VA no art 109 que determina que compete aos juízes federais julgar as causas relativas a direitos humanos a que se refere o 5º deste artigo Ficou assim constituído o incidente de deslocamento de competência IDC com seis elementos principais a saber 1 Legitimidade exclusiva de propositura do ProcuradorGeral da República 2 Competência privativa do Superior Tribunal de Justiça para conhecer e decidir com recurso ao STF recurso extraordinário 3 Abrangência cível ou criminal dos feitos deslocados bem como de qualquer espécie de direitos humanos abarcando todas as gerações de direitos desde que se refiram a casos de graves violações de tais direitos 4 Permite o deslocamento na fase préprocessual ex inquérito policial ou inquérito civil público ou já na fase processual 5 Relacionase ao cumprimento de obrigações decorrentes de tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil 6 Fixa a competência da Justiça Federal e do Ministério Público Federal para atuar no feito deslocado 102 A MOTIVAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DO IDC E REQUISITOS PARA SEU DEFERIMENTO A motivação para a criação do IDC foi o Direito Internacional que não admite que o Estado justifique o descumprimento de determinada obrigação em nome do respeito a competências internas de entes federados O Estado Federal é uno para o Direito Internacional e passível de responsabilização mesmo quando o fato internacionalmente ilícito seja da atribuição interna de um Estadomembro da Federação 323 Esse entendimento é parte integrante do Direito dos Tratados 324 e do Direito Internacional costumeiro Com isso o IDC decorre da internacionalização dos direitos humanos e em especial do dever internacional assumido pelo Estado brasileiro de estabelecer recursos internos eficazes e de duração razoável Ficou consagrado então um instrumento que ao lado da i intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana art 34 VII b da CF88 e da ii autorização prevista na Lei n 104462002 para atuação da Polícia Federal em investigações de crime de competência estadual possibilita à União cumprir obrigações internacionais de defesa de direitos humanos Com isso na medida em que haja inércia ou dificuldades materiais aos agentes locais pode o Chefe do Ministério Público Federal o ProcuradorGeral da República requerer ao Superior Tribunal de Justiça STJ o deslocamento do feito em qualquer fase e de qualquer espécie cível ou criminal para a Justiça Federal De acordo com a Resolução n 062005 do Superior Tribunal de Justiça a competência para o julgamento do incidente será da Terceira Seção composta pelos Ministros da 5ª e 6ª Turmas do STJ O deslocamento da competência deverá ser deferido quando i ocorrer grave violação aos direitos humanos ii estiver evidenciada uma conduta das autoridades estaduais reveladora de falha proposital ou por negligência imperícia imprudência na condução de seus atos que vulnerem o direito a ser protegido ou ainda que revele demora injustificada na investigação ou prestação jurisdicional iii existir o risco de responsabilização internacional do Brasil por descumprimento de nossas obrigações internacionais de direitos humanos Assim não basta que ocorra uma grave violação de direitos humanos é necessário que a conduta da autoridade estadual revele comportamento reprovável que amesquinha as obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil 103 A PRÁTICA DO DESLOCAMENTO Deslocado o feito a Justiça Federal será definida de acordo com as demais peculiaridades do caso observandose todas as demais regras constitucionais e legais de competência salvo a que foi superada pela concessão do deslocamento Assim em caso de crime doloso contra a vida a competência do Tribunal do Júri Estadual será deslocada para o Tribunal do Júri Federal Se for caso de foro por prerrogativa de função será observado tal foro agora na esfera federal por exemplo no caso de federalização de causa originária perante o Tribunal de Justiça o competente será o Tribunal Regional Federal da região que abranger o Estado respectivo Apesar de ter sido julgado improcedente o primeiro Incidente de Deslocamento de Competência IDC requerido pela ProcuradoriaGeral da República o IDC 01 referente ao homicídio de Dorothy Stang é fonte preciosa para análise do novel instituto Em primeiro lugar o STJ conheceu o pedido e assim confirmou sua constitucionalidade Citando expressamente a Convenção Americana de Direitos Humanos decidiu o STJ que todo homicídio doloso independentemente da condição pessoal da vítima eou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano que é o direito à vida previsto no art 4º n 1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos da qual o Brasil é signatário Incidente de Deslocamento de Competência n 1PA rel Min Arnaldo Esteves Brasília 862005 publicado em 10102005 Ainda neste mesmo caso decidiuse que o deslocamento de competência exige demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil resultante da inércia negligência falta de vontade política ou de condições reais do Estadomembro por suas instituições em proceder à devida persecução penal Em 2010 o STJ concedeu a primeira federalização de grave violação de direitos humanos relacionada ao homicídio do defensor de direitos humanos Manoel Mattos assassinado em janeiro de 2009 após ter incessantemente noticiado a atuação de grupos de extermínio na fronteira de Pernambuco e Paraíba A Procuradoria Geral da República requereu ao Superior Tribunal de Justiça STJ a federalização do caso IDC tendo o STJ por maioria rel Min Laurita Vaz acatado o pleito 325 Até setembro de 2019 a ProcuradoriaGeral da República propôs 12 incidentes de deslocamento de competência nos seguintes casos 1 IDC n 1 Caso do homicídio de Dorothy Stang julgado improcedente STJ IDC 1PA rel Min Arnaldo Esteves Lima Terceira Seção j 862005 DJ de 10102005 p 217 2 IDC n 2 Caso do homicídio de Manoel Mattos julgado parcialmente procedente e deslocado o caso do homicídio de Manoel Mattos para a Justiça Federal não tendo sido deslocada a investigação sobre o grupo de extermínio STJ IDC 2DF rel Min Laurita Vaz Terceira Seção j 27102010 DJe de 22112010 3 IDC n 3 Caso da atuação de grupos de extermínio e violência policial em Goiás julgado parcialmente procedente para deslocar casos de violência policial e desaparecimento forçado STJ IDC 3GO rel Min Jorge Mussi Terceira Seção j 10122014 DJe de 222015 4 IDC n 5 Caso do homicídio do Promotor de Justiça Thiago Faria Soares julgado procedente Nesse caso a falha na conduta das autoridades estaduais foi de modo inédito a falta de entendimento entre a Polícia Civil e o Ministério Público estadual o que na visão do STJ poderia gerar uma investigação criminal precária e consequentemente a impunidade dos autores do crime STJ IDC 5PE rel Rogério Schietti Cruz Terceira Seção j 1382014 DJe de 1º92014 5 O IDC n 9 Caso Parque Bristol fruto da impunidade dos autores dos chamados crimes de maio de 2006 que foram a execução sumária com suspeita de envolvimento de policiais de diversas pessoas após rebeliões em presídios e ataques contra policiais no Estado de São Paulo em maio de 2006 6 O IDC n 10 Caso da Chacina do Cabula que é um caso de múltiplos homicídios cujos acusados policiais foram absolvidos sumariamente em 1º grau na Justiça da Bahia O deslocamento foi indeferido tendo o relator Min Reynaldo Soares da Fonseca entendido que o IDC seria medida excepcionalíssima e que os percalços do processo penal na Bahia não chegaram a comprometer as funções de apuração processamento e julgamento do caso uma vez que o próprio Tribunal de Justiça da Bahia havia dado provimento ao recurso do Ministério Público do Estado STJ IDC 10 rel Min Reynaldo Soares da Fonseca Terceira Seção j 28 112018 em trâmite em setembro de 2019 recurso da PGR 7 IDC n 14 Caso da greve dos policiais militares do Espírito Santo Tratouse de greve de policiais militares por mais de vinte dias no Estado do Espírito Santo tendo sido registradas na época 2017 mais de 210 mortes saques arrombamentos de estabelecimentos comerciais roubos etc Por maioria a Terceira Seção do STJ indeferiu o deslocamento Pelo voto da relatora Min Maria Thereza de Assis Moura inexistiu prova da inércia ou leniência das autoridades encarregadas da investigação e persecução da cúpula da polícia militar envolvida STJ IDC 14 rel Min Maria Thereza de Assis Moura j 2282018 8 IDC n 15 Tratase de pedido de deslocamento para a Justiça Federal do Estado do Ceará preferencialmente para a sede da Seção Judiciária do Ceará Fortaleza das investigações e ações penais relativas a casos a maioria era formada por homicídios praticados em contexto de atuação de grupos de extermínio com relato de participação de autoridades e agentes de segurança pública locais STJ IDC 15 rel Jorge Mussi em trâmite 9 IDC n 21 Caso da Comunidade Nova Brasília a numeração dos IDCs possui saltos por equívocos na autuação no STJ e por IDC promovido por particular parte notoriamente ilegítima Tratase de IDC ajuizado pela ProcuradoriaGeral da República em setembro de 2019 para federalizar a investigação e a persecução dos envolvidos nas chacinas ocorridas em 1994 e 1995 na comunidade Nova Brasília no Complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro Foram vinte e seis pessoas mortas e três mulheres torturadas e agredidas sexualmente durante operações policiais Após mais de vinte e cinco anos nenhum responsável foi condenado A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pela sua omissão que gera a ofensa ao direito à verdade judicial e ao direito de acesso à justiça penal por parte dos familiares das vítimas Na mesma sentença a Corte requer expressamente que a ProcuradoriaGeral da República avalie a possibilidade de propor a federalização o que foi feito em setembro de 2019 STJ IDC 21 rel Min Reynaldo Soares da Fonseca em trâmite 10 IDC n 22 Crimes de Rondônia conflitos agrários Tratase de Incidente de Deslocamento de Competência IDC ajuizado pela ProcuradoriaGeral da República para federalizar as investigações de mortes e torturas no Estado de Rondônia ocorridas desde 2012 em contexto de conflito agrário na região Houve a menção na petição inicial a vários homicídios cuja apuração é lenta ou inexistente tendo em comum serem as vítimas lideranças de movimentos em prol dos trabalhadores rurais e responsáveis por denúncias de grilagem de terras e de extração ilegal de madeira O IDC n 22 menciona o precedente do Caso Garibaldi vs Brasil da Corte IDH que aborda também a impunidade dos homicídios nos conflitos agrários brasileiros como se viu acima neste Curso mostrando a importância da federalização para combater o risco da responsabilização internacional do Brasil STJ IDC 22 rel Min Jorge Mussi em trâmite 11 IDC n 23 Violência no sistema socioeducativo do Espírito Santo A ProcuradoriaGeral da República PGR ajuizou IDC para apurar graves violações de direitos humanos na área de socioeducação no Espírito Santo visando assegurar o cumprimento das determinações do Estatuto da Criança do Adolescente ECA e do sistema nacional de atenção ao atendimento socieoducativo Sinase além de responsabilizar os autores de violações de direitos humanos realizadas contra adolescentes em conflito com a lei STJ IDC 23 rel Min Reynaldo Soares da Fonseca em trâmite 12 IDC n 24 Caso Marielle mandante A PGR ajuizou IDC para federalizar a investigação e posterior persecução criminal referente aos autores intelectuais dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes Foi mencionada expressamente a manutenção na Justiça Estadual Tribunal do Júri do processo contra os executores já identificados dos crimes STJ IDC 24 rel Min Laurita Vaz em trâmite 104 AS CRÍTICAS AO IDC Porém em que pese o posicionamento do STJ favorável ao uso do IDC nas balizas vistas acima houve a propositura de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o STF a ADI 3493 e a ADI 3486 ambas relatadas outrora pelo Min Menezes Direito e agora pelo Min Dias Toffoli e ainda em trâmite em setembro de 2019 promovidas por entidades de classe de magistrados Na visão de seus críticos a federalização das graves violações de direitos humanos gera amesquinhamento do pacto federativo em detrimento do Poder Judiciário Estadual e ainda violação do princípio do juiz natural e do devido processo legal Contudo o federalismo brasileiro não é imutável ofende as cláusulas pétreas de nossa Constituição a emenda que tenda a abolir o pacto federativo mas não emenda que apenas torne coerente o seu desenho Seria incoerente permitir a continuidade da situação anterior a Constituição de 1988 reconhecia a existência de órgãos judiciais internacionais de direitos humanos vide o art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias mas tornava missão quase impossível a defesa brasileira e a implementação das decisões destes processos internacionais Houve caso em que o Brasil nem defesa apresentou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pela dificuldade da União em obter informações dos entes federados 326 No que tange à prevenção o desenho anterior impedia uma ação preventiva que evitasse a responsabilização internacional futura do Brasil uma vez que os atos danosos eram dos entes federados Assim a EC 452004 apenas aperfeiçoou o desenho do federalismo brasileiro adaptandoo às exigências da proteção internacional de direitos humanos proteção essa desejada pela CF88 Além disso inexiste ofensas ao devido processo legal e juiz natural pelo deslocamento uma vez que o próprio texto constitucional original convive com tal instituto De fato há a previsão de deslocamento de competência na ocorrência de vício de parcialidade da magistratura é o caso do art 102 I n da CF88 que permite deslocar ao STF processo no qual juízes de determinado tribunal local sejam alegadamente suspeitos No mesmo diapasão no caso de descumprimento de obrigações internacionais de direitos humanos pelos juízos estaduais pode o STJ julgar procedente o IDC para deslocar o feito para a Justiça Federal Para Ubiratan Cazetta o referido instituto apenas distribui por critérios assumidos pelo Texto Constitucional interpretados pelo STJ a competência entre as justiças comum estadual e federal 327 Também não merece acolhida a crítica de indefinição da expressão grave violação de direitos humanos O uso do conceito indeterminado grave violação de direitos humanos está sujeito ao crivo do STJ e posteriormente ao do STF na via do recurso extraordinário Além do crivo judicial há caso semelhante adotado pelo Poder Constituinte originário que é a autorização de intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana art 34 VII b da CF não se listou quais seriam esses direitos da pessoa humana e nunca houve ameaça ao federalismo Com isso neste momento de valorização do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo STF devemos aplaudir a inovação trazida pelo Poder Constituinte Derivado que reconheceu a fragilidade normativa anteriormente existente na qual atos de entes federados eram apreciados pelas instâncias internacionais de direitos humanos sem que a União em seu papel de representante do Estado Federal pudesse ter instrumentos para implementar as decisões internacionais ou mesmo para prevenir que o Brasil fosse condenado internacionalmente O novo 5º do art 109 então está em plena sintonia com os comandos de proteção de direitos humanos da Constituição de 1988 e ainda com a visão dada ao instituto da responsabilidade internacional dos Estados Federais pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Pelo que foi acima exposto a reforma constitucional não ofendeu o federalismo antes permite o equilíbrio por meio de um instrumento processual cuja deliberação está nas mãos de tribunal de superposição o STJ e ainda assegura que o Estado Federal possua mecanismos para o correto cumprimento das obrigações internacionais contraídas QUADRO SINÓTICO A competência da Justiça Federal nas hipóteses de grave violação de direitos humanos Emenda Constitucional n 452004 Art 109 5º estabelece que nas hipóteses de grave violação de direitos humanos o Procurador Geral da República com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte poderá suscitar perante o STJ em qualquer fase do inquérito ou processo incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal Art 109 VA determina que compete aos juízes federais julgar as causas relativas a direitos humanos a que se refere o 5º deste artigo Elementos principais do IDC 1 Legitimidade exclusiva de propositura do ProcuradorGeral da República 2 Competência privativa do STJ para conhecer e decidir com recurso ao STF recurso extraordinário 3 Abrangência cível ou criminal dos feitos deslocados bem como de qualquer espécie de direitos humanos desde que se refiram a casos de graves violações de tais direitos 4 Permite o deslocamento na fase préprocessual ou já na fase processual 5 Relacionase ao cumprimento de obrigações decorrentes de tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil 6 Fixa a competência da Justiça Federal e do Ministério Público Federal para atuar no feito deslocado IDC como A jurisprudência constante dos tribunais internacionais não admite que o Estado justifique o descumprimento de determinada obrigação em nome do respeito a competências internas de entes decorrência do dever internacional do Estado de estabelecer recursos federados O Estado Federal é uno para o Direito Internacional e passível de responsabilização mesmo quando o fato internacionalmente ilícito seja da atribuição interna de um Estadomembro da Federação internos eficazes e de duração razoável para os direitos humanos IDC decorre da internacionalização dos direitos humanos e em especial do dever internacional assumido pelo Estado de estabelecer recursos internos eficazes e de duração razoável É competência da União Federal e não aos entes federados apresentar a defesa do Estado brasileiro e tomar as providências para a implementação da deliberação internacional inclusive quanto às garantias de não repetição da conduta Instrumentos brasileiros que possibilitam à União Federal fazer cumprir as obrigações internacionais de defesa de direitos humanos a intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana art 34 VII b da CF88 b autorização prevista na Lei n 104462002 para atuação da Polícia Federal em investigações de crime de competência estadual c incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal O que se debate no IDC O direito violado no caso concreto A violação da obrigação internacional assumida pelo Estado brasileiro de prestar adequadamente justiça em prazo razoável Assim além da grave violação a direitos humanos deve estar evidenciada uma conduta das autoridades estaduais reveladora de falha proposital ou por negligência imperícia imprudência na condução de seus atos que vulnerem o direito a ser protegido ou ainda que revele demora injustificada na investigação ou prestação jurisdicional gerando o risco de responsabilização internacional do Brasil por descumprimento de nossas obrigações internacionais de direitos humanos Requisitos para o deslocamento i ocorrer grave violação aos direitos humanos ii estar evidenciada uma conduta das autoridades estaduais reveladora de falha proposital ou por negligência imperícia imprudência na condução de seus atos que vulnerem o direito a ser protegido ou ainda que revelem demora injustificada na investigação ou prestação jurisdicional iii existir o risco de responsabilização internacional do Brasil por descumprimento de nossas obrigações internacionais de direitos humanos Divergências quanto à constitucionalidade da federalização Argumentos pela inconstitucionalidade da federalização das graves violações de direitos humanos ou contrários a ela a gera amesquinhamento do pacto federativo em detrimento ao Poder Judiciário Estadual b viola o princípio do juiz natural c viola o devido processo legal d indefinição da expressão grave violação de direitos humanos Argumentos pela constitucionalidade da federalização das graves violações de direitos humanos a a emenda não foi tendente a abolir o federalismo brasileiro mas tornou coerente o seu desenho adaptandoo às exigências da proteção internacional de direitos humanos b desenho anterior impedia uma ação preventiva que evitasse a responsabilização internacional futura do Brasil c não há ofensas ao juiz natural e ao devido processo legal pelo deslocamento uma vez que o próprio texto constitucional realiza a distribuição de competência entre a justiça comum estadual e federal d o uso do conceito indeterminado grave violação de direitos humanos está sujeito ao crivo do STJ e do STF além de haver também conceito aberto no texto constitucional com relação à autorização de intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana 11 A busca da implementação dos direitos humanos no Brasil 111 O IDH BRASILEIRO E A CRIAÇÃO DE UMA POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS Salta aos olhos que os direitos humanos não se concretizaram para todos os brasileiros no século XXI muitos sem direitos básicos como acesso à educação fundamental saúde de qualidade moradia segurança entre outros Há um claro descompasso entre a posição econômica do Brasil uma das maiores potências industriais e agrícolas do mundo e a qualidade de vida de sua população Digno de nota é a classificação pífia do Brasil em um dos indicadores mais respeitados sobre a existência de uma vida digna que é o Índice de Desenvolvimento Humano IDH O IDH foi desenvolvido a partir das ideias de Amartya Sen e Mahbub ul Haq o primeiro foi Prêmio Nobel de Economia de 1998 consistindo em uma medida comparativa usada para classificar os Estados de acordo com seu grau de desenvolvimento humano pautado em um agregado de dados Evitase assim usar exclusivamente o PIB per capita para se analisar a riqueza de um país pois este pode mascarar grande desigualdade interna de renda agregando dados referentes à longevidade expectativa de vida ao nascer escolaridade e renda utilizase a paridade de poder de compra para comparar a renda per capita entre diferentes moedas Apesar das críticas sobre a ausência de outros indicadores de desenvolvimento sustentável de um país o IDH é utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD tendo o Brasil obtido a 79ª posição entre os 189 Estados avaliados em 2018 o que contrasta com o quilate econômico geral do País uma das 10 maiores economias do mundo É necessária a implementação de uma política pública de promoção ativa de direitos humanos para ao menos equiparar o desenvolvimento econômico do Brasil com qualidade de vida para todos os seus habitantes A elaboração de programas nacionais de direitos humanos é o primeiro passo para a concretização de uma política pública de promoção desses direitos A orientação de elaborar programas de direitos humanos consta da Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena em 1993 que recomendou a cada Estado que fizesse um plano de ação nacional de promoção e proteção dos direitos humanos item 71 Rompiase então o paradigma antigo de que as normas de direitos humanos eram normas programáticas sujeitas à reserva do possível e ao desenvolvimento progressivo ou ainda o paradigma de tratar os direitos humanos como consequência dos projetos governamentais gerais Ao contrário buscouse criar um espaço de discussão e elaboração de uma política pública específica voltada aos direitos humanos condensando aquilo que o Estado e a sociedade civil propunhamse a realizar nessa temática Veremos abaixo os principais programas de direitos humanos que foram elaborados no Brasil desde então 112 OS PROGRAMAS NACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS 1 2 E 3 A origem dos programas nacionais de direitos humanos está na Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Viena de 1993 organizada pela Organização das Nações Unidas que instou os Estados a concatenar os esforços rumo à implementação de todas as espécies de direitos humanos Na Conferência de Viena o Brasil presidiu o Comitê de Redação pelas mãos do Embaixador Gilberto Sabóia atuando decisivamente para a aprovação final da Declaração e do Programa da Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena inclusive quanto ao dever dos Estados de adotar planos nacionais de direitos humanos No Brasil a competência administrativa de realizar políticas públicas de implementação dos direitos humanos é comum a todos os entes federados O art 23 da CF88 que trata da competência administrativa comum é prova disso com vários incisos referentes a temas de direitos humanos em especial o inciso X combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização promovendo a integração social dos setores desfavorecidos Consequentemente é possível termos programas de direitos humanos no plano federal estadual e municipal Em 13 de maio de 1996 foi editado pela Presidência da República o Decreto n 1904 que criou o Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH o terceiro do mundo depois dos programas da Austrália e das Filipinas Referido Decreto dispunha em seu art 1º sua meta de realizar um diagnóstico da situação desses direitos no País e medidas para a sua defesa e promoção A missão do PNDH é dar visibilidade aos problemas referentes aos direitos humanos no Brasil e simultaneamente estipular e coordenar os esforços para a superação das dificuldades e implementação dos direitos Assim há uma dupla lógica a lógica da identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos direitos humanos no Brasil bem como a lógica da execução a curto médio e longo prazos de medidas de promoção e defesa desses direitos A elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos conta com a articulação do governo e sociedade civil para se chegar a uma redação comum devendo ser explicitados objetivos definidos e precisos e contar ainda com um monitoramento de sua implementação O PNDH não possui força vinculante em si pois é mero decreto presidencial editado à luz do art 84 IV da Constituição visando a fiel execução das leis e normas constitucionais Porém serve como orientação para as ações governamentais podendo ser cobrado de determinado agente do governo federal os motivos pelos quais sua conduta ação ou omissão é incompatível com o Decreto que instituiu o PNDH Quanto às ações que incumbem aos Poderes Legislativo Judiciário e ao Ministério Público o PNDH é novamente apenas um referencial Por ser pioneiro o PNDH de 1996 é também denominado PNDH1 sendo voltado à garantia de proteção dos direitos civis com especial foco no combate à impunidade e à violência policial adotando ainda como meta a adesão brasileira a tratados de direitos humanos Além disso o PNDH1 inaugurou um processo depois repetido de consulta e debate prévio com a sociedade civil Foram realizados entre novembro de 1995 e março de 1996 seis seminários regionais em São Paulo Rio de Janeiro Recife Belém Porto Alegre e Natal A construção do projeto do plano foi organizada pelo Núcleo de Estudos da Violência NEV da Universidade de São Paulo USP coordenado por Paulo Sérgio Pinheiro naquele momento O projeto do Programa foi apresentado e debatido na I Conferência Nacional de Direitos Humanos em abril de 1996 promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados com o apoio de diversas organizações da sociedade civil Em 2002 foi aprovado pelo Decreto n 4229 de 13 de maio de 2002 o II Programa Nacional de Direitos Humanos na mesma linha do PNDH1 mas agora com ênfase nos direitos sociais em sentido amplo Nos considerandos do novo programa foram identificados avanços obtidos nos seis anos de vida do PNDH1 entre eles a adoção de leis sobre 1 reconhecimento das mortes de pessoas desaparecidas em razão de participação política Lei n 914095 pela qual o Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade por essas mortes e concedeu indenização aos familiares das vítimas 2 a transferência da justiça militar para a justiça comum dos crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares Lei n 929996 3 a tipificação do crime de tortura Lei n 945597 4 e a proposta de emenda constitucional sobre a reforma do Poder Judiciário na qual se incluiu a chamada federalização dos crimes de direitos humanos ver o tópico sobre o Incidente de Deslocamento de Competência supra O PNDH2 conforme consta de sua introdução foi fruto de seminários regionais com ampla participação de órgãos governamentais e de entidades da sociedade civil sendo as propostas consolidadas novamente tal qual o PNDH1 pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo NEVUSP A Secretaria dos Direitos Humanos do governo federal realizou ainda no período de 19 de dezembro de 2001 a 15 de março de 2002 consulta pública por meio da internet dela resultando o texto do PNDH2 com 518 tipos de ações governamentais Além da menção ao direito à vida liberdade e outros direitos civis o PNDH2 lançou ações específicas referentes a direitos sociais como o direito à educação à saúde à previdência e assistência social ao trabalho à moradia a um meio ambiente saudável à alimentação à cultura e ao lazer assim como propostas voltadas para a educação e sensibilização de toda a sociedade brasileira para a cristalização de uma cultura de respeito aos direitos humanos Com isso houve uma mudança no foco da proteção de direitos humanos O PNDH1 concentrouse nos direitos civis considerandoos importantes para a consolidação do regime democrático no Brasil Já o PNDH2 13 anos depois da primeira eleição direta do primeiro presidente após a ditadura militar 1989 preferiu focar temas sociais e de grupos vulneráveis como os direitos dos afrodescendentes dos povos indígenas de orientação sexual consagrando o multiculturalismo Outra característica importante do PNDH2 é que sua aprovação se deu no último ano do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso 19942002 Sua implementação então incumbia ao seu opositor Presidente Luis Inácio Lula da Silva 20032010 Finalmente em 2009 foi aprovado o PNDH3 já quase no final do segundo mandato do governo do Presidente Lula O PNDH3 como os anteriores resultou de processo de consulta e discussão que foi finalizado na 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos de dezembro de 2008 A Conferência organizada desde 1996 pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados esta criada em 1995 vide abaixo contou com delegados escolhidos pela sociedade civil que ainda realizaram conferências preparatórias estaduais prévias A Conferência teve como lema Democracia Desenvolvimento e Direitos Humanos Superando as Desigualdades discutindo múltiplas facetas dos direitos humanos desde o combate a desigualdades violência bem como a melhoria da segurança pública e acesso à Justiça até direito à memória e à verdade A Conferência foi o resultado de um processo composto por encontros prévios âmbito estadual e local contando com diversos segmentos da sociedade civil e representantes de órgãos públicos De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos órgão do governo federal ver abaixo o relatório final da 11ª CNDH abarca as deliberações aprovadas na Conferência resultado de votações dos delegados presentes representando segmentos da sociedade civil 60 e poder público 40 tudo para dar maior legitimidade ao documento final O documento final da Conferência não foi totalmente seguido pelo governo federal mas serviu de base aos trabalhos sob a coordenação da Secretaria Especial de Direitos Humanos SEDH hoje denominada Ministério dos Direitos Humanos que levaram à elaboração do PNDH3 Este foi adotado pelo Decreto n 7037 de 21 de dezembro de 2009 que oficializou o Programa dividido em seis eixos orientadores 25 diretrizes 82 objetivos estratégicos e 521 linhas de ações Há várias diferenças entre o PNDH3 e os seus dois antecessores que por terem sido ambos organizados pelo NEVUSP possuíam certa continuidade Em primeiro lugar o PNDH3 adotou eixos orientadores e diretrizes detalhando as diversas dimensões dos direitos humanos com a linguagem adotada pelo movimento de direitos humanos no Brasil ver abaixo o quadro com os eixos e das diretrizes Em comparação o PNDH1 limitavase a enumerar as ações pretendidas com denominações próximas às existentes nas Declarações de Direitos e tratados internacionais por exemplo o PNDH1 trazia a menção às políticas públicas para proteção e promoção dos direitos humanos englobando Proteção do Direito à Vida e Proteção do Direito à Liberdade Esse detalhamento do PNDH3 e a absorção de uma linguagem de direitos humanos próxima das demandas da sociedade civil fizeram com que seus enunciados fossem percebidos como sendo de iminente implementação o que a linguagem abstrata dos anteriores não havia realçado Essa sensação gerou ampla repercussão negativa na mídia tradicional e em grupos organizados contrários a determinadas ideias defendidas no PNDH3 em especial no que tange a descriminalização do aborto laicização do Estado responsabilidade social dos meios de comunicação conflitos sociais no campo e repressão política da ditadura militar Em relação aos temas envolvendo o aborto e a proibição de símbolos religiosos em recintos de órgãos públicos houve reação de segmentos religiosos que protestaram vivamente No caso da responsabilização dos meios de comunicação que são concessionários públicos concessão de rádio ou televisão houve reação a possíveis sanções de perda da concessão em casos de programação discriminatória e atentatória aos direitos humanos bem como protestos contra a criação de um ranking de emissoras comprometidas ou não com os direitos humanos No caso dos conflitos sociais e reforma agrária segmentos organizados do agronegócio reagiram contra a criação de exigência de mediação com os ocupantes antes de concessão de ordem judicial de reintegração de posse de áreas invadidas Finalmente houve reação a menção à repressão política do período da ditadura militar recente no Brasil 1964 1985 A resposta do governo federal foi editar o Decreto n 71772010 que providenciou alterações em sete ações e determinou a eliminação de duas no PNDH3 o que realçou que esse Programa tem natureza governamental na qual a sociedade civil colabora mas não decide Os temas relativos à abolição dos símbolos religiosos nos órgãos públicos e sobre o ranking de empresas de comunicação na área de direitos humanos foram simplesmente suprimidos A defesa da descriminalização do aborto redação original g Apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos foi neutralizada e transformada em considerar o aborto como tema de saúde pública com a garantia do acesso aos serviços de saúde No caso dos conflitos agrários houve a supressão de ser a mediação medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares No caso dos militares foram eliminadas as passagens que faziam menção à ditadura militar Por exemplo a ação relacionada à Diretriz 24 que dizia c Identificar e sinalizar locais públicos que serviram à repressão ditatorial bem como locais onde foram ocultados corpos e restos mortais de perseguidos políticos foi transformada em c Identificar e tornar públicos as estruturas os locais as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos Esse recuo do governo federal demonstra que o tema de direitos humanos é extremamente polêmico em uma sociedade desigual como a brasileira demonstrando que resta ainda um longo caminho para o estabelecimento uma sociedade justa e plural como prega o art 3º da CF88 Quanto à implementação do PNDH3 cada ação estratégica incumbe um ou mais órgãos governamentais do dever de realização da conduta Há então possibilidade de monitoramento das ações cobrandose os órgãos responsáveis e evitando que o PNDH3 seja mais uma carta de intenção sem maiores resultados Foi criado o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH3 integrado por 21 representantes de órgãos do Poder Executivo presidido pelo Secretário de Direitos Humanos que designará os demais representantes do Comitê O Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH3 poderá constituir subcomitês temáticos para a execução de suas atividades que poderão contar com a participação de representantes de outros órgãos do Governo Federal Além disso o Comitê convidará representantes dos demais Poderes da sociedade civil e dos entes federados para participarem de suas reuniões e atividades Os Estados o Distrito Federal os Municípios e os órgãos do Poder Legislativo do Poder Judiciário e do Ministério Público serão convidados a aderir ao PNDH3 Por outro lado várias das ações estratégicas dependem do Congresso Nacional e muitas das condutas do Poder Executivo restringemse a enviar um projeto de lei ou mesmo a fomentar debates A prática brasileira revela que mesmo que o projeto de lei seja encaminhado pelo Poder Executivo não é certo que este orientará os partidos políticos que compõem a base de sustentação do governo a chamada base aliada que votem a favor da proposta legislativa O monitoramento então é essencial para revelar eventual abuso de retórica oportunismo e incoerência do próprio Poder Executivo na condução da implementação do PNDH Por isso na Revisão Periódica Universal da situação brasileira realizada pelo Conselho de Direitos Humanos em 2008 o Brasil comprometeuse a estabelecer um abrangente instrumento de monitoramento da situação de direitos humanos em toda a Federação até hoje setembro de 2019 não realizado QUADRO SINÓTICO Eixos e diretrizes do PNDH3 Eixo Orientador Diretriz I Interação Democrática entre Estado e Sociedade Civil 1 Interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa 2 Fortalecimento dos direitos humanos como instrumento transversal das políticas públicas e de interação democrática 3 Integração e ampliação dos sistemas de informação em direitos humanos e construção de mecanismos de avaliação e monitoramento de sua efetivação II Desenvolvimento e Direitos Humanos 4 Efetivação de modelo de desenvolvimento sustentável com inclusão social e econômica ambientalmente equilibrado e tecnologicamente responsável cultural e regionalmente diverso participativo e não discriminatório 5 Valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento 6 Promover e proteger os direitos ambientais como direitos humanos incluindo as gerações futuras como sujeitos de direitos III Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades 7 Garantia dos Direitos Humanos de forma universal indivisível e interdependente assegurando a cidadania plena 8 Promoção dos direitos de crianças e adolescentes para o seu desenvolvimento integral de forma não discriminatória assegurando seu direito de opinião e participação 9 Combate às desigualdades estruturais 10 Garantia da igualdade na diversidade IV Segurança Pública Acesso à Justiça e Combate à Violência 11 Democratização e modernização do sistema de segurança pública 12 Transparência e participação popular no sistema de segurança pública e justiça criminal 13 Prevenção da violência e da criminalidade e profissionalização da investigação de atos criminosos 14 Combate à violência institucional com ênfase na erradicação da tortura e na redução da letalidade policial e carcerária 15 Garantia dos direitos das vítimas de crimes e de proteção das pessoas ameaçadas 16 Modernização da política de execução penal priorizando a aplicação de penas e medidas alternativas à privação de liberdade e melhoria do sistema penitenciário 17 Promoção de sistema de justiça mais acessível ágil e efetivo para o conhecimento a garantia e a defesa dos direitos V Educação e Cultura em Direitos Humanos 18 Efetivação das diretrizes e dos princípios da política nacional de educação em direitos humanos para fortalecer cultura de direitos 19 Fortalecimento dos princípios da democracia e dos direitos humanos nos sistemas de educação básica nas instituições de ensino superior e nas instituições formadoras 20 Reconhecimento da educação não formal como espaço de defesa e promoção dos direitos humanos 21 Promoção da educação em direitos humanos no serviço público 22 Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para a consolidação de uma cultura em direitos humanos VI Direito à Memória e à Verdade 23 Reconhecimento da memória e da verdade como direito humano da cidadania e dever do Estado 24 Preservação da memória histórica e a construção pública da verdade 25 Modernização da legislação relacionada com a promoção do direito à memória e à verdade fortalecendo a democracia 113 PROGRAMAS ESTADUAIS DE DIREITOS HUMANOS Tendo em vista a diversidade regional e a competência administrativa comum para proteção dos direitos humanos vários Estados adotaram programas estaduais de direitos humanos que contemplem as características específicas de cada Estado Como vimos acima o PNDH3 propõe a atuação conjunta do governo federal com os governos estaduais governos municipais e sociedade civil O primeiro Programa Estadual de Direitos Humanos PEDH foi adotado no Estado de São Paulo pelo Decreto n 42209 de 15 de setembro de 1997 A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania foi designada para coordenar as iniciativas governamentais ligadas ao PEDH bem como presidir um Comitê de monitoramento da implementação No caso de São Paulo de acordo com sua própria introdução o PEDH baseiase em cinco princípios básicos 1 garantia dos direitos humanos de todas pessoas independentemente de origem idade sexo etnia raça condição econômica e social orientação ou identidade sexual credo religioso e convicção política 2 os direitos civis políticos econômicos sociais e culturais são indissociáveis 3 as violações dos direitos humanos têm muitas causas de ordem internacional política econômica social cultural e psicológica 4 o estudo e pesquisa da natureza e das causas das violações de direitos humanos são indispensáveis para formulação e implementação de políticas e programas de combate à violência e discriminação e de proteção e promoção dos direitos humanos e finalmente 5 a proteção dos direitos humanos e a consolidação da democracia dependem da cooperação de todos entre o governo federal e o governo estadual com os governos municipais e a sociedade civil tanto na fase de formulação quanto na fase de implementação monitoramento e avaliação das políticas e programas de direitos humanos Depois de São Paulo vários Estados adotaram programas estaduais de direitos humanos como Acre Alagoas Amapá Amazonas Bahia Ceará Distrito Federal Espírito Santo Goiás Maranhão Mato Grosso Mato Grosso do Sul Minas Gerais Pará Paraíba Paraná Pernambuco Piauí Rio de Janeiro Rio Grande do Norte Rio Grande do Sul Rondônia Roraima Santa Catarina Sergipe e Tocantins QUADRO SINÓTICO A busca da implementação dos direitos humanos no Brasil IDH brasileiro e a criação de Índice de Desenvolvimento Humano IDH medida comparativa usada para classificar os Estados de acordo com seu grau de desenvolvimento humano pauta uma política de direitos humanos do em um agregado de dados PIB per capita expectativa de vida ao nascer escolaridade e renda Há evidente descompasso entre a posição econômica do Brasil uma das 10 maiores economias do mundo e a qualidade de vida de sua população IDH 79ª posição entre os 189 Estados avaliados em 2018 Orientação que consta da Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena em 1993 Estados devem elaborar programas nacionais de direitos humanos Essa orientação foi concretizada por diversos Estados Com isso rompeuse o paradigma de que as normas de direitos humanos eram normas programáticas sujeitas à reserva do possível e ao desenvolvimento progressivo ou ainda o paradigma de tratar os direitos humanos como consequência dos projetos governamentais gerais criandose um espaço de discussão e elaboração de uma política pública específica voltada aos direitos humanos Programas Nacionais de Direitos Humanos 1 2 e 3 PNDH1 Criado pelo Decreto n 1904 de 13 de maio de 1996 Meta art 1º realizar um diagnóstico da situação dos direitos humanos no País e medidas para a sua defesa e promoção conferindo visibilidade aos problemas referentes a esses direitos no Brasil e simultaneamente coordenando os esforços para a superação das dificuldades e para sua implementação Dupla lógica a identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos direitos humanos no Brasil e b execução a curto médio e longo prazos de medidas de promoção e defesa desses direitos Não possui força vinculante em si mas serve como orientação para as ações governamentais podendo ser cobrado de determinado agente do governo federal os motivos pelos quais sua conduta é incompatível com o Decreto que instituiu o PNDH Voltado à garantia de proteção dos direitos civis com especial foco no combate à impunidade e à violência policial bem como à adesão brasileira a tratados de direitos humanos Inaugurou um processo depois repetido de consulta e debate prévio com a sociedade civil PNDH2 Aprovado pelo Decreto n 4229 de 13 de maio de 2002 Foi fruto de seminários regionais com ampla participação de órgãos governamentais e de entidades da sociedade civil Foi realizada consulta pública pela internet pela Secretaria dos Direitos Humanos do governo federal sobre o Programa Ênfase nos direitos sociais em sentido amplo e em grupos vulneráveis direitos dos afrodescendentes dos povos indígenas de orientação sexual consagrando o multiculturalismo lançandose ações específicas referentes ao direito à educação à saúde à previdência e assistência social ao trabalho à moradia a um meio ambiente saudável à alimentação à cultura e ao lazer assim como propostas voltadas para a educação e sensibilização de toda a sociedade brasileira para a cristalização de uma cultura de respeito aos direitos humanos PNDH3 Adotado pelo Decreto n 7037 de 21 de dezembro de 2009 que oficializou o Programa dividido em seis eixos orientadores 25 diretrizes 82 objetivos estratégicos e 521 linhas de ações Resultou de processo de consulta e discussão que foi finalizado na 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos de dezembro de 2008 que teve como lema Democracia Desenvolvimento e Direitos Humanos Superando as Desigualdades Documento final da Conferência não foi totalmente seguido pelo governo federal mas serviu de base aos trabalhos sob a coordenação da Secretaria Especial de Direitos Humanos hoje denominado Ministério dos Direitos Humanos Diferentemente dos Planos anteriores no PNDH3 adotaramse eixos orientadores e diretrizes detalhando as diversas dimensões dos direitos humanos com a linguagem adotada pelo movimento de direitos humanos no Brasil o que fez com que seus enunciados fossem percebidos como sendo de iminente implementação Com isso o PNDH3 alcançou ampla repercussão na mídia e em grupos organizados contrários a determinadas ideias defendidas no PNDH3 em relação a temas envolvendo por exemplo o aborto e a proibição de símbolos religiosos em recintos de órgãos públicos a responsabilização dos meios de comunicação que são concessionários públicos em casos de programação discriminatória e atentatória aos direitos humanos e a criação de exigência de mediação com os ocupantes antes de concessão de ordem judicial de reintegração de posse de áreas invadidas Decreto n 71772010 resposta do governo às manifestações com a eliminação de duas ações no PNDH3 símbolos religiosos nos órgãos públicos e ranking de empresas de comunicação na área de direitos humanos e alterações em sete ações Implementação cada ação estratégica cabe a um ou mais órgãos governamentais do dever de realização da conduta tornandose possível o monitoramento das ações Foi criado o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH3 integrado por 21 representantes de órgãos do Poder Executivo e presidido pelo Secretário de Direitos Humanos o Comitê poderá constituir subcomitês temáticos para a execução de suas atividades e convidar representantes dos demais Poderes da sociedade civil e dos entes federados para participarem de suas reuniões e atividades Programas Estaduais de Direitos Humanos No Brasil a competência administrativa de realizar políticas públicas de implementação dos direitos humanos é comum a todos os entes federados Assim é possível que haja programas de direitos humanos no plano federal estadual e municipal Considerandose a diversidade regional e a competência administrativa comum para proteção dos direitos humanos vários Estados adotaram programas estaduais de direitos humanos que contemplem as características específicas de cada Estado 12 As principais instituições de defesa e promoção dos direitos humanos no Poder Executivo Federal após o impeachment de 2016 e a reforma de 2017 121 MINISTÉRIO DA MULHER DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS Na esfera administrativa federal o órgão especializado em direitos humanos continua a ser o Ministério dos Direitos Humanos agora denominado Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Sua história recente revela a própria instabilidade no governo federal dos últimos anos De fato após o afastamento temporário da Pres Dilma Rousseff em pleno processo de impeachment de 2016 houve a vinculação da Secretaria Especial de Direitos Humanos ao então existente Ministério da Justiça e Cidadania hoje denominado Ministério da Justiça e da Segurança Pública Antes do impeachment a secretaria era i vinculada à Presidência da República e ii possuía estatuto de Ministério Assim mesmo antes do afastamento definitivo da Pres Rousseff ocorreram significativas transformações no primeiro semestre de 2016 pelas quais foi i condensada com outras duas secretarias em uma única estrutura ministerial e posteriormente ii perdeu o status de Ministério e voltou a se subordinar aos quadros do Ministério da Justiça e da Cidadania A primeira reforma ministerial mencionada foi implementada pelo próprio Governo Dilma Rousseff no dia 5 de abril de 2016 328 Outra alteração foi promovida em 12 de maio de 2016 329 pelo então Presidente interino Michel Temer após a suspensão temporária da presidente Dilma em decorrência da abertura do seu processo de impeachment pelo Senado Esta configuração vigorou até fevereiro de 2017 após a decisão final pelo impeachment de Dilma Rousseff e posse definitiva de Michel Temer como Presidente da República 330 Em fevereiro de 2017 foi recriado o Ministério dos Direitos Humanos Com a posse do Pres Jair Bolsonaro houve a fusão de órgãos em um novo Ministério agora denominado Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos 331 Apesar das reviravoltas recentes que mostram incertezas sobre onde inserir a promoção de direitos humanos no Poder Executivo federal cabe mencionar que o processo de institucionalização da temática dos direitos humanos na administração pública federal passou por um período de paulatina evolução A existência de um órgão específico e de hierarquia administrativa superior na área federal status de Ministério e vinculado à Presidência da República voltado especificamente para a temática dos direitos humanos é recente na história do País Até o início dos anos 90 do século passado a temática era de atribuição do Ministério da Justiça O crescimento da importância da temática e em especial a adesão brasileira ao crescente processo de internacionalização dos direitos humanos fez a matéria sair do Ministério da Justiça e ganhar corpo próprio Essa escalada foi iniciada com a criação da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos ainda vinculada ao Ministério da Justiça criada pelo Decreto n 2193 de 7 de abril de 1997 Presidência de Fernando Henrique Cardoso A criação desta secretaria já demonstrou prestígio da temática pois substituiu o departamento de direitos humanos da antiga Secretaria de Direitos da Cidadania A mudança foi realizada para que o novo órgão pudesse coordenar e acompanhar a execução do Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH1 conforme dispunha o Decreto n 219397 No governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi dado mais um passo sendo criada a Secretaria Especial dos Direitos Humanos vinculada à Presidência da República Lei n 106832003 desvinculandoa do Ministério da Justiça Pela primeira vez em 2003 a Secretaria foi equiparada a um Ministério e o titular da pasta possuía o status de Ministro A Secretaria ostentava o vínculo direto com o Gabinete do Presidente o que facilitou sua articulação com os demais órgãos da Administração Pública No final do Governo Lula a Secretaria perdeu a denominação de Especial e passou a se chamar Secretaria de Direitos Humanos demonstrando que a preocupação com a temática é permanente e equiparada às demais áreas administrativas não existe por exemplo Ministério Especial da Justiça Ministério Especial da Fazenda etc Em 2016 um movimento em sentido contrário ganhou impulso com o advento da Lei n 13266 que extinguiu a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República ao mesmo tempo que dissolveu duas outras secretarias com status ministerial de grande relevância para os Direitos Humanos a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República e a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República Ao extinguir as 3 secretarias a então presidente Dilma Rousseff buscou aglutinar as temáticas dos três órgãos em um único Ministério denominado Ministério das Mulheres da Igualdade Racial da Juventude e dos Direitos Humanos Lei n 132662016 Ainda que toda uma pluralidade de órgãos relacionados aos direitos humanos tenha sido extinta um órgão unificado e com status ministerial foi mantido Pouco depois com a suspensão provisória da presidente Dilma em razão da abertura de processo de impeachment o então presidente interino Michel Temer editou Medida Provisória MPV n 72616 pela qual extinguiu o Ministério das Mulheres da Igualdade Racial da Juventude e dos Direitos Humanos transferindo a competência sobre a temática ao reestruturado Ministério da Justiça e Cidadania Em outras palavras o órgão da administração federal especializado em direitos humanos voltou a se subordinar ao Ministério da Justiça reestabelecendo seu formato anterior à promulgação da Lei n 106832003 Em 2017 houve nova alteração e foi recriado o Ministério dos Direitos Humanos pela Medida Provisória n 768 de 2 de fevereiro atualmente Lei n 135022017 menos de um ano depois de sua extinção pelo atual Governo Temer Em 2018 novas alterações foram realizadas pelo Decreto n 9417 Finalmente em 2019 no bojo de ampla reorganização dos ministérios do governo federal após a posse do Pres Jair Bolsonaro o novo Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos tem as seguintes atribuições de acordo com a Lei n 138442019 a políticas e diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos incluídos direitos da mulher da família da criança e do adolescente da juventude do idoso da pessoa com deficiência da população negra das minorias étnicas e sociais b articulação de iniciativas e apoio a projetos de proteção e promoção dos direitos humanos com respeito aos fundamentos constitucionais do Estado de Direito c políticas de promoção do reconhecimento e da valorização da dignidade da pessoa humana em sua integralidade d combate a todas as formas de violência de preconceito de discriminação e de intolerância e exercício da função de ouvidoria nacional em assuntos relativos aos direitos humanos Integram a estrutura básica do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos inicialmente 8 unidades finalísticas a saber I a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres II a Secretaria Nacional da Família III a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente IV a Secretaria Nacional da Juventude V a Secretaria Nacional de Proteção Global VI a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial VII a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência VIII a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa Também integram o MMFDH 11 conselhos de participação social a saber IX o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial X o Conselho Nacional dos Direitos Humanos XI o Conselho Nacional de Combate à Discriminação XII o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente XIII o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência XIV o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa XV o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura XVI o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura XVII o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais XVIII o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e XIX o Conselho Nacional da Juventude Apesar de não constar da Lei n 138442019 já modificada pela Medida Provisória n 8862019 em trâmite em outubro de 2019 reforçando a instabilidade da estrutura governamental federal atua ainda na estrutura do MMFDH a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos CEMDP 122 A NOVA REGULAMENTAÇÃO DOS CONSELHOS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL Em 2001 a Emenda Constitucional n 32 suprimiu um tratamento desigual que era dado pela redação original da CF88 aos Poderes Executivo Legislativo e Judiciário no que tange à autoorganização enquanto os dois últimos poderiam adotar normas administrativas internas para se organizarem 332 o primeiro dependia de lei ou seja dependia de outro Poder Com a EC 32 o art 84 VI da CF88 adquiriu nova redação pela qual compete privativamente ao Presidente da República dispor mediante decreto sobre i organização e funcionamento da administração federal quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos e ii extinção de funções ou cargos públicos quando vagos 333 Ficou estabelecido o princípio da reserva da administração pelo qual o Poder Executivo fica protegido da indevida ingerência do Poder Legislativo na sua organização interna De acordo com o STF O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência político administrativa do Poder Executivo É que em tais matérias o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo ADI 2364 MC rel Min Celso de Mello j 1º82001 Pleno DJ de 14122001 Com base nessa atribuição foi editado o Decreto n 9759 de 11 de abril de 2019 que determinou a partir de 28 de junho do mesmo ano a extinção dos seguintes colegiados da administração pública federal i os instituídos por decreto ii os instituídos por ato normativo inferior a decreto e iii ato de outro decreto Previu ainda que seriam extintos os colegiados instituídos por ato infralegal em cuja lei em que são mencionados nada conste sobre a competência ou a composição redação dada pelo Decreto n 98122019 Como exceção a essa draconiana extinção foram preservados os colegiados previstos no regimento interno ou no estatuto de instituição federal de ensino e os criados ou alterados por ato publicado a partir de 1º de janeiro de 2019 O Decreto n 9759 ainda dispôs sobre a criação ou mesmo recriação dos colegiados dando parâmetros e condições A exposição de motivos do citado decreto justificou a extinção sem sequer uma lista dos colegiados a serem atingidos pela excessiva dificuldade em realizar tal mapeamento Alegouse que a recriação dos colegiados essenciais contornaria eventual excesso Todavia essa extinção em massa da colegiados impacta sobremaneira a participação social na administração pública federal na temática dos direitos humanos Segundo levantamento do Ministério Público Federal ao menos 35 órgãos criados por decretos e com importância na área dos direitos humanos em sentido amplo seriam extintos 334 Essa extinção generalizada sem fundamentação caso a caso precariza a transparência no agir estatal bem como a mínima fiscalização social das políticas públicas que já era frágil em face da composição majoritariamente governamental dos colegiados sem contar a ausência de força decisória O direito à democracia participativa detalhado na Carta Democrática Interamericana foi comprimido sem que seja analisada pormenorizadamente a situação concreta que poderia conter elementos que levassem à extinção justificada de um determinado colegiado sem ferir a proibição de retrocesso institucional Em que pese o princípio da reserva da administração e a natureza política inserida na competência discricionária do Presidente da República para organizar os colegiados da administração todo ato do Poder Público sujeitase ao crivo judicial no que tange i à forma ii finalidade e iii proporcionalidade decisão monocrática do Min Roberto Barroso ADI 6062 de 2342019 Além disso o princípio da legalidade estrita impede que o Poder Público por decreto elimine colegiado que tenha sido mencionado direta ou indiretamente por lei O Decreto n 97592019 poupou da extinção o colegiado que tenha sido mencionado i por lei ou por ii ato infralegal em cuja lei em que mencionado o órgão nada conste sobre a competência ou a composição Aceitar tal extinção seria ofensivo à separação de poderes porque permitiria ao Poder Executivo legislar contrariando a vontade da lei e retornando à figura do decreto autônomo vedada pela CF88 335 Por isso o STF decidiu cautelarmente a favor da suspensão parcial do Decreto n 97592019 na redação dada pelo Decreto n 98122019 afastando a possibilidade da extinção de colegiado cuja existência encontre algum tipo de menção em lei em sentido formal ainda que ausente expressa referência sobre a competência ou a composição Para o Min Gilmar Mendes na hipótese da menção mesmo sem detalhamento do colegiado por lei formal o legislador acabou por convalidar a instituição do colegiado originalmente operada por Decreto Desse modo tolerar a extinção do colegiado significaria desrespeitar a vontade do legislador em alguma medida o que não pode ser admitido ante o princípio da separação de poderes e a própria excepcionalidade do uso do decreto autônomo voto do Min Gilmar Mendes ADI 6121 em trâmite até outubro de 2019 Plenário j 1362019 Ressaltese que a decisão a favor da suspensão parcial foi apertada 6 x 5 tendo sido vencidos os Ministros Edson Fachin Roberto Barroso Rosa Weber Cármen Lúcia e Celso de Mello que concediam integralmente a cautelar Para o Min Fachin que abriu a divergência a extinção indiscriminada dos órgãos colegiados previstos ou não em lei violou o princípio constitucional da participação e controle social bem como os princípios republicano democrático e de participação popular essência do Estado Democrático de Direito art 1º da CF88 Apontou que esses órgãos colegiados são instrumentos da democracia participativa servindo como mecanismo de aproximação da sociedade civil e o governo e tal extinção resultou em retrocesso na implementação dos direitos humanos O Min Barroso apontou a falta de transparência e a vagueza do Decreto o que afetou os direitos já mencionados STF ADI 6121 rel Min Marco Aurélio em trâmite até outubro de 2019 Plenário j 1362019 123 SECRETARIAS DO MINISTÉRIO DA MULHER DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS Como visto acima a Lei n 138842019 ao tratar do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos contemplou oito Secretarias a saber I a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres II a Secretaria Nacional da Família III a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente IV a Secretaria Nacional da Juventude V a Secretaria Nacional de Proteção Global VI a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial VII a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência VIII a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa De acordo com o Decreto n 96732019 336 as principais atribuições de cada Secretaria são as seguintes 1 Secretaria Nacional de Proteção Global É a secretaria que possui o mais diverso rol de atribuições Incumbelhe coordenar e monitorar a implementação da política nacional de direitos humanos em conformidade com as diretrizes do Programa Nacional de Diretos Humanos exercendo ainda a função de SecretariaExecutiva do Conselho Nacional dos Direitos Humanos Também lhe cabe coordenar o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e articular e implementar a Política de Proteção a Defensores de Direitos Humanos Ainda cabelhe coordenar as ações referentes às políticas públicas voltadas aos públicos vulneráveis como lésbicas gays bissexuais travestis transexuais e população em situação de rua cumprelhe coordenar as ações de promoção do direito à memória e à verdade e proceder ao pagamento de indenizações decorrentes de decisões da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos No plano internacional cabelhe elaborar relatórios e informes em cumprimento aos compromissos decorrentes da assinatura de tratados internacionais pelo Estado brasileiro e ainda articularse com os demais órgãos da administração pública federal na definição da posição do Estado brasileiro relativas a petições e casos em trâmite no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e respeitadas as competências dos demais órgãos atuar no cumprimento de suas decisões 2 Secretaria Nacional da Família Essa secretaria é inovação do atual governo 2019 Competelhe formular políticas e diretrizes para a articulação dos temas das ações governamentais e das medidas referentes à promoção e defesa da família bem como promover a inserção de uma perspectiva de família em todas as áreas de atuação do governo grifo meu art 15 II e V do Decreto n 96732019 3 Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres Sua incumbência é atuar na formulação na coordenação na articulação e na definição de diretrizes de políticas para as mulheres no âmbito do Ministério Para tanto deve promover diretrizes e defender a dignidade de todas as mulheres de forma integral bem como formular coordenar e articular políticas públicas para as mulheres incluídas atividades antidiscriminatórias em suas relações sociais de combate a todas as formas de violência contra a mulher e de atenção integral à dignidade da mulher Compõe sua estrutura básica o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher 4 Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Cumprelhe assessorar o Ministério na formulação coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial Também lhe cabe formular coordenar e avaliar as políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade racial e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais população negra estrangeiro grupos étnicos afetados por ações de discriminação racial e demais formas de intolerância 5 Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Competelhe formular coordenar acompanhar e avaliar políticas e diretrizes para implementação e articulação das ações governamentais e das medidas referentes à promoção proteção defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente com prioridade para a prevenção a conciliação de conflitos e o enfrentamento a todas as formas de violação desses direitos 6 Secretaria Nacional da Juventude Sua incumbência abarca a formulação e coordenação de políticas públicas para a juventude bem como execução de programas de cooperação com organismos nacionais e internacionais públicos e privados destinados à implementação de políticas de juventude 7 Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência Cumprelhe essencialmente coordenar os assuntos as ações governamentais e as medidas referentes à pessoa com deficiência bem como coordenar ações de prevenção e eliminação de todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência e propiciar sua plena inclusão na sociedade 8 Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa Cabelhe coordenar e propor ações de aperfeiçoamento e fortalecimento da Política Nacional do Idoso além de acompanhar as ações e as medidas para promoção garantia e defesa da pessoa idosa Também é seu papel gerir convênios termos acordos e outros instrumentos congêneres na área de promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa e articular com órgãos governamentais e não governamentais ações para a implementação da política nacional do idoso 124 OUVIDORIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS No Brasil as Ouvidorias sem é claro comentar a figura do ombudsman privado instituto totalmente distinto são órgãos de controle interno da Administração Pública Para tanto desenvolvem trabalho referente à divulgação dos direitos daqueles envolvidos com a Administração bem como devem possibilitar meios de recebimento de notícias de má prestação do serviço público encaminhamento de pedidos de providências e fiscalização dos resultados das sindicâncias abertas Em virtude do papel de fiscalização é importante que o Ouvidor seja dotado de estrutura material adequada e garantias de independência mandato impossibilidade de exoneração por livre decisão da Administração Pública para que seu papel não seja meramente decorativo Nessa linha a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos é um órgão interno do MMFDH que tem a atribuição básica de atuar diretamente nos casos de denúncias de violações de direitos humanos e na resolução de tensões e conflitos sociais que envolvam violações de direitos humanos em articulação com o Ministério Público com os órgãos dos Poderes Judiciário Legislativo e Executivo federal com os demais entes federativos e com as organizações da sociedade civil art 6º V do Decreto n 96732019 A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos poderá agir de ofício quando tiver conhecimento de atos que violem os direitos humanos individuais ou coletivos podendo receber denúncias anônimas Assim cabe à Ouvidoria receber as reclamações e críticas da população e dar encaminhamento aos respectivos órgãos Também possui papel de formação empenhandose em informar os direitos de todos 125 CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS Após longa maturação no Congresso foi editada com alguns vetos presidenciais a Lei n 129862014 que criou o Conselho Nacional dos Direitos Humanos CNDH Com isso foi substituído o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana que era um órgão colegiado criado pela Lei n 4319 de 16 de março de 1964 agora expressamente revogada sancionada pelo Presidente João Goulart poucos dias antes do golpe militar de 1964 31 de março de 1964 O novo Conselho Nacional dos Direitos Humanos CNDH tem por finalidade i a promoção e ii a defesa dos direitos humanos mediante ações preventivas protetivas reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos O CNDH pode agir por i provocação ou ii de ofício Na dicção da lei os direitos humanos sob a proteção do CNDH englobam os direitos e garantias fundamentais individuais coletivos ou sociais previstos na Constituição Federal ou nos tratados ou atos internacionais celebrados pelo Brasil Sua composição é plural contando com 22 membros sendo 11 do Poder Público e 11 representantes da sociedade civil ampliando em muito a representatividade em comparação ao CDDPH 10 membros ao todo 5 do Poder Público e os outros 5 divididos entre professores OAB Associação Brasileira de Educação e Associação Brasileira de Imprensa O presidente nato do extinto CDDPH era o Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos agora Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos A nova lei não prevê a presidência nata de membro do Poder Público ver a questão da independência do Poder Público e os Princípios de Paris no item 18 deste capítulo Em 2016 pela primeira vez a Presidência do CNDH foi exercida por representante da sociedade civil São representantes do Poder Público a Ministro da Mulher Família e dos Direitos Humanos b ProcuradorGeral da República c 2 dois Deputados Federais d 2 dois Senadores e 1 um de entidade de magistrados f 1 um do Ministério das Relações Exteriores g 1 um do Ministério da Justiça h 1 um da Polícia Federal i 1 um da Defensoria Pública da União Os representantes dos órgãos públicos serão designados pelos ministros chefes ou presidentes das respectivas instituições Os representantes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados serão designados pelos presidentes das respectivas Casas no início de cada legislatura com paridade entre os partidos de situação e de oposição Quanto aos 11 representantes da sociedade civil há 1 representante da Ordem dos Advogados do Brasil indicado pelo Conselho Federal da OAB 1 indicado pelo Conselho Nacional dos ProcuradoresGerais do Ministério Público dos Estados e da União associação civil de direito privado e 9 representantes de organizações da sociedade civil de abrangência nacional e com relevantes atividades relacionadas à defesa dos direitos humanos Esses 9 representantes de organizações de abrangência nacional serão eleitos por elas mesmas em Encontro Nacional organizado pelo CNDH na primeira composição o encontro foi organizado pela Secretaria de Direitos Humanos em 2014 participando as entidades que demonstraram interesse e cumpriram as regras mínimas do edital Compete ao CNDH 1 promover medidas necessárias à prevenção repressão sanção e reparação de condutas e situações contrárias aos direitos humanos inclusive os previstos em tratados e atos internacionais ratificados no País e apurar as respectivas responsabilidades 2 fiscalizar a política nacional de direitos humanos podendo sugerir e recomendar diretrizes para a sua efetivação 3 receber representações ou denúncias de condutas ou situações contrárias aos direitos humanos e apurar as respectivas responsabilidades 4 expedir recomendações a entidades públicas e privadas envolvidas com a proteção dos direitos humanos fixando prazo razoável para o seu atendimento ou para justificar a impossibilidade de fazêlo 5 articularse com órgãos federais estaduais do Distrito Federal e municipais encarregados da proteção e defesa dos direitos humanos 6 manter intercâmbio e cooperação com entidades públicas ou privadas nacionais ou internacionais com o objetivo de dar proteção aos direitos humanos 7 acompanhar o desempenho das obrigações relativas à defesa dos direitos humanos resultantes de acordos internacionais produzindo relatórios e prestando a colaboração que for necessária ao Ministério das Relações Exteriores 8 opinar sobre atos normativos administrativos e legislativos de interesse da política nacional de direitos humanos e elaborar propostas legislativas e atos normativos relacionados com matéria de sua competência 9 realizar estudos e pesquisas sobre direitos humanos e promover ações visando à divulgação da importância do respeito a esses direitos 10 recomendar a inclusão de matéria específica de direitos humanos nos currículos escolares especialmente nos cursos de formação das polícias e dos órgãos de defesa do Estado e das instituições democráticas 11 dar especial atenção às áreas de maior ocorrência de violações de direitos humanos podendo nelas promover a instalação de representações do CNDH pelo tempo que for necessário 12 representar i à autoridade competente para instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo ii especialmente ao Ministério Público para promover medidas relacionadas com a defesa de direitos humanos e iii ao Procurador Geral da República para fins de intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana alínea b do inciso VII do art 34 da CF88 13 realizar procedimentos apuratórios de condutas e situações contrárias aos direitos humanos e aplicar sanções de sua competência e 14 pronunciarse por deliberação expressa da maioria absoluta de seus conselheiros sobre crimes que devam ser considerados por suas características e repercussão como violações a direitos humanos de excepcional gravidade para fins de acompanhamento das providências necessárias a sua apuração processo e julgamento A Lei n 12986 não menciona expressamente o Incidente de Deslocamento de Competência mas entendese englobado no poder de representar ao Ministério Público Tais previsões indicam que há três principais atribuições do novo CNDH a saber i promocional ii fiscalizadora e iii repressiva A atribuição promocional consiste na elaboração de estudos recomendações e opiniões sobre ações na temática inclusive para influenciar na capacitação e educação para os direitos humanos A atribuição fiscalizadora é consagrada no dever de fiscalizar a política nacional de direitos humanos e observar o cumprimento das obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil A atribuição repressiva pode ser dividida entre i repressão direta na qual o CNDH apura condutas de violação de direitos humanos e impõe sanções e ii indireta na qual o CNDH representa contra tais condutas e cobra ação das autoridades policiais e do Ministério Público evitando que haja negligência e impunidade Para cumprir suas atribuições repressivas o CNDH conta com poder de requisitar informações ou documentos auxílio da Polícia Federal ou de força policial para cumprir suas atribuições bem como requerer aos órgãos públicos serviços diligências ou mesmo exames e vistorias Foram vetados pela Presidência da República os dispositivos que davam ainda o poder de convocar pessoas e inquirir testemunhas bem como realizar diligências investigatórias inclusive inspeções e tomar depoimentos de autoridades Assim o CNDH tem um espaço reduzido para atuar de modo repressivo direto mas continua com o poder de representar ao Ministério Público cobrando sua ação As sanções previstas na Lei n 12986 para que o CNDH tenha algum tipo de resposta para dar aos casos de violação de direitos humanos são as seguintes i advertência ii censura pública iii recomendação de afastamento de cargo função ou emprego na administração pública direta indireta ou fundacional da União Estados Distrito Federal Territórios e Municípios do responsável por conduta ou situações contrárias aos direitos humanos e iv recomendação de que não sejam concedidos verbas auxílios ou subvenções a entidades comprovadamente responsáveis por condutas ou situações contrárias aos direitos humanos Não há outra consequência mais grave prevista na Lei n 12986 Seguese aqui o exemplo do ombudsman nórdico e dos Defensores do Povo latinoamericanos tendo o CNDH poder sancionatório restrito à esfera do i juízo de valor negativo advertência censura ou ii juízo opinativo recomenda a quem tem o poder de afastar o servidor ou de conceder verbas As resoluções do CNDH serão tomadas por deliberação da maioria absoluta dos conselheiros No caso de empate o Presidente terá voto de qualidade Comparandose as atribuições do novo CNDH e do antigo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH observo que o CDDPH podia realizar diligências tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais estaduais ou municipais e inquirir testemunhas As testemunhas seriam intimadas de acordo com as normas estabelecidas no Código de Processo Penal Em caso de não comparecimento de testemunha sem motivo justificado a sua intimação seria solicitada ao Juiz Criminal da localidade em que residisse ou se encontrasse Havia inclusive previsão de tipos penais constituindose em crime impedir ou tentar impedir mediante violência ou ameaças o regular funcionamento do CDDPH ou de Comissão de Inquérito por ele instituída ou o livre exercício das atribuições de qualquer dos seus membros A pena era a do art 329 do CP Também era crime fazer afirmação falsa negar ou calar a verdade como testemunha perito tradutor ou intérprete perante o CDDPH ou Comissão de Inquérito por ele instituída A pena era a do art 342 do CP O novo CNDH como visto perdeu esses poderes pois com o fortalecimento do Ministério Público após a Constituição de 1988 com previsão constitucional de autonomia e independência funcional o papel de repressão direta do CDDPH ficou secundário uma vez que não havia sequer como comparar as estruturas materiais e de recursos humanos entre esses dois entes com clara prevalência da estrutura do Ministério Público sem contar que o resultado da investigação do CDDPH era encaminhado ao próprio Ministério Público Em caso de negligência de um promotor de justiça há ainda a possibilidade de as vítimas e a sociedade civil acionarem o Conselho Nacional do Ministério Público CNMP Resta saber como será exercido o papel promocional e de fiscalização dos direitos humanos do novo CNDH uma vez que nas últimas décadas houve crescimento de outros Conselhos temáticos como veremos no item 126 que ocupam esse papel de desenvolvimento de capacitação e de políticas públicas em suas áreas respectivas Finalmente a criação do CNDH tinha como objetivo sua inscrição como instituição nacional de direitos humanos brasileira na ONU ver abaixo o item 18 mas sua candidatura não obteve êxito em virtude da intensa participação do governo no seu funcionamento 126 OUTROS ÓRGÃOS COLEGIADOS FEDERAIS DE DEFESA DE DIREITOS HUMANOS 1261 O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA foi criado pela Lei n 8242 de 12 de outubro de 1991 cabendolhe atuar na promoção dos direitos humanos das crianças e adolescentes As principais atribuições do CONANDA são 1 elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente fiscalizando as ações de execução em consonância com a Lei n 806990 Estatuto da Criança e do Adolescente ECA 2 zelar pela aplicação da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente 3 dar apoio aos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e órgãos correlatos 4 avaliar a política estadual e municipal e a atuação dos Conselhos Estaduais e Municipais da Criança e do Adolescente 5 apoiar a promoção de campanhas educativas sobre os direitos da criança e do adolescente Em setembro de 2019 foi editado o Decreto n 10003 que reduziu o número de assentos no CONANDA de 28 para 18 com a divisão na seguinte forma nove assentos para representantes de órgãos públicos e nove assentos para representantes da sociedade civil Os nove representantes governamentais foram divididos da seguinte forma dois indicados pelo Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos um da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e um da Secretaria Nacional da Família um do Ministério da Justiça e Segurança Pública três do Ministério da Economia um do Ministério da Educação um do Ministério da Cidadania um do Ministério da Saúde Por sua vez o método de escolha das entidades representantes da sociedade civil foi alterado deixando de ser por eleição em assembleia específica disciplinada pelo Regimento Interno do CONANDA sendo substituído por processo seletivo a ser elaborado pelo Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Ficou estabelecido mandato de dois anos com vedação à recondução dos representantes das entidades não governamentais O Presidente da República designa o Presidente do CONANDA que será escolhido dentre os seus membros tendo o Presidente do Conselho voto de qualidade além do seu voto ordinário em caso de empate Ademais o decreto reduziu a frequência das reuniões do CONANDA de mensal no passado para trimestral tendo também dispensado todos os membros então atuantes Para a Procuradoria Geral da República o Decreto n 10003 é inconstitucional uma vez que como resultado dessas mudanças o caráter democrático participativo do CONANDA foi esvaziado Assim o órgão perdeu seu papel de ser fórum encarregado da elaboração de políticas voltadas para o público infantojuvenil o que viola os preceitos fundamentais da igualdade e da participação popular direta prejudicando substancialmente a formulação de políticas que tenham como objetivo a proteção das crianças e dos adolescentes STF ADPF 622 rel Min Roberto Barroso em trâmite 1262 O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CONADE O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CONADE é um órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que deve acompanhar e avaliar o desenvolvimento de uma política nacional para inclusão da pessoa com deficiência e das políticas setoriais de educação saúde trabalho assistência social transporte cultura turismo desporto lazer e política urbana voltados a essas pessoas O CONADE é um órgão paritário com conselheiros da área pública e também da sociedade civil organizada De acordo com o Decreto n 329899 compete ao CONADE zelar pela efetiva implantação da política para inclusão da pessoa com deficiência em âmbito nacional e acompanhar o planejamento e avaliar a execução das políticas setoriais de educação saúde trabalho assistência social transporte cultura turismo desporto lazer política urbana e outras relativas à pessoa com deficiência Também deve o CONADE acompanhar e apoiar as políticas e as ações do Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência no âmbito dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios e propor a elaboração de estudos e pesquisas que objetivem a melhoria da qualidade de vida da pessoa com deficiência além de propor e incentivar a realização de campanhas visando à prevenção de deficiência e à promoção dos direitos da pessoa com deficiência Além disso cabe ao CONADE aprovar o plano de ação anual da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CORDE órgão administrativo da Secretaria de Direitos Humanos que deve acompanhar e orientar a execução pela Administração Pública Federal das ações da Política Nacional para Inclusão da Pessoa Portadora de Deficiência No lado governamental há 18 representantes dos seguintes entes 1 Secretaria de Direitos Humanos 2 Ministério da Ciência e Tecnologia 3 Ministério das Comunicações 4 Ministério da Cultura 5 Ministério da Educação 6 Ministério do Esporte 7 Ministério da Previdência Social 8 Ministério das Relações Exteriores 9 Ministério da Saúde 10 Ministério do Trabalho e Emprego 11 Casa Civil da Presidência da República 12 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 13 Ministério dos Transportes 14 Ministério das Cidades 15 Ministério do Turismo 16 Ministério da Justiça 17 Secretaria de Políticas para as Mulheres Representante dos Conselhos Estaduais 18 Representante dos Conselhos Municipais No lado da sociedade civil há também 18 representantes de organizações de defesa das mais diferentes deficiências Por ter sido mencionado apesar de sem detalhamento na Lei n 138442019 o CONADE não foi extinto pelo Decreto n 975919 em face da ADI 6121 estudada acima em trâmite até outubro de 2019 1263 O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa CNDPI O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa CNDPI é um órgão colegiado e paritário vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos tendo como finalidade a elaboração das diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional do Idoso observadas as linhas de ação e as diretrizes conforme dispõe a Lei n 10741 de 1º de outubro de 2003 Estatuto do Idoso bem como acompanhar e avaliar a sua execução De acordo com o Decreto n 9893 de 27 de junho de 2019 o Conselho Nacional do Direitos da Pessoa Idosa é órgão permanente paritário e de caráter deliberativo integrante da estrutura organizacional do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos com a finalidade de colaborar nas questões relativas à política nacional do idoso Cabe ao CNDI i apoiar a promoção de campanhas educativas sobre os direitos do idoso com a indicação das medidas a serem adotadas nas hipóteses de atentados ou violação desses direitos ii realizar pesquisas e estudos sobre a situação do idoso no Brasil e iii manifestar se sobre as questões demandadas pelo Ministro de Estado da Mulher da Família e dos Direitos Humanos ou pelo Secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Ao CNDI compete ainda iv acompanhar e avaliar a expedição de orientações e recomendações sobre a aplicação da Lei n 10741 de 2003 e dos demais atos normativos relacionados aos direitos do idoso bem como v é competência do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa CNDI gerir o Fundo Nacional do Idoso e fixar os critérios para sua utilização Lei n 122132010 O CNDI conta com 6 conselheiros sendo três vinculados ao governo e três à sociedade civil escolhidos também pelo governo a saber I pelo Secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que o presidirá II por um representante da Secretaria Nacional da Família do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos indicado pelo titular da Secretaria e designado pelo Ministro de Estado III por um representante da Secretaria Nacional de Proteção Global do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos indicado pelo titular da Secretaria e designado pelo Ministro de Estado IV por três representantes da sociedade civil organizada indicados por entidades selecionadas por meio de processo seletivo público e designados pelo Ministro de Estado da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Até 2019 o CNDI contava com 28 membros sendo 14 vinculados ao Poder Público e 14 representantes da sociedade Decreto n 51092004 1264 O Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCD O Conselho Nacional de Combate à Discriminação compõe o Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos tendo sido previsto na Lei n 138442019 e regulado pelo Decreto n 98832019 Ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCD compete I colaborar com o Ministro de Estado da Mulher da Família e dos Direitos Humanos e o Secretário Nacional de Proteção Global na orientação e na direção das políticas públicas de combate à discriminação e à intolerância em âmbito federal II formular e propor diretrizes de ação governamental voltadas para a defesa dos direitos a das minorias étnicas e sociais e b das vítimas de violência de preconceito de discriminação e de intolerância III zelar pela observância da legislação de combate à discriminação e à intolerância e representar aos Poderes Públicos nos casos de infringência da Constituição das leis e de regulamentos federais que disponham sobre a matéria IV obter e consolidar informações sobre as políticas públicas de combate à discriminação e à intolerância nos Estados e no Distrito Federal V articularse com outros colegiados para estabelecer estratégias comuns de atuação VI realizar pesquisas e análises sobre a situação dos grupos sociais afetados por discriminação e intolerância VII recomendar ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos medidas para o combate à discriminação e à intolerância É composto por sete conselheiros sendo quatro do governo todos do MMFDH e três representantes da sociedade civil escolhidos entre os indicados por entidades sem fins lucrativos com atuação relevante relacionada ao combate à discriminação à intolerância e à violência selecionadas por meio de processo seletivo público com mandato de dois anos Com a criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação deixou de existir o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas Gays Bissexuais Travestis e Transexuais CNCDLGBT O CNCDLGBT foi órgão colegiado vinculado ao antigo Ministério dos Direitos Humanos Sua existência baseavase em regulamentação anterior à reorganização administrativa atualmente existente A origem do CNCDLGBT remontava ao combate à discriminação da população negra dos povos indígenas e dos grupos de Lésbicas Gays Bissexuais Travestis e Transexuais previsto no Programa Nacional dos Direitos Humanos1 de 1996 Essa luta contra a discriminação foi ainda impulsionada pela III Conferência Mundial Contra o Racismo Discriminação Racial Xenofobia e Intolerância Correlata patrocinada pela ONU e realizada em Durban África do Sul no ano de 2001 Após Durban o governo federal instituiu por meio do Decreto n 3952 o Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCD órgão colegiado composto por representantes da sociedade civil e Governo Federal visando coordenar os esforços de combate à discriminação no Brasil Ao novo Conselho foi atribuído o acompanhamento dos casos que tramitam perante o Comitê de Eliminação de Discriminação CERD nos termos do art 14 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 e ratificada pelo Brasil em 1968 vide Parte II Capítulo II item 11 Em 2010 foi dado novo perfil ao CNCD por meio do Decreto n 7388 de 9 de dezembro de 2010 especializandoo na promoção dos direitos da população LGBT passando a ser denominado CNCDLGBT As atribuições de combate à discriminação aos afrodescendentes e aos povos indígenas foram transferidas a outros órgãos O CNCDLGBT tinha por finalidade formular e propor diretrizes de ação governamental em âmbito nacional voltadas para o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos direitos de Lésbicas Gays Bissexuais Travestis e Transexuais LGBT 1265 Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP foi criada pela Lei n 9140 de 4 de dezembro de 1995 que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 Tal lei determinou a criação da CEMDP com a atribuição de reconhecer a morte de pessoas desaparecidas que por terem participado ou por terem sido acusadas de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 tenham falecido por causas não naturais em dependências policiais ou assemelhadas bem como envidar os esforços para a localização de corpos de pessoas desaparecidas no caso de existência de indícios quanto ao local em que possam estar depositados Em 14 de agosto de 2002 foi promulgada a Lei n 10536 que ampliou o período de abrangência da lei anterior para a data final de 5 de outubro de 1988 e ainda reabriu o prazo para apresentação de novos requerimentos Pela Lei n 10875 foram ampliados os critérios de reconhecimento das vítimas da ditadura militar contemplando os que foram alvo por participarem de manifestações públicas ou de conflitos armados com agentes do poder público e os indivíduos que tenham falecido em decorrência de suicídio praticado na iminência de serem presas ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de atos de tortura Atualmente a Comissão Especial está vinculada ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH sendo composta por sete membros de livre escolha e designação do Presidente da República que indicará dentre eles quem irá presidila com voto de qualidade Dos sete membros da Comissão quatro devem ser escolhidos dentre os membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados dentre as pessoas com vínculo com os familiares das vítimas dentre os membros do Ministério Público Federal e dentre os integrantes do Ministério da Defesa Os outros três membros não possuem origem determinada pela lei Em 2019 o Conselho Superior do Ministério Público Federal CSMPF recusou indicação feita pelo MMFDH de nome de Procurador da República para compor a Comissão Especial alegando que tal indicação deve ser feita pelo ProcuradorGeral da República ouvido o Conselho Superior do MPF em face do disposto no art 49 XV da Lei Complementar n 7593 337 1266 A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo CONATRAE A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo CONATRAE consiste em órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que visa acompanhar o cumprimento das ações constantes do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo De acordo com o Decreto n 9887 de 27 de junho de 2019 cabe ainda ao CONATRAE propor i medidas que se fizerem necessárias à implementação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo ii acompanhar e avaliar os projetos de cooperação técnica firmados entre a República Federativa do Brasil e organismos internacionais e iii propor a elaboração de estudos e pesquisas e incentivar a realização de campanhas relacionadas à erradicação do trabalho escravo A CONATRAE é composta por oito integrantes sendo quatro do governo representante do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que a coordenará do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Ministério da Economia do Ministério da Cidadania e quatro da sociedade civil representantes de entidades não governamentais privadas reconhecidas nacionalmente e que possuam atividades relevantes relacionadas com o combate ao trabalho escravo No campo penal o chamado trabalho escravo contemporâneo é tipificado no crime do art 149 do CP cuja figura típica consiste em reduzir alguém a condição análoga à de escravo quer submetendoo a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva quer sujeitandoo a condições degradantes de trabalho quer restringindo por qualquer meio sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto Pena reclusão de dois a oito anos e multa além da pena correspondente à violência Redação dada pela Lei n 10803 de 11122003 O 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo aprovado em 2008 pela então existente Secretaria de Direitos Humanos conta com 66 diferentes tipos de ação que visam à erradicação do trabalho escravo contemporâneo tida como prioridade do Estado brasileiro 1267 Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos CNEDH O Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos CNEDH consistiu em uma instância consultiva e propositiva do Ministério dos Direitos Humanos para tratar precipuamente questões relativas ao Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos Esse Comitê foi constituído por meio da Portaria n 98 de 9 de julho de 2003 da então existente Secretaria Especial de Direitos Humanos sendo integrado por personalidades com notório saber e efetiva atuação na educação em direitos humanos bem como por representantes da própria SEDH Ministério da Educação Unesco e ainda da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados Em 2015 a então Secretaria de Direitos Humanos editou a Portaria n 372 pela qual foram atualizadas as atribuições do Comitê bem como foi reestruturada sua composição A nova composição do Comitê é formada por membros divididos em cinco categorias Poder Público organismos internacionais Instituições de Ensino Superior sociedade civil e especialistas Compete ao Comitê entre outras funções propor monitorar e avaliar políticas públicas para o cumprimento do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos Este plano foi lançado em 2003 e foi integrado ao PNDH3 A educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos articulando as seguintes dimensões entre outras a apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos b afirmação de valores atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade c fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção da proteção O Plano propõe a transversalidade da educação em direitos humanos nas políticas públicas estimulando o desenvolvimento institucional e interinstitucional das ações previstas no PNEDH nos mais diversos setores educação saúde comunicação cultura segurança e justiça esporte e lazer dentre outros Há ainda a previsão de ações de formação de profissionais da educação básica e a produção de materiais didáticos e paradidáticos além do incentivo à estruturação de centros de referência em educação em direitos humanos nas instituições de educação superior seja em forma de Núcleos de Estudos e Pesquisas seja em sítios com referências bibliográficas grupos de discussão artigos na área entre outros A Lei n 138442019 não o menciona como órgão colegiado pertencente ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH e em face do Decreto n 97592019 decreto da extinção de colegiados o CNEDH encontrase em fase de reorganização apesar de continuar a ser mencionado no site do MMFDH até setembro de 2019 338 1268 Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial CNPIR O Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial CNPIR é um órgão colegiado de caráter consultivo e vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH Lei n 13844 O CNPIR visa propor em âmbito nacional políticas de promoção da igualdade racial com ênfase na população negra e outros segmentos raciais e étnicos da população brasileira Além do combate ao racismo o CNPIR almeja propor alternativas para a superação das desigualdades raciais em suas múltiplas facetas econômica social política e cultural O CNPIR foi criado pela Lei n 10678 de 23 de maio de 2003 e regulamentado pelo Decreto n 4885 de 20 de novembro de 2003 De acordo com o Decreto n 48852003 compete ao CNPIR principalmente participar na elaboração de critérios e parâmetros para a formulação e implementação de metas e prioridades para assegurar as condições de igualdade à população negra e de outros segmentos étnicos da população brasileira bem como propor estratégias de acompanhamento avaliação e fiscalização participar do processo deliberativo de diretrizes das políticas de promoção da igualdade racial fomentando a inclusão da dimensão racial nas políticas públicas desenvolvidas em âmbito nacional e ainda zelar pelos direitos culturais da população negra especialmente pela preservação da memória e das tradições africanas e afrobrasileiras além dos demais segmentos étnicos constitutivos da formação histórica e social do povo brasileiro 1269 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDM O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDM consiste em órgão colegiado que possui por finalidade formular e propor diretrizes de ação governamental voltadas à promoção dos direitos das mulheres e atuar no controle social de políticas públicas de igualdade de gênero Foi mencionado expressamente na Lei n 138442019 o que assegura sua existência mesmo após o Decreto n 97592019 decreto da extinção de colegiados De acordo com o Decreto n 6412 de 25 de março de 2008 compete ao CNDM principalmente participar na elaboração de critérios e parâmetros para o estabelecimento e implementação de metas e prioridades que visem assegurar as condições de igualdade às mulheres e ainda apresentar sugestões relativas à implementação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres PNPM devendo também propor estratégias de ação visando ao acompanhamento avaliação e fiscalização das políticas de igualdade para as mulheres desenvolvidas em âmbito nacional bem como a participação social no processo decisório relativo ao estabelecimento das diretrizes dessas políticas O II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres foi adotado em 2008 e conta com 388 ações propostas visando à implementação da igualdade de gênero prevista na Constituição de 1988 e nos tratados internacionais de direitos humanos 12610 Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa CNRDR O Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa CNRDR era órgão colegiado vinculado ao então existente Ministério dos Direitos Humanos criado pela Portaria n 18 de 20 de janeiro de 2014 da então Ministra de Direitos Humanos em linha com o disposto no PNDH3 no seu objetivo estratégico relativo ao respeito às diferentes crenças liberdade de culto e garantia da laicidade do Estado Possuía função consultiva e visava promover o reconhecimento e o respeito à diversidade religiosa auxiliar e propor iniciativas ações e políticas de enfrentamento à intolerância por motivo de crença ou convicção e contribuir no estabelecimento de estratégias de respeito à diversidade e à liberdade religiosa e do direito de não ter religião da laicidade do Estado e do enfrentamento à intolerância religiosa art 2º da Portaria n 182014 A Lei n 138442019 não o menciona como órgão colegiado pertencente ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH e em face do Decreto n 97592019 decreto da extinção de colegiados o CNRDR encontrase em fase de reorganização apesar de continuar a ser mencionado no site do MMFDH até setembro de 2019 339 12611 Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua O Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua instituído pelo Decreto 70532009 tinha a finalidade de promover a inclusão social da população em situação de rua possuindo entre suas atribuições a elaboração de planos de ação periódicos com o detalhamento das estratégias de implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua a proposição de medidas que assegurem a articulação intersetorial das políticas públicas federais para o atendimento da população em situação de rua e a instituição de grupos de trabalho temáticos em especial para discutir as desvantagens sociais a que a população em situação de rua foi submetida historicamente no Brasil e analisar formas para sua inclusão e compensação social A Lei n 138442019 não o menciona como órgão colegiado pertencente ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH e em face do Decreto n 97592019 decreto da extinção de colegiados o Comitê encontrase em fase de reorganização apesar de continuar a ser mencionado no site do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos até setembro de 2019 340 QUADRO SINÓTICO As principais instituições de defesa e promoção dos direitos humanos no Poder Executivo federal Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Ganhou no Governo Bolsonaro a denominação atual Havia deixado de ter estatuto equivalente a Ministério após a substancial reforma administrativa do Governo Temer em 2016 Retomou o status ministerial com a reforma do novo Governo Temer em 2017 Histórico Decreto n 2193 de 7 de abril de 1997 criação da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos vinculada ao Ministério da Justiça em substituição ao departamento de direitos humanos da antiga Secretaria de Direitos da Cidadania Criação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos vinculada à Presidência da República Lei n 106832003 desvinculandoa do Ministério da Justiça Secretaria perde a denominação de Especial e passa a se chamar Secretaria de Direitos Humanos demonstrando que a preocupação com a temática é corriqueira e equiparada às demais áreas administrativas Em 2016 com o governo interino e depois permanente de Michel Temer passou a ser Secretaria Especial de Direitos Humanos órgão subsidiário do Ministério da Justiça e Cidadania Em 2017 volta a ter status ministerial com a denominação Ministério dos Direitos Humanos Atribuições a formulação de políticas e diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos b articulação de iniciativas e apoio a projetos de proteção e promoção dos direitos humanos c adoção de políticas de promoção do reconhecimento e da valorização da dignidade da pessoa humana em sua integralidade d exercício da função de ouvidoria nacional em assuntos relativos aos direitos humanos e formulação de políticas de promoção do reconhecimento e da valorização da dignidade da pessoa humana em sua integralidade e f combate a todas as formas de violência de preconceito de discriminação e de intolerância Composta por 1 Secretaria Nacional de Proteção Global 2 Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência 3 Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial 4 Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa 5 Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente 6 Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres 7 Secretaria Nacional da Juventude 8 Secretaria Nacional da Família Órgãos colegiados 1 Conselho Nacional dos Direitos Humanos CNDH 2 Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCD 3 Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência CONADE 4 Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA 5 Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa CNDI 6 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDM 7 Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial 8 Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura 9 Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais 10 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e 11 Conselho Nacional da Juventude Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos Ouvidorias no Brasil são órgãos de controle interno da Administração Pública que desenvolvem trabalho referente à divulgação dos direitos daqueles envolvidos com a Administração e que devem possibilitar meios de recebimento de notícias de má prestação do serviço público encaminhamento de pedidos de providências e fiscalização dos resultados das sindicâncias abertas Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos é um órgão interno do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Conselho Nacional dos Direitos Humanos É um órgão colegiado criado pela Lei n 129862014 Atribuições i A atribuição promocional consiste na elaboração de estudos recomendações e opiniões sobre ações na temática inclusive para influenciar na capacitação e educação para os direitos humanos ii A atribuição fiscalizadora é consagrada no dever de fiscalizar a política nacional de direitos humanos e observar o cumprimento das obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil iii A atribuição repressiva pode ser dividida entre a repressão direta na qual o CNDH apura condutas de violação de direitos humanos e impõe sanções e b indireta na qual o CNDH representa contra tais condutas e cobra ação das autoridades policiais e do Ministério Público evitando que haja negligência e impunidade Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA Criado pela Lei n 824291 cabendolhe atuar na promoção dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes Principais atribuições 1 elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente fiscalizando as ações de execução em consonância com a Lei n 806990 2 zelar pela aplicação da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente 3 dar apoio aos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e órgãos correlatos 4 avaliar a política estadual e municipal e a atuação dos Conselhos Estaduais e Municipais da Criança e do Adolescente 5 apoiar a promoção de campanhas educativas sobre os direitos da criança e do adolescente O CONANDA possui composição paritária entre o Poder Executivo e entidades não governamentais de âmbito nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente Órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que deve acompanhar e avaliar o desenvolvimento de uma política nacional para inclusão da pessoa com deficiência e das políticas setoriais de educação saúde trabalho assistência social transporte cultura turismo desporto lazer e política urbana voltadas a essas pessoas É um órgão paritário com conselheiros da área pública e também da sociedade civil organizada Competência Decreto n 329899 Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CONADE 1 zelar pela efetiva implantação da política para inclusão da pessoa com deficiência em âmbito nacional e acompanhar o planejamento e avaliar a execução das políticas setoriais de educação saúde trabalho assistência social transporte cultura turismo desporto lazer política urbana e outras relativas à pessoa com deficiência 2 acompanhar e apoiar as políticas e as ações do Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência no âmbito dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios 3 propor a elaboração de estudos e pesquisas que objetivem a melhoria da qualidade de vida da pessoa com deficiência 4 propor e incentivar a realização de campanhas visando à prevenção de deficiência e à promoção dos direitos da pessoa com deficiência 5 aprovar o plano de ação anual da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CORDE órgão administrativo da Secretaria de Direitos Humanos que deve acompanhar e orientar a execução pela Administração Pública Federal das ações da Política Nacional para Inclusão da Pessoa com Deficiência Conselho Nacional dos Direitos do Idoso CNDI Órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Finalidade elaboração das diretrizes para a formulação e a implementação da Política Nacional do Idoso observadas as linhas de ação e as diretrizes conforme dispõe o Estatuto do Idoso bem como acompanhar e avaliar a sua execução Competência Decreto n 98932019 1 elaborar as diretrizes instrumentos normas e prioridades da Política Nacional do Idoso 2 controlar e fiscalizar as ações de execução e zelar pela aplicação da política nacional de atendimento ao idoso dando apoio aos Conselhos Estaduais do Distrito Federal e Municipais dos Direitos do Idoso aos órgãos estaduais municipais e entidades não governamentais para tornar efetivos os princípios as diretrizes e os direitos estabelecidos pelo Estatuto do Idoso 3 acompanhar e avaliar a expedição de orientações e recomendações sobre a aplicação do Estatuto do Idoso e dos demais atos normativos relacionados aos direitos do idoso Conselho Nacional de Combate à Discriminação Órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Regulado pelo Decreto n 98832019 É composto por seis membros sendo três governamentais e três da sociedade civil Atribuição a formular e propor diretrizes de ação governamental voltadas para a defesa dos direitos das minorias étnicas e sociais bem como das vítimas de violência de preconceito de discriminação e de intolerância b zelar pela observância da legislação de combate à discriminação e à intolerância e representar aos Poderes Públicos nos casos de infringência da Constituição das leis e de regulamentos federais que disponham sobre a matéria Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP Criada pela Lei n 914095 que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 Atribuição reconhecer a morte de pessoas desaparecidas que por terem participado ou por terem sido acusadas de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 tenham falecido por causas não naturais em dependências policiais ou assemelhadas bem como envidar os esforços para a localização de corpos de pessoas desaparecidas no caso de existência de indícios quanto ao local em que possam estar depositados Lei n 105362002 ampliou o período de abrangência da lei anterior para a data final de 5 de outubro de 1988 e reabriu o prazo para apresentação de novos requerimentos Lei n 108752004 ampliou os critérios de reconhecimento das vítimas da ditadura militar Composta por sete membros de livre escolha e designação do Presidente da República que indicará dentre eles quem irá presidila com voto de qualidade Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo CONATRAE Órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que visa acompanhar o cumprimento das ações constantes do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo propondo as adaptações que se fizerem necessárias Regulado pelo Decreto n 98872019 Competência 1 acompanhar a tramitação de projetos de lei relacionados com o combate e erradicação do trabalho escravo no Congresso Nacional 2 propor atos normativos que se fizerem necessários à implementação do plano nacional de erradicação do trabalho escravo A CONATRAE é composta por oito integrantes sendo quatro governamentais e quatro da sociedade civil Trabalho escravo contemporâneo tipificado no crime do art 149 do CP 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo aprovado em 2008 pela Secretaria de Direitos Humanos conta com 66 diferentes tipos de ação que visam à erradicação do trabalho escravo contemporâneo Comitê Nacional de Constituído por meio da Portaria n 98 de 9 de julho de 2003 da SED que sofreu atualização pela Portaria n 3722015 Atribuição propor monitorar e avaliar políticas públicas para o cumprimento do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos CNEDH Educação em Direitos Humanos lançado em 2003 e integrado ao PNDH3 A Lei n 138442019 não o menciona como órgão colegiado pertencente ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH e em face do Decreto n 97592019 decreto da extinção de colegiados o CNEDH encontrase em fase de reorganização apesar de continuar a ser mencionado no site do MMFDH até setembro de 2019 Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial CNPIR Órgão colegiado de caráter consultivo e vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Criado pela Lei n 106782003 e regulamentado pelo Decreto n 48852003 Objetivo propor em âmbito nacional políticas de promoção da igualdade racial com ênfase na população negra e outros segmentos raciais e étnicos da população brasileira propor alternativas para a superação das desigualdades raciais em suas múltiplas facetas econômica social política e cultural Competência 1 participar na elaboração de critérios e parâmetros para a formulação e implementação de metas e prioridades para assegurar as condições de igualdade à população negra e de outros segmentos étnicos da população brasileira 2 propor estratégias de acompanhamento avaliação e fiscalização bem como a participação no processo deliberativo de diretrizes das políticas de promoção da igualdade racial fomentando a inclusão da dimensão racial nas políticas públicas desenvolvidas em âmbito nacional 3 zelar pelos direitos culturais da população negra especialmente pela preservação da memória e das tradições africanas e afrobrasileiras bem como dos demais segmentos étnicos constitutivos da formação histórica e social do povo brasileiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDM Órgão colegiado vinculado à Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres Finalidade formular e propor diretrizes de ação governamental voltadas à promoção dos direitos das mulheres e atuar no controle social de políticas públicas de igualdade de gênero Competência Decreto n 64122008 1 participar na elaboração de critérios e parâmetros para o estabelecimento e implementação de metas e prioridades que visem assegurar as condições de igualdade às mulheres 2 apresentar sugestões relativas à implementação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 3 propor estratégias de ação visando ao acompanhamento avaliação e fiscalização das políticas de igualdade para as mulheres desenvolvidas em âmbito nacional bem como a participação social no processo decisório relativo ao estabelecimento das diretrizes dessas políticas 2º Plano Nacional de Políticas para as Mulheres foi adotado em 2008 e conta com 388 ações propostas visando à implementação da igualdade de gênero 13 No Poder Legislativo Federal a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados CDHM A Comissão de Direitos Humanos e Minorias CDHM é uma comissão permanente da Câmara dos Deputados cabendolhe discutir e votar propostas legislativas referentes à temática dos direitos humanos bem como fiscalizar a atuação governamental na área recebendo notícias de violações de direitos humanos e colaborando com entidades não governamentais na feitura dos chamados relatórios sombra vide Parte II Capítulo V itens 3 a 10 a serem encaminhados a órgãos internacionais de direitos humanos A Comissão criada em 1995 é referência também na discussão das políticas públicas de direitos humanos organizando anualmente as conferências nacionais de direitos humanos que auxiliaram a realização dos Programas Nacionais de Direitos Humanos 1 2 e 3 atualmente em vigor QUADRO SINÓTICO No Poder Legislativo Federal a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados CDHM A CDHM é uma comissão permanente da Câmara dos Deputados Criação 1995 Atribuições discutir e votar propostas legislativas referentes à temática dos direitos humanos bem como fiscalizar atuação governamental na área recebendo notícias de violações de direitos humanos e colaborando com entidades não governamentais na feitura dos chamados relatórios sombra a serem encaminhados a órgãos internacionais de direitos humanos 14 Ministério Público Federal e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão De acordo com o art 127 da CF88 o Ministério Público é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis A Lei Complementar n 7593 que dispõe sobre o estatuto do Ministério Público da União determina em seu art 39 que compete ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos direitos constitucionais do cidadão sempre que se cuidar de garantirlhes o respeito I pelos Poderes Públicos Federais II pelos órgãos da Administração Pública federal direta ou indireta III pelos concessionários e permissionários de serviço público federal IV por entidades que exerçam outra função delegada da União Ainda o art 5º III e da Lei Complementar n 7593 estabelece que compete ao Ministério Público a defesa dos direitos e interesses coletivos especialmente das comunidades indígenas da família da criança do adolescente e do idoso Assim a defesa dos direitos humanos é atribuição constitucional do Ministério Público o que resultou no âmbito de atuação federal na criação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão PFDC do Ministério Público Federal A PFDC foi criada pela Lei Complementar n 7593 que dispôs em seu art 40 que o ProcuradorGeral da República designará dentre os SubprocuradoresGerais da República e mediante prévia aprovação do nome pelo Conselho Superior o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão para exercer as funções do ofício pelo prazo de dois anos permitida uma recondução precedida de nova decisão do Conselho Superior Também estabeleceu que em cada Estado e no Distrito Federal será designado pelo ProcuradorGeral da República um Procurador Regional dos Direitos do Cidadão Compete ao Procurador Federal dos Direitos do Cidadão coordenar o trabalho dos Procuradores Regionais expedindolhes instruções respeitando contudo o princípio da independência funcional A PFDC zela pela defesa dos direitos constitucionais do cidadão e visa à garantia do seu efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública Cabe ao Procurador dos Direitos do Cidadão agir de ofício ou mediante representação notificando a autoridade questionada para que preste informação no prazo que assinar Recebidas ou não as informações e instruído o caso se o Procurador dos Direitos do Cidadão concluir que direitos constitucionais foram ou estão sendo desrespeitados deverá notificar o responsável para que tome as providências necessárias a prevenir a repetição ou que determine a cessação do desrespeito verificado Não atendida no prazo devido a notificação prevista no artigo anterior a Procuradoria dos Direitos do Cidadão representará ao poder ou autoridade competente para promover a responsabilidade pela ação ou omissão inconstitucionais A Lei Complementar n 7593 estruturou a PFDC a partir da experiência do Defensor do Povo Defensor del Pueblo ibérico e do ombudsman sueco que são entes que recomendam a correção da conduta por parte da autoridade faltosa Só assim é possível entender o art 15 da Lei Complementar n 7593 que prevê que é vedado aos órgãos de defesa dos direitos constitucionais do cidadão promover em juízo a defesa de direitos individuais lesados Em 2016 houve debate no Conselho Nacional do Ministério Público sobre a atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão na fiscalização da ação da Polícia Militar do Estado de São Paulo na repressão a manifestações populares O Ministério Público do Estado de São Paulo representou ao Conselho Nacional do Ministério Público contra os procuradores da república envolvidos alegando em síntese usurpação das atribuições do parquet paulista no controle externo da atividade policial 341 Contudo não há usurpação uma vez que a PFDC quando fiscaliza entes estaduais ou municipais age como observador que coleta dados para ao final emitir recomendações e pedidos de providências Entre as providências pode estar o pedido ao ProcuradorGeral da República para que este pleiteie ao Superior Tribunal de Justiça o deslocamento de competência no caso de graves violações de direitos humanos Quando a legitimidade para a ação judicial decorrente da inobservância da Constituição Federal verificada pela PFDC couber a outro órgão do Ministério Público os elementos de informação lhe serão remetidos Sempre que o titular do direito lesado não puder constituir advogado e a ação cabível não incumbir ao Ministério Público o caso com os elementos colhidos será encaminhado à Defensoria Pública competente Dentre os instrumentos de atuação dos Procuradores dos Direitos do Cidadão estão a instauração de procedimento administrativo e inquérito civil público para investigação de violações de direitos humanos b expedição de notificação às autoridades c requisição de informações e documentos d expedição de recomendações às autoridades federais de todos os níveis hierárquicos e celebração de Termos de Ajustamento de Conduta f realização de audiências públicas g representação às autoridades competentes para o ajuizamento de ações h recebimento de queixas denúncias e representações de qualquer cidadão órgão público ou entidade não governamental em matérias relacionadas à defesa dos direitos humanos i acompanhamento das proposições legislativas relacionadas aos direitos humanos Além disso a PFDC auxilia na promoção dos direitos humanos pela divulgação de cartilhas de direitos humanos realização de eventos e cursos Mais a PFDC no exercício de suas funções está em constante diálogo com órgãos de Estado organismos nacionais e internacionais e representantes da sociedade civil Finalmente cabe salientar que só há três ofícios unipessoais na cúpula do Ministério Público Federal o de ProcuradorGeral da República o de ProcuradorGeral Eleitoral exercido simultaneamente pelo próprio ProcuradorGeral da República e o de Procurador Federal dos Direitos Humanos Este último seria o procuradorgeral dos direitos humanos simbolizando o comprometimento da instituição com a matéria Em 2017 foi criada a Secretaria de Direitos Humanos e Defesa Coletiva SDHDC da ProcuradoriaGeral da República que tem como missão atuar nas demandas de direitos humanos sob atribuição da ProcuradoriaGeral da República como por exemplo processos no Supremo Tribunal Federal ou ainda incidentes de deslocamento de competência no Superior Tribunal de Justiça 342 Em 2018 foi apresentada a candidatura da PFDC para ser credenciada como instituição nacional de direitos humanos brasileira ver abaixo item referente à INDH e aos Princípios de Paris QUADRO SINÓTICO Ministério Público Federal e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão Defesa dos direitos humanos atribuição constitucional do Ministério Público art 127 da CF88 art 39 da LC n 7593 Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão PFDC Criação pela LC n 7593 Origem da estrutura da PFDC experiência do Defensor do Povo ibérico e do ombudsman sueco entes que recomendam a correção da conduta por parte da autoridade faltosa Com isso compreendese a vedação a que os órgãos de defesa dos direitos constitucionais do cidadão promovam em juízo a defesa de direitos individuais lesados Art 40 da LC n 7593 o ProcuradorGeral da República designa dentre os SubprocuradoresGerais da República e mediante prévia aprovação do nome pelo Conselho Superior o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão para exercer as funções do ofício pelo prazo de dois anos permitida uma recondução precedida de nova decisão do Conselho Superior Em cada Estado e no Distrito Federal é designado pelo ProcuradorGeral da República um Procurador Regional dos Direitos do Cidadão Procurador Federal dos Direitos do Cidadão coordena o trabalho dos Procuradores Regionais expedindolhes instruções respeitando contudo o princípio da independência funcional A PFDC zela pela defesa dos direitos constitucionais do cidadão e visa à garantia do seu efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública Atua como ombudsman ou defensor del pueblo Dentre os instrumentos de atuação dos Procuradores dos Direitos do Cidadão estão a instauração de procedimento administrativo e inquérito civil público para investigação de violações de direitos humanos b expedição de notificação às autoridades c requisição de informações e documentos d expedição de recomendações às autoridades federais de todos os níveis hierárquicos e celebração de Termos de Ajustamento de Conduta f realização de audiências públicas g representação às autoridades competentes para o ajuizamento de ações h recebimento de queixas denúncias e representações de qualquer cidadão órgão público ou entidade não governamental em matérias relacionadas à defesa dos direitos humanos i acompanhamento das proposições legislativas relacionadas aos direitos humanos j auxílio na promoção dos direitos humanos pela divulgação de cartilhas de direitos humanos realização de eventos e cursos k diálogo com órgãos de Estado organismos nacionais e internacionais e representantes da sociedade civil 15 A Defensoria Pública da União e a defesa dos direitos humanos O direito à assistência jurídica encontrase previsto no ordenamento jurídico constitucional e também no Direito Internacional dos Direitos Humanos por meio de tratados internacionais já ratificados e incorporados internamente ao direito brasileiro Na CF88 prevê o art 5º LXXIV que O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos Há ainda outros dispositivos constitucionais que também revelam a existência do dever do Estado em prover a assistência jurídica gratuita como o direito de acesso à justiça art 5º XXXV e também o direito à igualdade art 5º I É evidente que o acesso à justiça ficaria comprometido caso não fosse disponibilizado também o acesso ao advogado e sua capacidade de traduzir a demanda de uma pessoa em uma provocação técnica da jurisdição Por outro lado a igualdade prevista no art 5º dependerá em última análise que todos conheçam o direito e possam se socorrer dos remédios judiciais sem o que haverá disparidade injustificável de tratamento e consequentemente exclusão social Concretizase assim o direito de acesso à justiça e a igualdade por meio da assistência jurídica integral e gratuita e por conseguinte a assistência jurídica gratuita passou a ser uma obrigação do Estado e um direito fundamental de todo aquele que dela necessite A Constituição de 1988 garantiu a assistência jurídica integral que não se limita à assistência judiciária que era assegurada desde a Constituição de 1934 Essa última referese tão somente à defesa dos interesses das pessoas em juízo já a assistência jurídica integral é mais ampla abrangendo a informação do direito e ainda a tutela administrativa e extrajudicial A Constituição de 1988 também foi inovadora ao criar Defensoria Pública no seu art 134 mencionandoa como função essencial à prestação jurisdicional do Estado e formando então o arco público do sistema de justiça Magistratura Ministério Público Advocacia Pública e Defensoria Pública Em 2014 foi promulgada a Emenda Constitucional n 80 que deu nova redação ao art 134 da CF prevendo que incumbe à Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático fundamentalmente a orientação jurídica a promoção dos direitos humanos e a defesa em todos os graus judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos de forma integral e gratuita aos necessitados na forma do inciso LXXIV do art 5º Foi transposta para o plano constitucional a literalidade do art 1º da Lei Complementar n 8094 alterado pela Lei Complementar n 1322009 Entre os objetivos da Defensoria Pública estão a busca da primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais bem como a prevalência e efetividade dos direitos humanos art 3ºA Lei Complementar n 8094 incluído pela Lei Complementar n 132 de 2009 Nesses objetivos constitucionais e legais da Defensoria Pública fica clara a pertinência da instituição com a temática dos direitos humanos No caso em análise a Defensoria Pública da União DPU possui a missão de assegurar o acesso à justiça das pessoas prestando assistência jurídica judicial integral e gratuita nas causas na Justiça Federal na Justiça Militar na Justiça Eleitoral na Justiça Trabalhista nos Tribunais Superiores e no Supremo Tribunal Federal além dos Juizados Especiais Federais Também lhe incumbe a assistência jurídica extrajudicial federal que abarca a orientação e o aconselhamento jurídicos feitos pelo Defensor Público além da conciliação e da representação do vulnerável junto à Administração Pública Federal Direta Autárquica e Fundacional como por exemplo em procedimentos administrativos perante o Instituto Nacional do Seguro Social INSS agências reguladoras ANATEL ANEEL etc entre outros Fica excluída da atribuição da DPU a defesa do vulnerável perante as sociedades de economia mista controladas pela União Petrobras por exemplo e concessionárias privadas de serviços públicos federais uma vez que tais entes são sujeitos ao Poder Judiciário dos Estados cabendo atuação da Defensoria Pública dos Estados O grande desafio da DPU é cumprir essa missão constitucional e legal superando a barreira da falta de recursos humanos e materiais para realizar a inclusão jurídica na área federal da enorme quantidade de brasileiros que não podem dispor de serviços privados de advocacia sem prejudicar a própria subsistência QUADRO SINÓTICO Defensoria Pública da União e a defesa dos direitos humanos Direito à assistência jurídica previsto na CF88 art 5º I LXXIV XXXV e em tratados internacionais de direitos humanos Assistência jurídica gratuita obrigação do Estado e direito fundamental de todo aquele que dela necessite A CF88 garantiu a assistência jurídica integral que abrange não só a defesa dos interesses das pessoas em juízo mas também a informação do direito e a tutela administrativa e extrajudicial Defensoria Pública função essencial à prestação jurisdicional do Estado CF art 134 LC n 8094 alterada pela LC n 1322009 Defensoria Pública é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe como expressão e instrumento do regime democrático fundamentalmente a orientação jurídica a promoção dos direitos humanos e a defesa em todos os graus judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos de forma integral e gratuita aos necessitados Objetivos da Defensoria Pública busca da primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais bem como a prevalência e efetividade dos direitos humanos art 3ºA LC n 8094 incluído pela LC n 1322009 Missão da DPU a assegurar o acesso à justiça das pessoas prestando assistência jurídica judicial integral e gratuita nas causas na Justiça Federal na Justiça Militar na Justiça Eleitoral na Justiça Trabalhista nos Tribunais Superiores e no Supremo Tribunal Federal além dos Juizados Especiais Federais b prestar assistência jurídica extrajudicial federal que abarca a orientação e o aconselhamento jurídicos feitos pelo Defensor Público além da conciliação e da representação do vulnerável junto à Administração Pública Federal Direta Autárquica e Fundacional Excluído da atribuição da DPU defesa do vulnerável perante as sociedades de economia mista controladas pela União e concessionárias privadas de serviços públicos federais 16 Instituições de defesa de direitos humanos no plano estadual e municipal 161 O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Os Ministérios Públicos estaduais dispõem de curadorias que abarcam temas típicos da temática de direitos humanos como cidadania meio ambiente consumidor entre outros Além disso foi criado o Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional de ProcuradoresGerais GNDHCNPG que visa a capacitação e troca de experiências entre os promotores e procuradores de justiça atuantes na temática O Conselho Nacional de ProcuradoresGerais é uma associação de direito privado sem fins lucrativos criada em 1981 que congrega os ProcuradoresGerais de Justiça dos Ministérios Públicos dos Estados e da União De acordo com seu estatuto o Conselho deve integrar os Ministérios Públicos de todos os Estados brasileiros promovendo o intercâmbio de experiências funcionais e administrativas para melhor cumprir as missões constitucionais do Ministério Público No caso dos direitos humanos o Grupo Nacional de Direitos Humanos possui Comissões Permanentes que tratam de diversos temas de direitos humanos tais como tortura violência doméstica contra a mulher saúde pública conflitos agrários idosos pessoas com deficiência infância e juventude etc Por se tratar de uma associação privada a troca de experiências depende da vontade dos próprios envolvidos Ainda no que tange à atuação coordenada em prol dos direitos humanos há as relevantes ações do Conselho Nacional do Ministério Público CNMP criado pela Emenda Constitucional n 452004 art 130A da CF88 em especial no que tange à infância e juventude tendo sido criada uma Comissão de Aperfeiçoamento da Atuação do Ministério Público na Área da Infância e Juventude que já gerou a adoção da Resolução n 71 de 15 de junho de 2011 regendo as medidas de aprimoramento da atuação do Ministério Público na área 162 A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO E A DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS A Defensoria Pública do Estado consiste em instituição que presta assistência jurídica aos necessitados em todos os graus de jurisdição estadual e instâncias administrativas estaduais e municipais Sua tarefa compreende a orientação jurídica e a defesa dos seus assistidos no âmbito judicial extrajudicial e administrativo O art 106A da Lei Complementar n 8094 incluído pela Lei Complementar n 1322009 determina que a organização da Defensoria Pública do Estado deve primar pela descentralização e sua atuação deve incluir atendimento interdisciplinar bem como a tutela dos interesses individuais difusos coletivos e individuais homogêneos Na temática dos direitos humanos essa determinação legal é essencial para a concretização do direito à assistência jurídica integral Nenhuma fórmula assecuratória dos direitos humanos deve ser descartada podendo ser utilizados os mecanismos judiciais e extrajudiciais os termos de ajuste de conduta a mediação e negociação assistida Como exemplo dessa nova concepção de assistência jurídica integral cabe citar o trabalho da Defensoria Pública do Estado de São Paulo na garantia dos direitos das vítimas do acidente de desmoronamento em obra de expansão do Metro de São Paulo Nesse acidente ocorrido em 2007 ao invés da prestação de assistência judiciária o que poderia levar às vítimas ao tortuoso e moroso processo judicial de indenização brasileiro houve a opção por mediação e negociação extrajudicial Assim a Defensoria Pública do Estado de São Paulo intermediou o pagamento de indenizações extrajudiciais o que tornou a prestação de assistência jurídica rápida e eficaz para familiares de vítimas e moradores desamparados Esta experiência ganhou o Prêmio Innovare na categoria de prática de excelência na Defensoria Pública No que tange à organização as Defensorias Públicas estaduais contam com núcleos especializados na temática dos direitos humanos tais quais os Ministérios Públicos estaduais Em São Paulo há o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos e que atua nas áreas não tratadas pelos demais Núcleos Especializados dessa Defensoria Pública que são os seguintes Infância e Juventude Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher Habitação e Urbanismo Situação Carcerária Combate à Discriminação Racismo e Preconceito Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência e Defesa do Consumidor Sua função primordial é promover a proteção e promoção dos direitos humanos dos chamados grupos sociais vulneráveis atuando com foco no tratamento coletivo dos problemas de direitos humanos podendo propor medidas judiciais e extrajudiciais agindo isolada ou conjuntamente com os Defensores Públicos sem prejuízo da atuação do Defensor Natural art 53 da Lei Complementar paulista n 9882006 Também auxilia os demais Defensores na realização de suas atividades agindo como órgão operacional de apoio Em São Paulo esse Núcleo também se encarrega de estudar o acionamento dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos como prevê o art 4º VI da Lei Complementar n 8094 343 163 OS CONSELHOS ESTADUAIS DE DIREITOS HUMANOS Os Conselhos Estaduais de Defesa dos Direitos Humanos representam no plano estadual a coordenação das políticas públicas estaduais de direitos humanos tal qual existe no plano federal Esperase que o modelo de participação da sociedade civil seja adotado bem como a participação popular por meio de conferências estaduais de direitos humanos Outra característica importante de atuação de um Conselho Estadual de Direitos Humanos é a adoção de mecanismos monitoramento e avaliação da situação de direitos humanos no Estado bem como objetivos e metas para o avanço da implementação de direitos na seara estadual Finalmente esperase que um Conselho Estadual também sirva para o recebimento de notícias de violação de direitos humanos em especial por parte de autoridades públicas para depois exigir reparação e punição das autoridades faltosas QUADRO SINÓTICO Instituições de defesa de direitos humanos no plano estadual e municipal Ministério Público Estadual Instrumentos utilizados pelo Ministério Público em prol dos direitos humanos Curadorias que abarcam temas típicos da temática de direitos humanos como cidadania meio ambiente consumidor entre outros Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional de ProcuradoresGerais GNDHCNPG que visa a capacitação e troca de experiências entre os promotores e procuradores de justiça atuantes na temática Ações do CNMP em especial no que tange à infância e juventude Defensoria Pública do Estado e a defesa dos direitos humanos Presta assistência jurídica aos necessitados orientação jurídica e defesa dos seus assistidos no âmbito judicial extrajudicial e administrativo em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do Estado Organização art 106A da LC n 8094 deve primar pela descentralização e sua atuação deve incluir atendimento interdisciplinar e a tutela dos interesses individuais difusos coletivos e individuais homogêneos Contam com núcleos especializados na temática dos direitos humanos Conselhos Estaduais de Direitos Humanos Representam no plano estadual a coordenação das políticas públicas estaduais de direitos humanos Característica importante adoção de modelo de participação da sociedade civil e de participação popular por meio de conferências estaduais de direitos humanos Atribuições a adoção de mecanismos monitoramento e avaliação da situação de direitos humanos no Estado bem como objetivos e metas para a o avanço da implementação de direitos na seara estadual b recepção de notícias de violação de direitos humanos em especial por parte de autoridades públicas para posterior exigência de reparação e punição das autoridades faltosas 17 Custos legis custos vulnerabilis e o amicus curiae na defesa dos direitos humanos A intervenção de um ente desvinculado das partes principais de um processo é fenômeno tradicional no processo brasileiro A intervenção necessária do Ministério Público como custos legis ou seja como fiscal da lei se dá para proteger direitos essenciais zelar por interesses indisponíveis envolvidos no processo ou ainda em virtude do uso de garantias fundamentais como o mandado de segurança ou o habeas corpus Entendese que o Ministério Público nessa condição é guardião da ordem jurídica não se vinculando inclusive à defesa incondicional do interesse que o atraiu ao processo Sua missão de defesa da ordem jurídica é feita inclusive nos processos nos quais é Autor como se dá na ação penal pública incondicionada na qual a atuação do MP perante os Tribunais se dá em geral sob a ótica do fiscal da lei 344 Assim é comum a atuação do Ministério Público na função de custos legis na defesa de direitos humanos Outra atuação em prol da defesa de direitos humanos seria a da Defensoria Pública atuando na função de custos vulnerabilis que consistiria na defesa dos vulneráveis envolvidos no processo independentemente da existência de advogado particular constituído A justificativa para essa função da Defensoria está na presunção de desigualdade e fragilidade dos vulneráveis A origem etimológica de vulnerabilidade advém de vulnus que no latim significa estar machucado ferido sendo o estado daquele que tem um ponto fraco e que pode ser ferido A vulnerabilidade compreende o estado inerente de risco ou confrontação excessiva com a parte adversa que pode ser permanente ou provisória individual ou coletiva mas que fragiliza o sujeito de direitos desequilibrando a relação jurídica com a outra parte É um instrumento que guia a atuação do legislador ou do julgador na aplicação de normas protetivas que reequilibram as relações jurídicas em nome da justiça material 345 A atuação da Defensoria então serve para permitir maior equilíbrio no processo preservandose a igualdade material mesmo que o vulnerável já tenha advogado constituído Diferentemente do custos legis o custos vulnerabilis não poderia em tese atacar a posição daquele interesse que o atraiu no processo sob pena de se transformar assim em um segundo e desnecessário fiscal da lei Ponto polêmico diz respeito ao tratamento a ser dado na existência de vulneráveis nos dois polos processuais Duas posições são possíveis a não seria necessária a intervenção do custos vulnerabilis sob pena de escolha indevida de um lado por parte da Defensoria b caso a intervenção seja indispensável pela gravidade da disputa envolvendo os vulneráveis dois defensores atuariam como custos vulnerabilis cada qual na defesa de um polo processual Existiriam de modo implícito três hipóteses legais de intervenção da Defensoria Pública como guardiã dos vulneráveis a Art 81A da Lei n 721084 Lei de Execução Penal incluído pela Lei n 123132010 que dispõe que A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança oficiando no processo executivo e nos incidentes da execução para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias de forma individual e coletiva b Art 554 1º do CPC pelo qual no caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais determinandose ainda a intimação do Ministério Público e se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica da Defensoria Pública c Art 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê Art 141 É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública ao Ministério Público e ao Poder Judiciário por qualquer de seus órgãos A interpretação restritiva desses dispositivos contudo pode acarretar a conclusão de que caberia a intervenção da Defensoria somente no âmbito de seu papel constitucional de assegurar a assistência jurídica integral aos vulneráveis caso estes já contem com advogado particular a vulnerabilidade já estaria sanada A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal STF não parece ter se sensibilizado sobre a existência do custos vulnerabilis No maior teste da tese o Min Lewandowski em decisão monocrática no habeas corpus coletivo em favor das mulheres grávidas ou gestantes presas admitiu a intervenção da Defensoria Pública da União como Impetrante e das demais Defensorias Públicas como amici curiae e não como custos vulnerabilis como pleiteado STF Habeas Corpus Coletivo n 143641 rel Min Ricardo Lewandowski decisão monocrática de 19122017 346 Em 2019 em outro teste da tese em caso de grande repercussão a Defensoria Pública da União requereu seu ingresso na Extradição n 1578347 como custos vulnerabilis ou como amicus curiae tendo o relator Min Edson Fachin determinado o ingresso somente como amicus curiae STF Extradição n 1578 rel Min Edson Fachin decisão monocrática de 1762019 Por outro lado no Superior Tribunal de Justiça STJ houve o reconhecimento em setembro de 2019 pela sua Segunda Seção da atuação da Defensoria Pública da União DPU como custos vulnerabilis Tratouse de interposição de embargos de declaração da DPU em recurso especial repetitivo sobre tema de defesa de consumidores de planos de saúde em face da delonga da Agência Nacional de Vigilância Sanitária no registro e autorização de medicamento Como a DPU havia sido admitida como amicus curiae a interposição de embargos de declaração não deveria teoricamente ser conhecida porque o ato de recorrer extrapolaria os poderes de um amigo da Corte Contudo reconheceuse que a atuação da Defensoria Pública mesmo na condição de amicus curiae tem evoluído para uma intervenção ativa no processo em nome de terceiros interessados no êxito de uma das partes STJ EDcl no REsp 1712163SP rel Min Moura Ribeiro 2ª Seção j 2592019 publicado no DJe de 2792019 Com essa intervenção ativa da condição de custos vulnerabilis da Defensoria Pública advém o poder de recorrer tal qual ocorre com a figura do custos legis do Ministério Público Por outro lado é pacífica a possibilidade de a Defensoria Pública tal como as organizações não governamentais intervir como amicus curiae amigo do Tribunal tal como preconiza o art 138 do CPC nas causas de direitos humanos Utilizase o binômio tipo do tema em debate relevante específico ou com repercussão social e ainda representatividade adequada este último preenchido obviamente pela Defensoria Pública pela sua missão constitucional para aferir a possibilidade de intervenção do amicus curiae Contudo não há a possibilidade de interposição de recursos salvo recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas cabendo ao juiz ou ao relator na decisão que solicitar ou admitir a intervenção definir os poderes do amicus curiae 18 A instituição nacional de direitos humanos e os Princípios de Paris 181 O CONCEITO DE INSTITUIÇÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS As instituições nacionais de direitos humanos são grosso modo órgãos públicos nacionais que agem com independência com a missão específica de proteger e promover os direitos humanos recebendo notícias de violações recomendando ações e políticas de implementação de direitos Embora a composição e funções concretas de tais instituições possam variar consideravelmente de país para país elas compartilham a i natureza pública esse ii objetivo comum e essa iii característica de agir com independência sendo por isso denominadas no plano onusiano instituições nacionais de direitos humanos INDH O conceito de instituições nacionais de direitos humanos reflete o desenvolvimento da proteção internacional dos direitos humanos após sua consagração pela edição da Carta da Organização das Nações Unidas 1945 e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 Em 1946 as instituições nacionais de direitos humanos foram discutidas pela primeira vez pelo Conselho Econômico e Social ECOSOC um dos órgãos principais da ONU tendo sido os Estadosmembros convidados a estabelecer grupos de informação ou comitês locais de direitos humanos para colaborarem no reforço da atividade da então existente Comissão dos Direitos Humanos extinta em 2006 substituída pelo Conselho de Direitos Humanos órgão subsidiário da própria ONU Os Estados pelos mesmos motivos pelos quais aceitaram a internacionalização dos direitos humanos também concordaram com a criação ou mesmo adaptação de seus órgãos internos ao que se esperava de uma instituição nacional de direitos humanos um órgão nacional público porém independente com membros com mandato estável e representando todos os segmentos sociais sem vinculação hierárquica ao Poder Executivo e capaz de apontar os rumos de uma proteção mais adequada e eficaz dos direitos humanos em seu território Na Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena de 1993 houve expressa recomendação aos Estados para que criassem uma instituição nacional de direitos humanos 182 OS PRINCÍPIOS DE PARIS O primeiro Workshop Internacional de Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos realizouse em Paris em outubro de 1991 As suas conclusões foram aprovadas pela Comissão de Direitos Humanos atual Conselho de Direitos Humanos da ONU na Resolução n 199254 contendo os Princípios relativos ao estatuto das instituições nacionais a partir de então denominados Princípios de Paris em homenagem ao workshop de 1991 Mais tarde a Assembleia Geral da ONU aprovou tais princípios em sua Resolução n 48134 de 20 de dezembro de 1993 também recomendando a criação em cada Estado de uma instituição nacional de direitos humanos INDH Os Princípios de Paris determinam que uma instituição nacional de direitos humanos deva ser um órgão público competente para promover e proteger os direitos humanos estando previsto na Constituição ou em lei agindo com independência nas seguintes atribuições a apresentar ao Governo Parlamento ou outro órgão competente em caráter consultivo opiniões recomendações propostas e relatórios b promover e assegurar a harmonização entre preceitos nacionais e internacionais de direitos humanos e sua efetiva implementação c encorajar a ratificação de instrumentos internacionais de direitos humanos e assegurar sua implementação d contribuir para os relatórios que os Estados têm de elaborar de acordo com os tratados de direitos humanos e cooperar com a ONU e seus órgãos bem assim com instituições regionais e nacionais com atuação em direitos humanos f assistir na formulação de programas para o ensino e a pesquisa em direitos humanos e participar de sua execução em escolas universidades e círculos profissionais g dar publicidade aos direitos humanos e aos esforços de combater todas as formas de discriminação em particular de discriminação racial aumentando a conscientização pública especialmente por meio da educação e de órgãos da imprensa Tratase de uma instituição pública o INDH não é uma organização não governamental porém independente não podendo ser comandada pelo Governo ou ter maioria de votos de representantes vinculados à hierarquia governista representantes de ministérios etc A instituição nacional deve ter representação pluralista de todas as forças da sociedade envolvidas na promoção e proteção dos direitos humanos bem como uma infraestrutura que permita a condução das atividades de modo harmonioso em especial com recursos adequados com pessoal e ambiente de trabalho próprios com independência do Governo com mandato por prazo determinado podendo haver recondução mas desde que seja respeitado o pluralismo na instituição Em resumo deve ser uma instituição pública de alcance nacional com mandato claro e independente com forte representatividade social e autonomia política dotada de orçamento próprio apta a atuar na prevenção e também nos casos de violação de direitos humanos sem ser constrangida impedida ou ameaçada nessa atuação Caso cumpra esses requisitos de ser ao mesmo tempo um órgão público de âmbito de atuação geográfico nacional independente plural e de atuação livre a instituição nacional pode pleitear seu credenciamento perante a Organização das Nações Unidas 183 A INSTITUIÇÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E A ONU O Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas patrocina as atividades de interação e diálogo entre as instituições nacionais de direitos humanos no chamado Comitê Internacional de Coordenação das Instituições Nacionais de Direitos Humanos International Coordinating Committe of National Human Rights Institutions ICCNHI com sede em Genebra também sede do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU Em 2016 o ICC modificou seu nome para Global Alliance of National Human Rights Institutions GANHRI Aliança Global de Instituições Nacionais de Direitos Humanos que possui personalidade jurídica de direito suíço associação civil sem fins lucrativos O ICCNHI foi estabelecido em 1993 em Conferência realizada na Tunísia entre as próprias Instituições Nacionais de Direitos Humanos O objetivo principal era estabelecer uma rede entre as instituições nacionais para troca de boas práticas obtendo também o aumento da divulgação das iniciativas para consolidar os avanços da proteção de direitos humanos em cada país Em 1998 o ICC decidiu criar um procedimento para credenciamento de novos membros e em 2008 houve a integração do ICC ao sistema internacional de direitos humanos sob os auspícios do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos bem como sua formalização legal e sede na Suíça Genebra Em 2016 houve a mudança de nome ICC para GANHRI que retrata melhor a natureza associativa tem personalidade jurídica de direito suíço e não intergovernamental do grupo Assim a coordenação do ICC tem como objetivo a troca de experiência capacitação e estímulo ao aprofundamento da proteção de direitos humanos nos Estados Para que as Instituições Nacionais de Direitos Humanos participem dessa parceria com o Alto Comissariado elas devem ser aprovadas pelo Subcomitê de Credenciamento Sub Committee on Accreditation SCA que analisará o cumprimento dos Princípios de Paris Também há categorias de credenciamento como membros do GANHRI cujo topo é a Categoria A que representa o pleno preenchimento dos Princípios de Paris Há ainda a Categoria B composta por instituições nacionais que cumprem apenas parcialmente os Princípios e a Categoria C que não cumprem os Princípios Cabe salientar que o GANHRI é a única organização não governamental cujo processo de credenciamento gera o direito de participação voz no Conselho de Direitos Humanos e nos órgãos de direitos humanos previstos em tratados onusianos Em maio de 2019 há 124 instituições nacionais de direitos humanos aceitas no GANHRI sendo 79 na Categoria A 35 na Categoria B e 10 na Categoria C 348 Paralelamente a esse esforço em padronizar minimamente o que vem a ser uma instituição nacional de direitos humanos a Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas realizada em Viena em 1993 decidiu que cada Estado pode ter singularidades que justifiquem formatos diferenciados Assim os Princípios de Paris acima elencados não são invocados de modo absoluto sem levar em consideração as peculiaridades de cada Estado Basta um olhar sobre as instituições nacionais credenciadas hoje para verificar que elas assumem formas distintas Comissões Nacionais de Direitos Humanos Ombudsman Defensoría del Pueblo Provedor de Justiça Procuradoria de Direitos Humanos etc Não há uma abordagem monolítica mas ao contrário várias opções possíveis para a implementação dos Princípios de Paris desde a adoção de Conselhos a Procuradorias unipessoais o que permite que vários tipos de Instituições Nacionais de Direitos Humanos convivam harmonicamente no GANHRI O que as une é a independência diante do governo com mandato protegido livre atuação forte representatividade social e autonomia na realização de seus objetivos de proteção de direitos humanos Por exemplo a Guatemala possui seu Procurador de los Derechos Humanos El Salvador conta com o Procurador para la Defensa de los Derechos Humanos México possui a Comisión Nacional de Derechos Humanos Polônia possui ainda um Protetor de Direitos Civis e há o Ombudsman de Direitos Humanos da Eslovênia sem contar os Defensores del Pueblo da Espanha Argentina e Peru ou o Provedor de Justiça de Portugal e o Ombudsman da Finlândia 184 O BRASIL E A INSTITUIÇÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS A CANDIDATURA DA PFDC O III Programa Nacional de Direitos Humanos aprovado pelo Decreto n 70372009 assumiu o interesse do Estado brasileiro e da sociedade civil organizada na criação de um Conselho Nacional dos Direitos Humanos informado pelos Princípios de Paris a fim de ser credenciado junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos como instituição nacional brasileira III PNDH Eixo Interação democrática e sociedade civil Ação programática a do Objetivo estratégico n 1 No PNDH2 o foco era diferente tendo sido estabelecido no item Garantia do direito à Justiça entre outras tantas estratégias as seguintes 3 Apoiar a criação de promotorias de direitos humanos no âmbito do Ministério Público 4 Apoiar a atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão no âmbito da União e dos Estados Esse apoio ao fortalecimento do Ministério Público na área dos direitos humanos tinha razão de ser a configuração constitucional do Ministério Público brasileiro por não ser vinculado ao Poder Executivo e sua autonomia financeira e orçamentária aproximavam sua atuação do modelo estabelecido pelos Princípios de Paris Com o PNDH3 buscouse o caminho da criação de um Conselho Nacional dos Direitos Humanos que deveria substituir o CDDPH visto acima uma vez que este não atendia aos comandos dos Princípios de Paris em especial quanto à atuação livre e independente o Presidente do CDDPH era o próprio Secretário de Direitos Humanos que possui status de Ministro de Estado ou seja é cargo de confiança do Presidente podendo ser destituído a qualquer momento e sem qualquer motivação Um passo para a criação de uma verdadeira INDH no Brasil foi dado com a transformação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH em um Conselho Nacional dos Direitos Humanos O Projeto de Lei n 4715 de 1994 da Câmara dos Deputados tinha tal intento Esse projeto sofreu alteração no Senado Federal e em junho de 2014 foi promulgada a Lei n 12986 criando o Conselho Nacional dos Direitos Humanos Todavia o maior desafio para a aprovação deste Conselho como INDH é a presença de vários representantes do Poder Executivo e Legislativo inclusive da maioria governamental com direito a voto o que contraria a exigência de autonomia e independência funcional dos conselheiros Notese que ao menos não foi dada ao titular do Ministério de Direitos Humanos em 2019 Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos a presidência nata do CNDH Um novo Conselho Nacional dos Direitos Humanos que atenda aos Princípios de Paris terá um papel diferente dos atuais Conselhos e Comissões de Direitos Humanos existentes hoje Os mais diversos Conselhos analisados acima são exemplos de Conselhos de Políticas Públicas de Direitos Humanos com representação aberta à sociedade civil e voltados à elaboração e coordenação das políticas de direitos humanos Nesses Conselhos o governo participa ativamente do processo decisório pois seu envolvimento é indispensável para fazer valer a posição dos referidos conselhos no cotidiano da Administração Pública Representam um modo de participação social e cogestão tendo em comum o exercício do controle social da implementação dos direitos em sua área de preocupação mulheres pessoas com deficiência LGBT etc O formato pretendido pelos Princípios de Paris é distinto o governo é mero observador da atuação independente e imparcial da instituição nacional de direitos humanos INDH Os Ministros de Estado e demais órgãos submetidos ao poder hierárquico do Poder Executivo podem ter direito à voz mas não teriam direito a voto na INDH O papel de uma INDH é fiscalizar cobrar e com base na sua imparcialidade e representatividade social exigir a reparação das violações de direitos identificadas e correção das políticas públicas em prol dos direitos humanos Em 2018 foi apresentada a candidatura da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão órgão do MPF como visto acima ao GANHRI para que o Brasil finalmente tenha uma instituição nacional de direitos humanos após a incapacidade do Conselho Nacional de Direitos Humanos de se desvincular do Poder Executivo A PFDC surgiu como candidata forte ao posto de primeira INDH em face de ser instituição pública autônoma perante os Poderes do Estado pela sua localização no Ministério Público instituição extrapoder no Brasil tendo historicamente atuação independente inclusive com críticas à atuação do próprio Ministério Público com forte porosidade aos movimentos sociais e com capilaridade nacional tendo ainda a possibilidade de provocar a atuação dos Procuradores da República com atuação em direitos humanos em todo o Brasil Como visto acima a Lei Complementar n 75 concebeu a PFDC nos moldes do defensor del pueblo defensor do povo ou do ombudsman nórdico que são figuras já aceitas como INDH Em outubro de 2019 houve a avaliação do credenciamento da PFDC como instituição nacional de direitos humanos brasileira Esse processo de credenciamento sujeito inclusive a recurso no caso de indeferimento ainda está em trâmite no fechamento desta edição 349 Cabe lembrar que caso a PFDC seja aceita como INDH será ainda mais necessária sua atuação independente diante dos poderes públicos Por isso o modo de nomeação do PFDC atualmente de escolha discricionária pelo ProcuradorGeral da República entre os Subprocuradoresgerais da República deve ser condicionado a um passado reconhecido de defesa de direitos humanos bem como é salutar que ao escolhido sejam impostas restrições como por exemplo a vedação à futura candidatura a postos de poder no MPF ou fora dele quarentena o que asseguraria uma atuação livre e independente QUADRO SINÓTICO O futuro a criação de uma instituição nacional de direitos humanos com a observância dos Princípios de Paris O conceito de instituição nacional de direitos humanos e os Princípios de Paris Instituições nacionais de direitos humanos INDH órgãos públicos que agem com independência com a missão específica de proteger os direitos humanos recebendo notícias de violações recomendando ações e políticas de implementação de direitos A INDH deve ser uma instituição pública não é uma organização não governamental de alcance nacional com mandato claro e independente com forte representatividade social e autonomia política dotada de orçamento próprio apta a atuar nos casos de violação de direitos humanos sem ser constrangida impedida ou ameaçada nessa atuação Origem 1946 as INDH foram discutidas pela primeira vez pelo Conselho Econômico e Social e os Estados membros foram convidados a estabelecer grupos de informação ou comitês locais para colaborarem no reforço da atividade da então existente Comissão dos Direitos Humanos 1991 Paris primeiro Workshop Internacional de Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos Conclusões foram aprovadas pela Comissão de Direitos Humanos na Resolução n 199254 contendo os Princípios de Paris 1993 Assembleia Geral da ONU aprovou tais princípios na Resolução n 48134 também recomendando a criação em cada Estado de INDH 1993 Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena de 1993 houve expressa recomendação aos Estados para que criassem uma INDH Princípios de Paris determinam que uma INDH deva ser um órgão público competente para promover e proteger os direitos humanos estando previsto na Constituição ou em lei agindo com independência nas seguintes atribuições a apresentar ao Governo Parlamento ou outro órgão competente em caráter consultivo opiniões recomendações propostas e relatórios b promover e assegurar a harmonização entre preceitos nacionais e internacionais de direitos humanos e sua efetiva implementação c encorajar a ratificação de instrumentos internacionais de direitos humanos e assegurar sua implementação d contribuir para os relatórios que os Estados têm de elaborar de acordo com os tratados de direitos humanos e cooperar com a ONU e seus órgãos bem assim com instituições regionais e nacionais com atuação em direitos humanos f assistir na formulação de programas para o ensino e a pesquisa em direitos humanos e participar de sua execução em escolas universidades e círculos profissionais g dar publicidade aos direitos humanos e aos esforços de combater todas as formas de discriminação em particular de discriminação racial aumentando a conscientização pública especialmente por meio da educação e de órgãos da imprensa Cumpridos os requisitos de ser órgão público independente plural e de atuação livre a instituição nacional pode pleitear seu credenciamento perante a ONU O GANHRI Global Alliance of National Human Rights Institutions patrocina as atividades de interação e diálogo entre as instituições nacionais de direitos humanos Coordenação do GANHRI tem como objetivo a troca de experiência capacitação e estímulo ao aprofundamento da proteção de direitos humanos nos Estados Para que as INDH participem dessa parceria devem ser aprovadas pelo Subcomitê de Credenciamento que analisará o cumprimento dos Princípios de Paris Os Princípios de Paris não são invocados de modo absoluto sem levar em consideração as peculiaridades de cada Estado O Brasil e a instituição nacional de direitos humanos PNDH3 aprovado pelo Decreto n 70372009 assumiu o interesse do Estado brasileiro e da sociedade civil organizada na criação de um Conselho Nacional dos Direitos Humanos informado pelos princípios de Paris a fim de ser credenciado junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos como instituição nacional brasileira O CDDPH Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana não atendia aos comandos dos Princípios de Paris em especial quanto à atuação livre e independente No formato pretendido pelos Princípios o governo é mero observador da atuação independente e imparcial da instituição nacional de direitos humanos INDH já que o papel de uma INDH é fiscalizar cobrar e com base na sua imparcialidade e representatividade social exigir a reparação das violações de direitos identificadas e correção das políticas públicas em prol dos direitos humanos A Lei n 12986 criou o Conselho Nacional dos Direitos Humanos mas manteve forte presença de conselheiros vinculados ao Poder Executivo com direito a voto A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão teve sua candidatura apresentada O processo de avaliação do credenciamento da PFDC ainda está em trâmite no GANHRI sujeito inclusive a recurso caso a PFDC não supere as exigências para ser considerada instituição nacional de direitos humanos PARTE IV OS DIREITOS E GARANTIAS EM ESPÉCIE 1 Aspectos gerais Esta parte deste livro visa abordar os principais aspectos discutidos na doutrina e na jurisprudência sobre determinados direitos e garantias fundamentais focando em especial na Constituição de 1988 Nesse sentido cabe recordar que grosso modo os direitos são dispositivos normativos que atribuem a alguém a titularidade de um bem jurídico qualquer Já as garantias fundamentais constituemse também em direitos mas que são voltados a assegurar a fruição dos bens jurídicos Há as garantias fundamentais gerais ou genéricas que acompanham a redação dos direitos proibindo abusos e outras formas de vulneração como por exemplo a proibição da censura que assegura a liberdade de expressão Há ainda as garantias específicas que consistem em instrumentos processuais que tutelam os direitos e liberdades fundamentais como o habeas corpus mandado de segurança mandado de injunção habeas data ação popular e ação civil pública Essas garantias também são chamadas de garantias fundamentais instrumentais As garantias institucionais consistem em estruturas institucionais públicas por exemplo o Ministério Público e a Defensoria Pública e privadas por exemplo liberdade de imprensa imprescindíveis à plena efetividade dos direitos humanos Já as garantias limite são direitos que exigem abstenção ou um não fazer do Estado como por exemplo o direito de não sofrer tratamento desumano ou degradante não sofrer embaraço à liberdade de exercício profissional sem lei adequada que assim o diga etc 2 Destinatários da proteção e sujeitos passivos Os direitos humanos por definição são direitos de todos os indivíduos não importando origem religião grupo social ou político orientação sexual e qualquer outro fator Esse é o sentido do art 5º da CF88 que prevê que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza Apesar dessa afirmação geral que consagra a igualdade entre todos os seres humanos destinatários da proteção de direitos humanos há ainda direitos referentes a determinada faceta da vida social que são titularizados somente por determinadas categorias de pessoas Por exemplo a Constituição de 1988 elenca direitos referentes às mulheres aos idosos aos povos indígenas aos presos aos condenados aos cidadãos aposentados aos necessitados entre outros A igualdade é respeitada pois esses direitos específicos visam atender situações especiais voltadas a tais categorias consagrando a máxima de tratar desigualmente os desiguais como forma de se obter a igualdade material de todos Na jurisprudência brasileira foi controvertida a extensão dos direitos previstos na Constituição a estrangeiros não residentes A origem da polêmica está na redação do art 5º caput da CF88 que garante aos brasileiros e estrangeiros residentes os direitos elencados no rol desse artigo A redação da Constituição reproduz a tradição constitucional brasileira desde a Constituição de 1891 com apego ao termo estrangeiro residente Porém os direitos previstos na Constituição são estendidos aos estrangeiros não residentes uma vez que ela própria i estabelece o Estado Democrático de Direito art 1º ii defende a dignidade humana art 1º III e ainda prevê iii os direitos decorrentes dos tratados celebrados pelo Brasil art 5º 2º e 3º 350 Nesse sentido decidiu o STF que ao estrangeiro residente no exterior também é assegurado o direito de impetrar mandado de segurança como decorre da interpretação sistemática dos arts 153 caput da Emenda Constitucional de 1969 e do 5º LXIX da Constituição atual RE 215267 rel Min Ellen Gracie j 2442001 Primeira Turma DJ de 2552001 No mesmo sentido decidiu o STF que a condição jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso País não legitimam a adoção contra tal acusado de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório Precedentes HC 94016 rel Min Celso de Mello j 1692008 Segunda Turma DJe de 2722009 Entendemos nessa linha que não pode o estrangeiro não residente sofrer discriminação na matrícula na educação básica obrigatória e gratuita dos 4 quatro aos 17 dezessete anos de idade art 208 I ou na prestação de saúde pública que conforme o texto constitucional é universal e gratuita art 196 bem como na assistência jurídica integral gratuita A nova Lei de Migração Lei n 134452017 caminhou nesse sentido fazendo expressa referência ao gozo sem discriminação desses direitos pelos estrangeiros 351 A segunda polêmica referente aos destinatários da proteção está na possibilidade de pessoa jurídica de direito privado ser titular de direitos fundamentais A resposta da jurisprudência é positiva desde que o direito invocado tenha pertinência temática com a natureza da pessoa jurídica 352 Por exemplo as pessoas jurídicas têm direito à imagem e a honra objetiva acesso à justiça e até mesmo assistência jurídica gratuita Nesse último caso contudo cabe à pessoa jurídica provar e não somente alegar a insuficiência de recursos Nesse sentido decidiu o STF que ao contrário do que ocorre relativamente às pessoas naturais não basta a pessoa jurídica asseverar a insuficiência de recursos devendo comprovar isto sim o fato de se encontrar em situação inviabilizadora da assunção dos ônus decorrentes do ingresso em juízo Rcl 1905 EDAgR rel Min Marco Aurélio j 1582002 Plenário DJ de 2092002 No campo tributário as pessoas jurídicas têm direito ao tratamento tributário constitucional inclusive quanto à anterioridade tributária que o STF considerou parte integrante dos direitos e garantias individuais ou ainda ao sigilo fiscal que na visão do STF decorre do direito à intimidade Há ainda direitos que são titularizados especificamente pelas pessoas jurídicas de direito privado como as associações que são mencionadas nos incisos XVII a XXI do art 5º ou os sindicatos no disposto do art 8º e os partidos políticos no art 17 Também a pessoa jurídica de direito público pode utilizar as garantias fundamentais para sua proteção Nesse sentido decidiu o STF Não se deve negar aos Municípios peremptoriamente a titularidade de direitos fundamentais e a eventual possibilidade de impetração das ações constitucionais cabíveis para sua proteção Se considerarmos o entendimento amplamente adotado de que as pessoas jurídicas de direito público podem sim ser titulares de direitos fundamentais como por exemplo o direito à tutela judicial efetiva parece bastante razoável vislumbrar a hipótese em que o Município diante de omissão legislativa do exercício desse direito se veja compelido a impetrar mandado de injunção A titularidade de direitos fundamentais tem como consectário lógico a legitimação ativa para propor ações constitucionais destinadas à proteção efetiva desses direitos MI 725 rel Min Gilmar Mendes j 1052007 Plenário DJ de 2192007 São ainda destinatários da proteção de direitos humanos os entes despersonalizados que podem invocar determinados direitos pertinentes com sua situação por exemplo acesso à justiça como as sociedades de fato condomínio espólio massa falida e o nascituro Rothenburg menciona a discussão recente e minoritária sobre a titularidade de direitos fundamentais por outros seres vivos fauna e flora projetando a gramática dos direitos humanos para um paradigma biocêntrico ou ecocêntrico Como exemplo o citado autor menciona o art 71 da Constituição do Equador 2008 que prevê expressamente que a natureza ou Pacha Mama onde a vida se reproduz tem direito a que se respeitem integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais estrutura funções e processos evolutivos 353 Quanto aos sujeitos passivos o Estado é em geral o responsável pelo cumprimento dos direitos humanos de todas as gerações ou dimensões Entretanto há ainda a invocação dos direitos humanos em face de particulares como já estudado também denominado drittwirkung e ainda em face da sociedade A Constituição de 1988 expressamente menciona a família no polo passivo do direito à educação art 205 além do Estado a sociedade no polo passivo do direito à seguridade art 195 e a coletividade no polo passivo do direito ao meio ambiente equilibrado art 225 No sentido de reconhecer o dever de todos na proteção de direitos humanos o STF decidiu que o uso do amianto pelos agentes econômicos viola os direitos à vida à saúde e o direito ao meio ambiente equilibrado Assim na ADI 3937 e nas ADIs 3406 e 3470 o STF decidiu que são constitucionais as leis estaduais que proíbem ou estabelecem a progressiva substituição do produto Também foi declarada incidentalmente a inconstitucionalidade do art 2º da lei federal que autorizava o uso do amianto ADI 3937 rel p o ac Min Dias Toffoli j 2482017 P Informativo 874 e também ADI 3406 e ADI 3470 rel Min Rosa Weber j 29112017 P Informativo 886 ver mais sobre o caso no item sobre direito à saúde 3 Direito à vida Dispõe a Constituição de 1988 Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes 31 ASPECTOS GERAIS Dispõe o art 5º caput que é garantida a inviolabilidade do direito à vida Vida é o estado em que se encontra determinado ser animado Seu oposto a morte consiste no fim das funções vitais de um organismo O direito à vida engloba diferentes facetas que vão desde o direito de nascer de permanecer vivo e de defender a própria vida e com discussões cada vez mais agudas em virtude do avanço da medicina sobre o ato de obstar o nascimento do feto decidir sobre embriões congelados e ainda optar sobre a própria morte Tais discussões envolvem aborto pesquisas científicas suicídio assistido e eutanásia suscitando a necessidade de dividir a proteção à vida em dois planos a dimensão vertical e a dimensão horizontal A dimensão vertical envolve a proteção da vida nas diferentes fases do desenvolvimento humano da fecundação à morte Algumas definições sobre o direito à vida refletem esta dimensão pois este direito consistiria no direito a não interrupção dos processos vitais do titular mediante intervenção de terceiros e principalmente das autoridades estatais 354 A dimensão horizontal engloba a qualidade da vida fruída Esta dimensão horizontal resulta na proteção do direito à saúde educação prestações de seguridade social e até mesmo meio ambiente equilibrado para assegurar o direito à vida digna Para o Estado a inviolabilidade do direito à vida resulta em três obrigações i a obrigação de respeito ii a obrigação de garantia e iii a obrigação de tutela A obrigação de respeito consiste no dever dos agentes estatais em não violar arbitrariamente a vida de outrem A obrigação de garantia consiste no dever de prevenção da violação da vida por parte de terceiros e eventual punição àqueles que arbitrariamente violam a vida de outrem A obrigação de tutela implica o dever do Estado de assegurar uma vida digna garantindo condições materiais mínimas de sobrevivência 32 INÍCIO A CONCEPÇÃO O EMBRIÃO IN VITRO E A PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA A Constituição de 1988 não dispõe sobre o início da vida humana ou o instante preciso em que ela começa Porém a mera menção ao direito à vida implica proteção aos que ainda não nasceram embriões e fetos visto que sem tal proteção a vida sequer poderia existir Já a Convenção Americana de Direitos Humanos é mais detalhada determinando que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida Esse direito deve ser protegido pela lei e em geral desde o momento da concepção Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente Assim o direito à vida estabelecido na Constituição e nos tratados exige que o Estado proteja por lei os embriões ainda não implantados no útero gerados in vitro e a vida intrauterina Para o STF a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertála infraconstitucionalmente contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum voto do Min Ayres Britto ADI 3510 rel Min Ayres Britto j 2952008 Plenário DJe de 2852010 Pelo que consta do artigo 41 da Convenção Americana de Direitos Humanos a regra é a proteção da vida desde a concepção em geral Logo a lei nacional que quebrar essa proteção deve sofrer o crivo da proporcionalidade verificandose o equilíbrio entre o custo vulneração da vida e o benefício dos valores constitucionais eventualmente protegidos Porém abrese espaço para que seja exercitada pela lei a ponderação entre vários bens que podem estar em colisão com o direito à vida que levaram por exemplo a permissão do aborto em algumas hipóteses pelo Código Penal brasileiro lei ordinária O aborto é a interrupção da gravidez antes do seu termo normal com ou sem a expulsão do feto podendo ser espontâneo ou provocado Há intensa discussão sobre o início da proteção do direito à vida Podemos identificar as seguintes correntes a respeito do início da proteção jurídica da vida a desde a concepção b desde a nidação com ligação do feto à parede do útero c desde a formação das características individuais do feto em especial o tubo neural d desde a viabilidade da vida extrauterina e desde o nascimento No campo cível a partir da concepção o Código Civil preserva os direitos do nascituro O art 2º do Código Civil determina que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro Além disso o nascituro pode receber doações art 542 do CC constar de testamento art 1799 do CC ser adotado art 1621 do CC Pode inclusive acionar o Poder Judiciário sendo titular do direito de acesso à justiça art 5º XXXV No campo penal a tutela infraconstitucional atual indica que o momento aceito para o início da proteção penal da vida é o da nidação a partir da nidação o aborto passa a ser regido pelos arts 124 a 127 do CP No tocante à utilização do medicamento anticoncepção de emergência a popular pílula do dia seguinte as Normas Técnicas de Planejamento Familiar do Ministério da Saúde que o recomendam desde 1996 esclarecem que seu uso é tido como não abortivo pois seus componentes atuam impedindo a fecundação e sempre antes da implantação na parede do útero De acordo com o Ministério da Saúde a pílula não atua após a fecundação e não provoca a perda do embrião caso ele já tenha aderido à parede do útero Contudo a lei permite que não seja punido o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante aborto necessário bem como é lícito o aborto no caso de gravidez resultante de estupro desde que haja consentimento da gestante ou se incapaz do seu representante legal aborto sentimental Essas exceções são aplicadas cotidianamente na jurisprudência brasileira não tendo repercussão qualquer tese de eventual não recepção desses dispositivos em face da proteção constitucional da vida Fica demonstrado conforme o voto da Min Cármen Lúcia na ADI 3510 que há limites à proteção jurídica da vida ponderandoa em face de outros valores a vida da mãe ou sua liberdade sexual Nas palavras da Ministra Todo princípio de direito haverá de ser interpretado e aplicado de forma ponderada segundo os termos postos no sistema Mesmo o direito à vida haverá de ser interpretado e aplicado com a observação da sua ponderação em relação a outros que igualmente se põem para a perfeita sincronia e dinâmica do sistema constitucional Tanto é assim que o ordenamento jurídico brasileiro comporta desde 1940 a figura lícita do aborto nos casos em que seja necessário o procedimento para garantir a sobrevivência da gestante e quando decorrer de estupro art 128 incs I e II do Código Penal voto da Ministra Cármen Lúcia ADI 3510 rel Min Ayres Britto j 2952008 Plenário DJe de 2852010 grifo nosso Em 2004 foi proposta a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n 54 que requereu ao STF a interpretação conforme a Constituição do Código Penal para excluir a incidência de crime no caso de interrupção da gravidez de feto anencéfalo que foi denominada como antecipação terapêutica do parto A dignidade humana e a proteção da integridade psíquica da mãe bem como a proteção à maternidade e o direito à saúde foram os fundamentos da Arguição O STF oito anos depois em 2012 decidiu que a antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencéfalo desde que com diagnóstico médico não é caso de aborto cujas hipóteses de licitude são excepcionais pois não haverá vida extrauterina Assim a gestante caso queira pode solicitar a antecipação terapêutica do parto sem permissão específica do Estado alvará judicial de juiz criminal por exemplo ADPF 54 rel Min Marco Aurélio j 1142012 Ponto importante para o debate é se seria possível a despenalização completa do aborto no Brasil ponderandose o direito à vida do feto com os direitos reprodutivos da mulher Esse debate divide a doutrina pois poderia existir violação do dever de proteção à vida e consequentemente violação da cláusula pétrea no Brasil Na ADI 3510 o voto do Min Carlos Britto sustentando que a vida intrauterina depende da proteção infraconstitucional o que permitiria a alteração da lei penal foi contrastado pela manifestação de outros Ministros de que o caso da pesquisa de célulatronco não teria nenhuma relação com o aborto Isso demonstra que o STF deixou a questão em aberto para apreciar no futuro caso algum dia o Congresso Nacional venha a adotar lei que descriminalize o aborto imitando outros países do mundo Em 2016 foi proposta a ADI 5581 rel Min Cármen Lúcia em trâmite pela qual entre outros pedidos pleiteiase o reconhecimento da constitucionalidade de interrupção de gravidez quando houver diagnóstico de infecção pelo vírus zika Diferentemente da ADPF 54 não se trata nesta nova ação de hipótese de inviabilidade da vida extrauterina O feto contaminado pelo vírus zika poderá ter microcefalia mas tal deficiência não inviabiliza sua vida Há assim a dúvida se apesar do sofrimento psíquico da mãe tal pedido não flerta com o chamado aborto eugênico ou eugenésico pelo qual se autoriza o aborto em caso de detecção de deficiência grave O aborto eugênico viola frontalmente o direito à vida das pessoas com deficiência em igualdade de oportunidades previsto na Convenção da ONU sobre o Direito das Pessoas com Deficiência que em seu art 10 estipula que todo ser humano tem o inerente direito à vida e tomarão todas as medidas necessárias para assegurar o efetivo exercício desse direito pelas pessoas com deficiência em igualdade de oportunidades com as demais pessoas Assim autorizar o aborto porque o feto possui ou pode possuir deficiência mas não autorizar em relação aos demais fetos tidos como normais implica tratamento discriminatório vedado pela convenção Ainda em 2016 a Primeira Turma do STF concedeu a ordem de habeas corpus considerando que o aborto realizado até o terceiro mês de gravidez deve ser considerado fato atípico Para o Min Barroso a criminalização do aborto viola os seguintes direitos a direitos sexuais e reprodutivos da mulher que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada b liberdade da mulher que deve ser autônoma em suas escolhas existenciais c a integridade física e psíquica da gestante d igualdade da mulher uma vez que como os homens não engravidam a única maneira de manter a igualdade de tratamento é respeitar a vontade da mulher Além disso a criminalização do aborto nestes termos antes do marco temporal do primeiro trimestre utilizado em diversos países democráticos do mundo como Estados Unidos Alemanha Reino Unido Canadá França Itália Espanha Portugal Holanda e Austrália ofenderia o princípio da proporcionalidade STF Primeira Turma HC n 124306RJ rel orig Min Marco Aurélio rel p o ac Min Roberto Barroso j 29112016 Em 2017 foi proposta a ADPF 442 rel Min Rosa Weber em trâmite que pede que os arts 124 e 126 do Código Penal 355 sejam considerados apenas parcialmente recepcionados pela CF88 o que descriminalizaria o aborto realizado até o primeiro semestre de gestação 33 TÉRMINO DA VIDA EUTANÁSIA ORTOTANÁSIA DISTANÁSIA E SUICÍDIO Da mesma maneira que o início da vida o término da vida não possui previsão constitucional Coube ao Código Civil estabelecer sucintamente que a existência da pessoa natural termina com a morte art 6º Além disso a Lei n 943497 Lei dos Transplantes optou pelo critério da morte encefálica para que seja atestado o término das funções vitais do organismo humano e com isso autorizada a retirada post mortem de tecidos órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento art 3º O dever do Estado de proteger a vida levou várias legislações no mundo a combaterem a eutanásia e a assistência ao suicídio o que implica a negação de um direito à própria morte Consequentemente impedir um suicídio não seria um ato ilícito Contudo como esclarece Rey Martinez há já casos de descriminalização sob certas condições da eutanásia na Holanda e Bélgica bem como de suicídio assistido lícito no Oregon Estados Unidos mostrando que não há consenso nos Estados constitucionais sobre o tema 356 A eutanásia consiste em ato de término da vida de doente terminal para abreviar a agonia e os sofrimentos prolongados No Brasil a prática da eutanásia consiste em crime previsto no art 121 1º homicídio privilegiado em face do relevante valor moral na conduta do agente morte doce homicídio por piedade O consentimento do paciente é juridicamente irrelevante A depender do caso e da conduta da própria vítima pode configurar auxílio ao suicídio A ortotanásia morte justa ou morte digna consiste com anuência do paciente terminal na ausência de prolongamento artificial da vida pela desistência médica do uso de aparelhos ou outras terapias evitando sofrimento desnecessário Há aqueles que denominam a ortotanásia de eutanásia passiva ou indireta mas não há proximidade com a eutanásia A ortotanásia consiste na desistência pelo médico do uso de medicamentos e terapias pois não há esperança de reversão do quadro clínico nos pacientes terminais Ocorre a suspensão de aplicação de processos artificiais médicos que resultariam apenas em uma morte mais lenta e mais sofrida mas o que mata o paciente é a doença e não o médico Diferentemente da eutanásia a ortotanásia deixa de manter a vida por modo artificial para evitar prolongar a dor em um quadro clínico irreversível O oposto da ortotanásia é a distanásia que consiste na prática de prorrogar por quaisquer meios a vida de um paciente incurável mesmo em quadro de agonia e dor o que é denominado também obstinação terapêutica A ortotanásia é regulada pelo Conselho Federal de Medicina por meio da Resolução n 18052006 que dispõe que sendo o quadro irreversível e caso assim o paciente o deseje o médico está autorizado a não lançar mão de cuidados terapêuticos que apenas terão o condão de causar dor adicional ao paciente O Ministério Público Federal do Distrito Federal em 2006 ajuizou ação civil pública impugnando a Resolução n 1805 alegando sua inconstitucionalidade e ilegalidade Em 2010 com base na manifestação de nova Procuradora da República responsável pelo caso mostrando a relevância da independência funcional no Ministério Público o MPF reavaliou o caso e entendeu que a ortotanásia não é vedada pelo ordenamento jurídico A sentença foi de improcedência utilizando em sua fundamentação a nova posição do Parquet atuante no caso Ação Civil Pública Autos n 200734000148093 Distrito Federal O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n 67152009 que exclui do tipo penal do homicídio a ortotanásia eliminando qualquer dúvida O projeto encontrase em trâmite perante a Câmara dos Deputados Quanto ao suicídio assistido o Código Penal considera crime induzir ou instigar alguém a suicidarse ou prestarlhe auxílio para que o faça desde que o suicídio se consume ou da tentativa resultar lesão corporal CP art 122 34 PENA DE MORTE 341 As fases rumo ao banimento da pena de morte A pena de morte é expressamente vedada pela Constituição de 1988 salvo em caso de guerra declarada art 5º XLVII não haverá penas a de morte salvo em caso de guerra declarada É necessário que o Código Penal Militar CPM prescreva tal pena existente hoje em vários crimes a partir do art 356 entre outros os crimes de deserção traição à pátria dano especial inobservância do dever militar motim espionagem entre outros A pena de morte no Brasil é executada por fuzilamento art 56 do CPM Caso a pena seja imposta em zona de operações de guerra pode ser imediatamente executada quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares art 57 Mesmo emenda constitucional não poderia tornar possível a pena de morte em outros casos fora do contexto de guerra declarada pois o direito à vida é cláusula pétrea No mundo a pena de morte caminha para seu completo desaparecimento De acordo com a Organização das Nações Unidas há poucos países que preveem a pena capital para crimes comuns em situação regular Há alguns Estados como o Brasil que a admitem em caso de guerra declarada mas essa excepcionalidade reafirma a proibição da pena de morte em geral Mesmo para crimes gravíssimos a pena de morte não é prevista nos últimos tratados internacionais penais como se vê no Estatuto do Tribunal Penal Internacional Estatuto de Roma cuja pena máxima é a de prisão perpétua Esta tendência é fruto dos inegáveis malefícios da pena de morte uma vez que não admite a reparação do erro judiciário como é óbvio além de outras mazelas como a assunção da impossibilidade de ressocialização a banalização da vida em um assassinato oficial entre outras Há três fases da regulação jurídica da pena de morte A primeira fase é a da convivência tutelada na qual a pena de morte era tolerada porém com estrito regramento A imposição ordinária da pena de morte em vários países e em especial em alguns considerados berços da proteção aos direitos humanos como a Inglaterra e Estados Unidos não permitiu que fosse incluída nos textos iniciais de proteção internacional dos direitos humanos a completa proibição de tal pena Apesar disso a proteção à vida exigiu ao menos que constasse dos textos dos primeiros tratados de direitos humanos explícita regulação restritiva da pena de morte O art 6º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos possui 5 parágrafos que tratam exclusivamente da restrição à imposição da pena de morte No mesmo sentido devem ser mencionadas as Convenções Europeia e Americana de Direitos Humanos que também possuem regulação impondo limites ao uso da pena capital pelos Estados Esses limites são os seguintes 1 Natureza do crime Só crimes graves e comuns podem ser puníveis com pena de morte impedindose sua banalização e aplicação a crime político ou comuns conexos a delito político Em 2005 a Comissão de Direitos Humanos da ONU extinta substituída pelo Conselho de Direitos Humanos editou a Resolução n 59 que conclamou os Estados a interpretarem o termo crime grave como sendo aqueles letais ou com consequências extremamente graves Atualmente há vários países que ratificaram o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e que adotam a pena de morte para o tráfico ilícito de entorpecentes como a Indonésia que inclusive executou dois presos brasileiros em 2015 gerando o questionamento se tal prática não violaria o Pacto crime grave 2 Vedação da ampliação Os países contratantes não podem ampliar a aplicação da pena a outros delitos após a ratificação desses tratados 3 Devido processo legal penal Exigese rigoroso crivo judiciário para sua aplicação devendo o Estado prever o direito à solicitação de anistia indulto ou comutação da pena vedandose a aplicação da pena enquanto pendente recurso ou solicitação de indulto anistia ou comutação da pena 4 Vedações circunstanciais As citadas normas vedam a aplicação da pena de morte a pessoas que no momento da comissão do delito tiverem menos de 18 anos de idade ou mais de 70 ou ainda às mulheres grávidas A segunda fase do regramento da pena de morte é a do banimento com exceções relacionadas a crimes militares distantes então do cotidiano O Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é reflexo desta segunda fase pois vedou a pena de morte estabelecendo em seu art 1º 1 Nenhum indivíduo sujeito à jurisdição de um Estado Parte no presente Protocolo será executado 2 Os Estados Partes devem tomar as medidas adequadas para abolir a pena de morte no âmbito da sua jurisdição Porém o art 2º deste Protocolo admite que o Estado faça reserva formulada no momento da ratificação ou adesão prevendo a aplicação da pena de morte em tempo de guerra em virtude de condenação por infração penal de natureza militar de gravidade extrema cometida em tempo de guerra 357 No plano americano citese o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos relativo à Abolição da Pena de Morte que foi adotado em 1990 que também permite excepcionalmente a aplicação da pena de morte caso o Estado no momento de ratificação ou adesão declare que se reserva o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra por delitos sumamente graves de caráter militar A terceira e tão esperada fase no regramento jurídico da pena de morte no plano internacional é a do banimento em qualquer circunstância Contudo o banimento sem qualquer exceção da pena de morte abarcando inclusive os crimes militares foi somente obtido no plano europeu após a entrada em vigor do Protocolo n 13 à Convenção Europeia de Direitos Humanos Esse protocolo veda sumariamente a imposição da pena de morte sem exceções e sem permitir qualquer reserva ao seu texto 358 O Conselho da Europa organização internacional que gere a prática da Convenção Europeia de Direitos Humanos instituiu o dia 10 de outubro como o Dia Europeu contra a Pena de Morte No plano europeu há ainda os esforços da União Europeia cuja Carta de Direitos Fundamentais estabelece em seu art 2º que todas as pessoas têm direito à vida 2 Ninguém pode ser condenado à pena de morte nem executado vedando a pena de morte em qualquer circunstância A abolição da pena de morte é uma das condições de adesão de um Estado à União Europeia No atual momento as organizações não governamentais de direitos humanos assinalam que 58 Estados possuem previsão de aplicação da pena de morte a crimes comuns e 25 a utilizaram regularmente nos últimos anos Em 2015 a Anistia Internacional apontou que 20 mil prisioneiros estavam condenados à morte em 2014 sendo que as execuções estão concentradas 90 nos seguintes Estados China Estados Unidos Egito Tanzânia Paquistão e Arábia Saudita Nas Américas desde 1990 houve progressos e Canadá México e Paraguai aboliram a pena de morte em situações ordinárias De fato nas Américas somente os Estados Unidos utilizam na prática a pena de morte 342 O tratamento desumano o corredor da morte Apesar da não adesão de países como China e Estados Unidos há crescente zelo internacional sobre a forma de aplicação da pena de morte nos derradeiros Estados que a aplicam Há repúdio por exemplo quanto ao excessivo prazo para que a pena de morte seja aplicada quanto ao devido processo legal e quanto à exigência de sua imposição No tocante à delonga na execução da pena capital vêse que os condenados nos Estados Unidos passam anos a fio no chamado corredor da morte Esta espera foi considerada pela Corte Europeia de Direitos Humanos verdadeiro tratamento desumano o que impede a extradição para os Estados Unidos sem que este país prometa comutar a pena de foragidos detidos nos países europeus constrangendo todo o sistema de justiça estadunidense O caso célebre desta proibição de extradição para os Estados Unidos daqueles que poderiam ser submetidos ao fenômeno do corredor da morte foi o caso Söering 359 no qual o Reino Unido foi proibido de extraditar o Sr Söering assassino fugitivo dos Estados Unidos que fora preso na Inglaterra por decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos Corte EDH 360 sem que houvesse promessa de comutar sua pena capital O Brasil somente extradita determinada pessoa caso haja expressa promessa do Estado requerente de não aplicar a pena de morte caso esta seja cabível art 96 III da Lei n 1344517 No tocante ao devido processo legal em casos de estrangeiros submetidos à pena capital há vários questionamentos sobre a ausência da notificação do direito à assistência consular aos estrangeiros presos submetidos à pena de morte Os Estados Unidos foram seguidamente processados e condenados na Corte Internacional de Justiça por não cumprir o básico comando do art 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares que prevê justamente o direito do estrangeiro detido de ser informado do seu direito à assistência do Consulado de seu país Caso dos Irmãos LaGrand Alemanha vs Estados Unidos 2001 e Caso Avena e outros México vs Estados Unidos 2004 Tal auxílio consular é essencial pois sua defesa pode ser prejudicada pelas diferenças de idioma e mesmo jurídicas Para a Corte Internacional de Justiça ofende o devido processo legal penal impedindo a aplicação da pena de morte a ausência de notificação do direito à assistência consular No mesmo sentido manifestouse a Corte IDH em sua Opinião Consultiva n 162003 Neste feito o México solicitou opinião consultiva da Corte IDH sobre eventual impacto jurídico do descumprimento da notificação do direito à assistência consular Como na solicitação da Opinião Consultiva o México havia feito menção a vários casos de mexicanos condenados à pena de morte nos Estados Unidos sem a observância do citado direito à informação sobre a assistência consular a Corte determinou que nestes casos há ainda a violação do art 4º do Pacto de San José da Costa Rica que se refere ao direito de não ser privado da vida de modo arbitrário Por fim há o repúdio à aplicação obrigatória da pena de morte sem possibilidade de indulto graça ou anistia No Caso Hilaire a Corte IDH condenou Trinidad e Tobago cuja legislação interna previa a pena de morte para todo caso de homicídio doloso No caso a lei de 1925 impedia o juiz de considerar circunstâncias específicas do caso na determinação do grau de culpabilidade e individualização da pena condições pessoais do réu por exemplo pois deveria impor a mesma sanção para condutas diversas 4 O direito à igualdade Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes I homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição 41 LIVRES E IGUAIS A IGUALDADE NA ERA DA UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS A igualdade consiste em um atributo de comparação do tratamento dado a todos os seres humanos visando assegurar uma vida digna a todos sem privilégios odiosos Consequentemente o direito à igualdade consiste na exigência de um tratamento sem discriminação odiosa que assegure a fruição adequada de uma vida digna A busca da igualdade foi o grande marco das Declarações de Direitos das revoluções liberais do século XVIII que precederam as primeiras Constituições Nessas Declarações e primeiras Constituições a igualdade almejada era a igualdade perante a lei que exigia um tratamento idêntico para todas as pessoas submetidas então à lei Essa forma de entender a igualdade não levava a busca da igualdade de condições materiais nem criticava eventuais lacunas da lei por exemplo ao permitir a escravidão Essa fase foi marcada pela igualdade jurídica parcial que buscava eliminar os privilégios de nascimento nobreza e das castas religiosas mas não afetava outros fatores de tratamento desigual como por exemplo o tratamento dado aos escravos às mulheres ou aos pobres em geral A primeira Declaração de Direitos dessa época a Declaração de Virgínia de 12 de junho de 1776 reconheceu que todos os homens são pela sua natureza iguais e todos possuem direitos inatos A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América aprovada no Congresso Continental de 4 de julho de 1776 data da comemoração da independência dos Estados Unidos enfatizou que todos os homens são criados iguais A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 foi na mesma direção proclamando que os homens nascem e são livres e iguais em direitos art 1º A Constituição americana de 1787 não contava com um rol de direitos entendendoos como de competência dos Estados da Federação e a igualdade não constou da lista de direitos incluídos nas emendas de 1791 A escravidão nos Estados Unidos só foi completamente abolida após a Guerra de Secessão 18611865 conflito no qual morreram quase 620 mil soldados Em 1868 foi incluído o direito de igual proteção da lei a todos Emenda XIV Nessa primeira fase do constitucionalismo a igualdade perante a lei isonomia era considerada já uma ruptura com o passado de absolutismo Foi necessário porém a ascensão do Estado Social de Direito para que a igualdade efetiva entre as pessoas fosse também considerada como uma meta do Estado Essa igualdade efetiva ou material busca ir além do reconhecimento da igualdade perante a lei busca ainda a erradicação da pobreza e de outros fatores de inferiorização que impedem a plena realização das potencialidades do indivíduo A igualdade nessa fase vinculase à vida digna As duas facetas da igualdade igualdade formal ou perante a lei e igualdade material ou efetiva são complementares e convivem em diversos diplomas normativos no mundo Atualmente o fundamento do direito à igualdade é a universalidade dos direitos humanos A universalidade determina que todos os seres humanos são titulares desses direitos consequentemente todos os seres humanos são iguais e devem usufruir das condições que possibilitem a fruição desses direitos Nessa linha a igualdade consta do artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos que dispõe que todas pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direito A universalidade dos direitos humanos é concretizada pela igualdade Por exemplo de que adianta reconhecer que todos têm o mesmo direito ao trabalho e de acesso aos cargos públicos se as pessoas com deficiência sofrem com as mais diversas barreiras de acesso ficando alijadas desses mercados Como reconhecer o direito de acesso à justiça se os mais pobres não têm condições de pagar um advogado Na Constituição de 1988 a igualdade tem inicialmente a forma de valor ou princípio maior assumido pelo Estado brasileiro desde o seu Preâmbulo o qual prega que a igualdade é um dos valores supremos da sociedade fraterna que se pretende a sociedade brasileira Em seguida o art 3º estabelece os diversos objetivos do Estado brasileiro voltados à erradicação dos fatores de desigualdades materiais como a pobreza marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais Em síntese traz o artigo 3º o dever do Estado brasileiro de promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação No plano das relações internacionais o Brasil deve de acordo com o art 4º VIII pautar sua conduta pelo princípio do repúdio ao terrorismo e ao racismo Conforme esses dispositivos a defesa da igualdade é um valor que incumbe ao Estado e também à sociedade Nesse sentido decidiu a Min Cármen Lúcia STF Não apenas o Estado haverá de ser convocado para formular as políticas públicas que podem conduzir ao bemestar à igualdade e à justiça mas a sociedade haverá de se organizar segundo aqueles valores a fim de que se firme como uma comunidade fraterna pluralista e sem preconceitos ADI 2649 voto da rel Min Cármen Lúcia j 852008 Plenário DJe de 17102008 Por outro lado a Constituição de 1988 dispõe que a igualdade é também um direito fundamental O art 5º caput prevê que todos são iguais perante a lei garantindose a inviolabilidade do direito à igualdade Além do caput o art 5º ainda prevê outros incisos relacionados diretamente com a igualdade que preveem que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição inciso I a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais inciso XLI e a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei inciso XLII Como veremos abaixo a caracterização de uma conduta como sendo de racismo acarretará um estatuto punitivo diferenciado composto pela i inafiançabilidade ii imprescritibilidade e iii cominação de pena de reclusão Também no que tange aos direitos sociais prevê o art 7º a proibição de diferença de salários de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo idade cor ou estado civil inciso XXX e a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência inciso XXXI O direito à igualdade gera o dever de proteção por parte do Estado de promover a igualdade não se conformando com as desigualdades fáticas existentes na sociedade como veremos abaixo 42 AS DIMENSÕES DA IGUALDADE Há duas dimensões da igualdade A primeira dimensão consiste na proibição de discriminação indevida e por isso é denominada vedação da discriminação negativa A segunda dimensão trata do dever de impor uma determinada discriminação para a obtenção da igualdade efetiva e por isso é denominada discriminação positiva ou ação afirmativa Na primeira dimensão concretizase a igualdade exigindose que as normas jurídicas sejam aplicadas a todos indistintamente evitando discriminações odiosas A discriminação odiosa consiste em qualquer distinção exclusão restrição ou preferência baseada na raça cor sexo ou orientação sexual religião convicção política nacionalidade pertença a grupo social ou outro traço social que objetiva ou gera o efeito de impedir ou prejudicar a plena fruição em igualdade de condições dos direitos humanos 361 Na segunda dimensão concretizase a igualdade por meio de normas que favoreçam aqueles que estejam em situações de indevida desvantagem social os vulneráveis ou imponham um ônus maior aos que estejam numa situação de exagerada vantagem social No primeiro caso atendese a igualdade com a previsão de existência de reserva de vagas em concursos públicos para as pessoas com deficiência que possuem imensas desvantagens sociais em relação aos demais art 37 VIII da CF88 Na mesma linha foi coerente a Constituição de 1988 ao tratar diferentemente as mulheres favorecendoas em relação aos homens como se vê no tempo necessário para aposentadoria menor para as mulheres art 40 1º III e art 201 7º I No segundo caso atendese a igualdade com a previsão de existência de imposto sobre grandes fortunas que exige dos que tem exagerada vantagem uma contribuição adicional para o Estado art 153 VII da CF88 que curiosamente até hoje não foi instituído por lei 362 Essas duas dimensões são fruto da máxima de Aristóteles para quem devemos tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente Ou seja tratar igualmente os que estão em situação desigual no exemplo acima as pessoas com deficiência seria manter a situação de inferioridade não concretizando nenhuma igualdade 363 43 AS DIVERSAS CATEGORIAS E CLASSIFICAÇÕES DOUTRINÁRIAS Há várias categorias doutrinárias de uso inclusive na jurisprudência brasileira sobre igualdade que valem ser mencionadas 364 Em primeiro lugar há a distinção entre igualdade liberal e igualdade social ou ainda os termos igualdade formal e igualdade material A igualdade liberal ou formal representa a igualdade perante a lei exigindo a submissão de todos à lei já a igualdade social ou material representa a busca de igualdade material com distribuição adequada dos bens em toda sociedade John Rawls sustenta a necessidade de implementação da igualdade por meio da justiça distributiva que consiste na atividade de superação das desigualdades fáticas entre os indivíduos por meio de uma intervenção estatal de realocação dos bens e oportunidades existentes na sociedade em benefício da coletividade 365 A igualdade material deixou de ser apenas uma igualdade socioeconômica para ser também uma igualdade de reconhecimento de identidades próprias distintas dos agrupamentos hegemônicos Ficam consagradas então as lutas pelo reconhecimento da igualdade orientada pelos critérios de gênero orientação sexual idade raça etnia entre outros critérios A lógica do reconhecimento da identidade é a constatação de que mesmo em condições materiais dignas há grupos cujo fator de identidade os leva a situações de vulnerabilidade como no caso do gênero a situação de violência doméstica que atinge também as mulheres de classes abastadas Para Barroso a igualdade como reconhecimento significa respeitar as pessoas nas suas diferenças mas procurar aproximálas igualando as oportunidades tendo assim um papel simbólico de incremento da autoestima dos grupos não hegemônicos O aumento do pluralismo e da diversidade graças à busca da igualdade como reconhecimento auxilia ainda em um ambiente melhor e mais rico na dicção de Barroso voto do Min Roberto Barroso ADC 41 rel Min Roberto Barroso j 862017 P DJe de 1782017 Em outro texto Barroso e Osório destacam que a igualdade material contemporânea deve abarcar o binômio redistribuição e reconhecimento porque tais eixos se interpenetram as injustiças contra as mulheres os negros entre outros têm origem tanto na estrutura econômica quanto na estrutura culturalvalorativa exigindo ações e políticas públicas em ambas as dimensões 366 Também é comum a diferenciação entre igualdade perante a lei que consiste na igualdade de aplicação da lei dirigida aos Poderes Executivo e Judiciário e a igualdade na lei que obriga o legislador a formular uma lei que atenda à igualdade Também há aqueles que usam os termos igualdade geral e igualdade específica A igualdade geral seria a igualdade formal já a igualdade específica seria a igualdade material Ainda há o uso da expressão igualdade de direito ou de jure que seria a igualdade formal em contraposição à expressão igualdade de fato que seria a igualdade material Por fim a doutrina destaca a separação dos tratamentos discriminatórios entre os que seriam fruto da discrimination against e os que seriam oriundos da discrimination between A discrimination against é aquela que almeja diferenciar com finalidade preconceituosa ou estigmatizante a discrimination between é aquela que visa diferenciar para igualar 44 O DEVER DE INCLUSÃO E A DISCRIMINAÇÃO DIRETA E INDIRETA Em diversas passagens a Constituição de 1988 demonstra o apego à igualdade na perspectiva formal e material O direito à igualdade implica dever de promoção da igualdade o que traz como consequência um dever de inclusão não se aceitando a continuidade de situações fáticas desiguais Esse dever de inclusão leva a tratamentos desiguais aos desiguais A própria Constituição lista hipóteses de tratamento diferenciado para que se obtenha a igualdade material como por exemplo reserva de vagas às pessoas com deficiência nos concursos públicos art 37 VIII da CF88 i no tratamento previdenciário privilegiado às mulheres art 40 1º III e art 201 7º I ii na isenção das mulheres e eclesiásticos do serviço militar obrigatório em tempo de paz sujeitos porém a outros encargos que a lei lhes atribuir art 143 2º iii na garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família conforme dispuser a lei art 203 V iv na previsão de que a lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais art 215 2º entre outras Esse tratamento diferenciado explícito não elimina a possibilidade de outros tratamentos diferenciados implícitos aceitos pela Constituição de 1988 a serem impostos futuramente por lei Pelo contrário o objetivo de construção de uma sociedade justa e solidária exige que o Estado indague se há uma razão suficiente para impor um tratamento desigual Caso exista esse tratamento desigual deve ser aplicado Porém esse tratamento diferenciado implicitamente aceito pela Constituição deve levar em consideração determinados requisitos para ser legítimo Assim a Constituição adotou a teoria da desigualdade justificada cujos requisitos baseados na lição de Bandeira de Mello 367 são os seguintes 1 existência de vínculo de pertinência lógica entre o elemento de diferenciação discrímen escolhido pela lei e a situação objetiva analisada 2 a diferenciação atende aos objetivos do Estado Democrático de Direito consonância da discriminação com os valores protegidos pela Constituição e tratados internacionais de direitos humanos e 3 a diferenciação realizada pela lei atende ao princípio da proporcionalidade descrito na Parte I Capítulo III item 74 Quanto ao elemento ou critério de discriminação discrímen a escolha do legislador é ampla desde que haja pertinência lógica com a situação objetiva analisada Os critérios usualmente utilizados para impor preconceitos e situações inferiorizantes descritos no art 3º IV da CF88 tais como raça sexo cor idade origem entre outros podem ser utilizados para promover o direito à igualdade veiculando vantagens aos que foram alvo de discriminação negativa Em síntese a igualdade exige que sejam evitadas discriminações injustificáveis proibindo se o tratamento desigual aos que estejam na mesma situação e simultaneamente exige que sejam promovidas distinções justificáveis que resultem em um tratamento mais favorável aos que estão em situação desigual injusta Com isso há dois requisitos para comprovarmos a existência de uma discriminação injusta i a existência de uma conduta ativa ou omissiva de discriminação e ii a ausência de uma justificativa adequada para tanto Assim conforme já exposto a discriminação injusta ou odiosa consiste em qualquer i distinção ii exclusão iii restrição ou iv preferência em qualquer esfera pública ou privada que tenha como objetivo ou efeito anular ou limitar o reconhecimento gozo ou exercício em condições de igualdade de direitos humanos consagrados em instrumentos internacionais Assim a discriminação é todo tratamento de diferenciação restrição ou mesmo exclusão sem justificativa racional e proporcional realizado por agentes públicos ou privados visando a privação ou prejuízo a direitos de outrem Por sua vez a discriminação injusta que é combatida pode ser direta ou indireta também chamada de invisível A discriminação direta consiste na adoção de prática intencional e consciente que adote critério injustificável discriminando determinado grupo e resultando em prejuízo ou desvantagem A discriminação indireta é mais sutil consiste na adoção de critério aparentemente neutro e então justificável mas que na situação analisada possui impacto negativo desproporcional em relação a determinado segmento vulnerável A discriminação indireta levou à consolidação da teoria do impacto desproporcional pela qual é vedada toda e qualquer conduta inclusive legislativa que ainda que não possua intenção de discriminação gere na prática efeitos negativos sobre determinados grupos ou indivíduos 368 Na discussão sobre a Emenda Constitucional n 2098 que limitou os benefícios previdenciários a R 120000 discutiuse a quem caberia pagar a licençamaternidade no caso da mulher trabalhadora receber salário superior a tal valor Caso a interpretação concluísse que o excedente seria pago pelo empregador a regra aparentemente neutra limite a todos os benefícios teria um efeito discriminatório no mercado de trabalho e um impacto desproporcional sobre a empregabilidade da mulher pois aumentariam os custos para o patrão Com isso a regra teria um efeito de discriminação indireta contrariando a regra constitucional proibitiva da discriminação em matéria de emprego por motivo de sexo Nesse sentido o STF decidiu que na verdade se se entender que a Previdência Social doravante responderá apenas por R 120000 hum mil e duzentos reais por mês durante a licença da gestante e que o empregador responderá sozinho pelo restante ficará sobremaneira facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino ao invés da mulher trabalhadora Estará então propiciada a discriminação que a Constituição buscou combater quando proibiu diferença de salários de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo art 7º XXX da CF1988 proibição que em substância é um desdobramento do princípio da igualdade de direitos entre homens e mulheres previsto no inciso I do art 5º da CF Ação direta de inconstitucionalidade é julgada procedente em parte para se dar ao art 14 da EC 20 de 15121998 interpretação conforme à Constituição excluindose sua aplicação ao salário da licença gestante a que se refere o art 7º XVIII da CF ADI 1946 rel Min Sydney Sanches j 342003 Plenário DJ de 1652003 Já na ADPF 291 referente ao crime militar de pederastia ou outro ato de libidinagem o voto do Min Barroso enfatizou que o dispositivo art 235 do Código Penal Militar embora hipoteticamente fosse aplicável a relações homossexuais ou heterossexuais era na prática empregado de forma discriminatória produzindo maior impacto sobre militares gays sendo típica hipótese de discriminação indireta com impacto desproporcional disparate impact Para o Min Barroso todo o artigo 235 deveria ser julgado como não recepcionado uma vez que a manutenção de um dispositivo que torna crime militar o sexo consensual entre adultos ainda que sem a carga pejorativa das expressões pederastia e homossexual ou não produz apesar de sua aparente neutralidade e em razão do histórico e das características das Forças Armadas um impacto desproporcional sobre homossexuais o que é incompatível com o princípio da igualdade Contudo a maioria dos Ministros entendeu que a criminalização de atos libidinosos praticados por militares em ambientes sujeitos à administração militar justificase em tese para a proteção da hierarquia e da disciplina castrenses art 142 da Constituição mas por outro lado não foram recepcionadas pela CF88 as expressões pederastia ou outro e homossexual ou não contidas respectivamente no nomen iuris e no caput do art 235 do Código Penal Militar mantido o restante do dispositivo STF ADPF 291 rel Min Roberto Barroso que reajustou seu voto Tribunal Pleno j 28102015 DJ de 115 2016 Há ainda a discriminação múltipla ou agravada que consiste em qualquer preferência distinção exclusão ou restrição baseada concomitantemente em dois ou mais fatores de diferenciação injustificada 441 Para obter a igualdade as medidas repressivas promocionais e as ações afirmativas A discriminação injusta inconvencional e inconstitucional é constatada na ocorrência de tratamento igualitário para situações diferenciadas e também na ocorrência de tratamento diferenciado para situações idênticas O Estado possui dois instrumentos para promover a igualdade e eliminar a discriminação injusta o instrumento repressivo e o instrumento promocional voltado ao fomento da igualdade O primeiro instrumento é o repressivo Como prevê a Constituição de 1988 a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais art 5º XLI e ainda a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei art 5º XLII Consequentemente o legislador pode constituir em tipos penais outros comportamentos discriminatórios como por exemplo a discriminação por orientação sexual ou por procedência nacional Nessa linha a Lei n 771689 alterada por leis posteriores determinou a punição dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional ver abaixo o crime de racismo O segundo instrumento é o promocional uma vez que a proibição da discriminação não assegura de pronto a inclusão do segmento social submetido a determinada situação inferiorizante A opção da Constituição de 1988 foi de também utilizar políticas compensatórias que acelerem a igualdade e a consequente inclusão dos grupos vulneráveis Entre outras o art 7º XX determina a proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos bem como o art 37 VIII que determina que a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência Assim a Constituição abriu a porta para a implementação de outras ações afirmativas ou políticas de discriminação positiva As ações afirmativas consistem em um conjunto de diversas medidas adotadas temporariamente e com foco determinado que visa compensar a existência de uma situação de discriminação que políticas generalistas não conseguem eliminar e objetivam a concretização do acesso a bens e direitos diversos como trabalho educação participação política etc Tais ações tutelam os interesses de grupos sociais vulneráveis e objetivam no futuro a realização da igualdade substantiva ou material No STF o Min Nelson Jobim destacou que a discriminação positiva introduz tratamento desigual para produzir no futuro e em concreto a igualdade É constitucionalmente legítima porque se constitui em instrumento para obter a igualdade real voto do Min Nelson Jobim na ADI 1946MCDF rel Min Sydney Sanches j 342003 Plenário DJ de 1652003 No Direito Comparado destacamse as discussões sobre as ações afirmativas na Índia origem da temática com Government of India Act de 1935 para ações afirmativas às castas subalternas e nos Estados Unidos A Suprema Corte americana foi protagonista na aceitação da teoria do treatment as equal a partir de meados dos anos 50 do século XX pela qual foram aceitas as políticas públicas ou condutas privadas que tratam desigualmente os desiguais para efetivamente combater situações de inferioridade e discriminação Para Joaquim Barbosa as ações afirmativas diferem das tradicionais políticas governamentais antidiscriminatórias baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo em geral de caráter penal que são caracterizadas por oferecerem às respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção post facto Pelo contrário as ações afirmativas objetivam fornecer condições estruturais de mudança social evitando que a discriminação continue através de mecanismos informais enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo 369 As medidas de ações afirmativas também chamadas de políticas ou ações compensatórias são de diferentes espécies desde o encorajamento de órgãos públicos e privados para que ajam em prol da inclusão de grupos vulneráveis passando por estímulos diferenciados aos grupos vulneráveis por exemplo cursinhos preparatórios para o ingresso em Faculdades para afrodescendentes benefícios fiscais e preferências por exemplo pontuação adicional em licitações até a imposição de percentual de vagas para grupos vulneráveis em determinados temas as cotas No Brasil além da reserva de vagas para as pessoas com deficiência há a cota de candidaturas por sexo 30 no mínimo e 70 no máximo para cada sexo Lei n 120342009 Não são cotas para as mulheres mas têm especial impacto nas candidaturas femininas pois tradicionalmente a política partidária é dominada pelo sexo masculino Além disso o PNDH3 incentiva a adoção de políticas compensatórias defendendo o aumento das ações afirmativas em favor de grupos vulneráveis No plano federal há o Programa de Ações Afirmativas na Administração Pública Federal Decreto n 4228 de 135 2002 que determina a observância pelos órgãos da Administração Pública Federal de requisito que garanta a realização de metas percentuais de participação de afrodescendentes mulheres e pessoas com deficiência no preenchimento de cargos em comissão e ainda a observância nas licitações promovidas por órgãos da Administração Pública Federal de critério adicional de pontuação a ser utilizado para beneficiar fornecedores que comprovem a adoção de políticas compatíveis com os objetivos do Programa Quanto à base normativa específica o Brasil ratificou e incorporou internamente três tratados de âmbito global que contam com a previsão de ações afirmativas a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial dispõe no art 1º parágrafo 4º que são legítimas as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais contanto que tais medidas não conduzam em consequência à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher permite que os Estados imponham medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher art 41 São medidas de compensação à situação histórica de desigualdade entre os gêneros em prejuízo da mulher a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência dispõe no seu art 5º item 4 que as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias No art 27 alínea h prevê o dever do Estado de promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado mediante políticas e medidas apropriadas que poderão incluir programas de ação afirmativa incentivos e outras medidas Em 2010 foi editada a Lei n 12228 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial Foi criado o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial Sinapir que busca a implementação do conjunto de políticas e serviços prestados pelo Poder Público federal e destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no País São objetivos do Sinapir I promover a igualdade étnica e o combate às desigualdades sociais resultantes do racismo inclusive mediante adoção de ações afirmativas II formular políticas destinadas a combater os fatores de marginalização e a promover a integração social da população negra III descentralizar a implementação de ações afirmativas pelos governos estaduais distrital e municipais IV articular planos ações e mecanismos voltados à promoção da igualdade étnica V garantir a eficácia dos meios e dos instrumentos criados para a implementação das ações afirmativas e o cumprimento das metas a serem estabelecidas Em 2012 o STF reconheceu a constitucionalidade da adoção de cotas para afrodescendentes em universidades ao julgar improcedente a ADPF n 186 rel Min Ricardo Lewandowski j 2642012 Plenário DJe de 20102014 Nessa Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental as seguintes balizas foram consagradas no tocante às políticas de cotas para afrodescendentes e povos indígenas nas Universidades a Objetivo ficou evidenciado que o objetivo da cota étnicaracial nas universidades têm objetivo constitucionalmente adequado estabelecer um ambiente acadêmico plural e diversificado superando a pouca diversidade racial do ensino superior público e com isso eliminando distorções sociais historicamente consolidadas b Critério é importante que o critério a ser utilizado seja também adequado No caso da cota para afrodescendentes há dois critérios utilizados comumente a autoidentificação e a heteroidentificação identificação feita por terceiros No caso da ADPF 186 ambos os critérios foram considerados constitucionais mesmo a polêmica heteroidentificação Nesse último critério exigiuse o respeito à dignidade pessoal dos candidatos com a formação de comitê composto de modo plural e com mandatos curtos que julgue por fenótipo e não por ascendência na linha do sugerido por Daniela Ikawa 370 c Proporcionalidade a cota deve ser proporcional e razoável reservandose as vagas em número adequado apto a não excluir em demasia os demais membros da comunidade não abrangidos no critério de seleção Assim para o relator Min Lewandowski no caso da Universidade de Brasília a reserva de 20 de suas vagas para estudantes afrodescendentes e de um pequeno número delas para índios de todos os Estados brasileiros pelo prazo de 10 anos constitui providência adequada e proporcional ao atingimento da igualdade material d Transitoriedade o caráter temporário da discriminação positiva compatível com a produção de efeitos no futuro foi realçado pelo voto do Min Marco Aurélio na ADPF 186 para quem tal sistema há de ser utilizado na correção de desigualdades e afastado tão logo eliminadas essas diferenças Ainda na busca por igualdade material no ensino superior a Medida Provisória n 213 instituiu o ProUni Programa Universidade para Todos hoje regido pela Lei n 110962005 O Programa destina bolsa de estudos para alunos carentes determinando cotas para alunos egressos da rede pública da rede privada desde que tenham cursado com bolsa integral pessoa com deficiência e professor da rede pública para determinados cursos Também em 2012 o Supremo Tribunal Federal STF julgou improcedente o pedido feito na Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 3330 considerando constitucional a Lei n 110962005 que instituiu o Programa Universidade para Todos ProUni Após o julgamento da ADPF 186 houve a edição da Lei n 1271112 que determinou a implantação de cotas sociais com recorte étnicoracial em Universidades federais e instituições federais de ensino técnico exigindo a reserva de no mínimo 50 das vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio ou fundamental a depender do curso em escolas públicas Além disso a lei exigiu que a cota social fosse preenchida por curso e turno por autodeclarados pretos pardos e indígenas recorte racial em proporção no mínimo igual à de pretos pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Com isso houve a extinção da mais conhecida e polêmica comissão de verificação da veracidade da declaração do candidato que era da Universidade de Brasília UnB Em 2016 a Lei n 13409 alterou a Lei n 12711 para dispor sobre cotas por critérios étnicoraciais e deficiência nos cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais de ensino Ficou estipulado que nesses cursos por autodeclarados pretos pardos e indígenas e por pessoas com deficiência em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos pardos indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Assim o censo do IBGE ditará o percentual de vagas a serem oferecidas sob esses critérios Em 2014 foi editada a Lei n 12990 que instituiu a reserva aos negros de 20 vinte por cento das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal das autarquias das fundações públicas das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União De acordo com o art 2º da lei o critério adotado foi o do autorreconhecimento ou autoidentificação pelo qual poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE preto pardo amarelo branco ou indígena De acordo com os dados de 2014 aproximadamente 53 dos brasileiros autodeclararamse preto ou pardo Não há previsão na lei nem na ADPF 186 vista acima do uso de características estereotipadas de fenotípico cor de pele características físicas etc o que seria de difícil consecução até em virtude do amplo contingente de pretos e pardos nos levantamentos populacionais do IBGE Na hipótese de constatação de declaração falsa o candidato será eliminado do concurso e se houver sido nomeado ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa sem prejuízo de outras sanções cabíveis Esse dispositivo legal é curioso pois indica que a condição de negro ou pardo é sindicável ou seja seria possível que um determinado observador terceiro defina quem é ou não merecedor da ação afirmativa Haveria então um modo objetivo de se definir quem é preto ou pardo mas a lei nada esclareceu sobre quais seriam esses critérios Mesmo eventual transferência da questão ao Poder Judiciário por intermédio de ações judiciais promovidas pelo interessado ou pelos outros candidatos exigiria que o juiz fundamente sua decisão sobre se alguém é ou não merecedor da cota conforme exige o art 93 IX da Constituição exigência de fundamentação das decisões judiciais Assim o heterorreconhecimento em que pese não ter sido considerado inconstitucional pelo STF ADPF 186 ficou sem nenhuma baliza ou critério legal Como bem resume Vitorelli como a declaração poderá ser falsa se é uma autodeclaração Para o citado autor como a máfé não se presume caberia à Administração Pública provar por documentos ou testemunhas que o candidato se apresentava como branco e somente se apresentou como negro para fraudar o concurso 371 Em resumo a Lei n 1299014 i atinge somente os concursos públicos do Poder Executivo Federal tanto da Administração Pública Federal Direta quanto da Administração Pública Federal Indireta inclusive as empresas públicas Caixa Econômica Federal por exemplo e sociedades de economia mista Banco do Brasil por exemplo ii abrange os concursos do Poder Legislativo Federal Judiciário Federal Ministério Público da União e Defensoria Pública da União bem como os concursos realizados pelas Forças Armadas ver ADC 41 abaixo analisada Não abrange os da área estadual ou municipal iii não abrange os concursos cujos editais foram publicados antes da entrada em vigor da lei no dia 1062014 art 6º da lei iv o critério adotado é o da autoidentificação abrangendo tanto os que se reconhecem como negros ou pardos de acordo com classificação do IBGE v a previsão da penalidade administrativa à declaração falsa sem prejuízo da previsão legal de sanções de outras espécies sugerindo sanção penal art 2º parágrafo único gera perplexidade pois o critério da lei é o da autoidentificação Para o STF a lei assim admitiu a heteroidentificação permitindo que terceiro comissão de concurso organizações da sociedade civil comissão de notáveis etc determine o que é ser pardo ou negro vi tal qual como ocorre na aplicação mais longeva das cotas para pessoas com deficiência nos concursos públicos o candidato deve 1 concorrer concomitantemente na lista geral e na lista de vagas reservadas o que permite que um candidato negro ou pardo com nota para ser aprovado na lista geral não ocupe a vaga dos 20 2 o candidato na lista da cota deve superar os critérios mínimos de aprovação o que assegura a qualidade da seleção vii a nomeação dos candidatos deve ser alternada entre a lista geral e a lista das vagas reservadas para que ao final haja também nas nomeações o respeito ao percentual 80 x 20 viii como se espera de qualquer medida compensatória há um prazo para a sua duração a lei prevê o prazo de 10 anos para tais cotas art 6º A Lei n 134092016 também instituiu cotas ao prever que em cada instituição federal de ensino superior ou de ensino técnico de nível médio devem ser reservadas vagas por curso e turno por autodeclarados pretos pardos e indígenas e por pessoas com deficiência em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos pardos indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Em 862017 o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Declaratória de Constitucionalidade ADC n 41 reconhecendo a constitucionalidade da Lei n 129902014 que reserva 20 das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta no âmbito dos Três Poderes A decisão foi unânime e com ela ficaram afastadas dúvidas na aplicação da cota dos 20 para concursos de membros e servidores do Poder Judiciário e Ministério Público da União Também foi aceita a utilização da heteroidentificação desde que com respeito ao contraditório e à ampla defesa sendo preservada ainda a dignidade do candidato que não pode ser sujeito à verificação vexatória de sua condição de negro ou pardo A tese fixada na ADC foi a seguinte É constitucional a reserva de 20 das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta É legítima a utilização além da autodeclaração de critérios subsidiários de heteroidentificação desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa ADC 41 rel Min Roberto Barroso j 862017 P DJe de 1782017 No caso da magistratura as cotas em concursos para magistrados também estão previstas na Resolução n 2032015 do Conselho Nacional de Justiça que reserva 20 de vagas para negros e pardos no âmbito do Poder Judiciário Já no caso do Ministério Público a cota de 20 de vagas para negros e pardos nos concursos de provimento de cargos de membros do MP consta da Resolução n 1702017 do Conselho Nacional do Ministério Público Ambas as resoluções vigorarão até 9 de junho de 2024 término do prazo de vigência da Lei n 1299014 442 Discriminação estrutural ou sistêmica e o racismo institucional A discriminação estrutural ou sistêmica consiste na sujeição de grupos historicamente vulneráveis a práticas constantes de negação de direitos ou tratamento discriminatório inferiorizante Os parâmetros para a constatação da discriminação estrutural ou sistêmica podem ser assim resumidos i identificação de grupo vulnerável afetado por motivo de raça nacionalidade sexo orientação sexual ou outro fator de diferenciação ii a situação de marginalização e exclusão desse grupo é fruto de fatores históricos sociais econômicos e culturais iii é possível aferir padrão e disseminação de condutas de exclusão em organizações públicas ou privadas bem como em zonas geográficas iv esse padrão de conduta gere situação ou desvantagem desproporcional ao grupo vulnerável 372 O primeiro caso de discriminação sistêmica da Corte Europeia de Direitos Humanos foi o caso DH vs República Checa 2007 no qual 18 crianças da minoria roma processaram o Estado por violação do direito à educação sem discriminação por serem inseridas em escolas segregadas para pessoas com deficiência mental A Corte detectou pela primeira vez um padrão sistemático de discriminação pelo qual as crianças dessa minoria eram excluídas do sistema regular de educação 373 Na Corte Interamericana de Direitos Humanos a República Dominicana foi condenada a adotar medidas para reverter ou modificar as situações de discriminação sistemática que existem na sociedade contra grupos específicos de pessoas no caso os nacionais do Haiti que vivem no Estado réu 374 Na Corte Interamericana de Direitos Humanos houve a constatação da discriminação estrutural na conduta do Brasil em não proteger com eficiência pessoas que sofriam vulnerabilidades agravadas no Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde a saber i vulnerabilidade social eles se encontravam em uma situação de pobreza ii vulnerabilidade regional eram oriundos das regiões mais pobres do país com menor desenvolvimento humano e perspectivas de trabalho e emprego iii vulnerabilidade educacional eram analfabetos e tinham pouca ou nenhuma escolarização Essas circunstâncias geraram uma situação de risco maior de submissão a falsas promessas e ameaças redundando na submissão à escravidão contemporânea 375 No Brasil a discriminação sistêmica foi detectada no chamado racismo institucional que consiste em um conjunto de normas práticas e comportamentos discriminatórios cotidianos adotados por organizações públicas ou privadas que movidos por estereótipos e preconceitos impõe a membros de grupos raciais ou étnicos discriminados situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações 376 O racismo institucional é constatado na manutenção das diferenças entre escolaridade média salarial acesso à saúde aprisionamento etc entre brancos e afrodescendentes no Brasil o que implica no fracasso das políticas universalistas de implementação de direitos e promoção da igualdade quase 30 anos após a edição da CF88 Nesse sentido a Lei n 122282010 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial define a desigualdade racial como toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens serviços e oportunidades nas esferas pública e privada em virtude de raça cor descendência ou origem nacional ou étnica propondo programas e políticas públicas já vistas acima de modo a eliminar tais assimetrias o que complementa a luta contra a discriminação individual vide as leis penais contra o racismo 45 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO 451 Aspectos gerais da Lei Maria da Penha Há diversos tratados incorporados no ordenamento brasileiro que combatem a discriminação e violência contra a mulher Esses tratados exigem a implementação de regras de discriminação positiva que consistem em medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre homem e mulher Nesse sentido a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas CEDAW na sigla em inglês determina que os Estados Partes devem tomar as medidas apropriadas para combater as diversas formas de exploração violência e discriminação contra a mulher A Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher também chamada de Convenção de Belém do Pará foi explícita em estabelecer mandados de criminalização de condutas de violência contra a mulher 377 De acordo com o art 7º d e e da citada Convenção os Estados Partes devem adotar por todos os meios apropriados e sem demora políticas orientadas e prevenir punir e erradicar a dita violência e empenharse em incluir em sua legislação interna normas penais civis e administrativas assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir punir e erradicar a violência contra a mulher O combate penal à violência contra a mulher foi reforçado pelo importante precedente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no caso brasileiro Maria da Penha Maia Fernandes Os fatos relativos a esse caso remontam a 1983 quando a Sra Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de tentativa de homicídio por parte de seu marido à época o que a deixou paraplégica Houve depois outro ataque do marido mas apesar da denúncia criminal do Ministério Público ter sido proposta em 1984 a lentidão da Justiça Penal brasileira quase gerou a prescrição do crime Somente em 2002 19 anos depois dos fatos o agressor foi preso após o trânsito em julgado dos mais variados recursos Para impedir a repetição de tais condutas a Comissão recomendou que o Brasil adotasse medidas legislativas que protegessem efetivamente a mulher contra a violência Em 2006 foi adotada a Lei n 11340 conhecida como Lei Maria da Penha que foi o resultado dos tratados internacionais já citados e também da recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos cumprindo ainda o disposto no 8º do art 226 da CF88 O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações De maneira clara a Lei Maria da Penha trata a violência doméstica e familiar contra a mulher como uma das formas de violação dos direitos humanos art 6º A lei objetiva coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher Assim nem toda violência contra a mulher faz incidir a Lei Maria da Penha é necessário que haja i uma questão de gênero em um ii contexto familiar e doméstico A violência tratada na Lei Maria da Penha consiste em ato ou omissão que viole os direitos da mulher oriundos de uma relação de afeto ou de convivência Por isso configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero 378 que lhe cause morte lesão sofrimento físico sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial i no âmbito da unidade doméstica compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas com ou sem vínculo familiar inclusive as esporadicamente agregadas ii no âmbito da família compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados unidos por laços naturais por afinidade ou por vontade expressa iii em qualquer relação íntima de afeto na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida independentemente de coabitação art 5º da Lei como por exemplo relacionamentos entre amantes namorados etc Nesse sentido a Súmula n 600 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n 113402006 Lei Maria da Penha não se exige a coabitação entre autor e vítima Essas relações pessoais domésticas familiares e de afetividade independem de orientação sexual e a coabitação o que inclui o namoro e as relações entre amantes O art 7º da Lei n 113402006 lista de modo não exaustivo as espécies de violência doméstica e familiar violência física sexual psicológica patrimonial e moral ou seja a violência física não é a única que faz incidir a Lei Maria da Penha a agressão verbal perseguição contumaz vigilância constante são tipos de violência previstos pela lei A lei visa combater toda e qualquer violência realizada no local de residência da vítima ou ainda em qualquer lugar desde que a violência seja resultado de relação de afeto ou de convivência Prevê o art 22 da Lei Maria da Penha que o juiz poderá aplicar em conjunto ou separadamente as seguintes medidas protetivas de urgência contra o agressor I suspensão da posse ou restrição do porte de armas com comunicação ao órgão competente II afastamento do lar domicílio ou local de convivência com a ofendida III proibição de determinadas condutas entre as quais a aproximação da ofendida de seus familiares e das testemunhas fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor b contato com a ofendida seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação c frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida IV restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar V prestação de alimentos provisionais ou provisórios Tais medidas não são exaustivas podendo ainda o juiz usar analogicamente o disposto no novo Código de Processo Civil 2015 para o cumprimento da tutela específica de obrigação de fazer art 536 para assegurar os direitos da vítima Há ainda medidas protetivas a favor da mulher que podem ser adotadas pelo juiz como por exemplo 1 o encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento 2 a determinação de recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio após afastamento do agressor 3 a determinação do afastamento da ofendida do lar sem prejuízo dos direitos relativos a bens guarda dos filhos e alimentos 4 e a separação de corpos São também previstas medidas protetivas da integralidade dos bens da sociedade conjugal ou de propriedade particular da mulher Como tais medidas são apenas exemplificadas na lei admitese o uso de medidas previstas na Lei n 124032011 lei sobre a prisão e outras medidas cautelares como por exemplo o monitoramento eletrônico Em 2019 foi editada a Lei n 13827 pela qual se autorizou na existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de seus dependentes que seja determinado o afastamento do agressor do lar domicílio ou local de convivência com a ofendida pelo i delegado de polícia ou ii pelo policial quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível Nessas hipóteses o juiz deve ser comunicado em 24 horas para decidir sobre a manutenção ou revogação da medida devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente Também ficou estabelecido que as medidas protetivas de urgência serão registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça garantido o acesso do Ministério Público da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas Ainda em 2019 foram editadas mais três novas leis que alteraram a Lei Maria da Penha para incrementar a proteção da mulher A Lei n 138712019 previu a obrigação de ressarcimento ao Estado pelos i gastos relativos ao atendimento da vítima através do Sistema Único de Saúde SUS por parte daquele que por ação ou omissão causou lesão violência física sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial contra a mulher Também foi prevista a obrigação de ressarcimento dos gastos estatais com os ii dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas por exemplo tornozeleiras eletrônicas De acordo com a nova lei em ambas as hipóteses de ressarcimento os gastos realizados não podem configurar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e de seus dependentes nem configurar atenuante ou ensejar a possibilidade de substituição da pena aplicada Já a Lei n 138802019 estabeleceu a possibilidade de apreensão de arma de fogo sob a posse de agressor em casos de violência doméstica Por sua vez a Lei n 138822019 alterou a Lei Maria da Penha para garantir a matrícula dos dependentes da mulher vítima de violência doméstica e familiar na instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio Essas quatros leis de 2019 Lei n 13827 Lei n 13871 Lei n 13880 e Lei n 13882 buscam aumentar o arco legal de proteção à mulher vítima da violência doméstica A violência contra a mulher exige complexa política pública de prevenção e repressão que envolve o Poder Executivo autoridade policial e assistência de todos os tipos Defensoria Pública Ministério Público e Poder Judiciário No que tange ao Poder Judiciário a Lei dispõe que poderão ser criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher com competência cível e criminal para o processo julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher 452 Aspectos penais e processuais penais da Lei Maria da Penha e a ADI 4424 Além de buscar prevenir e evitar novos casos de violência de gênero contra a mulher a Lei Maria da Penha também possui preceitos penais e processuais penais O STF na ADI 4424 proposta pelo ProcuradorGeral da República combateu o entendimento de vários Tribunais e do Superior Tribunal de Justiça decidindo que a ação penal por crime de lesão corporal leve em caso de violência doméstica ou familiar contra a mulher é pública e incondicionada sendo constitucional a regra da Lei Maria da Penha proibindo nos casos de sua incidência a aplicação da Lei n 909995 sobre crimes de menor potencial ofensivo e Juizados Especiais Criminais Assim os institutos despenalizadores daquela lei não são aplicados aos crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher independentemente da pena O Poder Legislativo e o Poder Judiciário consideraram o instrumento penal essencial para a promoção dos direitos da mulher tendo sido estabelecidos os seguintes marcos 1 nos crimes de ação penal pública condicionada ameaça por exemplo cabe a autoridade policial ouvir a ofendida lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo se apresentada 2 essa representação é retratável se a for feita perante o juiz em audiência especialmente designada com tal finalidade b a retratação ocorrer antes do recebimento da denúncia e c ouvido o Ministério Público art 16 3 a Lei Maria da Penha afasta a aplicação das regras envolvendo os crimes de menor potencial ofensivo e ainda as referentes aos Juizados Especiais Criminais nos casos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher art 41 não cabendo por exemplo transação e suspensão condicional do processo ADI 4424 em 2015 o STJ editou a Súmula 536 na mesma linha A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha 4 consequência direta do item 3 o crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher no ambiente doméstico e familiar é de ação penal pública incondicionada ADI 4424 não se aplica o art 88 da Lei n 909995 379 em 2015 o STJ adotou no mesmo sentido a Súmula 542 A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada 5 Contudo o mesmo STJ decidiu que o crime de injúria Código Penal art 140 mesmo que cometido no âmbito doméstico contra a própria mulher continua a ser submetido ao regime da ação penal privada promovido por queixa por se tratar de crime contra a honra STJ RHC 32953AL rel Ministro Sebastião Reis Júnior Data de Julgamento 1092013 Data de Publicação DJe 2492013 6 a Lei Maria da Penha não admite a a pena de oferta de cesta básica b a pena de prestação pecuniária e c a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa art 17 Nesse sentido dispõe a Súmula n 588 do STJ A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos 7 Também é inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas Súmula n 589 do STJ 8 A Lei n 136412018 tornou crime descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha Lei n 1134006 que foi editada após precedentes judiciais que reconheciam a atipicidade da conduta de descumprir medida protetiva 453 A igualdade material e a ADC 19 Em 2007 o Presidente da República interpôs Ação Direta de Constitucionalidade ADC 19 visando declarar constitucional os arts 1º 33 e 41 da Lei Maria da Penha após divergências judiciais sobre a constitucionalidade da lei 380 No campo dos direitos humanos interessa o argumento contrário à constitucionalidade da lei de eventual tratamento discriminatório promovido pela lei uma vez que o homem agredido em um contexto familiar ou doméstico não pode beneficiarse do seu manto protetor Esse trato diferenciado não é proibido pela igualdade entre homens e mulheres prevista na Constituição de 1988 art 5º I uma vez que o objetivo é justamente promover a igualdade material entre homens e mulheres A violência doméstica e familiar sofrida pela mulher é parte de um contexto de dominação do homem e submissão da mulher no qual a mulher tem dificuldade de toda sorte para obter os mesmos papéis reservados aos homens No âmbito da violência doméstica e familiar a mulher enfrenta preconceitos arraigados briga de marido e mulher ninguém mete a colher sem contar as dificuldades de perder o suporte material e de sobrevivência muitas vezes assegurado pelo agressor que aproveita tal situação para externar seu poder e violência Para superar as desigualdades fáticas é cabível a intervenção do legislador aumentando as garantias da mulher e ainda restringe os direitos do agressor Nas palavras da Min Cármen Lúcia em voto histórico na ADC 19 é necessário que a sociedade conte com tais leis mesmo que temporariamente para superar a indiferença às diferenças 381 Quanto ao homem eventualmente agredido pela mulher além de não enfrentar esse contexto histórico e social de preconceito e subordinação este pode ser amparado pelas medidas cautelares penais previstas na Lei n 124032011 454 A Lei n 131042015 o feminicídio A Lei n 131042015 inseriu como modalidade de homicídio qualificado o feminicídio que consiste no assassinato de uma mulher no contexto de violência doméstica e familiar ou por envolver menosprezo e discriminação à condição feminina Na nova hipótese de homicídio qualificado considerase ocorrido o feminicídio na ocorrência de homicídio contra a mulher por razões da condição de sexo feminino art 121 VI do Código Penal Por sua vez considerase que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve i violência doméstica e familiar ou ii menosprezo ou discriminação à condição de mulher A pena do feminicídio é aumentada de 13 um terço até a metade se o crime for praticado I durante a gestação ou nos 3 três meses posteriores ao parto II contra pessoa menor de 14 catorze anos maior de 60 sessenta anos ou com deficiência III na presença de descendente ou de ascendente da vítima A proposta legislativa foi fruto dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a violência contra a mulher que coletou dados impressionantes sobre a perpetuação da violência contra a mulher mesmo anos após a edição da Lei Maria da Penha Claro que o Direito Penal não consegue sozinho reverter o quadro de desigualdade de gênero e relações desiguais de poder entre os gêneros mas pode servir para demonstrar o repúdio social a tais práticas auxiliando a conscientização de todos e todas No mesmo sentido a Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou ao México a adoção de medidas amplas de luta contra os casos de violência associados a estereótipos de gênero socialmente dominantes assegurando ainda o fim da impunidade nos casos de violência contra as mulheres Caso Campo Algodoneiro já estudado acima Para incidir a qualificadora é necessário que a vítima do homicídio seja uma mulher que pode ser definida sob três critérios a psicossocial que consiste no critério de autoidentificação da vítima como pertencente ao gênero feminino b critério genético que identifica a mulher a partir de análise genética e finalmente c critério legal baseado na identidade de gênero do registro civil perante o Estado Entendo que o atendimento à finalidade da norma combate à discriminação e violência dáse com a aplicação do critério psicossocial No que tange à definição de violência doméstica e familiar contra a mulher a Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher Convenção de Belém do Pará dispõe em seu art 1º que a violência contra a mulher consiste em qualquer ato ou conduta baseada no gênero que cause morte dano ou sofrimento físico sexual ou psicológico à mulher tanto na esfera pública como na esfera privada Já em relação ao menosprezo à condição de mulher este consiste na conduta construída a partir da superioridade do homem sobre a mulher na qual a condição do sexo feminino é considerada desvalorizada e inferior apta a ser dominada e sujeita às vontades do sexo masculino Já a discriminação contra a mulher consiste de acordo com a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher já ratificada e incorporada internamente em distinção exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento gozo ou exercício pela mulher independentemente de seu estado civil com base na igualdade do homem e da mulher dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político econômico social cultural e civil ou em qualquer outro campo art 1º 46 DECISÕES DO STF E DO STJ SOBRE IGUALDADE Igualdade e tratamento processual especial a favor do Estado A ampliação de prazo para a oposição de embargos do devedor pela Fazenda Pública inserida no art 1º B da Lei 94941997 não viola os princípios da isonomia e do devido processo legal É sabido que o estabelecimento de tratamento processual especial para a Fazenda Pública inclusive em relação a prazos diferenciados quando razoáveis não constitui propriamente uma restrição a direito ou prerrogativa da parte adversa mas busca atender ao princípio da supremacia do interesse público ADI 2418 voto do rel Min Teori Zavascki j 452016 P DJe de 17112016 Igualdade e exigência de não ser tatuado para participar de concurso público evidenciase a ausência de razoabilidade da restrição dirigida ao candidato de uma função pública pelo simples fato de possuir tatuagem posto medida flagrantemente discriminatória e carente de qualquer justificativa racional que a ampare Assim o fato de uma pessoa possuir tatuagens visíveis ou não não pode ser tratado pelo Estado como parâmetro discriminatório quando do deferimento de participação em concursos de provas e títulos para ingresso em uma carreira pública STF RE 898450SP rel Min Luiz Fux j 1782016 Informativo do STF n 841 Igualdade e reserva de vagas para pessoas com deficiência Surdez unilateral Súmula 552 do STJ O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos O STJ considerou que a surdez unilateral não gera a barreira social ou tratamento discriminatório que exija a reserva de vagas Igualdade e reserva de vagas para pessoas com deficiência Arredondamento para o primeiro número subsequente Não se mostra justo ou no mínimo razoável que o candidato portador de deficiência física na maioria das vezes limitado pela sua deficiência esteja em aparente desvantagem em relação aos demais candidatos devendo a ele ser garantida a observância do princípio da isonomiaigualdade O STF buscando garantir razoabilidade à aplicação do disposto no Decreto n 32981999 entendeu que o referido diploma legal deve ser interpretado em conjunto com a Lei n 81121990 Assim as frações mencionadas no art 37 2º do Decreto n 32981999 deverão ser arredondadas para o primeiro número subsequente desde que respeitado o limite máximo de 20 das vagas oferecidas no certame RMS 27710 AgR rel Min Dias Toffoli j 2852015 Plenário DJe de 1º72015 Igualdade e reserva de vagas para pessoas com deficiência Nos termos do art 37 VIII da CF88 a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão a pessoa com deficiência possui o direito de acesso em cota reservada a cargos públicos sob duas condições i caracterizada a deficiência e ii que esta não seja incompatível com as atribuições do cargo postulado A compatibilidade entre a deficiência e as atribuições do cargo deve ser avaliada durante o estágio probatório nos termos do 2º do art 43 do Decreto n 329899 Assim decidiu o STF que viola a CF88 e a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 2007 exigir adicionalmente que a situação de deficiência seja ainda um embaraço para o exercício das funções do cargo almejado essa posição derrotada no STF tinha como objetivo impedir que pessoas com pequenas deficiências se aproveitassem da cota AgR no RO em MS 32732DF rel Min Celso de Mello j 362014 Igualdade e reserva de vagas Ação afirmativa como fruto da sociedade fraterna De se enfatizar pois que a reserva de vagas determinada pelo inciso VIII do art 37 da Constituição da República tem tripla função a garantir a reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica verdadeira política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988 como destacado pelo Ministro Ayres Britto no julgamento do RMS 26071 DJ 1º22008 b viabilizar o exercício do direito titularizado por todos os cidadãos de acesso aos cargos públicos permitindo a um só tempo que pessoas com necessidades especiais participem do mundo do trabalho e de forma digna possam manterse e ser mantenedoras daqueles que delas dependem e c possibilitar à Administração Pública preencher os cargos com pessoas qualificadas e capacitadas para o exercício das atribuições inerentes aos cargos observandose por óbvio a sua natureza e as suas finalidades RE 676335MG Rel Min Cármen Lúcia j 2632013 Igualdade e cotas nas Universidades Legitimidade e condições Não contraria ao contrário prestigia o princípio da igualdade material previsto no caput do art 5º da CR a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista que abrangem um número indeterminado de indivíduos mediante ações de natureza estrutural seja de ações afirmativas que atingem grupos sociais determinados de maneira pontual atribuindo a estes certas vantagens por um tempo limitado de modo a permitirlhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência no tempo do quadro de exclusão social que lhes deu origem Caso contrário tais políticas poderiam converterse em benesses permanentes instituídas em prol de determinado grupo social mas em detrimento da coletividade como um todo situação é escusado dizer incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática devendo outrossim respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos ADPF 186 rel Min Ricardo Lewandowski j 2642012 Plenário DJe de 20102014 grifos meus No mesmo sentido RE 597285 rel Min Ricardo Lewandowski j 952012 Plenário DJe de 1832014 com repercussão geral Igualdade Não existe direito à remarcação de prova Remarcação de teste de aptidão física em concurso público em razão de problema temporário de saúde Vedação expressa em edital Constitucionalidade Violação ao princípio da isonomia Não ocorrência Postulado do qual não decorre de plano a possibilidade de realização de segunda chamada em etapa de concurso público em virtude de situações pessoais do candidato Cláusula editalícia que confere eficácia ao princípio da isonomia à luz dos postulados da impessoalidade e da supremacia do interesse público Inexistência de direito constitucional à remarcação de provas em razão de circunstâncias pessoais dos candidatos Segurança jurídica Validade das provas de segunda chamada realizadas até a data da conclusão do julgamento RE 630733 rel Min Gilmar Mendes j 1552013 Plenário DJe de 20112013 com repercussão geral Observação foi editada em 2019 a Lei n 13796 que permite aos alunos de instituição de ensino pública ou privada de qualquer nível o direito de o direito de mediante prévio e motivado requerimento ausentarse de prova ou de aula marcada para dia em que segundo os preceitos de sua religião seja vedado o exercício de tais atividades devendoselhe atribuir a critério da instituição e sem custos para o aluno prestação alternativa ver comentário no item sobre escusa de consciência Igualdade e constitucionalidade da Lei n 110962005 PROUNI Programa Universidade para Todos A desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que hajam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria porquanto se trata de um descrímen que acompanha a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade ciclos cumulativos de desvantagens competitivas Com o que se homenageia a insuperável máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais máxima que Rui Barbosa interpretou como o ideal de tratar igualmente os iguais porém na medida em que se igualem e tratar desigualmente os desiguais também na medida em que se desigualem ADI 3330 rel Min Ayres Britto j 352012 Plenário DJe de 2232013 Igualdade e dignidade humana Art 25 da Lei de Contravenções Penais não recepcionado pela CF88 porte de objetos como pé de cabra gazuas por pessoas condenadas por furto roubo ou classificadas como mendigos ou vadios RE 755565 rel Min Gilmar Mendes j 3102013 Igualdade e sexo Deve existir relação de pertinência A regra direciona no sentido da inconstitucionalidade da diferença de critério de admissão considerado o sexo art 5º I e 2º do art 39 da Carta Federal A exceção corre à conta das hipóteses aceitáveis tendo em vista a ordem socioconstitucional RE 120305 rel Min Marco Aurélio j 89 1994 Segunda Turma DJ de 961995 No mesmo sentido RE 528684 rel Min Gilmar Mendes j 392013 Segunda Turma DJe de 26112013 Igualdade e foro especial da mulher no CPC Constitucionalidade O inciso I do art 100 do CPC com redação dada pela Lei 651577 foi recepcionado pela CF de 1988 O foro especial para a mulher nas ações de separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende o princípio da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os cônjuges RE 227114 rel Min Joaquim Barbosa j 14122011 Segunda Turma DJe de 22112012 Atualmente o CPC de 2015 Lei n 13105 aboliu esse tratamento especial à mulher De acordo com o novo CPC o foro especial agora é o do domicílio do guardião do incapaz Caso não haja incapaz o foro será o do último domicílio do casal ou finalmente o tradicional foro do domicílio do réu art 53 I Igualdade e altura mínima em cargo público Necessidade de pertinência com o cargo Razoabilidade da exigência de altura mínima para ingresso na carreira de delegado de polícia dada a natureza do cargo a ser exercido Violação ao princípio da isonomia Inexistência RE 140889 rel p o ac Min Maurício Corrêa j 3052000 Segunda Turma DJ de 15122000 Igualdade e altura mínima em cargo público Critérios idôneos e proporcionais Correlação com a atividade Conforme a Jurisprudência desta Suprema Corte a adoção de requisitos de capacidade física para o acesso a cargos públicos deve observar critérios idôneos e proporcionais de seleção que guardem correlação com as atividades a serem desempenhadas pelo servidor Os limites de estatura estabelecidos pela norma impugnada referente a bombeiros que reproduzem a mesma exigência imposta aos militares das Forças Armadas 160 m para homens e 155 m para mulheres mostramse razoáveis grifo meu ADI 5044 rel Min Alexandre de Moraes j 11102018 P DJe de 2762019 Igualdade e Princípio da Congeneridade Necessidade da transferência de vaga em instituição de ensino do mesmo sistema público para público privado para privado é consentânea com a Carta da República previsão normativa asseguradora ao militar e ao dependente estudante do acesso a instituição de ensino na localidade para onde é removido Todavia a transferência do local do serviço não pode se mostrar verdadeiro mecanismo para lograrse a transposição da seara particular para a pública sob pena de se colocar em plano secundário a isonomia art 5º cabeça e inciso I a impessoalidade a moralidade na administração pública a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola superior prevista no inciso I do art 206 bem como a viabilidade de chegarse a níveis mais elevados do ensino no que o inciso V do art 208 vincula o fenômeno à capacidade de cada qual ADI 3324 voto do rel Min Marco Aurélio j 16122004 Plenário DJ de 582005 Igualdade e prova de títulos em concurso público Necessidade de pertinência da exigência com a seleção do mais apto inclusive na prova de títulos Mera função pública não pode servir para título Concurso público Prova de títulos exercício de funções públicas Viola o princípio constitucional da isonomia norma que estabelece como título o mero exercício de função pública ADI 3443 rel Min Carlos Velloso j 892005 Plenário DJ de 2392005 Igualdade e licitação Exigência que não seja indispensável a garantia de cumprimento da obrigação Violação A lei pode sem violação do princípio da igualdade distinguir situações a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra Para que possa fazêlo contudo sem que tal violação se manifeste é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações A discriminação no julgamento da concorrência que exceda essa limitação é inadmissível ADI 2716 rel Min Eros Grau j 29112007 Plenário DJe de 732008 Igualdade e acesso a cargo público Tratamento diferenciado àquele que já integram o Ministério Público Possibilidade A igualdade desde Platão e Aristóteles consiste em tratarse de modo desigual os desiguais Prestigiase a igualdade no sentido mencionado quando no exame de prévia atividade jurídica em concurso público para ingresso no MPF dáse tratamento distinto àqueles que já integram o Ministério Público Segurança concedida MS 26690 rel Min Eros Grau j 392008 Plenário DJe de 19122008 Igualdade e cláusula de barreira em concurso público por exemplo regra que elimina para a próxima fase candidato que não for classificado entre os 200 primeiros mesmo tendo obtido a nota mínima Constitucionalidade Regras restritivas em editais de concurso público quando fundadas em critérios objetivos relacionados ao desempenho meritório do candidato não ferem o princípio da isonomia As cláusulas de barreira em concurso público para seleção dos candidatos mais bem classificados têm amparo constitucional RE 635739 rel Min Gilmar Mendes j 192 2014 Plenário DJe de 3102014 com repercussão geral Igualdade e estrangeiro Impossibilidade de discriminar por nacionalidade e impedir a progressão da pena O fato de o condenado por tráfico de droga ser estrangeiro estar preso não ter domicílio no país e ser objeto de processo de expulsão não constitui óbice à progressão de regime de cumprimento da pena HC 97147 rel p o ac Min Cezar Peluso j 482009 Segunda Turma DJe de 1222010 Igualdade e liberdade de religião Impossibilidade de participar de exame em data alternativa para respeito de dia sagrado Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio ENEM em data alternativa ao Shabat Alegação de inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídicoadministrativa Em mero juízo de delibação pode se afirmar que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o princípio da isonomia convolandose em privilégio para um determinado grupo religioso Decisão da Presidência proferida em sede de contracautela sob a ótica dos riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem pública Pendência de julgamento da ADI 391 e da ADI 3714 nas quais esta Corte poderá analisar o tema com maior profundidade STA 389AgR rel Min Presidente Gilmar Mendes j 3122009 Plenário DJe de 1452010 Observação foi editada em 2019 a Lei n 13796 que permite aos alunos de instituição de ensino pública ou privada de qualquer nível o direito de mediante prévio e motivado requerimento ausentarse de prova ou de aula marcada para dia em que segundo os preceitos de sua religião seja vedado o exercício de tais atividades devendoselhe atribuir a critério da instituição e sem custos para o aluno prestação alternativa sobre a prestação alternativa ver Parte IV item 82 Igualdade e Teste de Esforço para admissão em cargo público Desarrazoada a exigência de teste de esforço físico com critérios diferenciados em razão da faixa etária O STF entende que a restrição da admissão a cargos públicos a partir da idade somente se justifica se previsto em lei e quando situações concretas exigem um limite razoável tendo em conta o grau de esforço a ser desenvolvido pelo ocupante do cargo ou função No caso se mostra desarrazoada a exigência de teste de esforço físico com critérios diferenciados em razão da faixa etária RE 523737AgR rel Min Ellen Gracie j 2262010 Segunda Turma DJe de 682010 Igualdade e lei estadual instituindo piso regional A lei impugnada realiza materialmente o princípio constitucional da isonomia uma vez que o tratamento diferenciado aos trabalhadores agraciados com a instituição do piso salarial regional visa reduzir as desigualdades sociais A LC federal 1032000 teve por objetivo maior assegurar àquelas classes de trabalhadores menos mobilizadas e portanto com menor capacidade de organização sindical um patamar mínimo de salário ADI 4364 rel Min Dias Toffoli j 232011 Plenário DJe de 1652011 Igualdade e Tributação A isenção tributária que a União Federal concedeu em matéria de IPI sobre o açúcar de cana Lei 83931991 art 2º objetiva conferir efetividade ao art 3º II e III da CF Essa pessoa política ao assim proceder pôs em relevo a função extrafiscal desse tributo utilizandoo como instrumento de promoção do desenvolvimento nacional e de superação das desigualdades sociais e regionais AI 360461AgR rel Min Celso de Mello j 6122005 Segunda Turma DJe de 2832008 Igualdade e prerrogativa de foro a extitular de cargos públicos Privilégio pessoal inaceitável O reconhecimento da prerrogativa de foro perante o STF nos ilícitos penais comuns em favor de exocupantes de cargos públicos ou de extitulares de mandatos eletivos transgride valor fundamental à própria configuração da ideia republicana que se orienta pelo vetor axiológico da igualdade A prerrogativa de foro é outorgada constitucionalmente ratione muneris a significar portanto que é deferida em razão de cargo ou de mandato ainda titularizado por aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado sob pena de tal prerrogativa descaracterizandose em sua essência mesma degradarse à condição de inaceitável privilégio de caráter pessoal Precedentes Inq 1376AgR rel Min Celso de Mello j 1522007 Plenário DJ de 163 2007 Igualdade Passe livre às pessoas com deficiência carentes no transporte interestadual Constitucionalidade da Lei n 8899 de 29 de junho de 1994 que concedeu passe livre às pessoas portadoras de deficiência comprovadamente carentes no sistema de transporte coletivo interestadual Incabível a alegação de afronta aos princípios da ordem econômica da isonomia da livre iniciativa e do direito de propriedade além de ausência de indicação de fonte de custeio Em 3032007 o Brasil assinou na sede da ONU a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência bem como seu Protocolo Facultativo comprometendose a implementar medidas para dar efetividade ao que foi ajustado A Lei 88991994 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados ADI 2649 rel Min Cármen Lúcia j 852008 Plenário DJe de 17102008 Idade e Concurso Público O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art 7º XXX da Constituição quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido Súmula 683 do STF Idade e Concurso Público Candidata funcionária pública indeferimento de inscrição fundada em Constituição e imposição legal de limite de idade não reclamado pelas atribuições do cargo que configura discriminação inconstitucional CF arts 5º e 7º XXX RE 141357 rel Min Sepúlveda Pertence j 1492004 Primeira Turma DJ de 8102004 Idade e Concurso Público A vedação constitucional de diferença de critério de admissão por motivo de idade CF art 7º XXX é corolário na esfera das relações de Trabalho do princípio fundamental de igualdade CF art 5º caput que se estende à falta de exclusão constitucional inequívoca como ocorre em relação aos militares CF art 42 11 a todo o sistema do pessoal civil É ponderável não obstante a ressalva das hipóteses em que a limitação de idade se possa legitimar como imposição da natureza e das atribuições do cargo a preencher Esse não é o caso porém quando como se dá na espécie a lei dispensa do limite os que já sejam servidores públicos a evidenciar que não se cuida de discriminação ditada por exigências etárias das funções do cargo considerado RMS 21046 rel Min Sepúlveda Pertence j 14121990 Plenário DJ de 14111991 No mesmo sentido AI 722490AgR rel Min Ricardo Lewandowski j 32 2009 Primeira Turma DJe de 632009 Igualdade nas Relações Privadas Discriminação contra Brasileiro por parte de Empresa Multinacional Estabelece a Constituição em vigor reproduzindo nossa tradição constitucional no art 5º caput De outra parte no que concerne aos direitos sociais nosso sistema veda no inciso XXX do art 7º da Constituição Federal qualquer discriminação decorrente além evidentemente da nacionalidade de sexo idade cor ou estado civil Dessa maneira nosso sistema constitucional é contrário a tratamento discriminatório entre pessoas que prestam serviços iguais a um empregador No que concerne ao estrangeiro quando a Constituição quis limitarlhe o acesso a algum direito expressamente estipulou Mas o princípio do nosso sistema é o da igualdade de tratamento Em consequência não pode uma empresa no Brasil seja nacional ou estrangeira desde que funcione opere em território nacional estabelecer discriminação decorrente de nacionalidade para seus empregados em regulamento de empresa a tanto correspondendo o estatuto dos servidores da empresa tão só pela circunstância de não ser um nacional francês Nosso sistema não admite esta forma de discriminação quer em relação à empresa brasileira quer em relação à empresa estrangeira RE 161243 rel Min Carlos Velloso voto do Min Néri da Silveira j 29101996 Segunda Turma DJ de 19121997 Igualdade e competência da União para legislar sobre direito do trabalho Lei estadual estipulando sanções a empresas que discriminem mulheres Inconstitucionalidade Lei 115622000 do Estado de Santa Catarina Mercado de trabalho Discriminação contra a mulher Competência da União para legislar sobre direito do trabalho A Lei 115622000 não obstante o louvável conteúdo material de combate à discriminação contra a mulher no mercado de trabalho incide em inconstitucionalidade formal por invadir a competência da União para legislar sobre direito do trabalho ADI 2487 rel Min Joaquim Barbosa j 3082007 Plenário DJe de 2832008 Igualdade e direito do marido de ser dependente automático da esposa quando a lei só prevê o oposto Impossibilidade A extensão automática da pensão ao viúvo em obséquio ao princípio da igualdade em decorrência do falecimento da esposasegurada assim considerado aquele como dependente desta exige lei específica tendo em vista as disposições constitucionais inscritas no art 195 caput e seu 5º e art 201 V da CF RE 204193 rel Min Carlos Velloso j 3052001 Plenário DJ de 31102002 ver abaixo possível superação deste precedente Igualdade e lei estadual que exige invalidez do viúvo para receber a pensão da segurada mulher não exigindo isso da viúva Inconstitucionalidade a lei estadual mineira violando o princípio da igualdade do art 5º I da Constituição exige do marido para que perceba a pensão por morte da mulher um requisito o da invalidez que não se presume em relação à viúva e que não foi objeto do acórdão do RE 204193 3052001 Carlos Velloso DJ de 31102002 Nesse precedente ficou evidenciado que o dado sociológico que se presume em favor da mulher é o da dependência econômica e não a de invalidez razão pela qual também não pode ela ser exigida do marido Se a condição de invalidez revela de modo inequívoco a dependência econômica a recíproca não é verdadeira a condição de dependência econômica não implica declaração de invalidez RE 385397AgR rel Min Sepúlveda Pertence j 2962007 Plenário DJ de 6 92007 Possível indicativo da mudança de orientação e superação do precedente do RE 204193 de 2001 visto acima este que teria se apoiado no dado sociológico da dependência da mulher em relação ao homem Vários dos Ministros que votaram em 2001 não mais se encontram no STF Tratamento privilegiado à magistratura federal em detrimento da estadual dado pela EC 412003 Subteto estadual inferior ao teto federal é ofensa à isonomia Poder Judiciário é nacional Como se vê é do próprio sistema constitucional que brota nítido o caráter nacional da estrutura judiciária E uma das suas mais expressivas e textuais reafirmações está precisamente e não por acaso na chamada regra de escalonamento vertical dos subsídios de indiscutível alcance nacional e objeto do art 93 V da Constituição da República que dispondo sobre a forma a gradação e o limite para fixação dos subsídios dos magistrados não integrantes dos Tribunais Superiores não lhes faz nem autoriza distinção entre órgãos dos níveis federal e estadual senão que antes os reconhece a todos como categorias da estrutura judiciária nacional ADI 3854MC voto do rel Min Cezar Peluso j 2822007 Plenário DJ de 2962007 Igualdade e vedação da advocacia pelo Estatuto da OAB aos que desempenham atividade policial Não violação ao direito à igualdade O que pretendeu o legislador foi estabelecer cláusula de incompatibilidade de exercício simultâneo das referidas atividades por entendêlo prejudicial ao cumprimento das respectivas funções Referido óbice não é inovação trazida pela Lei n 890694 pois já constava expressamente no anterior Estatuto da OAB Lei n 421563 art 84 XII Elegeuse critério de diferenciação compatível com o princípio constitucional da isonomia ante as peculiaridades inerentes ao exercício da profissão de advogado e das atividades policiais de qualquer natureza ADI 3541 rel Min Dias Toffoli j 1222014 Plenário DJe de 24 32014 Igualdade e Súmula Vinculante n 37 Não cabe ao Poder Judiciário que não tem função legislativa aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia SV n 37 Sessão Plenária de 16102014 DOU de 24102014 Igualdade Perícia feita por perita mulher em caso de vítima de crime de estupro ser menor de idade do sexo feminino Diferenciação admitida desde que não cause maior prejuízo às vítimas O STF deferiu liminar determinando que a Lei fluminense n 80082018 seja interpretada de modo a reconhecer que as crianças e adolescentes do sexo feminino vítimas de violência sexual deverão ser examinadas por legista mulher desde que a medida não implique retardamento ou prejuízo da investigação ADI 6039 rel Min Edson Fachin j 1332019 5 Legalidade Art 5º II ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei 51 LEGALIDADE E RESERVA DE LEI O direito à liberdade consiste na possibilidade de o ser humano atuar com autonomia e livrearbítrio salvo se existir lei obrigandoo a fazer ou deixar de fazer algo Cabelhe liberdade de escolha até a edição de lei em sentido contrário Com isso uma conduta que interfira com a liberdade e bens de uma pessoa exige lei prévia que a autorize Essa sintonia entre liberdade e legalidade é fruto da consagração do Estado de Direito Fica superada a antiga submissão de todos à vontade do monarca substituída pela vontade da lei Nesse sentido entre o governo dos homens ou o governo das leis o Estado de Direito optou pelo segundo A liberdade tem seus contornos definidos pela vontade da lei que expressa o desejo social O art 5º II trata do princípio da legalidade que engloba a lei em sentido amplo abrangendo todas as espécies normativas do art 59 da Constituição a saber I emendas à Constituição II leis complementares III leis ordinárias IV leis delegadas V medidas provisórias VI decretos legislativos VII resoluções A internacionalização do Direito também não pode ser esquecida os tratados celebrados pelo Brasil podem impor restrições à liberdade Atualmente o Estado Democrático de Direito no Brasil admite várias dimensões do princípio da legalidade o que reflete os novos papéis do Poder Executivo chamado a participar da atividade legislativa direta e indiretamente Nesse sentido são consagrados na doutrina e jurisprudência os seguintes princípios decorrentes da legalidade 1 princípio da reserva absoluta de lei 2 princípio da reserva relativa de lei 3 princípio da reserva de lei formal 4 princípio da reserva de lei material O princípio da reserva absoluta de lei consiste na exigência de que o tratamento de determinada matéria seja em sua integralidade regido pela lei Não há espaço para a atuação regulamentar discricionária dos agentes públicos executores da lei Por sua vez o princípio da reserva relativa de lei admite que determinada matéria seja regrada pela lei com espaço para a atuação discricionária do agente Por outro lado o princípio da reserva de lei formal consiste na exigência de regência de matéria por ato emanado do Poder Legislativo fruto do processo legislativo tradicional iniciativa deliberação sançãoveto e promulgação e publicação A definição do que está incluído nas matérias de reserva de lei formal tem de ser obtida do próprio texto constitucional HC 85060 rel Min Eros Grau j 2392008 Primeira Turma DJe de 132 2009 No Brasil o Direito Penal é submetido ao princípio da reserva de lei formal também denominado simplesmente reserva legal para dar sentido ao disposto no art 5º XXXIX Não haverá crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal Essa interpretação impede eventual redundância deste inciso com o disposto no art 5º II Há assim uma faceta negativa e uma faceta positiva do princípio da reserva de lei formal A faceta negativa implica vedar nas matérias a ela sujeitas quaisquer intervenções normativas a título primário de órgãos estatais não legislativos A faceta positiva impõe à administração e à jurisdição a necessária submissão aos comandos estatais emanados exclusivamente do legislador A violação dessas facetas resulta transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes ADI 2075MC rel Min Celso de Mello j 722001 Plenário DJ de 2762003 passagens do voto do Relator Já o princípio da reserva de lei material consiste na exigência de matéria regrada por atos normativos equiparados à lei mesmo que não oriundos do Poder Legislativo Tratase do reconhecimento de atos normativos com força de lei oriundos do Poder Executivo A Constituição de 1988 admite uma intensa participação do Poder Executivo na função de legislar em especial no que tange 1 à edição de Medida Provisória art 62 que tem força de lei sem autorização prévia do Congresso Nacional 2 à edição de lei delegada art 68 e por fim 3 pela edição de decretos mesmo sem lei anterior sobre organização e funcionamento da administração federal quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos ou ainda sobre extinção de funções ou cargos públicos quando vagos art 84 VI A própria Constituição limita as matérias que podem ser tratadas sem apoio em lei aprovada pelo Congresso Nacional No caso das medidas provisórias estas não podem abarcar regras sobre a nacionalidade cidadania direitos políticos partidos políticos e direito eleitoral b direito penal processual penal e processual civil c organização do Poder Judiciário e do Ministério Público a carreira e a garantia de seus membros d planos plurianuais diretrizes orçamentárias orçamento e créditos adicionais e suplementares ressalvado o previsto no art 167 3º e que visem a detenção ou sequestro de bens de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro f reservadas a lei complementar g já disciplinadas em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República Além disso não cabe reedição de medida provisória que tenha sido rejeitada ou tenha perdido a sua eficácia por decurso de prazo na mesma sessão legislativa art 62 10 da CF88 Por isso o STF suspendeu parte da Medida Provisória n 8862019 que transferia a competência para a demarcação de terras indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento MAPA Ficou incontroverso que a citada transferência constava da MP 870 editada em 1º12019 que foi convertida na Lei n 138442019 ausente tal modificação rejeitada pelo Congresso Nacional STF ADIns 6172 6173 e 6174 rel Min Barroso julgamento da medida cautelar em 1º82019 processos ainda em trâmite Quanto à lei delegada a Constituição dispõe que não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal a matéria reservada à lei complementar nem a legislação sobre organização do Poder Judiciário e do Ministério Público a carreira e a garantia de seus membros nacionalidade cidadania direitos individuais políticos e eleitorais planos plurianuais diretrizes orçamentárias e orçamentos Diferentemente dos particulares o Poder Público é regido pelo princípio da legalidade estrita exposto no art 37º caput da CF88 que exige que o Poder Público só possa fazer ou deixar de fazer o que está previsto na lei Logo o particular pode fazer aquilo que a lei não proíbe e o Poder Público só pode fazer o que é autorizado pela lei 52 OS DECRETOS E REGULAMENTOS AUTÔNOMOS CF ART 84 IV O princípio da legalidade consagrado pela Constituição de 1988 exige que os decretos e regulamentos administrativos explicitem meramente os comandos previamente estabelecidos pela lei Assim proibiuse o chamado decreto ou regulamento autônomo que seria aquele ato administrativo que sem apoio na lei inova o ordenamento jurídico criando direitos ou obrigações Dois dispositivos da Constituição sustentam essa vedação do decreto autônomo o art 84 IV Art 84 Compete privativamente ao Presidente da República V sancionar promulgar e fazer publicar as leis bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução e o art 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Art 25 Ficam revogados a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição sujeito este prazo a prorrogação por lei todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional especialmente no que tange a I ação normativa Nesse sentido decidiu o STF que os Decretos existem para assegurar a fiel execução das leis art 84 IV da CF1988 Não havendo lei anterior que possa ser regulamentada qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal O decreto seria nulo não por ilegalidade mas por inconstitucionalidade já que supriu a lei onde a Constituição a exige ADI 1435MC rel Min Francisco Rezek j 27111996 Plenário DJ de 681999 Assim o poder regulamentar só é cabível na existência de lei ou mesmo norma constitucional que já possua todos os atributos para sua fiel execução ADI 1590MC rel Min Sepúlveda Pertence j 1961997 Plenário DJ de 1581997 Com isso nenhum ato administrativo fruto do poder regulamentar pode criar ou restringir direitos violando a separação de poderes e a reserva de lei em sentido formal Caso isso ocorra constatase o chamado abuso de poder regulamentar que pode ser atacado pela via judicial e ainda autoriza o Congresso Nacional a sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar art 49 V Entre outros precedentes do STF ver AC 1033AgRQO rel Min Celso de Mello j 2552006 Plenário DJ de 166 2006 53 RESERVA DE LEI E RESERVA DE PARLAMENTO Tema correlato ao do decreto autônomo é o da lei que autoriza a edição de decreto regulamentador que inove a ordem jurídica desde que obedecendo a parâmetros genéricos constitucionais e legais O debate gira em torno da eventual delegação inválida de poderes do Legislativo para o Executivo A delegação de poder legislativo salvo hipóteses autorizadas na própria Constituição como por exemplo na lei delegada ofende a separação de poderes uma vez que tal delegação desnaturaria a divisão de poderes estabelecida pelo Poder Constituinte Esse tema é discutido em face do poder normativo das agências reguladoras que inova a ordem jurídica autorizado por disposições genéricas das leis instituidoras e também em face de determinadas leis que autorizam atos administrativos de criação de direitos por parte de entes da Administração Pública Direita e Indireta Um dos casos ainda em trâmite no STF é o do art 67 da Lei n 947897 que dispõe que os contratos celebrados pela Petrobras para aquisição de bens e serviços serão precedidos de procedimento licitatório simplificado a ser definido em decreto do Presidente da República O Decreto n 274598 estabeleceu esse procedimento licitatório simplificado que foi impugnado pelo Tribunal de Contas da União TCU que declarou a inconstitucionalidade do art 67 da Lei n 947897 e do Decreto n 274598 determinando que a Petrobras observasse os ditames da Lei n 866693 Lei das Licitações No Mandado de Segurança interposto pela Petrobras o Min Gilmar Mendes suspendeu em liminar a decisão do TCU decidindo que o art 177 2º II da CF88 permite que a lei estabeleça as condições gerais de contração da Petrobras tendo em vista o novo regime de concorrência a que ela se submete após a Emenda Constitucional n 995 MS 25888 MCDF rel Min Gilmar Mendes decisão liminar de 2232006 ainda em trâmite em outubro de 2019 A celeuma está se esse regime especial de contratação não deveria ser detalhado na lei e não em mero decreto Nem mesmo os critérios e princípios vetores desse procedimento diferenciado que a Petrobras merece é claro pois concorre com empresas privadas que não se submetem à lei das licitações foram elencados no conciso art 67 ora em comento Ainda nessa temática em 2011 o STF julgou improcedente por 8 votos a 2 a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4568 rel Min Cármen Lúcia j 3112011 Plenário DJe de 303 2012 em que partidos políticos da oposição impugnaram dispositivos da Lei n 12382 de 25 de fevereiro de 2011 nos quais a fixação do valor do salário mínimo até 2015 ficou por conta de decreto do Presidente da República de acordo com critérios predefinidos pelo legislador Para o STF a lei em questão é constitucional pois não ofendeu a reserva de lei estabelecida no art 7º IV salário mínimo fixado em lei uma vez que o decreto previsto para apuração e divulgação do novo quantum salarial é norma administrativa meramente declaratória de valor cujos parâmetros índice de reajuste foram fixados legalmente Assim no caso a lei em questão fixou os critérios que após os decretos presidenciais que fixarem o valor do salário mínimo deverão obedecer O voto do Min Gilmar Mendes apesar de ter anuído com a maioria foi extremamente crítico pois considerou que a Constituição ao tratar da reserva de lei formal nos casos em que a Constituição exige lei formal para reger uma matéria estabelece em última análise uma exigência de Reserva de Parlamento o que implicaria exigir dos temas um debate mais amplo com maior visibilidade e participação da sociedade Por isso concluiu o Ministro que a referida lei transita no limite da constitucionalidade e só votou a favor de sua constitucionalidade pela evidente reversibilidade do regime criado pela Lei n 123822011 por uma lei ordinária posterior voto do Min Gilmar Mendes ADI 4568 rel Min Carmen Lúcia j 3112011 Nessa linha a Constituição de 1988 traria implicitamente o conceito da Reserva de Parlamento que consiste na exigência de necessária discussão de determinados temas no âmbito do Congresso Nacional no qual a tensão entre a maioria e minoria enriquece o debate em prol da sociedade Essa Reserva de Parlamento é ainda mais importante no Brasil pela histórica alta volatilidade da maioria congressual que é obtida pelo Poder Executivo no início do mandato e depois tende a se desmanchar por interesses eleitorais Como exemplos de temas submetidos à Reserva de Parlamento trouxe o voto do Min Mendes o art 231 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras salvo ad referendum do Congresso Nacional em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do País após deliberação do Congresso Nacional garantido em qualquer hipótese o retorno imediato logo que cesse o risco o art 49 XIV É competência exclusiva do Congresso Nacional XIV aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares e ainda o art 225 6º Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao poder público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal sem o que não poderão ser instaladas 54 REGIMENTOS DE TRIBUNAIS E RESERVA DE LEI Outro ponto sempre questionado no que tange ao princípio da legalidade é o papel que cabe ao regimento interno de um tribunal A Constituição estabelece em seu art 22 I que a competência para legislar sobre Direito Processual é da União porém o art 96 I a da CF88 dispõe que compete aos Tribunais elaborar seus regimentos internos com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos Assim o regimento interno dos tribunais por força de expressa disposição da Constituição podem reger a organização judiciária levando em consideração as normas processuais ditadas pela lei Há uma integração de critérios preestabelecidos na Constituição nas leis e nos regimentos internos dos tribunais Esse foi o caso da criação por normas regimentais de Varas Federais Especializadas em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de Lavagem ou Ocultação de Bens Direitos e Valores que por não terem sido criadas por lei foram questionadas pela Defesa de diversos investigados e réus Esse foi o caso da alegação de inconstitucionalidade da Resolução n 10A2003 do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que regulamentou a Resolução n 3142003 do Conselho da Justiça Federal CJF tendo especializado vara federal criminal para processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem ou ocultação de bens direitos e valores Entretanto o STF decidiu que essa especialização é constitucional pois a Constituição permite que os regimentos fixem normas de organização judiciária respeitando as normas processuais gerais HC 88660 rel Min Cármen Lúcia j 15 52008 Plenário DJe de 682014 No mesmo sentido decidiu o STF que com o advento da CF de 1988 delimitouse de forma mais criteriosa o campo de regulamentação das leis e o dos regimentos internos dos tribunais cabendo a estes últimos o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual CF art 22 I bem como às garantias processuais das partes dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos CF art 96 I a São normas de direito processual as relativas às garantias do contraditório do devido processo legal dos poderes direitos e ônus que constituem a relação processual como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição ADI 2970 rel Min Ellen Gracie j 2042006 Plenário DJ de 12 52006 55 RESOLUÇÕES DO CNJ E DO CNMP Outro tema envolvendo a eventual inconstitucionalidade de atos administrativos que inovam a ordem jurídica diz respeito às resoluções administrativas do Conselho Nacional de Justiça CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público CNMP Os precedentes mais rumorosos dizem respeito às Resoluções do CNJ Nesse caso prevê laconicamente o inciso I do 4º do art 103B da CF88 que cabe ao CNJ zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura podendo expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência ou recomendar providências Restam dúvidas sobre o que significaria no âmbito de sua competência em especial porque a Constituição estabelece que compete a Lei Complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal dispor sobre o Estatuto da Magistratura atualmente a Lei Complementar n 3579 Assim várias resoluções do CNJ foram questionadas perante o STF alegandose extrapolação de sua função administrativa o que acarretaria violação das competências do Poder Legislativo O caso mais rumoroso referente ao poder normativo do CNJ foi relativo à Resolução CNJ n 72005 que proibiu práticas de nepotismo como por exemplo o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo por cônjuge companheiro ou parente em linha reta colateral ou por afinidade até o terceiro grau inclusive dos respectivos membros ou juízes vinculados O STF por maioria vencido o Ministro Marco Aurélio decidiu ser constitucional a resolução pois essas restrições contra nepotismo teriam sido impostas pela própria Constituição de 1988 por meio dos princípios da impessoalidade da eficiência da igualdade e da moralidade ADC 12 rel Min Carlos Britto j 2082008 Plenário DJe de 18122009 O STF foi coerente e considerou que outros atos administrativos contrários ao nepotismo não eram ilegais ou inconstitucionais O fundamento foi o da vedação implícita na Constituição a essa prática de contratação de parentes Nessa linha decidiu o STF que a vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática pois essa proibição decorre diretamente dos princípios contidos no art 37 caput da CF passagens do RE 579951 rel Min Ricardo Lewandowski j 2082008 Plenário DJe de 24102008 com repercussão geral 56 PRECEDENTES DIVERSOS DO STF Inconstitucionalidade dos Decretos Autônomos I Se a interpretação administrativa da lei que vier a consubstanciarse em decreto executivo divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar quer porque tenha este se projetado ultra legem quer porque tenha permanecido citra legem quer ainda porque tenha investido contra legem a questão caracterizará sempre típica crise de legalidade e não de inconstitucionalidade a inviabilizar em consequência a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata O eventual extravasamento pelo ato regulamentar dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei ADI 996MC rel Min Celso de Mello j 1131994 Plenário DJ de 651994 Inconstitucionalidade dos Decretos Autônomos II Decretos existem para assegurar a fiel execução das leis art 84 IV da CF88 A EC 8 de 1995 que alterou o inciso XI e alínea a do inciso XII do art 21 da CF é expressa ao dizer que compete à União explorar diretamente ou mediante autorização concessão ou permissão os serviços de telecomunicações nos termos da lei Não havendo lei anterior que possa ser regulamentada qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal O decreto seria nulo não por ilegalidade mas por inconstitucionalidade já que supriu a lei onde a Constituição a exige A Lei n 929596 não sana a deficiência do ato impugnado já que ela é posterior ao decreto ADI 1435MC rel Min Francisco Rezek j 2711 1996 Plenário DJ de 681999 Reserva legal Instituição de emolumentos cartorários por resolução do Tribunal de Justiça Impossibilidade A instituição dos emolumentos cartorários pelo Tribunal de Justiça afronta o princípio da reserva legal Somente a lei pode criar majorar ou reduzir os valores das taxas judiciárias Precedentes Inércia da União Federal em editar normas gerais sobre emolumentos Vedação aos Estados para legislarem sobre a matéria com fundamento em sua competência suplementar Inexistência ADI 1709 rel Min Maurício Corrêa j 1022000 Plenário DJ de 3132000 Nova redação do art 84 VI Decreto Presidencial válido Pagamento de servidores públicos da administração federal Liberação de recursos Exigência de prévia autorização do Presidente da República Os arts 76 e 84 I II e VI a todos da CF atribuem ao Presidente da República a posição de chefe supremo da administração pública federal ao qual estão subordinados os Ministros de Estado Ausência de ofensa ao princípio da reserva legal diante da nova redação atribuída ao inciso VI do art 84 pela EC 322001 que permite expressamente ao Presidente da República dispor por decreto sobre a organização e o funcionamento da administração federal quando isso não implicar aumento de despesa ou criação de órgãos públicos exceções que não se aplicam ao decreto atacado ADI 2564 rel Min Ellen Gracie j 8102003 Plenário DJ de 62 2004 Reserva legal Aumento de servidores públicos por ato administrativo Impossibilidade Em tema de remuneração dos servidores públicos estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei É dizer em tema de remuneração dos servidores públicos nada será feito senão mediante lei lei específica CF art 37 X art 51 IV art 52 XIII Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto 1 de 05112004 das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados ADI 3369MC rel Min Carlos Velloso j 16122004 Plenário DJ de 1822005 No mesmo sentido ADI 3306 rel Min Gilmar Mendes j 1732011 Plenário DJe de 762011 Teto de remuneração de servidor público por decreto Aplicabilidade imediata da Constituição Possibilidade Servidor público teto de remuneração CF art 37 XI autoaplicabilidade Dada a eficácia plena e a aplicabilidade imediata inclusive aos entes empresariais da administração indireta do art 37 XI da Constituição e do art 17 do ADCT a sua implementação não dependendo de complementação normativa não parece constituir matéria de reserva à lei formal e no âmbito do Executivo à primeira vista podia ser determinada por decreto que encontra no poder hierárquico do Governador a sua fonte de legitimação ADI 1590MC rel Min Sepúlveda Pertence j 1961997 Plenário DJ de 1581997 Reserva legal e aumento da alíquota do Imposto de Importação por Decreto Possibilidade É compatível com a Carta Magna a norma infraconstitucional que atribui a órgão integrante do Poder Executivo da União a faculdade de estabelecer as alíquotas do Imposto de Exportação Competência que não é privativa do Presidente da República Inocorrência de ofensa aos arts 84 caput IV e parágrafo único e 153 1º da CF ou ao princípio de reserva legal Precedentes Faculdade discricionária atribuída à Câmara de Comércio Exterior CAMEX que se circunscreve ao disposto no DecretoLei 15781977 e às demais normas regulamentares RE 570680 rel Min Ricardo Lewandowski j 28 102009 Plenário DJe de 4122009 com repercussão geral Reserva legal e crimes militares Os crimes militares situamse no campo da exceção As normas em que previstos são exaustivas Jungidos ao princípio constitucional da reserva legal inciso XXXIX do art 5º da carta de 1988 Hão de estar tipificados em dispositivo próprio a merecer interpretação estrita Competência Homicídio Agente militar da reserva Vítima policial militar em serviço Ainda que em serviço a vítima policial militar e não militar propriamente dito a competência é da Justiça comum Interpretação sistemática e teológica dos preceitos constitucionais e legais regedores da espécie HC 72022 rel Min Néri da Silveira j 921995 Plenário DJ de 2841995 Legalidade e cola eletrônica Vazio legislativo penal até dezembro de 2011 Não se pode pretender a aplicação da analogia para abarcar hipótese não mencionada no dispositivo legal analogia in malam partem Devese adotar o fundamento constitucional do princípio da legalidade na esfera penal Por mais reprovável que seja a lamentável prática da cola eletrônica a persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mínimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito Denúncia rejeitada por maioria por reconhecimento da atipicidade da conduta descrita nos autos como cola eletrônica Inq 1145 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 19122006 Plenário DJe de 442008 Esse precedente motivou a edição da Lei n 12550 de 16 de dezembro de 2011 que criou o novo tipo penal do art 311A no CP sobre fraudes em certames de interesse público Utilizar ou divulgar indevidamente com o fim de beneficiar a si ou a outrem ou de comprometer a credibilidade do certame conteúdo sigiloso de I concurso público II avaliação ou exame públicos III processo seletivo para ingresso no ensino superior ou IV exame ou processo seletivo previstos em lei Pena reclusão de 1 um a 4 quatro anos e multa Crime de responsabilidade e reserva legal Competência privativa da União Entendase que a definição de crimes de responsabilidade imputáveis embora a autoridades estaduais é matéria de Direito Penal da competência privativa da União como tem prevalecido no Tribunal ou ao contrário que sendo matéria de responsabilidade política de mandatários locais sobre ela possa legislar o Estado membro como sustentam autores de tomo o certo é que estão todos acordes em tratar se de questão submetida à reserva de lei formal não podendo ser versada em decreto legislativo da Assembleia Legislativa ADI 834 rel Min Sepúlveda Pertence j 182 1999 Plenário DJ de 941999 Revisão judicial do critério de correção de prova de Bancas de Concurso Público em nome do controle de legalidade Impossibilidade Não compete ao Poder Judiciário no controle de legalidade substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas Excepcionalmente é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame RE 632853 rel Min Gilmar Mendes j 2342015 Plenário DJe de 2962015 com repercussão geral grifo meu Legalidade e exame psicotécnico em concurso público Súmula Vinculante n 44 e Súmula 686 Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público SV n 44 Sessão Plenária de 842015 DOU de 1742015 Requisito previsto em edital de concurso público não amparado na lei Impossibilidade Os requisitos do edital para o ingresso em cargo emprego ou função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal e material STF RE 898450SP rel Min Luiz Fux j 1782016 Informativo do STF n 841 Legalidade proporcional e requisitos em concursos públicos o caso das tatuagens a tatuagem reveladora de um simbolismo ilícito e incompatível com o desempenho da função pública pode mostrarse inaceitável Um policial não pode exteriorizar sinais corporais como tatuagens que conflitem com esta ratio como a título de ilustração tatuagens de palhaços que significam no ambiente marginal o criminoso que promove o assassinato de policiais A tatuagem desde que não expresse ideologias terroristas extremistas e contrárias às instituições democráticas que incitem a violência e a criminalidade ou incentivem a discriminação ou preconceitos de raça e sexo ou qualquer outra força de intolerância é compatível com o exercício de qualquer cargo público STF RE 898450SP rel Min Luiz Fux j 1782016 Informativo do STF n 841 6 Direito à integridade física e psíquica Art 5º III ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante 61 DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL O direito à integridade física consiste na intangibilidade física do ser humano que merece proteção contra tratamento cruel degradante desumano ou tortura Já o direito à integridade psíquica ou moral implica a vedação do tratamento desonroso ou que cause sofrimento psíquico desnecessário ou odioso A Constituição de 1988 trata explicitamente da integridade física e moral no art 5º XLIX é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral e ainda no que tange à aposentadoria de servidores públicos art 40 4º III e dos segurados do regime geral da previdência social art 201 1º dispondo em ambos os casos que a lei estabelecerá regime diferenciado em caso de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a integridade física Implicitamente o direito à integridade física e moral decorre do art 5º III que protege o ser humano contra a tortura tratamento degradante e desumano III ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante a ser estudado no próximo item A Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel desumano ou degradante artigo V Já Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe que Art 5 2 Ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratos cruéis desumanos ou degradantes Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano No Brasil a intangibilidade física também impede que haja condutas invasivas do corpo humano sem a anuência do titular salvo para proteção de outros valores constitucionais como por exemplo para salvar sua vida No campo penal a utilização contra a vontade do titular de partes do seu corpo para fins probatórios será enfrentada no comentário ao art 5º LXIII o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado que concretiza o direito de não ser obrigado a se autoincriminar garantia contra a autoincriminação nemo tenetur se detegere No campo cível discutiuse a intangibilidade física nos casos de não cooperação do réu em ação cível de investigação de paternidade que se recusa a fornecer material para o exame de DNA Apesar do altíssimo grau de certeza do DNA que asseguraria o direito da personalidade de se conhecer sua própria ascendência o STF decidiu por maioria que a integridade física no caso prepondera devendo o juiz da causa utilizar a presunção de paternidade em desfavor daquele que recusou o exame e outros elementos que constem do processo testemunhas do relacionamento amoroso correspondência etc STF HC 71373 rel p o ac Min Marco Aurélio j 10111994 Plenário DJ de 22111996 62 A TORTURA ART 5º III E XLIII E SEU TRATAMENTO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL A Constituição dispõe no inciso III do art 5º que ninguém será submetido à tortura Logo depois no inciso XLIII do mesmo art 5º impõe que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura por eles respondendo os mandantes os executores e os que podendo evitálos se omitirem Retomouse então a previsão da Constituição Imperial de 1824 que em seu art 179 XIX estabeleceu Desde já ficam abolidos os açoites a tortura a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis A tortura foi sistematicamente utilizada pelo regime militar no Brasil 19641988 em diversos presos políticos sendo a apuração de tais fatos bárbaros um dos objetivos da Comissão Nacional da Verdade instituída pela Lei n 125282011 A Constituição de 1988 não definiu tortura tendo deixado tal tarefa para a jurisprudência secundada pelos tratados internacionais e pela lei 945597 Para a jurisprudência do STF decidiu o Ministro Celso de Mello que o delito de tortura por comportar formas múltiplas de execução caracterizase pela inflição de tormentos e suplícios que exasperam na dimensão física moral ou psíquica em que se projetam os seus efeitos o sofrimento da vítima por atos de desnecessária abusiva e inaceitável crueldade HC 70389SP Rel p Acórdão Min Celso de Mello DJ de 1082001 passagem de voto grifo nosso A Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes adotada em 10 de dezembro de 1984 promulgada internamente pelo Decreto n 40 de 1521991 designa tortura como qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões de castigála por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência A Convenção ainda determina que não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram Por sua vez a Convenção da ONU em seu art 5º 2º estabelece o princípio do aut dedere aut judicare pelo qual o Estado contratante tem o dever de extraditar ou julgar o torturador que esteja sob sua jurisdição não importando a nacionalidade do autor vítima ou local que a tortura tenha ocorrido Também estabelece o art 5º o dever do Estado de criminalizar a tortura no caso dela ocorrer em seu território princípio da territorialidade da lei penal ou caso ocorra fora do seu território for seu nacional o autor princípio da nacionalidade ativa justificando a extraterritorialidade da lei penal ou a vítima princípio da nacionalidade passiva Assim para essa Convenção a tortura é ato que i inflige dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais ii intencionalmente iii por agente público diretamente ou com sua aquiescência iv para 1 obter confissão ou obter informação ou 2 castigar por ato próprio ou de terceiro ou 3 para intimidar ou coagir ou 4 por discriminação de qualquer natureza por exemplo torturar um homossexual por sua orientação sexual A Convenção de 1984 é criticada por ter adotado uma definição estrita de tortura dando a entender que a tortura não pode ser cometida por omissão e negligência Também foi alvo de polêmicas a menção a sanções legítimas que descaracterizam a tortura exigência na época da negociação do tratado dos países que adotam castigos corporais Essa menção a sanções legítimas podem ser utilizadas de modo abusivo por países como os Estados Unidos interessados em justificar os seus meios de interrogatórios de suspeitos de prática de atos de terrorismo ver mais sobre tratamento cruel e o art 16 da Convenção da ONU contra a Tortura abaixo Já a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura de 9 de dezembro de 1985 promulgada internamente pelo Decreto n 9838689 dispõe que a tortura é todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais com fins de investigação criminal como meio de intimidação como castigo pessoal como medida preventiva como pena ou com qualquer outro fim Tal convenção cria uma figura equiparada de tortura ao dispor que também é tortura a aplicação sobre uma pessoa de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima ou a diminuir sua capacidade física ou mental embora não causem dor física ou angústia psíquica art 2º parte final A Convenção dispõe que não estarão compreendidos no conceito de tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequências unicamente de sanções legítimas ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram Comparando a Convenção das Nações Unidas de 1984 com a Convenção Interamericana de 1985 temos as seguintes convergências a ambas considerando tortura como sofrimentos físicos e mentais b para fins de investigação penal intimidação castigo pessoal Já as divergências são as seguintes a só a Convenção da ONU exige que a tortura seja feita por agente público ou com sua aquiescência b só a Convenção da ONU exige que o sofrimento seja agudo c a Convenção Interamericana tipifica como tortura o ato de imposição de sofrimento físico e psíquico com qualquer fim d a Convenção Interamericana admite que pode ser tortura determinada pena ou medida preventiva e a Convenção Interamericana criou a figura equiparada ou seja são equiparadas a tortura medidas que não infligem dor ou sofrimento mas diminuem a capacidade física ou mental Além dessas definições o Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal Internacional conceituou tortura como sendo o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas artigo 72 O STF utilizou a definição de tortura prevista na Convenção da ONU de 1984 incorporada internamente em 1991 para dar sentido ao tipo estabelecido no art 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente Art 233 Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade guarda ou vigilância a tortura Pena reclusão de um a cinco anos HC 70389SP rel p o ac Min Celso de Mello DJ de 1082001 No que tange à divisão de competência judicial interna para apurar o crime de tortura cometido contra brasileiro no exterior o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o crime de tortura praticado integralmente em território estrangeiro contra brasileiros não é inicialmente de competência da Justiça Federal pois não é aplicável o art 109 V da CF que dispõe que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando iniciada a execução no País o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente por não se tratar de um crime a distância Todavia é possível que a Justiça Federal venha a julgar tal fato caso ocorra o deslocamento de competência de acordo com o art 109 VA e 5º da CF88 STJ CC 107397DF rel Min Nefi Cordeiro j 2492014 382 621 O crime de tortura previsto na Lei n 945597 A Lei n 9455 de 7 de abril de 1997 define tortura como sendo constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça causandolhe sofrimento físico ou mental a com o fim de obter informação declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa b para provocar ação ou omissão de natureza criminosa c em razão de discriminação racial ou religiosa Ainda há o subtipo de tortura que consiste em submeter alguém sob sua guarda poder ou autoridade com emprego de violência ou grave ameaça a intenso sofrimento físico ou mental como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo Há outro subtipo de tortura que determina que na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal Comparando o disposto nos diplomas internacionais ratificados pelo Brasil e a Lei n 945597 notase que a lei brasileira é mais próxima do diploma interamericano pois é mais geral que a Convenção da ONU que considera essencial ser a tortura cometida por agente público ou com sua aquiescência Assim para a lei brasileira a tortura exige 1 sofrimento físico ou mental causado a alguém 2 emprego de violência ou grave ameaça 3 para obter informação declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa 4 ou para provocar ação ou omissão de natureza criminosa 5 ou então em razão de discriminação racial ou religiosa O tipo penal nacional não contempla a violência imprópria por meio de uso de droga ou outra substância análoga Assim a tortura provocada pelo uso de droga pode configurar por exemplo crime de abuso de autoridade Por outro lado o subtipo de tortura relativo à aplicação de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo bem como o subtipo referente à tortura contra pessoa presa ou sujeita a medida de segurança são semelhantes ao disposto na Convenção Interamericana A qualidade de agente público é causa de aumento de pena de um sexto até um terço de acordo com a Lei n 945597 Por seu turno o art 1º 6º da Lei n 945597 determina que o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça e anistia reproduzindo o art 5º XLIII da CF88 A lei não impede a concessão do indulto uma vez que o art 84 XII da CF88 referente ao indulto nenhuma restrição impõe Quanto à extraterritorialidade da jurisdição que incumbe ao Brasil pelo art 7º da Convenção da ONU de 1984 o art 2º da Lei n 945597 determina que a lei é aplicável ainda quando o crime não tenha sido cometido no território nacional desde que a vítima brasileira ou ainda encontrandose o agente em local sob jurisdição brasileira Assim há dois casos de extraterritorialidade 1 pelo princípio da personalidade passiva quando a vítima da tortura for brasileira e 2 pelo princípio da universalidade da jurisdição quando o agente encontrase em território brasileiro Por fim o art 4º da Lei n 945597 revogou expressamente o art 233 da Lei n 806990 Estatuto da Criança e do Adolescente Consequentemente a tortura realizada em criança ou adolescente é regida pela Lei n 945597 que nesse caso prevê tal situação como causa de aumento de pena de um sexto até um terço art 1º 4º II Também é causa de aumento de pena na mesma dosagem o crime contra gestante portador de deficiência ou maior de 60 sessenta anos ou ainda se o crime é cometido mediante sequestro QUADRO DA LEI N 945597 Constitui crime de tortura A Constranger alguém com violência ou grave ameaça causandolhe sofrimento físico ou mental a1 com o fim de obter informação declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa a2 para provocar ação ou omissão de natureza criminosa a3 em razão de discriminação racial ou religiosa cuidado não é todo tipo de discriminação B Submeter alguém sob sua guarda poder ou autoridade com emprego de violência ou grave ameaça a intenso sofrimento físico ou mental b1 como forma de aplicar castigo pessoal b2 medida de caráter preventivo intimidação 622 O tratamento desumano ou degradante A Constituição de 1988 prevê a proibição do tratamento desumano ou degradante no mesmo inciso III do art 5º que veda ainda a tortura O tratamento desumano ou degradante consiste em toda conduta que leva a humilhações rebaixando e erodindo a autoestima e a estima social de uma pessoa violando sua dignidade O tratamento desumano abarca o degradante o tratamento desumano é aquele que humilha e degrada e além disso provoca severo sofrimento físico ou mental irrazoável por isso desumano O tratamento degradante é aquele que cria em suas vítimas o sentimento de inferioridade e humilhação Vários precedentes da Corte Europeia de Direitos Humanos confirmam a diferença entre tortura e tratamento desumano Para a Corte EDH intérprete da Convenção Europeia de Direitos Humanos 1950 a tortura é uma conduta ação ou omissão pela qual é imposto intenso sofrimento físico ou mental com uma finalidade que pode ser obter confissão ou informação castigar intimidar em razão de discriminação quando o responsável for agente público Assim a tortura seria o tratamento desumano agravado e com finalidade específica No Brasil a tortura também tem finalidade específica ver a Lei n 945597 acima comentada Os demais tratamentos degradantes podem ser objeto do tipo de maustratos art 136 do CP Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade guarda ou vigilância para fim de educação ensino tratamento ou custódia quer privandoa de alimentação ou cuidados indispensáveis quer sujeitandoa a trabalho excessivo ou inadequado quer abusando de meios de correção ou disciplina ou ainda abuso de autoridade por exemplo art 13 II da Lei n 138692019 Lei do Abuso de Autoridade constranger o preso ou o detento mediante violência grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a II submeterse a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei No tocante à proteção da integridade física e psíquica da criança e do adolescente foi editada em 26 de junho de 2014 a Lei n 13010 conhecida como Lei da Palmada Essa lei alterou a Lei n 806990 Estatuto da Criança e do Adolescente ECA para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante Para a Lei n 13010 o castigo físico consiste em toda ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em a sofrimento físico ou b lesão Por seu turno a lei define tratamento cruel ou degradante como sendo toda conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que a humilhe ou ameace gravemente ou ainda a ridicularize Sem prejuízo de outras sanções criminais maustratos ou cíveis por exemplo a perda do poder familiar houve a previsão de sanções administrativas a serem impostas pelo Conselho Tutelar aplicadas de acordo com a gravidade do caso a saber I encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família II encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico III encaminhamento a cursos ou programas de orientação IV obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado V advertência 623 Tortura e penas ou tratos cruéis desumanos ou degradantes como conceito integral Diferenciação entre os elementos do conceito na jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos caso irlandês e seus reflexos no art 16 da Convenção da ONU contra a Tortura de 1984 A Convenção contra a Tortura e tratamento desumano e degradante criou uma divisão entre tortura e outros atos que constituem tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes mas que não são considerados tortura tal como definida no art 1º da Convenção De acordo com o art 16 da Convenção os Estados se comprometem a coibir e punir tais atos quando forem cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência A inspiração da redação do art 16 foi fruto de tratamento desumano a prisioneiros realizado em plena Europa democrática no seio da luta antiterrorista britânica Em 1971 o Reino Unido deflagrou a Operação Demetrius para reprimir ativistas suspeitos de integrar ou apoiar o IRA Irish Revolutionary Army na Irlanda do Norte e deteve quase 350 pessoas Várias delas foram submetidas às chamadas 5 técnicas five techniques de interrogatório que consistiam em obrigação de ficar em pé por horas e horas usar capuz cobrindo toda a cabeça retratado em foto célebre de prisioneiro iraquiano na Prisão de Abu Ghraib Iraque feita por soldados norteamericanos sujeição a ruído excessivo privação de sono e privação de comida e água por prazo indeterminado Tudo voltado para desorientar enfraquecer gerar privação de sentidos intimidar obtendo a total sujeição do prisioneiro para seus propósitos Essas técnicas são comumente conhecidas como tortura invisível e foram usadas também por diversas ditaduras no mundo A Irlanda então processou o Reino Unido perante a Corte Europeia de Direitos Humanos Corte EDH na primeira demanda interestatal de todo o sistema europeu de direitos humanos 383 Porém a Corte EDH em julgamento de 18 de janeiro de 1978 considerou que tais técnicas não eram tortura mas sim tratamento cruel e desumano proibido no art 3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos Por isso em 1984 a Convenção da ONU quis evitar que Estados utilizassem essas técnicas e outras sob a alegação de que não se trataria de tortura Pelo art 16 da Convenção o tratamento cruel degradante e desumano também deve ser coibido e punido Em 1999 mostrando a evolução do sistema europeu de direitos humanos a Corte EDH modificou sua posição citando expressamente a Convenção da ONU contra a Tortura de 1984 no Caso Selmouni vs França e considerou que atos como submeter o prisioneiro a corredor polonês fazêlo correr entre duas fileiras de policiais e ser espancado assediálo verbalmente pela sua origem árabe ser alvo de urina de um policial obrigálo a simular sexo oral com um policial ameaçálo com uma seringa entre diversas outras condutas descritas no caso foram além do tratamento degradante e consistiram em tortura Para a Corte EDH a tortura pode ser sintetizada em atos com características cruéis e severas de violência física e mental considerados em seu conjunto que causam dor e sofrimento agudo Com isso a Corte modificou seu posicionamento uma vez que adota a interpretação evolutiva da Convenção Europeia de Direitos Humanos tida como um instrumento vivo sustentando que atos que hoje são caracterizados como degradantes ou desumanos podem no futuro ser caracterizados como tortura 624 Experimentação humana e seus limites bioéticos casos de convergência com o conceito de tortura O uso de seres humanos como cobaias não voluntárias em pesquisas médicas pode gerar sofrimento agudo que converge com o conceito de tortura Há vários casos dramáticos da história como os envolvendo experimentos nazistas do Dr Josef Mengele conhecido como Anjo da Morte e morto sob nome falso em Bertioga São Paulo em 1979 ou os da Unidade 731 das forças japonesas de ocupação na China 1933 1945 que levaram à realização de testes sobre a tolerância do corpo humano à dor à hipotermia a doenças infecciosas ao uso intenso de água salgada entre outros impondo sofrimento e dor intensos Em 2009 o Presidente Barack Obama instituiu a Comissão Presidencial para Estudo de Questões Bioéticas que entre outros investigou a experimentação não voluntária em seres humanos feita por pesquisadores norteamericanos na Guatemala durante os anos 40 do século passado por meio da inoculação de doenças sexualmente transmissíveis em especial sífilis O Direito Internacional Humanitário prevê que é crime de guerra as violações graves às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 a saber qualquer ato de tortura ou outros tratamentos desumanos incluindo as experiências biológicas dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos das Convenções de Genebra art 8º 2º do Estatuto de Roma já incorporado internamente pelo Decreto n 43882002 63 PRECEDENTES DO STF E DO STJ Integridade Física e Exame Compulsório de DNA em Ação de Investigação de Paternidade Impossibilidade Discrepa a mais não poder de garantias constitucionais implícitas e explícitas preservação da dignidade humana da intimidade da intangibilidade do corpo humano do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer provimento judicial que em ação civil de investigação de paternidade implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório debaixo de vara para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA A recusa resolvese no plano jurídicoinstrumental consideradas a dogmática a doutrina e a jurisprudência no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos STF HC 71373 rel p o ac Min Marco Aurélio j 10111994 Plenário DJ de 2211 1996 Integridade Física e Exame de DNA sem consentimento da mulher na placenta após sua expulsão do corpo Possibilidade Coleta de material biológico da placenta com propósito de fazer exame de DNA para averiguação de paternidade do nascituro embora a oposição da extraditanda Bens jurídicos constitucionais como moralidade administrativa persecução penal pública e segurança pública que se acrescem como bens da comunidade na expressão de Canotilho ao direito fundamental à honra CF art 5º X bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda nas dependências da Polícia Federal e direito à imagem da própria instituição em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho STF Rcl 2040QO rel Min Néri da Silveira j 212 2002 Plenário DJ de 2762003 Algemas e infâmia social As algemas em prisões que provocam grande estardalhaço e comoção pública cumprem hoje exatamente o papel da infâmia social E esta é uma pena que se impõe antes mesmo de se finalizar a apuração e o processo penal devido para que se fixe a punição necessária a fim de que a sociedade imponha o direito a que deve se submeter o criminoso Se a prisão é uma situação pública e é certo que a sociedade tem o direito de saber quem a ela se submete é de se acolher como válida juridicamente que se o preso se oferece às providências policiais sem qualquer reação que coloque em risco a sua segurança a de terceiros e a ordem pública não há necessidade de uso superior ou desnecessário de força ou constrangimento Nesse caso as providências para coagir não são uso mas abuso de medidas e instrumentos E abuso qualquer que seja ele e contra quem quer que seja é indevido no Estado Democrático A Constituição da República em seu art 5º III em sua parte final assegura que ninguém será submetido a tratamento degradante e no inciso X daquele mesmo dispositivo protege o direito à intimidade à imagem e à honra das pessoas De todas as pessoas seja realçado Não há para o direito pessoas de categorias variadas O ser humano é um e a ele deve ser garantido o conjunto dos direitos fundamentais As penas haverão de ser impostas e cumpridas igualmente por todos os que se encontrem em igual condição na forma da lei STF HC 89429 voto da rel Min Cármen Lúcia j 2282006 Primeira Turma DJ de 222007 Algemas e Tratamento degradante no Tribunal do Júri Réu sem passado de violência Impossibilidade do uso de algemas Se não há segurança suficiente deve ser adiada a sessão do júri Diante disso indagase surge harmônico com a Constituição mantêlo no recinto com algemas A resposta mostrase iniludivelmente negativa Da leitura do rol das garantias constitucionais art 5º depreendese a preocupação em resguardar a figura do preso A ele é assegurado o respeito à integridade física e moral inciso XLIX Ora estes preceitos a configurarem garantias dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no País repousam no inafastável tratamento humanitário do cidadão na necessidade de lhe ser preservada a dignidade Manter o acusado em audiência com algema sem que demonstrada ante práticas anteriores a periculosidade significa colocar a defesa antecipadamente em patamar inferior não bastasse a situação de todo degradante Quanto ao fato de apenas dois policiais civis fazerem a segurança no momento a deficiência da estrutura do Estado não autorizava o desrespeito à dignidade do envolvido Incumbia sim inexistente o necessário aparato de segurança o adiamento da sessão preservandose o valor maior porque inerente ao cidadão STF HC 91952 voto do rel Min Marco Aurélio j 78 2008 Plenário DJe de 19122008 Algemas Uso permitido para proteger direitos de terceiros ou do próprio acusado O uso de algemas durante audiência de instrução e julgamento pode ser determinado pelo magistrado quando presentes de maneira concreta riscos à segurança do acusado ou das pessoas ao ato presentes STF Rcl 9468AgR rel Min Ricardo Lewandowski j 2432011 Plenário DJe de 1142011 Algemas e Súmula Vinculante n 11 Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros justificada a excepcionalidade por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado STF Sessão Plenária de 1382008 Tortura e Extradição Território Palestino mas ocupado por Israel Extraterritorialidade da lei prevista na Convenção da ONU de 1984 no combate à tortura permite a extradição a própria natureza do crime de tortura já autoriza a flexibilização da regra geral de competência jurisdicional penal o princípio da territorialidade da lei incriminadora Quero dizer em matéria de delito de tortura abrese a oportunidade para que os Estadospartes estabeleçam a sua própria jurisdição criminal ainda que os delitos objeto de eventual pedido de extradição extrapolem os limites das respectivas fronteiras Sendo assim e a partir da simples leitura das alíneas b e c do parágrafo 1º do Artigo 5º combinado com o parágrafo 4º do Artigo 8º da Convenção contra a Tortura basta a nacionalidade do autor princípio da nacionalidade ativa ou da suposta vítima princípio da nacionalidade passiva para que o Governo requerente possa legitimamente subscrever o pedido de extradição Isto não me custa repetir com apoio na regra da extraterritorialidade da lei criminal expressamente autorizada pela referida Convenção STF Extr 1122 rel Min Carlos Britto j 215 2009 Tortura e criança Caracterização Tenho para mim desse modo que o policial militar que a pretexto de exercer atividade de repressão criminal em nome do Estado inflige mediante desempenho funcional abusivo danos físicos a menor momentaneamente sujeito ao seu poder de coerção valendose desse meio executivo para intimidálo e coagilo à confissão de determinado delito pratica inequivocamente o crime de tortura tal como tipificado pelo art 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente expondose em função desse comportamento arbitrário a todas as consequências jurídicas que decorrem da Lei 80721990 art 2º editada com fundamento no art 5º XLIII da Constituição STF HC 70389 voto do rel Min Celso de Mello j 2361994 Plenário DJ de 108 2001 O art 233 foi expressamente revogado pela Lei n 945597 que rege o tema no Brasil Tortura e criança Caracterização Ressai dos fatos narrados na denúncia que a paciente tinha a guarda provisória e precária da vítima e a submeteu a intolerável e intenso sofrimento psicológico e físico ao praticar em continuidade delitiva diversas agressões verbais e violência física de forma a caracterizar o crime de tortura descrito no art 1º inciso II combinado com o 4º inciso II da Lei 945597 STJ HC 172784RJ rel Min Napoleão Nunes Maia Filho j 322011 5ª Turma DJU de 2122011 Dano Moral imprescritível em caso de tortura não incidência da prescrição quinquenal de ações contra a Fazenda Pública O dano noticiado caso seja provado atinge o mais consagrado direito da cidadania o de respeito pelo Estado à vida e de respeito à dignidade humana O delito de tortura é hediondo A imprescritibilidade deve ser a regra quando se busca indenização por danos morais consequentes da sua prática STJ REsp 379414PR rel Min José Delgado DJ de 1722003 No mesmo sentido Tortura Dano moral Fato notório Nexo causal Não incidência da prescrição quinquenal art 1º Decreto 209101932 Imprescritibilidade 11 A dignidade humana desprezada in casu decorreu do fato de ter sido o autor torturado revelando flagrante violação a um dos mais singulares direitos humanos os quais segundo os tratadistas são inatos universais absolutos inalienáveis e imprescritíveis STJ REsp 1165986SP Min Luiz Fux j 16112010 DJU de 422011 Tortura e ação de improbidade Possibilidade Em síntese atentado à vida e à liberdade individual de particulares praticado por agentes públicos armados incluindo tortura prisão ilegal e justiciamento afora repercussões nas esferas penal civil e disciplinar pode configurar improbidade administrativa porque além de atingir a pessoavítima alcança simultaneamente interesses caros à Administração em geral às instituições de segurança pública em especial e ao próprio Estado Democrático de Direito STJ REsp 1177910SE rel Min Herman Benjamin j 2682015 DJe de 172 2016 7 Liberdade de pensamento e expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação Art 5º IV é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato V é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença 71 CONCEITO ALCANCE E AS ESPÉCIES DE CENSURA A liberdade de expressão consiste no direito de manifestar sob qualquer forma ideias e informações de qualquer natureza Por isso abrange a produção intelectual artística científica e de comunicação de quaisquer ideias ou valores Para o STF a liberdade de expressão engloba a livre manifestação do pensamento a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica HC 83125 rel Min Marco Aurélio j 1692003 Primeira Turma DJ de 7112003 A forma não é relevante o STF decidiu que o gesto de mostrar as nádegas em público em reação a críticas da plateia em um teatro ainda que a conduta seja inadequada e deseducada está inserido na liberdade de expressão HC 83996RJ rel Min Gilmar Mendes j 1782004 A liberdade de expressão é prevista inicialmente no art 5º IV da CF Há contudo dispositivos constitucionais correlatos como o art 5º VI que dispõe sobre a liberdade religiosa ver abaixo ou ainda o art 5º IX que prevê a liberdade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura e licença e o art 5º XIV que assegura o direito ao acesso à informação Para a Ministra Cármen Lúcia a censura é definida como sendo uma forma de controle da informação Alguém que não o autor do pensamento e do que quer se expressar impede a produção a circulação ou a divulgação do pensamento ou se obra artística do sentimento Enfim controlase a palavra ou a forma de expressão do outro Podese afirmar que se controla o outro STF ADI 4815 rel Min Cármen Lúcia j 10 62015 DJe de 1º22016 voto da Ministra 29 Esses direitos em seu conjunto demonstram que a liberdade de expressão possui duas facetas a que assegura a expressão do pensamento e a que assegura o direito dos demais de receber sob qualquer forma ou veículo a manifestação do pensamento de outrem Nessa linha a Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara a liberdade de opinião e expressão inclui o direito de sem interferência ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras artigo XIX A Constituição de 1988 protege a liberdade de manifestação do pensamento também em outro título da Constituição Título VIII referente à ordem social no capítulo da Comunicação Social O art 220 caput prevê novamente a liberdade de manifestação do pensamento da criação da expressão e informação sob qualquer forma e veículo O art 220 1º assegura a liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social e seu 2º veda expressamente qualquer censura de natureza política artística ou ideológica A repetição da vedação da censura arts 5º IX e 220 2º não deixa qualquer dúvida sobre a orientação constitucional a favor da liberdade de manifestação contrária a qualquer forma de censura A censura consiste em ato estatal de direcionamento ou vedação da expressão do indivíduo ou da imprensa o que é proibido pela Constituição Para o STF não cabe ao Estado por qualquer dos seus órgãos definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas ADI 4451REFMC rel Min Ayres Britto j 292010 Plenário DJe de 1º72011 e ainda a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões ADPF 130 rel Min Ayres Britto j 3042009 Plenário DJe de 6112009 Em 2015 o Supremo Tribunal Federal por unanimidade deu interpretação conforme à Constituição aos arts 20 e 21 do Código Civil 384 sem redução de texto para declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes ou de seus familiares em caso de pessoas falecidas ADI 4815 rel Min Cármen Lúcia j 1062015 Plenário DJe de 1º22016 A biografia pelo voto da Relatora consiste na escrita ou o escrito sobre a vida de alguém relatandose o que se apura e se interpreta sobre a sua experiência mostrada sendo considerada uma obra artística que não pode ficar sujeita à censura privada autorização do biografado coadjuvantes ou de seus familiares dada a eficácia horizontal dos direitos humanos que vinculam os particulares inclusive Assim a proibição de censura do art 5º IX abrange tanto atos estatais quanto de particulares Eventual dano à honra à imagem ou à intimidade deve ser resolvido pela outorga de indenização à luz do art 5º X Ainda no que tange à censura estatal de obras a ProcuradoriaGeral da República em 2019 ingressou com pedido de suspensão de liminar para fazer valer ordem judicial contra a Prefeitura do Rio de Janeiro que havia notificado a organização da tradicional Bienal do Livro do Rio de Janeiro para que não permitisse a comercialização de livros sobre o tema da homotransexualidade comercializados sem embalagem lacrada e advertência quanto ao conteúdo A Prefeitura invocou a proteção integral da criança art 227 da CF88 e dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente Dando razão à PGR o Min Presidente do STF decidiu que houve ofensa à liberdade de expressão artística e informação à igualdade bem como discriminação pela orientação sexual e de gênero De fato as relações homoafetivas representam também forma de constituição de família e não podem ser equiparadas a tema de conteúdo impróprio ou inadequado à infância e juventude do ECA STF Suspensão de Liminar n 1248 decisão monocrática da Presidência de 892019 Em 2017 houve a proibição em decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em ação civil pública interposta por associação Escola sem Partido da imposição de nota zero no Exame Nacional de Ensino Médio ENEM para a redação que desrespeite os direitos humanos No seu pedido de medida cautelar na Suspensão de Liminar n 1127 a ProcuradoriaGeral da República salientou a importância da convivência dos direitos humanos não podendo a liberdade de expressão ser utilizada para vulnerar outros direitos como a igualdade liberdade vida entre outros caso de redações racistas com discursos de ódio hate speech etc considerando então legítima a regra do edital do Enem que impunha a nota zero a tais redações ofensivas aos direitos humanos A decisão monocrática da Min Carmen Lúcia contudo indeferiu a suspensão sustentando que a liberdade de expressão deveria prevalecer pois não se deve combater a intolerância de alguns estudantes com a mordaça estatal por meio da imposição de zero na prova de redação STF Medida Cautelar na Suspensão de Liminar n 1127 Decisão monocrática da Presidência de 4112017 Ainda sobre o patrulhamento em ambientes de ensino o Min Edson Fachin ordenou a suspensão dos efeitos de decisão judicial que permitia a deputada estadual Santa Catarina estimular em sua página do Facebook estudantes a apontarem manifestações de professores de cunho políticopartidário ou ideológico que os estudantes considerassem humilhantes ou ofensivas à liberdade de crença e consciência Para o Min Fachin existiu ofensa à decisão do próprio STF na ADPF 548 promovida pela ProcuradoriaGeral da República PGR que assegura a livre manifestação do pensamento e de ideias em ambiente acadêmico STF Reclamação n 33137 rel Min Edson Fachin decisão monocrática de 822019 Outra espécie de censura que pode existir é a censura indireta que consiste no uso desproporcional de sanções cíveis e penais na defesa do direito à honra supostamente atingido bem como na inércia no combate a ataques a jornalistas ou meios de comunicação com o propósito de desestimular o gozo da liberdade de expressão A censura indireta é forma sutil de censura pois aparentemente o Estado admite a liberdade de expressão mas possibilita a imposição de pesadas sanções associadas ao seu exercício por exemplo fixação judicial ou administrativa de altíssimas somas referentes a supostos danos morais por críticas a autoridades públicas ou ainda admite passivamente a impunidade dos autores de ataques a jornalistas investigações policiais inoperantes casos não solucionados etc gerando pernicioso efeito inibidor e autocensura A Corte IDH entende que a censura indireta também é proibida pela Convenção Americana de Direitos Humanos devendo o Estado impedir a aplicação de sanções desproporcionais ou excessivas que gerem esse tipo de efeito Caso Tristán Donoso v Panamá 2009 Em 2000 a Declaração conjunta sobre Censura e ataques a jornalistas do Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas ONU do Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos OEA e ainda do Representante da Organização para a Segurança e Cooperação da Europa OSCE sobre a Liberdade dos Meios de Comunicação considerou ser forma contemporânea de censura a ausência de punição a autores de assassinatos e outras agressões a jornalistas que gera dramático efeito inibidor sobre os demais Essa declaração conjunta enfatizou ainda que a legislação do Estado deve dar preferência a reparações não pecuniárias por exemplo o direito de resposta aptas a restaurar eventualmente o direito à honra e não servir como castigo ou desestímulo ao demandado Apesar de sua natureza jurídica de soft law a Declaração pode servir de orientação para a interpretação de normas internacionais vinculantes como a Convenção Americana de Direitos Humanos A previsão do crime de desacato do Código Penal brasileiro art 331 385 também é tida como ofensiva à liberdade de expressão e o direito à informação pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos que em sua Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão 2000 estabeleceu que Os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade As leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos geralmente conhecidas como leis de desacato atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação item 11 Gerase o efeito inibidor também chamado chilling effect ou ainda efeito resfriador do exercício regular da liberdade de expressão e direito de informação característico da censura indireta que deve ser evitada em Estados democráticos nos quais os servidores públicos devem estar sujeitos ao escrutínio crítico de todos No mesmo sentido a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou o crime de desacato violação da Convenção Americana de Direitos Humanos ofensa à liberdade de expressão art 13 por criar entrave desproporcional aos que criticam o funcionamento dos órgãos públicos e seus membros suprimindo o debate essencial para o funcionamento de um sistema democrático e restringindo ao mesmo tempo de modo desnecessário a liberdade de pensamento e expressão Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Palamara Iribarne vs Chile sentença de 22 de novembro de 2005 em especial parágrafo 88 Neste caso o Sr Iribarne na época dos fatos servidor civil da Marinha chilena foi processado por delitos de desobediência e desacato pela publicação de livro intitulado Ética y Servicios de Inteligencia no qual criticou a atuação da inteligência militar chilena No Brasil há divergência jurisprudencial no Superior Tribunal de Justiça Em dezembro de 2016 a 5ª Turma do STJ afastou a tipicidade do crime de desacato em virtude de sua incompatibilidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos No voto do Relator Min Ribeiro Dantas salientouse a necessidade do controle de convencionalidade das leis brasileiras levar em consideração a interpretação internacionalista da Comissão IDH e da Corte IDH conforme abordado acima Sobre a Comissão IDH o voto do Relator Min Ribeiro Dantas esclareceu que As recomendações da CIDH assumem força normativa interna porquanto no caso Loayza Tamayo v Peru e nos posteriores a Corte Interamericana de Direitos Humanos sustentou que o princípio da boafé consagrado também na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados obriga os Estados contratantes da Convenção Americana de Direitos Humanos a realizar seus melhores esforços para cumprir as deliberações da Comissão CIDH que é também órgão principal da OEA organização que tem como uma de suas funções justamente promover a observância e a defesa dos direitos humanos no continente americano RAMOS André de Carvalho Processo internacional de direitos humanos 4 ed São Paulo Saraiva 2015 p 234 386 Além disso a Turma na dicção do voto do Relator apontou que a invalidade da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior civil ou até mesmo de outra figura típica penal calúnia injúria difamação pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual ofensiva utilizada perante o funcionário público Contudo em 2017 a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça por maioria considerou constitucional e convencional a tipificação interna sobre o crime de desacato 387 Os argumentos da maioria vencedora 388 que constam especialmente dos votos dos Ministros Antonio Saldanha Palheiro e Rogerio Schietti Cruz 1 O art 132 a e b 389 da Convenção Americana de Direitos Humanos estipula que a liberdade de expressão não é absoluta permitindo a criação de tipos penais que visem proteger os direitos e da reputação das demais pessoas bem como a segurança nacional da ordem pública ou da saúde ou da moral públicas 2 A Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu em vários julgados que em casos de abuso da liberdade de expressão pode ser utilizado o direito penal para a proteção da honra devendo a aplicação dessas medidas ser avaliada com especial cautela Caso Ricardo Canese vs Paraguai sentença de 31 de agosto de 2004 em especial parag 104 Caso Kimel vs Argentina sentença de 2 de maio de 2008 em especial parags 71 e 76 e Caso Herrera Ulloa vs Costa Rica sentença de 2 de julho de 2004 3 A posição da Comissão IDH não é vinculante sendo mera recomendação Quanto aos casos da Corte IDH embora esta já tenha se pronunciado sobre o tema leis de desacato em especial no caso Palamara Iribarne vs Chile tratouse de casos envolvendo a liberdade de expressão e crítica não sendo especificamente violado o bem jurídico protegido pelo desacato no Brasil No caso Palamara Iribarne vs Chile como já exposto acima tratouse da publicação de livro crítico ao serviço de inteligência chileno Assim as circunstâncias nesses julgados da Corte IDH são distintas Além disso não há precedente da Corte relacionada ao crime de desacato tal qual este é entendido no Brasil posição expressamente adotada pelo Min Rogério Schietti Cruz 4 O crime de desacato tutela a dignidade o prestígio o respeito devido à função pública e não a honra pessoal do servidor público O tratamento diferenciado à proteção da função pública é justificada tendo ainda sido apontado que há tratamento penal mais gravoso ao servidor público justamente por sua função pública pena criminal mais elevada do crime de peculato em comparação ao crime de furto etc 5 A punição de eventuais ofensas a título de desacato à autoridade para os crimes contra a honra implicaria em não punir situações em que a conduta e o comportamento ilícito não se dirigem necessariamente à honra da pessoa Em 2018 a 2ª Turma do STF considerou compatível com a Constituição e com a Convenção Americana de Direitos Humanos o crime de desacato a militar art 299 do Código Penal Militar sustentando o Min Gilmar Mendes que O desacato constitui importante instrumento de preservação da lisura da função pública e indiretamente da própria dignidade de quem a exerce HC 141949DF rel Min Gilmar Mendes DJe de 2132018 Em relação ao crime de desacato do Código Penal art 331 do CP a mesma 2ª Turma já o considerou compatível com Constituição Federal de 1988 CF art 5º IV da CF bem como com o disposto no art 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos Ag Reg no RE 1049152DF rel Min Dias Toffoli j 752018 e HC 154143 decisão monocrática do rel Min Celso de Mello j 882018 A justificativa para tal posição é justamente a ausência de caráter absoluto da liberdade de expressão sendo a criminalização de abusos por meio do desacato um instrumento razoável de tutela da dignidade do cargo ou função pública que o servidor ocupa ou exerce Aguarda julgamento sobre a temática a ADPF n 496 rel Min Barroso em trâmite em outubro de 2019 72 A PROIBIÇÃO DO ANONIMATO DIREITO DE RESPOSTA E INDENIZAÇÃO POR DANOS A liberdade de expressão encontra uma série de limitações explícitas na própria Constituição de 1988 Inicialmente o art 5º IV assegura que é livre a manifestação do pensamento mas veda expressamente o anonimato Essa proibição do anonimato gerou importante discussão sobre as investigações policiais amparadas nos chamados DisqueDenúncia nos quais o anonimato do noticiante é assegurado A visão consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça determina que a delação anônima notitia criminis inqualificada enseja a diligências preliminares que se confirmarem minimamente o alegado na peça apócrifa anônima ensejam a instauração de inquérito policial Essas diligências preliminares são medidas informais destinadas a apurar previamente em averiguação sumária a verossimilhança dos fatos noticiados anonimamente a fim de promover então em caso positivo a formal instauração da investigação criminal ver entre outros STF Inq 1957 rel Min Carlos Velloso voto do Min Celso de Mello j 1152005 Plenário DJ de 11112005 A peça anônima não pode per se gerar a imediata instauração de inquérito policial ou ação penal Já no inciso V fica consagrada a contrapartida do direito à livre manifestação em uma sociedade democrática a todos também é assegurado o direito de resposta e a indenização proporcional ao dano ocasionado pela manifestação de pensamento de outrem O direito de resposta consiste na possibilidade de replicar ou de retificar matéria publicada sendo invocável por aquele que foi ofendido em sua honra objetiva ou subjetiva ADPF 130 rel Min Ayres Britto j 3042009 Plenário DJe de 6112009 Já a indenização proporcional ao dano abarca tanto os danos materiais quanto os morais Há muitas discussões sobre valores excessivos fixados pelo Judiciário A antiga Lei de Imprensa Lei n 525067 protegia as empresas de comunicação ao estipular um teto para tais valores indenizatórios o que não foi aceito pelo STF que considerou que toda limitação prévia e abstrata ao valor de indenização por dano moral objeto de juízo de equidade é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República RE 447584 rel Min Cezar Peluso j 28112006 Segunda Turma DJ de 1632007 A linha adotada pela Constituição de 1988 sinaliza que a liberdade de manifestação gera também responsabilização daqueles que dela abusam Nesse sentido é também a posição dos textos internacionais de direitos humanos A Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe em seu art 13 que a liberdade de expressão não pode estar sujeita à censura prévia mas há responsabilidades ulteriores que devem ser expressamente previstas em lei devendo ainda a lei proibir toda propaganda a favor da guerra bem como toda apologia ao ódio nacional racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação à hostilidade ao crime ou à violência A Convenção Europeia de Direitos Humanos bem sintetiza a tensão entre a liberdade de expressão e outros direitos humanos ao dispor que a liberdade de expressão não pode ser objeto de outras restrições senão as que previstas na lei constituírem disposições necessárias em uma sociedade democrática à segurança pública à proteção da ordem da saúde e moral públicas ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem art 9º Veremos os principais casos nos quais foram debatidos os limites à liberdade de expressão 73 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O DISCURSO DE ÓDIO HATE SPEECH O discurso de ódio hate speech consiste na manifestação de valores discriminatórios que ferem a igualdade ou de incitamento à discriminação violência ou a outros atos de violação de direitos de outrem Essa terminologia acadêmica é de extrema atualidade no Brasil e em diversos países no mundo em face do discurso neonazista antissemita islamofóbico entre outras manifestações de pensamento odiosas O STF debateu essa temática no chamado Caso Ellwanger no qual foram discutidos os limites da liberdade de expressão e seu alcance no caso da publicação de obras antissemitas 390 De acordo com a maioria dos votos vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que valorizaram a liberdade de expressão não há garantia constitucional absoluta Ou seja as liberdades públicas não são incondicionais por isso devem ser exercidas de maneira harmônica observados os limites explícitos e implícitos fruto da proporcionalidade e ponderação com outros direitos previstos na Constituição e nos tratados de direitos humanos A liberdade de expressão não pode ser invocada para abrigar exteriorizações revestidas de ilicitude penal passagem do voto do Min Celso de Mello Em vários votos como por exemplo o do Min Gilmar Mendes foram feitas referências à colisão entre a liberdade de expressão e o direito à igualdade bem como à dignidade humana No caso preponderou o direito à igualdade e a dignidade humana admitindose que não era caso de se privilegiar a liberdade de expressão de ideias racistas antissemitas Consequentemente decidiu o STF que o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o direito à incitação ao racismo dado que um direito individual não pode constituirse em salvaguarda de condutas ilícitas como sucede com os delitos contra a honra Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 Fachin em voto no STF aponta que há três etapas necessárias para que se caracterize o chamado discurso discriminatório criminoso 1ª etapa de caráter cognitivo na qual se afirma a desigualdade entre grupos ou indivíduos 2ª etapa de caráter valorativo na qual se atesta pretensa relação de superioridade entre eles e a 3ª etapa na qual com base nas duas etapas anteriores o agente racista deduz ser legítima uma consequência odiosa que pode ser a dominação a exploração a escravização a eliminação ou o amesquinhamento de quaisquer direitos humanos daquele tido como diferente e inferior Para Fachin não há repressão penal caso inexista essa terceira etapa RHC 134682 rel Min Edson Fachin j 29112016 1ª T DJe de 2982017 ver o comentário ao caso concreto abaixo na temática do racismo religioso Nesse sentido cabe lembrar o alerta de Daniel Sarmento que comparando a visão norte americana de liberdade de expressão com a brasileira ponderou que a concepção norte americana é uma concepção ultralibertária sendo um verdadeiro fim em si mesma não admitindo restrições e não um instrumento 391 Já no Brasil adotamos a visão da liberdade de expressão responsável que possui limites explícitos e implícitos São limites explícitos à liberdade de expressão a a vedação ao anonimato art 5º IV b direito de resposta art 5º V c restrições à propaganda comercial de tabaco bebidas alcoólicas agrotóxicos e terapias art 220 4º d classificação indicativa art 21 XVI e indenização ao dano material moral ou à imagem art 5º V Por sua vez são limites implícitos aqueles gerados pela ponderação com os demais direitos como o direito à privacidade art 5º X ou no caso da divulgação de ideias racistas o direito à igualdade art 5º caput Esse limite à liberdade de expressão foi testado no Caso Bolsonaro no qual o atual Presidente da República Jair Bolsonaro então deputado federal foi processado criminalmente pela ProcuradoriaGeral da República em virtude de ter fora do recinto do Congresso Nacional utilizado expressões como arroba e procriador ao se referir aos membros de comunidade quilombola do interior do Estado de São Paulo 392 Para o Min Barroso acompanhado pela Min Rosa Weber o uso de expressões comumente associadas a animais para se referir a indivíduos afrodescendentes no Brasil representou o cometimento do crime do art 20 da Lei n 771689 393 que trata de conduta discriminatória por raça ou etnia Na linha do Caso Ellwanger a prática de racismo contra os quilombolas do então Dep Bolsonaro teria constituído i hate speech e ii não poderia ser vista como protegida pela liberdade de expressão bem como iii não pode ser abarcada pela imunidade material dos congressistas freedom from speech art 53 da CF Neste último ponto cabe salientar que a imunidade material dos parlamentares não é absoluta pois há a tensão entre a liberdade de expressão e o abuso da palavra que pode levar à responsabilização cível e criminal Para a jurisprudência do STF a imunidade material só se verifica se as palavras ofensivas guardarem conexão com o exercício do mandato parlamentar o que não seria o caso Inq 2134 rel Min Joaquim Barbosa j 2332006 P DJ de 222007 Para a Ministra Rosa Weber o pronunciamento do denunciado não guardou vínculo com sua atividade parlamentar Contudo a maioria de votos entendeu que se tratou de uso regular da liberdade de expressão no exercício da atividade parlamentar Para o Min Alexandre de Moraes apesar da grosseria a vulgaridade e no tocante aos quilombolas principalmente total desconhecimento da realidade nas declarações que foram feitas a conduta do Dep Bolsonaro não extrapolou os limites da liberdade de expressão não tendo se constituído em um discurso de ódio de incitação ao racismo uma vez que não defendeu ou incitou tratamento desumano degradante ou cruel aos afrodescendentes nem fez apologia do que foi feito no período abominável da escravidão no Brasil Também não teria a conduta buscado ampliar ou propagar o ódio racial Por não caracterizar a incitação ao ódio ou violência racial não seria discurso de ódio e sim crítica a políticas de governo com as quais o denunciado não concorda trecho do voto do Min Alexandre de Moraes Assim a denúncia criminal foi rejeitada 74 HUMOR PORNOGRAFIA E OUTROS CASOS DE LIMITE À LIBERDADE DE EXPRESSÃO Tema de recente impacto na mídia diz respeito aos limites à liberdade de expressão artística do gênero humor As piadas politicamente incorretas podem sofrer limitação judicial e os humoristas serem responsabilizados civilmente por danos morais individuais às pessoas atingidas ou danos morais coletivos às comunidades ofendidas A casuística pende para a preferência à liberdade de expressão artística humor como se vê em julgado do Superior Tribunal de Justiça no qual a relatora Ministra Nancy Andrighi ressaltou que a tarefa de examinar aquilo que se poderia chamar de inteligência do humor praticado cabe apenas aos setores especializados da imprensa que concedem prêmios aos artistas de acordo com o desempenho por eles demonstrado em suas obras STJ REsp 736015RJ rel Min Nancy Andrighi j 1662005 Em 2015 houve contudo posição divergente do Superior Tribunal de Justiça em conhecido caso envolvendo humorista que em programa de televisão de rede nacional diante de matéria envolvendo celebridade grávida fez comentário considerado chulo e grosseiro comeria ela e o bebê Houve a propositura de ação de indenização promovida pelos pais e também pelo feto direito da personalidade do nascituro tendo sido o humorista condenado no 1º grau sendo a sentença mantida no Tribunal de Justiça de São Paulo por maioria No conflito entre a liberdade de expressão na faceta humorística e os direitos de personalidade dos atingidos honra imagem o TJSP entendeu que a agressividade contida nas palavras ditas afasta que se tome o dito como piada sendo vedado usar de sua liberdade de expressão de modo a pôr em risco valores ainda maiores como a dignidade da pessoa humana Nessa linha a maioria no TJSP entendeu que quando o humor seja sem graça mais ofenda que divirta não cumpre sua função o fazer rir Assim não se pode admitir venha alguém querer se escudar no fato de fazer humor para escapar à responsabilidade quanto ao conteúdo de certa manifestação que tenha emitido Com isso a maioria do TJSP além de invocar a dignidade humana como princípio de maior peso fez curiosa descaracterização da frase grosseira como forma de humor ou seja criouse critério sem parâmetros claros do que pode ser considerado humor em uma sociedade O voto vencido do relator originário Des Roberto Maia apontou a impossibilidade de um terceiro descaracterizar o humor somente porque pelos seus parâmetros este foi chulo grosseiro ou extremamente infeliz Para Roberto Maia condenar o humorista seria estabelecer standards judiciais sobre os mais diversos tipos de humor segmentandoos em lícitosilícitos Apelação Cível n 02018380520118260100 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo rel designado João Batista Vilhena j 6112012 O Superior Tribunal de Justiça manteve a condenação sustentando que o comentário feito pelo humorista foi reprovável agressivo e grosseiro sendo efetivamente causador de abalo moral REsp 1487089SP rel Min Marco Buzzi j 2372015 Ridendo castigat mores o riso corrige os costumes e em geral não gera dever de indenização Entendo que o cerne da diferenciação do humor de outras formas de conduta como a ofensa pura e simples está no ânimo do agente havendo a vontade clara de divertir e gracejar animus jocandi fica caracterizada a liberdade de expressão humorística mesmo se a piada for rude cáustica ou mesmo sem nenhuma graça no contexto social de uma época Por outro lado caso haja a caracterização do ânimo de ofender ou inferiorizar determinada pessoa ou grupo social podese chegar à limitação da liberdade de expressão humorística aqui usada somente como disfarce para se assegurar a prevalência de outro direito envolvido por exemplo o direito à igualdade Não se descarta também a possibilidade de repressão a eventuais violações de direitos das pessoas atingidas por atividades invasivas O caso de conhecido programa de humor que perseguiu atriz televisiva célebre inclusive com a contratação de caminhão com guindaste para ficar na frente de sua residência importunandoa e interferindo fortemente na sua vida privada é típico caso de uso camuflado da liberdade de expressão artística para justificar violação do direito à vida privada Nessa linha de ponderação da liberdade de expressão com outros direitos o STF considerou que o Estado não está autorizado a impedir que um candidato seja aprovado em definitivo em concurso público pelo fato de ostentar de forma visível ou não uma pigmentação definitiva em seu corpo a chamada tatuagem que expresse os sentimentos ideologia crenças ou quaisquer valores do seu portador Contudo caso a tatuagem exteriorize valores ofensivos aos valores previstos na Constituição e tratados de direitos humanos não é possível invocar a liberdade de expressão pois aquele que exerce cargo público deve possuir valores compatíveis com a dignidade humana Para o Min Luiz Fux Independentemente de ser visível ou do seu tamanho uma tatuagem não é sinal de inaptidão profissional apenas podendo inviabilizar o desempenho de um cargo ou emprego público quando exteriorizar valores excessivamente ofensivos à dignidade dos seres humanos ao desempenho da função pública pretendida como na hipótese verbi gratia de um candidato ao cargo policial que possua uma tatuagem simbolizando uma facção criminosa ou o desejo de assassinato de policiais incitação à violência iminente ameaças reais ou representar obscenidades Assim somente se i houver lei e ii a tatuagem for ofensiva à dignidade e aos direitos humanos pode existir o óbice à assunção do cargo público STF RE 898450SP rel Min Luiz Fux j 17 82016 Informativo do STF n 841 Por fim a liberdade de expressão pode encontrar compressão nas limitações previstas em lei no tocante à obscenidade e pornografia em especial diante dos direitos da criança Em 2016 o Min Luiz Fux fez menção às três condições impostas pela Suprema Corte dos Estados Unidos para definir o que seria obscenidade nas publicações e obras em geral o chamado MillerTest no caso Miller vs Califórnia de 1973 a saber i o homem médio seguindo padrões contemporâneos da comunidade considere que a obra tida como um todo atrai o interesse lascivo ii quando a obra retrata ou descreve de modo ofensivo conduta sexual nos termos do que definido na legislação estadual aplicável iii quando a obra como um todo não possua um sério valor literário artístico político ou científico STF RE 898450SP rel Min Luiz Fux j 1782016 Informativo do STF n 841 75 LEI DE IMPRENSA E REGULAMENTAÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO Como visto acima a liberdade de expressão é tratada tanto no rol do art 5º quanto no capítulo da comunicação social Essa repetição não é acidental a comunicação de massa em diversos países democráticos é sujeita a regulamentação específica diferente da que rege a comunicação entre indivíduos A liberdade de informação jornalística decorre da liberdade de expressão mas dela difere na liberdade de expressão predomina o discurso direto do emitente que veicula suas ideias e valores na liberdade de informação predomina o discurso indireto do emitente que noticia e veicula fatos ou falas de outrem É possível ainda decompor o direito de informação em i liberdade de informar ii liberdade de se informar e iii de ser informado No caso brasileiro a Constituição de 1988 reiterou o direito à livre manifestação do pensamento da criação da expressão e da informação art 220 caput vedando a edição de leis que venham a restringir a liberdade de informação jornalística art 220 1º e ainda também proibiu qualquer censura política ideológica e artística art 220 2º Porém a CF88 regulou fortemente o conteúdo transmitido pela comunicação de massa das emissoras de rádio e televisão que são concessões públicas ao dispor em diversos incisos do art 221 que esses meios devem observar em sua programação uma preferência a finalidades educativas artísticas culturais e informativas inciso I além de zelar pela promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação inciso II e devem esses veículos acatar a regionalização da produção cultural artística e jornalística conforme percentuais estabelecidos em lei inciso III e finalmente devem obedecer aos valores éticos e sociais da família inciso IV Na jurisprudência do STF prevalece o espírito liberal de valorização da liberdade de expressão mesmo na comunicação de massa Na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n 130 o STF considerou como totalmente não recepcionada pela ordem constitucional a Lei n 525067 denominada Lei de Imprensa Para o STF o conjunto desses dispositivos constitucionais referentes à Comunicação Social Capítulo V do Título VIII da CF88 demonstra que os veículos de comunicação de massa representam uma instituiçãoideia influenciando cada pessoa e auxiliando a formar a opinião pública Nessa linha o STF sustentou que o capítulo constitucional da comunicação social representa um prolongador de direitos que são emanações da dignidade da pessoa humana a livre manifestação do pensamento e o direito à informação e à expressão artística científica intelectual e comunicacional Portanto para o STF a liberdade de informação jornalística é expressão sinônima de liberdade de imprensa constituindose em um patrimônio imaterial do povo e irmã siamesa da democracia Ou nas palavras do Ministro Celso de Mello a censura governamental emanada de qualquer um dos três Poderes é a expressão odiosa da face autoritária do poder público No final o STF decidiu que apesar da não recepção da Lei n 525067 o direito de resposta nela regulamentado ainda é cabível uma vez que é fruto direto do art 5º V da CF88 76 LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM PERÍODO ELEITORAL O Direito Eleitoral brasileiro sob a justificativa de impedir manipulação do eleitorado ofensa à isonomia entre os candidatos ou favorecimento pela mídia de determinado candidato possui diversos dispositivos de regulamentação da liberdade de expressão no período eleitoral Um dos primeiros casos suscitados no STF ainda em 1994 foi a vedação à utilização de gravações externas montagens ou trucagens na propaganda eleitoral gratuita O STF decidiu que essas restrições são constitucionais uma vez que o acesso ao rádio e à televisão sem custo para os partidos dáse a expensas do erário e deve ocorrer na forma que dispuser a lei consoante disposição expressa na CF88 art 17 3º Essas restrições são proporcionais na ótica do STF pois visam eliminar desequilíbrios fruto do poder econômico por exemplo vedando computação gráfica e efeitos especiais assegurandose a isonomia entre os candidatos ADI 956 rel Min Francisco Rezek j 1º72004 Plenário DJ de 2042001 Em 2002 o STF analisou a constitucionalidade da proibição da participação na propaganda partidária de pessoa filiada a partido que não o responsável pelo programa art 45 1º da Lei n 909695 Para o STF essa restrição é constitucional pois a propaganda partidária destinase à difusão de princípios ideológicos atividades e programas dos partidos políticos caracterizandose desvio de sua real finalidade a participação de pessoas de outro partido no evento em que veiculada ADI 2677MC rel Min Maurício Corrêa j 2662002 Plenário DJ de 7112003 Em 2017 a Lei n 134872017 extinguiu a propaganda partidária a partir de 1º12018 o que era antigo pleito das emissoras de rádio e televisão Em 2006 o STF reconheceu a inconstitucionalidade do art 35A inserido na Lei n 950497 Lei das Eleições que vedava a divulgação de pesquisas eleitorais a partir do décimo quinto dia anterior até às dezoito horas do dia do pleito Decidiu o STF que essa regra ofendeu o direito à informação garantido pela Constituição Federal e a liberdade de expressão política sendo à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade inadequada desnecessária e desproporcional quando confrontada com o objetivo pretendido pela legislação eleitoral que é em última análise o de permitir que o cidadão antes de votar forme sua convicção da maneira mais ampla e livre possível ADI 3741 rel Min Ricardo Lewandowski j 692006 Plenário DJ de 2322007 Informativo n 439 do STF Finalmente em 2011 o STF declarou inconstitucional as proibições às emissoras de rádios e televisões na programação normal e noticiários de uso de trucagem montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que de qualquer forma degradem ou ridicularizem candidato partido ou coligação ou produzir ou veicular programa com esse efeito a partir de 1º de julho do ano de eleições art 45 II da Lei n 950497 Nesse caso o STF fez valer a liberdade de imprensa das empresas de rádio e televisão que até aquele momento estavam impedidas de veicular os tradicionais programas humorísticos expondo criticamente a imagem dos candidatos ou os próprios a situações cômicas Quanto ao art 45 II e III 394 da mesma lei proibição de veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato partido coligação a seus órgãos ou representantes o STF deu interpretação conforme à Constituição para considerar conduta ilícita aferida a posteriori pelo Poder Judiciário a veiculação por emissora de rádio e televisão de crítica ou matéria jornalísticas que venham a descambar para a propaganda política passando nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral de modo a desequilibrar o princípio da paridade de armas ADI 4451REFMC rel Min Ayres Britto j 292010 Plenário DJe de 1º72011 Em 2018 houve o julgamento definitivo dessa ação tendo o STF declarado inconstitucional o art 45 II e III parte final a liberdade de expressão assegura tanto as opiniões supostamente verdadeiras admiráveis ou convencionais como aquelas que são duvidosas exageradas condenáveis satíricas humorísticas bem como as que são repudiadas por uma maioria Até mesmo as declarações errôneas podem ser abrigadas pela liberdade de expressão No voto da Ministra Rosa Weber houve a menção ao eventual apoio escancarado de um programa ou de uma emissora a um candidato a solução seria a punição do candidato pelo abuso dos meios de comunicação bem como tal conduta abusiva deveria ser noticiada pelo opositor caso tenha meios e recursos para que o eleitor pudesse inclusive não dar o voto àquele que assim se comporta Para o Min Fachin a proteção da legitimidade do pleito e da igualdade entre os candidatos pode ser feita de outra forma por exemplo com a vedação às empresas de rádio e televisão de dar tratamento privilegiado a candidato partido ou coligação art 45 IV o que asseguraria a isonomia sem impor censura Isso sem contar as figuras penais típicas do período eleitoral e o direito de resposta ADI 4451 rel Min Alexandre de Moraes j 2162018 P DJe de 632019 Em 2018 houve decisões judiciais na Justiça Eleitoral considerando manifestações favoráveis ou contrárias a determinados candidatos nas Eleições Presidenciais daquele ano em estabelecimentos de ensino universitário propaganda eleitoral ilícita em bem de uso comum ou até bem público no caso de universidades públicas A ProcuradoraGeral da República interpôs a ADPF 548 para assegurar a liberdade de expressão e manifestação dos docentes e discentes tendo obtido medida cautelar referendada pelo Plenário Para o STF as providências judiciais e administrativas impugnadas na ADPF além de ferir o princípio garantidor de todas as formas de manifestação da liberdade desrespeitam a autonomia das universidades e a liberdade dos docentes e discentes ADPF 548MCREF rel min Cármen Lúcia j 31102018 Plenário Informativo 922 Esse precedente é importante freio às tentativas de ampliação do alcance das vedações à propaganda eleitoral da Lei n 950497 Lei das Eleições que devem assegurar somente a igualdade entre os candidatos e a liberdade do eleitor Não podem se transformar em mecanismos de asfixia da crítica política e da liberdade de expressão salutar em qualquer processo eleitoral 77 OUTROS CASOS DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SUAS RESTRIÇÕES NO STF Crime de racismo religioso A liberdade de expressão como condição de tutela efetiva da liberdade de religião Prevalência da liberdade de expressão religiosa Tratouse de denúncia criminal do Ministério Público Federal contra sacerdote da Igreja Católica autor de publicação que afirmava entre outros que o demônio hoje se esconde nos rituais e nas práticas do espiritismo da umbanda do candomblé e ainda que o espiritismo é como uma epidemia e como tal deve ser combatido No voto do relator Min Edson Fachin a liberdade de expressão religiosa compreende o chamado discurso proselitista que visa convencer e doutrinar o outro sobre a sua fé Por isso não seria ilícito penal a comparação entre diversas religiões inclusive com explicitação de hierarquização ou animosidade Concluiu o Relator afirmando que Conduta que embora intolerante pedante e prepotente se insere no cenário do embate entre religiões e decorrente da liberdade de proselitismo essencial ao exercício em sua inteireza da liberdade de expressão religiosa RHC 134682 rel Min Edson Fachin j 29112016 1ª T DJe de 2982017 Classificação indicativa e não impositiva Prevalência da liberdade de expressão e impossibilidade de censura prévia O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA que estabelece multa e suspensão de programação às emissoras de rádio e TV que exibirem programas em horário não autorizado pela classificação indicativa do Ministério da Justiça brasileiro Foi decisivo para o STF a vedação à censura art 220 caput da CF88 e o disposto no art 220 3º da CF88 que estabelece que o Poder Público deve informar sobre a natureza dos programas locais e horário de exibição Para o Min Dias Toffoli o dispositivo questionado ao estabelecer punição às empresas de radiodifusão por exibirem programa em horário diverso do autorizado incorreu em abuso constitucional uma vez que não há albergado na CF88 horário autorizado mas tão somente horário recomendado Assim o STF reconheceu que o tema proteção da criança na programação de rádio e TV é submetido inicialmente à autorregulação mas ficou ressalvada no voto do Relator a possibilidade de responsabilização judicial das emissoras de radiodifusão por abusos ou eventuais danos à integridade das crianças e dos adolescentes inclusive levando em conta a recomendação do Ministério da Justiça quanto aos horários em que a referida programação se mostre inadequada STF ADI 2404 rel Min Dias Toffoli j 3182016 Liberdade de expressão e manifestações políticas em grandes eventos Copa do Mundo O STF indeferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade que impugnava o parágrafo 1º do art 28 da Lei n 126632012 Lei Geral da Copa que na visão do Autor da ADI restringia a liberdade de expressão Para o STF o parágrafo único do art 28 É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana possui sentido oposto ao daquele interpretado pelo Autor da ADI partido político ou seja assegura a liberdade de expressão Para o Min Barroso a liberdade de expressão é uma manifestação da dignidade da pessoa humana e do ponto de vista do seu valor instrumental ela é também uma forma de expressão para realizar este fim último da democracia ADI 5136 MC rel Min Gilmar Mendes j 1º72014 Plenário DJe de 30 102014 Proteção da Criança e Adolescente e liberdade de expressão e informação Restrição prevista na lei e não na Constituição Inconstitucionalidade Divulgação total ou parcial por qualquer meio de comunicação de nome ato ou documento de procedimento policial administrativo ou judicial relativo à criança ou adolescente a que se atribua ato infracional Publicidade indevida Penalidade suspensão da programação da emissora até por dois dias bem como da publicação do periódico até por dois números Inconstitucionalidade A Constituição de 1988 em seu art 220 estabeleceu que a liberdade de manifestação do pensamento de criação de expressão e de informação sob qualquer forma processo ou veículo não sofrerá qualquer restrição observado o que nela estiver disposto Limitações à liberdade de manifestação do pensamento pelas suas variadas formas Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na própria Constituição ADI 869 Rel po ac Min Maurício Corrêa j 481999 Plenário DJ de 462004 Proibição judicial que impede órgão de imprensa de divulgar teor sigiloso de investigação policial Não é caso de ofensa à ADPF 130 Liberdade de imprensa Decisão liminar Proibição de reprodução de dados relativos ao autor de ação inibitória ajuizada contra empresa jornalística Ato decisório fundado na expressa invocação da inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade notadamente o da privacidade mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça Contraste teórico entre a liberdade de imprensa e os direitos previstos nos arts 5º X e XII e 220 caput da CF Ofensa à autoridade do acórdão proferido na ADPF 130 que deu por não recebida a Lei de Imprensa Não ocorrência Matéria não decidida na ADPF Processo de reclamação extinto sem julgamento de mérito Votos vencidos Não ofende a autoridade do acórdão proferido na ADPF 130 a decisão que proibindo a jornal a publicação de fatos relativos ao autor de ação inibitória se fundou de maneira expressa na inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade notadamente o da privacidade mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça Rcl 9428 rel Min Cezar Peluso j 10122009 Plenário DJe de 2562010 Tribunal de Contas da União e anonimato permanente do noticiante de irregularidade Impossibilidade A Lei 8443 de 1992 estabelece que qualquer cidadão partido político ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o TCU A apuração será em caráter sigiloso até decisão definitiva sobre a matéria Decidindo o Tribunal manterá ou não o sigilo quanto ao objeto e à autoria da denúncia 1º do art 55 Estabeleceu o TCU então no seu Regimento Interno que quanto à autoria da denúncia será mantido o sigilo inconstitucionalidade diante do disposto no art 5º V X XXXIII e XXXV da CF MS 24405 rel Min Carlos Velloso j 3122003 Plenário DJ de 2342004 DisqueDenúncia Anonimato Necessidade de diligências criminais preliminares para só depois instaurar o inquérito policial Firmouse a orientação de que a autoridade policial ao receber uma denúncia anônima deve antes realizar diligências preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa denúncia são materialmente verdadeiros para só então iniciar as investigações 2 No caso concreto ainda sem instaurar inquérito policial policiais federais diligenciaram no sentido de apurar as identidades dos investigados e a veracidade das respectivas ocupações funcionais tendo eles confirmado tratarse de oficiais de justiça lotados naquela comarca cujos nomes eram os mesmos fornecidos pelos denunciantes Portanto os procedimentos tomados pelos policiais federais estão em perfeita consonância com o entendimento firmado no precedente supracitado no que tange à realização de diligências preliminares para apurar a veracidade das informações obtidas anonimamente e então instaurar o procedimento investigatório propriamente dito 3 Habeas corpus denegado HC 95244 rel Min Dias Toffoli 1ª Turma j 2332010 publicado no DJ em 3042010 8 Liberdade de consciência e liberdade religiosa Art 5º VI é inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias VII é assegurada nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva VIII ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusarse a cumprir prestação alternativa fixada em lei 81 LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA A liberdade de consciência consiste no direito de possuir inovar expressar ou até desistir de opiniões e convicções assegurandose o direito de agir em consonância com tais valores A liberdade de pensamento vide acima abarca a liberdade de consciência mas sua especificação na Constituição realça a importância de se assegurar a livre formação e exteriorização de convicções e valores A própria Constituição valoriza a liberdade de consciência ao prever a chamada escusa de consciência ou ainda imperativo de consciência ou objeção de consciência que consiste na possibilidade de invocar convicção filosófica política ou religiosa para não cumprir obrigação legal a todos imposta devendo cumprir prestação alternativa fixada em lei No caso do serviço militar obrigatório o art 14 1º dispõe que às Forças Armadas compete na forma da lei atribuir serviço alternativo aos que em tempo de paz após alistados alegarem imperativo de consciência pacifistas por exemplo entendendose como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar A Lei n 823991 prevê que tal serviço alternativo será prestado em organizações militares da ativa e em órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos Ministérios Civis mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares desde que haja interesse recíproco e também sejam atendidas as aptidões do convocado O indivíduo realizará atividades de caráter administrativo assistencial filantrópico ou mesmo produtivo em substituição às atividades de caráter essencialmente militar Ao final do período será conferido Certificado de Prestação Alternativa ao Serviço Militar Obrigatório com os mesmos efeitos jurídicos do Certificado de Reservista Caso haja recusa ou cumprimento incompleto do Serviço Alternativo por motivo de responsabilidade pessoal do interessado não será emitido o certificado pelo prazo de dois anos após o vencimento do período que ele teria que ter cumprido Após esses dois anos o certificado só será emitido após a decretação pela autoridade competente da suspensão dos direitos políticos do inadimplente que poderá a qualquer tempo regularizar sua situação mediante cumprimento das obrigações devidas Apesar de minuciosa a Lei n 823991 não foi implementada pela União Até que tal situação seja alterada os jovens alistados que alegaram imperativo de consciência receberam o Certificado de Dispensa de Serviço Alternativo sem qualquer outro ônus Mais de 40 mil jovens de 2002 a 2006 invocaram o imperativo de consciência segundo os dados do Departamento de Mobilização do Ministério da Defesa que constam de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em litisconsórcio com o Ministério Público Militar perante a Justiça Federal de Santa Maria RS Em 2011 o Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgou a apelação dessa ação e decidiu que os mais de vinte anos de vigência da regra da escusa de consciência sem a devida implementação bem como a ausência de informação clara pelos órgãos responsáveis a respeito do direito resultam no dever da União de implementar tal serviço alternativo em um prazo de três anos Ação Civil Pública Ap Cív 200871020003563RS Rel Desa Federal Marga Inge Barth Tessler j 1632011 Em 2013 o Superior Tribunal de Justiça deu razão à União no curso da citada ação decidindo que não há a necessidade de implementar os serviços alternativos uma vez que i há custo para tanto e cabe à União verificar a conveniência e oportunidade de tal gasto e ii os jovens não são prejudicados porque recebem o certificado de dispensa REsp 1339383RS rel Min Benedito Gonçalves j 26112013 DJe de 2342014 Quanto à obrigação de servir como jurado no Tribunal do Júri dispõe o art 438 do CPP que a recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo sob pena de suspensão dos direitos políticos enquanto não prestar o serviço imposto Esse serviço alternativo consiste no exercício de atividades de caráter administrativo assistencial filantrópico ou mesmo produtivo no Poder Judiciário na Defensoria Pública no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins Cabe ao juiz fixar o serviço alternativo atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade art 438 1º e 2º do CPP No tocante às obrigações eleitorais o Código Eleitoral prevê que o eleitor que sendo obrigado o voto no Brasil é obrigatório a todos os brasileiros alfabetizados dos 18 aos 70 anos deixar de votar e não se justificar até 60 dias após a realização da eleição deverá pagar multa art 7º do CE A inscrição eleitoral será cancelada nos seguintes casos se o eleitor por três eleições consecutivas não votar nem justificar a sua ausência ou finalmente não pagar a multa por não ter votado e não ter justificado Com o cancelamento da inscrição ele não poderá exercer seus direitos políticos até que cumpra suas obrigações eleitorais pagando a multa No caso da alegação pelo eleitor de convicções filosóficas contrárias a sua participação no processo eleitoral como eleitor ou mesário não há prestação alternativa como prevê a Constituição O pagamento de multa não serve como serviço alternativo pois tem cunho punitivo o que não é o caso do serviço alternativo preconizado pela Constituição de 1988 82 LIBERDADE DE CRENÇA OU DE RELIGIÃO A liberdade de crença e religião é faceta da liberdade de consciência consistindo no direito de adotar ou não qualquer crença religiosa ou abandonála livremente bem como praticar seus ritos cultos e manifestar sua fé sem interferências abusivas Há um duplo aspecto da liberdade de crença ou religião no sentido positivo tal liberdade assegura o direito de professar uma fé no sentido negativo assegura o direito de não possuir uma fé ou ainda de não ser exposto indevidamente ao proselitismo religioso A proteção da liberdade de crença ou religião impede a punição daquele que a invoca para não cumprir obrigação legal a todos imposta como vimos acima na análise da escusa de consciência como também impede que alguém seja obrigado a acreditar em algum culto ou religião ou impelido a renunciar ao que acredita Fica estabelecido o marco de tolerância a toda e qualquer religião devendo o Estado ter uma postura de neutralidade sem favorecer ou prejudicar qualquer uma delas O art 19 da CF qualifica o Estado brasileiro como Estado laico uma vez que veda a qualquer ente federativo estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionálos embaraçarlhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança ressalvada na forma da lei a colaboração de interesse público Há relação entre a liberdade de religião e a liberdade de expressão que se revela na possibilidade de difusão da fé e dos princípios de cada religião Esses atos de proselitismo religioso são duplamente protegidos pela gramática de direitos humanos pois fundamentam se na liberdade de expressão e também na liberdade de religião Justamente por ser uma faceta da liberdade de religião o proselitismo religioso possui tratamento jurídico distinto da expressão de ideias em geral O Supremo Tribunal Federal apreciou o limite do proselitismo religioso em espaços públicos na análise da restrição em vigor há mais de vinte anos no Brasil prevista no art 4º 1º da Lei n 961298 que estabelecia É vedado o proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de radiodifusão comunitária Para o STF por maioria o dispositivo colide com i a liberdade de expressão ii a liberdade religiosa e iii o livre exercício de cultos religiosos No voto do Min Fachin relator para o acórdão foi feito o diálogo das Cortes com citação da posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH na Opinião Consultiva n 5 Nesse julgado a Corte IDH enfatizou a dupla dimensão da liberdade de expressão que requer que ninguém seja arbitrariamente privado ou impedido de manifestar seu pensamento e ainda consiste no direito coletivo de receber informações e de conhecer o pensamento alheio Para Fachin a restrição ao proselitismo religioso em rádios comunitárias não se amolda a nenhuma hipótese de restrição autorizada de direitos humanos pois a liberdade de expressão inclui o discurso persuasivo e a troca de ideias Mesmo se tratando de concessões públicas impera a liberdade de expressão sob qualquer forma processo ou veículo art 220 da CF88 Quanto ao direito de não ser exposto indevidamente ao proselitismo religioso o dano é mínimo e bastaria ao ouvinte que desligue o rádio ADI 2566 rel p o ac Min Edson Fachin j 165 2018 P DJe de 23102018 A laicidade do Estado no Brasil foi consagrada somente na Constituição de 1891 e suas sucessoras Na Constituição imperial de 1824 houve a adoção da religião católica como oficial do Estado Estado Confessional art 5º e prevalecia o regalismo que consiste na subordinação da Igreja ao Estado em seus assuntos internos por exemplo pelo art 102 II cabia ao Imperador nomear os Bispos Por outro lado há outros comandos da Constituição de 1988 que fazem remissão à fé e a religiões a saber 1 a expressão sob a proteção de Deus no Preâmbulo da CF88 2 a escolha do descanso semanal preferencialmente aos domingos prevista no art 7º XV fruto do dia do descanso preconizado pelo cristianismo 3 a previsão de colaboração do Estado com entes religiosos caso isso seja de interesse público art 19 I 4 a previsão de dispensa do serviço militar obrigatório em tempo de paz aos eclesiásticos art 143 2º 5 a previsão do ensino religioso de matrícula facultativa como disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental art 210 1º 6 o art 5º VII assegura nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva Quanto ao conteúdo do ensino religioso facultativo em escolas públicas há duas visões sob o tema A primeira visão tradicional sustenta que o ensino tem conteúdo vinculado ao ensino dos dogmas de determinada fé devendo ser ofertadas várias opções aos alunos de acordo com o interesse podendo ser os professores vinculados a igrejas ou cultos sendo vedado qualquer forma de doutrinação ou proselitismo É o chamado ensino religioso de caráter confessional A segunda visão defende que o ensino religioso em escola pública deve consistir na exposição das doutrinas e história das religiões bem como da análise de posições não religiosas como o ateísmo e o agnosticismo sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores que devem ser professores da própria rede pública Essa segunda posição foi defendida pela Procuradoria Geral da República ao propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4439 em 2010 perante o Supremo Tribunal Federal questionando a Lei n 939496 Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Concordata BrasilSanta Sé tratado incorporado internamente pelo Decreto 771072010 No julgamento dessa ADI n 4439 o STF julgou improcedente o pedido e conferiu interpretação conforme à Constituição ao art 33 caput e 1º e 2º da Lei n 93941996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB e ao art 11 1º do acordo BrasilSanta Sé consagrando que o ensino religioso em escolas públicas pode ter natureza confessional O STF entendeu que o poder público observado o binômio laicidade do Estado e consagração da liberdade religiosa no seu duplo aspecto deve regulamentar o art 210 1º da CF autorizando na rede pública em igualdade de condições o oferecimento de ensino confessional das diversas crenças mediante requisitos formais de credenciamento de preparo previamente fixados pelo Ministério da Educação Para o STF deve ser permitido aos alunos se matricularem voluntariamente para que possam exercer o seu direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas O ensino deve ser ministrado por integrantes devidamente credenciados da confissão religiosa que será ministrada a partir de chamamento público preferencialmente sem qualquer ônus para o poder público STF ADI 4439 rel p o ac Min Alexandre de Moraes j 2792017 P Informativo 879 Assim para o STF o caráter confessional do ensino religioso em escolas públicas não viola a laicidade do Estado e a liberdade de religião no sentido negativo Quanto à prestação de assistência religiosa nos estabelecimentos civis e militares de internação coletiva quartéis presídios hospitais públicos entre outros há um direito que exige do Estado a implementação das condições materiais mínimas para a realização do culto sem discriminação de qualquer um desde que solicitados pelos internos Também é constitucional a lei de proteção animal que em nome da liberdade de religião prevê o sacrifício ritual de animais em cultos de religião de matriz africana Para o STF a proibição do sacrifício aniquilaria a própria essência da pluralidade cultural e religiosa Fixou se a seguinte tese É constitucional a lei de proteção animal que a fim de resguardar a liberdade religiosa permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana RE 494601 relator para o acórdão Min Edson Fachin j 2832019 Destaquese no caso a posição da maioria no STF a favor de evitar que em nome da tutela de um direito relevante seja aniquilado de modo desproporcional outro Em 2019 foi editada a Lei n 13796 pela qual ficou assegurado ao aluno regularmente matriculado em instituição de ensino pública ou privada de qualquer nível ausentarse de prova ou de aula marcada para dia em que segundo os preceitos de sua religião seja vedado o exercício de tais atividades devendo ser atribuído a critério da instituição e sem custos para o aluno prestação alternativa que pode ser i prova ou aula de reposição em data alternativa e com anuência expressa do aluno ou ii trabalho escrito ou outra modalidade de pesquisa Tratase aqui de ponderação legislativa entre a liberdade de crença e a igualdade os alunos sem distinção devem se submeter aos exames para comprovação de conhecimento preservandose a convicção religiosa do aluno Por sua vez o STF considerou inconstitucional a Lei n 18642008 do Estado de Rondônia que determinou a oficialização da Bíblia como livrobase de fonte doutrinária para fundamentar princípios usos e costumes de comunidades igrejas e grupos no Estado de Rondônia Essa adoção implicou inconstitucional discriminação entre religiões bem como resultou em ofensa à neutralidade exigida do Estado pela CF88 ADI 5257 rel Min Dias Toffoli j 2092018 P DJe de 3122018 Reafirmouse assim a laicidade do Estado brasileiro que não é religioso ou ateu e sim neutro ADPF 54 voto do rel Min Marco Aurélio j 1242012 P DJe de 3042013 83 LIMITES À LIBERDADE DE CRENÇA E RELIGIÃO Há limites à liberdade de crença e religião que são oriundos da necessária convivência com outros direitos e valores constitucionais Entre as situações analisadas pelo Judiciário estão 1 Colisão entre a liberdade de religião no que diz respeito à liberdade de culto e o direito à integridade psíquica no caso do uso de altofalantes com ruídos acima do permitido Há ponderação de valores não podendo a liberdade de religião impor de modo desproporcional ofensa ao sossego e descanso dos demais que compõem o direito à integridade psíquica e à saúde 2 Solicitação de data alternativa para realização de exames e concursos públicos Há diversas ações judiciais e pleitos administrativos no Brasil que exigem a mudança de datas de provas e exames em nome de crença de candidato que o impede de realizar a prova no dia ou horário previsto ordinariamente Em alguns casos é possível que o pedido do candidato seja atendido pela própria Administração sem maiores ônus e sem que a igualdade entre os candidatos seja afetada o que ocorreria hipoteticamente pela realização de prova de conteúdo diferente em outra data como por exemplo a realização de prova em horário diferente porém com incomunicabilidade do candidato beneficiado evitando a quebra do sigilo da prova que será a mesma para todos Porém em vários casos o indivíduo pleiteia que a prova seja diferente o que torna impossível a manutenção da igualdade no concurso Teremos então a necessidade de se ponderar o dispositivo constitucional da igualdade art 5º caput e a liberdade de religião art 5º VIII que proíbe a privação de direitos devido à crença religiosa Defendemos que é possível conciliar esses dois direitos na maior parte dos casos como por exemplo pelo uso da diferenciação de horários com incomunicabilidade do candidato que alega óbice religioso para não fazer no horário normal uso do critério da concordância prática entre esses dois direitos ou ainda da acomodação razoável O STF em 2011 reconheceu a repercussão geral dessa questão no Recurso Extraordinário 611874 ainda não julgado tendo como relator o Min Dias Toffoli ver acima comentário à Lei n 137962019 sobre a prestação alternativa em estabelecimentos de ensino públicos ou privados 3 Posição provisória do STF recusando mudança de data do ENEM para aluno da fé judaica Prevalência da igualdade em detrimento da liberdade de religião Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio ENEM em data alternativa ao Shabat Em mero juízo de delibação podese afirmar que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o princípio da isonomia convolandose em privilégio para um determinado grupo religioso STA 389AgR rel Min Presidente Gilmar Mendes j 3122009 Plenário DJe de 1452010 4 Recusa de tratamento médico por motivo religioso A recusa de determinado tratamento médico por motivo religioso é também tema polêmico Há vários casos nos quais o paciente alega impedimento religioso para recusar determinado tratamento por exemplo recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová pondo em risco sua própria vida Em que pese a decisões judiciais de 1º grau autorizando médicos a desconsiderar a vontade do próprio paciente entendemos como aponta Barroso que cabe ao paciente com a ressalva daqueles que não podem expressar de modo pleno sua vontade os interditados as crianças e adolescentes a escolha do tratamento em nome da liberdade e de sua autonomia Para Barroso a liberdade de religião é um direito fundamental que concretiza uma escolha existencial que deve ser respeitada pelo Estado e pela sociedade A recusa do paciente em se submeter a procedimento médico por motivo de crença religiosa configura manifestação da autonomia do paciente derivada da dignidade da pessoa humana O próprio autor citado ressalva que o consentimento deve ser genuíno ou seja válido inequívoco livre e informado 395 Com base nos direitos constitucionais à vida digna e à liberdade de crença a ProcuradoriaGeral da República ajuizou em 2019 no Supremo Tribunal Federal STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF n 618 com pedido de medida cautelar no qual visa assegurar às Testemunhas de Jeová maiores de idade e capazes o direito de não se submeterem a transfusões de sangue por motivo de convicção pessoal STF ADPF 618 rel Min Celso de Mello em trâmite 5 Colocação de crucifixos em órgãos públicos e em especial nas salas de audiência e sessões dos Tribunais Outro tema debatido é a colocação de símbolos de uma religião específica em repartições públicas do Estado laico brasileiro Para os defensores da inexistência de impedimento constitucional à colocação de crucifixos em salas de audiência plenários entre outros órgãos públicos tratase de manifestação cultural típica de um país cuja população é majoritariamente católica que não indica preferência do Estado por uma religião ou outra Para os opositores dessa prática comum no Poder Público brasileiro a existência do crucifixo ou de outros símbolos religiosos sinaliza uma conduta confessional por parte da administração pública que não poderia custear com dinheiro público um símbolo e nem afixálo em local público pois não seria um dos símbolos nacionais bandeira hino armas e selos nacionais previstos no art 13 da CF88 No Brasil a existência inclusive no Plenário do Supremo Tribunal Federal do crucifixo católico foi questionada judicialmente também perante o Conselho Nacional de Justiça CNJ Em 2007 o CNJ rejeitou por maioria quatro pedidos de providência 1344 1345 1346 e 1362 que exigiam a retirada dos crucifixos em dependências de órgãos do Poder Judiciário Para o CNJ os crucifixos e objetos da religião católica existentes nos Tribunais são símbolos da cultura brasileira amparados no art 215 da Constituição que trata da cultura não interferindo na imparcialidade e universalidade do Poder Judiciário O único voto vencido o do Conselheiro Paulo Lobo defendeu que no âmbito público do Estado laico não é cabível demonstrações como o uso de símbolos religiosos específicos O próprio STF acata esse posicionamento majoritário no CNJ pois na sala do Plenário do STF se encontra ao fundo acima do escudo de armas brasileiro um crucifixo 9 Direito à intimidade vida privada honra e imagem Art 5º X são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação XI a casa é asilo inviolável do indivíduo ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial XII é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas salvo no último caso por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal 91 CONCEITO DIFERENÇA ENTRE PRIVACIDADE OU VIDA PRIVADA E INTIMIDADE O direito à privacidade consiste na faculdade de se optar por estar só e não ser perturbado em sua vida particular formando uma esfera de autonomia e exclusão dos demais e evitando que sem o consentimento do titular ou por um interesse público nela se intrometam terceiros Assim o direito à privacidade é um direito fundamental que permite que seu titular impeça que determinados aspectos de sua vida sejam submetidos contra a sua vontade à publicidade e a outras turbações feitas por terceiros O direito à privacidade ou vida privada engloba de acordo com a doutrina o direito à intimidade Para Alexandre de Moraes a intimidade relacionase às relações subjetivas e de trato íntimo de uma pessoa suas relações familiares e de amizade enquanto privacidade ou vida privada é mais ampla e envolve todos os relacionamentos sociais inclusive as relações comerciais de trabalho e de estudo 396 A privacidade foi consagrada por Warren e Brandeis que em artigo intitulado Right to Privacy publicado em 1890 397 deram releitura ao direito de estar só sustentando que este abarcava as várias manifestações do modo de ser de um indivíduo como suas cartas desenhos gestos e conversas que mereciam proteção mesmo diante dos meios de comunicação social Desde então houve intenso desenvolvimento da proteção da privacidade trazendo debates sobre seu alcance e conteúdo em especial no momento de globalização e aumento incessante do fluxo de informação entre as pessoas Para auxiliar o entendimento sobre a dinâmica da proteção da privacidade é utilizada a teoria das esferas ou círculos concêntricos 398 De acordo com essa teoria a privacidade ou vida privada em sentido amplo contempla três círculos concêntricos a vida privada em sentido estrito o círculo da intimidade e o círculo do segredo O círculo da vida privada em sentido estrito consiste no conjunto de relações entre o titular e os demais indivíduos contendo informações de conteúdo material por exemplo dados sobre a riqueza de alguém e também sentimentos porém de caráter superficial e de menor impacto sobre a intimidade como por exemplo as amizades comuns No círculo da vida privada em sentido estrito são contidos os sigilos de âmbito patrimonial fiscal bancário e de dados das mais diversas ordens registros telefônicos dados telemáticos entre outros Já o círculo da intimidade é composto pelo conjunto de manifestações informações imagens gestos entre outros só compartilhados com familiares e amigos próximos e no máximo com profissionais submetidos ao sigilo profissional Nesse círculo encontrase a previsão da proibição da intrusão de terceiros no domicílio inviolabilidade do domicílio prevista no art 5º IX da CF88 e ainda a proteção do acesso indevido e publicização do conteúdo das comunicações pelos mais diversos meios gerando o sigilo do conteúdo telemático epistolar telefônico entre outros Finalmente no círculo do segredo há todas as manifestações e preferências íntimas que são componentes confidenciais da personalidade do titular envolvendo suas opções e sentimentos que por sua decisão devem ficar a salvo da curiosidade de terceiros A teoria das esferas ou círculos concêntricos parte do pressuposto de que a proteção da intimidade depende da conduta do próprio titular que a partir de escolhas pessoais decide o que vai partilhar ou não com o público O Código Civil de 2002 obedeceu o comando constitucional dispondo em seu art 21 que a vida privada da pessoa natural é inviolável e o juiz a requerimento do interessado adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma 92 DIREITO À HONRA E À IMAGEM O direito à privacidade desdobrase com base na Constituição de 1988 na proteção do direito à honra e direito à imagem O direito à honra consiste na preservação da reputação de determinada pessoa perante a sociedade honra objetiva ou da dignidade e autoestima de cada um honra subjetiva A pessoa jurídica possui somente a honra objetiva O direito à imagem consiste na faculdade de controlar a exposição da própria imagem para terceiros Esse controle da exposição da imagem veda tanto a divulgação quanto montagem inclusive diante dos meios de comunicação e abrangendo tanto a pessoa física quanto a jurídica O direito à imagem foi tratado no STF na análise da exposição de pessoas algemadas o que constituiria uma infâmia social ofendendo o disposto no art 5º X direito à imagem Para a Min Cármen Lúcia as algemas em prisões que provocam grande estardalhaço e comoção pública cumprem hoje exatamente o papel da infâmia social A Constituição da República em seu art 5º III em sua parte final assegura que ninguém será submetido a tratamento degradante e no inciso X daquele mesmo dispositivo protege o direito à intimidade à imagem e à honra das pessoas De todas as pessoas seja realçado Não há para o direito pessoas de categorias variadas O ser humano é um e a ele deve ser garantido o conjunto dos direitos fundamentais As penas haverão de ser impostas e cumpridas igualmente por todos os que se encontrem em igual condição na forma da lei HC 89429 voto da rel Min Cármen Lúcia j 2282006 Primeira Turma DJ de 222007 Também é cabível a indenização no caso de publicação de fotografia não consentida sendo admitida a cumulação do dano material com dano moral pois a publicação da fotografia de alguém com intuito comercial ou não causa desconforto aborrecimento ou constrangimento não importando o tamanho desse desconforto desse aborrecimento ou desse constrangimento Desde que ele exista há o dano moral que deve ser reparado manda a Constituição art 5º X STF RE 215984 rel Min Carlos Velloso j 462002 Segunda Turma DJ de 2862002 O Superior Tribunal de Justiça por sua vez decidiu que pessoa jurídica de direito público não tem direito à indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem sendo inaplicável a Súmula 227 do STJ A pessoa jurídica pode sofrer dano moral ao Estado STJ REsp 1258389PB 93 DIREITO À PRIVACIDADE E SUAS RESTRIÇÕES POSSÍVEIS O direito à privacidade convive no texto constitucional e nos tratados de direitos humanos com o direito à informação e com a liberdade de imprensa A primeira restrição ao direito à privacidade é oriunda da própria conduta do titular Caso o titular exponha sua imagem e conduta ao público não poderá rechaçar a divulgação de sua imagemretrato incluída no próprio cenário público do qual participa caso de um comício de uma manifestação popular entre outros Também aqueles que vivem da exploração da imagem celebridades ou atuam na vida política aceitam maior exposição das diversas manifestações de sua conduta não podendo depois invocar o direito à privacidade para impedir a divulgação de fatos considerados desabonadores Entretanto mesmo as figuras públicas possuem o direito à privacidade em especial no que diz respeito ao círculo da intimidade e do segredo em ambientes fechados ou reservados Por isso viola a intimidade a atitude de fotografar sem autorização com teleobjetivas celebridades em seus lares ou ambientes reservados sem acesso ao público Há maior polêmica a respeito da exposição da prática de atos íntimos de pessoas em espaços públicos De um lado há aqueles que defendem que mesmo em espaços públicos há a incidência do direito à privacidade mesmo das pessoas célebres Nesse sentido é a lição de Walter Rothenburg que comentando o caso de conhecida apresentadora brasileira filmada sem seu conhecimento ou anuência em praia pública em cidade espanhola praticando atos íntimos com seu namorado sustentou que quem ousa fazer amor na praia ou no mar expõe se deliberadamente em certa medida e assim tem diminuída sua esfera de privacidade mas dela não abdica completamente Mesmo que o espaço seja público não se pode devassar completamente a privacidade das pessoas que guardam em algum grau a possibilidade de determinação sobre o que querem expor 399 Entendemos que há dois parâmetros que são úteis para determinar a prevalência da privacidade em casos de exposição de comportamentos em espaços públicos que é a i falta de interesse público das filmagens e fotografias o voyeurismo de alguns não atende esse critério e a ii falta de autorização para a obtenção das imagens que serão depois alavancas para maiores vendagens audiência e lucros de terceiros Esses foram os parâmetros da Corte Europeia de Direitos Humanos Corte EDH em caso célebre envolvendo a Princesa Caroline de Mônaco alvo frequente de fotógrafos paparazzi que com teleobjetivas potentes e outras táticas tiraram fotos do cotidiano da princesa em espaços públicos A Corte em face da falta de interesse público legítimo e de autorização da Princesa dada a finalidade comercial evidente da atividade dos fotógrafos considerou que houve violação ao direito à privacidade previsto na Convenção Europeia de Direitos Humanos Em 2012 a Corte EDH rechaçou a demanda oposta pela Princesa contra a Alemanha entendendo que o Estado réu por seu Poder Judiciário havia seguido a jurisprudência europeia de direitos humanos ao permitir a publicação de foto da Princesa em férias para ilustrar matéria de interesse público legítimo referente ao estado de saúde do seu pai o Chefe de Estado de Mônaco Príncipe Rainier o que não havia existido na ação julgada pela Corte em 2004 400 Em sentido oposto há precedente do Superior Tribunal de Justiça em caso envolvendo foto publicada sem autorização de banhista de topless em praia em Santa Catarina no qual ficou decidido que se a demandante expõe sua imagem em cenário público não é ilícita ou indevida sua reprodução sem conteúdo sensacionalista pela imprensa uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada REsp 595600SC rel Min Cesar Asfor j 1832004 Os políticos também possuem direito à privacidade limitado porém não inexistente Assim o comportamento íntimo dos agentes públicos merece proteção salvo se a divulgação for justificável em face interesse público como por exemplo a divulgação de fotos referentes à infidelidade conjugal de político conhecido pelo discurso da defesa da família e da moral para angariar votos A segunda limitação diz respeito à preponderância em um juízo de proporcionalidade do direito à informação diante do direito à privacidade e a vontade do titular de não expor dados de sua vida em público mesmo diante de fatos que têm interesse social Um caso célebre que ocorreu no Tribunal Constitucional Federal da Alemanha TCF é o caso do Assassinato dos soldados de Lebach também conhecido como Caso Lebach julgado em 1973 No caso tratouse da proibição da edição de documentário por empresa de televisão alemã sobre uma chacina ocorrida em Lebach foram mortos quatro soldados em um roubo de munição na iminência da soltura de um dos criminosos O TCF decidiu que em geral o direito de informação da população em crimes graves prevalece interesse social sendo permitida a informação do nome foto ou outra identificação do criminoso Porém um documentário posterior anos depois é inadmissível em face da ameaça à sua reintegração à sociedade ressocialização devendo ser protegida sua imagem e intimidade Em 1999 o TCF permitiu a veiculação de programa sobre o caso Lebach argumentando que as mais de duas décadas passadas já haviam permitido a ressocialização dos envolvidos 401 Outro tema sempre discutido no Brasil é se há violação ao direito à honra pela divulgação de mera suspeita ou ainda de ação penal ou de improbidade ainda não transitada em julgado Em vários precedentes judiciais não há violação do direito à honra se a informação prestada atender o dever de veracidade aferível naquele momento e seu conteúdo for relevante para o interesse público excluindose do âmbito de proteção da privacidade Nesse sentido decidiu o STJ que a honra e imagem dos cidadãos não são violados quando se divulgam informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que além disso são do interesse público O veículo de comunicação eximese de culpa quando busca fontes fidedignas quando exerce atividade investigativa ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará Porém o dever de veracidade que incumbe à mídia deve ser avaliado no contexto jornalístico no qual as matérias devem ser produzidas de modo célere Se a suspeita sobre o indivíduo realmente existia e a divulgação informou que eram suspeitas sem apontálo como criminoso condenado não houve violação de sua honra mesmo que anos depois ele tenha sido absolvido cabalmente REsp 984803 rel Min Nancy Andrighi j 1982009 94 DIREITO AO ESQUECIMENTO E DIREITO À ESPERANÇA O CONFLITO ENTRE A PRIVACIDADE E A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO O direito à privacidade possui limites como visto anteriormente que levam em determinadas situações à prevalência do direito à informação sendo inadmitida a censura pública ou privada Na atualidade da sociedade da informação na qual os registros de fatos ocorridos no passado podem ser facilmente coletados por mecanismos de busca discutese se a passagem do tempo pode transformar um fato que outrora possuiu interesse público em um fato abarcado pelo direito à privacidade Surge então como desdobramento do direito à privacidade o direito ao esquecimento que consiste na faculdade de se exigir a não publicização de fato relacionado ao titular cujo interesse público esvaneceu pela passagem do tempo O direito ao esquecimento right to be forgotten droit à loubli el derecho al olvido possui duas facetas a de não permitir a divulgação right of oblivion e a de buscar a eliminação do fato registrado que em virtude do tempo passado não mais pode ser considerado público exigindo a autorização do titular para que conste de bancos de dados right to erasure autodeterminação informativa O direito ao esquecimento então é importante tema em um mundo no qual a informação inclusive pessoal tem valor econômico para fornecedores empregadores meios de comunicação etc fazendo com que haja o choque entre o direito à privacidade e a autodeterminação informativa de um lado e o direito de informação de outro em um contexto diferente do que foi visto acima no qual a jurisprudência nacional e internacional inclinase a reconhecer a prevalência do direito à informação no caso de fatos de interesse público que é a passagem do tempo No Direito Comparado um dos primeiros casos do direito ao esquecimento ocorreu na França em 1967 no qual foi exigida a reparação de danos a antiga companheira de serial killer pela sua menção no filme Landru do conhecido cineasta Claude Chabrol tendo a Corte de Cassação rechaçado o pleito porque ela própria havia tornado o caso público pela publicação de livro 402 Via de regra o direito ao esquecimento era debatido sem a caracterização atual nos casos de condenações criminais nas quais o condenado via a sua ressocialização após o cumprimento da pena dificultada pelo ressurgimento de tempos em tempos do caso na mídia Essa preocupação com os direitos dos exsentenciados foi vista no caso Lebach do Tribunal Constitucional Federal comentado anteriormente em suas duas aparições na jurisprudência daquele Tribunal Por sua vez em decisão de 20 de abril de 1983 o Tribunal de Grande Instance TGI de Paris no caso M c Filipacchi et Cogedipresse reconheceu o direito ao esquecimento titularizado por todo indivíduo envolvido em eventos públicos após a passagem de vários anos que possibilita na vedação de publicização desse envolvimento desde que não seja indispensável à história 403 No plano internacional o direito ao esquecimento foi consagrado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia TJUE que em sentença de 13 de maio de 2014 condenou o buscador Google a retirar a pedido da sua lista de resultados de pesquisa aqueles que firam o direito ao esquecimento Tratouse do Caso Costeja Gonzales envolvendo nacional espanhol que pleiteou a eliminação da menção nos resultados da busca envolvendo seu nome no buscador em questão de dívida perante a seguridade social espanhola uma vez que a execução já havia sido encerrada há mais de 15 anos e tal menção apesar de correta trazia anos depois prejuízos à imagem de bom pagador O TJUE deu preferência ao direito à privacidade art 7º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e 8º direito à proteção dos dados pessoais em detrimento da liberdade de iniciativa do Google os negócios envolvendo a disponibilização de informações são vultosos e eventual direito à informação de terceiros na modalidade receber informação salientando que sua decisão era justificada pela ausência de interesse público na pesquisa impugnada 404 No Brasil a defesa do direito ao esquecimento foi adotada na VI Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça 2013 Dispõe o Enunciado 531 não vinculante de mera orientação aos magistrados e demais operadores do Direito que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento tendo tido a justificativa de sua adoção a cautela de ressaltar que o direito ao esquecimento Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados 405 O Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito ao esquecimento em caso envolvendo indivíduo absolvido pelo Tribunal do Júri por envolvimento na Chacina da Candelária massacre de 8 jovens no Rio de Janeiro ocorrido em 1993 que pugnou pelo seu direito de não ver seu nome incluído em programa de televisão que reconstituía a tragédia em 2006 REsp 1334097RJ rel Min Luís Felipe Salomão j 2852013 DJ de 1092013 Por seu turno o mesmo STJ não reconheceu o direito ao esquecimento no caso Aída Curi no qual familiares da vítima de assassinato buscaram proibir programa de televisão sobre esse homicídio ocorrido há mais de 50 anos Nesse último caso o STJ entendeu que o crime havia se tornado histórico tendo entrado para o domínio público de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa retratar o caso Aída Curi sem Aída Curi REsp 1335153RJ rel Min Luís Felipe Salomão j 2852013 DJe de 1092013 A decisão no Caso Chacina da Candelária fez a ponderação dos direitos envolvidos direito ao esquecimento e a liberdade de informação à luz do paradigma brasileiro atual do século XXI de uma democracia consolidada e com um Poder Judiciário independente o que não condiz com as restrições feitas à liberdade no tempo da ditadura militar tendo gerado debates que serão dirimidos pelo STF recurso extraordinário com repercussão geral já admitido mas ainda não julgado até a data de fechamento desta edição Listo a seguir as principais críticas ao direito ao esquecimento e os argumentos favoráveis iCrítica A liberdade de informação e de imprensa prevalecem sobre o direito à privacidade e o direito ao esquecimento Resposta A liberdade de informação não prevalece em abstrato sobre todo e qualquer direito em especial no contexto de uma sociedade democrática na qual não há censura estatal bem como há interesses econômicos que valoram e lucram sobre a informação e imagem de terceiros iiCrítica O direito ao esquecimento viola o direito à memória Resposta O direito ao esquecimento não é passível de invocação diante de fatos históricos ou domínio público cuja importância faz prevalecer o direito à memória Tratase ao contrário de direito oponível na sociedade da hiperinformação no qual se lucra com a eliminação ou mitigação da privacidade sobre fatos que não são de interesse histórico iiiCrítica A relevância social de um fato pretérito a ser divulgado não pode ser decidida pelo Poder Judiciário devendo os órgãos de comunicação serem livres para informar o que considerarem de interesse público mesmo que visto por alguns como puro mercantilismo ou sensacionalismo tabloide Resposta Essa crítica retoma sob outro ângulo a preponderância da liberdade de informação sob qualquer outro direito ao impedir o acesso à justiça para fazer prevalecer o direito à privacidade em determinado caso concreto Como visto acima primeiro caso Caroline de Mônaco a Corte EDH considerou a ausência de interesse público e ainda o uso da imagem privada da vítima para obtenção de lucros a terceiros como parâmetros para comprimir a liberdade de informação e privilegiar o direito à intimidade da princesa ivCrítica Se o fato no passado foi de interesse público e sua divulgação foi lícita o decurso do tempo não pode transformar sua divulgação em ilícita Resposta O decurso do tempo é importante fator na avaliação do estatuto normativo de um determinado fato O Min Luís Felipe Salomão citou por exemplo o decurso do prazo de cinco anos para a menção de dívida nos bancos de dados de consumo após esse prazo a manutenção da negativação é ilícita art 43 1º do CDC ou ainda o art 748 do Código de Processo Penal que prevê que concedida a reabilitação as condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado nem em certidão extraída dos livros do juízo salvo quando requisitadas por juiz criminal Assim a passagem do tempo é importante fator para decidir sobre a licitude ou ilicitude de determinada conduta Como foi decidido pelo TCF alemão no primeiro Caso Lebach a veiculação do programa seria desastrosa para a ressocialização décadas depois segundo caso Lebach não mais Finalmente o direito ao esquecimento na visão do precedente Chacina da Candelária do STJ está em linha com o direito à esperança pois permite que fatos deletérios do passado não impeçam a vida cotidiana dos envolvidos de modo perpétuo ou ainda como no caso em concreto o indivíduo fora absolvido permite que vicissitudes do passado inquéritos arquivados absolvições etc possam ser reparadas Tratase assim de um direito a ser deixado em paz No Supremo Tribunal Federal o direito ao esquecimento consta do Recurso Extraordinário n 1010606 em trâmite e com repercussão geral reconhecida no qual será dirimido eventual conflito entre o direito ao esquecimento inviolabilidade da honra e direito à privacidade em contraste com a liberdade de expressão e de imprensa bem como o direito à informação Em junho de 2017 foi realizada audiência pública no STF para coletar posições entre os mais variados atores da sociedade contribuindo para o deslinde do caso 406 Em 2018 a ProcuradoriaGeral da República manifestouse favoravelmente ao reconhecimento do direito ao esquecimento 407 com a proposta da seguinte tese para fins de repercussão geral O direito ao esquecimento por ser desdobramento do direito à privacidade deve ser ponderado no caso concreto com a proteção do direito à informação e liberdade de expressão 95 ORDENS JUDICIAIS RESTRINGINDO A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO EM NOME DO DIREITO À PRIVACIDADE O direito à privacidade para ser protegido de modo integral exige a intervenção judicial inclusive com o manejo da tutela preventiva ou inibitória Há vários casos nos quais o titular do direito à privacidade busca ordem judicial para suspender previamente a divulgação de notícia retirar livros de circulação impedir publicação de notícia em jornais etc Tal ordem judicial consistiria em censura proibida pela CF88 que só admitiria a responsabilidade a posteriori da mídia que deveria indenizar os danos causados A resposta é negativa A liberdade de informação e a vedação da censura não geram restrição ao direito de acesso à justiça igualmente previsto na CF88 em seu art 5º XXXV A tutela inibitória existe justamente para os casos nos quais a indenização a posteriori é insuficiente para recompor o direito lesado o que ocorre justamente no caso da privacidade que nunca será recomposta após a divulgação das informações 408 Nesse sentido Gilmar Mendes defende o direito de acesso à justiça uma vez que a proteção judicial à ameaça ao direito à privacidade em nada valeria caso a intervenção judicial apenas pudesse se dar após a configuração da lesão 409 96 DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO OBTIDA ILICITAMENTE Outro tema que merece destaque na atualidade brasileira é a possibilidade de divulgação de informações de interesse público mas que foram obtidas ilicitamente pela ação de terceiros Por exemplo é legítimo que emissora de televisão veicule gravação ilícita de conversa telefônica feita por terceiros que repassaram a gravação à emissora de agentes públicos com diálogos sobre corrupção e recebimento de propina É legítimo que um jornal divulgue informações sobre político que recebeu de suas fontes não reveladas sigilo de fonte contidas em inquérito criminal sob sigilo judicial Em casos semelhantes aos dois exemplos citados o STF não permitiu em exame preliminar a divulgação das informações ao público por considerar que respectivamente o sigilo telefônico e o sigilo judicial foram indevidamente violados em detrimento da privacidade dos envolvidos Pet 2702MC rel Min Sepúlveda Pertence j 1892002 Plenário DJ de 199 2003 e Rcl 9428 rel Min Cezar Peluso j 10122009 Plenário DJe de 2562010 Nesses casos para o STF a liberdade de imprensa que foi valorizada na ADPF 130 que considerou não recepcionada a Lei de Imprensa deve obediência ao direito à privacidade mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça Rcl 9428 rel Min Cezar Peluso j 10122009 Plenário DJe de 2562010 Contudo em 2018 a 2ª Turma do STF liberou a publicação de informação sob o manto do sigilo judicial obtida pelo jornal O Estado de SPaulo Caso da Operação Boi Barrica já mencionado Para o STF em face da ADPF 130 é proibida a censura de publicações jornalísticas bem como é excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões Eventual abuso da liberdade de expressão deve ser reparado preferencialmente por meio de retificação direito de resposta ou indenização STF Agravo Regimental no RE 840718 rel para o acórdão Min Edson Fachin j 1092018 Outra situação é a da possibilidade de investigação e persecução penal de jornalista que divulgou informação protegida sob sigilo O STF distinguiu a interceptação telefônica ilícita crime de acordo com o art 10 da Lei n 929696 410 que exige a intrusão do agente da conduta de divulgação daquilo que já foi interceptado feita por jornalista o que seria atípico mesmo que o conteúdo estivesse sob sigilo Rcl 19464SP concessão de habeas corpus de ofício rel Min Dias Toffoli 2292015 97 INVIOLABILIDADE DOMICILIAR 971 Conceito e as exceções constitucionais O art 5º XI dispõe que a casa é asilo inviolável do indivíduo ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial O direito à privacidade ecoa nessa garantia fazendo com que o indivíduo seja o senhor de sua morada podendo impedir que o Poder Público ou terceiros a invadam salvo na ocorrência das exceções previstas no texto da Constituição que são 1 flagrante delito 2 desastre 3 prestar socorro e 4 por ordem judicial durante o dia A invasão domiciliar então consiste na entrada de terceiro em uma casa sem a permissão do morador ou ainda contra sua expressa proibição O Supremo Tribunal Federal decidiu que o conceito de casa é abrangente atingindo todo e qualquer compartimento privado não aberto ao público onde determinada pessoa possui moradia ou exerce profissão ou atividade Assim o conceito constitucional ou normativo de casa abrange a moradia propriamente dita nas mais diversas formas e também os locais de exercício de qualquer atividade nos espaços não abertos ao público existentes em empresas escritórios de contabilidade consultórios médicos e odontológicos entre outros HC 93050 rel Min Celso de Mello j 10 62008 Segunda Turma DJe de 1º82008 Nessa linha o Código Penal dispõe que a expressão casa compreende I qualquer compartimento habitado II aposento ocupado de habitação coletiva III compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade art 150 4º Para que seja então lícita a entrada de qualquer pessoa a uma casa em seu sentido normativo amplo consagrado pelo STF é necessário separar duas situações i com autorização do morador e ii sem autorização do morador invito domino ou seja contra a vontade do morador Com a autorização do morador não há restrição a entrada em uma casa inclusive por parte de autoridades públicas Sem autorização do morador cabe a entrada em uma casa a qualquer momento nas seguintes hipóteses 1 na ocorrência de flagrante delito ou iminência de o ser art 150 3º II do CP 2 na ocorrência de desastre e 3 para prestar socorro Também sem autorização do morador e somente durante o dia cabe a entrada de determinada pessoa em uma casa por ordem judicial No caso do flagrante delito e diante de diversos casos de invasão domiciliar pela polícia sem ordem judicial sob a alegação de ocorrência de crime permanente 411 em geral tráfico de drogas o STF decidiu aperfeiçoar a jurisprudência até então dominante que considerava lícita tal invasão aprovando a seguinte tese em recurso extraordinário com repercussão geral A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita mesmo em período noturno quando amparada em fundadas razões devidamente justificadas a posteriori que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados RE 603616 rel Min Gilmar Mendes j 5112015 DJe de 952016 com repercussão geral Assim mesmo que nenhum crime tenha sido detectado após a invasão os policiais não respondem pelo crime de violação de domicílio majorado pela sua qualidade de funcionário público art 150 2º do CP caso demonstrem a posteriori a existência das fundadas razões que os levaram a crer na existência de flagrante delito na residência invadida Por outro lado devem os policiais ter em mente a necessidade de sustentar as fundadas razões que devem ser analisadas já na audiência de custódia que aferirá a legalidade do flagrante O durante o dia previsto na Constituição é determinado de acordo com o critério físico astronômico compreendendo o lapso temporal entre a aurora e o crepúsculo que em geral corresponde ao período das 0600hs às 1800hs podendo ser alargado no caso do horário de verão uma vez que a proteção prevista na Constituição visa impedir possíveis ações ilegais acobertadas pela escuridão na casa invadida 412 A forma pela qual deve ser feita a invasão do domicílio é ditada pelo art 245 do CPP que dispõe que as buscas domiciliares serão executadas de dia salvo se o morador consentir que se realizem à noite e antes de penetrarem na casa os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador ou a quem o represente intimandoo em seguida a abrir a porta Com isso nenhum terceiro poderá sem o consentimento do morador ingressar durante o dia sem ordem judicial em espaço privado não aberto ao público É a cláusula de reserva de domicílio Além da sanção do crime de invasão de domicílio art 150 do CP ou ainda de abuso de autoridade art 22 da Lei n 138692019 a prova resultante da diligência de busca e apreensão gerada por violação indevida do espaço domiciliar é inadmissível porque impregnada de ilicitude material HC 93050 rel Min Celso de Mello j 1062008 Segunda Turma DJe de 1º82008 Apesar do comando expresso do art 5º XI o STF reconheceu como válida a invasão domiciliar durante a noite por ordem judicial justificandoa em virtude da i inexistência de outra alternativa pois a invasão durante o dia frustraria o escopo da medida inviabilizando a tutela judicial justa ii houve desgaste mínimo à privacidade pois o escritório de advocacia cujo recinto foi invadido pelos policiais federais para instalação de aparelho de interceptação ambiental estava vazio Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 26 32010 Correto o entendimento do STF uma vez que a ponderação de bens e valores prevista no corpo da Constituição não é exaustiva nem impede a aplicação do critério da proporcionalidade em situações não previstas pelo Poder Constituinte vide Parte I Capítulo III item 745 sobre a ponderação de 2º grau De fato há casos nos quais o direito de acesso à justiça e seus corolários como o direito à verdade e à tutela jurídica justa exigem que o direito à privacidade seja mitigado podendo o juiz autorizar fundamentadamente a invasão domiciliar noturna Interpretar as exceções à inviolabilidade domiciliar como sendo exaustivas seria negar a tutela jurídica justa o que não é obviamente o objetivo de um Estado Democrático de Direito 972 Proibição de ingresso no domicílio e a atividade das autoridades tributárias e sanitárias O poder de polícia e o atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos também denominado privilège du preálable não autorizam a invasão domiciliar por parte dos agentes públicos fora das exceções previstas no art 5º XI No caso das autoridades tributárias o art 145 1º da CF dispõe que pode a administração tributária identificar respeitados os direitos individuais e nos termos da lei o patrimônio os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte Nessa linha o art 195 do CTN dá ao Fisco o direito de examinar mercadorias livros arquivos documentos papéis e efeitos comerciais ou fiscais impondo a obrigação dos que os detém de exibilos Essa regra impõe amplo acesso dos agentes fiscalizadores aos documentos e bens para a correta aplicação da lei tributária existindo a obrigação legal de apresentar tais itens para fiscalização STF Súmula 439 Estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais limitado o exame aos pontos objeto da investigação Porém não pode a lei tributária exigir que o fiscalizado aceite a entrada dos fiscais nos espaços privados sem acesso ao público Sem o consentimento não podem os fiscais ingressar nesses recintos que ficam ao abrigo da inviolabilidade domiciliar do art 5º XI da CF88 Nesse caso cabe ao Fisco proceder ao lançamento por arbitramento com a imposição de multa pela não apresentação dos documentos e informações exigidos ou obter ordem judicial para ingressar no recinto entre outros STF HC 93050 rel Min Celso de Mello j 1062008 Segunda Turma DJe de 1º82008 No caso das autoridades sanitárias o poder de polícia não autoriza o ingresso em casa sem autorização do morador mesmo que seja para a fiscalização em ações de combate à dengue e outras doenças Assim resta ao Poder Público a imposição de multas e outras sanções inclusive eventual determinação de evacuação da área Caso necessite ingressar na moradia deve obter ordem judicial De acordo com o Min Celso de Mello nem os organismos policiais e nem a Administração Pública afrontando direitos assegurados pela Constituição da República podem invadir domicílio alheio sem a prévia e necessária existência de ordem judicial ressalvada a ocorrência das demais exceções constitucionais O respeito sempre necessário à garantia da inviolabilidade domiciliar decorre da limitação constitucional que restringe de maneira válida as prerrogativas do Estado e por isso mesmo não tem o condão de comprometer a ordem pública especialmente porque no caso como é enfatizado as liminares em referência não impedem o Governo do Distrito Federal de exercer com regularidade o poder de polícia que lhe é inerente circunstância esta que lhe permite adotar as providências administrativas necessárias à evacuação da área desde que observadas as concernentes prescrições constitucionais STF SS 1203 rel Min Celso de Mello j 89 1997 publicação de 1591997 98 ADVOGADO INVIOLABILIDADE DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA E PRESERVAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL O art 133 da CF88 determina que o advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei Dessa disposição decorrem o i sigilo profissional do advogado e ainda a ii inviolabilidade do escritório de advocacia concretizando tanto o direito à privacidade quanto da ampla defesa O sigilo profissional entre o advogado e o cliente contudo não é absoluto Admitese a interceptação telefônica e ambiental quando o advogado deixa sua função de defensor e passa a atuar como coautor ou partícipe na prática de crimes em conjunto com seu cliente aproveitandose justamente das prerrogativas do advogado Nesse momento não pode a inviolabilidade constitucional do advogado servir para violar os direitos de terceiros as vítimas das práticas criminosas Frisese que se admite a violação do sigilo profissional e da inviolabilidade dos locais de exercício da profissão da advocacia quando houver provas ou fortes indícios da participação de advogado na prática delituosa sob investigação e no exato limite desse envolvimento Assim não se admite a interceptação telefônica e ambiental do escritório de advocacia simplesmente para obter provas contra o cliente do advogado o que ofende tanto a ampla defesa quanto a privacidade nas relações profissionais A inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado bem como de seus instrumentos de trabalho de sua correspondência escrita eletrônica telefônica e telemática desde que relativas ao exercício da advocacia foi prevista no art 7º da Lei n 890694 com nova redação dada pela Lei n 117672008 o que está em linha com a inviolabilidade domiciliar art 5º XI e ainda com a inviolabilidade constitucional do advogado nos seus atos e manifestações no exercício da profissão art 133 da CF88 Há dois casos nos quais a inviolabilidade do local de exercício do trabalho do advogado pode ser quebrada i prática de crime pelo próprio advogado e ii fundados indícios de que em poder do advogado há objeto que constitua instrumento ou produto do crime ou que constitua elemento do corpo de delito ou ainda documentos ou dados imprescindíveis à elucidação do fato em apuração art 2º II da Portaria n 1288 de 3062005 do Ministro da Justiça regulando a atuação da Polícia Federal Caso haja indícios da prática de crime por parte de advogado em associação ou não com seu cliente pode ser decretada por ordem judicial a quebra da inviolabilidade do escritório de advocacia inclusive com a expedição de mandado de busca e apreensão específico e pormenorizado a ser cumprido na presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil Também é possível a quebra da inviolabilidade do escritório do advogado quando este servir de esconderijo para elemento do corpo de delito art 243 2º do CPP Na mesma linha é possível a quebra da inviolabilidade para se obter instrumento ou produto do crime bem como documentos ou dados imprescindíveis à elucidação do fato em apuração art 2º II da Portaria n 1288 de 3062005 do Ministro da Justiça A busca e apreensão não pode abarcar documentos que dizem respeito a outros sujeitos não investigados Assim a inviolabilidade domiciliar do escritório de advocacia não é absoluta e não pode acobertar a prática de crimes pelo advogado tendo o STF decidido que não opera a inviolabilidade do escritório de advocacia quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho sob pretexto de exercício da profissão Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 2632010 Ambas as situações acima mencionadas a quebra do sigilo profissional e ainda da inviolabilidade do escritório de advocacia exigem ordem judicial estando sob o abrigo da reserva de jurisdição 99 O SIGILO DE DADOS EM GERAL O sigilo de dados consta do texto do art 5º XII tendo a CF88 o considerado inviolável Tendo em vista a consagração da relatividade das liberdades públicas o Supremo Tribunal Federal ao longo dos anos sedimentou as hipóteses e formas pelas quais o sigilo de dados pode ser violado por terceiros legitimamente Em primeiro lugar cabe uma separação entre os denominados dados pessoais e os dados públicos Os dados pessoais consistem em informações relativas à intimidade de um indivíduo que este não revela ao público em geral só autorizando determinadas pessoas a acessálas A Lei n 1370918 Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais define dado pessoal como sendo a informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável 413 Já os dados públicos são aquelas informações acessíveis a todos mesmo que referentes a determinado indivíduo pois são pertinentes à vida social Essas informações pela sua natureza não estão protegidas pelo sigilo de dados constante do art 5º XII Entre as informações a todos acessíveis estão as que constam dos registros públicos como por exemplo o registro de pessoa física quem é o pai ou a mãe de determinado indivíduo seu local de nascimento etc o registro de imóveis quem é o proprietário de determinado imóvel etc Há situações ainda de proteção a informações constante de determinados bancos de dados não importando a natureza se pública ou privada em virtude da especial finalidade da transmissão da informação ao gestor do banco de dados que não pode ser desvirtuada É o caso das informações cadastrais da Receita Federal que são remetidas ao órgão fiscal para o cumprimento de suas funções voltadas ao cumprimento da igualdade de todos perante a arrecadação tributária impedindo a sonegação Com isso essas informações mesmo que meramente cadastrais e constantes de outras fontes não podem ser repassadas a terceiros para que estes lucrem com tais dados sem autorização de cada indivíduo Como o sigilo de dados pessoais ou ainda de dados constante de banco de dados reservados não é absoluto é possível invocar o critério da proporcionalidade para afastar o direito à privacidade e privilegiar outro direito previsto na Constituição ou nos tratados de direitos humanos Para tanto cumpre demonstrar a a adequação da medida ao fim pretendido b sua necessidade inexistência de meio menos invasivo que alcance o mesmo fim e c a importância da quebra para a preservação de outro direito fundamental Agora resta analisar quem pode ordenar a quebra do sigilo Em primeiro lugar é possível a quebra por ordem judicial em nome da concretização do direito de acesso à justiça Assim não pode um determinado gestor de banco de dados opor sigilo ao Poder Judiciário vulnerando com isso o direito das partes de obter uma tutela justa e célere Em segundo lugar cabe a quebra do sigilo de dados por expressa autorização constitucional ou legal Assim as Comissões Parlamentares de Inquérito CF art 58 3º e o Ministério Público art 129 VI e Lei Complementar n 7593 em especial no seu art 8º 2º podem ordenar a quebra de sigilo de dados em geral ver as restrições específicas ao MP abaixo desde que de modo fundamentado e mantendo o sigilo Na realidade tratase de uma transferência de sigilo Em terceiro lugar é possível o acesso de determinadas instituições a informações tidas como pessoais para o exercício de suas próprias atribuições previstas na Constituição Federal ou na lei Nesses casos o sigilo de dados não lhe pode ser oponível Assim a Receita Federal o Banco Central os Tribunais de Contas têm acesso a dados pessoais dos indivíduos fiscalizados para o exercício de suas funções No caso do Tribunal de Contas da União o art 1º da Lei n 873093 prevê a apresentação das Declarações de Bens e Rendas pelas autoridades e por todos quantos exerçam cargo eletivo e cargo emprego ou função de confiança na administração direta indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União Para tanto foi firmado um convênio entre a Secretaria da Receita Federal do Brasil e o TCU que prevê a disponibilização ao Tribunal dos dados da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física das pessoas obrigadas à prestação das informações estabelecidas pela Lei n 873093 Cabe agora o detalhamento da proteção do sigilo no que tange ao sigilo bancário e ao sigilo fiscal 991 Sigilo fiscal Os dados fiscais de uma pessoa física ou jurídica consistem no conjunto de informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo tributário ou de terceiros sobre a natureza e estado de seus negócios ou atividades conforme dispõe o art 198 do CTN que impõe o chamado sigilo fiscal proibindo o Fisco e seus servidores de divulgarem sob qualquer forma tais informações O sigilo fiscal nada mais é que um desdobramento do direito à intimidade e à vida privada HC 87654 voto da rel Min Ellen Gracie j 732006 Segunda Turma DJ de 2042006 As informações que compõem os arquivos do Fisco são importantes para tutelar vários direitos fundamentais de terceiros Como faceta do direito da intimidade o sigilo fiscal não é absoluto podendo ser afastado devendo o Fisco fornecer tais informações e transferindose o sigilo ao órgão que venha a receber tais informações A chamada quebra do sigilo fiscal consiste tão somente na quebra do monopólio do Fisco sob tais informações sendo mais apropriada a denominação de transferência do sigilo fiscal para ente que continua obrigado a não divulgar tais informações ao público Essa transferência do sigilo fiscal pode ocorrer para i o Poder Judiciário por ordem judicial em ações penais ou cíveis cuja tutela justa dependa das informações econômicas e financeiras em poder do Fisco ii outros Fiscos por exemplo do Fisco Federal para o Fisco Estadual em face da necessária troca de informações para o cumprimento de suas funções art 198 do CTN iii autoridades estrangeiras para permutar informações no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos iv o Tribunal de Contas da União Lei n 873093 para supervisão da moralidade e probidade dos agentes públicos v demais autoridades administrativas desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo no órgão ou na entidade respectiva com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação por prática de infração administrativa vi Comissão Parlamentar de Inquérito federal ou estadual vii Ministério Público da União de acordo com Lei Complementar n 7593 Vêse que a transferência de sigilo fiscal não é submetida a cláusula de reserva de jurisdição A transferência de sigilo fiscal para o Ministério Público da União sem a mediação do Poder Judiciário é tema ainda controverso A base normativa para tal transferência é o art 8º 2º da LC n 7593 que determina que nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público sob qualquer pretexto a exceção de sigilo sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação do registro do dado ou do documento que lhe seja fornecido Em despacho de 27 de dezembro de 2007 o AdvogadoGeral da União Ministro José Dias Toffoli atualmente Ministro do STF adotou parecer normativo vinculante para a Receita Federal no sentido de que não há que se opor reserva de sigilo fiscal ao Ministério Público da União dirimindo as controvérsias no seio dos órgãos da Administração Federal Contudo há vários precedentes judiciais que entendem que mesmo para o Ministério Público da União é necessária ordem judicial para a transferência do sigilo fiscal STJ HC 160646SP rel Min Jorge Mussi j 1º92011 No Tribunal Superior Eleitoral o posicionamento pacificado também é pela impossibilidade do Ministério Público eleitoral requisitar diretamente a quebra do sigilo fiscal à Receita Federal devendo obter antes ordem judicial para tanto TSE AgRREsp 82404RJ rel Min Arnaldo Versiani j 4112010 Por outro lado caso identifique crime a Receita Federal pode voluntariamente encaminhar diretamente sem ordem judicial os dados necessários do contribuinte ao Ministério Público Federal 414 Em julho de 2019 o Pres do STF Min Dias Toffoli em petição avulsa de Flávio Bolsonaro decidiu suspender o processamento de todos os inquéritos e procedimentos de investigação criminal PICs atinentes aos Ministérios Públicos Federal e estaduais em trâmite no território nacional que foram instaurados sem prévia autorização judicial sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle Fisco COAF e BACEN que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais STF RE 1055941SP rel Min Dias Toffoli em trâmite Com isso abrese divergência sobre o alcance do envio de dados da Receita Federal diretamente ao Ministério Público Caso vitoriosa essa tese que aparentemente será abraçada pelo Min Dias Toffoli o envio de dados fiscais só poderá conter a identificação e montantes globais de valores do contribuinte cabendo ao Ministério Público requerer judicialmente o envio dos demais dados pela Receita Federal Tal tese cria mais uma etapa na investigação de crimes sem nenhuma proteção adicional ao contribuinte pois o sigilo fiscal deve ser mantido pelo Ministério Público quer tenha acesso por meio de informações voluntárias da Receita ou por meio de ordem judicial de quebra do sigilo fiscal A divulgação indevida desses dados sigilosos consiste no crime de violação de sigilo funcional que é punido de acordo com a previsão do art 325 do CP Violação de sigilo funcional Art 325 Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo ou facilitarlhe a revelação Pena detenção de seis meses a dois anos ou multa se o fato não constitui crime mais grave 992 Sigilo bancário Os dados e informações constantes nas contas correntes e aplicações diversas em instituições financeiras devem ser utilizados para o correto cumprimento das normas financeiras existentes sendo proibida a divulgação indevida de modo a preservar a intimidade do seu titular Nesse sentido STF reconheceu que o sigilo bancário é consequência da proteção constitucional da privacidade Porém como já vimos o direito à privacidade não é absoluto podendo ceder diante de outros direitos como por exemplo os direitos de terceiros lesados ver entre outras decisões AI 655298AgR rel Min Eros Grau j 492007 Segunda Turma DJ de 2892007 O art 192 da CF88 exige lei complementar para a regência do sistema financeiro tendo sido editada a Lei Complementar n 1052001 que trata do sigilo bancário De acordo com essa lei as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados mas ao mesmo tempo há hipóteses de i não incidência do sigilo e ii transferência do sigilo bancário para outros entes Na primeira hipótese não incidência do sigilo a Lei Complementar n 105 prevê que não constitui violação do dever de sigilo I a troca de informações entre instituições financeiras para fins cadastrais inclusive por intermédio de centrais de risco o que legitimou a atuação da SERASA observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil II o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes a entidades de proteção ao crédito legitimando os Serviços de Proteção ao Crédito observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil III a comunicação às autoridades competentes da prática de ilícitos penais ou administrativos abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa o que autoriza a ação proativa dos funcionários dos Bancos IV a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados e finalmente V o uso pelo Banco Central das informações contidas nas contas de depósitos aplicações e investimentos mantidos em instituições financeiras para sua fiscalização inclusive nos casos de regime especial de intervenção Porém o STF já decidiu que o Banco Central não pode sob a justificativa de fiscalização quebrar o sigilo bancário de contas correntes de dirigente de Banco público estadual o que abrangia inclusive as que ele mantinha com sua mulher RE 461366 rel Min Marco Aurélio j 382007 Primeira Turma DJ de 5102007 Na segunda hipótese transferência do sigilo a Lei Complementar n 105 elenca uma série de entes que podem de modo fundamentado ver abaixo requerer ao Banco Central ou às instituições financeiras o acesso aos dados com a transferência do sigilo bancário A lógica que embasou essas hipóteses é a limitabilidade do direito à privacidade devendo ser permitido o acesso com a transferência do sigilo para a preservação de outros direitos e valores constitucionais Assim são entes legitimidades a obter o acesso e transferência do sigilo bancário de acordo com a Lei Complementar n 105 1 Poder Judiciário em inquéritos ou processos de qualquer natureza 2 Câmara dos Deputados e Senado Federal por decisão aprovada nos respectivos Plenários 3 Comissões Parlamentares de Inquérito por decisão aprovada em seu plenário 4 As autoridades e os agentes fiscais tributários da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso 415 Além disso as Comissões Parlamentares de Inquérito Estaduais também podem pedir a quebra do sigilo bancário e fiscal desde que autorizadas pela Constituição estadual STF ACO 1390RJ rel Min Marco Aurélio j 2552009 O Tribunal de Contas da União órgão auxiliar do Poder Legislativo não foi contemplado pelo próprio legislador na Lei Complementar n 105 embora suas atividades de verificação e julgamento de contas art 71 II da CF justificassem o direito de acesso direto e transferência do sigilo não cabendo ao Judiciário uma interpretação extensiva que lhe possibilite isso MS 22801 rel Min Menezes Direito j 17122007 Plenário DJe de 143 2008 Contudo em 2015 o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito do TCU de acessar diretamente os dados bancários referentes a verbas públicas considerando que operações financeiras envolvendo recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário estando submetidas aos princípios da Administração Pública previstos no art 37 da CF em especial o princípio da publicidade Por isso decidiu o STF que Em tais situações é prerrogativa constitucional do Tribunal TCU o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos STF MS 33340 rel Min Luiz Fux j 265 2015 Primeira Turma DJe de 382015 Também o Ministério Público foi esquecido pela Lei Complementar n 1052001 mas possui contudo a autorização prevista no art 8º 2º da LC n 7593 visto acima Apenas foi mencionado na Lei Complementar n 105 que caso o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários verifiquem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública ou indícios da prática de tais crimes esses entes informarão ao Ministério Público juntando à comunicação os documentos necessários à apuração ou comprovação dos fatos Salvo nessa hipótese cabe ao Ministério Público requerer fundamentadamente o acesso e transferência de sigilo bancário ao Poder Judiciário que deferirá ou não a medida A única permissão aceita pelo STF de acesso direto pelo Ministério Público aos dados cobertos pelo sigilo bancário é no caso de informações financeiras e bancárias referentes às verbas públicas tal como ocorre com o TCU O princípio da publicidade regente da atuação do Poder Público art 37 da CF impede que o administrador público alegue privacidade para impedir o acesso direto do Parquet a tais dados STF MS 21729 rel p o ac Min Néri da Silveira j 5101995 Plenário DJ de 19102001 A discussão da atualidade sobre a quebra do sigilo bancário por órgão não judicial merece reflexão Será que o sigilo bancário é sujeito à reserva de jurisdição ou seja sua violação depende de ordem judicial fundamentada Entendemos que não Em primeiro lugar não há na Constituição de 1988 a exigência de ordem judicial para a superação do sigilo bancário o qual sequer consta expressamente do texto constitucional Em segundo lugar cabe analisar o argumento de que a quebra do sigilo bancário deva sempre ser feita por autoridade judicial negando tal poder em especial às Autoridades Tributárias aos Tribunais de Contas e ao Ministério Público A argumentação em geral fundase na maior garantia do jurisdicionado associada a nenhum prejuízo à atuação desses órgãos ou seja em outras palavras que mal há em por exemplo a Autoridade Tributária pleitear ao Juiz a quebra do sigilo bancário em uma investigação fiscal qualquer Se o pedido for sólido o juiz autorizará o acesso ou caso este negue o Tribunal autorizará em grau de recurso Essa argumentação desconsidera a seguinte ponderação de valores de um lado há o direito à privacidade daquele detentor das contas correntes e dos ativos financeiros de outro há os direitos dos terceiros que são protegidos pela atuação dos órgãos de fiscalização em especial da imensa maioria de brasileiros que exige que o Estado obtenha recursos e assegure os direitos sociais como direito à educação saúde moradia entre outros Também do outro lado da ponderação há o direito à igualdade pois a fragilidade da fiscalização aumenta o ônus de se viver em sociedade punindo aqueles que voluntariamente cumprem a lei e estimulando outros a descumprila na ausência de temor de sanções concretas Usando como exemplo a atuação das autoridades tributárias vêse que na atualidade os sonegadores usam o sistema bancário em suas atividades econômicas formais e também nas informais O Fisco não tem outra arma menos invasiva para conferir se a atividade econômica relatada é real ou apenas camuflada e forjada para menor pagamento de tributos a não ser a conferência dos dados contidos nas transações bancárias Para aqueles que exigem ordem judicial para acesso do Fisco aos dados bancários a alternativa seria a solicitação judicial para conferência de dados nas investigações ordinárias e extraordinárias Para cada contribuinte uma ação Claro que seriam milhões de novas ações de cunho satisfativo pois se pede somente a autorização da transferência de sigilo bancário para exercer a fiscalização ordinária renovadas periodicamente que exigiriam imenso tempo e recurso do EstadoJuiz e também dos Advogados Públicos resultando em caos no acesso à justiça e estímulo para que mais pessoas deixem de pagar tributos Teríamos milhares de Varas Judiciais somente para autorizar acesso aos dados bancários por parte das fiscalizações tributárias federais estaduais e municipais Isso é tão absurdo que sequer é tentado De fato a opção brasileira para suprir as deficiências no combate à sonegação é simplesmente aumentar as alíquotas e criar novos tributos que também serão sonegados em uma espiral viciosa sem fim exasperando a carga daqueles que não sonegam A mesma situação ocorre no que tange aos Tribunais de Contas Como averiguar se cada contrato conta fiscalizada ou mesmo declarações de imposto de renda de servidores públicos federais ver acima contém dados reais ou ficção contábil Será que atende o direito fundamental à probidade administrativa exigir a propositura de milhares de ações judiciais de autorização de transferência de sigilo bancário para que determinado Tribunal de Contas possa exercer o seu mister Na prática do Brasil de hoje os Tribunais de Contas não realizam essa atividade de fiscalização real contentandose com as análises documentais tradicionais e vários escândalos envolvendo superfaturamento e conluios em obras públicas são relatados pela imprensa nacional sem que o Tribunal de Contas respectivo tivesse atento à situação O cachorro não late o alarme não soa No caso do Ministério Público a exigência de dois agentes políticos o membro do Ministério Público e o Magistrado analisarem cada pedido de quebra de sigilo bancário com a exceção do caso das verbas públicas vide acima o precedente do STF ocasiona investigações extremamente demoradas facilitando sobremaneira a prescrição e estimulando de novo a impunidade e novas violações aos direitos de terceiros Em 2016 o Supremo Tribunal Federal por larga maioria 9 votos contra 2 decidiu pela constitucionalidade da Lei Complementar n 105 que autoriza a Administração Tributária dos entes federados a requisitar diretamente às instituições financeiras os dados dos contribuintes sujeitos a sigilo bancário sem necessidade da obtenção de prévia ordem judicial Foi consagrado o entendimento de que não há propriamente quebra do sigilo bancário mas sim transferência de informações protegidas agora pelo Fisco e pelo sigilo fiscal contra o acesso de terceiros Os votos vencedores abordaram a ponderação de valores optando por fazer prevalecer como no voto do Min Fachin a concretização da equidade tributária 416 É importante salientar que o STF estabeleceu ainda parâmetros para que os Fiscos tenham esse tipo de acesso Por isso devem os Estados Membros e Municípios regulamentar essa transferência direta de dados bancários para seus respectivos Fiscos tal como já o fez a União no tocante à Receita Federal Decreto Federal n 37242001 observados os seguintes parâmetros a pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias e o tributo objeto de cobrança no procedimento administrativo instaurado b prévia notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e a todos os demais atos garantindo o mais amplo acesso do contribuinte aos autos permitindolhe tirar cópias não apenas de documentos mas também de decisões c sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico d existência de sistemas eletrônicos de segurança que fossem certificados e com o registro de acesso e finalmente e estabelecimento de mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios 417 Em síntese a posição atual 2019 do STF sobre o acesso a dados bancários sem autorização judicial é a seguinte 1 Autoridade Tributária dos entes federados devendo tal acesso ser regulamentado administrativamente seguindose os parâmetros vistos acima 2 Tribunais de Contas exigese autorização judicial pela ausência de previsão na Lei Complementar n 105 3 Ministério Público somente no caso de verbas públicas STF MS 21729 rel p o ac Min Néri da Silveira j 5101995 Plenário DJ de 19102001 4 Comissão Parlamentar de Inquérito Câmara dos Deputados e Senado Federal por decisão aprovada nos respectivos Plenários Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos bancários solicitados por comissão de inquérito administrativo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido Em todas as hipóteses de acesso e transferência do sigilo bancário dos bancos para qualquer outro ente exigese fundamentação da requisição do ente ou da ordem judicial que deve levar em consideração i a indispensabilidade da medida bem como a ii existência de procedimento regular em curso e o iii interesse público na quebra por exemplo proteção dos direitos e valores constitucionais Em relação à fundamentação idônea para a quebra dos sigilos fiscal e bancário exigese que se demonstrem minimamente fatos delituosos e a contribuição dos investigados para tanto STF Mandado de Segurança n 34299 rel Luiz Fux decisão monocrática da Presidência do STF de 1572016 Como visto acima o STF considerou constitucional o acesso de dados bancários à Receita Federal sem ordem judicial Em paralelo houve decisões do próprio STF considerando legítimo o envio direto sem ordem judicial pela Receita Federal ao Ministério Público Federal de notícia de crime contendo como fundamento dados da movimentação bancária do contribuinte De fato não é cabível exigir ordem judicial pois esse envio é fruto das atribuições regulares da Receita Federal e decorre da constitucionalidade do acesso do Fisco aos dados bancários Por isso não é prova ilícita o uso desses dados na instrução penal de processo criminal movido pelo Ministério Público STF Agravo Reg RE 1041285SP rel Min Barroso j 27102017 DJe 14112017 Contudo conforme já mencionado no caso Flávio Bolsonaro o Min Dias Toffoli suspendeu os procedimentos e processos criminais que utilizaram tais dados até que se decida sobre o alcance do compartilhamento de dados bancários e fiscais sem ordem judicial Para a corrente a que aparentemente o Min Dias Toffoli se filia o acesso às operações bancárias se limita à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados ou seja dados genéricos e cadastrais dos correntistas vedada a inclusão de qualquer elemento que permita identificar sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados STF RE 1055941SP rel Min Dias Toffoli em trâmite Caberia ao Ministério Público requerer judicialmente o envio dos demais dados Tal tese cria mais uma etapa na investigação de crimes sem nenhuma proteção adicional ao contribuinte pois o sigilo fiscal e bancário deve também ser mantido pelo Ministério Público quer tenha acesso por meio de informações enviadas voluntariamente pela Receita Federal ou por meio de ordem judicial de quebra do sigilo fiscal e bancário 910 O COAF UNIDADE DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA E OS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL A sofisticação da criminalidade levou à criação pela Lei n 961398 do Conselho de Controle de Atividades Financeiras COAF autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que foi encarregado de disciplinar aplicar penas administrativas receber examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades A Medida Provisória n 893 de 19 de agosto de 2019 alterou o nome do COAF para Unidade de Inteligência Financeira UIT e ainda determinou sua vinculação administrativa ao Banco Central do Brasil mantendo autonomia técnica e operacional e atuação em todo o território nacional Até o fechamento desta edição a MP 893 não havia sido convertida em lei O COAF UIT é considerado a unidade de inteligência financeira brasileira tendo como missão receber e analisar informações de cunho econômicofinanceiro de pessoas físicas e jurídicas que obtém de diversas fontes obrigadas a enviar dados de cadastro e movimentação em especial Bancos Essas informações são prestadas por critérios objetivos depósito que ultrapassa determinado valor ou subjetivos considerados a critério do informante que conhece seu cliente atípicos ou suspeitos art 11 da Lei n 9613 O COAF UIT poderá requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas em atividades suspeitas art 14 3º da Lei n 961398 e art 2º 6º da LC n 1052001 Após análise o COAF UIT comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis quando concluir pela existência de qualquer ilícito art 15 da Lei n 9613 Assim não cabe ao COAF UIT investigar com profundidade mas sim provocar a autoridade por exemplo Polícia ou Ministério Público para que investigue O COAF UIT repassa a tais autoridades os Relatórios de Informações Financeiras que contém informações sobre operações atípicas não necessariamente ilícitas para que as investigações sejam aprofundadas podendo as autoridades recebedoras dos Relatórios solicitar eventualmente ao juízo competente a quebra dos sigilos bancário e fiscal Contudo o Superior Tribunal de Justiça 6ª Turma na análise de rumoroso caso de corrupção envolvendo personalidades da sociedade brasileira Operação Boi Barrica decidiu que o mero encaminhamento de Relatório de Inteligência Financeira pelo COAF UIT ao Ministério Público retratando operação atípica não pode embasar pedido de decretação judicial de quebra de sigilos bancário fiscal e telefônico ou ainda interceptação telefônica devendo a autoridade policial realizar diligências posteriores que demonstrem que tais quebras de sigilo são imprescindíveis Com isso o STJ decretou a nulidade das ordens judiciais por falta de fundamentação adequada e invocou ainda a teoria dos frutos da árvore envenenada para descartar provas obtidas em decorrência daquelas anuladas inclusive eventuais conversas comprometedoras obtidas ver HC 191378 rel Min Sebastião Reis Júnior 6ª Turma j 1592011 Todavia é difícil realizar essas diligências posteriores que não envolvam quebras de sigilo e que não alertem os envolvidos que assim destroem provas e camuflam seus atos uma vez que as técnicas tradicionais oitiva de testemunhas vigilância campana e outras são quase sempre inúteis em crimes de corrupção e de lavagem de ativos que vulneram intensamente direitos fundamentais de terceiros Outra controvérsia diz respeito ao próprio envio do Relatório de Informações Financeiras que poderia representar uma indevida quebra do sigilo bancário sem ordem judicial Como já mencionado no caso Flávio Bolsonaro foi suspensa a investigação criminal do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro que teria sido iniciada a partir de envio do RIF do COAF ao órgão ministerial STF RE 1055941SP rel Min Dias Toffoli em trâmite Como já mencionado o conteúdo do RIF produzido pelo COAF UIT é de caráter meramente informativo que isoladamente ou em conjunto com outras peças de informação pode formar a convicção da autoridade policial ou ministerial para que seja requerido eventual pedido judicial de quebra de sigilo bancário ou fiscal no bojo de regular produção probatória O próprio STF em sessão plenária já considerou regular o uso do RIF pelo Ministério Público Federal na Operação Lava Jato para subsidiar o requerimento judicial de quebra do sigilo bancário Ag Reg na Ação Cautelar n 3872DF rel Min Teori Zavascki j 22102015 DJe de 13112015 911 O CNJ E OS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL O art 8º V do Regimento do Conselho Nacional de Justiça prevê que compete ao Corregedor Nacional de Justiça requisitar das autoridades fiscais monetárias e de outras autoridades competentes informações exames perícias ou documentos sigilosos ou não imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos submetidos à sua apreciação dando conhecimento ao Plenário Esse Regimento amparase diretamente na Emenda Constitucional n 452004 cujo art 5º 2º dispõe que até que entre em vigor o novo Estatuto da Magistratura que será feito por futura lei complementar de iniciativa exclusiva do STF o Conselho Nacional de Justiça mediante resolução disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do Ministro Corregedor Esse poder da Corregedoria do CNJ de quebrar os sigilos bancário e fiscal foi questionado no final de 2011 em dois mandados de segurança impetrados por associações de magistrados contra atos do Corregedor Nacional de Justiça sob a alegação de violação do art 5º X direito à privacidade e vício formal uma vez que uma resolução do CNJ não poderia substituir autorização expressa em lei complementar Os processos estão em curso sob a relatoria do Ministro Luiz Fux STF MS 31083 e 31085 912 SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA E DE COMUNICAÇÃO TELEGRÁFICA POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO E AUSÊNCIA DE RESERVA DE JURISDIÇÃO O art 5º XII da CF88 assegura o sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica Em que pese que este último tenha ficado ultrapassado pelo desenvolvimento tecnológico o direito à privacidade do conteúdo tanto da comunicação epistolar quanto da telegráfica não é absoluto Admitese a restrição da privacidade para fazer prevalecer outros direitos constitucionais aplicandose o critério da proporcionalidade no caso concreto No caso da comunicação epistolar o art 41 parágrafo único da Lei de Execução Penal Lei n 721084 editado antes da Constituição de 1988 autoriza o direito do estabelecimento prisional a violar correspondência encaminhada ou dirigida aos presos O STF considerou tal regra compatível com a Constituição uma vez que nenhuma liberdade pública é absoluta e não pode o direito à privacidade ser invocado para permitir crimes Para o Min Celso de Melo a inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas HC 70814 rel Min Celso de Mello j 1º31994 Primeira Turma DJ de 24 61994 Assim o critério da proporcionalidade foi aplicado prevalecendo a proteção dos direitos dos terceiros vítimas dos crimes que poderiam ser cometidos em face do direito à privacidade dos presos Digno de nota é a ausência de reserva de jurisdição mesmo autoridade administrativa pode violar o sigilo de correspondência na visão do STF 913 O SIGILO TELEFÔNICO E INTERCEPTAÇÃO PREVISTA NA LEI N 929696 INCLUSIVE DO FLUXO DE COMUNICAÇÕES EM SISTEMAS DE INFORMÁTICA E TELEMÁTICA O art 5º XII da Constituição prevê excepcionalmente a violação do sigilo das comunicações telefônicas sob os seguintes requisitos 1 existência de lei regulamentadora 2 ordem judicial 3 nas hipóteses e na forma prevista na lei regulamentadora para fins de investigação criminal ou instrução processual penal Quanto à lei regulamentadora houve omissão legislativa até a edição da Lei n 929696 Consequentemente o STF considerou prova ilícita aquela obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas mesmo quando existia ordem judicial uma vez que o art 57 II a do Código Brasileiro de Telecomunicações Lei n 411762 foi considerado não recepcionado pela Constituição de 1988 A ordem judicial é indispensável e deve ser fundamentada Nem Comissão Parlamentar de Inquérito CPI pode ordenar a interceptação telefônica uma vez que a violação do sigilo da comunicação é matéria abrangida pelo princípio da reserva de jurisdição Pode tão somente a CPI ordenar a quebra do sigilo dos dados telefônicos registros das chamadas quem ligou e para quem ligou e duração mas nunca ordenar a interceptação da conversa telefônica Não se pode confundir a proteção da comunicação telefônica com os registros telefônicos O sigilo da comunicação telefônica que só pode ser quebrado por ordem judicial abarca o teor da conversa e do que é transmitido pelos envolvidos não abrangendo os números de chamadas horário duração dentre outros registros similares que são dados externos à comunicação propriamente dita Por isso o STF autoriza a Polícia ou o Ministério Público a requisitar diretamente sem ordem judicial às operadoras de telefonia os dados relativos à hora ao local e à duração das chamadas realizadas por ocasião da prática criminosa o que não configura violação ao art 5º XII da CF88 STF HC 124322RS rel Min Luís Roberto Barroso decisão de 21 de setembro de 2015 Em síntese a exigência de reserva de jurisdição ordem judicial para a quebra é para a comunicação de dados e não para a obtenção de registros e cadastros de dados HC 91867 rel Min Gilmar Mendes Segunda Turma j 244 2012 DJe de 20092012 A Lei n 9296 de 24 de julho de 1996 regrou as hipóteses e forma da interceptação telefônica que rapidamente se transformou em um dos instrumentos mais utilizados de investigação policial no Brasil A interceptação dependerá de ordem do juiz competente da ação principal sob segredo de justiça podendo ser decretada de ofício pelo juiz ou a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público Para a decretação da interceptação de comunicações telefônicas é necessário que haja i indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal inclusive com a qualificação dos investigados salvo impossibilidade ver abaixo o tópico dos autores desconhecidos bem como que a ii prova não possa ser feita por outros meios disponíveis em casos de iii infração penal punida com pena de reclusão pena máxima de mera detenção não autoriza interceptação telefônica Assim de acordo com a Lei n 929696 não cabe a determinação judicial de interceptação telefônica se 1 não houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal 2 existir outro meio de produção da prova pretendida 3 for caso de crime punido com pena máxima de detenção No caso de notitia criminis anônima deve a autoridade policial antes realizar diligências preliminares para só após com novos indícios solicitar a interceptação telefônica HC 99490 rel Min Joaquim Barbosa j 23112010 Segunda Turma DJe de 1º22011 O juiz deve decidir no prazo máximo de vinte e quatro horas fundamentando a decisão O período de interceptação deve ser fixado na decisão mas não poderá exceder o prazo de 15 dias renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova Apesar de a lei não estabelecer expressamente quantas prorrogações de 15 dias são possíveis prevalece o entendimento da possibilidade de renovações sucessivas até que a investigação esteja finalizada desde que as ordens judiciais sejam fundamentadas e demonstrem a indispensabilidade das prorrogações para o deslinde do caso Nesse sentido decidiu o STF que É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica ainda que de modo sucessivo quando o fato seja complexo e como tal exija investigação diferenciada e contínua Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26 112008 Plenário DJe de 2632010 Deferido o pedido a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação dando ciência ao Ministério Público MP que poderá acompanhar a sua realização Em vários casos não há a cientificação prévia ao MP e a Defesa alega vício e nulidade das provas obtidas Na hipótese do Ministério Público ofertar a denúncia o STF entendeu que esse argumento é superado pois a denúncia implica envolvimento próximo do promotor HC 83515 rel Min Nelson Jobim j 1692004 publicado em 432005 Porém na fase do inquérito policial pode o próprio Ministério Público promover o arquivamento da peça caso não aceite ter sido mantido alheio à interceptação e a considere prova ilícita não existindo outra apta a sustentar uma denúncia idônea No caso de o juiz remeter o inquérito policial de acordo com o art 28 do CPP ao ProcuradorGeral de Justiça Ministério Público Estadual ou à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão no caso do Ministério Público Federal a decisão de arquivamento do inquérito policial por esses entes em virtude da ilicitude da prova tem que ser acolhida pelo Judiciário Após será feita a transcrição das conversas com foco naquilo que interessa para o caso Atualmente há diversas discussões judiciais sobre o dever de transcrição integral do conteúdo gravado das conversas telefônicas e não somente as partes relevantes em nome da ampla defesa Porém o STF decidiu que só é exigível na formalização da prova de interceptação telefônica a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 2632010 Nesse mesmo sentido decidiu o STF que é desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito no qual são investigados os ora pacientes pois bastam que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida não configurando essa restrição ofensa ao princípio do devido processo legal art 5º LV da CF Liminar indeferida HC 91207MC rel p o ac Min Cármen Lúcia j 1162007 Plenário DJ de 2192007 Também cabe mencionar que a Lei n 929696 permite a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática particularmente útil nos casos de correio eletrônico chats redes sociais e outras formas de comunicação da internet Essa previsão legal não viola o direito à privacidade constitucional que não é absoluto podendo ser limitado no caso pela lei para que se assegurem os direitos fundamentais de terceiros vítimas de crimes sujeitos à pena de reclusão ou seja crimes graves Por sua vez constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas de informática ou telemática ou quebrar segredo da Justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei o chamado grampo telefônico com pena de reclusão de dois a quatro anos e multa Em 2008 no bojo de diversas críticas de advogados criminalistas sobre o uso descontrolado de interceptações telefônicas na investigação criminal o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n 59 regrando a matéria em especial quanto ao trâmite burocrático dos pedidos No mesmo ano o ProcuradorGeral da República considerou que tal deliberação administrativa foi além da regulamentação da Lei n 929696 e ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4145 perante o STF O STF declarou somente a inconstitucionalidade do art 13 1º dessa Resolução que proibia a prorrogação da interceptação durante plantão judiciário ADI n 4145 redator para o acórdão Min Alexandre de Moraes j 2642018 914 A GRAVAÇÃO REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO PROVA LÍCITA DE ACORDO COM O STF REPERCUSSÃO GERAL Há diferença entre a interceptação e a gravação de conversas telefônicas ou ambientais a interceptação é aquela que é realizada por terceiros sem o consentimento dos envolvidos a gravação é aquela realizada por um dos participantes autogravação com ou sem a anuência dos demais Houve muita discussão na doutrina e jurisprudência sobre a licitude da gravação por um dos participantes sem o consentimento dos demais de conversa telefônica ou ambiental Inicialmente o próprio STF consideroua prova ilícita salvo se fosse para a prova de crime feito pelo outro interlocutor gravação da conversa do sequestrador por exemplo Posteriormente o fato de a conversa ter sido gravada por um dos participantes pesou decisivamente na consolidação do entendimento do STF de que seria prova lícita tal qual um documento celebrado pelas partes e utilizado apenas por uma delas sem o consentimento da outra Somente será prova ilícita se existir uma causa legal de sigilo ou reserva da conversação Por isso a gravação de conversa telefônica por um dos envolvidos se constitui em prova lícita da comunicação da qual participa salvo a existência de causa legal de sigilo ou reserva STF AI 578858AgR rel Min Ellen Gracie j 482009 Segunda Turma DJe de 2882009 Também a gravação de conversa em ambiente qualquer gravação ambiental por um dos participantes consiste em prova lícita se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação RE 583937QORG rel Min Cezar Peluso j 19112009 Plenário DJe de 18122009 com repercussão geral Por outro lado a jurisprudência reconheceu ser ilícita a gravação ambiental de conversa informal entre o suspeito e policiais caso não tenha sido avisado do direito de permanecer em silêncio Nesse sentido decidiu o STJ que é ilícita a gravação de conversa informal entre os policiais e o conduzido ocorrida quando da lavratura do auto de prisão em flagrante se não houver prévia comunicação do direito de permanecer em silêncio STJ HC 244977SC rel Min Sebastião Reis Júnior j 2592012 915 A INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL A captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos óticos ou acústicos e o seu registro e análise são previstos na Lei n 128502013 que expressamente revogou a Lei n 903495 definindo organização criminosa bem como dispondo sobre a investigação criminal os meios de obtenção da prova infrações penais correlatas e o procedimento criminal Ficou autorizada a captação ambiental de sinais eletromagnéticos ópticos ou acústicos art 3º II da Lei Antes da edição da Lei n 128502013 o STF rechaçou a ilicitude da prova de interceptação ambiental sob a alegação defensiva de ausência de um procedimento detalhado previsto na Lei n 903495 na redação dada pela Lei n 102172001 Ainda nesse julgamento o STF considerou prova lícita a interceptação ambiental realizada com ordem judicial em escritório de advocacia houve também invasão noturna de domicílio ver acima uma vez que havia indícios de envolvimento do advogado com práticas criminosas da quadrilha Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 2632010 916 CASOS EXCEPCIONAIS DE USO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA O ENCONTRO FORTUITO DE CRIME A DESCOBERTA DE NOVOS AUTORES E A PROVA EMPRESTADA No decorrer da interceptação é possível que seja provado crime não previsto no pedido encontro fortuito de crime ou também crime achado sendo tal prova lícita mesmo se a infração penal nova for punida com detenção ou for mera contravenção penal desde que conexo com a infração constante do pedido nesse sentido STF HC 83515 rel Min Nelson Jobim j 1692004 Plenário DJ de 432005 Caso seja totalmente desvinculado do crime investigado originalmente há duas posições A primeira posição defende que essa gravação pode servir como notitia criminis a fundamentar novo pedido próprio de interceptação Streck entre outros 418 A segunda posição considera que a prova é lícita desde que não se verifique desvio de finalidade ou fraude por exemplo simular o pedido de interceptação de um suposto crime sujeito à pena de reclusão só para obter prova do real crime perseguido sujeito à pena de detenção exemplo de Moraes 419 Na linha da segunda posição decidiu o STF que o Conselho Nacional de Justiça pode usar prova emprestada de interceptação telefônica criminal em seu procedimento administrativo contra juiz mesmo que o possível crime do magistrado tenha sido fortuitamente detectado pois era diverso do que era objeto de investigação no monitoramento telefônico em curso MS 28003DF rel orig Min Ellen Gracie rel p o acórdão Min Luiz Fux j 822012 Informativo do STF n 654 de 6 a 1022012 Ainda decidiu o STF que o crime achado ou seja a infração penal desconhecida e portanto até aquele momento não investigada sempre deve ser cuidadosamente analisada para que não se relativize em excesso o inciso XII do art 5º da CF A prova obtida mediante interceptação telefônica quando referente a infração penal diversa da investigada deve ser considerada lícita se presentes os requisitos constitucionais e legais HC 129678 rel p o ac Min Alexandre de Moraes j 1362017 1ª T DJe de 188 2017 Também é possível que coautores e partícipes desconhecidos surjam no decorrer da interceptação autorizada inicialmente apenas para determinadas pessoas A prova contra esses novos indivíduos será lícita uma vez que a própria Lei n 929696 permite que a interceptação ocorra sem identificação precisa quanto ao investigado Nesse sentido decidiu o STF Interceptação realizada em linha telefônica do corréu que captou diálogo entre este e o ora paciente mediante autorização judicial Prova lícita que pode ser utilizada para subsidiar ação penal sem contrariedade ao art 5º XII LIV LV e LVI da Constituição da República HC 102304 rel Min Cármen Lúcia j 2552010 Primeira Turma DJe de 255 2011 Finalmente admitese o uso da chamada prova emprestada no qual o conteúdo da conversa interceptada em seara criminal é utilizado no âmbito cível por exemplo em ação de improbidade ou disciplinar processo administrativo Entendemos que esse uso é regular uma vez que o direito à privacidade já foi afastado de maneira legítima no âmbito criminal o que pode resultar inclusive na perda da liberdade do réu Logo impedir o uso da degravação da conversa interceptada no bojo de outro processo mesmo que não criminal não teria o condão de restaurar a privacidade do indivíduoalvo ou mesmo de terceiros podendo porém assegurar a tutela jurídica justa Nesse sentido decidiu o STF que dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova Inq 2424QOQO rel Min Cezar Peluso j 2062007 Plenário DJ de 248 2007 917 INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA ORDENADA POR JUÍZO CÍVEL O reconhecimento da limitabilidade dos direitos fundamentais consolidou o uso da proporcionalidade nos precedentes judiciais brasileiros afastando a literalidade da redação dos direitos previstos na Constituição e nos tratados internacionais O caso da inviolabilidade do sigilo de correspondência relativizada pelo STF no caso dos presos ou da invasão de domicílio por ordem judicial durante a noite determinada pelo próprio STF são exemplos marcantes da proporcionalidade nos direitos fundamentais Recentemente o Superior Tribunal de Justiça STJ considerou constitucional e legal a interceptação telefônica determinada por juiz em processo cível Tratavase de ação na qual se buscava a localização de menor subtraído por um dos genitores tendo sido esgotados todos os meios tradicionais na esfera cível de localização pelo oficial de justiça e por ofícios infrutíferos e demorados Nessa hipótese o juiz decidiu fazer prevalecer o direito à proteção da criança e do adolescente art 227 da CF em detrimento da inviolabilidade do sigilo telefônico fruto do direito à intimidade A proporcionalidade foi aplicada desconsiderandose a redação do art 5º XII que faz menção à interceptação telefônica regrada por lei e para investigação e persecução criminais Na apreciação do caso no Superior Tribunal de Justiça STJ o Ministro relator Sidnei Beneti decidiu a favor da possibilidade de interceptação telefônica por juízo cível uma vez que há que se proceder à ponderação dos interesses constitucionais em conflito sem que se possa estabelecer a priori que a garantia do sigilo deva ter preponderância voto do Ministro STJ HC 203405 j 2862011 Parte da doutrina criticou severamente essa decisão alegando que a subtração de criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda é crime com pena de reclusão tipificado no art 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA o que permitiria que o juiz cível representasse ao juiz criminal para que este no bojo de um inquérito criminal ordenasse validamente a interceptação telefônica Claro que ao assim proceder o juízo cível corre o risco de se curvar ao entendimento do seu colega juiz criminal que poderia entender que não era caso de interceptação telefônica imediata aguardando diligências policiais prévias e também de se subordinar à posição do membro do Ministério Público oficiante no Inquérito Policial instaurado que poderia entender que a conduta em tela não era crime tendo em vista as peculiaridades do caso promovendo seu arquivamento o que negaria novamente o direito de acesso à justiça no processo cível Assim podese justificar a interceptação telefônica para fins civis em caso de i esgotados os meios usuais para fazer valer o direito da parte requerente e ii para fazer valer o direito de acesso à justiça em prazo razoável O direito de acesso à justiça art 5º XXXV deve ser levado em consideração ponderandoo também com o direito à privacidade O sigilo telefônico em processos cíveis não pode ser absoluto sob pena de amesquinharmos o direito a uma tutela justa em caso de imprescindibilidade da interceptação telefônica para fazer valer o direito da parte Esse caso torna evidente que o Poder Constituinte não consegue esgotar a regência expressa de todas as hipóteses de colisão entre os direitos fundamentais uma vez que novas situações sociais surgem gerando inesperadas colisões de direitos e exigindo ponderação pelo intérprete Assim apesar de a Constituição de 1988 ter ponderado a colisão de direitos entre o direito à privacidade e os direitos das vítimas no campo penal direito à verdade e justiça exigindo lei para o caso de interceptação telefônica para fins penais isso não exclui a possibilidade de ponderação desses mesmos direitos para a obtenção da tutela justa e célere no campo cível Do nosso ponto de vista não há qualquer incongruência a Constituição exigiu lei para a interceptação telefônica para fins criminais uma vez que o direito penal trata da liberdade dos indivíduos Na esfera cível não há a necessidade de lei uma vez que o direito de acesso à justiça é suficiente para conferir ao juiz o poder de sopesar os direitos avaliar a situação e ordenar a interceptação telefônica É cedo para prever se esse entendimento do STJ prevalecerá no Supremo Tribunal Federal A fundamentação do Min Beneti porém é condizente com precedentes anteriores do próprio STF já vistos nesta obra como os referentes i à relatividade da inviolabilidade do sigilo de correspondência e ii à relatividade da inviolabilidade domiciliar em período noturno no caso de ordem judicial que deveria ser cumprida durante o dia mas o foi durante a noite em decisão referendada pelo Pleno do STF 918 A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS Em 2018 foi editada a Lei n 13709 denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais LGPDP que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais inclusive nos meios digitais por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado com os objetivos expressos de i proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e ii o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural A adoção de uma legislação como a recémaprovada é reação ao uso não autorizado de informações pessoais para diversas finalidades no mundo atual Ferramentas como o big data e fenômenos como rastreamento de comportamentos marketing comportamental inclusive nas redes sociais bem como o desvio de finalidade com o uso de dados sensíveis para objetivos eleitorais e comerciais além da venda não autorizada de dados pessoais entre outras condutas de agentes privados ou públicos geram preocupação nas sociedades democráticas tanto para a proteção da privacidade quanto da livre concorrência ou ainda de outros direitos como a igualdade dos candidatos e a liberdade do eleitor no caso da manipulação de dados sensíveis para fins eleitorais O Brasil não está isolado nessa iniciativa de proteger o direito à privacidade que tem se tornado preocupação de diversos Estados e organizações internacionais No plano da integração europeia entrou em vigor em 2018 o Regulamento Geral de Proteção de Dados General Data Protection Regulation GDPR na sigla em inglês que possui claro efeito extraterritorial uma vez que disciplina o i tratamento dos dados realizado por empresa estabelecida na União Europeia independentemente do local do tratamento e da nacionalidade dos titulares dos dados e o ii tratamento de dados realizado por empresa estrangeira não estabelecida na União Europeia que ofereça bens e serviços ou monitore comportamentos na União Europeia 420 A nova lei brasileira adotou tal alcance extraterritorial aplicandose a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado independentemente do meio do país de sua sede ou do país onde estejam localizados os dados desde que i a operação de tratamento seja realizada no território nacional ii a atividade de tratamento tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de bens ou serviços ou o tratamento de dados de indivíduos localizados no território nacional iii os dados pessoais objeto do tratamento tenham sido coletados no território nacional considerando como coletados no território nacional os dados pessoais cujo titular nele se encontre no momento da coleta Consequentemente a lei não abarca os dados provenientes de fora do território nacional e que não sejam i objeto de comunicação uso compartilhado de dados com agentes de tratamento brasileiros ou ii objeto de transferência internacional de dados com outro país que não o de proveniência desde que o país de proveniência proporcione grau de proteção de dados pessoais adequado ao disposto na lei brasileira Essa última hipótese permite que a lei brasileira tenha alcance extraterritorial para assegurar a proteção à privacidade no caso de regulamentação estrangeira inadequada Ainda há cláusulas de exclusão não se aplicando a lei brasileira a tratamento de dados pessoais que tenha sido i realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos ii realizado para fins exclusivamente jornalísticos artísticos ou acadêmicos iii realizado para fins exclusivos de segurança pública defesa nacional segurança do Estado ou atividades de investigação e repressão de infrações penais Ponto importante da nova lei é a exigência das atividades de tratamento de dados pessoais observarem a boafé e os seguintes princípios i princípio da finalidade legítima e informada que exige que a realização do tratamento ocorra para propósitos legítimos específicos explícitos e informados ao titular sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades ii princípio da adequação que exige a compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular de acordo com o contexto do tratamento iii princípio da necessidade que exige a limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades com abrangência dos dados pertinentes proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados iv princípio do livre acesso que assegura aos titulares dos dados a consulta facilitada e gratuita sobre a forma e a duração do tratamento bem como sobre a integralidade de seus dados pessoais v princípio da qualidade e transparência que assegura aos titulares dos dados a exatidão dos dados e informações sobre realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento observados os segredos comercial e industrial vi princípio da segurança e prevenção que exige a adoção de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição perda alteração comunicação ou difusão bem como a adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais Consequentemente o agente deve comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção aos dados pessoais vii princípio da não discriminação que veda a realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos A lei elenca dez situações autorizadas de tratamento de dados pessoais sendo uma geral e nove hipóteses específicas que são as seguintes 1 situação geral de uso autorizado gerada pelo consentimento do titular 2 cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador do dado 3 tratamento e uso compartilhado de dados pelo Poder Público necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos convênios ou instrumentos congêneres 4 realização de estudos por órgão de pesquisa garantida sempre que possível a anonimização dos dados pessoais desvinculação dos dados dos indivíduos geradores 5 execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular a pedido do titular dos dados 6 exercício regular de direitos em processo judicial administrativo ou arbitral 7 proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro 8 para a tutela da saúde em procedimento realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias 9 quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais 10 para a proteção do crédito inclusive quanto ao disposto na legislação pertinente Assim em geral o consentimento do titular dos dados é elementochave da nova lei para o uso legítimo dos dados pessoais devendo ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular Caso queira compartilhar os dados o controlador deverá obter consentimento específico do titular para esse fim Todavia é dispensada a exigência do consentimento para os dados tornados manifestamente públicos pelo titular Cabe ao controlador o ônus da prova de que o consentimento foi obtido de forma legítima sendo nulas as autorizações genéricas para o tratamento de dados pessoais Além disso cabe a revogação do consentimento mediante manifestação expressa do titular por procedimento gratuito e facilitado Outro ponto importante da lei é o direito de acesso do titular às informações sobre o tratamento de seus dados abarcando a finalidade a forma e a duração do tratamento bem como a identificação do controlador dos dados e informações acerca do uso compartilhado de dados pelo controlador e a finalidade entre outros No que tange ao conteúdo dos dados a lei criou a categoria dos dados pessoais sensíveis que são aqueles vinculados a determinado indivíduo referentes à i origem racial ou étnica ii convicção religiosa iii opinião política iv filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso filosófico ou político v dado referente à saúde ou à vida sexual vi dado genético ou biométrico Nesses casos o tratamento dos dados sensíveis exige o consentimento de forma especial e destacada para finalidades específicas Excepcionalmente o consentimento do titular é dispensável na seguintes hipóteses i existência de lei prevendo tal manipulação ii estudos por órgão de pesquisa garantida sempre que possível a anonimização dos dados pessoais sensíveis iii exercício regular de direitos inclusive em contrato e em processo judicial administrativo e arbitral iv proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro v tutela da saúde em procedimento realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias ou vi prevenção à fraude e para assegurar a segurança do titular A lei ainda facilitou o uso de dados anonimizados que não serão considerados dados pessoais salvo i quando o processo de anonimização ao qual foram submetidos for revertido utilizando exclusivamente meios próprios ou quando com ii esforços razoáveis puder ser revertido Nesse último caso a determinação do que seja razoável deve levar em consideração fatores objetivos tais como custo e tempo necessários para reverter o processo de anonimização de acordo com as tecnologias disponíveis e a utilização exclusiva de meios próprios A fiscalização do cumprimento da lei foi reforçada pela edição da Lei n 138532019 que criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados ANPD órgão federal de fiscalização da proteção de dados A citada lei tem origem na Medida Provisória n 8692018 ainda sob o governo Temer e foi sancionada com 9 vetos pelo Pres Bolsonaro A Autoridade Nacional de Proteção de Dados ANPD foi criada como órgão da administração pública federal integrante da Presidência da República tendo natureza transitória e poderá ser transformada pelo Poder Executivo em entidade da administração pública federal indireta submetida a regime autárquico especial e vinculada à Presidência da República Essa transformação poderá ser feita em até dois anos da entrada em vigor da estrutura regimental da ANPD Apesar de não ser ainda autarquia a ANPD teve assegurada autonomia técnica e decisória sendo composta pelo Conselho Diretor órgão máximo Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade composto por 23 membros entre representantes governamentais da sociedade civil do Senado da Câmara dos Deputados do Conselho Nacional de Justiça do Conselho Nacional do Ministério Público e do Comitê Gestor da Internet do Brasil Houve vetos importantes como o sobre regra que vedava o compartilhamento de dados pessoais de requerentes de acesso à informação Lei n 12527 de 2011 pelo Poder Público com outros órgãos públicos ou pessoas jurídicas de direito privado Também foram vetadas novas sanções como a de suspensão parcial do funcionamento do banco de dados ou ainda suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais a que se refere a infração pelo período máximo de seis meses 919 DECISÕES DO STF Intimidade e a legitimidade da prorrogação das interceptações telefônicas as decisões que como no presente caso autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento HC 92020 rel Min Joaquim Barbosa j 2192010 Segunda Turma DJe de 8112010 No mesmo sentido HC 100172 rel Min Dias Toffoli j 2122013 Plenário DJe de 2592013 Direito à honra e exame de DNA Coleta de material biológico da placenta com propósito de fazer exame de DNA para averiguação de paternidade do nascituro embora a oposição da extraditanda Bens jurídicos constitucionais como moralidade administrativa persecução penal pública e segurança pública que se acrescem como bens da comunidade na expressão de Canotilho ao direito fundamental à honra CF art 5º X bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda nas dependências da Polícia Federal e direito à imagem da própria instituição em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho Rcl 2040QO rel Min Néri da Silveira j 2122002 Plenário DJ de 2762003 Diferença entre interceptação de comunicações e obtenção de dados Não há violação do art 5º XII da Constituição que conforme se acentuou na sentença não se aplica ao caso pois não houve quebra de sigilo das comunicações de dados interceptação das comunicações mas sim apreensão de base física na qual se encontravam os dados mediante prévia e fundamentada decisão judicial RE 418416 rel Min Sepúlveda Pertence j 1052006 Plenário DJ de 19122006 Quebra de sigilos e fundamentação São consideradas ilícitas as provas produzidas a partir da quebra dos sigilos fiscal bancário e telefônico sem a devida fundamentação Com esse entendimento a Segunda Turma deferiu habeas corpus para reconhecer a ilicitude das provas obtidas nesta condição e por conseguinte determinar o seu desentranhamento dos autos de ação penal HC 96056 rel Min Gilmar Mendes j 28 62011 Segunda Turma Informativo n 633 Prorrogação sucessiva das interceptações telefônicas Possibilidade É lícita a interceptação telefônica determinada em decisão judicial fundamentada quando necessária como único meio de prova à apuração de fato delituoso É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica ainda que de modo sucessivo quando o fato seja complexo e como tal exija investigação diferenciada e contínua O Ministro relator de inquérito policial objeto de supervisão do STF tem competência para determinar durante as férias e recesso forenses realização de diligências e provas que dependam de decisão judicial inclusive interceptação de conversação telefônica O disposto no art 6º 1º da Lei federal 9296 de 24 de julho de 1996 só comporta a interpretação sensata de que salvo para fim ulterior só é exigível na formalização da prova de interceptação telefônica a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 2632010 No mesmo sentido HC 105527 rel Min Ellen Gracie j 2932011 Segunda Turma DJe de 135 2011 HC 92020 rel Min Joaquim Barbosa j 2192010 Segunda Turma DJe de 811 2010 Reserva de Jurisdição e interceptação telefônica Impossibilidade de CPI ordenar a interceptação O princípio constitucional da reserva de jurisdição que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar CF art 5º XI de interceptação telefônica CF art 5º XII e de decretação da prisão ressalvada a situação de flagrância penal CF art 5º LXI não se estende ao tema da quebra de sigilo pois em tal matéria e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República CF art 58 3º assiste competência à CPI para decretar sempre em ato necessariamente motivado a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas MS 23652 rel Min Celso de Mello j 22112000 Plenário DJ de 1622001 No mesmo sentido MS 23639 rel Min Celso de Mello j 16112000 Plenário DJ de 1622001 Licitude da gravação por um dos interlocutores A gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores sem conhecimento do outro quando ausente causa legal de sigilo ou de reserva da conversação não é considerada prova ilícita AI 578858AgR rel Min Ellen Gracie j 482009 Segunda Turma DJe de 2882009 Crime achado Conexão Prova lícita Encontro fortuito de prova da prática de crime punido com detenção O Supremo Tribunal Federal como intérprete maior da Constituição da República considerou compatível com o art 5º XII e LVI o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida ainda que o crime descoberto conexo ao que foi objeto da interceptação seja punido com detenção AI 626214AgR rel Min Joaquim Barbosa j 2192010 Segunda Turma DJe de 8102010 Direito ao silêncio e vedação da autoincriminação Inaplicável à interceptação telefônica a Lei 92961996 nada mais fez do que estabelecer as diretrizes para a resolução de conflitos entre a privacidade e o dever do Estado de aplicar as leis criminais Em que pese ao caráter excepcional da medida o inciso XII possibilita expressamente uma vez preenchidos os requisitos constitucionais a interceptação das comunicações telefônicas E tal permissão existe pelo simples fato de que os direitos e garantias constitucionais não podem servir de manto protetor a práticas ilícitas Nesse diapasão não pode vingar a tese da impetração de que o fato de a autoridade judiciária competente ter determinado a interceptação telefônica dos pacientes envolvidos em investigação criminal fere o direito constitucional ao silêncio a não autoincriminação HC 103236 voto do rel Min Gilmar Mendes j 1462010 Segunda Turma DJe de 39 2010 Ação cível originária Mandado de segurança Quebra de sigilo de dados bancários determinada por CPI de Assembleia Legislativa Recusa de seu cumprimento pelo Banco Central do Brasil LC 1052001 Potencial conflito federativo cf ACO 730QO Federação Inteligência Observância obrigatória pelos Estadosmembros de aspectos fundamentais decorrentes do princípio da separação de poderes previsto na CF de 1988 Função fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo Mecanismo essencial do sistema de checksandcounterchecks adotado pela CF de 1988 Vedação da utilização desse mecanismo de controle pelos órgãos legislativos dos Estadosmembros Impossibilidade Violação do equilíbrio federativo e da separação de poderes Poderes de CPI estadual ainda que seja omissa a LC 1052001 podem essas comissões estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários com base no art 58 3º da Constituição ACO 730 rel Min Joaquim Barbosa j 2292004 Plenário DJ de 11112005 Ingresso do Fiscal Tributário em casa na falta de consentimento do morador somente ordem judicial 2 Em consequência o poder fiscalizador da administração tributária perdeu em favor do reforço da garantia constitucional do domicílio a prerrogativa da autoexecutoriedade condicionado pois o ingresso dos agentes fiscais em dependência domiciliar do contribuinte sempre que necessário vencer a oposição do morador passou a depender de autorização judicial prévia 3 Mas é um dado elementar da incidência da garantia constitucional do domicílio o não consentimento do morador ao questionado ingresso de terceiro malgrado a ausência da autorização judicial só a entrada invito domino a ofende AgRg no RE 331303PR STF j 1022004 publicado no DJ de 1232004 10 Liberdade de informação e sigilo de fonte Art 5º XIV é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional O direito à informação consiste no direito individual ou coletivo de fornecer veicular e receber informações sobre fatos ou condutas em geral Há então a dupla dimensão do direito à informação a dimensão de i fornecer informação e a de ii recebêla Todos têm o direito de se informar livremente a partir de diversas fontes A Constituição Federal garante o direito à informação e simultaneamente assegura o sigilo da fonte ao jornalista quando necessário ao exercício de sua atividade profissional No Estado Democrático de Direito o direito ou liberdade de informação possui duais espécies i a liberdade de informação individual e a ii liberdade de informação de massa ou coletiva pelos meios de comunicação o que consagra a liberdade de imprensa A liberdade de imprensa consiste em um conjunto de atividades de produção de informação a terceiros em um ambiente livre de censura e outras formas de intimidação Consiste em uma instituiçãoideia que permite a i revelação de informações ii realização de críticas e iii formação da opinião pública ADPF 130 rel Min Ayres Britto j 3042009 Plenário DJe de 6112009 O sigilo da fonte consiste no direito do jornalista de impedir que terceiros conheçam a identidade daquele que transmitiu determinada informação Consequentemente não é possível constranger o jornalista de qualquer modo para que quebre o sigilo de suas fontes de informação jornalística O sigilo de fonte é também um dever no caso daquele que só forneceu a informação sob essa ressalva Caso o jornalista divulgue assim mesmo o nome da fonte viola seu sigilo profissional prática do crime previsto no art 154 do CP Em face da importância da liberdade de imprensa o STF elencou áreas que podem ser regulamentadas por leis dos mais diversos âmbitos ADPF 130 rel Min Ayres Britto j 304 2009 Plenário DJe de 6112009 1 direitos de resposta e de indenização proporcionais ao agravo 2 proteção do sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional 3 responsabilidade penal por calúnia injúria e difamação 4 regulamentação das diversões e espetáculos públicos 5 previsão de estabelecimento de meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art 221 bem como da propaganda de produtos práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente inciso II do 3º do art 220 da CF 6 independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria qualificação técnica inciso XIII do art 5º 7 participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social 4º do art 222 da CF 8 composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social art 224 da CF Nesse mesmo acórdão o STF decidiu que são irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação jornalística o que assegura a liberdade de conteúdo da matéria publicada Tema importante na atualidade é o uso das ações de indenização por dano moral como fator de inibição da liberdade de imprensa Para o STF é necessário assegurar a proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém pela ação de jornalistas e a indenização fixada pois a excessividade indenizatória é em si mesma poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade ADPF 130 rel Min Ayres Britto j 3042009 Plenário DJe de 6112009 101 JURISPRUDÊNCIA DO STF Sigilo de Fonte e sua proteção Em suma a proteção constitucional que confere ao jornalista o direito de não proceder à disclosure da fonte de informação ou de não revelar a pessoa de seu informante desautoriza qualquer medida tendente a pressionar ou a constranger o profissional de imprensa a indicar a origem das informações a que teve acesso eis que não custa insistir os jornalistas em tema de sigilo da fonte não se expõem ao poder de indagação do Estado ou de seus agentes e não podem sofrer por isso mesmo em função do exercício dessa legítima prerrogativa constitucional a imposição de qualquer sanção penal civil ou administrativa tal como reconheceu o Supremo Tribunal Federal Inq 870RJ rel Min Celso de Mello DJU de 1541996 Liberdade de imprensa e crítica jornalística O STF tem destacado de modo singular em seu magistério jurisprudencial a necessidade de preservarse a prática da liberdade de informação resguardandose inclusive o exercício do direito de crítica que dela emana por tratarse de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático Mostrase incompatível com o pluralismo de ideias que legitima a divergência de opiniões a visão daqueles que pretendem negar aos meios de comunicação social e aos seus profissionais o direito de buscar e de interpretar as informações bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes Arbitrária desse modo e inconciliável com a proteção constitucional da informação a repressão à crítica jornalística pois o Estado inclusive seus Juízes e Tribunais não dispõe de poder algum sobre a palavra sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da Imprensa AI 705630AgR rel Min Celso de Mello j 2232011 Segunda Turma DJe de 642011 11 Liberdade de locomoção Art 5º XV é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz podendo qualquer pessoa nos termos da lei nele entrar permanecer ou dele sair com seus bens LXI ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei LXII a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada LXIII o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado LXIV o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial LXV a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária LXVI ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança LXVII não haverá prisão civil por dívida salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel 111 CONCEITO E RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO A liberdade de locomoção ou ambulatorial consiste no direito de ir vir e permanecer sem interferência do Estado ou de particulares podendo ainda o indivíduo deixar em tempo de paz o território nacional com seus bens Como qualquer outro direito este também é restringível por disposição expressa do texto constitucional ou ainda por meio de restrição implícita resultante da ponderação com outros direitos No caso a CF88 já dispõe que o indivíduo pode ter o seu direito de deixar o território nacional com seus bens restrito em tempo de guerra Porém na busca de preservação de outros direitos como por exemplo o direito à igualdade tributária pode o Estado instituir tributos para aqueles que queiram levar seus bens para fora do País Por fim a CF88 nada dispõe no art 5º XV sobre o ingresso no território nacional No que tange aos nacionais nenhum obstáculo pode ser imposto pelo Estado ao ingresso no território nacional por decorrência implícita à proibição da pena de banimento art 5º XLVII b Quanto aos estrangeiros pode o Estado regular e proibir seu ingresso com a exceção do solicitante de refúgio a quem o Brasil deve em geral permitir o ingresso art 4º X da CF88 regulamentado pela Lei n 947497 e pela Convenção da ONU sobre os Refugiados de 1951 já ratificada e incorporada internamente 112 HIPÓTESES CONSTITUCIONALMENTE DEFINIDAS PARA PRIVAÇÃO DE LIBERDADE O art 5º LXI da CF88 prevê que ninguém será preso senão em i flagrante delito ou por ii ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei Assim ressalvados os casos de transgressão militar e crime propriamente militar que veremos abaixo a Constituição de 1988 consagrou a liberdade ambulatorial ao dispor que excepcionalmente a prisão só será realizada em flagrante delito ou por ordem de autoridade judiciária competente Assim os órgãos policiais do Estado perderam a competência de decretar a prisão para averiguação Já a prisão em flagrante delito pode ser efetuada por qualquer indivíduo dispondo o art 301 do CPP que qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito O art 302 do CPP estabelece que determinada pessoa pode ser presa em flagrante delito quando I está cometendo a infração penal II acaba de cometêla III é perseguido logo após pela autoridade pelo ofendido ou por qualquer pessoa em situação que faça presumir ser autor da infração IV é encontrado logo depois com instrumentos armas objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração Nas infrações permanentes entendese o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência art 303 Há precariedade do flagrante como fundamento da prisão ao receber o auto de prisão em flagrante em até 24 horas o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva se se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou ainda III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Consequentemente o flagrante delito não poderá servir para manter um indivíduo preso durante uma investigação ou processo penal Na segunda hipótese referente à prisão decretada por ordem de autoridade judiciária competente a Constituição de 1988 permitiu que a lei regulasse de modo proporcional a restrição à liberdade A Lei n 12403 de 2011 expressamente fez referência à indispensabilidade do binômio necessidade e adequação para que seja decretada qualquer medida cautelar restritiva à liberdade Antes da sentença penal definitiva é essencial a demonstração da necessidade adequação e urgência para a prisão cautelar São espécies legais de prisão provisória ou processual antes da sentença definitiva decretada por autoridade judiciária prisão temporária e a prisão preventiva Atualmente então antes da sentença penal definitiva só há três hipóteses de prisão criminal de determinada pessoa i flagrante delito que deve depois se redundar em liberdade ou prisão preventiva ii prisão temporária iii prisão preventiva A prisão temporária é decretada pelo juiz na fase investigatória a requerimento da Polícia ou do Ministério Público sendo cabível nas hipóteses da Lei n 796089 e somente em virtude de sua imprescindibilidade para a investigação policial A Lei n 7960 dispõe que caberá prisão temporária nas seguintes hipóteses I quando imprescindível para as investigações do inquérito policial ou II quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade ou III quando houver fundadas razões de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal de autoria ou participação do indiciado em crimes que elenca que vão desde o homicídio doloso ao genocídio tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro A prisão temporária terá o prazo de 5 cinco dias prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade Já a prisão preventiva consiste na espécie de prisão cautelar a ser decretada pelo juiz em qualquer fase do inquérito ou processo de ofício se no curso da ação penal ou a requerimento do Ministério Público do querelante ou do assistente ou por representação da autoridade policial para que seja garantida a ordem pública a ordem econômica por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal desde que haja prova da existência do crime e indício suficiente de autoria arts 311 e 312 do CPP É possível ainda a decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer das outras medidas cautelares ver abaixo a lista das outras medidas cautelares possíveis A prisão preventiva será admitida nas seguintes hipóteses mencionadas no art 313 do CPP I nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos II no caso de reincidente que houver cometido outro crime doloso com sentença transitada em julgado desde que não transcorrido o período depurador inserido no art 64 I do CP III nos casos de crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher criança adolescente idoso enfermo ou pessoa com deficiência para garantir a execução das medidas protetivas de urgência IV no caso de dúvida quanto à identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecêla devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida Como alternativa à prisão há hoje um extenso rol de medidas coercitivas menos invasivas a saber art 319 do CPP de acordo com a Lei n 12406311 a comparecimento periódico em juízo b proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações c proibição de manter contato com pessoa determinada quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante d proibição de ausentarse da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução e recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos f suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais g internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça quando os peritos concluírem ser inimputável ou semiimputável art 26 do CP e houver risco de reiteração h fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial i monitoração eletrônica A reforma introduzida pela Lei n 124032011 no Código de Processo Penal consagrou a preferencialidade do uso de meios alternativos à prisão preventiva art 282 6º do CPP 421 Em 2016 o STF interpretando o art 319 VI do CPP relativo à suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais decidiu que tal suspensão tutela tanto o i risco de prática da delinquência no poder quanto ii o risco de uso do poder para cometer crimes Por isso o STF entendeu cabível a suspensão do mandato de parlamentar federal e ainda a suspensão do exercício da Presidência da Câmara dos Deputados Caso Eduardo Cunha No pedido de afastamento do então Presidente da Câmara dos Deputados Dep Federal Eduardo Cunha o ProcuradorGeral da República Rodrigo Janot apontou diversos indícios envolvendo coação de testemunhas na Comissão Parlamentar de Inquérito CPI além de interferência da Comissão de Fiscalização de Contratos a fim de coagir empresários e no Conselho de Ética 422 Para o Ministro relator Teori Zavascki não permitir a suspensão do exercício do mandato do parlamentar por falta de previsão expressa da CF88 seria ofender a igualdade entre os agentes políticos porque i os magistrados podem ser suspensos de suas atribuições pelo Tribunal competente para julgálos art 29 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e ii o Presidente da República fica automaticamente suspenso do exercício de suas funções após denúncia ou queixacrime recebida pela Câmara dos Deputados art 86 1º I da CF88 ver trecho do voto do Ministro relator Teori Zavascki STF ACO n 4070DF j 552016 DJe de 21102016 Em 2017 o STF modificou sua posição ao julgar parcialmente procedente a ADI 5526 estabelecendo que o Poder Judiciário pode impor medidas cautelares penais art 319 do Código de Processo Penal a parlamentares Porém caso a execução da medida impossibilitar direta ou indiretamente o exercício regular de mandato o Tribunal deve encaminhar à Casa Legislativa a que pertencer o parlamentar para que esta resolva sobre a sua manutenção ou não aplicação do art 53 2º da CF88 Há caso de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar que consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência só podendo dela ausentarse com autorização judicial Essa substituição do local do aprisionamento poderá ocorrer nos casos de indivíduo I maior de 80 anos II extremamente debilitado por motivo de doença grave III que seja considerado imprescindível para dar cuidados especiais a pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência ou IV seja gestante a partir do 7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco Em 2011 a 1ª Turma do STF reconheceu a possibilidade de prisão por autoridade policial e condução coercitiva do detido também denominada prisão cautelar de curta duração para fins de investigação policial HC 107644SP rel Min Ricardo Lewandowski j 692011 Para o STF o art 144 4º da CF88 assegura às polícias civis dirigidas por delegados de polícia de carreira as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais Consequentemente os agentes policiais tendo em vista a necessidade de elucidação de um delito podem realizar sem ordem judicial ou estado de flagrante delito a prisão e condução coercitiva de pessoas para prestar esclarecimentos ou depoimentos com uso de algemas inclusive Nesse acórdão o STF não utilizou a teoria dos poderes implícitos da Polícia pois existe expressa previsão constitucional que dá poderes à polícia para investigar a prática de eventuais infrações penais bem como para exercer as funções de polícia judiciária Apesar desse importante precedente do STF autorizando a condução coercitiva por policiais sem ordem judicial entendemos que é necessário cautela uma vez que não há autorização legal A título de comparação o Ministério Público pode requisitar condução coercitiva de vítimas e testemunhas de acordo com o previsto na Lei Complementar n 7593 art 8º I e na Lei n 862593 art 26 I a Só é conduzida coercitivamente a pessoa que descumpre a regular notificação de comparecimento Já a Polícia não é mencionada o que gera discussão sobre se é necessária intimação para comparecimento e só após a condução coercitiva ou se pode a Polícia já prender a pessoa em sua casa local de trabalho etc e conduzila para prestar esclarecimentos Além disso essa prisão de curta duração já encontra sucedâneo que é a prisão temporária com ordem judicial Em 2018 o STF decidiu não ter sido recepcionado pela CF88 o art 260 do Código de Processo Penal 423 Com isso foi proibida a condução coercitiva do investigado ou acusado para interrogatório Para a maioria do STF é incabível a condução coercitiva do investigado ou réu para interrogatório uma vez que este tem o direito de não se autoincriminar podendo inclusive ficar em silêncio No que tange ao mandato de condução coercitiva nas hipóteses de testemunhas e peritos o voto do Min Celso de Mello apontou três requisitos i prévia e regular intimação pessoal do convocado para comparecer perante a autoridade competente ii não comparecimento ao ato processual designado e iii inexistência de causa legítima que justifique a ausência ao ato processual que motivou a convocação Ficaram vencidos o Min Alexandre de Moraes para quem a condução coercitiva é legítima apenas quando o investigado ou acusado não tiver atendido injustificadamente prévia intimação O ministro Edson Fachin também divergiu em maior extensão sustentando que a condução coercitiva para fins de interrogatório depende da i prévia intimação do investigado e sua ausência injustificada sendo também cabível ii sempre que a condução ocorrer em substituição à medida cautelar mais grave a exemplo da prisão preventiva e da prisão temporária O voto vencido do Min Fachin foi acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso e Luiz Fux STF ADPF 395 e ADPF n 444 rel Min Gilmar Mendes j 14062018 113 LIBERDADE PROVISÓRIA COM OU SEM FIANÇA A Constituição de 1988 prevê que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária e ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança art 5º LXV e LXVI Assim há previsão constitucional expressa que possibilita i análise judicial da prisão de qualquer indivíduo e ii a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança Consequentemente caso não seja necessária adequada e urgente a segregação cautelar de um indivíduo ou outra medida menos invasiva o juiz deve conceder a liberdade provisória com ou sem fiança se a pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos 10 a 200 salários mínimos No caso de crimes com pena prevista igual ou inferior a quatro anos a fiança pode ser arbitrada já pelo delegado de polícia no valor de 1 a 100 salários mínimos Há determinados crimes aos quais a Constituição proíbe a fiança que são os i crimes de racismo ii crimes de tortura tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins terrorismo e os definidos como crimes hediondos e iii crimes cometidos por grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático Contudo mesmo diante de delitos inafiançáveis caso não haja necessidade da prisão provisória deve o juiz conceder liberdade provisória sem fiança Em 2012 o STF reconheceu a inconstitucionalidade da proibição da concessão de liberdade provisória aos acusados de tráfico de entorpecentes prevista na Lei Antidrogas art 44 da Lei n 113432006 Para o STF cabe ao magistrado analisar o caso concreto e conceder a restituição da liberdade no crime de tráfico de entorpecentes caso faltem os requisitos da imposição da prisão preventiva impondo ainda as medidas cautelares previstas na Lei n 12403 exceto a fiança que continua proibida pelo texto constitucional Ou seja para o STF o art 5º XLIII da CF88 não proibiu a liberdade provisória e sim somente a fiança HC 104339 rel Min Gilmar Mendes j 952012 A prisão processual ou provisória é assim medida excepcional que deve ser fundamentada e servir como última opção ao julgador 114 PRISÕES NOS CASOS DE TRANSGRESSÕES MILITARES OU CRIMES PROPRIAMENTE MILITARES DEFINIDOS EM LEI E AS PRISÕES NO ESTADO DE EMERGÊNCIA Além da prisão em flagrante a Constituição de 1988 prevê quatro hipóteses de prisão que independem de ordem judicial a saber a Prisão por transgressão militar A Lei n 688080 Estatuto dos Militares determina em seu art 42 que a violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime contravenção ou transgressão disciplinar conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas Assim a transgressão disciplinar consiste na violação dos regulamentos administrativos do corpo militar que de acordo com o art 142 da CF88 também repetido no art 1º da LC n 9799 normas gerais para a organização o preparo e o emprego das Forças Armadas deve ser organizado com base na hierarquia e na disciplina Para assegurar plenamente esses preceitos hierarquia e disciplina é permitida pelo texto constitucional a decretação de prisão pelo superior competente por falta administrativa de determinado militar Porém exigese que haja a prévia menção da conduta como falta disciplinar inserida no regulamento administrativo do corpo militar b Prisão por crime militar próprio definido em lei O Brasil adotou o critério legal para definição do crime militar ratione legis é crime militar o que a lei no caso o Código Penal Militar CPM DecretoLei n 100169 assim define Com a Lei n 134912017 foi alterado o Código Penal Militar para se considerar crime militar qualquer crime previsto na legislação penal comum e especial quando praticado por militar estadual ou federal ainda que sem previsão no Código Penal Militar O crime militar próprio é aquele que só pode ser praticado por militar como por exemplo os crimes de abandono de posto art 195 do CPM omissão de eficiência da força art 198 do CPM omissão de eficiência para salvar comandados art 199 do CPM dormir em serviço art 203 do CPM de deserção art 187 do CPM entre outros c Prisão em Estado de Defesa A Constituição permite que na vigência do estado de defesa a prisão por crime contra o Estado poderá ser determinada administrativamente pelo executor da medida que a comunicará imediatamente ao juiz competente que a relaxará se não for legal facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial art 136 3º I d Prisão em Estado de Sítio A Constituição permite que no estado de sítio decretado por comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa seja feita a prisão por ordem administrativa do executor do estado de sítio com detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns art 139 II No estado de sítio decretado por declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira também é possível a decretação da prisão por ordem administrativa do executor 115 ENUNCIAÇÃO DOS DIREITOS DO PRESO A importância de se garantir os direitos de um indivíduo no momento da prisão é universal pois evita abusos a um indivíduo que está fragilizado e evidentemente em situação de vulnerabilidade Para implementar esses direitos nos Estados Unidos a Suprema Corte estadunidense durante o período de atuação do Chief Justice Warren decidiu no caso Miranda vs Arizona 424 em 1966 que todo custodiado deve ser advertido no momento da prisão pela própria polícia que tem direito de ficar em silêncio ou caso prefira falar de consultar previamente seu advogado 425 Qualquer outro comportamento da polícia ensejaria a nulidade da confissão obtida No caso Miranda o voto do Chief Justice Warren expôs as vísceras do sistema de investigação policial norteamericano por meio da transcrição de partes de manuais de interrogatório que ensinavam como obter a confissão do suspeito por meio de técnicas diversas O ponto em comum de todas essas técnicas usadas nos EUA era criar uma atmosfera de dominação isolar e fragilizar o suspeito impedindo contatos com advogados e parentes Assim valia tudo para obter a confissão uso da representação com toques teatrais do policial bom policial mau Mutt and Jeff no jargão falsas testemunhas e reconhecimentos forjados para desestabilizar o suspeito duração excessiva do interrogatório sugestão de exculpantes como legítima defesa mas que não teriam credibilidade alguma uma vez que o suspeito teria inicialmente negado a autoria argumentos para convencer o suspeito a não chamar um advogado se você é inocente por que precisa de um advogado entre outras técnicas Tudo isso sem contar a violência pura que obviamente não constava dos manuais mas que foi lembrada no voto do Juiz Warren no célebre Caso Miranda da Suprema Corte dos Estados Unidos que reforçou o dever de enunciação dos direitos do preso 426 O resgate desse voto histórico é importante para demonstrar a importância universal dos direitos do indivíduo no momento em que é preso A Constituição de 1988 enumera alguns direitos do indivíduo que devem ser enunciados pelo executor da medida a Direito à comunicação do local de sua prisão O preso tem o direito de que seja comunicado à família ou a pessoa por ele indicada e ao juiz competente do local onde se encontre Essa comunicação permite o relaxamento da prisão ilegal ou ainda a concessão da liberdade provisória b Direito ao silêncio O preso será informado do seu direito de permanecer calado Esse direito é também denominado autodefesa passiva com o investigado ou réu preferindo adotar uma linha de defesa não ativa uma vez que cabe à Acusação provar o alegado Ora por conseguinte não pode o acusado ser apenado por um exercício regular do direito de defesa e então não se pode extrair nenhuma consequência negativa do exercício do direito ao silêncio como por exemplo estipulava a antiga redação do art 186 427 do CPP brasileiro já alterada 428 c Direito à assistência da família e de advogado O preso tem assegurada a assistência da família e de advogado Caso não possua recursos para pagar o advogado sem prejuízo da subsistência pessoal ou familiar tem direito à assistência jurídica integral por intermédio da Defensoria Pública d Direito à identificação dos captores e dos interrogadores O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial A jurisprudência ainda extraiu o privilégio contra a autoincriminação do preso e dos demais investigados e acusados decorrente do direito expresso ao silêncio do preso como veremos abaixo 116 DIREITO A NÃO CONTRIBUIR PARA SUA PRÓPRIA INCRIMINAÇÃO Diversos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil asseguram o direito de todo indivíduo de não ser obrigado a se autoincriminar o que é conhecido pelo brocardo latino nemo tenetur se detegere O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966 e já ratificado e incorporado internamente assegura a cada indivíduo acusado de um crime entre as garantias processuais mínimas para o exercício do direito de defesa aquela de não ser constrangido a depor contra si mesmo ou a confessarse culpado art 14 II e III g A Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica em vigor para o Brasil desde 1992 assegura a toda pessoa acusada de delito entre outras garantias mínimas o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma nem a declararse culpada art 8º II g No caso brasileiro a disposição constitucional sobre o direito ao silêncio do preso art 5º LXIII ver comentário acima gerou para o STF o direito de toda pessoa perante qualquer Poder em qualquer processo administrativo ou judicial não importando a qualidade de sua posição no procedimento mesmo se na condição de testemunha de não ser obrigado a se autoincriminar ou a contribuir de qualquer forma para sua própria incriminação privilégio contra a autoincriminação nemo tenetur se detegere O direito a não ser obrigado a se autoincriminar compõe o direito à defesa A não incriminação é uma modalidade de autodefesa passiva que é exercida por meio da inatividade do indivíduo sobre quem recai ou pode recair uma imputação O indivíduo pode defenderse da maneira que entender mais conveniente sem que ninguém possa coagilo ou induzir seu comportamento podendo inclusive optar pelo non facere Afinal o ônus da prova recai sobre a Acusação O direito de não ser obrigado a se autoincriminar implica a proibição de qualquer ato estatal que impeça condicione ou perturbe a vontade do indivíduo de não contribuir para o processo sancionatório contra ele dirigido no momento ou no futuro o que protege a testemunha de responder a pergunta que pode futuramente levar a um processo contra si As principais consequências na jurisprudência brasileira do privilégio contra a autoincriminação são a Silêncio em face de pergunta cuja resposta é autoincriminadora O STF já se pronunciou diversas vezes que toda pessoa pode invocar o direito de não produzir prova contra si mesmo sem acusação formal ou no momento de depoimento na condição de testemunha Toda pessoa que na condição de testemunha de indiciado ou de réu deva prestar depoimento perante órgãos públicos inclusive perante um juiz e Comissão Parlamentar de Inquérito pode invocar o direito ao silêncio sem qualquer prejuízo ou sanção por exemplo prisão em flagrante pelo crime de falso testemunho modalidade calar a verdade b Nulidade gerada pela ausência da notificação do direito ao silêncio O STF determinou que há nulidade no caso de omissão de informação do direito do preso de quedar se em silêncio pois ao invés de constituir desprezível irregularidade a omissão do dever de informação ao preso dos seus direitos no momento adequado gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas assim como das provas delas derivadas STF HC 78708 rel Min Sepúlveda Pertence j 93 1999 1ª T DJ de 1641999 c Direito de não produzir elementos que servirão de prova contra si mesmo O investigado não pode ser obrigado sob pena de desobediência a fornecer qualquer elemento de prova contra si mesmo Por exemplo não cabe exigir autógrafos para servir de padrão à perícia Há outros métodos menos gravosos e que atingem o mesmo resultado como por exemplo fazer requisição a órgãos públicos que detenham documentos da pessoa a qual é atribuída a letra d Direito à mentira e as falsidades do investigado O direito de não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo foi expandido no Brasil e fundamenta em conjunto com o direito à ampla defesa modalidade autodefesa a atipicidade da conduta de apresentar versões falsas O tipo penal de falso testemunho não comporta a punição do investigado ou acusado O art 342 do CP com a redação dada pela Lei n 102682001 estabelece ser o falso testemunho o ato da testemunha perito contador tradutor ou intérprete em processo judicial ou administrativo inquérito policial ou em juízo arbitral de fazer afirmação falsa ou negar ou calar a verdade o que exclui o investigado ou réu e Direito à mentira e impossibilidade de usar as falsidades na dosimetria da pena Como resultado do direito do réu de se defender com versões falsas não pode o juiz na visão majoritária usar tal conduta na dosimetria da pena punindo com maior severidade o réu Para o STF a fixação da pena acima do mínimo legal exige fundamentação adequada baseada em circunstâncias que em tese se enquadrem entre aquelas a ponderar na forma prevista no art 59 do CP não se incluindo entre elas o fato de haver o acusado negado falsamente o crime em virtude do princípio constitucional nemo tenetur se detegere HC 68742 rel p o ac Min Ilmar Galvão j 2861991 Plenário DJ de 241993 com vários julgados posteriores f Vedação da atribuição falsa de identidade Todavia o investigado não pode mentir e atribuir para si falsa identidade Deve optar pelo silêncio caso não queira revelar sua identidade verdadeira pois poderá ser processado pelo crime previsto no art 307 do CP Atribuirse ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem em proveito próprio ou alheio ou para causar dano a outrem Para o STF o princípio constitucional da autodefesa art 5º LXIII da CF1988 não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes sendo portanto típica a conduta praticada pelo agente art 307 do CP RE 640139RG rel Min Dias Toffoli j 229 2011 Plenário DJe de 14102011 com repercussão geral No mesmo sentido há a Súmula 522 do STJ A conduta de atribuirse falsa identidade perante autoridade policial é típica ainda que em situação de alegada autodefesa decisão de 2532015 DJe de 642015 g Privilégio contra a autoincriminação e a interceptação telefônica O privilégio contra a autoincriminação proíbe apenas que o Estado exija do investigado que contribua com sua própria incriminação Contudo não impede que o Estado realize investigações que colham inclusive a confissão do investigado em interceptações telefônicas ou escutas ambientais O que é vedado por ofensivo à dignidade humana é coagir e forçar o investigado a revelar a prática de crime Nesse sentido o STF decidiu que não pode vingar a tese da impetração de que o fato de a autoridade judiciária competente ter determinado a interceptação telefônica dos pacientes envolvidos em investigação criminal fere o direito constitucional ao silêncio a não autoincriminação HC 103236 voto do rel Min Gilmar Mendes j 1462010 Segunda Turma DJe de 392010 h Privilégio contra a autoincriminação e o dever de apresentação de documentos O dever de fornecer documentos é tratado de modo diferente Nesse último caso esses documentos entregues em si não têm o condão de incriminar ou absolver quem quer que seja A batalha da defesa estará na interpretação do alcance e sentido de cada informação contida nos documentos Assim é legítima a requisição de documentos ou mesmo o recurso à busca e apreensão judicial de documentos i Privilégio contra a autoincriminação e a intervenção corpórea mínima O privilégio contra a autoincriminação e a integridade física são direitos utilizados para impedir que o Estado exija do investigado que ceda material integrante do próprio corpo para a investigação de ilícitos Assim no Brasil é vedado que se exija de um indivíduo que doe material para o exame de DNA que faça o teste do etilômetro bafômetro ou permita exame de sangue para aferição de estado de embriaguez A conduta do investigado em fazer tais atos tem que ser voluntária não podendo ser exigida Nada impede contudo que a investigação obtenha material sem que a integridade física seja violada No STF foi considerado legítimo o exame de DNA feito na placenta após sua expulsão pelo corpo mesmo contra a vontade da mãe Rcl 2040QO rel Min Néri da Silveira j 2122002 Plenário DJ de 2762003 Contudo outros órgãos internacionais de direitos humanos como a Corte Europeia de Direitos Humanos aceitam a intervenção corpórea mínima no próprio investigado p ex exame compulsório de DNA de modo a preservar o direito à verdade e à justiça das vítimas fazendo ponderação entre os direitos do investigado e os direitos das vítimas j Fuga do local do acidente de trânsito e crime do art 305 do Código Brasileiro de Trânsito Constitucionalidade Ao punir a conduta do condutor envolvido em acidente de trânsito que não permanece no local do acidente o crime do art 305 do CTB não ofende o princípio da não incriminação De fato o envolvido não precisa dar declarações ou assumir culpa O núcleo duro do nemo tenetur se detegere consiste em não obrigar o indivíduo a agir ativamente na produção de prova contra si próprio o que a previsão do art 305 não ofende Tutelase somente administração da justiça que tem interesse em preservar o local do acidente impondo que os condutores lá permaneçam Em síntese para o STF a exigência de permanência no local do acidente e de identificação perante a autoridade de trânsito não obriga o condutor a assumir eventual responsabilidade cível ou penal pelo sinistro nem tampouco enseja que contra ele se aplique qualquer penalidade caso não o faça RE 971959 rel Min Luiz Fux j 14112018 P Informativo 923 Tema 907 117 PRISÃO EXTRAPENAL Há casos de prisão de natureza não criminal que não tem o caráter de pena criminal a saber a Prisão especial ou preventiva para fins de deportação expulsão e prisão cautelar para fins de extradição Essas modalidades de prisão eram ordenadas antes da Constituição de 1988 por autoridade administrativa sendo conhecida como prisão administrativa conforme dispõe a Lei n 681580 Estatuto do Estrangeiro arts 61 69 e 81 Com a Constituição de 1988 e com a manutenção da Lei n 681580 revogada somente em 2017 com a edição da Lei n 1344517 Lei de Migração a jurisprudência sedimentouse no sentido de permitir que o juiz federal ordenasse a prisão especial para fins de deportação e expulsão prazo máximo de 90 dias segundo a construção jurisprudencial de Tribunais Regionais Federais e o STF viesse a ordenar a prisão cautelar para fins de extradição em 2013 a Lei n 12878 estabeleceu expressamente a possibilidade de prisão cautelar para fins de extradição nova redação do art 82 da Lei n 671580Em 2017 a Lei n 134552017 revogou a Lei n 681580 mantendo de modo expresso somente a previsão da prisão cautelar do extraditando pelo STF art 84 da Lei n 134452017 Para o STF é obrigatória a prisão do extraditando que é verdadeira condição de procedibilidade para a continuidade de análise do processo de extradição Ext 1196 rel Min Dias Toffoli Tribunal Pleno j 1662011 Há precedentes contudo que admitem sua conversão excepcionalmente em prisão domiciliar até mesmo com monitoramento eletrônico PPE 760 AgR rel Min Edson Fachin Primeira Turma j 10 112015 Em 2016 foi proposta a ADPF 425 que questionava a obrigatoriedade de tal prisão especial para fins de extradição tendo em vista especialmente que i a liberdade deve ser a regra e ii a ordem de prisão preventiva deve sempre observar critérios de pertinência e necessidade o que não ocorre com sua adoção como condição de procedibilidade no processo extradicional Essa ação foi extinta sem julgamento de mérito tendo em vista que o art 84 da Lei n 681580 e o art 208 do Regimento Interno do STF dispositivos que anteriormente prescreviam a obrigatoriedade de prisão para fins de extradição foram revogadas pela Lei n 134452017 que prevê em seu art 86 a imposição de prisão domiciliar ou concessão de liberdade inclusive com possibilidade de adoção de medidas cautelares diversas da prisão ADPF 425 rel Min Edson Fachin j 10102018 Quanto à prisão do deportando e do expulsando a Lei n 134452017 singelamente determina que o chefe da unidade da Polícia Federal poderá representar perante o juízo federal respeitados nos procedimentos judiciais os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal De fato a omissão da Lei n 134452017 sobre a permanência da antiga prisão especial para fins de deportação ou expulsão gerou dúvida quanto à ofensa ao princípio da reserva legal por parte do art 211 do Decreto n 91992018 que expressamente previu a existência de representação do delegado da Polícia Federal como autoridade administrativa migratória para fins de decretação de prisão ou outra medida cautelar para concretizar as medidas administrativas de retirada compulsória de estrangeiros Em 2018 a Sexta Turma do STJ decidiu pela inexistência de previsão legal para a adoção da prisão especial tendo o Decreto n 9199 inovado de modo ilegal a ordem jurídica STJ RHC 91785 j 1682018 DJe 2882018 A Lei de Migração além de não prever a prisão para fins de deportação ou expulsão expressamente dispõe que ninguém será privado de sua liberdade por razões migratórias exceto nos casos previstos na própria lei art 123 429 b Prisão civil do alimentante inadimplente injustificado No caso da prisão do depositário infiel art 5º LXVII da CF88 o STF não mais a admite em face da adoção de tratados internacionais de direitos humanos que impedem sua adoção Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Convenção Americana de Direitos Humanos A Súmula Vinculante 25 do STF dispõe que É ilícita a prisão civil de depositário infiel qualquer que seja a modalidade do depósito c Prisão administrativa disciplinar já estudada acima e ordenada por autoridade militar nos casos de transgressões militares fundada nos arts 5º LXI e 142 2º da CF88 118 AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO OU CUSTÓDIA A audiência de apresentação ou custódia consiste em direito do indivíduo preso pela autoridade policial de i ser conduzido à presença de um juiz ou autoridade com os predicamentos da magistratura independência imparcialidade e ii ter a legalidade da detenção e demais consequências examinadas como a manutenção da prisão concessão da liberdade adoção de medida alternativa à prisão verificação de agressão ou tortura entre outras Tratase de um direito relacionado à proteção da liberdade e da integridade pessoal uma vez que evita tanto o abuso nas decretações das prisões quanto a violência camuflada Tem como elemento central a apresentação imediata do detido pela autoridade administrativa realizadora da prisão policial a uma autoridade com independência e garantias juiz Não tem como finalidade a antecipação do interrogatório do suposto autor do delito e não cabe nas prisões feitas por ordem judicial Também não basta então o mero envio formal da documentação da prisão ao juiz como era feito à luz do art 306 1º do CPP 430 a audiência de apresentação ou custódia exige a presença diante do juiz do preso em flagrante pela autoridade policial para que os dois objetivos sejam cumpridos verificação da legalidade da prisão e tomada de decisão sobre o seu prosseguimento e promoção da integridade pessoal evitando agressões policiais na detenção que são estimuladas pela impunidade A audiência de custódia ou apresentação consta expressamente da Convenção Americana de Direitos Humanos CADH cujo artigo 75 prevê que toda pessoa presa detida ou retida deve ser conduzida sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade sem prejuízo de que prossiga o processo No mesmo sentido o artigo 93 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe que qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida sem demora à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade Esses dois tratados foram omissos quanto ao sentido da expressão sem demora mas a legislação dos países americanos com realidades próximas a do Brasil utilizaram prazos de até 48 horas a saber Argentina prazo de seis horas após a prisão em caso de prisão sem ordem judicial Chile em casos de prisão em flagrante o suspeito seja apresentado dentro de 12 horas a um promotor e caso não seja solto a um juiz no prazo de 24 horas da prisão Peru 24 horas o Peru foi condenado pela Corte IDH por não ter cumprido esse prazo constitucional no Caso Castillo Páez Colômbia 36 horas e México 48 horas 431 Assim em que pese a indeterminação do conceito sem demora fica evidente que o lapso temporal da apresentação do preso ao magistrado deve ser diminuto para que seja cumprido o comando dos tratados de direitos humanos acima expostos Quanto à definição do que vem a ser juiz ou autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais a jurisprudência da Corte IDH exige que seja autoridade com os predicamentos tradicionais da magistratura como a independência funcional imparcialidade e competência previamente estabelecida juiz natural 432 No Brasil a apresentação do preso em flagrante ao delegado de polícia não preenchia tais requisitos Quanto à finalidade da audiência de apresentação tratase como visto acima da proteção da liberdade e da integridade pessoal do preso não sendo um ato instrutório processual No Brasil o projeto de lei sobre a temática no Congresso Nacional PLS n 5542011 433 não foi ainda aprovado tendo sido feita a regulamentação administrativa por intermédio de provimentos de Tribunais de Justiça com apoio do Conselho Nacional de Justiça A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil ADEPOL ingressou com ação direta de inconstitucionalidade atacando a implementação das audiências de custódia por provimento administrativo 434 o que ofenderia a separação de poderes e a competência legislativa da União O STF julgou a ação improcedente considerando que i há a previsão da audiência no artigo 75 da Convenção Americana de Direitos Humanos diploma de hierarquia supralegal e ii que a apresentação do preso ao juiz no Brasil é novidade como se vê no regramento da ação de habeas corpus Assim não houve inovação legislativa proibida ao ato administrativo mas sim a operacionalização daquilo que já estava na Convenção Americana de Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos STF ADI 5240SP rel Min Luiz Fux j 2082015 No Brasil a audiência de apresentação ou custódia 435 consiste no direito da i pessoa detida em flagrante de ser ii conduzida sem demora à presença de magistrado que deve decidir sobre a legalidade da prisão em flagrante bem como sobre seu relaxamento art 310 I do CPP 436 ou ainda decidir sobre decretação de prisão processual art 310 II do CPP 437 concessão de liberdade provisória com ou sem fiança art 310 III do CPP 438 ou ainda aplicação de medida cautelar diversa da prisão art 319 do CPP 439 Em linhas gerais a audiência de apresentação ou custódia tem sido regulada no Brasil nos diversos provimentos e resoluções dos Tribunais de Justiça da seguinte forma 1 A autoridade policial providenciará a apresentação da pessoa detida até 24 horas uso analógico do art 306 1º após a sua prisão ao juiz competente para participar da audiência de custódia O auto de prisão em flagrante será encaminhado juntamente com a pessoa detida Em 9 de setembro de 2015 o STF na ADPF 347 deferiu medida cautelar exigindo a realização da audiência de apresentação no prazo de 24 horas contado da realização da prisão 2 Previsão de contato prévio e por tempo razoável do preso com advogado ou com defensor público 3 Restrição das perguntas às circunstâncias objetivas da prisão e pessoais do preso Não devem ser feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução própria de eventual processo de conhecimento 4 O Ministério Público e a Defensoria ou advogado constituído devem participar da audiência 5 O Ministério Público deve se manifestar pelo i relaxamento da prisão em flagrante ii conversão em prisão preventiva iii concessão de liberdade provisória com imposição se for o caso das medidas cautelares previstas no art 319 do CPP 6 Após o Ministério Público devem se manifestar o autuado e a defesa 7 O juiz deve decidir na audiência sobre i relaxamento da prisão ilegal ii concessão de liberdade provisória com ou sem fiança iii adoção de medidas cautelares diversas substitutivas da prisão e iv conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva 8 O juiz deve tomar medidas para que sejam apurados abusos ocorridos durante a prisão em flagrante ou lavratura do ato especialmente o exame clínico e de corpo de delito do autuado Cabe ainda a realização da audiência de apresentação no caso de crianças e adolescentes apreendidos conforme já decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Hermanos Landaeta Mejías y otros vs Venezuela sentença de 27 de agosto de 2014 em especial parágrafo 178 A Corte IDH fez referência neste caso no parágrafo 177 ao Comentário Geral n 10 do Comitê dos Direitos das Crianças que interpretando a Convenção dos Direitos da Criança estabeleceu o prazo de 24 horas para a apresentação do menor à autoridade competente que deve decidir sobre a soltura ou manutenção da prisão Em relação a qual seria a autoridade competente para a apresentação do adolescente entendo que apesar dos diferentes encargos do Ministério Público perante o Estatuto da Criança e do Adolescente inclusive na concessão de remissão o comando da Convenção Americana de Direitos Humanos exige que a apresentação seja feita a juiz ou à autoridade judicial No Brasil a louvável separação entre as carreiras da Magistratura e do Ministério Público exige que o adolescente apreendido seja apresentado à autoridade judicial 119 SISTEMA PRISIONAL USO DE ALGEMAS E O ESTADO DAS COISAS INCONSTITUCIONAL A caótica situação do sistema prisional brasileiro é notória e já gerou vários casos contra o Brasil no sistema interamericano de direitos humanos como se vê nas diversas medidas provisórias adotadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos exigindo que o Estado cumpra os direitos básicos do preso como direito à vida integridade pessoal segurança saúde entre outros ver a lista das medidas provisórias contra o Brasil no item 1337 do Capítulo V da Parte II Não se trata então de violação de direitos de um determinado preso ou no máximo da negligência de um Estado da Federação no trato do seu sistema prisional mas sim de um quadro i generalizado e ii longevo de violações de direitos que se mostra imune a mudanças graças à iii constante ineficiência por ações ou omissões dos agentes políticos eleitos de diferentes partidos Esse tipo de falha estrutural e sistêmica dos Poderes eleitos do Estado Democrático fez nascer na Colômbia uma reação do Poder Judiciário pela declaração do Estado de Coisas Inconstitucional ECI Esse instituto foi inicialmente adotado pela Corte Constitucional da Colômbia CCC em caso de desrespeito generalizado e estrutural a direitos previdenciários Sentencia de Unificación 559 de 6111997 Em seguida em 1998 a mesma Corte colombiana reconheceu o ECI em virtude da situação do sistema prisional colombiano cuja superlotação e violação sistemática de direitos dos presos era fruto da omissão de diversas autoridades no Estado Sentencia de Tutela 153 de 2841998 Reconhecido o ECI o Poder Judiciário fica autorizado a adotar medidas de coordenação dos agentes públicos envolvidos mesmo se de entes federados diversos designando e alocando recursos materiais e humanos e formulando políticas públicas de enfrentamento da situação A coordenação do Poder Judiciário é feita ao longo do tempo em uma jurisdição de supervisão que pode inclusive alterar as medidas já ordenadas dando flexibilidade à coisa julgada Esse tipo de conduta do Poder Judiciário não visa satisfazer o direito de vítimas individualizadas mas sim gerenciar o cumprimento dos deveres de proteção do Estado em relação a todos os afetados até que a situação seja revertida Em face da gravidade das consequências do ECI que afetam no caso brasileiro obviamente a separação de poderes e o federalismo cláusulas pétreas da CF88 seus requisitos são os seguintes Quadro extraordinário Exigese a constatação da existência de quadro de violação generalizada e sistemática de direitos humanos que seja extraordinária e longeva não bastando ser meramente a proteção ineficiente ou necessitando melhorias Falha estrutural do Estado Também é exigida a constatação de bloqueios políticos e jurídicos que impedem a adoção das diversas medidas legislativas administrativas e até judiciais por exemplo recusa dos juízes de instâncias inferiores de adotar medidas alternativas ao encarceramento no caso da crise do sistema prisional que permite a perenização não há perspectiva de melhoria contínua sequer a longo prazo da situação Necessidade de coordenação por parte da cúpula do Poder Judiciário Tratase aqui da necessidade da atuação dirigente excepcional do Poder Judiciário para superar o impasse da situação Para tanto constatase a formação de um litígio estrutural que é aquele que afeta número expressivo de pessoas e exige remédios de diversos tipos sob a coordenação do Poder Judiciário O Poder Judiciário deve agir porque há falta de coordenação entre os atores envolvidos muitas vezes por motivos políticos partidos diferentes controlando entes federados indispensáveis para a reversão do quadro eleitorais a questão é explorada eleitoralmente de modo negativo gerando a invisibilidade das violações e sua consequente manutenção orçamentários as prioridades dos agentes eleitos são outras e mesmo jurídicos autonomia dos entes federados por exemplo Em 2015 houve a propositura da ADPF 347 pelo Partido Socialismo e Liberdade PSOL que requereu o reconhecimento pelo STF do Estado de Coisas Inconstitucional na situação do sistema penitenciário brasileiro Com o reconhecimento do ECI deveria o STF interferir na formulação e implementação de políticas públicas determinar alocações orçamentárias e ordenar interpretação vinculante do processo penal visando a melhoria das condições desumanas dos presídios brasileiros bem como buscando a redução da superlotação dos presídios A maior parte dos nove pedidos cautelares do requerente na ADPF 347 dizia respeito ao poderdever dos juízes criminais e de execução criminal de contribuir para a redução da superlotação inclusive abrandando os requisitos legais de concessão de benefícios prisionais e ainda abatendo o tempo de prisão caso o preso tenha cumprido a pena em condições desumanas Contudo no julgamento da medida cautelar o STF não deferiu a maior parte desses pedidos tendo por maioria decidido somente 1 pela aplicabilidade imediata do artigo 75 da Convenção Americana de Direitos Humanos e do artigo 93 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos devendo os juízes e tribunais realizar audiências de custódia no prazo máximo de 90 dias permitindo o comparecimento do preso em até 24 horas da prisão 2 deferir a cautelar para determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado abstendo se de realizar novos contingenciamentos 3 conceder cautelar de ofício para que se determine à União e aos Estados e especificamente ao Estado de São Paulo que encaminhem ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a situação prisional ADPF 347 rel Min Marco Aurélio j 992015 Em 2016 houve a edição do Decreto n 8858 que regulamentou o disposto no art 199 O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal da Lei n 721084 Lei de Execução Penal determinando o uso como diretrizes da Resolução n 201016 de 22 de julho de 2010 das Nações Unidas sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras Regras de Bangkok e do Pacto de San José da Costa Rica que determina o tratamento humanitário dos presos e em especial das mulheres em condição de vulnerabilidade Nesse sentido permitiu o emprego de algemas apenas em casos de i resistência e ii de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia causado pelo preso ou por terceiros iii justificada a sua excepcionalidade por escrito Por sua vez proibiu emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional a durante o trabalho de parto b no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e c após o parto durante o período em que se encontrar hospitalizada Também cabe mencionar a aprovação em 1382008 da Súmula Vinculante 11 pela qual ficou estabelecido que só é lícito o uso de algemas em casos i de resistência e ii de fundado receio de fuga ou iii de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros Tal uso deve ser justificado por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado É devido pagamento de indenização por danos materiais e morais ao preso submetido às condições degradantes e desumanas do sistema prisional brasileiro tendo já o Supremo Tribunal Federal aprovado a seguinte tese em repercussão geral Considerando que é dever do Estado imposto pelo sistema normativo manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico é de sua responsabilidade nos termos do artigo 37 parágrafo 6º da Constituição a obrigação de ressarcir os danos inclusive morais comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento Recurso Extraordinário n 580252 relator para o acórdão Min Gilmar Mendes j 16 de fevereiro de 2017 Em 2018 houve avanço no tratamento judicial da superpopulação carcerária no Brasil em caso envolvendo a detenção de adolescentes em conflito com a lei em unidades de cumprimento de medidas socioeducativas de internação Em habeas corpus coletivo o Min Fachin reconheceu que a manutenção do socioeducando internado em ambiente superlotado ofende o art 227 da CF88 440 e o art 3º da Convenção da ONU sobre os direitos da criança 441 Assim as medidas socioeducativas privativas de liberdade devem ser cumpridas em estabelecimentos que ofereçam dignas condições em respeito à sua peculiar situação de pessoa em desenvolvimento o que levou o Min Fachin a determinar um limite ao número de socioeducandos em determinada unidade Unidade de Internação Regional Norte UNINORTE de LinharesES à capacidade máxima próxima de 119 O percentual de 119 foi extraído da taxa média de ocupação dos internos de 16 estados aferido pelo CNMP em 2013 Atingido esse percentual deve ser realizada transferência para outras unidades e na impossibilidade ser incluído em programa de meio aberto à luz dos parâmetros do art 49 II da Lei n 125942012 442 Caso também seja impossível a adoção das medidas já referidas que haja a conversão das medidas de internação em internações domiciliares STF Ag Reg no HC 143988ES rel Min Edson Fachin decisão monocrática de 1682018 Assim a situação dramática dos presídios brasileiros vulnera a Constituição a Lei de Execução Penal tratados de direitos humanos como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes a Convenção Americana de Direitos Humanos e também diplomas de soft law como as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos Regras de Nelson Mandela Por isso cabe a adoção das mais diversas ordens judiciais ao Poder Executivo no que tange ao tratamento prisional para assegurar o mínimo existencial superando i eventual alegação de ofensa à separação de poderes e ii alegação de inexistência de recursos financeiros reserva do possível Nesse sentido o Min Celso de Mello conheceu habeas corpus coletivo e decidiu a favor do direito ao banho de sol diário por duas horas de todos os presos mesmo os que estivessem detidos no Pavilhão Disciplinar e no Pavilhão Seguro termo utilizado para locais nos quais os presos ameaçados são detidos fundado no direito à integridade física e psíquica e ainda no direito à saúde além de ser extraído do respeito à dignidade humana Nas palavras do Ministro Celso de Mello a cláusula da reserva do possível por isso mesmo é inoponível à concretização do mínimo existencial STF HC Coletivo n 172136SP rel Min Celso de Mello decisão monocrática de 1º72019 em trâmite Cumprese assim o respeito à dignidade humana do preso ou do socioeducando art 1º III da CF88 e o direito de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante art 5º III da CF88 12 Liberdade de reunião e manifestação em praça pública Art 5º XVI todos podem reunirse pacificamente sem armas em locais abertos ao público independentemente de autorização desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente A Constituição de 1988 assegura a todos o direito de se reunir pacificamente e sem armas em locais abertos ao público sem necessidade de autorização prévia desde que i avisem previamente à autoridade competente e ii não frustrem outra reunião já convocada anteriormente A liberdade de reunião é direitomeio que viabiliza a liberdade de expressão e a liberdade de associação permitindo a participação da sociedade civil na vida política e social A reunião em local aberto ao público é o instrumento que viabiliza essa participação Os requisitos para que se tenha o direito à reunião consistem em seis elementos a pessoal qualquer um pode utilizálo b temporal não pode ser inviabilizada outra reunião no mesmo horário c finalidade o fim deve ser pacífico ou seja não pode ser feita reunião com violência ou incitação ao ódio ou à discriminação d espacial não pode se sobrepor a outra reunião marcada anteriormente no mesmo local e circunstancial não pode ser feita com participantes armados e f formal deve existir aviso prévio à autoridade competente para que se verifique a existência dos demais elementos e viabilidade da reunião Existentes esses elementos o espaço público pode abarcar a defesa de teses não majoritárias como a da defesa da legalização das drogas ou de qualquer outro tipo penal Essa defesa de teses contrárias ao Direito Penal vigente não se constitui em apologia ao crime mas sim o exercício legítimo do direito à livre manifestação do pensamento graças ao exercício do direito de reunião como decidiu o STF no Caso da Marcha da Maconha Nesse caso o STF interpretou o Código Penal restritivamente considerando que não é apologia ao crime do art 287 do CP a defesa em praça pública da mudança da lei e legalização do uso e produção da maconha ADPF 187 rel Min Celso de Mello j 1562011 Plenário Informativo n 631 Em outro caso emblemático o STF considerou inconstitucional o Decreto n 2009899 do Distrito Federal que proibia a manifestação com aparelhos sonoros na Praça dos Três Poderes em Brasília O STF considerou que a liberdade de reunião e de manifestação pública são conquistas da civilização enquanto fundamento das modernas democracias políticas não podendo ser exigidas manifestações silenciosas ADI 1969 rel Min Ricardo Lewandowski j 2862007 Plenário DJ de 3182007 No Brasil após o uso de violência por manifestantes a chamada tática black block leis estaduais foram aprovadas proibindo o uso de máscaras ou qualquer forma de ocultar o rosto para dificultar ou impedir a identificação em manifestações ressalvadas as manifestações culturais como o carnaval tais como a Lei estadual paulista n 15556 de 2982014 e a Lei estadual fluminense n 6528 de 1192013 O ápice da violência ocorreu com a morte de cinegrafista de empresa de televisão em 10 de fevereiro de 2014 atingido por rojão durante seu trabalho de cobertura de manifestação no Rio de Janeiro O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou a lei estadual constitucional entendendo que tal proibição não é óbice que embarace ou mesmo inviabilize o direito de reunião mas busca preservar os direitos daqueles que seriam atingidos pela violência ADI 0052756 3020138190000 e 00530715820138190000 Rel designada Desa Nilza Bitar j 1011 2014 Sem levar em conta os debates constantes do acórdão estadual sobre a competência federal tema de direito penal estadual tema de segurança pública ou municipal tema de restrição administrativa para determinado indivíduo poder estar em espaço público para regular a matéria observo que a proibição das máscaras não pode ser extraída logicamente da cláusula de pacificidade constante do direito à reunião É possível obviamente que um manifestante com máscara tenha comportamento pacífico e outro sem máscara atente contra direitos e bens de terceiros Quanto à proibição do anonimato que consta com restrição à liberdade de manifestação do pensamento art 5º IV não há a mesma restrição no que tange ao direito de reunião É comum aliás o uso de máscaras em reuniões pacíficas de protesto a máscara de Guy Fawkes já é um símbolo globalizado de revolta contra o abuso do poder Também há outros meios para que se garanta a identificação e punição aos que cometem atos violentos por meio da ação policial especificamente voltada aos que cometem tais atos 13 Liberdade de associação Art 5º XVII é plena a liberdade de associação para fins lícitos vedada a de caráter paramilitar XVIII a criação de associações e na forma da lei a de cooperativas independem de autorização sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento XIX as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial exigindose no primeiro caso o trânsito em julgado XX ninguém poderá ser compelido a associarse ou a permanecer associado XXI as entidades associativas quando expressamente autorizadas têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente A liberdade de associação consiste no direito de formação de entidades não importando a espécie ou natureza com ou sem fim lucrativo sendo proibida unicamente as de caráter paramilitar O caráter paramilitar expressamente proibido pela Constituição referese a associações que buscam organizar e treinar seus membros de forma similar à das Forças Armadas com uso de hierarquia disciplina cadeia de comando com ou sem fardamento próprio e voltado a atividades bélicas A proibição expressa de associações de caráter paramilitar não elimina a possibilidade de proibição também de funcionamento de associações voltadas a outras práticas ilícitas incidindo nesse caso a ponderação entre o direito de associação e os direitos de terceiros futuras vítimas das práticas ilícitas Foi prevista pela primeira vez em um texto constitucional brasileiro na Constituição de 1891 destacandose nos textos constitucionais sucessivos Há duas facetas ou dimensões da liberdade de associação a dimensão positiva e a dimensão negativa A liberdade de associação positiva assegura a qualquer pessoa física ou jurídica o direito de associarse e de formar associações gerindoas sem interferência do Estado Já a liberdade de associação negativa impede que qualquer pessoa seja compelida a filiarse permanecer filiado ou ainda a se desfiliar de determinada entidade ADI 3045 voto do rel Min Celso de Mello j 1082005 Plenário DJ de 1º62007 Além da liberdade de criação salvo a de caráter paramilitar a Constituição ainda estabelece outras regras regentes da liberdade de associação a saber i criação e funcionamento independente de autorização estatal ii proibição da interferência estatal em seu funcionamento iii suspensão de suas atividades por decisão judicial mesmo que em liminar iv dissolução compulsória só poderá ser feita por ordem judicial transitada em julgado v legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente quando expressamente autorizadas quer seja no estatuto institutivo ou mediante deliberação em Assembleia Para o STF descabe exigir instrumentos de mandatos subscritos pelos associados RE 192305 rel Min Marco Aurélio j 15121998 Segunda Turma DJ de 2151999 Trata se do instituto da representação processual defesa de interesses de terceiros em nome de terceiros diferente do instituto da substituição processual defesa em nome próprio dos interesses de terceiros regulado no inciso LXX do art 5º A Constituição ainda regula o direito de associação em dispositivos referentes aos sindicatos art 8º aos partidos políticos art 17 e às cooperativas arts 5º XVIII e 146 e 174 131 JURISPRUDÊNCIA DO STF Liberdade de associação e direito de crítica Quem critica o autoritarismo não está a criticar a disciplina Frisese ainda que a liberdade de associação prestase a satisfazer necessidades várias dos indivíduos aparecendo ao constitucionalismo atual como básica para o Estado Democrático de Direito Os indivíduos se associam para serem ouvidos concretizando o ideário da democracia participativa Por essa razão o direito de associação está intrinsecamente ligado aos preceitos constitucionais de proteção da dignidade da pessoa de livre iniciativa da autonomia da vontade e da garantia da liberdade de expressão Uma associação que deva pedir licença para criticar situações de arbitrariedade terá sua atuação completamente esvaziada e toda dissolução involuntária de associação depende de decisão judicial HC 106808 rel Min Gilmar Mendes j 94 2013 Liberdade de associação na dimensão negativa Ninguém pode ser obrigado a pagar mensalidade de associação a qual não quer ingressar mesmo que seja beneficiado pelos trabalhos da dita associação Por não se confundir a associação de moradores com o condomínio disciplinado pela Lei n 45911964 descabe a pretexto de evitar vantagem sem causa impor mensalidade a morador ou a proprietário de imóvel que a ela não tenha aderido Considerações sobre o princípio da legalidade e da autonomia da manifestação de vontade art 5º II e XX da CF RE 432106 rel Min Marco Aurélio j 2092011 Primeira Turma DJe de 4112011 Representação por parte da Associação A representação prevista no inciso XXI do art 5º da CF surge regular quando autorizada a entidade associativa a agir judicial ou extrajudicialmente mediante deliberação em assembleia Descabe exigir instrumentos de mandatos subscritos pelos associados RE 192305 rel Min Marco Aurélio j 1512 1998 Segunda Turma DJ de 2151999 14 Direito de propriedade Art 5º XXII é garantido o direito de propriedade XXIII a propriedade atenderá a sua função social XXIV a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social mediante justa e prévia indenização em dinheiro ressalvados os casos previstos nesta Constituição XXV no caso de iminente perigo público a autoridade competente poderá usar de propriedade particular assegurada ao proprietário indenização ulterior se houver dano XXVI a pequena propriedade rural assim definida em lei desde que trabalhada pela família não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento 141 CONCEITO E FUNÇÃO SOCIAL O direito de propriedade consiste na faculdade de usar gozar usufruir e dispor de um determinado bem A Constituição de 1988 o inseriu inicialmente no caput do art 5º todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à propriedade Após no inciso XXII do mesmo art 5º houve novamente a menção à garantia do direito de propriedade e no inciso seguinte foi previsto que a propriedade atenderá a sua função social A propriedade e sua função social são também princípios da ordem econômica e financeira da Constituição tendo disposto o seu art 170 II e III que A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livreiniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios II propriedade privada III função social da propriedade privada Assim a Constituição consagrou expressamente a relatividade do direito de propriedade que não é mais absoluto e sagrado como constava por exemplo da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 art 17 devendo o proprietário cumprir a função social da propriedade art 5º XXIII da CF Assim o direito de propriedade não é mais um direito liberal ou de abstenção tradicional no qual seu titular pode exigir a ausência de turbação ao seu exercício é um direito que exige do proprietário e do Estado conduta ativa o cumprimento da função social em prol dos interesses da comunidade A função social da propriedade consiste na exigência do exercício pelo proprietário dos atributos inerentes ao direito de propriedade de modo compatível com o interesse da coletividade Para cumprir a função social da propriedade o proprietário deve tanto respeitar limitações dimensão negativa da função social da propriedade quanto parâmetros de ação dimensão positiva agindo em prol do interesse público Logo o objetivo do direito de propriedade não é mais restrito aos interesses egoísticos do seu titular mas sim é vinculado ao interesse de toda a coletividade A Constituição diferencia duas espécies de função social a depender do tipo de propriedade urbana ou rural Função social da propriedade urbana de acordo com o art 182 2º da CF88 a propriedade urbana cumpre a função social quando obedece às diretrizes fundamentais de ordenação da cidade fixadas no plano diretor O plano diretor aprovado pela Câmara Municipal obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana art 182 1º da CF Função social da propriedade rural o art 186 da CF88 estabelece que a propriedade rural cumpre sua função social quando atende simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos I aproveitamento racional e adequado II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente III observância das disposições que regulam as relações de trabalho IV exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores 142 AS RESTRIÇÕES IMPOSTAS AO DIREITO DE PROPRIEDADE Em nome do direito de todos a condições mínimas de sobrevivência o Estado pode limitar e regular o direito de propriedade individual e interferir nas atividades econômicas dos entes privados A Constituição de 1988 distingue a forma e a intensidade de tais restrições e regulações como se vê abaixo 1 Propriedade que esteja cumprindo sua função social A Constituição prevê que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social mediante justa e prévia indenização em dinheiro art 5º XXIV No mesmo sentido as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro art 182 3º 2 Propriedade que não esteja cumprindo a sua função social A Constituição prevê a desapropriação para fins de reforma agrária no caso da propriedade rural ver abaixo com pagamento ao desapropriado por meio de títulos da dívida pública No caso de imóvel urbano a Constituição determinada que o Poder Público municipal mediante lei específica para a área incluída no plano diretor possa exigir nos termos da lei federal do proprietário do solo urbano i não edificado ii subutilizado ou iii não utilizado que promova seu adequado aproveitamento função social da propriedade urbana sob pena sucessivamente ou seja da punição menos gravosa a mais gravosa de I parcelamento ou edificação compulsórios II imposto sobre propriedade predial e territorial progressivo no tempo III desapropriação com o pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal com prazo de resgate em até dez anos em parcelas anuais iguais e sucessivas assegurado o valor real da indenização e os juros legais 3 Propriedade que esteja sendo utilizada para produção de plantas psicotrópicas ilegais Excepcionalmente a Constituição prevê caso de confisco ou seja de perda da propriedade sem indenização para punir o proprietário que determina ou deixa que ocorra a cultura ilegal de plantas psicotrópicas art 243 Em 2016 o STF fixou tese com repercussão geral pela qual a expropriação prevista no art 243 da Constituição Federal pode ser afastada desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa in vigilando ou in eligendo STF RE n 635336 Plenário j 14122016 4 Propriedade que seja indispensável para combater iminente perigo público A Constituição prevê que no caso de iminente perigo público o Estado poderá usar a propriedade particular sendo assegurada indenização posterior de danos causados ao proprietário art 5º XXV O perigo não precisa ser atual basta a alta probabilidade de ocorrência iminência 5 Propriedade indispensável para a preservação do patrimônio históricocultural do Brasil O patrimônio cultural brasileiro consiste no conjunto de bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto portadores de referência à identidade à ação à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira A Constituição prevê que o Estado com a colaboração da comunidade deve promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários registros vigilância tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação A própria Constituição determinou o tombamento de todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos art 216 e seus parágrafos 143 A DESAPROPRIAÇÃO A CF88 prevê a possibilidade de perda do direito de propriedade para o atendimento do i interesse público geral ii da função social da propriedade rural e iii da função social da propriedade urbana A desapropriação para a satisfação do interesse público geral é chamada também de desapropriação ordinária comum que resulta na transferência compulsória da propriedade para o Poder Público por motivo de necessidade a desapropriação é indispensável utilidade pública a desapropriação aumenta o proveito extraído da propriedade pela coletividade ou ainda interesse social determinado grupo social será beneficiado A Constituição exige que seja paga a indenização justa b previamente à transferência e c em dinheiro art 5º XXIV Por sua vez a desapropriação por descumprimento da função social da propriedade rural é comumente denominada desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária Somente a União pode desapropriar para tal finalidade e recai sobre o imóvel que não esteja cumprindo sua função social mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária com cláusula de preservação do valor real resgatáveis no prazo de até vinte anos a partir do segundo ano de sua emissão As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária I a pequena e média propriedade rural assim definida em lei desde que seu proprietário não possua outra e II a propriedade produtiva art 185 A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos I aproveitamento racional e adequado II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente III observância das disposições que regulam as relações de trabalho IV exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores art 186 da CF88 A Lei n 862993 trata da temática Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso inegociáveis pelo prazo de dez anos A Lei Complementar n 7693 com alterações realizadas pela Lei Complementar n 8896 rege o procedimento contraditório especial de rito sumário para o processo de desapropriação de imóvel rural por interesse social para fins de reforma agrária Finalmente a desapropriação por descumprimento da função social urbana da propriedade consiste na perda do direito de propriedade sobre imóvel urbano não edificado não utilizado ou subutilizado A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor A Lei n 102572001 denominada Estatuto da Cidade rege a desapropriação para fins de política urbana É possível que o Poder Público exija do proprietário do solo urbano não edificado subutilizado ou não utilizado que este promova seu adequado aproveitamento sob pena sucessivamente ou seja devese tentar inicialmente a restrição menos agressiva de a parcelamento ou edificação compulsórios b imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo c finalmente a última e mais drástica sanção só após a ineficácia das duas anteriores a desapropriação mediante pagamento com títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal com prazo de resgate de até dez anos em parcelas anuais iguais e sucessivas assegurados o valor real da indenização e os juros legais 144 IMPENHORABILIDADE De acordo com o art 5º XXVI da CF88 a pequena propriedade rural assim definida em lei desde que trabalhada pela família não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento Assim o regime constitucional da impenhorabilidade da propriedade rural é composto pelos seguintes elementos i somente a pequena propriedade ii trabalhada pela família iii somente quanto aos débitos decorrentes da atividade produtiva Essa impenhorabilidade constitucional tem aplicação imediata RE 136753 rel Min Sepúlveda Pertence j 1321997 Plenário DJ de 2541997 145 PROPRIEDADE DE ESTRANGEIROS Apesar da igualdade entre os brasileiros e estrangeiros residentes prevista no art 5º a própria CF88 determina tratamentos diferenciados ao longo do seu texto No caso do direito de propriedade ela estabelece as seguintes restrições e condicionantes a estrangeiros pessoas físicas ou jurídicas i Restrição na aquisição e arrendamento A Constituição dispõe que a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional Autorização do Senado Federal art 190 da CF88 A Lei n 570971 determina que a aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 módulos de exploração indefinida em área contínua ou descontínua No caso de pessoas jurídicas estrangeiras ou controladas por estrangeiros somente poderão ser adquiridos imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas pecuários e industriais que estejam vinculados aos seus objetivos de negócio previstos no estatuto social A soma das áreas rurais pertencentes a empresas estrangeiras ou controladas por estrangeiros não poderá ultrapassar 25 da superfície do município ver Parecer AGU de 2010 abaixo ii A empresa brasileira controlada por estrangeiro Em 1995 foi editada a Emenda Constitucional n 6 que eliminou do texto original da Constituição a distinção entre empresa brasileira e a empresa brasileira de capital nacional revogação do art 171 da CF88 o que permitiu que empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro adquirissem livremente terras no país Contudo em 2010 foi editado o Parecer da AGU n LA 01 de 19 de agosto de 2010 sobre aquisição de terras por estrangeiros aprovado pelo Presidente da República e consequentemente com força vinculante para a Administração Pública Federal arts 40 e 41 da LC n 7393 Nesse Parecer decidiuse que continua válida a previsão da Lei n 570971 sobre a restrição da aquisição e arrendamento de imóveis rurais à pessoa jurídica brasileira da qual participem a qualquer título pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior Com isso as empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro as multinacionais ficaram sob o regime das restrições acima expostas Pela nova interpretação a EC 695 não influencia na temática que deve ainda ser regida pelo art 190 da CF88 que prega a possibilidade de limitação da aquisição de terras por estrangeiros Após o Parecer devem ser registradas as aquisições por tais empresas em livros especiais nos cartórios de imóveis com comunicação à Corregedoria de Justiça dos Estados e ao Ministério do Desenvolvimento Agrário Em 2014 a Portaria Interministerial federal n 4 exigiu o cumprimento do Parecer AGU n 12010 às situações jurídicas aperfeiçoadas entre 7 de junho de 1994 a 22 de agosto de 2010 datas referentes à edição da antiga posição da AGU e à edição da nova posição em 2010 o que impõe a aplicação retroativa da nova interpretação da AGU Houve entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo pela inconstitucionalidade da nova interpretação da AGU 443 Contudo em 2016 o Min Marco Aurélio STF suspendeu os efeitos da decisão paulista restaurando a força da Portaria federal alegando A efetividade dessa norma pressupõe que na locução estrangeiro sejam incluídas entidades nacionais controladas por capital alienígena A assim não se concluir a burla ao texto constitucional se concretizará presente a possibilidade de a criação formal de pessoa jurídica nacional ser suficiente à observância dos requisitos legais mesmo em face da submissão da entidade a diretrizes estrangeiras configurando a situação que o constituinte buscou coibir STF Medida Cautelar na Ação Cível Originária n 2463 Decisão de 182016 publicada no DJe de 292016 Ainda em maio de 2016 a Sociedade Rural Brasileira ajuizou a ADPF 342 na qual pede que o STF reconheça a incompatibilidade com a CF88 do tratamento diferenciado a empresas nacionais de capital estrangeiro no tocante à aquisição e arrendamento de imóveis rurais ADPF ainda em trâmite em outubro de 2019 sem liminar iii Faixa de Fronteira A Constituição prevê que a faixa de até 150 quilômetros de largura ao longo das fronteiras terrestres é designada como faixa de fronteira sendo considerada fundamental para defesa do território nacional e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei art 20 2º da CF88 A Lei n 663479 veda transações com imóvel rural que impliquem a obtenção por estrangeiro do domínio da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel na faixa de fronteira Proíbe ainda a participação a qualquer título de estrangeiro pessoa natural ou jurídica em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural na faixa de fronteira iv Meios de comunicação A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País Em qualquer caso 70 do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer direta ou indiretamente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação EC 362002 v Embarcações estrangeiras Pela redação original dos 2º e 3º do art 178 da CF88 deveriam ser brasileiros os armadores os proprietários os comandantes e dois terços pelo menos dos tripulantes de embarcações nacionais e ainda deveria ser a navegação de cabotagem e a interior privativas de embarcações nacionais salvo caso de necessidade pública Com as reformas liberalizantes e de abertura ao capital internacional dos anos 90 no Brasil e em vários países da América Latina foi aprovada a Emenda Constitucional n 7 de 1995 que alterou o art 178 e remeteu o tratamento normativo dos transportes aéreo aquático e terrestre à lei ordinária federal devendo esta quanto à ordenação do transporte internacional observar os acordos internacionais celebrados pelo Brasil atendido o princípio da reciprocidade Também ficou disposto que a lei regerá as condições em que o transporte de mercadorias na i cabotagem navegação feita com observação da costa e a ii navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras Assim passouse a admitir a propriedade por estrangeiros de navios nacionais e ainda permitiuse que embarcações estrangeiras concorram pelo transporte de mercadorias no mar territorial e nas águas interiores do País rompendose a tradição de monopólio dos navios nacionais 15 Direitos autorais Art 5º XXVII aos autores pertence o direito exclusivo de utilização publicação ou reprodução de suas obras transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar XXVIII são assegurados nos termos da lei a a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas inclusive nas atividades desportivas b o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas XXIX a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização bem como proteção às criações industriais à propriedade das marcas aos nomes de empresas e a outros signos distintivos tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País 151 DIREITOS AUTORAIS E DOMÍNIO PÚBLICO O Direito da Propriedade Intelectual consiste no conjunto de regras de proteção referentes às criações intelectuais bem como seus limites abarcando tanto o Direito de Autor quanto o Direito de Propriedade Industrial ver abaixo Nesse sentido o Brasil ratificou e incorporou internamente pelo Decreto n 7554175 o tratado que criou a Organização Mundial da Propriedade Intelectual OMPI de 1967 também chamada de Convenção de Estocolmo De acordo com a citada Convenção a proteção da propriedade intelectual consiste na defesa dos direitos relativos às obras literárias artísticas e científicas às interpretações dos artistas e suas emissões às invenções em todos os domínios da atividade humana às descobertas científicas aos desenhos e modelos industriais às marcas industriais comerciais e de serviço bem como às firmas e denominações comerciais bem como todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial científico literário e artístico art 2º VIII O Direito de Autor consiste no conjunto de direitos e limitações do criador de determinada obra intelectual sobre a integralidade de sua criação e gozo dos seus frutos em especial no que tange à reprodução execução ou representação No Brasil há ainda direitos conexos aos direitos do autor como os direitos do intérprete sobre a sua interpretação de obra de terceiro ou ainda do produtor No que toca aos direitos autorais a Constituição prevê que a i utilização ii publicação ou iii reprodução de qualquer obra pertence ao seu autor sendo transmissíveis aos herdeiros Desse dispositivo extraemse tanto direitos da personalidade do autor por exemplo conservar a obra quanto direitos de propriedade cessão e comercialização A herança no caso dos direitos de autor é condicionada ao prazo previsto na lei Atualmente rege o tema a Lei n 961098 que dispõe no seu art 22 que pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou Ainda de acordo com a lei os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento obedecida a ordem sucessória da lei civil Após a obra recairá sob domínio público sendo livre sua utilização publicação e reprodução mas devendo o Estado zelar pela integridade e autoria da obra sob domínio público A Constituição assegura ainda a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas inclusive nas atividades desportivas gerando o direito de arena que consiste na prerrogativa exclusiva de negociar autorizar ou proibir a captação a fixação a emissão a transmissão a retransmissão ou a reprodução de imagens por qualquer meio ou processo de espetáculo desportivo de que participem vide a Lei n 961598 e ainda a Lei n 12395 de 2011 Além disso cabe o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras aos criadores aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas No caso brasileiro a Lei n 961098 reconheceu a legitimidade da existência do Escritório Central para a Arrecadação e Distribuição ECAD regido inicialmente pela Lei n 598873 sociedade civil sem fins lucrativos que desenvolve atividade de caráter público de acordo com o STF RE 201819 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 11102005 Segunda Turma DJ de 2710 2006 que fiscaliza e cobra os direitos relativos à execução pública das i obras musicais e ii literomusicais e de fonogramas inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade para após destinar o recurso ao autor Também o STF decidiu que pela execução de obra musical por artistas remunerados é devido direito autoral não exigível quando a orquestra for de amadores Súmula 386 Em 2016 o STF julgou improcedentes duas ações diretas de inconstitucionalidade que impugnavam diversos artigos da Lei n 128532013 que modificou a Lei n 96101998 após cinco de comissões parlamentares de inquérito conhecidas como CPIs do ECAD Novamente o STF considerou que o ECAD consiste portanto em uma associação de associações que arregimenta não apenas interesses particulares imediatos mas mediatamente interesse público afeto ao patrimônio cultural brasileiro em função do qual e com maior relevo sujeita se à dinâmica dos princípios republicano e democrático Por isso a intervenção do legislador na regulação da gestão coletiva de arrecadação e distribuição de direitos autorais pelo ECAD não ofende a liberdade de associação ou outro direito fundamental STF ADI n 5062 e ADI n 5065 rel Min Luiz Fux j 27102016 publicado no DJe de 2062017 152 A PROTEÇÃO À PROPRIEDADE INDUSTRIAL A Constituição prevê que a lei assegurará aos autores de i inventos industriais privilégio temporário para sua utilização bem como proteção às ii criações industriais à iii propriedade das marcas aos iv nomes de empresas e a outros signos distintivos tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País No Brasil a Lei n 927996 regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial tendo estabelecido que a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País efetuase mediante I concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade II concessão de registro de desenho industrial III concessão de registro de marca IV repressão às falsas indicações geográficas e V repressão à concorrência desleal Nesse sentido decidiu o STF que a propriedade da marca goza de proteção em todo território nacional Não há se cogitar da coexistência do uso em Estados diferentes RE 114601 rel Min Célio Borja j 1421989 Segunda Turma DJ de 1251989 Nessa mesma linha o art 218 da CF88 dispõe que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico a pesquisa e a capacitação tecnológicas tendo sido editada a Lei n 109732004 que regula os incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnologias no ambiente produtivo 16 Direito de herança e Direito Internacional Privado Art 5º XXX é garantido o direito de herança XXXI a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus A Constituição reconhece o direito individual à herança que consiste na transmissão de bens de pessoa natural falecida ou declarada judicialmente ausente ver abaixo para os chamados herdeiros escolhidos pela lei herdeiro necessário ou pelo titular dos bens por meio de ato de última vontade herdeiro testamentário A abertura da sucessão se dá pela morte da pessoa natural ou pela ausência Nessa última hipótese reconhecese o estado de ausência a quem desaparece do seu domicílio sem dela haver notícia sem representante ou procurador a quem caiba administrar lhe os bens cabendo ao juiz a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público declarar sua ausência e nomear curador Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente ou se ele deixou representante ou procurador em se passando três anos poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas Se nos dez anos a que se refere este artigo o ausente não regressar e nenhum interessado promover a sucessão definitiva os bens arrecadados passarão ao domínio do i Município ou do Distrito Federal se localizados nas respectivas circunscrições incorporando se ao domínio da ii União quando situados em território federal No que tange à sucessão que possa envolver dois ou mais ordenamentos jurídicos caso de direito internacional privado a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o ausente qualquer que seja a natureza e a situação dos bens art 10 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro nova denominação dada à antiga Lei de Introdução ao Código Civil pela Lei n 123762010 Excepcionalmente a Constituição criou regra unilateral de Direito Internacional Privado que só pode ser aplicada para beneficiar brasileiros a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros ou de quem os represente sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus Assim no caso de sucessão de bens de estrangeiros mesmo se o falecido tiver domicílio em outro país a lei utilizada será a brasileira no que tange aos bens situados no Brasil desde que tal aplicação beneficie o cônjuge ou filhos brasileiros 444 17 Defesa do consumidor Art 5º XXXII o Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor A Constituição de 1988 reconheceu o dever de proteção do Estado aos direitos do consumidor que consistem no conjunto de faculdades que asseguram o equilíbrio nas relações de consumo A Lei n 807890 Código de Defesa do Consumidor como denominou o art 48 da ADCT rege atualmente a matéria tendo criado um microssistema de proteção calcado em normas cíveis penais e administrativas A defesa do consumidor deve ser um imperativo também da ordem econômica brasileira como dispõe o art 170 V da CF88 Nesse sentido o STF decidiu que o princípio da livreiniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor RE 349686 rel Min Ellen Gracie j 1462005 Segunda Turma DJ de 582005 Assim é imprescindível que o Estado brasileiro por meio de políticas públicas concilie a livre iniciativa e a livre concorrência com os princípios da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais em conformidade com os ditames da justiça social STF ADI 319QO rel Min Moreira Alves j 3 31993 Plenário DJ de 3041993 Corolário dessa exigência de defesa do consumidor foi a decisão do STF de considerar as instituições financeiras alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor ADI 2591ED rel Min Eros Grau j 14122006 Plenário DJ de 134 2007 Também nas relações econômicas internacionais o Brasil deve se pautar pelo respeito ao direito dos consumidores Nesse sentido coroando uma nova fase da harmonização do Direito do Consumidor no Mercosul foi editada a Declaração Presidencial dos Direitos Fundamentais dos Consumidores do Mercosul aprovada na XLX Reunião do Conselho Mercado Comum realizada em Florianópolis nos dias 14 e 15 de dezembro de 2000 que evitou tratar os direitos do consumidor como barreira não tarifária ao comércio Pelo contrário os considerandos da Declaração reforçam o caráter de direito fundamental do direito do consumidor realçando que os regimes democráticos se baseiam no respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana incluídos os direitos do consumidor Nesse sentido os Estados reconheceram que a defesa do consumidor é um elemento indissociável e essencial do desenvolvimento econômico equilibrado e sustentável do Mercosul Sem contar que os Estados aceitaram que em um processo de integração com livre circulação de produtos e serviços o equilíbrio na relação de consumo baseado na boafé requer que o consumidor como agente econômico e sujeito de direito disponha de uma proteção especial em atenção a sua vulnerabilidade 171 JURISPRUDÊNCIA DO STJ Súmula n 595 do STJ As instituições de ensino superior respondem objetivamente pelos danos suportados pelo alunoconsumidor pela realização de curso não reconhecido pelo Ministério da Educação sobre o qual não lhe tenha sido dada prévia e adequada informação Súmula n 601 do STJ O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos coletivos e individuais homogêneos dos consumidores ainda que decorrentes da prestação de serviço público 18 Direito à informação e a Lei de Acesso à Informação Pública de 2011 Art 5º XXXIII todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da lei sob pena de responsabilidade ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado A Constituição de 1988 estabelece o direito fundamental de acesso a informações de interesse particular ou de interesse coletivo detidas pelo Poder Público na forma da lei que pode afastar esse direito em face de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado Em 2011 foi adotada a Lei n 12527 que entrou em vigor em 16 de maio de 2012 regulamentada pelo Decreto n 772412 e que expressamente regulou o direito de acesso a informações previsto neste dispositivo constitucional Em linhas gerais a Lei n 125272011 dispõe o seguinte Entes obrigados o direito de acesso à informação deve ser assegurado por I órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo Legislativo incluindo as Cortes de Contas e Judiciário e do Ministério Público II autarquias fundações públicas empresas públicas sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União Estados Distrito Federal e Municípios III entidades privadas sem fins lucrativos que recebam para realização de ações de interesse público recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais contrato de gestão termo de parceria convênios acordo ajustes ou outros instrumentos congêneres Dever de prestar as informações sem provocação transparência ativa é dever dos órgãos e entidades públicas promover independentemente de requerimentos a divulgação em local de fácil acesso no âmbito de suas competências por exemplo internet de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas Como exemplo a lei exige que as competências e estrutura organizacional bem como os registros de repasses despesas licitações e dados gerais de programas diversos além das respostas a perguntas mais frequentes da sociedade sejam disponibilizadas ex officio Pedido de informação qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações por qualquer meio legítimo o que inclui o email e o formulário eletrônico devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida Para o acesso a informações de interesse público a identificação do requerente não pode conter exigências que inviabilizem a solicitação Prazo para o fornecimento da informação o acesso à informação já disponível deve ser imediato Não sendo possível o prazo não pode ser superior a 20 dias para o fornecimento da informação prorrogável por mais 10 dias de modo fundamentado Recusa fundamentada a recusa deve indicar as razões de fato ou de acesso pretendido o que inclui a ausência da informação em seu banco de dados quando deverá indicar se for do seu conhecimento o órgão que a detém Custo o serviço de busca e fornecimento da informação é gratuito salvo no caso de reprodução de documentos situação em que poderá haver ressarcimento Exceções ao direito de acesso a Constituição prevê a ressalva impeditiva do sigilo indispensável à segurança da sociedade ponham em risco a vida a segurança ou a saúde da população ou do Estado o que abarca as informações indispensáveis à atuação soberana e independente do Estado vide art 23 da lei o que gerou a seguinte classificação tríplice de sigilo das informações públicas a ultrassecreta com prazo máximo de restrição de acesso de 25 anos renovável uma única vez b secreta com prazo máximo de restrição de acesso de 15 anos c reservada com prazo máximo de restrição de acesso de 5 anos Permissão de acesso incondicionada não poderá ser negado acesso à informação a necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais b sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas Não eliminação de outras hipóteses de sigilo legal a lei expressamente não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público Acesso restrito a informações pessoais o tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade vida privada honra e imagem das pessoas bem como às liberdades e garantias individuais As informações pessoais terão as seguintes regras de acesso I terão seu acesso restrito independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 anos a contar da sua data de produção a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem e II poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem Excepcional acesso amplo a informações pessoais o consentimento do interessado não será exigido quando as informações pessoais forem necessárias I à prevenção e diagnóstico médico quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz e para utilização única e exclusivamente para o tratamento médico II à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral previstos em lei sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem III ao cumprimento de ordem judicial IV à defesa de direitos humanos ou V à proteção do interesse público e geral preponderante VI em processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido VII em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância Responsabilidade dos agentes públicos a lei estabelece que o agente público civil ou militar que violar os dispositivos acima mencionados comete infração disciplinar e ato de improbidade administrativa Comissão Mista de Reavaliação de Informações é a Comissão que decidirá no âmbito da Administração Pública federal sobre o tratamento classificação de informações sigilosas com atribuição para rever a classificação de informações ultrassecretas ou secretas de ofício ou mediante provocação de pessoa interessada e também para prorrogar o prazo de sigilo de informação classificada como ultrassecreta sempre por prazo determinado no máximo mais 25 anos enquanto o seu acesso ou divulgação puder ocasionar ameaça externa à soberania nacional ou à integridade do território nacional ou grave risco às relações internacionais do País Dever de informar não constitui quebra de sigilo a lei ainda dispõe sobre o dever do servidor público de comunicação de crime ou ato de improbidade dispondo que nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade sobre informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento ainda que em decorrência do exercício de cargo emprego ou função pública Mesmo antes da entrada em vigor da lei em 2012 o STF já havia reconhecido o direito à informação de atos estatais admitindo ser legítimo o acesso a dados da remuneração bruta cargos e funções titularizados por servidores públicos uma vez que tais dados concretizam a informação de interesse coletivo ou geral Nesse mesmo caso o STF afastou qualquer ofensa à intimidade vida privada e segurança pessoal e familiar determinando somente a proibição de se revelar o endereço residencial o CPF e a CI de cada servidor Para o STF tais revelações ao público representam o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria no caso inadmissível situação de grave lesão à ordem pública SS 3902AgR segundo rel Min Ayres Britto j 962011 Plenário DJe de 3102011 Em 2015 o STF novamente decidiu que é legítima a publicação inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública dos nomes dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias ARE Recurso Extraordinário com Agravo 652777 rel Min Teori Zavascki j 2342015 Plenário DJe de 1º72015 19 Direito de petição Art 5º XXXIV são a todos assegurados independentemente do pagamento de taxas a o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder O direito de petição right of petition consiste na faculdade de provocar as autoridades competentes para que adotem determinadas condutas comissivas ou omissivas na defesa de interesse próprio ou coletivo Logo o direito de petição pode ser individual ou coletivo O direito de petição abarca as chamadas reclamações ou representações dirigidas ao Poder Público para expor reivindicações exigindo que este se pronuncie sobre determinada questão fática ou de direito referente a interesse particular ou coletivo Constituise uma provocatio ad agendum ou seja provocação para que o Poder Público se pronuncie em prazo razoável sem que o interessado tenha que pagar qualquer taxa ou se submeta a condição ou requisito sem a necessidade por exemplo de possuir advogado Por outro lado o Poder Público pode responder desfavoravelmente devendo cientificar o peticionante Mas o direito de petição não é absoluto não podendo ser invocado para desobrigar o interessado a cumprir determinadas condições específicas voltadas ao exercício do direito de ação uma vez que conforme decidiu o STF o direito de petição fundado no art 5º XXXIV a da Constituição não pode ser invocado genericamente para exonerar qualquer dos sujeitos processuais do dever de observar as exigências que condicionam o exercício do direito de ação pois tratandose de controvérsia judicial cumpre respeitar os pressupostos e os requisitos fixados pela legislação processual comum A mera invocação do direito de petição por si só não basta para assegurar à parte interessada o acolhimento da pretensão que deduziu em sede recursal AI 258867AgR rel Min Celso de Mello j 2692000 Segunda Turma DJ de 222001 Foi com base no direito constitucional de petição que o STF reconheceu ser inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo STF Súmula Vinculante 21 No mesmo sentido há a Súmula 373 do STJ É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso administrativo 20 Direito à certidão Art 5º XXXIV são a todos assegurados independentemente do pagamento de taxas b a obtenção de certidões em repartições públicas para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal LXXVI são gratuitos para os reconhecidamente pobres na forma da lei a o registro civil de nascimento b a certidão de óbito LXXVII são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data e na forma da lei os atos necessários ao exercício da cidadania O direito à certidão consiste na faculdade constitucional de exigir que seja atestada determinada situação particular ou de interesse coletivo por parte de órgão público competente Para a defesa do direito à certidão é cabível o mandado de segurança ou mesmo a ação civil pública no caso da defesa de direitos e interesses individuais homogêneos nesse sentido STF RE 472489AgR rel Min Celso de Mello j 2942008 Segunda Turma DJe de 2982008 A Lei n 905195 dispõe sobre a expedição de certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações De acordo com a lei as certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações requeridas aos órgãos da administração centralizada ou autárquica às empresas públicas às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias contado do registro do pedido no órgão expedidor A Constituição de 1988 ainda dispõe que são gratuitos para os reconhecidamente pobres i o registro civil de nascimento e ii a certidão de óbito bem como os atos necessários ao exercício da cidadania na forma da lei Porém a Lei n 953497 alterou a Lei n 893594 e determinou a gratuidade dos assentos do registro civil de nascimento e o de óbito bem como a primeira certidão respectiva quer pobres ou não Para o STF essa lei é constitucional pois a atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros embora seja análoga à atividade empresarial sujeitase a um regime de direito público não existindo direito constitucional a receber emolumentos sendo certo de que tais assentos e certidões são atos necessários ao exercício da cidadania como reza o art 5º LXXVII da CF88 conferir ADC 5 e ADI 180 rel Min Ricardo Lewandowski j 1162007 Plenário DJ de 5102007 e ainda ADI 1800 rel p o ac Min Ricardo Lewandowski j 1162007 Plenário DJe de 2892007 Contudo o direito à certidão não pode violar o direito à privacidade não podendo o órgão público ser compelido a fornecer a eventual interessado informações que envolvam terceiros O direito à certidão previsto no art 5º XXXIV b somente ampara direito individual STF AI 739338 AgR rel Min Roberto Barroso j 1632018 1ª T DJe de 642018 21 Direito de acesso à justiça Art 5º XXXV a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito Art 129 São funções institucionais do Ministério Público III promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos 211 CONCEITO O direito de acesso à justiça ou direito de acesso ao Poder Judiciário ou direito à jurisdição consiste na faculdade de requerer a manifestação do Poder Judiciário sobre pretensa ameaça de lesão ou lesão a direito Concretizase assim o princípio da universalidade da jurisdição ou inafastabilidade do controle judicial pelo qual o Poder Judiciário brasileiro não pode sofrer nenhuma restrição para conhecer as lesões ou ameaças de lesões a direitos Esse direito é tido como de natureza assecuratória uma vez que possibilita a garantia de todos os demais direitos sendo oponível inclusive ao legislador e ao Poder Constituinte Derivado pois é cláusula pétrea de nossa ordem constitucional O direito de acesso à justiça possui duas facetas a primeira é a faceta formal e consiste no reconhecimento do direito de acionar o Poder Judiciário A segunda faceta é a material ou substancial e consiste na efetivação desse direito i por meio do reconhecimento da assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem a insuficiência de recursos art 5º LXXIV ii pela estruturação da Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado art 134 iii pela aceitação da tutela coletiva de direitos e da tutela de direitos coletivos ver abaixo que possibilita o acesso à justiça de várias demandas reprimidas ver abaixo e iv pela exigência de um devido processo legal em prazo razoável pois não basta possibilitar o acesso à justiça em um ambiente judicial marcado pela morosidade e delonga Também não pode a lei criar obstáculos ao poder geral de cautela do juiz uma vez que este se justifica para assegurar o resultado útil do processo principal sem o poder de cautela nada adiantaria o trâmite regular do acesso à justiça Nessa linha decidiu o STF que o poder de cautela mediante o implemento de liminar é ínsito ao Judiciário ADPF 172MCREF rel Min Marco Aurélio j 1062009 Plenário DJe de 2182009 Por sua vez o STF decidiu que é inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário Súmula Vinculante 28 e ainda que viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa Súmula 667 É constitucional a imposição de restrições razoáveis ao acesso à justiça que tenham como finalidade o desincentivo à litigiosidade excessiva que justamente esgota o Poder Judiciário e dificulta o acesso à justiça para os que realmente necessitam de tutela jurisdicional Para o Min Barroso é necessário impedir a sobreutilização do Poder Judiciário que prejudica a qualidade e a celeridade da prestação da tutela jurisdicional bem como leva a comportamentos deletérios de propositura de demandas oportunistas afetando a efetividade e a credibilidade das instituições judiciais Essa litigiosidade excessiva em última análise fulmina o próprio direito constitucional de acesso à Justiça Por isso o depósito prévio no ajuizamento de ação rescisória foi considerado mecanismo legítimo de desincentivo ao ajuizamento de demandas ou de pedidos rescisórios tidos como aventureiros Depósito de 20 sobre o valor da causa ADI 3995 rel Min Roberto Barroso j 18122018 P DJe de 1º32019 Também é cabível a compatibilização entre o direito de acesso à justiça penal e a proteção integral da criança e adolescente do sexo feminino em casos envolvendo a necessidade de perícia para averiguar a existência de agressão sexual A preferência para a realização da perícia deve recair sobre perita do sexo feminino na sua ausência a perícia pode ser feita por profissional do sexo masculino evitando que a delonga impeça o Estado de cumprir seu dever de proteger a criança responsabilizando penalmente os perpetradores das agressões sexuais Nessa linha decidiu o STF que apesar de salutar a iniciativa da norma de buscar proteger as crianças e adolescentes o fato de impedir ou retardar a realização de exame por médico legista poderia acabar por deixálas desassistidas da proteção criminal Além disso na medida em que se nega o acesso à produção da prova na jurisdição penal há também ofensa à proteção prioritária porquanto se afasta a efetividade da norma que exige a punição severa do abuso de crianças e adolescentes ADI 6039MC rel Min Edson Fachin j 1332019 P Informativo 933 Por sua vez o acesso à justiça art 5º XXXV justifica em linhas gerais a revisão judicial dos atos administrativos Mesmo o chamado ato discricionário no qual o administrador age sob o manto da escolha da conveniência e oportunidade de sua adoção pode ser avaliado judicialmente caso haja desvio de finalidade ou mesmo desproporcionalidade No tocante às agências reguladoras contudo o STF entendeu que há limite ao controle judicial pois a regulação econômica incide sobre controvérsias complexas que revelam a reduzida expertise do Poder Judiciário para tratálas adequadamente De acordo com essa perspectiva há um dever de deferência do Poder Judiciário às decisões regulatórias que se funda na i falta de expertise e capacidade institucional de tribunais para decidir sobre intervenções regulatórias que envolvem questões policêntricas e prognósticos especializados e ii possibilidade de a revisão judicial ensejar efeitos sistêmicos nocivos à coerência e dinâmica regulatória administrativa trecho extraído da ementa do acórdão STF Agravo Regimental no RE 1083955 rel Min Luiz Fux 1ª T j 2852019 DJe 762019 Tal posição caso seja adotada sistematicamente pelo STF restringe o acesso à justiça para beneficiar outros direitos como por exemplo o direito à segurança jurídica e ainda os direitos dos indivíduos beneficiados pelas decisões regulatórias Jurisprudência do STF Requisitos desproporcionais para o acesso à justiça trabalhista Contraria a Constituição interpretação do previsto no art 625D e parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalho pelo qual se reconhecesse a submissão da pretensão à Comissão de Conciliação Prévia como requisito para ajuizamento de reclamação trabalhista Interpretação conforme a Constituição da norma Art 625D e parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalhos a legitimidade desse meio alternativo de resolução de conflitos baseiase na consensualidade sendo importante instrumento para o acesso à ordem jurídica justa devendo ser estimulada não consubstanciando todavia requisito essencial para o ajuizamento de reclamações trabalhistas Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme a Constituição aos 1º a 4º do art 625D da Consolidação das Leis do Trabalho no sentido de assentar que a Comissão de Conciliação Prévia constitui meio legítimo mas não obrigatório de solução de conflitos permanecendo o acesso à Justiça resguardado para todos os que venham a ajuizar demanda diretamente ao órgão judiciário competente ADI 2139 e ADI 2160 rel Min Cármen Lúcia j 1º82018 P DJe de 192 2019 212 A TUTELA COLETIVA DE DIREITOS E A TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS O direito de acesso à justiça na sua faceta material exige que sejam asseguradas a tutela de direitos coletivos e a tutela coletiva de direitos individuais 445 A tutela de direitos coletivos é aquela que abarca a proteção de interesses indivisíveis como os interesses difusos e coletivos stricto sensu como definidos nos arts 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor Justamente por serem tais direitos indivisíveis essa tutela reclama normas especiais que viabilizem sua proteção pelo Poder Judiciário como se vê na Lei n 734785 e na Lei n 807890 Código de Defesa do Consumidor Além disso o acesso à justiça exige normas que facilitem a tutela coletiva de direitos individuais que em tese poderiam ser defendidos por cada um de seus titulares em ações individuais uma vez que há demandas que possuem determinadas características que exigem tratamento coletivo como por exemplo uma pequena lesão a direitos de milhares de consumidores seu conteúdo econômico baixo não viabilizaria demandas individuais mas uma ação coletiva poderia exigir reparação evitando a sensação de impunidade e desamparo do consumidor 213 AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE PRÉVIO ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA E A FALTA DE INTERESSE DE AGIR O direito de acesso à justiça não pode ser obstaculizado pela exigência de prévio esgotamento da via administrativa Diferentemente da Constituição de 19671969 a Constituição de 1988 não adotou nenhuma espécie de contencioso administrativo obrigatório condicionando o direito de acesso à justiça somente no caso da i Justiça do Trabalho e ii Justiça Desportiva No caso da Justiça do Trabalho a Constituição de 1988 determina ser indispensável o término da fase de negociação no caso dos dissídios coletivos art 114 2º Em 2009 o STF deu interpretação conforme a Constituição do art 625 d da CLT decidindo que não será obrigatório o acionamento de Comissão de Conciliação Prévia nos dissídios individuais podendo ser proposta diretamente a ação trabalhista ADI 2139MC e ADI 2160MC voto do rel p o ac Min Marco Aurélio j 1352009 Plenário DJe de 23102009 No caso da Justiça Desportiva órgãos privados relacionados com a autonomia das entidades desportivas prevê a Constituição de 1988 que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotaremse as instâncias da justiça desportiva regulada em lei Porém a justiça desportiva terá o prazo máximo de 60 dias contados da instauração do processo para proferir decisão final art 217 1º e 2º Por isso o STF decidiu que não há previsão na Lei Fundamental de esgotamento da fase administrativa como condição para acesso ao Poder Judiciário por aquele que pleiteia o reconhecimento do direito previdenciário AI 525766 rel Min Marco Aurélio DJ de 1º32007 Porém na área federal há discussão nos Juizados Especiais Federais sobre a necessidade de prévio requerimento de benefício previdenciário pelo interessado ao INSS Instituto Nacional do Seguro Social Nesse caso não se exige esgotamento da via administrativa mas sim o mero requerimento administrativo para que seja comprovado o interesse de agir do autor pelo indeferimento pelo INSS ou delonga na análise do pleito 214 ARBITRAGEM E ACESSO À JUSTIÇA A Lei de Arbitragem Lei n 930796 modificada pela Lei n 131292015 atualizou o regramento desse modo não estatal de solução de controvérsias em litígios envolvendo direitos disponíveis Houve intensa discussão sobre eventual ofensa ao direito de acesso à justiça pela previsão de obrigatoriedade do cumprimento da cláusula compromissória de instalação de arbitragem para os futuros litígios prevista em contratos com o direito à tutela judicial específica para que a arbitragem viesse a ocorrer Para o STF a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória quando da celebração do contrato que previa a arbitragem e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso são compatíveis com o art 5º XXXV da CF SE 5206AgR rel Min Sepúlveda Pertence j 12122001 Plenário DJ de 3042004 A própria lei determina que a arbitragem pode ser prevista somente em casos de direitos disponíveis que sequer seriam obrigatoriamente submetidos ao Poder Judiciário Logo nada obsta seus titulares de acordarem um mecanismo não estatal de solução de controvérsias 22 A segurança jurídica e o princípio da confiança a defesa do direito adquirido ato jurídico perfeito e coisa julgada Art 5º XXXVI a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada O direito à segurança jurídica consiste na faculdade de obstar a extinção ou alteração de determinado ato ou fato jurídico posto a salvo de modificações futuras inclusive legislativas Há duas facetas do direito à segurança jurídica a objetiva pela qual se imuniza os atos e fatos jurídicos de alterações posteriores consagrando a regra geral da irretroatividade da lei e a subjetiva que também é chamada de princípio da confiança pela qual a segurança jurídica assegura a confiança dos indivíduos no ordenamento jurídico Nesse sentido decidiu o STF que é obrigatória a observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito sendo o princípio da confiança um elemento da segurança jurídica MS 22357 rel Min Gilmar Mendes j 2752004 Plenário DJe de 5112004 Nessa linha a Constituição determinou que a lei não pode prejudicar i o direito adquirido que consiste no direito que o seu titular ou alguém por ele possa exercer como aquele cujo começo do exercício tenha termo prefixo ou condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem art 6º 2º da LINDB ii ato jurídico perfeito que consiste no ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou art 6º 1º da LINDB e iii coisa julgada que consiste na decisão judicial de que já não caiba recurso e não a denominada coisa julgada administrativa como decidiu o STF no RE 144996 rel Min Moreira Alves j 2941997 Primeira Turma DJ de 1291997 No STF o direito à segurança jurídica foi diversas vezes discutido para se firmar 1 Em casos de nova lei que elimine direitos de servidores públicos não há direito adquirido à permanência de regime jurídico benéfico da data da posse do servidor apenas se asseguram os direitos que já se incorporaram ao seu patrimônio Nesse sentido O STF já pacificou sua jurisprudência no sentido de que os quintos incorporados conforme Portaria MEC 4741987 constituem direito adquirido não alcançado pelas alterações promovidas pela Lei 81681991 AI 754613AgR voto da rel Min Ellen Gracie j 20102009 Segunda Turma DJe de 1311 2009 Ou ainda decidiu o STF que Gratificação incorporada aos proventos por força de norma vigente à época da inativação não pode ser suprimida por lei posterior RE 538569 AgR rel Min Cezar Peluso j 322009 Segunda Turma DJe de 1332009 2 Não ofende direito adquirido a mudança da lei que incide sobre ato cujo ciclo de formação ainda não se completou não sendo possível a proteção de mera expectativa de direito Assim caso haja mudança constitucional sobre as regras da aposentadoria aqueles que ainda não possuíam todos os requisitos para a aposentadoria pelas regras revogadas não podem alegar direito adquirido Porém ressaltese que a previsão de regra de transição adequada pode ser exigida em nome da igualdade não podendo a nova lei tratar de modo idêntico aos demais aqueles que já estão há anos contribuindo pelas regras revogadas 3 A inviolabilidade do direito adquirido ato jurídico perfeito e da coisa julgada não pode ser invocada contra o Poder Constituinte Originário RE 140894 rel Min Ilmar Galvão j 10 51996 Primeira Turma DJ de 981996 4 O STF editou a Súmula Vinculante 1 segundo o qual ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que sem ponderar as circunstâncias do caso concreto desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar n 1102001 5 A irretroatividade da lei não pode ser invocada pelo ente estatal que a tenha editado o que permite que leis novas preservem a mera expectativa de direito Súmula 654 do STF não podendo após o Poder Público arrependerse e questionar a constitucionalidade da própria lei 6 A irretroatividade da lei base do direito à segurança jurídica é expressamente afastada no caso do direito penal pois a Constituição prevê que a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu art 5º XL O direito à segurança jurídica não é absoluto podendo ser afastado para que prevaleçam outros direitos fundamentais Há a possibilidade de invocação da coisa julgada inconstitucional para permitir a superação da coisa julgada mesmo após o prazo da ação rescisória coisa julgada soberana como apregoa o art 525 12 do novo CPC de 2015 que considera também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso O STF considerou constitucional o afastamento da coisa julgada em casos de execução de sentença transitada em julgado fundada em norma inconstitucional nas seguintes hipóteses 1 a sentença a ser executada esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional seja por i aplicar norma inconstitucional ii seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais 2 a sentença a ser executada tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional 3 e desde que em qualquer dos casos acima mencionados o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do Supremo Tribunal Federal STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença a ser executada RE 601580 rel p o ac Min Edson Fachin j 2092018 P Informativo 916 Tema 360 Também foi afastada a coisa julgada em ação de investigação de paternidade para fazer valer o direito à identidade genética tendo o STF decidido que o princípio da segurança jurídica não pode prevalecer em detrimento da dignidade da pessoa humana sob o prisma do acesso à informação genética e da personalidade do indivíduo RE 363889 rel Min Dias Toffoli julgamento 742011 Plenário Informativo n 622 com repercussão geral 23 Juiz natural e promotor natural Art 5º XXXVII não haverá juízo ou tribunal de exceção LIII ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente 231 CONCEITO O direito ao juiz natural consiste no direito de qualquer indivíduo de ser processado e sentenciado por juízo designado por regras abstratas e existentes previamente Proíbese assim o juiz designado para o caso juiz ad hoc e o juízo ou tribunal de exceção aquele que é criado posteriormente para julgar determinado caso Na dicção do Min Edson Fachin a garantia do juiz natural que como sabemos visa assegurar que a jurisdição em cada caso submetido ao Poder Judiciário será prestada pelo órgão competente segundo a Constituição Federal com o auxílio das normas infraconstitucionais vigentes E é por isso que sem dúvida alguma no Estado Democrático de Direito há que se vedar de modo absoluto a instituição de Tribunais ou Juízos de exceção STF Inq 4435 Ag R QuartoDF rel Min Marco Aurélio trecho do voto do Min Edson Fachin j 1432019 DJU de 2182019 A exigência de um juízo natural imparcial e independente impede que haja ameaças legislativas à tomada de decisão judicial isenta ou à provocação isenta do Judiciário Por isso há intenso debate sobre a inconstitucionalidade e inconvencionalidade da Lei n 13869 de 5 de setembro de 2019 que redefiniu o conceito de crime de abuso de autoridade revogando a Lei n 489865 Os crimes de abuso de autoridade são aqueles i cometidos por agente público servidor ou não que ii no exercício de suas funções ou a pretexto de exercêlas iii abuse do poder que lhe tenha sido atribuído É necessário que o iv agente tenha atuado com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal Foi afastado pela própria lei o risco de existir o chamado crime de hermenêutica criminalização da conduta de um agente público que adotou interpretação distinta da interpretação majoritária sendo expresso na lei que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade art 1º 2º Os tipos penais foram elencados a partir do art 9º da lei destacandose 1 Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais 2 Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida 3 Proceder à obtenção de prova em procedimento de investigação ou fiscalização por meio manifestamente ilícito 4 Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa em desfavor de alguém à falta de qualquer indício da prática de crime de ilícito funcional ou de infração administrativa 5 Impedir sem justa causa a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado 6 Dar início ou proceder à persecução penal civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente 7 Exigir informação ou cumprimento de obrigação inclusive o dever de fazer ou de não fazer sem expresso amparo legal 8 Decretar em processo judicial a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e ante a demonstração pela parte da excessividade da medida deixar de corrigila 9 Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa em desfavor de alguém à falta de qualquer indício da prática de crime de ilícito funcional ou de infração administrativa 10 Exigir informação ou cumprimento de obrigação inclusive o dever de fazer ou de não fazer sem expresso amparo legal e 11 Demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento Apesar dos limites gerais autoimpostos dolo específico e proibição do crime de hermenêutica os tipos penais acima enunciados da lei aprovada com a superação dos vetos presidenciais são indeterminados gerando ofensa i à segurança jurídica e ii à reserva legal em matéria penal De fato o uso do vocábulo manifestamente ou ainda da expressão sem justa causa fundamentada ou ainda sem justa causa bem como de exacerbadamente sem qualquer indício injustificadamente ou sem expresso amparo legal gera incerteza incompatível com a segurança jurídica e com a indispensável taxatividade do tipo penal incriminador art 5º XXXIX não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal Além disso ficam abalados ainda o direito ao juiz natural e o direito ao promotor natural que exigem magistrados e membros do Ministério Público independentes que devem adotar as medidas cabíveis sem temer que apreciação futura considere que suas decisões foram manifestamente incabíveis resultando na prática de crimes Cabe salientar que a evolução da jurisprudência pode ser feita de início com a propositura de ações pedidos ou adoção de decisões que são a princípio ofensivas a textos normativos mas que são compatíveis com a CF88 tratados e com a gramática de direitos Neste Curso estudouse a ponderação de 2º grau mencionandose como exemplo a decisão do STF de autorizar a entrada de policiais federais em domicílio escritório para colocação de escuta ambiental durante a madrugada De início essa decisão do STF contrariou texto expresso da CF88 em nome da inviolabilidade domiciliar a autorização judicial nessa hipótese deve ser cumprida durante o dia art 5º XI mas foi proporcional em face dos direitos em colisão Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJE 2632010 A nova Lei de Abuso de Autoridade desestimula esse tipo de decisão ao menos as tomadas pelas instâncias judiciais inferiores ao STF fragilizando a independência judicial e ministerial 232 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O JUIZ NATURAL O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO A Constituição estabeleceu diversas hipóteses de competência por foro de prerrogativa de função que se constituem no juiz natural dessas autoridades a saber Função Espécie de crime Competência Presidente da República e VicePresidente crime comum STF CF art 102 I b crime de responsabilidade Senado Federal CF art 52 I Deputados Federais e Senadores crime comum STF CF art 102 I b crime de responsabilidade Casa respectiva CF art 55 Ministros do STF crime comum STF CF art 102 I b crime de responsabilidade Senado Federal CF art 52 I ProcuradorGeral da República crime comum STF CF art 102 I b crime de responsabilidade Senado Federal CF art 52 I AdvogadoGeral da União crime comum STF CF art 102 I b crime de responsabilidade Senado Federal CF art 52 I Membros dos Tribunais Superiores do TCU e os chefes de missão diplomática de caráter permanente crime comum e de responsabilidade STF CF art 102 I b Governador de Estado crime comum STJ CF art 105 I a crime de responsabilidade Tribunal Especial Lei n 107950 art 78 Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos crime comum e de responsabilidade STJ CF art 105 I a Estados e do Distrito Federal Desembargadores Federais Membros dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho crime comum e de responsabilidade STJ CF art 105 I a Membros dos Tribunais de Contas dos Estados do DF e dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios crime comum e de responsabilidade STJ CF art 105 I a Membros do Ministério Público da União que oficiam perante tribunais crime comum e de responsabilidade STJ CF art 105 I a Deputados estaduais crime comum Depende da Constituição Estadual em regra Tribunais de Justiça crime de responsabilidade Assembleia Legislativa do Estado crime federal Tribunal Regional Federal crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral Juízes Federais Juízes da Justiça Militar Juízes da Justiça do Trabalho crime comum e de responsabilidade Tribunal Regional Federal CF art 108 I a crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral Membros do Ministério Pú blico da União MPMMPTMPDFTMPF que atuam na 1ª instância crime comum e de responsabilidade Tribunal Regional Federal CF art 108 I a ou seja promotor de justiça do DF não é julgado pelo TJDF mas sim pelo TRF sendo processado criminalmente por membro do MPF crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral Juízes Estaduais e do Distrito Federal crime comum e de responsabilidade Tribunais de Justiça CF art 96 III crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral ProcuradorGeral de Justiça crime comum Tribunais de Justiça CF art 96 III crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral crime de responsabilidade Poder Legislativo Estadual ou Distrital CF art 128 crime de responsabilidade conexo com Governador de Estado Tribunal Especial Lei n 107950 art 78 Membros do Ministério Público Estadual crime comum e de responsabilidade Tribunais de Justiça CF art 96 III crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral Prefeitos crime comum Tribunais de Justiça CF art 29 X crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral crime federal Tribunal Regional Federal crime de Câmara de Vereadores responsabilidade CF art 3187 Desse quadro cabem as seguintes observações 446 1 Toda vez que a Constituição menciona crime de responsabilidade a ser julgado por órgão político por exemplo crime de responsabilidade do Presidente que será julgado pelo Senado após autorização da Câmara dos Deputados e confirmação desta autorização pelo próprio Senado 447 devese entender tal crime como sendo infração políticoadministrativa quando se referir a crime de responsabilidade a ser julgado por órgão do Poder Judiciário tratase de crime de ação penal titularizada pelo Ministério Público art 129 I da CF88 2 De acordo com a Súmula 704 do STF não viola as garantias do juiz natural da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados 3 O desmembramento das investigações e ações penais no foro por prerrogativa de função é a regra devendo excepcionalmente ser mantido o julgamento conjunto do réu com prerrogativa e o corréu sem prerrogativa 4 O foro por prerrogativa de função na esfera criminal é estabelecido para a preservação das atribuições do cargo ocupado pela autoridade pública Assim não pode ser invocado por exocupante por aposentadoria renúncia cassação etc Em 2002 a Lei n 10628 estendeu essa prerrogativa aos exocupantes de cargos públicos e exdetentores de mandatos eletivos e ainda alargou tal prerrogativa para os atos de improbidade tendo o STF considerado tal extensão inconstitucional em 15 de setembro de 2005 Em 2012 o STF modulou o efeito de tal declaração de inconstitucionalidade apenas para em nome da segurança jurídica considerar válidos os atos processuais eventualmente praticados nesses processos criminais ou de improbidade administrativa entre 24 de dezembro 2002 data da edição da lei inconstitucional a 15 de setembro de 2005 ver ADI 2797 5 A renúncia ou qualquer outra forma de término do exercício do cargo que gera a prerrogativa de foro implica em cessação da competência e remessa do processo no estado em que se encontra ao juízo comum Esse tema foi alvo de polêmica no Supremo Tribunal Federal com o cancelamento da Súmula 394 do STF prevaleceu por um tempo a orientação de que a renúncia de réu parlamentar teria como efeito a extinção imediata da competência do STF Questão de Ordem no Inquérito 687SP rel Min Sydney Sanches em 2781999 Tal entendimento passou a ser questionado em 2007 na Ação Penal 333PB em que foi suscitada questão de ordem devido à renúncia de mandato pelo réu Ronaldo José da Cunha Lima após a publicação da pauta de julgamento da ação Em que pese entendimento contrário de parte dos Ministros o STF considerou não ter sido configurado abuso do direito de renúncia declinando assim a sua competência para o caso Diferente foi a solução na Ação Penal 396RO em 2010 na qual o parlamentar Natan Donadon também renunciou a mandato depois do processo ter sido incluído em pauta para julgamento com risco de prescrição Nessa ação penal o STF consignou por maioria que a renúncia de mandato não poderia ser subvertida em escolha pessoal para deslocar competências constitucionalmente definidas considerando se competente para continuar o julgamento do feito Em 2014 no julgamento de Questão de Ordem na Ação Penal n 536MG referente à renúncia de mandato do réu Eduardo Azeredo após o oferecimento de alegações finais pelo ProcuradorGeral da República o STF rememorando a polêmica sobre o tema reconheceu a necessidade de estabelecer parâmetro objetivo no exame de eventual abuso processual na renúncia de mandato Em 2014 o STF reconheceu que o final da instrução deve ser o parâmetro objetivo para que a renúncia gere o fim do foro por prerrogativa de função após o fim da instrução o Tribunal deve continuar o julgamento mesmo após a extinção do mandato AP 606 QO rel Min Roberto Barroso j 12 82014 Primeira Turma DJe de 1892014 no mesmo sentido AP 568 rel Min Roberto Barroso j 1442015 Primeira Turma DJe de 1852015 ver abaixo o posicionamento do STF reiterando a fixação da competência no STF após o fim da instrução criminal 6 Não há foro por prerrogativa de função na área cível e em especial na ação de improbidade tendo decidido o STF que há orientação firmada no sentido de que inexiste foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa RE 601478AgR rel Min Eros Grau j 1632010 Segunda Turma DJe de 942010 7 O desaforamento previsto no art 427 do CPP do tribunal do júri não viola o princípio do juiz natural sendo compatível com Constituição pois assegura o respeito ao devido processo legal e imparcialidade do juízo STF HC 67851 rel Min Sydney Sanches j 2441990 Plenário DJ de 1851990 8 Varas criminais coletivas 5 juízes atuando no julgamento em 1º grau para julgar organizações criminosas tais quais as estabelecidas em Alagoas não são inconstitucionais A competência legislativa concorrente art 24 da CF permite tal atuação de lei estadual Além disso o julgamento coletivo em 1º grau nesses casos de organizações criminosas favorece a independência judicial STF ADI 4414AL rel Min Luiz Fux 30 e 3152012 9 A garantia do juiz natural é atendida quando o STF delega o interrogatório dos réus e outros atos da instrução processual a juízes da Seção Judiciária escolhidos mediante sorteio APn 470QO rel Min Joaquim Barbosa j 6122007 Plenário DJe de 1432008 10 É possível excepcionalmente suspender o exercício do mandato parlamentar e ainda da Presidência de uma Casa legislativa caso existam elementos de riscos para a efetividade da jurisdição criminal e para a dignidade do próprio Parlamento envolvido No caso Eduardo Cunha o STF suspendeu em maio de 2016 o mandato parlamentar do então Dep Federal Eduardo Cunha e também o seu exercício da Presidência da Câmara dos Deputados a pedido do ProcuradorGeral da República Rodrigo Janot como medida adequada e suficiente para neutralizar os riscos descritos pelo ProcuradorGeral da República trecho do voto do Min relator Teori Zavascki STF ACO n 4070DF j 552016 DJe de 21102016 11 A competência para julgamento dos crimes eleitorais está fragmentada entre os Tribunais Superiores brasileiros gerando interpretações divergentes na matéria Obviamente na Justiça Eleitoral há competência para julgamento de crimes eleitorais pelos juízes eleitorais pelo Tribunal Regional Eleitoral e somente na via recursal pelo Tribunal Superior Eleitoral que não possui competência criminal eleitoral originária o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal também julgam originalmente crimes eleitorais de determinadas autoridades públicas Claro que a posição do STF como órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro o indicaria como fonte da interpretação final do conteúdo jurídico dos crimes eleitorais Porém como os casos criminais têm forte carga fática a prática indica que é muito difícil para a parte prejudicada Ministério Público ou Defesa por uma interpretação divergente do que vem a ser um crime eleitoral conseguir interpor um recurso extraordinário viável ao Supremo Tribunal Federal 12 Caso o haja surgimento de indícios de envolvimento de detentor de prerrogativa de foro em investigação criminal qualquer por exemplo em interceptações telefônicas em primeiro grau de jurisdição é necessária a remessa imediata dos autos à Corte respectiva O prosseguimento das investigações no primeiro grau em relação ao detentor de foro constitui na visão do STF violação do princípio do juiz natural Para evitar prejuízo às investigações envolvendo os demais investigados cabe desmembramento e envio dos autos apartados ao Tribunal Por outro lado todas as provas decorrentes da continuidade das investigações em foro não apropriado são consideradas provas ilícitas por derivação em face da teoria dos frutos da árvore envenenada RHC 135683 rel Min Dias Toffoli j 25102016 2ª T DJe de 342017 13 Em 2018 o STF restringiu fortemente o foro por prerrogativa de função para deputados e senadores que só devem responder a processos criminais no STF se i os fatos imputados ocorrerem durante o mandato e ii em função do cargo Foi fixada a seguinte tese i O foro por prerrogativa de função aplicase apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas e ii Após o final da instrução processual com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava qualquer que seja o motivo com o entendimento de que esta nova linha interpretativa deve se aplicar imediatamente aos processos em curso com a ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior STF Questão de Ordem na Ação Penal n 937RJ rel Min Barroso Plenário 352018 14 O foro por prerrogativa de função do prefeito aplicase somente aos crimes cometidos i durante o exercício do cargo e ii relacionados ao cargo ratione muneris Não cabe prorrogação da prerrogativa do foro após o fim do mandato do prefeito mesmo que ele tenha assumido um novo mandato STF RE 1185838SP rel para o acórdão Min Alexandre de Moraes j 1452019 233 JUIZ NATURAL E CRIMES ELEITORAIS CONEXOS COM CRIMES FEDERAIS COMUNS A OPERAÇÃO LAVA JATO O princípio do juiz natural foi rediscutido no STF em 2019 na discussão sobre qual deve ser o juízo natural em casos conexos sob competência de mais de um ramo do Poder Judiciário da União De fato em diversos casos da Operação Lava Jato entre outras a investigação e a persecução criminal envolveram crimes eleitorais e crimes federais comuns A hipótese mais comum encontrada foi a de persecução do crime de falsidade eleitoral art 350 do Código Penal em virtude de prestações de contas fraudadas para esconder a fonte ilícita dos recursos em geral associada à corrupção envolvendo agentes públicos e outros crimes federais por exemplo a evasão de divisas O Ministério Público Federal defendeu a cisão e o julgamento em separado o crime de falsidade ideológica eleitoral deveria ser julgado perante a Justiça Eleitoral art 121 caput da CF88 e o crime de evasão de divisas deveria ser julgado perante a Justiça Federal art 109 VI O STF entendeu que os crimes comuns conexos a crimes eleitorais devem ser investigados processados e julgados perante a Justiça Eleitoral Para o Min Marco Aurélio relator é impossível o desmembramento das investigações no tocante aos delitos comuns e eleitoral uma vez que a competência da Justiça comum federal ou estadual é residual quanto à Justiça especializada seja eleitoral ou militar estabelecida em razão da matéria e não se revela passível de sobreporse à última Para o Min Gilmar Mendes do ponto de vista constitucional a prevalência da Justiça Eleitoral é justificada pela preocupação com o bom funcionamento do sistema democrático pois A apuração de crimes comuns conexos a crimes eleitorais é importante inclusive para reforçar o papel institucional da Justiça Eleitoral possibilitando melhor compreensão sobre os impactos e efeitos de crimes financeiros econômicos e de corrupção sobre os resultados dos pleitos Em que pese a existência de diversos precedentes anteriores abriu divergência o Min Fachin defendendo a prevalência da competência constitucional que não poderia ser usurpada por regra de conexão estabelecida no CPP art 79 IV 448 De fato a competência constitucional da Justiça Federal que é absoluta não poderia ser derrogada por lei No voto do Min Fachin Entender de modo diverso seria autorizar que a lei modificasse a competência constitucionalmente estabelecida no art 109 da CF Além disso como ambas as competências Justiça Federal e Justiça Eleitoral têm assento constitucional a solução para evitar a prevalência indevida de uma sobre a outra seria a cisão Assim para o Min Fachin existindo concorrência de juízos com competências igualmente fixadas na Constituição Federal o princípio do juiz natural exige a cisão do processo Contudo essa posição ficou vencida por apertada maioria tendo sido mantida a reunião de processos na Justiça Eleitoral a quem cabe por sua vez verificar se existe ou não a pretendida conexão votação de 6 x 5 STF Inq 4435 Ag R QuartoDF rel Min Marco Aurélio trecho do voto do Min Edson Fachin j 1432019 DJU de 2182019 234 PROMOTOR NATURAL Após intensa discussão doutrinária e jurisprudencial 449 o STF acatou a existência do postulado do promotor natural que consiste no direito de determinado indivíduo de ser processado por promotor designado de acordo com regras abstratas e prévias ao caso concreto Para o STF o postulado do Promotor Natural é implícito ao sistema constitucional brasileiro gerando os seguintes efeitos 1 Proibição de designações casuísticas de Promotor mesmo que efetuadas pela Chefia da Instituição situação denominada acusação de exceção 2 Garantia de que o afastamento do promotor originalmente promotor natural será feito também por regras previamente existentes como por exemplo férias aposentadoria quebra da inamovibilidade por decisão de órgão superior por maioria absoluta por motivo de interesse público CF art 128 I b punição disciplinar do Conselho Nacional do Ministério Público art 130A 2º III etc 3 Ausência de violação do postulado do promotor natural pela sucessão de posições colidentes em um mesmo processo uma vez que tais divergências entre promotores são decorrência da independência funcional HC 102147 rel Min Celso de Mello decisão monocrática j 16122010 DJe de 322011 235 TRIBUNAL DO JÚRI Art 5º XXXVIII é reconhecida a instituição do júri com a organização que lhe der a lei assegurados a a plenitude de defesa b o sigilo das votações c a soberania dos veredictos d a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida A instituição do Júri consiste no conjunto de normas que rege o julgamento de determinada causa cível ou criminal por um colegiado de cidadãos É inspirada pela Carta Magna de 1215 que determinava o direito de uma pessoa ser julgada por seus pares A Constituição de 1988 inseriu na mesma linha a instituição do júri no rol dos direitos individuais No plano constitucional a Constituição de 1824 foi a primeira a prever o Tribunal do Júri tradição que foi mantida até a Constituição de 1988 com as seguintes características 1 organização regida pela lei 2 competência mínima a ser observada podendo ser ampliada pela lei mas nunca reduzida julgamento dos crimes dolosos contra a vida 3 informado pelos princípios da plenitude de defesa sigilo das votações e soberania dos veredictos Atualmente o Júri possui competência para os crimes dolosos contra a vida arts 121 1º e 2º 122 parágrafo único 123 124 125 126 e 127 do CP consumados ou tentados e conexos tendo a Lei n 116892008 alterado as regras do CPP arts 408 e seguintes para dotar o Júri de um novo procedimento mais célere Foram mantidas as duas fases do julgamento do procedimento a primeira fase é o juízo de admissibilidade judicium accusationis ou juízo do sumário de culpa perante o juiz togado singular que se inicia com o recebimento da denúncia por juiz togado ou queixa na hipótese de ação penal privada subsidiária da pública e termina com a sentença de pronúncia impronúncia ou absolvição sumária O juiz pode ainda desclassificar o crime para um fora da competência do Júri e caso não seja competente para o julgamento remeterá os autos ao juiz que o seja A segunda fase caso exista a pronúncia é denominada judicium causae terminando com o julgamento da causa em plenário no qual os jurados decidem sobre a matéria de fato e o juiz presidente decidirá sobre o quantum da sentença caso os jurados decidam pela existência de crime Da imensa jurisprudência do STF sobre a instituição do júri devem ser ressaltadas i A competência constitucional do foro por prerrogativa de função prevalece sobre a competência do Tribunal do Júri Assim crime doloso contra a vida cometido por juiz de direito será julgado pelo seu Tribunal de Justiça ii A competência do Tribunal do Júri prevista na Constituição de 1988 é mínima podendo a lei ampliála o que torna legítimo o julgamento pelo júri dos crimes conexos tal qual preconiza o Código de Processo Penal iii A competência do Tribunal do Júri por ser prevista na Constituição Federal prevalece sobre a competência prevista somente na Constituição Estadual Súmula 721 do STF iv Corréu que não tem foro por prerrogativa de função deve ser julgado pelo Tribunal do Júri desmembrandose o processo penal v Para o STF a competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri Súmula 603 grifo meu vi Para o STF é constitucional o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de militar em serviço pela justiça castrense sem a submissão destes crimes ao Tribunal do Júri nos termos do o art 9º III d do CPM HC 91003 rel Min Cármen Lúcia j 2252007 Primeira Turma DJ de 382007 vii A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri não é absoluta sendo constitucionais os dispositivos que preveem a anulação da decisão do Júri sob o fundamento de que ela se deu de modo contrário à prova dos autos Evitase o arbítrio que é incompatível com o Estado de Direito HC 88707 rel Min Ellen Gracie j 992008 Segunda Turma DJe de 17102008 viii A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecida exclusivamente pela constituição estadual STF Súmula Vinculante n 45 ix A Lei n 134912017 restringiu o alcance do Tribunal do Júri ao prever que mesmo quando dolosos contra a vida de civil serão da competência da Justiça Militar da União quando praticados por militares somente das Forças Armadas nas seguintes situações I do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa II de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar mesmo que não beligerante ou III de atividade de natureza militar de operação de paz de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária Nesta última hipótese se encaixam as mortes de civis causadas por militares das Forças Armadas nas chamadas Operações de Garantia da Lei e da Ordem GLO vistas por exemplo no Rio de Janeiro x Para o STF não cabe a execução provisória da pena após a mera condenação pelo Tribunal do Júri que não pode ser considerado equivalente a uma decisão em segunda instância É inaceitável a conclusão de que a soberania do veredicto do júri legitimaria a execução antecipada ou meramente provisória da condenação proferida em primeira instância pelo Conselho de Sentença STF Medida Cautelar no HC n 174759 rel Min Celso de Mello decisão monocrática de 2092019 xi O critério de decisão do in dubio pro societate é tradicional na fase de pronúncia nos julgamentos submetidos ao Tribunal do Júri Por tal critério caso haja mínimo lastro probatório sobre os indícios de autoria além da materialidade a soberania constitucional dos julgados do Tribunal do Júri exigiria que o réu fosse submetido ao Conselho de Sentença Contudo mesmo na fase da pronúncia deve existir uma apreciação racional das provas coligidas levando à preponderância de provas incriminadoras em face daquelas que são consistentes com a narrativa defensiva Não se trata de exigir da Acusação um standard probatório típico da condenação mas que ao menos haja um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória voto do Min Gilmar Mendes no ARE 1067392 Além disso caso haja dúvida sobre a preponderância de provas existindo equilíbrio entre as que sustentam a tese acusatória e a tese defensiva incide o critério de decisão do in dubio pro reo estabelecido na consagração da presunção de inocência da CF88 art 5º LVII em tratados internacionais de direitos humanos por exemplo no art 82 da Convenção Americana de Direitos Humanos e também no CPP arts 413 e 414 Não se viola o princípio da soberania dos vereditos no Tribunal do Júri uma vez que i a lógica do sistema bifásico pronúncia por juiz togado e julgamento final pelo corpo de jurados assegura um processo penal racional em um Estado Democrático de Direito e ii outra denúncia pode ser proposta caso surjam novas provas incriminatórias STF Agravo no RE n 1067392 2ª T rel Min Gilmar Mendes j 26 32019 concessão de ordem de habeas corpus de ofício 24 Direitos Humanos no Direito Penal e Processual Penal Art 5º XXXIX não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal XL a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu XLI a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais XLII a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei XLIII a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins o terrorismo e os definidos como crimes hediondos por eles respondendo os mandantes os executores e os que podendo evitálos se omitirem XLIV constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático 241 PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL E DA ANTERIORIDADE EM MATÉRIA PENAL De acordo com a Constituição de 1988 o Direito Penal é regido pelo princípio da reserva legal ver acima pelo qual não há crime sem lei formal anterior que o defina nullum crime nulla poena sine praevia lege Com a exigência de lei prévia evitase a surpresa e a insegurança jurídica causada por lei retroativa bem como o estabelecimento de norma incriminadora sem o respaldo dos representantes do povo por isso a exigência de lei formal Porém a própria Constituição excepciona a proibição de lei retroativa no campo penal prevendo que a lei penal retroagirá para beneficiar o réu Por sua vez qualquer alteração legislativa na área criminal que contenha normas penais benéficas como as que abolem crimes ou que limitam sua abrangência estabeleçam extinção ou abrandamento de penas ou aumentem os casos de isenção de pena de extinção de pena ou qualquer elemento que minore os efeitos deletérios da aplicação da lei penal pretérita deve retroagir A jurisprudência recente do STF traz as seguintes contribuições ao tema i Para o STF a lei penal mais grave aplicase ao crime continuado ou ao crime permanente se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência Súmula 711 ii Ainda para o STF transitada em julgado a sentença condenatória compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna Súmula 611 iii Não se admite medida provisória incriminadora Já a medida provisória não incriminadora foi admitida pelo STF em julgamento anterior à edição da Emenda Constitucional n 322001 que expressamente proibiu medida provisória para tratar de matéria referente ao Direito Penal Entendese que esse precedente RE 254818 rel Min Sepúlveda Pertence j 8112000 Plenário DJ de 19122002 não mais é aplicável iv Para o STF a nova Lei n 120152009 permite a retroatividade da lei penal mais benéfica pois ao unificar os crimes anteriores de estupro e atentado violento ao pudor no novo art 213 do CP permitiu o reconhecimento da continuidade delitiva dos antigos delitos de estupro e atentado violento ao pudor quando praticados nas mesmas circunstâncias de tempo modo e local e contra a mesma vítima levando a um abrandamento da pena HC 86110 rel Min Cezar Peluso j 232010 Segunda Turma DJe de 2342010 v A imprescritibilidade de crimes prevista na CF88 não elimina a possibilidade de lei ordinária estabelecer outras hipóteses de crimes imprescritíveis STF RE 460971 rel Min Sepúlveda Pertence j 1322007 Primeira Turma DJ de 3032007 vi Em matéria penal o STF entende que prevalece o dogma da reserva constitucional de lei em sentido formal admitindose no Brasil somente a lei interna como fonte formal e direta de regras de Direito Penal Por isso decidiu que As convenções internacionais como a Convenção de Palermo não se qualificam constitucionalmente como fonte formal direta legitimadora da regulação normativa concernente à tipificação de crimes e à cominação de sanções penais STF RHC 121835AgR rel Min Celso de Mello j 13102015 Segunda Turma DJe de 23112015 242 OS MANDADOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO DEFICIENTE A proteção de direitos humanos impõe limites materiais e formais ao Direito Penal e à persecução criminal investigação processo e execução penais mas ao mesmo tempo também exige que o Estado estabeleça a tutela penal contra condutas de violação de direitos humanos Quanto aos limites desde Beccaria o Direito Penal desenvolvese sob a atenta observação da proteção dos direitos fundamentais de modo a impedir o excesso e a sanha vingativa e repressiva da sociedade e do Estado 450 Assim consagrouse ao longo dos séculos a conformação do Direito Penal à proteção de direitos humanos o que redundou em uma adequação constitucional do Direito Penal Do ponto de vista formal a proteção de direitos dos indivíduos estipulou i restrições à aplicação da lei penal pela adoção do princípio da legalidade estrita presunção de inocência e o in dubio pro reo irretroatividade da lei gravosa e retroatividade da lei benigna bem como ii garantias processuais como a do juízo natural vedação do tribunal de exceção devido processo legal penal legalidade e legitimidade das provas e ainda condicionamentos da iii execução penal por meio da vedação de penas cruéis e desumanas individualização da pena e direitos do sentenciado Do ponto de vista material há restrições implícitas à tipificação de determinadas condutas sob pena de violação de direitos fundamentais Com isso seria inconstitucional por violação de direitos fundamentais a tipificação e punição da homossexualidade ou o uso do Direito Penal para fins de defesa de determinada moralidade religiosa 451 Por outro lado a Constituição de 1988 e os tratados de direitos humanos também invocam a atuação do Direito Penal para sua proteção Assim o Direito Penal não é só limitado pelas Constituições e tratados mas em algumas situações sua aplicação é exigida como instrumento essencial de proteção de bens jurídicos Ao mesmo tempo em que o Estado não pode se exceder no campo penal proibição do excesso ou Übermassverbot também não se pode omitir ou agir de modo insuficiente proibição da insuficiência ou Untermassverbot É uma nova faceta agora amistosa na relação entre os Direitos Humanos e o Direito Penal Partese da constatação que em um Estado Democrático de Direito o Poder Público não pode se omitir na promoção dos direitos humanos devendo protegêlos inclusive com o instrumento penal Caso abra mão da tutela penal o Estado incorre na proteção deficiente dos direitos fundamentais violando a Constituição e os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil Consagrase o princípio da proibição da proteção deficiente na esfera criminal que consiste na vedação ao Estado de descriminalizar ou atenuar a tutela penal de certas condutas ofensivas a direitos fundamentais O princípio da vedação da proteção deficiente na esfera criminal é fundado implicitamente no próprio dispositivo constitucional que trata do Estado Democrático de Direito e de seu dever de promover a dignidade da pessoa humana art 1º caput e inciso III da CF88 e tem os seguintes usos i Torna constitucional e estimula a criação de leis penais criminalizando condutas ofensivas a direitos fundamentais como por exemplo futura lei que venha a criminalizar a homofobia antigo anseio dos movimentos de direitos humanos no Brasil ii Torna inconstitucional lei ou interpretação da lei que venha a descriminalizar ou ainda dificultar a persecução penal a violadores de direitos humanos Nesse sentido a Procuradoria Geral da República propôs a ADI 4301 perante o STF ainda em curso rel Min Joaquim Barbosa Rel atual Min Roberto Barroso que atacou contra a nova redação do art 225 do CP pela qual no crime de estupro do qual resulte lesão corporal grave ou morte deve procederse mediante ação penal pública condicionada à representação e não mais por meio de ação penal pública incondicionada Essa mudança legislativa foi considerada pela PGR inconstitucional por violar o princípio da proibição da proteção deficiente No STF houve já discussão do princípio da proibição da proteção deficiente em voto do Ministro Gilmar Mendes que afirmou que a proibição de proteção deficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção ou seja na perspectiva do dever de proteção que se consubstancia naqueles casos em que o Estado não pode abrir mão da proteção do direito penal para garantir a proteção de um direito fundamental Nesse caso o STF não permitiu a equiparação da união estável ao casamento para fins de extinção de punibilidade à época permitida antes da edição da Lei n 111062005 de Autor de estupro de menina de 9 anos não aceitando o uso de analogia pro reo em caso de dramática violação de direitos humanos RE 418376 rel p o ac Min Joaquim Barbosa j 922006 Plenário DJ de 2332007 Em outro julgado decidiu o STF que Os mandatos constitucionais de criminalização portanto impõem ao legislador para o seu devido cumprimento o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente HC 104410 rel Min Gilmar Mendes 2ª T j 632012 A própria Constituição adotou expressamente o dever do uso do Direito Penal para proteger direitos fundamentais por meio dos mandados constitucionais de criminalização Esses mandados consistem em dispositivos constitucionais que i ordenam a tipificação penal de determinada conduta ii exigem a imposição de determinada pena estabelecem a vedação de determinados benefícios ou até determinam tratamento prisional específico São os seguintes mandados expressos de criminalização identificados por Gonçalves 452 na Constituição devendo o leitor não esquecer dos mandados internacionais de criminalização estudados acima nos capítulos sobre os tratados específicos de direitos humanos 1 Art 5º XLI a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais 2 Art 5º XLII a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei 3 Art 5º XLIII a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins o terrorismo e os definidos como crimes hediondos por eles respondendo os mandantes os executores e os que podendo evitálos se omitirem 4 Art 5º XLIV constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático 5 Art 7º X proteção do salário na forma da lei constituindo crime sua retenção dolosa 6 Art 225 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados 7 Art 227 4º A lei punirá severamente o abuso a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente 8 Art 243 parágrafo único Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização controle prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias Abordaremos com destaque alguns desses mandados expressos de criminalização abaixo 243 RACISMO 2431 O crime de racismo e sua abrangência o antissemitismo e outras práticas discriminatórias O racismo consiste em qualquer teoria doutrina ideologia ou conjunto de ideia que sustenta a existência de um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupo de indivíduos com suas características intelectuais culturais e de personalidade incluindo o falso conceito de superioridade racial Considerandos da Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância O racismo tem como finalidade justamente consagrar a superioridade de uma pretensa raça buscando fundamentar práticas discriminatórias e inferiorizantes em uma pretensa moral ou racionalidade científica A CF88 estabelece no seu art 4º VIII que o Brasil deve reger suas relações internacionais pelo princípio do repúdio ao racismo Nessa linha o art 5º XLII da CF88 prevê que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei A Lei n 7716 de 5 de janeiro de 1989 também chamada de Lei Caó define os crimes de discriminação ou preconceito e suas punições tendo revogado leis anteriores Lei n 743885 e Lei n 139051 esta que tratava a matéria como contravenção penal Lei Afonso Arinos De acordo com seu art 1º serão punidos na forma desta lei os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional redação dada pela Lei n 945997 Essa lei pune várias condutas odiosas adotadas pelo agente por motivo de discriminação de raça cor etnia religião ou procedência nacional podendo ser classificadas de acordo com o objetivo tutelado 1 Igualdade no acesso a cargos públicos que pune a conduta de impedir ou obstar o acesso de alguém ou sua promoção funcional a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta bem como das concessionárias de serviços públicos 2 Igualdade na relação de trabalho que pune aquele que deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores ou impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional ou ainda aquele que proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho especialmente quanto ao salário 3 Igualdade nas relações de consumo que pune diversas condutas nas relações consumeristas tais como a recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial negando se a servir atender ou receber cliente ou comprador b recusar negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau c impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel pensão estalagem ou qualquer estabelecimento similar d impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes bares confeitarias ou locais semelhantes abertos ao público e impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos casas de diversões ou clubes sociais abertos ao público f impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros barbearias termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades 4 Igualdade nas relações sociais que pune aquele que impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos ou ainda que impedir o acesso ou uso de transportes públicos como aviões navios barcas barcos ônibus trens metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido 5 Igualdade nas Forças Armadas que pune aquele que impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas 6 Igualdade no Direito de Família que pune aquele que impedir ou obstar por qualquer meio ou forma o casamento ou convivência familiar e social Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública para o servidor público e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses Porém tais efeitos não são automáticos devendo ser motivadamente declarados na sentença condenatória Finalmente cabe destaque veja a análise da liberdade de expressão a criminalização da conduta de praticar induzir ou incitar pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza a discriminação ou preconceito de raça por religião etnia ou procedência nacional que foi incluído pela Lei n 808190 Em 1994 a Lei n 8882 criminalizou a conduta de fabricar comercializar distribuir ou veicular símbolos emblemas ornamentos distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo Poderá o juiz determinar ouvido o Ministério Público ou a pedido deste ainda antes do inquérito policial sob pena de desobediência o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo bem como a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas A Lei n 12288 de 2010 ainda permite que o juiz determine mesmo na fase do inquérito policial a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores internet Em 1995 a Lei n 9029 vedou a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego ou sua manutenção por motivo de sexo origem raça cor estado civil situação familiar ou idade ressalvadas neste caso as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art 7º da Constituição Federal São crimes as práticas discriminatórias de exigir teste exame perícia laudo atestado declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez bem como a adoção de qualquer programa de esterilização forçada Por outro lado a doutrina discute a existência de concurso aparente de normas penais entre o art 20 da Lei n 771689 Art 20 Praticar induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional e o art 140 3º do CP injúria qualificada por preconceito Esse dispositivo do Código Penal foi acrescentado pela Lei n 945997 gerando um tipo qualificado ao delito de injúria que comina a pena de reclusão de um a três anos e multa se a injúria consistir na utilização de elementos referentes a raça cor etnia religião origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência De acordo com Damásio de Jesus se o agente chamar alguém de negro preto pretão negrão turco africano judeu baiano japa etc desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com cor religião raça ou etnia sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão além de multa 453 Assim nesses casos de xingamentos uso de expressões chulas entre outros considerase que o art 140 3º é lex specialis e deve ser aplicado afastandose a norma geral do art 20 da Lei n 771689 que usa a expressão genérica praticar induzir ou incitar Para a visão jurisprudencial tradicional o delito de injúria racial não é abarcado pelo regime constitucional punitivo especial do racismo podendo prescrever Essa é a posição do STF que em 2011 reconheceu a prescrição de crime de injúria qualificada por preconceito imputado a Deputado Federal da seguinte forma Configura injúria qualificada pela utilização de elementos referentes a raça e cor a ofensa por meio dos termos como a ora imputada Declarada a extinção da punibilidade do querelado em razão da prescrição da pretensão punitiva APn 395PR rel Min Luiz Fux j 3032011 Contudo em 2016 o Superior Tribunal de Justiça determinou que a injúria racial é modalidade de racismo e por isso imprescritível AgRg no Agravo em Recurso Especial n 686965 rel Min Ericson Maranho Des convocado j 1882015 DJe de 3182015 Esse precedente reforça o regime jurídico de repúdio ao racismo uma vez que aquele que pratica a injúria racial adota e promove estereótipos inferiorizantes aprofundando o tratamento discriminatório típico da narrativa racista o que faz por merecer o severo tratamento constitucional e internacional repressivo 2432 O estatuto constitucional punitivo do racismo e o posicionamento do STF o caso do antissemitismo e outras práticas discriminatórias O preconceito consiste em toda conduta estigmatizante e inferiorizante a outrem gerada por motivo racial étnico socioeconômico idade estado civil orientação sexual deficiência religião convicção política origem nacional ou regional ou outro fator social Para aqueles que defendem o conceito restrito de racismo este consistiria em preconceito baseado em cor da pele e outros traços fenotípicos Assim os crimes previstos na Lei n 771689 vista acima teriam tratamento jurídico desigual os crimes de discriminação por raça ou seriam inafiançáveis imprescritíveis e sujeitos à pena de reclusão por ordem expressa da CF88 art 5º XLII Já os crimes de discriminação por religião ou procedência nacional não sofreriam tal rigor Seriam por exemplo prescritíveis Esse conceito restrito de racismo foi abandonado pelo STF no julgamento do Habeas Corpus n 82424 em 2003 no qual se discutiu se a conduta de publicação de obras antissemitas poderia ser encaixada no crime de racismo cujo estatuto constitucional punitivo é severo inafiançabilidade imprescritibilidade e a cominação de pena de reclusão conforme o art 5º XLI Com o objetivo de afastar a imprescritibilidade da pena a Defesa alegou que a conduta não era racismo porque os judeus não constituiriam uma raça Assim a condenação pelo crime de preconceito de religião previsto no art 20 da Lei n 7716 estaria prescrita Porém a maioria dos Ministros adotou o chamado conceito amplo ou conceito social de racismo pelo qual esse crime é realizado contra grupos humanos com características culturais próprias Assim o racismo é uma construção social uma vez que só há uma raça a humana consistindo em uma prática que visa inferiorizar ultrajar e estigmatizar um determinado agrupamento humano por motivo odioso De acordo com a ementa do acórdão da qual foi relator o Ministro Maurício Corrêa foi voto vencido o relator original Min Moreira Alves que adotava o conceito restrito de racismo e votou pelo reconhecimento da prescrição Com a definição e o mapeamento do genoma humano cientificamente não existem distinções entre os homens seja pela segmentação da pele formato dos olhos altura pelos ou por quaisquer outras características físicas visto que todos se qualificam como espécie humana Não há diferenças biológicas entre os seres humanos Na essência são todos iguais Ainda para o STF a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente políticosocial Deste pressuposto originase o racismo que por sua vez gera a discriminação e o preconceito segregacionista HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 Todos os seres humanos podem ser vítimas de racismo que possui facetas contemporâneas como a do antissemitismo xenofobia islamofobia entre outras Nessa linha do STF conceito amplo do racismo a prática de todo e qualquer tipo de racismo previsto na lei penal não somente o oriundo da discriminação racial impõe o estatuto constitucional punitivo a saber inafiançabilidade imprescritibilidade e pena de reclusão O STF decidiu que a ausência de prescrição nos crimes de racismo justificase como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã para que impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 Assim temos o seguinte quadroresumo 1 Os crimes de racismo exigem tipificação penal não bastando a previsão dos mandados constitucionais de criminalização previstos na CF88 a saber a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais art 5º XLI e a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei art 5º XLII 2 A Lei n 771689 tipifica os resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional 3 De acordo com o STF o crime de discriminação por religião antissemitismo por exemplo concretiza o crime de racismo conceito amplo de racismo de cunho social e não biológico e com isso sujeito ao regime constitucional punitivo inafiançabilidade imprescritibilidade pena de reclusão 4 De acordo com o STJ precedente de 2015 visto acima que contraria precedentes do STF o crime de injúria racial promove o racismo devendo ser abarcado pelo regime jurídico severo previsto na CF88 2433 O racismo homotransfóbico Em linha com o conceito amplo ou social de racismo visto acima o Supremo Tribunal Federal inseriu a homotransfobia como forma de racismo criminalizando a conduta à luz da Lei n 771689 em duas ações que tratavam da omissão do Congresso Nacional em adotar lei penal sobre a temática Tal criminalização deve perdurar até que o Congresso Nacional legisle especificamente sobre a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero No Mandado de Injunção n 4733 o relator Min Fachin afirmou que a mora legislativa é ainda mais grave se considerarmos que nas Américas o Brasil é o país onde mais ocorreram relatos de violência contra a população LGBTI conforme Relatório Violência contra Pessoas Lésbicas Gays Bissexuais Trans e Intersex nas Américas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 454 Por sua vez o Comentário Geral n 20 do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais aduz que os Estados devem garantir que a orientação sexual de uma pessoa não seja uma barreira para a realização dos direitos desta Convenção Também mereceu citação do relator Min Fachin i o Princípio n 1 de Yogyakarta ii a Opinião Consultiva n 24 da Corte IDH e iii a Declaração e Programa de Ação de Viena 455 Conclui o Relator estabelecendo que toda pessoa deve ser protegida contra qualquer ato que atinja sua dignidade e assim não se pode tolerar tanto a discriminação baseada na cor etnia religião ou procedência nacional quanto as praticadas em virtude de preconceito a homossexual ou transgênero Por sua vez o Min Celso de Mello considerou como premissa que há um mandado de criminalização no que pertine toda e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais art 5º XLI Por isso para Celso de Mello a omissão do Congresso Nacional em tipificar a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero implica a aceitação de que o sofrimento e a violência dirigida a pessoa gay lésbica bissexual transgênera ou intersex é tolerada ou não gera a reação devida Por se tratar de condutas com a mesma vocação de violar a dignidade humana pela prática da discriminação odiosa o STF julgou procedente o mandado de injunção para i reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e ii aplicar com efeitos prospectivos até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito a Lei n 771689 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero STF Mandado de Injunção n 4733 rel Min Edson Fachin j 1362019 Já na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n 26 o relator Min Celso de Mello enfatizou a configuração de atos homofóbicos e transfóbicos como formas contemporâneas do racismo e nessa condição subsumíveis à tipificação penal constante da Lei n 771689 objetiva fazer preservar no processo de formação de uma sociedade sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação CF art 3º IV a incolumidade dos direitos da personalidade como a essencial dignidade da pessoa humana buscando inibir desse modo comportamentos abusivos que possam impulsionados por motivações subalternas disseminar criminosamente em exercício explícito de inadmissível intolerância o ódio público contra outras pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero STF ADO 26 rel Min Celso de Mello voto do Min Ricardo Lewandoswki j 1362019 A posição divergente minoritária pode ser resumida no voto do Min Lewandowski que em que pese ter se posicionado contra a atual mora congressual optando por fixar prazo para a edição de lei formal entendeu que a extensão do tipo penal para abarcar situações não especificamente tipificadas pela norma penal incriminadora ofenderia o princípio da reserva legal em matéria penal cuja finalidade é assegurar a segurança jurídica STF ADO 26 voto do Min Ricardo Lewandoswki j 1362019 Assim por maioria o STF deu provimento ao Mandado de Injunção para i reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e ii aplicar com efeitos prospectivos até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito a Lei n 771689 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero No mesmo sentido o STF também por maioria julgou parcialmente procedente a ADO 26 reconhecendo e ordenando a cientificação do Congresso Nacional sobre sua mora inconstitucional Decidiu por maioria fixar a seguinte tese 1 Racismo e homotransfobia o racismo homotransfóbico O conceito de racismo compreendido em sua dimensão social projetase para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos pois resulta enquanto manifestação de poder de uma construção de índole históricocultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico à dominação política à subjugação social e à negação da alteridade da dignidade e da humanidade daqueles que por integrarem grupo vulnerável LGBTI e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social são considerados estranhos e diferentes degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico expostos em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito 2 Racismo na dimensão social e uso temporário dos crimes previstos na Lei n 771689 Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art 5º da Constituição da República as condutas homofóbicas e transfóbicas reais ou supostas que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém por traduzirem expressões de racismo compreendido este em sua dimensão social ajustamse por identidade de razão e mediante adequação típica aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei n 771689 constituindo também na hipótese de homicídio doloso circunstância que o qualifica por configurar motivo torpe Código Penal art 121 2º I in fine 3 Ausência de repressão penal à liberdade religiosa A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa sendo assegurado o direito de pregar e de divulgar o seu pensamento e de externar suas convicções podendo buscar e conquistar prosélitos 4 Liberdade religiosa não abarca o discurso de ódio As manifestações de convicções religiosas não podem configurar discurso de ódio sob pena de repressão penal que são aquelas exteriorizações que incitem i a discriminação ii a hostilidade ou iii a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero STF ADO 26 voto do Min Ricardo Lewandoswki j 1362019 Em síntese os argumentos da maioria no STF na ADO 26 e no MI 4733 podem ser assim reunidos e sintetizados i foi reconhecida a intensidade da mora do Congresso Nacional e a ausência de perspectiva de proteção criminal da homotransfobia mais de 30 anos após a edição da CF88 ii houve menção às graves estatísticas sobre a violência por homotransfobia no Brasil realçando a necessidade de uma intervenção penal específica na temática iii apontouse a violação da CF88 pela omissão e a necessidade de dar utilidade à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e ao Mandado de Injunção que não podem gerar tão somente um pedido ao Poder Legislativo para que este legisle em especial em uma situação na qual há mínima possibilidade de sensibilização do Congresso Nacional sobre a gravidade da situação de risco dos integrantes de grupo vulnerável LGBTI iv não se desconhece o princípio da reserva de lei formal em matéria penal mas ao mesmo tempo prevalece a busca de concessão de efeito ao combate à omissão em especial diante das graves violações aos direitos e à dignidade daqueles discriminados por sua orientação sexual e pela sua identidade de gênero v o racismo em sua dimensão social abarca o racismo homotransfóbico pois se busca discriminar por motivo odioso amesquinhando a dignidade e desrespeitando direitos básicos daqueles que são considerados diferentes do grupo hegemônico Combatese a proteção deficiente dos direitos humanos e se cumpre o mandado de criminalização da CF88 art 5º XLI Assim em uma ponderação de direitos o uso temporário dos tipos penais da Lei n 771689 até que o Congresso Nacional legisle é proporcional e respeita a proteção a grupos vulneráveis que se espera do Estado Democrático de Direito 244 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS LIBERDADE PROVISÓRIA E INDULTO A Constituição de 1988 instituiu regime penal gravoso à tortura ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ao terrorismo e aos definidos como crimes hediondos devendo a lei considerálos crimes i inafiançáveis e ii insuscetíveis de graça ou iii anistia por eles respondendo os mandantes os executores e os que podendo evitálos se omitirem No caso dos crimes hediondos a Lei n 114642007 deu nova redação aos parágrafos do art 2º da Lei n 807290 Lei dos Crimes Hediondos permitindo a liberdade provisória sem fiança no caso de não existirem os pressupostos para a decretação da prisão preventiva Em 2012 o STF ainda reconheceu que cabe a concessão da liberdade no crime de tráfico de entorpecentes caso faltem os requisitos da imposição da prisão preventiva impondo ainda as medidas cautelares previstas na Lei n 12403 exceto a fiança que continua proibida pelo texto constitucional Ou seja para o STF o art 5º XLIII da CF88 não proibiu a liberdade provisória e sim a fiança HC 104339 rel Min Gilmar Mendes j 952012 Quanto ao indulto o STF decidiu que o art 5º XLIII da CF que proíbe a graça nos crimes hediondos definidos em lei representa gênero do qual o indulto é espécie Porém o indulto está previsto especificamente no art 84 XII da CF88 como competência privativa do Presidente da República Assim em nome da especialidade o Presidente possui ampla discricionariedade para conceder o indulto o que configura ato de governo HC 90364 rel Min Ricardo Lewandowski j 31102007 Plenário DJ de 30112007 A Constituição de 1988 prevê que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático O STF por sua vez já reconheceu que a imprescritibilidade pode ser ampliada para outros casos desde que previstos em lei uma vez que a Constituição se limita no art 5º XLII e XLIV a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição sem proibir em tese que a lei futura crie outras hipóteses RE 460971 rel Min Sepúlveda Pertence j 1322007 Primeira Turma DJ de 3032007 25 O regramento constitucional das penas Art 5º XLV nenhuma pena passará da pessoa do condenado podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser nos termos da lei estendidas aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido XLVI a lei regulará a individualização da pena e adotará entre outras as seguintes a privação ou restrição da liberdade b perda de bens c multa d prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos XLVII não haverá penas a de morte salvo em caso de guerra declarada nos termos do art 84 XIX b de caráter perpétuo c de trabalhos forçados d de banimento e cruéis XLVIII a pena será cumprida em estabelecimentos distintos de acordo com a natureza do delito a idade e o sexo do apenado XLIX é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral L às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação A pena criminal foi regrada pela Constituição de 1988 uma vez que representa importante limitação do direito à liberdade Analisaremos as principais características constitucionais das penas i Princípio da pessoalidade intranscendência incontagiabilidade ou intransmissibilidade da pena A pena criminal é personalíssima não podendo passar da pessoa do condenado Por isso o STF já decidiu que viola o princípio da incontagiabilidade da pena criminal determinada decisão judicial que permite ao condenado fazerse substituir por terceiro absolutamente estranho ao ilícito penal na prestação de serviços à comunidade HC 68309 rel Min Celso de Mello j 27111990 Primeira Turma DJ de 831991 ii Princípio da individualização da pena A Constituição de 1988 exigiu que a lei regulasse a individualização da pena podendo prever entre outras a pena de privação ou restrição da liberdade b perda de bens c multa d prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos Esse princípio refletese nos três momentos do processo de formação da resposta punitiva do Estado o legislativo no qual ficam estabelecidas as penas e seus limites máximo e mínimo o judicial na sentença com a dosimetria da pena e eventual penas substitutivas bem como nas decisões sobre o regime de cumprimento de pena e o executivo com a concessão da graça ou indulto Nos últimos anos houve intensa análise do princípio da individualização da pena no STF produzindo as seguintes posições a A proibição em abstrato da progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos prevista originalmente na Lei de Crimes Hediondos Lei n 807290 foi declarada inconstitucional pelo STF em 2006 por violar a individualização da pena que foi tida como garantia individual HC 82959 rel Min Marco Aurélio j 2322006 Plenário DJ de 1º9 2006 Após foi editada a Súmula Vinculante 26 de 2009 Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo ou equiparado o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art 2º da Lei n 8072 de 25 de julho de 1990 sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para tal fim de modo fundamentado a realização de exame criminológico Atualmente a Lei n 8072 prevê que a progressão de regime será feita após o cumprimento de 25 dois quintos da pena se o apenado for primário e de 35 três quintos se reincidente Lei n 11464 de 2007 b Também em nome do princípio da individualização da pena o STF decidiu também que a lei não pode em abstrato proibir a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos HC 97256 rel Min Ayres Britto j 1º92010 Plenário DJe de 1612 2010 c Para o STF a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea Súmula 719 d Também o STF decidiu que admitese a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada antes do trânsito em julgado da sentença condenatória Súmula 716 e Para o STF a pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento determinado pelo art 75 do Código Penal não é considerada para a concessão de outros benefícios como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução Súmula 715 iii Penas proibidas A Constituição de 1988 determinou a proibição das penas a de morte salvo em caso de guerra declarada nos termos do art 84 XIX b de caráter perpétuo c de trabalhos forçados d de banimento e cruéis Já comentamos acima o caso da pena de morte Quanto às demais o STF já decidiu que a A medida de segurança criminal também tem prazo máximo de 30 anos pois a CF88 veda prisão de caráter perpétuo Eventual necessidade de internação por prazo adicional deve ser discutida no juízo cível HC 84219 rel Min Marco Aurélio j 1682005 Primeira Turma DJ de 2392005 b Também não pode ser perpétua a pena de inabilitação para o exercício de cargos de administração ou gerência de instituições financeiras RE 154134 rel Min Sydney Sanches j 15121998 Primeira Turma DJ de 29101999 iv O dever do Estado de propiciar diferentes tipos de estabelecimentos prisionais A Constituição determinou que o indivíduo que perde a liberdade tem o direito fundamental de cumprir sua pena em estabelecimentos distintos de acordo com a natureza do delito a idade e seu sexo Em virtude do caos do sistema prisional brasileiro com superlotação de presídios e falta de vagas em regimes semiaberto e aberto esse tema foi intensamente discutido no STF que decidiu o seguinte a Não pode o juiz determinar que o preso continue no regime fechado se o único óbice à progressão de regime é a ausência de vaga em colônia penal agrícola ou colônia penal industrial ou em estabelecimento similar A solução para o STF é darlhe o direito de permanecer em liberdade até que o Poder Público providencie vaga em estabelecimento apropriado não podendo ser mantido em prisão domiciliar que é destinada para outras hipóteses HC 87985 rel Min Celso de Mello j 2032007 Segunda Turma Informativo n 460 Em outra linha o STF reconheceu o direito até mesmo na falta de vagas à conversão da prisão em prisão domiciliar pois incumbe ao Estado aparelharse visando à observância irrestrita das decisões judiciais Se não houver sistema capaz de implicar o cumprimento da pena em regime semiaberto dáse a transformação em aberto e inexistente a casa do albergado a prisão domiciliar HC 96169 rel Min Marco Aurélio j 2582009 Primeira Turma DJe de 9102009 b Finalmente em 2016 foi editada a Súmula Vinculante n 56 com o seguinte teor A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso devendose observar nessa hipótese os parâmetros fixados no RE 641320RS Os parâmetros do RE 641320 repercussão geral publicado no DJ de 1º8 2016 a serem avaliados pelos juízes da execução penal são os seguintes b1 Devem ser avaliados os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto para qualificação como adequados a tais regimes São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como colônia agrícola industrial regime semiaberto ou casa de albergado ou estabelecimento adequado regime aberto No entanto não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado b2 No caso de déficit de vagas deverão ser determinadas 1 a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas 2 a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas 3 o cumprimento de penas restritivas de direito eou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto b3 Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado Em 2016 houve a aplicação desta Súmula Vinculante por juízes de execução penal de São José dos Campos SP que editaram a Portaria n 222016 pela qual foi concedida prisão domiciliar sob condições a presos do regime semiaberto gerando consequentemente vagas neste último regime A Portaria foi suspensa pela CorregedoriaGeral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tendo sido proposta em defesa da posição dos juízes de São José dos Campos reclamação diretamente no STF pela Defensoria Pública para fazer valer a Súmula Vinculante n 56 STF Reclamação n 25119 rel Min Celso de Mello que deferiu inicialmente a medida cautelar pedida pela Defensoria mas depois a suspendeu decisão monocrática negando seguimento à Reclamação em 28917 Por sua vez em virtude de inexistência de vagas no regime semiaberto o regime de cumprimento previsto na sentença o STF reverteu decisão da Justiça Paulista que havia mantido o preso em regime fechado mais gravoso do que o previsto na sentença para determinar o cumprimento da pena em prisão domiciliar até o surgimento de vaga no regime semiaberto Para o Min Barroso manter o preso em regime mais gravoso pela inexistência de vaga criada pelo Estado no regime adequado é clara violação da Súmula Vinculante n 56 STF Reclamação n 24892 decisão de 11102017 c O direito à prisão especial antes da prisão por sentença definitiva deve ser assegurado conforme o disposto no art 295 do CPP e ainda em leis diversas Lei Complementar 7593 para os membros do MP e Lei Complementar n 8094 para os membros da Defensoria Pública Para o STF atende à prerrogativa profissional do advogado ser recolhido preso antes de sentença transitada em julgado em cela individual dotada de condições regulares de higiene com instalações sanitárias satisfatórias sem possibilidade de contato com presos comuns HC 93391 rel Min Cezar Peluso j 1542008 Segunda Turma DJe de 952008 v Execução da pena A Constituição de 1988 assegurou aos presos o respeito à integridade física e moral Além disso de acordo com o art 5º 2º o Brasil deve respeito às regras internacionais de proteção aos direitos dos reclusos editadas pela ONU que foram estudadas no capítulo sobre os direitos humanos internacionais A Constituição também fez previsão do direito ao aleitamento materno vi Transexuais Direito das transexuais femininas ao cumprimento de pena em presídios femininos de acordo com a sua identidade de gênero Diante da necessidade de assegurar o respeito à dignidade humana à liberdade à igualdade por orientação sexual as transexuais femininas têm o direito de cumprir pena em presídios femininos O Min Barroso em sua decisão salientou a dupla vulnerabilidade à qual os transexuais e travestis estão sujeitos decorrente tanto da situação de encarceramento quanto da identidade de gênero Essa dupla vulnerabilidade indica que pessoas pertencentes a tais grupos sofrem mais exclusão e violência gerando situações equiparáveis a atos de tortura e tratamento cruel devendo o Estado adotar medidas de prevenção Os Princípios de Yogyakarta estudados neste Curso exigem que as pessoas presas participem de decisões relacionadas ao local de detenção adequado a sua orientação sexual e identidade de gênero princípio n 9 Assim o encaminhamento de transexuais femininas a presídios femininos é providência necessária a assegurar a sua integridade física e psíquica diante do histórico de abusos perpetrados contra essas pessoas em situação de encarceramento Não há no caso uma opção aberta ao Poder Público sobre como tratar esse grupo mas uma imposição que decorre dos princípios constitucionais da dignidade humana da liberdade da autonomia da igualdade do direito à saúde e da vedação ao tratamento cruel e à tortura STF Medida Cautelar na ADPF n 527 decisão monocrática do Min Luís Roberto Barroso de 2662019 26 Extradição e os direitos humanos Art 5º LI nenhum brasileiro será extraditado salvo o naturalizado em caso de crime comum praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins na forma da lei LII não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião 261 CONCEITO A extradição é espécie de cooperação jurídica em matéria penal 456 na qual determinado Estado requer o envio de determinado indivíduo para que seja este julgado criminalmente extradição instrutória ou possa cumprir pena criminal extradição executória A extradição é regida no Brasil pela Constituição de 1988 pela Lei n 134552017 Lei de Migração que revogou a Lei n 681580 que havia sido parcialmente modificada pela Lei n 128782013 457 ou caso existente por tratado internacional que prevalece pelo critério da especialidade em relação à Lei n 134452017 De acordo com a Lei n 134452017 a extradição consiste em medida de cooperação internacional entre o Estado brasileiro e outro Estado pela qual se concede ou solicita a entrega de pessoa sobre quem recaia i condenação criminal definitiva ou ii para fins de instrução de processo penal em curso art 81 Assim não cabe extradição instrutória caso haja apenas investigação criminal em face de determinado indivíduo A extradição pode ser ativa no caso de ser o Brasil o Estado Requerente ou ainda passiva no caso de Estado estrangeiro requerer a extradição ao Brasil Na extradição ativa o procedimento iniciase a pedido do juízo criminal que será encaminhado ao Ministério da Justiça caso existente um tratado no qual seja fixada a autoridade central no Ministério da Justiça 458 que após a análise e aceitação da documentação art 88 da Lei n 134452017 o encaminhará diretamente a autoridade central estrangeira Eventualmente na ausência de autoridade central prevista em tratado o pedido tramitará pelo Ministério das Relações Exteriores para o envio diplomático do pedido ao Estado estrangeiro requerido A extradição ativa é comandada pelo tratado eventualmente em vigor ou pelo pedido encaminhado pelo Brasil e aceito pelo Estado requerido No caso da extradição passiva o Brasil é o Estado requerido o Estado requerente encaminha seu pedido por via diplomática ou por meio de mecanismos previstos em tratados de extradição autoridade central Cabe ainda o pedido de prisão cautelar transmitido diretamente com o ponto focal da Organização Internacional de Polícia Criminal Interpol atualmente o ponto focal é o Departamento da Polícia Federal de acordo com o art 84 3º da Lei de Migração É a chamada 1ª fase ou fase da solicitação administrativa da extradição passiva Após o pedido será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal inaugurando a 2ª fase ou fase judicial Nessa fase o STF fará um juízo de delibação ou de contenciosidade limitada no qual será verificado o cumprimento dos requisitos previstos na Constituição bem com os elencados na Lei n 134452017 ou no tratado de extradição aplicável 262 JUÍZO DE DELIBAÇÃO E OS REQUISITOS DA EXTRADIÇÃO O juízo de delibação na extradição passiva consiste em avaliação pelo STF de cumprimento formal dos requisitos constitucionais convencionais e legais que autorizam a extradição Não visa verificar a culpa do extraditando pois é um contencioso de legalidade no qual a defesa apontará eventuais ausências de requisitos essenciais no procedimento extradicional Nesse sentido a Lei n 134452017 estabelece que a defesa do extraditando deve versar sobre i a identidade da pessoa reclamada ii defeito de forma de documento apresentado ou iii ilegalidade e também inconvencionalidade caso prevista em tratado da extradição art 91 1º Também a defesa pode sustentar eventual violação de direitos do extraditando previstos na CF88 ou em tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil Podemos dividir os requisitos essenciais para o deferimento pelo STF de uma extradição passiva em requisitos constitucionais e requisitos legais Os requisitos constitucionais são 1 Não ser o extraditando brasileiro nato e no caso de naturalizado ter sido o crime cometido antes da naturalização ou a qualquer momento no caso de comprovado envolvimento em tráfico de entorpecente princípio geral de inextraditabilidade do brasileiro incluído o naturalizado Como a Constituição exige comprovado envolvimento só se admite a extradição passiva executória de brasileiro naturalizado envolvido em tráfico de entorpecentes após a naturalização que se encerra após a solene entrega do certificado de naturalização pelo Juiz Federal Logo o Estado Requerente terá que apresentar certidão de trânsito em julgado da condenação criminal para que a extradição seja deferida No caso da existência de registro civil de nascimento no Brasil contestado por ação anulatória a presunção de veracidade dos registros públicos impede em geral que a extradição seja deferida há o risco de se extraditar brasileiro nato caso a ação anulatória seja ao final julgada improcedente Contudo caso venha a ser definitivamente cancelado o assento de nascimento brasileiro do indivíduo pode ser realizado novo pedido extradicional Extradição n 1446 rel Min Dias Toffoli j 7112017 2 Não for caso de crime político ou de opinião A Constituição não define o que vem a ser crime político tendo o STF adotado a teoria mista para caracterizálo é crime político aquele que é realizado com motivação e os objetivos políticos de um lado elemento subjetivo e de outro com a lesão real ou potencial a valores fundamentais da organização política do Estado elemento objetivo Como exemplo de reconhecimento de crime político está o caso de extraditando acusado de transmitir ao Iraque segredo do Estado Requerente Alemanha utilizável em projeto de desenvolvimento de armamento nuclear tendo o STF indeferido a extradição Ext 700 rel Min Octavio Gallotti j 431998 Plenário DJ de 5111999 Por outro lado o STF não reconhece a excludente de crime político para casos de terrorismo sejam atos cometidos por particulares sejam atos perpetrados com o apoio oficial do próprio aparato governamental no chamado terrorismo de Estado Ext 855 rel Min Celso de Mello j 2682004 Plenário DJ de 1º72005 A Lei n 1344517 determina que o Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades bem como crime contra a humanidade crime de guerra crime de genocídio e terrorismo art 82 4º Também a mesma lei determina que a extradição ocorrerá quando o fato objeto do pedido de extradição constituir principalmente infração à lei penal comum ou quando o crime comum conexo ao delito político constituir o fato principal art 82 1º 3 Ser respeitado o devido processo legal no Estado Requerente A observância do devido processo legal pelo Estado Requerente no julgamento do extraditando é requisito constitucional implícito de acordo com o STF Ext 6339 rel Min Celso de Mello j 288 1996 DJ de 642001 podendo ser extraído ainda da proibição legal de julgamento do extraditando por juízo de exceção ver abaixo 4 Ser comutada a pena de morte ou de caráter perpétuo em pena privativa de liberdade não superior a 30 anos A comutação da pena de caráter perpétuo foi considerada pelo STF como requisito implícito da CF88 indispensável para que a extradição passiva possa ser deferida Ext 855 rel Min Celso de Mello j 2682004 Plenário DJ de 1º72005 Atendendo essa posição do STF a Lei 1344517 dispõe que o Estado estrangeiro requerente deve assumir o compromisso de comutar a i pena corporal ii perpétua ou de iii morte em pena privativa de liberdade de no máximo cumprimento por 30 anos art 96 III São os seguintes os principais requisitos legais previstos na Lei n 1344517 e nos principais tratados de extradição 1 Obediência e Prevalência dos Tratados A extradição será regida pelo tratado eventualmente firmado pelo Brasil e pelo Estado Requerendo afastandose a Lei n 13445 pois o tratado é lex specialis em relação à lei 2 Reciprocidade na ausência de tratado A extradição só será autorizada pelo Brasil caso haja tratado ou na sua ausência caso haja promessa de reciprocidade pelo Estado Requerente art 84 2º o qual deve ser utilizado como cláusula genérica de reciprocidade assegurando que na hipótese de o Brasil solicitar extradição em caso similar o Estado estrangeiro a deferirá 3 Especialidade O Estado Requerente deve se comprometer a só processar ou punir o extraditando pelo crime que estiver no pedido de extradição Não pode também extraditar para outro Estado extradição camuflada para terceiro 4 Identidade ou dupla tipicidade e punibilidade também chamado modelo do crime hipotético ou paralelismo Só cabe extradição caso a conduta cometida pelo extraditando for hipoteticamente crime no Estado Requerente e também no Brasil sem qualquer caso de extinção da punibilidade de acordo com os dois ordenamentos jurídicos Não se exige o mesmo tipo penal ou a mesma denominação basta que o fato seja crime punível nos dois Estados 5 Preferência da jurisdição nacional penal Não será concedida extradição caso o Brasil for competente segundo suas leis para julgar o crime imputado ao extraditando 6 Proibição do ne bis in idem Não será concedida a extradição caso o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido 7 Proibição de Juízo de Exceção Não se concede extradição caso o extraditando houver de responder no Estado requerente perante Tribunal ou Juízo de Exceção Essa proibição legal é compatível com a exigência do devido processo legal no Estado requerente que é requisito constitucional implícito na visão do STF 8 Proibição de determinadas penas e de tratamento cruel desumano e degradante Como já apontado acima a Lei n 134452017 absorveu a jurisprudência atual do STF e determinou a necessidade de comutação da pena corporal perpétua e de morte que o extraditando poderia estar submetido pela lei do Estado requerente bem como estipulou o limite máximo de 30 anos para o cumprimento da pena privativa de liberdade Além disso o Estado requerente não poderá submeter o extraditando a i tortura ou a ii outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes A fiscalização do cumprimento desses deveres do Estado requerente incumbe ao Estado brasileiro nas suas relações diplomáticas 9 Exigência de crime grave Só será concedida extradição se a lei brasileira impuser hipoteticamente ao crime cometido pena de prisão igual ou superior a dois anos não cabe extradição para ilícito cível ou contravenção penal Em 2019 na Extradição n 1578 o STF esclareceu pontos importantes sobre os requisitos da extradição No caso tratouse de pedido extradicional de brasileiro naturalizado turco originalmente feito pela Turquia por supostos crimes cometidos antes da naturalização Apesar de teoricamente possível crimes cometidos antes da naturalização o STF reconheceu três grandes óbices Em primeiro lugar i a ausência da dupla identidade pois o crime de terrorismo teria sido praticado 20132014 antes da vigência da Lei brasileira n 13260 de 2016 disciplina o terrorismo e reformula o conceito de organização terrorista Em segundo lugar ii a utilização do art 16 da Lei de Segurança Nacional brasileira LSN Lei n 717083 para caracterizar a dupla identidade não seria possível pois o STF já reconheceu que os crimes tipificados na LSN são crimes políticos uma vez que considerados crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social Consequentemente aplicase a vedação do art 5º LII da CF88 não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião Finalmente iii a situação recente na Turquia levou o STF a considerar impossível um julgamento justo e com a garantia do devido processo legal no Estado estrangeiro fazendo incidir a proibição de extraditar caso o extraditando venha a responder no Estado requerente perante tribunal ou juízo de exceção art 82 VIII da Lei n 134452017 Foi mais um caso no qual o STF avaliou a situação de direitos humanos no Estado requerente antes de autorizar a extradição STF Extradição n 1578 rel Min Edson Fachin j 682019 263 TRÂMITE DA EXTRADIÇÃO A extradição passiva será requerida por via diplomática ou por meio da autoridade central estabelecida por um tratado de extradição No caso da extradição passiva há três fases a 1ª Fase o Ministério da Justiça ao receber o pedido diretamente com base no tratado ou do Ministério das Relações Exteriores que por sua vez o recebeu pela via diplomática avalia se o pedido é compatível com a ordem jurídica brasileira podendo recusar sumariamente o pedido Caso o extraditando esteja cumprindo pena no Brasil ou sendo processado por outro crime pode mesmo assim o Poder Executivo encaminhar o pedido de extradição ao STF é discricionário o Judiciário não pode exigir que o extraditando cumpra a pena primeiro no Brasil b 2ª Fase o pedido é encaminhado ao STF que fará o juízo de delibação extradicional Caso o extraditando concorde com o pedido e deseje entregarse voluntariamente ao Estado Requerente deve estar i assistido por advogado ii declarar essa vontade expressamente iii sendo advertido de que tem direito ao processo de extradição e à proteção de que tal direito encerra Este pleito do extraditando será submetido ao STF abreviandose o rito da extradição extradição sumária Quanto à prisão cautelar do extraditando aponto que a CF88 não admite prisão cautelar automática devendo o relator justificar o motivo da ordem de prisão cautelar do extraditando A Lei n 134452017 prevê que em caso de urgência o Estado interessado na extradição poderá previamente ou conjuntamente com a formalização do pedido extradicional requerer por via diplomática ou por meio de autoridade central do Poder Executivo prisão cautelar com o objetivo de assegurar a executoriedade da medida de extradição Após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos o Ministério da Justiça deverá representar pela prisão ao STF ouvido previamente o Ministério Público Federal O pedido de prisão cautelar também poderá ser apresentado por meio da Organização Internacional de Polícia Criminal Interpol devidamente instruído com a documentação comprobatória da existência de ordem de prisão proferida por Estado estrangeiro O pedido de prisão cautelar pode ser feito antes mesmo da formalização da extradição atendendo a reclamação antiga dos parceiros internacionais do Brasil Porém a formalização do pedido deve ser feita em até 60 dias contados da data em que tiver sido o Estado estrangeiro cientificado da prisão do extraditando Como já visto acima a defesa do extraditando só poderá alegar vício de identidade defeito de forma dos documentos apresentados ou inconstitucionalidade inconvencionalidade ou ilegalidade da extradição Caso o STF indefira a extradição o Brasil não poderá expulsálo ou deportálo caso haja risco de o indivíduo ser entregue ao Estado Requerente o que geraria a chamada extradição inadmitida art 53 e 55 I da Lei n 134452017 c 3ª Fase também é uma fase administrativa na qual o Poder Executivo pode fundado no tratado não determinar a extradição autorizada pelo STF Assim o STF autoriza mas não determina a extradição Caso negue a palavra final é do STF caso autorize a extradição ainda assim a última palavra é do Presidente da República por ser ele responsável pela condução da política externa brasileira art 92 da Lei n 134452017 Caso o Poder Executivo determine a extradição o Estado Requerente ainda deverá se comprometer a comutar o tempo de prisão que no Brasil foi imposta ao extraditando por força do pedido de extradição além dos outros compromissos já expostos comutação da pena de morte etc No Caso Battisti o Supremo Tribunal Federal reconheceu o poder do Presidente de impedir a entrega do extraditando autorizada previamente pelo STF 3ª fase desde que sua decisão seja compatível com tratado de extradição caso existente com o Estado No caso Battisti o STF decidiu que a decisão de não entregar o extraditando do Presidente da República não pode ser impugnada no próprio STF devendo o Estado Requerente processar o Brasil perante órgãos internacionais Ext 1085 rel Min Cezar Peluso j 16122009 P DJe de 1642010 Rcl 11243 rel p o ac Min Luiz Fux j 862011 P DJe de 5102011 27 Devido processo legal contraditório e ampla defesa Art 5º LIV ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal LV aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes 271 CONCEITO O devido processo legal de caráter procedimental procedural due process consiste na qualidade de determinado processo cível penal ou administrativo informado pelos princípios do juiz natural ampla defesa contraditório e publicidade No plano penal o devido processo criminal consiste para o STF na reunião das seguintes garantias a direito ao processo garantia de acesso ao Poder Judiciário b direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação c direito a um julgamento público e célere sem dilações indevidas d direito ao contraditório e à plenitude de defesa direito à autodefesa e à defesa técnica e direito de não ser processado e julgado com base em leis ex post facto f direito à igualdade entre as partes g direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude h direito ao benefício da gratuidade i direito à observância do princípio do juiz natural j direito ao silêncio privilégio contra a autoincriminação l direito à prova e m direito de presença e de participação ativa nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos quando existentes HC 94016 rel Min Celso de Mello j 1692008 Segunda Turma DJe de 2722009 Na linha de se assegurar a ampla defesa e o contraditório o STF editou a Súmula Vinculante n 14 que determina que é direito do defensor no interesse do representado ter i acesso amplo aos elementos de prova que já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária digam respeito ii ao exercício do direito de defesa A proteção da ampla defesa e do contraditório motivou o debate pelo STF da ordem de apresentação das alegações finais dos corréus na hipótese de existir entre eles um réu colaborador gerando a reflexão sobre o direito de falar por último O Código de Processo Penal CPP art 403 dispõe que os prazos para apresentação de alegações finais são comuns a todos os corréus independentemente de sua posição de colaborador ou não A colaboração premiada é um negócio jurídico personalíssimo entre o colaborador e o Ministério Público ou a Polícia sendo meio de obtenção de prova art 3º da Lei n 128502013 Como meio de obtenção de prova tal qual a busca e apreensão a interceptação telefônica etc o que foi coligido será submetido ao contraditório e à ampla defesa No momento da sentença a decisão judicial aprecia também a eficácia objetiva da cooperação prestada pelo agente colaborador que está condicionada ao efetivo adimplemento das obrigações assumidas e que tenham atingido os resultados previstos na lei art 4º I a V da Lei n 128502013 por exemplo identificação dos coautores recuperação total ou parcial do produto ou proveito do crime etc para implementar as sanções premiais STF HC 144652DF rel Min Celso de Mello decisão monocrática de 1262017 Esse condicionante ao direito do colaborador de obter vantagens diminuição da pena ou mesmo perdão faz com que seu interesse no processo penal seja o de auxiliar o Ministério Público distinto do interesse tradicional de um corréu que é se opor ao Estado Acusador apesar da vedação legal ao corréu de ser assistente do Ministério Público no mesmo processo art 270 do CPP O coréu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público grafia da época Para o Min Alexandre de Moraes no sentido material o réu colaborador não pode ser considerado litisconsorte passivo de réu delatado A justiça premial aceita no Brasil exige que o colaborador delator ofereça informações eficazes para a obtenção de provas que sustentem a sentença condenatória Logo a relação entre colaborador e os demais corréus é de antagonismo STF HC 166373 voto do Min Alexandre de Moraes Por isso o STF reconheceu o direito de falar por último do réu delatado como corolário do direito à ampla defesa e contraditório que consiste no direito de refutar todas as informações alegações testemunhos documentos indícios e provas em síntese tudo o que conste do processo penal o que inclui as próprias alegações finais do réu colaborador A ausência de previsão legal expressa princípio da legalidade é comprimida cabendo ao Judiciário oportunamente provocado assegurar a prevalência do direito de falar por último Caso a Defesa não tenha solicitado expressamente o direito de apresentar alegações finais após as alegações do corréu colaborador entendese que não houve prejuízo à estratégia defensiva STF HC 166373 rel p o acórdão Min Alexandre de Moraes decisão de 2102019 em seguida o julgamento foi suspenso para fixação da tese para aplicação geral do entendimento acima exposto Por sua vez o STF decidiu que a proibição da reformatio in pejus art 617 do CPP não poderá ser agravada a pena quando somente o réu houver apelado da sentença abarca também em nome da ampla defesa a modalidade indireta que ocorre na medida em que a sentença condenatória tenha sido anulada pelo recurso da Defesa A nova sentença não poderá i quantitativa e ii qualitativamente ser mais gravosa que a sentença anulada Caso assim não fosse haveria receio da Defesa em recorrer porque a situação do réu poderia ser agravada STF HC n 136768SP rel Min Edson Fachin decisão de 8 de setembro de 2016 Também o STF reconhece como implícito ao art 5º LIV o chamado devido processo legal substancial que consiste em limite ao poder de legislar devendo as leis ser elaboradas levandose em consideração os princípios de justiça sendo dotadas de razoabilidade reasonableness e de racionalidade rationality guardando um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir ADI 1511MC voto do rel Min Carlos Velloso j 16101996 Plenário DJ de 662003 Por sua vez a Constituição assegura o contraditório e ampla defesa nos processos judiciais e administrativos bem como os meios e recursos a ela inerentes Porém os inquéritos policial civil ou ainda administrativo são procedimentos inquisitivos visando a coleta de fatos sem ser informados pelo contraditório e ampla defesa Após o inquérito os atos de supressão ou limitação de direitos devem ser submetidos a ampla defesa e contraditório Nesse sentido decidiu o STF que a Inquérito administrativo e contraditório Descabe terse como necessário o contraditório em inquérito administrativo O instrumento consubstancia simples sindicância visando a se for o caso instaurar processo administrativo no qual observado o direito de defesa RE 304857 rel Min Marco Aurélio j 24112009 Primeira Turma DJe de 52 2010 b Inquérito Civil Público contraditório e ampla defesa Desnecessidade de observância no inquérito civil dos princípios do contraditório e da ampla defesa RE 481955 AgR rel Min Cármen Lúcia j 1052011 Primeira Turma DJe de 2652011 c Inquérito Policial contraditório e ampla defesa Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial que não é processo porque não destinado a decidir litígio algum ainda que na esfera administrativa existência não obstante de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito entre os quais o de fazerse assistir por advogado o de não se incriminar e o de manterse em silêncio grifo meu HC 82354 rel Min Sepúlveda Pertence j 1082004 Primeira Turma DJ de 249 2004 d Sindicância e acesso aos autos O Verbete 14 da Súmula Vinculante do Supremo não alcança sindicância administrativa objetivando elucidar fatos sob o ângulo do cometimento de infração administrativa Rcl 10771AgR rel Min Marco Aurélio j 422014 Primeira Turma DJe de 1822014 grifo meu e Legitimidade da investigação criminal pelo Ministério Público e o devido processo legal Os arts 5º LIV e LV 129 III e VIII e 144 IV 4º da CF não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público Fixada em repercussão geral tese assim sumulada O Ministério Público dispõe de competência para promover por autoridade própria e por prazo razoável investigações de natureza penal desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado observadas sempre por seus agentes as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e também as prerrogativas profissionais de que se acham investidos em nosso país os advogados Lei n 890694 art 7º notadamente os incisos I II III XI XIII XIV e XIX sem prejuízo da possibilidade sempre presente no Estado Democrático de Direito do permanente controle jurisdicional dos atos necessariamente documentados Súmula Vinculante n 14 praticados pelos membros dessa instituição RE 593727 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 1452015 Plenário DJe de 89 2015 f Inquérito judicial no STF sem participação do Ministério Público Em 14 de março de 2019 em face do fenômeno da i proliferação de notícias falsas na internet fake news e ainda ii de ataques à honrabilidade e à segurança do Supremo Tribunal Federal de seus membros e familiares o Presidente do STF Min Dias Toffoli ordenou de ofício Portaria n 692019 a instauração de inquérito judicial criminal originário no próprio STF designando para presidilo o Min Alexandre de Moraes Inquérito n 4781 sigiloso desde então e em trâmite em setembro de 2019 A justificativa para a instauração do inquérito judicial foi o art 43 do Regimento Interno do STF RISTF o qual prevê que ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal o Presidente instaurará inquérito se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição ou delegará esta atribuição a outro Ministro O 1º do art 43 estabelece que nos demais casos o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente Considerouse que autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição pode ser a vítima membro do STF ou seus familiares bem como a ubiquidade da internet permitir que o local do crime pode abarcar a sede ou dependência do Tribunal Esse inquérito instaurado de ofício além de ferir a competência constitucional do STF ofende ainda o princípio acusatório penal consagrado pela CF88 que em essência retrata a exigência de um processo penal caracterizado pela separação da figura do acusador da do julgador O trâmite do inquérito também é feito sem a participação do Ministério Público Aparentemente a linha investigativa é conduzida pelo próprio Min Alexandre de Moraes que seria também vítima conforme consta da Portaria n 69 por ser membro do STF em contato direto com a Polícia tendo já sido determinadas diversas medidas cautelares penais Com isso a opinio delicti do titular exclusivo da ação penal pública incondicionada fica prejudicada a não ser que ao receber os autos após o esgotamento da investigação no STF determine as diligências que entender cabíveis descartando eventualmente as conclusões das diligências comandadas pelo Min Alexandre de Moraes O destinatário do inquérito criminal em um sistema penal acusatório não é o magistrado mas sim o Ministério Público O próprio controle externo da atividade policial pelo MP art 129 I II VII e VIII bem como seu 2º da CF88 fica impossibilitado Outro ponto de destaque do Inquérito n 4781 é o fato de que o requerimento de arquivamento foi realizado pela ProcuradoraGeral da República Raquel Dodge e indeferido pelo Min Alexandre de Moraes A jurisprudência do STF contudo é pacífica em entender que o pedido de arquivamento do PGR em inquérito criminal no STF é irrecusável não cabendo ao Tribunal analisar os fundamentos do pedido salvo em duas hipóteses que geram coisa julgada material penal i prescrição e ii atipicidade da conduta que não ocorreram no caso Em síntese as críticas à figura do Inquérito n 4781 são as seguintes i Ofensa ao princípio acusatório penal estabelecido no art 129 I da CF88 pela 1 instauração de ofício do inquérito 2 pelo afastamento do Ministério Público de seu trâmite não podendo sequer apontar ou descartar linhas de investigação bem como requerer diligências para formar a opinio delicti ii Ofensa ao devido processo legal penal art 5º LVI da CF88 por não existir uma clara delimitação da investigação penal pois a portaria de instauração menciona notícias fraudulentas fake new denunciações caluniosas ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi diffamandi e injuriandi Essa menção genérica impede a definição de juízo competente controle externo da atividade policial ofendendo ainda a ampla defesa e contraditório A delimitação da investigação penal não pode ser genérica abstrata e nem pode ser exploratória de atos indeterminados sem definição de tempo e espaço nem de indivíduos trecho extraído do pedido de arquivamento do inquérito pela PGR feito em 164 2019 não aceito pelo Min Alexandre de Moraes iii Ofensa ao juiz natural pois o inquérito abarca fatos ocorridos em todo o território nacional com potenciais autores de crimes que não possuem foro no STF O Inquérito n 4791 continua em trâmite cabendo agora aguardar seu resultado no futuro especialmente em face de precedentes anteriores do STF sobre o sistema processual penal acusatório como se vê no seguinte O sistema processual penal acusatório mormente na fase préprocessual reclama deva ser o juiz apenas um magistrado de garantias mercê da inércia que se exige do Judiciário enquanto ainda não formada a opinio delicti do Ministério Público Inq 2913 rel p acórdão Min Luiz Fux Tribunal Pleno DJe 2162012 272 O DEVIDO PROCESSO LEGAL E O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO O direito ao duplo grau de jurisdição consiste na faculdade de se exigir o i reexame integral de determinada decisão judicial a ser realizado ii por órgão diverso e de hierarquia superior no Poder Judiciário A Constituição de 1988 não assegurou tal direito explicitamente sendo fruto implícito i dos direitos decorrentes de tratados de direitos humanos art 5º 2º como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos e ii da previsão em diversos dispositivos constitucionais de recursos a Tribunais deduzido por exemplo dos arts 102 II e 105 II Para o STF o direito ao duplo grau de jurisdição não é absoluto pois há diversas previsões na Constituição de julgamentos de única instância ordinária tanto na área cível quanto na matéria criminal O STF não se sensibilizou com a regra da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José pela qual todos têm direito ao duplo grau de jurisdição em matéria penal uma vez que prevalece a Constituição mesmo diante de tratados de direitos humanos RHC 79785 rel Min Sepúlveda Pertence j 2932000 Plenário DJ de 2211 2002 Entretanto no caso Barreto Leiva contra Venezuela a Corte IDH decidiu que há violação da Convenção Americana de Direitos Humanos art 82 h no julgamento em única ou última instância no qual não se garanta o direito de recorrer do julgamento a órgão distinto sentença de 17 de novembro de 2009 A Corte ressalvou ainda nesse julgamento que considera compatível com a Convenção o estabelecimento de foro por prerrogativa de função mesmo na mais Alta Corte de um país mas exigiu que sejam criados mecanismos que assegurem mesmo em uma situação de julgamento originário o direito de recorrer do julgamento a outro órgão por exemplo fracionando o órgão colegiado máximo para criar Turma de Julgamento e Turma de Apelação parágrafo 91 da sentença Barreto Leiva 28 Provas ilícitas Art 5º LVI são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos 281 CONCEITO O devido processo legal exige que seja assegurado o direito à prova que como qualquer outro direito fundamental possui limites expressos e implícitos Ou seja não se pode invocar o direito fundamental à prova de modo ilimitado ou incondicionado A Constituição determina que são inadmissíveis em qualquer espécie de processo as provas obtidas por meios ilícitos De acordo com o art 157 do CPP as provas ilícitas são aquelas que foram obtidas com violação a normas constitucionais ou legais Há duas espécies de provas ilícitas a prova ilícita em sentido estrito que é aquela que foi obtida em violação de regra de direito material e b prova ilegítima que foi obtida em violação a regra processual São hipóteses de prova ilícita em sentido estrito produzidas fora de um processo regular as obtidas pela violação indevida do domicílio art 5 XI da CF pela interceptação indevida das comunicações art 5 XII da CF por meio de tortura ou maustratos art 5 III da CF pela violação do sigilo de correspondência art 5º XII por violação do direito à intimidade caso de quebra do sigilo bancário e fiscal de modo não apropriado ver Parte IV item 98 sobre tais sigilos entre outras 459 Por sua vez a prova ilegítima é aquela que foi obtida em processo regular mas violando as regras vigentes 282 ACEITAÇÃO DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS E TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA A temática das provas ilícitas levou a várias decisões importantes na jurisprudência brasileira a saber a Aceitação excepcional das provas obtidas por meios ilícitos Apesar da vedação da utilização de provas ilícitas prevista na Constituição admitese excepcionalmente seu uso em um processo para fazer valer o direito à ampla defesa Há assim juízo de ponderação entre o devido processo legal que não admite prova ilícita e o direito à ampla defesa podendo ser aceita a prova ilícita se for indispensável à defesa de determinado indivíduo b Teoria dos frutos da árvore envenenada fruits of the poisonous tree As provas derivadas de uma prova ilícita são também consideradas ilícitas ilicitude por derivação Para o STF são inadmissíveis os elementos probatórios a que Estado somente obteve em razão da prova ilícita HC 93050 rel Min Celso de Mello j 1062008 Segunda Turma DJe de 1º8 2008 Todavia é lícita a prova que foi obtida sem contaminação com outra prova ilícita existente no processo STF RHC 74807 rel Min Maurício Corrêa j 2241997 Segunda Turma DJ de 2061997 c Aceitação de gravação feita por um dos interlocutores sem ciência do outro Não é prova ilícita a gravação de conversa telefônica ou conversa em ambiente qualquer gravação ambiental por um dos participantes se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação RE 583937QORG rel Min Cezar Peluso j 19112009 Plenário DJe de 18 122009 com repercussão geral Contudo há vários precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que julgaram ilícita a gravação ambiental feita por interlocutoreleitor sem ordem judicial entre outros ver TSE Recurso Especial Eleitoral n 34426 j 1682012 Aguardase o julgamento de recursos extraordinários promovidos pelas partes prejudicadas para que o STF imponha seu entendimento e uniformize finalmente a interpretação sobre essa importante espécie de prova no Direito Eleitoral gravação ambiental feita por interlocutor que ampara com muito maior segurança que a contestada prova testemunhal a certeza sobre graves condutas de candidatos corrupção eleitoral abuso de poder político uso da máquina etc d Aceitação de gravação por imagem em espaço privado pela vítima de crime Não é prova ilícita a gravação de imagens feita com o objetivo de identificar o autor de crimes feita em seu próprio espaço privado pela vítima de atos delituosos HC 84203 rel Min Celso de Mello j 19102004 Segunda Turma DJe de 2592009 e Acesso direto sem ordem judicial por parte da polícia a dados em aparelhos telefônicos incluindo os de mecanismos de comunicação como o WhatsApp O art 7º III da Lei n 129652014 Marco Civil da Internet estabelece a inviolabilidade e o sigilo das comunicações privadas armazenadas na rede mundial de computadores dados armazenados salvo por ordem judicial Esse avanço normativo foi utilizado pelo Min Gilmar Mendes para considerar que em nome do direito à intimidade e à vida privada constitucionalmente previstos a reserva de jurisdição deveria ser estendida aos dados constantes de aparelhos celulares que hoje servem para os mais diversos propósitos Ou seja é indispensável ordem judicial fundamentada para que os agentes policiais possam acessar dados constantes de celulares Com base na teoria dos frutos da árvore envenenada decidiu pela invalidação de todas as provas derivadas do acesso direto sem ordem judicial por policiais dos dados constantes de WhatsApp em um celular apreendido STF HC 168052SP rel Min Gilmar Mendes j 1162019 em trâmite com pedido de vista 283 DIREITO À PROVA E COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL A crescente cooperação entre os Estados no combate a crimes gerou dúvida sobre a produção de prova no exterior Na existência de tratado de cooperação jurídica internacional pode a autoridade pública obter determinado documento ou informação sem que se utilize a via própria prevista no tratado em geral por intermédio da chamada autoridade central Há aqui a colisão entre o direito à segurança jurídica que as formalidades previstas na produção probatória protegem e o direito de acesso à justiça em tempo célere Deve prevalecer o direito de acesso à justiça uma vez que a essência da cooperação jurídica internacional é justamente assegurar o acesso à justiça Seria contraditório entender que o tratado teria estabelecido uma única via de acesso a informações teoria da una via electa dificultando a transmissão rápida de dados quando sua celebração é feita em homenagem à concretização do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e célere 460 Nesse sentido decidiu o STF Ressaltese que uma das finalidades fundamentais dos tratados de cooperação jurídica em matéria penal é justamente a desburocratização da colheita da prova MS 33751 de minha relatoria Primeira Turma DJe de 3132016 de modo que cumpridas as exigências legais do direito interno brasileiro eventual inobservância a formalidades previstas no acordo internacional não acarretaria a ilicitude da prova Inq 3990 rel Min Edson Fachin j 1432017 2ª T DJe de 262017 29 A presunção de inocência e suas facetas Art 5º LVII ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória 291 ASPECTOS GERAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA A presunção da inocência consiste no direito de só ser considerado culpado de determinado delito após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória também denominada presunção de não culpabilidade Há duas aplicações típicas da presunção de inocência no processo penal brasileiro i no processo de conhecimento e ii na execução da pena criminal definitiva No processo de conhecimento e até a decisão de 2º grau ver abaixo a temática da execução imediata da pena criminal após o julgamento colegiado em Tribunal a presunção de inocência exige que toda prisão processual seja cautelar não pode ser antecipação da prisão definitiva e fundamentada Ainda no processo de conhecimento a presunção de não culpabilidade exige que a culpa do indivíduo seja demonstrada por provas requeridas pelo acusador in dubio pro reo restando somente à defesa provar fatos impeditivos modificativos ou extintivos do direito do autor as chamadas exculpantes Essa faceta da presunção de não culpabilidade é adotada pelo STF como se vê nesse precedente Não encontro justificativa alguma para que se inverta em processo penal de condenação o ônus da prova Entendimento diverso a meu ver implicaria evidente ofensa à presunção constitucional da não culpabilidade art 5º LVII HC 95142 voto do rel Min Cezar Peluso j 18112008 Segunda Turma DJe de 5122008 Ocorre que essa última faceta da presunção da inocência deveria por coerência implicar na limitação do poder do magistrado criminal de requerer de ofício a produção de uma prova qualquer uma vez que seu resultado a prova em si auxilia o acusador já que o réu nada precisa provar Somente no que tange às exculpantes cujo ônus probatório é do réu é que se admitiria a produção probatória de ofício por parte do magistrado uma vez que auxiliaria a defesa como defende Denise Abade 461 Todavia esse desdobramento da presunção de não culpabilidade limitar os poderes instrutórios de ofício do magistrado criminal não é aceito pela doutrina processualista majoritária nem pela jurisprudência sendo corriqueira a aceitação dos poderes instrutórios de ofício ao magistrado no processo penal mesmo em desfavor da defesa nos casos em que a prova só auxilia a tese da acusação esmagadora maioria dos casos o que é justificado em nome do princípio da verdade real do processo penal 462 Jurisprudência do STF Presunção de inocência inquéritos e ações penais em andamento Maus antecedentes impossibilidade Prisão preventiva possibilidade A periculosidade do agente pode ser aferida por intermédio de diversos elementos concretos tal como o registro de inquéritos policiais e ações penais em andamento que embora não possam ser fonte desfavorável da constatação de maus antecedentes podem servir de respaldo da necessidade da imposição de custódia preventiva Diante do disposto no art 156 do CPP não se reveste de ilegalidade a atuação de ofício do magistrado que em pesquisa a banco de dados virtuais verifica a presença de registros criminais em face do paciente HC 126501 rel p o ac Min Edson Fachin j 1462016 1ª T DJe de 4102016 Presunção de inocência e ato infracional Aplicação Natureza cautelar da internação provisória A presunção de inocência se aplica ao processo em que se apura a prática de ato infracional uma vez que as medidas socioeducativas ainda que primordialmente tenham natureza pedagógica e finalidade protetiva podem importar na compressão da liberdade do adolescente e portanto revestemse de caráter sancionatório aflitivo A internação provisória antes do trânsito em julgado da sentença assim como a prisão preventiva tem natureza cautelar e não satisfativa uma vez que visa resguardar os meios ou os fins do processo a exigir nos termos do art 108 parágrafo único do ECA a demonstração da imperiosa necessidade da medida com base em elementos fáticos concretos HC 122072 rel Min Dias Toffoli j 292014 1ª T DJe de 2992014 292 A EXECUÇÃO PROVISÓRIA OU IMEDIATA DA PENA CRIMINAL APÓS O JULGAMENTO PROFERIDO EM GRAU DE APELAÇÃO De 1988 a 2009 o Supremo Tribunal Federal brasileiro interpretava restritivamente o disposto no art 5º LVII da CF88 decidindo reiteradamente que a pendência do recurso especial ou extraordinário não impede a execução imediata da pena considerando que eles não têm efeito suspensivo são excepcionais sem que isso implique em ofensa ao princípio da presunção da inocência STF HC 90645PE Rel para o ac Min Menezes Direito j 119 2007 DJ de 13112007 Em 2009 houve mutação constitucional no STF a favor da mudança da interpretação desse dispositivo constitucional sem alteração do texto constitucional pela qual a presunção de inocência passou a impedir a prisão antes do trânsito em julgado da sentença ou acórdão condenatório HC 84078 rel Min Eros Grau j 522009 DJe de 2622010 Por outro lado não se previu nenhuma fórmula que impedisse o uso abusivo de recursos que não possuem limites numéricos de interposição como os embargos de declaração ou mesmo agravos diversos o que impelia a defesa de acusados a interpor sucessivos recursos para impedir o trânsito em julgado e com isso gerar prescrição da pretensão punitiva do Estado bem como evitar a prisão Em 2016 houve nova viragem jurisprudencial e o Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria em caso concreto HC 126292 rel Min Teori Zavascki j 1722016 Informativo do STF n 814 e também em controle abstrato de constitucionalidade Ações Diretas de Constitucionalidade n 43 e 44 Medida Cautelar rel Min Marco Aurélio j 5102016 que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art 5º LVII da Constituição Federal Foi feito amplo debate sobre o alcance da expressão ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória prevista no art 5º LVII da CF88 bem como do disposto no art 283 do CPP pelo qual ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou no curso da investigação ou do processo em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva Seguem abaixo os principais argumentos dos Ministros da maioria formada no STF para o retorno da execução imediata da pena 1 A inexistência de direitos absolutos a necessária ponderação entre a presunção de inocência e os demais direitos protegidos vida segurança e integridade pessoal Nos votos dos Ministros Barroso e Fachin Medida Cautelar nas ADCs n 43 e 44 j 5102016 DJe de 732018 a exigência do trânsito em julgado gerou a proteção deficiente dos direitos à vida segurança e integridade física dos indivíduos Por sua vez o Min Fachin defendeu a ausência de caráter absoluto da expressão trânsito em julgado no tocante à prisão uma vez que a execução da pena criminal não pode depender de ato de vontade do apenado em não mais recorrer já que Há sempre um recurso oponível a uma decisão por mais incabível que seja por mais estapafúrdias que sejam as razões recursais invocadas Se pudéssemos dar à regra do art 5º LVII da CF caráter absoluto teríamos de admitir no limite que a execução da pena privativa de liberdade só poderia operarse quando o réu se conformasse com sua sorte e deixasse de opor novos embargos declaratórios Isso significaria dizer que a execução da pena privativa de liberdade estaria condicionada à concordância do apenado Salta aos olhos portanto que não se pode dar caráter absoluto à dicção do art 5º LVII da Constituição da República ao mencionar trânsito em julgado voto do Min Fachin no HC 135752 decisão monocrática de 582016 grifo meu 2 Não é necessária a alteração da CF88 emenda constitucional ou revogação do art 283 do CPP O STF afastou argumentos a favor da necessidade de obediência a literalidade do art 5º LVII uma vez que a própria CF88 não veda a prisão antes do trânsito em julgado como nos casos da prisão em flagrante prevista ou por ordem fundamentada de autoridade judiciária competente art 5º LXI Para o Min Barroso a Constituição brasileira não condiciona a prisão mas sim a certeza jurídica acerca da culpabilidade ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória trecho do voto do Min Barroso ADCs n 43 e 44 Medida Cautelar O Min Fachin citando o Min Eros Grau lembrou que não se interpreta o direito em tiras voto do Min Fachin nas ADCs n 43 e 44 Medida Cautelar Para o Min Fachin a literalidade do art 5º LVII deve ser interpretada em conjunto com a razão constitucional da própria existência dos recursos às instâncias de superposição STF e STJ uma vez que a finalidade que a Constituição persegue não é outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de um pronunciamento jurisdicional com o qual o sucumbente não se conforma e considera injusto trecho do voto do Min Fachin ADCs n 43 e 44 Medida CautelarPodese então em uma interpretação sistemática da CF88 chegarse à conclusão de que a prisão é cabível antes do trânsito em julgado para preservar os direitos já mencionados acima Quanto ao art 283 do CPP foi recordado pelo Min Fachin que as regras dos arts 637 463 do CPP cc a dos arts 995 e 1029 5º ambos do CPC ao atribuir efeito meramente devolutivo aos recursos extraordinário e especial excepcionam a regra geral do art 283 do CPP permitindo o início da execução quando o provimento condenatório for proferido por Tribunal de Apelação trecho do voto do Min Fachin ADCs n 43 e 44 Medida Cautelar Assim ficou decidido que Inexiste antinomia entre a especial regra que confere eficácia imediata aos acórdãos somente atacáveis pela via dos recursos excepcionais e a disposição geral que exige o trânsito em julgado como pressuposto para a produção de efeitos da prisão decorrente de sentença condenatória a que alude o art 283 do CPP Declaração de constitucionalidade do art 283 do Código de Processo Penal com interpretação conforme à Constituição assentando que é coerente com a Constituição o principiar de execução criminal quando houver condenação assentada em segundo grau de jurisdição salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível ADC 43MC e ADC 44MC rel Min Marco Aurélio j 5102016 P DJe de 732018 3 Não cabe motivação específica para se determinar a prisão dos condenados em 2º grau e ausência de violação do princípio da reserva legal O implemento da execução imediata da pena nos termos decididos pelo Plenário do STF atua como desdobramento natural do esgotamento das instâncias ordinárias de modo que assim como ocorre na deflagração da execução definitiva não se exige motivação particularizada Tratase em verdade tão somente de cumprimento do título condenatório este sim caracterizado pela necessidade de robusta motivação trecho do voto do Min Fachin HC 135752 decisão monocrática de 582016 Quanto à violação do princípio da reserva legal o Min Barroso salientou que o art 637 do CPP mencionado acima continua a servir como base legal da execução da pena criminal após a condenação em 2º grau tal como ocorria entre 1988 e 2009 antiga posição do STF a favor da execução imediata da pena criminal durante 21 anos trecho do voto do Min Barroso ADCs n 43 e 44 Medida Cautelar 4 Qualquer decisão teratológica poderá ser afastada pelo manejo de outras medidas Foi constantemente lembrada nos votos dos Ministros formadores da maioria a existência de diversos instrumentos processuais eficazes tais como as medidas cautelares para conferir efeito suspensivo a recursos especiais e extraordinários bem como o habeas corpus que a despeito de interpretação mais restritiva sobre seu cabimento em casos de teratologia são concedidos de ofício pelo STF Em síntese esse novo posicionamento do STF enfatiza a incompatibilidade da situação anterior da execução da pena criminal que dependia da vontade do próprio sentenciado em não mais recorrer Não há no Direito Processual Penal brasileiro limite aos recursos defensivos mesmo que estes sejam embargos de declaração sucessivos Houve inclusive casos nos quais o trânsito em julgado decorreu do ato de vontade de Ministro do STF que simplesmente foi chamado a decretar na análise do recurso pendente o trânsito em julgado alegando para tanto abuso do direito da defesa em recorrer o que também não está previsto expressamente no Código de Processo Penal 464 Essa situação pretérita e agora superada violava severamente o direito à duração razoável do processo penal direito titularizado tanto pelo acusado quanto pela vítima e seus familiares conforme precedentes internacionais vide Caso Genie Lacayo 465 estudado neste Curso Os precedentes internacionais também caminham no sentido da ponderação de direitos em conflito no processo penal bem como são a favor da sistematização e racionalidade processual que não pode depender da vontade do apenado em não mais recorrer No plano constitucional o Min Fachin salientou que A Constituição quer se queira ou não à luz das concepções que cada um sustenta escolheu o direito penal como um de seus instrumentos de proteção de direitos humanos No mesmo voto o Min Fachin recordou dos Casos Maria da Penha Sétimo Garibaldi Damião Ximenes Lopes entre outros nos quais a Comissão Maria da Penha e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos nos outros dois condenaram o Brasil pela deficiência na proteção penal das vítimas de violações graves de direitos humanos voto do Min Fachin ADCs n 43 e 44 Medida Cautelar Há então compatibilidade entre a execução imediata da pena criminal após o julgamento em 2º grau com o Direito Internacional dos Direitos Humanos à luz de precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Europeia de Direitos Humanos que não abrem mão do papel preventivo do Direito Penal na proteção de direitos essenciais 466 No final de 2016 o STF adotou tese de repercussão geral na qual foi reafirmada essa jurisprudência a favor da execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário STF Agravo em Recurso Extraordinário n 964246 com repercussão geral j 11112016 Em 2017 a 1ª Turma do STF decidiu que cabe também execução provisória da pena após a condenação pelo Tribunal do Júri No voto do rel Min Barroso não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso uma vez que em virtude da soberania dos julgados do júri art 5º XXXVIII da CF88 o Tribunal ao qual a apelação do réu for dirigida não poderá reapreciar os fatos e provas na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi determinada soberanamente pelo Júri HC 118770 relator sorteado Min Marco Aurélio relator p acórdão Min Roberto Barroso Primeira Turma j 732017 DJe de 2442017 Em 2019 houve superação desse precedente considerandose que a decisão do Tribunal do Júri não pode ser equiparada à decisão de órgão colegiado de segunda instância STF Medida Cautelar no HC n 174759 rel Min Celso de Mello decisão monocrática de 2092019 Apesar desses julgados houve já decisão da 2ª Turma do STF condicionando a execução provisória da pena criminal ao pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça caso haja plausibilidade da tese defensiva STF 2ª Turma Rcl 30008 e 30245 rel Min Dias Toffoli j 2662018 Em outubro de 2019 iniciouse o julgamento definitivo das Ações Diretas de Constitucionalidade n 43 44 e 54 nas quais pode existir nova viragem do STF na temática Há três posições em debate 1 o retorno à situação de 20092016 com a exigência do trânsito em julgado para a execução da pena criminal 2 a manutenção da posição atual a favor da execução provisória após deliberação na segunda instância 3 execução provisória após pronunciamento em definitivo do Superior Tribunal de Justiça posição intermediária que pode ser inclusive o conteúdo de eventual voto médio vencedor caso nenhuma das duas posições anteriores consiga maioria no STF 30 Identificação criminal Art 5º LVIII o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal salvo nas hipóteses previstas em lei A Constituição de 1988 determina que o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal salvo nas hipóteses previstas em lei art 5º LVIII Repudiouse o constrangimento desnecessário gerado pela identificação criminal que acarretava aparência de culpa ver o item anterior sobre a presunção de não culpabilidade A Constituição admite que lei imponha exceções ao direito daquele já identificado civilmente de não ser identificado criminalmente A Lei n 120372009 prevê a identificação datiloscópica e fotográfica criminal para quaisquer pessoas que i não apresentem identificação civil e ii para aqueles que já foram identificados civilmente nas hipóteses elencadas pela lei referentes à indispensabilidade de tal identificação art 3º A Lei n 126542012 alterou a Lei n 120372009 e também a Lei de Execução Penal criando a identificação de perfil genético para fins criminais tendo como inspiração o Sistema de Indexação de DNA CODIS Combined DNA Index System gerenciado pelo FBI norte americano A identificação de perfil genético consiste no uso de material que contém DNA ácido desoxirribonucleico de um indivíduo para identificálo o que é mais preciso que as técnicas tradicionais de identificação fotográfica e datiloscópica Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos gerenciado por unidade oficial de perícia criminal não podendo revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas exceto determinação genética de gênero consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos genoma humano e dados genéticos buscase impedir discriminações odiosas por exemplo pela não contratação de alguém ou aumento do valor de seguro de vida A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso respondendo civil penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos da investigação criminal ou determinado em decisão judicial Finalmente a lei exigiu que os condenados por i crime praticado dolosamente e com violência de natureza grave contra pessoa ou ii por qualquer dos crimes previstos no art 1º da Lei n 807290 Lei dos Crimes Hediondos sejam submetidos obrigatoriamente à identificação do perfil genético mediante extração de DNA por técnica adequada e indolor De acordo com a lei é necessária autorização judicial para que a autoridade policial no caso de inquérito instaurado tenha acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético Pelo que se viu a Lei n 126542012 somente autorizou expressamente a intervenção corpórea automática desde que feita por técnica indolor para coleta do material dos condenados definitivos ver na Parte IV item 6 sobre integridade física Continua em trâmite em outubro de 2019 recurso extraordinário com repercussão geral contra tal dispositivo STF RE 973837 rel Min Gilmar Mendes sob a alegação de violação do princípio da vedação da autoincriminação No caso de investigação e instrução criminais a medida de coleta de material biológico para a identificação do perfil genético dependerá das circunstâncias do caso juízo de ponderação e de autorização judicial a pedido da Autoridade Policial do Ministério Público da Defesa ou mesmo de ofício Contudo alertamos que a intervenção corpórea mínima em outros casos não foi aceita pelo STF ver detalhada análise no item sobre integridade física que terá agora outra oportunidade para rever sua jurisprudência sobre a ponderação entre o direito à integridade física e os direitos à segurança à verdade e à justiça 31 Ação penal privada subsidiária Art 5º LIX será admitida ação privada nos crimes de ação pública se esta não for intentada no prazo legal A Constituição de 1988 criou uma única exceção à titularidade do Ministério Público na ação penal pública a ação privada subsidiária da ação penal pública pela vítima ou seu representante regulamentada no Código de Processo Penal art 29 O ajuizamento da ação penal privada subsidiária da ação penal pública é cabível na existência de inércia do Ministério Público MP que se abstém no prazo legal de i oferecer denúncia ou de ii requerer o arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação ou ainda iii de requisitar diligências investigatórias à autoridade policial Caso o MP tenha realizado uma dessas três atividades por exemplo promoveu o arquivamento do inquérito policial não há inércia mesmo que a vítima não concorde com as razões do Parquet não podendo ser proposta a ação penal privada subsidiária STF HC 74276 rel Min Celso de Mello j 391996 Primeira Turma DJe de 2422011 32 Publicidade dos atos processuais Art 5º LX a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem Em linha com a liberdade de informação dos atos envolvendo o Poder Público a Constituição de 1988 possui dispositivo específico sobre a publicidade dos atos processuais esses devem como regra geral desenvolverse de modo público somente podendo ser submetidos a sigilo permitindose o acesso às partes somente nos casos de i defesa da intimidade ou do ii interesse social Nesse sentido o STF já decidiu que a publicidade dos atos processuais não pode ser restrita por atos judiciais de natureza discricionária devendo ser fundamentada a decisão de sigilo nos casos excepcionais para a defesa da honra da imagem e da intimidade de terceiros ou quando a medida for essencial para a proteção do interesse público RMS 23036 rel p o ac Min Nelson Jobim j 2832006 Segunda Turma DJ de 2582006 33 Prisão civil Art 5º LXVII não haverá prisão civil por dívida salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel A Constituição de 1988 assegurou o direito individual de não ser preso por dívida com duas exceções 1 inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar e 2 depositário infiel Porém a ratificação brasileira de tratados de direitos humanos como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos art 11 ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica art 7º 7 7Ninguém deve ser detido por dívidas Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar eliminou a possibilidade de qualquer hipótese de prisão civil do depositário infiel e permitiu apenas a prisão do alimentante que podendo prestar os alimentos devidos decide voluntariamente não prestálos Para o STF o status normativo supralegal ou constitucional dos tratados de direitos humanos ver o duplo estatuto dos tratados de direitos humanos no capítulo específico no Brasil tornou inaplicável a legislação ordinária ou mesmo complementar com eles conflitantes seja ela anterior ou posterior ao ato de Incorporação interna dos tratados em especial o art 652 do CC Lei n 104062002 RE 466343 rel Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes j 3122008 Plenário DJe de 562009 com repercussão geral Finalmente foi editada a Súmula Vinculante 25 que determinou que é ilícita a prisão civil de depositário infiel qualquer que seja a modalidade do depósito 34 Assistência jurídica integral e gratuita Art 5º LXXIV o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos A Constituição de 1988 criou o direito à assistência jurídica integral que deve ser prestado pelo Estado de modo gratuito aos que comprovarem insuficiência de recursos A menção à assistência jurídica integral é inovação da Constituição que não adotou a linha restritiva de assistência judiciária utilizada na Constituição de 1934 que foi a primeira a contar com esse direito que se manteve nas Constituições posteriores exceto a Constituição de 1937 que não o mencionou A Constituição ainda inovou ao incluir o termo integral o que exige que o Estado preste inclusive orientação jurídica e assistência extraprocessual perante órgãos administrativos por exemplo Esse direito é indispensável para fazer valer os demais direitos Por isso estudaremos logo abaixo os principais aspectos da Defensoria Pública instituição essencial à função jurisdicional do Estado e que serve de instrumento para assegurar o direito à assistência jurídica integral 35 Defensoria Pública 351 CONCEITO INSERÇÃO CONSTITUCIONAL E PODERES A constitucionalização da Defensoria Pública foi uma das inovações da Constituição de 1988 De acordo com o art 134 a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus dos necessitados na forma do art 5º LXXIV Foi consagrada pela Constituição para ser a responsável pela prestação gratuita do direito à assistência jurídica integral aos que dela necessitem concretizando o direito a ter direitos pois sem o acesso à justiça os demais direitos ficam em risco Em 2014 foi promulgada a Emenda Constitucional n 80 que deu nova redação ao art 134 da CF prevendo que incumbe à Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático fundamentalmente a orientação jurídica a promoção dos direitos humanos e a defesa em todos os graus judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos de forma integral e gratuita aos necessitados na forma do inciso LXXIV do art 5º desta Constituição Federal Foi transposta para o plano constitucional a literalidade do art 1º da Lei Complementar n 8094 alterado pela Lei Complementar n 1322009 Nesse sentido decidiu o STF que de nada valerão os direitos e de nenhum significado revestirseão as liberdades se os fundamentos em que eles se apoiam além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por particulares também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional como aquele proporcionado pela Defensoria Pública cuja função precípua por efeito de sua própria vocação constitucional consiste em dar efetividade e expressão concreta inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado a esses mesmos direitos quando titularizados por pessoas necessitadas que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art 5º LXXIV quanto do preceito consubstanciado no art 134 ambos da CR ADI 2903 rel Min Celso de Mello j 1º122005 Plenário DJe de 1992008 Ainda de acordo com a Constituição de 1988 a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios devem ser organizadas por lei complementar assegurandose a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais Já as Defensorias Públicas Estaduais possuem autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária fruto da Emenda Constitucional n 452004 Ainda pela Emenda Constitucional n 80 de 4 de junho de 2014 consagrouse como princípios institucionais da Defensoria Pública art 134 4º i a unidade ii a indivisibilidade e iii a independência funcional tal qual já ocorria com o Ministério Público art 127 1º desde a promulgação da CF88 Foi concedida a equiparação com o regime jurídico da magistratura pela aplicação no que couber do disposto no art 93 princípios que regem o estatuto da magistratura e no inciso II do art 96 propositura de projeto de lei da CF Em 6 de agosto de 2013 foi promulgada a Emenda Constitucional n 74 que conferiu às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal a autonomia administrativa e financeira já obtida pelas Defensorias dos Estados novo 3º do art 134 Essas emendas constitucionais recentes consagraram a equiparação constitucional da Defensoria Pública com a Magistratura e o Ministério Público formando o arco público do sistema de justiça com regimes jurídicos similares A Lei Complementar n 8094 alterada sensivelmente em 2009 pela LC n 132 dispõe que a Defensoria Pública é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe como expressão e instrumento do regime democrático fundamentalmente i a orientação jurídica ii a promoção dos direitos humanos e a iii defesa em todos os graus judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos de forma integral e gratuita aos necessitados assim considerados na forma do inciso LXXIV do art 5º da Constituição Federal art 1º da LC n 80 conforme redação da LC n 1322009 texto que agora consta do art 134 da CF graças à EC 802014 Ainda de acordo com a Lei Complementar n 8094 a Defensoria Pública é composta por a Defensoria Pública da União b Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios c Defensoria Pública dos Estados Seus princípios institucionais são a unidade a indivisibilidade e a independência funcional São objetivos da Defensoria Pública I a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais II a afirmação do Estado Democrático de Direito III a prevalência e efetividade dos direitos humanos IV a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório objetivos incluídos pela LC n 132 de 2009 Pelo que foi exposto vêse que a missão maior da Defensoria Pública em um país marcado por desigualdades sociais e negação de direitos no cotidiano é a defesa de direitos humanos Cabe à Defensoria Pública da União atuar perante Justiças Federal do Trabalho Eleitoral Militar Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União Essa atuação é tão ampla que a Lei Complementar n 8094 prevê que a Defensoria Pública da União deverá firmar convênios com as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal para que estas em seu nome atuem junto aos órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição referidos A Lei Complementar n 8094 estabelece as normas gerais da Defensoria Pública dos Estados que ainda são regidas pelas suas leis estaduais em linha com a competência legislativa concorrente estabelecida pela CF88 art 24 Compete à União aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre XIII assistência jurídica e Defensoria pública No tocante à chefia a Defensoria Pública da União tem por chefe o Defensor PúblicoGeral Federal nomeado pelo Presidente da República dentre membros estáveis da Carreira e maiores de 35 anos escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto secreto plurinominal e obrigatório de seus membros após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal para mandato de dois anos permitida uma recondução precedida de nova aprovação do Senado Federal Já a Defensoria Pública do Estado tem por chefe o Defensor PúblicoGeral nomeado pelo Governador do Estado dentre membros estáveis da Carreira e maiores de 35 anos escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto secreto plurinominal e obrigatório de seus membros para mandato de dois anos permitida uma recondução 352 FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA A Lei Complementar n 1322009 explicitou as diversas funções institucionais que decorrem da missão constitucional da Defensoria de defesa do direito a ter direitos dos vulneráveis no Brasil O art 4º da citada Lei dispõe que cabe à Defensoria Pública a promoção de ações de qualquer natureza inclusive as referentes a interesses difusos coletivos e individuais homogêneos a atuação extrajudicial na orientação e conciliação inclusive promovendo prioritariamente a solução extrajudicial dos litígios por meio da mediação arbitragem conciliação e outras técnicas a atuação em estabelecimentos policiais e penitenciários visando assegurar à pessoa sob quaisquer circunstâncias o exercício dos direitos e garantias individuais e ainda o poder de representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos postulando perante seus órgãos Isso sem contar a função de promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos da cidadania e do ordenamento jurídico Das ausências de atribuição uma das mais sentidas é a falta de legitimidade ativa do Defensor Público Geral Federal para propor ações diretas de controle abstrato de constitucionalidade pois o rol do art 103 da CF88 não lhe contempla Dessas importantes funções ressalto a ênfase em fórmulas diferenciadas na defesa dos direitos dos vulneráveis que vão além da assistência jurídica em um litígio judicial individual a saber a atuação na solução extrajudicial de conflitos b uso da tutela coletiva de direitos e de direitos coletivos c provocação dos mecanismos internacionais de direitos humanos de modo a superar eventual jurisprudência nacional inclusive a do STF restritiva ou de denegação de direitos Para o futuro fica evidente que a Defensoria Pública desempenhará protagonismo no chamado litígio estratégico de direitos humanos 467 que consiste no uso de mecanismos jurídicos judiciais ou extrajudiciais para criar ou modificar i ações administrativas ii leis e normas em geral bem como impulsionar a iii interpretação judicial de implementação de direitos humanos Por outro lado o STF reforçou a autonomia constitucional da Defensoria Pública ao considerar que deve ser interpretado conforme a Constituição Federal dispositivo estadual sobre a celebração de convênios pela Defensoria com a OAB no sentido de apenas autorizar sem obrigatoriedade nem exclusividade a Defensoria a celebrar convênio com a OAB ADI 4163 rel Min Cezar Peluso j 2922012 Plenário DJe de 1º32013 Em 2015 foi reconhecida pelo STF a legitimidade ativa da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública art 5º II da Lei n 73471985 alterado pelo art 2º da Lei n 114482007 na tutela de interesses transindividuais coletivos stricto sensu e difusos e individuais homogêneos O STF considerou que a Defensoria pública é instituição essencial à função jurisdicional concretizando o acesso à justiça aos vulneráveis Assim caso existam vulneráveis entre os titulares dos interesses a serem protegidos não é necessário que todos sejam vulneráveis cabe a atuação da Defensoria não existindo nenhum prejuízo para os demais colegitimados em especial o Ministério Público pelo reconhecimento da legitimidade da Defensoria Pública Para a relatora Min Cármen Lúcia a presunção de que no rol dos afetados pelos resultados da ação coletiva constem pessoas necessitadas é suficiente a justificar a legitimidade da Defensoria Pública ADI 3943 rel Min Cármen Lúcia j 75 2015 Plenário DJe de 682015 36 O direito à duração razoável do processo Art 5º LXXVIII a todos no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação A Emenda Constitucional n 452004 introduziu o direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação que combate a delonga tradicional no julgamento de feitos no Brasil dado acúmulo de causas Atualmente ao menos no caso de restrição à liberdade de locomoção reconhecese que pode o STF determinar aos Tribunais Superiores o julgamento de mérito de habeas corpus se entender irrazoável a demora no julgamento HC 91041 rel p o ac Min Ayres Britto j 56 2007 Primeira Turma DJ de 1782007 nesse caso em sede de habeas corpus o STF determinou que a autoridade impetrada apresentasse imediatamente na primeira sessão da Turma na qual oficiava o habeas corpus ajuizado A Corte Interamericana de Direitos Humanos utiliza o seguinte critério para caso a caso determinar se houve violação do devido processo legal em um prazo razoável i complexidade da causa ii atividade das partes ou seja se uma das Partes contribuiu com medidas procrastinatórias e iii atividade do juiz 468 37 Justiça de transição direito à verdade e justiça A justiça de transição consiste em um conjunto de dispositivos que regula a restauração do Estado de Direito após regimes ditatoriais ou conflitos armados internos englobando quatro dimensões ou facetas i direito à verdade e à memória ii o direito à reparação das vítimas iii o dever de responsabilização dos perpetradores das violações aos direitos humanos e finalmente iv a formatação democrática das instituições protagonistas da ditadura por exemplo as Forças Armadas O direito à verdade consiste na exigência de toda informação de interesse público bem como exigir o esclarecimento de situações inverídicas relacionadas a violações de direitos humanos Tem natureza individual e coletiva pois interessa a toda comunidade o esclarecimento das situações de desrespeito aos direitos humanos Tem dupla finalidade o conhecimento e também o reconhecimento das situações combatendo a mentira e a negação de eventos o que concretiza o direito à memória Recentemente a Lei n 125272011 regulamentou o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art 5º e no inciso II do 3º do art 37 bem como no 2º do art 216 da CF ver Parte IV item 18 sobre a citada lei acima O direito à verdade é concretizado tanto na sua faceta histórica mediante Comissões de Verdade ver abaixo a Lei n 125282012 quanto na sua faceta judicial fruto das ações judiciais cíveis e criminais de punição dos agentes responsáveis No Brasil a Lei n 125282011 criou a Comissão Nacional da Verdade De acordo com seu art 1º a comissão tem como finalidade examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional Além de i esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos promovendo o esclarecimento dos casos de torturas mortes desaparecimentos forçados ocultação de cadáveres e sua autoria ainda que ocorridos no exterior a Comissão deve encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na ii localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos e iii recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional Quanto à obtenção da verdade judicial é cabível a responsabilização dos agentes que promoveram graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar Para tanto a Corte IDH considerou ser inaplicável a Lei n 668379 Lei da Anistia aos agentes da ditadura uma vez que tal lei ofendeu o direito à justiça das vítimas e seus familiares previsto implicitamente nos arts 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos Caso Gomes Lund vs Brasil sentença de 24112010 Ocorre que o STF decidiu pela improcedência da ADPF 153 interposta pelo Conselho Federal da OAB que almejava a interpretação conforme a Constituição da Lei da Anistia no sentido de excluir os agentes da ditadura do seu alcance Para o relator Min Eros Grau a Lei da anistia veiculou uma decisão política assumida naquele momento e a Constituição de 1988 não pode afetar leismedida que a tenham precedido ADPF 153 rel Min Eros Grau j 294 2010 Plenário DJe de 682010 Em 10 de dezembro de 2014 a Comissão Nacional da Verdade criada pela Lei n 125282011 entregou seu relatório final que contempla a análise de graves violações de direitos humanos dentro do período de 1946 a 1988 Composto por três volumes o relatório final documentou especialmente centenas de casos de violações graves de direitos humanos cometidos por agentes da ditadura militar 19641985 atestando que tais violações consistiram em uma política sistemática de Estado e não atos isolados de indivíduos civis ou militares agindo contra orientações superiores Conforme consta do relatório na ditadura militar a repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política de Estado concebida e implementada a partir de decisões emanadas da Presidência da República e dos ministérios militares p 963 Assim tais crimes têm de acordo com o relatório final a natureza de crimes contra a humanidade Essa conclusão é importante e está em consonância com a decisão da Corte IDH no Caso Gomes Lund vs Brasil 2010 As consequências da caracterização de tais condutas dos agentes da ditadura militar como crimes contra a humanidade são as seguintes i não é possível a alegação de qualquer imunidade ou anistia ii essas condutas são imprescritíveis e iii cabe ao Estado por seus órgãos Ministério Público Federal e Justiça Federal não sendo possível o julgamento por juízos militares Caso Gomes Lund vs Brasil investigar perseguir em juízo e punir criminalmente os responsáveis Por sua vez a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que não é possível processar criminalmente os responsáveis pelo chamado atentado do Riocentro no qual houve uma malsucedida tentativa por parte de militares brasileiros de colocar bomba no Centro de Convenções Riocentro que explodiria em evento comemorativo do Dia do Trabalhador a bomba explodiu no próprio carro dos militares em 3041981 Para o voto vencedor do Min Reynaldo Soares da Fonseca os fatos estão sob o abrigo da anistia prevista no art 4º 1º da EC 26 promulgada em 27 de novembro de 1985 Além disso houve coisa julgada material mesmo que fruto de juízo incompetente o Superior Tribunal Militar a favor dos imputados Também foi mencionado o efeito vinculante da ADPF 153 que considerou recepcionada pela CF88 a anistia ofertada anteriormente Quanto à natureza de jus cogens e de crime contra a humanidade e por isso imprescritível considerouse que a utilização da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade não ratificada pelo Brasil seria afronta à própria soberania estatal e à supremacia da Constituição da República Ademais a prescrição penal tem natureza de norma de direito material penal e sua desconsideração ofende i o princípio da segurança jurídica ii o princípio constitucional da legalidade e iii o princípio constitucional da irretroatividade da lex gravior previsto no art 5º XL da CF88 a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu Quanto ao controle de convencionalidade e ao respeito às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre justiça de transição considerouse que a hierarquia interna da Convenção e das deliberações internacionais de direitos humanos no Brasil é matéria reservada ao STF não podendo o STJ dele divergir STJ REsp 1798903 rel p o acórdão Min Reynaldo Soares da Fonseca por maioria vencidos os Ministros Rogerio Schietti e Sebastião Reis Júnior j 2582019 Quanto à formatação democrática das instituições do Estado a prática da justiça de transição defende o afastamento dos cargos ou funções públicas daqueles indivíduos que apoiaram ou se envolveram de alguma forma com a ditadura Essa política é chamada de depuração ou lustração vetting ou lustration que gera i a renovação dos quadros e das práticas estatais e ii a prevenção de novos atentados ao Estado Democrático pela sanção de afastamento aos que apoiaram as iniciativas pretéritas A política de vetting foi intensamente adotada após a redemocratização nos Estados do exbloco soviético afastando do poder os servidores públicos exmembros do Partido Comunista do país especialmente os vinculados aos serviços internos de informação política 469 38 Garantias fundamentais A Constituição de 1988 prevê no seu Título II direitos e garantias fundamentais Por garantias fundamentais entendemse os instrumentos inseridos na Constituição que asseguram e promovem os direitos fundamentais Entre essas garantias há ações constitucionais também chamadas de remédios constitucionais que possuem natureza híbrida representam ações regidas pelo Direito Processual mas ao mesmo tempo são inseridas na Constituição e desempenham a função de proteger direitos fundamentais Há oito ações constitucionais o habeas corpus o mandado de segurança individual o mandado de segurança coletivo o mandado de injunção o habeas data a ação popular a ação civil pública e ainda o direito de petição Analisaremos abaixo as principais características de cada uma delas 381 HABEAS CORPUS Art 5º LXVIII concederseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Conceito O habeas corpus consiste em ação constitucional cabível sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder conforme dispõe o art 5º LXVIII Origem O habeas corpus tem raízes na Carta Magna 1215 e no Habeas Corpus Act 1679 No Brasil foi previsto no Código Criminal do Império 1830 e pela primeira vez em um texto constitucional na Constituição de 1891 Cabimento Logo após a Constituição de 1891 a interpretação do cabimento do habeas corpus foi ampliada para abarcar a violação de todo e qualquer direito constitucional uma vez que a redação do art 72 22 da Constituição de 1891 que tratou do habeas corpus não mencionava liberdade de locomoção Essa ampliação do alcance do habeas corpus foi denominada teoria brasileira do habeas corpus eliminada somente na Reforma Constitucional de 1926 que alterou a redação do art 72 22 para incluir a redação próxima da atual com referência expressa à liberdade de locomoção Atualmente é cabível o habeas corpus para combater lesão ou ameaça de lesão à liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Restrição A CF88 prevê que não caberá habeas corpus em face de punições disciplinares militares art 142 2º Competência para julgamento Será determinada de acordo com o tipo de autoridade coatora e excepcionalmente de acordo com o paciente aquele que sofre sofreu violência ou coação em sua liberdade ambulatorial Espécies e ordem O habeas corpus pode ser preventivo antes da ocorrência da lesão quando se concedido gerará um salvo conduto ao paciente para assegurar seu direito de ir ou repressivo quando se obtém um alvará de soltura liberatório contra ato abusivo ou ilegalidade Propositura e trâmite Pode ser proposto por qualquer pessoa física em sua defesa ou na defesa de terceiro ou jurídica inclusive o Ministério Público e a Defensoria para proteger direito de ir e vir de determinado indivíduo liberdade de locomoção ou liberdade ambulatorial Pode ser proposta sem advogado ou formalidade O juiz no exercício de sua atividade jurisdicional pode conceder de ofício O trâmite é singelo o Impetrante sustenta a existência de lesão ou ameaça de lesão à liberdade de locomoção por conduta imputada à Autoridade Coatora em desfavor do Paciente A Autoridade Coatora presta informações o Ministério Público oficia como custos legis dando parecer já que pode ter ocorrido inclusive crime por parte da Autoridade Coatora e o juízo concede ou denega a ordem de habeas corpus Habeas Corpus contra ato de Ministro do STF e competência do Pleno do STF A jurisprudência do STF foi alterada em agosto de 2015 passando a admitir habeas corpus contra ato coator de Ministro do STF A competência é do Pleno do STF Essa mudança foi gerada pelo aumento dos casos criminais originários por exemplo a Operação Lava Jato que envolveu dezenas de parlamentares federais nos quais os atos do Ministro relator do STF pela jurisprudência antiga eram insuscetíveis de ataque pela via do habeas corpus HC 127483PR Min Dias Toffoli j 2782015 DJe de 422016 Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário Houve alteração da jurisprudência do STF para impedir o uso da estratégia defensiva conhecida como habeas corpus sucessivo ou substitutivo sem a utilização dos recursos cabíveis da negativa de liminar de um habeas corpus pelo juízo nasceria um ato coator possibilitando outro habeas corpus agora proposto perante Tribunal que negando a liminar permitiria outro habeas corpus agora perante o STJ que indeferindo a liminar permitiria o último habeas corpus sucessivo agora perante o STF De acordo com o STF o habeas corpus tem uma rica história constituindo garantia fundamental do cidadão Ação constitucional que é não pode ser amesquinhado mas também não é passível de vulgarização sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso o recurso ordinário Diante da dicção do art 102 II a da Constituição da República a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio em manifesta burla ao preceito constitucional 1ª Turma HC 104045RJ rel Min Rosa Weber j 2182012 Habeas corpus coletivo Em 2017 o Min Ricardo Lewandowski do STF admitiu o trâmite de habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Ceará tendo como pacientes todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no Sistema Penitenciário Nacional que ostentem a condição de gestantes puérperas ou mães com filhos de até 12 anos de idade sob sua responsabilidade e das próprias crianças Na petição são inseridas como autoridades coatoras todos os magistrados criminais inclusive do STJ do país Para o Min relator devese autorizar o uso do habeas corpus na forma coletiva pois se a lesão pode assumir caráter coletivo e em assim sendo o justo consiste em disponibilizar um remédio efetivo e funcional para a proteção da coletividade mormente de coletividades vulneráveis socioeconomicamente Salientou ainda o Min Lewandowski que o exercício da faculdade de extensão da ordem de um habeas corpus individual a todos os que estejam na mesma situação pode transformálo em legítimo habeas corpus coletivo mostrando que essa coletivização do instrumento do habeas corpus não é estranha à prática processual penal brasileira Também anotou que nessa extensão não se exige a nome de cada paciente nos termos do art 654 1º a do Código de Processo Penal e por igual razão não se deve exigir tal requisito no habeas corpus coletivo lembrando que a interpretação do Código de Processo Penal deve ser orientada pelo prisma constitucional Quanto ao argumento da existência de outros instrumentos de defesa coletiva de direitos por exemplo a ADPF o Relator recordou que rol de legitimados da ADPF é restrito podendo ser utilizado o habeas corpus coletivo como instrumento flexível e relevante que amplifica o acesso à Justiça previsto na CF88 e no art 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos Quanto à legitimidade ativa decidiu o Relator pelo uso analógico das regras do mandado de injunção coletivo art 12 IV da Lei 133002016 reconhecendo a legitimidade ativa à Defensoria Pública da União por se tratar de ação de caráter nacional admitindo as impetrantes como assistentes em condição análoga à atribuída às demais Defensorias Públicas atuantes no feito STF Habeas Corpus Coletivo n 143641 rel Min Ricardo Lewandowski decisão de 15 de agosto de 2017 Em 2018 a 2ª Turma do STF concedeu o HC coletivo ordenando a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar de mulheres presas em todo o território nacional que sejam i gestantes ou ii mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência A Turma concedeu ainda HC coletivo de ofício estendendo tal substituição também para adolescentes em conflito com a lei cumprindo medidas socioeducativas em idêntica situação STF Habeas Corpus Coletivo n 143641 rel Min Ricardo Lewandowski j 2022018 Súmulas do STF sobre Habeas Corpus Súmula 299 O recurso ordinário e o extraordinário interpostos no mesmo processo de Mandado de Segurança ou de Habeas Corpus serão julgados conjuntamente pelo Tribunal Pleno Súmula 319 O prazo do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal em Habeas Corpus ou Mandado de Segurança é de cinco dias Súmula 344 Sentença de primeira instância concessiva de Habeas Corpus em caso de crime praticado em detrimento de bens serviços ou interesses da União está sujeita a recurso ex officio Súmula 395 Não se conhece de recurso de Habeas Corpus cujo objeto seja resolver sobre o ônus das custas por não estar mais em causa a liberdade de locomoção Súmula 431 É nulo o julgamento de recurso criminal na segunda instância sem prévia intimação ou publicação da pauta salvo em Habeas Corpus Súmula 606 Não cabe Habeas Corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma ou do Plenário proferida em Habeas Corpus ou no respectivo recurso Súmula 690 Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de Habeas Corpus contra decisão de Turma recursal de Juizados Especiais Criminais Súmula 691 Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus impetrado contra decisão do relator que em Habeas Corpus requerido a Tribunal Superior indefere a liminar Súmula 692 Não se conhece de Habeas Corpus contra omissão de relator de extradição se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos nem foi ele provocado a respeito Súmula 693 Não cabe Habeas Corpus contra decisão condenatória a pena de multa ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada Súmula 694 Não cabe Habeas Corpus contra a imposição de pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública Súmula 695 Não cabe Habeas Corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade 382 MANDADO DE SEGURANÇA Art 5º LXIX concederseá mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público Conceito O mandado de segurança visa proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data ameaçado ou lesado por ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público art 5º LXIX A Constituição de 1988 inovou e prevê ainda o mandado de segurança coletivo a ser impetrado por i partido político com representação no Congresso Nacional e por ii organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados art 5º LXX Origem Foi inserido pela primeira vez em uma Constituição na Constituição de 1934 Visava incrementar a proteção de direitos após o fim da teoria brasileira do habeas corpus Desde então compõe o texto das nossas Constituições ausência somente na Constituição de 1937 constituindose em instituto tipicamente brasileiro somente há institutos próximos e não idênticos em outros países como o recurso de amparo da Espanha A regulamentação foi durante décadas a da Lei n 153351 que foi revogada e substituída pela Lei n 12016 de 2009 com poucas alterações Cabimento Cabe mandado de segurança para proteger direito líquido e certo que consiste em todo direito cujos fatos que o embasam podem ser provados de plano sem instrução probatória Não se admite então dilação probatória no mandado de segurança a prova tem que ser préconstituída Também só é cabível mandado de segurança para combater condutas comissivas ou omissivas i ilegais ou fruto de ii abuso de poder imputadas à autoridade pública ou agente privado no exercício de atribuições do Poder Público A Lei n 120162009 vedou a impetração de mandado de segurança contra ato de gestão comercial praticado pelo administrador de empresa pública de sociedade de economia mista e de concessionária de serviço público A mesma lei determinou que se equiparam às autoridades públicas os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público somente no que disser respeito a essas atribuições Restrição Não cabe mandado de segurança para proteger a i liberdade de locomoção pois cabe habeas corpus nem a ii a autodeterminação informativa veremos abaixo pois é cabível habeas data A Súmula n 604 do STJ prevê ainda outra restrição O mandado de segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério Público Competência para julgamento Será determinada de acordo com o tipo de autoridade coatora de acordo com a Constituição e com as leis infraconstitucionais Espécies e ordem O mandado de segurança pode ser preventivo antes da ocorrência da lesão ao direito líquido e certo ou repressivo depois da ilegalidade ou abuso de poder Em geral pedese antecipação de tutela pela via liminar Propositura e trâmite O legitimado ativo impetrante é o pretenso titular do direito líquido e certo o que abarca pessoas físicas jurídicas entes despersonalizados inclusive órgãos públicos despersonalizados como Mesas do Poder Legislativo e Ministério Público O prazo é de 120 dias decadencial contados da ciência da conduta impugnada O impetrado é a autoridade coatora que é aquele que praticou o ato ilegal ou abusivo ou ainda aquele que ordenou tal prática Após a propositura e eventual apreciação da liminar há a prestação das informações pela Autoridade Coatora O Ministério Público atua como fiscal da lei emitindo parecer logo após o prazo para envio das informações O rito completase de modo célere com a sentença O conteúdo da sentença de procedência é mandamental ou seja é uma ordem dirigida à autoridade coatora que comete crime de desobediência caso a descumpra Concedida a segurança a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição 383 MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO Art 5º LXX o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por a partido político com representação no Congresso Nacional b organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados Conceito Dispõe a Lei n 121062009 que regulamentou o art 5º LXX que o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária ou por organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade ou de parte dos seus membros ou associados na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades dispensada para tanto autorização especial Assim não cabe exigir autorização assemblear de assembleia da associação Origem e diferenças A Constituição de 1988 criou o mandado de segurança coletivo que difere do mandado de segurança individual somente quanto aos i legitimados visto acima e ii objeto Objeto Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser I coletivos assim entendidos os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica II individuais homogêneos assim entendidos para efeito desta Lei os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante Partidos Políticos Para parte da doutrina os partidos políticos podem defender todo e qualquer direito líquido e certo coletivo ou individual homogêneo pois a finalidade partidária é defender e bem representar o interesse da sociedade Há precedente contrário do STJ que restringe a ação dos partidos políticos na defesa dos filiados e em questões políticas A Lei n 12016 adotou a visão restritiva e determinou que os partidos só podem impetrar mandado de segurança coletivo na defesa de direitos líquidos e certos referentes a seus integrantes ou à finalidade partidária Organização sindical entidade de classe ou associação Já as organizações sindicais entidade de classe ou associação podem defender direitos líquidos e certos coletivos ou individuais homogêneos dos membros ou parte deles na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades dispensada para tanto autorização especial ver ainda Súmula 630 do STF Trâmite Há poucas diferenças do já estudado no mandado de segurança individual O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva No mandado de segurança coletivo a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas A sentença fará coisa julgada em face somente dos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante Súmulas do STF sobre Mandado de Segurança Súmula 101 O mandado de segurança não substitui a ação popular Súmula 248 É competente originariamente o Supremo Tribunal Federal para mandado de segurança contra ato do Tribunal de Contas da União Súmula 266 Não cabe mandado de segurança contra lei em tese Súmula 267 Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição Súmula 268 Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado Súmula 269 O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança Súmula 270 Não cabe mandado de segurança para impugnar enquadramento da Lei n 3780 de 1271960 que envolva exame de prova ou de situação funcional complexa Súmula 271 Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria Súmula 272 Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança Súmula 299 O recurso ordinário e o extraordinário interpostos no mesmo processo de mandado de segurança ou de Habeas Corpus serão julgados conjuntamente pelo Tribunal Pleno Súmula 304 Decisão denegatória de mandado de segurança não fazendo coisa julgada contra o impetrante não impede o uso da ação própria Súmula 319 O prazo do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal em Habeas Corpus ou mandado de segurança é de cinco dias Súmula 330 O Supremo Tribunal Federal não é competente para conhecer de mandado de segurança contra atos dos Tribunais de Justiça dos Estados Súmula 392 O prazo para recorrer de acórdão concessivo de segurança contase da publicação oficial de suas conclusões e não da anterior ciência à autoridade para cumprimento da decisão Súmula 405 Denegado o mandado de segurança pela sentença ou no julgamento do agravo dela interposto fica sem efeito a liminar concedida retroagindo os efeitos da decisão contrária Súmula 429 A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade Súmula 430 Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança Súmula 474 Não há direito líquido e certo amparado pelo mandado de segurança quando se escuda em lei cujos efeitos foram anulados por outra declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal Súmula 506 O agravo a que se refere o art 4º da Lei n 4348 de 2661964 cabe somente do despacho do presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a suspensão da liminar em mandado de segurança não do que a denega Súmula 510 Praticado o ato por autoridade no exercício de competência delegada contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial Súmula 511 Compete à Justiça Federal em ambas as instâncias processar e julgar as causas entre autarquias federais e entidades públicas locais inclusive mandados de segurança ressalvada a ação fiscal nos termos da Constituição Federal de 1967 art 119 3º Súmula 512 Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança Súmula 597 Não cabem embargos infringentes de acórdão que em mandado de segurança decidiu por maioria de votos a apelação Súmula 623 Não gera por si só a competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer do mandado de segurança com base no art 102 I n da Constituição dirigirse o pedido contra deliberação administrativa do tribunal de origem da qual haja participado a maioria ou a totalidade de seus membros Súmula 624 Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de segurança contra atos de outros tribunais Súmula 625 Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança Súmula 626 A suspensão da liminar em mandado de segurança salvo determinação em contrário da decisão que a deferir vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou havendo recurso até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal desde que o objeto da liminar deferida coincida total ou parcialmente com o da impetração Súmula 627 No mandado de segurança contra a nomeação de magistrado da competência do Presidente da República este é considerado autoridade coatora ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento Súmula 629 A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes Súmula 630 A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria Súmula 631 Extinguese o processo de mandado de segurança se o impetrante não promove no prazo assinado a citação do litisconsorte passivo necessário Súmula 632 É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança Súmula 701 No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo 384 MANDADO DE INJUNÇÃO Art 5º LXXI concederseá mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania Conceito De acordo com a Constituição de 1988 o mandado de injunção pode ser proposto sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania art 5º LXXI Combatese a inércia de regulamentação que impede ou dificulta a efetividade das normas constitucionais O STF admite o mandado de injunção coletivo tendo considerado até ser inadmissível o pedido de desistência do mandado de injunção coletivo após o início do julgamento no STF por ser o Sindicato impetrante mero substituto processual ou seja o titular do direito inviabilizado pela omissão são os trabalhadores ver em STF MI 712QO rel Min Eros Grau j 15102007 Plenário DJ de 23 112007 Com a edição da Lei n 133002016 foram explicitados no texto legal o conteúdo de diversos precedentes judiciais inclusive tendo sido reconhecida a possibilidade de impetração do mandado de injunção coletivo art 12 Origem e cabimento A Constituição de 1988 criou o mandado de injunção Para o STF para ser cabível o mandado de injunção é necessário que se constate 1 omissão total ou parcial art 2º da Lei n 13300 de norma regulamentadora e 2 concreta inviabilidade de plena fruição de direito ou liberdade constitucional ou prerrogativa inerente à nacionalidade soberania e cidadania pelo seu titular Por isso é necessário que se comprove de plano a i titularidade do direito e a ii sua inviabilidade decorrente da ausência de norma regulamentadora do direito constitucional MI 2195AgR voto da rel Min Cármen Lúcia j 2322011 Plenário DJe de 1832011 A omissão pode advir de qualquer órgão público inclusive do Poder Judiciário Ministério Público ou Legislativo desde que tenha natureza administrativa ou legislativa Legitimidade ativa e passiva Cabe ao titular pessoa física ou jurídica do direito inviabilizado a propositura do mandado de injunção Por sua vez a legitimidade passiva é do Poder órgão ou autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora art 3º da Lei n 13300 Competência A competência para julgamento do MI depende do ente omisso e pode ser assim resumida a STF art 102 I q cabe ao STF julgar o MI quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República do Congresso Nacional da Câmara dos Deputados do Senado Federal das Mesas de uma dessas Casas Legislativas do Tribunal de Contas da União de um dos Tribunais Superiores ou do próprio Supremo Tribunal Federal também cabe ao STF o julgamento de recurso ordinário quando o mandado de injunção for decidido em única instância pelos Tribunais Superiores se denegatória a decisão b STJ art 105 I h cabe ao STJ julgar mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão entidade ou autoridade federal da administração direta ou indireta excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar da Justiça Eleitoral da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal c TSE art 121 4º V no caso de recurso contra denegação de mandado de injunção por um Tribunal Regional Eleitoral d Justiça Estadual art 125 1º delega aos Estados a organização da Justiça Estadual observados os princípios da CF88 assim em vários Estados como o de São Paulo o mandado de injunção contra autoridades estaduais e municipais é da competência do Tribunal de Justiça 470 Trâmite e efeitos A Lei n 13300 utilizou a estrutura básica do mandado de segurança a saber Impetrante Impetrado Parecer do MP e Sentença sem fase probatória direito provado de plano Aplicamse subsidiariamente ao mandado de injunção as normas do mandado de segurança disciplinado pela Lei n 12016 de 7 de agosto de 2009 e do Código de Processo Civil Não cabe concessão de liminar MI 283 rel Min Sepúlveda Pertence DJ de 14111991 Reconhecido o estado de mora legislativa será deferida a injunção para i determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora ii estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou se for o caso iii as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercêlos caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado Será dispensada a determinação do prazo razoável quando comprovado que o impetrado deixou de atender em mandado de injunção anterior ao prazo estabelecido para a edição da norma art 8º da Lei n 13300 Quanto ao efeito geral ou particular do MI a Lei n 13300 estipula que a decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes e produzirá efeitos até o advento da norma regulamentadora Todavia poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração Após o trânsito em julgado a Lei n 13300 ainda estipula que os efeitos da decisão podem ser estendidos aos casos análogos por decisão monocrática do relator Além disso o indeferimento do pedido por insuficiência de prova não impede a renovação da impetração fundada em outros elementos probatórios art 9º da Lei n 13300 Como a decisão possui impacto regulatório há a previsão de ação de revisão que serve para rever o julgado a pedido de qualquer interessado quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito A ação de revisão observará no que couber o procedimento estabelecido na própria Lei n 13300 art 11 Caso o Poder Público regulamente posteriormente a matéria objeto do MI ficou estabelecido que a norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos ex nunc em relação aos beneficiados por decisão transitada em julgado salvo se a aplicação da norma editada lhes for mais favorável Por sua vez resta prejudicada a impetração se a norma regulamentadora for editada antes da decisão caso em que o processo será extinto sem resolução de mérito A Lei n 13300 adotou a chamada posição concretista intermediária pela qual se fixa prazo para que o órgão inerte legisle ou regulamente a matéria faltante Contudo caso o órgão público continue inerte pode o órgão julgador estabelecer as condições para o exercício dos direitos ou as condições em que o interessado pode promover ação própria naquilo que foi denominado nos precedentes anteriores à Lei n 13300 como posição concretista individual cf em MI 708 rel Min Gilmar Mendes j 25102007 Plenário DJe de 3110 2008 E finalmente pode o órgão julgador conferir eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão naquilo que pode ser definido como sendo uma posição concretista geral Mandado de Injunção coletivo De acordo com a Lei n 13300 o mandado de injunção coletivo pode ser promovido i pelo Ministério Público quando a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis ii por partido político com representação no Congresso Nacional para assegurar o exercício de direitos liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária iii por organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 um ano para assegurar o exercício de direitos liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades dispensada para tanto autorização especial iv pela Defensoria Pública quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados vulneráveis A Lei n 13300 definiu que os direitos as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção coletivo são os pertencentes indistintamente a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo classe ou categoria No mandado de injunção coletivo a sentença faz coisa julgada limitadamente às pessoas integrantes da coletividade do grupo da classe ou da categoria substituídos pelo impetrante Seguindo a lógica do processo coletivo right to opt out o mandado de injunção coletivo não induz litispendência em relação aos individuais mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante que não requerer a desistência da demanda individual no prazo de 30 trinta dias a contar da ciência comprovada da impetração coletiva 385 HABEAS DATA Art 5º LXXII concederseá habeas data a para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público b para a retificação de dados quando não se prefira fazêlo por processo sigiloso judicial ou administrativo Conceito e origem O habeas data consiste em garantia fundamental que assegura o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público e também serve para retificação de dados quando não se prefira fazêlo por processo sigiloso judicial ou administrativo art 5º LXXII Essa parte final do dispositivo constitucional demonstra que há a via ordinária como alternativa É inovação da Constituição e 1988 inspirado nas Constituições de Portugal e da Espanha e que visa proteger o direito à autodeterminação informativa Sua instituição foi uma ruptura com o passado de arquivos secretos da Ditadura e perseguição política Não se trata simplesmente de assegurar o direito à informação e combater a cultura do biombo dos bancos de dados de entes públicos ou de caráter público mas também de permitir que o interessado possa retificar as informações controlando sua veracidade Em 1997 foi editada a Lei n 9504 que regulamentou o habeas data após anos de utilização analógica da Lei do Mandado de Segurança Objeto Cabe habeas data para assegurar o conhecimento e eventual retificação de informação do titular garantindo em benefício de pessoa física ou jurídica diante de bancos de dados públicos ou de caráter público i o direito de acesso aos dados e registros existentes ii o direito de retificação das informações errôneas e iii direito de complementação dos dados insuficientes ou incompletos Considerase de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações A Lei n 950797 fixou o objeto do HD para o seguinte tripé obter corrigir e anotar incluir contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mais justificável caso típico de inclusão de anotação sobre existência de pendência judicial Diferença com o direito à certidão mandado de segurança No caso do direito à obtenção de certidões art 5º XXXIV b ou mesmo o direito à informação de interesse particular ou geral art 5º XXXIII a garantia fundamental apta a proteger tais direitos é o mandado de segurança Assim o pedido de certidão de contagem de tempo de serviço negado abusivamente por gerente do INSS é protegido pelo uso do mandado de segurança e não do habeas data No mesmo sentido o habeas data não se revela meio idôneo para se obter vista de processo administrativo cabendo mandado de segurança HD 90AgR rel Min Ellen Gracie j 1822010 Plenário DJe de 1932010 Legitimidade ativa e passiva Pode impetrar habeas data o pretenso titular do direito à autodeterminação informativa Consequentemente o habeas data não se presta para solicitar informações relativas a terceiros pois nos termos do inciso LXXII do art 5º da CF sua impetração deve ter por objetivo assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante HD 87AgR rel Min Cármen Lúcia j 25112009 Plenário DJe de 522010 No polo passivo a Lei n 950497 adotou o mesmo modelo do mandado de segurança sendo a Autoridade Coatora o agente que detém a informação e o Requerido que poderá recorrer o sujeito de direito a quem pertencem os registros ou dados Esse sujeito de direito pode ser público ou privado o critério será a disponibilização da informação ao público Assim considerase de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações Por isso decidiu o STF que o Banco do Brasil é parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação de HD uma vez que mantinha os dados pleiteados pelo impetrante para seu uso privativo STF RE 165304 rel Min Octavio Gallotti j 19102000 Plenário DJ de 15122000 Trâmite A Lei n 950497 prevê uma fase administrativa e uma fase judicial A fase administrativa ou préjudicial consiste no pedido das informações para conhecimento e eventual retificação ou complementação ao órgão detentor Caso haja recusa ou atendimento imperfeito do pedido é que surge o interesse de agir para a impetração do habeas data Por isso a petição inicial deverá ser instruída com prova da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de 10 dias sem decisão ou ainda da recusa em fazerse a retificação ou do decurso de mais de 15 dias sem decisão e finalmente da recusa em fazerse o complemento de dados ou anotação Nesse sentido a Súmula 2 do STJ não cabe o habeas data cf art 5º LXXII letra a se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa O rito do HD é similar ao do mandado de segurança há o impetrante e a autoridade coatora e não se admite instrução probatória O HD não serve para corrigir aquilo que for controverso eventual necessidade de dilação probatória exigirá o uso das ações ordinárias Competência A autoridade coatora é essencial para definir competência judicial A competência do STF é para habeas data contra atos do Presidente da República das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal do Tribunal de Contas da União do ProcuradorGeral da República e do próprio STF cabe ao STJ julgar habeas data contra atos de Ministro de Estado Comandantes das Forças Armadas ou do próprio STJ os Tribunais Regionais Federais julgam habeas data contra atos do próprio Tribunal ou de juiz federal o juiz federal julga habeas data contra ato de autoridade federal excetuados os casos de competência dos tribunais federais e finalmente os tribunais estaduais julgam habeas data segundo o disposto na Constituição do Estado observados os casos já previstos pela CF88 e o juiz estadual para os casos restantes 386 AÇÃO POPULAR Art 5º LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência Conceito e origem A ação popular consiste em ação em que qualquer cidadão pede a anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência Sua origem está nas chamadas ações públicas romanas publica judicia no qual o autor agia a favor do povo pro populo No Brasil a primeira Constituição a prever tal garantia fundamental foi a Constituição de 1934 no inciso XXXIII do art 113 que estabeleceu Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou a anulação dos atos lesivos do patrimônio da União dos Estados ou dos Municípios A ação popular protege o direito fundamental à boa governança que consiste no direito difuso de toda a comunidade de ser governada segundo os princípios da legalidade da moralidade e de invocar a tutela jurisdicional para combater práticas lesivas a tal direito O direito de propor ação popular é do cidadão age em nome próprio na defesa de direito difuso substituição processual ver abaixo o que o insere na categoria dos direitos políticos de fiscalização Objeto Inicialmente a ação popular trata de invalidar atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público Essa ilegalidade pode advir de vício formal ou substancial devido à violação de regra de incompetência do agente ou ainda forma bem como fruto de ilegalidade do objeto e inexistência dos motivos ou desvio de finalidade Após a Constituição de 1988 houve a ampliação do objeto da ação popular que abarca agora ato lesivo à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural A moralidade administrativa consiste no conjunto de preceitos de bom agir do governante sendo considerada a conduta ética e em boafé que se espera do gestor público Há três elementos básicos do regime jurídico da ação popular a cidadão é o proponente vide abaixo a legitimidade subsidiária do MP b ilegalidade e c lesividade Para o STJ o alargamento das hipóteses de cabimento da ação popular não elimina o dever do Autor Popular de comprovar a lesividade do ato mesmo em se tratando de lesão à moralidade administrativa ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural EREsp 260821SP relator p acórdão Ministro João Otávio de Noronha Primeira Seção DJ de 1322006 471 A ação popular ainda é o instrumento pioneiro na tutela de direitos difusos no Brasil sendo regulamentada pela Lei n 4717 de 1965 Legitimidade ativa e passiva A legitimidade da ação popular é do cidadão que é o nacional exercente de direitos políticos Por isso deve comprovar na petição inicial ser eleitor e estar em gozo dos seus direitos políticos A propositura da ação popular é direito político ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência CF art 5º LXXIII Para Pedro Lenza não cabe assistência ao menor cidadão como se sabe o jovem de 16 a 18 pode de modo facultativo ser eleitor 472 Excepcionalmente o MP assumirá o polo ativo para dar continuidade a ação popular já proposta art 9º da Lei n 471765 Não podem propor ação popular os inalistáveis ou inalistados aqueles que sofrem de suspensão de direitos políticos os estrangeiros mesmo os portugueses no gozo do estatuto da igualdade pois não há a reciprocidade em Portugal exigida pela CF88 os partidos políticos e entidades de classe ou qualquer outra pessoa jurídica ver abaixo a Súmula 365 do STF Quanto à legitimidade passiva cabe a propositura contra as pessoas jurídicas cujo patrimônio foi lesado bem como contra os agentes que causaram o dano por ação ou omissão e ainda contra os beneficiados É possível a mudança de polo da pessoa jurídica de direito público ou privado que pode absterse de contestar e também pode atuar ao lado do Autor Essa inusitada modificação do polo de uma ação demonstra a natureza de tutela de direitos difusos da ação popular Trâmite O pedido na ação popular consiste na invalidade do ato ou omissão ou sua desconstituição com a reparação dos prejuízos causados e eventual restituição de bens e valores O Autor não paga custas ou honorários salvo máfé O MP intervém obrigatoriamente como custos legis e no abandono pelo Autor Popular pode assumir o polo ativo Cabe tutela antecipatória e ainda a propositura de ação popular preventiva A sentença de improcedência ou de carência exige reexame necessário art 19 da Lei n 4717 e a coisa julgada é secundum eventum litis ou seja a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por falta ou deficiência de prova nessa hipótese qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento valendose de nova prova O prazo de prescrição da ação popular é de cinco anos da conduta art 21 da Lei n 4717 Entendemos contudo que a Constituição em seu art 37 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente servidor ou não que causem prejuízos ao erário ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento impõe a imprescritibilidade da ação de reparação de danos ao Erário o que impacta não só ações ordinárias mas também a ação popular que venha exigir a reparação de danos Essa posição imprescritibilidade de ações de reparação de danos ao Erário foi inicialmente a adotada pelo STF MS 26210 rel Min Ricardo Lewandowski j 492008 Plenário DJe de 10102008 mas em 2016 houve alteração do entendimento tendo firmado o STF a tese pela qual é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil RE 669069MG rel Min Teori Zavascki j 322016 Plenário DJe de 2842016 com repercussão geral Não houve consenso quanto à imprescritibilidade do ressarcimento de danos decorrente de ilícitos penais ou de atos de improbidade tendo o próprio Relator Min Teori Zavascki se manifestado em obiter dictum pela manutenção da imprescritibilidade ao menos nesses dois casos ressarcimento de danos decorrente de ilícitos penais e atos de improbidade administrativa para que fosse dado algum sentido à ressalva prevista no art 37 5º da CF88 Competência A competência para o conhecimento de uma ação popular varia de acordo com o bem jurídico protegido se for patrimônio da União por exemplo a competência será do juízo federal Será em geral do juízo de 1º grau federal ou estadual Não há foro por prerrogativa de função mesmo para o Presidente da República para a ação popular Excepcionalmente pode uma ação popular ser julgada originalmente pelo STF no caso da alínea n do art 102 I da Constituição a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados Súmulas do STF Súmula 101 O mandado de segurança não substitui a ação popular Súmula 365 Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular 387 DIREITO DE PETIÇÃO Conceito e origem consiste no direito de se dirigir às autoridades competentes para que realizem determinadas condutas comissivas ou omissivas É um termo geral aplicável a todas as chamadas reclamações ou representações encaminhadas aos órgãos públicos para a defesa de interesse próprio ou coletivo Inspirase no Petition of Right de 1628 pelo qual o Parlamento britânico reconhecia uma série de limitações ao Poder Público No caso do direito de petição o indivíduo provoca a autoridade pública para que faça ou deixe de fazer algo No Brasil a primeira Constituição que o reconheceu foi a de 1824 A Constituição de 1988 o disciplina no art 5º XXXIV a que determina que se reconhece independentemente do pagamento de taxas o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder Objeto O direito de petição tem como objeto a i defesa de direitos e o ii combate à ilegalidade e os abusos de poder sem a necessidade do pagamento de taxa ou sem que haja outro requisito por exemplo ter advogado etc Tratase da chamada provocatio ad agendum pois o indivíduo provoca a autoridade e inclui em sua agenda o tema da petição exigindo resposta positiva ou negativa Pode ser exercido de forma individual ou coletiva para proteger direito próprio ou de terceiro inclusive direitos difusos ou coletivos Sua utilidade está na atuação do indivíduo para exigir que a Administração Pública atue de modo eficiente e legítimo preservando os direitos dos interessados Legitimidade ativa e passiva A legitimidade ativa para exercer o direito de petição é de toda pessoa física jurídica ou ente despersonalizado A legitimidade passiva é reservada aos entes ou órgãos públicos e ainda às entidades privadas que exerçam função pública Trâmite O trâmite do direito de petição pode ser regulamentado pelo ente público porém não pode ser i obstaculizado ou gerar ii efeito negativo ao peticionante Nesse sentido decidiu o STF que a exigência de depósito recursal em processo administrativo é obstáculo inconstitucional ao direito de petição Súmula Vinculante do STF 21 e Súmula 373 do STJ A petição deve ser recebida e examinada em tempo razoável devendo ainda o peticionante ser comunicado da decisão tomada pela autoridade a quem a petição foi dirigida Não há direito de ver deferido o pleito Competência Depende do objeto da petição a análise da petição incumbirá à autoridade que tem atribuição de atender o pleito encaminhado 388 AÇÃO CIVIL PÚBLICA Art 129 São funções institucionais do Ministério Público III promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos Como já vimos acima a tutela dos direitos metaindividuais representa faceta material do direito de acesso à justiça Nessa linha a Constituição consagrou a ação civil pública como ação apta a tutelar os direitos coletivos em sentido amplo direitos difusos e coletivos em sentido estrito e os direitos individuais homogêneos vide Parte I Capítulo III item 255 A Constituição outorgou a defesa judicial ou extrajudicial de tais direitos ao Ministério Público CF art 129 III às entidades associativas sindicatos e partidos políticos CF arts 5º XXI e 8º III A Lei n 734785 Lei da Ação Civil Pública e a Lei n 807890 Código de Defesa do Consumidor tratam daquilo que a doutrina denomina processo coletivo brasileiro regrando a legitimidade ver acima a legitimidade da Defensoria Pública ônus da prova efeitos da coisa julgada execução entre outros temas da tutela metaindividual Súmulas do STF e do STJ STF Súmula 643 O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares STJ Súmula 329 O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público STJ Súmula 489 Reconhecida a continência devem ser reunidas na Justiça Federal as ações civis públicas propostas nesta e na Justiça Estadual Foi cancelada a Súmula 183 do STJ Compete ao juiz estadual nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal processar e julgar ação civil pública ainda que a União figure no processo Foi cancelada a Súmula 470 do STJ O Ministério Público não tem legitimidade para pleitear em ação civil pública a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado por ter o STF assumido posição oposta RE 631111GO Pleno DJe de 30102014 ou seja a favor da legitimidade do MP para ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do seguro DPVAT dado o interesse social qualificado presente na tutela jurisdicional das vítimas de acidente de trânsito beneficiárias pelo DPVAT bem como as diante das funções constitucionais do MP 39 Direito à saúde 391 ASPECTOS GERAIS O direito à saúde assegura a promoção do bemestar físico mental e social de um indivíduo impondo ao Estado a oferta de serviços públicos a todos para prevenir ou eliminar doenças e outros gravames O direito à saúde possui faceta individual e difusa pois há o direito difuso de todos de viver em um ambiente sadio sem o risco de epidemias ou outros malefícios à saúde Por isso determina a Constituição de 1988 que a saúde é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção proteção e recuperação art 195 Além disso o direito à saúde possui a faceta de abstenção tida como negativa e a faceta prestacional tida como positiva Do ponto de vista da faceta de abstenção há o direito individual de não ter sua saúde colocada em risco bem como há o direito de não ser obrigado em geral a receber um determinado tratamento Assim a pessoa tem direito à autodeterminação sanitária que consiste na faculdade de aceitar recusar ou interromper voluntariamente tratamentos médicos Esse direito exige que seja dada ao indivíduo toda a informação necessária para que a recusa ou o consentimento seja livre e esclarecido Excepcionalmente o direito de recusa de tratamento pode ser superado em uma ponderação de direitos com o direito à saúde de outros como se vê em casos de epidemias Do ponto de vista prestacional o direito à saúde habilita a pessoa a exigir um tratamento adequado por parte do Estado podendo inclusive pleitear tal serviço de saúde judicialmente Debatese atualmente i os limites da judicialização do direito à saúde especialmente no que tange a tratamentos e medicamentos ainda não assegurados pelo Estado e ii qual dos entes federados União Estados ou Municípios deve arcar com os custos decorrentes da judicialização ver abaixo a análise do Sistema Único de Saúde SUS Inicialmente cabe separar a i judicialização visando ao acesso a tratamentos e medicamentos já incorporados às políticas públicas sanitárias da ii judicialização que busca obter tratamentos e medicamentos ainda não incorporados No tocante à primeira categoria o direito à saúde é tido como direito subjetivo a políticas públicas de assistência à saúde sendo ofensa a direito individual a falta ou falha injustificadas na sua prestação A demanda judicial por tratamento ou medicamento incorporado à política pública de saúde via SUS é fundada na obrigação do Estado de prestar o serviço de saúde de forma adequada ao proponente da ação Tratase de intervenção judicial que não ofende à separação de poderes mas sim exige que o Estado cumpra aquilo com o que já havia se comprometido Em geral o autor da ação deve comprovar i a necessidade do tratamento ou do medicamento e ii a prévia tentativa de sua obtenção na via administrativa o que pode ser substituído pela oitiva judicial do administrador público sobre as condições para a prestação do serviço de saúde almejado STF voto do Min Roberto Barroso no RE 566471 rel Min Marco Aurélio ainda em julgamento em outubro de 2019 Quanto ao fornecimento por ordem judicial de tratamento ou medicamento não constante da de políticas públicas de saúde do Sistema Único de Saúde a posição majoritária assumida pelo STJ e pelo STF é ampliativa defendendo em linhas gerais que cabe ao Poder Judiciário zelar pela adequada implementação do direito à saúde Contudo preferencialmente a busca da tutela judicial deve ser veiculada em ações civis públicas ações coletivas ou individuais que possam ser coletivizáveis para evitar violação da igualdade com o uso do sistema de justiça para desviar recursos para a tutela de alguns cumprindo o princípio da universalidade do direito à saúde da Constituição de 1988 nesse sentido resumo de voto do Ministro Edson Fachin no RE 566471 rel Min Marco Aurélio ainda em julgamento em outubro de 2019 Além disso a tutela judicial nessa hipótese tem parâmetros estritos O STJ em julgamento de recurso repetitivo entendeu que o Poder Judiciário em face do dever do Estado em promover o direito à saúde pode obrigar o Poder Público a fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS o que pode ser aplicado a tratamentos desde que haja a presença cumulativa de três requisitos i comprovação por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento assim como da ineficácia para o tratamento da moléstia dos fármacos fornecidos pelo SUS ii incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito iii existência de registro na ANVISA do medicamento STJ 1ª Seção REsp 1657156RJ rel Min Benedito Gonçalves j 2542018 recurso repetitivo Por sua vez o STF estabeleceu parâmetros próprios em repercussão geral para serem seguidos pelo Poder Judiciário na análise de pleitos referentes ao fornecimento de medicamentos não incorporados e que ainda não tenham sido aprovados pelo órgão de vigilância sanitária nacional De início o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais bem como a ausência de registro na Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária impede como regra geral ver exceção abaixo o fornecimento de medicamento por decisão judicial O registro sanitário representa uma garantia do direito à saúde e não uma etapa burocrática sem sentido Ignorar a ausência de registro ofende ainda a separação das funções de poder e o papel indispensável do Poder Executivo na análise da eficácia dos medicamentos O caso da fosfoetanolamina sintética a pílula do câncer é considerado um marco no fornecimento de medicamento sem registro e consequentemente sem os testes suficientes Houve a edição da Lei n 132692016 para permitir a produção e comercialização do produto sem que os testes fossem concluídos lei suspensa pela ADI 5501MC rel Min Marco Aurélio j 1962016 Realizados testes até hoje a eficácia da substância contra tumores não foi comprovada Contudo excepcionalmente é possível a obtenção pela via judicial de medicamento sem registro sanitário em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido prazo superior ao previsto na Lei n 134112016 cujo art 2º chega a mencionar o prazo máximo na tramitação ordinária de 365 dias quando preenchidos três requisitos impostos pelo STF I a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil salvo no caso de medicamentos órfãos 473 para doenças raras e ultrarraras II a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior III a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil Por fim as ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão ser necessariamente propostas em face da União STF RE 657718MG redator para o acórdão Min Roberto Barroso j 2252019 Esses casos demonstram o aguçamento do debate sobre o dever do Estado de custear os serviços de saúde o qual gerou a judicialização da saúde especialmente em face de pedidos individuais de acesso a tratamentos ou remédios de alto custo ainda não disponibilizados na rede pública O modelo de atendimento integral das demandas de saúde é justificado pela importância da saúde para a vida digna que não poderia ser amesquinhada por considerações de respeito ao orçamento ou à separação de poderes devendo ser assegurado o acesso à Justiça Recentemente esse modelo denominado pelo Min Barroso de tudo para todos voto do Min Barroso no RE 566471 rel Min Marco Aurélio ainda em julgamento em outubro de 2019 sofre questionamento em face da necessidade de ponderar o direito à saúde do beneficiado pela tutela judicial com o direito à saúde dos demais que não ingressaram com ações judiciais e que tem de se satisfazer com um orçamento cada vez mais diminuto São apontadas as seguintes mazelas da judicialização do direito à saúde descontrolada e sem parâmetros i falta de legitimidade democrática pois não caberia ao Judiciário indiretamente orientar as prioridades do gasto público em saúde outorgando tratamentos não previstos ou concedendo fármacos não aceitos pelo SUS ii seletividade e elitismo porque poucos teriam acesso à Justiça para obter tal tutela judicial sanitária iii falta de capacidade institucional para decidir sobre os motivos da ausência de determinado medicamento na lista de fornecimento gratuito ou o motivo da utilização de um tratamento e não outro e iv criação de despesas desnecessárias relacionadas à alocação de servidores públicos para cumprir tais ordens judiciais desorganizando ainda mais o setor público de saúde O modelo alternativo seria o modelo da judicialização excepcional que adota a regra geral de proibição de atuação do Poder Judiciário na tutela de tratamentos não previstos ou concessão de medicamentos ainda não inseridos nas políticas públicas de saúde Excepcionalmente e obedecendo aos diversos parâmetros acima expostos STF RE 657718MG redator para o acórdão Min Roberto Barroso j 2252019 poderia o Judiciário intervir Anotese que mesmo se adotado o segundo modelo não é afetada a tutela judicial do direito à saúde baseada nas políticas estatais já adotadas mas implementadas de modo falho ou insuficiente STF STA 175 AgR rel Min Gilmar Mendes j 1732010 P DJe de 304 2010 Por outro lado o financiamento à saúde não pode gerar tratamento privilegiado no sistema público mediante paga o que violaria a igualdade e o comando constitucional de acesso universal à saúde Nesse sentido o STF considerou constitucional regra de proibição da dupla porta pela qual foi vedada no âmbito do SUS a internação em acomodações de qualidade superior bem como o atendimento diferenciado por médico do SUS ou conveniado mediante pagamento adicional Para o STF a dupla porta institucionalizaria um procedimento de diferença de classes na rede pública de saúde ofendendo o acesso equânime e universal às ações e serviços para promoção proteção e recuperação da saúde violando ainda os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana RE 581488 rel Min Dias Toffoli j 3122015 P DJe de 842016 Tema 579 392 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE No caso brasileiro o art 198 da CF88 consagrou o Sistema Único de Saúde que consiste em política pública de saúde pela qual o Estado promove o direito à saúde de modo universal e igualitário em todo o território nacional A utilização do termo único visa impor uma política nacional de saúde superando as divergências entre os entes federados Nesse sentido Weichert alerta que não pode um ente federado prestar ações de saúde fora do SUS 474 De acordo com o art 198 da CF88 as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único organizado de acordo com as seguintes diretrizes I descentralização com direção única em cada esfera de governo II atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuízo dos serviços assistenciais III participação da comunidade A responsabilidade pela prestação do serviço de saúde é comum aos entes federados art 23 II da CF88 475 que respondem solidariamente pelas prestações de saúde Assim ação judicial contra eventual omissão na realização de um serviço de saúde por exemplo o atendimento hospitalar ou a entrega de medicamento da lista do SUS pode ser proposta contra a qualquer ente federado evitando que o jurisdicionado seja prejudicado pela eventual discussão entre os entes sobre a repartição dos ônus financeiros que tal serviço gera O STF fixou tese de repercussão geral nesse sentido pela qual os entes da federação em decorrência da competência comum são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro Embargos de Declaração no RE 855178SE com repercussão geral nos termos do voto do Ministro Edson Fachin Redator para o acórdão Plenário j 2352019 Como visto acima em casos de pedidos referentes a medicamentos ainda não registrados na ANVISA a ação deve ser interposta contra a União exclusivamente A repartição constitucional da competência legislativa sobre o direito à saúde é concorrente cabendo aos Estados legislar supletivamente à lei federal art 24 XII da CF88 Essa competência concorrente é reforçada pela hipótese de regular aspectos referentes ao direito à saúde dos consumidores art 24 V Os municípios podem adotar regras referentes à implementação direito à saúde que sejam compatíveis com o interesse local art 30 I 476 Apesar da subordinação da lei estadual às normas gerais federais no âmbito da competência legislativa concorrente é possível que os Estados adquiram competência plena na i ausência ou ii inconstitucionalidade da lei federal No caso do amianto a proteção à saúde e ao meio ambiente justificaram à adoção de lei estadual de banimento do uso do amianto ao contrário do disposto na lei federal Contudo em face do atual consenso científico sobre sua natureza cancerígena e sendo inviável o uso do amianto de forma segura o STF reconheceu a inconstitucionalidade material superveniente da lei geral federal Lei n 905595 por ofensa ao direito à saúde Com a inconstitucionalidade da norma geral federal os Estadosmembros passaram a ter competência legislativa plena sobre a matéria até a adoção de nova lei federal ADI 3937 rel p o ac Min Dias Toffoli j 2482017 P Informativo 874 e também ADI 3406 e ADI 3470 rel Min Rosa Weber j 29112017 P Informativo 886 Em resumo a prestação do serviço de saúde no Brasil deve obedecer então aos seguintes princípios cardeais i alcance universal não podendo ninguém ser excluído ii igualitária não sendo permitida a discriminação de qualquer tipo o que impede a diferenciação entre aqueles que podem pagar e os que não podem iii integral não podendo ter limite de atendimento que prejudique a saúde iv equitativa com investimentos em todos os campos necessários v aberta à participação da comunidade vi descentralizada para os Municípios vii gratuita e em geral estatal e viii colaborar com a preservação do meio ambiente e dos direitos dos trabalhadores Ademais o sistema único de saúde será financiado nos termos do art 195 com recursos do orçamento da seguridade social da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios além de outras fontes Dispõe ainda a Constituição de 1988 que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada podendo as instituições privadas participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde segundo diretrizes deste mediante contrato de direito público ou convênio tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos É vedada todavia a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos bem como é vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País salvo nos casos previstos em lei Em 2018 foi editada a Lei n 13714 determinando que a atenção integral à saúde inclusive a dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde a famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidade ou risco social e pessoal deve ser feita independentemente da apresentação de documentos que comprovem domicílio ou inscrição no cadastro no Sistema Único de Saúde SUS Com isso superase a barreira de acesso à saúde de pessoas vulneráveis que não possuem documento ou endereço fixo 393 JURISPRUDÊNCIA DO STF Judicialização do direito à saúde O direito à saúde além de qualificarse como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequência constitucional indissociável do direito à vida O Poder Público qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira não pode mostrarse indiferente ao problema da saúde da população sob pena de incidir ainda que por censurável omissão em grave comportamento inconstitucional O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive àquelas portadoras do vírus HIVAIDS dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República arts 5º caput e 196 e representa na concreção do seu alcance um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas especialmente daquelas que nada têm e nada possuem a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade STF RE 271286AgR rel Min Celso de Mello j 1292000 2ª T Plenário DJ de 24112000 Competência estadual e defesa da saúde Possibilidade A natureza das disposições concernentes a incentivos fiscais e determinação para que os supermercados e hipermercados concentrem em um mesmo local ou gôndola todos os produtos alimentícios elaborados sem a utilização de glúten não interferem na função administrativa do Poder Executivo local A forma de apresentação dos produtos elaborados sem a utilização de glúten está relacionada com a competência concorrente do Estado para legislar sobre consumo proteção e defesa da saúde Art 24 V e XII da CR ADI 2730 rel Min Cármen Lúcia j 552010 P DJe de 2852010 Competência estadual e defesa da saúde Impossibilidade Lei n 148612005 do Estado do Paraná Informação quanto à presença de organismos geneticamente modificados em alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano e animal Lei federal n 111052005 e Decretos n 46802003 e 55912005 Competência legislativa concorrente para dispor sobre produção consumo e proteção e defesa da saúde Art 24 V e XII da CF Ocorrência de substituição e não suplementação das regras que cuidam das exigências procedimentos e penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos por norma estadual que dispôs sobre o tema de maneira igualmente abrangente Extrapolação pelo legislador estadual da autorização constitucional voltada para o preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal Precedente ADI 3035 rel Min Gilmar Mendes DJ de 14102005 ADI 3645 rel Min Ellen Gracie j 3152006 P DJ de 1º92006 Vide ADPF 109 rel Min Edson Fachin j 30112017 P Informativo 886 Competência municipal e defesa da saúde Impossibilidade A Lei municipal n 86402000 ao proibir a circulação de água mineral com teor de flúor acima de 09 mgl pretendeu disciplinar sobre a proteção e defesa da saúde pública competência legislativa concorrente nos termos do disposto no art 24 XII da CB É inconstitucional lei municipal que na competência legislativa concorrente utilizese do argumento do interesse local para restringir ou ampliar as determinações contidas em texto normativo de âmbito nacional RE 596489 AgR rel Min Eros Grau j 27102009 2ª T DJe de 20 112009 Direito à saúde e direito à igualdade em concursos públicos Impossibilidade de remarcação de teste de aptidão física em concurso público em razão de problema temporário de saúde devido à vedação expressa em edital Inexistência de direito constitucional à remarcação de provas em razão de circunstâncias pessoais dos candidatos Segurança jurídica Validade das provas de segunda chamada realizadas até a data da conclusão do julgamento RE 630733 rel Min Gilmar Mendes j 1552013 P DJe de 20112013 Tema 335 Suspensão da eficácia de parte da EC 862015 Emenda do Orçamento Impositivo Violação da proibição do retrocesso social O STF em decisão liminar suspendeu a eficácia dos arts 2º e 3º da EC 862015 cuja incidência reduziria o mínimo de recursos da União a serem aplicados na saúde no ano de 2017 sendo que este patamar de 2017 seria replicado por mais 19 anos de acordo com a EC 952016 Emenda do Teto o que abalaria por quase duas décadas o gasto público em saúde no Brasil Para o relator Min Lewandowski a proteção constitucional do direito à saúde e por conseguinte do direito à vida exige que sejam assegurados concomitantemente a higidez do SUS e o seu financiamento adequado seja pelo viés das fontes próprias e solidárias de receitas da seguridade social seja pelo viés do dever de gasto mínimo no setor Este é o estágio já conquistado de realização do direito à saúde cujo retrocesso viola seu núcleo essencial STF ADI n 5595 rel Min Ricardo Lewandowski decisão de 3182017 em trâmite em outubrode 2019 Direito à saúde Responsabilidade de todos os entes federados O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental podendo o requerente pleiteálos de qualquer um dos entes federativos desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeálos com recursos próprios Isso por que uma vez satisfeitos tais requisitos o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional STF RE 607381AgR rel Min Luiz Fux j 31 52011 Primeira Turma DJe de 1762011 Direito à saúde de indivíduo isolado Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Legitimidade Ministério Público é parte legítima para ingressar em juízo com ação civil pública visando a compelir o Estado a fornecer medicamento indispensável à saúde de pessoa individualizada RE 407902 rel Min Marco Aurélio j 2652009 Primeira Turma DJe de 2882009 no mesmo sentido RE 648410AgR rel Min Cármen Lúcia j 1422012 Primeira Turma DJe de 1432012 Constitucionalidade do programa Mais Médicos Em 2017 o Supremo Tribunal Federal confirmou a constitucionalidade do programa Mais Médicos instituído pela Lei n 128712013 Foram afastados os argumentos principais apresentados pela Associação Médica Brasileira AMB que propôs a ação direta de inconstitucionalidade Para o STF o programa Mais Médicos auxilia na concretização do direito à saúde em regiões não atendidas por diplomados no Brasil que recebem prioridade na escolha das vagas aceitandose na sequência os diplomados no exterior STF ADIs n 5035 e 5037 relator para o acórdão Min Alexandre de Moraes j 30112017 Proteção das mulheres grávidas e lactantes Inconstitucionalidade da lei que admitia trabalho em ambientes insalubres Proibição do retrocesso social Na ADI 5938 o STF considerou inconstitucionais os incisos II e III do art 394A da Consolidação das Leis do Trabalho CLT após a redação conferida pela Reforma Trabalhista do governo Temer Lei n 134672017 As normas tidas como inconstitucionais permitiam que as empregadas gestantes atuassem em ambientes insalubres de grau médio ou mínimo e as empregadas lactantes em ambientes insalubres de qualquer tipo O afastamento de tais atividades dependeria de determinação de médico consultado pela trabalhadora Houve violação da proteção constitucional da maternidade prevista no art 6º da CF88 bem como da proteção integral da criança art 227 da CF88 De acordo com o Min Alexandre de Moraes tratase ainda de uma proteção instrumental pois visa assegurar a saúde das gestantes e lactantes mas também dos recémnascidos e dos nascituros Também foi realçada na decisão do STF a proibição do retrocesso social pois houve a diminuição da proteção já obtida de acordo com a antiga CLT STF ADI 5938 rel Min Alexandre de Moraes j 2952019 40 Sistema Único de Assistência Social O direito à assistência social consiste na faculdade de exigir do Estado prestação monetária ou serviço que assegurem condições materiais mínimas de sobrevivência sem que seja exigida qualquer outra contraprestação por parte do beneficiado A ausência de contraprestação é característica da assistência social que a diferencia dos direitos previdenciários complementandoos Aliás os direitos de seguridade social são compostos pelo tripé direito à saúde direito à previdência social e o direito à assistência social O financiamento da assistência social é feito por toda a sociedade mostrando sua natureza solidária A Constituição de 1988 estabelece os seguintes objetivos da assistência social i a proteção à família à maternidade à infância à adolescência e à velhice ii o amparo às crianças e adolescentes carentes iii a promoção da integração ao mercado de trabalho iv a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária v a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família conforme dispuser a lei No plano do constitucionalismo brasileiro a assistência social art 203 é parte importante da democracia substantiva da Constituição de 1988 que instituiu direito fundamental exigível perante o Estado Rcl 4374 rel Min Gilmar Mendes j 1842013 P DJe de 49 2013 No que tange ao benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso a Lei de Organização da Assistência Social LOAS Lei n 847293 ao regulamentar o art 203 V da Constituição da República estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido O art 20 3º da LOAS estipula que considerase incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 14 um quarto do salário mínimo Esse limite objetivo foi contestado em diversas ações judiciais sob o fundamento de excluir parcela significativa de pessoas pobres e miseráveis Inicialmente o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional o art 20 3º da LOAS ADI 1232 rel p o ac Min Nelson Jobim j 2781998 P DJ de 16 2001 Porém ocorreu o chamado processo de inconstitucionalização motivado por mudanças fáticas políticas econômicas e sociais e jurídicas sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro podendo ser utilizados outros critérios para que seja comprovada a vulnerabilidade do beneficiado RE 580963 rel Min Gilmar Mendes j 1842013 P DJe de 14112013 tema 312 A assistência social é um direito indispensável para que o Brasil cumpra seu objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização reduzindo as desigualdades sociais e regionais art 3º da CF88 Atualmente a Lei Orgânica da Assistência Social é a Lei n 8742 de 1993 com várias mudanças implementadas pela Lei n 12435 de 2011 Podem receber os benefícios de assistência social os i brasileiros natos ii naturalizados e iii estrangeiros residentes no País atendidos os requisitos constitucionais e legais Os estrangeiros indocumentados podem assim ser excluídos das políticas públicas estatais RE 587970 rel Min Marco Aurélio j 2042017 P DJe de 2292017 tema 173 o que fragiliza o universalismo dos direitos humanos Por sua vez houve a edição de diversas leis voltadas à assistência social como a Lei n 108362004 que criou o Bolsa Família a Lei n 106892003 que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação a Lei n 102192001 que criou o Bolsa Escola a Lei n 953397 que autorizou o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas 41 Direito à educação 411 ASPECTOS GERAIS O direito à educação consiste na faculdade de usufruir todas as formas de ensino transmissão reflexão e desenvolvimento do conhecimento voltadas ao desenvolvimento físico intelectual e moral do ser humano Por sua vez o direito ao ensino retrata a realização do direito à educação por meio de instrumentos institucionalizados A CF88 inseriu o direito à educação no rol dos direitos sociais art 6º caput sendo direito de todos e tendo exigido seu cumprimento pelo i Estado e ii pela família art 205 A Declaração Universal dos Direitos Humanos consagrou o direito de toda pessoa à educação que deve ser gratuita ao menos a correspondente ao ensino elementar fundamental Para a DUDH o ensino elementar é obrigatório bem como o ensino técnico e profissional dever ser generalizado o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade em função do seu mérito Os pais possuem prioritariamente o direito de escolher o tipo de educação a dar aos filhos art XXVI Por sua vez o art 13 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC prevê que todos têm o direito à educação que deve objetivar i o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e ii fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais Além disso o direito à educação deve capacitar todas as pessoas a iii participar de uma sociedade livre iv favorecer a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e v entre todos os grupos raciais étnicos ou religiosos Para o Comitê do PIDESC a educação é ao mesmo tempo um direito em si e também um instrumento indispensável para a realização de outros direitos humanos De fato a educação tem um papel indispensável na promoção de direitos humanos e da democracia possibilitando o empoderamento dos grupos vulneráveis em uma sociedade Comentário Geral n 131999 No plano doméstico a CF88 estabeleceu que a educação objetiva i o pleno desenvolvimento da pessoa ii seu preparo para o exercício da cidadania e iii sua qualificação para o trabalho Esse trinômio constitucional desenvolvimento pessoal preparo cidadão e a qualificação trabalhista concretiza o direito à educação pluralista voltada à formação em sentido amplo do indivíduo na sua vida em sociedade Há assim uma dupla dimensão do direito à educação a dimensão prestacional pela qual se exige que o Estado diretamente ou aceitando sua prestação por particulares realize esse serviço e a dimensão de abstenção a qual exige que não haja intromissão e eventual introjeção de um único valor ou ponto de vista nos educandos A educação deve ser prestada com base nos seguintes princípios constitucionais i igualdade de condições para o acesso e permanência na escola ii liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber e iii pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino iv gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais v valorização dos profissionais do ensino vi gestão democrática do ensino público e vii garantia de padrão de qualidade art 206 da CF88 A gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais é fruto de mandamento direto da Constituição art 206 V o que ensejou a edição da Súmula Vinculante 12 pela qual se estabeleceu que a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art 206 IV da Constituição Federal Todavia em 2017 o STF em decisão com repercussão geral fixou a tese de que a garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização STF RE 597854 rel Min Edson Fachin j 2642017 P DJe de 2192017 Tema 535 Apesar de a decisão ter se restringido aos cursos de especialização pósgraduação lato sensu houve debate entre os Ministros a respeito de estender em momento futuro a permissão de cobrança aos cursos de extensão e aos cursos de mestrado e doutorado Com isso para o STF a gratuidade ampla e geral a qualquer forma de educação nos estabelecimentos públicos não decorre da Constituição podendo as universidades públicas cobrar dos alunos contraprestação sob o regime jurídico do preço público nos cursos de especialização Todavia a gratuidade de ensino nas instituições públicas abarca o ensino fundamental o ensino médio e o ensino superior de graduação Assim continua a ser proibida a cobrança para matrícula em curso universitário público de graduação RE 500171 rel Min Ricardo Lewandowski j 1382008 P DJe de 24102008 Tema 40 Por outro lado como consequência da liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o conhecimento foi consagrada a autonomia didáticocientífica administrativa e de gestão financeira e patrimonial das Universidades que em contrapartida devem atuar em três áreas chaves ensino pesquisa e extensão O dever do Estado é prestar a educação básica obrigatória e gratuita que corresponde ao ensino fundamental I e II dos 4 aos 17 anos de idade assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo Já o acesso aos níveis mais elevados do ensino da pesquisa e da criação artística deve seguir o critério da capacidade de cada um O ensino médio gratuito deve ser progressivamente universalizado A educação infantil deve ser prestada em creche e préescola às crianças até 5 anos de idade As pessoas com deficiência têm direito a atendimento educacional especializado preferencialmente na rede regular de ensino art 208 III da CF88 As Emendas Constitucionais 532006 e 592009 que ampliaram a educação obrigatória a partir dos quatro anos de idade substituíram o critério da etapa de ensino pelo critério da idade do aluno Atualmente o ingresso nas séries iniciais da educação infantil e do ensino fundamental exige que a criança tenha respectivamente quatro e seis anos de idade completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula Diante de alegação de inconstitucionalidade desse critério etário o Supremo Tribunal Federal decidiu a favor da existência de espaço de conformação do Poder Executivo em especial diante da especialização técnica do Conselho Nacional de Educação para estabelecer esse corte etário Para essa visão apesar de não ser a única solução constitucionalmente possível cabe reconhecer o espaço de conformação regulamentar do administrador sobretudo em razão da especialização do Conselho Nacional de Educação CNE Contudo registrese o voto vencido do Min Fachin para quem o art 208 IV 477 da CF indica que a criança até 5 anos está no ensino infantil Após iniciase o ensino fundamental sendo inconstitucional o corte em 31 de março que foi utilizado para limitar o acesso ao ensino fundamental às crianças com seis anos completos Para essa posição as crianças com seis anos incompletos até 31 de março do ano da matrícula poderiam ingressar no ensino fundamental Por maioria foi considerado constitucional a fixação administrativa da data de tal corte etário sendo adotada a seguinte tese de julgamento É constitucional a exigência de 6 seis anos de idade para o ingresso no ensino fundamental cabendo ao Ministério da Educação a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário ADPF 292DF rel Min Luiz Fux ADC 17DF rel para o acórdão Min Roberto Barroso j 182018 Com o reconhecimento do direito à educação inclusiva na rede regular de ensino da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência o termo preferencialmente deve ser interpretado somente para determinado atendimento mas não pode servir para excluir a pessoa com deficiência da escola regular Na prestação da educação pelo Poder Público há atuação comum da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios em colaboração A CF88 contudo estipulou que cabe aos Municípios atuar no ensino fundamental e na educação infantil art 211 2º aos Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio art 211 3º No plano legislativo há competência concorrente entre União Estadosmembros e Distrito Federal na elaboração de leis sobre educação cultura e ensino art 24 IX sendo contudo competência privativa da União a edição de lei sobre as diretrizes e bases da educação Lei n 939496 o que gera uma uniformização da educação no território nacional Quanto à atuação da iniciativa privada a CF88 estabelece que a educação pode ser oferecida no Brasil pela iniciativa privada obedecendo às seguintes condições i cumprimento das normas gerais da educação nacional e ii autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público Outro tema de relevo é a prestação de ensino pela própria família no chamado ensino domiciliar homeschooling Para o STF o ensino domiciliar não se constitui em um direito público subjetivo do aluno ou de sua família porém sua existência não é per se inconstitucional ou inconvencional Futuramente cabe a sua criação por meio de i lei federal desde que ii se cumpra a obrigatoriedade de ensino no caso domiciliar de 4 a 17 anos e iii se respeite o núcleo básico de matérias acadêmicas com a consequente supervisão avaliação e fiscalização pelo Poder Público além de se iv respeitar as finalidades constitucionais do ensino em especial a garantia da socialização do indivíduo por meio de ampla convivência familiar e comunitária Foi aprovada a seguinte tese de repercussão geral Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar inexistente na legislação brasileira STF RE 888815 rel p o acórdão Min Alexandre de Moraes j 1292018 DJe 2132019 412 O DIREITO À EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA E O DIREITO À EDUCAÇÃO EMANCIPADORA Em 2016 no bojo de movimento denominado Escola sem Partido 478 foi editada a Lei estadual de Alagoas n 78002016 que vedou determinadas condutas ao corpo docente e administrativo ao instituir no sistema estadual de ensino alagoano o Programa Escola Livre Foram vedadas prática de doutrinação política e ideológica bem como quaisquer outras condutas por parte do corpo docente ou da administração escolar que imponham ou induzam aos alunos opiniões políticopartidárias religiosa ou filosófica art 2º da Lei n 78002016 Houve a propositura das ADIs n 5537AL e n 5580AL tendo como relator o Min Luís Roberto Barroso Nas informações da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas defendeu se a norma impugnada alegando que era necessário coibir prática de doutrinação política e ideológica e quaisquer condutas por parte do corpo docente ou da administração escolar que imponham ou induzam os alunos a opiniões políticopartidárias religiosas eou filosóficas de forma a proteger a sua liberdade de consciência trecho do relatório do voto do Min Barroso Contudo o voto do Min Barroso considerou que tais vedações previstas na lei alagoana violaram o direito à educação democrática que permite que o estado defina conteúdo dos cursos de formação e objetivos do ensino até de forma independente dos pais Foi citado precedente do Tribunal Constitucional Federal sobre a disciplina Educação Sexual no qual aquele tribunal decidiu que os direitos dos pais à educação dos filhos cede diante da missão constitucional do Estado na área da educação Cabe lembrar que a Convenção Americana de Direitos Humanos art 124 e o Protocolo de San Salvador art 134 estipulam o direito dos pais de escolher o tipo de educação que deverá ser ministrada a seus filhos Contudo o Protocolo explicita que tal direito dos pais será exercido desde que esteja de acordo com os princípios enunciados no seu próprio texto ou seja desde que esteja de acordo com a promoção do pluralismo e das liberdades e direitos fundamentais No voto do Min Barroso também foi mencionado o Comentário Geral n 13 do Comitê dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais do PIDESC vide acima neste Curso pelo qual os Estados devem respeitar a liberdade acadêmica permitindo a livre expressão nas escolas assegurandose a discussão de opiniões e ressalvandose ao dever de proibição da discriminação odiosa do racismo da apologia do crime e respeito à laicidade Assim eventual restrição à liberdade acadêmica deve respeitar a proporcionalidade e a ponderação de direitos o que não ocorreu com a lei alagoana que ao pretender cercear a discussão no ambiente escolar contrariou preceitos conformadores da educação brasileira em especial as liberdades constitucionais de aprender ensinar pesquisar e divulgar a cultura o pensamento a arte e o saber o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a gestão democrática do ensino público trechos do voto do Min Barroso STF ADI n 5537A e n 5580AL julgamento conjunto decisão concessiva de liminar de 2332017 Além disso houve o uso de expressões excessivamente genéricas para impor esses limites à liberdade de ensinar que podem gerar um indesejável efeito inibidor chilling effect pelo qual os docentes e servidores deixam expor o pluralismo de ideias sobre certo tema em face do receio de serem punidos de alguma forma Em 2017 o STF também por decisão liminar do Min Roberto Barroso suspendeu lei municipal Município de ParanaguáPR que vedava o ensino sobre gênero e orientação sexual bem como a utilização desses termos nas escolas Além da temática da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional art 22 XXIV da CF88 ver acima para o Min Barroso a proibição de tratar de conteúdos em sala de aula sem justificativa plausível atenta contra o direito à educação que deve promover o i pleno desenvolvimento da pessoa ii a sua capacitação para a cidadania bem como o iii desenvolvimento humanístico do país conforme consta da CF88 arts 205 e 214 Para o Relator há o direito à educação emancipadora fundada no pluralismo de ideias bem como na liberdade de aprender e de ensinar cujo propósito é o de habilitar a pessoa para os mais diversos âmbitos da vida como ser humano como cidadão e como profissional trecho do voto do Min Barroso STF ADPF 461 decisão de 2162017 Em 2018 nova decisão do STF suspendeu lei municipal no mesmo sentido por contrariar a educação pluralista prevista em legislação federal ofensa à competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional ADPF 526 rel Dias Toffoli decisão de 2862018 Em setembro de 2019 a ProcuradoriaGeral da República ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF para fixar interpretação da Lei n 939496 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a fim de afastar qualquer interpretação que viabilize a realização de vigilância e censura da atividade docente com base em vedações genéricas e vagas à doutrinação política e ideológica à emissão de opiniões político partidárias religiosas ou filosóficas à manifestação de convicções morais religiosas ou ideológicas eventualmente contrárias às de estudantes pais ou responsáveis e à abordagem de questões relacionadas a gênero e sexualidade no ambiente escolar Buscase assim proteger o direito à educação na sua vertente liberdade de ensinar STF ADPF 624 rel Min Celso de Mello em trâmite 413 JURISPRUDÊNCIA DO STF Direito à educação e omissão do Poder Público A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil A omissão da administração importa afronta à Constituição RE 594018 AgR rel Min Eros Grau j 2362009 2ª T DJe de 782009 Direito à educação e discriminação de origem Cartão Cidadão acessível só a munícipes Ao condicionar o acesso aos serviços públicos de saúde ao porte de um cartão excluindo do gozo de tais serviços as pessoas que não residiam na localidade ou que residindo não detinham o cartão o Município violou a natureza universal e igualitária que a Constituição conferiu a esses serviços art 196 CF1988 O cartão cidadão também viola o art 205 que fixa a educação como direito de todos e dever do Estado e o art 206 ambos da CF o qual estabelece dentre os princípios norteadores do ensino no Brasil a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola ARE 661288 rel Min Dias Toffoli j 652014 1ª T DJe de 2492014 Ação civil pública e políticas públicas de educação Possibilidade Implementação de políticas públicas Obrigação de fazer reforma de escola em situação precária Possibilidade RE 850215 AgR rel Min Cármen Lúcia j 742015 2ª T DJe de 294 2015 Ministério Público e a promoção do direito à educação Ação civil pública promovida pelo Ministério Público contra Município para o fim de compelilo a incluir no orçamento seguinte percentual que completaria o mínimo de 25 de aplicação no ensino CF art 212 Legitimidade ativa do Ministério Público e adequação da ação civil pública dado que esta tem por objeto interesse social indisponível CF art 6º arts 205 e seguintes art 212 de relevância notável pelo qual o Ministério Público pode pugnar CF art 127 art 129 III RE 190938 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 1432006 2ª T DJe de 2252009 Educação e inclusão das pessoas com deficiência Educação de deficientes auditivos Professores especializados em libras Inadimplemento estatal de políticas públicas com previsão constitucional Intervenção excepcional do Judiciário Cláusula da reserva do possível Inoponibilidade Núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais Constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade ARE 860979 AgR rel Min Gilmar Mendes j 1442015 2ª T DJe de 652015 Autonomia universitária e regime jurídico dos seus servidores O fato de gozarem as universidades da autonomia que lhes é constitucionalmente garantida não retira das autarquias dedicadas a esse mister a qualidade de integrantes da administração indireta nem afasta em consequência a aplicação a seus servidores do regime jurídico comum a todo o funcionalismo inclusive as regras remuneratórias RE 331285 rel Min Ilmar Galvão j 2532003 1ª T DJ de 252003 Limite da autonomia universitária Nos termos da jurisprudência deste Tribunal o princípio da autonomia universitária não significa soberania das universidades devendo estas se submeter às leis e demais atos normativos RE 561398 AgR rel Min Joaquim Barbosa j 2362009 2ª T DJe de 782009 Autonomia universitária e respeito às regras legais educacionais Não há direito líquido e certo à expedição de diploma com validade nacional se o curso de mestrado não é reconhecido como expressamente prevê a lei As universidades gozam de autonomia administrativa o que não as exime do dever de cumprir as normas gerais da educação nacional RE 566365 rel Min Dias Toffoli j 2222011 1ª T DJe de 1252011 Autonomia universitária e lei estadual Prevalência A implantação de campus universitário sem que a iniciativa legislativa tenha partido do próprio estabelecimento de ensino envolvido caracteriza em princípio ofensa à autonomia universitária CF art 207 Plausibilidade da tese sustentada ADI 2367 MC rel Min Maurício Corrêa j 54 2001 P DJ de 532004 Princípio da congeneridade na transferência de alunos A transferência de alunos entre universidades congêneres é instituto que integra o sistema geral de ensino não transgredindo a autonomia universitária e é disciplina a ser realizada de modo abrangente não em vista de cada uma das universidades existentes no País como decorreria da conclusão sobre tratarse de questão própria ao estatuto de cada qual Precedente RE 134795 rel Min Marco Aurélio RTJ 144644 RE 362074 AgR rel Min Eros Grau j 2932005 1ª T DJ de 2242005 42 Direito à alimentação O direito à alimentação consiste no acesso físico e econômico em todos os momentos a alimentos em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer as necessidades alimentárias dos indivíduos Há dois componentes no direito à alimentação de acordo com o Comentário n 12 do Comitê do PIDESC i o direito de estar ao abrigo da fome e ii o direito à alimentação adequada O direito de estar ao abrigo da fome é parte integrante do mínimo existencial pois abarca o mínimo de nutrientes que um indivíduo necessita devendo ser assegurado a todas e todos independentemente do local onde vivam Por estar vinculado ao direito à vida o direito de estar ao abrigo da fome não admite que o Estado alegue falta de recursos escusa da reserva do possível devendo dar total prioridade ao seu atendimento O direito à alimentação adequada consiste no acesso físico e econômico do indivíduo sozinho ou conjunto com os outros à alimentação ou aos meios para obtêla em face de fatores econômicos sociais culturais e ecológicos o que define se certo alimento disponível pode ser considerado o mais adequado Por outro lado não se trata tão somente da obtenção de determinada quantidade de calorias ou de nutrientes específicos mas sim de assegurar a chamada segurança alimentar que vem a ser a realização do direito à alimentação adequada por meio do acesso a alimentos com base em práticas que promovam a saúde a diversidade cultural e que sejam sustentáveis do ponto de vista ambiental cultural econômico e social A segurança alimentar assegura ainda o acesso à alimentação adequada às futuras gerações Assim a alimentação adequada depende do contexto social econômico cultural e ecológico a alimentação sustentável é fruto da disponibilidade e acessibilidade de alimentos para a geração presente e futura O processo de reconhecimento do direito à alimentação tem como marco o art 251 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que dispõe que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar inclusive alimentação vestuário habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis No plano convencional há previsão ao direito à alimentação no Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais art 11 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher art 122 Convenção sobre os Direitos da Criança art 24 2 c Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência art 28 entre outros No plano nacional a Emenda Constitucional n 642010 introduziu expressamente o direito à alimentação no caput do art 6º O direito à alimentação impõe ao Estado e à sociedade duas obrigações básicas a de i respeitar e ii promover A obrigação de respeito exige que os Estados não obstaculizem o acesso à alimentação A obrigação de promover requer medidas ativas do Estado para assegurar a alimentação adequada devendo a assistência alimentar levar em consideração tanto a autossuficiência alimentar dos beneficiários e sua cultura quanto à sobrevivência econômica dos produtores de alimentos No tocante ao dever de assegurar a alimentação adequada e compatível com a cultura dos interessados a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Paraguai a assegurar o acesso à terra e à água potável para que a comunidade indígena pudesse obter alimentação suficiente para uma vida digna 479 É possível identificar cinco elementos básicos que envolvem a concretização do direito à alimentação i disponibilidade que assegura a produção processamento comercialização de alimentos para os indivíduos ii estabilidade que assegura que os alimentos não ficarão escassos em certos períodos e lugares iii acessibilidade que implica o fornecimento de uma dieta alimentar com custo que não comprometa a satisfação de outras necessidades do indivíduo iv sustentabilidade que exige uma gestão dos recursos naturais que preserve a disponibilidade de alimentos para a geração presente e para as futuras gerações v adequação que implica o reconhecimento de uma dieta nutritiva e livre de substâncias nocivas sendo ainda culturalmente compatível com a comunidade à qual o indivíduo pertence 43 Direito à moradia O direito à moradia consiste no direito de viver com segurança paz e dignidade em determinado lugar no qual o indivíduo e sua família possam se instalar de modo adequado e com custo razoável com i privacidade ii espaço iii segurança iv iluminação v ventilação vi acesso à infraestrutura básica água saneamento etc e localização Em síntese é o direito a ter um local adequado com privacidade e dotado do conforto mínimo para o indivíduo e seu grupo familiar Essas características exigem do Estado a concretização do direito à moradia adequada conforme consta do art 111 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC pelo qual todos têm direito a um padrão de vida adequado para si e sua família o que abarca a habitação Além do já citado art 111 do PIDESC o direito à moradia tem previsão no art 251 da Declaração Universal dos Direitos Humanos 480 no art 5º e III da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 481 no art 142 h da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher 482 no art 273 da Convenção sobre os Direitos da Criança 483 entre outros No plano interno o direito à moradia foi incluído no rol do art 6º pela Emenda Constitucional n 262000 apesar da existência prévia de outros dispositivos constitucionais sobre esse direito O art 7º IV estipula que o gasto com moradia é uma necessidade vital básica a ser atendida pelo salário mínimo as espécies de usucapião do art 183 e do art 191 são referentes a áreas nas quais foi estabelecida a moradia do interessado por sua vez o art 23 IX trata da competência administrativa comum dos entes federados em promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais No Comentário Geral n 4 o Comitê do PIDESC identificou sete elementos essenciais do direito à moradia adequada a saber i proteção legal e segurança jurídica pelo qual se exige proteção legal da moradia contra despejo arbitrário ou ameaças de qualquer quilate ii disponibilidade de serviços pelo qual se requer que os beneficiados do direito à moradia possam usufruir de acesso sustentável à água à luz ao aquecimento ao saneamento entre outros iii custo acessível que assegura o acesso à moradia sem que outras necessidades básicas sejam sacrificadas iv habitabilidade que impõe que o local de moradia proteja os seus ocupantes da umidade calor frio e outras ameaças à saúde física e psíquica As recomendações constantes das Guias de Moradia e Saúde Housing and Health Guidelines da Organização Mundial da Saúde explicitam as condições adequadas de uma moradia mostrando o vínculo entre saúde e habitação 484 v acessibilidade que requer prioridade no acesso pleno e sustentável à moradia por parte de grupos vulneráveis idosos crianças pessoas com deficiência grupos que vivem em áreas de risco ou em habitações precárias etc transformando a moradia em direito de todos vi localização que indica a necessidade de não construir moradias em lugares sem serviços longe de equipamentos sociais e dos locais de trabalho próximos de áreas de risco ou poluídas etc vii adequação cultural que visa assegurar a identidade e diversidade cultural na construção da moradia O direito à moradia é distinto do direito de propriedade uma vez que não é indispensável que seja usufruído por meio da moradia própria Obviamente o direito de propriedade gera maior proteção e perenidade ao direito à moradia Nesse sentido a Constituição brasileira outorga aos remanescentes das comunidades de quilombos a propriedade definitiva das terras que estejam ocupando Por sua vez a Constituição assegura às comunidades indígenas a posse permanente de suas terras uma vez que a propriedade permanece sendo da União No plano legal o direito à moradia é protegido pelo instituto do bem de família regulado pela Lei n 800990 pelo qual o imóvel residencial é tido como impenhorável em face de dívidas do titular do bem Apesar do nome essa impenhorabilidade é direito também daquele que vive sozinho Entre as exceções a tal proteção da Lei n 800990 há a previsão de penhora do único imóvel residencial do fiador de uma locação O STF entendeu que tal dispositivo é constitucional uma vez que incentivaria os proprietários de imóvel a alugarem seus bens concretizando indiretamente o direito à moradia STF RE 407688 rel Min Cezar Peluso DJ de 6102006 ver ainda RE 612360RG j 1382010 P DJe de 392010 Tema 295 com repercussão geral Ainda no plano legal o Estatuto da Cidade Lei n 102572001 consagra o direito à moradia na política urbana art 2º I 44 Direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com transtornos mentais 441 DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A LEI N 131462015 As pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física intelectual ou sensorial os quais em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas 485 A deficiência significa uma restrição física mental ou sensorial de natureza permanente ou transitória que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária causada ou agravada pelo ambiente econômico e social 486 A deficiência é considerada um conceito social e não médico em evolução resultante da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras geradas por atitudes e pelo ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas Assim fica evidente que a deficiência está na sociedade não nos atributos dos cidadãos que apresentem impedimentos físicos mentais intelectuais ou sensoriais Na medida em que as sociedades removam essas barreiras culturais tecnológicas físicas e atitudinais as pessoas com impedimentos têm assegurada ou não a sua cidadania 487 A expressão pessoa portadora de deficiência corresponde àquela usada pela Constituição brasileira art 7º XXXI art 23 II art 24 XIV art 37 VIII art 203 IV e V art 208 III art 227 1º II e 2º art 244 Porém o termo portadora é inadequado pois indica ser possível deixar de ter a deficiência Assim a expressão utilizada pela Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência é pessoas com deficiência Essa Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional seguindose o rito especial do art 5º 3º 488 e possui consequentemente estatuto normativo equivalente à emenda constitucional Portanto houve atualização constitucional da denominação para pessoa com deficiência que a partir de 2009 passou a ser o termo utilizado A luta pela implementação dos direitos das pessoas com deficiência desembocou nesse início de século na fase da chamada linguagem dos direitos A luta pela afirmação dos direitos das pessoas com deficiência passou pelo reconhecimento de que sua situação de desigualdade e exclusão constitui verdadeira violação de direitos humanos tendo sido superado o modelo médico da abordagem da situação das pessoas com deficiência Esse modelo considerava a deficiência como um defeito que necessitava de tratamento ou cura Quem deveria se adaptar à vida social eram as pessoas com deficiência que deveriam ser curadas A atenção da sociedade e do Estado então voltavamse ao reconhecimento dos problemas de integração da pessoa com deficiência para que esta desenvolvesse estratégias para minimizar os efeitos da deficiência em sua vida cotidiana Já o modelo de direitos humanos ou modelo social vê a pessoa com deficiência como ser humano utilizando apenas o dado médico para definir suas necessidades A principal característica deste modelo é sua abordagem de gozo dos direitos sem discriminação Fica consagrado o vetor de antidiscriminação das pessoas com deficiência o que acarreta reflexão sobre a necessidade de políticas públicas para que seja assegurada a igualdade material consolidando a responsabilidade do Estado e da sociedade na eliminação das barreiras à efetiva fruição dos direitos do ser humano No Brasil além dos tratados já mencionados nos capítulos acima a Constituição de 1988 possui diversos dispositivos que tratam de pessoas com deficiência É de competência comum da União Estados Distrito Federal e Municípios cuidar da saúde e assistência pública da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência art 23 II O art 37 VIII dispõe que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão No plano federal a Lei n 8112 prevê até 20 da reserva de vagas art 5º 2º O art 7º XXXI proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência O art 203 V estabelece a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família conforme dispuser a lei No que tange à criança e adolescente com deficiência o art 227 II determina a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física sensorial ou mental bem como de integração social do adolescente portador de deficiência mediante o treinamento para o trabalho e a convivência e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos O art 227 2º determina que a lei deve dispor sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência Em 2015 foi editada a Lei n 13146 de 6 de julho que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência também denominada Lei Brasileira da Inclusão LBI buscando estar em linha com o modelo de direitos humanos introduzido pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência No tocante aos direitos da personalidade o Estatuto alterou profundamente o regime jurídico da capacidade tendo revogado as disposições do Código Civil de 2002 que tratavam a pessoa com deficiência como absolutamente incapaz Cumpriuse assim o disposto no art 12 da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que estabelece especialmente 2 Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida 3 Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal 4 Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos De acordo com a LBI somente o menor de 16 anos é considerado absolutamente incapaz Quanto ao relativamente incapaz o Estatuto eliminou a menção no art 4º do CC da incapacidade relativa daqueles que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido bem como a menção aos excepcionais sem desenvolvimento mental completo De acordo com o art 114 do Estatuto são considerados relativamente incapazes i os ébrios habituais ii os viciados em tóxico e iii aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade Afastouse então na nova redação do artigo 4º do Código Civil a possibilidade do uso do discernimento reduzido para restringir a capacidade de fato da pessoa com deficiência mental ou intelectual A regra geral da LBI foi de estabelecer a plena capacidade da pessoa com deficiência Acertadamente não é a deficiência a causa da incapacidade relativa mas sim a ausência de expressão da vontade Com isso as pessoas com deficiência que podem exprimir sua vontade são capazes Essa capacidade civil plena da pessoa com deficiência foi expressa no art 6º do Estatuto que lista rol meramente exemplificativo que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa inclusive para casarse e constituir união estável exercer direitos sexuais e reprodutivos exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar conservar sua fertilidade sendo vedada a esterilização compulsória exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária e exercer o direito à guarda à tutela à curatela e à adoção como adotante ou adotando em igualdade de oportunidades com as demais pessoas A pessoa com deficiência será como regra capaz e somente se não puder exprimir sua vontade relativamente incapaz realizando atos jurídicos em conjunto com assistente Valorizase a autodeterminação da pessoa com deficiência resumida na máxima nada sobre nós sem nós que também inspira a Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência Eventual impossibilidade de exprimir a vontade é resolvida pela instituição da curatela que em regra será parcial total somente se as circunstâncias da pessoa exigirem e temporária só para questões pontuais e patrimoniais O instituto da curatela foi objeto de significativas alterações Nesse sentido o instituto da curatela do Código Civil foi extremamente modificado dispõe a LBI que a curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso e durará o menor tempo possível art 84 O instituto da curatela ficou restrito de acordo com a LBI às pessoas com deficiência que não puderem exprimir sua vontade art 1767 I do Código Civil com redação dada pela LBI Tal como as alterações referentes à capacidade do Código Civil a LBI alterou a curatela que deixa de utilizar a falta de discernimento como motivo mas somente a expressão da vontade podendo exprimir a vontade não cabe a curatela Os curadores são obrigados a prestar anualmente contas de sua administração ao juiz apresentando o balanço do respectivo ano A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial e a LBI estabelece expressamente que a definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo à sexualidade ao matrimônio à privacidade à educação à saúde ao trabalho e ao voto De acordo com a LBI antes de se pronunciar acerca dos termos da curatela o juiz que deverá ser assistido por equipe multidisciplinar entrevistará pessoalmente a pessoa com deficiência É facultada à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada que consiste no processo de jurisdição voluntária pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idôneas com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança para prestarlhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil fornecendo lhe os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa com deficiência com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio Para formular pedido de tomada de decisão apoiada a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem i os limites do apoio a ser oferecido ii os compromissos dos apoiadores iii o prazo de vigência do acordo e iv o respeito à vontade aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada o juiz assistido por equipe multidisciplinar após oitiva do Ministério Público ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio A pessoa apoiada pode a qualquer tempo solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores deverá o juiz ouvido o Ministério Público decidir sobre a questão Após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil Lei n 131052015 em 2016 houve polêmica em relação ao instituto da curatela e da interdição em virtude da nova redação dada pela LBI aos artigos 1768 1769 1771 e 1772 do Código Civil O novo CPC além de trazer disposições sobre interdição art 748 e seguintes inclusive tratando de incapacidade do interditando de administrar bens e praticar atos da vida civil termo não utilizado pela LBI ainda revogou os artigos 1768 a 1773 do Código Civil art 1072 II Contudo a LBI foi promulgada em 6 de julho de 2015 publicada no dia 7 de julho de 2015 tendo entrado em vigor no dia 2 de janeiro de 2016 Já o novo Código de Processo Civil foi promulgado no dia 16 de março de 2015 publicado no dia 17 de março de 2015 tendo entrado em vigor no dia 18 de março de 2016 Assim o artigo 1072 do CPC revogou conteúdo do Código Civil já revogado pois não poderia o legislador processual revogar conteúdo que ainda sequer havia sido editado a LBI é posterior ao novo CPC Assim ao entrar em vigor o novo CPC revogou a redação original do Código Civil já revogada pela LBI Com isso os comandos da LBI em relação à curatela e prevalência da capacidade das pessoas com deficiência com as ressalvas vistas acima devem ser seguidos Por sua vez os dispositivos do CPC referentes à interdição devem ser interpretados à luz dos comandos da LBI e da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência No tocante à educação a LBI em linha com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência consagrou a educação inclusiva na escola regular pública ou privada No tocante às escolas privadas o art 28 1º da LBI é claro ao estabelecer que as disposições do referido artigo que tratam das diversas obrigações de inclusão em todos os níveis e modalidades de ensino são aplicáveis aos entes privados de ensino que inclusive não podem cobrar valores adicionais de qualquer natureza As pessoas com deficiência devem ter acesso ao ensino primário inclusivo de qualidade e gratuito e ao ensino secundário em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem tendo que ser garantidas as adaptações de acordo com as necessidades individuais Por isso consta da Convenção que as pessoas com deficiência devem receber o apoio necessário no âmbito do sistema educacional geral com vistas a facilitar sua efetiva educação devendo ser adotadas as medidas de apoio individualizadas e efetivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social de acordo com a meta de inclusão plena A aplicação destes comandos da Convenção será tarefa hercúlea De fato conforme demonstra a experiência temse observado graves ofensas a esse direito Com isso a LBI proíbe as recusas de matrículas sob o argumento de que a escola não está preparada para as necessidades de aluno com deficiência A alegada falta de preparação vai desde a parte arquitetônica até a falta de recursos didáticos e inadequação do método de ensino Por outro lado muitas vezes as pessoas com deficiência principalmente a mental são matriculadas em escolas regulares que as recebem com a expectativa que eles tenham um desempenho o mais próximo possível do aluno dito normal Caso esse desempenho não ocorra a criança é convidada a retirarse e encaminhada para a chamada escola especial Na maioria das vezes na escola especial a criança ou adolescente com deficiência fica isolado da sociedade em geral Tais condutas violam a nova LBI e a Convenção da ONU Os alunos com deficiência têm o direito de matricularse em escolas regulares regular schools devendo o Estado assegurar o preparo material e humano para tanto Com isso não é mais possível negar a qualquer pessoa com deficiência o acesso à escola regular Como defende Eugênia Gonzaga a diversidade na sala de aula é possível e o mais importante salutar pois todos ganham os alunos com deficiência e os alunos sem qualquer necessidade especial que percebem já na escola a diversidade da sociedade à qual pertencem 489 Assim a LBI garante a educação para todos em todos os níveis e de forma igualitária em um mesmo ambiente de modo a atingir o pleno desenvolvimento humano e o preparo para a cidadania das pessoas com ou sem deficiência Para que as pessoas com deficiências possam exercer esse direito em sua plenitude é indispensável portanto que a escola e não o aluno se adapte às mais diversas situações 490 A luta dos empresários do ensino pela exclusão dessas despesas assemelhase à luta fracassada digase dos planos de saúde pela limitação de gastos em determinados casos como o limite de dias na internação em Unidades de Terapia Intensiva Ora tal qual ocorreu na área da saúde aquele que busca lucros na educação deve saber que não pode ofertar um serviço discriminatório ou incompleto depois de x dias na UTI caso o paciente ainda necessite de tratamento o que fazer Tais custos devem ser computados nos custos gerais da instituição de ensino pois esta é obrigada a oferecer a estrutura adequada a todos os seus alunos todos mesmo Contra esse dispositivo a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino Confenen ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 5357 no Supremo Tribunal Federal STF questionando a aplicação aos entes privados de ensino dos dispositivos da LBI Em julgamento histórico o STF decidiu que são constitucionais os dispositivos da LBI que estabelecem a obrigatoriedade da educação inclusiva devendo as escolas particulares adotar todas as medidas de adaptação necessárias sem que estas possam recusar as matrículas ou repassar o ônus financeiro às famílias das pessoas com deficiência STF ADI 5647 rel Min Fachin j 962016 publicado no DJe de 11112016 Outro ponto importante da LBI foi a criação do auxílioinclusão a pessoa com deficiência PcD que se enquadrar nos requisitos exigidos pela Lei Orgânica da Assistência Social LOAS tem direito a receber o Benefício de Prestação Continuada entretanto o benefício é suspenso se a PcD ingressar no mercado de trabalho Com a vigência da LBI a PcD que for admitida em trabalho remunerado terá suspenso o benefício de prestação continuada mas passará a receber o auxílioinclusão conforme dispõe o art 94 da lei Finalmente a LBI reforçou ações afirmativas estabelecendo cotas em diversas áreas como por exemplo a direito à moradia 3 de unidades habitacionais em programas públicos ou subsidiados com recursos públicos devem ser reservados às pessoas com deficiência art 32 I b direito ao transporte e mobilidade urbana 2 das vagas em estacionamentos devem ser reservadas às pessoas com deficiência art 47 parágrafo único as frotas de empresas de táxi devem reservar 10 dez por cento de seus veículos acessíveis às pessoas com deficiência art 51 10 das outorgas de permissão para exploração do serviço de táxi art 119 5 dos carros de locadoras de automóveis devem ser adaptados para motoristas com deficiência art 52 c direito do acesso à informação e à comunicação 10 dos computadores dos telecentros e lan houses devem ter recursos de acessibilidade para pessoa com deficiência visual art 63 2º 442 DIREITOS DAS PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS O caso Damião Ximenes ver Parte II Capítulo V item 13311 sobre os casos brasileiros da Corte IDH demonstrou a necessidade de promoção dos direitos das pessoas com transtornos mentais Cabe ao Estado o desenvolvimento da política de saúde mental a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais com a devida participação da sociedade e da família Para tanto foi editada a Lei n 102162001 que zela pelos direitos e atendimento das pessoas com transtornos mentais Esse atendimento deve ser prestado em estabelecimento de saúde mental assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais A finalidade permanente de qualquer tratamento é a reinserção social do paciente em seu meio Por isso o tratamento ambulatorial tem preferência e a internação em qualquer de suas modalidades só será indicada quando os recursos extrahospitalares se mostrarem insuficientes O regime de internação deve ser estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais incluindo serviços médicos de assistência social psicológicos ocupacionais de lazer e outros Com isso é vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais nos chamados asilos que tradicionalmente no Brasil não asseguravam o tratamento integral nem os direitos das pessoas com transtornos mentais Por sua vez ressaltamos que o tratamento das pessoas com transtornos mentais deve ser estritamente de acordo com os direitos humanos previstos na Constituição e nos tratados internacionais Assim além de não poder incidir qualquer discriminação odiosa quanto à raça cor sexo orientação sexual religião opção política nacionalidade idade família recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno ou qualquer outra são direitos específicos da pessoa portadora de transtorno mental a ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde b ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde visando alcançar sua recuperação pela inserção na família no trabalho e na comunidade c ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração d ter garantia de sigilo nas informações prestadas e ter direito à presença médica em qualquer tempo para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária f ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis g receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento h ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis i ser tratada preferencialmente em serviços comunitários de saúde mental Esse último direito de tratamento em serviços comunitários faz com que a internação psiquiátrica só possa ser realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos São os seguintes tipos de internação psiquiátrica estabelecidos na Lei n 102162001 a internação voluntária aquela que se dá com o consentimento do usuário b internação involuntária aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro A internação psiquiátrica involuntária deverá no prazo de setenta e duas horas ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta c internação compulsória aquela determinada pela Justiça A internação compulsória é determinada de acordo com a legislação vigente pelo juiz competente que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento quanto à salvaguarda do paciente dos demais internados e funcionários O término da internação voluntária deve ser feito por i solicitação escrita do paciente ou por ii determinação do médico O término da internação involuntária será feito por i solicitação escrita do familiar ou responsável legal ou quando estabelecido pelo ii especialista responsável pelo tratamento 443 DIREITOS DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Em 27 de dezembro de 2012 foi finalmente instituída pela Lei n 12764 a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista 491 O termo leigo autismo é substituído pelo termo mais amplo pessoa com transtorno do espectro autista que permite visão mais abrangente do quadro que abarca várias síndromes como a de Asperger Kanner Heller ou ainda o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação A lei veio em boa hora para dar visibilidade a esse espectro que é mal compreendido pela maior parte dos chamados neurotípicos e também a mídia que usa de modo pejorativo e preconceituoso o termo autista para designar situação de alienação negativa Serve a lei para promover a inclusão social da pessoa com transtorno do espectro autista na linha de reconhecimento de direitos De acordo com a lei a pessoa com transtorno do espectro autista é aquela portadora de síndrome clínica caracterizada da seguinte forma a deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social ausência de reciprocidade social falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento b padrões restritivos e repetitivos de comportamentos interesses e atividades manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados interesses restritos e fixos A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista a vida digna a integridade física e moral o livre desenvolvimento da personalidade a segurança e o lazer bem como a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração Para tanto ficam assegurados o direito de acesso a ações e serviços de saúde com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde e o acesso à educação e ao ensino profissionalizante Em casos de comprovada necessidade a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular terá direito a acompanhante especializado Apesar de a lei ser silente entendemos que o acompanhante especializado deve ser custeado pela mantenedora escolar pública ou privada sob pena de grave ofensa ao direito à igualdade material com tratamento desigual e inferiorizante às pessoas com transtorno do espectro autista aplicando se aqui a LBI Lei Brasileira de Inclusão Lei n 131462015 e a ADI 5347 ambas já estudadas acima uma vez que as pessoas com transtorno do espectro autista são consideradas pessoas com deficiência No caso do ensino particular conforme já explicitado anteriormente a oferta do serviço de educação é remunerada para que a empresa de ensino oferte a todos os seus alunos o ensino digno seria contrária à exigência de contraprestação de ensino digno se a escola cobrasse adicionalmente o uso de cadeiras e mesas que são custos implícitos à boa oferta do serviço Se essa cobrança adicional é ofensiva para os neurotípicos deve ser também ofensiva a cobrança de adicional pelo gasto do acompanhante terapêutico e outras despesas para a oferta do ensino digno aos estudantes com transtorno do espectro autista respeitandose a igualdade entre neurotípicos e não neurotípicos Por sua vez a pessoa com transtorno do espectro autista não será impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência Também a pessoa com transtorno do espectro autista não será submetida a tratamento desumano ou degradante nem será privada de sua liberdade ou do convívio familiar bem como não sofrerá discriminação por motivo da deficiência Quanto às punições específicas a lei determina que o gestor escolar a lei não discrimina se gestor público ou particular ou autoridade competente que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista ou qualquer outro tipo de deficiência será punido com multa de 3 a 20 salários mínimos Em caso de reincidência apurada por processo administrativo assegurado o contraditório e a ampla defesa haverá a perda do cargo A Lei n 13861 de 18 de julho de 2019 determinou que os censos demográficos realizados a partir de 2019 incluirão as especificidades inerentes ao transtorno do espectro autista incrementando a visibilidade já exigida pela Lei n 127642012 Resta agora a consecução de políticas públicas de promoção de direitos em um segmento de pessoas com deficiência com urgentes demandas de inclusão 45 Direito à mobilidade A Emenda Constitucional n 90 de 15 de setembro de 2015 introduziu o transporte como direito social no caput do art 6º da CF88 Anteriormente a Emenda Constitucional n 82 de 16 de julho de 2014 introduziu o 10 do art 144 estipulando que a segurança viária exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas compreende a educação engenharia e fiscalização de trânsito além de outras atividades previstas em lei que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente Esse direito à mobilidade ou direito ao transporte que agora consta do caput do art 6º direitos sociais consiste na exigência individual ou coletiva de meios públicos ou privados adequados ao deslocamento na área urbana ou rural Atualmente como se viu nos protestos de junho de 2013 a mobilidade urbana é tema central de um Brasil no qual 80 da população vive em áreas urbanas Nesse sentido foi editada em 2012 a Lei n 12587 que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana A Política Nacional de Mobilidade Urbana objetiva i o acesso universal à cidade ii o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano por meio iii do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana consiste no conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte de serviços e de infraestrutura que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município Os meios para realizar a mobilidade podem ser i motorizados ou não motorizados ii coletivos ou individuais iii públicos ou privados e iv de cargas ou de passageiros Entre os princípios da política nacional de mobilidade urbana estão 1 acessibilidade universal 2 desenvolvimento sustentável das cidades nas dimensões socioeconômicas e ambientais 3 equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo 4 eficiência eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano 5 gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana 6 segurança nos deslocamentos das pessoas 7 justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços 8 equidade no uso do espaço público de circulação vias e logradouros e 9 eficiência eficácia e efetividade na circulação urbana As diretrizes da Lei n 12587 se implementadas na prática revolucionarão o cotidiano das nossas cidades pois impõem a modicidade da tarifa a melhoria da eficiência e qualidade na prestação de serviço São direitos decorrentes do direito à mobilidade urbana a direito ao serviço adequado de deslocamento b direito de participar do planejamento fiscalização e avaliação da política local de mobilidade urbana c direito à informação sobre a mobilidade urbana tarifas horários etc e d direito a um meio ambiente seguro e acessível A implementação do direito à mobilidade urbana é da competência administrativa comum incumbindo a todos os entes federados que devem agir de modo integrado e coerente União Estados Distrito Federal e Municípios 46 Direitos indígenas 461 NOÇÕES GERAIS TERMINOLOGIA Há diversas comunidades indígenas no Brasil com características próprias e que possuem diferenças entre si sendo impossível e equivocada uma simplificação e generalização de suas situações Há estimativas de que hoje haja 5 mil povos indígenas no mundo e no Brasil há mais de 200 Pelo Censo de 2010 no Brasil as comunidades indígenas somam mais de 800000 indígenas segundo dados do IBGE 492 O termo índios para denominar os habitantes originários das Américas é fruto da equivocada crença de Cristóvão Colombo que ao chegar ao Caribe em 1492 imaginou ter encontrado a Índia por nova rota marítima pelo Oceano Atlântico A denominação foi mantida pelos europeus para todos os grupos de ascendência précolombiana mesmo após terem se convencido de que se tratava de outro continente e mesmo diante da diversidade das comunidades entre si Já o termo silvícola significa aquele que vive na selva retratando a imagem preconceituosa do selvagem e da hierarquia e estágio evolucionário das culturas da selvagem para a civilizada europeia Assim esse termo se encontra ultrapassado e deve ser evitado como o fez o STF no Caso Raposa Serra do Sol Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 19 32009 Plenário DJe de 1º72010 Para que se identifique determinado indivíduo como indígena são possíveis dois critérios i o autorreconhecimento e ii o heterorreconhecimento De acordo com o autorreconhecimento índio é qualquer indivíduo que se identifique como tal em virtude da consciência de seu vínculo histórico com a sociedade précolombiana Já o heterorreconhecimento consiste no reconhecimento de alguém como índio pela própria comunidade indígena a que aquele afirma pertencer Para Kayser é possível identificar quatro requisitos que permitem identificar o indivíduo como índio a requisitos de ordem objetiva a1 origem e ascendência précolombiana a2 existência de um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade envolvente b requisitos de ordem subjetiva b1 identificação do indivíduo como pertencente a referido grupo étnico b2 identificação por outros como pertencente a um grupo étnico 493 O critério da autoidentificação deve ser considerado como dominante uma vez que previsto na Convenção da OIT n 169 já ratificada e incorporada internamente pelo Brasil art 1º item 2 494 Claro que a autoidentificação critério dominante não elimina a heteroidentificação restrita à própria comunidade indígena a que o indivíduo declara pertencer não é possível se declarar índio sem que seja feita tal referência à comunidade indígena Eventual não aceitação da comunidade indígena deve ser analisada no caso concreto para que se verifique se a recusa se deu por falta de vínculo do indivíduo com o grupo ou se o rechaço nega uma identidade existente por motivo de conflito entre o grupo e o indivíduo De todo modo a união da autoidentificação com a heteroidentificação restrita à comunidade indígena resulta em i vedação de elemento estranho ao grupo indígena dizer o que este é ou quais são os seus membros 495 e ii não é exigido que os indígenas mantenham padrões de comportamento estereotipados como sendo indígena ou seja que não adotem hábitos ou práticas da sociedade envolvente como por exemplo vestuário dirigir veículos etc pois cada comunidade tem autonomia para gerir sua vida cotidiana Para a criticada definição da Lei n 600173 Estatuto do Índio consideramse índios todos os indivíduos de origem e ascendência précolombiana que se identificam e são identificados como pertencentes a um grupo étnico cujas características culturais os distinguem da sociedade nacional art 3º I Nesse conceito de cunho legal há tanto a autoidentificação ou autorreconhecimento o indivíduo se identifica como índio quanto a heteroidentificação ou heterorreconhecimento a comunidade o identifica como tal No Supremo Tribunal Federal o Ministro Carlos Britto apresentou os índios como primeiros habitantes desse ou daquele país americano para diferenciar dos principais contingentes humanos advindos de outros países ou contingentes Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 193 2009 Plenário DJe de 1º72010 p 266 462 TRATAMENTO NORMATIVO ATÉ A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Inicialmente no período colonial no Brasil buscouse a conversão do índio ao catolicismo partindo da premissa de que se tratava de selvagens ainda em estágio inferior que deveriam ser civilizados e transformados em cristãos É da época colonial o início do instituto do indigenato fundado no Alvará Régio de 1680 e na Lei de 6 de junho de 1755 que consiste no reconhecimento do direito primário e congênito do índio à terra tradicionalmente ocupada pois são os seus naturais senhores Esse direito originário é distinto e independente dos direitos de propriedade e posse do Direito Civil O desenvolvimento da doutrina do indigenato coube a João Mendes da Silva Jr que diferenciou o direito dos povos indígenas às terras por eles ocupadas título adquirido congenitamente pela própria existência do direito da ocupação não indígena que depende de ser legitimada por meio de títulos adquiridos Além do jus possessionis direito de posse poder sobre a coisa o indígena tem também o jus possidendi direito à posse fruto do seu direito originário à terra 496 Em que pese esse reconhecimento pelo colonizador português dos direitos territoriais indígenas a prática foi marcada pela expulsão dos indígenas de suas terras e por atos de violência contra as comunidades indígenas que não se submetiam A Coroa portuguesa apoiava a ação armada dos colonos contra os indígenas resistentes e por meio da Carta Régia de 2 de dezembro de 1808 foram declaradas como devolutas as terras adquiridas em lutas contra os índios nas chamadas Guerras Justas Ao final da dominação colonial portuguesa no Brasil a população indígena sofreu dramática redução em seu número Já no Império a política de assimilação dos índios ao cristianismo continuou tendo sido determinada no Ato Adicional de 1834 à Constituição de 1824 a competência das Províncias para o fomento da catequese e civilização dos indígenas art 11 5 Por outro lado pela Lei de 27 de outubro de 1831 foi revogada a Carta Régia de 1808 impedindose a servidão dos índios mas considerandoos equivalentes aos órfãos a reclamar tutela a tutela orfanária dos indígenas A Constituição de 1891 foi particularmente danosa tanto pela omissão em regular a matéria indígena mas especialmente por permitir a transferência da quase totalidade das terras devolutas para os Estados art 64 As terras devolutas consistem em terras que não se encontram afetadas a qualquer patrimônio público ou privado originalmente reguladas pelo art 3º da Lei n 601 de 18 de setembro de 1850 a Lei de Terras do Império Os Estados então aproveitaram esse dispositivo constitucional para iniciar processo de acelerada titulação a particulares de terras ocupadas tradicionalmente pelos indígenas ou seja não seriam propriamente terras devolutas Foi na República Velha que foi editado o primeiro marco no tratamento jurídico republicano aos índios o Decreto n 8072 de 20 de julho de 1910 que criou o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais SPI logo depois exclusivamente focado na matéria indígena Seu diretor foi Cândido Rondon bisneto de índios depois conhecido como Marechal Rondon cujas expedições ao oeste do território brasileiro e busca de relacionamento pacífico com os índios o tornaram célebre 497 O Código Civil de 1916 decidiu que os silvícolas termo da época eram relativamente incapazes e submetidos ao regime de tutela que só cessaria na medida de sua adaptação à sociedade não índia art 6º IV O Decreto n 5484 de 27 de junho de 1928 consagrou a substituição da antiga tutela civilista orfanológica em um regime tutelar de natureza pública pelo Serviço de Proteção ao Índio arts 4º e 5º 498 A Lei n 412162 alterou o Código Civil de 1916 e inseriu o parágrafo único no art 6º determinandose que os índios ficariam sujeitos ao regime tutelar estabelecido em leis e regulamentos especiais o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País No plano constitucional a Constituição de 1934 foi a primeira a regular os direitos e as terras dos silvícolas novamente termo da época Tal Constituição sofreu forte influência da Constituição de Weimar com intervencionismo prestacional do Estado e reconhecimento de direitos sociais De acordo com o art 129 da Constituição de 1934 e depois com os arts 154 da Constituição de 1937 e 216 da Constituição de 1946 ficou estabelecida a propriedade da União sobre as terras ocupadas pelos silvícolas Conforme já reconhecido por Tribunais brasileiros consequentemente os títulos dominais concedidos antes da Constituição de 1934 foram atingidos pela nulidade superveniente da norma do seu art 129 As terras ocupadas pelos silvícolas que sob regime da Constituição de 1891 integravam o patrimônio coletivo indígena passaram com a Constituição de 1934 ao domínio da União ApC 199901000228900 Rel Selene Maria de Almeida Tribunal Regional Federal da 1ª Região DJ de 1622001 Ainda a Constituição de 1934 fixou a competência privativa da União para legislar sobre incorporação dos silvícolas à comunhão nacional Já a Constituição de 1967 determinou que as terras ocupadas pelos silvícolas termo da época integrariam os bens da União art 4º IV o que teoricamente impediria a prática desde a Constituição de 1891 de governos estaduais concederem ilícita titulação a particulares de terras notoriamente habitadas por índios Além disso a CF67 assegurou aos índios a posse permanente das terras que habitam e reconheceu o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes art 186 Com a Emenda Constitucional n 1 de 1969 foi declarada a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos índios sem que os ocupantes tivessem direito a ação ou indenização contra a União art 198 1º e 2º A proteção foi ampliada na CF88 que passou a utilizar a terminologia indígenas ou índios Em 1967 foi extinto o SPI e criada a Fundação Nacional do Índio pela Lei n 5371 em plena ditadura militar De acordo com a lei cabe à FUNAI estabelecer as diretrizes e garantir o cumprimento da política indigenista baseada nos princípios de i respeito à pessoa do índio e às instituições e comunidades tribais ii garantia à posse permanente das terras que habitam e ao usufruto exclusivo dos recursos naturais Em 1973 foi editada a Lei n 6001 denominada Estatuto do Índio que apesar de mencionar nominalmente a preservação da cultura indígena possuía o objetivo de integração dos índios na comunhão nacional art 1º Buscouse assim impor aquilo que era denominado integração harmoniosa dos índios em um verdadeiro processo de assimilação pelo qual a condição de índio era transitória devendo ser substituída pela condição de índio plenamente integrado Por isso a Lei n 6001 classifica os índios em isolados aqueles sem contato com a sociedade não índia em vias de integração aqueles com contatos intermitentes com a sociedade não índia e integrados Por índio integrado a lei considera os incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis ainda que conservem usos costumes e tradições característicos da sua cultura Como veremos a seguir há hoje intenso debate na doutrina e na jurisprudência sobre a recepção ou não de diversos dispositivos do Estatuto do Índio em face da Constituição de 1988 que adotou parâmetros e princípios diferentes na regulação da matéria indígena 463 INDÍGENAS NA CONSTITUIÇÃO COMPETÊNCIA OCUPAÇÃO TRADICIONAL APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA 4631 Aspectos gerais os princípios e os dispositivos constitucionais A Constituição de 1988 regula a matéria indígena de modo específico em cinco momentos 1 no Título III Da organização do Estado com foco nas atribuições administrativas art 20 e legislativas art 22 2 no Título IV Da organização dos Poderes com foco na atribuição do Poder Legislativo art 49 Judiciário art 109 e Ministério Público art 129 3 no Título VII Da ordem econômica e financeira com foco na exploração das terras indígenas 4 no Título VIII Da ordem social com foco na cultura e ainda com um capítulo Capítulo VIII Dos índios específico contendo dois artigos arts 231 e 232 e 5 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias no qual ficou determinado e não cumprido que a União deveria concluir a demarcação das terras indígenas em 5 anos contados da promulgação da CF88 art 67 do ADCT Claro que os demais dispositivos e em especial toda a parte dos direitos fundamentais e direitos humanos previstos em tratados art 5º 2º e 3º são aplicáveis mas não são específicos à matéria indígena Apesar de a CF88 não ter utilizado termos como povos ou nações indígenas optando por grupos comunidades organizações indígenas ou índios Duprat entende que a CF88 reconhece o Estado brasileiro como pluriétnico e não mais pautado em pretendidas homogeneidades garantidas ora por uma perspectiva de assimilação mediante a qual sub repticiamente se instalam entre os diferentes grupos étnicos novos gostos e hábitos corrompendoos e levandoos a renegarem a si próprios ao eliminar o específico de sua identidade ora submetendoos forçadamente à invisibilidade 499 De acordo com Anjos Filho 500 a CF88 adotou os seguintes princípios no trato da matéria indígena a princípio do reconhecimento e proteção do Estado à organização social costumes línguas crenças e tradições das comunidades indígenas b princípio do reconhecimento dos direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e proteção de sua posse permanente em usufruto exclusivo para os índios c princípio da igualdade de direitos e da igual proteção legal o que não permite a existência de institutos que tratam o indígena como ser desamparado ou inferior vide a questão da tutela civil do indígena d princípio da proteção da identidade ou direito à alteridade que consiste no direito à diferença não podendo ser aceito ato comissivo ou omissivo de assimilação e princípio da máxima proteção aos índios nascendo o in dubio pro indígena e ainda o reconhecimento de que o patamar de proteção alcançado não elimina novas medidas a favor das comunidades indígenas No que tange à organização do Estado a CF88 determinou que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios ver seu significado abaixo são bens da União art 20 IX Paulo Thadeu Gomes da Silva critica essa opção que não deferiu a titularidade das terras aos grupos indígenas o que reforça uma colonialidade interna 501 Também manteve a competência da União fixada desde a CF34 para privativamente legislar sobre as populações indígenas art 22 XIV Na organização dos Poderes é da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar em terras indígenas a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais art 49 XVI No Título VII Da ordem econômica e financeira o art 176 dispõe que as jazidas em lavra ou não e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica pertencem à União e a lei deve estabelecer as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em terras indígenas No que tange ao Poder Judiciário cabe aos juízes federais processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas art 109 XI e no Ministério Público cabe ao Ministério Público Federal como função institucional defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas De acordo com o art 232 os índios suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses intervindo o Ministério Público no caso o Ministério Público Federal em todos os atos do processo No que tange à ordem social inicialmente a CF88 dispôs que o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem Além disso a CF88 exige que sejam protegidas as manifestações das culturas indígenas art 215 1º Finalmente no Capítulo VIII do Título VIII a CF88 tratou especificamente da matéria indígena dispondo que são reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União i demarcálas ii proteger e iii fazer respeitar todos os seus bens 4632 As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e o renitente esbulho O marco temporal da ocupação A CF88 definiu que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios englobam um conjunto composto por quatro tipos de terras i terras por eles habitadas em caráter permanente ii as utilizadas para suas atividades produtivas iii terras imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bemestar e iv as necessárias a sua reprodução física e cultural segundo seus usos costumes e tradições Para os indígenas a terra tem importância central já que dela dependem para sua sobrevivência física e cultural Por isso a disputa pelas terras indígenas e suas riquezas representa o cerne dos conflitos entre indígenas e não indígenas no Brasil 502 Nesse sentido o Ministro Menezes Direito em seu voto na Pet 3388 Caso Raposa Serra do Sol aduziu Não há índio sem terra A relação é marca característica da essência indígena pois tudo o que ele é é na terra e com a terra Sua organização social seus costumes língua crenças e tradições estão como se sabe atrelados à terra onde vivem É nela e por meio dela que se organizam É na relação com ela que forjam seus costumes e tradições É pisando o chão e explorando seus limites que desenvolvem suas crenças e enriquecem sua linguagem intimamente referenciada à terra Nada é mais importante para eles Por isso de nada adianta reconhecerlhes os direitos sem assegurarlhes as terras identificandoas e demarcandoas Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º72010 Pela linguagem constitucional a CF88 adotou o indigenato já exposto acima Por outro lado há aqueles que defendem a tese do fato indígena distinta da teoria do indigenato apresentada pelo Ministro Menezes Direito Supremo Tribunal Federal no julgamento do Caso Raposa Serra do Sol Pet 3388 pela qual as terras indígenas são aquelas que na data da promulgação da CF88 eram ocupadas pelos indígenas Mencionando o 6º do art 231 da Constituição o Ministro defendeu que o constituinte quis suplantar todas as pretensões e os supostos direitos sobre as terras indígenas identificadas a partir de 1988 Finalmente o Ministro Direito assim resume seu entendimento Concluise que uma vez demonstrada a presença dos índios em determinada área na data da promulgação da Constituição 5101988 e estabelecida a extensão geográfica dessa presença constatado o fato indígena por detrás das demais expressões de ocupação tradicional da terra nenhum direito de cunho privado poderá prevalecer sobre os direitos dos índios Com isso pouco importa a situação fática anterior posses ocupações etc O fato indígena a suplantará como decidido pelo constituinte dos oitenta Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º7 2010 voto do Min Direito O principal critério para a definição do fato indígena foi chamado marco temporal o qual o Min relator Ayres Brito definiu como chapa radiográfica ao passo que o Min Lewandowski denominouo fotografia do momento Com isso o STF entendeu que por terras tradicionalmente ocupadas pelos índios art 20 XI da CF88 devem ser entendidas aquelas que i as comunidades indígenas ocupavam na data da promulgação da CF88 marco temporal conquanto que ii as comunidades ostentassem o caráter de perdurabilidade no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica com o uso da terra para o exercício das tradições costumes e subsistência indígena significando que viver em determinadas terras é tanto pertencer a elas quanto elas pertencerem a eles os índios Por fim o STF também adicionou dois outros critérios iii o marco da concreta abrangência fundiária e da finalidade da ocupação tradicional que contém a utilidade prática a que deve servir a terra tradicionalmente ocupada reforçando o critério da ancestralidade e iv o marco do conceito fundiariamente extensivo do chamado princípio da proporcionalidade a partir do qual a aplicação do princípio da proporcionalidade em matéria indígena ganha um conteúdo extensivo marco da tradicionalidade da ocupação STF Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º72010 trecho do voto do Min Carlos Ayres Britto Ainda que o STF nesse mesmo caso Raposa Serra do Sol tenha acatado os marcos temporal e da tradicionalidade da ocupação cabe notar que o Tribunal reconheceu a exceção do chamado renitente esbulho pela qual as terras seriam ainda indígenas mesmo sem a ocupação no dia 5 de outubro de 1988 caso fosse comprovada que a ausência de ocupação houvesse se dado por efeito de renitente esbulho por parte de não índios STF Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º72010 trecho do voto do Min Ayres Britto A teoria do fato indígena é mais restritiva que a teoria do indigenato pois esta última legitima inclusive a ampliação das terras indígenas para além do que era ocupado no dia 5 de outubro de 1988 data da promulgação da atual Constituição Federal Ficou então criado o marco de 5 de outubro de 1988 como data na qual deveria ser analisada a situação fática da existência da presença indígena e de sua ocupação tradicional Cabe ressaltar que a decisão do caso Raposa Serra do Sol não produziu efeitos erga omnes mas tão somente inter partes Foi a partir do voto vista do Min Gilmar Mendes no caso Guyrároka que em sede de Recurso em Mandado de Segurança o STF consolidou a tese do marco temporal para configurar a posse indígena em todos os casos similares sob o argumento destacado pela Min Cármen Lúcia citando o Min Roberto Barroso relator dos Embargos de Declaração no Caso Raposa Serra do Sol de que embora não tenha efeitos vinculantes em sentido formal o acórdão do caso Raposa Serra do Sol ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite de superação das suas razões RMS 29087 Rel p ac Min Gilmar Mendes Segunda Turma DJe de 14102014 Todavia em várias outras decisões após o Caso Raposa Serra do Sol diversos Ministros salientaram a impossibilidade de se utilizar fora daquele caso a tese do renitente esbulho de forma automática como se vê por exemplo na Reclamação n 14473 rel Min Marco Aurélio decisão de 12122013 DJ 16122013 Pelo contrário a aplicação da tese do marco temporal em sentido estrito que exige autotutela ou ainda busca de proteção judicial por parte dos indígenas é incompatível com o regime jurídico constitucional e convencional das terras indígenas no Brasil Grande parte dos conflitos entre as comunidades indígenas e a sociedade envolvente reside em terras nas quais os índios não mais se encontram após várias décadas de ocupação pelos não índios Duas situações podem ser aferidas i a dos chamados aldeamentos extintos nos quais a ocupação por parte de não índios levou à morte e desaparecimento da comunidade indígena e ii a de terras sujeitas a renitente esbulho nas quais a ocupação e titulação privadas das terras indígenas gerou a expulsão das comunidades indígenas que contudo resistem e mantêm o desejo do retorno No tocante aos aldeamentos extintos a Súmula n 650 do Supremo Tribunal Federal estabelece que Os incisos I e XI do art 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto Como a essência da Súmula é justamente o reconhecimento da extinção do aldeamento sua aplicação em áreas densamente urbanizadas como na cidade de São Paulo e cidades da Grande São Paulo não gera polêmica Já no tocante às terras indígenas sujeitas a renitente esbulho duas interpretações são possíveis a respeito do comportamento da comunidade indígena envolvida 1 Renitente esbulho em sentido amplo Basta que haja a titulação oficial em nome de não índio ou ainda sua presença tida como regular pela autoridade pública para gerar o afastamento in loco da comunidade indígena Exigir resistência física ou jurídica implica em aplicar às comunidades indígenas padrões de comportamento da sociedade envolvente sem contar que se desconsidera o histórico de violência e miserabilidade daqueles que perderam suas terras mas que mantém o desejo de retomada da área De fato em vários casos a comunidade indígena mantémse nas proximidades em intensa situação de vulnerabilidade inclusive sendo usada como mão de obra barata Por esse enfoque não são desconsideradas as diversas formas de resistência inclusive passiva de manutenção do desejo na identidade coletiva com a terra das comunidades indígenas Com essa visão ampla do renitente esbulho a identificação da terra indígena volta a ser fruto de avaliação antropológica que conta com estudos transdisciplinares para tanto de origem étnicohistórica sociológica geográfica cartográfica ambiental etc 2 Renitente esbulho em sentido estrito Por essa ótica o renitente esbulho exige situação de efetivo conflito possessório que mesmo iniciado no passado ainda persista até a data da promulgação da CF88 marco temporal sendo provado por i circunstâncias de fato ou pelo menos ii por uma controvérsia possessória judicializada Desde o Caso Raposa Serra do Sol o STF possui precedentes que adotaram a tese do renitente esbulho em sentido estrito mantendo a titularidade dos não índios como no Caso da Terra Guyrároka da comunidade indígena GuaraniKaiowá RMS 29087 Rel p ac Min Gilmar Mendes Segunda Turma DJe de 14102014 e no Caso da Terra indígena Limão Verde da comunidade indígena Terena A partir deste último caso a tese do renitente esbulho em sentido estrito ganhou seus contornos atuais tendo o Min relator Teori Zavascki condicionado a existência do esbulho ao critério do marco temporal afirmando que há de haver para configuração de esbulho situação de efetivo conflito possessório que mesmo iniciado no passado ainda persista até o marco demarcatório temporal atual vale dizer na data da promulgação da Constituição de 1988 conflito que se materializa por circunstâncias de fato ou pelo menos por uma controvérsia possessória judicializada ARE n 803462AgR MS rel Min Teori Zavascki j 9122014 grifos nossos A exigência de circunstâncias de fato ou mesmo ação judicial reveladoras da existência de renitente esbulho pode a depender do caso gerar grande vantagem à sociedade envolvente que possui poder para afastar as comunidades indígenas das suas terras tradicionais por meio de promessas ameaças veladas estímulo econômico singelo etc No Caso da Terra Guyrároka houve intenso debate entre os julgadores a respeito do laudo da Funai constante dos autos do processo pelo qual ficou atestado que os indígenas estavam afastados da terra há 70 anos Para o Min Lewandowski aquelas terras eram claramente de ocupação tradicional conforme estabelecido pela Constituição Assim já ao final do debate foi mencionado que inclusive alguns índios continuaram na região a prestar serviço como peões ao que o Ministro Lewandowski respondeu mas o Agronegócio quer isso mesmo expulsar os índios e depois os contrata como boiasfrias É assim que está acontecendo no Brasil todo RMS 29087 Rel p ac Min Gilmar Mendes Segunda Turma DJe de 1410 2014 voto vencido do Min Ricardo Lewandowski Para Deborah Duprat a tese do renitente esbulho em sentido estrito viola os direitos dos povos indígenas uma vez que exigir a posse contínua e permanente por toda a vida dessas comunidades num determinado território é desconhecer o processo civilizatório e desenvolvimentista que foi empurrandoas para as margens 503 Aguardase assim o julgamento do RE 1017365SC rel Min Edson Fachin em trâmite que possui repercussão geral Foi proposta pela PGR a seguinte tese que resume a importância do caso para que seja afastada a tese do marco temporal em sentido estrito A proteção da posse permanente dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional independe da conclusão de processo administrativo demarcatório e não se sujeita a um marco temporal de ocupação preestabelecido O art 231 da Constituição Federal reconhece aos índios direitos originários sobre essas terras cuja identificação e delimitação deve ser feita por meio de estudo antropológico o qual é capaz por si só de atestar a tradicionalidade da ocupação segundo os parâmetros constitucionalmente fixados e de evidenciar a nulidade de quaisquer atos que tenham por objeto a ocupação o domínio e a posse dessas áreas 4633 A jurisprudência da Corte IDH e a matéria indígena o Diálogo das Cortes A Corte Interamericana de Direitos Humanos construiu ampla jurisprudência na temática fixando parâmetros interpretativos para a proteção dos direitos indígenas na região Dentre esses casos internacionais seis tratam diretamente do denominado direito à propriedade coletiva comunal ou ancestral dos povos indígenas 504 A começar pelo instituto jurídico escolhido a Corte IDH opta pela propriedade coletiva diferentemente da CF88 que se utiliza da posse e do usufruto exclusivo como instrumentos de garantia do direito à terra das populações indígenas Essa opção decorre da interpretação do artigo 21 da Convenção Americana de Direitos Humanos propriedade privada em especial em face da Convenção n 169 da OIT Nesse sentido a Corte IDH decidiu no caso Moiwana vs Suriname que na hipótese da posse da terra ter sido perdida por motivos alheios à vontade dos indígenas esses continuam os proprietários salvo se mesmo sem posse acabaram vendendoas a terceiros de boafé Corte IDH Comunidade Moiwana vs Suriname sentença de 15 de junho de 2005 Essa hipótese da venda é descartada pela CF88 são propriedade da União mas constitui em parâmetro valioso nos casos em que o ordenamento nacional permite tal alienação A Corte IDH também analisou a situação da perda da posse pelos indígenas involuntariamente com o agravante de após suas terras tenham sido vendidas a terceiros em boafé Nesse caso os indígenas possuem o direito de recuperálas ou de obter terras de igual extensão e qualidade Corte IDH Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai sentença de 17 de junho de 2005 Essa situação é similar aos fatos do caso Guyrároka no qual o não indígena possuía o título de propriedade da terra que havia adquirido presumidamente de boa fé No que tange ao limite temporal à recuperação das terras tradicionais a Corte Interamericana decidiu que enquanto o vínculo espiritual e material da identidade dos povos indígenas continuar existente em relação às suas terras tradicionais é cabível a reivindicação caso contrário não há mais o direito à recuperação de tais terras A determinação do vínculo entre a comunidade indígena e a terra só pode ser aferido no caso concreto devendo incluir a análise do seu uso ou presença tradicional seja através de laços espirituais ou cerimoniais assentamentos ou cultivos esporádicos caça pesca coleta permanente ou nômade uso dos recursos naturais ligados a seus costumes ou qualquer outro elemento característico de sua cultura Corte IDH Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs Paraguai sentença de 29 de março de 2006 em especial 131 Nas situações em que tenha ocorrido qualquer forma de impedimento de acesso à terra por causas alheias à vontade dos índios e que impliquem em obstáculo real para a manutenção dessa relação como o emprego de violência ameaça etc o chamado renitente esbulho em sentido amplo visto acima o direito à recuperação da terra persistirá até que os impedimentos desapareçam Corte IDH Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs Paraguai sentença de 29 de março de 2006 em especial 132 A jurisprudência da Corte IDH vista acima sobre o direito dos indígenas à propriedade coletiva da terra assemelhase ao conteúdo da teoria do indigenato pela qual o vínculo material e espiritual dos índios em relação à terra são suficientes para declarar a existência do direito a ela dispensandose o critério do marco temporal no caso a edição da CF88 Notase assim a necessidade de efetivo diálogo entre as cortes Corte Interamericana e STF que caso não seja feito pode levar ao controle de convencionalidade de matriz internacional a ser realizado pela Corte IDH impondo ao Brasil deveres de reparação pela violação do artigo 21 da Convenção Americana de Direitos Humanos 505 4634 O direito à consulta livre e informada das comunidades indígenas e o respeito às tradições o pluralismo jurídico As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinamse a sua posse permanente cabendolhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo dos rios e dos lagos nelas existentes Novamente repetindo o que já foi mencionado acima a CF88 exige que o aproveitamento dos recursos hídricos incluídos os potenciais energéticos a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional por lei complementar ouvidas as comunidades afetadas ficandolhes assegurada participação nos resultados da lavra na forma da lei Contudo o STF reconheceu em nome dos demais interesses constitucionais que não precisam de lei complementar i o patrulhamento de fronteiras ii a defesa nacional iii a conservação ambiental nas áreas iv a exploração de recursos hídricos v o uso do potencial energético ou a pesquisa e lavra dos recursos minerais presente o interesse público da União STF Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º72010 ver mais na Parte IV item 466 Combinando esse dispositivo com a interpretação da Corte IDH sobre a Convenção Americana de Direitos Humanos ratificada e incorporada internamente no Brasil há o dever de consulta prévia em boafé Caso Sarayaku vs Equador conferir abaixo a posição em sentido contrário do STF no Caso Raposa Serra do Sol Parte IV item 466 As terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras salvo ad referendum do Congresso Nacional em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do País após deliberação do Congresso Nacional garantido em qualquer hipótese o retorno imediato logo que cesse o risco Em tema importante nos conflitos sobre terras no Brasil a CF88 eliminou qualquer pretensão particular sobre terras indígenas considerando nulos e extintos não produzindo efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto i a ocupação ii o domínio e iii a posse das terras indígenas ou a iv exploração das riquezas naturais do solo dos rios e dos lagos nelas existentes Não há direito a indenização salvo quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boafé Quanto à aplicação do ordenamento brasileiro aos indígenas o parágrafo único do art 1º do Estatuto do Índio prevê que as leis brasileiras se estendem aos índios e às comunidades indígenas tal qual como a todos os brasileiros resguardados os usos costumes e tradições indígenas No mesmo sentido o art 6º estipula o respeito aos usos costumes e tradições das comunidades indígenas e seus efeitos i nas relações de família ii na ordem de sucessão iii no regime de propriedade e iv nos atos ou negócios realizados entre índios salvo se optarem pela aplicação do direito comum A Convenção n 169 da OIT ver abaixo consagra o princípio do pluralismo jurídico e respeito aos costumes indígenas em seu art 8º que prevê que ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados devem ser levados em consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário respeitandose os direitos humanos nacional e internacionalmente reconhecidos Sempre que for necessário deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste princípio Nesse sentido Gomes da Silva acertadamente sustenta que há uma interdependência dos direitos tradicional indígena e oficial que impede uma solução rígida sobre preferência de um ou de outro exigindose uma análise caso a caso 506 Fica patente a opção pelo diálogo das fontes entre o saber jurídico da sociedade envolvente e o saber das normas indígenas para que se construa uma solução dos conflitos normativos 464 POVOS INDÍGENAS E COMUNIDADES TRADICIONAIS EM FACE DO DIREITO INTERNACIONAL O Direito Internacional dos Direitos Humanos conta com uma impressionante abrangência e diversidade além dos tratados ditos gerais por abrangerem uma pluralidade de direitos há ainda os tratados temáticos que focam em um tema específico por exemplo integridade física vide a Convenção da ONU contra a Tortura ou um grupo vulnerável vide a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança Contudo na matéria indígena há uma grave lacuna no que tange a tratados com a exceção da Convenção da OIT n 169 não há ainda um grande tratado regional ou global sobre os direitos dos povos indígenas Claro que há tratados que podem ser invocados pelos povos indígenas em especial i o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos art 27 dispõe sobre os direitos das minorias étnicas ii o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais iii a Convenção para a Eliminação da Discriminação Racial iv a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança v a Convenção Americana de Direitos Humanos entre outros Obviamente esses tratados possuem dispositivos aplicáveis a todos os seres humanos sendo importantes para a promoção de direitos dos grupos vulneráveis Entretanto não eliminam a necessidade de tratados específicos que possam impulsionar a defesa dos povos indígenas na atualidade A Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO calcula que existam 5 mil povos indígenas com mais de 370 milhões de membros no mundo Esse imenso contingente de pessoas enfrenta diversos desafios para sua sobrevivência entre eles a disputa por terras dificuldades para a preservação da cultura e desejos integracionistas da sociedade envolvente majoritária 507 Por isso a luta pela afirmação internacional dos direitos dos povos indígenas é indispensável para que os Estados sejam obrigados a promover e proteger esses grupos que se encontram vulneráveis mesmo em regimes democráticos pois são em geral numericamente minoritários na população nacional Na Organização das Nações Unidas o marco inicial dos esforços de regulação internacional dos direitos dos povos indígenas foi a designação em 1971 de José Martínez Cobo Equador como Relator Especial sobre a situação dos direitos humanos e liberdades fundamentais dos povos indígenas da antiga Comissão de Direitos Humanos extinta hoje substituída pelo Conselho de Direitos Humanos Na atualidade os direitos dos povos indígenas são debatidos em três foros especializados da ONU a saber Fórum permanente sobre questões indígenas United Nations Permanent Forum on Indigenous Issues UNPFII que consiste em um órgão colegiado e consultivo do Conselho Econômico e Social composto por 16 especialistas independentes mandato de três anos uma recondução sendo que 8 indicados pelos Estados e 8 por organizações indígenas geograficamente representativas tendo tido sua primeira reunião em 2002 Além de disseminar informações sobre os povos indígenas o Fórum serve para aconselhar e recomendar ações e programas para a ONU no trato das questões indígenas Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas Esse mecanismo foi criado em 2007 pelo Conselho de Direitos Humanos para fornecer assessoria temática para o próprio Conselho Seu primeiro estudo foi sobre o direito dos povos indígenas à educação em 2009 Relatoria Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas Essa relatoria temática do Conselho de Direitos Humanos foi criada em 2001 ainda sob a égide da antiga Comissão de Direitos Humanos sendo seu mandato renovado desde então Já fez diversos relatórios sobre a situação dos povos indígenas em diversos países inclusive tendo visitado o Brasil em 2009 Na época o Relator era James Anaya que detectou falta de participação adequada das comunidades nas decisões que impactam suas vidas e terras em especial no que tange à exploração dos recursos hídricos para a construção de grandes projetos de hidrelétricas vide o caso Belo Monte descrito pelo Relator508 Cabe anotar a existência da Convenção de Madrid sobre o Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe de 1992 ratificada e incorporada internamente pelo Decreto n 3108 de 30 de junho de 1999 e que visa canalizar recursos financeiros e técnicos para os projetos e os programas prioritários coordenados com os Povos Indígenas A Corte Interamericana de Direitos Humanos por sua vez possui importante jurisprudência referente aos direitos indígenas utilizando em alguns casos a Convenção n 169 da OIT vista em capítulo específico para especificar a favor das comunidades indígenas os direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos 509 465 AUTONOMIA E QUESTÃO TUTELAR O regime tutelar foi estabelecido pelo Estatuto do Índio Lei n 600173 que dividiu os índios em superadas categorias conforme o grau de incorporação à comunhão nacional Assim os integrados foram considerados capazes para o exercício de seus direitos e os não integrados denominados isolados ou em vias de integração deveriam ser tutelados pela União através do órgão de assistência Fundação Nacional do Índio FUNAI O Código Civil de 2002 não repetiu o anterior não situando o indígena como relativamente incapaz mas sim previu que a capacidade dos índios será regulada por legislação especial art 4º parágrafo único O Estatuto do Índio em seu art 7º estabeleceu uma tutela individual e coletiva abrangendo os índios não integrados na terminologia ultrapassada e suas comunidades Esse regime especial tutelar civil individual e coletivo não foi recepcionado pela CF88 e colide ainda com a Convenção n 169 de natureza supralegal como visto na Parte II Capítulo II item 27 De início convém observar que a CF88 determinou que os índios suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses devendo o Ministério Público intervir em todos os atos do processo arts 232 e 129 V Conjugando esse dispositivo com a igualdade de direitos prevista no art 5º caput fica descartada a diminuição da capacidade civil do indígena consagrandose pelo contrário no pleno exercício dos direitos civis Já o artigo 83 da Convenção n 169 da OIT é claro ao dispor que não se deve impedir o exercício pelos indígenas de todos os direitos reconhecidos para os membros da sociedade envolvente Com isso a prática dos atos da vida civil pelo indígena independe da manifestação da FUNAI podendo exercer direitos e contrair obrigações Nesse sentido o Projeto de Lei n 205791 Estatuto dos Povos Indígenas que tramita no Congresso Nacional trata o indígena como indivíduo com plena capacidade civil devendo quando aprovado ser a legislação especial da qual se refere o Código Civil em seu art 4º parágrafo único Não cabe confundir ainda a tutela civil não recepcionada do indígena com a intervenção de natureza de direito público da FUNAI que visa proteger as comunidades indígenas sob o manto do princípio da proteção e respeito à diversidade cultural independentemente de como elas interagem com a sociedade envolvente 510 Há ainda contudo diversos precedentes judiciais que sustentam ter sido recepcionada a tutela civil como por exemplo Não se pode tratar os silvícolas como absolutamente capazes e exigir o discernimento próprio de um indivíduo civilizado inclusive o Código Civil de 2002 estabelece no parágrafo único do art 4º que a legislação especial regulará acerca da capacidade dos índios TRF da 3ª Região ApC 200060000025329 Rel Des Federal André Nabarrete j 872008 Há também por outro lado o entendimento na jurisprudência de que não foi recepcionado o regime tutelar do Estatuto do Índio uma vez que após a CF88 e a Convenção n 169 da OIT o regime de tutela dos povos indígenas transformouse em um regime de inclusão e promoção de direitos humanos com respeito à autonomia e ao autogoverno Nesse sentido Não mais compete ao Estado através da FUNAI responder pelos atos das populações autóctones e administrarlhes os bens tal como ocorria enquanto vigente o regime tutelar previsto no Código Civil de 1916 e no Estatuto do Índio Lei n 600173 A partir do reconhecimento da capacidade civil e postulatória dos silvícolas em 1988 remanesce ao Estado o dever de proteção das comunidades indígenas e de seus bens à semelhança do que ocorre com os idosos que a despeito de serem dotados de capacidade civil gozam de proteção especial do Poder Público ApC 200172010043080 Rel Des Edgard Antônio Lippmann Júnior TRF da 4ª Região DE de 24112008 Finalmente a tutela pode gerar responsabilização da FUNAI por atos ilícitos praticados pelos indígenas Há precedentes nos dois sentidos tanto para isentar a FUNAI quanto para determinar sua responsabilidade No sentido de responsabilizar a FUNAI citese A FUNAI é responsável na qualidade de tutora pelos danos materiais e morais praticados a terceiros por silvícolas não integrados à comunhão nacional Caso em que componentes de comunidade silvícola agrediram lesionando gravemente motorista que atropelou criança indígena em rodovia que atravessa aldeamento ApC 199804010262330 rel Brum Vaz TRF da 4ª Região DJ de 1712001 466 A DEMARCAÇÃO CONTÍNUA E AS SUAS CONDICIONANTES O CASO RAPOSA SERRA DO SOL 4661 A demarcação das terras indígenas O núcleo duro do direito dos povos indígenas consagrado na CF88 e na Convenção n 169 da OIT é sua relação especial com suas terras A CF88 reconheceu as comunidades indígenas como senhores primários e naturais da terra sendo seu direito anterior a qualquer outro Como já se mencionou as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas por eles habitadas em caráter permanente as utilizadas para suas atividades produtivas as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bemestar e as necessárias a sua reprodução física e cultural segundo seu usos costumes e tradições CF88 art 231 1º Convém observar novamente que as terras indígenas são bens da União reconhecendose aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo dos rios e dos lagos nelas existentes Por força da Constituição a despeito do caráter originário do direito sobre as terras o Poder Público está obrigado a realizar a demarcação das terras indígenas o art 231 atribui à União a competência para fazêlo Os direitos dos indígenas não decorrem da demarcação ou seja na inexistência da demarcação continuam os indígenas a ter direitos sobre essas terras O art 67 do Ato das Disposições Transitórias com o objetivo de fixar um prazo para as demarcações não iniciadas ou ainda pendentes à época da promulgação da Constituição de 1988 determinou que a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição O fato de isso não ter ainda ocorrido mostra a dificuldade na proteção dos direitos indígenas nos dias de hoje O Ministro Carlos Britto no julgamento da Petição 3388 assim resumiu as cinco fases da demarcação 1 identificação e delimitação antropológica da área 2 declaração da posse permanente por meio de portaria do Ministro de Estado da Justiça 3 demarcação propriamente dita assentamento físico dos limites com a utilização dos pertinentes marcos geodésicos e placas sinalizadoras 4 homologação mediante decreto do Presidente da República 5 registro a ser realizado no Cartório de Imóveis na comarca de situação das terras indígenas e na Secretaria do Patrimônio da União Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º7 2010 Quanto à competência para o procedimento o STF decidiu que somente à União compete instaurar sequenciar e concluir formalmente o processo demarcatório das terras indígenas tanto quanto efetiválos materialmente Mas instaurar sequenciar concluir e efetivar esse processo por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo Federal pois as competências deferidas ao Congresso Nacional com efeito concreto ou sem densidade normativa se esgotam nos seguintes afazeres a autorizar em terras indígenas a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais inciso XVI do art 49 b pronunciarse decisoriamente sobre o ato de remoção de grupos indígenas de suas terras 5º do art 231 Com o que se mostra plenamente válido o precitado art 19 da Lei federal n 600173 Estatuto do Índio também validamente regulamentado pelo Decreto de n 1775 Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º72010 4662 O Caso Raposa Serra do Sol e as condicionantes O Caso Raposa Serra do Sol consistiu originalmente em ação popular proposta por Senador da República impugnando o modelo de demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima Sustentouse a existência de vícios no processo administrativo de demarcação além do fato de que a demarcação contínua traria consequências desastrosas para o Estado de Roraima e comprometimento da segurança e soberania nacionais No mérito pediuse a declaração de nulidade da Portaria n 5342005 do Ministro da Justiça e do Decreto de homologação da demarcação A ação foi adjudicada ao STF por ter se vislumbrado conflito federativo entre a União e o Estado de Roraima art 102 I f da CF88 511 No STF o Ministro Menezes Direito ao proferir o seu votovista foi favorável à demarcação contínua das terras da região mas apresentou condições a serem obedecidas O STF julgou a ação parcialmente procedente nos termos do voto do Relator exemplo de sentença manipulativa de efeito aditivo declarando constitucional a demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol Inicialmente o STF consagrou o termo constitucionalismo fraternal ou solidário para traduzir o esforço da CF88 para efetivar a igualdade material das minorias assegurando no caso dos indígenas um espaço fundiário que lhes garanta meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática linguística e cultural concretizando o valor constitucional da inclusão comunitária pela via da identidade étnica Nesse sentido o STF julgou ser falso o antagonismo entre a matéria indígena e o desenvolvimento pois desenvolvimento que se fizer sem ou contra os indígenas viola o objetivo fundamental do inciso II do art 3º da CF que assegura o desenvolvimento ecologicamente equilibrado humanizado e culturalmente diversificado de modo a incorporar a realidade indígena A preservação do meio ambiente não pode ser prejudicada na visão do STF pelo reconhecimento das terras indígenas Por sua vez para o STF a CF88 não utilizou o termo território indígena de modo proposital tendo preferido terras indígenas para traduzir a dimensão um conceito sociocultural desprovido de ambição de soberania Assim o STF entendeu que nenhuma terra indígena se eleva ao patamar de território político assim como nenhuma etnia ou comunidade indígena se constitui em unidade federada Como as terras indígenas são bens da União o modelo de ocupação previsto pela CF88 exige a liderança institucional da União Por isso a atuação complementar de Estados e Municípios em terras já demarcadas como indígenas deve ser em linha com a atuação da União que tem papel de centralidade institucional coadjuvado pelos próprios índios suas comunidades e organizações além da protagonização de tutela e fiscalização do Ministério Público Federal Nesse sentido o STF decidiu que somente à União por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo compete instaurar sequenciar e concluir formalmente o processo demarcatório das terras indígenas tanto quanto efetiválo materialmente nada impedindo que o Presidente da República venha a consultar o Conselho de Defesa Nacional inciso III do 1º do art 91 da CF especialmente se as terras indígenas a demarcar coincidirem com faixa de fronteira Para o STF os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente reconhecidos e não simplesmente outorgados tendo a demarcação natureza de ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente Por isso são considerados direitos originários ou seja direito mais antigo do que qualquer outro de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não índios Os títulos privados sobre terras indígenas foram considerados nulos e extintos pela CF88 art 231 6º Quanto à demarcação o STF entendeu que o marco temporal de ocupação foi a data da promulgação da Constituição Federal 5 de outubro de 1988 para o reconhecimento aos índios dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam Porém o STF reconheceu que a tradicionalidade da posse nativa ficaria mantida mesmo ausente a posse em 5 de outubro de 1988 em casos em que a reocupação não tenha ocorrido por efeito de renitente esbulho por parte de não índios O modelo aceito de demarcação das terras indígenas foi o da continuidade sendo impossível para a manutenção da cultura indígena a demarcação em bolsões ou ilhas Contudo para o STF a exclusividade de usufruto das riquezas do solo dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a eventual presença de não índios bem assim com i a instalação de equipamentos públicos ii a abertura de estradas e outras vias de comunicação iii a montagem ou construção de bases físicas para a prestação de serviços públicos ou de relevância pública sob a liderança institucional da União fiscalização do Ministério Público e atuação coadjuvante de entidades tanto da Administração Federal quanto representativas dos próprios indígenas O STF foi expresso na proibição de as comunidades indígenas interditarem ou bloquearem estradas cobrarem pedágio pelo uso delas e inibirem o regular funcionamento das repartições públicas Também o STF reconheceu a compatibilidade entre o usufruto de terras indígenas e faixa de fronteira podendo ser criados postos de vigilância sem autorização das comunidades Quanto às salvaguardas ou condicionantes o STF reconheceu as seguintes I o usufruto das riquezas do solo dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas art 231 2º da Constituição Federal pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o art 231 6º da Constituição relevante interesse público da União na forma de lei complementar II o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional III o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional assegurando aos índios a participação nos resultados da lavra na forma da lei IV o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação devendo se for o caso ser obtida a permissão de lavra garimpeira V o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional a instalação de bases unidades e postos militares e demais intervenções militares a expansão estratégica da malha viária a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI o que contraria a Convenção n 169 da OIT VI a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena no âmbito de suas atribuições fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI VII o usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos redes de comunicação estradas e vias de transporte além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União especialmente os de saúde e educação VIII o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação ambiental fica sob a gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade IX o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a participação das comunidades indígenas que deverão ser ouvidas levandose em conta os usos tradições e costumes dos indígenas podendo para tanto contar com a consultoria da FUNAI X o trânsito de visitantes e pesquisadores não índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade XI devem ser admitidos o ingresso o trânsito e a permanência de não índios no restante da área da terra indígena observadas as condições estabelecidas pela FUNAI XII o ingresso o trânsito e a permanência de não índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas XIII a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas equipamentos públicos linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não XIV as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena ou pelos índios art 231 2º da Constituição Federal cc art 18 caput da Lei n 600173 XV é vedada nas terras indígenas a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática de caça pesca ou coleta de frutos assim como de atividade agropecuária ou extrativa art 231 2º da Constituição Federal cc art 18 1º da Lei n 600173 XVI as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas observado o disposto nos arts 49 XVI e 231 3º da CF88 bem como a renda indígena art 43 da Lei n 600173 gozam de plena imunidade tributária não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns ou outros XVII é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada XVIII os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis art 231 4º da CF88 e XIX é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas encravadas em seus territórios observada a fase em que se encontrar o procedimento Houve embargos de declaração ao acórdão destacandose os embargos propostos pela Procuradoria Geral da República que defendeu a prevalência dos direitos dos índios em detrimento de uma excessiva primazia dos interesses da União e tutela do meio ambiente Para o STF no Caso Raposa Serra do Sol foi feita uma ponderação diante do choque de direitos constitucionais e fins públicos relevantes levando a compressões e preferências Como já visto nem toda utilização das terras indígenas pela União para fins econômicos ou militares ou para a prestação de serviços públicos depende da prévia edição da lei complementar prevista no art 231 6º da CF88 A lei complementar referida no 6º do art 231 por sua vez é requisito para a exploração das riquezas naturais do solo dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas Não precisam de lei complementar i o patrulhamento de fronteiras ii a defesa nacional iii a conservação ambiental nas áreas iv a exploração de recursos hídricos Caso Belo Monte v o uso do potencial energético ou a pesquisa e lavra dos recursos minerais presente o interesse público da União A pesquisa e a lavra de riquezas minerais pelos indígenas exige tal qual como ocorre com os integrantes da sociedade envolvente indígenas a adequada permissão uma vez que os indígenas possuem apenas o usufruto do solo Leis n 780589 e 116852008 Quanto ao direito de prévia consulta o STF considerou que esse não é absoluto devendo ceder diante de questões estratégicas relacionadas à defesa nacional Por sua vez o direito à consulta não implica poder de veto pois para o STF nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado Não é esse tipo de prerrogativa que a Constituição atribuiu aos índios Pet 3388ED rel Min Roberto Barroso j 2310 2013 Plenário DJe de 422014 Finalmente quanto à validade erga omnes dessas condicionantes para as demais causas de conflito sobre terras indígenas o STF reconheceu que tais condições foram consideradas pressupostos para o reconhecimento da validade da demarcação das terras indígenas da localidade Foram impostas por i decorrerem da CF88 e ii ainda pela necessidade de explicitarem as diretrizes básicas para o exercício do usufruto indígena de modo a solucionar de forma efetiva as graves controvérsias existentes na região Consequentemente para as outras causas envolvendo matéria indígena essas condicionantes não possuem força vinculante mas os fundamentos adotados pelo STF ostentam força moral e persuasiva por serem fruto de uma decisão da mais alta Corte do País do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões grifo que não consta do voto do Relator Pet 3388ED rel Min Roberto Barroso j 23102013 Plenário DJe de 42 2014 467 DIREITO PENAL E OS POVOS INDÍGENAS Em nome da igualdade o direito penal brasileiro aplicase a todos inclusive às comunidades indígenas Contudo na linha da igualdade material do trato diferenciado aos desiguais vide o direito à igualdade neste Curso o art 10 da Convenção n 169 exige que os Estados levem em consideração as características econômicas sociais e culturais dos indígenas antes da aplicação das normais penais Nessa linha no caso de crime praticado por índio o Estatuto do Índio prevê que a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o juiz atenderá também ao seu grau de integração Como esse conceito integração encontrase superado cabe ao juiz atenuar a pena na sua aplicação de acordo com o grau de conhecimento do índio sobre a cultura da sociedade envolvente Há divergência na jurisprudência quanto à obrigatoriedade do laudo antropológico para que se afira esse grau de conhecimento ou se outros elementos de convicção bastariam ao juiz criminal por exemplo dados objetivos como carteira de motorista título de eleitor etc para sua decisão sobre a imputabilidade Importante mencionar que no âmbito do Ministério Público Federal a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão seu órgão especializado na matéria indígena defende a obrigatoriedade do laudo antropológico para fins criminais ou para imposição de medida socioeducativa Porém em maior ou menor grau a atenuante é sempre obrigatória pela condição indígena tal qual ocorre com os demais tratamentos diferenciados da lei penal brasileira em face por exemplo da redução do prazo prescricional para as pessoas acima de 70 anos ou com menos de 21 anos art 115 do Código Penal De acordo com o Estatuto do Índio as penas de reclusão e de detenção serão cumpridas se possível em regime especial de semiliberdade no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado art 56 parágrafo único Assim o regime de cumprimento de pena comum regime fechado semiaberto aberto é adaptado às condições indígenas Pela dicção legal contudo o regime de semiliberdade no local de funcionamento da FUNAI seria afastado caso isso não fosse possível Contudo como bem observa Vitorelli caso não exista local adequado para o cumprimento de pena na FUNAI inexistência corriqueira digase dada a situação da FUNAI na atualidade deveria o indígena cumprir a pena na sua própria comunidade fazendose um paralelismo entre a inexistência de vaga no regime semiaberto e a possibilidade de cumprimento de pena no regime aberto ou mesmo prisão domiciliar Contudo a jurisprudência dominante inclinase pela manutenção da expressão se possível do art 56 parágrafo único do Estatuto do Índio bem como pelo afastamento do regime de semiliberdade caso o indígena seja considerado integrado entre outros STJ RHC 11862PA rel Min José Arnaldo da Fonseca DJ de 910 2000 512 No tocante ao pluralismo jurídico o próprio Estatuto prevê a possibilidade de aplicação pelas comunidades indígenas de acordo com as instituições próprias de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros desde que não revistam caráter cruel ou infamante proibida em qualquer caso a pena de morte O art 9º da Convenção n 169 exige que os Estados respeitem a repressão dos delitos pelos métodos dos povos indígenas desde que compatíveis com os direitos humanos previstos nas normas internacionais Por outro lado é possível também em face das diferenças culturais verificar a ocorrência de erro de proibição por parte do indígena acusado de crime referente à consciência da ilicitude do fato o que exigiria novamente o laudo antropológico Além da tipificação ordinária do Código Penal e das leis penais extravagantes há os seguintes crimes específicos contra os índios e a cultura indígena no Estatuto do Índio I escarnecer de cerimônia rito uso costume ou tradição culturais indígenas vilipendiálos ou perturbar de qualquer modo a sua prática detenção de um a três meses II utilizar o índio ou comunidade indígena como objeto de propaganda turística ou de exibição para fins lucrativos detenção de dois a seis meses III propiciar por qualquer meio a aquisição o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas nos grupos tribais ou entre índios não integrados detenção de seis meses a dois anos As penas são agravadas de um terço quando o crime for praticado por funcionário ou empregado do órgão de assistência ao índio No caso de crime contra a pessoa o patrimônio ou os costumes em que o ofendido seja índio não integrado ou comunidade indígena a pena será agravada de um terço Finalmente destaco a proteção penal do indígena em dois pontos já estudados i a punição penal do crime de discriminação ou preconceito por etnia prevista na Lei n 7716 de 5 de janeiro de 1989 também chamada de Lei Caó que define os crimes de discriminação ou preconceito e suas punições tendo revogado leis anteriores vide Parte IV item 243 sobre racismo ii a criminalização da conduta de praticar induzir ou incitar pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza a discriminação ou preconceito de etnia que foi incluído pela Lei n 808190 vide o capítulo sobre liberdade de expressão 468 ASPECTOS PROCESSUAIS Inicialmente o art 232 da Constituição prevê a legitimatio ad causam aos índios suas comunidades e organizações na defesa de direitos ou interesses coletivos indígenas 513 Desse dispositivo há as seguintes consequências i não elimina a necessidade de capacidade postulatória por intermédio de advogado ii não são direitos individuais de um índio mas sim direitos coletivos iii pode a comunidade indígena os índios e suas organizações ocuparem a condição de autor oponente ou assistente ingressar em juízo em defesa de seus direitos na linguagem da CF88 mas não cabe a condição de réu iv há a possibilidade de atuação concorrente como substituto processual do Ministério Público Federal da FUNAI e da União Federal O Ministério Público atuante na matéria indígena é o Ministério Público Federal uma vez que o art 109 XI da CF88 estabelece que compete aos juízes federais julgar e processar a disputa sobre direitos indígenas Caso não seja o autor o Ministério Público Federal atuará nessas causas como custos legis Quanto à competência do juízo federal para as causas indígenas após diversas oscilações na jurisprudência foi editada a Súmula 140 do STJ que prevê Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima A lógica adotada foi a restritiva sendo competência da Justiça Federal criminal somente os crimes que fossem realizados em contexto de disputa sobre direitos indígenas Um crime contra um índio ou cometido por um índio sem relação com essa disputa sobre direitos indígenas seria da competência do juízo estadual Já no STF a competência criminal da Justiça Federal na matéria indígena era total englobando inclusive crimes cometidos por indígena ou contra indígena em particular conforme precedentes dos anos 90 do século passado Nesse sentido decidiu o STF Caso em que se disputam direitos indígenas Todos os direitos a começar pelo direito à vida que possa ter uma comunidade indígena ou um índio em particular estão sob a rubrica do inciso XI do art 109 da Constituição Federal HC 718353MS rel Min Francisco Rezek DJU de 2211 1996 itálico do autor Contudo no século XXI a jurisprudência do STF modificouse profundamente e adotou o entendimento restritivo do art 109 XI com votos vencidos O leading case foi o julgamento do Recurso Extraordinário n 419528 da relatoria do Ministro Cezar Peluso no qual se concluiu com base nos incisos IV e XI do art 109 da CF88 que a competência criminal da Justiça Federal alcança apenas i crimes de genocídio ou ii quando esteja na causadisputa sobre direitos indígenas que são temas referentes à cultura indígena ou aos direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios Assim a morte de um líder indígena em conflito fundiário é da competência da Justiça Federal Mas crime isolado sem motivação vinculada à disputa sobre direitos indígenas será da competência da Justiça Estadual RE 419528 rel p o ac Min Cezar Peluso j 382006 Plenário DJ de 932007 No tocante à competência cível o STF mantém o mesmo raciocínio sendo competente a Justiça Federal apenas no trato de matéria envolvendo a comunidade indígena como por exemplo disputas fundiárias ou temas de direitos difusos envolvendo a cultura indígena Casos individuais nos quais o indígena é autor ou réu devem ser apreciados pela Justiça Estadual O Ministério Público Federal buscou em 2013 reverter essa jurisprudência em caso de maustratos a menor indígena mas novamente o STF fez valer a atual jurisprudência confirmando a competência da Justiça Estadual STF AI 794447AgR rel Min Marco Aurélio j 2492013 Primeira Turma DJe de 21112013 Quanto ao tratamento processual privilegiado o art 61 do Estatuto do Índio dispõe que são extensivos aos interesses do Patrimônio Indígena os privilégios da Fazenda Pública quanto à impenhorabilidade de bens rendas e serviços ações especiais prazos processuais juros e custas Nesse sentido decidiu o STJ a favor da Comunidade Indígena Gavião reconhecendo o prazo em dobro para recorrer AAREsp 200702249090 rel Min Francisco Falcão DJe de 1642008 Por outro lado o art 63 do mesmo Estatuto exige que nenhuma medida judicial seja concedida liminarmente em causas indígenas sem prévia audiência da União e da FUNAI Também nesse sentido o STJ decidiu pela nulidade de decisão que concedeu liminar de reintegração de posse de terras em processo de demarcação na qual não foram ouvidos a União e a Funai REsp 200600852854 rel Min Castro Meira DJ de 234 2007 469 QUESTÕES ESPECÍFICAS DA MATÉRIA INDÍGENA Direitos de personalidade No ambiente do Estado contemporâneo o exercício de parte importante dos direitos exige a identificação do indivíduo por meio de seu nome assinatura impressões digitais etc Há dois registros possíveis para o indígena i o registro civil e ii o registro administrativo perante a FUNAI arts 12 e 13 do Estatuto do Índio A FUNAI é responsável pela emissão da carteira de identidade indígena registro administrativo de nascimento e de óbito Obviamente a ausência desse registro administrativo não impede a autodeclaração do indivíduo como membro da comunidade indígena Direitos políticos A Constituição determina que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos e facultativos para os analfabetos os maiores de 70 anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos art 14 1º Não fez qualquer ressalva portanto com relação aos indígenas O Tribunal Superior Eleitoral no Processo Administrativo n 18391 usando a superada classificação do Estatuto do Índio decidiu que são aplicáveis aos indígenas integrados reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis nos termos da legislação especial Estatuto do Índio as exigências impostas para o alistamento eleitoral inclusive de comprovação de quitação do serviço militar ou de cumprimento de prestação alternativa TSE Resolução n 20806 de 155 2001 Em 2010 o TSE decidiu que não foi recepcionado o art 5º II do Código Eleitoral que determina que não podem se alistar eleitores aqueles que não saibam exprimirse na língua nacional e com isso afirmou a inexigibilidade de fluência da língua pátria para que o indígena ainda sob tutela e o brasileiro possam alistarse eleitores TSE Resolução n 23274 de 1º62010 j 2082010 Serviço militar A obrigatoriedade constitucional de prestação de serviço militar art 143 levou o Ministério da Defesa a regular administrativamente a incorporação de jovens oriundos das comunidades indígenas desde que i voluntários e ii aprovados no processo de seleção o que implica a não admissão forçada ou obrigatória Portaria MDSPEAIDPE n 9832003 e Portaria MDEME n 202003 Consequentemente a obrigação do índio não voluntário de apresentar o certificado de alistamento militar para realização de alistamento eleitoral deve ser amenizada Contudo como vimos o Tribunal Superior Eleitoral ainda exige dos indígenas a obrigatoriedade de comprovação de quitação do serviço militar ou de cumprimento de prestação alternativa como requisito para o alistamento eleitoral Comissão Parlamentar de Inquérito e condução coercitiva de índio para servir de testemunha Impossibilidade A convocação de um índio para prestar depoimento em local diverso de suas terras constrange a sua liberdade de locomoção na medida em que é vedada pela Constituição da República a remoção dos grupos indígenas de suas terras salvo exceções nela previstas CF88 art 231 5º A tutela constitucional do grupo indígena que visa a proteger além da posse e usufruto das terras originariamente dos índios a respectiva identidade cultural se estende ao indivíduo que o compõe quanto à remoção de suas terras que é sempre ato de opção de vontade própria não podendo se apresentar como imposição salvo hipóteses excepcionais HC 80240 rel Min Sepúlveda Pertence j 2062001 Segunda Turma DJ de 14102005 grifos meus 47 Direito à nacionalidade 471 NACIONALIDADE NA GRAMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS A nacionalidade consiste no vínculo jurídicopolítico entre determinada pessoa denominada nacional e um Estado pelo qual são estabelecidos direitos e deveres recíprocos Há dois prismas pelos quais é possível abordar a temática da nacionalidade i como elemento formador do Estado visão estatocêntrica ii como direito individual visão jusfundamentalista submetido à gramática dos direitos humanos Do ponto de vista estatocêntrico a nacionalidade é tema indissociável à formação do Estado O povo consiste no conjunto de nacionais e é elemento subjetivo do Estado Contudo a adoção de regras constitucionais para a determinação da nacionalidade foi lenta e somente se desenvolveu a partir das revoluções liberais que geraram a consequente afirmação da participação popular no poder Nesse contexto era necessário determinar quem era nacional ou seja quem era membro do povo e por consequência deveria participar direta ou indiretamente da condução dos destinos do Estado Assim a França foi o primeiro Estado no pósrevolução de 1789 a estabelecer regras constitucionais referentes à nacionalidade Constituição de 1791 arts 2º ao 6º O modelo francês de instituir as regras sobre nacionalidade no texto constitucional foi seguido pelo Brasil e a Constituição de 1988 estabelece as regras básicas sobre a nacionalidade em seu art 12 Do ponto de vista dos direitos humanos o direito à nacionalidade consiste na faculdade de determinado indivíduo exigir renunciar ou trocar a nacionalidade Nessa linha a nacionalidade não é mais uma matéria de soberania do Estado mas sim tema de direitos humanos não podendo o Estado arbitrariamente negar privar ou ainda exigir a manutenção da nacionalidade a determinado indivíduo A matéria nacionalidade possui normas nacionais e internacionais de regência que são complementares e devem buscar a máxima efetividade do direito à nacionalidade de determinado indivíduo Além das normas constitucionais específicas sobre nacionalidade na CF88 ver abaixo há normas internacionais de direitos humanos dispondo sobre a nacionalidade como a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 que prevê que todos têm direito a uma nacionalidade e ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade art XV A Convenção Americana de Direitos Humanos já ratificada e incorporada ao ordenamento brasileiro também dispõe que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade e a ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudála art 20 A Corte Interamericana de Direitos Humanos inclusive já emitiu parecer consultivo sobre o direito à nacionalidade Parecer n 484 e também analisou o conteúdo dos deveres dos nacionais cotejo com o crime de traição no caso Castillo Petruzzi Essa ótica de direitos humanos sobre a nacionalidade requer diversas condutas do Estado que não mais pode alegar que tal matéria em nome da soberania compõe seu domínio reservado Entre as condutas exigidas do Estado estão i não privar arbitrariamente alguém de sua nacionalidade ii permitir a renúncia ou mudança da nacionalidade iii envidar esforços para evitar a apatridia e ainda fornecer sua própria nacionalidade para evitar que determinada pessoa continue apátrida 472 NACIONALIDADE ORIGINÁRIA E A EMENDA CONSTITUCIONAL N 542007 No Brasil de acordo com o art 12 da CF há dois tipos de formas de aquisição de nacionalidade a originária ou primária brasileiro nato que se adquire no nascimento e a derivada ou secundária que advém de ato voluntário após o nascimento brasileiro naturalizado No caso da aquisição originária há dois critérios aceitos pela Constituição o critério do jus soli pelo lugar do nascimento e o jus sanguinis pela nacionalidade dos genitores ou um dos genitores De acordo com o jus soli é brasileiro nato aquele nascido no território nacional salvo se for filho de pais estrangeiros a serviço de seu país Contudo apesar da ressalva constitucional filho de pais estrangeiros a serviço de seu país devem ser levados em consideração o vetor constitucional de proteção da dignidade humana e ainda os tratados celebrados pelo Brasil No caso a Convenção da ONU para a Redução dos Casos de Apatridia 514 de 1961 estabelece em seu artigo 1º que todo Estado Contratante concederá sua nacionalidade a uma pessoa nascida em seu território e que de outro modo seria apátrida No mesmo sentido dispõe o artigo 202 da Convenção Americana de Direitos Humanos que toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido se não tiver direito a outra Para compatibilizar a restrição constitucional com o combate à apatridia é proibida a concessão da nacionalidade originária brasileira aos nascidos em território brasileiro de pais estrangeiros a serviço do seu país desde que não sejam apátridas Caso seja comprovada a apatridia concedese a nacionalidade originária brasileira Essa interpretação ainda é compatível com o art 5º 2º da CF88 O território nacional compreende todas as porções terrestres do Brasil o mar territorial e ainda o espaço aéreo sobrejacente A nacionalidade pelo jus soli também incide no chamado território nacional por equiparação como por exemplo os navios privados brasileiros em alto mar ou aeronaves privadas brasileiras em espaço aéreo internacional bem como em passagem inocente pelo mar territorial ou espaço aéreo estrangeiros além dos navios e aeronaves do Estado brasileiro onde quer que se encontrem Assim aquele que nasce em navio privado de bandeira brasileira em altomar é brasileiro nato Pelo critério do jus sanguinis é brasileiro nato aquele que mesmo nascido no estrangeiro tenha genitor brasileiro pai ou mãe que esteja a serviço da República Federativa do Brasil Tal serviço engloba inclusive aqueles prestados para sociedades de economia mista autarquias e empresas públicas de qualquer ente federado Além disso são brasileiros natos os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira desde que sejam i registrados em repartição brasileira competente ou ii venham a residir na República Federativa do Brasil e optem em qualquer tempo depois de atingida a maioridade pela nacionalidade brasileira art 12 I c da CF88 Essa segunda hipótese trata da nacionalidade potestativa que depende da ação de opção de nacionalidade do interessado Com o registro na repartição competente não é necessária a propositura de ação de opção de nacionalidade Caso não tenha sido registrado são necessárias a residência no país e a propositura de uma ação de opção de nacionalidade perante a Justiça Federal jurisdição voluntária para que seja declarada a nacionalidade originária Como tal opção pode ser feita a qualquer tempo e a sentença é declaratória com efeito ex tunc até que ocorra a pessoa será brasileira sob condição suspensiva Tal opção por envolver direito personalíssimo e deveres com o Estado brasileiro deve ser realizada pelo interessado não se admitindo sua propositura por meio de representante legal Caso interessante diz respeito a pedido de extradição feito por Estado estrangeiro em relação a indivíduo que ainda não fez a opção Para o STF até que a ação de opção de nacionalidade seja julgada e transcrita no registro de pessoa física a nacionalidade originária que obsta a extradição brasileira não é reconhecida Contudo a Corte já aceitou suspender o processo extradicional até o término da ação de opção de nacionalidade Antes que se complete o processo de opção não há pois como considerálo brasileiro nato Pendente a nacionalidade brasileira do extraditando da homologação judicial ex tunc da opção já manifestada suspendese o processo extradicional CPC art 265 IV a AC 70QO rel Min Sepúlveda Pertence j 2592003 Plenário DJ de 1232004 O texto atual do art 12 I c da CF88 foi introduzido pela Emenda Constitucional n 54 de 20 de setembro de 2007 que retomou a tradição de reconhecimento da nacionalidade originária na hipótese de nascidos no exterior de pai brasileiro ou mãe brasileira no caso de qualquer genitor brasileiro não estar a serviço do Brasil por mero registro em repartição competente Anteriormente a tradição constitucional referiase somente a registro consular que foi curiosamente suprimido para fins de reconhecimento da nacionalidade pela Emenda Constitucional de Revisão n 3 de 7 de junho de 1994 gerando reação da comunidade brasileira no exterior e casos de apatridia nascidos no exterior em países de jus sanguinis e que não podiam ir ao Brasil para propor a ação de opção de nacionalidade por algum motivo em geral por receio de ter problemas migratórios no retorno Agora é possível interpretar tal expressão constitucional registro competente de modo mais amplo para abarcar também o registro de pessoa física Como regra de transição a EC 542007 introduziu o art 95 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias pelo qual os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 data da promulgação da EC de Revisão n 3 e a data da promulgação da EC 542007 filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira podem ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro se vierem a residir na República Federativa do Brasil 473 NACIONALIDADE DERIVADA OU SECUNDÁRIA ADQUIRIDA A aquisição derivada da nacionalidade brasileira é sempre fruto de ato voluntário expresso do interessado inexistindo a naturalização tácita previsto no passado do direito brasileiro somente na forma do art 69 4º da Constituição de 1891 ou a forçada imposição da nacionalidade pelo Estado em geral para absorver novos territórios A naturalização expressa pode ser de duas espécies a de matriz legal regida pela lei no caso a Lei n 1344562017 que revogou a Lei n 6815 de 1981980 e também a Lei n 818 de 1891949 e a de matriz constitucional ou extraordinária que é aquela prevista diretamente pela Constituição art 12 II em dois casos primeiro os estrangeiros originários de países de língua portuguesa devem comprovar residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral segundo os estrangeiros residentes por mais de 15 anos devem comprovar ausência de condenação penal naturalização quinzenária A idoneidade moral prevista na CF88 deve ser interpretada restritivamente para evitar arbitrariedade na denegação da nacionalidade derivada Quanto à residência esse requisito não exige que o estrangeiro fique de modo contínuo no território nacional por exemplo não viaje ao exterior basta que tenha mantido a residência permanente mesmo que tenha se ausentado episodicamente No tocante à naturalização de matriz legal a Lei n 134452017 estabeleceu as seguintes categorias i ordinária ii especial ou iii provisória A Lei ainda menciona a categoria naturalização extraordinária reproduzindo uma das hipóteses constitucionais pessoa fixada no Brasil há mais de 15 anos ininterruptos e sem condenação penal A naturalização ordinária é a regra na aquisição da nacionalidade derivada contendo os requisitos mais amplos São necessárias as seguintes condições para o interessado I ter capacidade civil segundo a lei brasileira II ter residência em território nacional pelo prazo mínimo de 4 anos III comunicarse em língua portuguesa consideradas as condições do naturalizando e IV não possuir condenação penal ou estiver reabilitado nos termos da lei O prazo de residência de 4 anos será reduzido para no mínimo 1 ano se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições i ter filho brasileiro ii ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato no momento de concessão da naturalização iii haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil ou iv recomendarse por sua capacidade profissional científica ou artística Por sua vez a naturalização especial é aquela destinada a interessados envolvidos na atividade diplomática ou consular do Brasil podendo ser concedida ao estrangeiro que se encontre em uma das seguintes situações I seja cônjuge ou companheiro há mais de 5 anos de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior ou II seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de 10 anos ininterruptos São requisitos para a concessão da naturalização especial ter capacidade civil segundo a lei brasileira comunicar se em língua portuguesa consideradas as condições do naturalizando e não possuir condenação penal ou estiver reabilitado nos termos da lei Por fim a naturalização provisória é aquela que rege a situação da naturalização de menores de idade radicados precocemente no território brasileiro e poderá ser concedida ao migrante criança ou adolescente que tenha fixado residência em território nacional antes de completar 10 anos de idade e deverá ser requerida por intermédio de seu representante legal Consiste em alternativa que ameniza ser a naturalização um direito personalíssimo que não pode ser requerido por representante Porém a naturalização provisória só será convertida em definitiva se o naturalizando expressamente assim o requerer no prazo de 2 anos após atingir a maioridade O pedido de naturalização será apresentado e processado pelo Poder Executivo sendo cabível recurso em caso de denegação No curso do processo de naturalização o naturalizando poderá requerer a tradução ou a adaptação de seu nome à língua portuguesa sendo mantido cadastro com o nome traduzido ou adaptado associado ao nome anterior A naturalização produz efeitos após a publicação no Diário Oficial do ato de naturalização tendo sido eliminada pela nova Lei de Migração o ritual de entrega do certificado de naturalização por magistrado federal A discricionariedade do Estado na concessão da naturalização era prevista pelo art 121 da Lei n 681580 que dispunha que a satisfação das condições legais não assegura o direito à naturalização Contudo a nova Lei não tem a mesma previsão o que implica em reconhecer que preenchidos os requisitos legais o interessado tem o direito à naturalização Na naturalização de matriz constitucional ou extraordinária que possui condições fixadas na CF88 preenchidos os requisitos constitucionais há o direito à naturalização 515 É possível como decorrência do respeito à dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito o controle judicial da eventual negativa do Poder Executivo para evitar arbitrariedade e desejo mesquinho de perseguição Em caso de fraude no processo administrativo de naturalização não cabe a anulação administrativa e sim ação judicial para cancelar a naturalização Em precedente de 2013 por maioria o STF decidiu que o art 112 2º e 3º da então vigente Lei n 681580 Estatuto do Estrangeiro 516 o qual estipulava o poder da autoridade administrativa anular naturalização já concedida por fraude não foi recepcionado pela CF88 que previu somente a ação judicial para cancelamento da naturalização Com fundamento distinto a Ministra Cármen Lúcia entendeu que não era caso de não recepção pois a CF88 previu a ação de cancelamento de naturalização para hipótese diversa atividade nociva e não para a ocorrência de fraude Contudo a Ministra Cármen Lúcia considerou que o art 112 3º que estabeleceu a atribuição administrativa do Ministro de Estado da Justiça para cancelar a naturalização por fraude foi revogado pela Convenção da ONU para a Redução dos Casos de Apatridia de 1961 de hierarquia supralegal por ser um tratado de direitos humanos cujo art 8º 4º exige que a privação da nacionalidade seja feita por tribunal ou órgão independente o que impede o cancelamento meramente administrativo da naturalização STF RMS 27840 rel p o ac Min Marco Aurélio j 722013 Plenário DJe de 2782013 474 QUASE NACIONALIDADE O art 12 1º da CF88 prevê que os i portugueses com ii residência permanente e iii se houver reciprocidade terão os mesmos direitos atribuídos ao brasileiro Assim só não terá os direitos do brasileiro nato ver abaixo o tratamento diferenciado entre o brasileiro nato e o naturalizado O Tratado de Amizade Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa celebrado em Porto Seguro em 22 de abril de 2000 Decreto de Promulgação n 39272001 concretiza esse Estatuto da Igualdade que pelo seu alcance previsto na CF88 é uma quase nacionalidade Em linhas gerais ficou estabelecido que os brasileiros em Portugal e os portugueses no Brasil beneficiários do Estatuto da Igualdade gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados art 12 do Tratado Esse estatuto de igualdade será atribuído mediante decisão do Ministério da Justiça no Brasil e do Ministério da Administração Interna em Portugal aos brasileiros e portugueses que o requeiram desde que civilmente capazes e com residência habitual no país em que ele é requerido igualdade ordinária ou para fins civis Já quanto ao exercício de direitos políticos igualdade qualificada o gozo de direitos políticos por brasileiros em Portugal e por portugueses no Brasil só será reconhecido aos que tiverem três anos de residência habitual e depende de requerimento à autoridade competente Assim o Estatuto da Igualdade não é automático pois depende de requerimento do interessado direito personalíssimo residência habitual e adequado consentimento do Estado procedimento administrativo Para o STF a norma inscrita no art 12 1º da CR que contempla em seu texto hipótese excepcional de quase nacionalidade não opera de modo imediato seja quanto ao seu conteúdo eficacial seja no que se refere a todas as consequências jurídicas que dela derivam pois para incidir além de supor o pronunciamento aquiescente do Estado brasileiro fundado em sua própria soberania depende ainda de requerimento do súdito português interessado a quem se impõe para tal efeito a obrigação de preencher os requisitos estipulados pela Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre brasileiros e portugueses Extr 890 rel Min Celso de Mello j 582004 Primeira Turma DJ de 28102004 A igualdade qualificada exercício de direitos políticos não abrange as pessoas que no Estado da nacionalidade houverem sido privadas de direitos equivalentes Ademais o exercício de direitos políticos no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade Esse Estatuto da Igualdade qualificado fornece elegibilidade ao português para quase todos os cargos eletivos no Brasil com as exceções do de Presidente ou VicePresidente da República que são privativos dos brasileiros natos Eleito deputado federal ou senador contudo o português não poderá ser Presidente da Câmara ou do Senado Federal também porque são cargos privativos do brasileiro nato Também ficou estabelecido no Tratado que os brasileiros e portugueses beneficiários do Estatuto da Igualdade ficam submetidos à lei penal do Estado de residência nas mesmas condições em que os respectivos nacionais e não estão sujeitos à extradição salvo se requerida pelo Governo do Estado da nacionalidade Com isso os portugueses gozando da igualdade ordinária ou qualificada no Brasil só podem ser extraditados para Portugal A titularidade do Estatuto da Igualdade por brasileiros em Portugal e por portugueses no Brasil não implicará em perda das nacionalidades originárias O término do Estatuto da Igualdade dáse pela i perda pelo beneficiário da sua nacionalidade ou com a ii cessação da autorização de permanência no território do Estado de residência 475 DIFERENÇA DE TRATAMENTO ENTRE BRASILEIROS NATOS E NATURALIZADOS A nacionalidade originária possui tratamento jurídico diferenciado da nacionalidade secundária de acordo com a CF88 Essa opção constitucional é questionável pois faz tratamento diferenciado por origem com base em sentimento de desconfiança São as seguintes as hipóteses constitucionais de tratamento privilegiado ao brasileiro nato 1 Cargos privativos dos brasileiros natos art 12 3º da CF88 Há dois tipos de cargos privativos dos brasileiros natos i por motivo de linha sucessória na Chefia do Estado e ii por segurança nacional Por motivo de linha sucessória são privativos de brasileiro nato os seguintes cinco cargos Presidente da República VicePresidente da República Presidente da Câmara dos Deputados Presidente do Senado Federal e Ministro do STF a presidência do STF que entra na linha sucessória da Chefia do Estado no Brasil pode ser ocupada por qualquer Ministro Por motivo de segurança nacional são privativos de brasileiro nato os seguintes cargos membro da carreira diplomática oficial das Forças Armadas e Ministro do Estado da Defesa 2 Função art 89 VII da CF88 O Conselho da República é órgão de consulta do Presidente da República devendo se pronunciar sobre a intervenção federal estado de defesa e estado de sítio bem como as questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas art 90 da CF88 regulado pela Lei n 804190 Possui seis membros reservados a brasileiros natos 3 Extradição art 5º LI da CF88 O tema já foi estudado na análise da extradição 4 Direito de propriedade art 222 da CF88 A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País Em qualquer caso pelo menos 70 do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverão pertencer direta ou indiretamente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação redação dada pela EC 362002 Há então exigência de lapso temporal 10 anos de naturalização para que o brasileiro naturalizado possa ser equiparado ao nato na propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora rádio e sons e imagens televisão 5 Perda da nacionalidade por atividade nociva ao interesse nacional art 12 4º da CF88 Só o brasileiro naturalizado pode perder sua nacionalidade pela prática de atividade nociva ao interesse nacional vide abaixo a crítica a essa previsão constitucional 476 PERDA E RENÚNCIA AO DIREITO À NACIONALIDADE A perda da nacionalidade só é prevista em duas hipóteses constitucionais art 12 4º da CF88 cancelamento da naturalização por sentença judicial em virtude de atividade nociva ao interesse nacional perda por punição ou ainda fruto da aquisição de outra nacionalidade por naturalização voluntária perda por aquisição ou perda por mudança Na perda por punição a CF88 não estipula o que vem a ser atividade nociva ao interesse nacional A nova Lei de Migração desperdiçou a oportunidade de esclarecer esse conceito indeterminado tendo apenas mencionado que deve ser levado em consideração o risco de geração de situação de apatridia art 75 4º A ação de perda da nacionalidade por punição é privativa do Ministério Público Federal art 6º IX da LC n 7593 tendo a sentença efeito ex nunc Em 2013 o Tribunal Regional Federal da 3ª Região confirmou a perda da nacionalidade de brasileira naturalizada de origem chinesa cuja atividade nociva foi a prática de crimes previstos nos arts 297 do CP falsificação de documento público e 125 XII introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular do então vigente Estatuto do Estrangeiro Lei n 681580 517 Entendo que a perda da nacionalidade por punição deve ter interpretação restritiva uma vez que já há resposta estatal contra a prática de crimes imposição da pena criminal e há um tratamento diferenciado injustificado o brasileiro nato pode cometer o mesmo crime e manter intacta sua nacionalidade A única interpretação possível é que a atividade nociva ao interesse nacional deve ser uma i conduta de impacto suficiente para abalar o direito à nacionalidade como por exemplo os crimes de jus cogens genocídio crimes contra a humanidade crimes de guerra ou crime de agressão e desde que ii a perda não gere a condição de apátrida A prática desses crimes de jus cogens inclusive impede a declaração do estatuto de refugiado conforme dispõe a Convenção sobre o Estatuto do Refugiado de 1951 art 1º F Quanto ao requisito de proibição da criação de apatridia essa restrição é feita para preservar o núcleo essencial do direito à nacionalidade sendo compatível inclusive com a Convenção da ONU para a Redução dos Casos de Apatridia 1961 já ratificada e incorporada internamente que determina que os Estados não podem privar uma pessoa de sua nacionalidade se essa privação convertêla em apátrida art 8º 1º No caso da perda por aquisição de outra nacionalidade esta não ocorrerá se a aquisição de nacionalidade estrangeira for i fruto do reconhecimento de nacionalidade originária ou ainda no caso ii de imposição de naturalização pela norma estrangeira ao brasileiro residente em Estado estrangeiro como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis art 12 4º II b A interpretação dessa última exceção deve ser generosa tendo em vista o direito à nacionalidade previsto em nossa Constituição e nos diplomas internacionais de direitos humanos Logo a imposição de naturalização pela norma estrangeira obviamente não pode ser interpretada literalmente pois a naturalização é via de regra voluntária mas o importante é saber se o brasileiro foi levado a tanto para permanecer legalmente no Estado estrangeiro ou ainda para trabalhar em condições lícitas ou exercer legitimamente outros direitos Em 2016 no Caso Cláudia Hoerig o Supremo Tribunal Federal reconheceu a perda da nacionalidade originária brasileira pela aquisição da nacionalidade derivada norteamericana uma vez que tal naturalização não teria sido imposta como condição de permanência no território ou para o exercício de direitos civis No caso a pessoa já possuía o green card residência permanente com direito ao trabalho e após havia solicitado a naturalização nos Estados Unidos Ao sofrer processo administrativo no Ministério da Justiça de perda da nacionalidade originária brasileira alegou que havia se naturalizado para obter também os direitos políticos votar e ser votada e que nunca havia tido a intenção de perder a nacionalidade brasileira Na análise do mandado de segurança contra a edição da portaria de perda da nacionalidade originária o Min Barroso relator levou em consideração i a existência da autorização de residência permanente mostrando a desnecessidade da naturalização para os fins do permissivo constitucional ii o juramento feito pela impetrante de lealdade aos Estados Unidos o conteúdo consta do voto recuso qualquer lealdade e fidelidade a qualquer principado potestado estado ou soberania estrangeiros a quem ou ao qual eu tenha anteriormente sido um cidadão ou sujeito de direito e iii ausência de embasamento constitucional da alegação da interessada sobre seu próprio desejo íntimo de querer manter a nacionalidade brasileira mesmo jurando lealdade aos Estados Unidos como se fosse uma reserva mental Considerou então o Ministro relator que a perda da nacionalidade brasileira havia sido realizada com observância do disposto nos arts 5º LV da CF 23 da Lei n 81849 e nas normas que regulam o processo administrativo federal Lei n 978499 porquanto fundamentado em previsão constitucional expressa qual seja a aquisição de outra nacionalidade sem a subsunção a uma das exceções constitucionalmente previstas art 12 4º II alíneas a e b STF Mandado de Segurança n 33864DF rel Min Roberto Barroso j 1942016 Em um segundo caso de perda da nacionalidade originária brasileira por naturalização posterior não foi aceita como causa de imposição da naturalização para fruição de direito civil a aquisição da nacionalidade derivada dos Estados Unidos visando à obtenção de facilidade migratória para descendente filha Para o Min Lewandowski a hipótese constitucional do art 12 4º II b não abarca toda e qualquer facilidade decorrente da aquisição de uma nova nacionalidade pois sempre há vantagens na assunção da cidadania de um determinado país É necessário assim que haja uma relação direta com o exercício de direitos civis Com essa interpretação estrita o STF manteve a perda da nacionalidade brasileira explicitada ato declaratório em Portaria do Ministério da Justiça STF Mandado de Segurança n 36359 rel Min Ricardo Lewandowski decisão monocrática de 1832019 em trâmite A Lei n 134452017 previu que o brasileiro que em razão do previsto no art 12 4º II perdaaquisição da CF88 houver perdido a nacionalidade uma vez cessada a causa poderá i readquirila ou ii ter o ato que declarou a perda revogado na forma definida pelo órgão competente do Poder Executivo art 76 A cessação da causa consiste na perda por qualquer motivo da nacionalidade estrangeira que havia gerado a consequente perda da nacionalidade brasileira Tanto no pedido de reaquisição quanto na revogação do ato de perda o indivíduo readquire a nacionalidade da mesma espécie da que possuía antes da perda Por exemplo se era brasileiro nato readquire tal condição Essa interpretação leva em consideração ser a nacionalidade um direito essencial não devendo ser restringido pelo modo pelo qual o indivíduo readquire novamente a condição de nacional brasileiro Finalmente a renúncia à nacionalidade consiste no direito de autoexpatriação que é condicionado à existência de outra nacionalidade detida pelo renunciante novamente para que se evite a apatridia A renúncia à nacionalidade brasileira embora não prevista na CF88 deve ser acatada caso não gere a apatridia cumprindo inclusive o disposto no art XV2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade e no art 203 da Convenção Americana de Direitos Humanos 3 A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudála Assim a renúncia à nacionalidade brasileira é direito decorrente implícito amparado no art 5º 2º da CF88 A previsão de preservação da nacionalidade brasileira pela aquisição de outra é dispositivo constitucional art 12 4º II b que protege o interesse do indivíduo em manter a nossa nacionalidade não podendo ser interpretado em desfavor do indivíduo obrigandoo a manter a nacionalidade brasileira e tornando inócua sua renúncia A liberdade de mudar de nacionalidade deve ser respeitada em nome da autonomia inerente à dignidade humana só podendo ser afastada caso gere apatridia que é uma situação que acarreta riscos de vulneração de direitos Na prática atual brasileira há casos nos quais o Ministério da Justiça aceita a renúncia na hipótese do interessado provar a existência de outra nacionalidade mesmo que tenha adquirido de modo originário ou para exercício de direitos civis o que em teoria não levaria à perda da nacionalidade brasileira Nesses casos a renúncia à nacionalidade brasileira é feita em geral em virtude do interesse do indivíduo em obter cargo ou função em Estado estrangeiro que não admite a polipatria para seus ocupantes 518 Já há também precedente judicial a favor da renúncia considerandoa direito individual em caso no qual o indivíduo já detinha outra nacionalidade No caso o interessado propõe ação declaratória de renúncia à nacionalidade brasileira para gozar de forma plena os direitos e prerrogativas titularizadas por aquele que detém somente a nacionalidade norteamericana Assim se o próprio interessado quer abdicar de sua nacionalidade tendo já outra nada pode o Estado fazer contra seu anseio 519 A perda de nacionalidade brasileira será efetivada após publicação de decreto do Ministro da Justiça por delegação do Presidente da República no Diário Oficial da União DOU 48 Direitos políticos 481 CONCEITO O DIREITO À DEMOCRACIA Os direitos políticos consistem no conjunto de faculdades e prerrogativas que assegura a participação do indivíduo na formação da vontade do poder Na teoria dos status de Jellinek os direitos políticos representam o status ativo status activus abarcando os direitos i de votar e ii ser votado nos casos dos cargos e funções eletivas iii de fiscalizar a ação do poder iv de representar para provocar a ação do poder v de participar do procedimento de tomada de decisão por parte do poder iniciativa popular de leis ou ainda participação em audiências públicas etc e vi de aceder aos cargos em órgãos públicos direito de nomeação aos cargos públicos já abordado anteriormente A cidadania consiste na faculdade de exercício dos direitos políticos o cidadão é aquele que exerce direitos políticos sendo em geral o nacional de um Estado No caso brasileiro há quase nacionalidade que consiste no estatuto da igualdade dos portugueses com a situação jurídica de brasileiro naturalizado permitindo o exercício de direitos políticos para aquele português que obtém a igualdade de direitos No caso do direito de votar e ser votado o nacional português na situação de igualdade de direitos políticos pode concorrer aos cargos eletivos que não são privativos de brasileiros natos Por sua vez o regime político pode ser definido de modo amplo como sendo o conjunto das instituições que regulam a luta pelo poder e o seu exercício 520 De modo restrito o regime político consiste no conjunto de meios pelos quais são escolhidos os governantes Na história foram adotados diferentes regimes políticos que podem ser classificados como ensina Bobbio na contraposição entre de um lado os regimes políticos apoiados na soberania popular e de outro os que se apoiam na soberania do príncipe que transmitia o poder eventualmente por delegação 521 Sob o ângulo da promoção dos direitos humanos o regime político que adota uma gramática de direitos é o regime democrático que se pauta em linhas gerais na prevalência da vontade da maioria na escolha dos governantes e na tomada das decisões do Poder Público É possível distinguir dois conceitos de democracia a democracia formal ou procedimental e a democracia material ou substancial O conceito formal de democracia democracia formal consiste no conjunto de regras e procedimentos que assegura o exercício do poder como reflexo da vontade da maioria de determinada sociedade sem que se leve em consideração o conteúdo das decisões tomadas O conceito material de democracia democracia material ou substancial agrega além da democracia formal a adoção de decisões voltadas à preservação de direitos humanos e a obtenção da igualdade e justiça social De acordo com o voto do Min Barroso no caso do uso de banheiros por transexuais A democracia não é apenas a circunstância formal do governo da maioria Ela tem também uma dimensão substantiva que envolve a proteção dos direitos fundamentais de todos inclusive e sobretudo das minorias É por essa razão que se houver oito cristãos e dois budistas em uma sala os cristãos não podem deliberar jogar os budistas pela janela As maiorias não podem tudo STF voto do Min Roberto Barroso Recurso Extraordinário 845779SC em trâmite em outubro de 2019 grifo não constante do original No plano nacional os traços fundamentais da democracia contemporânea foram trazidos pelo constitucionalismo inicialmente na forma de democracia formal ou procedimental também chamada democracia liberal As primeiras declarações de direitos das revoluções liberais mencionaram direitos políticos voltados à participação do indivíduo na formação da vontade do poder em claro antagonismo ao Estado absolutista então vigente Nesse sentido o artigo VI da Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia de 12 de junho de 1776 dispunha que as eleições de representantes do povo em assembleia devem ser livres e que todos os homens que deem provas suficientes de interesse permanente pela comunidade e de vinculação com esta tenham o direito de sufrágio e não possam ser submetidos à tributação nem privados de sua propriedade por razões de utilidade pública sem o seu consentimento ou o de seus representantes assim eleitos nem estejam obrigados por lei alguma a que da mesma forma não hajam consentido para o bem público grifo meu A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 27 de agosto de 1789 previa em seu art 6º que a lei é expressão da vontade geral Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou através de mandatários para a sua formação Ela deve ser a mesma para todos seja para proteger seja para punir Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades lugares e empregos públicos segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos Assim as primeiras declarações de direitos e as Constituições liberais da época centraram suas atenções na democracia formal buscando ampliar o direito de votar e ser votado zelando para que o processo decisório do Estado Constitucional espelhasse a vontade da maioria Em resumo na frase de Abraham Lincoln a democracia é o o governo do povo pelo povo para o povo 522 A passagem para a democracia material ou substancial foi fruto da transformação do Estado Constitucional com a adoção com graus e intensidades diversos de Constituições do bem estar social nas quais o Estado deve promover a igualdade e a justiça social Não basta então o como são escolhidos os governantes mas também é relevante saber quais são as decisões adotadas No plano internacional há desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 uma relação simbiótica entre democracia e a proteção de direitos humanos Inicialmente foram consagrados internacionalmente os direitos políticos e a democracia formal o artigo XXI da DUDH dispõe 1 Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos 2 Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país 3 A vontade do povo será a base da autoridade do governo esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas por sufrágio universal por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto No mesmo sentido o artigo 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos estipula que Todo cidadão terá o direito e a possibilidade sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas a de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos b de votar e de ser eleito em eleições periódicas autênticas realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a manifestação da vontade dos eleitores c de ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país Em 1993 a Declaração e Programa de Ação da II Conferência Mundial da ONU de Direitos Humanos Conferência de Viena estabeleceu que democracia desenvolvimento e respeito aos direitos humanos são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente item 8 Na Declaração de Viena definiuse democracia como sendo aquele regime político baseado na vontade livremente expressa pelo povo de i determinar seus próprios sistemas políticos econômicos sociais e culturais e ii em sua plena participação em todos os aspectos de suas vidas Assim o binômio autodeterminação popular e plenitude da participação são facetas decisivas para a caracterização da democracia de acordo com a Declaração de Viena Com o fim da Guerra Fria o apoio a ditaduras pelos blocos antagonistas bloco capitalista e bloco comunista foi desaparecendo permitindo a consolidação do reconhecimento internacional da simbiose entre direitos humanos e democracia Em 2000 a hoje extinta Comissão de Direitos Humanos da ONU adotou a Resolução n 47 que estipulou os seguintes elementos essenciais para a existência da democracia em um Estado a saber i acesso e exercício do poder de acordo com o Estado de Direito rule of law ii realização de eleições periódicas e justas pelo sufrágio universal e secreto assegurandose a livre manifestação da vontade popular iii pluralismo partidário iv separação de poderes v independência do Poder Judiciário vi transparência e responsabilização do Poder Público e vii liberdade de informação e expressão jornalística Em 2001 a Carta Democrática Interamericana da Organização dos Estados Americanos OEA estabeleceu que são elementos essenciais da democracia representativa entre outros i o respeito aos direitos humanos ii o acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao Estado de Direito iii a celebração de eleições periódicas livres justas e baseadas no sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo iv o regime pluralista de partidos e organizações políticas e v a separação e independência dos poderes públicos art 3º da Carta Em 2012 o Conselho de Direitos Humanos da ONU que substituiu a extinta Comissão de Direitos Humanos adotou a Resolução n 1936 denominada Direitos Humanos Democracia e Estado de Direito pela qual se reafirmou que o respeito aos direitos humanos e a preservação da democracia são interdependentes e se reforçam mutuamente Nessa linha em 2015 a Resolução n 2814 do mesmo Conselho de Direitos Humanos estabeleceu um fórum sobre direitos humanos democracia e Estado de Direito que visa discutir medidas para o fortalecimento dos direitos humanos e as democracias no século XXI O regime democrático não pode ser assim definido sem a proteção de direitos humanos por sua vez os direitos humanos só encontram um ambiente de promoção em sociedades democráticas Consequentemente a democracia proposta no plano internacional é uma democracia substancial ou material uma vez que importa o teor das decisões tomadas que devem promover os direitos humanos a diversidade inclusão e igualdade de todos mesmo os que pertencem a grupos minoritários e vulneráveis Fica consolidado o direito à democracia que não se resume ao direito do indivíduo de participar de eleições periódicas mas também exige que o regime democrático seja materialmente conforme aos direitos humanos promovendo a sociedade inclusiva 523 482 DEMOCRACIA INDIRETA OU REPRESENTATIVA DEMOCRACIA DIRETA E DEMOCRACIA SEMIDIRETA OU PARTICIPATIVA O regime democrático que hoje é considerado o ambiente indispensável para a promoção de direitos humanos possui diversas modalidades que podem ser classificadas de acordo com a existência ou não de intermediação entre a vontade popular e a decisão a ser tomada A democracia representativa ou indireta é aquela pela qual o poder é exercido pelos representantes políticos que defendem o interesse comum Por sua vez a democracia direta consiste na modalidade pela qual o povo exerce o poder diretamente sem qualquer outorga de poderes a representantes E em um modelo misto há ainda a democracia semidireta ou participativa que é aquela que prevê a representação política e também determinados institutos de democracia direta como o plebiscito ou o referendo No caso da democracia representativa cabe ressaltar que o mandato político difere do instituto do mandato de direito privado pelos seguintes aspectos i alcance subjetivo ii autonomia e iii duração Quanto ao alcance subjetivo o mandato político é usualmente geral pois as decisões do representante político vinculam não somente os seus eleitores como ocorre no mandato privado as decisões do mandatário vinculam apenas o mandante mas todo o povo Por exemplo um deputado federal eleito por uma fração do eleitorado tomará decisões que vincularão todos os brasileiros Quanto à autonomia o mandato político é em geral livre não podendo os mandantes eleitores determinar orientações vinculantes Finalmente quanto à duração para que o representante político possa exercitar sua liberdade de convicção o mandato político é em geral irrevogável contrariando a regra geral da revogabilidade do mandato de direito privado Tais características usuais do mandato político geraram em vários Estados dúvidas sobre eventual distanciamento entre o representante político e o representado povo o que pode ser agravado em países como o Brasil com forte influência do poder econômico e político sobre as candidaturas Para combater a chamada crise da representação política 524 alguns Estados adotaram o mandato imperativo no qual constam as principais orientações que o representante eleito deve cumprir durante o mandato e ainda o recall que consiste na possibilidade de no curso do mandato eletivo os eleitores serem convocados para aprovar ou não a manutenção do representante no seu cargo A Constituição da Venezuela possui a previsão de recall para todos os cargos eletivos denominado de referendo revocatório art 72 que só pode ser utilizado uma única vez durante o mandato do representante político e deve ser convocado i por 20 do corpo de eleitores e ii somente após a metade do mandato para que os eleitores possam ter tempo de avaliar a gestão do eleito No Brasil a única fórmula utilizada para vincular representante e representado continua sendo a exigência das candidaturas serem feitas a partir da filiação a partidos políticos art 14 3º V da CF88 É proibida a chamada candidatura avulsa ou seja aquela que é feita sem que se exija filiação prévia a determinado partido Contudo o art 23 1 b e ainda seu numeral 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José não menciona a filiação partidária como um dos fundamentos pelos quais se pode restringir a participação de candidatos em eleições Já o art 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos determina que todo cidadão deve ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país O Comentário Geral n 25 do Comitê de Direitos Humanos ao interpretar esse artigo estipula que o direito de ser votado não pode ser limitado pela exigência de filiação partidária parágrafo 17 Esse teste de convencionalidade da exigência de filiação partidária foi submetido ao STF que superou a costumeira perda de objeto do recurso extraordinário de matéria eleitoral fruto da rapidez do processo eleitoral e deve ainda apreciar a questão da candidatura avulsa STF ARE 1054490RJ rel Min Roberto Barroso em trâmite em outubro de 2019 Ainda em relação à crise da representação política o STF diante do risco de que políticos com denúncias criminais recebidas pudessem assumir a presidência da república substitutos eventuais na linha sucessória deferiu liminar para determinar que os substitutos eventuais do Presidente da República art 80 da CF88 525 caso ostentem a posição de réus criminais fiquem impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República permanecendo contudo no exercício dos respectivos cargos no Congresso ADPF n 402 rel Min Marco Aurelio j 7122016 483 A DEMOCRACIA PARTIDÁRIA OS PARTIDOS POLÍTICOS O partido político consiste em um tipo de associação pela qual determinado grupo unido por ideais ou interesses comuns busca organizadamente receber o apoio popular necessário para a tomada do poder e implementação de seu programa de governo Para Caggiano trata se de instrumento essencial à socialização política na atualidade 526 Suas características básicas são i grupo social ii acervo de ideias e interesses iii organização iv tomada do poder O desenvolvimento do conceito de partido político é fruto da consolidação do Estado liberal nos séculos XIX e XX 527 No Brasil em que pese a regulação jurídica dos partidos políticos ter ocorrido na edição do Código Eleitoral de 1932 528 foi somente com a Constituição de 1946 que a temática foi constitucionalizada tendo sido introduzida a exigência do caráter nacional dos partidos políticos mostrando o novo centralismo da política brasileira em contraposição à estadualização partidária existente na Primeira República Apesar da importância do partido político no exercício do poder da democracia brasileira a Constituição de 1988 possui apenas um único artigo que trata da temática que é o art 17 contendo três incisos e quatro parágrafos O regime constitucional dos partidos políticos pode ser sintetizado nas seguintes características Liberdade de criação fusão incorporação e extinção dos partidos políticos O art 17 caput ao estabelecer a liberdade na criação fusão incorporação e extinção dos partidos impede a tutela estatal sobre o número de partidos que podem compor o cenário político nacional Fica impedido o antigo bipartidarismo forçado da ditadura militar que existiu de 19651979 com dois partidos um da situação Aliança Renovadora Nacional Arena e um da oposição o Movimento Democrático Brasileiro MDB Autonomia Ficou assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais A Emenda Constitucional n 52 possibilitou a ausência de coerência nas coligações que não precisam mais ser uniformes a denominada verticalidade das coligações no tocante às candidaturas em âmbito nacional estadual distrital ou municipal A fidelidade partidária deve constar dos estatutos partidários que regularão as normas de disciplina e fidelidade Limites materiais constitucionais Os partidos políticos devem respeito à soberania nacional ao regime democrático ao pluripartidarismo e aos direitos fundamentais da pessoa humana Não está clara na legislação infraconstitucional qual deve ser a sanção ao descumprimento de tais limites materiais Evidentemente as sanções ao descumprimento de tais limites devem obedecer o devido processo legal e ser proporcionais à gravidade da conduta Na Europa a Corte Europeia de Direitos Humanos considerou adequada a extinção de partidos políticos antidemocráticos fundada na teoria do abuso do direito a liberdade partidária não poderia gerar riscos à própria democracia 529 Em 1946 o Partido Comunista Brasileiro que contava à época com vários parlamentares foi extinto por decisão por maioria do Tribunal Superior Eleitoral por ofensa à exigência do partido político respeitar o regime democrático 530 o que não ocorreria por ser programaticamente comunista TSE Processo n 411412 julgamento de 751947 relator designado para o acórdão J A Nogueira Limites formais constitucionais Os partidos devem observar os seguintes limites formais 1 devem possuir caráter nacional 2 não podem receber recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes 3 devem prestar contas à Justiça Eleitoral 4 devem possuir atuação parlamentar de acordo com a lei Nesse caso há diversas sanções já estabelecidas em lei ou resoluções do Tribunal Superior Eleitoral tais como a negativa de registro no caso de não possuir caráter nacional desaprovação das contas com imposição de devolução ao Erário das quantias recebidas indevidamente recebimento de recursos ilegítimos e sanções previstas no Regimento das Casas Legislativas Registro no Tribunal Superior Eleitoral A supervisão da Justiça Eleitoral ficou assegurada na Constituição os partidos políticos após adquirirem personalidade jurídica na forma da lei civil registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral Possibilidade de dissolução O art 28 da Lei n 909695 Lei dos Partidos Políticos regra a possibilidade do Tribunal Superior Eleitoral após trânsito em julgado de decisão determinar o cancelamento do registro civil e do estatuto do partido contra o qual fique provado I ter recebido ou estar recebendo recursos financeiros de procedência estrangeira II estar subordinado a entidade ou governo estrangeiros III não ter prestado nos termos da lei as devidas contas dos órgãos nacionais ao TSE IV que mantém organização paramilitar Obviamente o art 28 reproduz as limitações da CF88 em um ambiente de ampla defesa e contraditório O processo de cancelamento é iniciado pelo Tribunal à vista de denúncia de qualquer eleitor de representante de partido ou de representação do ProcuradorGeral Eleitoral Financiamento público Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão na forma da lei Vedação da organização paramilitar O art 17 4º proíbe a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar A organização paramilitar é aquela que imita a organização das forças armadas com uso de uniforme treinamento disciplina e hierarquia similar A instituição da cláusula de barreira A cláusula de barreira exclusão ou cláusula de desempenho consiste em norma constitucional ou legal que impede ou restringe o funcionamento parlamentar ao partido que não alcançar percentual mínimo de votos Buscar evitar a fragmentação e pulverização dos partidos o que muitas vezes paralisa o Congresso e o enfraquece Apesar de existir em diversos Estados democráticos o art 13 da Lei n 909695 que estabelecia o percentual de barreira de 5 dos votos distribuídos no mínimo em 9 Estados com no mínimo 2 dos votos em cada um deles foi julgado inconstitucional por ofensa ao pluralismo político pois seria prejudicial aos pequenos partidos A regra previa que os partidos que não superassem esse percentual teriam perdas significativas no Congresso por exemplo atuação da liderança do partido em cada Casa bem como perderiam recursos do fundo partidário e ainda restrição na propaganda partidária em rede nacional de rádio e de televisão Para o STF surge conflitante com a CF lei que em face da gradação de votos obtidos por partido político afasta o funcionamento parlamentar e reduz substancialmente o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário ADI 1354 e ADI 1351 rel Min Marco Aurélio j 7122006 Plenário DJ de 3032007 A cláusula de barreira e a Emenda Constitucional n 97 de 2017 Em 2019 há 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral com expectativa de criação de mais partidos com pedidos de registro em andamento A EC 972017 impôs cláusula de barreira ou de desempenho pela qual os partidos políticos só terão acesso aos recursos do fundo partidário e ao uso gratuito do rádio e televisão o chamado direito de antena eleitoral caso obtenham i nas eleições para a Câmara dos Deputados no mínimo 3 três por cento dos votos válidos distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação 9 unidades com um mínimo de 2 dois por cento dos votos válidos em cada uma delas ou ii tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação Há regras de transição com o cumprimento pleno da regra somente na legislatura seguinte às eleições de 2030 Cabe ressaltar que diversos partidos hoje não cumpririam o desempenho exigido Fidelidade partidária e candidatura avulsa Apesar de não existir previsão expressa na Constituição o Supremo Tribunal Federal entendeu que a proibição de candidatura avulsa candidato não filiado a partido e ainda o sistema eleitoral proporcional adotado no Brasil implicam ser o mandato político um mandato do partido ADI 3999 e ADI 4086 rel Min Joaquim Barbosa j 12112008 Plenário DJe de 1742009 Assim o mandatário que sai do partido político sem justa causa deve perder o mandato sendo convocado o suplente do partido ou coligação caso tenha existido MS 30260 e MS 30272 rel Min Cármen Lúcia j 2742011 Plenário DJe de 3082011 A Resolução n 226102007 do TSE e a Lei n 909695 Lei dos Partidos Políticos dispõem sobre as hipóteses de justa causa a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário foi o partido quem traiu e b grave discriminação pessoal espécie de bullying partidário contra o político que reage desfiliandose A consequência de saída sem justa causa é a perda do mandato Em 2015 o STF determinou que a perda de mandato dos mandatários infiéis não é aplicável aos mandatos eletivos majoritários cargos eletivos de prefeito governador presidente e seus respectivos vices bem como cargo de senador uma vez que nesse tipo de eleição o voto do eleitor é direcionado à figura do candidato ADI 5081DF rel Min Roberto Barroso j 2752015 A EC 972017 criou mais uma hipótese de desfiliação sem perda do mandato caso o mandatário i tenha sido eleito por partido que não superou a cláusula de desempenho instituída pela mesma EC 972017 e ii filiese a outro partido que a tenha atingido Proibição do financiamento eleitoral por pessoas jurídicas Em 17 de setembro de 2015 o Supremo Tribunal Federal efetuou um giro copernicano no financiamento das campanhas eleitorais no Brasil quase três décadas após a edição da CF88 o STF considerou inconstitucional o financiamento doações feito por pessoa jurídica às campanhas eleitorais Os dados empíricos trazidos aos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI n 4650 promovida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil OAB impressionam nas eleições de 2010 por exemplo apenas 1 dos doadores equivalente a 191 empresas foi responsável por 61 do montante doado Nas eleições de 2012 as pessoas jurídicas doaram quase 95 do montante total Esses dados revelam que as campanhas eleitorais milionárias brasileiras são financiadas por um universo pequeno de empresas sendo que muitas doaram para candidato da situação e também da oposição mostrando inexistir perfil ideológico somente interesses de cooptação Por isso no voto do relator Ministro Fux consta a interessante pergunta É salutar à luz dos princípios democrático e republicano a manutenção de um modelo como esse que permite a captura do político pelos titulares do poder econômico De fato a CF88 não contém tratamento explícito quanto ao financiamento de campanhas eleitorais mas há outros dispositivos gerais decorrentes do Estado Democrático brasileiro que impedem as doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais De acordo com o voto do relator Ministro Fux autorizar que pessoas jurídicas participem da vida política seria em primeiro lugar contrário à essência do próprio regime democrático Ao final do julgamento por maioria declarouse inconstitucional doação às campanhas eleitorais feita por pessoas jurídicas por ofensa à igualdade à soberania popular pessoa jurídica não vota ao princípio democrático e republicano da CF88 entre outros Houve consequentemente veto presidencial às disposições da nova Lei n 13165 de 29 de setembro de 2015 Lei da Reforma Eleitoral que continuavam a prever doações eleitorais de pessoas jurídicas A minirreforma eleitoral de 2017 Leis ns 144872017 e 144882017 criaram o Fundo Especial de Financiamento de Campanha FEFC que é um i fundo público constituído por dotações orçamentárias da União e ii dividido entre os partidos políticos levandose em consideração as bancadas de cada partido na Câmara dos Deputados e no Senado Federal entre outros critérios Limite mínimo de 30 do fundo partidário para financiamento da campanha eleitoral de mulheres candidatas O STF decidiu em 2018 que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais deve ser feita na proporção das candidaturas de cada sexo respeitado o patamar mínimo de 30 de candidatas mulheres para os cargos proporcionais conforme previsto no art 10 3º da Lei 95041997 Lei das Eleições a chamada cota feminina estudada acima na análise das ações afirmativas preconizadas pela Convenção da ONU pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação contra as Mulheres531 Foi considerado inconstitucional por ofensa à igualdade o limite de 15 do fundo partidário para financiamento da campanha eleitoral de mulheres previsto no art 9º da Lei 131652015 O STF decidiu ainda que é inconstitucional a fixação de prazo para esta regra agora adaptada para 30 no mínimo do fundo partidário para as candidatas como determinava a citada lei e que a distribuição de recursos não discriminatória deve perdurar enquanto for justificada a necessidade de composição mínima das candidaturas femininas STF ADI 5617 rel Min Edson Fachin j 1532018 P DJe de 3102018 Em 1995 foi aprovada a Lei n 9096 que consagrou a natureza de pessoa jurídica de direito privado dos partidos políticos revogando a Lei n 568271 Lei Orgânica dos Partidos Políticos que estabelecia a natureza de pessoa jurídica de direito público sem autonomia com seus atos internos sujeitos à disciplina legal rígida A criação de partidos políticos foi facilitada de acordo com o previsto nos arts 7º 8º e 9º da Lei n 909695 1ª etapa Fundação A proposta de criação de novo partido deve contar com a ao menos 101 eleitores com domicílio eleitoral em no mínimo um terço dos Estados b programa e o estatuto do partido c eleição na forma do Estatuto apresentado dos dirigentes nacionais provisórios Será permitida a publicação no Diário Oficial da União 2ª etapa Registro Civil Deve ser feito o registro do partido no Cartório de Registro de Pessoa Jurídica do Distrito Federal 3ª etapa Apoiamento A Comissão Provisória responsável pela formação do novo partido informa aos Tribunais Regionais Eleitorais os nomes dos responsáveis pela coleta de assinaturas do chamado apoiamento Com sua assinatura o eleitor não filiado apresenta sua concordância com a criação do novo partido mas isso não acarreta filiação ou sequer aceitação do programa O novo partido deve coletar assinaturas na soma de pelo menos 05 dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados não computados os votos em branco e os nulos distribuídos por um terço ou mais dos Estados com um mínimo de 01 do eleitorado que haja votado em cada um deles 1º do art 7º da Lei n 909695 alterado pela Lei n 131072015 Na atualidade isso significa quase 500 mil votos distribuídos como se viu anteriormente De acordo com a prática do autor que foi Procurador Regional Eleitoral do Estado de São Paulo 2012 2016 o apoiamento por parte de eleitores não filiados a novos partidos é a fase na qual a Justiça Eleitoral tem precária condição de aferir a autenticidade das assinaturas coletadas 532 4ª etapa Formação estadual Após a obtenção do apoiamento o partido constitui na forma de seu estatuto órgãos de direção municipais e regional designando os seus dirigentes e registrando no Tribunal Regional Eleitoral respectivo 5ª etapa Formação nacional e definitiva Caso obtenha a constituição em pelo menos um terço dos Estados o Presidente do partido solicitará o registro do estatuto partidário e do respectivo órgão de direção nacional perante o Tribunal Superior Eleitoral Com o registro partidário perante o TSE o partido agora pode participar do processo eleitoral obter recursos do fundo partidário ter acesso à propaganda partidária gratuita no rádio e na televisão bem como ter direito exclusivo à denominação número da urna eletrônica sigla e símbolos 484 OS PRINCIPAIS INSTITUTOS DA DEMOCRACIA DIRETA UTILIZADOS NO BRASIL De acordo com o art 14 da CF88 a soberania popular é exercida mediante plebiscito referendo e iniciativa popular Assim a regra no Brasil é a democracia representativa aceitandose excepcionalmente institutos da democracia direta como os plebiscitos arts 14 I 18 3º e 4º referendos art 14 II e iniciativa popular de leis arts 14 III 27 4º 28 XIII e 61 2º O plebiscito e o referendo consistem em consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância de natureza constitucional legislativa ou administrativa art 2º da Lei n 970998 bem como nas matérias do art 18 3º da CF88 incorporação subdivisão ou desmembramento dos Estados Nos Estadosmembros no Distrito Federal e nos Municípios o plebiscito e o referendo são regulados pela Constituição Estadual e pela Lei Orgânica O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo sob análise popular cabendo ao eleitor pelo voto aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido Já o referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo sob análise popular cumprindo ao eleitor a respectiva ratificação ou rejeição Em ambos os casos plebiscito e referendo a iniciativa de convocação é exclusiva do Congresso Nacional por intermédio de decreto legislativo art 49 XV da CF Porém nesse caso há ainda a dificuldade adicional do quórum qualificado de um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado para a iniciativa do projeto de decreto legislativo art 3º da Lei n 970998 Assim não há a possibilidade de convocação por meio de i ato do Presidente da República ou especialmente por meio de ii autoconvocação por coleta de número mínimo de manifestações de eleitores o que esvazia tais institutos já que estes dependem justamente da autorização de ente Congresso Nacional que terá seus poderes legislativos impactados pela manifestação popular Desde 1988 esses institutos foram utilizados no plano nacional somente em duas ocasiões no plebiscito de 1993 e no referendo de 2005 No plebiscito de 1993 os eleitores foram chamados a escolher entre monarquia ou república e entre parlamentarismo ou presidencialismo redundando na vitória da forma de governo republicano e no sistema de governo presidencialista Em 2005 os eleitores rejeitaram o art 35 do Estatuto do Desarmamento Lei n 108262003 que proibiria a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional Foi apresentada a seguinte pergunta o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil tendo vencido o não A iniciativa popular é também instituto de democracia direta e consiste no poder de apresentação direta de projetos de lei pelos eleitores A CF88 prevê que a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por no mínimo 1 do eleitorado nacional distribuído pelo menos por cinco Estados com não menos de 03 dos eleitores de cada um deles Atualmente são necessárias 1473023 assinaturas de acordo com os dados das eleições de 2018 há 147302357 eleitores no Brasil 533 Apesar dos mais de 30 anos da promulgação da CF88 não foi criada estrutura no Congresso Nacional para conferir as assinaturas em cada projeto Adotouse então fórmula alternativa que foi utilizada em todos os casos de iniciativa popular o projeto de lei de iniciativa popular é assinado também por deputados federais suprindose a ausência de conferência O caso da Lei da Ficha Limpa Lei Complementar n 1352010 é exemplar Foram obtidas mais de 1 milhão e 600 mil assinaturas mas não houve conferência O protocolo no projeto na Câmara foi feito por meio de apoio de deputados de vários partidos A iniciativa popular então é denominação utilizada pela doutrina em face da mobilização social mas tecnicamente o projeto foi de iniciativa de deputados Em 2017 esse paradoxo de ser um projeto difundido como sendo de iniciativa popular com enorme mobilização social mas ao mesmo tempo ser autuado na Câmara dos Deputados como sendo de iniciativa de deputados foi questionado no Supremo Tribunal Federal Tratou se do caso do projeto de iniciativa popular conhecido como 10 medidas contra a corrupção que contou com mais de dois milhões de assinaturas de eleitores mas que foi autuado como sendo de iniciativa de deputados Após houve a adição de emendas e substitutivo que se distanciaram da intenção original dispondo inclusive de crimes de abuso de autoridade de magistrados e membros do ministério público Há diferenças substanciais entre o projeto de lei iniciativa popular e um projeto de lei de iniciativa de deputados de acordo com o próprio Regimento da Câmara dos Deputados i não podem ser discutidos e votados nas Comissões ii a sessão plenária da Câmara deve ser transformada em Comissão Geral sob a direção do Presidente para a discussão do projeto de lei de iniciativa popular com a presença de orador para defendêlo iii as proposições de iniciativa popular não são arquivadas ao final da legislatura e iv não cabem emendas e substitutivos que desfigurem a proposta original Assim o Min Fux deferiu medida liminar em mandado de segurança para determinar o retorno do projeto à Câmara dos Deputados sua autuação como projeto de iniciativa popular bem como a observância do rito correlato previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputado STF Mandado de Segurança n 34530DF Decisão de 14122016 485 OS DIREITOS POLÍTICOS EM ESPÉCIE O DIREITO AO SUFRÁGIO 4851 Noções gerais O direito ao sufrágio consiste no direito de votar sufrágio ativo jus suffragii e ser votado em eleições sufrágio passivo jus honorum bem como votar em plebiscitos e referendos Esse direito é individual possuindo dimensão coletiva de concretização do regime democrático Por isso alguns Estados estabelecem ser também um dever impondo a obrigatoriedade do voto 534 No Brasil há o direitoobrigação do sufrágio ativo o art 14 1º dispõe que o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para a os analfabetos b os maiores de 70 anos e c os maiores de 16 e menores de 18 anos Por sua vez o Código Eleitoral determina que o eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 dias após a realização da eleição incorrerá em multa atualmente de R 351 por turno O eleitor faltoso que não votou justificou ou pagou a multa não poderá exercer determinados direitos até a regularização de sua situação tais como o direito de acesso a cargo público obtenção de passaporte renovação de matrícula em estabelecimento de ensino oficial obtenção de empréstimos em bancos oficiais participação em concorrência pública ou se for servidor público não receberá seus vencimentos Em 2004 o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que o voto passou a ser facultativo às pessoas cuja deficiência torne impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais 535 O voto é o instrumento para o exercício do direito de sufrágio ativo e é personalíssimo ou seja não se admite o voto por procuração Já o escrutínio é o modo pelo qual o voto é exercido podendo ser público ou secreto O art 14 caput da CF estabelece que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto escrutínio com valor igual para todos além de ter previsto o art 60 4º II o voto universal característica do sufrágio e periódico No mesmo sentido o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos exige o voto secreto e igualitário art 25 Em resumo no Brasil o voto é direto secreto escrutínio universal periódico livre personalíssimo igualitário Buscase assim zelar pela igualdade dos eleitores nenhum voto terá peso diferente pela liberdade e autenticidade de sua vontade o voto deve ser secreto e direto e ainda assegurar igualdade de oportunidades o voto deve ser periódico evitando a eternização do poder Excepcionalmente admitese no Brasil o afastamento do sigilo do voto nos casos em que o eleitor pessoa com deficiência necessitar de auxílio humano para manifestar sua vontade na urna eletrônica tal auxiliar que pode inclusive digitar os números na urna não pode estar a serviço da Justiça Eleitoral de partido coligação ou candidato TSE Res 2181904 Nas eleições de 2014 foi debatida a conduta do eleitor de tirar foto do seu momento de voto na urna eletrônica os chamados selfies o que poderia ferir o sigilo do voto Tal conduta é ilícito administrativo regulado no art 91 da Lei n 950497 Lei das Eleições mas não há sanção flagrante omissão da lei Do ponto de vista criminal o art 312 do Código Eleitoral prevê o crime de violar ou tentar violar o sigilo do voto mas esse tipo penal exige a intenção de atentar contra a liberdade do voto do eleitor e só seria invocável caso houvesse a intenção por meio da foto de colaborar com corrupção eleitoral ou outra fraude O mero uso recreativo da selfie então não constitui crime De acordo com a CF88 e os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil em especial o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos o direito ao sufrágio é universal ou seja todos os indivíduos possuem o direito ao sufrágio ressalvadas eventuais restrições legítimas O sufrágio restrito é aquele que é limitado a determinado grupo de indivíduos por razões ilegítimas não relacionadas à autodeterminação popular como por exemplo renda sufrágio censitário gênero proibição do voto feminino por exemplo ou até mesmo capacidade sufrágio capacitário Assim o direito ao sufrágio universal não significa ausência de restrição ao direito de votar e ser votado mas simplesmente que tais restrições são legítimas em uma sociedade democrática que deve buscar preservar outros direitos como liberdade igualdade boa governança entre outros Assim por exemplo é possível restringir o direito de votar pela idade uma vez que a liberdade de escolha pode não estar plenamente amadurecida Ou ainda restringir o direito de ser votado sufrágio passivo em caso de vedação à reeleição para zelar pela igualdade de oportunidades E como veremos no caso da Lei da Ficha Limpa restringir o direito a ser votado de determinado indivíduo ficha suja para preservação do direito à boa governança Por sua vez é possível classificar os institutos relativos aos direitos políticos de acordo com sua função de permitir a participação ou negar a participação política os direitos políticos positivos consistem no conjunto de preceitos que assegura o direito de votar ou ser votado como a alistabilidade e as condições de elegibilidade Os direitos políticos negativos constituemse no conjunto de impedimentos definitivos ou temporários ao direito de ser votado como as inelegibilidades como veremos a seguir 4852 Capacidade eleitoral ativa a alistabilidade O direito de votar exige para o seu exercício que o indivíduo realize o alistamento eleitoral Possuir então a alistabilidade capacidade de se alistar é exigência prévia para o exercício do direito ao sufrágio ativo O alistamento eleitoral consiste em um procedimento administrativo instaurado por requerimento do eleitor não existe alistamento ex officio pelo qual o solicitante busca a inscrição no corpo de eleitores do Brasil adquirindo após seu deferimento a condição de cidadão Assim o ato de se alistar é pressuposto para o exercício da cidadania Sua consequência imediata é possibilitar o direito ao sufrágio ativo mas é também uma das condições para o sufrágio passivo direito a ser votado A CF88 diferencia três espécies de alistamento a o alistamento obrigatório b o alistamento facultativo e c o alistamento vedado ou proibido O alistamento é obrigatório para os maiores de 18 anos e menores de 70 anos Assim todo nacional que se encontrar nessa faixa etária deve requerer seu alistamento eleitoral Por sua vez o alistamento é facultativo para os analfabetos os maiores de 70 anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos Finalmente o alistamento é proibido para os estrangeiros e durante o período do serviço militar obrigatório os conscritos Na proibição do alistamento a estrangeiros não se inclui obviamente o caso dos portugueses no gozo do estatuto da igualdade como já visto acima Os conscritos são aqueles que prestam o serviço militar obrigatório às Forças Armadas ou seja não atinge os policiais militares dos Estados sendo o alistamento militar realizado por todo brasileiro do sexo masculino no período de 1º de janeiro ao último dia útil do mês de junho do ano em que completar 18 anos Com a CF88 o jovem maior de 16 anos e menor de 18 anos pode já ter realizado o alistamento eleitoral que será mantido apenas seu direito de voto será suspenso O alistamento eleitoral deve ser feito no domicílio eleitoral do interessado que é lugar de residência ou moradia do requerente e verificado ter o alistando mais de uma considerarse á domicílio qualquer delas art 42 parágrafo único do Código Eleitoral O Tribunal Superior Eleitoral tem interpretação ampla do domicílio eleitoral bastando a demonstração de vínculos políticos sociais afetivos patrimoniais ou de negócios Ac do TSE de 842014 no REsp 8551 de 522013 no AgRAI 7286 e de 16112000 no ARESP 18124 Por fim cabe esclarecer como é feito o alistamento eleitoral nos seguintes casos especiais Incapaz A incapacidade absoluta impede o alistamento pois tal condição suspende os direitos políticos art 15 II da CF88 A incapacidade relativa art 4º do CC não afeta os direitos políticos podendo o interessado realizar o alistamento Pessoa com deficiência O Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 1314615 dispõe expressamente que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa art 6º O art 3º II do Código Civil que tratava da incapacidade civil absoluta da pessoa com deficiência foi revogado pela Lei n 1314615 o que permite o alistamento eleitoral da pessoa com deficiência Indígena Todo membro de comunidade indígena pode alistarse e participar do processo eleitoral Brasileiro no exterior De acordo com o art 225 do Código Eleitoral os brasileiros no exterior podem participar da eleição de presidente e vicepresidente da República De acordo com a CF88 o alistamento eleitoral é obrigatório O requerimento será apresentado na sede da embaixada ou consulado e remetido ao Cartório Eleitoral do Exterior situado em Brasília Obviamente caso o brasileiro já tenha se alistado no Brasil antes de se mudar para o exterior deverá transferir seu domicílio eleitoral para que possa votar na seção especial instalada na sede da embaixada ou consulado geral criadas se houver um mínimo de 30 eleitores inscritos 4853 A capacidade eleitoral passiva a elegibilidade O direito de ser votado sufrágio passivo jus honorum possui requisitos constitucionais e legais que podem ser resumidos em dois blocos i as condições de elegibilidade e ii as hipóteses de inelegibilidade A elegibilidade consiste na conformação ou adequação do indivíduo ao regime jurídico estabelecido para o processo eleitoral 536 Para o exercício da plena capacidade eleitoral passiva é necessário que determinada pessoa possua as condições de elegibilidade previstas no art 14 3º da CF88 e ainda não incida em nenhuma hipótese de inelegibilidade constitucional ou legal Inicialmente as condições de elegibilidade consistem em requisitos positivos que determinado eleitor deve possuir para que possa validamente ser candidato A CF88 estabelece em seu art 14 3º seis condições de elegibilidade relacionadas a seguir I a nacionalidade brasileira A exigência da nacionalidade brasileira ou da quase nacionalidade dos portugueses Estatuto da Igualdade será aferida no momento do alistamento eleitoral II o pleno exercício dos direitos políticos Os direitos políticos consistem no direito de participar da formação da vontade do poder e podem ser i suspensos ou ii perdidos como veremos abaixo III o alistamento eleitoral Para ser candidato é necessário que o indivíduo seja como pressuposto lógico eleitor Sem o alistamento o indivíduo não exerce direitos políticos o que já consta como condição de elegibilidade item II acima IV o domicílio eleitoral na circunscrição De acordo com a organização federal brasileira a circunscrição eleitoral consiste no agregado territorial no qual são realizadas eleições para o preenchimento dos cargos eletivos No caso dos cargos de presidente e vicepresidente da República a circunscrição é o país para os cargos eletivos de governador vicegovernador deputado estadual deputado federal senador a circunscrição é o Estadomembro e finalmente para os cargos de vereador prefeito e viceprefeito o respectivo Município art 86 do Código Eleitoral Para concorrer às eleições o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo i prazo de seis meses e ii estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo art 9º da Lei n 950497 alterado pela Lei n 134882017 V a filiação partidária A democracia brasileira é uma democracia partidária não permitindo candidaturas avulsas sem filiação prévia a um partido O candidato deve estar ainda filiado ao respectivo partido há pelo menos seis meses antes do pleito art 9º da Lei n 950497 alterado pela Lei n 134882017 Determinados agentes públicos por estarem proibidos de desenvolver atividade partidária não estão obrigados a cumprir tal prazo prévio de filiação tais como os magistrados membros do Ministério Público e membros dos Tribunais de Contas que devem se filiar até 6 meses antes do pleito prazo idêntico ao da desincompatibilização VI a idade mínima A idade mínima progressiva para ser eleito a determinados cargos eletivos é tida como requisito compatível com a complexidade das funções a serem desempenhadas No Brasil a idade mínima é a 35 anos para Presidente e Vice Presidente da República e Senador b 30 anos para Governador e ViceGovernador de Estado e do Distrito Federal c 21 anos para Deputado Federal Deputado Estadual ou Distrital Prefeito VicePrefeito e juiz de paz d 18 anos para Vereador A idade mínima será aferida na data da posse e não na data do registro da candidatura salvo quando fixada em 18 anos hipótese em que será aferida na datalimite para o pedido de registro segundo o art 11 2º da Lei n 950497 alterado pela Lei n 1316515 As condições de elegibilidade serão aferidas no momento do registro da candidatura bem como na situação que existirá na data das eleições casos do período para a filiação partidária e fixação do domicílio e na data da posse caso da idade mínima 4854 A capacidade eleitoral passiva as inelegibilidades constitucionais e infraconstitucionais As inelegibilidades consistem em vedações constitucionais ou legais ao direito de ser votado atingindo qualquer cargo inelegibilidade absoluta ou limitandose a impedir o acesso a um cargo eletivo em especial inelegibilidade relativa No plano constitucional são inelegibilidades absolutas as previstas no art 14 4º da CF88 que afetam i os inalistáveis e ii os analfabetos Quanto aos inalistáveis José Jairo Gomes aponta a falta de técnica da Constituição pois o alistamento é precondição para o exercício da cidadania 537 Na melhor das hipóteses a CF88 reiterou a importância do exercício dos direitos políticos para que determinado indivíduo possa ser eleito No que tange ao analfabetismo este deve ser interpretado restritivamente só atingindo aquele que efetivamente não possui nenhuma compreensão da leitura e escrita no idioma Quanto à inelegibilidade relativa que atinge somente o direito de se candidatar a determinado cargo eletivo a CF88 estabeleceu as seguintes hipóteses Por motivos funcionais Com a aprovação da Emenda da Reeleição EC 1697 foi permitida a reeleição para um único período subsequente do Presidente da República dos Governadores de Estado e do Distrito Federal dos Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos Para concorrerem a outros cargos contudo devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito O defeito maior da reeleição é não ter sido exigida a desincompatibilização do candidato que disputará no cargo sua própria sucessão aproveitando assim de exposição permanente na mídia entre outras vantagens Por motivos de casamento parentesco ou afinidade De acordo com o art 14 7º da CF88 são inelegíveis no território de jurisdição do titular o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins até o segundo grau ou por adoção do Presidente da República de Governador de Estado ou Território do Distrito Federal de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição O TSE já decidiu que essa inelegibilidade atinge inclusive a família homoafetiva REsp 24564PA julgamento de 1º102004 Militar O militar alistável é elegível atendidas as seguintes condições I se contar menos de dez anos de serviço deverá afastarse da atividade II se contar mais de dez anos de serviço será agregado pela autoridade superior e se eleito passará automaticamente no ato da diplomação para a inatividade As inelegibilidades infraconstitucionais ou legais foram genericamente reguladas no art 14 9º da CF88 ao prever a edição de lei complementar para tratar de outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação a fim de proteger i a probidade administrativa ii a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato e iii a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função cargo ou emprego na administração direta ou indireta Houve então o mandamento constitucional de restrição ao direito ao sufrágio passivo para proteger os seguintes valores 1 probidade administrativa 2 moralidade de acordo com a vida pregressa do candidato 3 igualdade entre os candidatos e liberdade do eleitor combate ao abuso de poder econômico e político o uso da máquina pública Em 1990 foi editada a Lei Complementar n 64 conhecida como Lei das Inelegibilidades que trouxe inelegibilidades absolutas para todo e qualquer cargo art 1º I a a q e relativas para determinados cargos art 1º II a VII As inelegibilidades relativas são em geral funcionais pois exigem a desincompatibilização do titular de cargo em um determinado prazo antes das eleições para preservar a igualdade 538 Já as inelegibilidades absolutas visam proteger os valores constitucionais citados no art 14 9º além de direitos que lhes são dependentes Apesar da LC n 64 ser de 1990 sua aplicação contudo foi diminuta pois várias de suas hipóteses dependiam do trânsito em julgado de condenações pretéritas do candidato que poderia assim manter distante a inelegibilidade bastando utilizar recursos sucessivos mesmo que meramente protelatórios Por isso a sociedade civil realizou esforço hercúleo e apresentou um projeto de lei de iniciativa popular com aproximadamente 1 milhão e seiscentas mil assinaturas que redundou na Lei Complementar n 135 de 2010 a chamada Lei da Ficha Limpa A Lei da Ficha Limpa introduziu as seguintes alterações na Lei Complementar n 6490 539 1 ampliou o prazo de inelegibilidade para 8 anos 2 dispensou a exigência de trânsito em julgado de decisões judiciais bastando decisão proferida por órgão colegiado nas hipóteses previstas 3 aumentou o rol de crimes comuns que acarreta inelegibilidade 4 incluiu como novas hipóteses de inelegibilidade i as infrações decorrentes do exercício de mandato renúncia para escapar de procedimento ii as condenações por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito iii as infrações de cunho éticoprofissional que acarretem exclusão do exercício da profissão iv e a demissão do serviço público em processo administrativo ou judicial v a fraude no desfazimento de vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade vi realização de doações eleitorais tidas por ilegais vii a aposentadoria determinada aos magistrados e aos membros do Ministério Público por decisão sancionatória ou ainda que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar viii os que forem condenados por corrupção eleitoral por captação ilícita de sufrágio por doação captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais 5 alterou a hipótese de inelegibilidade por rejeição de contas estipulando que são inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa e por decisão irrecorrível do órgão competente salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário 6 conferiu tratamento prioritário aos processos de desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade até que sejam julgados ressalvados os de habeas corpus e mandado de segurança art 26B 7 determinou que a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Estadual sejam auxiliados pelas polícias judiciárias órgãos da receita federal estadual e municipal tribunais e órgãos de contas Banco Central do Brasil e o Conselho de Controle de Atividade Financeira com prioridade sobre as suas atribuições regulares art 26B 2º 8 afastou a necessidade de comprovação da potencialidade dos ilícitos praticados por candidatos ou terceiros bastando o exame da gravidade das circunstâncias que o caracterizam art 22 XVI 9 previu a comunicação imediata ao Ministério Público Estadual e à Justiça Eleitoral nas hipóteses de declaração de inelegibilidade de candidato art 15 parágrafo único Para evitar demasiada compressão no direito de ser eleito há sempre a possibilidade de recurso para suspender a decisão que pode gerar a inelegibilidade Por exemplo eventual decisão irrecorrível de Tribunal de Contas de rejeição de contas que venha a acarretar inelegibilidade pode ser suspensa pelo Poder Judiciário Mesmo a decisão judicial condenatória por órgão colegiado pode ser suspensa cautelarmente pelo Tribunal Superior 540 Assim houve uma ponderação de direitos e no limite todas as situações geradoras de potenciais inelegibilidades podem ser questionadas no Poder Judiciário Os questionamentos à Lei da Ficha Limpa foram levados ao Supremo Tribunal Federal ADC 29 ADC 30 e ADI 4578 rel Min Luiz Fux j 1622012 P DJe de 2962012 que decidiu pela constitucionalidade integral da lei abordando os seguintes aspectos principais A Irretroatividade da lex gravior e a aplicação da Lei da Ficha Limpa a fatos pretéritos Argumento pela inconstitucionalidade a aplicação das novas inelegibilidades a fatos anteriores à edição da Lei da Ficha Limpa de 4 de junho de 2010 ofendem os incisos XXXIX XL e LVII do art 5º da CF88 que estabelecem respectivamente não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu e finalmente ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória Teria sido ferido ainda o princípio da confiança no Estado pois ao praticar o ato o candidato não poderia saber que muitas vezes anos depois este seria considerado uma inelegibilidade Argumento pela constitucionalidade o voto do relator Ministro Luiz Fux apontou para a diferença entre a retroatividade proibida e a retrospectividade permitida retroatividade inautêntica a retroatividade proibida consiste na qualidade de determinada norma possuir eficácia ex tunc gerando efeito sobre situações pretéritas atingindo direitos ou relações jurídicas já constituídas no passado já a retrospectividade permitida consiste na atribuição por norma de efeitos futuros a situações ou relações jurídicas já estabelecidas no presente Assim a LC n 135 só incidiu em pedidos de registro de candidatura posteriores à data de sua vigência no caso um ano após sua edição pelo princípio da anualidade eleitoral art 16 da CF88 o art 16 da Constituição exige que qualquer modificação nas regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso STF RE 633703 rel Min Gilmar Mendes j 233 2011 Plenário DJe de 18112011 com repercussão geral Assim para o STF não há direito adquirido a regime jurídico e não houve nenhuma violação à expectativas legítimas de manutenção do regime anterior das inelegibilidades uma vez que a própria CF no seu art 14 9º alertava a todos que o jus honorum direito de ser eleito deveria observar os valores da probidade moralidade e igualdade A LC n 135 somente alterou o regime jurídico das inelegibilidades Em 2018 foi vencedora a tese da aplicação da Lei da Ficha Limpa a condenações transitadas em julgado antes da entrada em vigor da citada lei o que leva à incidência do novo prazo de 8 anos de inelegibilidade tendo sido fixada a seguinte tese de repercussão geral a condenação por abuso do poder econômico ou político em ação de investigação judicial eleitoral transitada em julgado ex vi do artigo 22 inciso XIV da Lei Complementar 6490 em sua redação primitiva 2 é apta a atrair a incidência da inelegibilidade do artigo 1º inciso I alínea d na redação dada pela Lei Complementar 1352010 aplicandose a todos os processos de registros de candidatura em trâmite RE n 929670DF rel orig Min Ricardo Lewandowski red p o ac Min Luiz Fux j 1º32018 B Presunção de inocência Argumentos a favor da inconstitucionalidade a Lei da Ficha Limpa ao dispensar o trânsito em julgado das condenações que geram inelegibilidades violou a presunção de inocência prevista no art 5º LVII da CF88 ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória Eventual recurso que venha anos depois absolver o interessado demonstraria a intensa injustiça que essa restrição precoce do jus honorum pode gerar Argumentos a favor da constitucionalidade o comando do art 5º LVII presunção de inocência não proíbe todo e qualquer efeito de decisão condenatória fruto de órgão colegiado por isso permitese a prisão processual a decretação de indisponibilidade de bens etc Além disso o art 15 III da CF já permitia a suspensão de direitos políticos pelo trânsito em julgado de sentença penal condenatória o que esvaziaria de sentido exigir o mesmo trânsito em julgado na hipótese do art 14 9º Assim a inelegibilidade por ser uma condição objetiva cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos pode decorrer de decisões não definitivas sob pena de esvaziar o conteúdo do disposto no art 14 9º da CF88 C Proporcionalidade O Ministro relator Luiz Fux fez acurado teste de proporcionalidade da Lei da Ficha Limpa considerando os seguintes subprincípios i adequação as inelegibilidades são aptas à consecução dos fins consagrados nos princípios elencados no art 14 9º da Constituição haja vista o seu alto grau moralizador voto do Relator ii necessidade ou exigibilidade por esse subprincípio a restrição deve ser a menos gravosa possível Nesse sentido o legislador foi cuidadoso ao exigir requisitos qualificados para a constatação de inelegibilidades no caso de condenação judicial não definitiva exigiuse decisão de órgão colegiado no caso de decisões administrativas possibilitase a suspensão de inelegibilidade em caráter liminar pelo juízo de 1º grau meramente não cabe inelegibilidade por crime culposo ou de menor potencial ofensivo além disso em última análise há a possibilidade de suspensão cautelar da inelegibilidade por nova decisão judicial colegiada iii proporcionalidade em sentido estrito para o Ministro Luiz Fux a compressão ao direito de ser eleito foi proporcional sendo os benefícios socialmente desejados à democracia claramente superiores à limitação ao jus honorum ADC 29 ADC 30 e ADI 4578 rel Min Luiz Fux j 1622012 P DJe de 2962012 4855 Direito à boa governança e o controle de convencionalidade da Lei da Ficha Limpa o caso Lula As inelegibilidades infraconstitucionais ou de base legal têm fundamentos associados à defesa de direitos humanos o direito à boa governança nos casos de inelegibilidade pautada na defesa da probidade moralidade e vida pregressa e os direitos à igualdade e liberdade de convicção política no caso do combate ao abuso do poder econômico ou o abuso do poder político O direito à boa governança right to good governance ou right to good administration é fruto do intenso debate no seio da Organização das Nações Unidas em especial no Conselho de Direitos Humanos e no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre o vínculo entre a corrupção e as violações de direitos humanos Em discurso de março de 2013 a Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU Navi Pillay destacou que corrupção mata Let us be clear Corruption kills 541 No âmbito do Conselho de Direitos Humanos foram aprovadas a Resolução n 6805 e a Resolução n 711 sobre o papel da boa governança na proteção e promoção de direitos humanos bem como a Resolução n 239 sobre o impacto negativo da corrupção no gozo dos direitos humanos Essas sucessivas resoluções colocaram na agenda onusiana a abordagem de direitos humanos no combate à corrupção 542 No plano regional a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 em 2007 foi alterada e incluída como anexo ao Tratado de Lisboa estabeleceu em seu art 41 543 o direito à boa administração como um dos direitos essenciais a serem protegidos no seio da União O direito à boa governança consiste na exigência de um agir governamental baseado na transparência responsabilização do governante igualdade legalidade não discriminação e participação Como o regime jurídico dos direitos humanos contempla a indivisibilidade e a interdependência o direito à boa governança relacionase com o i direito à informação ii direito à igualdade evitando que a administração seja corrompida para beneficiar alguns v legalidade iv liberdade de expressão aceitandose as críticas e v direito ao sufrágio passivo evitando que aqueles envolvidos em práticas contrárias ao direito à boa governança possam retornar ao poder Essa relação do direito à boa governança com o direito político do sufrágio passivo direito de ser votado é o fundamento em uma abordagem de direitos humanos do regime jurídico gravoso de várias das inelegibilidades infraconstitucionais da Lei da Ficha Limpa A limitabilidade dos direitos humanos aplicase também aos direitos políticos fazendo nascer a preferência ao direito à boa governança e a compressão ao direito ao sufrágio passivo evitando que aquele envolvido em práticas contrárias ao bom agir público possa candidatarse por um período Essa limitação por um período determinado do direito a ser votado impede o estímulo a novas violações do direito à boa governança Por sua vez diversos órgãos da Organização das Nações Unidas como o Conselho de Direitos Humanos e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos incluíram o vetting depuração ou lustração como um instrumento adequado às políticas públicas de consolidação democrática evitando que aqueles cuja conduta pretérita não tenha sido condizente com a democracia possam continuar nos postos públicos 544 Assim a exigência de vida pregressa a preocupação com a probidade e moralidade bem como com o abuso do poder econômico e político correspondem a uma exigência de defesa da democracia O direito à boa governança é em síntese a explicitação do direito à democracia material ou substancial não basta apenas a existência de democracia formal mas é indispensável que as decisões sejam adequadas e não corrompidas Por sua vez pela teoria do duplo controle adotada neste livro 545 toda norma ou decisão local sobre direitos humanos deve ser analisada pelo controle de constitucionalidade e também pelo controle de convencionalidade No caso da Lei da Ficha Limpa o controle de constitucionalidade foi esgotado tendo sido decidida a constitucionalidade integral da lei conforme visto anteriormente Quanto ao controle de convencionalidade da Lei da Ficha Limpa houve discussões que se amparam especialmente na interpretação do alcance do art 232 da Convenção Americana de Direitos Humanos que prevê que a lei nacional pode regular os direitos políticos exclusivamente por motivo de idade nacionalidade residência idioma instrução capacidade civil ou mental ou condenação por juiz competente em processo penal 546 No caso López Mendoza vs Venezuela a Corte IDH em sentença de 1º de setembro de 2011 já comentado nesta obra decidiu que direito a ser eleito foi violado em virtude das sanções que impediam o exercício de funções públicas terem sido impostas por um órgão administrativo e não por uma condenação por um juiz competente em um processo penal conforme dispõe o artigo 232 da Convenção parágrafo 107 da sentença Já o voto concorrente concordando mas com fundamentação distinta do Juiz Diego García Sayán exPresidente da Corte IDH propõe a necessidade de i interpretação sistemática e ii evolutiva do art 232 da Convenção Apontou Sayán que os termos exclusivamente e processo penal foram incluídos sem maiores debates a pedido da Delegação brasileira nos trabalhos preparatórios da redação da Convenção em 1969 Por outro lado há diversos marcos nacionais e internacionais que não possuem a mesma rigidez o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos art 25 limitase a proibir restrições indevidas a Convenção Europeia de Direitos Humanos art 3º do Protocolo n 1 determina somente a necessidade de realização de eleições livres Também mencionou Sayán acertadamente que as Convenções das Nações Unidas e Interamericana contra a Corrupção exigem dos Estados o combate à corrupção tanto pelos mecanismos penais quanto pelos não penais Assim na sua visão a interpretação teleológica do art 232 impõe que o termo exclusivamente não acarreta a fixação de uma lista taxativa de causas de inelegibilidade assim como a expressão processo penal não pode excluir processos cíveis Agregou também que é crucial que o órgão que imponha a restrição aos direitos políticos seja uma autoridade judicial em sentido amplo isto é com as garantias da magistratura parágrafos 14 a 17 do seu voto A Lei da Ficha Limpa na maior parte de suas hipóteses atende ao voto do Juiz Sayán da Corte IDH no Caso Lopez Mendoza não há discriminação à oposição política e o acesso à justiça para suspender a inelegibilidade é sempre garantido Por sua vez no Caso Castañeda Gutman a Corte Interamericana de Direitos Humanos apontou que a Convenção Americana de Direitos Humanos não estabeleceu um único sistema eleitoral bem como um único formato de exercício dos direitos a votar e ser votado 547 Assim não é possível entender que por exemplo o direito a ser votado só possa ser afastado pelo trânsito em julgado da condenação criminal Em 2018 o Comitê de Direitos Humanos por meio de relatores especiais adotou medida provisória pedindo ao Brasil que permitisse a candidatura do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva mesmo preso até que seus recursos criminais transitassem em julgado Essa determinação do Comitê colide com a inelegibilidade embasada na Lei da Ficha Limpa fruto de condenação criminal determinada por órgão colegiado O Tribunal Superior Eleitoral considerou o candidato Lula inelegível em face da existência de condenação criminal determinada por órgão colegiado por crime listado no rol daqueles que geram inelegibilidade Por maioria vencido o Min Edson Fachin o TSE não acatou a medida provisória do Comitê de Direitos Humanos com base nos seguintes argumentos do Min Barroso relator 1 o Primeiro Protocolo Facultativo do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP embora ratificado pelo Brasil não o obriga internamente pela ausência da edição do decreto de promulgação 2 não houve o esgotamento dos recursos internos o que fere a subsidiariedade da jurisdição internacional 3 a Lei da Ficha Limpa contém restrições fundadas ao direito a ser votado o que não contraria o disposto no art 25 do PIDCP sendo então compatível com o citado tratado 4 o Comitê de Direitos Humanos é um órgão administrativo composto de peritos independentes Por não ser um órgão judicial internacional suas deliberações são mera recomendações 5 o Brasil é um Estado Democrático de Direito que assegura os direitos de todos 6 a deliberação do Comitê de Direitos Humanos gera o chamado perigo na demora reverso ou seja caso seja permitida a participação do peticionário nas eleições presidenciais a decisão final do Comitê seria emitida meses após eventual posse no cargo de presidente da república Caso o Comitê não acolhesse a pretensão do peticionário haveria dano irreparável às demais candidaturas Tribunal Superior Eleitoral Registro de Candidatura 11532 n 06009035020186000000 rel Min Roberto Barroso por maioria j 31 de agosto de 2018 Para o Min Fachin contudo o Primeiro Protocolo ao ser válido internacionalmente vincula o Brasil também no plano interno Assim a candidatura deveria ser provisoriamente aceita até a deliberação final do Comitê Em que pese a força vinculante da decisão do Comitê de Direitos Humanos entendo serem convencionais as restrições trazidas pela Lei da Ficha Limpa inclusive a que considera inelegível um candidato condenado criminalmente por determinados crimes a partir da condenação por órgão judicial colegiado Conforme já mencionado os precedentes da Corte IDH possibilitam restrições ao direito a ser votado devendo ser assegurado ao candidato que questione a sua inelegibilidade no Poder Judiciário O direito à boa governança e à democracia substancial exigem que o direito a ser eleito jus honorum seja restringido desde que observadas as estritas condições que a Lei da Ficha Limpa possui o que inclui o acesso ao Poder Judiciário para suspender a eventual inelegibilidade de qualquer origem criminal cível ou administrativa imposta Cumprese o disposto no art 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que prevê que todo cidadão terá o direito de ser votado sem restrições infundadas o que é o caso da Lei da Ficha Limpa em linhas gerais 486 PERDA E SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS A Constituição estabelece condicionamentos à perda e suspensão dos direitos políticos bem como estabelece proibição à cassação A cassação dos direitos políticos consiste na perda desses direitos por ato arbitrário do Poder Público sem que se assegure o acesso à justiça e o devido processo legal como ocorreu no Brasil durante a ditadura militar que já no Ato Institucional n 1 de 9 de abril de 1964 previu a cassação de mandatos legislativos Já a suspensão dos direitos políticos é a interrupção temporária do gozo dos direitos políticos por prazo determinado Finalmente a perda ou privação dos direitos políticos é o afastamento do gozo dos direitos políticos por prazo indeterminado A diferença então entre os institutos da suspensão e perda é o prazo pois mesmo na perda é possível a recuperação posterior dos direitos políticos Quanto à suspensão de direitos humanos a CF88 previu no art 15 três hipóteses Incapacidade civil absoluta São absolutamente incapazes aqueles que não podem exercer pessoalmente os atos da vida civil Em 2015 o art 114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 1314615 revogou os incisos II incapacidade absoluta por enfermidade ou deficiência e III incapacidade por falta de expressão da vontade restando somente a incapacidade absoluta do menor de 16 anos Além disso o Estatuto dispõe expressamente que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa art 6º Assim não há mais indivíduo maior de 16 anos absolutamente incapaz no Brasil É caso de suspensão de direitos políticos pois ao se completar 16 anos desaparece a causa suspensiva Contudo como alerta Gomes é impróprio chamar de suspensão pois esta pressupõe o gozo anterior dos direitos políticos o que não ocorre para os menores de 16 anos Tratase então de impedimento ou suspensão imprópria dos direitos políticos 548 Condenação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos A suspensão dos direitos políticos pela ocorrência de condenação criminal transitada em julgado foi introduzida já na Constituição de 1824 art 8º somente para os condenados à pena de prisão ou degredo enquanto durarem seus efeitos e de acordo com o teor do art 15 III da CF88 este dispositivo atual é tido como autoaplicável e decorre automaticamente da sentença penal não é necessário que seja prevista expressamente no corpo da sentença A suspensão dos direitos políticos somente termina com o cumprimento da sentença ou caso ela seja declarada extinta abarcando inclusive o cumprimento da sentença em liberdade livramento condicional por exemplo ou penas substitutivas da pena privativa de liberdade restritivas de direitos por exemplo STF RE 601182 rel para acórdão Min Alexandre de Moraes com repercussão geral j 85 2019 A reaquisição dos direitos políticos é imediata não dependendo de reabilitação ou prova da reparação dos danos Súmula 9 do Tribunal Superior Eleitoral Não abarca obviamente qualquer espécie de condenação ou prisão antes do trânsito em julgado sendo constitucional o voto do preso provisório Também não atinge a transação penal ou a suspensão condicional do processo Lei n 909995 pois nesses dois casos não há condenação criminal transitada em julgado Em 2019 o STF decidiu que a suspensão de direitos políticos prevista no art 15 III da CF88 aplicase também às hipóteses de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral A suspensão de direitos políticos prevista no artigo 15 inciso III da Constituição Federal aplicase no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos STF RE 601182 rel p o acórdão Min Alexandre de Moraes j 852019 DJ 2102019 Crítica à suspensão de direitos políticos como consequência da condenação criminal transitada em julgado A desproporcionalidade da medida é evidente porque é aplicada sem distinção para crimes dolosos culposos de menor potencial ofensivo e até mesmo para contravenções bem como todo tipo de sanção penal inclusive penas restritivas de direito José Jairo Gomes defende que esse preceito ainda atinge a sentença absolutória imprópria aquela que impõe medida de segurança que ostenta natureza condenatória 549 Esse tipo de preceito aumenta a exclusão e a invisibilidade eleitoral dos presos Por isso a Corte Europeia de Direitos Humanos já possui jurisprudência consolidada exigindo que tal restrição aos direitos políticos dos presos definitivos não seja genericamente prevista e seja adequada e proporcional à gravidade do delito Nessa linha a Corte EDH no Caso Hirst 2005 contra o Reino Unido entendeu que a vedação geral de voto ao preso violou a Convenção EDH Em 2010 no Caso Greens e MT vs Reino Unido diante das demandas repetitivas foi aplicado o procedimento de julgamento piloto 550 com a fixação do prazo para apresentação de projetos para reforma da lei eleitoral britânica Em 2015 no Caso McHugh e outros foi feita a reunião de 1015 demandas e a Corte novamente condenou o Reino Unido constatada a demora na adequação da legislação interna Improbidade administrativa nos termos do art 37 4º De acordo com o art 37 4º da CF88 os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos a perda da função pública a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário na forma e gradação previstas em lei sem prejuízo da ação penal cabível Conforme a dicção legal a condenação em ação de improbidade administrativa é caso de suspensão de direitos políticos Diferentemente do enunciado draconiano da condenação criminal que não precisa de expressa previsão na sentença a suspensão tem que estar prevista pela sentença judicial uma vez que a CF88 menciona a gradação prevista em lei O art 12 da Lei n 842992 prevê a suspensão dos direitos políticos por até dez anos Por sua vez o art 20 da mesma lei exige o trânsito em julgado da ação de improbidade para que a suspensão dos direitos políticos possa ser implementada com a comunicação ao Juízo Eleitoral Após o transcurso do prazo determinado na sentença de improbidade os direitos políticos do réu são restabelecidos Quanto à perda de direitos políticos a CF88 previu no art 15 duas hipóteses Cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado Prevê o art 12 4º I da CF88 que será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial em virtude de atividade nociva ao interesse nacional A ação é promovida pelo Ministério Público Federal LC n 7593 art 6º IX perante juízo federal comum CF88 art 109 X A CF88 exige que haja o trânsito em julgado da sentença declaratória de cancelamento da naturalização Para readquirir os direitos políticos é necessária a rescisão do julgado Quanto à interpretação do sentido de atividade nociva ao interesse nacional remeto o leitor ao tópico específico no item 47 sobre Direito à nacionalidade Recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa nos termos do art 5º VIII O art 5º VIII da CF88 já comentado prevê que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusar se a cumprir prestação alternativa fixada em lei Caso então determinado indivíduo i recuse cumprir obrigação a todos imposta por objeção de consciência e sucessivamente ii não realize a prestação alternativa existente Pode ter seus direitos políticos reestabelecidos caso cumpra a obrigação É hipótese de perda de direitos políticos porque não há prazo predeterminado para seu término como ocorre na suspensão 551 Caso o Estado brasileiro seja inerte e não implemente a prestação alternativa não cabe imposição da perda dos direitos políticos uma vez que o cidadão não pode ser prejudicado pela omissão estatal Há ainda hipótese de perda dos direitos políticos não prevista no rol do art 15 a perda da nacionalidade brasileira primária ou derivada pela aquisição de outra sem que se incidam as exceções de polipatria admitida outorga de nacionalidade originária estrangeira e naturalização para exercício de direitos civis conforme dispõe o art 12 4º II a e b da CF88 A perda ou suspensão dos direitos políticos implica em uma série de restrições ao indivíduo na sua participação cidadã a saber i cancelamento do alistamento e exclusão do corpo de eleitores ii cancelamento da filiação partidária Lei n 909695 art 22 II iii perda do mandato eletivo art 55 IV 3º da CF88 iv óbice para investidura em cargo ou função pública CF art 37 I combinado com diversos dispositivos da CF88 por exemplo composição do STF e as diversas leis administrativas como a Lei n 811290 esfera federal art 5º II e III v ausência de legitimidade para propor ação popular vi impedimento para votar e ser votado art 14 3º II vii não pode subscrever iniciativa popular de projeto de lei viii ser escolhido juiz de paz art 98 II da CF88 ix representar como cidadão irregularidade ao Tribunal de Contas da União art 74 2º x exercer cargo em entidade sindical art 530 V da CLT 552 Na hipótese especial da perda do mandato eletivo pela condenação criminal transitada em julgado caso de suspensão de direitos políticos não há ainda jurisprudência pacificada sobre a temática estando em trâmite a ADPF 511 pela qual a Mesa da Câmara dos Deputados sustenta que o art 55 VI e 2º da Constituição atribuiu à Casa Legislativa a decisão sobre a perda do mandato de parlamentar condenado criminalmente sem prever qualquer exceção a essa regra ADPF 511 rel Min Roberto Barroso em trâmite em outubro de 2019 A perda do mandato por condenação criminal não seria automática no tocante aos senadores e deputados federais dependeria de um juízo político do plenário da casa parlamentar respectiva art 55 2º Essa regra especial também seria aplicável aos deputados estaduais e distritais de acordo com a equiparação feita pelos arts 27 1º e 32 3º Até o momento setembro de 2019 há duas posições sobre a temática A primeira adota exceção à regra do art art 55 VI e 2º perda do mandato condicionada ao juízo político da Casa respectiva determinando a perda automática do mandato caso a condenação tenha imposto o i cumprimento de pena em regime fechado e ii não for viável durante o mandato o trabalho externo do parlamentar antes de consumada sua ausência a 13 das sessões ordinárias da Casa Legislativa de que faça parte art 55 III da CF88 553 Nesse sentido mencionese a decisão nos autos da Ação Penal n 694 proferida pela 1ª Turma do STF STF AP 694MT rel Min Rosa Weber j 252017 Info 863 A segunda posição defende a supremacia do juízo político da Casa respectiva que deve determinar ou não a perda do mandato Caberia ao STF somente comunicar a condenação à respectiva Caso do Congresso Nacional STF AP 565 rel Min Cármen Lúcia j 882013 Plenário DJe de 2352014 e ainda na 2ª Turma AP 572 rel Min Gilmar Mendes j 1111 2014 Os demais mandatos eletivos vereador e os ocupantes da cúpula do Poder Executivo prefeito viceprefeito governador vicegovernador presidente da República e vicepresidente da República seguem a regra geral de perda do mandato por decorrência automática da sentença penal condenatória transitada em julgado pois o pleno exercício dos direitos políticos é condição de elegibilidade art 14 3º da CF88 487 A SEGURANÇA DA URNA ELETRÔNICA E O DIREITO AO VOTO SEGURO No Brasil o escrutínio é secreto e feito de modo eletrônico desde as eleições municipais de 1996 O objetivo da informatização do escrutínio é afastar a mão humana da apuração 554 por intermédio da votação em urna eletrônica que propicia segurança e celeridade na apuração dos votos consagrando o direito ao voto seguro Quase vinte anos depois nas eleições de 2014 votaram 141 milhões de eleitores em 530 mil urnas eletrônicas espalhadas pelos locais de votação Em 2009 foi editada a Lei n 12034 que previa no art 5º o voto impresso no processo de votação eletrônico contendo número de identificação associado à identificação digital do eleitor O ProcuradorGeral da República questionou a constitucionalidade dessa regra tendo decidido o STF que tal voto impresso vulnera o segredo do voto garantia constitucional expressa A garantia da inviolabilidade do voto impõe a necessidade de se assegurar ser impessoal o voto para garantia da liberdade de manifestação evitandose coação sobre o eleitor A manutenção da urna em aberto põe em risco a segurança do sistema possibilitando fraudes o que não se harmoniza com as normas constitucionais de garantia do eleitor ADI 4543 rel Min Cármen Lúcia j 6112014 Plenário DJe de 13102014 Em 2018 o STF considerou inconstitucional em definitivo a reintrodução do voto impresso ADI 5889DF rel orig Min Gilmar Mendes rel p o ac Min Alexandre de Moraes j 662018 Para a Ministra Cármen Lúcia a inviolabilidade do voto do eleitor e o segredo do seu voto supõem a impossibilidade de se ter no exercício do voto ou no próprio voto qualquer forma de identificação pessoal Assim a liberdade de manifestação política do cidadão pelo voto impede qualquer forma de manipulação ou coação no ato de votar ADI 4543 rel Min Cármen Lúcia j 6112014 Plenário DJe de 13102014 Nesse mesmo voto da Ministra Cármen Lúcia consta o resumo dos mecanismos de segurança da urna eletrônica o que é indispensável para a liberdade de manifestação dos eleitores A Assinatura Digital Consiste em técnica criptográfica que busca garantir que o programa de computador da urna não foi modificado de forma intencional ou não perdeu suas características originais por falha na gravação ou leitura Ademais com a assinatura digital temse a garantia da autenticidade do programa gerado pelo Tribunal Superior Eleitoral voto da Min Cármen Lúcia ADI 4543 B Resumo Digital Tratase de técnica criptográfica pela qual todos os votos são armazenados digitalmente da forma como foram escolhidos pelo eleitor resguardando o sigilo do voto Com o Registro Digital de Voto RDV é possível recontar os votos de forma automatizada sem comprometer o segredo dos votos nem a credibilidade do processo eletrônico de votação A comparação do Boletim de Urna BU com o RDV possibilita a auditoria Nos termos da legislação eleitoral vigente os interessados podem auditar o sistema eletrônico de votação antes durante e depois das eleições voto da Min Cármen Lúcia ADI 4543 C Votação paralela É o último mecanismo de segurança No dia anterior às eleições há um sorteio realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral em cada Estadomembro para a escolha aleatória de urnas eletrônicas já distribuídas e armazenadas nos locais de votação As urnas escolhidas são retiradas inclusive por transporte aéreo se necessário e são instaladas em local com câmeras de filmagem no Estado de São Paulo já foram utilizadas por exemplo as dependências da Câmara Municipal da Capital No dia da eleição ocorre uma votação paralela com a digitação nas urnas sorteadas do conteúdo de cédulas já preenchidas por convidados por exemplo estudantes da rede pública As câmeras filmam a digitação Ao final verificase se os votos das cédulas impressas geram os mesmos resultados dos votos digitados na urna eletrônica Tudo é auditado e com a presença de juiz eleitoral membro do Ministério Público Eleitoral OAB e representantes de partidos Se o resultado dos votos impressos for o mesmo do da urna eletrônica aleatoriamente escolhida fica legitimada a sua segurança Por outro lado no seio das discussões sobre a segurança da urna eletrônica o Ministro Gilmar Mendes recordou que a votação eletrônica pura sem a contraprova do voto impresso é questionada por exemplo o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha entendeu que o princípio da publicidade da eleição art 38 da Lei Fundamental de Bonn impede a adoção do sistema puro pois este não possibilita uma verificação facilmente entendida pelo público como por exemplo a antiga recontagem dos votos impressos Contudo o Ministro Gilmar Mendes votou contra a reintrodução do voto impresso pela Lei n 120342009 uma vez que entendeu que o modelo brasileiro permite a auditoria e a verificação a posteriori como visto acima o resumo digital voto do Min Gilmar Mendes Plenário ADI 4543MC rel Min Cármen Lúcia j 19102011 49 Direitos sexuais e reprodutivos 491 A PROTEÇÃO DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS Os direitos sexuais consistem no conjunto de direitos relacionados com o exercício e a vivência sexual dos seres humanos o que abarca o direito à livre orientação sexual e implica no reconhecimento da igualdade e liberdade das mais diversas práticas sexuais existentes São os direitos sexuais oriundos i do direito à igualdade ii do respeito à integridade física e psíquica e iii à liberdade e autonomia da pessoa que geram em seu conjunto a necessidade de proteção da diversidade Os direitos sexuais abrangem O direito a serviços de saúde sexual que garantam privacidade confidencialidade e atendimento de qualidade sem discriminação O direito à informação e à educação sexual O direito à escolha tanto do parceiro quanto sobre ter ou não relação sexual independentemente da reprodução O direito de viver plenamente a sexualidade e identidade de gênero sem sofrer discriminação temor ou qualquer forma de violência O direito de viver a sexualidade sem sofrer discriminação temor ou qualquer forma de violência O direito de expressar livremente sua orientação sexual e identidade de gênero sem sofrer discriminação temor ou qualquer forma de violência O direito à prática de sexo com segurança para prevenção da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis DST Já os direitos reprodutivos consistem no conjunto de direitos relacionados ao exercício da capacidade reprodutiva do ser humano Os direitos reprodutivos abrangem O direito de escolha de forma livre e informada sobre ter ou não ter filhos sobre o intervalo entre eles sobre o número de filhos e em que momento de suas vidas O direito de acesso a receber informações e o acesso a meios métodos e técnicas para ter ou não ter filhos O direito de exercer a reprodução sem sofrer discriminação temor ou violência Há complementaridade entre ambas as categorias que reforçam a autodeterminação do ser humano no tocante à sexualidade e reprodução Apesar da interrelação entre direitos reprodutivos e sexuais é necessária a diferenciação os direitos sexuais são mais amplos e não estão sempre identificados com a reprodução humana nem todo ato sexual visa procriação e sim com a vida com prazer merecendo atenção apropriada A construção da proteção também é distinta a luta pelos direitos reprodutivos está associada ao movimento feminista de seus questionamentos sobre padrões sociais de maternidade e reprodução No caso dos direitos sexuais somamse ainda a contribuição do movimento LGBTI lésbicas gays bissexuais trans e intersex Os direitos sexuais e reprodutivos possuem i dimensão positiva que trata da esfera de autonomia dos seus titulares e ii dimensão negativa que se refere às vedações de violência e discriminação com base na sexualidade orientação sexual e identidade de gênero A proteção desses direitos pode ser feita de modo i direto por intermédio de normas que regulem a temática ou ii de modo indireto por intermédio da interpretação ampliativa de direitos genericamente reconhecidos como por exemplo o direito à igualdade no caso dos direitos sexuais ou mesmo o direito à saúde no caso dos direitos reprodutivos No plano internacional a proteção direta aos direitos sexuais e reprodutivos encontrase incipiente e seu avanço é alvo de resistência A partir do reconhecimento da universalidade dos direitos humanos e com a consolidação da internacionalização dos direitos humanos 555 houve contínuo processo de especificação de direitos para atender as demandas de grupos vulneráveis como as mulheres pessoas com deficiência crianças entre outros grupos que possuem tratados internacionais no âmbito global e regional com recorte voltado às suas necessidades No caso dos direitos sexuais e reprodutivos há resistência dos Estados tanto para a edição de normas vinculantes um tratado internacional sobre a diversidade sexual e direitos reprodutivos por exemplo quanto para normas de soft law A evolução da temática deuse inicialmente no âmbito da luta pelos a direitos das mulheres e no contexto das b discussões sobre a evolução populacional no globo O primeiro diploma normativo internacional específico sobre direitos reprodutivos foi a Proclamação de Teerã fruto da I Conferência Internacional de Direitos Humanos 1968 em cujo item 16 constou que a proteção da família e da criança continua a ser uma preocupação da comunidade internacional Os pais têm o direito humano básico de determinar de forma livre e responsável o número e o espaçamento dos seus filhos Após a Convenção da ONU pela eliminação de toda forma de discriminação contra a mulher 1979 determinou que os Estados Partes devem suprimir a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às relações familiares e em particular com base na igualdade entre homens e mulheres assegurar os mesmos direitos de i decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos ii sobre o intervalo entre os nascimentos e iii a ter acesso à informação à educação e aos meios que lhes permitam exercer esses direitos Notase a ausência da menção expressa à sexualidade ou a direitos reprodutivos Somente na II Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos da ONU 1993 é que os direitos sexuais das mulheres na sua dimensão negativa impedir a violação de tais direitos foram mencionados expressamente a Declaração e Programa de Ação de Viena exigem que os Estados eliminem a violência baseada no sexo da pessoa e todas as formas de assédio e exploração sexual parágrafos 18 e 38 556 Em 1994 a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento CIPD Conferência do Cairo tratou especificamente no seu Programa de Ação da dimensão positiva dos direitos sexuais e reprodutivos no capítulo IV sobre Igualdade dos sexos equidade e empoderamento da mulher no capítulo VII sobre Direitos de reprodução e saúde reprodutiva e no capítulo VIII sobre Saúde Morbidade e Mortalidade entre outros Houve nítida associação entre o direito à saúde previsto no art 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais e os direitos reprodutivos tendo sido definido que a saúde reprodutiva é um estado de completo bemestar físico mental e social e não a simples ausência de doença ou enfermidade em todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo e a suas funções e processos Para a Conferência do Cairo a saúde reprodutiva implica em que uma pessoa possa ter uma i vida sexual segura e satisfatória tenha a ii capacidade de reproduzir e a iii liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes o deve fazer Com isso reconheceuse o direito de homens e mulheres de serem iv informados e de ter acesso a métodos eficientes seguros permissíveis e aceitáveis de planejamento familiar de sua escolha assim como outros métodos de sua escolha de v controle da fecundidade que não sejam contrários à lei e o vi direito de acesso a serviços apropriados de saúde que deem à mulher condições de passar com segurança pela gestação e pelo parto e proporcionem aos casais a melhor chance de ter um filho sadio A interrupção voluntária da gravidez não foi considerada um direito universalmente reconhecido mas sim dependente das escolhas nacionais Constou que nas circunstâncias em que o aborto não contrarie a lei nacional ele deve ser seguro Em todos os casos as mulheres devem ter acesso a serviços de qualidade para o tratamento de complicações resultantes de aborto Cap VIII em especial item 825 Por sua vez a IV Conferência Mundial da Mulher das Nações Unidas Pequim 1995 reiterou o uso da gramática dos direitos humanos para formatar os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres Ficou consagrado que os direitos humanos das mulheres incluem os seus i direitos a ter controle sobre as questões relativas à sua sexualidade inclusive sua saúde sexual e reprodutiva e a ii decidir livremente a respeito dessas questões livres de coerção discriminação e violência A igualdade entre mulheres e homens no tocante às relações sexuais e à reprodução inclusive o pleno respeito à integridade da pessoa humana exige o respeito mútuo o consentimento e a responsabilidade comum pelo comportamento sexual e suas consequências item 96 da Declaração de Pequim Quanto às discussões envolvendo a saúde da mulher e os riscos do aborto ilegal o Comitê pela eliminação de toda forma de discriminação contra a mulher editou a Recomendação n 19 1999 pela qual orienta os Estados a modificar a legislação nacional que imponha sanções às mulheres que realizam abortos 557 Em 2016 o mesmo Comitê sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais editou o Comentário ou Observação Geral n 22 sobre o direito à saúde reprodutiva e sexual referente ao alcance do direito à saúde do art 12 do Pacto tendo decidido que as principais obrigações dos Estados Partes do Pacto no tocante à temática da saúde sexual e reprodutiva são as seguintes i rechaçar ou eliminar qualquer lei política ou prática que criminalize obstrua ou dificulte o acesso aos serviços facilidades bens e informações referentes à saúde sexual e reprodutiva ii adotar e implementar planos nacionais voltados à promoção da saúde sexual e reprodutiva iii assegurar acesso universal e equitativo aos serviços de saúde sexual e reprodutiva em especial às mulheres e a grupos marginalizados iv editar e implementar a proibição legal a práticas danosas e violência baseadas em critério de gênero o que inclui violência sexual e doméstica ao mesmo tempo em que assegura o consentimento livre informado e confidencial sem coerção medo ou discriminação em relação a necessidades reprodutivas e sexuais v prevenir abortos inseguros e prover cuidados pósaborto vi assegurar educação e informação sobre a saúde sexual e reprodutiva sem discriminação vii prover todo material instrumentos e remédios necessários para a saúde reprodutiva e sexual de acordo com a Organização Mundial da Saúde e viii assegurar mecanismos administrativos e judiciais de repressão às violações do direito à saúde sexual e reprodutiva 558 Esse conjunto de normas vinculantes de soft law e decisões internacionais rumam à consolidação da proteção internacional dos direitos sexuais e reprodutivos Esse segmento do Direito Internacional dos Direitos Humanos faz avançar uma temática marcada por discriminação e violência e sua consolidação concretiza o direito à igualdade e não discriminação sem distinção por motivo de sexo orientação sexual ou identidade de gênero No Brasil a Lei n 13363 de 25 de novembro de 2016 assegurou direitos e garantias para a advogada i gestante ii lactante iii adotante ou que der à luz bem como ao advogado que se tornar pai Entre os direitos previstos estão i a preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia à gestante lactante adotante ou que der à luz mediante comprovação de sua condição ii suspensão de prazos processuais quando a advogada adotante ou que der à luz for a única patrona da causa desde que haja notificação por escrito ao cliente 492 DIREITO À LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO O direito à livre orientação sexual consiste no direito ao respeito por parte do Estado e de terceiros da preferência sexual e afetiva de cada um não podendo dela ser gerada nenhuma consequência negativa ou restrição de direitos Nesse sentido os Princípios de Yogyakarta definem orientação sexual como sendo a capacidade de cada indivíduo experimentar atração afetiva emocional ou sexual por pessoas de gênero diferente mesmo gênero ou mais de um gênero As orientações sexuais mais comuns são homossexualidade que consiste na atração emocional afetiva ou sexual por pessoa do mesmo gênero heterossexualidade que consiste na atração emocional afetiva ou sexual por pessoa de gênero diferente bissexualidade atração emocional afetiva ou sexual por pessoas dos dois gêneros assexualidade ausência de atração sexual por pessoas de ambos os gêneros 559 O sexo do ser humano consiste na combinação de informações cromossômicas genitália bem como capacidades reprodutivas e características fisiológicas secundárias que levam à definição de macho e fêmea na espécie A intersexualidade ocorre na variação da anatomia reprodutiva e sexual que não se ajusta com as características típicas que distinguem machos de fêmeas Por sua vez a identidade de gênero consiste na experiência interna individual em relação ao gênero a qual pode corresponder ou não ao sexo atribuído quando do nascimento e que inclui expressões de gênero como o sentimento pessoal do corpo e o modo de vestirse e falar Em relação à identidade de gênero há inicialmente os transgêneros que agrupam aqueles que se identificam com gênero distinto do seu sexo atribuído no nascimento De acordo com o Min Barroso as pessoas transgêneras podem sentir por exemplo que pertencem ao gênero oposto a ambos ou a nenhum dos dois gêneros Os transexuais estão incluídos neste grupo constituindo pessoas que se identificam com o gênero oposto ao seu sexo 560 Já o termo cisgênero agrupa as pessoas cuja identidade de gênero corresponde ao sexo atribuído no nascimento independentemente da orientação sexual 561 Por sua vez a expressão transgêneras agrupa as pessoas que possuem uma identidade de gênero diferente daquela correspondente ao sexo biológico Há transgêneros heterossexuais bissexuais e homossexuais Já as travestis são pessoas que vivenciam papéis de gênero feminino não se reconhecendo como homens ou como mulheres mas como membros de um terceiro gênero ou de um não gênero 562 O acrônimo LGBTI retrata os grupos de pessoas que não estão em conformidade com as noções tidas como tradicionais de papéis de gênero masculino ou feminino correspondendo a sigla às lésbicas aos gays aos bissexuais aos trans e aos intersexuais Essa terminologia é cambiante e evolui ao longo do tempo existindo outras formulações como pessoas assexuadas queers travestis transexuais entre outros Já a expressão de gênero consiste na manifestação externa do gênero de uma pessoa por meio da sua aparência física podendo incluir o modo de vestir penteado uso de artigos cosméticos ou por meio de maneirismos modo de falar padrões de comportamento pessoal comportamento ou interação social nomes ou referências pessoais entre outros Como é fruto da livre opção individual a expressão de gênero de uma pessoa pode ou não corresponder à sua identidade de gênero autopercebida Nesse sentido a pessoa travesti em termos gerais é aquela que manifesta uma expressão de gênero de forma permanente ou transitória por meio do uso de roupas e atitudes do gênero oposto àquele social e culturalmente associado ao sexo atribuído no nascimento com modificação ou não do seu corpo 563 No tocante à proteção do direito à livre orientação sexual e identidade de gênero em que pese não ter sido expresso na Convenção Americana de Direitos Humanos a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos determina que a expressão outra condição social do art 11 da Convenção que trata do direito ao gozo de direitos sem discriminação abarca a orientação sexual e a identidade de gênero 564 Em 2015 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos editou o Relatório sobre a violência contra as pessoas lésbicas gays bissexuais trans e intersex nas Américas no qual entre outras formas de violência constatouse que 11 Estados americanos ainda criminalizavam relações sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo em privado oriundos do Caribe anglosaxão 565 Por sua vez apesar de também não expresso na Constituição de 1988 esse direito é extraído da previsão do art 5º 2º os direitos expressos não excluem outros decorrentes do regime dos princípios e dos tratados de direitos humanos bem como do princípio da dignidade humana art 1º III e da proibição de toda forma de discriminação objetivo fundamental da República art 3º IV promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação Além disso a orientação sexual advém da liberdade de cada um e faz parte das decisões abarcadas pela privacidade não podendo o Estado abrigar preconceitos e punir com base nessa opção íntima negando direitos que somente outra orientação sexual pode exercer Para o Ministro Celso de Mello há um direito constitucional implícito à busca da felicidade que decorre da dignidade da pessoa humana devendo ser eliminados os entraves odiosos à sua consecução Por isso no campo da orientação sexual a união homoafetiva é tida como equiparada à entidade familiar devendo ser adotadas a favor de parceiros homossexuais as mesmas regras incidentes sobre as uniões heterossexuais em especial no Direito Previdenciário e no campo das relações sociais e familiares RE 477554AgR rel Min Celso de Mello j 1682011 2ª T DJe de 2682011 Esse direito à homoafetividade não pode gerar prejuízos ao seu titular Nesse sentido o STF deu ao art 1723 do Código Civil 566 interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar entendida esta como sinônimo perfeito de família Para o relator Min Carlos Britto esse reconhecimento deve ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva ADI 4277 e ADPF 132 rel Min Ayres Britto j 552011 Plenário DJe de 14102011 O reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo compõe o conceito de entidade familiar Nesse sentido o STF decidiu que lei distrital tem de ser interpretada de modo a não restringir o conceito de entidade familiar exclusivamente à união entre homem e mulher STF ADI 5971 rel Min Alexandre de Moraes julgamento em sessão do Plenário Virtual encerrada em 1292019 Essa decisão reforça a posição do STF explicitada na ADI 4277 e na ADPF 132 pela qual foi excluída qualquer interpretação que venha a ser feita sobre o Código Civil que impeça o reconhecimento da união contínua pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família de acordo com as mesmas regras da união estável heteroafetiva A proteção da liberdade de orientação sexual e identidade de gênero é indispensável ao reconhecimento das especificidades de pessoas e grupos de pessoas que sem tal reconhecimento não conseguem usufruir dos demais direitos a todos os demais assegurados Retorna na luta pela igualdade de direitos sexuais o que Arendt denominou direito a ter direitos 567 A luta pelo reconhecimento da diversidade é indispensável para assegurar inclusão de todos na sociedade pois a invisibilidade de suas distinções acarreta discriminação e sentimento de inferiorização diante dos demais Nessa linha de defesa da igualdade na orientação e do direito ao reconhecimento das diferenças fator de inclusão social o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução n 175 de 14 de maio de 2013 pela qual estabeleceu que todos os cartórios devem habilitar ou celebrar o casamento civil entre pessoas de mesmo sexo bem como caso haja pedido dos interessados devem converter as uniões estáveis em casamento entre pessoas do mesmo sexo Por sua vez em 2015 o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas Gays Travestis e Transexuais CNCDLGBT órgão colegiado da Secretaria de Direitos Humanos editou a Resolução n12 pela qual foram estabelecidos parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais nos sistemas e instituições de ensino De acordo com a resolução deve ser garantido pelas instituições e redes de ensino em todos os níveis e modalidades o reconhecimento e adoção do nome social àqueles e àquelas cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identidade de gênero Caso haja distinções quanto ao uso de uniformes e demais elementos de indumentária deve ser facultado o uso de vestimentas conforme a identidade de gênero de cada sujeito e ainda deve ser garantido o uso de banheiros vestiários e demais espaços segregados por gênero quando houver de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito Na jurisprudência citemse as seguintes decisões que concretizam a igualdade e o reconhecimento da diversidade sexual e de gênero i adoção 568 e ii alteração de registro civil de pessoa que realizou a cirurgia de transgenitalização 569 Em 2018 no julgamento da ADI n 4275 o STF reiterou que o direito à igualdade sem discriminações abrange a liberdade de identidade ou expressão de gênero Para o STF a identidade de gênero é fruto do direito à personalidade da pessoa humana e como tal cabe ao Estado apenas o papel de reconhecêla nunca de constituíla A pessoa não deve provar o que é e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo ainda que meramente procedimental Com base nessas assertivas o Plenário por maioria deu interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art 58 da Lei n 60151973 reconhecendo aos transgêneros independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes i o direito à alteração de prenome e ii sexo diretamente no registro civil Vencidos em parte o ministro Marco Aurélio relator que considerou necessário procedimento de jurisdição voluntária em que não há litígio e em menor extensão os ministros Alexandre de Moraes Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes que votaram a favor da exigência de autorização judicial para a alteração ADI n 4275DF rel orig Min Marco Aurélio red p o acórdão Min Edson Fachin j 282 e 1º32018 Outro tema importante diz respeito ao tratamento social não igualitário no tocante à identidade de gênero O respeito à liberdade de identidade de gênero impede que uma pessoa seja tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente pois isso significaria i discriminação em relação aos cisgêneros que não sofrem esse tipo de tratamento e ii ofensa à integridade psíquica da pessoa O STF aprecia recurso extraordinário com repercussão geral no qual aprecia os direitos dos transexuais a serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero inclusive na utilização de banheiros de acesso público STF RE 845779SC rel Min Roberto Barroso em trâmite em outubro de 2019 com repercussão geral Em 2016 foi editado o Decreto federal n 87272016 que permite o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta autárquica e fundacional A pessoa travesti ou transexual poderá requerer a qualquer tempo a inclusão de seu nome social em documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação de cadastros de programas de serviços de fichas de formulários de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta autárquica e fundacional Outro ponto importante em relação à igualdade da homoafetividade é a doação de sangue em debate ainda em aberto no STF Para o Ministro Edson Fachin relator a regulamentação do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA que prevê a proibição de doação de sangue por homens que se relacionam sexualmente com outros homens tem como base a concepção equivocada de que a exposição a contágio de doenças é maior nessa hipótese Há discriminação e preconceito gerando estigmatização da pessoa homossexual e realizando discriminação odiosa por orientação sexual Afinal como explicita o voto do Min Fachin basta que se apliquem aos homens que fazem sexo com outros homens eou suas parceiras as mesmas exigências e condicionantes postas aos demais candidatos a doadores de sangue independentemente do gênero ou orientação sexual Para o citado Ministro incide no caso concreto a teoria do impacto desproporcional pela qual uma prática privada ou governamental ainda que não possua intenção discriminatória em sua concepção deve ser proibida se em consequência de sua implementação existirem efeitos nocivos de sua incidência especialmente desproporcional sobre certos grupos sociais No caso a normatividade impugnada ainda que de forma não intencional viola a igualdade ao impedir o ato empático de doar sangue ou condicionar tal ato à proibição de realização de sexo seguro com seu parceiro ou parceira STF ADI 5543 rel Min Edson Fachin voto do Min Fachin em trâmite 50 Direitos dos migrantes 501 ASPECTOS GERAIS O Direito Internacional da Mobilidade Humana consiste no conjunto de normas internacionais que regula os direitos dos indivíduos em i situação de deslocamento transfronteiriço ou ii em permanência temporária ou definitiva em Estado do qual não possuem nacionalidade Abarca as regras gerais que incidem sobre todos os migrantes 570 tanto os imigrantes nacionais de outros Estados ou apátridas que chegam a outro Estado quanto os emigrantes nacionais que deixam o território de um Estado para outro bem como regras especiais sobre apatridia e refúgio e outras formas de acolhimento de pessoas No plano nacional a mobilidade humana também é regulada por meio de normas locais que disciplinam a entrada permanência e saída dos estrangeiros Além da aplicação geral da proteção de direitos humanos aos indivíduos em situação de mobilidade há determinadas previsões específicas de tutela de direitos O marco dessa atenção internacional a pessoas em situação de mobilidade é a Declaração Universal dos Direitos Humanos que estipula que Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra incluindo o seu e o direito de regressar ao seu país art XIII numeral 2 bem como prevê que Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países art XIV numeral 1 Esse direito de saída e ainda o direito ao asilo em sentido amplo consagram a mobilidade internacional cada vez mais presente na era da globalização Não se trata da consagração do jus communicationis tese doutrinária defendida por Francisco de Vitória no séc XV 571 pela qual os indivíduos teriam direito à emigração e à imigração em uma verdadeira circulação mundial Na atualidade o Direito Internacional da Mobilidade Humana não assegura em geral o direito de ingresso em qualquer país do mundo somente o i direito de sair e ii o direito de buscar asilo A exceção a essa regra encontrase no Direito Internacional dos Refugiados que obriga em geral os Estados a acolher o solicitante de refúgio até i a definição de sua situação jurídica de refugiado zelando mesmo que não seja considerado um refugiado ii que não seja devolvido a um Estado no qual sua vida liberdade ou integridade pessoal esteja em risco por motivo odioso em virtude da sua raça da sua religião da sua nacionalidade do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas Quanto a diplomas jurídicos internacionais específicos a mobilidade internacional foi tratada pela Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias 1990 que enfrentou a discriminação e a ofensa a direitos básicos dos trabalhadores migrantes em Estados de acolhida em virtude da vulnerabilidade gerada pelo i tipo de migração em geral indocumentada e ii pelas diferenças socioculturais eventualmente existentes Essa convenção não foi ainda ratificada pelo Brasil e foi analisada acima neste Curso Quanto a diplomas internacionais gerais não específicos cabe assinalar que os direitos previstos nos tratados de direitos humanos já celebrados pelo país são passíveis de serem invocados pelos migrantes como a Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais todos já ratificados pelo Brasil Exemplos dessa interpretação de diplomas gerais para abarcar as situações de mobilidade internacional de pessoas são encontrados na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos 572 e na Corte Europeia de Direitos Humanos em julgamentos envolvendo respectivamente a Convenção Americana de Direitos Humanos e Convenção Europeia de Direitos Humanos 573 Nesse sentido a Corte Interamericana de Direitos Humanos possui vários precedentes na sua jurisdição contenciosa e consultiva que tratam de diversas facetas da mobilidade internacional como os direitos dos trabalhadores migrantes indocumentados 574 direito ao devido processo legal 575 direito à nacionalidade 576 direito à assistência consular 577 direito à igualdade e combate à discriminação contra migrantes 578 direitos dos solicitantes de refúgios 579 inclusive crianças 580 Nesse sentido a Corte IDH na Opinião Consultiva n 18 determinou que os Estados membros da Organização dos Estados Americanos têm o dever de respeitar e garantir os direitos dos trabalhadores migrantes indocumentados independentemente de sua nacionalidade em nome do direito à igualdade e não discriminação com os trabalhadores nacionais Para a Corte IDH o direito à igualdade pertence ao jus cogens o que não depende da ratificação de tratados específicos como a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias Assim a Corte exige que os Estados e os particulares assegurem os i direitos trabalhistas dos migrantes indocumentados sem qualquer espécie de discriminação nas relações de trabalho com os direitos previstos aos trabalhadores regulares observandose os direitos mínimos estabelecidos internacionalmente Nisso é necessário ii proibir o trabalho forçado ou obrigatório bem como iii vedar o trabalho infantil assegurandose o iv direito à associação sindical e o v direito à jornada razoável por exemplo A lógica da Corte é a seguinte o Estado não é obrigado a admitir os migrantes mas caso estes estejam no território sob sua jurisdição não é possível discriminálos não assegurando os mesmos direitos previstos aos demais trabalhadores Além disso a Corte IDH decidiu que os migrantes têm o direito de acesso à justiça para fazer valer seus direitos de forma efetiva e em condições de igualdade como qualquer jurisdicionado 581 Os estrangeiros indocumentados possuem o i direito à ampla defesa e ii ao devido processo legal mesmo em casos nos quais sejam discutidas a detenção e futura saída compulsória por meio da expulsão ou deportação 582 Assim esses tratados de direitos humanos não garantem o direito de ingresso porém determinam que o Estado deve promover o direito à igualdade aos migrantes independentemente de seu estatuto migratório bem como no dever de assegurar outros direitos como o acesso à justiça e o devido processual 502 HISTÓRICO BRASILEIRO DO TRATAMENTO JURÍDICO AO MIGRANTE No Brasil o antigo Direito dos Estrangeiros hoje denominado Direito da Mobilidade Humana oscilou por três vertentes que influenciaram a normatividade vigente em cada época a a visão tradicional do estrangeiro como elemento estranho à sociedade brasileira e criador de problemas diplomáticos b a visão tradicional do estrangeiro como imigrante apto a ser integrado por meio de normas de imigração e naturalização e c a visão contemporânea quando o regime jurídico do tratamento ao migrante deve ser visto com base na lógica da gramática dos direitos fundada na Constituição de 1988 e nos tratados de direitos humanos 5021 Fase do estrangeiro como inimigo No Brasil Colônia sujeito ao pacto colonial e seu monopólio de comércio o regramento jurídico dos estrangeiros ficou marcado pelos atos de D Manuel inspirados pela intolerância religiosa contra a liberdade de credo de judeus e mouros Todavia com as Ordenações Manuelinas 15211603 o Reino passou a ter um só direito marcado por um espírito pragmático que submetia todas a pessoas inclusive estrangeiros às leis portuguesas Tais leis então vigentes não eram dissonantes à época salientando mesmo que no Reino de Portugal nunca imperou o chamado direito de albinágio 583 nem o direito de represália 584 Havia então uma certa liberalidade mas nunca igualdade Com as Ordenações e Leis do Reino de Portugal de D Felipe 16031867 foi proibida a entrada nas terras do Reino de ciganos armênios árabes persas e mouriscos de Granada Caso o fizessem deveriam ser presos e açoitados com baraço e pregão 585 Tal cenário mudou sensivelmente com a vinda da família real ao Brasil em 1808 A Carta Régia de D João VI decretou a abertura dos portos às nações amigas e o início de um tratamento não discriminatório aos estrangeiros estimulandose a imigração Além disso o então príncipe regente por meio de decreto de 25 de novembro de 1808 possibilitou a concessão de terras aos estrangeiros residentes no Brasil da mesma forma em que segundo as regras da época eram concedidas as sesmarias aos portugueses Após a Independência a Constituição de 1824 foi extremamente zelosa quanto à diferença entre o brasileiro e o estrangeiro com clara mensagem de afirmação da identidade própria do novo Estado No artigo 6º da Carta imperial por exemplo estabeleceuse a definição de brasileiro e o artigo 173 e seguintes que tratava das garantias dos direitos há a menção já no título do capítulo ao termo cidadão brasileiro A desconfiança em face ao estrangeiro era tamanha que o artigo 91 relativo aos direitos políticos diferenciava o cidadão brasileiro do estrangeiro naturalizado que era excluído de altos cargos da administração imperial Nesse sentido o artigo 136 da Constituição proibia aos estrangeiros naturalizados o exercício de cargo de ministro Além disso existiam várias restrições aos estrangeiros expressas em leis infraconstitucionais Entre elas havia a impossibilidade de advogar de requerer habeas corpus de assumir a direção de um colégio entre outros sendo possível a expulsão de estrangeiro dito nocivo por ato de soberania sem que houvesse menção a processo administrativo ou decisão judicial Apesar de tal enfoque discriminatório o artigo 178 item 6 estabeleceu o direito de qualquer pessoa a determinadas garantias e liberdades entre elas a liberdade de religião Contudo essas restrições aos estrangeiros coexistiram por certo período logo após a independência brasileira com tratamento especial vantajoso do chamado juiz conservador inglês O juiz conservador inglês Conservatory Court era escolhido pelos súditos britânicos com nome ao final aprovado pelo Imperador que julgava sobre todas as causas que envolvessem súditos britânicos em solo brasileiro Essa jurisdição especial começou por um tratado com Portugal em 1810 renovado pelo Império em 1827 Esse juiz conservador inserese no âmbito dos chamados tratados desiguais uma vez que é bom lembrar não havia reciprocidade alguma apenas vaga promessa de tratamento equânime aos brasileiros perante cortes britânicas Em 1844 encerrouse tal jurisdição especial 5022 Fase do estrangeiro como imigrante e fator de desenvolvimento A segunda visão do estrangeiro começa a se materializar no Brasil já em sua primeira Constituição republicana que valorizou o estrangeiro como imigrante e fator de desenvolvimento e riqueza Imbuída do ideal de liberdade e abolicionismo a Constituição de 1891 inaugurou a fórmula republicana existente até hoje de assegurar direitos aos brasileiros e estrangeiros residentes no país em seu artigo 72 O parágrafo 10º de tal artigo estabeleceu até o direito de ir e vir do território nacional a todos mesmo sem passaporte o que foi eliminado pela reforma constitucional de 1926 Aliás a tolerância com o estrangeiro já foi sentida no Governo provisório antes mesmo da Constituição A abolição do passaporte foi feita já em 1890 em nome da liberdade individual e também da confessada necessidade de povoar o Brasil como reconhece o considerando do Decreto n 512 de 1890 pelo qual a vastidão territorial está reclamando o concurso migratório de todos os países de origem para o seu povoamento riqueza e progresso Nesse ponto de modo claro ficou registrada uma crítica ao passaporte que seria uma simples inutilidade vexatória pois existiriam outros meios mais eficazes de apreensão dos criminosos foragidos Assim a redação da Constituição foi generosa e estabeleceu claramente o princípio da igualdade no parágrafo 2º do referido artigo 72 586 O estrangeiro foi equiparado ao nacional no que concerne ao uso e gozo dos direitos públicos não políticos e direitos civis Isso sem contar o artigo 78 que usando fórmula existente até hoje estabeleceu que as garantias e direitos expressos na Constituição não excluiriam outras garantias e direitos resultantes da forma de governo e dos princípios constitucionais 5023 Fase do controle e xenofobia Essa visão generosa e igualitária sobre os estrangeiros no Brasil logo cedeu ao medo e desconfiança que foram impulsionados por levas de imigrantes italianos politizados e desejosos de mudanças no Brasil agrário e desigual Em 1921 foi aprovada a chamada Lei dos indesejáveis que vedava a entrada de prostitutas pessoas portadoras de deficiência física e mental idosos bem como estabelecia condições para a expulsão de estrangeiros considerados ativistas políticos A Revolução Russa de 1917 e a Grande Depressão de 1929 fizeram que houvesse preocupação quanto ao recebimento de estrangeiros e sua permanência no Brasil tanto por motivos políticos ameaça ideológica quanto econômicos o estrangeiro roubando empregos do nacional O Estado passou a intervir no domínio econômico e o fez em nome do desenvolvimento nacional com surto nacionalista e o aumento da xenofobia Foram criadas por decretos em 1934 restrições à entrada de imigrantes dividindose os imigrantes entre agricultores e não agricultores sendo os primeiros obrigados a tal trabalho sob pena de expulsão por descumprimento de obrigação assumida a chamada imigração dirigida Tal tendência de racismo e xenofobia foi inserida na Constituição de 1934 A entrada do estrangeiro foi pela primeira vez restrita em um texto constitucional que estabeleceu em seu artigo 121 6º que a entrada de imigrantes sofreria as restrições necessárias à garantia da i integração étnica e ii capacidade física e civil do imigrante Ainda dispunha o texto que nenhuma corrente migratória de cada país poderia exceder o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais já fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos Estava constitucionalizado o conceito de cotas de imigração 587 E mais poderia a União proibir a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território nacional bem como estabelecia o artigo 121 7º que a lei deveria regular a assimilação do alienígena 588 Foi estabelecida a competência federal para legislar sobre naturalização entrada e expulsa dos estrangeiros extradição emigração e imigração que de acordo com o artigo 5º XIX g deveria ser regulada e orientada podendo ser proibida totalmente inclusive em relação à procedência Além disso a Constituição de 1934 ampliou o rol de direitos reservados aos nacionais para incluir entre outros o direito de exercício de profissão liberal podendo a lei fixar um número limite de estrangeiros empregados em determinado ramo como proteção ao trabalhador nacional A Constituição de 1937 com suas feições ditatoriais só fez aumentar as restrições Apesar de mencionar ainda o princípio da igualdade de todos o direito à livre circulação era restrito ao nacional pois o artigo 122 item 2 estipulava que a lei deveria dispor sobre a circulação do estrangeiro Além disso a Constituição remeteu à lei a possibilidade de regrar o ingresso e permanência do estrangeiro no Brasil Em tal cenário as leis editadas na época foram sempre rigorosas O Decretolei n 406 de 1938 facultava ao Governo Federal a proibição de entrada de estrangeiros por motivos econômicos sociais ou raciais criando ainda o Conselho de Imigração e Colonização 5024 Fase da segurança nacional Com o fim da ditadura do Estado Novo e a redemocratização a Constituição de 1946 eliminou o sistema de cotas apesar de delegar à lei ordinária o estabelecimento dos requisitos ao ingresso dos estrangeiros e principalmente resgatou o ideal de igualdade e garantia de inviolabilidade dos direitos de todos brasileiros e estrangeiros Esse preceito genérico era acompanhado de restrições tópicas como os vários privilégios de nacionais tal qual a navegação de cabotagem já existente na Constituição de 1891 proprietários armadores e 23 da tripulação de navios brasileiros acionistas de empresas jornalísticas proprietários de faixas de fronteira entre outros As Constituições de 1967 e 1969 trataram do estrangeiro em poucos tópicos com restrições a direitos e determinados cargos Entretanto o fluxo imigratório começou a perder fôlego e o tema passou a não mais figurar na agenda política Em 1980 nos estertores do regime militar houve a edição da Lei n 681580 sem maior análise por parte do Congresso de então aprovação por decurso de prazo e que de modo revelador continuou a reger o tema no Brasil até 2017 quase trinta anos após a edição da CF88 ano no qual foi editada a Lei de Migração Lei n 13445 que revogou expressamente o Estatuto do Estrangeiro 5025 A CF88 e a fase da igualdade e garantia A CF88 em linha com seu fundamento de proteção à dignidade da pessoa humana garantiu expressamente ao brasileiro e ao estrangeiro residente a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade art 5º caput De início a CF88 limitou ao estrangeiro residente a titularidade de direitos fundamentais Ocorre que tal restrição ofende os princípios basilares de um Estado Democrático de Direito art 1º pois permitiria ad terrorem a privação do direito à vida ou integridade física do turista estrangeiro por exemplo Como visto é pacífica na doutrina a extensão da titularidade de direitos fundamentais a todos os estrangeiros Tal extensão justificase de diversos modos i o Estado Democrático de Direito previsto no art 1º da CF88 não admite a privação de direitos com base no critério da não residência que não possui qualquer pertinência com o exercício de tais direitos básicos ii tratar os estrangeiros não residentes como desprovidos de direitos ofende um dos fundamentos da República que é promoção da dignidade humana art 1º inciso III iii o reconhecimento pela CF88 dos direitos decorrentes dos tratados internacionais de direitos humanos art 5º 2º já ratificados pelo Brasil permite deduzir que tais tratados como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ou a Convenção Americana de Direitos Humanos estendem a todos estrangeiros residentes ou não a titularidade dos direitos humanos 589 No Direito Comparado a Constituição portuguesa de 1976 estabelece em seu artigo 15 que os estrangeiros residentes e também os que se encontrem em Portugal gozam dos direitos do cidadão português com exceção dos direitos políticos das funções públicas e dos direitos reservados quer na Constituição ou lei aos nacionais 590 Após 1988 houve várias reformas constitucionais que buscaram amenizar as diferenças de tratamento normativo entre brasileiros e estrangeiros Eliminouse a menção a empresas brasileira de capital nacional alterouse também a exploração de recursos minerais e hidráulicos agora possível também a sociedades organizadas no Brasil e não só a brasileiros como antes levantouse a reserva a brasileiros no setor de navegação EC 7 além de terse permitido a concessão de serviços públicos de relevo a particulares mesmo que estrangeiros e não somente a empresas sob controle acionário estatal Até mesmo o acesso a cargos públicos pode ser facultado a estrangeiros de acordo com o artigo 37 I e no caso das universidades no artigo 207 503 A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO LEI N 134452017 5031 Aspectos gerais da nova lei Foi publicada em 25 de maio de 2017 a nova Lei de Migração Lei n 134452017 que revogou expressamente o Estatuto do Estrangeiro Lei n 681580 e a Lei n 81849 que regulava a aquisição perda e reaquisição da nacionalidade São 125 artigos aprovados em um trâmite com ampla participação da academia sociedade civil e partidos da situação e oposição retratando um consenso pluripartidário em torno do projeto 591 A adoção de um novo marco jurídico regulatório das migrações atende a um pleito antigo e a uma necessidade urgente de revogação do Estatuto do Estrangeiro de 1980 Na era da intensa mobilidade humana internacional surgem i oportunidades para o Brasil se beneficiar da diversidade e do multiculturalismo bem como ii deveres de proteção para impedir a construção jurídica de vulnerabilidades e a superexploração de migrantes em prejuízo à toda sociedade O eixo central da nova lei é a proteção de direitos humanos na temática das migrações intuída já na escolha da epígrafe tratase de uma lei de migração aplicandose ao migrante que vive no Brasil e inclusive ao brasileiro que vive no exterior O reconhecimento da universalidade indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos como princípio de regência da política migratória brasileira art 3º I é decorrência da proteção da dignidade humana vetor axiológico da Constituição art 1º III e dos tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil Ao contrário do agora revogado Estatuto do Estrangeiro adotado na ditadura militar e inspirado na doutrina de segurança nacional a nova lei é fruto da constatação de que negar direitos gerar entraves burocráticos na regularização migratória atuar com arbítrio e sem coerência são condutas que não reduzem o deslocamento de pessoas mas apenas degradam as condições de vida do migrante bem como prejudicam empresas trabalhadores e a sociedade em geral A lei avança ao prever uma série de princípios e diretrizes que conformam a atuação dos órgãos públicos à luz da gramática dos direitos humanos Ao migrante é garantida em condição de igualdade com os nacionais a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade assegurandolhe também os direitos e liberdades civis sociais culturais e econômicos art 4º caput e inciso I Estabelecese com o novo marco legal a regra geral de vedação da discriminação e proibição do arbítrio na entrada permanência e saída compulsória do migrante com várias menções ao direito de ser informado e de obter assistência jurídica integral Essas normas serão valiosos instrumentos para orientar a ação de agentes públicos envolvidos nas questões migratórias e deverão pautar a interpretação do Poder Judiciário quando provocado para coibir abusos e discriminações Por sua vez a Lei não prejudica a aplicação de normas internas e internacionais específicas sobre refugiados asilados agentes e pessoal diplomático ou consular funcionários de organização internacional e seus familiares art 2º da Lei n 134452017 Os refugiados e solicitantes de refúgio continuam a ser regidos pela Lei n 947197 art 121 A lei foi regulamentada pelo Decreto n 9199 de 2017 5032 As principais características Seguem abaixo as principais novidades da Lei 1 Define cinco categorias de migrantes O i imigrante é a pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil o ii emigrante é o brasileiro que se estabelece temporária ou definitivamente no exterior o iii residente fronteiriço é a pessoa nacional de país limítrofe ou apátrida que conserva a sua residência habitual em município fronteiriço de país vizinho o iv visitante é pessoa nacional de outro país ou apátrida que vem ao Brasil para estadas de curta duração sem pretensão de se estabelecer temporária ou definitivamente no território nacional e o v apátrida é pessoa que não seja considerada como nacional por nenhum Estado segundo a sua legislação nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 ou assim reconhecida pelo Estado brasileiro 2 Estabelece 22 princípios e diretrizes da política migratória brasileira que podem ser divididos da seguinte maneira i princípios gerais de direitos humanos como universalidade indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos repúdio e prevenção à xenofobia ao racismo e a quaisquer formas de discriminação direito à reunião familiar ii princípios referentes a direitos específicos dos migrante como não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional acesso igualitário e livre do migrante a serviços programas e benefícios sociais bens públicos educação assistência jurídica integral pública trabalho moradia serviço bancário e seguridade social inclusão social laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante iii diretrizes de ação governamental nacional como promoção do reconhecimento acadêmico e do exercício profissional no Brasil nos termos da lei não criminalização da migração promoção de entrada regular e de regularização documental do migrante acolhida humanitária desenvolvimento econômico turístico social cultural esportivo científico e tecnológico do Brasil promoção e difusão de direitos liberdades garantias e obrigações do migrante diálogo social na formulação na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do migrante repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas iv diretrizes de ação governamental internacional como fortalecimento da integração econômica política social e cultural dos povos da América Latina mediante constituição de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoas cooperação internacional com Estados de origem de trânsito e de destino de movimentos migratórios a fim de garantir efetiva proteção aos direitos humanos do migrante integração e desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas públicas regionais capazes de garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço migração e desenvolvimento humano no local de origem como direitos inalienáveis de todas as pessoas proteção ao brasileiro no exterior e finalmente a diretriz de observância ao disposto em tratado 3 O rol dos direitos dos migrantes A lei enumera os direitos dos migrantes estipulando ainda que seu exercício será realizado de acordo com CF88 e independentemente da situação migratória sem excluir outros decorrentes dos tratados celebrados pelo Brasil criando os direitos migratórios decorrentes art 4º 1º São assegurados aos migrantes os seguintes direitos i direitos civis e sociais em geral é garantida em condição de igualdade com os nacionais a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade foram assegurados também genericamente direitos e liberdades civis sociais culturais e econômicos ii direitos civis específicos direito à liberdade de circulação em território nacional direito à reunião familiar do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus filhos familiares e dependentes direito de reunião para fins pacíficos direito de associação inclusive sindical para fins lícitos direito de acesso à justiça e à assistência jurídica integral direito de acesso à informação e garantia de confidencialidade quanto aos dados pessoais do migrante nos termos da Lei n 125272011 Lei de Acesso à Informação estudada acima neste Curso direito de sair de permanecer e de reingressar ao território nacional mesmo enquanto pendente pedido de autorização de residência de prorrogação de estada ou de transformação de visto em autorização de residência direito do imigrante de ser informado sobre as garantias que lhe são asseguradas para fins de regularização migratória iii direitos sociais específicos direito de acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social nos termos da lei sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória direito à educação pública vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória garantia de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória direito de transferir recursos decorrentes de sua renda e economias pessoais a outro país observada a legislação aplicável direito a isenção das taxas estipuladas pela Lei de Migração mediante declaração de hipossuficiência econômica na forma de regulamento direito a abertura de conta bancária 4 O visto O visto consiste em ato unilateral pelo qual o Estado manifesta sua predisposição em permitir o ingresso de um estrangeiro no território nacional Tratase de expectativa de direito não gerando o direito adquirido de ingresso Na ótica do Estado o visto não elimina a necessidade de verificação de documentos no desembarque e por isso cada vez mais os Estados buscam acordos de eliminação de vistos Conforme a nova lei os vistos podem ser i de visita ii temporário iii diplomático iv oficial e v de cortesia O visto de visita abrange o visto de turismo de negócios de trânsito não é exigido quando o passageiro não venha a deixar a área de trânsito internacional de atividades artísticas ou desportivas bem como outras hipóteses definidas em regulamento É vedado ao beneficiário de visto de visita exercer atividade remunerada no Brasil podendo contudo receber pagamento do governo de empregador brasileiro ou de entidade privada a título de diária ajuda de custo cachê prólabore ou outras despesas com a viagem bem como concorrer a prêmios em competições desportivas em concursos artísticos ou culturais O visto temporário poderá ser concedido ao imigrante que venha ao Brasil com o intuito de estabelecer residência por tempo determinado e que se enquadre em pelo menos uma das seguintes hipóteses a pesquisa ensino ou extensão acadêmica b tratamento de saúde c acolhida humanitária d estudo e trabalho f fériastrabalho g prática de atividade religiosa ou serviço voluntário h realização de investimento ou de atividade com relevância econômica social científica tecnológica ou cultural i reunião familiar j atividades artísticas ou desportivas com contrato por prazo determinado k o imigrante seja beneficiário de tratado em matéria de vistos e l outras hipóteses definidas em regulamento Outra novidade da Lei de Migração foi a criação do visto temporário para acolhida humanitária que pode ser concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em i situação de grave ou iminente instabilidade institucional de ii conflito armado iii de calamidade de grande proporção de iv desastre ambiental ou de v grave violação de direitos humanos ou de vi direito internacional humanitário ou vi em outras hipóteses na forma de regulamento Além da negativa de visto aos i que não preencherem os requisitos para o tipo específico pleiteado por exemplo visto para atividade desportiva não demonstrada o visto ainda não será concedido a ii menor de 18 anos desacompanhado ou sem autorização de viagem por escrito dos responsáveis legais ou de autoridade competente bem como iii a indivíduo que estiver em determinadas situações de impedimento de ingresso As situações de impedimento de ingresso que impedem a concessão de visto são i expulsão anterior ainda produzindo efeito ii condenação ou mero processo por ato de terrorismo ou ainda por crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão crimes definidos conforme o Estatuto do Tribunal Penal Internacional iii condenação ou mero processo por crime doloso em outro país passível de extradição segundo a lei brasileira iv ter o nome incluído em lista de restrições por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil perante organismo internacional e v ter praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na CF88 Assim as hipóteses de impedimento ao ingresso ver a seguir servem paralelamente para que não se conceda visto Caso seja concedido assim mesmo o agente federal nas fronteiras poderá impedir o ingresso 5 A autorização de residência Após a extinção do antigo visto permanente a lei criou em seu lugar a autorização de residência ao imigrante independentemente de sua situação migratória ou visto de entrada Assim o migrante ingressa no Brasil com o visto temporário de visita ou ainda autorização para o residente fronteiriço podendo solicitar autorização de residência caso cumpra os requisitos previstos no art 30 e regulamento posterior demonstrando a finalidade admitida pela lei que reproduz as hipóteses do visto temporário agregando outras A autorização de permanência aplicase aos imigrantes que têm a finalidade de aqui residirem por motivo pesquisa ensino ou extensão acadêmica tratamento de saúde acolhida humanitária trabalho entre outros bem como para os beneficiários de tratado em matéria de residência e livre circulação caso dos nacionais oriundos de Estados do Mercosul 6 O residente fronteiriço A lei outorgou direitos ao residente fronteiriço que é a pessoa nacional ou apátrida residente em município fronteiriço de país limítrofe ao Brasil Mediante requerimento podese obter autorização para praticar atos da vida civil recebendo documento de residente fronteiriço 7 A proteção do apátrida e da redução da apatridia A lei inova ao estabelecer de modo condizente com as duas Convenções sobre Apatridia 1954 e 1961 ratificadas pelo Brasil e analisadas acima neste Curso o processo de reconhecimento da condição de apátrida que visa determinar se o interessado é considerado nacional pela legislação de algum Estado Após essa determinação o apátrida reconhecido terá i direito de adquirir a nacionalidade derivada brasileira naturalização e ii mesmo que não queira se naturalizar terá autorização de residência em definitivo Aplicamse ao apátrida residente todos os direitos atribuídos ao migrante vistos acima 8 A proteção do asilado Foi previsto na lei que o asilo político constitui ato discricionário do Estado podendo ser diplomático ou territorial e será outorgado como instrumento de proteção à pessoa na forma de regulamento Há duas restrições expressas na lei i não pode ser concedido asilo a quem tenha cometido crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional estudado acima neste Curso e ii a saída do asilado do Brasil sem prévia comunicação implica renúncia ao asilo 9 O impedimento de ingresso A lei regulou o chamado impedimento de ingresso buscando reduzir arbitrariedades dos agentes públicos na admissão de migrantes no território nacional Exigese agora que o impedimento de ingresso seja feito após i entrevista individual e mediante ii ato fundamentado o que já assegura o controle pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário federais para prevenir e punir atos abusivos São motivos elencados na lei para o impedimento I pessoa expulsa anteriormente enquanto os efeitos da expulsão vigorarem ver abaixo o regramento da expulsão II pessoa condenada ou respondendo a processo por crimes de jus cogens a saber ato de terrorismo ou por crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional III condenada ou respondendo a processo em outro país por crime doloso passível de extradição ver o estudo sobre extradição neste Curso segundo a lei brasileira IV que tenha o nome incluído em lista de restrições por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil perante organismo internacional por exemplo a lista de pessoas que não podem viajar do Conselho de Segurança da ONU por suspeita de envolvimento com terrorismo V que apresente documento de viagem que a não seja válido para o Brasil b esteja com o prazo de validade vencido ou c esteja com rasura ou indício de falsificação VI que não apresente documento de viagem ou documento de identidade quando admitido VII cuja razão da viagem não seja condizente com o visto ou com o motivo alegado para a isenção de visto VIII que tenha comprovadamente fraudado documentação ou prestado informação falsa por ocasião da solicitação de visto ou IX que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal Este último motivo é extremamente amplo devendo ser fundamentado e responder por desvio de finalidade o agente público que dele se utilizar somente por razões políticas por exemplo impedir o ingresso de ativista estrangeiro crítico ao governo ou discriminatórias de qualquer natureza Para evitar esses abusos o art 45 parágrafo único estipula que ninguém será impedido de ingressar no País por motivo de raça religião nacionalidade pertinência a grupo social ou opinião política Em 2019 o Ministério da Justiça editou a Portaria n 666 que tratou do impedimento de ingresso da repatriação e da deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal que será analisada abaixo 10 O emigrante De maneira inédita a Lei de Migração trata das políticas públicas e direitos dos emigrantes Quanto aos direitos o emigrante ganhou isenção de direitos de importação e de taxas aduaneiras incidentes sobre os bens novos ou usados que ele trouxer ao Brasil no seu retorno para residência definitiva desde que sejam para uso ou consumo pessoal e profissional Também foi assegurado o direito de assistência ao emigrante pelas representações brasileiras no exterior em caso de ameaça à paz social e à ordem pública por grave ou iminente instabilidade institucional ou de calamidade de grande proporção na natureza Entre as políticas públicas previstas na lei está a promoção de condições de vida digna do brasileiro no exterior por meio entre outros da facilitação do registro consular e da prestação de serviços consulares relativos às áreas de educação saúde trabalho previdência social e cultura 11 A retirada compulsória A retirada compulsória também foi regulamentada com destaque para novas regras sobre os institutos da i repatriação ii deportação e iii expulsão além da previsão para atuação da Defensoria Pública da União nos procedimentos o que inibe atos arbitrários ou discriminatórios como veremos a seguir neste Curso 12 A cooperação jurídica internacional em matéria penal A nova a lei de migração tal qual o Estatuto do Estrangeiro revogado manteve a disciplina de matérias estranhas ao tema do migrante como a cooperação jurídica internacional em suas espécies i extradição vista acima e ii transferência de sentenciados 13 O Registro e identificação civil Foi criado o Registro Nacional Migratório que substitui o antigo Registro Nacional de Estrangeiro art 117 14 A falta de previsão de um órgão administrativo centralizado e específico A Lei de Migração foi originada de projeto de lei do Senador Aloysio Nunes Ferreira não tendo o Poder Executivo encaminhado o anteprojeto de lei elaborado pela Comissão de Especialistas da qual o Autor deste Curso fez parte em 2013 O substitutivo do Senador Ricardo Ferraço incorporou diversos artigos do Anteprojeto mas por não ser um projeto de iniciativa do Presidente da República não houve a possibilidade de se criar a Autoridade Nacional Migratória regrada detalhadamente no Anteprojeto que atuaria como uma agência com participação social eliminandose a fragmentação administrativa existente na qual atua na matéria inclusive a Polícia Federal na qualidade de agente administrativo de migração gerando perda de recursos para sua função típica de Polícia Judiciária da União Por isso a Lei não faz também menção ao Conselho Nacional de Imigração que foi criado pelo Estatuto do Estrangeiro Lei n 681580 art 129 agora revogado cujas resoluções preencheram ao longo das décadas lacunas e atualizaram a aplicação da antiga lei Contudo a Lei n 138442019 previu o Conselho Nacional de Imigração como órgão integrante do Ministério da Justiça e Segurança Pública art 38 VIII Com a extinção do Ministério do Trabalho no governo do Pres Bolsonaro a temática da migração ficou concentrada no Ministério da Justiça e Segurança Pública Obviamente o Ministério das Relações Exteriores pela sua atuação nas relações exteriores do Brasil também tem importante papel na temática migratória 15 Os vetos De se lamentar a grande maioria dos vetos impostos no momento da sanção presidencial em especial o referente à i garantia do direito à livre circulação dos povos indígenas em terras tradicionalmente ocupadas art 1º 2º e o relativo à ii anistia e regularização migratória art 116 Alguns dos vetos podem ser contornados pela via interpretativa tal qual o que eliminou a iii previsão do acesso a serviços públicos de saúde ao visitante que pode ser superado pela previsão constitucional de universalização do direito à saúde Já outros vetos simplesmente não gerarão efeito tal qual aquele que iv eliminou a definição de migrante contida no art 1º 1º I mas manteve ao longo da lei o uso do termo 504 AS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS DE RETIRADA COMPULSÓRIA DO IMIGRANTE 5041 Aspectos gerais A retirada consiste em um conjunto de medidas pelo qual o Brasil determina que estrangeiro imigrante visitante ou apátrida na linguagem da Lei de Migração seja afastado do território nacional Pode ser classificada em dois grupos a retirada compulsória administrativa e a retirada cooperacional A retirada compulsória administrativa é aquela feita pelas autoridades administrativas brasileiras em virtude do desrespeito pelo indivíduo retirado de regras que regulam a entrada e permanência no Brasil Ocorre nas hipóteses de repatriação deportação e expulsão sendo o indivíduo devolvido para seu país de nacionalidade ou de procedência Já a retirada cooperacional é aquela que é feita pelas autoridades brasileiras a pedido ou anuência de Estado estrangeiro ou por organização internacional como o Tribunal Penal Internacional sendo medida de cooperação jurídica internacional em matéria penal Suas espécies tradicionais são a extradição a entrega aos tribunais internacionais penais e a transferência de pessoa condenada 592 Nos casos de deportação ou expulsão o chefe da unidade da Polícia Federal poderá representar perante o juízo federal para que sejam tomadas providências que assegurem a retirada respeitados nos procedimentos judiciais os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal art 48 da Lei n 1344517 Resta saber o conteúdo e o resultado dessa representação pois a lei nada menciona Sob a égide do Estatuto do Estrangeiro consolidou se a prática judicial de decretação de prisão especial natureza cível para fins de retirada compulsória Como a nova lei é omissa e seu conteúdo é informado pela proteção de direitos humanos a representação poderia significar somente a condução coercitiva para o transporte para fora do território nacional já que não é possível a imposição de prisão mesmo que de natureza não criminal sem previsão legal Contudo o art 211 do Decreto n 919917 optou pelo uso analógico do Código de Processo Penal dispondo que o delegado da Polícia Federal poderá representar perante o juízo federal pela i prisão ou ii por outra medida cautelar observado o disposto no CPP De nenhum modo a retirada compulsória de indivíduo pode significar a sua devolução a Estado no qual seu direito à vida à integridade pessoal ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça nacionalidade religião condição social ou de suas opiniões políticas conforme previsto no art 228 da Convenção Americana de Direitos Humanos e ainda no art 3º1 da Convenção da ONU contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes 5042 A repatriação A repatriação consiste em medida administrativa fundamentada de devolução de pessoa em situação de impedimento de ingresso ao país de procedência ou de nacionalidade Era previsto em atos administrativos sem apoio legal da Polícia Federal e agora foi inserida na nova Lei de Migração Seu uso é feito na zona de fronteira quando detectado impedimento pelo agente público à entrada regular no nosso território A repatriação deve ser fundamentada o que permite o seu controle A Polícia Federal como agente administrativo de migração comunicará o ato fundamentado de repatriação à empresa transportadora e à autoridade consular do país de procedência ou de nacionalidade do migrante ou do visitante ou a quem o representa A lei prevê casos de repatriação proibida i não será aplicada medida de repatriação à pessoa em situação de refúgio ou de apatridia de fato ou de direito 593 ii ao menor de 18 anos desacompanhado ou separado de sua família exceto nos casos em que se demonstrar favorável para a garantia de seus direitos ou para a reintegração a sua família de origem iii a quem necessite de acolhimento humanitário iv quando a medida de devolução a um Estado possa apresentar risco à vida à integridade pessoal ou à liberdade da pessoa A Defensoria Pública da União será notificada preferencialmente por via eletrônica no caso da i repatriação proibida ou ii quando a repatriação imediata não seja possível Entendo que essas hipóteses restritas de notificação à Defensoria Pública da União não impedem o exercício de suas atribuições constitucionais de defesa dos vulneráveis podendo a Defensoria atuar em todos os casos de repatriação 5043 A deportação A deportação é medida decorrente de procedimento administrativo que consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional A situação migratória irregular pode ter sido gerada tanto por sua i entrada irregular ou por ii sua permanência irregular São casos tradicionais de deportação a permanência após o esgotamento do prazo do visto ou a realização de atividades não permitidas pelo visto daquele migrante A nova Lei possibilita o saneamento da irregularidade pois a deportação será precedida de notificação pessoal ao deportando da qual constem expressamente as irregularidades verificadas e prazo para a regularização não inferior a 60 dias podendo ser prorrogado por igual período por despacho fundamentado e mediante compromisso de a pessoa manter atualizadas suas informações domiciliares Esses prazos podem ser reduzidos na hipótese de a pessoa em situação irregular ter ainda cometido ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal art 45 IX Outro avanço significativo foi a exigência de que os procedimentos conducentes à deportação devem respeitar o contraditório e a ampla defesa e a garantia de recurso com efeito suspensivo A Defensoria Pública da União deverá ser notificada preferencialmente por meio eletrônico para prestação de assistência ao deportando em todos os procedimentos administrativos de deportação A ausência de manifestação da Defensoria Pública da União desde que prévia e devidamente notificada não impedirá a efetivação da medida de deportação Somente vencido o prazo sem que se regularize a situação migratória a deportação poderá ser executada A saída voluntária de pessoa notificada para deixar o País equivale ao cumprimento da notificação de deportação A lei prevê um caso de deportação condicionada à autorização em se tratando de apátrida o procedimento de deportação dependerá de prévia autorização da autoridade competente Ministério da Justiça atualmente Também foi previsto caso de deportação proibida na hipótese da medida configurar extradição não admitida pela legislação brasileira 5044 A expulsão A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional que resulta com seu impedimento de reingresso por prazo determinado O instituto da expulsão sofreu grande alteração com a Lei de Migração deixando de ser utilizado para a saída compulsória de estrangeiro que cometeu ato nocivo aos interesses nacionais tal qual preconizava a revogada Lei n 681580 Essa lei revogada considerava ser passível de expulsão o estrangeiro que de qualquer forma atentasse contra a segurança nacional a ordem política ou social a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular ou cujo procedimento o tornasse nocivo à conveniência e aos interesses nacionais Com a nova lei esses conceitos indeterminados referente a atos nocivos aos interesses nacionais que tanto geraram abusos durante o regime militar deixam de servir como fundamento para a expulsão Agora a expulsão é mais restrita e só ocorrerá em virtude de condenação por crime grave com sentença transitada em julgado Evitase assim a discricionariedade política do Poder Executivo na expulsão o que é salutar em um Estado Democrático de Direito Assim a nova Lei estipula que poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de I crimes de jus cogens a saber crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional já estudado acima neste Curso II crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional Assim é possível que o indivíduo mesmo condenado não seja expulso Há duas consequências da determinação de expulsão do imigrante i sua retirada compulsória do território nacional e ii seu impedimento de reingresso por prazo fixado na medida de expulsão Atendendo à crítica antiga da doutrina quanto à ausência de prazo para o reingresso do estrangeiro expulso que só poderia retornar com a revogação do decreto de expulsão 594 a Lei de Migração definiu que o prazo de vigência da medida de impedimento vinculada aos efeitos da expulsão será proporcional ao prazo total da pena criminal aplicada e nunca será superior ao dobro de seu tempo O processamento da expulsão em caso de crime comum não prejudicará a i progressão de regime o ii cumprimento da pena a iii suspensão condicional do processo a iv comutação da pena ou a v concessão de pena alternativa de vi indulto coletivo ou individual de vii anistia ou de ix quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro Caberá ao Ministério da Justiça atualmente a autoridade competente instaurar procedimento administrativo de expulsão estipulando a duração do impedimento de reingresso bem como a suspensão ou a revogação dos efeitos da expulsão No processo administrativo de expulsão serão garantidos o contraditório e a ampla defesa A Defensoria Pública da União será notificada da instauração de processo de expulsão se não houver defensor constituído Caberá pedido de reconsideração da decisão sobre a expulsão no prazo de 10 dias a contar da notificação pessoal do expulsando A existência de processo de expulsão não impede a saída voluntária do expulsando do País Contudo há restrições à expulsão que não ocorrerá mesmo sendo inicialmente possível quando I a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira II o expulsando a tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela b tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil sem discriminação alguma reconhecido judicial ou legalmente c tiver ingressado no Brasil até os 12 anos de idade residindo desde então no País d for pessoa com mais de 70 anos que resida no País há mais de 10 dez anos considerados a gravidade e o fundamento da expulsão Com isso a nova Lei aumenta os casos de expulsão proibida dirimindo antigas pendências judiciais sobre o cabimento da expulsão quando o expulsando possuía família no Brasil Note se que a lei ao mencionar a expressão sem discriminação alguma abarca também as famílias homoafetivas 505 A PORTARIA N 7702019 E A SAÍDA COMPULSÓRIA DE ESTRANGEIROS POR RAZÕES SÉRIAS DE PRÁTICA DE CRIMES A Portaria n 770 do Ministério da Justiça e Segurança Pública de 11 de outubro de 2019 dispõe sobre o impedimento de ingresso a repatriação e a deportação sumária de i pessoa perigosa ou ii que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal Para os fins da portaria são consideradas pessoas perigosas ou que tenham praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na CF88 aquelas sobre as quais recaem razões sérias que indiquem envolvimento em 1 terrorismo nos termos da Lei n 13260 de 16 de março de 2016 2 grupo criminoso organizado ou associação criminosa armada ou que tenha armas à disposição nos termos da Lei n 12850 de 2 de agosto de 2013 3 tráfico de drogas pessoas ou armas de fogo 4 pornografia ou exploração sexual infantojuvenil Nessas hipóteses a pessoa não poderá ingressar no país ficando sujeita i à repatriação e caso tenha já ingressado ii à deportação sumária A razão séria de envolvimento da pessoa nessas atividades pode ser baseada nas seguintes fontes de informação i difusão ou informação oficial em ação de cooperação internacional ii lista de restrições exaradas por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil perante organismo internacional o que abarca as pessoas sob sanções do Conselho de Segurança da ONU ou Estado estrangeiro iii informação de inteligência proveniente de autoridade brasileira ou estrangeira iv investigação criminal em curso e v sentença penal condenatória A Portaria proíbe é claro o uso de informações que tenham sido geradas por motivo de raça religião nacionalidade pertinência a grupo social ou opinião política Também veda a utilização desse procedimento sumário para aquele perseguido no exterior por crime puramente político O trâmite do procedimento de repatriação por razão séria de envolvimento em crimes não foi regrado na Portaria devendo ser utilizado o já existente visto acima Já o trâmite do procedimento da deportação sumária por razão séria de envolvimento com crimes graves é expedito i a pessoa é notificada pessoalmente a deixar o país em cinco dias ii na ausência de defensor constituído a Defensoria Pública deverá ser notificada preferencialmente por meio eletrônico para manifestação no prazo também de cinco dias iii a ausência de defesa ou manifestação inclusive do defensor não obsta a execução da medida iv da decisão de deportação caberá recurso administrativo com efeito suspensivo no prazo de até cinco dias contado da notificação do deportando ou de seu defensor v caso o deportando esteja regular no Brasil seu prazo de estada poderá reduzido ou mesmo cancelado vi autoridade policial federal poderá representar perante o juízo federal pela prisão ou por outra medida cautelar em qualquer fase do processo de deportação As críticas ao teor da Portaria são em síntese as seguintes i O termo razão séria não pode gerar tamanha restrição de ingresso ou ainda cancelamento da regularidade da estadia O devido processo legal previsto constitucionalmente ou em tratados é violado pois a razão séria dificulta inclusive a defesa e contraditório Não há sequer uma acusação formal que poderia ser refutada por argumentos defensivos Além disso caso houvesse provas de envolvimento nas práticas delitivas graves listadas pela Portaria o Estado informante deveria apontar as medidas processuais adotadas o que poderia inclusive gerar pedido de extradição ii A portaria criou a irregularidade migratória fabricada o estrangeiro pode estar regular no Brasil mas por razões sérias ter sua estadia legítima abruptamente cancelada e com prazo de cinco dias para sair do país Utilizouse o instituto da deportação para ressuscitar o antigo desenho da expulsão da Lei n 681580 retirada do estrangeiro mesmo com estadia regular que teria cometido ato nocivo iii A Lei de Migração em seu art 49 4º estabelece que não será aplicada medida de repatriação à pessoa em situação de refúgio ou de apatridia de fato ou de direito ao menor de 18 dezoito anos desacompanhado ou separado de sua família exceto nos casos em que se demonstrar favorável para a garantia de seus direitos ou para a reintegração a sua família de origem ou a quem necessite de acolhimento humanitário Com base nesse artigo e em face do princípio pro homine está revogado implicitamente o art 7º 2º da Lei n 947497 o qual dispõe que o refugiado considerado perigoso para a segurança do Brasil poderá não ser aceito no território nacional A Portaria n 770 revogou a anterior Portaria n 666 de 25 de julho de 2019 A portaria revogada previa o repatriamento e a deportação sumários a partir de mera suspeita de envolvimento A nova portaria exige aparentemente maior peso para que seja o estrangeiro impedido de ingressar ou mesmo deportado do território nacional Contudo o uso do conceito indeterminado das razões sérias bem como o uso da irregularidade migratória fabricada continuam a viciar o novo texto Em setembro de 2019 a ProcuradoriaGeral da República ajuizou a ADPF 619 impugnando todo o texto da Portaria n 666 506 A DETENÇÃO E O DIREITO À NOTIFICAÇÃO DA ASSISTÊNCIA CONSULAR Todo migrante estrangeiro ao ser detido deve ser notificado do seu direito de receber assistência consular Este direito está previsto no artigo 36 1 b da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 já ratificada e incorporada internamente no Brasil 595 A assistência consular é importante porque busca neutralizar a inegável desigualdade que existe entre o detido nacional e o detido estrangeiro pois este último enfrenta além da carga da prisão as inúmeras barreiras culturais linguísticas e jurídicas oriunda da sua situação migratória Essa notificação do direito de receber assistência consular exige i que seja feita sem tardar without delay no exato momento da detenção e antes de qualquer declaração do detido sob pena de se tornar supérflua no auxílio na superação das desigualdades ii que seja concretizada a vontade do detido de contatar a autoridade consular com a autoridade brasileira adotando as medidas para que o consulado seja acionado aguardandose a chegada do representante consular antes do interrogatório do detido e iii que seja assegurada com privacidade o encontro do detido com sua autoridade consular Em 2015 o STF decidiu que o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares deve incidir em todas as hipóteses de detenção de um estrangeiro no país qualquer que seja a modalidade inclusive prisão cautelar flagrante delito prisão temporária prisão preventiva etc 596 Em 2016 o Conselho Nacional do Ministério Público adotou a Recomendação n 47 a qual recomendou aos membros do Ministério Público que fiscalizem a notificação consular resultante da aplicação do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 que impõe que as autoridades brasileiras cientifiquem sem tardar a autoridade consular do País a que pertence o estrangeiro sempre que este for preso qualquer que seja a modalidade da prisão Já em 2017 houve a edição da Portaria n 672017 pela qual o Ministro da Justiça determinou às Polícias Federal e Rodoviária Federal que fiscalizem a aplicação do art 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares para que seja feita sem demora a autoridade consular do País a que pertence o estrangeiro sempre que este for preso qualquer que seja a modalidade da prisão No caso de não ter sido feita a notificação ao detido há dois posicionamentos que podem ser adotados Para uma primeira visão a falta de notificação é irregularidade que só contamina os atos posteriores se houver prejuízo pas de nullité sans grief o que só seria demonstrável caso o estrangeiro comprovasse dano à sua defesa Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a ausência de informação do local e da prisão do recorrente à sua família e ao consulado da Romênia ainda que tivessem ocorrido não seriam suficientes por si sós para viciar o auto de prisão em flagrante tendo em vista a ausência de demonstração de prejuízo efetivo à Defesa RHC 27067SP rel Min Jorge Mussi 5ª T j 1632010 publicado no DJe 1242010 Em uma segunda visão a ausência de notificação da assistência consular acarreta violação do devido processo legal penal e consequentemente nulidade dos atos processuais posteriores Essa segunda visão foi adotada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Opinião Consultiva n 1699 51 Direitos dos quilombolas Os quilombolas são membros de comunidade tradicional com identidade costumes e usos próprios composta por descendentes de escravos e que mantém a tradição de união gerada pela resistência à sociedade envolvente que à época da constituição dos quilombos representava a opressão e a perda da liberdade Tendo em vista a importância da terra para a preservação da cultura dessa comunidade o art 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT prevê que aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos Tratase do reconhecimento pelo poder constituinte originário da necessidade de assegurar a preservação cultural daquelas comunidades compostas em geral por descendentes de escravos A preservação do território dessas comunidades permite que os seus habitantes os quilombolas possam manter a cultura e identidade étnica próprias forjadas pela resistência à escravidão Sem tais terras tais comunidades tradicionais seriam inevitavelmente integradas à sociedade envolvente gerando a perda da diversidade cultural para toda a sociedade brasileira Por isso o constituinte originário previu o reconhecimento da propriedade definitiva das terras ocupadas mantendose a própria e distintiva identidade coletiva com seus costumes e tradições De acordo com o Decreto 488703 são terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução i física ii social iii econômica e iv cultural Para a medição e demarcação das terras serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos sendo facultado à comunidade interessada apresentar peças técnicas para a instrução procedimental A titulação das terras dos quilombolas além de ser indispensável para a i promoção do direito à diversidade cultural no Brasil também serve para a ii proteção da igualdade material em face da situação de pobreza e discriminação dessas comunidades que sofrem os efeitos deletérios da escravidão ocorrida no passado Ainda se assegura por consequência o iii direito à moradia e com isso a própria união da comunidade e de seus valores próprios Quanto à identificação dos quilombolas utilizase o critério da autoidentificação que deve ser associado também à avaliação antropológica que levará em consideração a i trajetória histórica própria ii as relações territoriais específicas e iii a ancestralidade negra relacionada com a opressão histórica sofrida art 2º do Dec 4488703 Consta ainda do art 13 do Decreto 488703 o direito à indenização aos particulares que possuírem domínio válido sobre os territórios dos remanescentes de quilombo por meio da desapropriação O referido decreto foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal O STF entendeu que o art 68 do ADCT é norma de eficácia plena e aplicabilidade direta apta a produzir todos os seus efeitos no momento em que a CF88 entrou em vigor independentemente de norma integrativa posterior de natureza infraconstitucional Para o STF a Convenção n 169 da OIT mencionada acima consagrou a consciência da própria identidade como critério para delimitar as comunidades tradicionais o que se aplica também aos quilombolas O STF considerou então constitucional a autodefinição da comunidade como quilombola que é atestada por certidão da Fundação Cultural Palmares nos termos do art 2º III da Lei n 766888 Garantese que a comunidade tenha voz e seja ouvida Tratase de ato declaratório que não amplia indevidamente o universo dos quilombolas Além disso o STF realçou a necessidade da satisfação de elemento objetivo para a caracterização da comunidade quilombola que é a reprodução da unidade social que se afirma originada de um quilombo por meio da ocupação continuada do espaço territorial em tela STF ADI n 3239 rel p o ac Min Rosa Weber j 822018 Informativo n 890 Além disso o STF julgou parcialmente procedente ação direta de inconstitucionalidade para aplicar a técnica da interpretação conforme à Constituição sem redução de texto a ao 2º do art 4º da Lei n 119522009 com a finalidade de afastar qualquer entendimento que permita a regularização fundiária em nome de particulares das terras públicas ocupadas por quilombolas e outras comunidades tradicionais da Amazônia Legal STF ADI n 4269 rel Min Edson Fachin j 18102017 Informativo STF n 882 REFERÊNCIAS ABADE Denise Neves Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 Garantias do processo penal acusatório o novo papel do Ministério Público no processo penal de partes Rio de Janeiro Renovar 2005 Processo penal Rio de Janeiro Forense São Paulo Método 2014 AGRA Walber de Moura O entrenchment como condição para a efetivação dos direitos fundamentais In TAVARES André Ramos Coord Justiça constitucional pressupostos teóricos e análises concretas Belo Horizonte Fórum 2007 ALEXY Robert Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 217 I VI p 6779 julset 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Merlin SARLET Ingo W PAGLIARINI Alexandre Coutinho Orgs Direitos humanos e democracia Rio de Janeiro Forense 2007 A eficácia dos direitos fundamentais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 A eficácia dos direitos fundamentais 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 SARMENTO Daniel O crucifixo nos tribunais e a laicidade do Estado Revista Eletrônica PRPE Disponível em httpwwwprpempfmpbrinternetindexphpinternetLegislacao eRevistaEletronicaRevistaEletronica2007ano5OCrucifixonosTribunaisea LaicidadedoEstado Acesso em 15 out 2016 A ponderação de interesses na Constituição brasileira Rio de Janeiro Lumen Juris 2000 Livres e iguais estudos de direito constitucional Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 Dignidade da pessoa humana Conteúdo trajetórias e metodologia 2 ed Belo Horizonte Forum 2016 SANSEVERINO Francisco de Assis Vieira Direito eleitoral 4 ed Porto Alegre Verbo Jurídico 2012 SARTORI Giovanni Partidos e sistemas partidários Trad Waltensir Dutra Rio de JaneiroBrasília Zahar EditoresEd UnB 1982 SILVA José Afonso da Curso de direito constitucional positivo 5 ed São Paulo Malheiros 1989 A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro v 212 p 8994 abrjun 1998 Comentário contextual à Constituição 2 ed São Paulo Malheiros 2006 SILVA Paulo Thadeu Gomes da Direito indígena direito coletivo e multiculturalismo In SARMENTO Daniel IKAWA Daniela PIOVESAN Flávia coords Igualdade diferença e direitos humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 559598 Os direitos dos índios fundamentalidade paradoxos e colonialidades internas São Paulo Café com Leite 2015 SILVA Virgílio Afonso da O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais Revista de Direito do Estado n 4 p 2351 2006 O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais São Paulo n 798 p 2350 2002 Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia São Paulo Malheiros 2010 Interpretação constitucional e sincretismo metodológico In SILVA Virgílio Afonso da Org Interpretação constitucional São Paulo Malheiros 2005 Partidos e reforma política Revista Brasileira de Direito Público 2005 p 919 SOUZA NETO Cláudio Pereira Jurisdição constitucional democracia e racionalidade prática Rio de Janeiro Renovar 2002 STEINMETZ Wilson Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 STRECK Lenio Luiz As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais Constituição cidadania violência a Lei n 929696 e seus reflexos penais e processuais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 SUESS Paulo Org A conquista espiritual da América espanhola Petrópolis Vozes 1992 TAVARES André Ramos Curso de direito constitucional 5 ed São Paulo Saraiva 2007 Princípio da consubstancialidade parcial dos direitos fundamentais na dignidade do homem Revista da AJURIS v 32 n 99 set 2005 p 2239 TENORIO Rodrigo Direito eleitoral São Paulo Método 2014 VASAK Karel For the Third Generation of Human Rights The Rights of Solidarity Inaugural lecture Tenth Study Session International Institute of Human Rights July 1979 In VASAK K Ed The international dimension of human rights Paris Unesco 1982 v I e II VEDOVATO Luís Renato Direito de ingresso do estrangeiro a circulação das pessoas pelo mundo no cenário globalizado Livro digital São Paulo Atlas 2013 VIEIRA Oscar Vilhena ALMEIDA Eloísa Machado de Advocacia estratégica em direitos humanos a experiência da Conectas Revista Internacional de Direitos Humanos v 8 n 15 p 187 e s dez 2011 VIEIRA DE ANDRADE José Carlos Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 1 ed Coimbra Almedina 1983 Reimp 1987 VILLARES Luiz Fernando Direito e povos indígenas Curitiba Juruá 2009 VILLEY Michel Direito e os direitos humanos São Paulo Martins Fontes 2007 VITORELLI Edilson Estatuto do Índio 2 ed Salvador JusPodivm 2013 O equívoco brasileiro cotas raciais em concursos públicos Revista de Direito Administrativo v 271 p 281315 maio 2016 WARREN Samuel D BRANDEIS Louis D The right of privacy Harvard Law Review n 5 p 193220 1890 WEICHERT Marlon Alberto Saúde e federação na Constituição brasileira Rio de Janeiro Lumen Juris 2004 Justiça transicional São Paulo Estúdio Editores 2015 WEIS Carlos Os direitos humanos contemporâneos São Paulo Malheiros 1999 Direitos humanos contemporâneos 2 ed 2 tir São Paulo Malheiros 2011 ZAVASCKI Teori Albino Processo coletivo tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2009 1 LAFER Celso A reconstrução dos direitos humanos um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt São Paulo Cia das Letras 1988 2 Todos os textos aqui mencionados salvo outra nota de rodapé específica constam da Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da USP no precioso acervo de Documentos Históricos Disponível em httpwwwdireitoshumanosuspbr 3 COMPARATO Fábio Konder A afirmação histórica dos direitos humanos 7 ed São Paulo Saraiva 2010 4 GORCZEVSKI Clóvis Direitos humanos dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje Porto Alegre Imprensa Livre 2005 p 32 5 ARISTÓTELES Ética a Nicômaco Introdução tradução e notas de Antônio de Castro Caeiro São Paulo Atlas 2009 6 VILLEY Michel Direito e os direitos humanos São Paulo Martins Fontes 2007 7 Discurso de 1818 CONSTANT Benjamin Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos Revista Filosofia Política n 2 Porto Alegre LPM 1985 p 925 Disponível em httpcaosmosenetcandidounisinostextosbenjaminpdf Acesso em 9 ago 2019 8 SUESS Paulo Org A conquista espiritual da América espanhola Petrópolis Vozes 1992 p 543 9 CASELLA Paulo Borba Direito internacional no tempo medieval e moderno até Vitoria São Paulo Atlas 2012 em especial p 608 e 619 10 LOCKE John Segundo tratado sobre o governo civil ensaio sobre a origem os limites e os fins verdadeiros do governo civil 1689 Trad Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa Petrópolis RJ Vozes 1994 11 Parágrafo 143 LOCKE John Segundo tratado sobre o governo civil ensaio sobre a origem os limites e os fins verdadeiros do governo civil 1689 Trad Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa Petrópolis RJ Vozes 1994 12 BINETTI Saffo Testoni Iluminismo In BOBBIO Norberto MATEUCCI Nicola PASQUINO Gianfranco Coords Dicionário de política Trad João Ferreira 4 ed Brasília UnB 1992 v 1 p 605611 13 KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes 1785 Trad Antônio Pinto de Carvalho São Paulo Companhia Editora Nacional 1964 14 Conferir em ISHAY Micheline Direitos humanos uma antologia Principais escritos políticos ensaios discursos e documentos desde a Bíblia até o presente Trad Fábio Joly São Paulo EDUSP 2006 em especial p 386 15 LEWANDOWSKI Enrique Ricardo Proteção internacional dos direitos humanos na ordem interna e internacional Rio de Janeiro Forense 1984 16 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 p 58 17 HÄBERLE Peter Hermenêutica constitucional a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1997 18 Ver sobre o controle de constitucionalidade RAMOS Elival da Silva Perspectivas de evolução do controle de constitucionalidade no Brasil São Paulo Saraiva 2009 19 VASAK Karel For the Third Generation of Human Rights The Rights of Solidarity Inaugural lecture Tenth Study Session International Institute of Human Rights July 1979 In VASAK K ed The international dimension of human rights Paris Unesco 1982 v I e II 20 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 4 ed São Paulo Malheiros 1993 FERREIRA FILHO Manoel G Os direitos humanos fundamentais 2 ed São Paulo Saraiva 1998 CANÇADO TRINDADE Antônio Augusto Tratado de direito internacional de direitos humanos Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1999 v II WEIS Carlos Os direitos humanos contemporâneos São Paulo Malheiros 1999 p 38 21 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 25 ed São Paulo Malheiros 2010 22 Por todos ver FALCÓN Y TELLA Fernando Challenges for human rights Leiden Boston Martinus Nijhoff Publishers 2007 em especial p 66 23 Por exemplo nas relações envolvendo crianças pessoas com deficiência trabalhadores consumidores etc Sobre a eficácia diagonal ver CONTRERAS Sérgio Gamonal Procedimiento de tutela y eficacia diagonal de los derechos humanos Revista Laboral Chilena nov 2009 p 7276 24 Häberle Peter Pluralismo y Constitución estudios de la Teoría Constitucional de la sociedad abierta Madrid Tecnos 2002 MENDES Gilmar Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional Brasília v 2 n 13 jun 1999 Disponível em httpsrevistajuridicapresidenciagovbrindexphpsajarticleview1011995 Acesso em 9 ago 2019 JELLINEK Georg Teoría general del Estado Trad da 2ª ed alemã por Fernando de los Rios Buenos Aires Albatros 1970 25 CANOTILHO J J Gomes Direito constitucional e Teoria da Constituição 7 ed Coimbra Almedina 2008 26 SARMENTO Daniel O crucifixo nos tribunais e a laicidade do Estado Revista Eletrônica PRPE Disponível em wwwprpempfmpbrinternetRE20DanielSarmento2pdf Acesso em 9 ago 2019 27 ROTHENBURG Walter Claudius A fundamentalidade dos direitos sociais por uma concepção unitária dos direitos fundamentais Tese de livredocência aprovada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Ribeirão Preto 2019 28 Art 17 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação sem perda do mandato a outro partido que os tenha atingido não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão Incluído pela Emenda Constitucional n 97 de 2017 29 Vide mais sobre direitos políticos e os partidos no item 485 da Parte IV que trata dos Direitos em espécie 30 SILVA José Afonso da Curso de direito constitucional positivo 5 ed São Paulo Malheiros 1989 p 174175 31 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social 32 Corte Europeia de Direitos Humanos Pretty vs RoyaumeUni julgamento de 29 de abril de 2002 Recueil 2002 parágrafo 65 33 KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes São Paulo Abril v XXV 1974 Col Os Pensadores 34 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 p 60 PEREZ LUÑO Antonio Enrique Derechos humanos Estado de derecho y constitución Madrid Tecnos 2001 35 André Ramos Tavares entende que há uma consubstancialidade parcial entre a dignidade humana e determinados direitos ou seja uma identidade parcial entre o conteúdo da dignidade e o direito em questão TAVARES André Ramos Princípio da consubstancialidade parcial dos direitos fundamentais na dignidade do homem Revista da AJURIS v 32 n 99 set 2005 p 2239 36 BARCELLOS Ana Paula de A eficácia jurídica dos princípios constitucionais o princípio da dignidade da pessoa humana Rio de Janeiro Renovar 2002 em especial p 305 37 BARCELLOS Ana Paula de A eficácia jurídica dos princípios constitucionais o princípio da dignidade da pessoa humana Rio de Janeiro Renovar 2002 em especial p 305 38 MORAES Maria Celina Bodin de Conceito de dignidade humana substrato axiológico e conteúdo normativo In SARLET Ingo Wolfgang Org Constituição direitos fundamentais e direito privado Porto Alegre Livraria do Advogado 2003 39 BARROSO Luís Roberto Aqui lá e em todo lugar a dignidade humana no Direito Contemporâneo e no discurso transnacional RT ano 101 v 919 maio de 2012 p 127196 Conferir também BARROSO Luís Roberto A dignidade humana no direito constitucional contemporâneo a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial Belo Horizonte Editora Fórum 2013 40 MENDES Gilmar COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 41 SARMENTO Daniel Dignidade da pessoa humana Conteúdo trajetórias e metodologia 2 ed Belo Horizonte Forum 2016 p 86 42 SILVA José Afonso da A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro v 212 p 8994 abrjun 1998 p 92 43 CASELLA Paulo Borba Direito internacional no tempo moderno de Suarez a Grócio São Paulo Atlas 2013 44 VIEIRA DE ANDRADE José Carlos Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976 Coimbra Almedina 1983 p 14 45 LOCKE John Segundo Tratado sobre o governo civil e outros escritos 16891690 Trad Magda Lopes e Marisa lobo da Costa 3 ed PetrópolisRJ Vozes 2001 em especial p 139 Capítulo VIII Do início das sociedades políticas 46 ROUSSEAU Jean Jacques Do contrato social 1762 Trad Mário Pugliesi e Norberto de Paula Lima São Paulo Hemus 1996 47 MARITAIN Jacques Les droits de lhomme et la loi naturel Paris Paul Hartmann Éditeur 1947 FINNIS John Natural law and natural rights Oxford Clarendon Press 1989 48 Nem todos os Ministros compartilham a existência de um direito natural à fuga Para o Min Lewandowski a fuga do réu do distrito da culpa justifica o decreto ou a manutenção da prisão preventiva HC 90967PR rel Min Ricardo Lewandowski j 1892007 49 Nas palavras de Perelman essa concepção do positivismo jurídico soçobra ante os abusos do hitlerismo como toda teoria científica inconciliável com os fatos PERELMAN Chaïm É possível fundamentar os direitos do homem In Ética e o Direito Trad Maria Ermentina G Pereira São Paulo Martins Fontes 1996 p 395 50 COMPARATO Fábio Konder Fundamentos dos direitos humanos Revista Consulex v 48 dez 2000 p 43 51 HART Herbert L A O conceito de direito 2 ed Trad A Ribeiro Mendes Lisboa Fundação C Gulbenkian 1994 p 104 e 142 52 PONTARA Giuliano Utilitarismo In BOBBIO Norberto MANTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfranco Coords Dicionário de política 4 ed Trad João Ferreira Brasília UnB 1992 v 2 p 12741284 53 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 2004 54 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 2004 p 30 55 SARMENTO Daniel A ponderação de interesses na Constituição brasileira Rio de Janeiro Lumen Juris 2000 p 5960 56 LAFER Celso A reconstrução dos direitos humanos a contribuição de Hannah Arendt In Estudos Avançados 11 30 1997 p 5565 em especial p 55 57 Utilizando aqui a feliz expressão de Celso Lafer em A reconstrução dos direitos humanos um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt São Paulo Cia das Letras 1988 58 WEIS Carlos Direitos humanos contemporâneos 2 ed 2 tir São Paulo Malheiros 2011 p 162 59 WEIS Carlos Direitos humanos contemporâneos 2 ed 2 tir São Paulo Malheiros 2011 60 Sobre o direito internacional dos refugiados e seu novo paradigma ver MAHLKE Helisane Direito internacional dos refugiados Novo paradigma jurídico Belo Horizonte Arraes 2017 61 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 p 230 62 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 p 232 63 Adotada pela Resolução n 41128 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 4 de dezembro de 1986 64 PIOVESAN Flávia A universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos desafios e perspectivas In BALDI César Augusto Org Direitos humanos na sociedade cosmopolita Rio de Janeiro Renovar 2004 p 55 65 Decisão do Conseil dÉtat de 27 de outubro de 1995 n 136727 Commune de MorsangsurOrge 66 Deliberação em petição individual contra a França n 8541999 de 26 de julho de 2002 67 Mais detalhes do caso ver CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 68 Os dois exemplos foram retirados de NOVAIS Jorge Reis A dignidade da pessoa humana v II Dignidade e inconstitucionalidade Coimbra Almedina 2017 em especial p 119 e 244 69 BARROSO Luís Roberto Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová Dignidade humana liberdade religiosa e escolhas existenciais Disponível em httpwwwluisrobertobarrosocombrwp contentthemesLRBpdftestemunhasdejeovapdf Acesso em 9 ago 2019 em especial p 1719 70 AGRA Walber de Moura O entrenchment como condição para a efetivação dos direitos fundamentais In TAVARES André Ramos Coord Justiça constitucional pressupostos teóricos e análises concretas Belo Horizonte Fórum 2007 71 SARLET Ingo Wolfgang Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso algumas notas sobre o desafio da sobrevivência dos direitos sociais num contexto de crise Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC São Paulo n 4 p 241271 juldez 2004 72 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 em especial p 291 73 Voto do Min Celso de Mello STA 175AgRCE Informativo do STF n 582 abril de 2010 Ver também seu voto vencido na ADI 3105 rel p acórdão Min Cezar Peluso j 1882004 DJ de 1822005 74 Ver a proteção insuficiente ou deficiente dos direitos humanos na Parte I Capítulo III item 74 referente ao Princípio da Proporcionalidade neste Curso 75 Artigo 26 Desenvolvimento progressivo Os Estadospartes comprometemse a adotar as providências tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional especialmente econômica e técnica a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas sociais e sobre educação ciência e cultura constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos reformada pelo Protocolo de Buenos Aires na medida dos recursos disponíveis por via legislativa ou por outros meios apropriados 76 Artigo 2º item 1 Cada Estado Parte do presente Pacto comprometese a adotar medidas tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais principalmente nos planos econômicos e técnicos até o máximo de seus recursos disponíveis que visem assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto incluindo em particular a adoção de medidas legislativas 77 Vide o item 252 sobre os direitos sociais visto acima 78 Corte IDH Caso Lagos del Campo vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2017 Série C n 340 79 Corte IDH Caso Trabalhadores Despedidos de Petroperú y otros vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2017 Série C n 344 80 Corte IDH Caso Poblete Vilches e outros vs Chile Mérito Reparações e Custas Sentença de 8 de março de 2018 Série C n 349 81 Corte IDH Caso San Miguel Sosa e outras vs Venezuela Mérito Reparações e Custas Sentença de 8 de fevereiro de 2018 Série C n 348 82 PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 2006 p 37 83 GRAU Eros Ensaio e discurso sobre a interpretaçãoaplicação do direito 5 ed São Paulo Malheiros 2009 p 7475 84 Esse posicionamento foi exposto doutrinariamente em GRAU Eros Ensaio e discurso sobre a interpretaçãoaplicação do direito 5 ed São Paulo Malheiros 2009 p 7475 85 HÄBERLE Peter Hermenêutica constitucional a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1997 86 HÄBERLE Peter Hermenêutica constitucional a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1997 p 1531 87 SARLET Ingo W Direitos fundamentais reforma do Judiciário e tratados internacionais de direitos humanos In CLEVE Clèmerson Merlin SARLET Ingo W PAGLIARINI Alexandre Coutinho orgs Direitos Humanos e Democracia Rio de Janeiro Forense 2007 p 331360 88 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição 5 ed Coimbra Almedina 2002 p 12511253 89 ALEXY Robert Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 217 IVI p 6779 julset 1999 90 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Trad Virgílio Afonso da Silva São Paulo Malheiros 2008 91 Exemplo retirado do voto do Juiz Oliver Wendell Holmes Jr em 1919 no julgamento Schenck vs United States 249 US 47 52 92 SILVA Virgílio Afonso da O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais Revista de Direito do Estado n 4 p 2351 2006 em especial p 37 93 MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional 2 ed São Paulo Max Limonad 2000 SOUZA NETO Cláudio Pereira Jurisdição constitucional democracia e racionalidade prática Rio de Janeiro Renovar 2002 94 NOVAIS Jorge Reis As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição Coimbra Coimbra Ed 2003 p 320 95 Também denominada pensamento de intervenção e limites NOVAIS Jorge Reis As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição Coimbra Coimbra Ed 2003 p 292 96 SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 em especial p 259 97 Por exemplo utilizam a expressão princípio da proporcionalidade entre outros MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 311 BARROSO Luís Roberto Princípios da razoabilidade e proporcionalidade In SOARES José Ronald Cavalcante Coord Direito constitucional estudos em homenagem a Paulo Bonavides São Paulo LTr 2001 p 319342 em especial p 328 SARLET Ingo W A eficácia dos direitos fundamentais 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 394 GUERRA FILHO Willis Santiago Princípio da proporcionalidade e teoria do direito In GRAU Eros Roberto GUERRA FILHO Willis Santiago Orgs Direito constitucional estudos em homenagem a Paulo Bonavides São Paulo Malheiros 2003 LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 15 ed São Paulo Saraiva 2011 p 150 Apoiado pelos precedentes de órgãos internacionais de direitos humanos CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 98 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Trad Virgílio Afonso da Silva São Paulo Malheiros 2008 p 117118 99 SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais São Paulo n 798 p 2350 2002 100 ÁVILA Humberto Bergmann Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos 4 ed rev São Paulo Malheiros 2005 101 Utilizado por TAVARES André Ramos Curso de direito constitucional 5 ed São Paulo Saraiva 2007 p 678 DIMOULIS Dimitri e MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais São Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 177 ROTHENBURG Walter Claudius O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais In Princípios processuais civis na Constituição Coord Olavo de Oliveira Neto e Maria Elizabeth de Castro Lopes Rio de Janeiro Elsevier 2008 p 283319 102 Ver mais detalhes sobre essas questões terminológicas em ÁVILA Humberto Bergmann A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade Revista de Direito Administrativo n 215 p 151179 1999 103 Por exemplo em julgamento de 2009 Por fim não há que se falar em ofensa ao princípio da proporcionalidade pois o ato impugnado revelouse adequado e necessário atingindo sua finalidade de proteção e defesa do consumidor tal qual estabelece o art 5º XXXII da CF de 1988 RMS 23732 voto do rel Min Gilmar Mendes j 17112009 Segunda Turma DJe de 1922010 o grifo não consta do original Ou ainda em julgamento de 2007 exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converterse na prática em determinadas situações em supressão do direito de recorrer constituindose assim em nítida violação ao princípio da proporcionalidade Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art 32 da MP 169941 posteriormente convertida na Lei 105222002 que deu nova redação ao art 33 2º do Decreto 702351972 ADI 1976 rel Min Joaquim Barbosa j 2832007 Plenário DJ de 185 2007 o grifo não consta do original 104 Ver mais em CARVALHO RAMOS André de Direitos humanos na integração econômica Rio de Janeiro Renovar 2008 105 STEINMETZ Wilson Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 106 HECK Luís Afonso O Tribunal Constitucional Federal e o desenvolvimento dos princípios constitucionais Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1996 p 176 107 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 319 108 Na doutrina seguem esse fundamento entre outros MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 e ainda BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição fundamentos de uma dogmática transformadora 5 ed São Paulo Saraiva 2003 LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 15 ed São Paulo Saraiva 2011 p 150 109 DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais São Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 193 110 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 6 ed São Paulo Malheiros 1996 p 395 111 Constituição de 1967 art 150 35 A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota HC 45232 rel Themístocles Cavalcanti j 2121968 DJ de 1761968 p 2228 citado por MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 316 112 ROTHENBURG Walter Claudius O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais In Princípios processuais civis na Constituição Coord Olavo de Oliveira Neto e Maria Elizabeth de Castro Lopes Rio de Janeiro Elsevier 2008 p 283319 113 Para o STF No âmbito da polícia ao contrário do que ocorre com o agente em si não se tem como constitucional a exigência de altura mínima considerados homens e mulheres de um metro e sessenta para a habilitação ao cargo de escrivão cuja natureza é estritamente escriturária muito embora de nível elevado RE 150455 rel Min Marco Aurélio j 15121998 Segunda Turma DJ de 751999 114 Para o STF Razoabilidade da exigência de altura mínima para ingresso na carreira de delegado de polícia dada a natureza do cargo a ser exercido Violação ao princípio da isonomia Inexistência RE 140889 rel p o ac Min Maurício Corrêa j 3052000 Segunda Turma DJ de 15122000 115 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 116 DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais São Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 204232 117 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 118 Para Virgílio Afonso da Silva foi Canaris o primeiro a utilizar o termo Untermassverbot SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais São Paulo n 798 p 2350 2002 em especial p 27 119 FISCHER Douglas Garantismo penal integral e não o garantismo hiperbólico monocular e o princípio da proporcionalidade breves anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais Revista de Doutrina da 4ª Região Porto Alegre n 28 mar 2009 Disponível em httpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrindexhtm httpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrartigosedi cao028douglasfischerhtml Último acesso em 9 ago 2019 120 Esse caso redundou no bloqueio por ordem judicial do acesso brasileiro a site mundialmente popular de exibição de vídeos uma vez que o citado vídeo lá era inserido Ver mais sobre o caso em ROTHENBURG Walter Claudius O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais In Princípios processuais civis na Constituição Coord Olavo de Oliveira Neto e Maria Elizabeth de Castro Lopes Rio de Janeiro Elsevier 2008 p 283319 121 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 326 122 Descrição do caso e decisão obtida em MARTINS Leonardo Org Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão Montevidéu Konrad Adenauer Stiftung 2005 p 487 e s 123 BARROSO Luís Roberto Princípios da razoabilidade e proporcionalidade In SOARES José Ronald Cavalcante Coord Direito constitucional estudos em homenagem a Paulo Bonavides São Paulo LTr 2001 p 319342 em especial p 320 e 324325 124 Na doutrina além de Luís Roberto Barroso já citado ver MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 BARROS Suzana de Toledo O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais 2 ed Brasília Brasília Jurídica 2000 125 SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável RT São Paulo v 798 p 2350 2002 126 In verbis em nenhum caso poderá ser afetado o conteúdo essencial de um direito fundamental 127 SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 p 354 128 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 305 129 VIEIRA DE ANDRADE José Carlos Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 Reimp Coimbra Almedina 1987 p 233 e 235236 130 SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia São Paulo Malheiros 2010 em especial p 203 131 SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia São Paulo Malheiros 2010 em especial p 202 132 NOVAIS Jorge Reis As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição Coimbra Coimbra Ed 2003 p 247 133 Conforme consta do voto do Min Gilmar Mendes no HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 179 2003 Plenário DJ de 1932004 Também ver MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 297 134 NOVAIS Jorge Reis As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição Coimbra Coimbra Ed 2003 p 359 135 Para competência composição e funcionamento do Comitê de Direitos Humanos conferir Parte II Capítulo V item 3 136 Para funcionamento do Comitê de Direitos Humanos quanto ao peticionamento individual conferir Parte II Capítulo V item 3 137 Informação da Exposição de Motivos do Ministro de Estado das Relações Exteriores que acompanha a Mensagem Presidencial n 924 que submeteu o texto do Protocolo ao Congresso Nacional 138 Para competência composição e funcionamento do Conselho de Direitos Econômicos Sociais e Culturais conferir Parte II Capítulo V item 4 139 Para funcionamento do Comitê de Direitos Humanos conferir Parte II Capítulo V item 3 140 Incorporada internamente pelo Decreto n 58822 de 14 de julho de 1966 141 Incorporada internamente pelo Decreto n 3597 de 12 de setembro de 2000 142 Incorporado internamente pelo Decreto n 849 de 25 de junho de 1993 143 Incorporado internamente pelo Decreto n 4388 de 25 de setembro de 1992 144 Tribunal Internacional Penal da exIugoslávia Caso Prosecutor vs Dragoljub Kunarac Radomir Kovac e Zoran vukovic julgamento do órgão de apelação em 12 de junho de 2002 em especial parágrafo 117 145 Tribunal Internacional Penal da exIugoslávia Caso Prosecutor vs Dragoljub Kunarac Radomir Kovac e Zoran vukovic Sentença de 22 de fevereiro de 2001 em especial parágrafo 542 146 Tribunal Internacional Penal da exIugoslávia Caso Prosecutor vs Dragoljub Kunarac Radomir Kovac e Zoran vukovic Sentença de 22 de fevereiro de 2001 em especial parágrafo 539 147 Corte IDH Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 de outubro de 2016 parágrafo 249 148 Corte IDH Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 de outubro de 2016 parágrafo 362 149 LEMKIN Raphael Axis Rule in Occupied Europe Laws of Occupation Analysis of Government Proposals for Redress Washington Carnegie Endowment for International Peace 1944 em especial p 7995 Capítulo IX Genocide 150 Disponível em httpwwwunorggasearchviewdocaspsymbolARES95I Acesso em 12 ago 2018 151 Yearbook of the International Law Commission 1950 v II parágrafo 97 Ver os sete princípios em httplegalunorgilctextsinstrumentsenglishdraftarticles711950pdf Acesso em 9 ago 2019 152 Em especial no parágrafo 8º Disponível em httpsdocumentsddsnyunorgdocRESOLU TIONGENNR028146IMGNR028146pdf OpenElement Acesso em 9 ago 2019 153 Prosecutor v Dusko Tadić Appeals Chamber julgamento de 2 de outubro de 1995 especialmente parágrafos 140 e 141 154 Corte Interamericana de Direitos Humanos La Cantuta v Peru julgamento de 29 de novembro de 2006 em especial parágrafo 225 155 Corte Interamericana de Direitos Humanos Almonacid Arellano v Chile julgamento de 26 de setembro de 2006 em especial parágrafos 105 e 106 156 Corte Internacional de Justiça Advisory Opinion on Legality of the Use by a State of Nuclear Weapons in Armed Conflict ICJ Report 1996 em especial parágrafo 79 Ver mais em CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 157 Consta do voto do Min Fachin menção ao presente Curso 158 Observese que o Protocolo de Las Leñas firmado entre Brasil Argentina Paraguai e Uruguai prevê essa isenção no âmbito do Mercosul ao estabelecer em seu art 4º que nenhuma caução ou depósito qualquer que seja sua denominação poderá ser imposto em razão da qualidade de cidadão ou residente permanente de outro Estado Parte o que se aplicará também às pessoas jurídicas constituídas autorizadas ou registradas conforme as leis de qualquer dos Estados Partes 159 Sobre o estatuto pessoal no Direito Internacional Privado no Brasil ver CARVALHO RAMOS André de Curso de direito internacional privado São Paulo Saraiva 2018 CARVALHO RAMOS André de e GRAMSTRUP Erik Frederico Comentários à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB São Paulo Saraiva 2016 160 Para competência composição e funcionamento do Comitê cf Parte II Capítulo V item 5 161 Dados disponíveis em httpagenciabrasilebccombrpoliticanoticia201603mulheresre presentam13dasvereadorase12das prefeitasdetodoopais Acesso em 30 jul 2017 162 Para o funcionamento do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação conferir Parte II Capítulo V item 6 163 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Urrutia vs Guatemala sentença de 27 de novembro de 2003 em especial parágrafos 91 e 92 164 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Urrutia vs Guatemala 2003 em especial parágrafo 92 165 Comissão IDH Caso Lizardo Cabrera vs República Dominicana Informe 3596 Caso 10832 deliberação de 19 de fevereiro de 1998 166 Para competência composição e funcionamento do Comitê cf Parte II Capítulo V item 7 167 Após sua extinção em 2016 no pósimpeachment da Presidente Dilma Rousseff o Ministério dos Direitos Humanos foi recriado em 2017 pela Medida Provisória n 768 de 2 de fevereiro de 2017 Atualmente rege a matéria a Medida Provisória n 782 de 31 de maio de 2017 168 Conferir o valor normativo do Protocolo de Istambul em GROSSMAN Claudio The Normative Value of the Istanbul Protocol In KJÆR Susanne KJÆRUM Asger eds Shedding Light on a Dark Practice Using the Istanbul Protocol to Document Torture Copenhagen Denmark International Rehabilitation Council for Torture Victims 2009 169 Conferir ARes70175 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsProfessionalInterestNelsonMandelaRulespdf Último acesso em 9 ago 2019 170 Levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público divulgado em agosto de 2019 Disponível em httpwwwcnmpmpbrportalrelatoriosbisistemaprisionalemnumeros Acesso em 22 ago 2019 171 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Tibi vs Equador sentença de 7 de setembro de 2004 em especial parágrafo 154 172 O Conselho Nacional de Justiça durante a presidência do Min Ricardo Lewandowski publicou versão em português das Regras de Mandela Os termos aqui utilizados são oriundos dessa tradução Disponível em httpwwwcnjjusbrfilesconteudoarquivo20160539ae8bd2085fdbc4a1b02fa6e3944ba2pdf Último acesso em 9 ago 2019 173 A favor da escuta ambiental desde que haja suspeita de prática de crime por parte do advogado no caso possível envolvimento com organização criminosa TRF1 Agravo em Execução Penal 00067753120134014100RO Rel Desa Federal Monica Sifuentes j 239 2014 No STF a matéria é discutida no HC 115114 Rel Ricardo Lewandowski em trâmite 174 A ADI 4162 proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em 2008 não havia sido ainda julgada até 2018 175 Visando promover e incentivar a aplicação das regras para o tratamento das mulheres infratoras pelos poderes Judiciário e Executivo brasileiro o Conselho Nacional de Justiça traduziu as Regras de Bangkok Disponível em httpwwwcnjjusbrfilesconteudoarquivo20160327fa43cd9998bf5b43aa2cb3e0f53c44pdf Acesso em 9 ago 2019 176 O próprio documento ressalva todavia que a despeito de o seu foco ser a mulher e seus filhos algumas das regras que envolvem responsabilidades maternas e paternas serviços médicos e procedimentos de revista aplicamse também aos homens presos e infratores 177 Sobre a transferência de sentenciados e os direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional ver a indispensável obra de ABADE Denise Neves Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 178 Conferir tópico específico sobre o tema no item 10 do Capítulo V da Parte II 179 Disponível em português em httpwwwcriancampprmpbrmodulesconteudoconteudophpconteudo2039 Acesso em 9 ago 2019 180 Ver mais sobre esta decisão histórica do STF no item 44 da Parte IV deste Curso que trata dos direitos das pessoas com deficiência 181 Para competência composição e funcionamento do Comitê para os Direitos da Criança cf Capítulo V da Parte II Mecanismos internacionais de proteção e monitoramento dos direitos humanos competência composição e funcionamento 182 Ressaltese que a Conferência Internacional sobre o Combate à Pornografia Infantil na Internet Viena 1999 determina a criminalização da produção distribuição exportação transmissão importação posse intencional e propaganda de pornografia infantil 183 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 184 Observese que não se deve falar em a Declaração e o Programa de Ação de Viena e sim Declaração e Programa de Ação de Viena Lindgren Alves ressalta O simbolismo político do termo no título de um texto negociado entre 171 Estados que no período contemporâneo póscolonial oficialmente representavam toda a humanidade compensaria sua imprecisão e as dificuldades que os dois substantivos de gêneros distintos impõem à sintaxe de um documento singular sobretudo nas línguas neolatinas ALVES José Augusto Lindgren Relações internacionais e temas sociais a década das conferências Brasília IBRI 2001 p 104 185 Citemse entre outros a Declaração das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência o Programa Mundial de Ação para as Pessoas Portadoras de Deficiência aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas as Normas Uniformes sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas Portadoras de Deficiência a Declaração de Viena e Programa de Ação aprovados pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em 1993 a resolução sobre a situação das pessoas portadoras de deficiência no Hemisfério Americano e finalmente o Compromisso do Panamá com as Pessoas Portadoras de Deficiência no Continente Americano 186 Dados que constam do World Report on disability da OMS Disponível em httpappswhointirisbitstreamhandle1066570670WHONMHVIP1101engpdfjsessionid073D874EA55D6C675019A82629EB19B5 sequence1 Acesso em 9 ago 2019 187 Utilizo aqui a grafia Marraqueche adotada na tradução oficial para o português Decreto Legislativo n 261 publicado no DOU de 2611 2015 em vez de Marraquexe 188 Ver mais sobre o estatuto dos tratados de direitos humanos na Parte III item 34 deste Curso 189 Sobre a regra do teste dos três passos ver BASSO Maristela As exceções e limitações aos direitos do autor e a observância da regra do teste dos três passos threesteptest Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo v 102 jandez 2007 p 493503 190 Ver mais sobre a LBI na Parte IV item 44 deste Curso 191 Vide a posição da PFDC Disponível em httppfdcpgrmpfmpbrinformativosedicoes2016novembroameacaderetrocessosna garantiadelivroacessiveletemadereuniaonapfdc Acesso em 9 ago 2019 192 Art 121 As Partes Contratantes reconhecem que uma Parte Contratante pode implementar em sua legislação nacional outras limitações e exceções ao direito de autor para o proveito dos beneficiários além das previstas por este Tratado tendo em vista a situação econômica dessa Parte Contratante e suas necessidades sociais e culturais em conformidade com os direitos e obrigações internacionais dessa Parte Contratante e no caso de um país de menor desenvolvimento relativo levando em consideração suas necessidades especiais seus direitos e obrigações particulares e suas flexibilidades 193 Art 122 Este Tratado não prejudica outras limitações e exceções para pessoas com deficiência previstas pela legislação nacional 194 CÂMARA DOS DEPUTADOS MSC 6962010 Disponível em httpwwwcamaragovbrpro posicoesWebfichadetramitacao idProposicao489652 Acesso em 10 ago 2019 195 STJ Recurso Especial 1626739RS rel Luís Felipe Salomão acórdão da Quarta Turma j 9 52017 196 RIOS Roger Raupp RESADORI Alice Hertzog Direitos humanos transexualidade e direito dos banheiros Direito Práxis v 6 n 12 2015 p 196227 197 O conteúdo do termo consta de httpswwwconjurcombrdltermocompromissoentresantanderpdf acesso em 22 ago 2019 198 Resolução AHRCRES322 199 Convenção n 107 da OIT sobre as Populações Indígenas e Tribais adotada em Genebra em 26 de junho de 1957 e depois promulgada no Brasil pelo Decreto n 58824 de 14 de julho de 1966 200 Sobre a hierarquia supralegal dos tratados de direitos humanos conferir neste curso o item 34 da Parte III 201 Nesse sentido há o precedente possivelmente inédito da Apelação Criminal n 0090100003020 Rel Des Mauro Campello do Tribunal de Justiça de Roraima acórdão de 18122015 DJe de 1722016 202 Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações VII proteger a fauna e a flora vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade 203 Art 225 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do 1º deste artigo não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais desde que sejam manifestações culturais conforme o 1º do art 215 desta Constituição Federal registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bemestar dos animais envolvidosNR 204 Ver sobre a dimensão objetiva o Capítulo III item 23 da Parte I Sobre a proteção deficiente ou insuficiente ver o Capítulo III item 744 da Parte I deste Curso 205 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 206 O estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional consta da Res n 3201 da Assembleia Geral da ONU denominada Declaração sobre o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional de 1º de maio de 1974 207 SAUVANTE Karl The negotiations of the United Nations Code of Conduct on Transnational Corporations The Journal of World Investment Trade n16 2015 p 1187 em especial p 13 fazendo referência ao golpe militar contra o Governo Allende no Chile O próprio Presidente Allende em discurso na Assembleia Geral da ONU em 1972 antes do golpe apelou à comunidade internacional para que esta tomasse medidas contra o poder econômico político e ações de corrupção das empresas transnacionais Op cit p 13 208 Ver ECOSOC Decision 2004279 Disponível em httpswwwpactoglobalorgbr10principios Último acesso em 9 ago 2019 209 Ver mais em httpwwwpactoglobalorgbrartigo56Os10principios Último acesso em 9 ago 2019 210 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsIssuesBusinessAHRC1731AEVpdf Último acesso em 9 ago 2019 211 Disponível em httpsdocumentsddsnyunorgdocRESOLUTIONGENG1114471PDFG1114471pdfOpenElement Último acesso em 9 ago 2019 212 Há versão em português elaborada pela organização não governamental atuante na área dos direitos humanos Conectas Disponível em httpwwwconectasorgarquivossiteConectasPrincC3ADpiosOrientadoresRuggiemar20121pdf Acesso em 9 ago 2019 213 Ver a análise crítica do Centro de Direitos Humanos e Empresas HOMA sob a coordenação da Profa Manoela Carneiro Roland da Universidade Federal de Juiz de Fora em httphomacdhecomindexphppt20160629grupodetrabalhodaonusobredireitoshumanos eempresashomadivulgaanalisedorelatoriodavisitaaobrasilelancacampanhapelotratadovincu lante Último acesso em 9 ago 2019 214 Disponível em httpwwwohchrorgENHRBodiesHRCRegularSessionsSession26PagesResDecStataspx Último acesso em 9 ago 2019 215 Conferir na Parte II Capítulo V item 21 deste Curso 216 Constituição da Organização Mundial da Saúde OMSWHO 1946 217 A ADI 4249 foi proposta pela Confederação Nacional do Turismo CNTUR 218 Resolução de Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA 219 ICSID Sigla em inglês Centro Internacional para Resolução de Controvérsias sobre Investimentos do Banco Mundial 220 Decisão pode ser encontrada no site httpswwwiisdorgitn20181018philipmorrisvuruguay 221 Decisão pode ser encontrada no site httpspcacasescomwebsendAttach2190 222 Cf httpwwwplanaltogovbrccivil03DNN2003Dnn9944htm 223 Agradeço ao Professor Luís Renato Vedovato Unicamp pela colaboração na redação deste texto sobre a CQCT 224 CARVALHO RAMOS André de Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos Rio de Janeiro Renovar 2004 225 Disponível em httpwwwoasorgescidhmandatocomposicionasptab3 Acesso em 9 ago 2019 226 São 23 Estados que ratificaram a CADH Argentina Barbados Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Rica Dominica Equador El Salvador Granada Guatemala Haiti Honduras Jamaica México Nicarágua Panamá Paraguai Peru República Dominicana Suriname Uruguai 227 São 12 Estados que ainda não são partes da CADH Antígua e Barbuda Bahamas Belize Canadá Cuba Estados Unidos Guiana São Cristóvão e Névis Saint Kitts and Nevis Santa Lúcia São Vicente e Granadinas Trinidad e Tobago foi parte de 1991 a 1998 Venezuela foi parte de 1977 a 2012 228 Ver na Parte IV sobre os direitos em espécie a implantação tardia no Brasil da audiência de custódia 229 Ver RE 466343 rel Min Cezar Peluso j 3122008 Plenário DJe de 562009 RE 349703 rel Min Carlos Britto j 3 122008 Plenário DJe de 562009 HC 92566 rel Min Marco Aurélio j 3122008 Plenário DJe de 562009 Tais leading cases e outros precedentes deram origem ao enunciado de Súmula Vinculante n 25 do STF É ilícita a prisão civil de depositário infiel qualquer que seja a modalidade do depósito 230 O Autor deste livro à época Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do Estado de São Paulo Ministério Público Federal foi quem propôs a ação civil pública contra a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista 231 Em face do teor do art 23 discutese na atualidade a inconvencionalidade da Lei da Ficha Limpa Lei Complementar n 135 que aumentou as hipóteses de inelegibilidade e agravou ainda o quadro normativo das hipóteses já existentes Ver a análise da temática na parte deste livro referente aos direitos em espécie 232 O art 43 dispõe que os Estadospartes obrigamse a proporcionar à Comissão as informações que esta lhes solicitar sobre a maneira pela qual seu direito interno assegura a aplicação efetiva de quaisquer disposições desta Convenção Já a alínea d do art 48 dispõe que a Comissão ao receber uma petição ou comunicação na qual se alegue a violação de qualquer dos direitos consagrados nesta Convenção procederá da seguinte maneira d se o expediente não houver sido arquivado e com o fim de comprovar os fatos a Comissão procederá com conhecimento das partes a um exame do assunto exposto na petição ou comunicação Se for necessário e conveniente a Comissão procederá a uma investigação para cuja eficaz realização solicitará e os Estados interessados lhe proporcionarão todas as facilidades necessárias 233 Para competência composição e funcionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos conferir Capítulo V da Parte II 234 Art 165 do novo CPC 2015 Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar orientar e estimular a autocomposição 235 Disponível em httpwwwoasorgjuridicospanishfirmasa61html Acesso em 9 ago 2019 236 Disponível em httpwwwoasorgjuridicospanishfirmasa65html Acesso em 9 ago 2019 237 Disponível em httpwwwoasorgjuridicospanishfirmasa60html Acesso em 4 ago 2017 238 Ver a posição favorável do STF no que tange à criação de novos tipos criminais sujeitos à imprescritibilidade na Parte IV item 241 deste Curso 239 Artigo 2º Para realizar os princípios em que se baseia e para cumprir com suas obrigações regionais de acordo com a Carta das Nações Unidas a Organização dos Estados Americanos estabelece como propósitos essenciais os seguintes b Promover e consolidar a democracia representativa respeitado o princípio da não intervenção 240 Vide sobre direitos políticos o item 48 da Parte IV 241 Dados disponíveis em httpswwwunorgeneventsolderpersonsdaybackgroundshtml Acesso em 15 ago 2019 242 Vide item 3 da Parte IV sobre o direito à vida 243 Disponível em httpwwwoasorgessladditratadosmultilateralesinteramericanosA 69discriminacionintoleranciafirmasasp Acesso em 27 ago 2018 244 Ver na Parte IV Capítulo 49 deste Curso análise da proteção internacional e nacional dos direitos sexuais e reprodutivos 245 Disponível em httpwwwoasorgessladditratadosmultilateralesinteramericanosA68racismofirmasasp Acesso em 27 ago 2018 246 O Princípio 10 consiste em um dos 27 princípios do documento final aprovado na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992 ECO92 Princípio 10 a melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação no nível apropriado de todos os cidadãos interessados No nível nacional cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular colocando as informações à disposição de todos Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos inclusive no que se refere à compensação e à reparação de danos 247 Em 2005 a Venezuela apresentou pedido de adesão plena ao Mercosul com acolhimento consensual do pleito pela Decisão CMC n 2905 de 8 de dezembro de 2005 O Protocolo de adesão da República bolivariana da Venezuela ao Mercosul foi assinado em 2006 mas a adesão da Venezuela ao Mercosul foi concluída somente em 2012 seis anos de espera ver abaixo a crise do impeachment do Presidente Lugo por meio da Decisão do Conselho Mercado Comum n 272012 Como a própria decisão estabeleceu não houve a necessidade de incorporação de tal decisão CMC por regular aspectos da organização do bloco Íntegra da decisão disponível em httpwwwdesenvolvimentogovbrarquivosdwnl1377717164pdf Acesso em 24 jun 2016 248 Sobre a proteção de direitos humanos na integração econômica ver CARVALHO RAMOS André de Direitos humanos na integração econômica Rio de Janeiro Renovar 2008 249 O Congresso brasileiro aprovou o texto do Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul Bolívia e Chile por meio do Decreto Legislativo n 452 de 14 de novembro de 2001 De acordo com o artigo 10 do Protocolo este entrou em vigor para o Brasil em 17 de janeiro de 2002 O Protocolo foi promulgado no Brasil pelo Decreto n 4210 em 24 de abril de 2002 250 Para maior desenvolvimento ver por todos CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 251 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 252 Disponível em httpwwwohchrorgENHRBodiesSPPagesWelcomepageaspx Acesso em 13 ago 2019 253 Disponível em httpacnudhorgwpcontentuploads201705AHRCWG627L9Brazilpdf Em português httpsnacoesunidasorgwpcontentuploads201708RPUBrasildocxdocxpdf Acesso em 9 ago 2019 254 As informações e documentos sobre o Brasil e os três ciclos estão disponíveis em httpswwwohchrorgENHRBodiesUPRPagesBRindexaspx Acesso em 13 ago 2019 255 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 256 As agências especializadas são organizações internacionais com personalidade jurídica própria e distinta da personalidade jurídica da ONU que possuem objetivos comuns aos da ONU e celebraram acordos de colaboração e coordenação com a ONU Há agências até anteriores à ONU Organização Internacional do Trabalho por exemplo é de 1919 257 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 258 Ver mais detalhes em CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 259 Apenas em 12 de junho de 2003 quase um ano depois houve a internalização do referido ato por meio da edição de Decreto n 47382003 260 Decreto n 4316 de 30 de julho de 2002 261 Decreto n 6949 de 25 de agosto de 2009 262 Decreto n 6085 de 19 de abril de 2007 263 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 264 Comissão Interamericana de Direitos Humanos Casos n 12426 e 12427 ambos de 2001 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 265 Medida cautelar de 16 de dezembro de 2013 266 Conferir em httpwwwoasorgescidhdecisionescautelaresasp Acesso em 24 ago 2018 267 Agradeço a Surrailly Youssef a atualização do presente trecho 268 São os seguintes 20 Estados Partes da Convenção Americana de Direitos Humanos que reconhecem a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte IDH Argentina Barbados Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Guatemala Haiti Honduras México Nicarágua Panamá Paraguai Peru República Dominicana Suriname Uruguai Apesar de terem ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos não reconheceram a jurisdição contenciosa da Corte IDH os seguintes Estados Dominica Granada e Jamaica 269 Após a renúncia do Juiz Roberto Caldas em maio de 2018 a Corte IDH decidiu continuar seus trabalhos sem solicitar a nomeação de novo juiz para completar o mandato uma vez que este findaria ao final de 2018 270 Sobre as minúcias da responsabilidade internacional por violação de direitos humanos ver CARVALHO RAMOS André de Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos Rio de Janeiro Renovar 2004 271 ESAP é a sigla para Escrito de solicitudes argumentos y pruebas 272 Ver entre outros Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Amrhein e outros vs Costa Rica sentença de 25 de abril de 2018 parágrafo 148 273 Cf Resoluções de 19 de junho de 2002 29 de agosto de 2002 22 de abril de 2004 7 de julho de 2004 21 de setembro de 2005 2 de maio de 2008 25 de novembro de 2009 274 Referente ao Complexo do Tatuapé Resoluções de 17 de novembro de 2005 4 de julho de 2006 e ainda de 3 de julho de 2007 275 Resoluções de 28 de julho de 2006 e 30 de setembro de 2006 276 Medida Provisória de 22 de maio de 2014 Resoluções de 15 de novembro de 2017 e 28 de novembro de 2018 277 Medida Provisória de 18 de novembro de 2014 Resoluções de 13 fevereiro de 2017 e 14 de março de 2018 278 Resolução de 15 de julho de 2009 279 Resoluções de 25 de fevereiro de 2011 26 de julho de 2011 1º de setembro de 2011 26 de abril de 2012 20 de novembro de 2012 21 de agosto de 2013 29 de janeiro de 2014 26 de setembro de 2014 23 de junho de 2015 e 15 de novembro de 2017 280 Resolução de 13 de fevereiro de 2017 31 de agosto de 2017 e 22 de novembro de 2018 281 Resolução de 13 de fevereiro de 2017 282 Nesses casos o cômputo em dobro deverá ser precedido de exame criminológico com equipe técnica interdisciplinar 283 Resolução de 22 de novembro de 2018 e de 28 de novembro de 2018 284 Agradeço a Surrailly Yousseff e a Raquel da Cruz Lima pela atualização 285 69 foram decisões de interpretação da sentença do caso contencioso 286 A chamada Operação Condor foi uma união de forças das ditaduras da Argentina Uruguai Brasil e Chile para troca de informação tortura perseguição e assassinatos dos opositores 287 Sobre o tema da cooperação jurídica internacional e os direitos humanos ver a obra indispensável de ABADE Denise Neves Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 288 Corte IDH Caso Suárez Peralta vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Voto dissidente do Juiz Ferrer MacGregor Poisot de 21 de maio de 2013 Série C n 261 289 Neste ponto a Corte fez menção aos casos Comunidad Indígena Yakye Axa vs Paraguay 217 e Caso Comunidad Garífuna de Punta Piedra y sus miembros vs Honduras 324 290 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 291 Já ratificada e incorporada internamente no Brasil pelo Decreto n 24271997 Ver mais sobre pessoa jurídica no Direito Internacional Privado no comentário ao artigo 11 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em CARVALHO RAMOS André de GRAMSTRUP Erik G Comentários à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro São Paulo Saraiva 2016 292 Agradeço a Surrailly Youssef e a Raquel da Cruz Lima pela atualização dos últimos casos contenciosos e consultivos da Corte IDH bem como os novos dados das medidas cautelares e provisórias contra o Brasil 293 Conferir sobre o tema Corte Permanente de Justiça Internacional Parecer Consultivo sobre a Carelia Oriental PCIJ Série B n 5 1923 p 27 Em sentido contrário defendendo uma interpretação generosa e a favor da jurisdição consultiva conferir o voto concorrente do Juiz Cançado Trindade na Opinião Consultiva n 1597 da Corte Interamericana de Direitos Humanos Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos Parecer sobre os relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos art 51 Parecer n 1597 de 14 de novembro de 1997 Série A n 15 voto concorrente do Juiz Antônio Augusto Cançado Trindade 294 Sobre a postura distinta da OEA durante a crise do impeachment do Presidente Lugo conferir em MCCOY Jennifer L Challenges for the Collective Defense of Democracy on the Tenth Anniversary of the InterAmerican Democratic Charter In Latin American Policy v 3 n 1 p 3357 Disponível em httpwwwplataformademocraticaorgPublicacoes22343pdf Último acesso em 10 ago 2019 295 A UNASUL também busca a promoção da democracia nos seus Estados Partes O Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da UNASUL sobre Compromisso com a Democracia assinado na IV Reunião do Conselho de Chefes de Estado da UNASUL realizada em Georgetown Guiana em 26 de novembro de 2010 prevê mecanismo concreto para a proteção defesa e eventual restauração da democracia Tal qual o Protocolo de Ushuaia II há a previsão de adoção de medidas como o fechamento de fronteiras terrestres limitação ou suspensão do comércio tráfego aéreo e marítimo comunicações provimento de energia e outros serviços entre outras medidas contra o Estado no qual houve a ruptura democrática 296 Tribunal Permanente de Revisão Laudo en el procedimiento excepcional de urgencia solicitado por la República del Paraguay en relación con la suspensión de su participación en los órganos del Mercado Común del Sur Mercosur y a la incorporación de Venezuela como miembro pleno Laudo n 012012 de 21 de julho de 2012 Disponível em httpwwwmercosurintinnovaportalfile4401laudo012012ptpdf Último acesso em 9 ago 2019 297 In verbis Art 52 Tais medidas compreenderão desde a suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos dos respectivos processos de integração até a suspensão dos direitos e obrigações resultantes destes processos 298 LEMKIN Raphael Axis Rule in Occupied Europe Laws of Occupation Analysis of Government Proposals for Redress Washington Carnegie Endowment for International Peace 1944 em especial p 7995 Capítulo IX Genocide 299 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 300 É crime de guerra de natureza ambiental previsto no art 82 e iv Lançar intencionalmente um ataque sabendo que o mesmo causará prejuízos extensos duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa 301 SILVA Virgílio Afonso da Interpretação constitucional e sincretismo metodológico In SILVA Virgílio Afonso da Org Interpretação constitucional São Paulo Malheiros 2005 p 115144 em especial p 123 302 Fique registrado que poderíamos utilizar o termo tratado tão somente e não tratado internacional Porém como a própria Constituição utiliza tratado internacional utilizaremos o termo indistintamente 303 Grifo meu Ratificada e incorporada internamente no Brasil em 2009 304 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 p 311 305 PIOVESAN F Direitos humanos e o direito constitucional internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2006 p 71 306 MELLO Celso A O 2º do art 5º da Constituição Federal In TORRES Ricardo Lobo Teoria dos direitos fundamentais 2 ed Rio de Janeiro Renovar 2001 p 133 em especial p 25 307 CANÇADO TRINDADE A A A interação entre direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos Arquivos do Ministério da Justiça 182 1993 p 2754 308 SILVA José Afonso da Comentário contextual à Constituição 2 ed São Paulo Malheiros 2006 p 179 309 PIOVESAN F Direitos humanos e o direito constitucional internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2006 p 77 310 Ver também a Súmula Vinculante 25 É ilícita a prisão civil de depositário infiel qualquer que seja a modalidade do depósito 311 Para usarmos a feliz expressão de Walter Rothenburg Ver ROTHENBURG Walter Claudius Direitos fundamentais e suas características Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política n 29 outdez 1999 p 5565 em especial p 62 312 STF ADI 595ES rel Celso de Mello 2002 Decisão publicada no DJU de 2622002 Também disponível no Informativo n 258 do STF 313 STF ADI 2649 voto da Ministra Cármen Lúcia 2008 atualizando o entendimento anterior de ausência de força vinculante do Preâmbulo visto na ADI 2076AC de 2002 314 SAGÜES Nestor Pedro El control de convencionalidad en el sistema interamericano y sus antecipos en el ámbito de los derechos económicossociales Concordancias y diferencias con el sistema europeo In BOGDANDY Armin von FIX FIERRO Héctor ANTONIAZZI Mariela Morales MACGREGOR Eduardo Ferrer orgs Construcción y Papel de los Derechos Sociales Fundamentales Hacia un ius constitucionale commune en América Latina Universidad Nacional Autônoma de México Instituto de Investigaciones Jurídicas 2011 Disponível em httpbibliojuridicasunammxlibros7306316pdf Acesso em 15 out 2016 315 Voto concordante do juiz ad hoc Roberto Caldas Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Gomes Lund e outros vs Brasil julgamento de 24112010 316 Decreto n 4316 de 30 de julho de 2002 317 Apenas em 12 de junho de 2003 quase um ano depois houve a internalização do referido ato por meio da edição de Decreto n 47382003 318 Decreto n 6085 de 19 de abril de 2007 319 Decreto n 6949 de 25 de agosto de 2009 320 Decreto Legislativo n 311 publicado no DSF de 17 de junho de 2009 Aprova o texto do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos adotado em Nova Iorque em 16 de dezembro de 1966 e do Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte adotado e proclamado pela Resolução n 44128 de 15 de dezembro de 1989 com a reserva expressa no seu art 2º 321 Sobre a interpretação internacionalista dos tratados em contraposição à interpretação nacionalista que cria os tratados internacionais nacionais ver minha obra Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 322 A posição do Autor deste Curso sobre o Diálogo das Cortes consta do voto do Min Fachin na Extradição n 1362 em trâmite 323 CARVALHO RAMOS André de Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos Rio de Janeiro Renovar 2004 p 192 e s 324 A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados estabelece em seu art 27 que uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado Esta regra não prejudica o artigo 46 Ainda estipula o art 29 que um tratado em geral é aplicável em todo o território de um Estado o que também é válido para os Estados Federais 325 IDC 2DF rel Min Laurita Vaz Terceira Seção j 27102010 DJe de 22112010 326 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 327 CAZETTA Ubiratan Direitos humanos e federalismo o incidente de deslocamento de competência São Paulo Atlas 2009 328 Esta modificação foi veiculada pela Lei n 13266 publicada no dia 5 de abril de 2016 329 Esta modificação foi veiculada por meio da edição da MPV n 726 publicada no dia 12 de maio de 2016 330 A decisão final de impeachment de Dilma Vilma Rousseff foi tomada no Senado Federal em 31 de agosto de 2016 tendo sido julgada procedente a denúncia por crime de responsabilidade por 61 votos registrandose 20 votos contrários e nenhuma abstenção ficando assim a acusada condenada à perda do cargo de Presidente da República Federativa do Brasil Em votação subsequente o chamado fatiamento o Senado Federal decidiu afastar a pena de inabilitação para o exercício de cargo público em virtude de não se ter obtido nessa votação feita em separado dois terços dos votos constitucionalmente previstos tendose verificado 42 votos favoráveis à aplicação da pena 36 contrários e 3 abstenções O resultado final consta da Resolução n 352016 do Senado Federal de 31 de agosto de 2016 publicada no mesmo dia em edição extraordinária do Diário Oficial da União Atos do Senado Federal 331 De acordo com a Lei n 138442019 332 Por exemplo a autoorganização do Poder Legislativo está prevista nos arts 49 VI e VII art 51 III e IV e ainda nos arts 52 XII e XIII Já no que tange ao Poder Judiciário conferir o art 96 I a e b 333 A redação original era a seguinte Art 84 Compete privativamente ao Presidente da República VI dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal na forma da lei Grifo meu Com a EC 32 foi suprimida a expressão na forma da lei 334 Disponível em httpwwwmpfmpbrpgrdocumentosnotapublicadecreto9759pdfview Acesso em 24 ago 2019 335 Ver na Parte IV item 52 a análise do decreto autônomo e o princípio da legalidade 336 Em vigor na data do fechamento desta edição 337 Art 49 São atribuições do ProcuradorGeral da República como Chefe do Ministério Público Federal XV designar membro do Ministério Público Federal para a funcionar nos órgãos em que a participação da Instituição seja legalmente prevista ouvido o Conselho Superior 338 Disponível em httpswwwmdhgovbrinformacaoaocidadaoparticipacaosocialorgaoscolegiados Acesso em 24 ago 2019 339 Disponível em httpswwwmdhgovbrinformacaoaocidadaoparticipacaosocialorgaoscolegiados Acesso em 24 ago 2019 340 Disponível em httpswwwmdhgovbrinformacaoaocidadaoparticipacaosocialorgaoscolegiados Acesso em 24 ago 2019 341 Cabe salientar que o conflito de atribuição entre membro do Ministério Público Federal e membro do Ministério Público Estadual deve ser dirimido pelo ProcuradorGeral da República e não pelo Conselho Nacional do Ministério Público de acordo com o posicionamento atual do STF Ver entre outras decisões do STF Entendimento superveniente firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal no sentido da incompetência da Corte para apreciar conflitos de atribuição entre ministérios públicos ACO 924PR ACO 1394RN Pet 4706DF e Pet 4863RN Atribuição definida ao PGR ACO 1567 QO rel Min Dias Toffoli j 1782016 P DJe de 1º82017 Contudo em fevereiro de 2019 no julgamento da ACO n 843 o Min Alexandre de Moraes considerando não existir hierarquia entre o Ministério Público da União e os estaduais votou pela modificação da jurisprudência atual devendo a definição sobre a atribuição deve ficar a cargo do Conselho Nacional do Ministério Público CNMP O Min Barroso votou a favor da manutenção da atribuição do PGR O Min Fux pediu vista A ACO 843 proposta em 2009 continua em trâmite outubro de 2019 342 O autor do presente Curso foi o primeiro titular desta Secretaria de Direitos Humanos da PGR 20172019 343 Art 4º São funções institucionais da Defensoria Pública dentre outras VI representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos postulando perante seus órgãos introduzido pela LC n 1322009 344 Nessa linha ver o seguinte precedente do STF Há de se distinguir no processo penal duas formas de atuação do Ministério Público A primeira como dominus litis e outra como custos legis O promotor de justiça agiu como titular da ação penal ao oferecer denúncia e contrarrazões à apelação aviada Já no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e no STJ atuaram o procurador de justiça e o subprocuradorgeral da República como fiscais da lei Não há contraditório a ser assegurado após a manifestação ministerial pois não houve ato de parte e sim do fiscal da lei Não havendo contraditório não há quebra de isonomia quanto aos prazos HC 81436 voto do rel Min Néri da Silveira j 11122001 2ª T DJ de 22 22002 e RHC 107584 rel Min Luiz Fux j 1462011 1ª T DJe de 2892011 345 MARQUES Claudia Lima A pessoa no mercado e a proteção dos vulneráveis no direito privado brasileiro In MENDES Gilmar Ferreira GRUNDMANN Stefan MARQUES Claudia Lima BALDUS Christian e MALHEIROS Manuel Direito privado Constituição e fronteiras Encontros da Associação LusoAlemã de Juristas no Brasil 2 ed São Paulo RT 2014 p 287331 em especial p 317318 346 In verbis Defiro o ingresso como amici curiae do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM o Instituto Terra Trabalho e Cidadania ITTC e a Pastoral Carcerária Nacional bem como de todas as Defensorias Estaduais que vierem a requerer sua admissão nos autos Anotese 347 Ver abaixo no capítulo referente à extradição In verbis Em 1462019 os pedidos de admissão de amici curiae da Defensoria Pública da União DPU do Centro Cultural BrasilTurquia CCBT e da Associação de Direitos Humanos em Rede Conectas Direitos Humanos 348 Dados disponíveis em httpsnhriohchrorgENAboutUsGANHRIAccreditationPagesdefaultaspx Acesso em 24 ago 2019 349 A sessão ocorreu em Genebra Suíça de 14 a 18 de outubro de 2019 350 Ver mais sobre a fundamentação da extensão dos direitos a estrangeiros não residentes na Parte IV item 50 deste Curso Direitos dos migrantes 351 Como será visto em item próprio neste Curso 352 Como já visto a Corte Interamericana de Direitos Humanos na Opinião Consultiva n 22 não aceita que a pessoa jurídica possa ter direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos 353 ROTHENBURG Walter Claudius Direitos fundamentais São Paulo GENMétodo 2014 p 71 354 DIMITRI Dimoulis Vida Direito à In DIMOULIS Dimitri et al Orgs Dicionário brasileiro de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 v 1 p 397399 355 Art 124 Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque Pena detenção de um a três anos Art 126 Provocar aborto com o consentimento da gestante Pena reclusão de um a quatro anos Parágrafo único Aplicase a pena do artigo anterior se a gestante não é maior de quatorze anos ou é alienada ou débil mental ou se o consentimento é obtido mediante fraude grave ameaça ou violência 356 REY MARTÍNEZ Fernando Eutanasia y derechos fundamentales Madrid Centro de Estudios Políticos y Constitucionales 2008 357 Este protocolo entrou em vigor em 11 de julho de 1991 358 Este protocolo entrou em vigor em 1º de julho de 2003 359 Corte Europeia de Direitos Humanos Söering vs Reino Unido julgamento de 7 de julho de 1989 Série A 161 360 Ver mais sobre o caso em ABADE Denise Neves Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 361 Comitê de Direitos Humanos Comentário Geral n 18 de 1989 em especial parágrafo 7º Ver mais sobre os comentários ou observações gerais em CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 362 ROTHENBURG Walter Claudius Igualdade In LEITE George Salomão SARLET Ingo Wolfgang Coords Direitos fundamentais e estado constitucional estudos em homenagem a J J Gomes Canotilho São Paulo Revista dos Tribunais Coimbra Coimbra Ed 2009 p 346371 363 ARISTÓTELES Política 3 ed Brasília Universidade de Brasília 1997 em especial p 97 364 ROTHENBURG Walter Claudius Igualdade In LEITE George Salomão SARLET Ingo Wolfgang Coords Direitos fundamentais e estado constitucional estudos em homenagem a J J Gomes Canotilho São Paulo Revista dos Tribunais Coimbra Coimbra Ed 2009 p 346371 365 RAWLS John Uma teoria da justiça Trad Almiro Pisetta Lenita M R Esteves São Paulo Martins Fontes 1997 p 3 366 BARROSO Luís Roberto e OSÓRIO Aline Rezende Peres Sabe com quem está falando algumas notas sobre o princípio da igualdade no Brasil contemporâneo Direito Práxis v 7 n 13 2016 p 204232 367 BANDEIRA DE MELLO Celso Antônio Conteúdo jurídico do princípio da igualdade 3 ed São Paulo Malheiros 1993 368 GOMES Joaquim B Barbosa Ação afirmativa princípio constitucional da igualdade Rio de Janeiro Renovar 2001 p 24 369 GOMES Joaquim B Barbosa Ação afirmativa princípio constitucional da igualdade Rio de Janeiro Renovar 2001 p 4041 370 IKAWA Daniela Ações afirmativas em universidades Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 371 Vitorelli defende em estudo indispensável à matéria que a Lei n 1299014 é inconstitucional do ponto de vista formal somente emenda constitucional poderia agregar critério diverso do mais apto para a função para preenchimento de vaga no serviço público e do ponto de vista material por violar o princípio da igualdade e da motivação dos atos administrativos eis que a lei não explicita os fatores pelos quais pode entender que houve declaração falsa VITORELLI Edilson O equívoco brasileiro cotas raciais em concursos públicos Revista de Direito Administrativo v 271 p 281315 maio 2016 372 QUIÑONES Paola Pelletier La discriminación estructural en la evolución jurisprudencial de la Corte Interamericana de Direitos Humanos Revista del Instituto Interamericano de Derechos Humanos v 60 2014 p 204215 373 Corte Europeia de Direitos Humanos Caso DH e outros vs República Checa julgamento de 13 de novembro de 2007 374 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Nadege Dorzema et al v República Dominicana sentença de 24 de outubro de 2012 parágrafo 236 Ver também Corte IDH Caso das Pessoas dominicanas e haitianas expulsas v República Dominicana sentença de 28 de agosto de 2014 parágrafos 153169 375 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil sentença de 20 de outubro de 2016 em especial parágrafo 339 376 Conforme definido pelo Programa de Combate ao Racismo Institucional PRCI hoje vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos Ver em FONSECA Igor Ferraz da Inclusão política e racismo institucional reflexões sobre o programa de combate ao racismo institucional e o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial In Planejamento e Políticas Públicas n 45 juldez 2015 p 329345 em especial p 336 Essa expressão foi utilizada pela primeira vez na obra de Hamilton e Carmichael na qual dividem o racismo em duas categorias o racismo individual aberto e o racismo institucional camuflado CARMICHAEL S HAMILTON C Black power the politics of liberation in America New York Vintage 1967 em especial p 4 377 Adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 661994 e ratificada pelo Brasil em 2711 1995 378 Sexo referese às características biológicas de um ser homem ou mulher Já gênero consiste no conjunto de aspectos sociais culturais políticos relacionados a diferenças percebidas entre os papéis masculinos e femininos em uma sociedade Assim o travesti e o transexual referemse à identidade de gênero de uma determinada pessoa 379 Art 88 Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas 380 Em relação ao art 33 que prevê que varas comuns acumulem as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher enquanto não estiverem estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher não há inconstitucionalidade pela violação da competência dos Estadosmembros Também o art 41 da lei é constitucional não ofendendo o art 98 I da CF que trata dos crimes de menor potencial ofensivo pois o legislador pode considerar que os casos que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher não são crimes de menor potencial ofensivo Nesse sentido cabe lembrar que também os crimes afetos à Justiça Militar não estão sob a incidência da Lei n 909995 art 90A da Lei n 909995 que reza As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar 381 Intervenção oral no julgamento da ADC 19DF rel Min Marco Aurélio j 922012 382 Veja os requisitos do IDC acima neste Curso 383 Sobre o sistema europeu de direitos humanos ver CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 384 Art 20 Salvo se autorizadas ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública a divulgação de escritos a transmissão da palavra ou a publicação a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber se lhe atingirem a honra a boa fama ou a respeitabilidade ou se se destinarem a fins comerciais Parágrafo único Em se tratando de morto ou de ausente são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge os ascendentes ou os descendentes Art 21 A vida privada da pessoa natural é inviolável e o juiz a requerimento do interessado adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma 385 Art 331 Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela Pena detenção de seis meses a dois anos ou multa 386 Voto do Min Ribeiro Dantas STJ REsp n 1640084SP Rel Ministro Ribeiro Dantas 5ª Turma j 15122016 DJe 1º2 2017 387 STJ Habeas Corpus n 379269MS Terceira Seção rel para o acórdão Min Antonio Saldanha Ribeiro julgamento de 24 de maio de 2017 Data de Publicação DJe 3062017 388 Na Terceira Seção votaram a favor da constitucionalidade e convencionalidade do crime de desacato os Ministros Antonio Saldanha Palheiro relator para acórdão Felix Fischer Maria Thereza de Assis Moura Jorge Mussi Rogerio Schietti Cruz e Nefi Cordeiro Votaram vencidos pela invalidade do crime de desacato por ofensa à Convenção Americana de Direitos Humanos os Ministros Reynaldo Soares da Fonseca relator original e Ribeiro Dantas 389 Art 13 Liberdade de pensamento e de expressão 2 O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia mas a responsabilidades ulteriores que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar a o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas b a proteção da segurança nacional da ordem pública ou da saúde ou da moral públicas 390 STF HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 391 SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional em especial A liberdade de expressão e o problema do hate speech Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 392 A frase transcrita nos autos e apontada como prática de discriminação foi eu fui em um quilombo em Eldorado Paulista Olha o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas Não fazem nada Acho que nem para procriador eles servem mais STF Inq 4964DF rel Min Marco Aurélio j 11092018 publicado no DJe de 1º82019 393 Também denominada Lei Caó Art 20 Praticar induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional Ver mais sobre a Lei Caó abaixo na Parte IV item 243 394 Eis os dispositivos impugnados da Lei n 950497 Lei das Eleições com a redação da Lei n 13165 Art 45 Encerrado o prazo para a realização das convenções no ano das eleições é vedado às emissoras de rádio e televisão em sua programação normal e em seu noticiário II usar trucagem montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que de qualquer forma degradem ou ridicularizem candidato partido ou coligação ou produzir ou veicular programa com esse efeito III veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato partido coligação a seus órgãos ou representantes O STF ainda considerou inconstitucional por arrastamento os 4º e 5º do art 45 da Lei n 950497 Lei das Eleições os quais definem os conceitos de trucagem e montagem referenciados nos incisos II e III do citado art 45 395 BARROSO Luís Roberto Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová Dignidade humana liberdade religiosa e escolhas existenciais Disponível em httpwwwluisrobertobarrosocombrwp contentthemesLRBpdftestemunhasdejeovapdf Acesso em 9 ago 2019 396 MORAES Alexandre de Direito constitucional 24 ed São Paulo Atlas 2009 p 53 397 WARREN Samuel D BRANDEIS Louis D The right of privacy Harvard Law Review n 5 p 193220 1890 398 No Brasil ver COSTA JR Paulo José da O direito de estar só tutela penal da intimidade 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1995 399 ROTHENBURG Walter Claudius O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais In OLIVEIRA NETO Olavo de LOPES Maria Elizabeth de Castro Coords Princípios processuais civis na Constituição Rio de Janeiro Elsevier 2008 p 283319 400 Corte Europeia de Direitos Humanos Von Hannover vs Germany Application n 5932000 julgamento de 2462004 Segundo julgamento Corte Europeia de Direitos Humanos Von Hannover vs Germany n 2 application ns 4066008 and 6064108 j 722012 401 Ver o primeiro caso Lebach em MARTINS Leonardo Org Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão Montevidéu Konrad Adenauer Stiftung 2005 O segundo caso Lebach Lebach II foi julgado em 25 de novembro de 1999 BVerfGE n 1 p 349 1999 402 Tribunal de Grande Instance Seine 14 de outubro de 1965 Mme S c Soc Rome Paris Film confirmado CA Paris 15 de março de 1967 403 Tribunal de Grande Instance Paris 20 de abril de 1983 Mme M c Filipacchi et soc Cogedipresse 404 Ver parágrafo 97 da sentença Tribunal de Justiça da União Europeia C13112 julgamento de 1352014 Disponível em httpcuriaeuropaeujurisdocumentdocumentjsfdocid152065doclangES Acesso em 9 ago 2019 405 Enunciado disponível em httpwwwcjfjusbrCEJCoedijornadascejenunciadosvijornadaAcesso em 9 ago 2019 406 Disponível em httpwwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo346318 Acesso em 9 ago 2019 407 Tendo sido citado o Autor do presente Curso 408 Nessa linha defendendo o uso da tutela inibitória para proteger o direito à privacidade ver ARENHART Sérgio Cruz A tutela inibitória da vida privada São Paulo Revista dos Tribunais 2000 409 MENDES Gilmar Ferreira Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade 3 ed São Paulo Saraiva 2004 em especial p 86 410 Art 10 Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas de informática ou telemática ou quebrar segredo da Justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei Pena reclusão de dois a quatro anos e multa 411 Código de Processo Penal art 303 Nas infrações permanentes entendese o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência 412 Nesse sentido MORAES Alexandre de Direitos humanos fundamentais 9 ed São Paulo Atlas 2011 p 152153 413 Ver abaixo a análise da lei 414 Entre outros citese o art 83 da Lei n 942096 Art 83 A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts 1º e 2º da Lei n 8137 de 27 de dezembro de 1990 e aos crimes contra a Previdência Social previstos nos arts 168A e 337A do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final na esfera administrativa sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente 415 Ver a seguir a posição final do STF em 2016 a favor da constitucionalidade da transferência dos dados sujeitos a sigilo bancário para o Fisco sem ordem judicial 416 STF Plenário ADI 2390DF ADI 2386DF ADI 2397DF e ADI 2859DF rel Min Dias Toffoli j 2422016 STF Plenário RE 601314SP rel Min Edson Fachin j 2422016 repercussão geral tendo sido fixada a tese O art 6º da Lei Complementar 10501 não ofende o direito ao sigilo bancário pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos por meio do princípio da capacidade contributiva bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal 417 STF ADI 2390DF rel Min Dias Toffoli j 2422016 ADI 2386DF rel Min Dias Toffoli j 2422016 ADI 2397DF rel Min Dias Toffoli j 2422016 ADI 2859DF rel Min Dias Toffoli j 2422016 418 STRECK Lenio Luiz As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais Constituição cidadania violência a Lei 929696 e seus reflexos penais e processuais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 419 MORAES Alexandre de Direitos humanos fundamentais 9 ed São Paulo Atlas 2011 p 164 420 Regulamento UE 2016679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016 relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 9546CE Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados 421 Art 282 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar art 319 422 Conforme mencionado no voto do Min relator Teori Zavascki decisão de 452016 STF ACO n 4070DF referendo na ação cautelar j 552016 DJe de 21102016 423 Art 260 Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório reconhecimento ou qualquer outro ato que sem ele não possa ser realizado a autoridade poderá mandar conduzilo à sua presença 424 Ernesto Miranda foi preso por suspeita de autoria do crime de estupro Após foi levado para interrogatório e confessou sem assistência de advogado Condenado recorreu à Suprema Corte americana que anulou o julgamento pela violação ao direito de não ser obrigado a se autoincriminar Em um novo julgamento Miranda foi novamente condenado Anos mais tarde Miranda foi assassinado Ironicamente o suspeito de seu assassinato foi advertido sobre seus direitos graças à Miranda Rule 425 As advertências hoje feitas compõem a chamada Miranda Rule No original You have the right to remain silent Anything you say can and will be used against you in a Court of law You have the right to be speak to an attorney and to have an attorney present during any questioning If you cannot afford a lawyer one will be provided for you at government expense 426 Ver em Miranda vs Arizona 384 US 436 1966 427 Redação anterior do art 186 Antes de iniciar o interrogatório o juiz observará ao réu que embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa 428 A Lei n 107922003 deu nova redação ao art 186 do CPP adequandoo ao processo penal de partes O novo art 186 estipula que Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação o acusado será informado pelo juiz antes de iniciar o interrogatório do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas Parágrafo único O silêncio que não importará em confissão não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa 429 Ver abaixo o item específico sobre as medidas compulsórias de saída do estrangeiro 430 Em até 24 vinte e quatro horas após a realização da prisão será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e caso o autuado não informe o nome de seu advogado cópia integral para a Defensoria Pública 431 CANINEU Maria Luisa O direito à audiência de custódia de acordo com o direito internacional Disponível em httpsredejusticacriminalfileswordpresscom201307rjcboletim05audcustodia2013pdf Acesso em 9 ago 2019 432 Ver em especial Corte IDH Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez vs Equador sentença de 21112007 84 433 O Projeto de Lei do Senado n 5542011 altera o 1º do art 306 do Código de Processo Penal para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial após efetivada sua prisão em flagrante 434 Questionouse o Provimento Conjunto n 3 de 2212015 da Presidência e da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 435 Sobre audiência de custódia ver PAIVA Caio Audiência de custódia e o processo penal brasileiro São Paulo Empório do Direito 2015 436 Art 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal 437 Art 310 II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão 438 Art 310 III conceder liberdade provisória com ou sem fiança 439 São medidas cautelares diversas da prisão já vistas detalhadamente neste Curso I comparecimento periódico em juízo II proibição de acesso ou frequência a determinados lugares III proibição de manter contato com pessoa determinada IV proibição de ausentarse da Comarca V recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga VI suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira VII internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça quando os peritos concluírem ser inimputável ou semiimputável art 26 do Código Penal e houver risco de reiteração VIII fiança IX monitoração eletrônica 440 Art 227 É dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade o direito à vida à saúde à alimentação à educação ao lazer à profissionalização à cultura à dignidade ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária além de colocálos a salvo de toda forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão Redação dada Pela Emenda Constitucional n 65 de 2010 441 Art 3º Os Estados Partes se certificarão de que as instituições os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada 442 Art 49 São direitos do adolescente submetido ao cumprimento de medida socioeducativa sem prejuízo de outros previstos em lei II ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa quando o adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima de seu local de residência 443 Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo MS 00589473320128260000 Rel Des Guerrieri Rezende j 129 2012 444 CARVALHO RAMOS André de Curso de direito internacional privado São Paulo Saraiva 2018 CARVALHO RAMOS André de GRAMSTRUP Erik Frederico Comentários à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB Saraiva São Paulo 2016 445 ZAVASCKI Teori Albino Processo coletivo tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2009 446 ABADE Denise Neves Processo penal Rio de Janeiro Forense São Paulo Método 2014 447 Conforme decidido na ADPF 378 Rel para o acórdão Min Roberto Barroso j 17122015 448 Código de Processo Penal Art 78 Na determinação da competência por conexão ou continência serão observadas as seguintes regras IV no concurso entre a jurisdição comum e a especial prevalecerá esta 449 Por todos ver LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 16 ed São Paulo Saraiva 2012 em especial p 850 853 450 BECCARIA Cesare Dos delitos e das penas Trad Paulo M Oliveira Rio de Janeiro Ediouro 1988 451 FELDENS Luciano A Constituição Penal a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais Porto Alegre Livraria do Advogado 2005 p 49 452 Por todos ver GONÇALVES Luiz Carlos dos Santos Mandados expressos de criminalização e a proteção de direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988 Belo Horizonte Fórum 2007 453 O referido autor critica fortemente a dosimetria da pena reclusão 1 a 3 anos comparandoa com a de homicídio culposo detenção 1 a 3 anos JESUS Damásio de Código Penal anotado 20 ed São Paulo Saraiva 2010 p 520 454 Disponível em httpwwwoasorgptcidhdocspdfViolenciaPessoasLGBTIpdf Acesso em 24 ago 2019 455 Tendo expressamente mencionado no seu voto artigo do Autor do presente Curso 456 Ver a indispensável obra de ABADE Denise Neves Direitos fundamentais e cooperação jurídica internacional extradição assistência jurídica execução da pena e transferência de presos São Paulo Saraiva 2013 457 É recomendável que a inserção de temas de cooperação jurídica internacional em matéria criminal em uma Lei de Migração venha a ser temporário até que seja editada uma lei geral de cooperação jurídica internacional no Brasil 458 A autoridade central é um órgão de comunicação especializado entre Estados na temática da cooperação jurídica internacional Em geral pode integrar a estrutura do Ministério Público ou do Ministério da Justiça No Brasil exerce a função de autoridade central para fins de extradição o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional DRCI da Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania DRCISNJ órgão do Ministério da Justiça De acordo com o Decreto n 86682016 compete ao DRCI exercer a função de autoridade central para o trâmite dos pedidos de cooperação jurídica internacional inclusive em assuntos de extradição de transferência de pessoas condenadas e de execução de penas coordenando e instruindo pedidos ativos e passivos art 10 V 459 Por todos GOMES FILHO Antonio Magalhães Direito à prova no processo penal São Paulo Revista dos Tribunais 1997 460 Sobre cooperação jurídica internacional e direitos fundamentais ver ABADE Denise Neves Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 461 A favor da limitação dos poderes instrutórios penais do juiz fundada no princípio acusatório e da presunção da inocência afastando a aplicação da verdade real em um processo penal de partes ver por todos ABADE Denise Neves Garantias do processo penal acusatório o novo papel do Ministério Público no processo penal de partes Rio de Janeiro Renovar 2005 Em que pese ser esta a posição minoritária a qual este Autor se filia já há precedentes que ao menos inicialmente buscam restringir a atuação de ofício do magistrado no processo penal Em 2011 o STJ manteve a anulação de sentença penal condenatória por ter o juiz criminal na ausência do promotor na audiência de oitiva de testemunha inquirindoa diretamente sem observar seu papel de somente realizar perguntas para complementar o arguido pela acusação e defesa art 212 do CPPSTJ REsp 1259482RS 5ª Turma rel Min Marco Aurélio Bellizze j 4102011 462 Contra defendendo os poderes instrutórios de ofício ilimitados do juiz criminal mesmo em desfavor da defesa ver por todos BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Ônus da prova no processo penal São Paulo Revista dos Tribunais 2003 463 Art 637 O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença 464 Questão de ordem no RE 839163DF rel Min Dias Toffoli j 5112014 465 Conferir na Parte II Capítulo V item 131311 deste Curso 466 Sobre a proteção penal dos direitos humanos ver capítulo específico em CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 467 Sobre litígio estratégico de direitos humanos ver CARDOSO Evorah Lusci Costa Litígio estratégico e sistema interamericano de direitos humanos Belo Horizonte Fórum 2012 VIEIRA Oscar Vilhena ALMEIDA Eloísa Machado de Advocacia estratégica em direitos humanos a experiência da Conectas Revista Internacional de Direitos Humanos v 8 n 15 p 187 e s dez 2011 468 CARVALHO RAMOS André de Direitos humanos em juízo comentários aos casos contenciosos e consultivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos São Paulo Max Limonad 2001 469 WEICHERT Marlon Justiça transicional São Paulo Estúdio Editores 2015 p 35 470 LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 16 ed São Paulo Saraiva 2012 p 1053 471 Por todos ver MEIRELLES Hely Lopes Mandado de segurança e ações constitucionais atualizado por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes 34 ed São Paulo Malheiros 2012 472 LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 16 ed São Paulo Saraiva 2012 473 São denominados medicamentos órfãos aqueles que em condições regulares do funcionamento do mercado capitalista não atrairiam interesse da indústria farmacêutica privada pois atendem apenas um pequeno número de pacientes 474 WEICHERT Marlon Alberto Saúde e federação na Constituição brasileira Rio de Janeiro Lumen Juris 2004 475 Art 23 É competência comum da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios II cuidar da saúde e assistência pública da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência 476 Art 24 Compete à União aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre V produção e consumo XII previdência social proteção e defesa da saúde Art 30 Compete aos Municípios I legislar sobre assuntos de interesse local Ver precedentes do STF abaixo 477 CF88 Art 208 O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de IV educação infantil em creche e préescola às crianças até 5 cinco anos de idade V acesso aos níveis mais elevados do ensino da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um 478 Sobre o movimento Escola sem partido e sobre a busca da eliminação de doutrinação nas escolas ver a Nota Técnica n 22017 da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão de 15 de março de 2017 Disponível em httppfdcpgrmpfmpbratuacaoeconteudosdeapoiogruposdetrabalhodireitossexuaisereprodutivosatuacaodo gtnotatecnica22017pfdc Acesso em 9 ago 2019 479 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso da Comunidade Yakye Axa vs Paraguai sentença de 17 de junho de 2005 Série C n 125 em especial parágrafo 167 480 Art 251 Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bemestar principalmente quanto à alimentação ao vestuário ao alojamento à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários e tem direito à segurança no desemprego na doença na invalidez na viuvez na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade 481 Art 5º De conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2 Os Estados Partes comprometemse a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito de cada uma à igualdade perante a lei sem distinção de raça de cor ou de origem nacional ou étnica principalmente no gozo dos seguintes direitos e direitos econômicos sociais culturais principalmente iii direito à habitação 482 Artigo 14 2 Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar em condições de igualdade entre homens e mulheres que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem e em particular as segurarlhesão o direito a h gozar de condições de vida adequadas particularmente nas esferas da habitação dos serviços sanitários da eletricidade e do abastecimento de água do transporte e das comunicações 483 Artigo 27 3 Os Estados Partes de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito e caso necessário proporcionarão assistência material e programas de apoio especialmente no que diz respeito à nutrição ao vestuário e à habitação 484 Disponível em httpsappswhointirisbitstreamhandle106652760019789241550376engpdfua1 Acesso em 17 ago 2019 485 Art 1º da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 486 Art 1º 1 da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência incorporada internamente pelo Decreto n 39562001 Ver ainda a Standard Rules em Normas Uniformes sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas Portadoras de Deficiência da ONU Resolução AG4896 de 20121993 487 Ver em FONSECA Ricardo Tadeu Marques da A ONU e seu Conceito Revolucionário de Pessoa com Deficiência Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região v 6 n 1 janjun 2010 p 121142 488 Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais parágrafo incluído pela EC 45 de 2004 489 FÁVERO Eugênia Augusta Gonzaga Direitos das pessoas com deficiência Garantia da igualdade na diversidade Rio de Janeiro WWA 2004 490 FÁVERO Eugênia Augusta Gonzaga O direito das pessoas com deficiência de acesso à educação In ARAUJO Luis Alberto David org Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência São Paulo Revista dos Tribunais 2006 p 152174 em especial p 161 491 No Brasil ver a luta da sociedade civil pela promoção da dignidade das pessoas com transtorno do espectro autista em httpwwwautismoerealidadeorg 492 População indígena no Brasil Disponível em httppibsocioambientalorgptc012populacaoindigenanobrasil Acesso em 9 ago 2019 493 KAYSER HartmutEmanuel Os direitos dos povos indígenas do Brasil desenvolvimento histórico e estágio atual Trad de Maria da Glória Lacerda Rurack e KlausPeter Rurak Porto Alegre Fundação Procurador Pedro Jorge Associação Nacional dos Procuradores da República Safe 2010 p 27 494 Convenção n 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT aprovada em 1989 e incorporada internamente pelo Decreto n 50512004 495 Para Duprat dessa forma interditase ao legislador ao administrador ao juiz e a qualquer outro ator estranho ao grupo dizer o que este é de fato In PEREIRA Deborah Macedo Duprat de Britto O Estado pluriétnico Disponível em httpwwwmpfmpbratuacaotematicaccr6documentosepublicacoesartigosdocsartigosestadoplurietnicopdfview Acesso em 9 ago 2019 496 VILLARES Luiz Fernando Direito e povos indígenas Curitiba Juruá 2009 p 76 103 e 104 497 Em 17 de fevereiro de 1956 o Território Federal do Guaporé teve seu nome alterado para Território Federal de Rondônia em homenagem a Rondon Em 1981 o território foi transformado em Estado 498 ANJOS FILHO Robério Nunes dos Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas alguns avanços e obstáculos desde a Constituição de 1988 In DANTAS Miguel Calmon CUNHA JÚNIOR Dirley da TAVARES André Ramos et al orgs Desafios do constitucionalismo brasileiro Salvador JusPodivm 2009 p 243295 499 PEREIRA Deborah Macedo Duprat de Britto O Estado pluriétnico Disponível em httpwwwmpfmpbratuacao tematicaccr6documentosepublicacoesartigosdocsartigosesta doplurietnicopdfview Acesso em 9 ago 2019 500 ANJOS FILHO Robério Nunes dos Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas alguns avanços e obstáculos desde a Constituição de 1988 In DANTAS Miguel Calmon CUNHA JÚNIOR Dirley da TAVARES André Ramos et al orgs Desafios do constitucionalismo brasileiro Salvador JusPodivm 2009 p 243295 501 SILVA Paulo Thadeu Gomes da Os direitos dos índios Fundamentalidade paradoxos e colonialidades internas São Paulo Ed Café com Lei 2015 p 213 502 SILVA José Afonso da Curso de direito constitucional positivo 19 ed Malheiros 2001 p 829 503 Ver em SOUZA Oswaldo Braga de Souza com a colaboração de KLEIN Tatiane Decisões recentes ameaçam direitos territoriais indígenas e abrem polêmica no STF 17102014 Disponível em httpswwwsocioambientalorgennode3852 Último acesso em 9 ago 2019 504 Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs Paraguai 2010 Povo Saramaka vs Suriname 2007 Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs Paraguai 2006 Comunidade Moiwana vs Suriname 2005 Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 2005 Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua 2001 505 Sobre a temática ver o indispensável estudo de PEGORARI Bruno O choque de jurisdições e o diálogo das togas uma proposta dialógica para o conflito interpretativo entre o STF e a Corte Interamericana em matéria de direito à propriedade coletiva para os povos indígenas In Wagner Menezes Org Direito Internacional em expansão Belo Horizonte Arraes 2016 v VI p 481500 506 SILVA Paulo Thadeu Gomes da Direito indígena direito coletivo e multiculturalismo In SARMENTO Daniel IKAWA Daniela PIOVESAN Flávia coords Igualdade diferença e direitos humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 559 598 em especial p 591 507 Dados disponíveis em httpwwwunescoorgnewenindigenouspeoples Acesso em 9 ago 2019 508 O relatório da visita ao Brasil encontrase disponível em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs12sessionAHRC1234Add2pdf Acesso em 9 ago 2019 509 Conferir em PEGORARI Bruno O choque de jurisdições e o diálogo das togas uma proposta dialógica para o conflito interpretativo entre o STF e a Corte Interamericana em matéria de direito à propriedade coletiva para os povos indígenas In MENEZES Wagner org Direito Internacional em expansão Belo Horizonte Arraes 2016 v VI p 480500 510 ANJOS FILHO Robério Nunes dos A Constituição de 1988 o Ministério Público Federal e os direitos dos povos indígenas no Brasil In Ministério das Relações Exteriores org Textos do Brasil culturas indígenas Brasília MRE Ministério das Relações Exteriores 2012 v 19 p 142149 511 Art 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição cabendolhe I processar e julgar originariamente f as causas e os conflitos entre a União e os Estados a União e o Distrito Federal ou entre uns e outros inclusive as respectivas entidades da administração indireta 512 Obra indispensável para o estudo do Estatuto do Índio Ver VITORELLI Edilson Estatuto do Índio 2 ed Salvador JusPodivm 2013 em especial p 325 513 ANJOS FILHO Robério Nunes dos Arts 231 e 232 In BONAVIDES Paulo MIRANDA Jorge AGRA Walber de Moura orgs Comentários à Constituição Federal de 1988 São Paulo Forense 2009 p 2426 514 A Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia foi editada em 30 de agosto de 1961 tendo entrado em vigor em 13 de dezembro de 1975 em conformidade com o artigo 18 dois anos após a data do depósito do sexto instrumento de ratificação ou de adesão A ratificação pelo Brasil foi feita em 25 de outubro de 2007 tendo entrado em vigor internacionalmente para o Brasil em 23 de janeiro de 2008 Curiosamente a Convenção foi promulgada internamente pelo Decreto n 8501 somente em 18 de agosto de 2015 O Brasil também já ratificou em 1996 a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas 1954 e a promulgou internamente pelo Decreto n 4246 de 22 de maio de 2002 515 Nesse sentido DOLINGER Jacob Direito internacional privado 10 ed Rio de Janeiro GENMétodo 2012 p 6667 516 Art 112 2º Verificada a qualquer tempo a falsidade ideológica ou material de qualquer dos requisitos exigidos neste artigo ou nos arts 113 e 114 desta Lei será declarado nulo o ato de naturalização sem prejuízo da ação penal cabível pela infração cometida 3º A declaração de nulidade a que se refere o parágrafo anterior processarseá administrativamente no Ministério da Justiça de ofício ou mediante representação fundamentada concedido ao naturalizado para defesa o prazo de quinze dias contados da notificação 517 Consta da ementa do acórdão A naturalizada se utilizou de sua condição de brasileira para abrigar no país em condições subumanas chineses em situação irregular explorando o sofrimento alheio com intuito de lucro atividade esta nociva ao interesse nacional TRF da 3ª Região ApCv 00163489720064036100SP Rel Desa Federal Marli Ferreira j 216 2013 518 Conferir o Parecer ConjurCGDI n 0222010 da Consultoria Jurídica do Ministério das Relações Exteriores de 13 de janeiro de 2010 bem como a Portaria n 3166 de 10 de dezembro de 2012 do Ministro de Estado da Justiça que gerou a perda da nacionalidade de renunciante que havia comprovado ter a nacionalidade norteamericana ou seja sem risco de apatridia 519 TRF2 Apelação Cível n 200550020004119 rel Des Federal Raldênio Bonifacio Costa j 1662009 DJU 1962009 p 305 520 LEVI Luca Regime político In BOBBIO Norberto PASQUINO Gianfranco orgs Dicionário de política 4 ed Trad Carmen Varrialle et al Brasília Ed UnB 1992 p 1081 521 BOBBIO Norberto Democracia In BOBBIO Norberto PASQUINO Gianfranco orgs Dicionário de política 4 ed Trad Carmen Varrialle et al Brasília Ed UnB 1992 p 339 522 Discurso de poucos minutos feito pelo Presidente norteamericano Lincoln em Gettysburg Pennsylvania em novembro de 1863 poucos meses depois da Batalha de Gettysburg que envolveu 160 mil homens e que pavimentou a vitória da União contra os confederados na sangrenta Guerra Civil norteamericana 18611865 No original that government of the people by the people for the people shall not perish from the Earth Abraham Lincoln The Gettysburg Address 523 Nesse sentido conferir a posição da Comissão IDH sobre o golpe de Estado em Honduras de 2009 que redundou na deposição do Presidente eleito Manuel Zelaya em httpwwwcidhorgcountryrephonduras09engChap6htm Acesso em 9 ago 2019 524 Por todos ver BOBBIO Norberto O futuro da democracia Trad Marco Aurélio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 525 Art 80 Em caso de impedimento do Presidente e do VicePresidente ou vacância dos respectivos cargos serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal 526 CAGGIANO Mônica Herman Salem Direito parlamentar e direito eleitoral São Paulo Manole 2004 p 105 527 Ver SARTORI Giovanni Partidos e sistemas partidários Trad Waltensir Dutra Rio de JaneiroBrasília Zahar EditoresEd UnB 1982 528 Sobre os partidos políticos no Império e República Velha ver SILVA Virgílio Afonso da Partidos e reforma política Revista Brasileira de Direito Público 2005 p 919 529 CARVALHO RAMOS André de Defesa do regime democrático e a dissolução de partidos políticos In CLÈVE Clèmerson Merlin SARLET Ingo Wolfgang PAGLIARINI Alexandre Coutinho orgs Direitos humanos e democracia Rio de Janeiro Forense 2007 p 157167 530 Constituição de 1946 Art 141 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida à liberdade a segurança individual e à propriedade nos termos seguintes 13 É vedada a organização o registro ou o funcionamento de qualquer Partido Político ou associação cujo programa ou ação contrarie o regime democrático baseado na pluralidade dos Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem 531 Vide item 14 do Capítulo II da Parte II 532 CARVALHO RAMOS André de O novo e o arcaico nas manifestações da cidadania Revista Consultor Jurídico Disponível em httpwwwconjurcombr2011jul23arcaicomanifesta coescidadaniabrasil Acesso em 9 ago 2019 533 Dados do Tribunal Superior Eleitoral de julho de 2018 Disponível em httpwwwtsejusbreleitorestatisticasde eleitoradoconsultaquantitativo Último acesso em 9 ago 2019 534 Dos 193 Estadosmembros da Organização das Nações Unidas apenas 24 estabelecem o dever de votar sendo 13 deles na América Latina Na União Europeia apenas a Bélgica prevê o voto obrigatório Disponível em httpdireitofolhauolcombruploads29622962839ciavotoobrigatrioxfacultativopdf Acesso em 9 ago 2019 535 ResTSE n 219202004 art 1º parágrafo único Não estará sujeita a sanção a pessoa portadora de deficiência que torne impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais relativas ao alistamento e ao exercício do voto 536 MALERBI Diva Os direitos políticos de votar e ser votado Estatuto constitucional Breve análise In COSTA WAGNER L G CALMON Petronio orgs Direito eleitoral Estudos em homenagem ao Desembargador Mathias Coltro Brasília Gazeta Jurídica 2014 p 115134 em especial p 127 537 GOMES José Jairo Direito eleitoral 5 ed Belo Horizonte Del Rey 2010 p 150 538 Ver TENORIO Rodrigo Direito eleitoral São Paulo Método 2014 GONÇALVES Luiz Carlos dos Santos Direito eleitoral 2 ed São Paulo Atlas 2012 ALMEIDA Roberto Moreira de Curso de direito eleitoral 6 ed rev ampl e atual JusPodivm 2012 SANSEVERINO Francisco de Assis Vieira Direito eleitoral 4 ed Porto Alegre Verbo Jurídico 2012 539 Por todos ver CAGGIANO Monica Herman org Ficha Limpa Impacto nos tribunais tensões e confrontos São Paulo Thomson ReutersRevista dos Tribunais 2014 540 LC n 6490 Art 26C O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d e h j l e n do inciso I do art 1º poderá em caráter cautelar suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida sob pena de preclusão por ocasião da interposição do recurso 541 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsIssuesDevelopmentGoodGovernanceCorruptionHRCaseAgainstCorruptionpdf Acesso em 9 ago 2019 542 Por todos ver The Human Rights Case against Corruption publicação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos 2013 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsIssuesDevelopmentGoodGovernanceCorruptionHRCaseAgainstCorruptionpdf Acesso em 9 ago 2019 543 Artigo 41 Direito a uma boa administração 1 Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial equitativa e num prazo razoável 2 Este direito compreende nomeadamente o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial a obrigação por parte da administração de fundamentar as suas decisões 3 Todas as pessoas têm direito à reparação por parte da Comunidade dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estadosmembros 4 Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados devendo obter uma resposta na mesma língua 544 Ver em especial Report of the independent expert to update the Set of principles to combat impunity Addendum Updated Set of principles for the protection and promotion of human rights through action to combat impunity UN Commission on Human Rights ECN42005102Add1 de fevereiro de 2005 em especial parágrafo 36 Disponível em httpsdocumentsddsnyunorgdocUNDOCGENG0510900PDFG0510900pdfOpenElement Acesso em 9 ago 2019 United Nations RuleofLaw Tools for PostConflict States Vetting An Operational Handbook United Nations 2006 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsPublicationsRuleoflawVettingenpdf Acesso em 9 ago 2019 Ver mais sobre o vetting em MAYERRIECKH Alexander GREIFF Pablo de eds Justice as Prevention Vetting Public Employees in Transitional Societies Disponível em httpwwwssrcorgpublicationsview57EFEC93284ADE11AFAC 001CC477EC70 Acesso em 9 ago 2019 545 Ver item 9 da Parte III A crise dos tratados internacionais nacionais e a superação do conflito entre decisões sobre direitos humanos a teoria do duplo controle 546 Defendendo a inconvencionalidade da Lei da Ficha Limpa conferir o profundo estudo de Marcelo Peregrino fruto da sua acurada dissertação de Mestrado na qual o Autor deste Curso participou da Banca de Avaliação In FERREIRA Marcelo Ramos Peregrino O controle de convencionalidade da Lei da Ficha Limpa Direitos políticos e inelegibilidades Rio de Janeiro Lumen Juris 2015 547 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Castañeda Gutman vs México julgamento de 2882013 548 GOMES José Jairo Direito eleitoral 5 ed Belo Horizonte Del Rey 2010 p 11 549 GOMES José Jairo Direito eleitoral 5 ed Belo Horizonte Del Rey 2010 p 14 550 Sobre o procedimento piloto e a Corte EDH ver CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 551 Na linha defendida pelo Curso de que se trata de perda dos direitos políticos ver TAVARES André Ramos Curso de direito constitucional 5 ed São Paulo Saraiva 2007 p 722 MORAES Alexandre de Constituição do Brasil interpretada São Paulo Atlas 2002 p 589 Contra sustentando que se trata de suspensão de direitos políticos ver por todos GOMES José Jairo Direito eleitoral 5 ed Belo Horizonte Del Rey 2010 p 9 552 GOMES José Jairo Direito eleitoral 5 ed Belo Horizonte Del Rey 2010 p 9 553 Art 55 Perderá o mandato o Deputado ou Senador III que deixar de comparecer em cada sessão legislativa à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer salvo licença ou missão por esta autorizada 554 Declaração do Ministro Carlos Velloso do Supremo Tribunal Federal hoje aposentado um dos incentivadores da implementação da urna eletrônica no Brasil Disponível em httpwwwtsejusbrimprensanoticias tse2014Junhoconhecaahistoriadaurnaeletronicabrasileiraquecompleta18anos Acesso em 9 ago 2019 555 Conferir a Parte I Capítulo II item 7 deste Curso 556 Sobre a Declaração e Programa de Ação de Viena conferir a Parte II Capítulo II item 21 deste Curso 557 Item 29 c da Recomendação n 24 Disponível em httpwwwunorgwomenwatchdawcedawrecommendationsrecommhtm Acesso em 9 ago 2019 558 Ver o conteúdo do Comentário Geral n 22 em httpsdocumentsdds nyunorgdocUNDOCGENG1608932PDFG1608932pdfOpenElement Acesso em 9 ago 2019 559 Conferir O Ministério Público e os direitos de LGBT Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão Ministério Público do Estado do Ceará Brasília MPF 2017 p 10 560 STF voto do Min Roberto Barroso Recurso Extraordinário 845779SC em trâmite em outubro de 2019 561 RIOS Roger Raupp RESADORI Alice Hertzog Direitos humanos transexualidade e direito dos banheiros Direito Práxis v 6 n 12 2015 p 196227 562 Conferir O Ministério Público e os direitos de LGBT Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão Ministério Público do Estado do Ceará Brasília MPF 2017 p 1415 563 Definições desta passagem do Curso foram extraídas da Opinião Consultiva n 24 da Corte Interamericana de Direitos Humanos 564 Art 11 Os Estados partes nesta Convenção comprometemse a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição sem discriminação alguma por motivo de raça cor sexo idioma religião opiniões políticas ou de qualquer outra natureza origem nacional ou social posição econômica nascimento ou qualquer outra condição social Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH Caso Karen Atala Riffo e filhas vs Chile Sentença de 24 de fevereiro de 2012 em especial parágrafos 84 85 91 e 93 565 Disponível em httpwwwoasorgescidhinformespdfsviolenciaPersonaslgBtipdf Acesso em 9 ago 2019 566 Art 1723 É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher configurada na convivência pública contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família 567 LAFER Celso A reconstrução dos direitos humanos um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt São Paulo Cia das Letras 1988 568 STF RE 846102 rel Min Cármen Lúcia DJe de 1832015 569 STJ REsp 737993 4ª T rel Min João Otávio de Noronha DJe de 18122009 570 Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos o termo migrante é um termo genérico que abarca tanto o emigrante quanto o imigrante Corte Interamericana de Direitos Humanos Opinião consultiva relativa aos direitos dos migrantes indocumentados OC1803 2003 parágrafo 69 571 Sobre o jus communicationis de Francisco de Vitoria 14801546 conferir VEDOVATO Luís Renato Direito de ingresso do estrangeiro a circulação das pessoas pelo mundo no cenário globalizado Livro digital São Paulo Atlas 2013 p 59 CASELLA Paulo Borba Direito internacional no tempo medieval e moderno até Vitoria São Paulo Atlas 2012 em especial p 619 VEDOVATO Luís Renato Direito de ingresso do estrangeiro a circulação das pessoas pelo mundo no cenário globalizado Livro digital São Paulo Atlas 2013 p 59 572 Entre os casos da Corte IDH ver Caso Vélez Loor Vs Panamá 573 Ver entre outros Corte Europeia de Direitos Humanos Caso Amuur vs França sentença de 25 de junho de 1996 par 42 574 Opinião consultiva relativa aos direitos dos migrantes indocumentados OC1803 2003 575 Conferir o Caso Vélez Loor vs Panamá sentença de 23112010 visto acima neste Curso 576 Conferir o Caso de las Niñas Yean y Bosico vs República Dominicana sentença de 892005 visto acima neste Curso 577 Opinião Consultiva sobre o direito à informação sobre a assistência consular em relação às garantias do devido processo legal OC 1699 1999 visto acima neste Curso 578 Conferir o Caso Nadege Dorzema ou outros vs República Dominicana sentença de 2482012 visto acima neste Curso 579 Opinião consultiva relativa aos direitos dos migrantes indocumentados OC1803 2003 580 Opinião consultiva relativa às crianças migrantes OC21014 2014 visto acima neste Curso 581 Cf Condição Jurídica e Direitos dos Migrantes Indocumentados pars 121 e 122 582 Ver também o Caso Vélez Loor vs Panamá par 143 583 Direitos que o Fisco recebia na sucessão de estrangeiro 584 As chamadas cartas de represálias outorgavam o direito a obter ressarcimento pelo confisco de bens de estrangeiros por dívidas contraídas por seus compatriotas Ver mais em CARVALHO RAMOS André de Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos Humanos Rio de Janeiro Renovar 2004 585 Ordenações Filipinas 1603 Livro V título 69 586 Constituição de 1891 art 72 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes 2º Todos são iguais perante a lei 587 In verbis 6º A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante não podendo porém a corrente imigratória de cada país exceder anualmente o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos 588 In verbis 7º É vedada a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território da União devendo a lei regular a seleção localização e assimilação do alienígena 589 Ver precedentes dessa extensão de direitos aos estrangeiros não residentes na Parte IV item 2 deste Curso 590 Artigo 15º Estrangeiros apátridas cidadãos europeus 1 Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português 2 Exceptuamse do disposto no número anterior os direitos políticos o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses 591 O autor deste Curso foi membro da Comissão de Especialistas nomeada pelo Ministro da Justiça que redigiu anteprojeto de lei de migração parcialmente utilizada nos trabalhos congressuais Portaria n 2162 de 3152013 do Ministro da Justiça 592 Estudamos a extradição e a entrega acima neste Curso Sobre a transferência de pessoa condenada ver ABADE Denise Neves Direitos Fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 593 Sobre a apatridia de jure e de facto ver a análise das Convenções de Apatridia neste Curso 594 Criticando essa ausência de prazo do decreto de expulsão na vigência do Estatuto do Estrangeiro ver PARDI Luis Vanderlei O regime jurídico da expulsão de estrangeiros no Brasil São Paulo Almedina 2015 595 Incorporada pelo Decreto n 61078 de 26 de julho de 1967 596 STF Prisão Preventiva para Extradição n 726 Decisão monocrática do relator Min Celso de Mello de 27 de maio de 2015
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Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n 961098 e punido pelo artigo 184 do Código Penal ISBN 9788553616626 Ramos André de Carvalho Curso de Direitos Humanos André de Carvalho Ramos 7 ed São Paulo Saraiva Educação 2020 1040 p Bibliografia 1 Direitos humanos Brasil 2 Direitos humanos Direito internacional I Título 200099 CDD 340 Índices para catálogo sistemático 1 Direitos humanos e direito internacional 3413471211 Direção executiva Flávia Alves Bravin Direção editorial Renata Pascual Müller Gerência editorial Roberto Navarro Gerência de produção e planejamento Ana Paula Santos Matos Gerência de projetos e serviços editoriais Fernando Penteado Consultoria acadêmica Murilo Angeli Dias dos Santos Planejamento Clarissa Boraschi Maria coord Novos projetos Melissa Rodriguez Arnal da Silva Leite Edição Aline Darcy Flôr de Souza Produção editorial Luciana Cordeiro Shirakawa Rosana Peroni Fazolari Arte e digital Mônica Landi coord Amanda Mota Loyola Camilla Felix Cianelli Chaves Claudirene de Moura Santos Silva Deborah Mattos Fernanda Matajs Guilherme H M Salvador Tiago Dela Rosa Verônica Pivisan Reis Planejamento e processos Clarissa Boraschi Maria coord Juliana Bojczuk Fermino Kelli Priscila Pinto Marília Cordeiro Fernando Penteado Mônica Gonçalves Dias Tatiana dos Santos Romão Projetos e serviços editoriais Juliana Bojczuk Fermino Kelli Priscila Pinto Marília Cordeiro Mônica Gonçalves Dias Tatiana dos Santos Romão Diagramação Livro Físico Fabricando Ideias Design Editorial Revisão Lígia Alves Capa Tiago Dela Rosa Livro digital Epub Produção do epub Guilherme Henrique Martins Salvador Data de fechamento da edição 22102019 Dúvidas Acesse sacsetssomoseducacaocombr SUMÁRIO APRESENTAÇÃO DA 7ª EDIÇÃO PARTE I ASPECTOS BÁSICOS DOS DIREITOS HUMANOS I Direitos humanos conceito estrutura e sociedade inclusiva 1 Conceito e estrutura dos direitos humanos 2 Conteúdo e cumprimento dos direitos humanos rumo a uma sociedade inclusiva II Os direitos humanos na história 1 Direitos humanos faz sentido o estudo das fases precursoras 2 A fase préEstado Constitucional 21 A Antiguidade Oriental e o esboço da construção de direitos 22 A visão grega e a democracia ateniense 23 A República Romana 24 O Antigo e o Novo Testamento e as influências do cristianismo e da idade média 25 Resumo da ideia dos direitos humanos na Antiguidade a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos 3 A crise da Idade Média início da Idade Moderna e os primeiros diplomas de direitos humanos 4 O debate das ideias Hobbes Grócio Locke Rousseau e os iluministas 5 A fase do constitucionalismo liberal e das declarações de direitos 6 A fase do socialismo e do constitucionalismo social 7 A internacionalização dos direitos humanos III Terminologia Fundamento e Classificação 1 Terminologia os direitos humanos e os direitos fundamentais 2 Classificação dos direitos humanos 21 A teoria do status e suas repercussões 22 A teoria das gerações ou dimensões a inexauribilidade dos direitos humanos 23 A classificação pelas funções 24 A classificação pela finalidade os direitos e as garantias 25 A classificação adotada na Constituição de 1988 251 Direitos individuais 252 Direitos sociais 253 Direito à nacionalidade 254 Direitos políticos e os partidos 255 Direitos coletivos difusos e os direitos individuais de expressão coletiva 256 Os deveres individuais e coletivos 26 A classificação pela forma de reconhecimento 27 Mínimo existencial e a reserva do possível 3 Dignidade humana 31 Conceito de dignidade humana e seus elementos 32 Usos possíveis da dignidade humana 4 Os fundamentos dos direitos humanos 41 O fundamento jusnaturalista 411 O jusnaturalismo de origem religiosa e o de origem racional 412 O jusnaturalismo de direitos humanos no direito internacional e no STF 42 O positivismo nacionalista 43 As teorias utilitaristas socialistas e comunistas do século XIX e a crítica aos direitos humanos 431 O utilitarismo clássico Bentham e Stuart Mill 432 O socialismo e o comunismo 44 A reconstrução dos direitos humanos no século XX a dignidade humana e a abertura aos princípios jurídicos 5 As especificidades dos direitos humanos 51 A centralidade dos direitos humanos 52 Universalidade inerência e transnacionalidade 53 Indivisibilidade interdependência e unidade 54 A abertura dos direitos humanos não exaustividade e fundamentalidade 55 Imprescritibilidade inalienabilidade indisponibilidade 56 Proibição do retrocesso 57 A justiciabilidade dos direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCAs 6 A interpretação 61 A interpretação conforme os direitos humanos 62 A interpretação dos direitos humanos aspectos gerais 63 A máxima efetividade a interpretação pro homine e o princípio da primazia da norma mais favorável ao indivíduo 7 A resolução dos conflitos entre direitos humanos 71 Aspectos gerais a delimitação dos direitos humanos 72 Teoria interna 73 Teoria externa 74 O princípio da proporcionalidade 741 Conceito e situações típicas de invocação na temática dos direitos humanos 742 Fundamento 743 Elementos da proporcionalidade 744 A proibição da proteção insuficiente o sentido positivo da proporcionalidade 745 A regra de colisão previamente disposta na Constituição e a ponderação de 2º grau 746 Proporcionalidade e razoabilidade 747 Inconstitucionalidade e proporcionalidade 8 A proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos e a garantia dupla 9 Espécies de restrições dos direitos humanos 91 As restrições legais a reserva legal simples e a reserva legal qualificada 92 Os direitos sem reserva expressa a reserva legal subsidiária e a reserva geral de ponderação 93 As limitações dos direitos humanos pelas relações especiais de sujeição Parte II Aspectos principais dos tratados de direitos humanos de direito internacional humanitário e do direito internacional dos refugiados I Os três eixos da proteção internacional de direitos humanos II O sistema universal ONU 1 A Carta Internacional dos Direitos Humanos 2 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 21 Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 22 Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 3 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC 31 Protocolo Facultativo ao PIDESC 4 Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura 5 Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio 6 Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade 7 Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados 8 Declaração de Nova York sobre Refugiados e Migrantes 9 Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas 1954 10 Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia 1961 11 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 12 Convenção Internacional sobre a supressão e punição do crime de apartheid 13 Convenção Internacional contra o apartheid nos esportes 14 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CEDAW e respectivo Protocolo Facultativo 15 Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes e Protocolo Opcional 16 Protocolo de Istambul 17 Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos Regras Nelson Mandela 18 Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras Regras de Bangkok 19 Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado 20 Convenção sobre os Direitos da Criança 201 O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados 202 Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil 203 PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS CRIANÇAS RELATIVO AOS PROCEDIMENTOS DE COMUNICAÇÃO 21 Declaração e Programa de Ação de Viena 1993 22 Protocolo de Prevenção Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas especialmente Mulheres e Crianças complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional 23 Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo 24 Tratado de Marraqueche sobre acesso facilitado a obras publicadas 25 Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias 26 Princípios de Yogyakarta sobre orientação sexual Mais 10 27 Convenção n 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais 28 Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas 29 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais 30 Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos 31 Convenção Quadro de Controle do Tabaco CQCT III O sistema regional americano 1 A Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem aspectos gerais do sistema 2 Atuação específica da Organização dos Estados Americanos OEA 21 A OEA e a valorização da Defensoria Pública 22 os relatórios anuais e relatoria para a liberdade de expressão 3 Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica 4 Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos sociais e culturais Protocolo de San Salvador 5 Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte 6 Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura 7 Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher Convenção de Belém do Pará 8 Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência 9 Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado 10 Carta Democrática Interamericana 11 Carta Social das Américas 12 Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas 13 Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância 14 Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância 15 Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas 16 Acordo Regional sobre Acesso à Informação Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe Acordo de Escazú IV O sistema do Mercado Comum do Sul Mercosul 1 Aspectos gerais do Mercosul e a defesa da democracia e dos direitos humanos 2 Os protocolos de Ushuaia I e II 3 Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul V Mecanismos internacionais de proteção e monitoramento dos direitos humanos competência composição e funcionamento250 1 Aspectos gerais do sistema global ONU 2 Conselho de Direitos Humanos 21 Relatores especiais 22 Revisão Periódica Universal 3 Comitê de Direitos Humanos 4 Conselho Econômico e Social e Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 5 Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial 6 Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher 7 Comitê contra a Tortura 8 Comitê para os Direitos da Criança 9 Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 10 Comitê contra Desaparecimentos Forçados 11 Resumo da atividade de monitoramento internacional pelos Comitês treaty bodies 12 Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos 13 Comissão Interamericana de Direitos Humanos Comissão IDH 131 Aspectos gerais 132 A Comissão IDH e o trâmite das petições individuais 1321 Provocação e condições de admissibilidade 1322 A conciliação perante a Comissão 1323 As medidas cautelares da Comissão 1324 O Primeiro Informe e possível ação perante a Corte IDH 1325 O Segundo Informe 133 Corte Interamericana de Direitos Humanos 1331 Composição e o juiz ad hoc 1332 Funcionamento 1333 Legitimidade ativa e passiva nos processos contenciosos 1334 O EPAP ESAP e o defensor público interamericano 1335 Contestação exceções preliminares e provas 1336 Os amici curiae 1337 As medidas provisórias 1338 Desistência reconhecimento e solução amistosa 1339 A sentença da Corte as obrigações de dar fazer e não fazer 13310 O recurso cabível 13311 Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos casos contenciosos 13312 A jurisdição consultiva da Corte IDH 14 Entes e procedimentos da proteção da democracia no Mercosul VI O Tribunal Penal Internacional e os direitos humanos 1 Os Tribunais precursores de Nuremberg a Ruanda 2 O Estatuto de Roma 3 A fixação da jurisdição do TPI 4 O princípio da complementaridade e o regime jurídico imprescritível e sem imunidades 5 Os crimes de jus cogens 51 Genocídio 52 Crimes contra a humanidade 53 Crimes de guerra 54 Crime de agressão 6 O trâmite 7 Penas e ordens de prisão processual 8 O TPI e o Brasil PARTE III O BRASIL E OS DIREITOS HUMANOS 1 Da Constituição de 1824 ao Congresso Nacional Constituinte 19851987 2 A Constituição de 1988 fundamentos objetivos e a internacionalização dos direitos humanos 21 Os fundamentos e objetivos da República 22 A expansão dos direitos humanos e sua internacionalização na Constituição de 1988 23 A supremacia da Constituição e os direitos humanos 24 Cláusulas pétreas 3 Os tratados de direitos humanos formação incorporação e hierarquia normativa no Brasil 31 As normas constitucionais sobre a formação e incorporação de tratados 311 Terminologia e a prática constitucional brasileira 312 A teoria da junção de vontades 313 As quatro fases da formação da vontade à incorporação 314 A hierarquia normativa ordinária ou comum dos tratados 32 Processo legislativo aplicação e hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos em face do art 5º e seus parágrafos da CF88 321 Aspectos gerais 322 A situação antes da Emenda Constitucional n 452004 os 1º e 2º do art 5º 33 A hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos e a Emenda Constitucional n 452004 331 Aspectos gerais 332 As diferentes visões doutrinárias sobre o impacto do rito especial do art 5º 3º na hierarquia dos tratados de direitos humanos 34 A teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos natureza constitucional os aprovados pelo rito do art 5º 3º e natureza supralegal todos os demais 35 O impacto do art 5º 3º no processo de formação e incorporação dos tratados de direitos humanos 351 O rito especial do art 5º 3º é facultativo os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum depois da EC 452004 352 O rito especial pode ser requerido pelo Presidente ou pelo Congresso 353 O decreto de promulgação continua a ser exigido no rito especial 4 A denúncia de tratado internacional de direitos humanos em face do direito brasileiro 5 A aplicabilidade imediata das normas contidas em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil 6 O bloco de constitucionalidade 61 O bloco de constitucionalidade amplo 62 O bloco de constitucionalidade restrito 7 O controle de convencionalidade e suas espécies o controle de matriz internacional e o controle de matriz nacional 8 O Diálogo das Cortes e seus parâmetros 9 A crise dos tratados internacionais nacionais e a superação do conflito entre decisões sobre direitos humanos a teoria do duplo controle 10 A competência da Justiça Federal nas hipóteses de grave violação de direitos humanos 101 O incidente de deslocamento de competêNcia origens e trâmite 102 A motivação para a criação do IDC e requisitos para seu deferimento 103 A prática do deslocamento 104 As críticas ao IDC 11 A busca da implementação dos direitos humanos no Brasil 111 O IDH brasileiro e a criação de uma política de direitos humanos 112 Os Programas Nacionais de Direitos Humanos 1 2 e 3 113 Programas estaduais de direitos Humanos 12 As principais instituições de defesa e promoção dos direitos humanos no Poder Executivo Federal após o impeachment de 2016 e a reforma de 2017 121 MINISTÉRIO DA MULHER DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS 122 A nova regulamentação dos CONSELHOS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL 123 SecretariaS do MINISTÉRIO DA MULHER DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS 124 Ouvidoria Nacional DE Direitos Humanos 125 Conselho NACIONAL dOS Direitos Humanos 126 OUTROS órgãos colegiados federais de defesa de direitos humanos 1261 O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA 1262 O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CONADE 1263 O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa CNDPI 1264 O Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCD 1265 Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP 1266 A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo CONATRAE 1267 Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos CNEDH 1268 Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial CNPIR 1269 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDM 12610 Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa CNRDR 12611 Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua 13 No Poder Legislativo Federal a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados CDHM 14 Ministério Público Federal e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão 15 A Defensoria Pública da União e a defesa dos direitos humanos 16 Instituições de defesa de direitos humanos no plano estadual e municipal 161 O Ministério Público estadual 162 A Defensoria Pública do Estado e a defesa dos direitos humanos 163 Os Conselhos Estaduais de Direitos Humanos 17 Custos legis custos vulnerabilis e o amicus curiae na defesa dos direitos humanos 18 A instituição nacional de direitos humanos e os Princípios de Paris 181 O conceito de instituição nacional de direitos humanos 182 Os Princípios de Paris 183 A instituição nacional de direitos humanos e a ONU 184 O Brasil e a instituição nacional de direitos humanos A CANDIDATURA DA PFDC PARTE IV OS DIREITOS E GARANTIAS EM ESPÉCIE 1 Aspectos gerais 2 Destinatários da proteção e sujeitos passivos 3 Direito à vida 31 Aspectos gerais 32 Início a concepção o embrião in vitro e a proteção do direito à vida 33 Término da vida eutanásia ortotanásia distanásia e suicídio 34 Pena de morte 341 As fases rumo ao banimento da pena de morte 342 O tratamento desumano o corredor da morte 4 O direito à igualdade 41 Livres e iguais a igualdade na era da universalidade dos direitos humanos 42 As dimensões da igualdade 43 As diversas categorias e classificações doutrinárias 44 O dever de inclusão e a discriminação direta e indireta 441 Para obter a igualdade as medidas repressivas promocionais e as ações afirmativas 442 Discriminação estrutural ou sistêmica e o racismo institucional 45 A violência de gênero 451 Aspectos gerais da Lei Maria da Penha 452 Aspectos penais e processuais penais da Lei Maria da Penha e a ADI 4424 453 A igualdade material e a ADC 19 454 A Lei n 131042015 o feminicídio 46 Decisões do STF e do stj sobre igualdade 5 Legalidade 51 Legalidade e reserva de lei 52 Os decretos e regulamentos autônomos CF art 84 IV 53 Reserva de lei e Reserva de Parlamento 54 Regimentos de tribunais e reserva de lei 55 Resoluções do CNJ e do CNMP 56 Precedentes diversos do STF 6 Direito à integridade física e psíquica 61 Direito à integridade física e moral 62 A tortura art 5º III e XLIII e seu tratamento constitucional e internacional 621 O crime de tortura previsto na Lei n 945597 622 O tratamento desumano ou degradante 623 Tortura e penas ou tratos cruéis desumanos ou degradantes como conceito integral Diferenciação entre os elementos do conceito na jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos caso irlandês e seus reflexos no art 16 da Convenção da ONU contra a Tortura de 1984 624 Experimentação humana e seus limites bioéticos casos de convergência com o conceito de tortura 63 Precedentes do STF e do STJ 7 Liberdade de pensamento e expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação 71 Conceito alcance e as espécies de censura 72 A proibição do anonimato direito de resposta e indenização por danos 73 A liberdade de expressão e o discurso de ódio hate speech 74 Humor pornografia e outros casos de limite à liberdade de expressão 75 Lei de Imprensa e regulamentação da liberdade de expressão 76 Liberdade de expressão em período eleitoral 77 Outros casos de liberdade de expressão e suas restrições no STF 8 Liberdade de consciência e liberdade religiosa 81 Liberdade de consciência 82 Liberdade de crença ou de religião 83 Limites à liberdade de crença e religião 9 Direito à intimidade vida privada honra e imagem 91 Conceito diferença entre privacidade ou vida privada e intimidade 92 Direito à honra e à imagem 93 Direito à privacidade e suas restrições possíveis 94 Direito ao esquecimento e direito à esperança o conflito entre a privacidade e a liberdade de informação 95 Ordens judiciais restringindo a liberdade de informação em nome do direito à privacidade 96 Divulgação de informação de interesse público obtida ilicitamente 97 Inviolabilidade domiciliar 971 Conceito e as exceções constitucionais 972 Proibição de ingresso no domicílio e a atividade das autoridades tributárias e sanitárias 98 Advogado inviolabilidade do escritório de advocacia e preservação do sigilo profissional 99 O sigilo de dados em geral 991 Sigilo fiscal 992 Sigilo bancário 910 O COAF UNIDADE DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA e os sigilos bancário e fiscal 911 O CNJ e os sigilos bancário e fiscal 912 Sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica possibilidade de violação e ausência de reserva de jurisdição 913 O sigilo telefônico e interceptação prevista na Lei n 929696 inclusive do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática 914 A gravação realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro prova lícita de acordo com o STF repercussão geral 915 A interceptação ambiental 916 Casos excepcionais de uso da interceptação telefônica o encontro fortuito de crime a descoberta de novos autores e a prova emprestada 917 Interceptação telefônica ordenada por juízo cível 918 A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS 919 Decisões do STF 10 Liberdade de informação e sigilo de fonte 101 Jurisprudência do STF 11 Liberdade de locomoção 111 Conceito e restrições à liberdade de locomoção 112 Hipóteses constitucionalmente definidas para privação de liberdade 113 Liberdade provisória com ou sem fiança 114 Prisões nos casos de transgressões militares ou crimes propriamente militares definidos em lei e as prisões no estado de emergência 115 Enunciação dos direitos do preso 116 Direito a não contribuir para sua própria incriminação 117 Prisão extrapenal 118 Audiência de apresentação ou custódia 119 Sistema prisional USO DE ALGEMAS e o estado das coisas inconstitucional 12 Liberdade de reunião e manifestação em praça pública 13 Liberdade de associação 131 Jurisprudência do STF 14 Direito de propriedade 141 Conceito e função social 142 As restrições impostas ao direito de propriedade 143 A desapropriação 144 Impenhorabilidade 145 Propriedade de estrangeiros 15 Direitos autorais 151 Direitos autorais e domínio público 152 A proteção à propriedade industrial 16 Direito de herança e Direito Internacional Privado 17 Defesa do consumidor 171 JURISPRUDÊNCIA DO STJ 18 Direito à informação e a Lei de Acesso à Informação Pública de 2011 19 Direito de petição 20 Direito à certidão 21 Direito de acesso à justiça 211 Conceito 212 A tutela coletiva de direitos e a tutela de direitos coletivos 213 Ausência de necessidade de prévio esgotamento da via administrativa e a falta de interesse de agir 214 Arbitragem e acesso à justiça 22 A segurança jurídica e o princípio da confiança a defesa do direito adquirido ato jurídico perfeito e coisa julgada 23 Juiz natural e promotor natural 231 Conceito 232 A Constituição Federal e o juiz natural o foro por prerrogativa de função 233 JUIZ NATURAL E CRIMES ELEITORAIS CONEXOS COM CRIMES FEDERAIS COMUNS A OPERAÇÃO LAVA JATO 234 Promotor natural 235 Tribunal do Júri 24 Direitos Humanos no Direito Penal e Processual Penal 241 Princípios da reserva legal e da anterioridade em matéria penal 242 Os mandados constitucionais de criminalização e o princípio da proibição de proteção deficiente 243 Racismo 2431 O crime de racismo e sua abrangência o antissemitismo e outras práticas discriminatórias 2432 O estatuto constitucional punitivo do racismo e o posicionamento do STF o caso do antissemitismo e outras práticas discriminatórias 2433 O racismo homotransfóbico 244 Lei dos Crimes Hediondos liberdade provisória e indulto 25 O regramento constitucional das penas 26 Extradição e os direitos humanos 261 Conceito 262 Juízo de delibação e os requisitos da extradição 263 Trâmite da extradição 27 Devido processo legal contraditório e ampla defesa 271 Conceito 272 O devido processo legal e o duplo grau de jurisdição 28 Provas ilícitas 281 Conceito 282 Aceitação das provas obtidas por meios ilícitos e teoria dos frutos da árvore envenenada 283 Direito à prova e cooperação jurídica internacional 29 A presunção de inocência e suas facetas 291 Aspectos gerais da presunção de inocência 292 A execução provisória ou imediata da pena criminal após o julgamento proferido em grau de apelação 30 Identificação criminal 31 Ação penal privada subsidiária 32 Publicidade dos atos processuais 33 Prisão civil 34 Assistência jurídica integral e gratuita 35 Defensoria Pública 351 Conceito inserção constitucional e poderes 352 Funções institucionais da Defensoria Pública 36 O direito à duração razoável do processo 37 Justiça de transição direito à verdade e justiça 38 Garantias fundamentais 381 Habeas corpus 382 Mandado de segurança 383 Mandado de segurança coletivo 384 Mandado de injunção 385 Habeas data 386 Ação popular 387 Direito de petição 388 Ação civil pública 39 Direito à saúde 391 Aspectos gerais 392 Sistema Único de Saúde 393 Jurisprudência do STF 40 Sistema Único de Assistência Social 41 Direito à educação 411 Aspectos Gerais 412 O direito à educação democrática e o direito à educação emancipadora 413 JURISPRUDÊNCIA DO STF 42 Direito à alimentação 43 Direito à moradia 44 Direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com transtornos mentais 441 Direitos das pessoas com deficiência E A LEI N 131462015 442 Direitos das pessoas com transtornos mentais 443 Direitos da pessoa com transtorno do espectro autista 45 Direito à mobilidade 46 Direitos indígenas 461 Noções gerais terminologia 462 Tratamento normativo até a Constituição de 1988 463 INDÍGENAS na Constituição Competência Ocupação tradicional Aplicação da lei brasileira 4631 Aspectos gerais os princípios e os dispositivos constitucionais 4632 As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e o renitente esbulho O marco temporal da ocupação 4633 A jurisprudência da Corte IDH e a matéria indígena o Diálogo das Cortes 4634 O direito à consulta livre e informada das comunidades indígenas e o respeito às tradições o pluralismo jurídico 464 Povos indígenas e comunidades tradicionais em face do Direito Internacional 465 Autonomia e questão tutelar 466 A demarcação contínua e as suas condicionantes o caso Raposa Serra do Sol 4661 A demarcação das terras indígenas 4662 O Caso Raposa Serra do Sol e as condicionantes 467 Direito Penal e os povos indígenas 468 Aspectos processuais 469 Questões específicas da matéria indígena 47 Direito à nacionalidade 471 Nacionalidade na gramática dos direitos humanos 472 Nacionalidade originária e a Emenda Constitucional n 542007 473 Nacionalidade derivada ou secundária adquirida 474 Quase nacionalidade 475 Diferença de tratamento entre brasileiros natos e naturalizados 476 Perda e renúncia ao direito à nacionalidade 48 Direitos políticos 481 Conceito o direito à democracia 482 Democracia Indireta ou Representativa Democracia Direta e Democracia Semidireta ou Participativa 483 A democracia partidária os partidos políticos 484 Os principais institutos da democracia direta utilizados no Brasil 485 Os direitos políticos em espécie o direito ao sufrágio 4851 Noções gerais 4852 Capacidade eleitoral ativa a alistabilidade 4853 A capacidade eleitoral passiva a elegibilidade 4854 A capacidade eleitoral passiva as inelegibilidades constitucionais e infraconstitucionais 4855 Direito à boa governança e o controle de convencionalidade da Lei da Ficha Limpa o caso Lula 486 Perda e Suspensão dos direitos políticos 487 A segurança da urna eletrônica e o direito ao voto seguro 49 Direitos sexuais e reprodutivos 491 A proteção dos direitos sexuais e reprodutivos 492 Direito à livre orientação sexual e identidade de gênero 50 Direitos dos migrantes 501 Aspectos Gerais 502 Histórico brasileiro do tratamento jurídico ao migrante 5021 Fase do estrangeiro como inimigo 5022 Fase do estrangeiro como imigrante e fator de desenvolvimento 5023 Fase do controle e xenofobia 5024 Fase da segurança nacional 5025 A CF88 e a fase da igualdade e garantia 503 A nova Lei de Migração Lei n 134452017 5031 Aspectos gerais da nova lei 5032 As principais características 504 As medidas administrativas de retirada compulsória do imigrante 5041 Aspectos gerais 5042 A repatriação 5043 A deportação 5044 A expulsão 505 A PORTARIA N 7702019 E A SAÍDA COMPULSÓRIA DE ESTRANGEIROS POR RAZÕES SÉRIAS DE PRÁTICA DE CRIMES 506 A detenção e o direito à notificação da assistência consular 51 Direitos dos quilombolas REFERÊNCIAS Reze e trabalhe fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente que às vezes custa muito a passar mas sempre passa E você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria Cada um tem a sua hora e a sua vez você há de ter a sua João Guimarães Rosa A hora e a vez de Augusto Matraga in Sagarana 31 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 p 356 Ao Victor Daniel e Denise como tudo que faço e continuarei fazendo Boa leitura APRESENTAÇÃO DA 7ª EDIÇÃO A elaboração deste Curso é fruto de um lento amadurecimento da minha atuação acadêmica na área dos direitos humanos Inicialmente meus projetos concentraramse em livros específicos e artigos além das aulas e orientações diversas na Graduação e PósGraduação Especialização Mestrado e Doutorado Após mais de vinte e quatro anos de docência universitária em parte na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo onde atualmente leciono busquei oferecer à comunidade acadêmica brasileira a essência de um Curso uma visão geral do docente sobre a própria disciplina atualizada e crítica sem se perder na superficialidade e na mera coleção ou reprodução daquilo que os outros autores já mencionaram Este Curso de Direitos Humanos tem o propósito de expor de modo adequado à importância e complexidade da matéria os principais delineamentos normativos e precedentes judiciais da disciplina para que os leitores possam depois aprofundarse em um tema específico A metodologia que adotei é voltada para o aprendizado e fixação do conhecimento acumulado por intermédio de i exposição do tema ii quadros explicativos ao final de cada capítulo O livro está dividido em quatro grandes partes na primeira parte trato dos aspectos gerais dos direitos humanos analisando o conceito terminologia fundamentos desenvolvimento histórico classificações e funções bem como os direitos humanos na história e a proteção nacional e internacional na segunda parte abordo criticamente os principais tratados de direitos humanos e os mecanismos de monitoramento a terceira parte analisa o tratamento dos direitos humanos de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro enfocando inclusive a atuação dos órgãos do Poder Executivo desde o Ministério de Direitos Humanos até os Conselhos com análise dos Programas Nacionais de Direitos Humanos Poder Legislativo Ministério Público da União e dos Estados e Defensoria Pública da União e dos Estados na quarta e última parte são estudados os direitos e garantias em espécie com análise minuciosa de 51 diferentes tópicos Nesta edição o estágio das ratificações dos tratados onusianos que constava como anexo nas edições anteriores foi incorporado ao próprio texto do Curso assegurando maior fluidez ao texto Como as quatro partes comprovam este Curso é completo e abarca a visão nacional e internacional dos direitos humanos e seus órgãos de proteção internacionais nos planos global e regional e nacionais na área federal esta edição já está atualizada com a organização de 2019 o que inclui os órgãos de direitos humanos dos Poderes Executivo Legislativo Judiciário além do Ministério Público e da Defensoria bem como o estudo dos direitos em espécie cujo conteúdo e interpretação têm desafiado os estudantes Além da teoria a prática não foi esquecida em todos os direitos em espécie menciono os contornos dos casos concretos apreciados pelos tribunais do País Mantendo a premissa de atualidade que embasou a redação inicial deste Curso esta 7ª edição conta com as últimas novidades legislativas e jurisprudenciais nacionais em especial do STF e do STJ e internacionais Entre as novidades da 7ª edição foram comentados novos tratados e normas internacionais diversas como a Convenção Quadro de Controle do Tabaco CQCT o Acordo Regional sobre Acesso à Informação Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe Acordo de Escazú e os Princípios de Yogyakarta Mais 10 No que tange à análise de precedentes internacionais foram acrescidos quinze novos casos comentados da Corte Interamericana de Direitos Humanos abarcando inclusive a solicitação de Opinião Consultiva sobre liberdade sindical de 2019 As novas medidas cautelares e medidas provisórias contra o Brasil foram também assinaladas nesta nova edição inclusive as referentes ao Caso Marielle e ao Caso Jean Wyllys No tocante a temas de direitos humanos destaco nesta 7ª edição o novo capítulo sobre o mínimo existencial e a reserva do possível a vedação do retrocesso institucional e a vedação do retrocesso ecológico capítulos novos sobre direito à saúde direito à alimentação e direito à moradia a nova organização do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos a polêmica envolvendo a extinção em massa dos conselhos de participação popular e os limites à reserva da administração a transferência da FUNAI para o Ministério da Agricultura a discussão sobre o custos vulnerabilis e a Defensoria Pública a atualização da parte referente à instituição nacional de direitos humanos e à candidatura da PFDC Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão No tocante aos precedentes nacionais o Curso traz diversas novidades julgadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça entre elas o racismo homotransfóbico a Operação Lava Jato o juiz natural e crimes eleitorais conexos com crimes federais comuns a liberdade de informação e a publicação de informação sob sigilo judicial o caso da Operação Boi Barrica o Caso Jair Bolsonaro e a delimitação do discurso de ódio e racismo contra quilombolas o abuso da palavra e a imunidade material dos congressistas a ADPF 607 e o mecanismo nacional de prevenção à tortura a inconstitucionalidade de lei estadual que determinou a oficialização da Bíblia o caso Flávio Bolsonaro e a proibição de compartilhamento de dados de órgãos de controle Fisco COAF e BACEN diretamente com o Ministério Público a determinação de limite máximo de superpopulação carcerária e sua substituição por prisão domiciliar sem controle a restrição inconstitucional à atividade dos motoristas de aplicativo a constitucionalidade de lei de proteção animal que prevê o sacrifício ritual de animais em cultos de religião de matriz africana a participação popular e a extinção de conselhos na área de direitos humanos o inquérito das fake news do STF a ADPF 624 e o combate à corrente denominada Escola sem Partido a Justiça de Transição e o Caso Riocentro a liberdade de religião e o sacrifício de animais a pronúncia no Tribunal do Júri e a superação do in dubio pro societate no STF a proibição do retrocesso social e o trabalho de mulheres grávidas e lactantes em ambientes insalubres as decisões regulatórias e a restrição à revisão judicial o ensino domiciliar homeschooling no STF a impossibilidade de prisão para fins de deportação ou expulsão o acesso direto da polícia a dados do WhatsApp a Bienal do Livro do Rio de Janeiro e o beijo gay as Testemunhas de Jeová e a recusa de tratamento novos incidentes de deslocamento de competência como o da Favela Nova Brasília e o Caso Marielle as modificações inconstitucionais no CONANDA o direito de falar por último e a ordem de alegações finais do corréu colaborador no STF Também foram estudadas novas leis como a Lei n 137182018 pornografia da vingança a Lei n 138442019 Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos a Lei n 138532019 que criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados a Lei n 137962019 prestação alternativa aos alunos para substituir prova ou aula perdida em virtude de preceito religioso a Lei n 138612019 pessoa do transtorno do espectro autista e censo demográfico a Lei n 138692019 nova Lei de Abuso de Autoridade a Lei n 138272019 afastamento do agressor da mulher por ato da autoridade policial a Lei n 138712019 obrigação de ressarcimento dos gastos do Estado em casos de violência contra a mulher a Lei n 138802019 apreensão de arma de fogo em caso de violência contra a mulher e a Lei n 138822019 preferência na matrícula em estabelecimento de ensino básico aos dependentes da mulher vítima de violência doméstica as quatro novas leis de alteração da Lei Maria da Penha bem como atos infralegais como a Portaria n 7702019 e a revogada Portaria n 6662019 que criou o repatriamento e a deportação sumária Esses tópicos juntamse aos já existentes como efeito da medida provisória dos Relatores Especiais do Comitê de Direitos Humanos no caso da candidatura do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva Caso Lula no TSE a indenização por danos materiais e morais devida aos presos em face do estado do sistema prisional brasileiro a constitucionalidade da preservação do meio ambiente pela proibição do uso de amianto o caráter confessional do ensino religioso em escola pública e a laicidade a constitucionalidade da lei que criou o Mais Médicos o proselitismo religioso em rádio comunitária o racismo religioso o novo entendimento sobre o foro por prerrogativa de função a possibilidade de aborto realizado até a 12ª semana de gestação o direito à saúde e a redução dos gastos públicos Emenda do Orçamento Impositivo e Emenda do Teto as cotas no serviço público e a Lei n 129902014 ADC 41 a interposição de habeas corpus coletivo a suspensão de leis de restrição ao direito à educação democrática no contexto do movimento Escola sem Partido a nota zero nas redações do ENEM que contenham conteúdo que ofenda os direitos humanos o direito de greve dos servidores públicos o desconto automático dos dias parados e o regime jurídico dos policiais a abertura de vagas no sistema prisional a Súmula Vinculante 56 e a questão do cumprimento de pena em regime mais gravoso a questão da suspensão de mandato de congressista como medida cautelar penal caso Eduardo Cunha e ADI 5526 a inconstitucionalidade da vaquejada a falta de culpa do proprietário como impeditivo de confisco de terras destinadas ao cultivo de drogas a regulação dos direitos autorais e o ECAD a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade no Brasil Extradição n 1362Argentina a inconstitucionalidade do tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro para fins de sucessão a fundamentação idônea e a quebra de sigilos fiscal e bancário por CPI a execução provisória da pena a convencionalidade do crime de desacato a injúria racial como forma de racismo a quebra do sigilo bancário diretamente pela Receita Federal e a nova posição do STF o uso do MillerTest e a obscenidade na jurisprudência do STF o crime de pederastia no STF a interrupção da gravidez pelo contágio do vírus Zika o racismo institucional e a discriminação estrutural direitos reprodutivos e sexuais Esses e outros temas tornam este Curso único ao reunir precedentes nacionais de direitos humanos entre outros julgados recentes Também devem ser mencionadas as análises sobre a justiciabilidade dos direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCAs bem como precedentes internacionais que auxiliam na interpretação internacionalista das normas internacionais tratados e demais normas de soft law Foram estudados ainda novos diplomas normativos nacionais tais como a Lei n 137092018 Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais a Lei n 136412018 descumprimento de medidas protetivas da Lei Maria da Penha o Decreto n 91992017 regulamentação da Lei de Migração entre outros Sem contar os comentários aos dispositivos da EC 952016 a emenda do teto da EC 962017 a emenda da vaquejada e do rodeio da EC 972017 e das Leis n 134872017 e 134882017 a minirreforma eleitoral da nova Lei do Idoso Lei n 134662017 da Lei n 134412017 sobre infiltração de agentes policiais para a investigação de crimes contra a dignidade sexual de crianças da Lei n 134402017 perda de bens e valores em caso de prostituição ou exploração sexual de crianças da Lei n 134342017 proibição do uso de algemas da Lei n 134312017 sobre sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência da Lei n 134092016 cotas do Decreto n 87272016 uso da identidade social perante órgãos federais entre outros Aproveitei para essa tarefa tanto minha experiência docente mais de vinte e quatro anos no ensino jurídico quanto minha experiência profissional na área dos direitos humanos Sou Procurador Regional da República Ministério Público Federal tendo sido Coordenador do Núcleo Criminal da Procuradoria Regional da República da 3ª Região bem como Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo Exerci ainda a função de Procurador Regional Eleitoral do Estado de São Paulo 20122016 o maior colégio eleitoral do País e nessa atuação lutei pela realização de um Direito Eleitoral inclusivo Fui também Secretário de Direitos Humanos e Defesa Coletiva da ProcuradoriaGeral da República 2017 2019 e sou coordenador do Núcleo de Apoio à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão na Procuradoria Regional da República da 3ª Região 20182020 Quis assim unir teoria e prática na defesa dos direitos humanos Leciono Direito Internacional e Direitos Humanos na Graduação e na PósGraduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo minha alma mater USP Largo São Francisco CAPES 6 e fui aprovado no meu Concurso Público de Ingresso por unanimidade com todos os votos dos cinco componentes da Banca Registro ainda que parte importante da minha visão sobre o aprendizado do ensino jurídico foi construída pela experiência pessoal fui aprovado nos árduos concursos públicos para os cargos de Procurador da República 1º lugar nacional em todas as provas preambular escrita e oral e 2º lugar nacional após o cômputo dos títulos Juiz Federal substituto 4ª Região 1º lugar e ainda Procurador do Estado Paraná 1º lugar Para finalizar agradeço aos que me incentivaram ao longo dos anos a continuar lecionando e escrevendo meus familiares docentes e alunos das mais diversas Faculdades colegas do Ministério Público Federal Magistratura Defensoria Advogados e acima de tudo aos meus queridos leitores de todo o Brasil PARTE I ASPECTOS BÁSICOS DOS DIREITOS HUMANOS I DIREITOS HUMANOS CONCEITO ESTRUTURA E SOCIEDADE INCLUSIVA 1 Conceito e estrutura dos direitos humanos Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade igualdade e dignidade Os direitos humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna Não há um rol predeterminado desse conjunto mínimo de direitos essenciais a uma vida digna As necessidades humanas variam e de acordo com o contexto histórico de uma época novas demandas sociais são traduzidas juridicamente e inseridas na lista dos direitos humanos Em geral todo direito exprime a faculdade de exigir de terceiro que pode ser o Estado ou mesmo um particular determinada obrigação Por isso os direitos humanos têm estrutura variada podendo ser direitopretensão direitoliberdade direitopoder e finalmente direito imunidade que acarretam obrigações do Estado ou de particulares revestidas respectivamente na forma de i dever ii ausência de direito iii sujeição e iv incompetência como segue O direitopretensão consiste na busca de algo gerando a contrapartida de outrem do dever de prestar Nesse sentido determinada pessoa tem direito a algo se outrem Estado ou mesmo outro particular tem o dever de realizar uma conduta que não viole esse direito Assim nasce o direitopretensão como por exemplo o direito à educação fundamental que gera o dever do Estado de prestála gratuitamente art 208 I da CF88 O direitoliberdade consiste na faculdade de agir que gera a ausência de direito de qualquer outro ente ou pessoa Assim uma pessoa tem a liberdade de credo art 5º VI da CF88 não possuindo o Estado ou terceiros nenhum direito ausência de direito de exigir que essa pessoa tenha determinada religião Por sua vez o direitopoder implica uma relação de poder de uma pessoa de exigir determinada sujeição do Estado ou de outra pessoa Assim uma pessoa tem o poder de ao ser presa requerer a assistência da família e de advogado o que sujeita a autoridade pública a providenciar tais contatos art 5º LXIII da CF88 Finalmente o direitoimunidade consiste na autorização dada por uma norma a uma determinada pessoa impedindo que outra interfira de qualquer modo Assim uma pessoa é imune à prisão a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar art 5º LVI da CF88 o que impede que outros agentes públicos como por exemplo agentes policiais possam alterar a posição da pessoa em relação à prisão 2 Conteúdo e cumprimento dos direitos humanos rumo a uma sociedade inclusiva Os direitos humanos representam valores essenciais que são explicitamente ou implicitamente retratados nas Constituições ou nos tratados internacionais A fundamentalidade dos direitos humanos pode ser formal por meio da inscrição desses direitos no rol de direitos protegidos nas Constituições e tratados ou pode ser material sendo considerado parte integrante dos direitos humanos aquele que mesmo não expresso é indispensável para a promoção da dignidade humana Apesar das diferenças em relação ao conteúdo os direitos humanos têm em comum quatro ideiaschaves ou marcas distintivas universalidade essencialidade superioridade normativa preferenciabilidade e reciprocidade A universalidade consiste no reconhecimento de que os direitos humanos são direitos de todos combatendo a visão estamental de privilégios de uma casta de seres superiores Por sua vez a essencialidade implica que os direitos humanos apresentam valores indispensáveis e que todos devem protegêlos Além disso os direitos humanos são superiores a demais normas não se admitindo o sacrifício de um direito essencial para atender as razões de Estado logo os direitos humanos representam preferências preestabelecidas que diante de outras normas devem prevalecer Finalmente a reciprocidade é fruto da teia de direitos que une toda a comunidade humana tanto na titularidade são direitos de todos quanto na sujeição passiva não há só o estabelecimento de deveres de proteção de direitos ao Estado e seus agentes públicos mas também à coletividade como um todo Essas quatro ideias tornam os direitos humanos como vetores de uma sociedade humana pautada na igualdade e na ponderação dos interesses de todos e não somente de alguns Os direitos humanos têm distintas maneiras de implementação do ponto de vista subjetivo e objetivo Do ponto de vista subjetivo a realização dos direitos humanos pode ser da incumbência do Estado ou de um particular eficácia horizontal dos direitos humanos como veremos ou de ambos como ocorre com o direito ao meio ambiente art 225 da CF88 o qual prevê que a proteção ambiental incumbe ao Estado e à coletividade Do ponto de vista objetivo a conduta exigida para o cumprimento dos direitos humanos pode ser ativa comissiva realizar determinada ação ou passiva omissiva absterse de realizar Há ainda a combinação das duas condutas o direito à vida acarreta tanto a conduta omissiva quanto comissiva por parte dos agentes públicos de um lado devem se abster de matar sem justa causa e de outro tem o dever de proteção de ação para impedir que outrem viole a vida Uma sociedade pautada na defesa de direitos sociedade inclusiva tem várias consequências A primeira é o reconhecimento de que o primeiro direito de todo indivíduo é o direito a ter direitos Arendt e no Brasil Lafer sustentam que o primeiro direito humano do qual derivam todos os demais é o direito a ter direitos 1No Brasil o STF adotou essa linha ao decidir que direito a ter direitos uma prerrogativa básica que se qualifica como fator de viabilização dos demais direitos e liberdades ADI 2903 rel Min Celso de Mello j 1º12 2005 Plenário DJe de 1992008 Uma segunda consequência é o reconhecimento de que os direitos de um indivíduo convivem com os direitos de outros O reconhecimento de um rol amplo e aberto sempre é possível a descoberta de um novo direito humano de direitos humanos exige ponderação e eventual sopesamento dos valores envolvidos O mundo dos direitos humanos é o mundo dos conflitos entre direitos com estabelecimento de limites preferências e prevalências Basta a menção a disputas envolvendo o direito à vida e os direitos reprodutivos da mulher aborto direito de propriedade e direito ao meio ambiente equilibrado liberdade de informação jornalística e direito à vida privada entre outras inúmeras colisões de direitos Nesses casos de colisão de direitos há a necessidade de ponderação que é uma técnica de decisão em três fases na primeira fase identificamse as normas de direitos humanos incidentes no caso concreto na segunda fase destacamse os fatos envolvidos com o uso do máximo do conhecimento humano no contexto da época estado da arte sendo necessário que o direito dialogue com outros campos da ciência diálogo dos saberes na terceira fase devem ser testadas as soluções possíveis para a colisão de direitos selecionandose aquela que no caso concreto melhor cumpre com a vontade de promoção de direitos humanos e da dignidade ver entre outros o voto do Min Barroso na Reclamação 22328RJ rel Min Barroso j 632018 Informativo do STF n 893 em especial item 18 do voto Por isso não há automatismo no mundo da sociedade de direitos Não basta anunciar um direito para que o dever de proteção incida mecanicamente Pelo contrário é possível o conflito e colisão entre direitos a exigir sopesamento e preferência entre os valores envolvidos Por isso nasce a necessidade de compreendermos como é feita a convivência entre os direitos humanos em uma sociedade inclusiva na qual os direitos de diferentes conteúdos interagem Essa atividade de ponderação é exercida cotidianamente pelos órgãos judiciais nacionais e internacionais de direitos humanos QUADRO SINÓTICO Conceito e o novo direito a ter direitos Conceito de direitos humanos Conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade igualdade e dignidade Estrutura dos direitos humanos Direitopretensão direitoliberdade direitopoder direitoimunidade Maneiras de cumprimento dos direitos humanos Ponto de vista subjetivo incumbência do Estado incumbência de particular incumbência de ambos Ponto de vista objetivo conduta ativa conduta passiva Conteúdo dos direitos humanos Representam valores essenciais explícita ou implicitamente retratados nas Constituições ou tratados internacionais Fundamentalidade Formal inscrição dos direitos nas Constituições ou tratados Material direito considerado indispensável para a promoção da dignidade humana Marcas distintivas dos direitos humanos Universalidade direitos de todos Essencialidade valores indispensáveis que devem ser protegidos por todos Superioridade normativa ou preferenciabilidade superioridade com relação às demais normas Reciprocidade são direitos de todos e não sujeitam apenas o Estado e os agentes públicos mas toda a coletividade Consequências de uma sociedade pautada na defesa de direitos Reconhecimento do direito a ter direitos Reconhecimento de que os direitos de um indivíduo convivem com os direitos de outros o conflito e a colisão de direitos implicam a necessidade de estabelecimento de limites preferências e prevalências II OS DIREITOS HUMANOS NA HISTÓRIA 1 Direitos humanos faz sentido o estudo das fases precursoras Não há um ponto exato que delimite o nascimento de uma disciplina jurídica Pelo contrário há um processo que desemboca na consagração de diplomas normativos com princípios e regras que dimensionam o novo ramo do Direito No caso dos direitos humanos o seu cerne é a luta contra a opressão e busca do bemestar do indivíduo consequentemente suas ideias âncoras são referentes à justiça igualdade e liberdade cujo conteúdo impregna a vida social desde o surgimento das primeiras comunidades humanas Nesse sentido amplo de impregnação de valores podemos dizer que a evolução histórica dos direitos humanos passou por fases que ao longo dos séculos auxiliaram a sedimentar o conceito e o regime jurídico desses direitos essenciais A contar dos primeiros escritos das comunidades humanas ainda no século VIII aC até o século XX dC são mais de vinte e oito séculos rumo à afirmação universal dos direitos humanos que tem como marco a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 Assim para melhor compreender a atualidade da era dos direitos incursionamos pelo passado mostrando a contribuição das mais diversas culturas à formação do atual quadro normativo referente aos direitos humanos Porém não se pode medir épocas distantes da história da humanidade com a régua do presente Devese evitar o anacronismo pelo qual são utilizados conceitos de uma época para avaliar ou julgar fatos de outra Essas diversas fases conviveram em sua época respectiva com institutos ou posicionamentos que hoje são repudiados como a escravidão a perseguição religiosa a exclusão das minorias a submissão da mulher a discriminação contra as pessoas com deficiências de todos os tipos a autocracia e outras formas de organização do poder e da sociedade ofensivas ao entendimento atual da proteção de direitos humanos Por isso devemos ser cautelosos no estudo de códigos ou diplomas normativos do início da fase escrita da humanidade ou de considerações de renomados filósofos da Antiguidade bem como na análise das tradições religiosas que fizeram remissão ao papel do indivíduo na sociedade mesmo que parte da doutrina se esforce em tentar convencer que a proteção de direitos humanos sempre existiu Na realidade a universalização dos direitos humanos é uma obra ainda inacabada mas que tem como marco a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 não fazendo sentido transpor para eras longínquas o entendimento atual sobre os direitos humanos e seu regime jurídico Contudo o estudo do passado mesmo as raízes mais longínquas é indispensável para detectar as regras que já existiram em diversos sistemas jurídicos e que expressaram o respeito a valores relacionados à concepção atual dos direitos humanos Para sistematizar o estudo das fases anteriores rumo à consagração dos direitos humanos usamos a própria Declaração Universal de 1948 para estabelecer os seguintes parâmetros de análise das contribuições do passado à atual teoria geral dos direitos humanos 1 o indicativo do respeito à dignidade humana e igualdade entre os seres humanos 2 o reconhecimento de direitos fundado na própria existência humana 3 o reconhecimento da superioridade normativa mesmo em face do Poder do Estado e finalmente 4 o reconhecimento de direitos voltados ao mínimo existencial 2 A fase préEstado Constitucional 21 A ANTIGUIDADE ORIENTAL E O ESBOÇO DA CONSTRUÇÃO DE DIREITOS O primeiro passo rumo à afirmação dos direitos humanos iniciase já na Antiguidade 2 no período compreendido entre os séculos VIII e II aC Para Comparato vários filósofos trataram de direitos dos indivíduos influenciandonos até os dias de hoje Zaratustra na Pérsia Buda na Índia Confúcio na China e o DêuteroIsaías em Israel O ponto em comum entre eles é a adoção de códigos de comportamento baseados no amor e respeito ao outro 3 Do ponto de vista normativo há tenuamente o reconhecimento de direitos de indivíduos na codificação de Menes 31002850 aC no Antigo Egito Na Suméria antiga o Rei Hammurabi da Babilônia editou o Código de Hammurabi que é considerado o primeiro código de normas de condutas preceituando esboços de direitos dos indivíduos 17921750 aC em especial o direito à vida propriedade honra consolidando os costumes e estendendo a lei a todos os súditos do Império Chama a atenção nesse Código a Lei do Talião que impunha a reciprocidade no trato de ofensas o ofensor deveria receber a mesma ofensa proferida Ainda na região da Suméria e Pérsia Ciro II editou no século VI aC uma declaração de boa governança hoje exibida no Museu Britânico o Cilindro de Ciro que seguia uma tradição mesopotâmica de autoelogio dos governantes ao seu modo de reger a vida social Na China nos séculos VI e V aC Confúcio lançou as bases para sua filosofia com ênfase na defesa do amor aos indivíduos Já o budismo introduziu um código de conduta pelo qual se prega o bem comum e uma sociedade pacífica sem prejuízo a qualquer ser humano 4 22 A VISÃO GREGA E A DEMOCRACIA ATENIENSE A herança grega na consolidação dos direitos humanos é expressiva A começar pelos direitos políticos a democracia ateniense adotou a participação política dos cidadãos com diversas exclusões é claro que seria após aprofundada pela proteção de direitos humanos O chamado Século de Péricles século V aC testou a democracia direta em Atenas com a participação dos cidadãos homens da pólis grega nas principais escolhas da comunidade Platão em sua obra A República 400 aC defendeu a igualdade e a noção do bem comum Aristóteles na Ética a Nicômaco 5 salientou a importância do agir com justiça para o bem de todos da pólis mesmo em face de leis injustas 6 A Antiguidade grega também estimulou a reflexão sobre a superioridade de determinadas normas mesmo em face da vontade contrária do poder Nesse sentido a peça de Sófocles Antígona 421 aC parte da chamada Trilogia Tebana retrata Antígona a protagonista e sua luta para enterrar seu irmão Polinice mesmo contra ordem do tirano da cidade Creonte que havia promulgado uma lei proibindo que aqueles que atentassem contra a lei da cidade fossem enterrados Para Antígona não se pode cumprir as leis humanas que se chocarem com as leis divinas O confronto de visões entre Antígona e Creonte é um dos pontos altos da peça Uma das ideias centrais dos direitos humanos que já é encontrada nessa obra de Sófocles é a superioridade de determinadas regras de conduta em especial contra a tirania e injustiça Essa herança dos gregos foi lembrada no voto da Ministra Cármen Lúcia na ADPF 187 julgada em 15 de julho de 2011 A Ágora símbolo maior da democracia grega era a praça em que os cidadãos atenienses se reuniam para deliberarem sobre os assuntos da pólis A liberdade dos antigos para usar a conhecida expressão de Benjamin Constant era justamente a liberdade de deliberar em praça pública sobre os mais diversos assuntos a guerra e a paz os tratados com os estrangeiros votar as leis pronunciar as sentenças examinar as contas os atos as gestões dos magistrados e tudo o mais que interessava ao povo A democracia nasceu portanto dentro de uma praça voto da Ministra Cármen Lúcia ADPF 187 rel Min Celso de Mello j 1562011 Plenário Informativo n 631 23 A REPÚBLICA ROMANA Uma contribuição do direito romano à proteção de direitos humanos foi a sedimentação do princípio da legalidade A Lei das Doze Tábuas ao estipular a lex scripta como regente das condutas deu um passo na direção da vedação ao arbítrio Além disso o direito romano consagrou vários direitos como o da propriedade liberdade personalidade jurídica entre outros Um passo foi dado também na direção do reconhecimento da igualdade pela aceitação do jus gentium o direito aplicado a todos romanos ou não No plano das ideias Marco Túlio Cícero retoma a defesa da razão reta recta ratio salientando na República que a verdadeira lei é a lei da razão inviolável mesmo em face da vontade do poder No seu De legibus Sobre as leis 52 aC Cícero sustentou que apesar das diferenças raças religiões e opiniões os homens podem permanecer unidos caso adotem o viver reto que evitaria causar o mal a outros 24 O ANTIGO E O NOVO TESTAMENTO E AS INFLUÊNCIAS DO CRISTIANISMO E DA IDADE MÉDIA Entre os hebreus os cinco livros de Moisés Torah apregoam solidariedade e preocupação com o bemestar de todos 18001500 aC No Antigo Testamento a passagem do Êxodo é clara quanto à necessidade de respeito a todos em especial aos vulneráveis Não afligirás o estrangeiro nem o oprimirás pois vós mesmos fostes estrangeiros no país do Egito Não afligireis a nenhuma viúva ou órfão Se o afligires e ele clamar a mim escutarei o seu clamor minha ira se ascenderá e vos farei perecer pela espada vossas mulheres ficarão viúvas e vossos filhos órfãos Êxodo 22 2026 No Livro dos Provérbios 25 2122 do Antigo Testamento está disposto que Se teu inimigo tem fome dálhe de comer se tem sede dálhe de beber assim amontoas brasas sobre sua cabeça e Javé te recompensará O cristianismo também contribuiu para a disciplina há vários trechos da Bíblia Novo Testamento que pregam a igualdade e solidariedade com o semelhante A sempre citada passagem de Paulo na Epístola aos Gálatas conclama que Não há judeu nem grego não há escravo nem livre não há homem nem mulher porque todos vós sois um em Cristo Jesus III 28 Os filósofos católicos também merecem ser citados em especial São Tomás de Aquino que no seu capítulo sobre o Direito na sua obra Suma Teológica 1273 defendeu a igualdade dos seres humanos e aplicação justa da lei Para a escolástica aquiniana aquilo que é justo id quod justum est é aquilo que corresponde a cada ser humano na ordem social o que reverberará no futuro em especial na busca da justiça social constante dos diplomas de direitos humanos Ao mesmo tempo em que defendeu a igualdade espiritual o cristianismo conviveu no passado com desigualdades jurídicas inconcebíveis para a proteção de direitos humanos como a escravidão e a servidão de milhões sem contar o apoio à perseguição religiosa e a inquisição Novamente essa análise histórica limitase a apontar valores que tênues em seu tempo contribuíram ao longo dos séculos para a afirmação histórica dos direitos humanos 25 RESUMO DA IDEIA DOS DIREITOS HUMANOS NA ANTIGUIDADE A LIBERDADE DOS ANTIGOS E A LIBERDADE DOS MODERNOS A síntese mais conhecida da concepção da Antiguidade sobre o indivíduo foi feita por Benjamin Constant no seu clássico artigo sobre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos 7 Para Constant os antigos viam a liberdade composta pela possibilidade de participar da vida social na cidade já os modernos ele se referia aos iluministas do século XVIII e pensadores posteriores do século XIX entendiam a liberdade como sendo a possibilidade de atuar sem amarras na vida privada Essa visão de liberdade na Antiguidade resultou na ausência de discussão sobre a limitação do poder do Estado um dos papéis tradicionais do regime jurídico dos direitos humanos As normas que organizam o Estado préconstitucional não asseguravam ao indivíduo direitos de contenção ao poder estatal Por isso na visão de parte da doutrina não há efetivamente regras de direitos humanos na época préEstado Constitucional Porém essa importante crítica doutrinária que deve ser realçada não elimina a valiosa influência de culturas antigas na afirmação dos direitos humanos Como já mencionado acima há costumes e instituições sociais das inúmeras civilizações da Antiguidade que enfatizam o respeito a valores que estão contidos em normas de direitos humanos como a justiça e igualdade QUADRO SINÓTICO A fase préEstado Constitucional Antiguidade no período compreendido entre os séculos VIII e II aC primeiro passo rumo à afirmação dos direitos humanos com a emergência de vários filósofos de influência até os dias de hoje Zaratustra Buda Confúcio DêuteroIsaías cujo ponto em comum foi a adoção de códigos A Antiguidade Oriental e o esboço da construção de direitos de comportamento baseados no amor e respeito ao outro Antigo Egito reconhecimento de direitos de indivíduos na codificação de Menes 31002850 aC Suméria antiga edição do Código de Hammurabi na Babilônia 17921750 aC primeiro código de normas de condutas preceituando esboços de direitos dos indivíduos consolidando os costumes e estendendo a lei a todos os súditos do Império Suméria e Pérsia edição por Ciro II no século VI aC de uma declaração de boa governança China nos séculos VI e V aC Confúcio lançou as bases para sua filosofia com ênfase na defesa do amor aos indivíduos Budismo introduziu um código de conduta pelo qual se prega o bem comum e uma sociedade pacífica sem prejuízo a qualquer ser humano Islamismo prescrição da fraternidade e solidariedade aos vulneráveis Herança grega na consolidação dos direitos humanos Consolidação dos direitos políticos com a participação política dos cidadãos com diversas exclusões Platão em sua obra A República 400 aC defendeu a igualdade e a noção do bem comum Aristóteles na Ética a Nicômaco salientou a importância do agir com justiça para o bem de todos da pólis mesmo em face de leis injustas Reflexão sobre a superioridade normativa de determinadas normas mesmo em face da vontade do poder A República Romana Contribuição na sedimentação do princípio da legalidade Consagração de vários direitos como propriedade liberdade personalidade jurídica entre outros Reconhecimento da igualdade entre todos os seres humanos em especial pela aceitação do jus gentium o direito aplicado a todos romanos ou não Marco Túlio Cícero retoma a defesa da razão reta recta ratio salientando na República que a verdadeira lei é a lei da razão inviolável mesmo em face da vontade do poder O Antigo e o Novo Testamento e as influências do cristianismo e da Idade Média Cinco livros de Moisés Torah apregoam solidariedade e preocupação com o bemestar de todos 18001500 aC Antigo Testamento faz menção à necessidade de respeito a todos em especial aos vulneráveis Cristianismo contribuiu para a disciplina há vários trechos da Bíblia Novo Testamento que pregam a igualdade e solidariedade com o semelhante Filósofos católicos também merecem ser citados em especial São Tomás de Aquino 3 A crise da Idade Média início da Idade Moderna e os primeiros diplomas de direitos humanos Na Idade Média europeia o poder dos governantes era ilimitado pois era fundado na vontade divina Contudo mesmo nessa época de autocracia surgem os primeiros movimentos de reivindicação de liberdades a determinados estamentos como a Declaração das Cortes de Leão adotada na Península Ibérica em 1188 e ainda a Magna Carta inglesa de 1215 A Declaração de Leão consistiu em manifestação que consagrou a luta dos senhores feudais contra a centralização e o nascimento futuro do Estado Nacional Por sua vez a Magna Carta consistiu em um diploma que continha um ingrediente ainda faltante essencial ao futuro regime jurídico dos direitos humanos o catálogo de direitos dos indivíduos contra o Estado Redigida em latim em 1215 o que explicita o seu caráter elitista a Magna Charta Libertatum consistia em disposições de proteção ao Baronato inglês contra os abusos do monarca João Sem Terra João da Inglaterra Depois do reinado de João Sem Terra a Carta Magna foi confirmada várias vezes pelos monarcas posteriores Apesar de seu foco nos direitos da elite fundiária da Inglaterra a Magna Carta traz em seu bojo a ideia de governo representativo e ainda direitos que séculos depois seriam universalizados atingindo todos os indivíduos entre eles o direito de ir e vir em situação de paz direito de ser julgado pelos seus pares vide Parte IV item 235 sobre o Tribunal do Júri acesso à justiça e proporcionalidade entre o crime e a pena Com o Renascimento e a Reforma Protestante a crise da Idade Média deu lugar ao surgimento dos Estados Nacionais absolutistas europeus A sociedade estamental medieval foi substituída pela forte centralização do poder na figura do rei Paradoxalmente com a erosão da importância dos estamentos Igreja e senhores feudais surge a igualdade de todos submetidos ao poder absoluto do rei Só que essa igualdade não protegeu os súditos da opressão e violência O exemplo maior dessa época de violência e desrespeito aos direitos humanos foi o extermínio de milhões de indígenas nas Américas apenas algumas décadas após a chegada de Colombo na ilha de São Domingo 1492 Não que não houvesse reação contrária ao massacre Houve célebre polêmica na metade do século XVI 15501551 na Espanha então grande senhora dos domínios no Novo Mundo entre o Frei Bartolomeu de Las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda então teólogo e jurista do próprio rei espanhol Las Casas merece ser citado como um dos notáveis defensores da dignidade de todos os povos indígenas contrariando a posição de Sepúlveda que os via como inferiores e desprovidos de direitos Na sua réplica final nesse debate doutrinário da época Las Casas condenou duramente o genocídio indígena afirmando que Os índios são nossos irmãos pelos quais Cristo deu sua vida Por que os perseguimos sem que tenham merecido tal coisa com desumana crueldade O passado e o que deixou de ser feito não tem remédio seja atribuído à nossa fraqueza sempre que for feita a restituição dos bens impiamente arrebatados 8 Por sua vez Francisco de Vitória um dos fundadores do direito internacional moderno reconheceu a humanidade dos povos autóctones das Américas bem como sustentou a aplicação em igualdade do direito internacional nas suas relações com os espanhóis 9 No século XVII o Estado Absolutista foi questionado em especial na Inglaterra A busca pela limitação do poder já incipiente na Magna Carta é consagrada na Petition of Right de 1628 pela qual novamente o baronato inglês representado pelo Parlamento estabelece o dever do Rei de não cobrar impostos sem a autorização do Parlamento no taxation without representation bem como se reafirma que nenhum homem livre podia ser detido ou preso ou privado dos seus bens das suas liberdades e franquias ou posto fora da lei e exilado ou de qualquer modo molestado a não ser por virtude de sentença legal dos seus pares ou da lei do país Essa exigência lei da terra consiste em parte importante do devido processo legal a ser implementado posteriormente Ainda no século XVII há a edição do Habeas Corpus Act 1679 que formalizou o mandado de proteção judicial aos que haviam sido injustamente presos existente até então somente no direito consuetudinário inglês common law No seu texto havia ainda a previsão do dever de entrega do mandado de captura ao preso ou seu representante representando mais um passo para banir as detenções arbitrárias ainda um dos grandes problemas mundiais de direitos humanos no século XXI Ainda na Inglaterra em 1689 após a chamada Revolução Gloriosa com a abdicação do Rei autocrático Jaime II e com a coroação do Príncipe de Orange Guilherme III é editada a Declaração Inglesa de Direitos a Bill of Rights 1689 pela qual o poder autocrático dos reis ingleses é reduzido de forma definitiva Não é uma declaração de direitos extensa pois dela consta basicamente a afirmação da vontade da lei sobre a vontade absolutista do rei Entre seus pontos estabelecese que é ilegal o pretendido poder de suspender leis ou a execução de leis pela autoridade real sem o consentimento do Parlamento que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento e que a liberdade de expressão e debates ou procedimentos no Parlamento não devem ser impedidos ou questionados por qualquer tribunal ou local fora do Parlamento Em continuidade ao já decidido na Revolução Gloriosa foi aprovado em 1701 o Act of Settlement que serviu tanto para fixar de vez a linha de sucessão da coroa inglesa banindo os católicos romanos da linha do trono e exigindo dos reis britânicos o vínculo com a Igreja Anglicana quanto para reafirmar o poder do Parlamento e a necessidade do respeito da vontade da lei resguardandose os direitos dos súditos contra a volta da tirania dos monarcas QUADRO SINÓTICO A crise da Idade Média início da Idade Moderna e os primeiros diplomas de direitos humanos Idade Média poder dos governantes era ilimitado pois era fundado na vontade divina Surgimento dos primeiros movimentos de reivindicação de liberdades a determinados estamentos como a Declaração das Cortes de Leão adotada na Península Ibérica em 1188 e a Magna Carta inglesa de 1215 Renascimento e Reforma Protestante crise da Idade Média deu lugar ao surgimento dos Estados Nacionais absolutistas e a sociedade estamental medieval foi substituída pela forte centralização do poder na figura do rei Com a erosão da importância dos estamentos Igreja e senhores feudais surge a ideia de igualdade de todos submetidos ao poder absoluto do rei o que não excluiu a opressão e a violência como o extermínio perpetrado contra os indígenas na América Século XVII o Estado Absolutista foi questionado em especial na Inglaterra A busca pela limitação do poder é consagrada na Petition of Rights de 1628 A edição do Habeas Corpus Act 1679 for maliza o mandado de proteção judicial aos que haviam sido injustamente presos existente tão somente no direito consuetudinário inglês common law 1689 após a Revolução Gloriosa edição da Declaração Inglesa de Direitos a Bill of Rights 1689 pela qual o poder autocrático dos reis ingleses é reduzido de forma definitiva 1701 aprovação do Act of Settlement que enfim fixou a linha de sucessão da coroa inglesa reafirmou o poder do Parlamento e da vontade da lei resguardandose os direitos dos súditos contra a volta da tirania dos monarcas 4 O debate das ideias Hobbes Grócio Locke Rousseau e os iluministas No campo das ideias políticas Thomas Hobbes defendeu em sua obra Leviatã 1651 em especial no Capítulo XIV que o primeiro direito do ser humano consistia no direito de usar seu próprio poder livremente para a preservação de sua própria natureza ou seja de sua vida É um dos primeiros textos que trata claramente do direito do ser humano pleno somente no estado da natureza Nesse estado o homem é livre de quaisquer restrições e não se submete a qualquer poder Contudo Hobbes conduz sua análise para a seguinte conclusão para sobreviver ao estado da natureza no qual todos estão em confronto o homem seria o lobo do próprio homem o ser humano abdica dessa liberdade inicial e se submete ao poder do Estado o Leviatã A razão para a existência do Estado consiste na necessidade de se dar segurança ao indivíduo diante das ameaças de seus semelhantes Com base nessa espécie de contrato entre o homem e o Estado justificase a antítese dos direitos humanos que é a existência do Estado que tudo pode Hobbes admite ainda que eventualmente o Soberano identificado como o Estado pode outorgar parcelas de liberdade aos indivíduos desde que queira Em síntese os indivíduos não possuiriam qualquer proteção contra o poder do Estado É claro que essa visão de Hobbes em que pese a proclamação de um direito pleno no estado da natureza o distancia da proteção atual de direitos humanos No mesmo século XVII outros autores defenderam a existência de direitos para além do estado da natureza de Hobbes Em primeiro lugar Hugo Grócio considerado um dos pais fundadores do Direito Internacional fez interessante debate sobre o direito natural e os direitos de todos os seres humanos No seu livro O direito da guerra e da paz 1625 Grócio defendeu a existência do direito natural de cunho racionalista mesmo sem Deus ousou dizer em pleno século XVII reconhecendo assim que suas normas decorrem de princípios inerentes ao ser humano Assim é dada mais uma contribuição de marca jusnaturalista ao arcabouço dos direitos humanos em especial no que tange ao reconhecimento de normas inerentes à condição humana Por sua vez a contribuição de John Locke é essencial pois defendeu o direito dos indivíduos mesmo contra o Estado um dos pilares do contemporâneo regime dos direitos humanos Para Locke em sua obra Segundo tratado sobre o governo civil 1689 10 o objetivo do governo em uma sociedade humana é salvaguardar os direitos naturais do homem existentes desde o estado da natureza Os homens então decidem livremente deixar o estado da natureza justamente para que o Estado preserve os seus direitos existentes Diferentemente de Hobbes não é necessário que o governo seja autocrático Pelo contrário para Locke o grande e principal objetivo das sociedades políticas sob a tutela de um determinado governo é a preservação dos direitos à vida à liberdade e à propriedade Logo o governo não pode ser arbitrário e seu poder deve ser limitado pela supremacia do bem público Nesse sentido os governados teriam o direito de se insurgir contra o governante que deixasse de proteger esses direitos Além disso Locke foi um dos pioneiros na defesa da divisão das funções do Poder tendo escrito que como pode ser muito grande para a fragilidade humana a tentação de ascender ao poder não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de legislar tenham também em suas mãos o poder de executar as leis pois elas poderiam se isentar da obediência às leis que fizeram e adequar a lei a sua vontade tanto no momento de fazêla quanto no ato de sua execução e ela teria interesses distintos daqueles do resto da comunidade contrários à finalidade da sociedade e do governo 11 Locke sustentou a existência do Poder Legislativo na sua visão o mais importante por representar a sociedade Executivo e Federativo este último vinculado às atividades de guerra e paz política externa Quanto ao Judiciário Locke considerouo parte do Poder Executivo na sua função de executar as leis Em síntese Locke é um expoente do liberalismo emergente tendo suas ideias influenciado o movimento de implantação do Estado Constitucional com separação das funções do poder e direitos dos indivíduos em vários países As ideias de Locke reverberaram especialmente no século XVIII com a consolidação da burguesia em vários países europeus O Estado Absolutista que havia comandado as grandes navegações e o auge do capitalismo comercial era naquele momento um entrave para o desenvolvimento futuro do capitalismo europeu que ansiava por segurança jurídica e limites à ação autocrática e com isso imprevisível do poder Na França o reformista Abbé Charles de SaintPierre defendeu em seu livro Projeto de paz perpétua 1713 o fim das guerras europeias e o estabelecimento de mecanismos pacíficos para superar as controvérsias entre os Estados em uma precursora ideia de federação mundial Surgiu então a obra Do contrato social 1762 de JeanJacques Rousseau que defendeu uma vida em sociedade baseada em um contrato o pacto social entre homens livres e iguais que estruturam o Estado para zelar pelo bemestar da maioria A igualdade e a liberdade são inerentes aos seres humanos que com isso são aptos a expressar sua vontade e exercer o poder A pretensa renúncia à liberdade e à igualdade pelos homens nos Estados autocráticos base do pensamento de Hobbes é inadmissível para Rousseau uma vez que tal renúncia seria incompatível com a natureza humana Para Rousseau portanto um governo arbitrário e liberticida não poderia sequer alegar que teria sido aceito pela população pois a renúncia à liberdade seria o mesmo que renunciar à natureza humana A inalienabilidade dos direitos humanos encontra já eco em Rousseau que consequentemente combate a escravidão aceita por Grócio e Locke por exemplo Quanto à organização do Estado Rousseau sustentou que os governos devem representar a vontade da maioria respeitando ainda os valores da vontade geral contribuindo para a consolidação tanto da democracia representativa quanto da possibilidade de supremacia da vontade geral em face de violações de direitos oriundas de paixões de momento da maioria As ideias de Rousseau estão inseridas no movimento denominado Iluminismo tradução da palavra alemã Aufklärung o século XVIII seria o século das luzes no qual autores como Voltaire Diderot e DAlembert entre outros defendiam o uso da razão para dirigir a sociedade em todos os aspectos 12 questionando o absolutismo e o viés religioso do poder o rei como filho de Deus tidos como irracionais Por sua vez Cesare Beccaria defendeu ideias essenciais para os direitos humanos em uma área crítica o Direito Penal Em sua obra Dos delitos e das penas 1766 Beccaria sustentou a existência de limites para a ação do Estado na repressão penal e balizando o jus puniendi com influência até os dias de hoje Kant no final do século XVIII 1785 13 defendeu a existência da dignidade intrínseca a todo ser racional que não tem preço ou equivalente Justamente em virtude dessa dignidade não se pode tratar o ser humano como um meio mas sim como um fim em si mesmo Esse conceito kantiano do valor superior e sem equivalente da dignidade humana será depois retomado no regime jurídico dos direitos humanos contemporâneos em especial no que tange à indisponibilidade e à proibição de tratamento do homem como objeto QUADRO SINÓTICO O debate das ideias Hobbes Grócio Locke Rousseau e os iluministas Thomas Hobbes Leviatã 1651 é um dos primeiros textos que versa claramente sobre o direito do ser humano que é ainda tratado como sendo pleno no estado da natureza Mas Hobbes conclui que o ser humano abdica de sua liberdade inicial e se submete ao poder do Estado o Leviatã cuja existência justificase pela necessidade de se dar segurança ao indivíduo diante das ameaças de seus semelhantes Entretanto os indivíduos não possuiriam qualquer proteção contra o poder do Estado Hugo Grócio Da guerra e da paz 1625 defendeu a existência do direito natural de cunho racionalista reconhecendo assim que suas normas decorrem de princípios inerentes ao ser humano John Locke Tratado sobre o governo civil 1689 defendeu o direito dos indivíduos mesmo contra o Estado um dos pilares do contemporâneo regime dos direitos humanos O grande e principal objetivo das sociedades políticas sob a tutela de um determinado governo é a preservação dos direitos à vida à liberdade e à propriedade Logo o governo não pode ser arbitrário e deve seu poder ser limitado pela supremacia do bem público Abbé Charles de SaintPierre Projeto de paz perpétua 1713 defendeu o fim das guerras europeias e o estabelecimento de mecanismos pacíficos para superar as controvérsias entre os Estados em uma precursora ideia de federação mundial JeanJacques Rousseau Do contrato social 1762 prega que a vida em sociedade é baseada em um contrato o pacto social entre homens livres e iguais qualidades inerentes aos seres humanos que estruturam o Estado para zelar pelo bemestar da maioria Um governo arbitrário e liberticida não poderia sequer alegar que teria sido aceito pela população pois a renúncia à liberdade seria o mesmo que renunciar à natureza humana sendo inadmissível Cesare Beccaria Dos delitos e das penas 1766 sustentou a existência de limites para a ação do Estado na repressão penal balizando os limites do jus puniendi que reverberam até hoje Kant Fundamentação da metafísica dos costumes 1785 defendeu a existência da dignidade intrínseca a todo ser racional que não tem preço ou equivalente Justamente em virtude dessa dignidade não se pode tratar o ser humano como um meio mas sim como um fim em si mesmo 5 A fase do constitucionalismo liberal e das declarações de direitos As revoluções liberais inglesa americana e francesa e suas respectivas Declarações de Direitos marcaram a primeira clara afirmação histórica dos direitos humanos A chamada Revolução Inglesa foi a mais precoce ver acima pois tem como marcos a Petition of Right de 1628 e o Bill of Rights de 1689 que consagraram a supremacia do Parlamento e o império da lei Por sua vez a Revolução Americana retrata o processo de independência das colônias britânicas na América do Norte culminado em 1776 e a criação da primeira Constituição do mundo a Constituição norteamericana de 1787 Várias causas concorreram para a independência norteamericana sendo a defesa das liberdades públicas contra o absolutismo do rei uma das mais importantes o que legitimou a emancipação Nesse sentido foi editada a Declaração do Bom Povo de Virgínia em 12 de junho de 1776 pouco menos de um mês da declaração de independência em 4 de julho composta por 18 artigos que contém afirmações típicas da promoção de direitos humanos com viés jusnaturalista como por exemplo todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes artigo I e ainda todo poder é inerente ao povo e consequentemente dele procede que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e em qualquer momento perante ele responsáveis artigo II A Declaração de Independência dos Estados Unidos de 4 de julho de 1776 escrita em grande parte por Thomas Jefferson estipulou já no seu início que todos os homens são criados iguais sendolhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis entre os quais se contam a Vida a Liberdade e a busca da Felicidade Que para garantir estes Direitos são instituídos Governos entre os Homens derivando os seus justos poderes do consentimento dos governados marcando o direito político de autodeterminação dos seres humanos governados a partir de sua livre escolha Curiosamente a Constituição norteamericana de 1787 não possuía um rol de direitos uma vez que vários representantes na Convenção de Filadélfia que editou a Constituição temiam introduzir direitos humanos em uma Constituição que organizaria a esfera federal o que permitiria a consequente federalização de várias facetas da vida social Somente em 1791 esse receio foi afastado e foram aprovadas 10 Emendas que finalmente introduziram um rol de direitos na Constituição norteamericana Já a Revolução Francesa gerou um marco para a proteção de direitos humanos no plano nacional a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão adotada pela Assembleia Nacional Constituinte francesa em 27 de agosto de 1789 A Declaração Francesa é fruto de um giro copernicano nas relações sociais na França e logo depois em vários países O Estado francês préRevolução era ineficiente caro e incapaz de organizar minimamente a economia de modo a atender as necessidades de uma população cada vez maior As elites religiosas e da nobreza também se mostraram insensíveis a qualquer alteração do status quo capitaneada pela monarquia Esse impasse político na cúpula dirigente associado à crescente insatisfação popular foi o caldo de cultura para a ruptura que se iniciou na autoproclamação de uma Assembleia Nacional Constituinte em junho de 1789 pelos representantes dos Estados Gerais instituição representativa dos três estamentos da França prérevolução nobreza clero e um terceiro estado que aglomerava a grande e pequena burguesia bem como a camada urbana sem posses Em 12 de julho de 1789 iniciaramse os motins populares em Paris capital da França que culminaram em 14 de julho de 1789 na tomada da Bastilha prisão quase desativada cuja queda é até hoje o símbolo maior da Revolução Francesa Em 27 de agosto de 1789 a Assembleia Nacional Constituinte adotou a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e dos Povos que consagrou a igualdade e liberdade como direitos inatos a todos os indivíduos O impacto na época foi imenso aboliramse os privilégios direitos feudais e imunidades de várias castas em especial da aristocracia de terras O lema dos agora revolucionários era de clareza evidente liberdade igualdade e fraternidade liberté egalité et fraternité A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamou os direitos humanos a partir de uma premissa que permeará os diplomas futuros todos os homens nascem livres e com direitos iguais Há uma clara influência jusnaturalista pois já no seu início a Declaração menciona os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem São apenas dezessete artigos que acabaram sendo adotados como preâmbulo da Constituição francesa de 1791 e que condensam várias ideias depois esmiuçadas pelas Constituições e tratados de direitos humanos posteriores como por exemplo soberania popular sistema de governo representativo igualdade de todos perante a lei presunção de inocência direito à propriedade à segurança liberdade de consciência de opinião de pensamento bem como o dever do Estado Constitucional de garantir os direitos humanos Esse dever de garantia ficou expresso no sempre lembrado artigo 16 da Declaração que dispõe Toda sociedade onde a garantia dos direitos não está assegurada nem a separação dos poderes determinada não tem Constituição Também é importante marco para o desenvolvimento futuro dos direitos humanos o projeto de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã de 1791 proposto por Olympe de Gouges que reivindicou a igualdade de direitos de gênero Ainda em 1791 foi editada a primeira Constituição da França revolucionária que consagrou a perda dos direitos absolutos do monarca francês implantandose uma monarquia constitucional mas ao mesmo tempo reconheceu o voto censitário Em 1791 o Rei Luís XVI tentou fugir para reunirse a monarquias absolutistas que já ensaiavam intervir no processo revolucionário francês Após a invasão da França e derrota dos exércitos austroprussianos os revolucionários franceses decidem executar o Rei Luís XVI e sua mulher a Rainha Maria Antonieta 1793 Esse contexto de constante luta dos revolucionários com os exércitos das monarquias absolutistas europeias impulsionou a Revolução Francesa para além das fronteiras daquele país uma vez que os revolucionários temiam que as intervenções estrangeiras não cessariam até a derrota dos demais Estados autocráticos Esse desejo de espalhar os ideais revolucionários distinguiu a Revolução Francesa das anteriores revoluções liberais inglesa e americana mais interessadas na organização da sociedade local o que consagrou a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão como sendo a primeira com vocação universal Esse universalismo será o grande alicerce da futura afirmação dos direitos humanos no século XX com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos QUADRO SINÓTICO A fase do constitucionalismo liberal e das declarações de direitos As revoluções liberais inglesa americana e francesa e suas respectivas Declarações de Direitos marcaram a primeira afirmação histórica dos direitos humanos Revolução Inglesa teve como marcos a Petition of Rights de 1628 que buscou garantir determinadas liberdades individuais e o Bill of Rights de 1689 que consagrou a supremacia do Parlamento e o império da lei Revolução Americana retrata o processo de independência das colônias britânicas na América do Norte culminado em 1776 e ainda a criação da Constituição norteamericana de 1787 Somente em 1791 foram aprovadas 10 Emendas que finalmente introduziram um rol de direitos na Constituição norteamericana Revolução Francesa adoção da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Assembleia Nacional Constituinte francesa em 27 de agosto de 1789 que consagra a igualdade e liberdade que levou à abolição de privilégios direitos feudais e imunidades de várias castas em especial da aristocracia de terras Lema dos revolucionários liberdade igualdade e fraternidade liberté egalité et fraternité Projeto de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã de 1791 proposto por Olympe de Gouges reivindicou a igualdade de direitos de gênero 1791 edição da primeira Constituição da França revolucionária que consagrou a perda dos direitos absolutos do monarca francês implantandose uma monarquia constitucional mas ao mesmo tempo reconheceu o voto censitário Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão consagrada como sendo a primeira com vocação universal Esse universalismo será o grande alicerce da futura afirmação dos direitos humanos no século XX com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos 6 A fase do socialismo e do constitucionalismo social No final do século XVIII os jacobinos franceses defendiam a ampliação do rol de direitos da Declaração Francesa para abarcar também os direitos sociais como o direito à educação e assistência social Em 1793 os revolucionários franceses editaram uma nova Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão redigida com forte apelo à igualdade com reconhecimento de direitos sociais como o direito à educação Essa percepção da necessidade de condições materiais mínimas de sobrevivência foi ampliada pela persistência da miséria mesmo depois da implantação dos Estados Constitucionais liberais como na Inglaterra e na França pósrevolucionária Surgem na Europa do século XIX os movimentos socialistas que ganham apoio popular nos seus ataques ao modo de produção capitalista Proudhon socialista francês fez apelo inflamado à rejeição do direito de propriedade privada que considerou um roubo em seu livro de 1840 O que é a propriedade Karl Marx na obra A questão judaica 1843 questionou os fundamentos liberais da Declaração Francesa de 1789 defendendo que o homem não é um ser abstrato isolado das engrenagens sociais Para Marx os direitos humanos até então defendidos eram focados no indivíduo voltado para si mesmo para atender seu interesse particular egoístico dissociado da comunidade Assim não seria possível defender direitos individuais em uma realidade na qual os trabalhadores em especial na indústria europeia eram fortemente explorados Em 1848 Marx e Engels publicam o Manifesto do Partido Comunista no qual são defendidas novas formas de organização social de modo a atingir o comunismo forma de organização social na qual seria dado a cada um segundo a sua necessidade e exigido de cada um segundo a sua possibilidade As teses socialistas atingiram também a igualdade de gênero August Bebel defendeu em 1883 que na nova sociedade socialista a mulher seria totalmente independente tanto social quanto economicamente A mulher e o socialismo 1883 14 São inúmeras as influências da ascensão das ideias socialistas no século XIX No plano político houve várias revoluções malsucedidas até o êxito da Revolução Russa em 1917 que pelo seu impacto foi realizada no maior país do mundo em termos geográficos estimulou novos avanços na defesa da igualdade e justiça social No plano do constitucionalismo houve a introdução dos chamados direitos sociais que pretendiam assegurar condições materiais mínimas de existência em diversas Constituições tendo sido pioneiras a Constituição do México 1917 da República da Alemanha também chamada de República de Weimar 1919 e no Brasil a Constituição de 1934 No plano do Direito Internacional consagrouse pela primeira vez uma organização internacional voltada à melhoria das condições dos trabalhadores que foi a Organização Internacional do Trabalho criada em 1919 pelo próprio Tratado de Versailles que pôs fim à Primeira Guerra Mundial QUADRO SINÓTICO A fase do constitucionalismo social Antecedentes Final do século XVIII próprios jacobinos franceses defendiam a ampliação do rol de direitos da Declaração Francesa para abarcar também os direitos sociais como o direito à educação e assistência social 1793 revolucionários franceses editaram uma nova Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão redigida com forte apelo à igualdade com reconhecimento de direitos sociais como o direito à educação Europa do século XIX movimentos socialistas ganham apoio popular nos seus ataques ao modo de produção capitalista Expoentes Proudhon Karl Marx Engels August Bebel Revolução Russa 1917 estimulou novos avanços na defesa da igualdade e justiça social Introdução dos chamados direitos sociais que pretendiam assegurar condições materiais mínimas de existência em várias Constituições tendo sido pioneiras a Constituição do México 1917 da República da Alemanha também chamada de República de Weimar 1919 e no Brasil a Constituição de 1934 Plano do Direito Internacional consagrouse pela primeira vez uma organização internacional voltada à melhoria das condições dos trabalhadores a Organização Internacional do Trabalho criada em 1919 pelo próprio Tratado de Versailles que pôs fim à Primeira Guerra Mundial 7 A internacionalização dos direitos humanos Até meados do século XX o Direito Internacional possuía apenas normas internacionais esparsas referentes a certos direitos essenciais como se vê na temática do combate à escravidão no século XIX ou ainda na criação da OIT Organização Internacional do Trabalho 1919 que desempenha papel importante até hoje na proteção de direitos trabalhistas Contudo a criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos está relacionada à nova organização da sociedade internacional no pósSegunda Guerra Mundial 15 Como marco dessa nova etapa do Direito Internacional foi criada na Conferência de São Francisco em 1945 a Organização das Nações Unidas ONU O tratado institutivo da ONU foi denominado Carta de São Francisco A reação à barbárie nazista gerou a inserção da temática de direitos humanos na Carta da ONU que possui várias passagens que usam expressamente o termo direitos humanos com destaque ao artigo 55 alínea c que determina que a Organização deve favorecer o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça sexo língua ou religião Já o artigo seguinte o artigo 56 estabelece o compromisso de todos os Estadosmembros de agir em cooperação com a Organização para a consecução dos propósitos enumerados no artigo anterior Porém a Carta da ONU não listou o rol dos direitos que seriam considerados essenciais Por isso foi aprovada sob a forma de Resolução da Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948 em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos também chamada de Declaração de Paris que contém 30 artigos e explicita o rol de direitos humanos aceitos internacionalmente Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos tenha sido aprovada por 48 votos a favor e sem voto em sentido contrário houve oito abstenções Bielorrússia Checoslováquia Polônia União Soviética Ucrânia Iugoslávia Arábia Saudita e África do Sul Honduras e Iêmen não participaram da votação Nos seus trinta artigos são enumerados os chamados direitos políticos e liberdades civis artigos I ao XXI assim como direitos econômicos sociais e culturais artigos XXIIXXVII Entre os direitos civis e políticos constam o direito à vida e à integridade física o direito à igualdade o direito de propriedade o direito à liberdade de pensamento consciência e religião o direito à liberdade de opinião e de expressão e à liberdade de reunião Entre os direitos sociais em sentido amplo constam o direito à segurança social ao trabalho o direito à livre escolha da profissão e o direito à educação bem como o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar inclusive alimentação vestuário habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis direito ao mínimo existencial artigo XXV Quanto à ponderação e conflito dos direitos a Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH prevê em seu artigo XXIX que toda pessoa tem deveres para com a comunidade e estará sujeita às limitações de direitos para assegurar os direitos dos outros e de satisfazer às justas exigências da moral da ordem pública e do bemestar de uma sociedade democrática O artigo XXX determina que nenhuma disposição da Declaração pode ser interpretada para justificar ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades lá estabelecidos o que demonstra que os direitos não são absolutos Em virtude de ser a DUDH uma declaração e não um tratado há discussões na doutrina e na prática dos Estados sobre sua força vinculante Em resumo podemos identificar três vertentes possíveis i aqueles que consideram que a DUDH possui força vinculante por se constituir em interpretação autêntica do termo direitos humanos previsto na Carta das Nações Unidas tratado ou seja tem força vinculante ii há aqueles que sustentam que a DUDH possui força vinculante por representar o costume internacional sobre a matéria iii há finalmente aqueles que defendem que a DUDH representa tão somente a soft law na matéria que consiste em um conjunto de normas ainda não vinculantes mas que buscam orientar a ação futura dos Estados para que então venha a ter força vinculante Do nosso ponto de vista parte da DUDH é entendida como espelho do costume internacional de proteção de direitos humanos em especial quanto aos direitos à integridade física igualdade e devido processo legal 16 QUADRO SINÓTICO A fase da internacionalização dos direitos humanos Carta da Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos Nova organização da sociedade internacional no pósSegunda Guerra Mundial fatos anteriores levaram ao reconhecimento da vinculação entre a defesa da democracia e dos direitos humanos com os interesses dos Estados em manter um relacionamento pacífico na comunidade internacional Conferência de São Francisco abril a junho de 1945 Carta de São Francisco Declaração Universal dos Direitos Humanos também chamada de Declaração de Paris aprovada sob a forma de Resolução da Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948 em Paris III TERMINOLOGIA FUNDAMENTO E CLASSIFICAÇÃO 1 Terminologia os direitos humanos e os direitos fundamentais Os direitos essenciais do indivíduo contam com ampla diversidade de termos e designações direitos humanos direitos fundamentais direitos naturais liberdades públicas direitos do homem direitos individuais direitos públicos subjetivos liberdades fundamentais A terminologia varia tanto na doutrina quanto nos diplomas nacionais e internacionais A Constituição de 1988 acompanha o uso variado de termos envolvendo direitos humanos Inicialmente o art 4º II menciona direitos humanos Em seguida o Título II intitulase direitos e garantias fundamentais Nesse título o art 5º XLI usa a expressão direitos e liberdades fundamentais e o inciso LXXI adota a locução direitos e liberdades constitucionais Por sua vez o art 5º 1º menciona direitos e garantias fundamentais Já o art 17 adota a dicção direitos fundamentais da pessoa humana O art 34 ao disciplinar a intervenção federal insere uma nova terminologia direitos da pessoa humana art 34 VII b Quando trata das cláusulas pétreas a Constituição ainda faz menção à expressão direitos e garantias individuais art 60 4º No art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias há o uso novamente da expressão direitos humanos No Direito Internacional há também uma utilização livre de várias expressões A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948 adota já no preâmbulo as locuções direitos do homem e direitos essenciais do homem A Declaração Universal dos Direitos Humanos por seu turno estabelece em seu preâmbulo a necessidade de respeito aos direitos do homem e logo após a fé nos direitos fundamentais do homem e ainda o respeito aos direitos e liberdades fundamentais do homem A Carta da Organização das Nações Unidas emprega a expressão direitos humanos preâmbulo e art 56 bem como liberdades fundamentais art 56 alínea c A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 revisada em 2007 lança mão da expressão direitos fundamentais e a Convenção Europeia de Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais de 1950 adotou a locução liberdade fundamental Essa imprecisão terminológica é resultado da evolução da proteção de certos direitos essenciais do indivíduo pela qual a denominação de tais direitos foi sendo alterada a partir do redesenho de sua delimitação e fundamento Nesse sentido o uso da expressão direito natural revela a opção pelo reconhecimento de que esses direitos são inerentes à natureza do homem Esse conceito e terminologia foram ultrapassados ao se constatar a historicidade de cada um destes direitos sendo os direitos humanos verdadeiros direitos conquistados Por sua vez a locução direitos do homem retrata a mesma origem jusnaturalista da proteção de determinados direitos do indivíduo no momento histórico de sua afirmação em face do Estado autocrático europeu no seio das chamadas revoluções liberais o que imprimiu um certo caráter sexista da expressão que pode sugerir preterição aos direitos da mulher No Canadá há o uso corrente da expressão direitos da pessoa apta a superar o sexismo da dicção direitos do homem Já a expressão direitos individuais é tida como excludente pois só abarcaria o grupo de direitos denominados de primeira geração ou dimensão direito à vida à igualdade à liberdade e à propriedade ver abaixo capítulo sobre a teoria das gerações de direitos Contudo há vários outros direitos tais como os direitos a um ambiente ecologicamente equilibrado e outros que não se amoldam nessa expressão direitos individuais Outra expressão muito usada em especial na doutrina de inspiração francesa é liberdade pública Novamente temese que essa terminologia seja excludente pois não englobaria os direitos econômicos e sociais Os direitos públicos subjetivos locução cunhada pela escola alemã de Direito Público do século XIX sugerem direitos contra o Estado Revelariam um conjunto de direitos que limita a ação estatal em benefício do indivíduo A evolução do papel do Estado saindo do EstadoGendarme para o Estado Social de Direito além da atual expansão da aplicação dos direitos humanos nas relações entre particulares torna essa expressão de menor utilização Finalmente chegamos a duas expressões de uso corrente no século XXI direitos humanos e direitos fundamentais Inicialmente a doutrina tende a reconhecer que os direitos humanos servem para definir os direitos estabelecidos pelo Direito Internacional em tratados e demais normas internacionais sobre a matéria enquanto a expressão direitos fundamentais delimitaria aqueles direitos reconhecidos e positivados pelo Direito Constitucional de um Estado específico Porém como vimos o Direito Internacional não é uniforme e nem utiliza a locução direitos humanos sempre Há casos recentes de uso da expressão direitos fundamentais em normas internacionais como se vê na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia redigida em 2000 e alterada em 2007 Também o Direito Constitucional de um país pode adotar a expressão direitos humanos como se viu acima em dispositivos da Constituição brasileira Uma segunda diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais também é comumente assinalada os direitos humanos não seriam sempre exigíveis internamente justamente pela sua matriz internacional tendo então uma inspiração jusnaturalista sem maiores consequências já os direitos fundamentais seriam aqueles positivados internamente e por isso passíveis de cobrança judicial pois teriam matriz constitucional Ora a evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos não se coaduna com essa diferenciação No sistema interamericano e europeu de direitos humanos os direitos previstos em tratados podem também ser exigidos e os Estados podem ser cobrados pelo descumprimento de tais normas como veremos Há aqueles que ainda questionam o uso da expressão direitos humanos por representar uma redundância uma vez que não há direito que não seja titularizado pelo ser humano ou suas emanações as pessoas jurídicas Apesar de tal redundância essa expressão é esclarecedora pois acentua a essencialidade de tais direitos para o exercício de uma vida digna sendo por isso adjetivados como humanos Com isso reconhecese que esses direitos são de todos sem qualquer outra consideração ou qualificativo Tratase então de ênfase e valorização da condição humana como atributo para o exercício desses direitos Assim o adjetivo humanos significa que tais direitos são atribuídos a qualquer indivíduo sendo assim considerados direitos de todos Muitos já utilizam uma união entre as duas expressões vistas acima direitos humanos e direitos fundamentais criandose uma nova terminologia direitos humanos fundamentais ou ainda direitos fundamentais do homem Essa união de termos mostra que a diferenciação entre direitos humanos representando os direitos reconhecidos pelo Direito Internacional e os direitos fundamentais representando os direitos positivados nas Constituições e leis internas perde a importância ainda mais na ocorrência de um processo de aproximação e mútua relação entre o Direito Internacional e o Direito interno na temática dos direitos humanos Essa aproximação entre o Direito Internacional e o Direito Nacional é consagrada no Brasil pela adoção do rito especial de aprovação congressual dos tratados de direitos humanos previsto no art 5º 3º na CF88 Esse rito especial consiste na aprovação de um tratado por maioria de 35 e em dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional para que o futuro tratado seja equivalente à emenda constitucional Assim um tratado de direitos humanos será equivalente à emenda constitucional ou seja um direito previsto em tratado direitos humanos será considerado um direito constitucional direito fundamental Outro ponto de aproximação entre direitos humanos e direitos fundamentais está no reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Brasil que deve agir na falha do Estado brasileiro em proteger os direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos Logo a efetividade dos direitos humanos é assegurada graças a uma sentença internacional irrecorrível que deve ser implementada pelo Estado brasileiro artigo 681 da Convenção Americana de Direitos Humanos Assim a antiga separação entre direitos humanos matriz internacional sem maior força vinculante e direitos fundamentais matriz constitucional com força vinculante gerada pelo acesso ao Poder Judiciário no tocante aos instrumentos de proteção fica diluída pois os direitos humanos também passaram a contar com a proteção judicial internacional Além disso vários desses direitos previstos nacionalmente foram também previstos internacionalmente Os direitos fundamentais espelham então os direitos humanos Assim uma interpretação nacional sobre determinado direito poderá ser confrontada e até corrigida internacionalmente como veremos neste Curso na análise do Caso da Guerrilha do Araguaia divergência de interpretação entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos Abrese a porta para a uniformização de interpretação erodindo o sentido de termos separado rigidamente o mundo internacional dos direitos humanos e mundo constitucional dos direitos fundamentais QUADRO SINÓTICO Terminologia os direitos humanos e os direitos fundamentais A imprecisão terminológica para designar os direitos essenciais à vida digna decorrem de evolução que levou ao redesenho de sua delimitação e fundamento Direito natural Opção pelo reconhecimento de que esses direitos são inerentes à natureza do homem Conceito ultrapassado ante a constatação da historicidade desses direitos Direitos do homem Retrata a mesma origem jusnaturalista da proteção de determinados direitos do indivíduo no momento histórico de sua afirmação perante o Estado autocrático europeu no seio das revoluções liberais Direitos individuais Terminologia tida como excludente pois só abarcaria o grupo de direitos denominados de primeira geração ou dimensão mas não os vários outros direitos que não se amoldam nesse termo Liberdade pública Terminologia tida como excludente pois não englobaria os direitos econômicos e sociais Direitos públicos subjetivos Termo cunhado pela escola alemã de Direito Público do século XIX sugere direitos contra o Estado conjunto de direitos que limita a ação estatal em benefício do indivíduo Direitos humanos e direitos fundamentais Terminologias mais utilizadas São comumente assim diferenciados direitos humanos matriz internacional sem maior força vinculante direitos fundamentais matriz constitucional com força vinculante gerada pelo acesso ao Poder Judiciário A distinção porém está ultrapassada por dois fatores maior penetração dos direitos humanos no plano nacional com a incorporação doméstica dos tratados inclusive no caso brasileiro com a possibilidade de serem equivalentes à emenda constitucional art 5º 3º força vinculante dos direitos humanos graças ao reconhecimento da jurisdição de órgãos com a Corte Interamericana de Direitos Humanos 2 Classificação dos direitos humanos 21 A TEORIA DO STATUS E SUAS REPERCUSSÕES Para entender o desenvolvimento do rol dos direitos humanos no mundo atual é importante estudar uma das teorias mais tradicionais referentes à relação do indivíduo com o Estado sob a ótica dos direitos que é a teoria do status desenvolvida no final do século XIX por Georg Jellinek 18511911 O contexto da elaboração dessa teoria é o repúdio de Jellinek ao denominado jusnaturalismo dos direitos humanos ancorado nas declarações liberais do século XVIII em especial na Declaração de Virgínia 1776 e na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 Na sua visão os direitos humanos devem ser traduzidos em normas jurídicas estatais para que possam ser garantidos e concretizados Por isso sua teoria relacionase com a posição do direito do indivíduo em face do Estado com previsão de mecanismos de garantia a serem invocados no ordenamento estatal Sua classificação então é pautada 1 pelo reconhecimento do caráter positivo dos direitos ou seja direitos previstos e regulados pelo Estado contrapondose à tese de inerência ou de que seriam direitos natos 2 pela afirmação da verticalidade defendendo que os direitos são concretizados na relação desigual entre indivíduo e Estado Como a teoria é construída no final do século XIX em seu livro Sistema de direitos públicos subjetivos 1892 não abarca os direitos humanos nas relações entre particulares efeito horizontal dos direitos humanos como veremos e também os direitos de titularidade difusa transindividual os direitos difusos como veremos Para Jellinek o indivíduo pode ser encontrado em quatro situações diante do Estado Na primeira situação o indivíduo encontrase em um estado de submissão que foi denominado status subjectionis ou status passivo O indivíduo se encontra em uma posição de subordinação em face do Estado que detém atribuições e prerrogativas aptas a vincular o indivíduo e exigir determinadas condutas ou ainda impor limitações proibições a suas ações Surgem então deveres do indivíduo que devem contribuir para o atingimento do bem comum A preocupação de Jellinek é não desvincular os direitos dos indivíduos da possibilidade do Estado impor deveres a fim de assegurar o interesse de todos Logo para Jellinek o cumprimento desses deveres leva à implementação dos direitos de todos Na segunda situação o indivíduo possui o status negativo status libertatis que é o conjunto de limitações à ação do Estado voltado ao respeito dos direitos do indivíduo O indivíduo exige respeito e contenção do Estado a fim de assegurar o pleno exercício de seus direitos na vida privada Nasce um espaço de liberdade individual ao qual o Estado deve respeito abstendose de qualquer interferência Jellinek com isso retrata a chamada dimensão subjetiva liberal ou clássica dos direitos humanos na qual os direitos têm o condão de proteger seu titular o indivíduo contra a intervenção do Estado É a resistência do indivíduo contra o Estado Ao Estado cabe a chamada prestação ou obrigação negativa deve se abster de determinada conduta como por exemplo não matar indevidamente não confiscar não prender sem o devido processo legal etc A terceira situação é denominada status positivo status civitatis e consiste no conjunto de pretensões do indivíduo para invocar a atuação do Estado em prol dos seus direitos O indivíduo tem o poder de provocar o Estado para que interfira e atenda seus pleitos A liberdade do indivíduo adquire agora uma faceta positiva apta a exigir mais do que a simples abstenção do Estado que era a característica do status negativo levando a proibição da omissão estatal Sua função original era exigir que o Estado protegesse a liberdade do indivíduo evitando que sua omissão gerasse violações devendo realizar prestações positivas Assim para proteger a vida o Estado deveria organizar e manter um sistema eficiente de policiamento e segurança pública Para assegurar o devido processo legal o Estado deveria organizar de modo eficiente os recursos materiais e humanos do sistema de justiça Porém com a evolução das demandas e com o surgimento de novos direitos emergem direitos a prestações sociais nos quais se cobra uma ação prestacional do Estado para assegurar direitos referentes à igualdade material como por exemplo direito à saúde direito à educação etc A quarta situação é a do status ativo status activus que consiste no conjunto de prerrogativas e faculdades que o indivíduo possui para participar da formação da vontade do Estado refletindo no exercício de direitos políticos e no direito de aceder aos cargos em órgãos públicos O poder do Estado é em última análise o poder do conjunto de indivíduos daquela comunidade política O Supremo Tribunal Federal invocou o status ativo no caso do direito de nomeação de aprovado em concurso público classificado entre o número disponível de vagas previsto no Edital Para o STF a Administração Pública está vinculada às normas do edital ficando obrigada a preencher as vagas previstas para o certame dentro do prazo de validade do concurso salvo diante de excepcional justificativa O candidato aprovado dentro do número de vagas tem um direito subjetivo à nomeação que vincula diretamente a Administração Para o Ministro Gilmar Mendes a acessibilidade aos cargos públicos constitui um direito fundamental expressivo da cidadania como bem observou a Ministra Cármen Lúcia na referida obra Esse direito representa dessa forma uma das faces mais importantes do status activus dos cidadãos conforme a conhecida teoria do status de Jellinek RE 598099MS rel Min Gilmar Mendes j 1082011 DJe de 3102011 com repercussão geral Na doutrina alemã Häberle defendeu a ampliação do status ativo para que se transformasse em um status activus processualis no qual o indivíduo possui o direito à participação no procedimento da tomada de decisão por parte do Poder Público Não se trata de somente se manifestar mas especialmente no direito de influenciar e ter sua posição levada em consideração na adoção de determinada decisão inclusive a dos Tribunais Constitucionais 17 O status activus processualis é visto por exemplo na adoção do amicus curiae e da audiência pública no processo do controle abstrato de constitucionalidade no Brasil Leis n 986899 e 986299 18 22 A TEORIA DAS GERAÇÕES OU DIMENSÕES A INEXAURIBILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS A teoria das gerações dos direitos humanos foi lançada pelo jurista francês de origem checa Karel Vasak que em Conferência proferida no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo França no ano de 1979 classificou os direitos humanos em três gerações cada uma com características próprias 19 Posteriormente determinados autores defenderam a ampliação da classificação de Vasak para quatro ou até cinco gerações 20 Cada geração foi associada na Conferência proferida por Vasak a um dos componentes do dístico da Revolução Francesa liberté egalité et fraternité liberdade igualdade e fraternidade Assim a primeira geração seria composta por direitos referentes à liberdade a segunda geração retrataria os direitos que apontam para a igualdade finalmente a terceira geração seria composta por direitos atinentes à solidariedade social fraternidade A primeira geração engloba os chamados direitos de liberdade que são direitos às prestações negativas nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo São denominados também direitos de defesa pois protegem o indivíduo contra intervenções indevidas do Estado possuindo caráter de distribuição de competências limitação entre o Estado e o ser humano Por regrar a atuação do indivíduo delimitando o seu espaço de liberdade e ao mesmo tempo estruturando o modo de organização do Estado e do seu poder são os direitos de primeira geração compostos por direitos civis e políticos Por isso são conhecidos como direitos ou liberdades individuais tendo como marco as revoluções liberais do século XVIII na Europa e Estados Unidos vide a evolução histórica dos direitos humanos Essas revoluções visavam restringir o poder absoluto do monarca impingindo limites à ação estatal São entre outros o direito à liberdade igualdade perante a lei propriedade intimidade e segurança traduzindo o valor de liberdade O papel do Estado na defesa dos direitos de primeira geração é tanto o tradicional papel passivo abstenção em violar os direitos humanos ou seja as prestações negativas quanto ativo pois há de se exigir ações do Estado para garantia da segurança pública administração da justiça entre outras A segunda geração de direitos humanos representa a modificação do papel do Estado exigindolhe um vigoroso papel ativo além do mero fiscal das regras jurídicas Esse papel ativo embora indispensável para proteger os direitos de primeira geração era visto anteriormente com desconfiança por ser considerado uma ameaça aos direitos do indivíduo Contudo sob a influência das doutrinas socialistas constatouse que a inserção formal de liberdade e igualdade em declarações de direitos não garantiam a sua efetiva concretização o que gerou movimentos sociais de reivindicação de um papel ativo do Estado para assegurar uma condição material mínima de sobrevivência Os direitos sociais são também titularizados pelo indivíduo e oponíveis ao Estado São reconhecidos o direito à saúde educação previdência social habitação entre outros que demandam prestações positivas do Estado para seu atendimento e são denominados direitos de igualdade por garantirem justamente às camadas mais miseráveis da sociedade a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos Os direitos humanos de segunda geração são frutos das chamadas lutas sociais na Europa e Américas sendo seus marcos a Constituição mexicana de 1917 que regulou o direito ao trabalho e à previdência social a Constituição alemã de Weimar de 1919 que em sua Parte II estabeleceu os deveres do Estado na proteção dos direitos sociais e no Direito Internacional o Tratado de Versailles que criou a Organização Internacional do Trabalho reconhecendo direitos dos trabalhadores ver a evolução histórica dos direitos humanos Já os direitos de terceira geração são aqueles de titularidade da comunidade como o direito ao desenvolvimento direito à paz direito à autodeterminação e em especial o direito ao meio ambiente equilibrado São chamados de direitos de solidariedade São oriundos da constatação da vinculação do homem ao planeta Terra com recursos finitos divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana Posteriormente no final do século XX há aqueles como Paulo Bonavides que defendem o nascimento da quarta geração de direitos humanos resultante da globalização dos direitos humanos correspondendo aos direitos de participação democrática democracia direta direito ao pluralismo bioética e limites à manipulação genética fundados na defesa da dignidade da pessoa humana contra intervenções abusivas de particulares ou do Estado Bonavides agrega ainda uma quinta geração que seria composta pelo direito à paz em toda a humanidade anteriormente classificado por Vasak como sendo de terceira geração 21 Parte da doutrina critica a criação de novas gerações qual seria o limite apontando falhas na diferenciação entre as novas gerações e as anteriores além da dificuldade em se precisar o conteúdo e efetividade dos novos direitos 22 O Supremo Tribunal Federal utiliza a teoria geracional com a seguinte síntese os direitos de primeira geração direitos civis e políticos que compreendem as liberdades clássicas negativas ou formais realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCAs que se identifica com as liberdades positivas reais ou concretas acentuam o princípio da igualdade os direitos de terceira geração que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento expansão e reconhecimento dos direitos humanos caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis pela nota de uma essencial inexauribilidade MS 22164 rel Min Celso de Mello j 30101995 grifo não constante do original A teoria geracional é criticada nos dias de hoje por quatro defeitos Em primeiro lugar por transmitir de forma errônea o caráter de substituição de uma geração por outra Se os direitos humanos representam um conjunto mínimo de direitos necessário a uma vida única consequentemente uma geração não sucede a outra mas com ela interage estando em constante e dinâmica relação O direito de propriedade por exemplo deve ser interpretado em conjunto com os direitos sociais previstos no ordenamento o que revela a sua função social Após a consagração do direito ao meio ambiente equilibrado o direito de propriedade deve também satisfazer as exigências ambientais de uso Em segundo lugar a enumeração das gerações pode dar a ideia de antiguidade ou posteridade de um rol de direitos em relação a outros os direitos de primeira geração teriam sido reconhecidos antes dos direitos de segunda geração e assim sucessivamente o que efetivamente não ocorreu No Direito Internacional por exemplo os direitos sociais segunda geração foram consagrados em convenções internacionais do trabalho a partir do surgimento da Organização Internacional do Trabalho em 1919 antes mesmo que os próprios direitos de primeira geração cujos diplomas internacionais são do pósSegunda Guerra Mundial como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 Em terceiro lugar a teoria geracional é rechaçada por apresentar os direitos humanos de forma fragmentada e ofensiva à indivisibilidade característica que estudaremos em capítulo próprio Embora essa teoria geracional à primeira vista seja razoável para fins didáticos na prática serve como justificativa para a diferenciação do regime de implementação de uma geração em face da outra O caso sempre lembrado dessa consequência da teoria geracional é a diferença entre o regime de proteção dos direitos de primeira geração em relação aos direitos de segunda geração Em vários países combatemse com rigor a discriminação e as ofensas ao princípio da igualdade no tocante aos direitos individuais clássicos mas se aceitam as imensas desigualdades no âmbito dos direitos sociais Em quarto lugar o uso dessas divisões entre direitos é também criticável em face das novas interpretações sobre o conteúdo dos direitos Como classificar o direito à vida Em tese seria um direito tradicionalmente inserido na primeira geração de Vasak mas hoje há vários precedentes internacionais e nacionais que exigem que o Estado realize diversas prestações positivas para assegurar uma vida digna como por exemplo saúde moradia educação etc o que o colocaria na segunda geração O exemplo mais marcante dessa nova interpretação do conteúdo do direito à vida é a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH que exige um claro conteúdo social na promoção do direito à vida Para evitar tais riscos há aqueles que defendem o uso do termo dimensões em vez de gerações Teríamos então três quatro ou cinco dimensões de direitos humanos Apesar da mudança de terminologia restaria ainda a crítica da ofensa à indivisibilidade dos direitos humanos e aos novos conteúdos dos direitos protegidos que inviabilizam também a teoria dimensional dos direitos humanos Além da troca de terminologia geração por dimensão há a busca incessante por novas gerações com autores defendendo a existência de uma quarta geração ou mesmo uma quinta geração de direitos Apesar de não existir muita precisão sobre a consequência prática de considerarmos um direito como pertencente a uma quarta ou quinta geração ou dimensão essas novas gerações ou dimensões apontadas pela doutrina auxiliam o estudioso a compreender o fenômeno da produção de novos direitos também denominado inexauribilidade dos direitos humanos para atender a recentes demandas sociais da atualidade Com isso apesar das críticas a teoria das gerações continua a ser um instrumento didático de compreensão dos direitos humanos e sua inexauribilidade sempre há novas demandas sociais gerando novos direitos não podendo é claro ser usada para impedir a unidade dos direitos humanos e uma visão integral desse conjunto de direitos todos essenciais para uma vida humana digna 23 A CLASSIFICAÇÃO PELAS FUNÇÕES De acordo com suas funções os direitos humanos podem ser classificados como direitos de defesa direitos a prestações e direitos a procedimento e instituições Os direitos de defesa consistem no conjunto de prerrogativas do indivíduo voltado para defender determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público ou mesmo outro particular assegurando que 1 uma conduta não seja proibida 2 uma conduta não seja alvo de interferência ou regulação indevida por parte do Poder Público e 3 não haja violação ou interferência por parte de outro particular Os direitos de defesa então têm como consequência inicial a transformação desses direitos em um escudo contra o poder estatal concretizando exigências de abstenção derrogação e até mesmo anulação de atos do Estado o que gera a chamada eficácia vertical dos direitos humanos indivíduo x Estado Porém já é um consenso no Brasil que os direitos de defesa também podem ser invocados contra outros particulares consagrando a eficácia horizontal dos direitos humanos relação particular x particular Finalmente a assimetria entre os particulares consagrou ainda a eficácia diagonal dos direitos humanos que consiste na invocação de direitos nas relações entre os particulares nas quais uma das partes ostenta vulnerabilidade fazendo nascer uma prevalência de determinado direito de um particular sobre o outro 23 Além disso os direitos de defesa asseguram ao seu titular duas outras consequências além das anteriores i pretensão de consideração que exige do Estado levar em conta os direitos envolvidos antes de adotar determinada conduta e ainda ii a pretensão de proteção que gera o chamado dever de proteção ou seja o dever do Estado de agir contra outros particulares que podem violar esses direitos também chamada de dimensão objetiva dos direitos humanos Quer sejam invocados contra o Estado ou contra outro particular exigindose do Estado que interfira a favor do titular e contra o particular que viola esse direito os direitos de defesa estabelecem uma esfera jurídica de autonomia e autodeterminação dos indivíduos protegendoos contra condutas do Estado ou de terceiros É possível classificar os direitos de defesa em três subespécies os direitos ao não impedimento liberdade de expressão por exemplo direitos ao não embaraço por exemplo direito à inviolabilidade domiciliar intimidade e sigilos diversos e finalmente direitos a não supressão de determinadas situações jurídicas defesa do direito de propriedade por exemplo O Estado então no que tange aos direitos de defesa é o inimigo da liberdade individual e os direitos humanos têm a função de preservar o indivíduo contra as ingerências indevidas do governante 24 Por sua vez os direitos à prestação são aqueles que exigem uma obrigação estatal de ação para assegurar a efetividade dos direitos humanos É uma verdadeira superação do dogma do Estado inimigo dos direitos humanos Pelo contrário o Estado agora é o Estado amigo chamado a realizar condutas de proteção aos direitos para dar existência real aos direitos previstos no ordenamento jurídico Essas condutas estatais podem ser divididas em prestações jurídicas e prestações materiais A prestação jurídica é realizada pela elaboração de normas jurídicas que disciplinam a proteção de determinado direito Assim o devido processo legal para ser protegido exigirá uma atuação estatal de regulação de normas processuais e procedimentais adequadas Já a prestação material consiste na intervenção do Estado provendo determinada condição material para que o indivíduo frua adequadamente seu direito Por exemplo no caso do direito à saúde o Estado deve realizar prestações materiais por meio de construção de hospitais equipamentos equipe médica e ainda fornecimento gratuito de medicamentos tudo para assegurar materialmente o efetivo gozo do direito à saúde Os direitos à prestação jurídica acarretam discussão sobre a criação de medidas específicas de combate à inércia do Estado em legislar como ocorreu no Brasil com a criação do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão No caso das prestações materiais veremos em ponto específico a consequência desses direitos de prestação que vem a ser a possibilidade de exigir judicialmente que o Estado realize essas prestações em um contexto de recursos finitos e necessidades de escolhas entre quais prestações devem ser realizadas em primeiro lugar Finalmente os direitos podem ser classificados como direitos a procedimentos e organizações que são aqueles que têm como função exigir do Estado que estruture órgãos e corpo institucional apto por sua competência e atribuição a oferecer bens ou serviços indispensáveis à efetivação dos direitos humanos Essa categoria é corolário dos direitos à prestação mas com o traço distintivo de focar a estrutura administrativa e institucional do Estado o que para tal classificação é também importante para a efetividade dos direitos humanos A consequência dessa classificação é justamente permitir que determinadas condutas do Estado voltadas a desmantelar uma instituição essencial para a efetividade dos direitos humanos seja passível de questionamento por em última análise representar uma violação do direito que aquela instituição zelava 24 A CLASSIFICAÇÃO PELA FINALIDADE OS DIREITOS E AS GARANTIAS Os direitos humanos podem ser classificados de acordo com a finalidade De um lado há os direitos propriamente ditos que são os dispositivos normativos que visam o reconhecimento jurídico de pretensões inerentes à dignidade de todo ser humano De outro lado temos as previsões normativas que asseguram a existência desses direitos propriamente ditos sendo denominadas garantias fundamentais As garantias fundamentais visam assegurar a fruição dos direitos propriamente ditos O reconhecimento da existência das garantias fundamentais tem como importante consequência a proteção constitucional e internacional como veremos nas garantias internacionais contra a supressão legislativa ou ainda contra a eventual modificação erosiva de emendas constitucionais por constituíremse em cláusulas pétreas Por sua vez as garantias fundamentais podem ser classificadas em várias espécies ver mais na Parte IV Em primeiro lugar há a divisão entre as chamadas garantias em sentido amplo e as garantias em sentido estrito os chamados remédios fundamentais Em segundo lugar podemos dividir as garantias de acordo com a origem nacional garantias nacionais ou ainda internacional garantias internacionais As garantias fundamentais em sentido amplo consistem em um conjunto de meios de índole institucional e organizacional que visa assegurar a efetividade e observância dos direitos humanos É possível ainda denominar essas garantias em sentido amplo garantias institucionais uma vez que contemplam estruturas institucionais públicas por exemplo o Ministério Público e a Defensoria Pública e privadas por exemplo liberdade de imprensa imprescindíveis à plena efetividade dos direitos humanos Em relação às garantias institucionais públicas listamos cinco exemplos de instrumentos de índole institucional e organizacional que servem para assegurar os direitos humanos no Brasil A primeira garantia em sentido amplo dos direitos humanos é a garantia diante do Poder Legislativo que deve legislar conforme aos direitos humanos A nossa Constituição lista vários direitos em seu corpo dotandoos naturalmente do estatuto constitucional superior às leis Assim o controle de constitucionalidade das leis serve como garantia dos direitos humanos Mesmo a emenda constitucional pode ser fulminada se tender a abolir os direitos e garantias individuais art 60 4º IV da CF88 A segunda garantia em sentido amplo consiste na exigência da reserva de lei para a atuação do Poder Público que consta como princípio da Administração Pública brasileira previsto no art 37 da CF88 A terceira garantia em sentido amplo é a cláusula da reserva de jurisdição ou reserva absoluta de jurisdição que consiste na exigência de autorização judicial prévia para a restrição e supressão de determinado direito Consiste no monopólio da primeira palavra ou monopólio do juiz no linguajar de Canotilho 25 pelo qual em certos casos de apreciação de restrição de direitos a jurisdição deve dar não somente a última palavra mas também a primeira palavra autorizando ou negando A Constituição Federal de 1988 aceitou a garantia da reserva absoluta de jurisdição ao dispor que determinados atos de grave intervenção em direitos individuais somente podem ser deferidos pelo Poder Judiciário com a exclusão de todas as demais autoridades públicas De acordo com o Supremo Tribunal Federal a garantia constitucional da reserva da jurisdição incide sobre as hipóteses de i busca domiciliar CF art 5º XI ii interceptação telefônica CF art 5º XII e iii decretação da prisão ressalvada a situação de flagrância penal CF art 5º LXI conferir no MS 23639DF rel Min Celso de Mello publicado no DJ em 162 2001 Por outro lado não há falar em reserva de jurisdição na quebra ou transferência de sigilos bancário fiscal e de registros telefônicos pois no teor da Constituição Federal essas podem inclusive ser determinadas por Comissão Parlamentar de Inquérito STF MS 23480 rel Min Sepúlveda Pertence DJU de 1592000 A quarta garantia em sentido amplo consiste no próprio acesso à justiça ou universalidade da jurisdição que se funda na possibilidade de se atacar perante o Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito art 5º XXXV da CF88 A quinta garantia em sentido amplo consiste na implantação do novo perfil do Ministério Público e da Defensoria Pública que em seus respectivos âmbitos de atuação são indispensáveis à proteção dos direitos fundamentais No caso do Ministério Público por exemplo esse novo perfil engloba prerrogativas que concernem à autonomia administrativa e financeira dessa instituição ao processo de escolha nomeação e destituição de seu titular e ao poder de iniciativa dos projetos de lei relativos à sua organização ADI 2378 rel Min Maurício Corrêa j 1952004 Plenário DJ de 692007 No mesmo sentido o STF reconheceu que a independência e a autonomia do Ministério Público representam garantias institucionais que foram feridas pela previsão de nomeação de Promotor Ad hoc pela Corregedoria do Poder Judiciário de Goiás ADI 2874 rel Min Marco Aurélio j 882003 Plenário DJ de 3102003 Consequentemente uma emenda constitucional hipotética que buscasse eliminar esse novo perfil seria inconstitucional por ofensa à garantia de direitos humanos vide Parte III item 24 sobre cláusulas pétreas Esses exemplos não são exaustivos Por exemplo há quem defenda que a laicidade do Estado caracterizase como uma verdadeira garantia institucional da liberdade religiosa individual 26 O STF reconheceu por exemplo que o art 16 da Constituição Art 16 A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência consiste em uma garantia institucional da anualidade voto do Min Gilmar Mendes em julgamento no qual o STF à unanimidade decidiu não aplicar às Eleições de 2006 a EC 52 ver ADI 3685 rel Min Ellen Gracie j 2232006 Plenário DJ de 1082006 Na mesma linha o STF entendeu que a imunidade parlamentar é garantia institucional deferida ao Congresso Nacional O congressista isoladamente considerado não tem sobre ela qualquer poder de disposição não cabendo então falar de renúncia à imunidade Inq 510DF rel Min Celso de Mello Plenário unânime DJ de 1941991 Quanto às garantias institucionais de índole privada reconhecese um feixe de dispositivos que representam instituições como o casamento família maternidade opinião pública aptos a abrigar diversos direitos humanos e que merecem assim proteção especial Porém devemos ficar atentos com uma banalização do conceito de garantia institucional que pode gerar decisionismo e arbítrio na solução de conflitos entre garantias institucionais que só pode ser utilizado para definir uma forma de organização do Estado ou da sociedade cuja existência é indispensável para assegurar determinado direito fundamental Já as garantias fundamentais em sentido estrito consistem no conjunto de mecanismos processuais ou procedimentais destinada a proteger os direitos essenciais dos indivíduos Essas garantias são de ordem nacional e internacional No plano nacional as garantias em sentido estrito estão previstas na própria Constituição brasileira e são denominadas remédios constitucionais a saber habeas corpus mandado de segurança habeas data mandado de injunção direito de petição ação popular e ação civil pública No plano internacional que interessa ao Brasil há o direito de petição internacional a órgãos quase judiciais como Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Comitês estabelecidos em determinados tratados universais celebrados no âmbito da Organização das Nações Unidas Cabe lembrar que no sistema europeu de direitos humanos há ainda o direito de ação internacional das vítimas de violação de direitos humanos contra os Estados responsáveis pela conduta ofensiva 25 A CLASSIFICAÇÃO ADOTADA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 A Constituição de 1988 dividiu os direitos humanos com base no seu Título II denominado sugestivamente Dos Direitos e Garantias Fundamentais em cinco categorias a saber a direitos e deveres individuais e coletivos b direitos sociais c direitos de nacionalidade d direitos políticos e e partidos políticos Essa enumeração não é exaustiva uma vez que o art 5º 2º da Constituição prevê o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais também denominado abertura da Constituição aos direitos humanos dispondo que os direitos previstos não excluem outros decorrentes do regime e princípios da Constituição além dos que estão mencionados no restante do texto da Constituição e em tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil 251 Direitos individuais Os direitos individuais consistem no conjunto de direitos cujo conteúdo impacta a esfera de interesse protegido de um indivíduo Por isso são também considerados como sinônimos de direitos de primeira geração pois representam os direitos clássicos de liberdade de agir do indivíduo em face do Estado e dos demais membros da coletividade Representam direitos tanto a ações negativas do Estado abstenção de agir do Estado quanto a ações positivas prestações Na Constituição brasileira são conhecidos também como sendo os direitos do rol do art 5º no qual constam os direitos à vida liberdade segurança individual integridade física igualdade perante a lei intimidade entre outros Essa denominação é imperfeita pois o Supremo Tribunal Federal estabelece que os direitos individuais podem ser encontrados em qualquer parte da Constituição De qualquer modo o art 5º impressiona pela elasticidade na enumeração de incisos e parágrafos contendo nada menos que 78 incisos e quatro parágrafos tendo a Constituição de 1988 atendido a um anseio liberalizante após anos e anos de ditadura militar Por outro lado o regime jurídico dos direitos individuais é robusto são de aplicação imediata art 5º 1º e ainda componentes do núcleo pétreo da Constituição art 60 4º IV tornandoos elementos centrais na identidade constitucional imutável do Brasil A definição de direito individual referente ao conteúdo de afetação somente a interesses de um indivíduo permite que sejam identificados tais direitos em toda a Constituição inclusive nos chamados direitos políticos por exemplo o direito de voto e nos direitos sociais direito à saúde e à educação tem claro perfil de atendimento à pretensão individual Além disso a restrição do termo direitos individuais aos direitos que constam somente do art 5º poderia produzir interpretações restritas quanto ao conjunto de direitos protegido pela imutabilidade do art 60 4º IV e quanto ao alcance do art 5º 1º aplicação imediata 252 Direitos sociais Os direitos sociais consistem em um conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode exigir prestações do Estado ou da sociedade ou até mesmo a abstenção de agir tudo para assegurar condições materiais e socioculturais mínimas de sobrevivência Historicamente os direitos sociais são frutos das revoluções socialistas em diversos países tendo sido inseridos no campo constitucional de modo pioneiro na Constituição do México de 1917 e na Constituição de Weimar Alemanha de 1919 No Direito Internacional o Tratado de Versailles 1919 é inovador ao constituir a Organização Internacional do Trabalho existente até hoje e que tem como missão precípua a defesa dos direitos dos trabalhadores No Brasil a Constituição de 1934 é o marco inicial da introdução dos direitos sociais porém estes foram incluídos no capítulo da ordem econômica e social Já a Constituição de 1988 tem um capítulo específico Direitos Sociais arts 6º ao 11 no Título II Direitos e Garantias Fundamentais e ainda consagrou o princípio da não exaustividade dos direitos sociais o que permite extrair novos direitos sociais decorrentes do regime e princípios bem como dos tratados celebrados pelo Brasil art 5º 2º O conteúdo dos direitos sociais é inicialmente prestacional exigindose ação do Estado e da sociedade para superar desigualdades fáticas e situação material ofensiva à dignidade Todavia há também direitos sociais de abstenção ou de defesa pelos quais o Estado deve se abster de interferir de modo indevido em determinado direito social como por exemplo a liberdade de associação sindical ou ainda o direito de greve Rothenburg defende a teoria unitária dos direitos humanos pela qual a própria categoria direitos sociais é questionada uma vez que todos os direitos possuem uma carga de abstenção e uma carga prestacional 27 É possível ainda classificar os direitos sociais em direitos originários ou derivados a prestações sociais Os direitos sociais originários são aqueles que advêm do texto constitucional ou mesmo de um tratado de direitos humanos sem necessidade de posterior implementação legislativa ou administrativa Restaria ao titular do direito social a busca dessas prestações fáticas por meio do acesso à justiça gerando a crítica denominada objeção democrática pela qual o Estadojuiz não poderia ofender a separação de poderes e alocar recursos decisão do Poder Executivo retirandoos de outras áreas para satisfazer determinado direito social Com isso o Estadojuiz teria que se defrontar com a necessidade de traçar até as linhas básicas de implementação daquele direito Já o direito social derivado é aquele que já possui alguma regulamentação legal ou administrativa e que pode ser então objeto de apreciação judicial sob dois prismas o prisma da igualdade assegurando que tal implementação deve ser feita de modo a assegurar acesso igualitário a todos e ainda o prisma da segurança e confiança no Estado impedindo que haja inconstância na prestação e proibindose o retrocesso Desde a edição da Constituição de 1988 houve várias emendas constitucionais que adicionaram novos direitos sociais ao rol de direitos fundamentais previsto no caput do art 6º a direito à moradia EC 262000 b direito à alimentação EC 642010 direito ao transporte EC 912015 253 Direito à nacionalidade Tradicionalmente a nacionalidade é definida como sendo o vínculo jurídico entre determinada pessoa denominada nacional e um Estado pelo qual são estabelecidos direitos e deveres recíprocos No século XX com a consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos a nacionalidade passa também a ser considerada direito essencial previsto no artigo XV da Declaração Universal dos Direitos Humanos e em diplomas normativos internacionais posteriores O povo é formado pelo conjunto de nacionais sendo elemento subjetivo do Estado A fixação de regras para a determinação da nacionalidade foi lenta e somente se desenvolveu a partir das revoluções liberais que geraram a consequente afirmação da participação popular no poder Assim era necessário determinar quem era nacional ou seja quem era membro do povo e por consequência deveria participar direta ou indiretamente da condução dos destinos do Estado A França foi o primeiro Estado no pósRevolução de 1789 a estabelecer regras constitucionais referentes à nacionalidade Constituição de 1791 arts 2º a 6º O modelo francês de instituir as regras sobre nacionalidade no texto constitucional foi seguido pelo Brasil e a Constituição de 1988 estabelece as regras básicas sobre a nacionalidade em seu art 12 Há ainda normas internacionais de direitos humanos dispondo sobre a nacionalidade como a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 que prevê que todos têm direito a uma nacionalidade e ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade artigo XV A Convenção Americana de Direitos Humanos já ratificada e incorporada ao ordenamento brasileiro também dispõe que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade e ninguém pode ser privado arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudála art 20 A Corte Interamericana de Direitos Humanos inclusive já emitiu opinião consultiva sobre o direito à nacionalidade Parecer n 484 e também analisou o conteúdo dos deveres dos nacionais cotejo com o crime de traição no caso Castillo Petruzzi O reconhecimento do direito fundamental à nacionalidade traz importantes consequências 1 exige que a interpretação de dúvida na concessão da nacionalidade a estrangeiro seja feita em prol da concessão 2 exige que a interpretação da perda da nacionalidade seja sempre restritiva de modo a favorecer a manutenção do vínculo caso o indivíduo assim queira 3 não pode o Estado obstar o desejo legítimo do indivíduo de renunciar e mudar de nacionalidade ver mais sobre o direito à nacionalidade na Parte IV 254 Direitos políticos e os partidos Os direitos políticos constituem em um conjunto de direitos de participação na formação da vontade do poder e sua gestão Expressam a soberania popular representada na máxima todo poder emana do povo prevista no art 1º da Constituição de 1988 Os direitos políticos são compostos por direitos de participação permitindo o exercício do poder pelo povo de modo direto a chamada democracia direta ou participativa ou indireto a chamada democracia indireta ou representativa Essa participação não se dá tão somente no exercício do direito de votar e ser votado mas também na propositura de projetos de lei iniciativa popular e na ação fiscalizatória sobre os governantes a ação popular No Brasil os direitos políticos são exercidos não somente pelo direito de votar e ser votado em eleições mas também por instrumentos de democracia direta tais como o plebiscito o referendo a iniciativa popular CF88 art 14 I a III regidos pela Lei n 970998 e no que tange à fiscalização do Poder pela ação popular art 5º LXXIII Para evitar manipulações dispõe o art 16 da CF88 que a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação porém não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência Esse artigo representa a chamada regra da anualidade eleitoral que garante o direito de segurança e de certeza jurídicas do cidadãoeleitor contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral ADI 3345 rel Min Celso de Mello e ADI 3685 rel Min Ellen Gracie j 2232006 O exercício dos direitos políticos separa o conceito de cidadania do conceito de nacionalidade O cidadão é aquele que exerce direitos políticos Já o nacional é aquele que possui um vínculo jurídico com um determinado Estado fixando direitos e deveres recíprocos Em geral a nacionalidade é pressuposto básico para a obtenção da condição de cidadão mas mesmo no Brasil há caso de exercício de direitos políticos por estrangeiro não nacional no que tange aos portugueses em situação de igualdade de direitos CF88 art 12 No Brasil os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado criadas para assumir o poder e realizar seu ideário ideológico A minirreforma eleitoral de 2017 Lei n 134882017 estabeleceu que poderá participar das eleições o partido que até seis meses antes do pleito i tenha registrado seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral e ii tenha até a data da convenção órgão de direção constituído na circunscrição de acordo com o respectivo estatuto Apesar de não se constituir em um direito propriamente dito a Constituição listou o partido político no seu Título II Direitos e Garantias Fundamentais Isso ocorre pelas seguintes razões 1ª a menção no art 1º parágrafo único da CF88 de que Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos implica a existência de um vínculo entre os eleitores e o eleito denominado representação política 2ª em seguida a Constituição considera que não é possível candidatura política avulsa todos os que almejam ser representantes políticos têm que se filiar a um partido político A Constituição de 1988 criou então uma democracia partidária ou partidocracia por meio da qual se instalou um vínculo tricotômico absolutamente necessário eleitores candidatos e partidos políticos ADI 3999 rel Min Joaquim Barbosa passagem de voto do Min Carlos Brito Esse vínculo entre partido político e os direitos políticos foi consagrado nas decisões do Poder Judiciário brasileiro sobre a perda do mandato por infidelidade partidária que consiste na perda do cargo ou mandato eletivo pela saída imotivada de um mandatário do partido pelo qual foi eleito Para o Supremo Tribunal Federal o mandatário eleito vinculase a determinado partido político a cujo programa e ideário se subordinou Essa ruptura dos vínculos de caráter partidário provocada pela saída do mandatário sem justa causa do partido pelo qual se elegeu subverte o sentido das instituições ofende o senso de responsabilidade política traduz gesto de deslealdade para com as agremiações partidárias de origem compromete o modelo de representação popular e frauda de modo acintoso e reprovável a vontade soberana dos cidadãos eleitores voto do Min Celso de Mello STF MS 266031DF A Lei n 909695 Lei dos Partidos Políticos alterada pela Lei n 131652015 e a Resolução n 226102007 do TSE dispõem sobre as hipóteses de justa causa a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário foi o partido quem traiu b grave discriminação pessoal espécie de bullying partidário contra o político que reage saindo do partido A consequência de saída sem justa causa é a perda do mandato A Lei n 131652015 acrescentou uma janela de infidelidade possibilitando desfiliação imotivada e sem perda do mandato durante 30 dias no sétimo mês que antecede as eleições ao término do mandato vigente à época art 3º Em 2015 o Supremo Tribunal Federal decidiu em ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Procuradoria Geral da República que a perda de mandato por infidelidade partidária só atinge os eleitos em eleições proporcionais No caso das eleições majoritárias prefeitos governadores presidente e seus respectivos vices bem como os Senadores a Corte Maior entendeu que há ênfase na figura do candidato o que faz com que a perda do mandato no caso de mudança de partido frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular ADI 5081DF voto do rel Min Roberto Barroso j 2752015 Em 2016 foi aprovada a Emenda Constitucional n 91 pela qual ficou facultado ao detentor de mandato eletivo desligarse do partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à promulgação da Emenda 18 de fevereiro sem prejuízo do mandato não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão Essa segunda janela de infidelidade a primeira foi a da Lei n 131652015 vista acima desvaloriza o ideal constitucional de fortalecimento da democracia representativa por intermédio de partidos políticos uma vez que o mandato eletivo é partidário e a mudança injustificada feita por detentor de cargo eletivo escolhido pelo sistema eleitoral proporcional não deve ser vista como um ato sem maiores consequências mas sim como um ato contra a vontade popular expressa nas urnas Por sua vez a menção aos partidos políticos inserida em um Título referente a direitos e garantias fundamentais realça a importância do partido para o exercício dos direitos políticos e da democracia Nessa linha decidiu o Tribunal Superior Eleitoral que As greis partidárias podem ser qualificadas juridicamente como entidades integrantes do denominado espaço público ainda que não estatal o que se extrai da centralidade dispensada em nosso regime democrático aos partidos essenciais que são ao processo decisório e à legitimidade na conformação do poder político Tribunal Superior Eleitoral MS 060145316 rel Min Luiz Fux julgado em sessão de 2992016 Por sua vez o art 17 1º da CF88 assegura aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna organização e funcionamento afastando o fantasma das restrições aos partidos criadas pela ditadura militar brasileira Essas restrições levaram por exemplo ao bipartidarismo forçado imposto pela ditadura na época só eram permitidos dois partidos a Aliança de Renovação Nacional Arena governista e o Movimento Democrático Brasileiro MDB oposicionista A Constituição de 1988 acata o pluralismo político como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito art 1º V impedindo restrições indevidas à liberdade de criação de partidos que em setembro de 2019 já alcançam o número de 33 com registro deferido no Tribunal Superior Eleitoral A EC 972017 deu nova redação ao art 17 1º da CF88 reforçando a autonomia partidária para definir a estrutura interna do partido e estabelecer regras sobre escolha formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento A EC 972017 ainda deu autonomia aos partidos para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias vedada a sua celebração nas eleições proporcionais sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional estadual distrital ou municipal devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária Contudo a proibição das criticadas coligações partidárias nas eleições proporcionais só valerá por previsão da própria EC 972017 a partir das Eleições de 2020 são permitidas ainda as coligações para cargos majoritários Além disso a EC 972017 instituiu a cláusula de barreira ou desempenho pela qual os partidos políticos só terão acesso aos recursos do fundo partidário e ao uso gratuito do rádio e televisão o chamado direito de antena eleitoral caso obtenham i nas eleições para a Câmara dos Deputados no mínimo 3 três por cento dos votos válidos distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação 9 unidades com um mínimo de 2 dois por cento dos votos válidos em cada uma delas ou ii tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação Há regras de transição com o cumprimento pleno da regra somente na legislatura seguinte às eleições de 2030 Cabe ressaltar que diversos partidos hoje não cumpririam o desempenho exigido Em mais um movimento para eliminar o número de partidos com baixa repercussão eleitoral a EC 97 permitiu mais uma janela de infidelidade ao autorizar que o eleito por partido que não superou a barreira filiese a outro partido que a tenha atingido 28 Como há regras de transição entendo que a janela de infidelidade pode ser aplicada a partir das Eleições de 2018 no início da legislatura de 2019 O partido político Rede Sustentabilidade ingressou com ação direta de inconstitucionalidade contra resolução da Câmara dos Deputados que a pretexto de regular a cláusula de barreira restringiu o funcionamento parlamentar do citado partido Para a Rede Sustentabilidade o art 17 3º da CF88 com redação dada pela EC 972017 restringiu o acesso à distribuição de recursos públicos do fundo partidário e o acesso à propaganda gratuita em rádio e televisão não impactando o funcionamento parlamentar dos partidos com resultados inferiores ao desempenho já previsto no pleito de 2018 ADI 6056 rel Ricardo Lewandowski ainda em trâmite A própria Constituição impõe aos partidos os seguintes condicionantes o i respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana ii caráter nacional iii é vedado o recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes e também é iv vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar 29 Além disso a autonomia partidária e a natureza jurídica de direito privado dos partidos não servem como escudo para violação de direitos humanos realizada internamente Com base essencialmente na i eficácia horizontal dos direitos humanos que vinculam os particulares e ii na importância do partido político para a democracia o TSE reconheceu que violações à ampla defesa e contraditório podem ser apreciadas pela Justiça Eleitoral não sendo matéria interna corporis dos partidos Tribunal Superior Eleitoral MS 060145316 rel Min Luiz Fux julgado em sessão de 2992016 255 Direitos coletivos difusos e os direitos individuais de expressão coletiva Inicialmente denominamos direitos coletivos em sentido amplo todos os direitos que indivisíveis ou não regem situações que atingem um agrupamento de pessoas Esse gênero direito coletivo em sentido amplo é dividido em i direitos difusos ii direitos coletivos em sentido estrito iii direitos individuais homogêneos Os direitos difusos são aqueles direitos transindividuais de natureza indivisível que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato Já os direitos coletivos em sentido estrito consistem em direitos transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base A característica fundamental dos direitos difusos é a indeterminabilidade dos titulares ao contrário dos direitos coletivos em sentido estrito cujos titulares são determinados ou determináveis justamente pela vinculação a uma relação jurídica base Como exemplo de direito difuso de titularidade indeterminada toda a coletividade social o STF reconheceu que o direito à integridade do meio ambiente típico direito de terceira geração constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva refletindo dentro do processo de afirmação dos direitos humanos a expressão significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade mas num sentido verdadeiramente mais abrangente à própria coletividade social MS 22164 rel Min Celso de Mello j 30101995 Plenário DJ de 17111995 Por sua vez os direitos individuais homogêneos são direitos pertencentes a vários indivíduos distintos não tendo natureza indivisível mas que possuem a mesma origem comum Eles se constituem pela origem comum em subespécie de direitos coletivos em sentido amplo STF RE 163231SP rel Min Maurício Corrêa j 2621997 Finalmente há direitos individuais de expressão coletiva que são aqueles direitos individuais que só têm existência na junção de vontades de vários indivíduos como por exemplo as liberdades de reunião e de associação 30 A Constituição de 1988 não é unívoca na conceituação desses direitos de início faz menção a direitos coletivos Capítulo I do Título II depois referese a interesses na parte referente ao Ministério Público arts 127 caput e 129 III usa ainda indistintamente direitos e interesses no que tange aos sindicatos art 8º III e Ministério Público art 129 V 256 Os deveres individuais e coletivos O Capítulo I do Título II da Constituição de 1988 faz referência a deveres individuais e coletivos O dever é uma sujeição imputada a um indivíduo dever individual agrupamento de indivíduos ou ao Estado deveres coletivos para satisfação de interesses alheios Há duas concepções a respeito dos deveres no campo dos direitos humanos A primeira é a concepção de dever em sentido amplo pelo qual os direitos humanos acarretam o dever de proteção do Estado que não pode omitirse e permitir que terceiros violem direitos essenciais e também geram o dever geral dos particulares em não violar os direitos de outros eficácia dos direitos humanos em face dos particulares Essa proteção exige atividades de cunho legislativo administrativo e jurisdicional do Estado sendo reflexo da dimensão objetiva dos direitos fundamentais Na Constituição de 1988 os deveres de proteção de direitos fundamentais são explícitos como o baseado no art 5º XLI a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais e implícitos que advêm da própria estipulação de um direito gerando o dever correlato do Estado em protegêlo e dos particulares em não violálo Assim a estipulação do direito à vida acarreta o dever implícito do Estado de criar mecanismos de proteção bem como dos particulares de não violálo indevidamente A segunda concepção é o dever em sentido estrito que implica reconhecer determinadas condutas obrigatórias a agentes públicos e particulares previstas na Constituição e em tratados consideradas indispensáveis para a preservação de determinado direito fundamental No caso da Constituição de 1988 cabe citar em relação aos agentes públicos o dever de respeitar a integridade física e moral do preso art 5º XLIX o dever de comunicar a prisão e o local onde se encontre o detido imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada art 5º LXII o dever de informar aos presos de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado art 5º LXIII o dever de informar ao preso a identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial art 5º LXIV o dever de relaxar imediatamente a prisão ilegal art 5º LXV o dever de não prender nenhum indivíduo quando a lei admitir a liberdade Quanto aos particulares há deveres específicos como o de prestar o serviço militar ou civil alternativo art 143 bem como o dever de votar art 14 1º I entre outros 26 A CLASSIFICAÇÃO PELA FORMA DE RECONHECIMENTO A produção normativa dos direitos humanos é intensa há variado labor legislativo e também reconhecimento judicial de novos direitos tanto na esfera nacional quanto na internacional No Brasil esse marco plural dos direitos humanos é uma realidade A inflação de direitos humanos passa a ser um fenômeno corriqueiro em face das contínuas e incessantes demandas sociais que são canalizadas para o Congresso Nacional pela via da aprovação de emendas constitucionais para o Estado como um todo pela via da ratificação e incorporação interna de tratados de direitos humanos e finalmente para o Judiciário reconhecimento de novos direitos pela via da interpretação dos juízes Fica patente a abertura do rol de direitos humanos marcada no Brasil pelo princípio da não exaustividade pelo qual os direitos expressamente previstos na Constituição não excluem outros implícitos ao regime e princípios constitucionais nem outros decorrentes dos tratados celebrados pelo Brasil Com isso classificamos os direitos de acordo com a forma de reconhecimento em direitos expressos direitos implícitos e direitos decorrentes De início há os direitos expressos que são aqueles explicitamente mencionados na Constituição No Brasil é possível identificar direitos oriundos diretamente da Constituição e de suas Emendas Constitucionais como por exemplo o direito à moradia incluído no art 6º pela EC 262000 ou ainda o novo direito à alimentação no mesmo art 6º introduzido pela EC 642010 Também é possível identificar direitos implícitos que são aqueles extraídos pelo Poder Judiciário de normas gerais previstas na Constituição ou ainda de direitos de formulação genérica No Brasil o STF já reconheceu o direito fundamental do contribuinte à anualidade tributária extraído pelo STF do direito à segurança jurídica e o direito fundamental do eleitor a anualidade eleitoral Finalmente há os direitos decorrentes oriundos dos tratados de direitos humanos como por exemplo os direitos previstos na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de estatura constitucional pois aprovada no Congresso Nacional sob o rito especial do art 5º 3º Veremos no capítulo próprio o estatuto normativo dos tratados de direitos humanos QUADRO SINÓTICO Classificação dos direitos humanos Teoria do status Desenvolvida no final do século XIX por Jellinek Contexto repúdio ao jusnaturalismo dos direitos humanos ideia de que os direitos humanos devem ser traduzidos em normas jurídicas estatais para que possam ser garantidos e concretizados com garantias a serem invocadas ante o ordenamento estatal Classificação do indivíduo perante o Estado classificação pautada no reconhecimento do caráter positivo dos direitos e na verticalidade estado de submissão status subjectionis ou status passivo posição de subordinação em face do Estado status negativo status libertatis conjunto de limitações à ação do Estado voltados para o respeito dos direitos do indivíduo status positivo status civitatis conjunto de pretensões do indivíduo para invocar a atuação do Estado em prol dos seus direitos status ativo status activus conjunto de prerrogativas e faculdades que o indivíduo possui para participar da formação da vontade do Estado refletindo no exercício de direitos políticos e no direito de aceder aos cargos em órgãos públicos ampliação para o status activus processualis Häberle Teoria das gerações ou dimensões Desenvolvida por Karel Vasak 1979 Cada geração foi associada a um dos componentes do dístico da Revolução Francesa liberdade igualdade fraternidade Gerações 1ª direitos de liberdade direitos individuais direitos civis e políticos direitos às prestações negativas em que o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo papel passivo do Estado 2ª direitos de igualdade direitos econômicos sociais e culturais vigoroso papel ativo do Estado 3ª direitos de solidariedade direitos de titularidade da comunidade 4ª concebida apenas no século XX direitos resultantes da globalização dos direitos humanos Críticas à teoria geracional Transmite de forma errônea o caráter de substituição de uma geração por outra Enumeração de gerações pode dar a ideia de antiguidade ou posteridade de um rol de direitos em relação a outros Apresenta os direitos humanos de forma fragmentada e ofensiva à indivisibilidade dos direitos humanos Dificulta as novas interpretações sobre o conteúdo dos direitos Classificação pelas funções Direitos de defesa conjunto de prerrogativas do indivíduo voltada para defender determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público ou mesmo outro particular assegurando 1 que uma conduta não seja proibida 2 que uma conduta não seja alvo de interferência ou regulação indevida por parte do Poder Público e 3 que não haja violação ou interferência por parte de outro particular Além disso asseguram a pretensão de consideração e o dever de proteção São divididos em três subespécies direitos ao não impedimento direitos ao não embaraço direitos a não supressão de determinadas situações jurídicas Direitos a prestações aqueles que exigem uma obrigação estatal de ação para assegurar a efetividade dos direitos humanos As prestações podem ser divididas em prestações jurídicas realizadas pela elaboração de normas jurídicas que disciplinam a proteção de determinado direito prestações positivas intervenção do Estado provendo determinada condição material para que o indivíduo frua adequadamente seu direito Direitos a procedimentos e instituições têm como função exigir do Estado que estruture órgãos e corpo institucional apto por sua competência e atribuição a oferecer bens ou serviços indispensáveis à efetivação dos direitos humanos Classificação pela finalidade Direitos propriamente ditos dispositivos normativos que visam o reconhecimento jurídico de pretensões inerentes à dignidade de todo ser humano Garantias fundamentais previsões normativas que asseguram a existência desses direitos propriamente ditos são instrumentais uma vez que visam assegurar a fruição dos direitos Classificações das garantias fundamentais Garantias em sentido amplogarantias institucionais conjunto de meios de índole institucional e organizacional que visa assegurar a efetividade e observância dos direitos humanos e garantias em sentido estrito remédios fundamentais conjunto de ações processuais destinadas a proteger os direitos essenciais dos indivíduos Quanto à origem garantias nacionais ou garantias internacionais Classificação adotada na Constituição de 1988 Direitos individuais consistem no conjunto de direitos cujo conteúdo impacta somente a esfera de interesse protegido de um indivíduo Direitos sociais conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode exigir prestações do Estado ou da sociedade ou até mesmo a abstenção de agir tudo para assegurar condições materiais mínimas de sobrevivência Direitos de nacionalidade sendo a nacionalidade definida como o vínculo jurídico entre determinada pessoa denominada nacional e um Estado pelo qual são estabelecidos direitos e deveres recíprocos Direitos políticos constituem um conjunto de direitos de participação na formação da vontade do poder Partidos políticos associações de pessoas de natureza de direito privado no Brasil criadas para assumir o poder e realizar seu ideário ideológico Direitos coletivos Direitos difusos direitos transindividuais de natureza indivisível que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato Direitos coletivos em sentido estrito direitos metaindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base Direitos individuais homogêneos são direitos pertencentes a vários indivíduos mas que possuem a mesma origem comum constituindose pela origem comum em subespécie de direitos coletivos em sentido amplo Direitos individuais de expressão coletiva são direitos individuais que só têm existência na junção de vontades de vários indivíduos como por exemplo as liberdades de reunião e de associação Deveres individuais e coletivos Dever é uma sujeição imputada a um indivíduo dever individual agrupamento de indivíduos ou ao Estado deveres coletivos para satisfação de interesses alheios Dever em sentido amplo os direitos humanos acarretam o dever de proteção do Estado que não se pode omitir e permitir que terceiros violem direitos essenciais bem como dever dos particulares de não violar os direitos de outros eficácia dos direitos humanos em face dos particulares Dever em sentido estrito implica reconhecer determinadas condutas obrigatórias a agentes públicos e particulares previstas na Constituição e em tratados consideradas indispensáveis para a preservação de determinado direito fundamental Classificação pela forma de reconhecimento Direitos expressos direitos explicitamente mencionados na Constituição Direitos implícitos extraídos pelo Poder Judiciário de normas gerais previstas na Constituição Direitos decorrentes oriundos dos tratados de direitos humanos 27 MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL É possível ainda classificar os direitos com base na proteção do mínimo existencial separando aqueles que compõem esse mínimo daqueles que não compõem O mínimo existencial consiste no conjunto de direitos cuja concretização é imprescindível para promover condições adequadas de existência digna assegurando o direito geral de liberdade e os direitos sociais básicos tais como o direito à educação o direito à saúde o direito à previdência e assistência social o direito à moradia o direito à alimentação entre outros A maior controvérsia envolvendo a proteção do mínimo existencial e em especial dos direitos sociais em geral está na busca de sua efetivação que pode esbarrar em argumentos referentes à falta de recursos disponíveis o que limitaria a realização desses direitos a uma reserva do possível A reserva do possível consiste em argumento desenvolvido originariamente pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha pelo qual se reconhece a limitação de recursos estatais a qual impede a implementação imediata de todos os direitos que exijam prestações positivas Por isso o indivíduo só pode ter expectativa de implementação de direitos na medida do possível ou seja o Estado não pode ser exigido a concretizar todos os direitos que dependem de prestações materiais É um argumento contrário à intervenção do Poder Judiciário na luta pela implementação dos direitos sociais Grosso modo afirmase que os recursos públicos não são ilimitados e assim a decisão de alocação desses recursos finitos deve caber em uma sociedade democrática ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo nas suas interações que desembocam na aprovação do orçamento público Caso o Judiciário interferisse a separação das funções do poder restaria abalada No Supremo Tribunal Federal há precedentes que autorizam a intervenção do Poder Judiciário exigindo do Poder Executivo a adoção de providências administrativas que visem à melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde pública O STF reconheceu que a cláusula da reserva do possível não pode ser invocada com o propósito de obstaculizar a implementação de direitos pois tal conduta do Poder Público viola a garantia constitucional do mínimo existencial que é fruto para o STF da junção do art 1º III dignidade humana e do art 3º III erradicação da pobreza e da marginalização bem como redução das desigualdades sociais e regionais da Constituição STF ARE 639337 AgR rel Min Celso de Mello j 2382011 2ª T DJe de 1592011 No mesmo sentido decidiu o STF que há um núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais que não pode sofrer com o argumento da reserva do possível tendo o julgado a seguinte ementa Educação de deficientes auditivos Professores especializados em libras Inadimplemento estatal de políticas públicas com previsão constitucional Intervenção excepcional do Judiciário Cláusula da reserva do possível Inoponibilidade Núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais Constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade ARE 860979AgR rel Min Gilmar Mendes j 1442015 Segunda Turma DJe de 652015 No que tange à intervenção judicial para obrigar a Administração Pública a executar obras no sistema prisional foi adotada a seguinte tese pelo STF em sede de repercussão geral É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral nos termos do que preceitua o art 5º XLIX da Constituição Federal não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes RE 592581 rel Min Ricardo Lewandowski j 1382015 Já no Superior Tribunal de Justiça decidiuse que o Poder Judiciário pode determinar a realização de obras de acessibilidade em prédios públicos STJ 2ª Turma REsp 1607472PE rel Min Herman Benjamin j 1592016 Em tais precedentes houve a análise conjunta entre o reconhecimento do dever de proteção ao mínimo existencial e a reserva do possível tendo sido decidido que no caso do direito à saúde a intervenção judicial é possível pois não há usurpação da separação de poderes mas tão somente determinação judicial para que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas RE 642536AgR rel Min Luiz Fux j 522013 1ª T DJe de 2722013 3 Dignidade humana 31 CONCEITO DE DIGNIDADE HUMANA E SEUS ELEMENTOS A Constituição de 1988 estabelece que um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana art 1º III Além disso o texto constitucional brasileiro afirma que toda a ação econômica tem como finalidade assegurar a todos uma existência digna art 170 31 Por sua vez no art 226 7º ficou determinado que o planejamento familiar é fruto de livre decisão do casal fundado no princípio da dignidade da pessoa humana Já o art 227 determina que cabe à família à sociedade e ao Estado assegurar a dignidade à criança ao adolescente e ao jovem No art 230 a Constituição de 1988 prevê que a família a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas defendendo sua dignidade e bemestar No plano internacional a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece já no seu preâmbulo a necessidade de proteção da dignidade humana por meio da proclamação dos direitos elencados naquele diploma estabelecendo em seu art 1º que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Os dois Pactos Internacionais sobre direitos civis e políticos e o sobre direitos sociais econômicos e culturais da Organização das Nações Unidas têm idêntico reconhecimento no preâmbulo da dignidade inerente a todos os membros da família humana A Convenção Americana de Direitos Humanos exige o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano art 5º Já Convenção Europeia de Direitos Humanos em que pese não possuir tal menção à dignidade humana foi já interpretada pela Corte Europeia de Direitos Humanos no sentido de que a dignidade e a liberdade do homem são a essência da própria Convenção 32 No plano comunitário europeu a situação não é diferente Simbolicamente a dignidade humana está prevista no art 1º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 atualizada em 2007 que determina que a dignidade do ser humano é inviolável devendo ser respeitada e protegida A raiz da palavra dignidade vem de dignus que ressalta aquilo que possui honra ou importância Com São Tomás de Aquino há o reconhecimento da dignidade humana qualidade inerente a todos os seres humanos que nos separa dos demais seres e objetos São Tomás de Aquino defende o conceito de que a pessoa é uma substância individual de natureza racional centro da criação pelo fato ser imagem e semelhança de Deus Logo o intelecto e a semelhança com Deus geram a dignidade que é inerente ao homem como espécie Para Kant tudo tem um preço ou uma dignidade aquilo que tem um preço é substituível e tem equivalente já aquilo que não admite equivalente possui uma dignidade Assim as coisas possuem preço os indivíduos possuem dignidade 33 Nessa linha a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim em si mesmo com autonomia para se comportar de acordo com seu arbítrio nunca um meio ou instrumento para a consecução de resultados não possuindo preço Consequentemente o ser humano tem o direito de ser respeitado pelos demais e também deve reciprocamente respeitálos Assim a dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência 34 Consiste em atributo que todo indivíduo possui inerente à sua condição humana não importando qualquer outra condição referente à nacionalidade opção política orientação sexual credo etc Tanto nos diplomas internacionais quanto nacionais a dignidade humana é inscrita como princípio geral ou fundamental mas não como um direito autônomo 35 De fato a dignidade humana é uma categoria jurídica que por estar na origem de todos os direitos humanos conferelhes conteúdo ético Ainda a dignidade humana dá unidade axiológica a um sistema jurídico fornecendo um substrato material para que os direitos possam florescer Diferentemente do que ocorre com direitos como liberdade igualdade entre outros a dignidade humana não trata de um aspecto particular da existência mas sim de uma qualidade inerente a todo ser humano sendo um valor que identifica o ser humano como tal Logo o conceito de dignidade humana é polissêmico e aberto em permanente processo de desenvolvimento e construção Há dois elementos que caracterizam a dignidade humana o elemento positivo e o elemento negativo O elemento negativo consiste na proibição de se impor tratamento ofensivo degradante ou ainda discriminação odiosa a um ser humano Por isso a própria Constituição dispõe que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante art 5º III e ainda determina que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais art 5º XLI Já o elemento positivo do conceito de dignidade humana consiste na defesa da existência de condições materiais mínimas de sobrevivência a cada ser humano Nesse sentido a Constituição estabelece que a nossa ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna art 170 caput Na mesma linha há aqueles que defendem que o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana é composto pelo mínimo existencial que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade 36 Para compor esse mínimo existencial indispensável à promoção da dignidade humana é necessário na lição de Barcellos levar em consideração a implementação dos direitos à educação básica à saúde à assistência social e acesso à justiça com a prestação da assistência jurídica gratuita integral 37 Por sua vez Maria Celina Bodin de Moraes assinala que o conteúdo da dignidade humana pode ser composto por quatro princípios igualdade integridade física e psíquica liberdade e solidariedade 38 Por fim Barroso sustenta que a dignidade humana é um princípio que pode ser dividido em três componentes o primeiro consiste no valor intrínseco de cada ser humano que é único e especial merecendo proteção o segundo consiste na autonomia que permite que cada indivíduo tome decisões que devem ser respeitadas o terceiro componente é o valor comunitário que consiste na interferência estatal e social legítima na fixação dos limites da autonomia 39 Existem dois deveres impostos ao Estado para proteger a dignidade humana O dever de respeito que consiste na imposição de limites à ação estatal ou seja é a dignidade um limite para a ação dos poderes públicos Há também o dever de garantia que consiste no conjunto de ações de promoção da dignidade humana por meio do fornecimento de condições materiais ideais para seu florescimento 32 USOS POSSÍVEIS DA DIGNIDADE HUMANA É possível identificar quatro usos habituais da dignidade humana na jurisprudência brasileira O primeiro uso é na fundamentação da criação jurisprudencial de novos direitos também denominado eficácia positiva do princípio da dignidade humana Por exemplo o STF reconheceu o direito à busca da felicidade sustentando que este resulta da dignidade humana O direito à busca da felicidade verdadeiro postulado constitucional implícito e expressão de uma ideiaforça que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana RE 477554 Recurso Extraordinário rel Celso de Mello Informativo n 635 Nessa mesma linha de tutela da felicidade e da realização pessoal fruto da dignidade da pessoa humana o STF reconheceu modelos familiares diversos da concepção tradicional determinando que a paternidade socioafetiva declarada ou não em registro público não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica com os efeitos jurídicos próprios RE 898060SC rel Min Luiz Fux j 21 e 2292016 Informativo STF n 840 Gilmar Mendes defende que para se reconhecer um novo direito fundamental deve ser provado um vínculo com a dignidade humana a chamada derivação direta ou pelo menos ser o novo direito vinculado a direito por sua vez decorrente da dignidade humana derivação indireta 40 Um segundo uso é o da formatação da interpretação adequada das características de um determinado direito Por exemplo o STF reconheceu que o direito de acesso à justiça e à prestação jurisdicional do Estado deve ser célere pleno e eficaz Para o STF então A prestação jurisdicional é uma das formas de se concretizar o princípio da dignidade humana o que torna imprescindível seja ela realizada de forma célere plena e eficaz Rcl 5758 rel Min Cármen Lúcia j 1352009 Plenário DJe de 782009 Nessa mesma linha o Min Celso de Mello considerou que a duração prolongada abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende de modo frontal o postulado da dignidade da pessoa humana que representa considerada a centralidade desse princípio essencial CF art 1º III significativo vetor interpretativo verdadeiro valorfonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente HC 139664GO rel Min Celso de Mello DJe 2452017 O terceiro uso é o de criar limites à ação do Estado e mesmo dos particulares É a chamada eficácia negativa da dignidade humana Por exemplo a dignidade humana foi repetidamente invocada para traçar limites ao uso desnecessário de algemas em vários casos no STF Para o Min Marco Aurélio Diante disso indagase surge harmônico com a Constituição mantêlo no recinto com algemas A resposta mostrase iniludivelmente negativa a deficiência da estrutura do Estado não autorizava o desrespeito à dignidade do envolvido HC 91952 voto do rel Min Marco Aurélio j 782008 Plenário DJe de 19122008 O uso de tortura por agentes do Estado foi também veementemente reprimido pelo STF que assim se pronunciou A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos pois reflete enquanto prática ilegítima imoral e abusiva um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e até mesmo a suprimir a dignidade a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado de maneira indisponível pelo ordenamento positivo HC 70389 rel p o ac Min Celso de Mello j 2361994 Plenário DJ de 1082001 O quarto uso é a utilização da dignidade humana para fundamentar o juízo de ponderação e escolha da prevalência de um direito em prejuízo de outro Por exemplo o STF utilizou a dignidade humana para fazer prevalecer o direito à informação genética em detrimento do direito à segurança jurídica afastando o trânsito em julgado de uma ação de investigação de paternidade Para o STF então O princípio da segurança jurídica não seria portanto absoluto e que não poderia prevalecer em detrimento da dignidade da pessoa humana sob o prisma do acesso à informação genética e da personalidade do indivíduo Assinalou não se poder mais tolerar a prevalência em relações de vínculo paternofilial do fictício critério da verdade legal calcado em presunção absoluta tampouco a negativa de respostas acerca da origem biológica do ser humano uma vez constatada a evolução nos meios de prova voltados para esse fim RE 363889 rel Min Dias Toffoli j 742011 Plenário Informativo n 622 com repercussão geral Quanto à liberdade de expressão o STF pronunciouse sobre a proibição de discursos antissemitas pois a dignidade da pessoa humana não é compatível com discursos de preconceito e incitação de ódio e condutas hostis contra determinados grupos Para o STF o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o direito à incitação ao racismo dado que um direito individual não pode constituirse em salvaguarda de condutas ilícitas como sucede com os delitos contra a honra Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 Em outro caso emblemático o STF recusou fazer prevalecer o direito à verdade e à justiça em detrimento do direito dos criminosos ao perdão e à anistia contrariando como veremos em capítulo próprio a posição consolidada da Corte Interamericana de Direitos Humanos Para o STF então Sem de qualquer modo negar o que diz a arguente ao proclamar que a dignidade não tem preço o que subscrevo tenho que a indignidade que o cometimento de qualquer crime expressa não pode ser retribuída com a proclamação de que o instituto da anistia viola a dignidade humana ADPF 153 voto do rel Min Eros Grau j 2942010 Plenário DJe de 682010 Também no tocante ao uso da dignidade humana como fundamento genérico na escolha da prevalência de um direito o STF determinou a prevalência do direito à integridade física recusando a realização compulsória mesmo contra a vontade do presumido pai do exame de DNA Para o STF Discrepa a mais não poder de garantias constitucionais implícitas e explícitas preservação da dignidade humana provimento judicial que em ação civil de investigação de paternidade implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório debaixo de vara para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA HC 71373 rel p o ac Min Marco Aurélio j 10111994 Plenário DJ de 22111996 Finalmente o juízo de ponderação e o uso da dignidade humana para fundamentar a posição a favor de um direito em detrimento do outro ficou evidente no caso da proibição da prova ilícita tendo o STF decidido que A Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou em prejuízo se necessário da eficácia da persecução criminal pelos valores fundamentais da dignidade humana aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita HC 79512 rel Min Sepúlveda Pertence j 16121999 Plenário DJ de 165 2003 Nessa categoria de uso da dignidade humana para justificar genericamente prevalências e compressões de direitos humanos é possível sua utilização para excluir um direito já formalmente previsto do rol de direitos considerados materialmente essenciais Esse uso da dignidade humana atualizaria pela via hermenêutica o catálogo dos direitos humanos Sarmento defende que a ausência de vínculo direto com a dignidade humana pode ser fator de exclusão de determinado direito inserido formalmente na CF88 do regime jurídico protetivo nela estabelecido especialmente a proteção advinda da natureza de cláusula pétrea art 60 4º IV da CF88 Para evitar o arbítrio judicial sustenta Sarmento que a exclusão de um direito já previsto formalmente na CF88 exigirá um ônus argumentativo daquele que sustenta o contrário 41 Assim o valor da dignidade humana içado ao posto de princípio fundamental da República Federativa do Brasil art 1º III impõese como valor central de todo o nosso ordenamento jurídico sendo considerado por José Afonso da Silva o epicentro axiológico do nosso ordenamento constitucional 42 indispensável para orientar o trabalho do intérprete do Direito e do aplicador da lei Por outro lado o uso abusivo e retórico da dignidade humana pode banalizar esse conceito dificultando a aferição da racionalidade da tomada de decisão pelo Poder Judiciário em especial no que tange ao juízo de ponderação entre direitos em colisão QUADRO SINÓTICO Conceito de dignidade humana e conteúdo ético dos direitos humanos Conceito de dignidade humana Raiz da palavra dignus que ressalta aquilo que possui honra ou importância São Tomás de Aquino reconhecimento da dignidade humana qualidade inerente a todos os seres humanos que nos separa dos demais seres e objetos O intelecto e a semelhança com Deus geram a dignidade que é inerente ao homem como espécie Kant a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim em si mesmo com autonomia para se comportar de acordo com seu arbítrio nunca um meio ou instrumento para a consecução de resultados não possuindo preço Sarlet e Peres Luño dignidade humana como a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência Nos diplomas internacionais e nacionais a dignidade humana é inscrita como princípio geral ou fundamental mas não como um direito autônomo Tratase de uma categoria jurídica que por estar na origem de todos os direitos humanos lhes confere conteúdo ético Ainda a dignidade humana dá unidade axiológica a um sistema jurídico fornecendo um substrato material para que os direitos possam florescer Não trata de um aspecto particular da existência mas de uma qualidade inerente a todo ser humano sendo um valor que o identifica como tal Dessa forma o conceito de dignidade humana é polissêmico e aberto em permanente processo de desenvolvimento e construção Elementos que caracterizam a dignidade humana Elemento positivo defesa da existência de condições materiais mínimas de sobrevivência a cada ser humano Elemento negativo consiste na proibição de se impor tratamento ofensivo degradante ou ainda discriminação odiosa a um ser humano Deveres impostos ao Estado para proteger a dignidade humana dever de respeito limite para a ação dos poderes públicos e dever de garantia conjunto de ações de promoção da dignidade humana por meio do fornecimento de condições materiais ideais para seu florescimento Usos habituais da dignidade humana na jurisprudência brasileira Fundamentação da criação jurisprudencial de novos direitos eficácia positiva do princípio da dignidade humana Formatação da interpretação adequada das características de um determinado direito Criação de limites à ação do Estado eficácia negativa do princípio da dignidade humana Fundamentação do juízo de ponderação e escolha da prevalência de um direito em prejuízo de outro Uso para negar a natureza de direitos humanos de um determinado direito 4 Os fundamentos dos direitos humanos 41 O FUNDAMENTO JUSNATURALISTA 411 O jusnaturalismo de origem religiosa e o de origem racional O jusnaturalismo é uma corrente do pensamento jurídico que defende a existência de um conjunto de normas vinculantes anterior e superior ao sistema de normas fixadas pelo Estado direito posto Na seara dos direitos humanos é possível identificar uma visão jusnaturalista já na Antiguidade simbolizada na peça de teatro Antígona de Sófocles 421 aC parte da chamada Trilogia Tebana A personagem principal da peça Antígona recusase a obedecer as ordens do rei afirmando que as leis dos homens não podem sobreporse às leis eternas dos deuses Na Idade Média o jusnaturalismo é incentivado pela visão religiosa de São Tomás de Aquino para quem a lex humana deve obedecer a lex naturalis que era fruto da razão divina mas perceptível aos homens No plano internacional Hugo Grócio considerado um dos fundadores do Direito Internacional e iniciador da teoria do direito natural moderno sustentava no século XVI a existência de um conjunto de normas ideais fruto da razão humana Fica aqui o limite aos direitos positivados pois o direito dos legisladores humanos só seria válido quando compatível com os mandamentos daquela lei imutável e eterna 43 Nos séculos XVII e XVIII a corrente jusnaturalista de Grócio impõe a consagração da razão e laicidade das normas de direito natural Os iluministas em especial Locke e Rousseau fundam a corrente do jusnaturalismo contratualista que aprofunda o racionalismo e o individualismo A razão é fonte de direitos inerentes ao ser humano afirmandose a prevalência dos direitos dos indivíduos em face do Estado Essa supremacia dos direitos humanos é fundada em um contrato social realizado por todos os indivíduos na comunidade humana que impõe a proteção desses direitos e limita o arbítrio do Estado A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão documento marcante dessa visão dos direitos humanos de 1789 estabelece que o fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis de todo ser humano Na visão do contratualismo liberal de direito natural os direitos humanos são direitos atemporais inerentes à qualidade de homem de seus titulares 44 Para mencionar um exemplo desse legado teórico citese a primeira afirmação da longeva Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 pela qual todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos o que é assemelhado ao escrito por Locke os homens são livres iguais e independentes por natureza 45 e à frase inicial de Rousseau no clássico Do contrato social na qual afirmou que o homem nasceu livre 46 O traço marcante da corrente jusnaturalista de origem religiosa ou contratualista de direitos humanos é o seu cunho metafísico pois se funda na existência de um direito preexistente ao direito produzido pelo homem oriundo de Deus escola de direito natural de razão divina ou da natureza inerente do ser humano escola de direito natural moderno Consequentemente o ser humano é titular de direitos que devem ser assegurados pelo Estado em virtude tão somente de sua condição humana mesmo em sobreposição às leis estatais O direito de resistência é um exemplo dessa irresignação da corrente jusnaturalista com os direitos postos pelo Estado Por isso as primeiras Declarações de Direitos Virgínia 1776 e Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 reconheceram o direito humano de resistência à opressão ver respectivamente seus arts 3º e 2º A Declaração Universal dos Direitos Humanos Paris 1948 também fez menção no seu preâmbulo ao direito à rebelião contra a tirania e a opressão Para determinados autores os direitos humanos seriam então os equivalentes contemporâneos dos direitos naturais Para Maritain e outros os direitos humanos são consequência da afirmação dos ideais jusnaturalistas 47 Apesar da sua influência sentida até hoje nos contemporâneos diplomas normativos internacionais de direitos humanos o jusnaturalismo sofreu pela falta de comprovação de direitos inerentes à natureza do homem Pelo contrário em relação à própria revelação pela razão humana do conteúdo dos direitos humanos há de se recordar a existência de variados conteúdos de tais direitos a depender dos valores de cada contexto histórico A história mostra que os direitos humanos são direitos conquistados sendo até possível que um direito consagrado seja após retirado do catálogo de direitos protegidos 412 O jusnaturalismo de direitos humanos no direito internacional e no STF Apesar do reconhecimento do caráter histórico dos direitos humanos o recurso à fundamentação jusnaturalista é perceptível até hoje No Direito Internacional dos Direitos Humanos a Declaração de Viena de 1993 emitida ao final da 2ª Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos dispôs no parágrafo 1º da Parte I que os direitos humanos e as liberdades fundamentais são direitos naturais de todos os seres humanos Também no Supremo Tribunal há clara influência da tradição jusnaturalista de percepção de direitos inerentes e mesmo não escritos ou não positivados Um caso célebre foi o reconhecimento pelo Ministro Celso de Mello da existência de um bloco de constitucionalidade material que seria o conjunto de normas de estatura constitucional composto pelas normas expressas da Constituição e normas implícitas e valores do direito natural Nas palavras do Ministro Celso de Mello cabe ter presente que a construção do significado de Constituição permite na elaboração desse conceito que sejam considerados não apenas os preceitos de índole positiva expressamente proclamados em documento formal que consubstancia o texto escrito da Constituição mas sobretudo que sejam havidos igualmente por relevantes em face de sua transcendência mesma os valores de caráter suprapositivo os princípios cujas raízes mergulham no direito natural e o próprio espírito que informa e dá sentido à Lei Fundamental do Estado ADI 595ES rel Celso de Mello 2002 decisão publicada no DJU de 2622002 Também disponível no Informativo n 258 do STF O reconhecimento de direitos não expressos é feito para justificar efeitos ainda não previstos de determinado direito fundamental Por exemplo reconhecido o caráter de direito natural do direito de greve inerente a toda prestação de trabalho público ou privado o STF decidiu que não cabe o não pagamento dos salários Eventual compensação ao patrão pela ausência do trabalho deve ser feita após o encerramento da greve Para o STF Em síntese na vigência de toda e qualquer relação jurídica concernente à prestação de serviços é irrecusável o direito à greve E este porque ligado à dignidade do homem consubstanciando expressão maior da liberdade a recusa ato de vontade em continuar trabalhando sob condições tidas como inaceitáveis merece ser enquadrado entre os direitos naturais Assentado o caráter de direito natural da greve há de se impedir práticas que acabem por negálo consequência da perda advinda dos dias de paralisação há de ser definida uma vez cessada a greve Contase para tanto com o mecanismo dos descontos a elidir eventual enriquecimento indevido se é que este no caso possa se configurar STF Decisão monocrática da Presidência SS 2061 AgRDF rel Min Marco Aurélio Presidente j 3010 2001 Contudo em 2016 o STF adotou tese com repercussão geral pela qual a administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre permitida a compensação em caso de acordo O desconto será contudo incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público STF RE 693456 rel Min Dias Toffoli j 27102016 Em 2018 o STF voltou a reconhecer a legitimidade constitucional de determinadas reações da Administração Pública à greve de servidores Foi considerado constitucional o Decreto 42641995 da Bahia que dispõe sobre as providências a serem adotadas em caso de greve de servidores públicos estaduais A norma considerada constitucional prevê a instauração de processo administrativo para se apurar a participação do servidor na greve com a possibilidade de não pagamento dos dias de paralisação cumprindo o disposto no Mandado de Injunção n 708 STF rel Min Gilmar Mendes j 25102007 Plenário DJe de 31102008 que estipulou até a edição da legislação específica prevista no art 37 VII da CF a incidência das Leis ns 77011988 e 77831989 relativas à greve no setor privado às greves dos servidores públicos civis Também foi considerado constitucional a contratação de trabalhadores temporários para prestar serviços essenciais que não podem ser interrompidos desde que a contratação seja para o período de duração da greve e apenas para garantir a continuidade dos serviços ADPF 395DF rel Min Gilmar Mendes j 13 e 1462018 e ADPF 444DF rel Min Gilmar Mendes j 13 e 1462018 O direito natural foi ainda utilizado para reconhecer os direitos novos como o direito à fuga não positivado na Constituição ou nos tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil Para o STF com especial relevo nos votos do Min Marco Aurélio 48 a fuga é um direito natural dos que se sentem por isso ou por aquilo alvo de um ato discrepante da ordem jurídica pouco importando a improcedência dessa visão longe ficando de afastar o instituto do excesso de prazo RHC 84851BA Recurso em Habeas Corpus rel Min Marco Aurélio j 1º32005 Ou ainda a fuga não pode ser considerada como fator negativo tendo em vista consubstanciar direito natural HC 73491PR rel Min Marco Aurélio j 241996 O direito natural serviu ainda para ampliar direito previsto na Constituição como foi o caso da previsão constitucional do direito ao preso de permanecer calado art 5º LXIII que foi transformado pelo STF ao longo dos anos em um direito de não se autoincriminar e não colaborar nas investigações criminais Para o STF o direito natural afasta por si só a possibilidade de exigirse que o acusado colabore nas investigações A garantia constitucional do silêncio encerra que ninguém está compelido a autoincriminarse Não há como decretar a preventiva com base em postura do acusado reveladora de não estar disposto a colaborar com as investigações e com a instrução processual HC 83943MG rel Min Marco Aurélio j 27 42004 Outro direito ampliado pela fundamentação de direito natural foi o direito de defesa O STF invocou o direito natural para ampliar o conceito de autodefesa e impedir que o acusado fosse prejudicado por não admitir a culpa ou até mesmo mentir atribuindo a terceiro a autoria Para o STF a autodefesa consubstancia antes de mais nada direito natural O fato de o acusado não admitir a culpa ou mesmo atribuíla a terceiro não prejudica a substituição da pena privativa do exercício da liberdade pela restritiva de direitos descabendo falar de personalidade distorcida HC 80616 rel Min Marco Aurélio j 1892001 Primeira Turma DJ de 1232004 QUADRO SINÓTICO O fundamento jusnaturalista Jusnaturalismo corrente do pensamento jurídico segundo a qual existe um conjunto de normas vinculantes anterior e superior ao sistema de normas fixadas pelo Estado direito posto Na Antiguidade é possível identificar uma visão jusnaturalista na peça de teatro Antígona de Sófocles Na Idade Média é incentivado pela visão religiosa de São Tomás de Aquino para quem a lex humana deve obedecer a lex naturalis que era fruto da razão divina mas perceptível aos homens No plano internacional Hugo Grotius sustentava no século XVI a existência de um conjunto de normas ideais fruto da razão humana Nos séculos XVII e XVIII essa corrente jusnaturalista impõe a consagração da razão e laicidade das normas de direito natural Os iluministas em especial Locke e Rousseau fundam a corrente do jusnaturalismo contratualista que aprofunda o racionalismo e o individualismo Os direitos humanos são concebidos como direitos atemporais inerentes à qualidade de homem de seus titulares Traço marcante da corrente jusnaturalista de origem religiosa ou contratualista cunho metafísico pois se funda na existência de um direito preexistente ao direito produzido pelo homem oriundo de Deus escola de direito natural de razão divina ou da natureza inerente do ser humano escola de direito natural moderno O recurso à fundamentação jusnaturalista é perceptível até hoje no Direito Internacional dos Direitos Humanos bem como no Supremo Tribunal Federal 42 O POSITIVISMO NACIONALISTA A consolidação do Estado constitucional fruto das revoluções liberais oitocentistas inseriu os direitos humanos tidos como naturais jusnaturalismo de direitos humanos no corpo das Constituições e das leis sendo agora considerados direitos positivados Lentamente até mesmo a terminologia foi alterada muitos autores como vimos acima reservam o termo direitos humanos para o plano internacional e utilizam o termo direitos fundamentais para denominar os direitos essenciais positivados no plano interno e em especial nas Constituições A Escola positivista de forte influência ao longo dos séculos XIX e XX traduziu a ideia de um ordenamento jurídico produzido pelo homem de modo coerente e hierarquizado No topo do sistema jurídico existiria a Constituição pressuposto de validade de todas as demais normas do ordenamento Os direitos humanos foram inseridos na Constituição obtendo um estatuto normativo superior Para a Escola Positivista o fundamento dos direitos humanos consiste na existência da norma posta cujo pressuposto de validade está em sua edição conforme as regras estabelecidas na Constituição Assim os direitos humanos justificamse graças à sua validade formal e sua previsão no ordenamento posto O universalismo proposto pela corrente jusnaturalista e retratado na ideia de que todos os indivíduos possuem direitos inerentes foi sacrificado sendo a ideia de direitos inerentes substituída pela ideia dos direitos reconhecidos e positivados pelo Estado Na vertente original do século XIX até meados do século XX a positivação dos direitos humanos é nacional o positivismo nacionalista então exige que os direitos sejam prescritos em normas internas para serem exigíveis em face do Estado ou de outros particulares O risco aos direitos humanos gerado pela adoção do positivismo nacionalista é visível no caso de as normas locais inclusive as constitucionais não protegerem ou reconhecerem determinado direito ou categoria de direitos humanos O exemplo nazista mostra a insuficiência da fundamentação positivista nacionalista dos direitos humanos 49 Para Comparato sua validade deve assentarse em algo mais profundo e permanente que a ordenação estatal ainda que esta se baseie numa Constituição A importância dos direitos humanos é tanto maior quanto mais louco ou celerado for o Estado 50 A história da positivação nacional dos direitos humanos é então um processo inacabado no qual a imperfeição das regras legais ou constitucionais de respeito aos direitos humanos revela a manutenção de injustiças ou a criação de novas A divergência entre os jusnaturalistas e os positivistas não reside no reconhecimento ou não da existência de certos princípios de moral e justiça passíveis de revelação pela razão humana mesmo que tenham origem divina A divergência entre as duas Escolas jurídicas reside sim na defesa pela Escola jusnaturalista da superioridade de normas não escritas e inerentes a todos os seres humanos reveladoras da justiça em face de normas postas incompatíveis Para os positivistas nacionalistas essas normas reveladoras da justiça não pertencem ao ordenamento jurídico inexistindo qualquer choque ou antagonismo com a norma posta Para Hart a moral e as regras de justiça podem sim influenciar a formação do Direito no momento da produção legislativa e também no momento do desempenho da atividade judicial 51 QUADRO SINÓTICO O positivismo nacionalista A consolidação do Estado constitucional fruto das revoluções liberais oitocentistas inseriu os direitos humanos tidos como naturais jusnaturalismo de direitos humanos no corpo das Constituições e das leis sendo agora considerados direitos positivados A Escola positivista de forte influência ao longo dos séculos XIX e XX traduziu a ideia de um ordenamento jurídico produzido pelo homem de modo coerente e hierarquizado Para a Escola Positivista o fundamento dos direitos humanos consiste na existência da norma posta cujo pressuposto de validade está em sua edição conforme as regras estabelecidas na Constituição Assim os direitos humanos justificamse graças a sua validade formal e sua previsão no ordenamento posto Na vertente original do século XIX até meados do século XX a positivação dos direitos humanos é nacional o positivismo nacionalista então exige que os direitos sejam prescritos em normas internas para serem exigíveis em face do Estado ou de outros particulares Risco aos direitos humanos gerado pela adoção do positivismo nacionalista normas locais inclusive as constitucionais não protegerem ou reconhecerem determinado direito ou categoria de direitos humanos A divergência entre os jusnaturalistas e os positivistas reside na defesa pela Escola jusnaturalista da superioridade de normas não escritas e inerentes a todos os seres humanos reveladoras da justiça em face de normas postas incompatíveis Para os positivistas nacionalistas de outro lado essas normas reveladoras da justiça não pertencem ao ordenamento jurídico inexistindo qualquer choque ou antagonismo com a norma posta 43 AS TEORIAS UTILITARISTAS SOCIALISTAS E COMUNISTAS DO SÉCULO XIX E A CRÍTICA AOS DIREITOS HUMANOS 431 O utilitarismo clássico Bentham e Stuart Mill O século XIX assistiu a crescentes debates sobre a forma de implantação de uma sociedade humana justa e igualitária com críticas ao reconhecimento dos direitos humanos Entre as principais teorias abordaremos o utilitarismo o socialismo e o comunismo O utilitarismo é uma teoria consagrada por Jeremy Bentham e John Stuart Mill no final do século XVIII e início do século XIX 52 que em síntese prega que os cidadãos cumprem leis e compromissos com foco nas futuras vantagens utilidades que obterão para si e para a sociedade Bentham critica inicialmente os defensores da existência de um contrato social baseado no Direito Natural jusnaturalistas contratualistas como Hobbes e Rousseau Para Bentham não há prova da existência de um suposto contrato social original pelo qual os cidadãos obedecem às leis e aos governantes Pelo contrário na visão de Bentham os cidadãos cumprem as regras com vistas às vantagens e utilidades que obterão Consagrouse então o utilitarismo defendido no século XIX especialmente por Stuart Mill em sua obra Utilitarismo de 1863 No campo dos direitos humanos o utilitarismo clássico sustenta que a avaliação de uma conduta decorre de suas consequências e não do reconhecimento de direitos Assim determinado ato é ou não reprovável de acordo com as circunstâncias e consequências O resultado em prol da felicidade do maior número possível de pessoas pode justificar determinada ação uma vez que a utilidade não é simplesmente a felicidade individual Para minimizar eventual defesa de monstruosidades assassinato de alguns para beneficiar muitos por exemplo o utilitarismo não aceita que se obtenha a felicidade geral em prejuízo da felicidade individual Logo o utilitarismo não seria uma visão totalitária de eliminação da autonomia individual para o benefício da sociedade mas sim uma visão de maximização das consequências positivas de uma conduta A crítica ao utilitarismo em geral recai sobre a impossibilidade de uso dos indivíduos e seus direitos como instrumentos de maximização da felicidade da maioria Ademais há os riscos de se optar por uma ação que beneficie muitos e viole direitos fundamentais de poucos 432 O socialismo e o comunismo Na visão dos movimentos socialistas e comunistas do século XIX e início do século XX as sociedades humanas podem ser compreendidas no contexto da história da luta de classes na qual interagem os opressores detentores dos meios de produção e os oprimidos aqueles que não têm os meios de produção só contando com sua força de trabalho a ser explorada A importância dessa luta é tamanha que as relações econômicas engendradas determinam as relações sociais e jurídicas Nesse contexto o capitalismo do século XIX época da vida de Karl Marx e Friedrich Engels dois dos mais célebres autores relacionados a esses movimentos representaria o ápice da luta de classe com o nascimento do proletariado industrial que pelo seu número poderia reinventar a história das sociedades humanas abolindo a luta de classes e o Estado Por isso a intensa crítica marxista à formulação liberal dos direitos humanos retratada pelas revoluções liberais e suas declarações de direitos uma vez que esses textos não atacavam o eixo central da exploração em uma sociedade capitalista mas apenas mitigariam e aliviariam o peso da exploração do homem pelo homem Marx sustentou que tais declarações de direitos não passavam de mistificação pois os direitos humanos eram reconhecidos em abstrato não levando em consideração os meios de implementação desses dispositivos Ademais ao se reconhecer o direito de propriedade e a livre iniciativa os direitos humanos solidificaram a estrutura jurídica que mantinha a exploração do homem pelo homem Outro ponto que acarretava a descrença marxista na linguagem dos direitos das revoluções liberais era a meta comunista de eliminação da luta de classes e consequentemente do próprio Estado Assim a atuação dos direitos humanos no papel de restrição ao poder do Estado e promoção da autonomia do indivíduo era dispensável pois ingressaríamos no futuro na era comunista em um mundo livre da opressão estatal Essa crítica marxista não leva em consideração o ideal emancipatório e de tolerância dos direitos humanos sobretudo após a internacionalização da matéria ver Parte I Capítulo II item 7 que afirmou a universalidade indivisibilidade e interdependência de todos os direitos com foco em especial na garantia das condições materiais indispensáveis à vida humana digna QUADRO SINÓTICO As teorias utilitaristas socialistas e comunistas do século XIX e a crítica aos direitos humanos O utilitarismo clássico Teoria consagrada por Jeremy Bentham e John Stuart Mill no final do século XVIII e início do século XIX Crítica aos defensores da existência de um contrato social baseado no Direito Natural jusnaturalistas contratualistas como Hobbes e Rousseau Visão de que os cidadãos cumprem leis e compromissos com foco nas futuras vantagens utilidades que obterão para si e para a sociedade No campo dos direitos humanos o utilitarismo clássico sustenta que a avaliação de uma conduta decorre de suas consequências e não do reconhecimento de direitos Assim determinado ato é ou não reprovável de acordo com as circunstâncias e consequências Visão de maximização das consequências positivas de uma conduta O socialismo e o comunismo Visão dos movimentos socialistas e comunistas do século XIX e início do século XX de que as sociedades humanas podem ser compreendidas no contexto da história da luta de classes na qual interagem os opressores detentores dos meios de produção e os oprimidos aqueles que não têm os meios de produção só contando com sua força de trabalho a ser explorada Descrença marxista na linguagem dos direitos das revoluções liberais pois os direitos humanos eram reconhecidos em abstrato não levando em consideração os meios de implementação desses dispositivos ao se reconhecer o direito de propriedade e a livre iniciativa solidificaram a estrutura jurídica que mantinha a exploração do homem pelo homem e finalmente ante a meta comunista de eliminação da luta de classes e consequentemente do próprio Estado a atuação dos direitos humanos no papel de restrição ao poder do Estado e promoção da autonomia do indivíduo era dispensável 44 A RECONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO SÉCULO XX A DIGNIDADE HUMANA E A ABERTURA AOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS O século XX assistiu a afirmação da era dos direitos humanos parafraseando o título de obra de Norberto Bobbio 53 As críticas utilitaristas foram superadas pela aceitação da necessidade de se associar a liberdade e autonomia individuais com o bem comum ponderandose no caso concreto os limites necessários a determinado direito para que se obtenha um benefício a outro Não há conflito entre o conceito de direitos individuais e a igualdade ou justiça social A linguagem dos direitos não implica desconsiderar o bem comum que aliás é o objetivo do Estado Democrático de Direito Pelo contrário os direitos servem para exigir do Estado e da comunidade as prestações necessárias para o bemestar social fundado na igualdade A crítica marxista ficou esvaziada pelo reconhecimento da autocracia e do poder arbitrário que imperaram nas ditaduras do chamado socialismo real do século XX desmanteladas após a queda do Muro de Berlim 1989 e da dissolução final da União Soviética 1991 Por outro lado a predominância positivista nacionalista dos direitos humanos do século XIX e início do século XX ficou desmoralizada após a barbárie nazista no seio da Europa 1933 1945 berço das revoluções inglesa e francesa O desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos gerou uma positivação internacionalista com normas e tribunais internacionais aceitos pelos Estados e com impacto direto na vida das sociedades locais Essa positivação internacionalista foi identificada por Bobbio que em passagem memorável detectou que os direitos humanos nascem como direitos naturais universais desenvolvemse como direitos positivos particulares quando cada Constituição incorpora Declaração de Direitos para finalmente encontrar a plena realização como direitos positivos universais 54 QUADRO SINÓTICO A reconstrução dos direitos humanos no século XX a dignidade humana e abertura aos princípios jurídicos Críticas utilitaristas superadas pela aceitação da necessidade de se associar a liberdade e autonomia individuais com o bem comum ponderandose no caso concreto os limites necessários a determinado direito para que se obtenha um benefício a outro Os direitos servem para exigir do Estado e da comunidade as prestações necessárias para o bemestar social fundado na igualdade Crítica marxista esvaziada pelo reconhecimento da autocracia e do poder arbitrário que imperaram nas ditaduras do chamado socialismo real do século XX desmanteladas após a queda do Muro de Berlim 1989 e da dissolução final da União Soviética 1991 Predominância positivista nacionalista dos direitos humanos do século XIX e início do século XX desmoralizada após a barbárie nazista no seio da Europa 19331945 berço das revoluções inglesa e francesa Positivismo nacionalista superado no plano internacional acelerado desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos que gerou uma positivação internacionalista com normas e tribunais internacionais aceitos pelos Estados e com impacto direto na vida das sociedades locais 5 As especificidades dos direitos humanos 51 A CENTRALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos representam hoje a nova centralidade do Direito Constitucional e também do Direito Internacional No Direito Constitucional há a jusfundamentalização do Direito fenômeno pelo qual as diferentes normas de um ordenamento jurídico formatamse à luz dos direitos fundamentais Tratase de uma verdadeira filtragem pro homine na qual todas as normas do ordenamento jurídico devem ser compatíveis com a promoção da dignidade humana Nessa linha Sarmento sustenta que o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro axiológico da ordem constitucional irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado 55 No plano internacional os direitos humanos sofreram uma ruptura ocasionada pelos regimes totalitários nazifascistas na Europa na Segunda Guerra Mundial e após foram reconstruídos com a internacionalização da matéria Com isso o Direito Internacional passou por uma lenta mudança do seu eixo central voltado à perspectiva do Estado preocupado com a governabilidade e com a manutenção de suas relações internacionais Com a ascensão da temática dos direitos humanos previstos em diversas normas internacionais os direitos humanos promoveram a entrada em cena da preocupação internacional referente à promoção da dignidade humana em todos os seus aspectos Para finalizar esse novo papel dos direitos humanos já foi reconhecido pelo próprio STF que estabeleceu que O eixo de atuação do direito internacional público contemporâneo passou a concentrarse também na dimensão subjetiva da pessoa humana cuja essencial dignidade veio a ser reconhecida em sucessivas declarações e pactos internacionais como valor fundante do ordenamento jurídico sobre o qual repousa o edifício institucional dos Estados nacionais HC 875858 voto do Min Celso de Mello j 1232008 52 UNIVERSALIDADE INERÊNCIA E TRANSNACIONALIDADE A universalidade dos direitos humanos consiste na atribuição desses direitos a todos os seres humanos não importando nenhuma outra qualidade adicional como nacionalidade opção política orientação sexual credo entre outras A universalidade possui vínculo indissociável com o processo de internacionalização dos direitos humanos Até a consolidação da internacionalização em sentido estrito dos direitos humanos com a formação do Direito Internacional dos Direitos Humanos os direitos dependiam da positivação e proteção do Estado Nacional Por isso eram direitos locais A barbárie do totalitarismo nazista gerou a ruptura do paradigma da proteção nacional dos direitos humanos cuja insuficiência levou à negação do valor do ser humano como fonte essencial do Direito Para o nazismo a titularidade de direitos dependia da origem racial ariana Os demais indivíduos não mereciam a proteção do Estado Os direitos humanos então não eram universais nem ofertados a todos Os números dessa ruptura dos direitos humanos são significativos foram enviados aproximadamente 18 milhões de indivíduos a campos de concentração gerando a morte de 11 milhões deles sendo 6 milhões de judeus além de inimigos políticos do regime comunistas homossexuais pessoas com deficiência ciganos e outros considerados descartáveis pela máquina de ódio nazista Como sustenta Lafer a ruptura trazida pela experiência totalitária do nazismo levou a inauguração do tudo é possível Esse tudo é possível levou pessoas a serem tratadas de jure et de facto como supérfluas e descartáveis 56 Esse legado nazista de exclusão exigiu a reconstrução dos direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial 57 sob uma ótica diferenciada a ótica da proteção universal garantida subsidiariamente e na falha do Estado pelo próprio Direito Internacional dos Direitos Humanos Ficou evidente para os Estados que organizaram uma nova sociedade internacional ao redor da ONU Organização das Nações Unidas que a proteção dos direitos humanos não pode ser tida como parte do domínio reservado de um Estado pois as falhas na proteção local tinham possibilitado o terror nazista A soberania dos Estados foi lentamente sendo reconfigurada aceitandose que a proteção de direitos humanos era um tema internacional e não meramente um tema da jurisdição local O marco da universalidade e inerência dos direitos humanos foi a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que dispõe que basta a condição humana para a titularidade de direitos essenciais O art 1º da Declaração de 1948 também chamada de Declaração de Paris é claro todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos Para a Declaração de Paris o ser humano tem dignidade única e direitos inerentes à condição humana Consequentemente são os direitos humanos universais Fica registrada a inerência dos direitos humanos 58 que consiste na qualidade de pertencimento desses direitos a todos os membros da espécie humana sem qualquer distinção Desde a Declaração Universal de 1948 até hoje a universalidade dos direitos humanos foi sendo constantemente reafirmada pelos diversos tratados e declarações internacionais de direitos editadas pelos próprios Estados Entre elas citese a Proclamação de Teerã emitida na 1ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU realizada em Teerã em 1968 na qual ficou disposto que é indispensável que a comunidade internacional cumpra sua obrigação solene de fomentar e incentivar o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos sem distinção nenhuma por motivos de raça cor sexo idioma ou opiniões políticas ou de qualquer outra espécie Em 1993 na 2ª Conferência Mundial da ONU de Direitos Humanos realizada em Viena decidiuse que todos os direitos humanos são universais parágrafo 5º da Declaração de Viena Chegamos ao que se convencionou chamar na exposição de Weis de transnacionalidade que consiste no reconhecimento dos direitos humanos onde quer o indivíduo esteja 59 Essa característica é ainda mais importante na ausência de uma nacionalidade apátridas ou na existência de fluxos de refugiados 60 Os direitos humanos não mais dependem do reconhecimento por parte de um Estado ou da existência do vínculo da nacionalidade existindo o dever internacional de proteção aos indivíduos confirmandose o caráter universal e transnacional desses direitos QUADRO SINÓTICO Universalidade inerência e a transnacionalidade Universalidade e inerência Conceito de universalidade dos direitos humanos atribuição desses direitos a todos os seres humanos não importando nenhuma outra qualidade adicional como nacionalidade opção política orientação sexual credo entre outras A universalidade possui vínculo indissociável com o processo de internacionalização dos direitos humanos a barbárie do totalitarismo nazista gerou a ruptura do paradigma da proteção nacional dos direitos humanos graças a negação do valor do ser humano como fonte essencial do Direito Conceito de inerência dos direitos humanos qualidade de pertencimento desses direitos a todos os membros da espécie humana sem qualquer distinção Edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 marco da universalidade e inerência dos direitos humanos Os direitos humanos não mais dependem do reconhecimento por parte de um Estado ou da existência do vínculo da nacionalidade existindo o dever internacional de proteção aos indivíduos confirmandose o caráter universal e transnacional desses direitos Os direitos humanos incidem nas relações privadas o que gera a eficácia dos direitos humanos nas relações entre os particulares Os direitos humanos exigem que o Estado aja para protegêlos quer de condutas dos agentes públicos ou mesmo de particulares dimensão objetiva dos direitos humanos 53 INDIVISIBILIDADE INTERDEPENDÊNCIA E UNIDADE A indivisibilidade consiste no reconhecimento de que todos os direitos humanos possuem a mesma proteção jurídica uma vez que são essenciais para uma vida digna A indivisibilidade possui duas facetas A primeira implica reconhecer que o direito protegido apresenta uma unidade incindível em si A segunda faceta mais conhecida assegura que não é possível proteger apenas alguns dos direitos humanos reconhecidos 61 O objetivo do reconhecimento da indivisibilidade é exigir que o Estado também invista tal qual investe na promoção dos direitos de primeira geração nos direitos sociais zelando pelo chamado mínimo existencial ou seja condições materiais mínimas de sobrevivência digna do indivíduo A indivisibilidade também exige o combate tanto às violações maciças e graves de direitos considerados de primeira geração direito à vida integridade física liberdade de expressão entre outros quanto aos direitos de segunda geração direitos sociais como o direito à saúde educação trabalho previdência social etc A interdependência ou interrelação consiste no reconhecimento de que todos os direitos humanos contribuem para a realização da dignidade humana interagindo para a satisfação das necessidades essenciais do indivíduo o que exige novamente a atenção integral a todos os direitos humanos sem exclusão O conteúdo de um direito pode se vincular ao conteúdo de outro demonstrando a interação e a complementaridade entre eles bem como que certos direitos são desdobramentos de outros 62 A indivisibilidade e a interdependência de tais direitos foram confirmadas em várias ocasiões A Proclamação de Direitos Humanos da 1ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU realizada em Teerã 1968 foi o primeiro texto a reconhecer que os direitos humanos e as liberdades fundamentais são indivisíveis a realização dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos sociais e culturais resulta impossível Em 1986 na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento 63 ficou disposto que todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes a realização a promoção e a proteção dos direitos civis políticos econômicos sociais e culturais devem se beneficiar de uma atenção igual e ser encaradas com uma urgência igual art 6º 2º A Declaração de Viena aprovada na 2ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU 1993 repetiu a Proclamação de Teerã e reiterou que todos os direitos humanos são universais indivisíveis interdependentes e interrelacionados A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global justa e equitativa em pé de igualdade e com a mesma ênfase 5º Reconheceuse que os direitos humanos formam uma unidade de direitos tida como indivisível interdependente e interrelacionada Como bem expressa a Declaração de Viena em seu 15º o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais sem distinções de qualquer espécie é uma norma fundamental do direito internacional na área dos direitos humanos Tendo em vista o incremento da proteção dada ao indivíduo ficou assente que se determinado direito é violado todos os demais direitos ficam vulneráveis e comprometidos Por isso em especial no Brasil o grande desafio é implementar tanto os direitos de liberdade quanto os direitos relativos à igualdade que concretizam a justiça social 64 QUADRO SINÓTICO Indivisibilidade interdependência e unidade Indivisibilidade Conceito reconhecimento de que todos os direitos humanos possuem a mesma proteção jurídica uma vez que são essenciais para uma vida digna Possui duas facetas 1 implica reconhecer que o direito protegido apresenta uma unidade incindível em si 2 assegura que não é possível proteger apenas alguns dos direitos humanos reconhecidos Objetivo do seu reconhecimento 1 exigir que o Estado também invista nos direitos sociais zelando pelo chamado mínimo existencial ou seja condições materiais mínimas de sobrevivência digna do indivíduo 2 exigir o combate tanto às violações maciças e graves de direitos considerados de primeira geração quanto aos direitos de segunda geração Interdependência ou inter relação Conceito reconhecimento de que todos os direitos humanos contribuem para a realização da dignidade humana o que exige a atenção integral a todos os direitos humanos sem exclusão Normas internacionais que confirmaram a indivisibilidade e a interdependência Proclamação de Direitos Humanos da 1ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU Teerã 1968 Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento 1986 Declaração de Viena aprovada na 2ª Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU 1993 54 A ABERTURA DOS DIREITOS HUMANOS NÃO EXAUSTIVIDADE E FUNDAMENTALIDADE A abertura dos direitos humanos consiste na possibilidade de expansão do rol dos direitos necessários a uma vida digna Fica consolidado então a não exauribilidade dos direitos humanos sendo o rol de direitos previsto na Constituição Federal e tratados internacionais meramente exemplificativo e não exclui o reconhecimento futuro de outros direitos A abertura pode ser de origem internacional ou nacional A abertura internacional é fruto do aumento do rol de direitos protegidos resultante do Direito Internacional dos Direitos Humanos quer por meio de novos tratados quer por meio da atividade dos tribunais internacionais Já a abertura nacional é fruto do trabalho do Poder Constituinte Derivado como por exemplo a inserção do direito à moradia pela EC 262000 e do direito à alimentação pela EC 642010 e também fruto da atividade interpretativa ampliativa dos tribunais nacionais O art 5º 2º da Constituição prevê o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais introduzido pela primeira vez na Constituição de 1891 também denominado abertura da Constituição aos direitos humanos Na Constituição de 1891 a abertura aos direitos era resultado do seu art 78 que pregava que a especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não excluía outras garantias e direitos não enumerados mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna Já o art 5º 2º da Constituição estipula que os direitos nela previstos expressamente não excluem outros decorrentes do regime e princípios da Constituição e em tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil De forma inédita na história constitucional brasileira a abertura da Constituição aos direitos foi baseada também nos tratados internacionais celebrados pelo Brasil A abertura está relacionada com a fundamentalidade dos direitos humanos no ordenamento jurídico Como os direitos humanos são fundamentais para uma vida digna novos direitos podem surgir na medida em que as necessidades sociais assim exijam Por isso os direitos humanos possuem uma fundamentalidade formal por estarem previstos em normas constitucionais e em tratados de direitos humanos mas possuem ainda uma fundamentalidade material que consiste no reconhecimento da indispensabilidade de determinado direito para a promoção da dignidade humana QUADRO SINÓTICO A abertura dos direitos humanos e fundamentalidade Abertura dos direitos humanos consiste na possibilidade de expansão do rol dos direitos necessários a uma vida digna consolidação da não exauribilidade dos direitos humanos A abertura pode ser a Internacional fruto do aumento do rol de direitos protegidos oriundo do Direito Internacional dos Direitos Humanos b Nacional fruto do trabalho de interpretação ampliativa realizado pelo Poder Constituinte Derivado e pelos tribunais nacionais O art 5º 2º adotou a abertura dos direitos humanos por meio do princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais A abertura está relacionada com a fundamentalidade dos direitos humanos no ordenamento jurídico Os direitos humanos possuem uma fundamentalidade formal por estarem previstos em normas constitucionais e em tratados de direitos humanos mas possuem ainda uma fundamentalidade material reconhecimento da indispensabilidade de determinado direito para a promoção da dignidade humana 55 IMPRESCRITIBILIDADE INALIENABILIDADE INDISPONIBILIDADE Os direitos humanos são tidos como imprescritíveis inalienáveis e indisponíveis também chamados de irrenunciáveis o que em seu conjunto compõe uma proteção de intangibilidade aos direitos tidos como essenciais a uma vida digna A imprescritibilidade implica reconhecer que tais direitos não se perdem pela passagem do tempo existindo o ser humano há esses direitos inerentes A inalienabilidade pugna pela impossibilidade de se atribuir uma dimensão pecuniária desses direitos para fins de venda Finalmente a indisponibilidade ou irrenunciabilidade revela a impossibilidade de o próprio ser humano titular desses direitos abrir mão de sua condição humana e permitir a violação desses direitos Essa proteção de intangibilidade foi importante na afirmação dos direitos humanos a partir das revoluções liberais e suas declarações de direitos Era importante gravar os direitos de cláusulas protetivas contra a vontade do Estado e até mesmo contra a vontade de seu titular demonstrando a essencialidade desses direitos e sua inerência à condição humana Porém três observações são importantes Em primeiro lugar apesar de não se admitir a eliminação ou disposição dos direitos humanos em abstrato seu exercício pode ser facultativo sujeito inclusive à negociação ou mesmo prazo fatal para seu exercício Só assim é possível compreender o disposto no art 7º VI irredutibilidade do salário salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo XIII duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais facultada a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho XIV jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento salvo negociação coletiva e ainda o XXIX ação quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho da Constituição de 1988 Há então liberdade do titular de exercer ou não tais direitos e um prazo para tanto A segunda observação diz respeito à indisponibilidade dos direitos humanos para proteger seu titular de tratamento humilhante cruel e degradante Esse limite à autonomia quanto ao exercício dos direitos ocorreu no chamado Caso do Arremesso do Anão na França No caso ocorreu a proibição desse tipo de conduta arremesso de anão oferecida por uma casa noturna em MorsangsurOrge periferia de Paris França Houve intenso debate sobre a indisponibilidade dos direitos humanos uma vez que o próprio anão atacou a proibição alegando ter dado consentimento a tal prática utilizar equipamento de segurança satisfatório e de ter direito ao trabalho Tanto perante o Conselho de Estado francês 65 quanto perante o Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 66 confirmouse a legitimidade da proibição da prática do arremesso de anão 67 É importante salientar que a aplicação da fórmula do homem objeto não pode ser mecânica e automática a instrumentalização do ser humano é claramente ofensiva à dignidade humana quando presente um elemento de desvalorização humilhação ou degradação da pessoa Por exemplo a ação de determinada pessoa que auxilia outra a subir em um muro sendo utilizada como uma escada revela certa coisificação pontual mas não há a intenção de degradação Em sentido contrário o Tribunal Constitucional da Alemanha considerou inconstitucional lei de segurança aérea de 2004 pela qual as autoridades poderiam abater aeronave em voo com passageiros inocentes caso se constatasse que esta seria utilizada para atentado contra a vida de pessoas no solo e este o abate fosse o último recurso para impedir a conduta Para o Tribunal alemão tal abate instrumentalizava em absoluto os passageiros inocentes para salvar outras vidas e violava o direito à vida e à dignidade humana mesmo que os passageiros fossem ao final da ação terrorista também mortos 68 No caso brasileiro a Lei do Abate Lei n 961498 que incluiu o 3º no art 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica sofre a crítica de permitir a medida de destruição para casos de tráfico de entorpecentes de acordo com o Decreto n 51442004 A terceira observação diz respeito ao consentimento Inicialmente o indivíduo é livre para não exercer seus direitos sua autonomia e autodeterminação são componentes do direito à liberdade e da própria dignidade humana Assim a indisponibilidade dos direitos humanos não pode gerar um paternalismo estatal exacerbado que fulminaria a vontade de um indivíduo para protegêlo Nesse sentido a participação em reality shows e o afastamento do direito à privacidade em um ambiente de consentimento livre e informado de indivíduos capazes é legítimo Ou ainda a colocação consentida de tatuagens conduta que é compatível com a liberdade não podendo ser considerada como uma violação à integridade Como resume Barroso o que o Estado não pode fazer é anular integralmente a liberdade pessoal e a autonomia moral do indivíduo vivendo sua vida para poupálo do risco Para o citado autor os direitos humanos são a princípio disponíveis e sua indisponibilidade exigirá um ônus argumentativo do Estado tendo em vista i a natureza do direito ii a natureza de eventuais direitos contrapostos e iii os valores sociais relevantes em uma sociedade democrática 69 A intangibilidade de um direito contra a vontade de seu titular então depende da ponderação entre a liberdade do indivíduo e o eventual direito em colisão Há pouca utilidade da proteção de intangibilidade em um cenário marcado pela expansão dos direitos humanos e seus choques A indisponibilidade dos direitos humanos pode ser traduzida como sendo uma limitação compressão da liberdade em prol da prevalência de outros direitos ou da dignidade humana QUADRO SINÓTICO Imprescritibilidade inalienabilidade e indisponibilidade Imprescritibilidade inalienabilidade e indisponibilidade são características que em conjunto compõem uma proteção de intangibilidade aos direitos tidos como essenciais a uma vida digna Imprescritibilidade Implica o reconhecimento de que os direitos humanos não se perdem pela passagem do tempo Inalienabilidade Pugna pela impossibilidade de se atribuir uma dimensão pecuniária dos direitos humanos para fins de venda Irrenunciabilidade Revela a impossibilidade de o próprio ser humano titular dos direitos humanos abrir mão de sua condição humana e permitir a violação desses direitos Observações Apesar de não se admitir a eliminação ou disposição dos direitos humanos em abstrato seu exercício pode ser facultativo sujeito inclusive a negociação ou mesmo prazo fatal para seu exercício Pela própria definição de direitos humanos o indivíduo não é livre para não exercer os direitos quando há lesão à dignidade humana limites da liberdade de exercício dos direitos calcada na autonomia da vontade Tais características perdem utilidade em um cenário marcado pela expansão dos direitos humanos já que os conflitos entre direitos humanos fazem com que a sua interpretação tenha que ser acionada para estabelecer os limites entre eles sem que seja útil apelar à proteção da intangibilidade conferida genericamente a todos pois ambos os direitos em conflito também a terão 56 PROIBIÇÃO DO RETROCESSO Os direitos humanos caracterizamse pela existência da proibição do retrocesso também chamada de efeito cliquet princípio do não retorno da concretização ou princípio da proibição da evolução reacionária que consiste na vedação da eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito admitindose somente aprimoramentos e acréscimos Outra expressão utilizada pela doutrina é o entrenchment ou entrincheiramento que consiste na preservação do mínimo já concretizado dos direitos fundamentais impedindo o retrocesso que poderia ser realizado pela supressão normativa ou ainda pelo amesquinhamento ou diminuição de suas prestações à coletividade 70 Há diferença entre a proibição do retrocesso e a proteção contra efeitos retroativos este é proibido por ofensa ao ato jurídico perfeito da coisa julgada e do direito adquirido A vedação do retrocesso é distinta proíbe as medidas de efeitos retrocessivos que são aquelas que objetivam a supressão ou diminuição da satisfação de um dos direitos humanos Abrange não somente os direitos sociais a chamada proibição do retrocesso social mas todos os direitos humanos que como vimos são indivisíveis No Brasil a proibição do retrocesso é fruto dos seguintes dispositivos constitucionais 1 Estado democrático de Direito art 1º caput 2 dignidade da pessoa humana art 1º III 3 aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais art 5º 1º 4 proteção da confiança e segurança jurídica art 1º caput e ainda art 5º XXXVI a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada e 5 cláusula pétrea prevista no art 60 4º IV vide item 24 da Parte III 71 A proibição do retrocesso é característica também da proteção internacional dos direitos humanos pois cristalizouse no plano internacional a chamada proibição do retrocesso pela qual é vedado aos Estados que diminuam ou amesquinhem a proteção já conferida aos direitos humanos Mesmo novos tratados internacionais não podem impor restrições ou diminuir a proteção de direitos humanos já alcançada 72 A proibição de retrocesso não representa contudo uma vedação absoluta a qualquer medida de alteração da proteção de um direito específico Por exemplo podem ser constitucionais as alterações nas regras da aposentadoria dos servidores públicos que façam frente ao crescimento da expectativa de vida A inalterabilidade dessas regras levaria o Estado a destinar mais recursos a esse direito social diminuindose a proteção de outros direitos Em 2017 nas discussões sobre a reforma da Previdência dos trabalhadores da área privada e dos servidores públicos a inexistência ou insuficiência de regras de transição adequadas aos que já estavam vinculados ao sistema previdenciário pode violar a proibição do retrocesso caso venha a se constatar a vulneração desproporcional da igualdade tratando igualmente os desiguais ou seja aqueles que já contribuíram por anos com aqueles que ainda irão ingressar no mercado de trabalho ou do direito à segurança jurídica na sua faceta da proibição da surpresa ver o direito à segurança jurídica na Parte IV Cap 22 Assim há três condições para que eventual diminuição na proteção normativa ou fática de um direito seja permitida 1 que haja justificativa também de estatura jusfundamental 2 que tal diminuição supere o crivo da proporcionalidade ver Parte I Capítulo III item 74 e 3 que seja preservado o núcleo essencial do direito envolvido Identifico quatro subespécies da proibição do retrocesso já reconhecidas no STF ou em debate i Vedação do Retrocesso Social O Min Celso de Mello sustentou que o postulado da proibição do retrocesso social cuja eficácia impede considerada a sua própria razão de ser sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão que não pode ser despojado por isso mesmo em matéria de direitos sociais no plano das liberdades reais dos níveis positivos de concretização por ele já atingidos Depois o Min Celso de Mello apontou que em realidade a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz no processo de sua concretização verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional impedindo em consequência que os níveis de concretização dessas prerrogativas uma vez atingidos venham a ser reduzidos ou suprimidos exceto nas hipóteses de todo inocorrente na espécie em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais MS 24875 j 1152006 Pleno grifo nosso 73 Para a Min Cármen Lúcia que foi relatora de Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a reforma da Previdência Social julgada improcedente a proibição do retrocesso só seria aplicada se a aposentadoria enquanto direito social fosse abolida mas não seria o caso de invocála no caso de mudança dos critérios para aposentadoria tão somente ADI 3104 rel Min Cármen Lúcia j 2692007 Plenário DJ de 9112007 ii Vedação do Retrocesso Político Em 2011 o STF decidiu suspender o art 5º da Lei n 120342009 que dispunha sobre a volta do voto impresso Para a Min Cármen Lúcia a proibição de retrocesso políticoconstitucional impede que direitos conquistados como o da garantia de voto secreto pela urna eletrônica retroceda para dar lugar a modelo superado voto impresso exatamente pela sua vulnerabilidade ADI 4543MC rel Min Cármen Lúcia j 19102011 Plenário Em 2018 o STF voltou a considerar inconstitucional a impressão do voto Foi suspenso o art 59A da Lei n 95041997 incluído pela Lei n 131652015 Lei da Minirreforma Eleitoral o qual determinava que mantida a votação eletrônica deveria cada voto ser impresso e depositado de forma automática e sem contato manual do eleitor em local previamente lacrado De acordo com o parágrafo único do mesmo dispositivo o processo de votação não seria concluído até que o eleitor confirmasse a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica Para o STF essa medida introduzia o modelo híbrido em adição ao modelo do voto impresso e ao modelo do voto eletrônico significando retrocesso ao modelo do voto eletrônico puro pois permitiria a identificação de quem votou diminuindo a liberdade de votar ADI 5889DF rel orig Min Gilmar Mendes rel p o ac Min Alexandre de Moraes j 662018 iii Vedação do Retrocesso Civil Em 2017 o STF decidiu que o Código Civil de 2002 não poderia desigualar a proteção sucessória conferida pelas Leis n 897194 e n 927896 aos companheiros Para o Min Barroso o Código Civil de 2002 foi anacrônico e representou um retrocesso vedado pela Constituição na proteção legal das famílias constituídas pela união estável voto do Min Barroso no RE 878694MG rel Min Roberto Barroso j 1052017 A tese fixada pelo STF repercussão geral estabelece que é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art 1790 do CC2002 devendo ser aplicado tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável o regime do art 1829 do CC2002 RE 878694MG rel Min Roberto Barroso j 1052017 iv Vedação do Retrocesso Institucional O Decreto n 9831 de 11 de junho de 2019 remanejou onze cargos de perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura MNPCT para outra área do Poder Público federal exonerando os seus ocupantes e determinando que a participação no Mecanismo seria considerada doravante prestação de serviço público relevante não remunerada A ProcuradoriaGeral da República ingressou com arguição de descumprimento de preceito fundamental contra tal modificação no MNPCT alegando vedação à proibição do retrocesso institucional De fato a medida teve caráter regressivo do ponto de vista institucional na medida em que esvaziou significativamente o MNPCT órgão essencial para o combate à prática de tortura e demais tratamentos degradantes ou desumanos em ambientes de detenção e custódia coletiva de pessoas ao transformar o mecanismo antes profissional em trabalho voluntário e precário Reduziuse o âmbito de proteção normativa ao direito de não submissão à tortura ou tratamentos e penas cruéis e degradantes de pessoas sob custódia do Estado configurando ofensa ao princípio da vedação do retrocesso institucional petição inicial da PGR ADPF 607 rel Min Luiz Fux em trâmite v Vedação do Retrocesso Ecológico O princípio da proibição de retrocesso ecológico ou socioambiental é fruto da tutela constitucional art 225 da CF88 e internacional do meio ambiente Protocolo de San Salvador e Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais entre outros que restringe a discricionariedade do legislador Estadolegislador na adoção de medidas contrárias à proteção ambiental bem como impede que haja regresso no que tange à estrutura organizacional do Estado recursos humanos e materiais voltada à implementação de políticas públicas A proibição do retrocesso ecológico evita uma atuação legislativa e administrativa inexistente ou insuficiente na promoção do direito ao meio ambiente sendo também faceta da proibição da proteção deficiente dos direitos humanos74 O STF reconheceu já a proibição do retrocesso socioambiental exigindo a avaliação da proporcionalidade e do respeito ao núcleo essencial dos direitos ecológicos por parte de novas medidas restritivas adotadas pelos Poderes Públicos STF ADI 4717DF rel Min Cármen Lúcia j 542018 DJe 1522019 QUADRO SINÓTICO Proibição do retrocesso efeito cliquet Efeito cliquet ou princípio do não retorno da concretização Consiste na vedação da eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito admitindose somente de aprimoramentos e acréscimos Entrenchment ou entrincheiramento Consiste na preservação do mínimo já concretizado dos direitos fundamentais impedindo o retrocesso que poderia ser realizado pela supressão normativa ou ainda pelo amesquinhamento ou diminuição de suas prestações à coletividade Proteção contra efeitos retroativos Este é proibido por ofensa ao ato jurídico perfeito à coisa julgada e ao direito adquirido Difere da vedação do retrocesso que proíbe as medidas de efeitos retrocessivos que são aquelas que objetivam a supressão ou diminuição da satisfação de um dos direitos humanos 1 Estado Democrático de Direito 2 dignidade da pessoa humana Fundamentos da Constituição brasileira para a proibição do retrocesso 3 aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais 4 proteção da confiança e segurança jurídica a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada e 5 cláusula pétrea prevista no art 60 4º IV Condições para que eventual diminuição na proteção normativa ou fática de um direito seja permitida 1 que haja justificativa também de estatura jusfundamental 2 que tal diminuição supere o crivo da proporcionalidade e 3 que seja preservado o núcleo essencial do direito envolvido A proibição de retrocesso não representa uma vedação absoluta a qualquer medida de alteração da proteção de um direito específico 57 A JUSTICIABILIDADE DOS DIREITOS ECONÔMICOS SOCIAIS CULTURAIS E AMBIENTAIS DESCAs A justiciabilidade dos direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCAs consiste na exigência judicial nacional ou internacional de implementação de tais direitos pelos Estados Em sentido contrário à justiciabilidade há dispositivos normativos internacionais que estipulam o dever de implementação progressiva de tais direitos fundados na falta de recursos econômicos para sua implementação imediata A temática da justiciabilidade dos direitos sociais foi objeto de discussão na redação do art 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos cujo texto final adotou o dever dos Estados de apenas zelar pelo desenvolvimento progressivo de tais direitos 75 Por sua vez o Protocolo de San Salvador sobre direitos sociais econômicos e culturais e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC preveem também o desenvolvimento progressivo da disponibilidade de tais direitos a depender da existência de recursos econômicos por parte do Estado Nesse sentido o art 1º do Protocolo de San Salvador estabelece a obrigação internacional geral dos Estados em face dos direitos sociais econômicos e culturais que vem a ser o compromisso de adotar as medidas adequadas para efetiválos levando em consideração os recursos disponíveis e a progressividade no mesmo diapasão do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais art 21 76 Contudo em face da i indivisibilidade e ii interdependência de todos os direitos que são indispensáveis para a vida digna do ser humano desenvolveuse na jurisprudência internacional dos direitos humanos dois modos de justiciabilidade dos direitos sociais i o modo indireto e mais recentemente ii o modo direto O modo indireto consiste na proteção dos direitos sociais como facetas dos direitos civis e políticos A divisão entre direitos civis e políticos e direitos sociais é eliminada há facetas dos direitos civis e políticos que afetam direitos sociais e a violação dos direitos sociais é feita por derivação da justiciabilidade de um direito civil e político Por exemplo a violação ao direito à saúde é apreciada por um órgão internacional em virtude de ofender o direito à integridade física o direito à identidade cultural dos povos indígenas seria apreciado como subproduto da proteção do direito à vida entre outras possíveis derivações Já pelo modo direto a violação a direito social econômico cultural ou ambiental é reconhecida enquanto tal de forma autônoma por exemplo violação ao direito à saúde à educação ou ao trabalho Tratase de forma tradicionalmente reservada aos direitos civis e políticos uma vez que os tratados que contêm direitos sociais em sentido amplo adotaram como visto somente o dever dos Estados em desenvolver progressivamente tais direitos No plano doméstico a justiciabilidade dos direitos sociais possui já diversos precedentes como se vê no uso de ações judiciais para a implementação de diversos direitos sociais como o direito à saúde educação entre outros 77 O modo indireto é o mais usualmente encontrado na jurisprudência internacional de direitos humanos No plano interamericano a redação do art 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos CADH restringiu a atuação da Corte Interamericana na proteção de direitos sociais Além disso como veremos abaixo o Protocolo de San Salvador PSS impôs uma limitação rationae materiae no seu art 196 que prevê a jurisdição da Corte somente sobre casos de violação do direito à educação fundamental e determinados direitos sindicais arts 8 e 13 do PSS Por isso em face da dificuldade de reconhecimento de uma violação direta às normas jurídicas delimitadoras dos DESCAs em especial o art 26 da CADH e os direitos do Protocolo de San Salvador o modo indireto foi amplamente utilizado pela Corte IDH Nesse sentido a Corte IDH reconheceu em seus julgados diferentes dimensões das violações derivadas de direitos civis e políticos consagrando simultaneamente a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos Há duas críticas ao uso do modo indireto i seu uso gera baixa visibilidade e reconhecimento dos DESCAs enquanto direitos com força vinculante bem como ii exige que violações a direitos difusos ou coletivos sejam traduzidas como violações de direitos individuais O modo direto de proteção de direitos humanos foi consagrado pela Corte IDH somente em 2017 no Caso Lagos del Campo vs Peru 78 Foi declarado de ofício sem pedido das vítimas ou da Comissão Interamericana de Direitos Humanos a violação ao art 26 da CADH Foi a primeira vez que a Corte declarou violado pelo Estado o art 26 da CADH mantendo essa linha em julgados subsequentes a saber Caso dos Trabalhadores Despedidos da Empresa Petroperu 79 2017 Caso Poblete Vilches vs Chile 2018 80 e Caso San Miguel Sosa vs Venezuela 81 2018 A justiciabilidade direta dos direitos sociais implica no reconhecimento de direitos subjetivos oponíveis aos Estados tais como os direitos civis e políticos afastandose a tese de que tais direitos representariam somente normas programáticas aos Estados Com a justiciabilidade direto os DESCAs reafirmamse como direitos humanos com o mesmo status e hierarquia que os direitos civis e políticos Com isso os Estados devem tanto evitar medidas regressivas vide a proibição do retrocesso quanto devem adotar medidas imediatas de respeito e garantia As críticas ao modo direto tanto no plano interno quanto no plano internacional referemse à intervenção judicial na implementação de direitos que exigem prestações materiais o que não seria atribuição do Poder Judiciário QUADRO SINÓTICO A justiciabilidade dos direitos sociais Modo indireto de proteção dos DESCAs Consiste na proteção de facetas sociais de direitos civis e políticos por exemplo a promoção do direito à saúde em virtude de seu vínculo com a proteção do direito à vida Modo direto de proteção dos DESCAs Consiste na exigência de proteção do direito social de modo autônomo em face do dever do Estado de assegurar todos os direitos humanos Críticas ao uso do modo indireto O modo indireto geraria i baixa visibilidade e dúvida sobre a força vinculante dos direitos sociais que dependeriam dos direitos civis e políticos bem como ii exige que direitos difusos ou coletivos sejam traduzidos como direitos individuais Críticas ao uso do modo direto O modo direto é criticado por levar à intervenção judicial na implementação de políticas públicas o que não seria atribuição do Poder Judiciário 6 A interpretação 61 A INTERPRETAÇÃO CONFORME OS DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos assumiram uma centralidade no ordenamento jurídico cuja consequência é a aceitação da vinculação de todos os Poderes Públicos e agentes privados ao conteúdo desses direitos Assim em um caso concreto deve ser averiguado se determinada norma a ser aplicada está conforme aos direitos humanos Essa interpretação conforme aos direitos humanos é consequência da adoção da interpretação conforme a Constituição que consiste no instrumento hermenêutico pelo qual é escolhida a interpretação de uma norma que se revele compatível com a Constituição suspendendo em consequência variações interpretativas conflitantes com a ordem constitucional voto do Ministro Celso de Mello ADPF 187 sobre a Marcha da Maconha j 1562011 DJe 2952014 No caso da interpretação conforme os direitos humanos buscase o mesmo deve o intérprete escolher quando a norma impugnada admite várias interpretações possíveis uma que a compatibilize com os direitos humanos Com base na interpretação conforme aos direitos humanos estes influem em todo o Direito e nos atos dos agentes públicos e privados concretizando seu efeito irradiante que os transformam no centro dos valores de um ordenamento Ocorre que a interpretação conforme aos direitos humanos é complexa fruto da interdependência e indivisibilidade desses próprios direitos A indivisibilidade e interdependência impedem que se analise uma norma de direitos humanos de modo isolado dos demais direitos Pelo contrário a compreensão e aplicação de uma norma de direitos humanos é sempre feita levandose em consideração os demais direitos atingidos que igualmente são relevantes e indispensáveis a uma vida digna Por isso reproduzemse na seara dos direitos humanos as dificuldades da interpretação da Constituição como um todo pois em nome da unidade da Constituição não se pode aplicar isoladamente uma norma constitucional violando outros dispositivos da mesma Constituição No caso dos direitos humanos todo o conjunto de direitos deve ser levado em consideração Por isso os direitos humanos são direitos prima facie ou seja direitos que asseguram em um primeiro momento posições jurídicas que em um segundo momento podem sofrer restrições pela incidência de direitos titularizados por outros indivíduos A dignidade humana deve ser assegurada em uma constante busca de harmonia na aplicação prática dos direitos humanos que se irradiam por todo o ordenamento e orientam as ações dos agentes públicos e privados Veremos em seguida como é realizada a interpretação dos direitos humanos que leve em consideração todos os direitos envolvidos 62 A INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ASPECTOS GERAIS A interpretação no Direito é toda atividade intelectual que visa solucionar problemas jurídicos por meio dos seguintes passos 1 escolha dos textos normativos relevantes 2 atribuição de significados a esses textos e 3 resolução da questão jurídica à luz dos parâmetros eleitos 82 Contudo tradicionalmente a interpretação jurídica é vista como uma atividade de extração de um determinado texto normativo do seu real significado sempre evitando que os pendores pessoais do intérprete possam influenciar na aplicação da norma Para obter essa extração do real alcance e sentido da norma os métodos tradicionais de interpretação interpretação gramatical interpretação sistemática interpretação teleológica e interpretação histórica não são excludentes entre si mas podem ser complementares na sua função de se alcançar o sentido adequado da norma interpretada evitando que o aplicador se transforme em legislador Essa visão tradicional é criticada nos dias de hoje Em primeiro lugar a busca do real alcance e sentido da norma nos levaria à dispensa da interpretação diante da clareza do texto a ser interpretado claris non fit interpretatio Porém só é possível determinar a clareza ou obscuridade de determinada lei após a interpretação 83 Assim sendo o Direito uma ciência da linguagem que se apresenta com diferentes significados a depender da leitura a interpretação é sempre necessária Em segundo lugar a interpretação contribui para o nascimento da norma uma vez que não é uma atividade neutra de extração de um sentido já preexistente A própria existência de votações apertadas no STF brasileiro demonstra que existem várias interpretações possíveis Não que o texto a ser interpretado não tenha nenhuma importância podendo o intérprete utilizálo como queira O texto normativo é o ponto de partida e a partir dos dados da realidade tal qual vista pelos valores do intérprete chegase à norma interpretada A interpretação é uma atividade de cunho constitutivo e não meramente declaratório que constrói a norma a ser a aplicada ao caso concreto a partir do amálgama entre o texto normativo e os dados da realidade social que incidem sobre esse texto Nesse sentido o Min Eros Grau sustentou que a interpretação do direito tem caráter constitutivo pois consiste na produção pelo intérprete a partir de textos normativos e da realidade de normas jurídicas a serem aplicadas à solução de determinado caso solução operada mediante a definição de uma norma de decisão Em síntese sustentou o Min Eros Graus que a interpretação do direito não é mera dedução dele mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos voto do Min Eros Grau ADPF 153 rel Min Eros Grau j 2942010 Plenário DJe de 682010 84 Assim sendo a interpretação é a chave da aplicação da norma jurídica pelos juízes e não mais a subsunção mecânica que os transformava na boca da lei bouche de la loi na expressão francesa do século XIX que retratava o receio de que os juízes subtraíssem pela via da interpretação o poder de criação de normas do Legislativo Esse receio foi superado pelo reconhecimento de que a interpretação das normas é indispensável a qualquer aplicação do direito Por isso sem maiores traumas para a democracia brasileira o Supremo Tribunal Federal assumiu esse novo papel da interpretação em vários precedentes Como exemplo ainda o Min Eros Grau em voto elogiado por vários outros ministros sustentou abertamente que as normas resultam da interpretação e podemos dizer que elas enquanto textos enunciados disposições não dizem nada elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem voto do Min Eros Grau ADPF 153 rel Min Eros Grau j 2942010 Plenário DJe de 682010 grifo nosso Com base nessa introdução sobre interpretação observo que as regras tradicionais de interpretação são também insuficientes no campo dos direitos humanos As normas de direitos humanos são redigidas de forma aberta repletas de conceitos indeterminados por exemplo intimidade devido processo legal duração razoável do processo e ainda interdependentes e com riscos de colisão liberdade de informação e intimidade direito de propriedade e direito ao meio ambiente equilibrado entre os casos mais conhecidos Consequentemente a interpretação é indispensável para que possamos precisar e delimitar os direitos humanos A interpretação dos direitos humanos é acima de tudo um mecanismo de concretização desses direitos Tratar em abstrato dos direitos humanos transcritos nas Constituições e nos tratados internacionais é conhecêlos apenas parcialmente somente após a interpretação pelos Tribunais Supremos e pelos órgãos internacionais é que a delimitação final do alcance e sentido de um determinado direito ocorrerá Com isso é indispensável o estudo dos direitos humanos interpretados pelos tribunais nacionais e internacionais Essa visão chocase com a visão tradicional escorada na separação de poderes que defendia a escravidão do juiz às normas criadas em última análise pelo Poder Legislativo Logo a subsunção seria a única técnica utilizada pelos intérpretes na aplicação do direito sendo composta pela identificação da premissa maior que era a norma jurídica apta a incidir sobre os fatos que eram a premissa menor resultando como consequência a aplicação da norma ao caso concreto Porém como visto acima o próprio STF reconhece que a subsunção não é suficiente ou até mesmo é ultrapassada O fundamento dessa superação está na essencialidade da tarefa da interpretação uma vez que a subsunção não esclarece qual é norma e qual é o seu conteúdo para ser utilizado pelos aplicadores Além disso a interpretação dos direitos humanos ganha importância pela sua 1 superioridade normativa pois não há outras normas superiores nas quais pode o intérprete buscar auxílio 2 força expansiva que acarreta a jusfundamentalização do Direito fazendo com que todas as facetas da vida social sejam atingidas pelos direitos humanos A função da interpretação é concretizar os direitos humanos por meio de procedimento fundamentado com argumentos racionais e embasados que poderá ser coerentemente repetido em situações idênticas gerando previsibilidade jurídica e evitando o arbítrio e decisionismo do intérpretejuiz A argumentação jurídica deve então justificar as decisões jurídicas referentes aos direitos humanos de modo coerente e consistente Não se trata então de simplesmente realizar uma operação dedutiva que leve a extração de uma conclusão incontroversa a partir da premissa jurídica e dos fatos do caso como se viu os direitos humanos não se amoldam ao clássico desenho da interpretação Pelo contrário a estrutura principiológica dos direitos humanos gera vários resultados possíveis em temas com valores morais contrastantes Não há certo ou errado mas sim uma conclusão que deve atender a uma reserva de consistência em sentido amplo termo propagado no Brasil por Häberle 85 Aplicada à seara dos direitos humanos a reserva de consistência em sentido amplo exige que a interpretação seja 1 transparente e sincera evitando a adoção de uma decisão prévia e o uso da retórica da dignidade humana como mera forma de justificação da decisão já tomada 2 abrangente e plural não excluindo nenhum dado empírico ou saberes não jurídicos tornando útil a participação de terceiros como amici curiae 3 consistente em sentido estrito mostrando que os resultados práticos da decisão são compatíveis com os dados empíricos apreciados e com o texto normativo original 4 coerente podendo ser aplicada a outros temas similares evitando as contradições que levam à insegurança jurídica Esse procedimento fundamentado deve ser aberto a todos os segmentos da sociedade naquilo que Häberle defendeu ser necessário para a interpretação da Constituição Aplicando a visão de Häberle os direitos humanos não compõem um corpo dogmático fechado em si mesmo que se impõem como verdade abstrata e única sobre o conjunto de operadores jurídicos mas sim o resultado de um processo de conciliação de interesses que se desenvolve para promover a dignidade humana em determinado contexto histórico e social Os direitos humanos na medida em que são vividos em sociedade são interpretados e reinterpretados de maneira constante por todos os que convivem em sociedade uma vez que regem tanto as relações verticais entre indivíduo e Estado quanto às horizontais entre os próprios indivíduos 86 Especialmente no controle abstrato de constitucionalidade das normas a interpretação dos direitos humanos exige amplo acesso e participação de sujeitos interessados o que possibilitará aos julgadores uma apreciação das mais diversas facetas de um determinado direito analisado Em se tratando de direitos humanos exigese do julgador inevitavelmente uma ampla verificação de fatos e ainda de efeitos das disposições normativas no cotidiano das pessoas Logo a adoção de um modelo aberto de processo de interpretação jusfundamental permite que os julgadores possam ter mais elementos para a tomada de decisão Esperase então que os julgadores recebam e efetivamente utilizem tanto os subsídios técnicos quanto as constatações de repercussões sociais políticas e econômicas que determinada formatação de um direito possa gerar Caso a sociedade participe e os julgadores do Supremo Tribunal Federal levem em consideração tais contribuições mesmo que para rechaçálas fundamentadamente teremos uma legitimação da decisão sobre os direitos envolvidos graças a tal procedimento aberto Também superaremos o risco de que a defesa dos direitos humanos no Brasil na roupagem de cláusula pétrea possa significar uma ameaça à democracia caso o Supremo Tribunal Federal interprete sem maiores elementos o sentido dos direitos humanos e desconsidere emendas constitucionais aprovadas pelo Congresso democraticamente eleito No caso brasileiro há cada vez maior interação da sociedade civil com o Supremo Tribunal Federal e com os órgãos internacionais de direitos humanos No caso do STF os espaços de interação e influência direta são 1 apresentação como amicus curiae amigo da Corte de memoriais em casos de direitos humanos 2 exposição em audiências públicas promovidas pelo STF Quanto aos amici curiae a Lei n 986899 permitiu que o relator nos casos de ações diretas de inconstitucionalidade e de constitucionalidade considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes admita a manifestação de órgãos ou entidades art 7º 2º A Lei n 988299 sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental também possui previsão semelhante art 6º 2º Além disso o Código de Processo Civil de 2015 faz menção ao amicus curiae no art 1038 referente ao julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos O relator poderá I solicitar ou admitir manifestação de pessoas órgãos ou entidades com interesse na controvérsia considerando a relevância da matéria e consoante dispuser o regimento interno possibilitando que indivíduos possam se manifestar como amigos da Corte No caso de indivíduos o Supremo Tribunal Federal mesmo antes da lei já havia autorizado na figura de amicus curiae informal a manifestação do Prof Celso Lafer no Habeas Corpus n 82249 em parecer contrário às pretensões do paciente Sr Ellwanger que questionava a aplicação da imprescritibilidade do racismo ao antissemitismo ver HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 Nas palavras do Min Gilmar Mendes a admissão de amicus curiae confere ao processo um colorido diferenciado emprestandolhe caráter pluralista e aberto fundamental para o reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado Democrático de Direito ADI 3842 MG rel Min Gilmar Mendes decisão de 3122009 DJe de 10122009 grifo não constante do original No caso das audiências públicas as Leis n 986899 e 988299 possibilitam que sejam realizadas tais audiências para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria discutida Por exemplo o Min Luiz Fux determinou a realização de audiência pública para que fossem colhidas as opiniões técnicas e sociais no bojo da ADI 4103 que impugna a Lei n 117052008 também conhecida como Lei Seca que proíbe a venda de bebidas alcoólicas à beira das rodovias federais ou em terrenos contíguos à faixa de domínio com acesso direto à rodovia De acordo com o Ministro é valiosa e necessária a realização de audiências públicas sobre diversos temas controvertidos nestes autos não só para que esta Corte possa ser municiada de informação imprescindível para o deslinde do feito como também para que a legitimidade democrática do futuro pronunciamento judicial seja sobremaneira incrementada observou ainda o Relator da matéria grifo nosso ver Notícias do STF 14112011 No mesmo sentido foram realizadas audiências públicas sobre o direito ao esquecimento em junho de 2017 envolvendo o julgamento do RE 1010606 rel Min Dias Toffoli e sobre o bloqueio judicial do WhatsApp também em junho de 2017 no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade n 5527 relatada pela Ministra Rosa Weber e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n 403 cujo relator é o ministro Edson Fachin Nesta última audiência pública o Min Edson Fachin ressaltou que tais audiências propiciam um espaço dialogal em um ambiente aberto e republicano ver Notícias do STF 2 62017 De modo indireto a sociedade civil interage com o STF por meio da representação a entes com poderes processuais de provocação do STF como por exemplo a Procuradoria Geral da República Outro espaço indireto de influência da sociedade civil no STF seria o da sabatina dos candidatos a Ministros do STF no Senado Federal art 101 parágrafo único da CF88 por meio da apresentação de sugestões de perguntas da sociedade civil organizada a Senadores que poderiam indagar os candidatos sobre a perspectiva de proteção de direitos humanos No que tange aos órgãos internacionais de direitos humanos a sociedade civil organizada pode apresentar petições contra o Estado brasileiro e ainda participar como amici curiae em casos de violações de direitos humanos como veremos no item 1336 do Capítulo V da Parte II 63 A MÁXIMA EFETIVIDADE A INTERPRETAÇÃO PRO HOMINE E O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA NORMA MAIS FAVORÁVEL AO INDIVÍDUO O critério da máxima efetividade exige que a interpretação de determinado direito conduza ao maior proveito do seu titular com o menor sacrifício imposto aos titulares dos demais direitos em colisão A máxima efetividade dos direitos humanos conduz à aplicabilidade integral desses direitos uma vez que todos seus comandos são vinculantes Também implica a aplicabilidade direta pela qual os direitos humanos previstos na Constituição e nos tratados podem incidir diretamente nos casos concretos Finalmente a máxima efetividade conduz à aplicabilidade imediata que prevê que os direitos humanos incidem nos casos concretos sem qualquer lapso temporal Já o critério da interpretação pro homine exige que a interpretação dos direitos humanos seja sempre aquela mais favorável ao indivíduo Grosso modo a interpretação pro homine implica reconhecer a superioridade das normas de direitos humanos e em sua interpretação ao caso concreto na exigência de adoção da interpretação que dê posição mais favorável ao indivíduo A interpretação pro homine contudo sofre desgaste profundo pelo reconhecimento da existência da interdependência e colisão aparente entre os direitos o que faz ser impossível a adoção desse critério no ambiente do século XXI no qual há vários direitos de titulares distintos em colisão Como adotar a interpretação pro homine em causas envolvendo direitos em colisão Qual indivíduo deve ser privilegiado e qual indivíduo deve ter seu direito comprimido Apesar desse desgaste e inoperância o critério da interpretação pro homine é encontrado em várias decisões judiciais inclusive no Supremo Tribunal Federal Para o Min Celso de Mello os magistrados e Tribunais no exercício de sua atividade interpretativa especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos devem observar um princípio hermenêutico básico tal como aquele proclamado no art 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana em ordem a dispensarlhe a mais ampla proteção jurídica O Poder Judiciário nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais notadamente os mais vulneráveis a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana sob pena de a liberdade a tolerância e o respeito à alteridade humana tornaremse palavras vãs Aplicação ao caso do art 7º n 7 cc o art 29 ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano HC 91361 rel Min Celso de Mello j 239 2008 Segunda Turma DJe de 622009 Na mesma linha do critério pro homine há o uso do princípio da prevalência ou primazia da norma mais favorável ao indivíduo que defende a escolha no caso de conflito de normas quer nacionais ou internacionais daquela que seja mais benéfica ao indivíduo Por esse critério não importa a origem pode ser uma norma internacional ou nacional mas sim o resultado o benefício ao indivíduo Assim seria novamente cumprindo o ideal pro homine das normas de direitos humanos Ocorre que como visto acima a abertura e expansão dos direitos humanos faz com que haja vários direitos de titulares distintos em colisão Como escolher a norma mais favorável ao indivíduo em causas envolvendo direitos de titulares indivíduos distintos Novamente o critério da primazia da norma mais favorável nada esclarece devendo o intérprete buscar apoio nos métodos de solução de conflitos de direitos ver no capítulo seguinte Nesse ponto cumpre anotar a posição de Sarlet que defende nesses casos de colisão e na ausência de possibilidade de concordância prática entre as normas a prevalência da norma que mais promova a dignidade da pessoa humana 87 QUADRO SINÓTICO A interpretação A interpretação conforme os direitos humanos Interpretação conforme a Constituição consiste no instrumento hermenêutico pelo qual é escolhida a interpretação de uma norma que seja compatível com a Constituição suspendendose assim as variantes interpretativas conflitantes com a ordem constitucional Interpretação conforme os direitos humanos consiste na escolha pelo intérprete quando a norma impugnada admite várias interpretações possíveis de uma que a compatibilize com os direitos humanos Com base nessa interpretação os direitos humanos influem em todo o Direito e nos atos dos agentes públicos e privados concretizandose seu efeito irradiante A interpretação conforme os direitos humanos é fruto da interdependência e indivisibilidade desses direitos já que a compreensão e aplicação de uma norma de direitos humanos é feita levandose em consideração os demais direitos atingidos Todo o conjunto de direitos humanos deve ser levado em consideração Assim os direitos humanos são direitos prima facie ou seja direitos que asseguram em um primeiro momento posições jurídicas que em um segundo momento podem sofrer restrições pela incidência de direitos titularizados por outros indivíduos A interpretação dos direitos humanos aspectos gerais A interpretação é toda atividade intelectual que visa solucionar problemas jurídicos por meio dos seguintes passos 1 escolha dos textos normativos relevantes 2 atribuição de significados a esses textos e 3 resolução da questão jurídica à luz dos parâmetros eleitos Visão tradicional sobre a interpretação A interpretação jurídica é vista como uma atividade de extração de determinado texto normativo do seu real significado sempre evitando que os pendores pessoais do intérprete possam influenciar na aplicação da norma Críticas à visão tradicional 1 a busca do real alcance e sentido da norma nos levaria à dispensa da interpretação diante da clareza do texto a ser interpretado porém só é possível determinar a clareza ou obscuridade de determinada lei após a interpretação 2 a interpretação contribui para o nascimento da norma e não é uma atividade neutra de extração de um sentido já preexistente A interpretação é uma atividade de cunho constitutivo e não meramente declaratório que constrói a norma a ser a aplicada ao caso concreto a partir do amálgama entre o texto normativo e os dados da realidade social que incidem sobre esse texto As regras tradicionais de interpretação são insuficientes no campo dos direitos humanos já que as normas nesta matéria são redigidas de forma aberta repletas de conceitos indeterminados e interdependentes e com riscos de colisão Consequentemente a interpretação é indispensável para que se possa precisar e delimitar os direitos humanos Razões para a importância da interpretação dos direitos humanos 1 superioridade normativa pois não há outras normas superiores às quais pode o intérprete buscar auxílio 2 força expansiva que acarreta a jusfundamentalização do Direito fazendo com que todas as facetas da vida social sejam atingidas pelos direitos humanos Função da interpretação concretizar os direitos humanos por meio de procedimento fundamentado com argumentos racionais e embasados que poderá ser coerentemente repetido em situações idênticas gerando previsibilidade jurídica e evitando o arbítrio e decisionismo do intérpretejuiz A estrutura principiológica dos direitos humanos gera vários resultados possíveis em temas com valores morais contrastantes Chegase a uma conclusão que deve atender a uma reserva de consistência em sentido amplo Häberle Aplicada à seara dos direitos humanos a reserva de consistência em sentido amplo exige que a interpretação seja 1 transparente e sincera evitando a adoção de uma decisão prévia e o uso da retórica da dignidade humana como mera forma de justificação da decisão já tomada 2 abrangente e plural não excluindo nenhum dado empírico ou saberes não jurídicos tornando indispensável a participação de terceiros como amici curiae 3 consistente em sentido estrito mostrando que os resultados práticos da decisão são compatíveis com os dados empíricos apreciados e com o texto normativo original 4 coerente podendo ser aplicada a outros temas similares evitando as contradições que levam à insegurança jurídica A adoção de um modelo aberto de processo de interpretação jusfundamental permite que os julgadores possam ter mais elementos para a tomada de decisão Mecanismos de interação entre a sociedade civil e o STF 1 apresentação como amicus curiae de memoriais em casos de direitos humanos Lei n 986899 art 7º 2º Lei n 988299 art 6º 2º novo CPC art 138 2 exposição em audiências públicas promovidas pelo STF Leis n 986899 e 988299 3 representação a entes com poderes processuais de provocação do STF participação de modo indireto 4 sabatina dos candidatos a Ministros do STF no Senado Federal art 101 parágrafo único participação de modo indireto Mecanismos de interação entre a sociedade civil organizada brasileira e os órgãos internacionais de direitos humanos apresentação de petições contra o Estado brasileiro e participação como amici curiae em casos de violações de direitos humanos Máxima efetividade Critério da máxima efetividade a exige que a interpretação de determinado direito conduza ao maior proveito ao seu titular com o menor sacrifício imposto aos titulares dos demais direitos em colisão b implica a aplicabilidade direta pela qual os direitos humanos previstos na Constituição e nos tratados podem incidir diretamente aos casos concretos c conduz à aplicabilidade imediata que prevê que os direitos humanos incidem nos casos concretos sem qualquer lapso temporal Interpretação pro homine e Critério da interpretação pro homine a exige que a interpretação dos direitos humanos seja sempre aquela mais favorável ao indivíduo b implica reconhecer a superioridade das normas de direitos humanos e em sua interpretação ao prevalência da norma mais favorável ao indivíduo caso concreto na exigência de adoção da interpretação que dê posição mais favorável ao indivíduo O princípio da primazia da norma mais favorável ao indivíduo sofre desgaste profundo pelo reconhecimento da existência da interdependência e colisão aparente entre os direitos o que faz ser impossível a adoção desse critério no ambiente do século XXI no qual há vários direitos de titulares distintos em colisão 7 A resolução dos conflitos entre direitos humanos 71 ASPECTOS GERAIS A DELIMITAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS A intensa abertura do ordenamento jurídico brasileiro aos direitos humanos é comprovada pela existência de amplo rol de direitos previsto na Constituição e nos tratados de direitos humanos Como a nossa Constituição é compromissária ou seja alberga em seu texto diferentes visões e valores os direitos nela previstos também são de diferentes matizes relacionandose quer à lógica da preservação da liberdade direitos de 1ª geração quer à lógica da igualdade direitos de 2ª geração bem como à lógica da solidariedade direitos de 3ª geração Além do caráter compromissário os direitos previstos na Constituição e nos tratados internacionais são redigidos de forma imprecisa com uso frequente de conceitos indeterminados como intimidade devido processo legal ampla defesa entre outros que podem ser interpretados de modo ampliativo atingindo facetas novas da vida social a depender da interpretação Salta aos olhos que qualquer atividade humana pode ser encaixada em normas de direitos humanos referentes à vida digna igualdade e justiça social e liberdades das mais diversas A depender da interpretação e compreensão do conteúdo dos direitos humanos podem ser criadas justificativas para determinadas ações humanas e para a imposição de deveres de proteção por parte do Estado e de terceiros Essas características forjam a chamada força expansiva dos direitos humanos que consiste no fenômeno pelo qual os direitos humanos contaminam as mais diversas facetas do ordenamento jurídico Há uma eficácia irradiante dos direitos humanos que devem ser aplicados a todas as relações sociais e não somente às relações entre o indivíduo e o Estado Essa verdadeira jusfundamentalização do direito inclusive atingindo as relações entre particulares eficácia horizontal dos direitos humanos já exposta gera conflitos aparentes entre direitos de titulares diversos exigindo do intérprete sólida argumentação jurídica sobre os motivos da prevalência de um direito em detrimento de outro em determinada situação Não é mais possível que o intérprete apele para fórmulas vazias de reiteração da dignidade humana quando no caso concreto ambos os interesses em choque revelam direitos de titulares distintos Por outro lado os direitos humanos encontram seus limites tanto na sua redação original quanto na interação com os demais direitos A tese pela qual os direitos fundamentais que não foram restringidos formalmente no texto da Constituição seriam imunes a qualquer outra limitação não encontra eco na jurisprudência brasileira uma vez que os direitos humanos convivem com os demais direitos previstos na Constituição e nos tratados internacionais inexistindo direitos absolutos Logo mesmo que um direito determinado não tenha uma redação que apresente qualquer limite a ser criado pela lei por exemplo ou por ato administrativo esse direito deve ser delimitado para não ferir os direitos de outros indivíduos A colisão de direitos ou colisão de direitos em sentido estrito é constatada quando o exercício de um determinado direito prejudica o exercício de outro direito do mesmo titular ou de titular diverso Do ponto de vista subjetivo essas colisões podem envolver direitos do mesmo titular nascendo a discussão sobre se o titular pode dispor do direito a ser sacrificado vide a discussão sobre a indisponibilidade dos direitos humanos em capítulo próprio supra ou de titulares diferentes Nos casos nos quais o titular dos direitos em conflito é a mesma pessoa existe a concorrência de direitos Do ponto de vista objetivo as colisões podem envolver direitos idênticos ou direitos de diferentes espécies Canotilho defende que a colisão autêntica de direitos fundamentais se dá em caso de choque ou conflito no exercício de direitos fundamentais de titulares diferentes ao passo que a colisão de direitos em sentido impróprio se passa com o choque ou conflito no exercício de direitos fundamentais com outros bens protegidos pela Constituição 88 Já a colisão de direitos em sentido amplo consiste no exercício de um direito que conflita ou interfere no cumprimento de um dever de proteção por parte do Estado Como já visto o dever de proteção do Estado é fruto da dimensão objetiva dos direitos humanos que extrai de determinado direito o dever de proteção do Estado Ou seja no conflito entre determinado direito e o dever de proteção a bens constitucionalmente protegidos ou internacionalmente protegidos há latente um conflito entre direitos 89 Logo analisaremos abaixo as principais respostas da doutrina e da jurisprudência para solucionar os conflitos entre direitos humanos 72 TEORIA INTERNA A primeira fórmula de superação dos conflitos aparentes entre direitos humanos é o uso da interpretação sistemática e finalística que determinaria o verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos e a adequação desse conteúdo à situação fática analisada Esse modo de solução de conflitos entre direitos é denominado teoria interna 90 já que os conflitos são superados pela determinação do verdadeiro conteúdo interno dos direitos envolvidos Assim o conflito teria sido meramente aparente um dos direitos envolvidos não deve ser aplicado ao caso concreto porque que esse direito nunca realmente incidiu sobre a situação fática A teoria interna então defende a existência de limites internos a todo direito quer estejam traçados expressamente no texto da norma quer sejam imanentes ou inerentes a determinado direito que faz com que não seja possível um direito colidir com outro No caso do limite expresso ou aparente o direito fundamental traz em seu texto a própria ressalva que o exclui da aplicação no caso concreto como por exemplo a liberdade de expressão que exclui o anonimato Quanto ao limite imanente tratase do poder do intérprete de reconhecer qual é a estrutura e finalidades do uso de determinado direito delimitandoo O clássico exemplo de limite imanente é o do homem que grita falsamente fogo em uma sala de cinema lotada violando com sua conduta a integridade física daqueles que foram pisoteados pelo pânico gerado A liberdade de expressão nunca teria incidido pois ela não alberga a conduta de gritar fogo falsamente em um cinema lotado Nunca existiu conflito entre direitos pois aquele que assim agiu atuou sem amparo de qualquer direito pois a liberdade de expressão não protege esse tipo de conduta abusiva 91 Como se viu a teoria interna nega os conflitos entre direitos humanos Virgílio Afonso da Silva lembra a máxima do direito francês que sintetiza o âmago da teoria interna o direito cessa onde o abuso começa 92 A teoria interna impõe ao intérprete que conheça a natureza estrutura finalidades do direito em análise para que possa bem delinear seu âmbito de atuação Tudo o que estiver fora do âmbito de atuação daquele direito é na realidade uma conduta desprovida de amparo da ordem jurídica Em linha com a teoria interna está a Teoria Estruturante do Direito de Friedrich Müller também chamada de metódica normativaestruturante que defende a separação entre programa da norma ou programa normativo e âmbito da norma ou âmbito normativo Para Müller a aplicação do direito não é um tradicional processo de subsunção do fato a determinada norma preexistente e sim um processo de concretização da norma a partir do texto e da realidade social A interpretação iniciase com análise da linguagem e finalidade do texto gerando o chamado programa da norma Em seguida o aplicador deve se atentar ao âmbito normativo que é composto dos dados da realidade abrangida pelo programa da norma a união do programa da norma aos dados da realidade âmbito normativo gera a norma jurídica incidente 93 No exemplo do gritar falsamente fogo em um cinema lotado vê se que há um suposto fático que não está abrangido pelo programa da norma liberdade de expressão que é a falsidade e o desejo de criar pânico Assim em que pese o exemplo apresentado possuir determinado dado da realidade abrangido pelo programa da norma foi feita a expressão de algo havia um dado que extrapolou o programa da norma gritar falsamente não sendo então a citada conduta protegida pela liberdade de expressão Em síntese a teoria dos limites internos dos direitos humanos defende que as restrições a tais direitos devem estar expressamente autorizadas pela Constituição e pelos tratados de direitos humanos ou ainda devem ser extraídas dos limites imanentes de cada direito A delimitação de cada direito será realizada por meio da apreciação tanto da redação do direito quanto também dos dados da realidade social sobre a qual o texto incide O resultado do uso da teoria interna é singelo ou a situação fática é albergada no âmbito de incidência de um direito humano ou não é albergada e consequentemente não há direito algum a ser invocado A defesa da teoria interna sustenta que seu uso evita uma explosão do número de falsas colisões entre direitos humanos e a consequente insegurança jurídica sobre qual direito prevalecerá em determinada situação No STF há precedentes nos quais está clara a ideia de combate às pseudocolisões ou falsas colisões de direitos como se vê na seguinte decisão do Min Gilmar Mendes Assinalese que a ideia de conflito ou de colisão de direitos individuais comporta temperamentos É que nem tudo que se pratica no suposto exercício de determinado direito encontra abrigo no seu âmbito de proteção Dessarte muitas questões tratadas como relações conflituosas de direitos individuais configuram conflitos aparentes uma vez que as práticas controvertidas desbordam da proteção oferecida pelo direito fundamental em que se pretende buscar abrigo Extradição n 896 rel Min Carlos Velloso decisão monocrática proferida pelo Min Presidente Gilmar Mendes j 1172008 DJe de 582008 grifo não consta do original No caso Ellwanger no Supremo Tribunal Federal apesar de muitos votos terem feito referência à proporcionalidade teoria externa como veremos constou do acórdão passagem típica de uma teoria interna ao se defender que O direito à livre expressão não pode abrigar em sua abrangência manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o direito à incitação ao racismo dado que um direito individual não pode constituirse em salvaguarda de condutas ilícitas como sucede com os delitos contra a honra HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 A maior fragilidade da teoria interna está justamente na dificuldade do intérprete delimitar com argumentos racionais o conteúdo dos direitos em análise traçando seus limites sem que ele seja também acusado de arbitrário Como aponta Novais a coerência de que goza a doutrina dos limites fruto da teoria interna é meramente formal e possui o imenso defeito de esconder o jogo de valores opostos em disputa sob o manto dos limites preestabelecidos em cada direito 94 73 TEORIA EXTERNA A teoria externa adota a separação entre o conteúdo do direito e limites que lhe são impostos do exterior oriundos de outros direitos 95 Essa teoria visa a superação dos conflitos de direitos dividindo o processo de interpretação dos direitos humanos em colisão em dois momentos No primeiro momento delimitase o direito prima facie envolvido ou seja identificase o direito que incide aparentemente sobre a situação fática Nesse primeiro instante o intérprete aprecia se a situação em análise encaixase em um conteúdo prima facie aparente de um determinado direito Para tanto o intérprete usa provisoriamente o direito de acordo com a literalidade do dispositivo inclusive com as exceções previstas expressamente no texto da norma por exemplo ao se identificar o direito de reunião o aprecia de acordo com as limitações expressas do texto da Constituição XVI todos podem reunirse pacificamente sem armas em locais abertos ao público independentemente de autorização desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente Caso a situação fática se amolde no texto prima facie do direito o intérprete deve em um segundo momento investigar se há limites justificáveis impostos por outros direitos de modo a impedir que o direito aparente ou direito prima facie seja considerado um direito definitivo Assim há um procedimento de interpretação bifásico da teoria externa os direitos inicialmente protegidos direitos prima facie são identificados mas só serão efetivamente aplicados sobre a situação fática caso não exista uma restrição justificável criada externamente por outro direito Há uma compressão do direito prima facie por parte dos demais direitos gerando sua delimitação definitiva A justificação ou não da delimitação da ação do direito prima facie será feita pelo critério da proporcionalidade que fundamenta racionalmente as restrições impostas No mesmo exemplo utilizado acima gritar falsamente fogo em uma sala de cinema lotada a teoria externa desenvolve o seguinte raciocínio bifásico em primeiro lugar identifica o direito prima facie envolvido que é a liberdade de expressão de algo em segundo lugar verifica se há limite externo fruto da existência de outros direitos e bens constitucionalmente protegidos que representam no limite direitos de terceiros o que no caso resulta na identificação do direito à integridade física e à vida daqueles que serão feridos ou mortos pelo pânico Na ponderação em sentido amplo dos diversos direitos envolvidos a limitação à liberdade de expressão é perfeitamente justificável graças ao critério da proporcionalidade que veremos com detalhes abaixo Também cabe mencionar que as duas teorias interna e externa podem resultar na mesma conclusão como se viu no exemplo acima em especial em casos caricatos e simples como o apresentado São nos chamados casos difíceis hard cases ou seja casos nos quais há conflitos de direitos redigidos de forma genérica e imprecisa contendo valores morais contrastantes e sem consenso na comunidade sobre sua resolução que a insuficiência da teoria interna se apresenta levando a inúmeros precedentes judiciais a utilizarem a teoria externa e a ponderação entre os bens e valores envolvidos O uso da teoria interna em casos envolvendo por exemplo o conflito referente ao direito à integridade física do suposto pai e ao direito à identidade da criança que assim exige a realização do exame de DNA que dá a certeza pretendida revela que é difícil o intérprete concluir pelo conteúdo verdadeiro do direito Sarmento sustenta que nos casos difíceis o intérprete que optar pela teoria interna fará antes uma ponderação camuflada ou escamoteada para depois expor um conteúdo verdadeiro do direito delimitado Adotar a teoria externa nos casos difíceis resulta em maior transparência do raciocínio jurídico do intérprete 96 O critério da proporcionalidade então é chave mestra da teoria externa pois garante racionalidade e controle da argumentação jurídica que será desenvolvida para estabelecer os limites externos de um direito e afastálo da regência de determinada situação fática A principal crítica contra a teoria externa é que esta impulsiona uma inflação de conflitos sujeitos ao Poder Judiciário resultando em aumento da imprevisibilidade e insegurança jurídica sem maior controle da decisão a depender da ponderação bem como maior déficit democrático uma vez que o Poder Judiciário ditaria a última interpretação A resposta à crítica está no reconhecimento da inevitabilidade dos conflitos de direitos humanos que são oriundos da própria redação do catálogo de direitos que consta da Constituição e dos tratados de direitos humanos Essa redação é repleta de conceitos indeterminados e com valores morais contrastantes e polêmicos oriundos das sociedades plurais e complexas No caso brasileiro os valores contrastantes estão na própria Constituição compromissária de 1988 que adotou a proteção de direitos dos mais diversos matizes Não é possível esconder os dilemas que assolam os casos de direitos humanos apelando para os limites internos de um direito que são igualmente difíceis de serem descritos sem recair no decisionismo Nesse sentido o STF adotou em vários precedentes a teoria externa para solucionar choques de direitos como se vê no voto do Min Gilmar Mendes Há referências na concepção constitucional presente que prevê a ampla defesa art 5º LV CF1988 sopesada com a garantia de uma razoável duração do processo art 5º LXXVIII redação da EC 45 de 8122004 É com base na ponderação entre os dois valores acima identificados que a decisão de primeira instância admitia que uma mera cota de apelo seria suficiente para devolver a Juízo superior a matéria discutida A presunção não se concretizou na medida em que não se admitiu que a cota apelo fosse suficiente para instrumentalizar as razões de recurso em prejuízo da autarquia e da autoridade da decisão desafiada AI 529733 voto do rel Min Gilmar Mendes j 17102006 Segunda Turma DJ de 1º122006 Ou ainda no voto da Min Cármen Lúcia que a ponderação dos princípios constitucionais revelaria que as decisões que autorizaram a importação de pneus usados ou remoldados teriam afrontado os preceitos constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado e especificamente os princípios que se expressam nos arts 170 I e VI e seu parágrafo único 196 e 225 todos da CF ADPF 101 rel Min Cármen Lúcia j 1132009 Plenário Informativo n 538 Finalmente a Min Ellen Gracie sustentou a legitimidade da imposição de condições judiciais alternativas à prisão processual uma vez que não há direito absoluto à liberdade de ir e vir CF art 5º XV e portanto existem situações em que se faz necessária a ponderação dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto HC 94147 rel Min Ellen Gracie j 2752008 Segunda Turma DJe de 1362008 Próxima também dessa teoria externa está a posição de Hesse para quem os conflitos entre direitos fundamentais podem ser resolvidos pela concordância prática A concordância prática defende que os direitos de estatura constitucional podem ser equilibrados entre si gerando uma compatibilidade da aplicação dessas normas jurídicas de idêntica hierarquia mesmo que no caso concreto seja minimizada a aplicação de um dos direitos envolvidos A concordância prática exigirá do aplicador que leve em consideração os direitos envolvidos tanto para complementação como para modificação recíproca Para se chegar a tal resultado fazse um juízo de ponderação para que se chegue à atuação harmonizada podendo ocasionar restrições a um dos direitos envolvidos O STF possui vários precedentes de uso da posição de Hesse como se vê O sigilo bancário como dimensão dos direitos à privacidade art 5º X da CF e ao sigilo de dados art 5º XII da CF é direito fundamental sob reserva legal podendo ser quebrado no caso previsto no art 5º XII in fine ou quando colidir com outro direito albergado na Carta Maior Neste último caso a solução do impasse mediante a formulação de um juízo de concordância prática há de ser estabelecida através da devida ponderação dos bens e valores in concreto de modo a que se identifique uma relação específica de prevalência entre eles RE 476361SC rel Min Dias Toffoli j 1842011 publicado em 28 42011 74 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 741 Conceito e situações típicas de invocação na temática dos direitos humanos O princípio da proporcionalidade consiste na aferição da idoneidade necessidade e equilíbrio da intervenção estatal em determinado direito fundamental Essa intervenção estatal pode ser fruto de conduta imputável a qualquer Poder do Estado lei ato administrativo ou decisão judicial Por isso esse princípio é utilizado em três situações típicas 1 existência de lei ou ato administrativo que ao incidir sobre determinado direito o restrinja 2 existência de lei ou ato administrativo que ao incidir sobre determinado direito não o proteja adequadamente 3 existência de decisão judicial que tenha que perante um conflito de direitos humanos optar pela prevalência de um direito limitando outro Tratase de uma ferramenta de aplicação dos direitos humanos em geral em situação de limitação concorrência ou conflito de direitos humanos na busca de proteção Originalmente a proporcionalidade foi utilizada para combater os excessos das restrições a direitos impostos por leis e atos administrativos Por isso era o instrumento de fiscalização da ação excessivamente limitadora dos atos estatais em face dos diretos fundamentais sendo considerado o limite dos limites e também denominado proibição do excesso Atualmente a proporcionalidade não se reduz somente a essa atividade de fiscalização e proibição do excesso dos atos limitadores do Estado há ainda duas facetas adicionais Há a faceta de promoção de direitos pela qual o uso da proporcionalidade fiscaliza os atos estatais excessivamente insuficientes para promover um direito por exemplo os direitos sociais gerando uma proibição da proteção insuficiente Finalmente há a faceta de ponderação em um conflito de direitos pela qual a proporcionalidade é utilizada pelo intérprete para fazer prevalecer um direito restringindo outro Como realçado pelo Min Gilmar Mendes em seu voto no Caso Ellwanger o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens valores ou princípios constitucionais Nesse contexto as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflito voto do Min Gilmar Mendes HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 179 2003 Plenário DJ de 1932004 Quanto à denominação há frequente uso do termo princípio da proporcionalidade 97 máxima da proporcionalidade 98 regra da proporcionalidade 99 postulado da proporcionalidade 100 ou ainda critério da proporcionalidade 101 As discussões doutrinárias 102 revelam que não há uniformidade mas cabe reconhecer que a terminologia princípio da proporcionalidade possui forte repercussão nos precedentes do Supremo Tribunal Federal até hoje 103 sendo usada ainda na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia primeiro diploma internacional a expressamente mencionar o princípio da proporcionalidade De fato a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia tem previsão inédita no plano internacional sobre o princípio da proporcionalidade ao dispor em seu art 52 que qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades Na observância do princípio da proporcionalidade essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros Essa Carta consiste em um rol de direitos civis políticos sociais econômicos e culturais tendo sido adotada em 2000 sob a forma de uma declaração de direitos sem força vinculante O Tratado de Lisboa de 2007 entrou em vigor em 2009 a alterou e ainda estabeleceu que os Estadosmembros da União Europeia podem adotála com força vinculante Acima de tudo a Carta é efetivamente utilizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia como parâmetro de interpretação sobre a proteção de direitos humanos na União Europeia 104 742 Fundamento Não há menção expressa ao princípio da proporcionalidade na Constituição Federal de 1988 e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil Seu fundamento normativo encontrase implícito na Constituição na visão da doutrina e dos precedentes do STF embora não haja consenso Entre os fundamentos mencionados estão 105 1 Estado Democrático de Direito O princípio da proporcionalidade seria implícito a qualquer Estado de Direito pois nesse tipo de Estado há a vedação do excesso de poder na condução dos atos estatais como se vê em vários precedentes do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha 106 2 Devido processo legal A proporcionalidade é fruto do reconhecimento do devido processo legal substancial implícito no art 5º LIV que exige que todo o comportamento do Estado seja devido legítimo e pautado pela justiça material funcionando a proporcionalidade como princípio geral do direito 107 Esse fundamento de origem norteamericana tem forte repercussão na jurisprudência do STF como se vê na seguinte ementa A anistia é ato político concedido mediante lei assim da competência do Congresso e do Chefe do Executivo correndo por conta destes a avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade do ato sem dispensa entretanto do controle judicial porque pode ocorrer por exemplo desvio do poder de legislar ou afronta ao devido processo legal substancial CF art 5º LIV Constitucionalidade da Lei 8985 de 1995 ADI 1231 rel Min Carlos Velloso j 15122005 Plenário DJ de 2842006 Ou ainda nas palavras do Min Celso de Mello O princípio da proporcionalidade que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law achase vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções qualificandose como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais A norma estatal que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade presta obséquio ao postulado da proporcionalidade ajustandose à cláusula que consagra em sua dimensão material o princípio do substantive due process of law CF art 5º LIV ADI 1407 MCDF rel Min Celso de Mello j 731996 Plenário DJ de 2411 2000 108 3 Dignidade humana e direitos fundamentais O princípio da proporcionalidade é justificado pelo vínculo de todo o ordenamento jurídico brasileiro à dignidade humana e aos direitos fundamentais art 1º III o que exige que todo ato dos Poderes do Estado Executivo Legislativo e também as decisões judiciais seja proporcional e atento à justiça material 109 4 Princípio da isonomia A proporcionalidade decorre do princípio da igualdade pois os atos do Estado Democrático de Direito que sejam excessivos ou insuficientes contrariam a igualdade material e a justiça a todos devidas 110 5 Direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios da Constituição A proporcionalidade é considerada cláusula implícita decorrente do regime dos direitos fundamentais adotado pela Constituição art 5º 2º Esse fundamento é encontrado em precedentes do STF sob a vigência da Constituição de 1967 111 743 Elementos da proporcionalidade A doutrina e a jurisprudência habitualmente decompõem o princípio da proporcionalidade em três elementos também denominados subprincípios ou subcritérios a saber a adequação das medidas estatais à realização dos fins propostos a necessidade de tais medidas e finalmente a ponderação ou equilíbrio entre a finalidade perseguida e os meios adotados para sua consecução proporcionalidade em sentido estrito Esse detalhamento do princípio da proporcionalidade garante transparência e coerência no controle dos atos estatais que são efetuados em geral pelos Tribunais Na aplicação da proporcionalidade esses elementos são utilizados em momentos distintos e sucessivos Se não houver o atendimento a um determinado elemento nem se analisa o elemento seguinte ou seja não superado um primeiro elemento o ato é considerado desproporcional Em um primeiro momento o intérprete utiliza o elemento da adequação pelo qual é examinado se a decisão normativa restritiva de um determinado direito fundamental resulta em abstrato na realização do objetivo perseguido Buscase verificar se o meio escolhido é apto para atingir a finalidade que também deve ser constitucionalmente legítima Para Rothenburg é o elemento mais fácil de ser cumprido e mais difícil de ser criticado 112 como demonstra um precedente importante do Supremo Tribunal Federal no qual foi considerada inconstitucional a exigência legal de altura mínima de 160m para concurso público de escrivão de polícia pois o meio empregado exigência de altura mínima não guardava pertinência lógica com o objetivo almejado por um concurso público para escrivão de polícia cuja atividade é estritamente escriturária voto do Min Marco Aurélio selecionar os mais aptos a bem exercer suas funções 113 Curiosamente depois o STF considerou constitucional a exigência de altura mínima para ingresso na carreira de delegado de polícia dada a natureza do cargo a ser exercido ou seja a finalidade da exigência altura mínima que restringe o direito de exercício de determinada profissão é compatível com a finalidade almejada que é a seleção dos mais aptos para o exercício de uma determinada atividade no caso de delegado de polícia 114 Após superado o momento de aferição da idoneidade o intérprete deve avaliar o elemento da necessidade também denominado elemento da intervenção mínima ou ingerência mínima ou ainda exigibilidade O elemento da necessidade busca detectar se a decisão normativa é indispensável ou se existe outra decisão passível de ser tomada que resulte na mesma finalidade almejada mas que seja menos maléfica ao direito em análise Esse elemento visa a identificação de uma medida menos restritiva mas tão eficiente quanto a medida proposta Novamente o intérprete deve se apoiar em dados da realidade e até mesmo em prognósticos sobre o futuro para inicialmente identificar as alternativas possíveis Depois deve avaliar se as demais medidas alternativas são efetivamente menos restritivas e igualmente eficientes para o atingimento do fim proposto Finalmente o elemento da proporcionalidade em sentido estrito também denominado regra ou mandado de ponderação exige que o intérprete realize uma avaliação da relação custo benefício da decisão normativa avaliada Para ser compatível com a proporcionalidade em sentido estrito a decisão normativa deve impor um sacrifício a um direito humano que seja nitidamente inferior ao benefício resultante do atingimento da finalidade almejada Assim o elemento da proporcionalidade em sentido estrito realiza uma ponderação de bens e valores ao colocar de um lado os interesses protegidos com a decisão normativa e por outro lado os interesses que serão objeto de restrição Para a decisão normativa ser válida e conforme aos direitos humanos o peso da proteção a um determinado valor tem que ser superior ao peso da restrição a outro valor Buscase o equilíbrio da intervenção estatal em determinado direito fundamental 115 Este é o elemento que mais sofre crítica pois seria irracional uma vez que é impossível quantificar juridicamente o peso de cada direito envolvido e depois comparálos Por isso há autores que excluem a proporcionalidade em sentido estrito optando por elementos do critério da proporcionalidade um pouco diferentes da enumeração tríplice vista acima Entre eles citemse Dimoulis e Martins que adotam quatro elementos do critério da proporcionalidade licitude da finalidade almejada licitude dos meios utilizados adequação e necessidade Os primeiros dois elementos licitude do fim almejado e do meio utilizado dizem respeito a um exame formal pois o fim almejado e o meio utilizado não podem ser em si vedados por norma constitucional Já a adequação continua a ser a aptidão em abstrato da decisão normativa escolhida para a objeção da finalidade pretendida Assim para os citados autores o elemento decisivo é o da necessidade que como vimos acima deve identificar as alternativas e chegar à utilização do meio menos gravoso para a obtenção da finalidade pretendida 116 Na linha de subdivisão do critério da proporcionalidade e invocando a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha o Min Gilmar Mendes em voto no Supremo Tribunal Federal sobre a descriminalização do uso de drogas pontuou que há três elementos no controle judicial das restrições aos direitos humanos a controle de evidência b controle de justificabilidade ou de sustentabilidade e c controle material de intensidade O controle de evidência avalia como vimos se as medidas são idôneas para a efetiva proteção de um direito Já o controle de justificabilidade aprecia se a restrição foi adotada após uma apreciação objetiva e justificável das fontes de conhecimento levando a uma prognose de atuação em favor de determinado direito fruto da restrição de outro Finalmente o controle material de intensidade verifica se a proteção de um direito não poderia ser realizada adotandose um nível de restrição inferior ou menos lesivo a outro direito voto do Min Gilmar Mendes Supremo Tribunal Federal RE 635659SP sessão de 2082015 julgamento em curso Quer adotemos a divisão tríplice ou quadripartite do critério da proporcionalidade o intérprete deve zelar por uma argumentação jurídica consistente com uso de dados empíricos e objetivos que demonstrem o acerto da decisão adotada Consequentemente os graus de intensidade da intervenção e os diferentes pesos das razões justificadoras devem ser explicitados pelos tribunais em marcos argumentativos ostensivos e transparentes justamente para evitar qualquer crítica sobre eventual decisionismo e arbítrio sem reflexão 117 Em 2016 a Primeira Turma do STF reconheceu que a criminalização geral do aborto pelo Código Penal brasileiro de 1940 ofende o princípio da proporcionalidade em seus três subprincípios adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito O relator para o acórdão Min Barroso salientou que 1 em relação à adequação a criminalização do aborto não é medida adequada uma vez que é ineficaz para proteger a vida do feto uma vez que não há meios para impedir os abortos clandestinos ou mesmo impedir a difusão de medicamentos para a interrupção da gestação Além disso gera o efeito perverso de pôr em risco a saúde a integridade pessoal e a vida das mulheres que realizam esses abortos ilegais 2 quanto à necessidade o Estado deve atuar sobre os fatores econômicos e sociais que dão causa à gravidez indesejada bem como estabelecer políticas de aconselhamento e período de reflexão 3 e finalmente quanto à proporcionalidade em sentido estrito a tipificação penal da cessação geral da gravidez oferece proteção reduzida à vida do feto e comprime de modo exagerado os direitos sexuais e reprodutivos da mulher com impacto desproporcional sobre as mulheres pobres Para Barroso sopesandose os custos e benefícios da criminalização tornase evidente a ilegitimidade constitucional da tipificação penal da interrupção voluntária da gestação por violar os direitos fundamentais das mulheres e gerar custos sociais eg problema de saúde pública e mortes muito superiores aos benefícios da criminalização STF Primeira Turma HC 124306RJ rel orig Min Marco Aurélio rel p o ac Min Roberto Barroso j 29112016 744 A proibição da proteção insuficiente o sentido positivo da proporcionalidade O princípio da proporcionalidade possui ainda uma dimensão positiva que consiste na proibição da proteção insuficiente ou deficiente a um determinado direito Assim ao mesmo tempo em que o Estado não se pode exceder no campo dos direitos humanos dimensão negativa proibição do excesso ou Übermassverbot também não se pode omitir ou agir de modo insuficiente proibição da insuficiência ou Untermassverbot 118 Por exemplo o Estado ao descriminalizar graves ofensas a direitos fundamentais por exemplo tortura agiria contra a Constituição pois a tutela penal seria considerada essencial para a adequada proteção desses bens jurídicos graças ao seu efeito dissuasório geral e específico Consequentemente a proporcionalidade consiste não só em um instrumento de controle das restrições a direitos mas também de controle da promoção a direitos Essa atuação de proibição da proteção insuficiente decorre do reconhecimento dos deveres de proteção fruto da dimensão objetiva dos direitos humanos A proporcionalidade então tem função dúplice serve para que se analise eventual restrição em demasia mas também serve para que se verifique se houve proteção deficiente dos direitos No Estado Democrático de Direito no qual o Estado deve intervir na vida social para assegurar uma sociedade justa e solidária art 3º da CF88 a proibição de insuficiência fixa um mínimo de proteção adequada necessária e proporcional em sentido estrito a um direito que sofre a omissão do Estado ou mesmo colisão com outros direitos No campo penal a proporcionalidade age com seus dois vieses na proibição do excesso há o combate às leis que restringem de modo excessivo os direitos dos acusados na proibição da insuficiência atua para coibir leis e decisões judiciais que de modo desproporcional não protejam o direito à justiça das vítimas e o direito à segurança de todos beneficiados pela prevenção geral da tutela penal Há aqueles que denominam essa combinação das duas facetas do critério da proporcionalidade no âmbito penal de garantismo integral ou positivo 119 No Supremo Tribunal Federal há vários precedentes reconhecendo a proibição da insuficiência como faceta positiva do princípio ou critério da proporcionalidade Entre eles citese a decisão do Min Gilmar Mendes na qual foi sustentado que os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção Eingriffsverbote expressando também um postulado de proteção Schutzgebote Haveria assim para utilizar uma expressão de Canaris não apenas uma proibição de excesso Übermassverbot mas também uma proibição de proteção insuficiente Untermassverbot Concluiu o Min Gilmar Mendes que Parece lógico portanto que a efetividade desse direito social à segurança não prescinde da ação estatal positiva no sentido da criação de certas condições fáticas sempre dependentes dos recursos financeiros de que dispõe o Estado e de sistemas de órgãos e procedimentos voltados a essa finalidade De outro modo estarseia a blindar por meio de um espaço amplo de discricionariedade estatal situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade caracterizandose típica hipótese de proteção insuficiente por parte do Estado num plano mais geral e do Judiciário num plano mais específico STA 419RN Decisão Min Gilmar Mendes j 642010 Também o voto do Ministro Lewandowski relator do Supremo Tribunal Federal no caso da constitucionalidade da Lei n 953497 gratuidade do registro civil de nascimento e da certidão de óbito indo além do art 5º LXXVI que contempla apenas os reconhecidamente pobres fez menção às duas facetas do princípio da proporcionalidade a proibição de excesso e a proibição de proteção deficiente sustentando que os dispositivos impugnados não violavam nenhuma delas ADI 1800 rel p o ac Min Ricardo Lewandowski j 1162007 Plenário DJ de 2892007 Em 2016 o Min Barroso votou a favor da descriminalização do aborto realizado até o terceiro mês de gravidez por ofensa ao princípio da proporcionalidade tanto na sua dimensão positiva estudado acima quanto na sua dimensão negativa princípio da proibição da proteção deficiente De acordo com o voto a criminalização da prática do aborto confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos à autonomia à integridade psíquica e física e à saúde da mulher com reflexos sobre a igualdade de gênero e impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres No mesmo voto defendeuse que não se pode também fornecer uma proteção deficiente à vida do nascituro por isso caberia reconhecer a constitucionalidade da tipificação penal da cessação da gravidez quando o feto já estivesse mais desenvolvido sendo utilizado o parâmetro utilizado em vários Estados Alemanha Bélgica França Uruguai do limite do primeiro trimestre de gestação STF Primeira Turma HC 124306RJ rel orig Min Marco Aurélio rel p o ac Min Roberto Barroso j 29112016 A proibição da proteção insuficiente ou deficiente também utiliza os mesmos três subcritérios ou elementos da proporcionalidade em primeiro lugar a adequação exige que se verifique se o meio a ser utilizado alcança em abstrato o objetivo proposto implementar o direito em questão a necessidade exige que se adote a medida que imponha sacrifício menos intenso a outros direitos finalmente a proporcionalidade em sentido estrito exige uma ponderação entre os benefícios alcançados pela proteção pretendida a um direito e os custos impostos a outros direitos que serão comprimidos pela proteção ofertada 745 A regra de colisão previamente disposta na Constituição e a ponderação de 2º grau Em geral a proporcionalidade é utilizada na solução de conflitos de direitos humanos redigidos com termos indeterminados e genéricos Por isso a necessidade de um critério que leve a prevalência de um direito em relação a outro no caso concreto Por outro lado a Constituição e os tratados de direitos humanos possuem alguns direitos que são redigidos de forma determinada levando em consideração a interação com outros direitos fixandose limites Em relação a tais direitos que já se apresentam redigidos de forma mais precisa com limites estabelecidos a dúvida é a seguinte é possível aplicar o critério de proporcionalidade e ponderar de novo também esse direito mesmo diante do fato de que sua redação originária na Constituição Federal de 1988 já possui regras claras solucionando colisões Dois exemplos clarificam o problema 1 a existência de várias decisões judiciais proibindo a divulgação de notícias circulação de livros ou vídeos bem como a realização de peças artísticas diversas por ofensa à intimidade e vida privada apesar de a Constituição ter proibido expressamente a censura de qualquer tipo e 2 a autorização judicial de invasão policial noturna de domicílio em que pese a Constituição ter estabelecido entre outras condições para a superação da inviolabilidade domiciliar que essa seja feita durante o dia No primeiro exemplo grosso modo os direitos que incidem sobre a publicação de notícias vídeos livros etc consistem na liberdade de imprensa expressão e comunicação e ainda no direito à intimidade A base de ambos os direitos está no art 5º o inciso IX prevê que é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença o inciso X imediatamente após dispôs que são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação Além disso a Constituição previu expressamente uma regra de colisão tendo já ponderado esses direitos ao dispor que a manifestação do pensamento a criação a expressão e a informação sob qualquer forma processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição observado o disposto na própria Constituição art 220 Paralelamente o art 220 1º prevê que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social observado o disposto no art 5º incisos V é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem e X são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação Assim a regra de colisão geral da Constituição na hipótese é a seguinte a liberdade de expressão e comunicação pode ser exercida mas seu titular que violar direitos referentes à intimidade honra imagem e vida privada de outros responderá pelos danos causados É a liberdade com responsabilização posterior não se admite restrição sob qualquer forma art 220 caput mas responsabilizase aquele que abusa Porém os precedentes judiciais pósConstituição de 1988 caminham no sentido de possibilitar ao EstadoJuiz que interfira previamente e evite o dano à intimidade vida privada honra ou imagem Vários são os casos um deles de grande repercussão na mídia foi a proibição judicial de divulgação de vídeo envolvendo apresentadora de televisão e seu namorado na praia de Cádiz Espanha 120 Outro foi a decisão judicial do TJDF que proibiu o jornal O Estado de SPaulo que publicasse reportagem contendo fatos extraídos de autos criminais cobertos pelo sigilo judicial No STF esse tema gerou polêmica Em 2009 o jornal O Estado de SPaulo ingressou com Reclamação no STF sustentando que essa decisão judicial de proibição de divulgação de fatos cobertos por segredo de justiça referentes à Operação Boi Barrica ofendia a liberdade de imprensa A Reclamação não foi conhecida por maioria mas dois votos desnudaram o problema envolvendo a colisão de direitos cuja ponderação teria sido realizada pela própria Constituição Em primeiro lugar o Min Gilmar Mendes sustentou que o direito à proteção judicial efetiva e inafastabilidade da jurisdição art 5º XXXV permitiria que um determinado juiz protegesse a intimidade e outros valores constitucionais antes de sua violação pela publicação de determinada matéria Assim a responsabilidade a posteriori que a Constituição de 1988 estabeleceu não excluiria a possibilidade de se solicitar uma providência judicial inibitória apta a impedir previamente a realização do dano Caberia assim uma ponderação de segundo grau agora perante o Poder Judiciário abrangendo o direito à intimidade e os demais direitos envolvidos uma vez que a solução constitucional reparação a posteriori ou ulterior pode ser insuficiente para todos os casos Já Celso de Mello defendeu a aplicação sem outra ponderação da regra da responsabilização a posteriori e impossibilidade de qualquer censura criticando duramente os magistrados que adotam outra postura da seguinte maneira A minha crítica dirigese a esses magistrados que parecem não ter consciência dos novos tempos que estamos vivendo grifos do original retirados Voto do Min Celso de Mello Rcl 9428 rel Min Cezar Peluso j 10122009 Plenário DJe de 256 2010 Porém em 2018 o jornal foi vitorioso tendo sido reconhecido que a decisão judicial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal havia ofendido a decisão da ADPF 130 rel Min Ayres Britto na qual se proibiu a realização de qualquer forma de censura prévia Para o STF é proibida a censura de publicações jornalísticas bem como é excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões Eventual abuso da liberdade de expressão deve ser reparado preferencialmente por meio de retificação direito de resposta ou indenização STF Agravo Regimental no RE 840718 relator para o acórdão Min Edson Fachin j 1092018 O segundo exemplo é referente à proteção domiciliar A Constituição estabelece em seu art 5º XI que a casa é asilo inviolável do indivíduo ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial A garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar é abrangente e alcança de acordo com os precedentes do STF inclusive escritórios ou similares Mesmo a administração tributária não pode ingressar sem a permissão do dono invito domino em estabelecimentos comerciais ou escritórios de contabilidade devendo obter previamente ordem judicial adequada A autoexecutoriedade dos atos administrativos privilège du preálable subordinase ao regime jurídico constitucional da inviolabilidade domiciliar HC 93050 rel Min Celso de Mello j 1062008 2ª T DJe de 1º82008 Ver também HC 82788RJ rel Min Celso de Mello Porém em inquérito perante o STF foi autorizado pelo Min Cezar Peluso o ingresso de policiais durante a madrugada em escritório de advocacia para instalação de escuta ambiental O STF por maioria considerou lícita a conduta do Ministro relator apesar da clara previsão constitucional de que a entrada sem consentimento e sem flagrante delito desastre ou prestar socorro só poderia ocorrer por ordem judicial e durante o dia Por sua vez foram votos vencidos os Ministros Marco Aurélio Celso de Mello e Eros Grau que consideraram a prova ilícita uma vez que a invasão do escritório profissional que é equiparado à casa no período noturno estaria em confronto com o previsto no art 5º XI da CF Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 2632010 ver as citadas passagens dos votos no Informativo n 529 Brasília 17 a 2111 2008 O voto divergente do Min Celso de Mello foi enfático A Polícia Federal não podia ainda que munida de autorização judicial dada por esta Suprema Corte ingressar durante a noite em espaço privado protegido pela cláusula constitucional da inviolabilidade domiciliar um escritório de Advocacia pois a Constituição tratandose de determinação judicial somente permite o seu cumprimento durante o dia como resulta claro inequívoco do que se acha previsto na parte final do inciso XI do art 5º de nossa Lei Fundamental Informativo n 584 Brasília 26 a 3042010 A fundamentação da minoria em resumo a autorização judicial ofendeu gravemente a Constituição pois esta exige que a violação do domicílio nesses casos seja durante o dia é de fácil assimilação pois consta de dispositivo expresso da Constituição Já a fundamentação dos votos da maioria e em especial do Min relator Cezar Peluso nos aproxima de novo da aplicação do princípio da proporcionalidade mesmo na existência de direito redigido de modo preciso e limitado pela própria Constituição A intangibilidade dos domicílios durante a noite mesmo diante de ordem judicial foi ponderada com os demais direitos constitucionais De acordo com o que consta do Informativo n 529 do STF enfatizouse que os interesses e valores jurídicos que não têm caráter absoluto representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo poderdever de punir do Estado devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade quando em conflito prático segundo os princípios da concordância Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio julgouse ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática qual o direito interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão Tendo em vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade da privacidade e da dignidade da pessoa humana considerouse ser no mínimo duvidosa a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu que pressupõe a presença de pessoas que o habitem De toda forma concluiuse que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógicojurídico constitucional já que a restrição consequente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública Assim utilizouse a proporcionalidade e a concordância prática para justificar uma ponderação de segundo grau ou seja apesar de a regra de colisão já ter sido estabelecida pela Constituição e o constituinte ter ponderado a limitação do direito à justiça e à verdade em face do direito à inviolabilidade domiciliar o STF decidiu submeter essa regra durante o dia a uma nova ponderação e tendo em vista o caso concreto autorizou a invasão noturna do domicílio uma vez que o escritório de advocacia estaria a serviço dos criminosos justamente aproveitando do seu direito à inviolabilidade domiciliar e a colocação da escuta ambiental seria inviável durante o dia Semelhante à ponderação de 2º grau está o chamado duplo controle de proporcionalidade Tratase de avaliar se a aplicação de normas que aparentemente não violariam direitos fundamentais poderiam no caso concreto resultar em violação de direitos 121 A doutrina cita como exemplo o Caso Lebach na Alemanha no qual foram discutidos em concreto a liberdade de informação e os direitos da personalidade Em abstrato não havia nenhuma ofensa à proporcionalidade pelo exercício do direito à informação por parte de órgão de imprensa que noticia a prática de crime por determinado indivíduo Em concreto o Tribunal Constitucional da Alemanha considerou que a divulgação dos fatos criminosos e da identidade de envolvido em latrocínio rumoroso ocorrido no vilarejo de Lebach no qual quatro soldados que guardavam um depósito de munição foram assassinados com roubo de armas em programa de televisão anos depois ameaçava de forma desproporcional o seu direito ao pleno desenvolvimento da personalidade em um cenário de ressocialização 122 Do nosso ponto de vista é plenamente possível a ponderação de 2º grau uma vez que o Poder Constituinte não consegue esgotar a regência expressa de todas as hipóteses de colisão entre os direitos fundamentais Novas situações sociais surgem gerando inesperadas colisões de direitos e exigindo ponderação pelo intérprete Foi o que ocorreu com a invasão noturna de escritório de advocacia autorizada pelo STF e ainda a interceptação telefônica ordenada por magistrado em processo cível a CF88 prevê apenas em casos criminais ver comentário a este caso na Parte IV item 916 aceita pelo STJ o que sugere que novos casos de ponderação em situações não previstas pelo Poder Constituinte ocorrerão no futuro 746 Proporcionalidade e razoabilidade O princípio da razoabilidade no campo dos direitos humanos consiste na i exigência de verificação da legitimidade dos fins perseguidos por uma lei ou ato administrativo que regulamente ou restrinja o exercício desses direitos além da aferição da ii compatibilidade entre o meio empregado pela norma e os fins visados A origem desse instituto é norteamericana sendo extraído da cláusula do devido processo legal Conforme lição de Luís Roberto Barroso o princípio do devido processo legal nos Estados Unidos extrapolou o caráter estritamente processual procedural due process gerando uma segunda faceta de cunho substantivo substantive due process que se tornou fundamento do princípio da razoabilidade das leis e atos administrativos O princípio da razoabilidade estabelece o controle do arbítrio dos Poderes Legislativo e Executivo e é por seu intermédio que se procede ao exame de razoabilidade reasonableness e de racionalidade rationality das normas jurídicas e dos atos do Poder Público em geral Em resumo para Barroso o princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico a justiça 123 Há aqueles que defendem equivalência entre os conceitos de proporcionalidade e razoabilidade uma vez que ambos têm como fundamento o chamado devido processo legal substancial sendo institutos idênticos com terminologia diferente apenas Essa é a posição de vários precedentes do Supremo Tribunal Federal como se vê no seguinte trecho de acórdão do STF à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade se impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que nas circunstâncias a sua participação na perícia substantivaria HC 76060 rel Min Sepúlveda Pertence j 3131998 Primeira Turma DJ de 1551998 124 Porém há aqueles que diferenciam razoabilidade e proporcionalidade enfatizando que a razoabilidade representa apenas um dos elementos do critério da proporcionalidade elemento adequação sendo este mais amplo Para Virgílio Afonso da Silva a regra da proporcionalidade é mais ampla do que a regra da razoabilidade pois não se esgota no exame da compatibilidade entre meios e fins adequação 125 747 Inconstitucionalidade e proporcionalidade Ao estudar o critério da proporcionalidade há o risco de se considerar que a ofensa à proporcionalidade gera em si a invalidade de determinada norma Por exemplo no plano da avaliação da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo existiria o seguinte raciocínio uma lei é desproporcional e considerando que a proporcionalidade é cláusula implícita no devido processo legal substancial art 5º LIV consequentemente a lei referida seria inconstitucional porque violou o referido inciso LIV do art 5º Ocorre que esse raciocínio impede que se perceba que a proporcionalidade é um critério mera ferramenta na aplicação das normas Nessa linha e voltando ao exemplo anterior veremos que o raciocínio correto é diferente a lei tratou de modo desproporcional determinado direito ou valor constitucional por violar esse direito específico tratado de modo desproporcional é que a referida lei é inconstitucional A diferença é sutil e não afeta a conclusão a lei é inconstitucional mas há a grande vantagem de se dar transparência e exigir do julgador que explicite qual é o direito que foi tratado de modo desproporcional e por qual motivo esse tratamento previsto pela lei foi considerado desproporcional Tratar a proporcionalidade como um critério ou método de avaliação tem a imensa vantagem de exigir dos julgadores uma exposição clara e consistente da argumentação jurídica que levou à prevalência de um direito ou valor constitucional não bastando afirmar que é desproporcional e por isso inconstitucional por si só Essa discussão tem tido repercussão no STF tendo o Min Eros Grau sustentado Eu pediria ao Tribunal que dissesse há uma ofensa a tal ou qual preceito constitucional Singelamente sem explicitar que há uma ofensa ao tal princípio da proporcionalidade que nem é princípio é uma pauta é um método de avaliação da ofensa ou não da Constituição Nós não estamos julgando segundo a proporcionalidade mas eventualmente dizendo que por não ser proporcional em relação à liberdade à afirmação da igualdade por exemplo julgamos inconstitucional Mas a inconstitucionalidade está referida não à proporcionalidade ou à razoabilidade porém a direito fundamental que tenha sido violado pelo texto passagem da intervenção oral sem direito a voto do Min Eros Grau na ADI 855 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 632008 Plenário DJe de 2732009 QUADRO SINÓTICO A resolução dos conflitos entre direitos humanos Força expansiva dos direitos humanos consiste no fenômeno pelo qual os direitos humanos contaminam as mais diversas facetas do ordenamento jurídico Intensa abertura do ordenamento jurídico brasileiro aos direitos humanos existência de amplo rol de direitos previsto na Constituição e nos tratados internacionais de direitos humanos Os direitos previstos na Constituição e nos tratados internacionais são redigidos de forma imprecisa com uso frequente de conceitos indeterminados que podem ser interpretados de modo ampliativo atingindo facetas novas da vida social a depender da interpretação Jusfundamentalização do direito gera conflitos aparentes entre direitos de titulares diversos exigindo do intérprete sólida argumentação jurídica sobre os motivos da prevalência de um direito em detrimento de outro em determinada situação Direitos humanos encontram seus limites tanto na sua redação original quanto na interação com os demais direitos Não existem direitos absolutos porque os direitos convivem com os demais direitos humanos Colisão de direitos Colisão de direitos em sentido estrito é constatada quando o exercício de um determinado direito prejudica o exercício de outro direito do mesmo titular ou de titular diverso a Do ponto de vista subjetivo 1 Direitos do mesmo titular nascendo a discussão sobre se o titular pode dispor do direito a ser sacrificado concorrência de direitos cruzamento ou acumulação de direitos 2 Direitos de titulares diferentes colisão autêntica b Do ponto de vista objetivo 1 Direitos idênticos 2 Direitos de diferentes espécies Colisão de direitos em sentido amplo consiste no exercício de um direito que conflita ou interfere no cumprimento de um dever de proteção de um direito qualquer por parte do Estado Os conflitos são superados pela determinação do verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos Tratase de fórmula de superação dos conflitos aparentes entre direitos humanos mediante o uso da interpretação sistemática e finalística que determinaria o verdadeiro conteúdo dos direitos envolvidos e a adequação desse conteúdo à situação fática analisada Para a teoria interna há limites internos a todo direito quer estejam traçados expressamente no texto da norma quer sejam imanentes ou inerentes a determinado direito que faz com que não seja possível um direito colidir com outro Teoria Interna Limite expresso ou aparente o direito fundamental traz em seu texto a própria ressalva que o exclui da aplicação no caso concreto Limite imanente tratase do poder do intérprete de reconhecer qual é a estrutura e finalidades do uso de determinado direito delimitandoo A teoria interna nega os conflitos entre direitos humanos o direito cessa onde o abuso começa A teoria interna impõe ao intérprete que conheça a natureza estrutura finalidades do direito em análise para que possa delinear seu âmbito de atuação Tudo o que estiver fora desse âmbito é uma conduta desprovida de amparo da ordem jurídica Teoria Estruturante do Direito de Friedrich Müller metódica normativaestruturante defende a separação entre programa da norma gerado da análise da linguagem e finalidade do texto e âmbito da norma composto dos dados da realidade abrangida pelo programa da norma Para a teoria interna as restrições aos direitos humanos devem ser expressamente autorizadas pela Constituição e pelos tratados de direitos humanos ou ainda devem ser extraídas dos limites imanentes de cada direito A delimitação de cada direito será realizada por meio da apreciação tanto da redação do direito quanto também dos dados da realidade social sobre a qual o texto incide Resultado do uso da teoria interna ou a situação fática é albergada no âmbito de incidência de um direito humano ou não é albergada e consequentemente não há direito algum a ser invocado Teoria Externa Adota a separação entre o conteúdo do direito e limites que lhe são impostos do exterior oriundos de outros direitos Objetivo da teoria superação dos conflitos de direitos dividindo o processo de interpretação dos direitos humanos em colisão em dois momentos 1 Delimitação do direito prima facie envolvido identificação sobre se o direito incide aparentemente sobre a situação fática 2 Investigação sobre a existência de limites justificáveis impostos por outros direitos de modo a impedir que o direito aparente seja considerado um direito definitivo A justificação se dá pelo critério da proporcionalidade Casos difíceis hard cases casos nos quais há conflitos de direitos redigidos de forma genérica e imprecisa contendo valores morais contrastantes e sem consenso na comunidade sobre sua resolução insuficiência da teoria interna para solucionálos adoção da teoria externa nestes casos resulta em maior transparência do raciocínio jurídico do intérprete Critério da proporcionalidade chavemestra da teoria externa pois garante racionalidade e controle da argumentação jurídica que será desenvolvida para estabelecer os limites externos de um direito e afastálo da regência de determinada situação fática Posição de Hesse os conflitos entre direitos fundamentais podem ser resolvidos pela concordância prática os direitos de estatura constitucional podem ser equilibrados entre si gerando uma compatibilidade da aplicação dessas normas jurídicas de idêntica hierarquia mesmo que no caso concreto seja minimizada a aplicação de um dos direitos envolvidos O critério da proporcionalidade Conceito Consiste na aferição da idoneidade necessidade e equilíbrio da intervenção estatal por meio de lei ato administrativo ou decisão judicial em determinado direito fundamental Tratase de uma ferramenta de aplicação dos direitos humanos em geral em situação de limitação concorrência ou conflito de direitos humanos na busca de proteção Situações típicas de invocação do critério da proporcionalidade na temática dos direitos humanos 1 existência de lei ou ato administrativo que ao incidir sobre determinado direito o restrinja 2 existência de lei ou ato administrativo que ao incidir sobre determinado direito não o proteja adequadamente 3 existência de decisão judicial que tenha que perante um conflito de direitos humanos optar pela prevalência de um direito limitando outro Facetas do critério da proporcionalidade a fiscalização e proibição do excesso dos atos limitadores do Estado b promoção de direitos pela qual o critério da proporcionalidade fiscaliza os atos estatais excessivamente insuficientes para promover um direito gerando uma proibição da proteção insuficiente c ponderação em um conflito de direitos pela qual o critério da proporcionalidade é utilizado pelo intérprete para fazer prevalecer um direito restringindo outro Fundamentos Implícitos na CF88 na visão da doutrina e dos precedentes do STF embora não haja consenso Estado Democrático de Direito Devido processo legal Dignidade humana e direitos fundamentais Princípio da isonomia Direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios da Constituição a adequação das medidas estatais à realização dos fins propostos examinase se a decisão normativa restritiva de um determinado direito fundamental resulta em abstrato na realização do objetivo perseguido b necessidade das medidas buscase detectar se a decisão normativa é indispensável ou se Elementos da proporcionalidade existe outra decisão passível de ser tomada que resulte na mesma finalidade almejada mas que seja menos maléfica ao direito em análise c proporcionalidade em sentido estrito ponderação ou equilíbrio entre a finalidade perseguida e os meios adotados para sua consecução proporcionalidade em sentido estrito avaliação da relação custobenefício da decisão normativa avaliada Proibição da proteção insuficiente Proibição da proteção insuficiente é o sentido positivo do critério da proporcionalidade o critério não é apenas controle das restrições a direitos mas também controle da promoção a direitos Decorre do reconhecimento dos deveres de proteção fruto da dimensão objetiva dos direitos humanos A proibição da proteção insuficiente também utiliza os mesmos três elementos da proporcionalidade Ponderação de segundo grau Apesar de a regra de colisão já ter sido previamente estabelecida na Constituição e o constituinte ter ponderado a limitação dos direitos em colisão submetese essa regra a uma nova ponderação Duplo controle de constitucionalidade Tratase de avaliar se a aplicação de normas que aparentemente não violariam direitos fundamentais poderiam no caso concreto resultar em violação de direitos Princípio da razoabilidade no campo dos direitos humanos Consiste na exigência de verificação da legitimidade dos fins perseguidos por uma lei ou ato administrativo que regulamente ou restrinja o exercício desses direitos além da compatibilidade entre o meio empregado pela norma e os fins visados Origem do instituto norteamericana extraído da cláusula do devido processo legal Doutrina brasileira duas correntes a Ideia de que há equivalência entre os conceitos de proporcionalidade e razoabilidade uma vez que ambos têm como fundamento o chamado devido processo legal substancial b Ideia de que razoabilidade e proporcionalidade se diferenciam a razoabilidade representa apenas um dos elementos do critério da proporcionalidade elemento adequação sendo este mais amplo Proporcionalidade e inconstitucionalidade A proporcionalidade é um critério uma ferramenta na aplicação das normas Assim se a lei tratou de modo desproporcional determinado direito ou valor constitucional por violar esse direito específico tratado de modo desproporcional a referida lei é inconstitucional 8 A proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos e a garantia dupla A proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos consiste no reconhecimento da existência de núcleo permanente composto por determinadas condutas abarcadas pelo âmbito normativo de um direito específico que não pode ser afetado de forma alguma pela intervenção do Estado Esse núcleo é intocável constituindose em um limite do limite para o legislador e aplicador dos direitos humanos A parte do direito que pode ser regulada ou limitada é somente aquela que não faz parte desse núcleo inexpugnável A teoria da proteção do conteúdo essencial originase de dispositivos expressos de determinadas Constituições como por exemplo a Lei Fundamental de Bonn de 1949 art 192 126 ao que tudo indica a primeira a expressamente estabelecer tal proteção a Constituição de Portugal art 183 a Constituição da Espanha art 531 e na América do Sul a Constituição do Chile de 1980 art 19 Em comum a todas elas está o fato de terem sido redigidas após ditaduras No plano internacional a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece em seu art 521 que qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades Esse dispositivo é fruto da influência alemã e é evidente reação ao passado ditatorial recente de vários novos ingressantes da União Europeia expaíses comunistas como Polônia e outros No Brasil não há adoção expressa na CF88 da proteção do conteúdo essencial mas determinados autores como Sarlet sustentam que as cláusulas pétreas previstas no art 60 4º da Constituição Federal implicitamente resultam na garantia do conteúdo essencial dos direitos humanos 127 Já Gilmar Mendes defende que a existência da garantia do conteúdo essencial é implícita ao próprio modelo garantístico usado pelo Constituinte 128 Há duas teorias a respeito de como delimitar o conteúdo essencial dos direitos humanos a teoria do conteúdo essencial absoluto e a teoria do conteúdo essencial relativo Para a teoria do conteúdo essencial absoluto o conteúdo essencial de um direito é determinado por meio da análise em abstrato de sua redação o que seria suficiente para identificar e separar os seus elementos essenciais dos não essenciais Assim seria possível identificar já na redação do direito um espaço de maior intensidade valorativa o coração do direito que não poderia ser afetado sob pena de o direito deixar realmente de existir 129 Na maioria dos casos contudo os direitos humanos apresentam uma redação concisa e lacônica o que dificulta a identificação desse núcleo duro e intangível de determinado direito o que torna a teoria absoluta irrealizável Nesse sentido decidiu o STF É verdade que a teoria absoluta ao acolher uma noção material do núcleo essencial insuscetível de redução por parte do legislador pode converterse em muitos casos numa fórmula vazia dada a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de se demonstrar ou caracterizar in abstracto a existência desse mínimo essencial HC 856870RS voto do Min Gilmar Mendes Por sua vez a teoria relativa do conteúdo essencial dos direitos humanos sustenta que o núcleo essencial não é preestabelecido e fixo mas determinável de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto após a realização de um juízo de proporcionalidade com outros direitos eventualmente em colisão A teoria relativa utiliza o princípio da proporcionalidade para de acordo com as exigências do momento ampliar ou restringir o conteúdo essencial de um direito O núcleo essencial de determinado direito seria formado pelo mínimo insuscetível de restrição ou redução com base em um processo de ponderação Para a teoria relativa então o conteúdo essencial decorre da proporcionalidade e assim a simples aceitação da proporcionalidade implica respeitar o conteúdo essencial dos direitos humanos 130 No Brasil há poucos casos de invocação da garantia de conteúdo essencial e neles não há definição sobre a teoria absoluta ou relativa adotada Quando se menciona a garantia do conteúdo essencial dos direitos humanos em precedentes do STF há o uso de uma garantia dupla dos direitos humanos Em primeiro lugar verificase se a restrição a determinado direito é aceitável de acordo com o princípio da proporcionalidade em seguida avaliase se essa restrição não esvaziou totalmente o conteúdo essencial do direito em análise Nesse sentido o voto do Min Celso de Mello é claro ao adotar essa garantia dupla dos direitos humanos ao decidir que Entendo que a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização pelo Supremo Tribunal Federal de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar hic et nunc em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta qual deva ser o direito a preponderar no caso considerada a situação de conflito ocorrente desde que no entanto a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais voto do Min Celso de Mello no HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 repetido em outros votos do Ministro Em caso envolvendo a não obrigatoriedade de diploma específico para o exercício da profissão de jornalista o Min Gilmar Mendes adotou essa garantia dupla ao dispor que a restrição legal desproporcional e que viola o conteúdo essencial da liberdade deve ser declarada inconstitucional RE 511961 rel Min Gilmar Mendes j 1762009 Plenário DJe de 13112009 Em sentido contrário a essa posição do STF posicionase Virgílio Afonso da Silva para quem a garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais é simples decorrência do respeito à regra da proporcionalidade posição da teoria relativa vista acima Assim se eventual restrição a direito fundamental passar no teste da proporcionalidade essa restrição é constitucional e apta a ser utilizada pelo intérprete 131 QUADRO SINÓTICO A proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos Proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos consiste no reconhecimento da existência de núcleo permanente que não pode ser afetado de forma alguma em todo direito fundamental Tratase de um núcleo intocável constituindose em um limite do limite para o legislador e aplicador dos direitos humanos A proteção do conteúdo essencial originase de dispositivos expressos de determinadas Constituições Lei Fundamental de Bonn Constituição de Portugal Constituição da Espanha Constituição do Chile que foram redigidas após ditaduras No plano internacional a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece a proteção do conteúdo essencial dos direitos humanos No Brasil não há previsão expressa da proteção do conteúdo essencial mas determinados autores sustentam que as cláusulas pétreas previstas no art 60 4º da CF88 implicitamente resultam na garantia do conteúdo essencial dos direitos humanos Teorias a respeito de como delimitar o conteúdo essencial dos direitos humanos Teoria do conteúdo essencial absoluto sustenta que o conteúdo essencial de um direito é determinado por meio da análise em abstrato de sua redação o que seria suficiente para identificar e separar seus elementos essenciais dos não essenciais Teoria do conteúdo essencial relativo sustenta que o núcleo essencial não é preestabelecido e fixo mas determinável em cada caso de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto após a realização de um juízo de proporcionalidade com outros direitos eventualmente em colisão A teoria relativa utiliza o critério da proporcionalidade para de acordo com as exigências do momento ampliar ou restringir o conteúdo essencial de um direito 9 Espécies de restrições dos direitos humanos 91 AS RESTRIÇÕES LEGAIS A RESERVA LEGAL SIMPLES E A RESERVA LEGAL QUALIFICADA A restrição em sentido amplo de um direito fundamental consiste em ação ou omissão do Estado que elimina reduz comprime ou dificulta de alguma maneira o exercício de direito fundamental pelo seu titular ou ainda enfraquece os deveres de proteção que dele resultam ao Estado afetando negativamente o exercício desse direito por seu titular 132 A restrição a direitos humanos em sentido amplo pode ser realizada por meio de lei ou por meio de interpretação judicial que decide o conflito entre direitos em colisão Em sentido estrito a restrição a um direito consiste em intervenções legislativas que foram autorizadas pela Constituição para limitar determinado direito desde que respeitadas a proporcionalidade e o conteúdo essencial dos direitos humanos São as chamadas restrições legais aos direitos humanos Em relação às restrições legais a Constituição de 1988 traz dois tipos claros de restrições permitidas a restrição ou reserva legal simples e a restrição ou reserva legal qualificada A reserva legal simples consiste na autorização dada pela Constituição a edição posterior de lei que adote determinada restrição a direito fundamental Basta a leitura da Constituição para encontrarmos vários casos de reserva de lei simples na seara dos direitos humanos como por exemplo nos seguintes incisos do art 5º VI é inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias VII é assegurada nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva XV é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz podendo qualquer pessoa nos termos da lei nele entrar permanecer ou dele sair com seus bens XLV nenhuma pena passará da pessoa do condenado podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser nos termos da lei estendidas aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido LVIII o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal salvo nas hipóteses previstas em lei 133 A terminologia varia na forma da lei nos termos da lei previstas em lei entre outras mas com uma característica comum a Constituição não fixa previamente os requisitos condições ou parâmetros da lei a ser editada pelo legislador Já a restrição ou reserva legal qualificada é aquela em que a Constituição além de estabelecer a reserva de lei ainda estipula os requisitos e condições que a lei necessariamente deve observar O art 5º XIII que trata da liberdade do exercício profissional estabelece ser livre o exercício de qualquer trabalho ofício ou profissão atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer Todavia toda reserva legal de um direito fundamental é na verdade uma reserva legal proporcional ou seja deve a lei que impôs a restrição ser aprovada pelo crivo da proporcionalidade voto do Min Gilmar Mendes no ADI 855 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 632008 Plenário DJe de 2732009 grifo nosso 92 OS DIREITOS SEM RESERVA EXPRESSA A RESERVA LEGAL SUBSIDIÁRIA E A RESERVA GERAL DE PONDERAÇÃO Há ainda direitos previstos na Constituição sem qualquer menção à lei restritiva Mesmo assim tais direitos estão sujeitos a uma reserva legal subsidiária podendo o legislador regular esse direito em face dos demais valores constitucionais Claro que a norma legal regulamentadora deverá sobreviver ao teste da proporcionalidade demonstrando que a eventual limitação a direito previsto sem restrição expressa da Constituição atendeu de modo proporcional a realização de outros direitos constitucionais O exemplo sempre lembrado é o da regulamentação do sigilo de correspondência pela Lei n 721084 que permite a violação da correspondência do preso art 41 parágrafo único apesar de o art 5º XII da CF88 tratar da inviolabilidade da correspondência sem qualquer ressalva ou permissão de violação nos termos da lei A lei foi considerada válida uma vez que a interceptação da correspondência dos presos foi justificada em nome da preservação do direito à segurança de todos inclusive dos agentes penitenciários Nesse sentido decidiu o STF que a administração penitenciária com fundamento em razões de segurança pública de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica pode sempre excepcionalmente e desde que respeitada a norma inscrita no art 41 parágrafo único da Lei 72101984 proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas HC 70814 rel Min Celso de Mello j 1º31994 Primeira Turma DJ de 2461994 Além da reserva legal subsidiária todos direitos fundamentais mesmo sem restrição expressa estão sujeitos a uma reserva geral de ponderação 134 uma vez que esses dispositivos estão sujeitos à ponderação com outros valores previstos na Constituição relacionados a outros direitos fundamentais em colisão 93 AS LIMITAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS PELAS RELAÇÕES ESPECIAIS DE SUJEIÇÃO Há limitações de direitos humanos que resultam da inserção do titular desses direitos em uma situação de sujeição especial do indivíduo perante o Poder Público Essa sujeição ocorreria devido à necessidade de atendimento a determinadas necessidades sociais que sem tal sujeição não teriam como ser atendidas O exemplo maior seria o regime jurídico especial dos membros das Forças Armadas submetidos à hierarquia e disciplina próprias afetando os direitos dos militares e que seriam indispensáveis para a boa organização castrense A própria Constituição de 1988 impõe limites expressos aos direitos humanos dos militares em especial no art 5º LXI ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei e ainda no art 142 caput e 2º Art 142 As Forças Armadas constituídas pela Marinha pelo Exército e pela Aeronáutica são instituições nacionais permanentes e regulares organizadas com base na hierarquia e na disciplina 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares Esse atendimento a necessidades sociais diferenciadas seria o fundamento para determinadas restrições ou mesmo supressões de determinados direitos existentes em situações análogas no seio da sociedade civil Consequentemente o regime jurídico dos direitos humanos de militares funcionários públicos sentenciados estudantes e internos da rede escolar pública entre outros seria distinto e poderiam ser seus direitos menos abrangentes do que os direitos dos demais indivíduos que não estivessem em tal situação O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é a justificativa da legitimidade de tais restrições a direitos humanos dos submetidos a uma relação especial de sujeição Porém não se justifica na atualidade a invocação sem maior discussão dessa supremacia do interesse público Ao contrário há hoje o critério da proporcionalidade que pode orientar a interpretação dos direitos desses indivíduos no choque com os direitos de terceiros e bens constitucionalmente protegidos Não cabe apenas invocar o regime de relação especial de sujeição para restringir determinado direito é necessário que tal restrição seja proporcional e com isso resolva de maneira adequada o conflito entre o direito do indivíduo submetido a tal relação especial de sujeição e os direitos da comunidade Por exemplo será que o regime disciplinar das Forças Armadas com o amesquinhamento do princípio da legalidade e tipicidade permitindo amplíssima dose de discricionariedade na caracterização e na dosimetria de sanções disciplinares pelo superior hierárquico é proporcional e atende as finalidades em uma sociedade democrática Do nosso ponto de vista não basta justificar esse regime imposto pelo Estatuto dos Militares Lei n 688080 apenas alegando a relação especial de sujeição mas deve ser analisado o conflito entre os direitos dos indivíduos submetidos a tal poder e os direitos dos terceiros que são beneficiados pela existência de uma Força Armada preparada e eficiente Nessa linha o Supremo Tribunal Federal considerou legítima a criminalização de atos libidinosos praticados por militares em ambientes sujeitos à administração militar sendo justificável pelo regime especial da hierarquia e da disciplina castrenses Contudo o STF decidiu que não foram recepcionadas pela CF88 as expressões pederastia ou outro e homossexual ou não contidas respectivamente no nomen juris e no caput do art 235 do Código Penal Militar Para o STF não se pode permitir que a lei faça uso de expressões pejorativas e discriminatórias ante o reconhecimento do direito à liberdade de orientação sexual como liberdade existencial do indivíduo Manifestação inadmissível de intolerância que atinge grupos tradicionalmente marginalizados ADPF 291 rel Min Roberto Barroso j 28 102015 publicado em 1152016 QUADRO SINÓTICO Espécies de restrições dos direitos humanos A restrição a direitos humanos é realizada por meio de lei ou por meio de interpretação judicial que decide o conflito entre direitos em colisão Restrição em sentido amplo de um direito fundamental consiste em ação ou omissão do Estado que elimina reduz comprime ou dificulta de alguma maneira o exercício de direito fundamental pelo seu titular ou ainda enfraquece os deveres de proteção que dele resultam ao Estado afetando negativamente o exercício desse direito por seu titular Restrição em sentido estrito consiste em intervenções legislativas que foram autorizadas pela Constituição para limitar determinado direito desde que respeitadas a proporcionalidade e o conteúdo essencial dos direitos humanos São as chamadas restrições legais aos direitos humanos As restrições legais A Constituição de 1988 traz dois tipos claros de restrições legais permitidas Restrição ou reserva legal simples consiste na autorização dada pela Constituição a edição posterior de lei que adote determinada restrição a direito fundamental Restrição ou reserva legal qualificada é aquela em que a Constituição além de estabelecer a reserva de lei ainda estipula os requisitos e condições que a lei necessariamente deve observar Toda reserva legal de um direito fundamental é na verdade uma reserva legal proporcional ou seja deve a lei que impôs a restrição ser aprovada pelo crivo da proporcionalidade Os direitos sem reserva expressa Reserva legal subsidiária situação em que direitos são previstos na Constituição sem qualquer menção à lei restritiva mas podem ser regulados pelo legislador em face dos demais valores constitucionais Reserva geral de ponderação todos os direitos fundamentais estão a ela submetidos uma vez que estão sujeitos à ponderação com outros valores previstos na Constituição relacionados a outros direitos fundamentais em colisão Limitações dos direitos humanos pelas relações especiais de sujeição São oriundas da inserção do titular dos direitos humanos em uma situação de sujeição especial do indivíduo perante o Poder Público decorrente da necessidade de atendimento a determinadas necessidades sociais que sem tal sujeição não teriam como ser atendidas Exemplos regime jurídico dos direitos humanos de militares funcionários públicos sentenciados estudantes e internos da rede escolar pública Justificativa da legitimidade de tais restrições a direitos humanos submetidos a uma relação especial de sujeição princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado entretanto é necessário que a restrição seja proporcional PARTE II ASPECTOS PRINCIPAIS DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS DE DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO E DO DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS I OS TRÊS EIXOS DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS A proteção dos direitos essenciais do ser humano no plano internacional recai em três sub ramos específicos do Direito Internacional Público o Direito Internacional dos Direitos Humanos DIDH o Direito Internacional Humanitário DIH e o Direito Internacional dos Refugiados DIR Inicialmente devese evitar segregação entre esses três subramos pois o objetivo é comum a proteção do ser humano Com base nesse vetor de interação e não segregação o Direito Internacional dos Direitos Humanos DIDH é sem dúvida o mais abrangente atuando o Direito Internacional Humanitário DIH e o Direito Internacional dos Refugiados DIR em áreas específicas Defendo inclusive que o Direito Internacional dos Direitos Humanos é um único ramo com vertentes refugiados e humanitário para esses temas específicos Na visão tradicional a interrelação entre esses ramos é a seguinte ao DIDH incumbe a proteção do ser humano em todos os aspectos englobando direitos civis e políticos e também direitos sociais econômicos e culturais já o DIH foca na proteção do ser humano na situação específica dos conflitos armados internacionais e não internacionais finalmente o DIR age na proteção do refugiado desde a saída do seu local de residência trânsito de um país a outro concessão do refúgio no país de acolhimento e seu eventual término Os dois últimos ramos são lex specialis em relação ao DIDH que é lex generalis e aplicável subsidiariamente a todas as situações na ausência de previsão específica Além da relação de especialidade há também uma relação de identidade e convergência O art 3º comum às quatro Convenções de Genebra sobre Direito Internacional Humanitário ver abaixo converge com a proteção de direitos humanos básicos como o direito à vida e integridade física em tempo de paz No mesmo sentido há garantias fundamentais que foram adotadas nos dois Protocolos Adicionais de 1977 às Convenções de Genebra Protocolo I art 75 e Protocolo II arts 4º a 6º ver abaixo Por sua vez o Direito Internacional dos Refugiados possui diversos pontos convergentes aos do Direito Internacional dos Direitos Humanos como é o caso do princípio da proibição da devolução ou proibição do rechaço nonrefoulement que consta da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 art 33 e simultaneamente da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura art 3 e da Convenção Americana de Direitos Humanos art 228 e 9 sem contar o dever dos Estados de tratar com dignidade o solicitante do refúgio o que é espelho do dever internacional de proteger os direitos humanos previsto na Carta da ONU Também é constatada uma relação de complementaridade Tanto o DIH quanto o DIR não excluem a aplicação geral das normas protetivas do Direito Internacional dos Direitos Humanos Por exemplo a Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena 1993 defendeu a adoção de medidas internacionais efetivas para garantir e fiscalizar o cumprimento das normas de direitos humanos relativamente a povos sujeitos à ocupação estrangeira devendo ser garantida uma proteção jurídica efetiva contra a violação dos Direitos Humanos desses povos em conformidade com as normas de Direitos Humanos e com a Convenção de Genebra relativa à proteção de Civis em Tempo de Guerra Convenção IV de 12 de agosto de 1949 e outras normas aplicáveis de direito humanitário Também a relação de complementaridade é notada no uso do DIDH para suprir eventuais insuficiências dos demais uma vez que somente no DIDH é que existem sistemas de acesso das vítimas a órgãos judiciais e quase judiciais internacionais o que não ocorre no DIR ou no DIH Há ainda uma relação de influência recíproca De início o Direito Internacional dos Refugiados está ancorado no direito de todos previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 de procurar e obter noutros países asilo contra as perseguições de que sejam alvo bem como o direito de regressar ao seu próprio país Além disso as violações graves dos direitos humanos nomeadamente em casos de conflito armado são um dos fatores que conduzem à criação de refugiados Finalmente as origens históricas também possuem raízes comuns O mais antigo desses ramos é o DIH voltado inicialmente à disciplina dos meios e métodos utilizados na guerra mas que logo foi influenciado pela consolidação do DIDH após a edição da Carta da Organização das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos O Direito Internacional dos Refugiados também possui diplomas e órgãos anteriores à Carta da ONU mas seu crescimento foi sistematizado após a Declaração Universal consagrar o direito ao asilo em seu artigo XIV QUADRO SINÓTICO Os três eixos da proteção de direitos no plano internacional Eixos da proteção de direitos no plano internacional Direito Internacional dos Direitos Humanos proteção do ser humano em todos os aspectos englobando direitos civis e políticos e também direitos sociais econômicos e culturais Direito Internacional dos Refugiados age na proteção do refugiado desde a saída do seu local de residência concessão do refúgio e seu eventual término Direito Internacional Humanitário foca na proteção do ser humano na situação específica dos conflitos armados internacionais e não internacionais Objetivo comum Proteção do ser humano Interrelação entre os eixos Relação de especialidade do Direito Internacional dos Refugiados e do Direito Internacional Humanitário com relação ao Direito Internacional dos Direitos Humanos Relação de identidade e convergência Relação de complementaridade Relação de influência recíproca II O SISTEMA UNIVERSAL ONU 1 A Carta Internacional dos Direitos Humanos A Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH de 1948 foi elaborada pela extinta Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para ser uma etapa anterior à elaboração de um tratado internacional de direitos humanos O objetivo da Comissão era criar um marco normativo vinculante logo após a edição da DUDH Porém a Guerra Fria impediu a concretização desse objetivo e somente em 1966 quase vinte anos depois da DUDH foram aprovados dois Pactos Internacionais o dos Direitos Civis e Políticos e o dos Direitos Sociais Econômicos e Culturais Na época a doutrina consagrou o termo Carta Internacional de Direitos Humanos International Bill of Rights fazendo homenagem às chamadas Bill of Rights do Direito Constitucional e que compreende o seguinte conjunto de diplomas internacionais i a Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH de 1948 ii o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 iii Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 1966 O uso do termo Carta Internacional de Direitos Humanos também implicava o reconhecimento de que os dois Pactos não poderiam ser interpretados desconectados da DUDH o que deu sistematicidade à proteção dos direitos humanos internacionais Outra consequência da Carta Internacional dos Direitos Humanos foi a reafirmação do objetivo da ONU de proteger os direitos humanos já previsto na Carta de São Francisco mas frustrado pela Guerra Fria e pelo antagonismo entre Estados Unidos e União Soviética dois membros extremamente influentes daquela organização Desde a adoção dos dois Pactos a ONU tem estimulado a adoção de vários tratados de direitos humanos em temas diversos formando o chamado sistema global de direitos humanos também chamado sistema universal ou onusiano Atualmente o sistema global é complexo e não se limita à Carta Internacional de Direitos Humanos sendo composto por diversos tratados multilaterais de direitos humanos como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias como veremos a seguir 2 Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP foi adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966 junto do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais Contudo entrou em vigor somente em 1976 pois exigiu ratificação de 35 Estados para entrar em vigor art 49 1º Possui em 2019 173 Estados partes O Pacto teve por finalidade tornar juridicamente vinculantes aos Estados vários direitos já contidos na Declaração Universal de 1948 detalhandoos e criando mecanismos de monitoramento internacional de sua implementação pelos Estados Partes No Brasil o Congresso Nacional aprovou o PIDCP por meio do Decreto Legislativo n 226 de 12 de dezembro de 1991 A nota de adesão ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi depositada em 24 de janeiro de 1992 e o Pacto entrou em vigor internacional para o Brasil em 24 de abril de 1992 Finalmente o Pacto foi promulgado incorporação interna pelo Decreto n 592 de 6 de julho de 1992 Seu texto possui 53 artigos divididos em seis partes Na Parte I fica enunciado o direito de todos os povos de dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais e à autodeterminação bem como o dever de todos os demais Estados de respeitarem esse direito Na Parte II integrada por quatro artigos o Pacto estabelece o dever do Estado de respeito e a garantia de todos os direitos nele previstos a todos os indivíduos que se achem em seu território sem qualquer tipo de discriminação inclusive quanto a origem nacional e especialmente entre homens e mulheres Mesmo o imigrante em situação irregular pode invocar os direitos do PIDCP contra o Brasil Além disso os Estados comprometemse a adotar medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos os direitos previstos no Pacto O PIDCP exige de que toda pessoa que tenha direitos garantidos no Pacto violados possa dispor de um recurso efetivo ainda que a violência tenha sido perpetrada por agente no exercício de funções oficiais bem como de que qualquer decisão que julgar procedente tal recurso seja cumprida pelas autoridades competentes art 2º O Pacto também permite a suspensão das obrigações dele decorrentes em situações excepcionais que ameacem a existência da nação e sejam proclamadas oficialmente desde que as medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhes sejam impostas pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça cor sexo língua religião ou origem social art 4º situação que deve ser comunicada imediatamente aos outros Estados Partes do presente Pacto por intermédio do Secretário Geral da ONU Entretanto os direitos previstos nos arts 6º direito à vida 7º direito de não ser submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes ou a experiências médicas ou científicas 8º 1º e 2º direito de não ser submetido à escravidão e à servidão 11 direito de não ser preso apenas por não cumprir obrigação contratual 15 direito de não ser condenado por atos ou omissões não definidos como crime no direito nacional ou internacional de não ser submetido a pena mais grave que a aplicável no momento da ocorrência do delito e de ver aplicada a lei penal mais benéfica 16 direito ao reconhecimento da personalidade jurídica e 18 liberdade de pensamento consciência e religião não podem ser suspensos nestas hipóteses tampouco se admitirá restrição ou suspensão dos direitos reconhecidos em virtude de leis convenções regulamentos ou costumes sob pretexto de que o Pacto não os reconhece ou os reconhece menor grau Na Parte III composta por 22 artigos 6 a 27 o PIDCP enuncia e especifica o rol dos direitos nele protegidos Ante a importância do Pacto para a efetivação de tais direitos o rol será aqui apresentado de forma mais minuciosa O primeiro dos direitos garantidos é a vida art 6º porém há hipóteses em que a pena de morte poderá ser imposta nos países em que ainda não tenha sido abolida poderá ser aplicada apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente nos casos de crimes mais graves em conformidade com legislação vigente na época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente Pacto nem com a Convenção sobre a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio ou seja países que já a tenham abolido não poderão aplicála mais Previu também o direito de não ser submetido à tortura a penas ou tratamentos cruéis nem a experiências médicas ou científicas sem seu livre consentimento art 7 O PIDCP traz importante vínculo entre o direito à integridade física e psíquica e a experimentação médica ver a Parte IV sobre os direitos em espécie Além disso ninguém poderá ser submetido à escravidão e à servidão ficando proibidos em todas as suas formas a escravidão e o tráfico de escravos art 8 Garantiu que toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais e ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente nem poderá ser privado de liberdade salvo pelos motivos previstos em lei conforme os procedimentos nela determinados além de outras garantias relacionadas à prisão art 9 Fica garantido o direito de que toda pessoa privada de liberdade seja tratada com humanidade e respeito à dignidade da pessoa humana devendo as pessoas processadas ser separadas das condenadas recebendo tratamento distinto bem como as pessoas jovens processadas deverão ser separadas das adultas O Pacto prevê ainda que o objetivo principal do regime prisional deverá ser a reabilitação dos prisioneiros devendo os jovens ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica art 10 Ademais consagra o Pacto o direito de que ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual art 11 No Brasil esse dispositivo fundou em conjunto com o art 77 da Convenção Americana de Direitos Humanos novo entendimento do STF vedando a prisão civil do depositário infiel Súmula Vinculante n 25 do STF É Ilícita a prisão civil do depositário infiel qualquer que seja a modalidade de depósito O Pacto garante também o direito à livre circulação para pessoas que se encontrem no território do Estado Parte legalmente bem como o direito de sair livremente de qualquer país e de não ser privado arbitrariamente de entrar em seu próprio país art 12 Assim para o estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estado Parte só poderá ser expulso mediante decisão proferida em conformidade com a lei art 13 No art 14 é prevista uma série de garantias processuais como o direito de toda pessoa de ser ouvida publicamente por tribunal competente independente e imparcial estabelecido por lei a presunção de inocência enquanto não for formalmente comprovada a culpa e a publicidade das decisões salvo se o interesse de menores exigir o oposto ou se a controvérsia disser respeito a questões matrimoniais ou a tutela de menores Em certas hipóteses por motivo de i moral pública de ii ordem pública ou de iii segurança nacional ou quando o iv interesse da vida privada das Partes o exija quando a publicidade prejudique os interesses da justiça a imprensa ou o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento Ademais são enunciadas as garantias mínimas a serem conferidas a todas as pessoas acusadas de um delito direito de ser informado sem demora da natureza e dos motivos da acusação de dispor de tempo e de meios necessários para a preparação de sua defesa e de se comunicar com o defensor de sua escolha direito de ser julgado sem demora indevida direito de estar presente no julgamento e defenderse pessoalmente ou por intermédio de defensor caso não possua defensor direito de ser informado do direito de ser assistido bem como direito de ter defensor designado de ofício gratuitamente caso não tenha condições de remunerálo direito de interrogar ou fazer interrogadas as testemunhas de acusação e de defesa direito de ser assistido gratuitamente por intérprete caso não compreenda a língua empregada no julgamento e finalmente de não ser obrigado a depor contra si mesmo nem a confessarse culpado Ainda são previstos o direito a recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior o direito a indenização da pessoa que sofreu pena decorrente de condenação por sentença posteriormente anulada ou que realizou ato para o qual foi posteriormente concedido indulto pela ocorrência ou descoberta de fatos novos que provem cabalmente a existência de erro judicial e o direito de não ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença com trânsito em julgado proibição do bis in idem No art 15 o Pacto estabelece garantias de ordem penal como o direito de não ser condenado por atos ou omissões que não constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional no momento em que foram cometidos princípio da legalidade a irretroatividade da lei penal mais gravosa e a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu Também o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica é garantido a toda pessoa em qualquer oportunidade art 16 Ademais ninguém poderá ser alvo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação devendo a lei proteger as pessoas de tais ingerências e ofensas art 17 O Pacto garante em seu art 18 direitos de fundamental importância para a manutenção de sociedades democráticas a liberdade de pensamento de consciência e de religião Nesse sentido toda pessoa tem a liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e de professála individual ou coletivamente de forma pública ou privada por meio do culto da celebração de ritos de práticas e do ensino assegurado aos pais e tutores legais o respeito quanto à educação religiosa e moral dos filhos Tal liberdade só poderá sofrer limitações estabelecidas em lei e desde que sejam necessárias para proteger a segurança a ordem a saúde ou a moral públicas ou ante a colisão dela com direitos e liberdades das demais pessoas Além disso ninguém poderá ser perseguido ou molestado por suas opiniões incluindose no direito à liberdade de expressão a liberdade de procurar receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza por qualquer meio de sua escolha Tal direito como todos os outros não é absoluto podendo estar sujeito a restrições que devem estar expressamente previstas em lei se forem necessárias para assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas e para proteger a segurança nacional a ordem a saúde ou a moral públicas art 19 Também deve ser proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra e qualquer apologia do ódio nacional racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação à hostilidade ou a violência art 20 Por seu turno os direitos de reunião pacífica e de associação são reconhecidos inclusive o direito de constituir sindicatos e de a eles filiarse para a proteção de seus interesses arts 21 e 22 podendo seu exercício estar sujeito apenas a restrições i previstas em lei e que sejam ii necessárias ao interesse da segurança nacional iii da segurança ou da ordem pública ou para iv proteger a saúde ou a moral pública ou v os direitos e as liberdades das demais pessoas Conferese ainda especial proteção à família como elemento natural e fundamental da sociedade reconhecendose o direito do homem e da mulher de contrair casamento que não será celebrado sem o consentimento livre e pleno dos futuros esposos e de constituir família Nesse sentido o Pacto prevê a obrigação dos Estados Partes de adotarem medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos durante o casamento e por ocasião de sua dissolução art 23 Contudo em 2000 a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia não mencionou o direito de contrair casamento como um direito apenas do homem e da mulher indicando apenas que esse direito ao casamento deverá ser garantido pelas legislações nacionais permitindo então a extensão de tal direito a casais do mesmo sexo Para as crianças explicitase o seu direito de não sofrer discriminação alguma por motivo de cor sexo língua religião origem nacional ou social situação econômica ou nascimento bem como o direito às medidas de proteção por parte de sua família da sociedade e do Estado que sua condição de menor requerer Toda criança tem o direito de adquirir uma nacionalidade e deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome art 24 No art 25 o Pacto enuncia os direitos de participação política garantindo a todo cidadão o direito e a possibilidade sem qualquer discriminação ou restrições infundadas de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos de votar e de ser eleito em eleições periódicas autênticas realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a manifestação da vontade dos eleitores e de ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país Finalmente garantese o direito à igualdade de todos perante a lei e o direito de sem discriminação alguma receber igual proteção da lei art 26 Sendo assim o Pacto explicita que a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça cor sexo língua religião opinião política ou de outra natureza origem nacional ou social situação econômica nascimento ou qualquer outra situação De outro lado nos Estados em que existam minorias étnicas religiosas ou linguísticas as pessoas a elas pertencentes não poderão ser privadas juntamente com os outros membros do grupo de ter sua própria vida cultural de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua art 27 Na Parte IV composta por dezenove artigos 28 a 45 o Pacto determina a constituição do Comitê de Direitos Humanos que receberá relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos civis e políticos e comunicações interestatais 135 Na Parte V composta por dois artigos o Pacto enuncia que nenhuma de suas disposições pode ser interpretada em detrimento das disposições da Carta das Nações Unidas e dos tratados constitutivos das agências especializadas art 46 tampouco em detrimento do direito inerente a todos os povos de desfrutar e utilizar plena e livremente suas riquezas e seus recursos naturais art 47 Esse dispositivo visa impedir que os direitos humanos sejam invocados para prejudicar outros valores caros às sociedades humanas bem como o direito à autodeterminação e desenvolvimento dos povos Finalmente na Parte VI constituída por seis artigos o Pacto apresenta as formas para assinatura ratificação e adesão art 48 a data de entrada em vigor art 49 a aplicação das disposições do Pacto a todas as unidades constitutivas dos Estados federativos art 50 a forma de proposição aprovação e entrada em vigor de emendas art 51 e as notificações relativas a todas essas situações art 52 21 PROTOCOLO FACULTATIVO AO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS O Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi adotado pela Resolução da Assembleia Geral da ONU na mesma ocasião em que o Pacto foi adotado em 16 de dezembro de 1966 com a finalidade de instituir mecanismo de análise de petições de vítimas ao Comitê de Direitos Humanos por violações a direitos civis e políticos previstos no Pacto 136 Possui em 2019 116 Estados partes Está em vigor desde 23 de março de 1976 No Brasil foi aprovado apenas em 16 de junho de 2009 pelo Decreto Legislativo n 3112009 O Brasil ratificou o Protocolo em 25 de setembro de 2009 e até 2019 não houve a edição de decreto de incorporação ver a repercussão dessa ausência no Caso Lula Logo as vítimas de violações de direitos protegidos no PIDCP contam com mais um mecanismo internacional de supervisão e controle das obrigações assumidas pelo Brasil 22 SEGUNDO PROTOCOLO ADICIONAL AO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS O Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte foi adotado e proclamado pela Resolução n 44128 da Assembleia Geral da ONU de 15 de dezembro de 1989 No Brasil foi aprovado junto do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos em 16 de junho de 2009 pelo Decreto Legislativo n 3112009 com a reserva expressa no art 2º O Brasil ratificou esse segundo protocolo em 25 de setembro de 2009 Possui em 2019 87 Estados partes Esse dispositivo art 2º prevê não ser admitida qualquer reserva ao Segundo Protocolo exceto se for formulada no momento da ratificação ou adesão que preveja a aplicação da pena de morte em virtude de condenação por infração penal de natureza militar de gravidade extrema cometida em tempo de guerra Com a reserva expressa feita pelo Brasil o Segundo Protocolo ficou compatível com o dispositivo da Constituição de 1988 que veda a pena de morte salvo em caso de guerra declarada nos termos do art 84 XIX art 5º XLVII a Embora a pena de morte não tenha sido aplicada no Brasil desde 1855 nem mesmo nas exceções constitucionalmente autorizadas pela Constituição 137 a incorporação do Protocolo vem na esteira da adesão ao Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos relativos à abolição da Pena de Morte adotado em 8 de junho de 1990 O Segundo Protocolo é composto por onze artigos Por meio dele reconhecese que nenhum indivíduo sujeito à jurisdição de um Estado Parte poderá ser executado devendo os Estados adotar todas as medidas adequadas para abolir a pena de morte no âmbito da sua jurisdição art 1º As medidas adotadas para implementar o Protocolo deverão ser informadas pelos Estados Partes nos relatórios que submeterem ao Comitê de Direitos Humanos art 40º do Pacto Também para aqueles que tenham feito a declaração prevista no art 41 no Pacto o reconhecimento de competência do Comitê para receber e apreciar comunicações nas quais um Estado Parte alega que outro não cumpre suas obrigações é extensivo às disposições do Segundo Protocolo art 4º salvo se declaração em contrário tenha sido feita no momento da ratificação ou adesão Além disso para os Estados que tenham aderido ao primeiro Protocolo Adicional ao Pacto de Direitos Civis e Políticos o mecanismo de petição de vítimas é extensivo às disposições do Segundo Protocolo salvo declaração em sentido contrário no momento da ratificação ou adesão art 5º QUADRO SINÓTICO Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Principais direitos garantidos Direito à vida Direito de não ser submetido à tortura a penas ou tratamentos cruéis nem a experiências médicas ou científicas sem seu livre consentimento Direito à liberdade e à segurança pessoais e de não ser preso ou encarcerado arbitrariamente nem privado de liberdade salvo pelos motivos previstos em lei Direito de que toda pessoa privada de liberdade seja tratada com humanidade e respeito à dignidade da pessoa humana Direito de não ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual Direito à livre circulação direito de sair livremente de qualquer país e de não ser privado arbitrariamente de entrar em seu próprio país Garantias processuais Direito de não ser condenado por atos ou omissões que não constituam delito de acordo com o direito nacional ou internacional irretroatividade da lei penal mais gravosa e a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica Direito a não ser alvo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação Liberdade de pensamento de consciência e de religião Direito de reunião Direito de associação pacífica Direito de contrair casamento e constituir família Direitos específicos das crianças direito de não sofrer discriminação alguma direito às medidas de proteção por parte de sua família da sociedade e do Estado que sua condição de menor requerer direito de adquirir uma nacionalidade Direito de participação política Direito à igualdade Mecanismo de monitoramento do Pacto Relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos civis e políticos ao Comitê de Direitos Humanos Comunicações interestatais que são submetidas ao exame do Comitê Protocolo Facultativo Mecanismo de petição individual ao Comitê Segundo Protocolo Adicional Objetivo de abolir a pena de morte Brasil fez reserva para assegurar a possibilidade de aplicação da pena de morte em caso de guerra declarada 3 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais foi adotado e aberto para assinatura ratificação e adesão pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em 19 de dezembro de 1966 em conjunto com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Entrou em vigor somente em 1976 três meses após a data do depósito do 35º instrumento de ratificação ou de adesão Possui em 2019 170 Estados partes O PIDESC é considerado um marco por ter assegurado destaque aos direitos econômicos sociais e culturais vencendo a resistência de vários Estados e mesmo da doutrina que viam os direitos sociais em sentido amplo como sendo meras recomendações ou exortações O Brasil não obstante tenha participado de forma ativa na sua elaboração só aprovou o texto do tratado por meio do Decreto Legislativo n 226 de 12 de dezembro de 1991 A Carta de Adesão ao PIDESC foi depositada em 24 de janeiro de 1992 e o Pacto entrou em vigor para o Brasil em 24 de abril de 1992 três meses após a data do depósito conforme determina seu art 27 parágrafo 2 Em 6 de julho de 1992 o PIDESC foi promulgado pelo Decreto n 591 que entrou em vigor interno na data de sua publicação em 7 de julho de 1992 O PIDESC possui trinta e um artigos divididos em cinco partes A primeira parte idêntica à do Pacto de Direitos Civis e Políticos consagra o direito de autodeterminação dos povos garantindo aos Estados a liberdade para determinar seu estatuto político bem como a obrigação de que tal direito seja promovido e respeitado pelos demais Estados A segunda parte formada de quatro artigos enuncia os compromissos assumidos pelo Estado especialmente com a finalidade de dar efetividade aos direitos econômicos sociais e culturais Nesse sentido estabelece a obrigação de o Estado adotar medidas inclusive pela assistência e cooperação internacionais para assegurar progressivamente o pleno exercício daqueles direitos Fruto do seu tempo o PIDESC reconheceu que os direitos sociais em sentido amplo são de realização progressiva devendo os Estados dispor do máximo dos recursos disponíveis para a sua efetivação o que não exclui a obrigatoriedade de sua promoção e após a proibição de retrocesso social Assim os direitos previstos no PIDESC são i obrigatórios bem como ii após sua implementação estão protegidos pela proibição do retrocesso ver Parte I Capítulo III item 56 A todos os Estados Partes do Pacto permitiuse a submissão dos direitos econômicos sociais e culturais unicamente a i limitações estabelecidas em lei em medida compatível com sua ii natureza e apenas tendo por finalidade iii favorecer o bemestar geral da sociedade Aos países em desenvolvimento permitiuse que determinem em que medida os direitos econômicos serão reconhecidos àqueles que não são seus nacionais Na Parte III composta por dez artigos arts 6º a 15 o PIDESC elenca de forma detalhada os direitos econômicos sociais e culturais e enuncia de forma geral as medidas adequadas para garantilos e tornálos efetivos Nesse sentido reconhecese o direito ao trabalho art 6º bem como o direito ao gozo de condições de trabalho equitativas e satisfatórias com remuneração mínima igualdade de valor sem distinções especialmente entre homens e mulheres segurança e higiene no trabalho igualdade de oportunidade de promoção no trabalho com base em fatores de tempo de serviço e capacidade além de descanso limitação de jornada e férias periódicas pagas e remuneração dos feriados art 7º Além disso é reconhecido o direito de toda pessoa à previdência social inclusive ao seguro social art 9º O Pacto garantiu também no art 8º o direito de toda pessoa fundar sindicatos e filiarse àqueles de sua escolha o qual não pode sofrer restrições senão i por lei e ii que sejam necessárias à sociedade democrática iii no interesse da segurança nacional ou da ordem pública ou iv para proteger os direitos e as liberdades alheias Previu também o direito dos sindicatos de formar federações confederações nacionais ou organizações sindicais internacionais bem como o direito de funcionarem sem obstáculos Finalmente previu o direito de greve Tais disposições não impedem a aplicação de restrições legais ao exercício de tais direitos pelos membros das forças armadas da polícia ou da administração dos Estados Nessa linha decidiu o STF em tema de repercussão geral Informativo STF n 860 de abril de 2017 que o exercício do direito de greve sob qualquer forma ou modalidade é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública ARE 654432GO rel orig Min Edson Fachin rel p o ac Min Alexandre de Moraes j 54 2017 Por outro lado esses dispositivos não autorizam que os Estados Partes da Convenção n 87 de 1948 da OIT Convenção Relativa à Liberdade Sindical e à Proteção do Direito de Sindicalização não ratificada pelo Brasil adotem medidas legislativas que restrinjam as garantias nela previstas Ainda são garantidas as mais amplas proteção e assistência possíveis à família apresentada como elemento fundamental da sociedade especialmente no momento de sua constituição e enquanto ela for responsável pela educação dos filhos ressaltandose que o matrimônio deve ser contraído com o livre consentimento dos cônjuges de acordo com determinadas tradições culturais o casamento é um arranjo entre famílias sem consentimento prévio dos envolvidos Garantese também especial proteção às mães por período razoável antes e depois do parto quando a elas deve ser concedida licença remunerada ou licença acompanhada de benefícios previdenciários adequados Nessa linha de concessão da licença remunerada e para evitar discriminação entre o filho adotivo e o não adotivo decidiu o STF que os prazos da licença adotante não podem ser inferiores ao prazo da licençagestante o mesmo valendo para as respectivas prorrogações Em relação à licençaadotante não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada STF RE 778889PE rel Min Roberto Barroso j 10 32016 com repercussão geral Informativo STF n 817 As crianças e adolescentes também são especiais sujeitos de proteção devendo o Estado adotar medidas especiais para sua proteção e assistência especialmente contra exploração econômica e social e sem qualquer distinção por motivo de filiação ou qualquer outra condição O Pacto atentou também para o gravíssimo problema do trabalho infantil determinando ao Estado a obrigação de estabelecer limites de idade para que fique proibido e punido por lei o emprego assalariado da mão de obra infantil bem como de punir por lei o emprego de crianças e adolescentes em trabalhos que lhes sejam nocivos à moral e à saúde ou que lhes façam correr perigo de vida ou ainda que lhes venham a prejudicar o desenvolvimento normal art 10 No Brasil o art 7º XXXII proíbe o trabalho a menores de dezesseis anos salvo na condição de aprendiz a partir de quatorze anos conforme redação dada pela EC 20 de 1998 No art 11 o Pacto reconhece o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado a si próprio e sua família mencionando expressamente a alimentação a vestimenta a moradia adequadas e a melhoria contínua de suas condições de vida bem como o direito fundamental de toda pessoa estar protegida contra a fome Para que os Estados Partes assegurem a efetivação do direito o Pacto ressalta a importância da cooperação internacional bem como a adoção de programas concretos para melhorar os métodos de produção conservação e distribuição de gêneros alimentícios e para assegurar a repartição equitativa dos recursos alimentícios O direito de toda pessoa desfrutar do mais elevado nível possível de saúde física e mental também é assegurado no Pacto art 12 devendo o Estado adotar as medidas necessárias para promover a redução da mortalidade infantil e do índice de natimortos bem como o desenvolvimento sadio das crianças a melhoria da higiene do trabalho e do meio ambiente a prevenção e o tratamento de doenças epidêmicas endêmicas profissionais e outras bem como a luta contra essas doenças e a criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de doença É assegurado também o direito à educação art 13 Para o PIDESC todos têm o direito à educação que deve visar i ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e ii fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais Além disso o direito à educação deve capacitar todas as pessoas a iii participar de uma sociedade livre iv favorecer a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e v entre todos os grupos raciais étnicos ou religiosos Nesse sentido o Pacto determinou o reconhecimento dos Estados de que a educação primária será obrigatória e acessível gratuitamente a todos que a educação secundária em suas diferentes formas inclusive a educação secundária técnica e profissional deve ser generalizada e tornada acessível a todos principalmente pela implementação progressiva do ensino gratuito que também a educação de nível superior deve ser tornada acessível a todos com base na capacidade de cada um por todos os meios apropriados e principalmente pela implementação progressiva do ensino gratuito que deve ser fomentada e intensificada a educação de base para as pessoas que não receberam ou não concluíram a educação primária Os Estados Partes que não tenham garantido a obrigatoriedade e gratuidade da educação primária no momento em que se tornarem Parte assumem o compromisso de elaborar e adotar no prazo de dois anos um plano de ação detalhado destinado à implementação progressiva dentro de um número razoável de anos estabelecidos no próprio plano do princípio da educação primária obrigatória e gratuita para todos art 14 Além disso o Estado Parte deve promover ativamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de ensino implementar um sistema adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições materiais do corpo docente No Brasil a Constituição de 1988 determina que a educação básica é obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria art 208 Não obstante isso reconhecese a liberdade dos pais e de tutores legais de escolher para seus filhos escolas distintas das criadas pelo Poder Público quando atenderem aos padrões mínimos de ensino determinados pelo Estado bem como de fazer com que seus filhos recebam educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções além da liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir instituições de ensino que obedeçam aos padrões mínimos determinados pelo Estado Os Estados Partes pelo Pacto reconhecem ainda a cada indivíduo o direito de participar da vida cultural desfrutar o processo científico e suas aplicações bem como beneficiarse da proteção de interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica literária ou artística de que seja autor Comprometemse a respeitar a liberdade indispensável à investigação científica e à atividade criadora Na Parte IV composta pelos arts 16 a 25 o Pacto estabelece a obrigatoriedade de os Estados Partes apresentarem relatórios sobre as medidas adotadas e sobre os progressos realizados com o objetivo de assegurar a observância dos direitos econômicos sociais e culturais Os relatórios devem ser encaminhados ao SecretárioGeral da ONU que enviará cópias ao Conselho Econômico e Social 138 para exame bem como às agências especializadas se os relatórios ou as partes a ele pertinentes tenham relação com matérias da competência desses organismos art 16 Houve ainda uma importante lacuna não foi criado um Comitê específico para monitorar o cumprimento do PIDESC pelos Estados tal como ocorreu com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Comitê de Direitos Humanos Essa diferença entre os dois Pactos evidenciava à época da redação 1966 o desejo dos Estados de não exigir para os direitos sociais econômicos e culturais a mesma força vinculante dos direitos civis e políticos Contudo em 1985 o Conselho Econômico e Social da ONU decidiu transformar um grupo de trabalho sobre o cumprimento do Pacto no Comitê de Direitos Sociais Econômicos e Culturais composto por 18 especialistas Resolução n 198517 de 28 de maio de 1985 Para suprir essa lacuna foi adotado em 2008 o Protocolo Facultativo ao PIDESC que criou por meio de um tratado internacional o Comitê de Direitos Sociais Econômicos e Culturais ver abaixo Por fim a Parte V integrada por seis artigos arts 26 a 31 estabelece a forma de assinatura ratificação e adesão ao Pacto art 26 a entrada em vigor art 27 o procedimento para emenda do Pacto art 29 bem como a aplicação do Pacto a todas as unidades constitutivas dos Estados Federativos art 28 31 PROTOCOLO FACULTATIVO AO PIDESC O Protocolo Facultativo ao Pacto sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais foi aprovado em 10 de dezembro de 2008 pela Assembleia Geral da ONU por ocasião do 60º aniversário da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos Como atingiu o mínimo de 10 ratificações o Protocolo entrou em vigor em 2013 mas o Brasil ainda não o ratificou Possui em 2019 somente 24 Estados partes Tendo em vista que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais previa apenas o mecanismo de informes gerais o Protocolo Facultativo veio contribuir para a efetivação dos direitos econômicos sociais e culturais ao combinar o sistema de petições o procedimento de investigação e as medidas provisionais cautelares reafirmando assim a exigibilidade e a justiciabilidade de tais direitos e os equiparando finalmente ao regime jurídico internacional dos direitos civis e políticos O Protocolo é composto por 22 artigos O art 1º prevê a competência do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais 139 para receber petições individuais ou no interesse de indivíduos e grupos de indivíduos que noticiem violação de direitos econômicos sociais e culturais realizadas pelo Estado Parte Este deve tomar todas as medidas necessárias para garantir que os indivíduos sob sua jurisdição não sejam submetidos a maustratos ou intimidação em decorrência de terem recorrido ao Comitê art 13 Esse Comitê não estava previsto no Pacto tendo sido criado por resolução do Conselho Econômico e Social Com o Protocolo o Comitê ganha inserção formal em um tratado Para que a comunicação possa ser admitida deve haver o prévio esgotamento dos recursos internos exceto quando a aplicação dos recursos seja injustificadamente prolongada A comunicação deve ser declarada inadmissível nas seguintes hipóteses i quando não for submetida ao Comitê no prazo de um ano após exauridos os recursos internos salvo se o autor demonstrar que não havia possibilidade de submetêla dentro da data limite ii quando a matéria já tiver sido examinada pelo Comitê ou tenha sido submetida a exame ou esteja sendo examinada por outro procedimento de investigação ou acordo internacional iii quando for incompatível com as disposições do Pacto iv bem como quando os fatos de que trata tenham ocorrido anteriormente à entrada em vigor do Protocolo para o Estado Parte interessado exceto se tenham continuado a ocorrer Também não serão admitidas as comunicações manifestamente mal fundamentadas não suficientemente comprovadas ou exclusivamente baseadas em relatos difundidos pela mídia quando representarem um abuso do direito de submeter uma comunicação quando forem anônimas ou não apresentadas por escrito Ademais o Comitê pode declinar comunicações que não revelem clara desvantagem a menos que considere que a comunicação levanta séria questão de importância geral O Comitê deve levar as comunicações submetidas a ele para conhecimento do Estado Parte interessado de maneira confidencial No prazo de seis meses o Estado deve submeter ao Comitê explicações ou declarações por escrito Observese que este considerará se as medidas tomadas pelo Estado foram razoáveis ocasião em que deverá observar que o Estado pode adotar uma série de possíveis medidas políticas para a implementação dos direitos econômicos sociais e culturais Com efeito tais direitos demandam prestações do Estado que podem ser concretizadas por uma infinidade de formas O Protocolo possibilita ainda que o Comitê transmita ao Estado Parte interessado pedido de medidas provisórias para sua urgente consideração com a finalidade de evitar possíveis danos irreparáveis em circunstâncias excepcionais a qualquer tempo depois do reconhecimento da comunicação e antes da decisão de mérito art 5 Ademais o Comitê pode disponibilizar os seus bons préstimos para a finalidade de se alcançar um acordo amigável entre as partes interessadas o qual encerrará a consideração da comunicação art 6 Além do sistema de petição individual ou no interesse de indivíduos pode haver também o procedimento entre os Estados também chamado de mecanismo interestatal art 10 por meio do qual se reconhece a competência do Comitê para receber comunicações em que o Estado Parte alega que outro não está cumprindo as obrigações previstas no Pacto Observese que o Estado que reconheceu a competência é que vai acionar o Estado que supostamente esteja violando os direitos econômicos sociais e culturais por meio de comunicação escrita Outro mecanismo estabelecido no Protocolo com a finalidade de fornecer meios para fazer cessar violações a direitos econômicos sociais e culturais é o procedimento de investigação arts 11 e 12 por meio do qual o Comitê convida o Estado Parte a cooperar no exame de informações caso receba informação confiável que indique graves ou sistemáticas violações pelo Estado de qualquer um dos direitos arrolados no Pacto Quando for apropriado com o consentimento do Estado Parte a investigação poderá incluir visita ao seu território Observe se que o Estado Parte pode declarar a qualquer tempo que reconhece tal competência bem como pode retirar sua declaração mediante notificação ao SecretárioGeral Dentre as medidas de assistência e cooperação internacional o Protocolo prevê a criação de um fundo fiduciário com a finalidade de assegurar a expertise e a assistência técnica aos Estados Partes para a implementação efetiva dos direitos econômicos sociais e culturais art 14 QUADRO SINÓTICO Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais Direitos econômicos sociais e culturais são de realização progressiva o que não exclui a obrigatoriedade de sua realização pelo Estado e a sua exigibilidade pela via judicial Principais direitos garantidos Direito ao trabalho Direito ao gozo de condições de trabalho equitativas e satisfatórias Direito de toda pessoa à previdência social Direito de toda pessoa fundar sindicatos e filiarse àqueles de sua escolha Direito de greve Direito à proteção e assistência familiar especialmente a mães e crianças Direito a um nível adequado de vida incluindo alimentação vestimenta moradia Direito à saúde física e mental Direito à educação Direito de participar da vida cultural desfrutar o processo científico e suas aplicações bem como beneficiarse da proteção de interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica literária ou artística de que seja autor Mecanismo de monitoramento do Pacto Relatórios periódicos ao Conselho Econômico e Social Mecanismo de efetivação dos direitos previstos no Protocolo Facultativo Comunicação individual ou no interesse de indivíduos ou grupos de indivíduos Procedimento interestatal Procedimento de investigação Medidas provisórias cautelares 4 Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura A Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura foi adotada em Genebra em 7 de setembro de 1956 Sucedeu a Convenção sobre Escravatura de 1926 emendada pelo Protocolo de 1953 com o intuito de intensificar os esforços para abolir a escravidão o tráfico de escravos e as instituições e práticas análogas à escravidão Possui em 2019 124 Estados partes O tratado veio em resposta a um problema persistente em todo o mundo que vem a ser as práticas análogas à escravidão também denominadas escravidão contemporânea O último país a abolir oficialmente a escravidão foi a Mauritânia pelo Decreto n 81234 somente em novembro de 1981 mas episódios de redução a condição análoga de escravo ainda ocorrem no mundo inclusive no Brasil No Brasil a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo n 66 de 1965 junto da Convenção sobre a escravatura assinada em Genebra em 25 de setembro de 1926 e emendada pelo Protocolo aberto à assinatura em 7 de dezembro de 1953 Em 6 de janeiro de 1966 foi efetuado o depósito do instrumento brasileiro de adesão junto ao SecretárioGeral das Nações Unidas e por meio do Decreto n 58563 de 1º de junho de 1966 deuse a promulgação A Convenção possui 15 artigos divididos em seis Seções A Seção IV é responsável por apresentar as definições utilizadas para os fins da Convenção Definese a escravidão repetindo o texto de 1926 como o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade sendo escravo aquele indivíduo que se encontra nessa condição Tráfico de escravos para a Convenção significa e compreende todo ato de captura aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizálo todo ato de um escravo para vendêlo ou trocálo todo ato de cessão por venda ou troca de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada assim como em geral todo ato de comércio ou transporte de escravos seja qual for o meio de transporte empregado Finalmente pessoa de condição servil é definida como a pessoa que se encontra em estado ou condição que resulte de alguma das instituições ou práticas consideradas análogas à escravidão São elas i a servidão por dívidas que é o o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer em garantia de uma dívida seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida ii a servidão entendida como a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei pelo costume ou por um acordo a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa contra remuneração ou gratuitamente determinados serviços sem poder mudar sua condição iii a instituição ou prática por meio da qual a mulher sem que possa recusar é prometida ou dada em casamento mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais tutor família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas iv a instituição ou prática por meio da qual o marido a família ou o clã tenha o direito de ceder a mulher a um terceiro a título oneroso ou não v a instituição ou prática por meio da qual a mulher possa ser transmitida com a morte do marido por sucessão a outra pessoa e vi a instituição ou prática em virtude da qual a criança ou o adolescente com menos de 18 anos seja entregue a um terceiro mediante remuneração ou não com a finalidade de sua exploração ou de seu trabalho Essa convenção está em linha com os demais tratados e normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos a começar pela própria Declaração Universal dos Direitos Humanos que estabelece em seu art 4º que ninguém será mantido em escravidão ou servidão e que a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas Por sua vez o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prevê em seu art 8º numerais 1 e 2 que ninguém poderá ser submetido à escravidão bem como que a escravidão e o tráfico de escravos em todos as suas formas ficam proibidos além de dispor que ninguém poderá ser submetido à servidão A Organização Internacional do Trabalho OIT em 1957 adotou a Convenção n 105 concernente à abolição do Trabalho forçado 140 Além disso a OIT previu a proibição da escravidão e suas práticas análogas na Convenção n 182 de 1999 sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e a ação imediata para sua eliminação 141 No que tange ao Direito Internacional Humanitário o Protocolo Adicional II às Convenções de Genebra 142 prevê que são e permanecerão proibidos em qualquer tempo ou lugar a escravidão e o tráfico de escravos em todas as suas formas art 42 f Também o Estatuto do Tribunal Internacional Penal 143 estipula que a escravidão pode constituirse em crime contra a humanidade definindoa como o exercício relativamente a uma pessoa de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas em particular mulheres e crianças art 72 c Assim os textos internacionais estão em linha com a Convenção de 1956 ora analisada que definiu a escravidão também chamada de escravidão clássica ou chattel como sendo o estado ou a condição de uma pessoa sobre a qual há o exercício de algum ou de todos os poderes que decorrem do direito de propriedade fixando seus dois elementos tradicionais 1 estado ou condição da vítima e 2 exercício de um ou mais atributos do direito de propriedade O primeiro elemento é comprovado quer exista uma situação jurídica reconhecida escravidão de jure que é o chattel também chamada de escravidão tradicional ou uma situação de facto Nessa linha a jurisprudência internacional alargou também o conceito de escravidão adaptandoo às formas fáticas de escravidão contemporâneas considerando que a diferença com a escravidão tradicional de jure chattel é apenas de grau 144 Nesse sentido o Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia enumerouse indicadores da existência de escravidão contemporânea em um caso concreto a restrição ou eliminação da autonomia e da liberdade de movimento b busca de benefício ao ofensor c ausência de consentimento ou consentimento viciado por quadro de abuso e violência d o abuso de poder explorando a vulnerabilidade da vítima e a exploração feita por exemplo pela obrigatoriedade de trabalho prostituição entre outras formas e f situação de tráfico de pessoas 145 Essa lista de indicativos não é exaustiva e depende do caso concreto Assim a proibição completa da escravidão e sua inserção como crime contra a humanidade é hoje norma costumeira do Direito Internacional 146 e a Convenção Suplementar de 1956 ora analisada é importante porque estendeu tal vedação a instituições e práticas análogas à escravidão como a servidão por dívidas Em 20 de outubro de 2016 a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pela violação do direito a não ser submetido a escravidão e tráfico de pessoas previsto no art 61 da Convenção Americana de Direitos Humanos no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil 147 Em 20 de outubro de 2016 a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pela violação do direito a não ser submetido a escravidão e tráfico de pessoas previsto no art 61 da Convenção Americana de Direitos Humanos no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil Para a Corte IDH a proibição da escravidão é norma imperativa do Direito Internacional jus cogens e implica em obrigações erga omnes sendo imposto aos Estados quando tomam conhecimento de um ato constitutivo de escravidão servidão ou tráfico de pessoas iniciar a investigação estabelecer as responsabilidades dos escravizadores 148 Voltando à Convenção de 1956 sua Seção I composta pelos arts 1º e 2º cuida de tais instituições e práticas análogas à escravidão O Estado Parte se compromete por meio dela a tomar medidas legislativas ou de outra natureza que sejam necessárias e viáveis para obter progressivamente a abolição das instituições e práticas análogas à escravidão e especialmente fixar idades mínimas adequadas para o casamento estimular a adoção de processos que permitam aos futuros cônjuges exprimir seu livre consentimento ao casamento bem como fomentar registros de casamento A Seção II composta pelos arts 3º e 4º diz respeito ao tráfico de escravos que consiste no ato de transportar ou tentar transportar escravos de um país a outro por qualquer meio de transportes e apresenta uma série de mandados de criminalização quanto a esse ato Novamente o Direito Internacional dos Direitos Humanos conta com o instrumento penal para fazer valer os direitos fundamentais A Convenção determina que a prática de tráfico de escravos ou a cumplicidade nele deverá constituir infração penal devendo ser as penas cominadas rigorosas nos termos do art 3º Além disso os Estados Partes ficam obrigados a tomar todas as medidas necessárias para impedir que navios e aeronaves autorizados a arvorar suas bandeiras transportem escravos bem como para punir os responsáveis por esse ato ou por utilizar o pavilhão nacional para essa finalidade Ademais os Estados Partes deverão tomar as medidas necessárias para que seus portos seus aeroportos e suas costas não possam servir para o transporte de escravos Como uma importante medida para garantir o objetivo da Convenção estabelecese que todo escravo que se refugiar a bordo de um navio de Estado Parte será livre ipso facto Na Seção III composta pelos arts 5º e 6º a Convenção versa sobre a escravidão e instituições e práticas análogas à escravidão Por meio dela o ato de escravizar uma pessoa ou de incitála a alienar sua liberdade ou a de alguém na sua dependência para escravizála deverá constituir infração penal bem como a participação nesse ato a tentativa ou a cumplicidade neles a submissão ou o incitamento a submissão de uma pessoa na sua dependência a uma condição resultante de alguma das instituições ou práticas análogas à escravidão Nos Estados em que a escravidão ou as instituições e práticas análogas à escravidão não estejam ainda completamente abolidas a Convenção prevê que o ato de mutilar de marcar com ferro em brasa ou por qualquer outro processo um escravo ou uma pessoa de condição servil para indicar sua condição infligir um castigo ou por qualquer outra razão bem como a cumplicidade em tais atos deverá constituir infração penal A Seção V versa sobre a cooperação entre os Estados Partes e com a ONU para a aplicação das disposições da Convenção e a comunicação de informações Finalmente a Seção VI composta pelos arts 9º a 15 traz as cláusulas finais da Convenção No art 9º estabelecese que não se admitirá nenhuma reserva à Convenção Devese ressaltar ademais que qualquer litígio que surgir entre os Estados Partes em relação à Convenção quanto a sua interpretação ou aplicação quando não resolvido por meio de negociação será submetido à Corte Internacional de Justiça a pedido de uma das Partes se não decidirem resolver a situação de outra maneira QUADRO SINÓTICO Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura Definições Escravidão o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade sendo escravo aquele indivíduo que se encontra nessa condição Tráfico de escravos significa e compreende todo ato de captura aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizálo todo ato de um escravo para vendêlo ou trocálo todo ato de cessão por venda ou troca de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada assim como em geral todo ato de comércio ou transporte de escravos seja qual for o meio de transporte empregado Pessoa de condição servil pessoa que se encontra em estado ou condição que resulte de alguma das instituições ou práticas consideradas análogas à escravidão São elas i a servidão por dívidas que é o o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer em garantia de uma dívida seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação de dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida ii a servidão entendida como a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei pelo costume ou por um acordo a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa contra remuneração ou gratuitamente determinados serviços sem poder mudar sua condição iii a instituição ou prática por meio da qual a mulher sem que possa recusar é prometida ou dada em casamento mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais tutor família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas iv a instituição ou prática por meio da qual o marido a família ou o clã tenha o direito de ceder a mulher a um terceiro a título oneroso ou não v a instituição ou prática por meio da qual a mulher possa ser transmitida com a morte do marido por sucessão a outra pessoa e vi a instituição ou prática em virtude da qual a criança ou o adolescente com menos de 18 anos seja entregue a um terceiro mediante remuneração ou não com a finalidade de sua exploração ou de seu trabalho Mecanismo de monitoramento Não foi previsto um mecanismo internacional Por outro lado a Convenção contém uma série de mandados de criminalização para os Estados Partes 5 Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio Tendo vista o reconhecimento do genocídio como crime de jus cogens bem como da necessidade de cooperação internacional para extirpálo a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio foi aprovada e proposta para assinatura e ratificação ou adesão pela Resolução n 260 A III da Assembleia Geral das Nações Unidas em 9 de dezembro de 1948 Possui em 2019 152 Estados partes Foi editada como resposta às barbáries cometidas durante a Segunda Guerra Mundial Entrou em vigor internacional em 12 de janeiro de 1951 conforme determina seu artigo XIII É o primeiro tratado que estabelece expressamente o conceito de genocídio cunhado em obra doutrinária de Lemkin em 1944 ao se referir às técnicas nazistas de ocupação de território na Europa tendo se inspirado nas partículas genos raça tribo e cídio assassinato 149 No Brasil a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo n 2 de 11 de abril de 1951 e o instrumento de ratificação foi depositado no secretariado geral da ONU em 15 de abril de 1952 Finalmente foi promulgada pelo Decreto n 30822 de Getúlio Vargas em 6 de maio de 1952 A Convenção é composta por dezenove artigos O art 1º enuncia que o genocídio quer seja cometido em tempo de paz quer em tempo de guerra é um crime internacional e os Estados Contratantes se comprometem por meio dela a prevenilo e a punilo Em seu art 2º a Convenção é pioneira em definir o genocídio que consiste na prática de quaisquer atos cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso tais como assassinato de membros do grupo atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física total ou parcial medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo e a transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo Exigese então o dolo específico de destruir em todo ou em parte o grupo nacional étnico racial ou religioso De acordo com a Convenção são punidos não só o genocídio mas também o acordo com vista a cometêlo o seu incitamento direto e público a tentativa e a cumplicidade nele art 3º As punições poderão ser aplicadas tanto a governantes e funcionários quanto a particulares ressaltandose novamente a eficácia horizontal dos direitos humanos art 4º A Convenção impede a consideração de tais atos como crimes políticos para fins de extradição obrigandose os Estados a conceder a extradição de acordo com a legislação e os tratados em vigor art 7º Por meio da Convenção as Partes ficam obrigadas a adotar as medidas legislativas necessárias para assegurar sua aplicação especialmente para prever sanções penais eficazes mandado de criminalização que recaiam sobre as pessoas que tenham praticado qualquer um dos atos supramencionados art 5º As pessoas acusadas da prática de genocídio ou aos atos a ele relacionados previstos no art 3º devem ser julgadas por tribunais competentes do Estado em cujo território o ato tenha sido cometido ou por tribunal criminal internacional que tiver competência quanto às Partes Contratantes que tenham reconhecido a sua jurisdição art 6º Esse tratado é o primeiro a entrar em vigor trazendo menção a um tribunal criminal internacional que seria constituído para julgar o genocídio Contudo somente em 1998 com o Estatuto de Roma que entrou em vigor em 2002 ver Parte II Capítulo VI sobre o TPI foi constituído o primeiro Tribunal Penal Internacional permanente apto a julgar crime de genocídio O Tribunal Internacional Militar de Nuremberg não julgou o crime de genocídio pois se entendeu que esse crime ainda não tinha sido tipificado no Direito Internacional É possível que as Partes Contratantes recorram aos órgãos competentes da ONU para que estes tomem as medidas que julgarem apropriadas para a prevenção e a repressão dos atos de genocídio de acordo com a Carta das Nações Unidas art 8º Ademais discrepâncias quanto à interpretação aplicação ou execução da Convenção poderão ser submetidas à Corte Internacional de Justiça CIJ a pedido de uma das partes envolvidas na questão art 9º Aproveitando desse dispositivo a Bósnia processou a Sérvia perante a CIJ acusandoa de envolvimento com a prática de genocídio contra os bósnios muçulmanos durante a guerra de secessão na exIugoslávia CIJ Caso da Aplicação da Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio j 2622007 Ao final a Corte Internacional de Justiça apenas condenou a Sérvia por se omitir na prevenção do genocídio mas considerou improcedente a acusação de ter praticado genocídio nos atos bárbaros praticados por forças paramilitares em especial no massacre da comunidade mulçumana de Srebrenica no qual se calcula que 8 mil pessoas tenham sido assassinadas Além de declarar o descumprimento do dever de prevenção a Corte condenou a Sérvia a transferir as pessoas acusadas a pedido do Tribunal Internacional Penal da exIugoslávia cooperando plenamente com aquele Tribunal Em 2015 a CIJ julgou o segundo caso de genocídio envolvendo a guerra de secessão da Iugoslávia em demanda promovida pela Croácia contra a Sérvia Neste caso a CIJ julgou improcedente a ação bem como a reconvenção counterclaim proposta pela Sérvia que acusou a Croácia da prática de genocídio Em ambas as situações ação e reconvenção a CIJ considerou que o genocídio envolve dois elementos i a prática dos atos já listados e ii a intenção de praticar o genocídio Nos casos provados de atos listados como de genocídio atribuídos à Croácia e Sérvia a Corte considerou que não foi provada a intenção Assim julgou improcedente tanto a ação quanto a reconvenção CIJ Caso da Aplicação da Convenção de Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio julgamento de 3 de fevereiro de 2015 Observese que se previu que a Convenção duraria dez anos contados da data de entrada em vigor Após esse período passaria a ficar em vigor por cinco anos e assim sucessivamente para as Partes Contratantes que não a tivessem denunciado seis meses pelo menos antes de expirar o termo art 14 QUADRO SINÓTICO Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio Definição de genocídio todos os atos de assassinato de membros do grupo atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física total ou parcial medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo a transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo desde que tais atos sejam cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso 6 Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade Assinada em Nova York em 26 de novembro de 1968 a Convenção sobre imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade entrou em vigor em 11 de novembro de 1970 90 dias após o depósito do décimo instrumento de ratificação Possui em 2019 55 Estados partes O objetivo da Convenção em apenas 11 artigos é evitar que regras prescricionais de direito interno impeçam a persecução e punição dos responsáveis por crimes de guerra e crimes contra a humanidade O art 1º prevê a imprescritibilidade independentemente da data dos fatos para i crimes de guerra definidos no Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg e na Convenção de Genebra para a proteção das vítimas de guerra de 1949 ii os crimes contra a humanidade definidos no Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg bem como a evicção por ataque armado a ocupação e atos inumados resultantes de práticas de apartheid e o crime de genocídio definido na Convenção para prevenção e repressão do crime de genocídio de 1948 Já o art 2º estipula que tais crimes são imprescritíveis em relação a representantes de Estado e indivíduos que tenham participado na qualidade de autores partícipes ou cúmplices assim como aqueles que tenham incitado conspirado ou tolerado a sua perpetração Os arts 3º e 4º preveem o dever dos Estados partes de adotar medidas para adequar suas legislações para permitir a extradição para fins de persecução e punição dos responsáveis pela prática dos crimes de guerra e contra a humanidade bem como para assegurar a sua imprescritibilidade no que diz respeito à pretensão punitiva e executória Ao final os arts 5º a 11 trazem disposições procedimentais da Convenção relativas a sua assinatura ratificação adesão entrada em vigor revisão e depósito A ausência de ratificação pelo Brasil desta Convenção não altera o regime jurídico gravoso consuetudinário dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra Há sólido costume internacional de imprescritibilidade desses crimes formado a partir da edição da Resolução n 95 de 1946 da Assembleia Geral da ONU que sucintamente afirmou os princípios do direito internacional reconhecidos nos julgamentos realizados pelo Tribunal de Nuremberg 150 Em 1947 a Comissão de Direito Internacional da ONU foi incumbida de codificar os princípios utilizados em Nuremberg para consolidar o avanço do Direito Internacional Penal Em 1950 a Comissão de Direito Internacional aprovou os seguintes sete princípios também chamados de princípios de Nuremberg 1º Todo aquele que comete ato que consiste em crime internacional é passível de punição 2º lei nacional que não considera o ato crime é irrelevante 3º as imunidades locais são irrelevantes 4º a obediência às ordens superiores não são eximentes 5º todos os acusados têm direito ao devido processo legal 6º são crimes internacionais os julgados em Nuremberg 7º conluio para cometer tais atos é crime 151 A Res n 95 e o trabalho feito pela Comissão de Direito Internacional foram posteriormente endossados pela prática dos Estados e reconhecidos em precedentes internacionais como espelhos do costume internacional Nesse sentido a Res n 3074 XXVIII de 1973 da Assembleia Geral da ONU consagrou a obrigação geral de eliminação de óbices internos ao combate internacional aos crimes de jus cogens proclamando a necessidade de cooperação dos Estados para punir os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade 152 Na jurisprudência internacional o Tribunal Internacional Penal para a exIugoslávia reconheceu o caráter costumeiro dos princípios de Nuremberg no julgamento do Caso Tadic 153 A Corte Interamericana de Direitos Humanos possui entre outros precedentes os julgamentos dos casos La Cantuta 154 Almonacid Arellano Neste último julgamento a Corte IDH determinou que a imprescritibilidade desses crimes não foi criada pela Convenção ora analisada mas sim foi constatada por ela 155 Por fim não é incomum que o Direito Internacional possua normas contidas em tratados e também em costume internacional Por isso a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados estabeleceu que uma regra prevista em um tratado pode se tornar obrigatória para Estados não partes caso seja uma regra consuetudinária de Direito Internacional art 38 Por exemplo as normas internacionais de Direito Internacional Humanitário estão contidas por exemplo nas Convenções de Genebra de 1949 vide supra sendo ainda os princípios elementares de direito humanitário de natureza costumeira vinculando todos os Estados Nessa linha a Corte Internacional de Justiça determinou que os princípios de direito humanitário são princípios elementares de humanidade pelo que todos os Estados devem cumprir essas normas fundamentais tenham ou não ratificado todos os tratados que as estabelecem porque constituem princípios invioláveis do Direito Internacional Consuetudinário 156 Por isso o Brasil deve cumprir a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra mesmo não tendo ainda ratificado a presente convenção Em 2016 o STF decidiu contra a imprescritibilidade dos crimes de jus cogens por apertada maioria 6 x 5 na extradição requerida pela Argentina de acusado de sequestrar e assassinar militantes políticos de esquerda entre 1973 e 1975 o que corresponderia em abstrato aos crimes previstos nos arts 288 parágrafo único associação criminosa armada 148 sequestro e cárcere privado e 121 homicídio todos do Código Penal CP Para a maioria os crimes analisados estavam prescritos de acordo com a lei brasileira tendo em vista que o Brasil não subscreveu a Convenção ora em análise impedindo que seu conteúdo vinculasse o país Extradição n 1362Argentina relator para o acórdão Min Teori Zavascki julgamento finalizado em 9112016 Votaram pelo indeferimento da extradição os Ministros Teori Zavascki Celso de Mello Luiz Fux Dias Toffoli Gilmar Mendes e Marco Aurélio vencidos os Ministros Edson Fachin relator original Roberto Barroso Ricardo Lewandowski e as Ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber Para o relator vencido Min Edson Fachin a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade decorre de norma imperativa costumeira do direito internacional integrante do regime internacional dos direitos humanos Conforme consta do voto do Min Fachin Como se depreende das razões apresentadas pelo Ministério Público a imprescritibilidade estaria fundada em norma costumeira cogente Assim para se reconhecer a imprescritibilidade dos delitos imputados ao extraditando é preciso examinar se essa disposição normativa pode ser por meio do direito internacional aplicável ao país A resposta é afirmativa Isso porque de acordo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos são imprescritíveis os crimes contra a humanidade 157 Esse voto é um marco no reconhecimento do i papel das normas costumeiras internacionais no ordenamento brasileiro e ii da natureza de jus cogens norma imperativa de determinadas previsões de proteção de direitos humanos 7 Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados foi concluída em Genebra em 28 de julho de 1951 e adotada pela Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas convocada pela Resolução n 429 V da Assembleia Geral das Nações Unidas de 14 de dezembro de 1950 Possui em 2019 146 Estados partes Inicialmente a Convenção possuía uma limitação temporal para acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e geográfica da definição de refugiado somente para os eventos ocorridos na Europa Em 1967 foi adotado o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados que eliminou tais limitações Esse Protocolo foi firmado com a finalidade de se aplicar a proteção da Convenção a outras pessoas que não apenas aquelas que se tornaram refugiadas em resultado de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 O texto do Protocolo possui onze artigos dentre os quais aquele que prevê a cooperação das autoridades nacionais com o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e seu dever de fornecer informações e dados estatísticos sobre a condição de refugiados a aplicação do Protocolo e sobre as leis regulamentos e decretos que possam vir a ser aplicáveis em relação aos refugiados artigo II No Brasil a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n 11 de 7 de julho de 1960 com exclusão dos seus arts 15 direito de associação e 17 exercício de atividade profissional assalariada Em 15 de novembro de 1960 foi depositado junto ao SecretárioGeral da ONU o instrumento de ratificação e a Convenção foi promulgada pelo Decreto n 50215 de 28 de janeiro de 1961 O Protocolo de 1967 foi promulgado internamente com o Decreto n 70946 de 7 de agosto de 1972 tendo sido superada a limitação temporal Quanto à barreira geográfica esta foi derrubada somente em 19 de dezembro de 1989 por meio do Decreto n 98602 Pelo Decreto n 99757 de 1990 o Governo brasileiro retirou as reservas aos arts 15 e 17 da Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados ficaram derrubadas também as restrições quanto ao direito de associação e exercício de atividade profissional assalariada aos refugiados A Convenção é formada por 46 artigos divididos em sete capítulos disposições gerais situação jurídica empregos remunerados bemestar medidas administrativas disposições executórias e transitórias cláusulas finais Combinandose o que determina o art 1º do Protocolo com o art 1º da Convenção podese definir refugiado como pessoa que é perseguida ou tem fundado temor de perseguição por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas e encontra se fora do país de sua nacionalidade ou residência e que não pode ou não quer voltar a tal país em virtude da perseguição ou fundado temor de perseguição A proteção da Convenção poderá cessar em hipóteses nela expressamente discriminadas relacionadas ao fato de que a pessoa recuperou a nacionalidade voluntariamente ou voltou a se valer da proteção do país de que é nacional adquiriu nova nacionalidade e consequentemente a proteção do país cuja nacionalidade adquiriu voltou a estabelecerse voluntariamente no país que abandonou se deixaram de existir as circunstâncias em consequência das quais a pessoa foi reconhecida como refugiada A Convenção não é aplicável a pessoas que cometeram um crime contra a paz um crime de guerra ou um crime contra a humanidade conforme determinem instrumentos internacionais que cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidas como refugiados e que se tornaram culpadas de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas O art 2º da Convenção prevê as obrigações gerais de todo refugiado dentre as quais está a obrigação de respeitar as leis e regulamentos do país de acolhida assim como as medidas que visam a manutenção da ordem pública do país em que se encontra De outro lado os Estados se comprometem a aplicar as disposições da Convenção aos refugiados sem discriminação quanto à raça à religião ou ao país de origem art 3º Ademais devem proporcionar aos refugiados tratamento proporcionado aos nacionais no que concerne à liberdade de praticar sua religião e no que concerne à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos art 4º No Capítulo II a Convenção versa sobre a situação jurídica dos refugiados O art 12 estabelece que o estatuto pessoal do refugiado será regido pela lei do país de seu domicílio ou na falta de domicílio pela lei do país de sua residência Ademais os direitos que tenha adquirido anteriormente que decorram do estatuto pessoal especialmente os que resultam do casamento devem ser respeitados pelo Estado Contratante ressalvado se for o caso o cumprimento das formalidades previstas pela legislação do Estado Quanto à aquisição de propriedade móvel ou imóvel e a outros direitos a ela referentes ao aluguel e aos outros contratos relativos a propriedade móvel ou imóvel os Estados Contratantes devem conceder ao refugiado um tratamento tão favorável quanto possível e não menos favorável do que é concedido nas mesmas circunstâncias aos estrangeiros em geral art 13 Quanto à propriedade industrial e à propriedade literária artística e científica o refugiado deve se beneficiar no país em que tem sua residência habitual da proteção que é conferida aos nacionais do referido país e no território de outros Estados Contratantes deve se beneficiar da proteção dada aos nacionais do país no qual tem sua residência habitual art 14 Ainda quanto à situação jurídica do refugiado a Convenção garante direitos de associação aos refugiados quanto a associações sem fins políticos e lucrativos e a sindicatos profissionais com o tratamento mais favorável concedido aos nacionais de um país estrangeiro art 15 Ademais garantese aos refugiados o direito de propor ações em juízo assegurandose o livre e fácil acesso aos tribunais com o mesmo tratamento recebido por um nacional incluindose aí a assistência judiciária e a isenção de cautio judicatum solvi 158 art 16 O Capítulo III cuida do exercício de empregos remunerados pelos refugiados determinando a aplicação do mesmo tratamento dispensado ao estrangeiro Para as profissões assalariadas art 17 garantese que os refugiados gozarão nas mesmas circunstâncias do tratamento conferido aos estrangeiros salvo quando medidas restritivas a estrangeiros forem impostas quando o refugiado delas estiver dispensado na data da entrada em vigor da Convenção para o Estado ou nas seguintes hipóteses residir há três anos no país ser cônjuge de pessoa nacional do país de residência ou ter filho ou filhos de nacionalidade do país de residência Também quanto às profissões não assalariadas na agricultura na indústria no artesanato no comércio e para instalação de firmas comerciais e industriais também deve ser concedido tratamento favorável ou não menos favorável que o concedido ao estrangeiro Finalmente também para o exercício das profissões liberais os refugiados terão tratamento tão favorável quanto possível e não menos favorável ao que é dado a estrangeiros desde que possuam diplomas reconhecidos pelas autoridades competentes do Estado O Capítulo IV arts 20 a 24 por sua vez contém disposições sobre o bemestar dos refugiados Inicialmente determina o tratamento do refugiado como o nacional em caso de racionamento de produtos de que há escassez art 20 assim como para o tratamento em matéria de assistência e de socorros públicos art 23 e oferecimento de ensino primário Quanto aos graus de ensino superiores ao primário os Estados devem dar aos refugiados um tratamento tão favorável quanto possível e em todo caso não menos favorável do que aquele que é dado aos estrangeiros em geral nas mesmas circunstâncias art 22 Quanto a alojamentos devese dar aos refugiados o tratamento tão favorável quanto possível e em todo caso tratamento não menos favorável do que aquele que é dado nas mesmas circunstâncias aos estrangeiros em geral art 21 Quanto à legislação do trabalho os Estados Contratantes podem dar aos refugiados que residam regularmente no seu território o mesmo tratamento dado aos nacionais relativamente a remuneração duração do trabalho horas suplementares férias pagas restrições ao trabalho doméstico idade mínima para o emprego aprendizado e formação profissional trabalho das mulheres e dos adolescentes e gozo das vantagens proporcionadas pelas convenções coletivas Também recebem o mesmo tratamento dado aos nacionais quanto a previdência social acidentes do trabalho moléstias profissionais maternidade doença invalidez velhice morte desemprego encargos de família além de qualquer outro risco que esteja previsto no sistema de previdência social conforme determina o art 24 O Capítulo V arts 25 a 34 versa ainda sobre medidas administrativas relativas aos refugiados Primeiramente o refugiado deve receber do Estado assistência administrativa para o exercício de direitos que normalmente exigem assistência estrangeira porque evidentemente não podem com ela contar art 25 Qualquer refugiado que não possua documento de viagem válido deverá receber do Estado Contratante documento de identidade art 27 e documentos de viagem para que possam viajar para fora do território salvo por razões imperiosas de segurança nacional ou ordem pública art 28 Com efeito aos refugiados é garantida a liberdade de movimento para escolherem sua residência e circularem no território livremente com as reservas aplicáveis aos estrangeiros art 26 Os refugiados também não poderão ser submetidos a emolumentos alfandegários taxas e impostos além do que cobrados dos seus nacionais em situações análogas art 29 e o Estado deve permitir que transfiram os bens necessários à sua reinstalação para outro país art 30 Os refugiados em situação irregular no país de refúgio não serão submetidos a sanções caso se apresentem sem demora às autoridades e expuserem razões aceitáveis para sua entrada ou presença irregulares e apenas restrições necessárias podem ser impostas ao seu deslocamento art 31 Ademais o refugiado que estiver regularmente em um território não poderá ser expulso salvo por motivos de segurança nacional ou ordem pública mediante decisão judicial proferida em atendimento ao devido processo legal O refugiado não poderá ser expulso ou rechaçado para fronteiras de territórios em que sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em decorrência de sua raça religião nacionalidade grupo social a que pertença ou opiniões políticas o que consagra o princípio do non refoulement proibição do rechaço O princípio da proibição do rechaço entretanto não poderá ser invocado se o refugiado for considerado por motivos sérios um i perigo à segurança do país ou ii se for condenado definitivamente por um crime ou delito particularmente grave constitua ameaça para a comunidade do país no qual ele se encontre art 33 Obviamente o Estado deve fundamentar esse rechaço evitando que essa cláusula seja utilizada arbitrariamente simplesmente para diminuir o número de solicitantes de refúgio no Estado de acolhida Por fim a Convenção prevê que os Estados Contratantes devem facilitar na medida do possível a naturalização dos refugiados esforçandose para acelerar o processo e reduzir suas taxas e despesas art 34 O Capítulo VI traz as disposições executórias e transitórias arts 35 a 37 dentre as quais a necessidade de cooperação dos Estados Contratantes com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados art 35 e finalmente o Capítulo VII apresenta as cláusulas finais da Convenção arts 38 a 46 QUADRO SINÓTICO Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados e Protocolo Facultativo Definição de refugiado A pessoa que temendo ser perseguida por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas encontrase fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou em virtude desse temor não quer valerse da proteção desse país ou que se não tem nacionalidade Direito de receber dos Estados Partes tratamento pelo menos tão favorável como o que é proporcionado aos nacionais no que concerne à liberdade de praticar sua religião e no que concerne à liberdade de instrução religiosa dos seus filhos Direitos de associação quanto a associações sem fins políticos e lucrativos e a sindicatos profissionais Direito de propugnar em juízo assegurandose o livre e fácil acesso aos tribunais com o mesmo tratamento recebido por um nacional incluindose aí a assistência judiciária e a isenção de cautio judicatum solvi Direito a receber o mesmo tratamento dispensado ao estrangeiro no exercício de empregos remunerados Direito a receber tratamento concedido ao nacional em caso de racionamento de produtos de que há escassez Direito a receber tratamento concedido ao nacional em matéria de assistência e de socorros públicos Direito a receber tratamento concedido ao nacional em matéria de oferecimento de ensino primário Quanto aos graus de ensino superiores ao primário os Estados devem dar aos refugiados um tratamento tão favorável quanto possível e em todo caso não menos favorável do que aquele que é dado aos estrangeiros em geral nas mesmas circunstâncias Direito de receber tratamento para a concessão de alojamentos tão favorável quanto possível e em todo caso não menos favorável do que aquele que é dado nas mesmas circunstâncias aos estrangeiros em geral Direito a receber o mesmo tratamento dado aos nacionais quanto à legislação do trabalho relativamente a remuneração duração do trabalho horas suplementares férias pagas restrições ao trabalho doméstico idade mínima para o emprego aprendizado e formação profissional trabalho das mulheres e dos adolescentes e gozo das vantagens proporcionadas pelas convenções coletivas Direito de receber o mesmo tratamento dado aos nacionais quanto a previdência social acidentes do trabalho moléstias profissionais maternidade doença invalidez velhice morte desemprego encargos de família além de qualquer outro risco que esteja previsto no sistema de previdência social Direito de receber do Estado assistência administrativa para o exercício de direitos que normalmente exigem assistência estrangeira Direito de receber do Estado Contratante documento de identidade quando não possua documento de viagem válido e documentos de viagem para viajar para fora do território Direito à liberdade de movimento para escolha da residência e para circulação no território de livremente com as reservas aplicáveis aos estrangeiros Direito de não ser submetido a emolumentos alfandegários taxas e impostos além do que cobrados dos seus nacionais em situações análogas Direito de não ser submetido a sanções caso o refugiado se apresente sem demora às autoridades e exponha razões aceitáveis para sua entrada ou presença irregulares direito de que apenas restrições necessárias podem ser impostas ao seu deslocamento Direito de não ser expulso salvo por motivos de segurança nacional ou ordem pública mediante decisão judicial proferida em atendimento ao devido processo legal Situação jurídica do refugiado Estatuto pessoal do refugiado é regido pela lei do país de seu domicílio ou na falta de domicílio pela lei do país de sua residência Os direitos que tenha adquirido anteriormente que decorram do estatuto pessoal especialmente os que resultam do casamento devem ser respeitados pelo Estado Contratante ressalvado se for o caso o cumprimento das formalidades previstas pela legislação do Estado Quanto à aquisição de propriedade móvel ou imóvel e a outros direitos a ela referentes ao aluguel e aos outros contratos relativos a propriedade móvel ou imóvel os Estados Contratantes devem conceder ao refugiado um tratamento tão favorável quanto possível e não menos favorável do que é concedido nas mesmas circunstâncias aos estrangeiros em geral Quanto à propriedade industrial e à propriedade literária artística e científica o refugiado deve se beneficiar no país em que tem sua residência habitual da proteção que é conferida aos nacionais do referido país e no território de outros Estados Contratantes deve se beneficiar da proteção dada aos nacionais do país no qual tem sua residência habitual 8 Declaração de Nova York sobre Refugiados e Migrantes Em setembro de 2016 os Estados membros da ONU adotaram a Declaração de Nova York sobre Refugiados e Migrantes que consiste em ato político e de natureza de soft law sem força vinculante mas que i conclama os Estados a atuarem de acordo com seu texto e ii pugna pela formulação de nova política internacional sobre refugiados e migrantes para os próximos anos A Declaração foi adotada por consenso entre os 193 Estados membros da ONU tendo como pano de fundo o aumento dos fluxos de pessoas em todo o globo nas últimas décadas tanto em virtude de conflitos internos perseguições violações maciças de direitos humanos mudanças climáticas desastres de toda natureza ou por busca de melhores condições de vida Os Estados calculam que aproximadamente 244 milhões de pessoas vivem em Estados distintos de onde nasceram Para enfrentar essa situação os Estados adotaram os seguintes compromissos genéricos proteger os direitos humanos de todos os refugiados e migrantes não importando o estatuto migratório respeitando a Declaração Universal dos Direitos Humanos e demais tratados internacionais condenar a discriminação contra os refugiados e migrantes e reconhecer que a diversidade fortalece e enriquece toda sociedade devendo ser impedida a xenofobia intolerância racismo e tratamentos discriminatórios assegurar a cooperação internacional para que um Estado não tenha que lidar isoladamente com esses fluxos de pessoas A responsabilidade pelo acolhimento aos refugiados e migrantes deve ser compartilhada as crianças refugiadas e migrantes devem ter tratamento adequado ao seu melhor interesse e ter direito à educação com base na Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças adotar medidas para prevenir e reprimir a violência sexual e baseada em gênero dos migrantes e refugiados fortalecer o acolhimento aos refugiados com base em um redesenho das responsabilidades dos Estados sociedade civil e agências da ONU em especial o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ACNUR fortalecer a governança global da migração pela inserção da Organização Internacional de Migrações como agência especializada da ONU A Declaração lançou também os próximos passos que dizem respeito à i edição de princípios orientadores sobre o tratamento de migrantes em situação de vulnerabilidade ii adoção de novo pacto envolvendo a repartição dos custos e responsabilidade pelo acolhimento dos refugiados e migrantes QUADRO SINÓTICO Declaração de Nova York sobre refugiados e migrantes Natureza jurídica Soft law mas deve ser utilizado como instrumento de interpretação da dignidade humana e das obrigações internacionais de tratados como a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças etc que podem incidir sobre os refugiados e migrantes Objetivo Tratar das obrigações mínimas dos Estados no trato dos refugiados e migrantes Uso no Brasil Como o Brasil já ratificou os tratados de direitos humanos que podem incidir sobre os refugiados e migrantes esta Declaração pode auxiliar na interpretação dos comandos desses tratados 9 Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas 1954 A Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas assinada em 28 de setembro de 1954 em Nova York entrou em vigor em 6 de junho de 1960 90 dias após o depósito do sexto instrumento de ratificação A Convenção conta em 2019 com 91 Estados partes incluindo o Brasil que ratificou a Convenção em 1996 e a promulgou internamente pelo Decreto n 4246 de 22 de maio de 2002 O objetivo da Convenção organizada em 42 artigos e um Anexo foi garantir aos apátridas no contexto do pósSegunda Guerra Mundial amplo acesso aos direitos e garantias fundamentais O capítulo I arts 1º a 11 traz as disposições gerais sobre os direitos e deveres dos apátridas Conceituase apátrida como toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado conforme sua legislação Foram excetuados da proteção da Convenção i aqueles que recebam proteção ou assistência de órgão ou agência das Nações Unidas diverso do Alto Comissariado para os Refugiados e ii aqueles que o Estado de residência já reconheceu como titulares dos mesmos direitos e deveres de seus nacionais Ainda a Convenção não será aplicável aos indivíduos que iii cometerem crime contra paz crime de guerra crime contra a humanidade ou crime grave de natureza não política fora do país de sua residência antes da sua admissão naquele Estado e iv aos que forem condenados por ato contrário aos princípios da ONU O art 2º prevê o dever dos apátridas de respeitarem as leis e a ordem pública do Estado em que se encontrem Os arts 3º e 4º dispõem sobre os direitos de não discriminação e liberdade de religião aos apátridas Já os dois artigos subsequentes abordam as condições para o exercício dos direitos previstos na Convenção o art 5º garante que a Convenção não afete outros direitos concedidos aos apátridas e o art 6º estabelece que o apátrida cumpra as mesmas condições necessárias à permanência ou residência no Estado que aquele que possui uma nacionalidade com exceção daqueles requisitos que não puderem ser cumpridos como decorrência da sua apatridia A dispensa da reciprocidade é prevista no art 7º Aos apátridas deve ser concedido o mesmo regime dos estrangeiros em geral dispensada após três anos de residência a necessidade de reciprocidade legislativa Ainda na falta de reciprocidade devem ser concedidos aos apátridas os direitos de propriedade exercício profissional habitação e instrução que já lhes eram garantidos na entrada em vigor da Convenção para o Estado em que residem Outra hipótese de dispensa é disciplinada no art 8º que estipula que as medidas excepcionais adotadas contra pessoa bens ou interesses de determinado Estado não podem ser aplicadas contra apátridas apenas com base no fato de terem possuído determinada nacionalidade Contudo o art 9º dispõe que enquanto não for determinada a condição de apátrida é permitido ao Estado excepcionalmente em caso de guerra ou circunstância grave adotar medidas temporárias contra a pessoa com o fim de garantir a segurança nacional Os arts 10 e 11 versam sobre duas situações específicas dos apátridas os apátridas deportados durante a Segunda Guerra Mundial e os marítimos apátridas Abordase o dever de continuidade de residência de apátridas deportados durante a guerra e estimulamse os Estados a admitirem temporariamente apátridas empregados em navio que arvorem a sua bandeira O Capítulo II arts 12 a 16 trata da condição jurídica dos apátridas O seu estatuto pessoal tema de Direito Internacional Privado 159 é regido pela lei do Estado de seu domicílio ou na sua ausência de sua residência sendo respeitados os direitos de casamento anteriormente adquiridos desde que aceitos no Estado e respeitadas as formalidades legais Os direitos de aquisição de propriedade móvel e imóvel bem como o direito de associação por apátridas devem ser os mesmos concedidos aos demais estrangeiros Já a proteção da propriedade intelectual e industrial bem como os direitos de demandar em juízo devem ser os mesmos garantidos aos nacionais do Estado em que o apátrida possui residência habitual Os arts 17 a 19 do Capítulo III abordam os empregos dos apátridas No que se refere ao exercício de atividade profissional assalariada não assalariada ou liberal aos apátridas deve lhes ser dado tratamento tão favorável quanto ao proporcionado aos estrangeiros Ademais os Estados devem esforçarse para adotar programas de recrutamento de mão de obra e planos de imigração para favorecer os apátridas Os benefícios sociais dos apátridas estão previstos no Capítulo IV arts 21 a 24 Em casos de racionamento e de assistência pública os apátridas devem ser considerados como nacionais No que se refere à habitação os apátridas têm os mesmos direitos dos estrangeiros e no tocante à educação pública o direito de participação no ensino primário dos apátridas deve equivaler ao dos nacionais e nas demais categorias de ensino e bolsas de estudos deve ser igual ao tratamento dado aos estrangeiros Os direitos trabalhistas dos apátridas são os mesmos dos nacionais relativamente à remuneração duração da jornada de trabalho férias restrições idade de admissão trabalho das mulheres e menores e temas abarcados em convenções coletivas de trabalho Os direitos de previdência social também em geral se equivalem entre nacionais e apátridas O Capítulo V trata das medidas administrativas arts 25 a 32 as quais incluem assistência administrativa liberdade de movimento documentos de identidade e de viagem encargos fiscais transferência de bens expulsão e naturalização Assim a assistência necessária ao exercício de um direito incluindo a expedição de documentos de identidade e de viagem deve ser prestada pelo Estado em que o apátrida residir Aos apátridas é garantida a liberdade de circulação e residência dentro do Estado em que se encontram nos mesmos moldes em que é permitido aos estrangeiros Ainda lhes é garantida liberdade de transferir os bens que lhes pertencerem para outro Estado em que desejem se reinstalarem Ademais os impostos e taxas a serem pagos pelos apátridas não podem ser mais elevados do que aqueles cobrados dos nacionais A naturalização do apátrida deve ser estimulada com desburocratização do procedimento e redução de taxas e despesas Por outro lado a expulsão dos apátridas somente pode ocorrer por motivos de segurança nacional ou ordem pública decorrente de decisão proferida em processo com contraditório devendo em caso de expulsão ser concedido ao apátrida prazo razoável para obtenção de admissão regular em outro Estado Como veremos a Lei de Migração Lei n 134452017 tem dispositivos sobre a apatridia em linha com a presente Convenção Finalmente o Capítulo VI arts 33 a 42 trata das cláusulas finais Prevêse a Corte Internacional de Justiça como foro para solução de controvérsias sobre a interpretação ou aplicação da Convenção quando a disputa não puder ser resolvida por outros meios Ainda há disposição sobre a aplicação territorial da Convenção sua adesão ratificação reservas entrada em vigor denúncia revisão e comunicações ao SecretárioGeral da ONU A Convenção possui ainda um Anexo que descreve os requisitos prazos e validade do documento de viagem a ser expedido para os apátridas de modo a possibilitarlhes viajar fora do Estado de sua residência regular QUADRO SINÓTICO Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas Definição de apátrida e as exclusões Apátrida é toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado conforme sua legislação A Convenção não se aplica aos indivíduos i que recebem proteção ou assistência de órgão ou agência das Nações Unidas diverso do Alto Comissariado para os Refugiados ii que o Estado de residência já reconheceu como titulares dos mesmos direitos e deveres de seus nacionais iii que cometerem crime contra paz crime de guerra crime contra a humanidade ou crime grave de natureza não política fora do país de sua residência antes da sua admissão naquele Estado e iv que forem condenados por ato contrário aos princípios da ONU Objetivo Amplo acesso aos direitos e garantias fundamentais Término da proteção Naturalização do apátrida deve ser estimulada com desburocratização do procedimento e redução de taxas e despesas Expulsão dos apátridas somente pode ocorrer por motivos de segurança nacional ou ordem pública decorrente de decisão proferida em processo com contraditório Em caso de expulsão ser concedido ao apátrida prazo razoável para obtenção de admissão regular em outro Estado 10 Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia 1961 A Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia foi editada em 30 de agosto de 1961 tendo entrado em vigor em 13 de dezembro de 1975 dois anos após a data do depósito do sexto instrumento de ratificação ou de adesão Em 2019 a Convenção conta com 73 Estados partes A ratificação pelo Brasil foi feita em 25 de outubro de 2007 tendo entrado em vigor internacionalmente para o Brasil em 23 de janeiro de 2008 Curiosamente a Convenção somente foi promulgada internamente pelo Decreto n 8501 em 18 de agosto de 2015 Visando evitar a apatridia nas suas mais diversas formas a Convenção está organizada em 20 artigos que abordam a concessão arts 1º a 4º a perda arts 5º a 7º a privação de nacionalidade arts 8º e 9º e a transferência de território art 10 além de aspectos procedimentais como a criação de organismo internacional art 11 e a solução de controvérsias sobre a Convenção art 14 O art 1º prevê que os Estados concedam a sua nacionalidade a pessoa nascida em seu território que seria apátrida no momento do nascimento pleno direito ou mediante requerimento com prazos de idade e requisitos de residência e ausência de determinadas condenações criminais Ainda independentemente de requerimento em casos em que seria apátrida adquire nacionalidade o filho nascido no território da nacionalidade da sua mãe Ademais a pessoa que seria apátrida e que não pode adquirir a nacionalidade do Estado em que tiver nascido por não preencher os requisitos exigidos adquirirá a nacionalidade do Estado de um de seus pais O art 2º estipula presunção sobre menor abandonado o qual salvo prova em contrário será considerado nascido no território em que se encontra presumindose também que seus pais possuem a nacionalidade daquele Estado Já o art 3º prevê que pessoa nascida a bordo de navio ou aeronave seja considerada como nascida no território do Estado de sua bandeira O art 4º complementa a parte final do art 1º descrevendo os critérios e condições para que seja concedida à pessoa que seria apátrida a nacionalidade que um de seus pais possuía no momento do seu nascimento Já o art 5º impede a configuração da apatridia em situações de perda de nacionalidade em decorrência de mudança de estado civil casamento separação adoção reconhecimento de filiação etc condicionando tais hipóteses a aquisição de outra nacionalidade O próprio artigo traz ainda a possibilidade de reaquisição da nacionalidade por requerimento para o filho que a perdeu como consequência de reconhecimento de filiação A seguir o art 6º impede que a perda da nacionalidade de um dos cônjuges ou de um dos pais acarrete a perda da nacionalidade do outro cônjuge ou dos filhos que não possuam outras nacionalidades O art 7º veda a renúncia à nacionalidade sem a aquisição de outra nacionalidade exceto em casos de violação ao direito de liberdade de circulação ou perseguição dentro do Estado Ademais impedese a perda da nacionalidade de nacional quando disso decorrer apatridia excetuandose dessa regra os naturalizados que podem perder sua nacionalidade se residirem em seu Estado de origem por período superior ao previsto na lei que deve ser superior a sete anos consecutivos bem como não declararem sua intenção de conservar a nacionalidade adquirida Outra exceção diz respeito aos nacionais nascidos fora de seu território sendo permitido que o Estado subordine a conservação da sua nacionalidade após a maioridade do interessado à residência ou registro no território Os arts 8º e 9º estabelecem o dever dos Estados de não privar nacionalidade quando desta decorrer apatridia Tal regra possui várias exceções i naturalizados ii nacionalidade obtida mediante fraude ou falsidade iii violação dos deveres de lealdade com o Estado por exemplo continuar a prestar serviço para outro Estado iv declaração formal de lealdade a outro Estado Nesses casos deve ser assegurado ao interessado ampla defesa e contraditório no processo de privação de nacionalidade Ademais é proibido privar pessoa de sua nacionalidade por motivo racial étnico religioso ou político A proibição da apatridia decorrente da transferência de território entre Estados está prevista no art 10 Na ausência de regras previstas no Tratado de transferência de território sobre a nacionalidade dos seus habitantes o Estado que tenha adquirido o território concederá a sua nacionalidade aos habitantes desse território que de outro modo se tornariam apátridas O art 11 prevê a criação de um organismo internacional dentro da estrutura da ONU para reivindicação e assistência em casos de apatridia A Resolução n 3274 XXIX de 10 de dezembro de 1974 e a Resolução n 3136 de 30 de novembro de 1976 ambas da Assembleia Geral da ONU designaram o exercício de tal função ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR Os arts 12 e 13 garantem a ampla aplicação da Convenção ao estipular que a concessão de nacionalidade nos termos previstos nos arts 1º e 4º seja aplicável àqueles que nasceram antes e depois da entrada em vigor da Convenção bem como que a Convenção não pode ser interpretada para restringir outras disposições existentes mais favoráveis aos apátridas O art 14 dispõe que a solução de controvérsias sobre a interpretação ou aplicação da Convenção quando não resolvida pelas partes será levada à Corte Internacional de Justiça A seguir os arts 15 a 21 tratam da aplicação da Convenção aos territórios da sua assinatura ratificação adesão entrada em vigor denúncia depósito e notificações QUADRO SINÓTICO Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia A essência da Convenção Evitar a apatridia nas suas mais diversas formas e assegurar a nacionalidade para aqueles que já se encontram nessa situação Objetivo e medidas Imposição de deveres aos Estados para prevenir e para combater a situação de apatridia Monitoramento Prevê a criação de um organismo internacional dentro da estrutura da ONU para reivindicação e assistência em casos de apatridia A Resolução n 3274 XXIX de 10 de dezembro de 1974 e a Resolução n 3136 de 30 de novembro de 1976 ambas da Assembleia Geral da ONU designaram o exercício de tal função ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR 11 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial foi adotada pela Resolução n 2106 XX da Assembleia Geral da ONU em dezembro de 1965 sendo e aberta à assinatura em 7 de março de 1966 Foi elaborada em um momento histórico no qual existiam ainda Estados com políticas internas oficiais de segregação racial com a finalidade de promover e encorajar o respeito universal e efetivo pelos direitos humanos sem qualquer tipo de discriminação em especial a liberdade e a igualdade em direitos tendo em vista que a discriminação entre seres humanos constitui ameaça à paz e à segurança entre os povos Possui em 2019 181 Estados partes Em seu preâmbulo a Convenção condena todas as práticas de segregação e discriminação fazendo alusão à Declaração sobre a Outorga de Independência aos Países e Povos Coloniais 14 de dezembro de 1960 que proclamou a necessidade de extirpálas de forma rápida e incondicional e à Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 20 de novembro de 1963 O Preâmbulo ressalta ainda que qualquer doutrina de superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa moralmente condenável socialmente injusta e perigosa em que não existe justificação para a discriminação racial em teoria ou na prática em lugar algum e que ainda subsistiam práticas de discriminação racial no mundo inclusive lastreadas em políticas governamentais baseadas em superioridade e ódio raciais como o apartheid É um dos mais antigos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil que assinou a Convenção em 7 de março de 1966 quando foi aberta à assinatura e a ratificou em 27 de março de 1968 Em 4 de janeiro de 1969 entrou em vigor de acordo com o disposto em seu artigo XIX 1 a Foi promulgada pelo Decreto n 65810 de 8 de dezembro de 1969 Na mesma época anos 60 do século XX o Brasil ratificou e incorporou internamente a Convenção n 111 da Organização Internacional do Trabalho de 1958 por intermédio do Decreto n 62150 de 19 de janeiro de 1968 vedando a discriminação fundada na raça cor sexo religião opinião política ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão A Constituição de 1988 reafirmou o comprometimento brasileiro de combate à discriminação racial ao dispor no seu art 4º VIII o repúdio ao racismo como um dos princípios que regem as relações internacionais brasileiras A Convenção composta de 25 artigos é dividida em três partes Na primeira delas enunciamse as obrigações assumidas pelo Estado que a adotem artigos I a VII na segunda estabelece a constituição e o funcionamento do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial artigos VIII a XVI e na terceira parte prevê as disposições finais artigos XVII a XXV No artigo I apresentase a definição de discriminação racial que é entendida como qualquer distinção exclusão restrição ou preferência baseada em raça cor descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento gozo ou exercício num mesmo plano em igualdade de condição de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico social cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida Ficam excluídas dessa proibição as chamadas ações afirmativas que consistem em distinções exclusões restrições e preferências feitas por um Estado com o objetivo de assegurar o progresso de grupos sociais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção para proporcionar a eles igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais Os Estados Partes que aderem à Convenção se comprometem a adotar uma política de eliminação da discriminação racial devendo cada Estado absterse de praticar ato de discriminação racial contra pessoas grupos de pessoas ou instituições e de absterse de encorajar defender ou apoiar a discriminação racial praticada por uma pessoa ou organização qualquer Em 2017 o Supremo Tribunal Federal STF por unanimidade na ADC n 41 decidiu ser constitucional a Lei n 129902014 pela qual ficam reservadas aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta De acordo com o art 2º desta lei poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE O STF em sua decisão considerou que tais cotas vinculam os concursos dos três poderes da União o que atinge os concursos para magistrados do Judiciário da União e para membros do Ministério Público da União e ainda determinou ser legítima a utilização tanto do i critério da autodeclaração quanto de ii critérios subsidiários de heteroidentificação desde que respeitada a dignidade humana evitando procedimentos de averiguação vexatórios aos candidatos e garantidos o contraditório e a ampla defesa STF ADC n 41 rel Min Roberto Barroso j 862017 No caso da magistratura as cotas em concursos para magistrados também estão previstas na Resolução n 2032015 do Conselho Nacional de Justiça que reserva 20 de vagas para os negros no âmbito do Poder Judiciário De outro lado o Estado comprometese também a tomar medidas eficazes a fim de rever as políticas governamentais nacionais e locais que tenham por objetivo criar a discriminação ou perpetrála a proibir e colocar fim à discriminação racial praticada por pessoa por grupo ou organizações e a favorecer organizações e movimentos multirraciais e outros meios vocacionados a eliminar as barreiras entre as raças e a desencorajar o que tende a reforçar a divisão racial Fica aqui fixada a obrigação do Estado de impedir que particulares discriminem nas relações privadas Nesse sentido os Estados Partes se comprometem a adotar medidas especiais e concretas nos campos social econômico cultural e outros para assegurar o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos raciais de indivíduos pertencentes a estes grupos tendo por objetivo garantirlhes o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais Vêse pois o fundamento expresso a permitir a adoção de cotas raciais para a consecução do objetivo de promover a igualdade material Tais medidas devem perdurar apenas enquanto subsistir a situação de desigualdade Especialmente tendo em vista as barbáries cometidas por força do nazismo a Convenção prevê em seu artigo IV que os Estados Partes se comprometem a condenar toda propaganda e organizações que inspirarem quaisquer ideias ou teorias fundadas na superioridade de uma raça ou grupo de pessoas de certa cor ou origem étnica bem como aquelas ideias ou teorias que buscam justificar ou encorajar qualquer forma de ódio e discriminação raciais Ademais comprometemse a adotar medidas positivas destinadas a combatêlas dentre elas declarar delitos puníveis por lei a difusão de tais ideias em mais um mandado internacional de criminalização Ainda os Estados se comprometem nos termos do artigo V a proibir e eliminar a discriminação racial em todas as suas formas garantindo a igualdade perante a lei sem qualquer distinção principalmente no gozo do i direito a tratamento igual perante os tribunais ou qualquer outro órgão que administre justiça ii do direito à segurança pessoal e à proteção do Estado contra violência ou lesão corporal cometida inclusive por funcionários do governo dos direitos políticos e de tomar parte no Governo iii de outros direitos civis tais como o de circular livremente e escolher residência dentro das fronteiras do Estado de deixar qualquer país de ter uma nacionalidade de casarse e escolher o cônjuge à propriedade de herdar à liberdade de pensamento de consciência e de religião à liberdade de opinião e de expressão dentre outros e de direitos econômicos sociais e culturais como o direito à habitação à educação e ao acesso a todos os lugares e serviços destinados ao uso do público Pela Convenção os Estados devem assegurar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a proteção e os recursos perante os tribunais nacionais e outros órgãos competentes contra atos de discriminação racial que violarem direitos e liberdades fundamentais bem como o direito de requerer aos tribunais uma satisfação ou reparação justa e adequada por danos que a vítima tenha sofrido artigo VI Ademais os Estados comprometemse a tomar medidas imediatas e eficazes para lutar contra os preconceitos que levem à discriminação racial promovendo a tolerância e a amizade entre nações grupos raciais e étnicos artigo VII Na Parte II a Convenção determina a Criação de um Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial 160 bem como estabelece o mecanismo de relatórios periódicos o procedimento de comunicação interestatal e a possibilidade de petição individual ao Comitê QUADRO SINÓTICO Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial Definição de discriminação racial Qualquer distinção exclusão restrição ou preferência baseada em raça cor descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento gozo ou exercício num mesmo plano em igualdade de condição de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico social cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida Ação Afirmativa A Convenção permite a introdução de medidas especiais destinadas a assegurar o progresso adequado de grupos raciais ou étnicos Mecanismos de monitoramento Relatórios periódicos Comunicação interestatal Peticionamento individual 12 Convenção Internacional sobre a supressão e punição do crime de apartheid Em 30 de novembro de 1973 foi assinada em Nova York a Convenção Internacional sobre a supressão e punição do crime de apartheid A Convenção que entrou em vigor em 18 de julho de 1976 30 dias após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação atualmente conta com 109 Estados partes 2019 Não foi ainda ratificada pelo Brasil A expansão da segregação racial e do apartheid na África do Sul na década de 1970 bem como as disposições contra segregação racial contidas na Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e na Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio impulsionaram a adoção de um tratado propondo medidas internacionais e nacionais para suprimir e punir o crime de apartheid A Convenção foi organizada em 19 artigos O artigo I estipula que o apartheid é um crime contra a humanidade Já o artigo II conceitua o crime de apartheid como qualquer prática ou política de segregação e discriminação racial que seja praticada com o objetivo de estabelecer a dominação racial de um grupo sobre outro São apontadas como práticas de apartheid i prisão arbitrária tortura tratamento cruel punição degradante ou assassinato de membros de um grupo racial ii imposição de condições de vida que possam causar a destruição física de um grupo racial iii medidas que impeçam que um grupo racial tenha participação social econômica cultural ou política assim como que neguem direitos humanos básicos e liberdades fundamentais de trabalho reunião educação circulação nacionalidade residência opinião e expressão iv medidas que dividam a população em critérios raciais criando reservas ou guetos assim como proibições de casamentos mistos e expropriações de propriedade v exploração de trabalho de pessoas de um grupo racial e vi perseguição a pessoas e grupos que se oponham ao apartheid O artigo III traz a responsabilidade internacional criminal para indivíduos membros de organizações e representantes de Estados independentemente do seu Estado de residência quando cometerem participarem incitarem conspirarem ou estimularem prática de apartheid Os artigos IV e V dispõem sobre o processamento e punição dos crimes de apartheid Estipulase que os Estados partes devem adotar medidas para evitar suprimir e punir o crime de apartheid e práticas segregacionistas levando a julgamento os responsáveis independentemente da sua nacionalidade local de residência ou eventual condição de apatridia O acusado por ser julgado por tribunal competente de qualquer Estado parte da Convenção que possua jurisdição sobre o acusado bem como por Tribunal Penal Internacional em relação aos Estados partes que tenham aceitado a sua jurisdição Os artigos VI a X abordam a cooperação estatal com os órgãos da ONU para prevenção e punição do crime de apartheid Os Estados partes devem aceitar e cumprir as decisões do Conselho de Segurança da ONU sobre prevenção supressão e punição do crime de apartheid bem como cooperar para a implementação de decisões sobre o tema tomadas por outros órgãos da ONU Os Estados podem requerer a qualquer órgão competente da ONU a adoção de medidas para prevenção e repressão do apartheid Ainda os Estados devem enviar periodicamente relatórios sobre as medidas adotadas para implementação da Convenção para análise por um grupo formado por três membros da Comissão de Direitos Humanos da ONU escolhidos pelo Presidente da Comissão que sejam nacionais de Estados partes da Convenção os relatórios são enviados também para o Comitê Especial do Apartheid A Comissão de Direitos Humanos da ONU pode apontar queixas relativas aos crimes de apartheid elaborar lista de indivíduos organizações e representantes de Estados responsáveis pelos crimes bem como solicitar informações sobre as medidas de persecução e punição adotadas O artigo XI abarca a cooperação jurídica internacional em matéria penal proibindo que os crimes de apartheid sejam considerados como crimes políticos com o intuito de evitar a extradição Já o artigo XII diz respeito à solução de controvérsias sobre a interpretação ou aplicação da Convenção estipulando que não havendo acordo entre as partes sobre meio para resolver a disputa o caso deve ser levado à Corte Internacional de Justiça Por fim os artigos XIII a XIX trazem as disposições finais sobre assinatura ratificação entrada em vigor denúncia e depósito da Convenção QUADRO SINÓTICO Convenção Internacional sobre a supressão e punição do crime de apartheid Definição de apartheid O crime de apartheid consiste em qualquer prática ou política de segregação e discriminação racial que seja praticada com o objetivo de estabelecer a dominação racial de um grupo sobre outro Atos que concretizam o crime de apartheid i prisão arbitrária tortura tratamento cruel punição degradante ou assassinato de membros de um grupo racial ii imposição de condições de vida que possam causar a destruição física de um grupo racial iii medidas que impeçam que um grupo racial tenha participação social econômica cultural ou política assim como que neguem direitos humanos básicos e liberdades fundamentais de trabalho reunião educação circulação nacionalidade residência opinião e expressão iv medidas que dividam a população em critérios raciais criando reservas ou guetos assim como proibições de casamentos mistos e expropriações de propriedade v exploração de trabalho de pessoas de um grupo racial vi perseguição a pessoas e grupos que se oponham ao apartheid rol não exaustivo Previsão de julgamento e punição O acusado por ser julgado por tribunal competente de qualquer Estado parte da Convenção que possua jurisdição sobre o acusado bem como por Tribunal Penal Internacional em relação aos Estados partes que tenham aceitado a sua jurisdição 13 Convenção Internacional contra o apartheid nos esportes A Convenção Internacional contra o apartheid nos esportes atualmente com 60 Estados partes foi assinada em Nova York em 10 de dezembro de 1985 e entrou em vigor em 3 de abril de 1988 30 dias após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação Não foi ainda ratificada pelo Brasil Possui em 2019 62 Estados partes Inspirada no princípio da proibição a qualquer tipo de discriminação contra Estado ou indivíduo com base em raça religião ou política nos Jogos Olímpicos previsto na Carta Olímpica do Comitê Olímpico Internacional e na constatação de que práticas de segregação racial e apartheid na escolha de times e atividades esportivas incentivam a ocorrência de crimes de apartheid a Convenção foi organizada em 22 artigos O artigo 1 conceitua dentre outros os seguintes termos i apartheid como um sistema institucionalizado de segregação racial e discriminação visando a dominação racial de um grupo por outro ii apartheid nos esportes como a utilização de práticas de apartheid em atividades esportivas profissionais ou amadoras e iii princípio olímpico Olympic principle como princípio da proibição a discriminação por raça religião ou política Os artigos 2 a 9 condenam o apartheid e estabelecem os deveres dos Estados partes de i adotar medidas para eliminar o apartheid em todos os esportes ii não permitir que seus times atletas organizações e comitês esportivos realizem qualquer tipo de contato com Estado que pratique apartheid iii adotar medidas de prevenção e repressão contra práticas de apartheid que incluam não cumprir os contratos esportivos não fornecer ajuda financeira restringir o acesso a instalações esportivas nacionais e retirar prêmios homenagens e distinções para atletas times organizações e comitês que participarem de atividades esportivas em Estado que pratique apartheid iv negar vistos e entrada a atletas times organizações e comitês esportivos que representem Estado que pratica apartheid v expulsar Estado que pratica apartheid de organizações e comitês esportivos regionais e internacionais vi não adotar penalidades para organizações e comitês esportivos que em obediência à Convenção recusemse a participar de atividades esportivas em Estado que pratique apartheid Visando o cumprimento universal da Convenção o artigo 10 reitera os deveres dos Estados para prevenir e reprimir a prática de apartheid na África do Sul antes da abolição do apartheid neste Estado O artigo 11 prevê a criação de Comissão contra o apartheid nos esportes formada por 15 membros nacionais de Estados partes da Convenção com participação de indivíduos com experiência em gestão administrativa de esportes e respeito a distribuição geográfica e representatividade de vários sistemas jurídicos Os membros da Comissão são eleitos para mandato de quatro anos por maioria absoluta em votação secreta durante reunião dos Estados partes com quórum de instauração de 23 dos Estados partes da Convenção Os Estados partes devem nos termos do artigo 12 enviar para considerações da Comissão relatório a cada dois anos das medidas legislativas administrativas e judiciais adotas para implementação da Convenção A Comissão por sua vez apresentará anualmente à Assembleia Geral da ONU relatório das suas atividades com recomendações gerais e sugestões Os Estados partes mediante pedido da maioria dos membros da Convenção e a Comissão podem solicitar reunião dos Estados partes para avaliar a necessidade de novas medidas para prevenção e repressão do apartheid nos esportes De forma complementar o artigo 13 prevê que disputas sobre o não cumprimento das disposições da Convenção podem ser resolvidas pela Comissão e o artigo 14 traz diretrizes gerais de organização da Comissão Os artigos 15 a 18 organizam o depósito assinatura ratificação adesão e entrada em vigor da Convenção O artigo 19 estipula que na ausência de escolha de outro procedimento a Corte Internacional de Justiça solucione disputas entre os Estados partes sobre a aplicação e interpretação da Convenção Finalmente os artigos 20 a 22 trazem a possibilidade de emenda e denúncia à Convenção Esta convenção consagra o ativismo de décadas dos Estados africanos contra a participação da África do Sul do tempo do apartheid em competições olímpicas De 1968 a 1988 a África do Sul foi banida dos jogos olímpicos em meio a ameaças de boicote dos Estados africanos e Estados comunistas só retornando após o fim do regime de segregação naquele país QUADRO SINÓTICO Convenção Internacional contra o apartheid nos esportes Apartheid nos esportes e o princípio olímpico O apartheid nos esportes consiste na utilização de práticas de apartheid em atividades esportivas profissionais ou amadoras O princípio olímpico Olympic principle consiste na proibição de discriminação por raça religião ou política na prática dos esportes olímpicos Adoção de medidas para prevenir e reprimir a prática de apartheid nos esportes bem como isolar o Estado que venha a adotar essa prática banindoo assim seus esportistas de competições e Objetivo e medidas organizações internacionais esportivas Formalizou o banimento de países de apartheid das competições esportivas exigindose inclusive quebra de contratos Por exemplo os Estados partes não permitirão que suas equipes participem de competições nos Estados racistas e também não receberão esportistas de um Estado racista Monitoramento A Convenção criou a Comissão contra o apartheid nos esportes composta por 15 especialistas que apreciam relatórios periódicos enviados pelos Estados partes 14 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CEDAW e respectivo Protocolo Facultativo A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher conhecida também pela sigla de sua denominação em inglês CEDAW foi adotada pela Resolução n 34180 da Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979 tendo em vista a persistente manutenção das discriminações contra a mulher Possui em 2019 189 Estados partes No Brasil foi assinada em 31 de março de 1981 com reservas arts 15 parágrafo 4º e 16 parágrafo 1º alíneas a c g e h aprovada pelo Decreto Legislativo n 93 de 14 de novembro de 1983 e ratificada em 1º de fevereiro de 1984 A Convenção entrou em vigor para o Brasil em 2 de março de 1984 com a reserva do art 29 parágrafo 2º que permite que o Estado não se considere obrigado ao dispositivo que determina a submissão da questão não resolvida por negociação a arbitragem O Decreto Legislativo n 26 de 22 de junho de 1994 revogando o anterior aprovou a Convenção sem as reservas dos arts 15 e 16 e o Brasil as retirou em 20 de dezembro de 1994 A Convenção foi promulgada pelo Decreto n 4377 de 13 de setembro de 2002 A Convenção é composta por 30 artigos que são divididos em seis partes Em seu preâmbulo ressaltase a importância de se modificar o papel tradicional do homem e da mulher na sociedade e na família para que se possa alcançar a igualdade plena entre homem e mulher Na Parte I definese a discriminação contra a mulher como toda distinção exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento gozo ou exercício pela mulher dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político econômico social cultural e civil ou em qualquer outro campo independentemente de seu estado civil com base na igualdade do homem e da mulher art 1º Por meio da Convenção os Estados Partes se comprometem a adotar por todos os meios apropriados e sem dilações política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher Para tanto comprometemse dentre outras medidas a consagrar em suas Constituições nacionais ou em outra legislação apropriada o princípio da igualdade do homem e da mulher assegurando outros meios apropriados à realização prática desse princípio adotar medidas adequadas com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher garantir por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação absterse praticar qualquer ato de discriminação contra a mulher e finalmente tomar medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa organização ou empresa art 2º novamente há menção à aplicação dos direitos humanos nas relações entre particulares Ademais os Estados devem tomar todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento e o progresso da mulher para garantirlhe o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem art 3º Medidas especiais de caráter temporário podem também ser adotadas para acelerar a igualdade de fato entre homens e mulheres Tais medidas não serão consideradas discriminação mas deverão cessar quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento forem alcançados art 4º Temse aí fundamento expresso a admitir ações afirmativas para promover a igualdade de direitos entre homens e mulheres como se adotou no Brasil por exemplo com a cota eleitoral de sexo prevista no art 10 3º da Lei n 950497 conhecida como Lei das Eleições Como é notório há evidente subrepresentação da mulher nas Câmaras Municipais Assembleias Legislativas e Congresso Nacional no Brasil Assim a Lei das Eleições Lei n 950497 art 10 3º exige que as candidaturas dos partidos obedeçam nas eleições proporcionais ao seguinte parâmetro no mínimo 30 e no máximo 70 para cada sexo Apesar de não se referir expressamente ao sexo feminino a cota incide na prática sobre ele pois era o sexo tradicionalmente subrepresentado Somente em 2012 o sexo feminino obteve mais de 30 das candidaturas nas eleições municipais do ano Há dados que mostram contudo que as cotas na apresentação de candidaturas são insuficientes nas eleições municipais de 2016 as mulheres representaram somente 13 das vereadoras e 12 das prefeitas de todo o país 161 Ainda no plano das ações afirmativas eleitorais em prol da maior participação feminina o ProcuradorGeral da República interpôs ação direta de inconstitucionalidade impugnando o art 9º da Lei n 131652015 que estabelecia limite mínimo 5 e máximo 15 do montante do Fundo partidário para financiamento das campanhas das candidatas mulheres Para o PGR como as cotas estabelecem no mínimo 30 de candidatos de um sexo em geral a subrepresentação nas candidaturas é do sexo feminino é verdadeira proteção deficiente de direitos humanos destinar no máximo 15 do montante do fundo partidário No voto do Min Fachin relator foram citados expressamente o Comentário Geral n 18 do Comitê de Direitos Humanos sobre o princípio da igualdade que exige medidas afirmativas e o Comentário Geral n 25 do Comitê para Eliminação da Discriminação contra a Mulher tendo este último estabelecido que A posição das mulheres não será melhorada enquanto as causas que sustentam a discriminação contra as mulheres e sua desigualdade não forem efetivamente enfrentadas Nessa linha o STF deu interpretação conforme à Constituição ao art 9º da Lei n 131652015 de modo a a equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas femininas hoje o do art 10 3º da Lei n 950497 isto é ao menos 30 de candidatas mulheres ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados que deve ser interpretado como também de 30 do montante do Fundo alocado a cada partido para eleições majoritárias e proporcionais e b fixar que havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhe seja alocado na mesma proporção ADI 5617 rel Min Edson Fachin j 1532018 P DJe de 3 102018 Outra ação em prol de maior participação feminina na política é a previsão na Lei dos Partidos Políticos art 44 V da Lei n 909695 redação dada pela Lei n 131652015 de utilização de no mínimo 5 dos recursos oriundos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres Contudo em 2019 a Lei n 13831 suprimiu qualquer penalidade pelo descumprimento dessa ação desde que o dinheiro tenha sido usado no financiamento de candidaturas femininas desvirtuando a política de difusão da participação política das mulheres Com a finalidade de modificar práticas enraizadas na sociedade a Convenção determina que os Estados Partes tomem todas as medidas apropriadas para alterar os padrões socioculturais de conduta para o fim de alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias ou de outra índole que estejam baseadas na ideia de superioridade ou inferioridade de qualquer dos sexos bem como para garantir que a educação familiar inclua a compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum entre homens e mulheres quanto ao desenvolvimento dos filhos art 5º Ademais os Estados se comprometem a tomar todas as medidas para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição da mulher art 6º Na Parte II a Convenção explicita direitos civis e políticos que devem ser concedidos às mulheres em igualdade de condições quanto aos homens especificando as medidas a serem adotadas pelo Estado Parte no âmbito da vida política e pública nacional e internacional arts 7º e 8º e para a aquisição mudança e conservação da nacionalidade art 9º Assim os Estados Partes se obrigam a adotar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública com especial ênfase no direito de votar e de ser elegível na participação na formulação de políticas públicas governamentais no exercício de cargos públicos na participação em organizações e associações não governamentais que se ocupam da vida pública e política do país art 7º Ademais medidas devem ser tomadas para garantir à mulher a oportunidade de representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais art 8º Finalmente estabelecese que às mulheres se outorgarão direitos iguais aos dos homens para adquirir mudar ou conservar sua nacionalidade não podendo o casamento com estrangeiro ou a mudança de nacionalidade do marido durante o casamento modificar automaticamente a nacionalidade da esposa tornála apátrida ou obrigála a adotar a nacionalidade do cônjuge Ademais quanto à nacionalidade dos filhos os Estados devem outorgar às mulheres os mesmos direitos conferidos aos homens art 9º Na Parte III a Convenção estabelece que as partes devem adotar todas as medidas apropriadas para assegurar a igualdade entre homens e mulheres na esfera da educação art 10 do emprego art 11 no acesso a serviços médicos art 12 e outras esferas da vida econômica e social art 13 Quanto à igualdade de condições na esfera da educação a Convenção especifica que devem ser concedidas às mulheres em condições de igualdade as mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino em todos os níveis de educação e em todos os tipos de capacitação profissional o acesso aos mesmos currículos e exames a docentes do mesmo nível profissional e a instalações e material escolar da mesma qualidade a eliminação da estereotipização dos papéis masculino e feminino as mesmas oportunidades para a obtenção de bolsas de estudo e outras subvenções para estudos as mesmas oportunidades de acesso aos programas de educação supletiva as mesmas oportunidades de participação nos esportes e na educação física o acesso a material informativo específico que contribua para assegurar a saúde e o bemestar da família O Estado deve também promover a redução da taxa de abandono feminino dos estudos e organizar programas para as mulheres que tenham abandonado os estudos prematuramente Quanto às medidas voltadas à eliminação da discriminação da mulher na esfera do emprego a Convenção determina que o Estado deve assegurar entre homens e mulheres dentre outras medidas o direito às mesmas oportunidades de emprego com os mesmos critérios de seleção bem como o direito à promoção e estabilidade no emprego o direito a igual remuneração o direito à igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho direito à seguridade social o direito a férias pagas o direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho Como importantes medidas para impedir a discriminação da mulher por razões de casamento ou maternidade os Estados devem proibir a demissão por motivo de gravidez ou de licençamaternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado civil sob pena de sanção conferindo proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de trabalho comprovadamente prejudiciais a elas Nessa linha o Brasil editou a Lei n 902995 que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho Devem ainda implantar a licençamaternidade com salário pago ou benefícios sociais comparáveis sem perda do emprego anterior antiguidade ou benefícios sociais Às mulheres deve ser concedido em condições de igualdade com os homens o acesso a serviços médicos De outro lado os Estados devem garantir à mulher a assistência apropriada em relação à gravidez ao parto e ao período pósparto proporcionando assistência gratuita quando for necessário e devem assegurarlhe uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactância A Convenção prevê ainda que os Estados devem adotar medidas para eliminar a discriminação contra a mulher em outras esferas da vida econômica e social assegurandose em condições de igualdade com relação aos homens o direito a benefícios familiares o direito a obter empréstimos bancários hipotecas e outras formas de crédito financeiro e o direito de participar em atividades de recreação esportes e em todos os aspectos da vida cultural Considerando os problemas enfrentados pelas mulheres no ambiente rural bem como a importância de seu papel na subsistência econômica da família determinouse que os Estados devem tomar medidas apropriadas para assegurar a aplicação dos dispositivos da Convenção a essas mulheres e para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de garantir em condições de igualdade entre homens e mulheres a participação da elaboração e execução dos planos de desenvolvimento em todos os níveis o acesso a serviços médicos adequados o benefício direto dos programas de seguridade social a obtenção de todos os tipos de educação e de formação e dos benefícios de todos os serviços comunitários e de extensão a organização de grupos de autoajuda e cooperativas a fim de obter igualdade de acesso às oportunidades econômicas mediante emprego ou trabalho por conta própria a participação de atividades comunitárias o acesso a créditos e empréstimos agrícolas a serviços de comercialização e tecnologias apropriadas a receber um tratamento igual nos projetos de reforma agrária e de restabelecimentos e finalmente a gozar de condições de vida adequadas especialmente quanto a habitação serviços sanitários eletricidade e abastecimento de água transporte e comunicações Na Parte IV a Convenção versa sobre a capacidade jurídica da mulher e sobre assuntos relativos ao casamento e às relações familiares Na art 15 a Convenção determina que os Estados Partes devem reconhecer à mulher a igualdade com o homem perante a lei incluindo se nesse ponto o reconhecimento de igual capacidade jurídica em matérias civis e das mesmas oportunidades para seu exercício Assim devem reconhecer o direito da mulher de firmar contratos e administrar bens e de receber igual tratamento em todas as etapas do processo judicial e por meio da Convenção convencionam que todo contrato ou outro instrumento privado de efeito jurídico que tenda a restringir a capacidade jurídica da mulher será considerado nulo Aos homens e mulheres também devem ser concedidos os mesmos direitos quanto à legislação relativa ao direito das pessoas à liberdade de movimento e à liberdade de escolha de residência e domicílio O art 16 versa sobre as medidas que devem ser adotadas pelos Estados para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos a casamento e relações familiares Para tanto devem assegurar a elas o mesmo direito de contrair matrimônio de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com o livre e pleno consentimento os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e por ocasião de sua dissolução os mesmos direitos e responsabilidades como pais os mesmos direitos de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e sobre o intervalo entre os nascimentos os mesmos direitos e responsabilidades com respeito à tutela curatela guarda e adoção dos filhos ou institutos análogos os mesmos direitos pessoais como marido e mulher inclusive o direito de escolher sobrenome profissão e ocupação e os mesmos direitos em matéria de propriedade aquisição gestão administração gozo e disposição dos bens tanto a título gratuito quanto a título oneroso O mesmo dispositivo determina ainda que os esponsais e o casamento de uma criança não terão efeito legal combate então os casamentos arranjados de crianças feitos pelos pais ainda existentes em algumas culturas e todas as medidas necessárias inclusive as de caráter legislativo devem ser adotadas para estabelecer uma idade mínima para o casamento e para tornar obrigatória a inscrição de casamentos em registro oficial Na Parte V a Convenção determina a criação do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher 162 que tem a finalidade de examinar os progressos alcançados na sua aplicação bem como o mecanismo de relatoria periódica A Parte VI finalmente contém disposições finais assinatura revisão entrada em vigor reservas controvérsia sobre a interpretação ou aplicação da Convenção dentre outras disposições Já o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher adotado por Resolução da Assembleia Geral da ONU de 6 de outubro de 1999 teve por objetivo aperfeiçoar o sistema de monitoramento da Convenção assegurando o direito de petição quanto às violações dos direitos nela garantidos Possui em 2018 109 Estados partes Por meio do Protocolo que contém 21 artigos o Estado reconhece a competência do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher para receber e considerar comunicações apresentadas por indivíduos ou grupo de indivíduos ou em nome deles se contarem com seu consentimento ou se for justificada a ação independente do consentimento que se encontrem sob sua jurisdição e que sejam vítimas de violações de quaisquer dos direitos estabelecidos na Convenção arts 1º e 2º QUADRO SINÓTICO Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e respectivo Protocolo Facultativo Definição de discriminação contra a mulher Toda distinção exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento gozo ou exercício pela mulher independentemente de seu estado civil com base na igualdade do homem e da mulher dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político econômico social cultural e civil ou em qualquer outro campo Principais medidas a serem adotadas pelos Estados Adoção de política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher Medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento e o progresso da mulher para garantirlhe o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem Medidas especiais de caráter temporário para acelerar a igualdade de fato entre homens e mulheres que deverão cessar quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento forem alcançados ações afirmativas Medidas apropriadas para alterar os padrões socioculturais de conduta para eliminar preconceitos e práticas consuetudinárias ou de outra índole baseadas na ideia de superioridade ou inferioridade de qualquer dos sexos e para garantir que a educação familiar inclua a compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum entre homens e mulheres quanto ao desenvolvimento dos filhos Medidas para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição da mulher Direitos expressamente previstos que devem ser realizados e promovidos em condições de igualdade com relação aos homens Direitos civis e políticos especial ênfase no direito de votar e de ser elegível na participação na formulação de políticas públicas governamentais no exercício de cargos públicos na participação em organizações e associações não governamentais que se ocupam da vida pública e política do país e na oportunidade de representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais aquisição mudança ou conservação da nacionalidade Educação mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino em todos os níveis de educação e em todos os tipos de capacitação profissional a eliminação da estereotipização dos papéis masculino e feminino dentre outros Emprego direito às mesmas oportunidades de emprego aos mesmos critérios de seleção direito à promoção e estabilidade no emprego o direito a igual remuneração o direito à igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho direito à seguridade social o direito a férias pagas o direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho proibição de demissão por motivo de gravidez ou de licençamaternidade ou de estado civil direito a licença maternidade com salário pago ou benefícios sociais comparáveis sem perda do emprego anterior antiguidade ou benefícios sociais Acesso a serviços médicos com assistência apropriada em relação à gravidez ao parto e ao período pósparto Outras esferas da vida econômica e social direito a obter empréstimos bancários hipotecas e outras formas de crédito financeiro direito de participar em atividades de recreação esportes e em todos os aspectos da vida cultural Reconhecimento de igual capacidade jurídica em matérias civis e das mesmas oportunidades para seu exercício Mecanismos de monitoramento da Convenção Procedimento de relatórios periódicos Mecanismos de monitoramento do Protocolo Facultativo Petição individual 15 Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes e Protocolo Opcional A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes foi adotada em Nova Iorque em 10 de dezembro de 1984 Foi assinada pelo Brasil em 23 de setembro de 1985 aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto n 4 de 23 de maio de 1989 ratificada em 28 de setembro de 1989 e finalmente promulgada pelo Decreto n 40 de 15 de fevereiro de 1991 Possui em 2019 167 Estados partes Na mesma linha do que já estava disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos artigo V no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos art 7º e na Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes aprovada pela Assembleia Geral em 9 de dezembro de 1975 a Convenção veio também determinar que ninguém será sujeito à tortura ou a pena ou tratamento cruel desumano ou degradante A Convenção é composta por 33 artigos divididos em três partes Na Parte I determina as definições aplicáveis ao seu texto e explicita as obrigações dos Estados na Parte II estabelece a criação do Comitê contra a Tortura e finalmente na Parte III apresenta suas disposições finais Na Parte I no art 1º a Convenção define o que se entende por tortura para seus fins qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões ou para castigála por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido ou para intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência Assim para a Convenção há quatro elementos definidores do conceito de tortura i natureza do ato ii dolo do torturador iii finalidade e iv envolvimento direto ou indireto de agente público Quanto à natureza há vários tipos de atos tanto comissivos quanto omissivos que podem caracterizar a tortura pelo grau de sofrimento físico e mental A prática internacional reconhece inclusive que as ameaças e o perigo real de submeter determinada pessoa ou seus familiares a tortura caracterizam por sua vez tortura psicológica que também é proibido pelo Direito Internacional 163 Por outro lado atos omissivos como a privação de sono alimento água etc podem também caracterizar tortura Já quanto ao dolo do torturador a mera negligência não seria suficiente para caracterizar a tortura pois se exige que o agente queira o resultado ou assuma o risco de produzilo dolo eventual Quanto à finalidade a Convenção traz quatro objetivos visados pelo torturador obter informação ou confissão punição intimidação ou coação e por qualquer outro motivo baseado em discriminação de qualquer espécie Finalmente quanto ao envolvimento do agente público a Convenção exige que haja no mínimo a sua instigação ou ainda que o particular aja com o consentimento ou aquiescência do agente público A Convenção não considera como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram No art 2º a Convenção prevê que o Estado deve tomar medidas eficazes de caráter legislativo administrativo judicial ou de outra natureza a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição Ademais a proibição da prática da tortura é absoluta para a Convenção Circunstâncias excepcionais tais como ameaça ou estado de guerra instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública não poderão ser invocadas como justificação da tortura em nenhum caso nem a ordem de um funcionário superior ou de uma autoridade pública poderá ser invocada para justificála Entendese que tal proibição absoluta da tortura é parte integrante do jus cogens norma imperativa do Direito Internacional ou seja é hierarquicamente superior às demais normas comuns internacionais 164 O art 3º veda a expulsão devolução ou extradição de uma pessoa para outro Estado quando houver razões substanciais para crer que ela corre perigo de ali ser submetida a tortura princípio do nonrefoulement ou proibição do rechaço Para a determinação da existência dessas razões as autoridades competentes devem levar em conta todas as considerações pertinentes inclusive quando for o caso a existência no Estado em questão de um quadro de violações sistemáticas e graves de direitos humanos A criminalização de todos os atos de tortura deve ser concretizada por todo Estado Parte nos termos do art 4º da Convenção bem como da tentativa de tortura e todo ato de qualquer pessoa que constitua cumplicidade ou participação na tortura O Estado deve punir estes crimes com penas adequadas que levem em conta a sua gravidade Novamente o Direito Internacional dos Direitos Humanos pede auxílio ao Direito Penal para promover o respeito aos seus comandos Medidas devem ser tomadas pelo Estado para estabelecer sua jurisdição sobre tais crimes quando tenham sido cometidos em qualquer território sob sua jurisdição ou a bordo de navio ou aeronave registrada no Estado em questão quando o suposto autor for nacional do Estado em questão ou quando a vítima for nacional do Estado em questão e este o considerar apropriado art 5º Esse é mais um mandado internacional de criminalização Também o Estado Parte tomará as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre tais crimes nos casos em que o suposto autor se encontre em qualquer território sob sua jurisdição e o Estado não extradite aut dedere aut judicare ou extradita ou julga Se uma pessoa suspeita de ter cometido os crimes relacionados a tortura estiver no território de Estado Parte este se considerar após o exame das informações de que dispõe que as circunstâncias o justificam procederá à detenção de tal pessoa ou tomará outras medidas legais para assegurar sua presença Observese que a detenção e outras medidas legais devem ser tomadas de acordo com a lei do Estado mas vigorarão apenas pelo tempo necessário ao início do processo penal ou de extradição O Estado procederá a uma investigação preliminar dos fatos imediatamente Assegurase à pessoa detida facilidades para comunicarse imediatamente com o representante mais próximo do Estado de que é nacional ou se for apátrida com o representante do Estado de residência habitual Promovida a detenção o Estado notificará imediatamente os Estados mencionados no art 5º sobre a detenção e sobre as circunstâncias que a justificam O Estado que proceder à investigação preliminar comunicará sem demora seus resultados aos Estados mencionados e indicará se pretende exercer sua jurisdição Atentese para o fato de que qualquer pessoa processada por qualquer dos crimes previstos na Convenção receberá garantias de tratamento justo em todas as fases do processo art 7º Os crimes previstos na Convenção devem ser considerados como extraditáveis em qualquer tratado de extradição existente entre os Estados Partes e estes se obrigarão a incluir tais crimes como extraditáveis em todo tratado de extradição que vierem a concluir entre si Se o Estado que condicionar a extradição à existência de um tratado receber um pedido de extradição por parte do outro Estado Parte com o qual não mantém tratado de extradição a Convenção poderá ser considerada como base legal para a extradição com respeito a tais crimes sujeitandose a extradição às outras condições estabelecidas pela lei do Estado que receber a solicitação Os Estados Partes que não condicionam a extradição à existência de um tratado reconhecerão entre si que tais crimes devem ser entendidos como extraditáveis dentro das condições estabelecidas pela lei do Estado que receber a solicitação art 8º O art 9º determina que os Estados Partes devem prestar entre si assistência jurídica penal sobre qualquer dos delitos mencionados na Convenção inclusive no que diz respeito ao fornecimento de todos os elementos de prova necessários para o processo que estejam em seu poder Tais obrigações serão cumpridas conforme quaisquer tratados de assistência jurídica existentes entre os Estados Nos arts 10 a 16 a Convenção explicita outras obrigações assumidas pelos Estados Partes Estes devem assegurar conforme determina o art 10 que o ensino e a informação sobre a proibição de tortura sejam plenamente incorporados no treinamento do pessoal civil ou militar encarregado da aplicação da lei do pessoal médico dos funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas que possam participar da custódia interrogatório ou tratamento de qualquer pessoa submetida a qualquer forma de prisão detenção ou reclusão Tal proibição deve ser incluída nas normas ou instruções relativas aos deveres e funções de tais pessoas As normas instruções métodos e práticas de interrogatório bem como as disposições sobre a custódia e o tratamento das pessoas submetidas a qualquer forma de prisão detenção ou reclusão devem ser mantidas pelo Estado Parte sistematicamente sob exame em qualquer território sob sua jurisdição com o objetivo de se evitar qualquer caso de tortura art 11 O Estado Parte deve também assegurar que suas autoridades competentes procederão imediatamente a uma investigação imparcial sempre que houver motivos razoáveis para crer que um ato de tortura tenha sido cometido em qualquer território sob sua jurisdição art 12 e deve assegurar a qualquer pessoa que alegue ter sido submetida a tortura em qualquer território sob sua jurisdição o direito de apresentar queixa perante as autoridades competentes do referido Estado que procederão imediatamente e com imparcialidade ao exame do seu caso Medidas para assegurar a proteção do queixoso e das testemunhas contra qualquer mau tratamento ou intimação em consequência da queixa apresentada ou de depoimento prestado devem ser tomadas pelo Estado art 13 À vítima de ato de tortura cada Estado Parte deve assegurar em seu sistema jurídico o direito à reparação e a uma indenização justa e adequada incluídos os meios necessários para a mais completa reabilitação possível Em caso de morte da vítima como resultado de um ato de tortura seus dependentes terão direito à indenização Essa disposição não afeta qualquer direito a indenização que a vítima ou outra pessoa possam ter em decorrência das leis nacionais art 14 No art 15 a Convenção determina que o Estado Parte deve assegurar que nenhuma declaração que se demonstre ter sido prestada como resultado de tortura possa ser invocada como prova em qualquer processo salvo contra uma pessoa acusada de tortura como prova de que a declaração foi prestada Finalmente o art 16 determina que o Estado se comprometerá a proibir em qualquer território sob sua jurisdição outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis desumanos ou degradantes que não constituam tortura tal como definida na Convenção quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência Observese que se aplicam em particular as obrigações mencionadas nos arts 10 11 12 e 13 com a substituição das referências a tortura por referências a outras formas de tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Como veremos na Parte IV deste livro sobre direitos em espécie houve evolução da prática internacional no tocante à diferenciação entre a tortura e o tratamento cruel desumano ou degradante Três parâmetros servem de auxílio ao intérprete i situação de impotência vulnerabilidade ou sujeição powerlessness da vítima quanto maior a situação de impotência ou sujeição da vítima o ato aproximase da tortura ii gravidade do ato é verificada pela sua duração impacto físico ou psíquico na vítima bem como características pessoais da vítima sexo idade e estado de saúde e iii a finalidade cabe analisar se houve ou não as quatro finalidades da tortura No caso Lizardo Cabrera vs República Dominicana a Comissão Interamericana de Direitos Humanos levou esses parâmetros em consideração as circunstâncias pessoais do Sr Cabrera estado de saúde frágil após greve de fome fizeram com que o sofrimento imposto pelos atos imputados ao Estado isolamento e estado de incomunicabilidade fossem considerados como tortura 165 Na Parte II a Convenção determina a constituição do Comitê contra a Tortura 166 bem como o procedimento de apresentação de relatórios sobre as medidas adotadas para o cumprimento das obrigações assumidas na Convenção pelos Estados a competência do Comitê para receber comunicações interestatais e para receber petições individuais comunicações enviadas por pessoas sob sua jurisdição ou em nome delas que aleguem ser vítimas de violação por um Estado Parte das disposições da Convenção O Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes por sua vez teve por objetivo estabelecer um sistema de visitas regulares de órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde as pessoas são privadas de liberdade com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes conforme prevê seu art 1º Foi adotado em Nova Iorque por Resolução da Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 2002 O Brasil o assinou em 13 de outubro de 2003 e o Congresso Nacional o aprovou por meio do Decreto Legislativo n 483 de 20 de dezembro de 2006 O instrumento de ratificação foi depositado em 11 de janeiro de 2007 e o Protocolo foi promulgado pelo Decreto n 6085 de 19 de abril de 2007 O Protocolo é composto por 37 artigos divididos em sete partes princípios gerais arts 1º a 4º Subcomitê de Prevenção arts 5º a 10 Mandato do Subcomitê de Prevenção arts 11 a 16 Mecanismos preventivos nacionais arts 17 a 23 Declaração art 24 Disposições Financeiras arts 25 e 26 e Disposições Finais arts 27 a 37 Na Parte I sobre princípios gerais o Protocolo prevê que um Subcomitê de Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes deverá ser criado Tratase de Subcomitê do Comitê contra a Tortura que deve desempenhar suas funções no marco da Carta das Nações Unidas e deve ser guiado por seus princípios e propósitos bem como pelas normas das Nações Unidas relativas ao tratamento das pessoas privadas de sua liberdade Deve ainda ser guiado pelos princípios da confidencialidade imparcialidade não seletividade universalidade e objetividade art 2º Em nível nacional os Estados se comprometem a designar ou manter um ou mais mecanismos preventivos nacionais órgãos de visita encarregados de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes art 3º Os Estados Partes devem permitir as visitas tanto do órgão internacional quanto do nacional a qualquer lugar sob sua jurisdição onde pessoas são ou podem ser presas por força de ordem dada por autoridade pública Na Parte II o Protocolo estabelece a composição do Subcomitê de Prevenção a forma de eleição dos membros e da mesa e o tempo de mandato e na Parte III determina como deverá ser cumprido o mandato do Subcomitê Na Parte IV arts 17 a 23 o Protocolo versa sobre os mecanismos preventivos nacionais Na Parte V o Protocolo estabelece que por ocasião da ratificação os Estados Partes poderão fazer uma declaração que adie a implementação de suas obrigações o que será válido pelo máximo de três anos que poderão ser estendidos pelo Comitê contra Tortura por mais dois anos após representações formuladas pelo Estado Parte e após consultas ao Subcomitê de Prevenção Finalmente na Parte VI o Protocolo dispõe sobre o financiamento do Subcomitê de Prevenção As despesas realizadas por ele na implementação do Protocolo serão custeadas pela ONU e paralelamente deverá ser estabelecido um Fundo Especial administrado de acordo com o regulamento financeiro e as regras de gestão financeira das Nações Unidas para auxiliar no financiamento da implementação das recomendações feitas pelo Subcomitê de Prevenção após a visita a um Estado Parte bem como programas educacionais dos mecanismos preventivos nacionais O Fundo poderá ser financiado por contribuições voluntárias feitas por Governos organizações intergovernamentais e não governamentais e outras entidades públicas ou privadas Em 2 de agosto de 2013 foi aprovada a Lei n 12847 que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura SNPCT com o objetivo de fortalecer a prevenção e o combate à tortura Esse sistema é composto pelo i Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura CNPCT pelo ii Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura MNPCT pelo iii Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CNPCP e pelo órgão do Ministério da Justiça responsável pelo sistema penitenciário nacional atualmente o iv Departamento Penitenciário Nacional DEPEN O CNPCT é composto por vinte e três membros escolhidos e designados pelo Presidente da República sendo onze representantes de órgãos do Poder Executivo federal e doze de conselhos de classes profissionais e de organizações da sociedade civil sendo presidido pelo Secretário de Direitos Humanos da Presidência da República que possui status de Ministro de Estado Sua missão é acompanhar avaliar e propor aperfeiçoamentos às ações aos programas aos projetos e aos planos de prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes desenvolvidos em âmbito nacional Já o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura MNPCT órgão integrante da estrutura do Ministério dos Direitos Humanos 167 é composto por 11 peritos escolhidos pelo CNPCT e tem como principal missão planejar realizar e monitorar visitas periódicas e regulares a pessoas privadas de liberdade em todas as unidades da Federação para verificar as condições a que se encontram submetidas O Decreto n 81542013 regulamentou o funcionamento do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura bem como regrou a composição e o funcionamento do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura regulando ainda o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura É composto por 11 peritos especialistas e independentes que possuem amplo acesso aos espaços de privação de liberdade como prisões sistema socioeducativo asilos albergues hospitais psiquiátricos e de custódia comunidades terapêuticas e outros Possui competência para realizar visitas periódicas e regulares aos locais de privação de liberdade para subsidiar a elaboração de relatórios e recomendações às autoridades públicas e privadas responsáveis por esses espaços Ademais diante da constatação de indícios da prática de tortura e de outros tratamentos e práticas cruéis desumanos ou degradantes deve requerer à autoridade competente que instaure procedimento criminal e administrativo O Decreto n 9831 de 11 de junho de 2019 remanejou esses 11 cargos utilizados pelos peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura MNPCT para outra área do Poder Público federal exonerando os seus ocupantes e determinando que a participação no Mecanismo seria considerada doravante prestação de serviço público relevante não remunerada A ProcuradoriaGeral da República ingressou com arguição de descumprimento de preceito fundamental contra tal modificação no MNPCT ver acima na medida em que esvaziou significativamente o MNPCT órgão essencial para o combate à prática de tortura e demais tratamentos degradantes ou desumanos em ambientes de detenção e custódia coletiva de pessoas ao transformar o mecanismo antes profissional em trabalho voluntário e precário petição inicial da PGR ADPF 607 rel Min Luiz Fux em trâmite Assim o Brasil cumpriu o disposto no Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes promulgado pelo Decreto n 6085 de 19 de abril de 2007 QUADRO SINÓTICO Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Definição de tortura Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência a fim de obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões castigála por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza O Estado deve tomar medidas eficazes de caráter legislativo administrativo judicial ou de outra natureza a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição Circunstâncias excepcionais tais como ameaça ou estado de guerra instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública não poderão ser invocadas como justificação da tortura em nenhum caso nem a ordem de um funcionário superior ou de uma autoridade pública poderá ser invocada para justificála A criminalização de todos os atos de tortura deve ser concretizada por todo Estado Parte Qualquer pessoa processada por qualquer dos crimes previstos na Convenção receberá garantias de tratamento justo em todas as fases do processo Os crimes discriminados na Convenção devem ser considerados como extraditáveis em qualquer tratado de extradição existente entre os Estados Partes e estes se obrigarão a incluir tais crimes como extraditáveis em todo tratado de extradição que vierem a concluir entre si Mecanismos de monitoramento da Convenção procedimento de relatorias periódicas comunicações interestatais petições individuais Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Objetivo Estabelecer um sistema de visitas regulares de órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde as pessoas são presas com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Mecanismos de monitoramento do Protocolo Subcomitê de Prevenção no plano internacional órgão nacional para prevenir a prática de tortura as visitas tanto do órgão internacional quanto do nacional a qualquer lugar sob sua jurisdição onde pessoas são ou podem ser presas por força de ordem dada por autoridade pública 16 Protocolo de Istambul A incompatibilidade entre a proibição da tortura e sua subsistência no cenário contemporâneo evidencia a necessidade constante de implementação de medidas eficazes contra tratamentos desumanos por parte dos Estados Por este motivo foi apresentado ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em 9 de agosto de 1999 manual para a investigação e documentação eficazes da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes também denominado Protocolo de Istambul Em 2003 o Protocolo foi oficialmente adotado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos como manual modelo na área bem como tem sido sua utilização recomendada no âmbito do Conselho de Direitos Humanos relatoria especial contra a tortura por exemplo O Protocolo é formalmente não vinculante por ser soft law mas como Claudio Grossman bem assinala o manual deve servir de instrumento para implementar o dever internacional do Estado de combater a tortura 168 O objetivo principal desse Protocolo foi fornecer aos Estados auxílio na coleta e utilização de provas da prática da tortura e maustratos possibilitando consequentemente a responsabilização dos infratores A despeito do foco do Protocolo ser os crimes de tortura os métodos de documentação ali previstos também são ferramentas úteis na investigação e supervisão de outras questões de direitos humanos como por exemplo a avaliação de situações de asilo a defesa de indivíduos que admitem a prática de crimes sob tortura e a análise das necessidades de tratamento das vítimas O Protocolo de Istambul especifica as regras sobre os inquéritos estatais que investigam crimes de tortura mencionando a necessidade de determinar o órgão competente para a realização do inquérito recolher e preservar provas materiais médicas fotográficas etc realizar a colheita dos depoimentos das vítimas e testemunhas e estabelecer comissões de inquérito Ademais o Protocolo pormenoriza considerações sobre o procedimento e a finalidade da entrevista das vítimas e da colheita dos indícios físicos e psicológicos da tortura asseverando sobre as especificidades das provas e as reações e dificuldades na instrução de tais procedimentos A análise geral das condições da vítima e do ambiente deve ser feita para o exame dos métodos de tortura empregados eis que estes podem causar sintomas psicológicos orgânicos e de memória às vítimas bem como estas podem sequer ter noção da real extensão dos maus tratos sofridos O Protocolo enfatiza a necessidade de salvaguardar questões processuais e evitar nulidades ressaltando que a solicitação de exame médicolegal deve ser realizada pelo Ministério Público ou outra autoridade competente e que a documentação do perfil psicossocial da vítima deve incluir os seus antecedentes a detenção os maustratos sofridos as condições da prisão e o método de tortura empregado Visando estabelecer uma imagem real e completa da realidade dos centros de detenção o Protocolo recomenda visitas oficiais periódicas a tais estabelecimentos Sobre os indícios físicos de tortura elementos corroboram os depoimentos prestados pelas vítimas e testemunhas e o Protocolo ressalta a importância da sua documentação detalhada É essencial a colheita de histórico médico da vítima com as lesões sofridas antes da detenção e suas possíveis sequelas e a seguir realização de exame físico geral pele rosto peito e abdômen sistema músculo esquelético sistema geniturinário e sistema nervoso central e periférico e específico sobre as formas de tortura espancamento suspensão tortura posicional choques elétricos tortura dentária asfixia tortura sexual e violação etc Como atos de violência podem não deixar marcas físicas visíveis ou permanentes bem como a tortura pode se dar apenas na forma psicológica o Protocolo recomenda a realização de exame neuropsicológico atentando para as reações psicológicas mais comuns à tortura revivência do trauma negação e alheamento emocional depressão dissociação despersonalização psicoses abusos de substâncias etc Como consequência do Protocolo de Istambul em âmbito nacional foi elaborado em 2003 o Protocolo Brasileiro de Perícia Forense no crime de tortura o qual adaptou tais normas regras e orientações à realidade do país Ademais o Conselho Nacional de Justiça CNJ editou a Recomendação n 492014 na qual reitera a obrigatoriedade de observância das normas do Protocolo de Istambul e do Protocolo Brasileiro de Perícia Forense pelos magistrados brasileiros QUADRO SINÓTICO Protocolo de Istambul Natureza jurídica Soft law mas deve ser utilizado como instrumento para que os Estados comprovem que zelam pelo combate à tortura dever internacional Objetivo Criar regras e procedimentos para documentar casos de tortura física e psicológica bem como orientar a prevenção como por exemplo por meio de visitas periódicas aos centros de detenção Uso no Brasil Foi criado em 2003 o Protocolo Brasileiro de Perícia Forense no crime de tortura O CNJ em 2014 recomendou o uso do Protocolo de Istambul e do Protocolo Brasileiro de Perícia Forense para apurar o crime de tortura 17 Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos Regras Nelson Mandela As Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos foram adotadas pelo I Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e para o Tratamento de Delinquentes que foi realizada em Genebra em 31 de agosto de 1955 Foram posteriormente aprovadas pelo Conselho Econômico e Social por meio das Resoluções n 663 C XXIV de 31 de julho de 1957 e 2076 LXII de 13 de maio de 1977 Em maio de 2015 foram atualizadas pela Comissão das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Justiça Criminal tendo tais atualizações sido aprovadas à unanimidade pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2015 Foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU a denominação honorífica da Resolução como Regras Nelson Mandela em homenagem a quem passou 27 anos de sua vida preso na luta pelos direitos humanos igualdade democracia e promoção da cultura da paz parte dos considerandos da Resolução 169 Um dos fatores a favor da atualização das regras foi a constatação da existência de mais de 10 milhões de pessoas encarceradas no mundo No Brasil os dados de 2018 apontam que há 726 mil pessoas encarceradas a terceira população carcerária no mundo em termos absolutos sem levar em consideração a população total do país Por sua vez o Brasil possuía em 2018 somente 437 mil vagas no sistema prisional levando à superpopulação carcerária taxa de ocupação de 166 170 As Regras Mínimas possuem natureza de soft law que consiste no conjunto de normas não vinculantes de Direito Internacional mas que podem se transformar em normas vinculantes posteriormente caso consigam a anuência dos Estados Ademais tais normas espelham diversos direitos dos presos previstos em tratados como por exemplo o direito à integridade física e psíquica igualdade liberdade de religião direito à saúde entre outros Essa interação das Regras com normas de direitos humanos foi atestada nos considerandos da Resolução de 2015 pois se reconheceu a influência do Comentário Geral n 21 do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Assim por consequência a violação das regras mínimas pode concretizar a violação de dispositivos previstos em tratados de direitos humanos Nesse sentido as Regras Mínimas foram expressamente mencionadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Tibi vs Equador como forma de esclarecer o alcance e o sentido do direito à integridade dos presos No caso a Corte IDH constatou o desrespeito pelo Equador do art 24 das Regras direito a tratamento médico 171 A revisão de 2015 abrangeu nove áreas temáticas tratamento médico na prisão restrições disciplina e sanções ao preso buscas nas celas de detenção contato exterior reclamações dos presos investigações e inspeções Entre as alterações destacase a definição de confinamento solitário 172 As novas Regras Mínimas compostas por 122 artigos anteriormente eram 95 estão divididas em três seções observações preliminares regras de aplicação geral Parte I Regras 1 a 85 e regras aplicáveis a categorias especiais Parte II Regras 86 a 122 As observações preliminares deixam claro que não se pretende que as regras descrevam pormenorizadamente um sistema penitenciário e que levandose em conta a grande variedade de condições legais sociais econômicas e geográficas existentes não serão aplicadas indistintamente em todos os lugares Pretendeuse entretanto estabelecer princípios e regras básicos para a organização penitenciária e o tratamento dos reclusos que devem servir de estímulo para esforços no sentido de promover a sua aplicação A primeira parte conforme explicitam as observações preliminares cuida de matérias relativas à administração geral dos estabelecimentos penitenciários e se aplica a todas as categorias de reclusos quer em foro criminal quer em foro cível incluindose aqueles em prisão preventiva ou já condenados bem como os detidos por medida de segurança ou medida de reeducação ordenadas por juiz Conquanto as regras não tenham como objetivo enquadrar a organização de estabelecimentos juvenis considerase que as regras de aplicação geral podem ser também a eles aplicadas e como regra tais jovens não devem ser condenados a penas de reclusão Enunciase de início o princípio básico a aplicação das regras de forma imparcial sem qualquer tipo de discriminação com base em raça cor sexo língua religião opinião política ou outra origem nacional ou social meios de fortuna nascimento ou outra condição No caso das pessoas com deficiência as administrações prisionais devem fazer todos os ajustes possíveis para garantir que tais presos tenham acesso completo e efetivo à vida prisional em base de igualdade Ainda as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o preso devem ser respeitados Os objetivos da sentença de encarceramento foram explicitados a saber i proteger a sociedade contra a criminalidade e ii reduzir a reincidência Esses objetivos só podem ser alcançados se o período de encarceramento for utilizado para assegurar na medida do possível a reintegração de tais indivíduos à sociedade após sua soltura para que possam levar uma vida autossuficiente com respeito às leis Por isso as administrações prisionais e demais autoridades competentes devem oferecer educação formação profissional e trabalho bem como outras formas de assistência apropriadas e disponíveis inclusive aquelas de natureza reparadora moral espiritual social esportiva e de saúde Tais programas atividades e serviços devem ser oferecidos em consonância com as necessidades individuais de tratamento dos presos Consequentemente o regime prisional deve procurar minimizar as diferenças entre a vida no cárcere e aquela em liberdade que tendem a reduzir a responsabilidade dos presos ou o respeito à sua dignidade como seres humanos Estabelecemse regras sobre o registro de informações sobre o preso como a identidade os motivos da detenção e a autoridade que a ordenou e o dia e hora de entrada e saída além da impossibilidade de que alguém seja preso sem ordem de detenção válida cujos pormenores tenham sido registrados Os bens pessoais do detido quando não puderem manter sua posse durante a reclusão serão guardados em lugar seguro e conservados em bom estado para serem restituídos ao preso no momento de sua libertação Também no momento da admissão cada preso deve receber informações inclusive disponibilizadas nos idiomas mais utilizados ou com uso de intérprete se necessário escritas ou oralmente se o preso for analfabeto sobre o regime aplicável à sua categoria sobre as regras disciplinares do estabelecimento sobre os meios autorizados para obter informações e formular queixas e sobre todos os outros pontos necessários para conhecer seus direitos e obrigações e para se adaptar à vida no estabelecimento Presos com deficiências sensoriais devem receber as informações de maneira apropriada a suas necessidades Todo preso deve ter o direito de fazer uma solicitação ou reclamação sobre seu tratamento sem censura quanto ao conteúdo à administração prisional central à autoridade judiciária ou a outras autoridades competentes inclusive àqueles com poderes de revisão e de remediação Toda solicitação ou reclamação deve ser prontamente apreciada e respondida sem demora Se a solicitação ou reclamação for rejeitada ou no caso de atraso indevido o reclamante terá o direito de levála à autoridade judicial ou outra autoridade Mecanismos de salvaguardas devem ser criados para assegurar que os presos possam fazer solicitações e reclamações de forma segura e se requisitado pelo reclamante confidencialmente O preso seus familiares ou advogados não devem ser expostos a qualquer risco de retaliação intimidação ou outras consequências negativas como resultado de uma solicitação ou reclamação Ademais as diferentes categorias de reclusos devem ser mantidas em estabelecimentos separados ou em diferentes zonas considerandose o sexo e a idade além de antecedentes penais razões da detenção e medidas necessárias Dessa forma fica estabelecido que na medida do possível homens e mulheres devem ser detidos em estabelecimentos separados ou em celas totalmente separadas os presos preventivos devem ser separados dos condenados os presos cíveis daqueles presos por motivos penais e os jovens reclusos com relação aos adultos Quanto aos locais de reclusão as regras definem que não podem ser ocupados por mais de um recluso salvo se houver excesso temporário de população prisional quando dois reclusos poderão ficar em uma mesma cela Tais locais devem atender a todas as exigências de higiene e saúde Devese garantir também vestuário que não pode ser degradante ou humilhante e roupa de cama além de alimentação de valor nutritivo adequado acesso à água potável e a prática diária de exercício físico Onde houver dormitórios estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente selecionados como sendo capazes de serem alojados juntos Durante a noite deve haver vigilância regular de acordo com a natureza do estabelecimento prisional Ademais toda unidade prisional deve possuir serviço de saúde incumbido de avaliar promover proteger e melhorar a saúde física e mental dos presos prestando particular atenção aos presos com necessidades especiais ou problemas de saúde que dificultam sua reabilitação Os serviços de saúde devem ser compostos por equipe interdisciplinar com pessoal qualificado suficiente atuando com total independência clínica e deve abranger a experiência necessária de psicologia e psiquiatria Serviço odontológico qualificado deve ser disponibilizado a todo preso Nos estabelecimentos em que houver reclusas grávidas devem existir instalações especiais para o seu tratamento e se a criança lá nascer tal fato não pode constar de seu registro Entre outras atribuições do médico as regras mínimas preveem seu dever de examinar o preso o mais rapidamente possível após a sua admissão no estabelecimento para tomar as medidas necessárias bem como de vigiar a saúde física e mental dos reclusos As Regras determinam que os presos devem ter a oportunidade tempo e meios adequados para receberem visitas e de se comunicarem com um advogado de sua própria escolha ou com um defensor público i sem demora ii interceptação ou censura iii em total confidencialidade iv sobre qualquer assunto legal v em conformidade com a legislação local Tais encontros podem estar sob as vistas de agentes prisionais mas não passíveis de serem ouvidos por estes A confidencialidade da conversa entre o preso e seu advogado é a regra geral mas o conteúdo da conversa deve ser restrito à matéria legal e em conformidade com a legislação local Por isso a eventual gravação ambiental do parlatório sala separada por vidro e a comunicação entre advogado e preso é feita mediante interfone com a gravação e filmagem da conversa pode ser excepcionalmente autorizada por ordem judicial caso haja indícios da prática de crime com envolvimento do advogado devendo ser inutilizado qualquer outro teor da conversa 173 As Regras preveem ainda que cada estabelecimento penitenciário deve contar com uma biblioteca para uso dos presos e que se reunir um número suficiente de presos de uma mesma religião um representante dela deve ser nomeado ou autorizado Entretanto se o recluso se opuser à visita de um representante sua vontade deve ser respeitada A realidade brasileira demonstra claramente que tais regras não são cumpridas no Brasil a superlotação dos presídios a reclusão do preso em cela não separada de outras categorias as péssimas condições de higiene e salubridade abusos físicos e sexuais das mais variadas formas bem como o controle de facto do presídio por organizações criminosas exemplificam o quanto ainda se está distante do modelo concebido nas Regras Mínimas Estabelecese ainda que a ordem e a disciplina devem ser mantidas com firmeza sem entretanto que se imponham mais restrições do que as necessárias para a manutenção da segurança e da boa organização da vida comunitária Com efeito as condutas que constituem infração disciplinar o tipo e a duração das sanções e a autoridade competente para pronunciá las devem ser determinados por lei ou regulamentação emanada da autoridade administrativa competente Ademais o preso não pode ser punido sem o respeito ao devido processo legal o que inclui a assistência jurídica e a vedação ao bis in idem ser punido duas vezes pelo mesmo fato Todas as punições cruéis desumanas ou degradantes ou que impliquem tortura devem ser completamente proibidas como sanções disciplinares As seguintes práticas em particular devem ser proibidas a Confinamento solitário indefinido b Confinamento solitário prolongado c Encarceramento em cela escura ou constantemente iluminada d Castigos corporais ou redução da dieta ou água potável do preso e Castigos coletivos Instrumentos de imobilização jamais devem ser utilizados como sanção a infrações disciplinares Mesmo que o preso sofra sanções disciplinares ou medidas restritivas poderá em geral ter contato com sua família que só pode ser restringido por um prazo limitado e quando for estritamente necessário para a manutenção da segurança e da ordem Em grande avanço para reduzir a discricionariedade dos Estados o confinamento solitário foi definido como o confinamento do preso por 22 horas ou mais por dia sem contato humano significativo O confinamento solitário prolongado sanção proibida referese ao confinamento solitário por mais de 15 dias consecutivos Por oportuno ressaltase que embora sua constitucionalidade não tenha sido julgada pelo STF 174 o Regime Disciplinar Diferenciado RDD incluído pela Lei n 10792 de 1º de dezembro de 2003 à Lei de Execução Penal Lei n 721084 que submete o preso ao confinamento solitário prolongado por até 360 dias sem limite de repetição da sanção por nova falta grave é questionado por ser considerado violador das Regras Mínimas pela segregação prolongada de presos sem a observância dos limites vistos supra O uso de correntes imobilizadores de ferro ou outros instrumentos restritivos inerentemente degradantes ou dolorosos deve ser proibido Outros instrumentos restritivos por exemplo algemas devem ser utilizados apenas quando i previstos em lei e ii em circunstâncias definidas tais como por precaução contra evasão durante transferência desde que sejam removidos quando o preso estiver diante de autoridade judicial ou administrativa ou por razões médicas sob indicação do médico Esses instrumentos de restrição devem ser i os menos invasivos ii temporários sendo retirados depois que o risco que motivou a restrição não esteja mais presente Os instrumentos de restrição não devem ser utilizados em mulheres em trabalho de parto nem durante e imediatamente após o parto No Brasil a Lei n 134342017 vedou o uso de algemas em i mulheres grávidas durante os atos médicohospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto bem como em ii mulheres durante o período de puerpério imediato Além disso o Decreto n 88582016 regulamentou o uso de algemas no Brasil Ademais a Súmula Vinculante 11 tem o seguinte teor restringindo o uso de algemas Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros justificada a excepcionalidade por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado ver mais na Parte IV Cap 119 deste Curso As revistas íntimas e inspeções serão conduzidas respeitandose a inerente dignidade humana e privacidade do indivíduo sob inspeção assim como os princípios da proporcionalidade legalidade e necessidade de garantir a segurança nas unidades prisionais O registro das revistas é obrigatório para fins de controle As revistas íntimas invasivas o que inclui o ato de despir o preso e inspecionar as partes íntimas devem ser empreendidas apenas quando forem absolutamente necessárias As administrações prisionais devem ser encorajadas a desenvolver e utilizar outras alternativas apropriadas em vez de revistas íntimas Há ainda a previsão da realização da revista íntima apenas por profissionais de saúde qualificados mas se aceita que seja feita por pessoal apropriadamente treinado por profissionais da área médica nos padrões de higiene saúde e segurança Quanto ao visitante as Regras reconhecem que sua entrada depende do seu consentimento em se submeter à revista caso não concorde a administração prisional poderá vedarlhe o acesso Por outro lado os procedimentos de entrada e revista para visitantes não devem ser degradantes e devem ser regidos no mínimo pelos mesmos parâmetros protetivos da revista aos presos Revistas em partes íntimas do corpo do visitante devem ser evitadas mas não foram expressamente proibidas e não devem ser utilizadas em crianças proibição Para permitir contatos com o mundo exterior as Regras Mínimas aludem expressamente ao dever de se conceder aos presos a possibilidade de comunicarse com as suas famílias e amigos seja por meio de correspondência e onde houver telecomunicações meios digitais eletrônicos e outros seja por meio de visitas Caso sejam permitidas as visitas íntimas estas devem ser garantidas sem discriminação devendo as mulheres presas exercerem tal direito nas mesmas bases que os homens Devem ser instaurados procedimentos e locais devem ser disponibilizados de forma a garantir o justo e igualitário acesso à visita íntima respeitandose a segurança e a dignidade dos envolvidos Há ainda o dever de manter os presos regularmente informados sobre as notícias mais importantes por meio de jornais periódicos ou outros meios autorizados ou controlados pela administração Há regras também sobre a notificação de morte doença e transferência dentre outros fatos ao preso e à sua família regras sobre a forma de transferência situação em que medidas apropriadas devem ser tomadas para proteger de insultos curiosidade ou publicidade e regra sobre a inspeção regular dos estabelecimentos e serviços penitenciários para assegurar que sejam administrados de acordo com as leis e regulamentos vigentes Quanto aos sistemas de controle as Regras estabelecem que não obstante uma investigação interna o diretor da unidade prisional deve reportar imediatamente a morte o desaparecimento ou o ferimento grave à autoridade judicial ou a outra autoridade competente independentemente da administração prisional e deve determinar a investigação imediata imparcial e efetiva sobre as circunstâncias e causas de tais eventos A administração prisional deve cooperar integralmente com a referida autoridade e assegurar que todas as evidências sejam preservadas Há preocupação especial com a tortura todas as alegações de tortura ou tratamentos ou sanções cruéis desumanas ou degradantes devem ser apreciadas imediatamente e resultar em pronta e imparcial investigação conduzida por autoridade nacional independente por exemplo o Ministério Público Finalmente as Regras Mínimas apresentam as diretrizes para a formação e o trabalho dos membros do pessoal penitenciário ressaltando sua missão social de grande importância bem como diretrizes sobre o relacionamento dos funcionários com os presos especialmente tendo se em conta o tratamento com as mulheres A segunda parte de outro lado contém regras referentes ao objetivo de reinserção do preso na sociedade As regras aplicáveis aos presos condenados são também aplicadas aos presos com transtornos mentais presos detidos ou aguardando julgamento e condenados por dívidas ou a prisão civil se não forem contraditórias com as regras específicas dessas seções e se levarem a uma melhoria de condições para tais presos Inicialmente são apresentados os princípios gerais que devem nortear a administração dos sistemas penitenciários e os objetivos a que devem atender O sistema penitenciário não deve agravar o sofrimento inerente à situação de privação de liberdade exceto pontualmente por razões justificáveis de segregação e para a manutenção da disciplina Nesse sentido o tratamento de presos sentenciados ao encarceramento ou a medida similar deve ter como propósito até onde a sentença permitir criar nos presos a vontade de levar uma vida de acordo com a lei e autossuficiente após sua soltura e capacitálos a isso além de desenvolver seu senso de responsabilidade e autorrespeito Por isso o tratamento dos presos deve enfatizar não a sua exclusão da comunidade mas sua participação contínua nela devendo existir a participação social para auxiliar a equipe da unidade prisional na tarefa de reabilitação social dos presos Elegese como fim da pena de privação de liberdade a proteção de direitos humanos de terceiros contra o crime o que só pode ser assegurado se o preso após seu regresso à liberdade tenha vontade e aptidão para seguir um modo de vida de acordo com a lei e provendo suas próprias necessidades Para tanto diversas medidas são apresentadas com a finalidade de permitir a reintegração do preso à sociedade A tarefa da sociedade não termina com a liberação de um preso Deve haver portanto agências governamentais ou privadas capazes de prestar acompanhamento póssoltura de forma eficiente direcionadas à diminuição do preconceito contra ele e visando à sua reinserção social Para atender à individualização da pena cada preso deve ter sua personalidade analisada para que lhe seja preparado um programa de tratamento atendendo às suas necessidades individuais suas capacidades e seu estado de espírito O trabalho na prisão é apresentado como uma medida apta a aumentar nos presos a habilidade de viver de modo digno após a liberdade O trabalho na prisão não deve ser de natureza estressante e os presos não devem ser mantidos em regime de escravidão ou servidão Dessa forma prevêse que a organização e os métodos do trabalho penitenciário devem se aproximar de trabalho semelhante fora do estabelecimento garantindose aos reclusos os cuidados destinados a proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores e que a lei preveja seus direitos de limitação do tempo de jornada descanso semanal remuneração equitativa indenização em caso de acidente de trabalho ou doenças profissionais dentre outros Também para atender ao objetivo de inclusão futura do preso prevêse que devem ser tomadas todas as medidas para melhorar sua educação sendo esta obrigatória para analfabetos e jovens presos além de atividades de recreio e culturais Ademais observase a necessidade de se prestar atenção à manutenção e à melhora das relações entre o preso e a família e de se estimular o preso a estabelecer relações com pessoas e organizações externas Todas as unidades prisionais devem oferecer atividades recreativas e culturais em benefício da saúde física e mental dos presos As Regras Mínimas então apresentam o especial tratamento que deve ser conferido aos presos com deficiência mental ou com problemas de saúde severos que não devem ser mantidos em prisões mas transferidos para estabelecimentos apropriados Quanto aos presos ainda no aguardo de sentença definitiva estes devem ser tratados como presos não julgados sendo presumidos inocentes e assim devem ser tratados Devem ser mantidos separados dos condenados garantindose a eles maiores direitos como o de ser visitado ou tratado por seu médico e dentista pessoais e o de se entrevistar com seu advogado sem que seja ouvido embora possa ser visto por funcionário da polícia ou do estabelecimento tal qual os demais presos Há também regras para os países cuja legislação preveja a prisão por dívidas ou por outras formas pronunciadas por decisão sem natureza penal cujo tratamento não será menos favorável do que aquele oferecido a presos não julgados exceto para aqueles obrigados a trabalhar Finalmente para os presos sem acusação sem prejuízo do que dispõe o art 9º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que garante a qualquer pessoa privada de sua liberdade o direito de recorrer a um tribunal para que decida sobre a legalidade de seu encarceramento aplicamse as disposições da Parte I das Regras Mínimas além das aplicadas aos presos não julgados e dos princípios gerais da Parte II QUADRO SINÓTICO Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos Regras Nelson Mandela Natureza jurídica de soft law Mas reflete vários direitos previstos em tratados internacionais Atualizadas em 2015 com diversas inovações Regras levam em conta a grande variedade de condições legais sociais econômicas e geográficas existentes de forma que não serão aplicadas indistintamente em todos os lugares A aplicação das regras deve ser feita de forma imparcial sem qualquer tipo de discriminação com base em raça cor sexo língua religião opinião política ou outra origem nacional ou social meios de fortuna nascimento ou outra condição Entretanto as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o recluso devem ser respeitados Devem ser respeitados os demais direitos fundamentais do preso não afetados pela restrição de sua liberdade O objetivo é a reinserção social e prevenção da reincidência 18 Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras Regras de Bangkok As Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras resultam do trabalho de um grupo de especialistas realizado em Bangkok entre 23 e 26 de novembro de 2009 visando o desenvolvimento de normas específicas para o tratamento das mulheres submetidas a medidas privativas e não privativas de liberdade As também denominadas Regras de Bangkok consideradas como complementares às Regras mínimas para o tratamento de presos Regras Nelson Mandela foram aprovadas pela Assembleia Geral da ONU na Resolução n 65229 de 21 de dezembro de 2010 175 Com isso tratase de um conjunto de normas de soft law não possuindo força vinculante aos Estados Porém serve como importante vetor de interpretação do alcance de normas nacionais e internacionais sobre direitos humanos que podem incidir sobre as mulheres presas como por exemplo o direito à integridade pessoal devido processo legal entre outras bem como para orientar a produção normativa posterior No caso brasileiro em 2016 foi editado o Decreto n 8858 determinando o uso das Regras de Bangkok como diretrizes para o emprego de algemas O objetivo principal do documento é estabelecer regras e políticas públicas de prevenção de crimes e justiça criminal especificamente voltadas para as mulheres sendo direcionadas às autoridades nacionais legisladores Poder Judiciário Ministério Público e agentes penitenciários envolvidas na administração das penas privativas de liberdade e alternativas à prisão As Regras de Bangkok pautamse por dois pressupostos i as necessidades específicas das mulheres as quais incluem entre outras idade orientação sexual identidade de gênero nacionalidade situação de gestação e maternidade ii o reconhecimento de que parcela das mulheres infratoras não representa risco à sociedade de modo que o encarceramento pode dificultar a sua reinserção social 176 As Regras de Bangkok são divididas em quatro seções a Seção I aborda as Regras 1 a 39 relativas à administração das instituições e possui aplicação geral a todas as mulheres privadas de liberdade a Seção II traz as Regras 40 a 56 aplicáveis a categorias especiais sendo subdividida entre as regras que se aplicam às presas condenadas subseção A e aquelas concernentes às presas provisórias subseção B a Seção III contém as Regras 57 a 66 para as mulheres submetidas a sanções não privativas de liberdade e finalmente a Seção IV enumera as regras sobre pesquisa avaliação planejamento e compartilhamento de informações aplicáveis a todas as categorias de mulheres infratoras No total são enumeradas 70 regras no documento Antes das regras é enunciado um princípio básico a proibição a qualquer tipo de discriminação na aplicação das Regras de Bangkok Em caráter complementar a Regra 1 reforça que a igualdade material de gênero depende do reconhecimento de necessidades distintas das mulheres presas As Regras 2 3 e 4 dizem respeito ao ingresso registro e alocação das mulheres infratoras Ao ingressar no estabelecimento prisional deve ser permitido o contato com parentes acesso à assistência judiciária e às informações sobre o regulamento das prisões em idioma de sua compreensão Para as mães deve ser autorizada a adoção de providências em relação a seus filhos incluindo no melhor interesse da criança eventual suspensão da medida privativa de liberdade Ademais devem ser incluídos no registro da infratora em caráter confidencial os nomes e as idades dos filhos sua localização e situação de guarda ou custódia Outra providência é a priorização da permanência em prisão próxima ao seu meio familiar levando em consideração as responsabilidades da mulher como fonte de cuidado dos filhos No Brasil a Lei n 132572016 alterou o Código de Processo Penal para incluir uma série de medidas que visam inserir nos atos procedimentais penais lavratura do auto de prisão em flagrante inquérito policial interrogatório policial o registro de informações sobre existência de filhos respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos A seguir as Regras 5 a 18 tratam da higiene pessoal e dos cuidados médicos das mulheres Nessa linha as instalações devem ser satisfatórias para as necessidades das mulheres incluindo suprimento de produtos de higiene íntima gratuitos e água disponível O cuidado com a saúde das infratoras pressupõe igualmente a realização de amplo exame médico de ingresso o qual deve incluir entre outras medidas o diagnóstico de abuso sexual ou outras formas de violência sofridas acompanhado da informação do seu direito de denunciar aos abusos e recorrer às autoridades judiciais Havendo crianças que acompanham a infratora estas também devem passar por exame médico Outras regras relativas à saúde das mulheres incluem i o atendimento médico específico físico e mental com a prioridade se for solicitado pela mulher de tratamento ou exame realizado por médica ou enfermeira ii a presença apenas da equipe médica durante os exames ressalvados os casos em que para a segurança da equipe médica ou da própria mulher for necessária a presença de funcionário do presídio iii o fornecimento de programas de prevenção e tratamento especializado para o HIV consumo de drogas e prevenção às lesões autoinflingidas e ao suicídio A segurança e a vigilância das mulheres são abordadas nas Regras 19 a 25 Os métodos de inspeção devem respeitar a dignidade das mulheres evitandose as revistas íntimas e as inspeções corporais invasivas as quais quando necessárias devem ser conduzidas por funcionárias devidamente treinadas Visando proteger as crianças é vedada a imposição de sanções de isolamento ou segregação disciplinar às gestantes e mães em período de amamentação É vedada também a utilização de instrumentos de contenção em mulheres em trabalho de parto ou no período imediatamente posterior Nessa linha e como já visto anteriormente a Lei n 134342017 vedou o uso de algemas em i mulheres grávidas durante os atos médicohospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto bem como em ii mulheres durante o período de puerpério imediato O contato entre a presa e o mundo exterior pautado pelo estímulo à comunicação e visitas dos familiares está enunciado nas Regras 26 a 28 Ao final da Seção I as Regras 29 a 35 abordam a capacitação dos funcionários penitenciários com atenção especial às necessidades das presas e as Regras 36 a 39 reforçam o dever de aplicação das regras para as adolescentes em conflito com a lei atentandose para as peculiaridades de sua idade e gênero A subseção A da Seção 2 abarca as presas condenadas As Regras 40 e 41 determinam a classificação e individualização das presas de acordo com suas necessidades de gênero e situação de modo a instituir programas apropriados de reabilitação No mesmo sentido a Regra 42 disciplina o regime prisional o qual deve oferecer serviços adequados para a realização de atividades específicas de gênero bem como para o cuidado de crianças Já as Regras 43 a 47 trazem o dever de incentivo por parte das autoridades prisionais às relações social e assistencial posterior ao encarceramento Para facilitar a transição da prisão para a liberdade estimulase na medida do possível que as autoridades autorizem por exemplo o sursis a fixação de regime prisional aberto e as saídas temporárias As mulheres gestantes lactantes ou com filhos deverão receber orientações de dieta saúde e qualidade de vida conforme preceituado nas Regras 48 a 52 Devese estimular a amamentação e visando o melhor interesse da criança fornecer ambiente adequado com serviços de saúde e educação para crianças que vivam com as mães na prisão A subseção A da parte II termina enfatizando a prioridade na transferência de presas estrangeiras o mais cedo possível para o seu país de origem e o dever de reconhecimento das necessidades distintas das minorias e dos povos indígenas Regras 53 a 55 177 A subseção B da Seção II contempla apenas a Regra 56 que estipula a adoção de medidas para minimizar o risco específico de abuso às mulheres em prisão cautelar Ressaltase que apesar da divisão entre as subseções da Seção II as regras da subseção A se aplicam a subseção B desde que beneficiem a mulher e não sejam incompatíveis com as regras específicas das presas condenadas ou provisórias Compreendendo o histórico de vitimização das mulheres infratoras e suas responsabilidades de cuidado a Seção III foca nas Regras 57 e 58 no estabelecimento de medidas despenalizadoras e alternativas à prisão das mulheres A seguir a Regra 59 traz a regra da utilização de medidas protetivas não privativas de liberdade albergues e serviços comunitários admitindo a privação temporária da liberdade unicamente para a proteção da mulher caso seja por ela solicitada com a devida fiscalização judicial da medida Para auxiliar as mulheres a combater os estímulos mais comuns à criminalidade a Regra 60 prevê a disponibilização de cursos e orientações especificamente para vítimas de violência doméstica e abuso sexual tratamento para transtorno mental e programas de capacitação para melhorar as possibilidades de acesso ao mercado de trabalho A Regra 61 autoriza a consideração da primariedade da natureza da falta de gravidade do crime e das responsabilidades de cuidado das mulheres como fatores atenuantes da pena a ser imposta A compreensão dos traumas sofridos exclusivamente por mulheres inspira a Regra 62 que prevê a prestação de serviços comunitários destinados exclusivamente para mulheres como tratamento para o consumo de drogas Além disso a Regra 63 reforça a necessidade de políticas específicas de reintegração da mulher infratora na sociedade assim como o reconhecimento das responsabilidades de cuidado as quais devem ser ponderadas de forma positiva nas decisões sobre livramento condicional A Regra 64 prevê que às mulheres gestantes e com filhos dependentes devem ser estipuladas medidas alternativas sendo a prisão excepcional e aceita apenas para a prática de crimes graves ou violentos ou quando a mulher representar ameaça contínua à sociedade Nesse sentido a Lei n 132572016 Marco Legal de Atenção à Primeira Infância dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e em linha com as Regras de Bangkok autoriza por intermédio da alteração do art 318 do CPP a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar quando se tratar a de gestante b de mulher com filho de até 12 doze anos de idade incompletos c de homem caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 doze anos incompletos ou d de agente considerado imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 seis anos de idade ou com deficiência citando expressamente as Regras de Bangkok conferir STF HC 134734 rel Min Celso de Mello decisão de 3062016 e também STF HC 134104 rel Min Gilmar Mendes j 282016 A preocupação com a vulnerabilidade de gênero e com a máxima proteção das vítimas rege as Regras 65 e 66 as quais preceituam a institucionalização mínima de adolescentes em conflito com a lei e a ratificação dos documentos internacionais para a prevenção e repressão do tráfico de mulheres e crianças Por fim na Seção IV as Regras 67 a 69 valorizam o estímulo à pesquisa planejamento e avaliação de aspectos relativos às características delitos e encarceramento das mulheres infratoras visando contribuir para a formulação de políticas e programas que reduzam a estigmatização da mulher e facilitem a sua reintegração social Em caráter acessório a Regra 70 enfatiza o papel de conscientização dos meios de comunicação e do público sobre os motivos que levam as mulheres à criminalidade e os mecanismos eficazes de lidar com tais problemas QUADRO SINÓTICO Regras de Bangkok Natureza jurídica Resolução n 65229 de 21 de dezembro de 2010 da Assembleia Geral da ONU soft law Serve como vetor de interpretação das normas nacionais e internacionais sobre os direitos humanos que incidem sobre as mulheres submetidas a tais medidas Utilizada já expressamente em precedente do STF Objetivo Desenvolver normas específicas para o tratamento das mulheres submetidas a medidas privativas e não privativas de liberdade Em linha com a Lei n 132572016 Marco Legal de Atenção à Primeira Infância Essência do documento Estabelecer regras e políticas públicas de prevenção de crimes e de justiça criminal especificamente voltadas para as mulheres tendo em vista as suas necessidades específicas de idade orientação sexual identidade de gênero nacionalidade situação de gestação e maternidade 19 Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado A Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado foi assinada em Nova York em dezembro de 2006 Possui em 2019 61 Estados partes No Brasil a Convenção foi assinada em 6 de fevereiro de 2007 aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 661 publicado em 1º de setembro de 2010 e ratificada em 29 de novembro de 2010 Somente foi promulgada internamente seis anos depois da ratificação pelo Decreto n 8767 de 11 de maio de 2016 Foi firmada após a adoção da Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados pela Assembleia Geral das Nações Unidas Resolução n 47133 de 18 de dezembro de 1992 tendo em vista a gravidade do desaparecimento forçado que constitui crime e em determinadas circunstâncias definidas pelo direito internacional crime contra a humanidade Nesse sentido em seu preâmbulo a Convenção ressalta a necessidade de prevenir o desaparecimento forçado e de combater a impunidade nesses casos afirmando o direito à verdade das vítimas sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado e o destino da pessoa desaparecida bem como o direito à liberdade de buscar receber e difundir informação com este fim Tratase de um importante instrumento para o Brasil em conjunto com a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado que também já foi ratificada e incorporada internamente A Convenção possui o preâmbulo e 45 artigos divididos em três partes que podem ser assim esquematizadas i Parte I obrigações estatais direitos e garantias arts 1º a 25 ii Parte II Comitê contra Desaparecimentos Forçados arts 26 a 36 e iii Parte III disposições finais arts 37 a 45 Iniciando a Parte I o art 1º enuncia nenhuma pessoa será submetida a desaparecimento forçado e nenhuma circunstância excepcional seja estado de guerra ou ameaça de guerra instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública poderá ser invocada como justificativa para o desaparecimento forçado Em seguida o art 2º define o desaparecimento forçado como a prisão a detenção o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização apoio ou aquiescência do Estado e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida privandoa assim da proteção da lei Tratase de definição bastante semelhante à já adotada pela Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado Já no art 24 a Convenção define como vítima a pessoa desaparecida e todo indivíduo que tiver sofrido dano como resultado direto de um desaparecimento forçado No art 5º a Convenção determina que a prática generalizada ou sistemática de desaparecimento forçado constitui crime contra a humanidade tal como define o direito internacional aplicável o qual está sujeito às consequências nele previstas O art 3º determina ao Estado Parte a adoção de medidas apropriadas para investigar os atos definidos no art 2º cometidos por pessoas ou grupos de pessoas que atuem sem a autorização o apoio ou a aquiescência do Estado bem como para levar os responsáveis à justiça Ademais a Convenção estabelece um mandado de criminalização ao determinar que os Estados tomem as medidas necessárias para assegurar que o desaparecimento forçado constitua crime em conformidade com o seu direito penal Em seguida o art 6º determina que os Estados partes tomem as medidas necessárias para responsabilizar penalmente ao menos a toda pessoa que cometa ordene solicite ou induza a prática de um desaparecimento forçado tente praticálo seja cúmplice ou partícipe do ato b o superior que i tiver conhecimento de que os subordinados sob sua autoridade e controle efetivos estavam cometendo ou se preparavam para cometer um crime de desaparecimento forçado ou que tiver conscientemente omitido informação que o indicasse claramente ii tiver exercido sua responsabilidade e controle efetivos sobre as atividades relacionadas com o crime de desaparecimento forçado e iii tiver deixado de tomar todas as medidas necessárias e razoáveis a seu alcance para prevenir ou reprimir a prática de um desaparecimento forçado ou de levar o assunto ao conhecimento das autoridades competentes para fins de investigação e julgamento Ademais nenhuma ordem ou instrução de autoridade pública civil militar ou de outra natureza pode ser utilizada para justificar um crime de desaparecimento forçado Além de criminalizar a conduta o Estado Parte deve fazer com que o crime seja punível com penas apropriadas que levem em conta a sua gravidade Entretanto poderão ser definidas circunstâncias atenuantes especialmente para pessoas que tendo participado do cometimento de um desaparecimento forçado efetivamente contribuam para a reaparição com vida da pessoa desaparecida ou possibilitem o esclarecimento desses casos ou a identificação dos responsáveis por eles Por outro lado poderão ser definidas também circunstâncias agravantes especialmente em caso de morte da pessoa desaparecida ou do desaparecimento forçado de gestantes menores pessoas com deficiência ou outras pessoas particularmente vulneráveis art 7º Com relação à prescrição penal do crime de desaparecimento forçado art 8º o Estado Parte que adotála deve tomar as medidas necessárias para assegurar que o prazo seja de longa duração e proporcional à extrema seriedade desse crime e que sua contagem se inicie no momento em que cessar o desaparecimento forçado considerandose a sua natureza permanente Em paralelo cada Estado Parte deve garantir às vítimas de desaparecimento forçado o direito a um recurso efetivo durante o prazo de prescrição Ademais o Estado deve tomar as medidas necessárias para instituir sua jurisdição sobre o crime de desaparecimento forçado quando o crime for cometido em qualquer território sob sua jurisdição ou a bordo de um navio ou aeronave que estiver registrado no referido Estado quando o suposto autor do crime for um nacional desse Estado ou quando a pessoa desaparecida for nacional desse Estado e este o considere apropriado Deve também tomar medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre o crime de desaparecimento forçado quando o suposto autor do crime encontrarse em território sob sua jurisdição salvo se extraditálo ou entregálo a outro Estado de acordo com suas obrigações internacionais ou entregálo a uma corte penal internacional cuja jurisdição reconheça Entretanto a Convenção não exclui qualquer outra jurisdição penal exercida em conformidade com o direito interno art 9º No art 10 a Convenção estabelece que caso uma pessoa suspeita de ter cometido um crime de desaparecimento forçado esteja em território de um Estado Parte este após o exame da informação disponível e se considerar que as circunstâncias assim o justifiquem pode proceder à detenção dessa pessoa ou adotar outras medidas legais necessárias para assegurar sua permanência Nesses casos será imediatamente iniciado um inquérito ou investigações para apurar os fatos A pessoa detida nesses termos tem o direito de comunicar se imediatamente com o representante mais próximo do Estado de que é nacional ou caso se trate de pessoa apátrida com o representante do Estado onde habitualmente resida Já o art 11 estabelece que o Estado Parte no território de cuja jurisdição se encontre uma pessoa suspeita de haver cometido crime de desaparecimento forçado caso não conceda sua extradição ou a sua entrega a outro Estado de acordo com suas obrigações internacionais ou sua entrega a uma corte penal internacional cuja jurisdição tenha reconhecido deve submeter o caso a suas autoridades competentes para fins de ajuizamento da ação penal Em paralelo toda pessoa investigada por crime de desaparecimento forçado terá a garantia de tratamento justo em todas as fases do processo e deverá beneficiarse de um julgamento justo ante uma corte ou tribunal de justiça competente independente e imparcial estabelecido por lei Ademais o art 13 prevê que para fins de extradição entre os Estados partes o crime de desaparecimento forçado não pode ser considerado crime político um delito conexo a um crime político nem um crime de motivação política Dessa forma um pedido de extradição fundado em um crime desse tipo não poderá ser recusado por este único motivo Além disso o crime de desaparecimento forçado deve estar entre os crimes passíveis de extradição em qualquer tratado celebrado entre Estados partes antes da entrada em vigor da Convenção e os Estados partes assumem o compromisso de incluir o crime de desaparecimento forçado entre os crimes passíveis de extradição em todos os tratados de extradição que vierem a firmar A Convenção também pode ser considerada como a base legal necessária para extradições relativas ao crime de desaparecimento forçado se um Estado Parte condicionar a extradição à existência de um tratado e não o tiver com outro Estado Parte Por outro lado os Estados partes que não condicionarem a extradição à existência de um tratado reconhecerão o crime de desaparecimento forçado como passível de extradição entre si Em todos esses casos a extradição está sujeita às condições estipuladas pela legislação do Estado Parte requerido ou pelos tratados de extradição aplicáveis o que inclui as condições relativas à pena mínima exigida para a extradição e à motivação pela qual o Estado Parte requerido poderá recusar a extradição ou sujeitála a certas condições Por outro lado nada da Convenção pode ser interpretado no sentido de obrigar o Estado Parte requerido a conceder a extradição se este tiver razões substantivas para crer que o pedido tenha sido apresentado com o propósito de processar ou punir uma pessoa com base em razões de sexo raça religião nacionalidade origem étnica opiniões políticas ou afiliação a determinado grupo social ou que a aceitação do pedido causaria dano àquela pessoa por qualquer dessas razões O Estado deve assegurar a qualquer indivíduo que alegue que alguém foi vítima de desaparecimento forçado o direito de relatar os fatos às autoridades competentes as quais examinarão as alegações pronta e imparcialmente e caso necessário instaurarão sem demora uma investigação completa e imparcial Ademais medidas apropriadas devem ser tomadas caso necessário para assegurar que o denunciante as testemunhas os familiares da pessoa desaparecida e seus defensores bem como os participantes da investigação sejam protegidos contra maustratos ou intimidação em decorrência da denúncia ou de qualquer declaração prestada Ainda caso haja motivos razoáveis para crer que uma pessoa tenha sido vítima de desaparecimento forçado as autoridades instaurarão uma investigação mesmo que não tenha havido denúncia formal Também deve assegurar que as autoridades mencionadas tenham os poderes e recursos necessários para conduzir eficazmente a investigação inclusive acesso à documentação e a outras informações que lhe sejam relevantes bem como tenham acesso se necessário mediante autorização prévia de autoridade judicial emitida com brevidade a qualquer local de detenção ou qualquer outro local onde existam motivos razoáveis que levem a crer que a pessoa desaparecida se encontre O Estado deve também adotar as medidas necessárias para prevenir e sancionar atos que obstruam o desenvolvimento da investigação e assegurar que pessoas suspeitas de haverem cometido o crime de desaparecimento forçado não estejam em posição que possa influenciar o andamento da investigação por meio de pressão ou atos de intimidação ou represália dirigidos contra o denunciante as testemunhas os familiares da pessoa desaparecida ou seus defensores ou contra quaisquer pessoas que participarem da investigação A Convenção estabelece em seu art 14 que os Estados devem prestar mutuamente toda a assistência judicial possível no que diz respeito a processos penais relativos a um crime de desaparecimento forçado inclusive disponibilizando toda evidência em seu poder que for necessária ao processo Tal assistência judicial está sujeita às condições previstas no direito interno do Estado Parte requerido ou nos tratados de cooperação judicial aplicáveis incluindo em particular os motivos pelos quais o Estado Parte requerido poderá recusarse a conceder assistência judicial recíproca ou sujeitála a certas condições Além disso o art 15 determina que os Estados partes cooperem entre si e prestem a máxima assistência recíproca para assistir as vítimas de desaparecimento forçado e para a busca localização e libertação de pessoas desaparecidas e na eventualidade de sua morte para exumálas identificálas e restituir seus restos mortais Pela Convenção nenhum Estado Parte pode expulsar entregar ou extraditar uma pessoa a outro Estado onde haja razões fundadas para crer que a pessoa correria o risco de ser vítima de desaparecimento forçado Para avaliálo as autoridades competentes devem levar em conta todas as considerações pertinentes inclusive se couber a existência no Estado em questão de um padrão de violações sistemáticas graves flagrantes e maciças dos direitos humanos ou graves violações do direito internacional humanitário art 16 O art 17 prevê que nenhuma pessoa será detida em segredo Ademais estabelece que sem prejuízo de outras obrigações internacionais do Estado Parte em matéria de privação de liberdade cada Estado Parte em sua legislação i deve estabelecer as condições sob as quais pode ser emitida autorização para a privação de liberdade ii deve indicar as autoridades facultadas a ordenar a privação de liberdade iii deve garantir que toda pessoa privada de liberdade seja mantida unicamente em locais de detenção oficialmente reconhecidos e supervisionados iv deve garantir que toda pessoa privada de liberdade seja autorizada a comunicarse com seus familiares advogados ou qualquer outra pessoa de sua escolha e a receber sua visita de acordo com as condições estabelecidas em lei ou no caso de um estrangeiro de comunicarse com suas autoridades consulares de acordo com o direito internacional aplicável v deve garantir acesso de autoridades e instituições competentes e legalmente autorizadas aos locais onde houver pessoas privadas de liberdade se necessário mediante autorização prévia de uma autoridade judicial e por fim vi deve garantir que toda pessoa privada de liberdade ou em caso de suspeita de crime de desaparecimento forçado por encontrarse a pessoa privada de liberdade incapaz de exercer esse direito quaisquer outras pessoas legitimamente interessadas tais como seus familiares representantes ou advogado possam em quaisquer circunstâncias iniciar processo perante uma corte para que esta decida sem demora quanto à legalidade da privação de liberdade e ordene a soltura da pessoa no caso de tal privação de liberdade ser ilegal O Estado deve ainda assegurar a compilação e a manutenção de um ou mais registros oficiais ou prontuários atualizados de pessoas privadas de liberdade os quais conterão certas informações determinadas pela Convenção e serão prontamente postos à disposição mediante solicitação de qualquer autoridade judicial ou de qualquer outra autoridade ou instituição competente ao amparo do direito interno ou de qualquer instrumento jurídico internacional relevante de que o Estado Parte seja parte Ademais cada Estado Parte deve garantir a quaisquer pessoas com interesse legítimo nessa informação tais como familiares da pessoa privada de liberdade seus representantes ou seu advogado o acesso a pelo menos as seguintes informações autoridade que ordenou a privação de liberdade data hora e local em que a pessoa foi privada de liberdade e admitida no local de privação de liberdade autoridade que controla a privação de liberdade local onde se encontra a pessoa privada de liberdade e no caso de transferência para outro local de privação de liberdade o destino e a autoridade responsável pela transferência data hora e local da soltura dados sobre o estado de saúde da pessoa privada de liberdade e em caso de falecimento durante a privação de liberdade as circunstâncias e causa do falecimento e o destino dado aos restos mortais art 18 Esse direito só pode ser restringido em caso de estrita necessidade previsto por lei e de maneira excepcional quando a pessoa estiver sob proteção da lei e a privação de liberdade estiver sujeita a controle judicial quando a transmissão da informação puder afetar de maneira adversa a privacidade ou a segurança da pessoa obstruir uma investigação criminal ou por outros motivos equivalentes de acordo com a lei em conformidade com o direito internacional aplicável e com os objetivos da Convenção Devese assegurar às pessoas com interesse legítimo na informação o direito a um rápido e efetivo recurso judicial como meio de obter sem demora as informações previstas nessa disposição o qual não poderá sob qualquer circunstância ser suspenso ou restringido art 20 Os dados pessoais que forem coletados eou transmitidos no âmbito da busca por uma pessoa desaparecida incluindo os dados médicos e genéticos não podem ser utilizados ou disponibilizados para outros propósitos que não a referida busca o que não prejudica a utilização de tais informações em procedimentos criminais relativos ao crime de desaparecimento forçado ou ao exercício do direito de obter reparação A coleta processamento utilização e armazenamento de dados pessoais não devem infringir ou ter o efeito de infringir os direitos humanos as liberdades fundamentais ou a dignidade humana de um indivíduo art 19 O art 21 prevê que cada Estado Parte deve tomar as medidas necessárias para assegurar que as pessoas privadas de liberdade sejam libertadas de forma que permita verificar com certeza terem sido elas efetivamente postas em liberdade Ademais deve adotar as medidas necessárias para assegurar a integridade física dessas pessoas e sua capacidade de exercer plenamente seus direitos quando da soltura sem prejuízo de quaisquer obrigações a que essas pessoas possam estar sujeitas em conformidade com a legislação nacional Os Estados devem também tomar as medidas necessárias para prevenir e punir a conduta de retardar ou obstruir os recursos das pessoas privadas de liberdade para decidir sobre a legalidade da prisão e os relativos ao direito à informação anteriormente mencionado Também devem ser punidas as condutas de deixar de registrar a privação de liberdade de qualquer pessoa bem como registrar informação que o agente responsável pelo registro oficial sabia ou deveria saber ser errônea e recusar prestar informação sobre a privação de liberdade de uma pessoa ou prestar informação inexata apesar de preenchidos os requisitos legais para o fornecimento dessa informação art 22 Ainda os Estados devem assegurar que a formação dos agentes responsáveis pela aplicação da lei civis ou militares de pessoal médico de funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas suscetíveis de envolvimento na custódia ou no tratamento de pessoas privadas de liberdade inclua a educação e a informação necessárias ao respeito das disposições pertinentes da Convenção com o objetivo de prevenir o envolvimento de tais agentes em desaparecimentos forçados ressaltar a importância da prevenção e da investigação desses crimes e assegurar que seja reconhecida a necessidade urgente de resolver esses casos Devem ainda assegurar que sejam proibidas ordens ou instruções determinando autorizando ou incentivando desaparecimentos forçados e que as pessoas que se recusarem a obedecer a ordens dessa natureza não sejam punidas Por fim devem assegurar que as pessoas que tiverem motivo para crer que um desaparecimento forçado ocorreu ou está sendo planejado levem o assunto ao conhecimento de seus superiores e quando necessário das autoridades competentes ou dos órgãos investidos de poder de revisão ou recurso art 23 O art 24 diz respeito às vítimas de desaparecimento forçado Assim toda vítima tem o direito de saber a verdade sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado o andamento e os resultados da investigação e o destino da pessoa desaparecida devendo o Estado Parte tomar medidas apropriadas a esse respeito Ademais o Estado deve tomar todas as medidas cabíveis para procurar localizar e libertar pessoas desaparecidas e no caso de morte localizar respeitar e devolver seus restos mortais além de assegurar que sua legislação garanta às vítimas o direito de obter reparação e indenização rápida justa e adequada O direito à obtenção de reparação abrange danos materiais e morais e se couber outras formas de reparação como restituição reabilitação satisfação inclusive o restabelecimento da dignidade e da reputação e garantias de não repetição Cada Estado Parte deve adotar as providências cabíveis em relação à situação jurídica das pessoas desaparecidas cujo destino não tiver sido esclarecido bem como à situação de seus familiares no que diz respeito à proteção social a questões financeiras ao direito de família e aos direitos de propriedade Ainda deve garantir o direito de fundar e participar livremente de organizações e associações que tenham por objeto estabelecer as circunstâncias de desaparecimentos forçados e o destino das pessoas desaparecidas bem como assistir as vítimas desses crimes Por fim o art 25 prevê que cada Estado Parte deve tomar as medidas necessárias para prevenir e punir penalmente a apropriação ilegal de crianças submetidas a desaparecimento forçado de filhos cujo pai mãe ou guardião legal for submetido a esse crime ou de filhos nascidos durante o cativeiro de mãe submetida a desaparecimento forçado Ademais deve adotar medidas para prevenir e punir penalmente a falsificação ocultação ou destruição de documentos comprobatórios da verdadeira identidade das mencionadas crianças Também devem ser adotadas providências para procurar e identificar as crianças e restituílas a suas famílias de origem em conformidade com os procedimentos legais e os acordos internacionais aplicáveis Para a procura identificação e localização das crianças os Estados devem assistir uns aos outros Ainda tendo em vista a necessidade de assegurar o melhor interesse da criança e seu direito de preservar ou de ter restabelecida sua identidade inclusive nacionalidade nome e relações familiares reconhecidos pela lei os Estados partes que reconhecerem um sistema de adoção ou outra forma de concessão de guarda de crianças devem estabelecer procedimentos jurídicos para rever o sistema de adoção ou concessão de guarda e quando apropriado para anular qualquer adoção ou concessão de guarda de crianças resultante de desaparecimento forçado Em todos os casos o melhor interesse da criança merece consideração primordial e a criança que for capaz de formar opinião própria terá o direito de expressála livremente à qual se dará o peso devido de acordo com a idade e a maturidade da criança Na Parte II a Convenção estabelece a criação do Comitê contra Desaparecimentos Forçados 178 Um relatório sobre as medidas tomadas pelo Estado em cumprimento das obrigações assumidas ao amparo da Convenção deve ser enviado pelo Estado Parte ao Comitê dentro de dois anos contados a partir da data de entrada em vigor do texto para o Estado Parte interessado Ainda é possível a submissão ao Comitê em regime de urgência de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida por seus familiares ou por seus representantes legais advogado ou qualquer pessoa por eles autorizada bem como por qualquer outra pessoa detentora de interesse legítimo Também há a possibilidade de o Estado reconhecer a competência do Comitê para receber comunicações individuais ou interestatais O Brasil ainda não fez tal reconhecimento Caso receba informação confiável de que um Estado Parte está incorrendo em grave violação do disposto na Convenção o Comitê pode após consulta ao Estado em questão encarregar um ou vários de seus membros a empreender uma visita a esse Estado e a informálo a respeito o mais prontamente possível Por fim a Parte III da Convenção contém suas disposições finais O art 37 dispõe que nada do que nela disposto afetará quaisquer outras disposições mais favoráveis à proteção das pessoas contra desaparecimentos forçados contempladas no direito de um Estado Parte ou no direito internacional em vigor para o referido Estado Ademais conforme prevê o art 43 a Convenção não afeta as disposições de direito internacional humanitário incluindo as obrigações das Altas Partes Contratantes das quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 e de seus dois Protocolos Adicionais de 8 de junho de 1977 nem a possibilidade que qualquer Estado Parte tem de autorizar o Comitê Internacional da Cruz Vermelha a visitar locais de detenção em situações não previstas pelo direito internacional humanitário Os demais dispositivos versam sobre assinatura ratificação e adesão art 38 entrada em vigor art 39 notificações do SecretárioGeral da ONU art 40 aplicação a todas as unidades dos Estados federativos art 41 submissão de controvérsias a arbitragem ou à Corte Internacional de Justiça art 42 emenda à Convenção art 44 e idiomas art 45 QUADRO SINÓTICO Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado Definições Desaparecimento forçado a prisão a detenção o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização apoio ou aquiescência do Estado e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida privandoa assim da proteção da lei Vítima de desaparecimento forçado a pessoa desaparecida e todo indivíduo que tiver sofrido dano como resultado direto de um desaparecimento forçado Principais obrigações assumidas pelos Estados Criminalização investigação e punição do desaparecimento forçado Manutenção de informações sobre pessoas privadas de liberdade Prevenir e punir a conduta de retardar ou obstruir os recursos das pessoas privadas de liberdade para decidir sobre a legalidade da prisão e relativos ao direito à informação sobre pessoas privadas de liberdade Prevenir e punir as condutas de deixar de registrar a privação de liberdade de qualquer pessoa bem como registrar informação que o agente responsável pelo registro oficial sabia ou deveria saber ser errônea e recusar prestar informação sobre a privação de liberdade de uma pessoa ou prestar informação inexata apesar de preenchidos os requisitos legais para o fornecimento dessa informação Assegurar que a formação dos agentes responsáveis pela aplicação da lei civis ou militares de pessoal médico de funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas suscetíveis de envolvimento na custódia ou no tratamento de pessoas privadas de liberdade inclua a educação e a informação necessárias a respeito do desaparecimento forçado Tomar todas as medidas cabíveis para procurar localizar e libertar pessoas desaparecidas e no caso de morte localizar respeitar e devolver seus restos mortais Assegurar que sua legislação garanta às vítimas o direito de obter reparação e indenização rápida justa e adequada Prevenir e punir penalmente a apropriação ilegal de crianças submetidas a desaparecimento forçado de filhos cujo pai mãe ou guardião legal for submetido a esse crime ou de filhos nascidos durante o cativeiro de mãe submetida a desaparecimento forçado Principais direitos e garantias Nenhuma pessoa será submetida a desaparecimento forçado Nenhuma circunstância excepcional seja estado de guerra ou ameaça de guerra instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública poderá ser invocada como justificativa para o desaparecimento forçado Direito de qualquer indivíduo que alegue que alguém foi vítima de desaparecimento forçado de relatar os fatos às autoridades competentes as quais examinarão as alegações pronta e imparcialmente e caso necessário instaurarão sem demora uma investigação completa e imparcial Direito de não ser detido em segredo Direito de informação acerca das pessoas privadas de liberdade Direito das vítimas de desaparecimento forçado de saber a verdade sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado o andamento e os resultados da investigação e o destino da pessoa desaparecida Mecanismos de monitoramento Comitê contra Desaparecimentos Forçados com competência para Exame de relatórios apresentados pelos Estados partes sobre as medidas tomadas em cumprimento das obrigações assumidas ao amparo da Convenção dentro de dois anos contados a partir da data de sua entrada em vigor para o Estado Parte interessado Exame de comunicações interestatais Exame de petições individuais Possibilidade de exame de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida em regime de urgência Visita ao Estado Parte 20 Convenção sobre os Direitos da Criança A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 e entrou em vigor internacional em 2 de setembro de 1990 no trigésimo dia após a data de depósito do vigésimo instrumento de ratificação ou adesão junto ao SecretárioGeral das Nações Unidas É a Convenção que possui o mais elevado número de ratificações já que conta em 2019 com 196 partes incluindo a Santa Sé e o Estado da Palestina Os Estados Unidos não a ratificaram contudo A Convenção leva em conta o direito de que as pessoas na infância recebam cuidados e assistência especiais em virtude da falta de maturidade física e mental conforme reconheceu a Declaração Universal dos Direitos Humanos bem como a Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da Criança a Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral em 20 de novembro de 1959 e os Pactos de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Embora outros diplomas internacionais também confiram proteção às crianças a Convenção sistematizou não só direitos civis e políticos mas também econômicos sociais e culturais em um só texto voltado especificamente para a sua proteção A Convenção foi assinada pelo Brasil em 26 de janeiro de 1990 aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 28 de 14 de setembro de 1990 ratificada em 24 de setembro de 1990 Entrou em vigor para o Brasil em 23 de outubro de 1990 e foi promulgada por meio do Decreto n 99710 em 21 de novembro de 1990 Notase a grande celeridade de sua incorporação ao Direito brasileiro A Convenção possui 54 artigos divididos em três partes Na Parte I a Convenção estabelece definições e obrigações dos Estados Partes na Parte II determina a constituição de um Comitê para os Direitos das Crianças e na Parte III fixa as disposições finais assinatura ratificação adesão entrada em vigor emendas e reservas denúncias dentre outras O art 1º da Convenção define que é considerado como criança para seus fins como todo ser humano com menos de dezoito anos de idade a não ser que em conformidade com a lei aplicável à criança a maioridade seja alcançada antes Observese que a definição da criança para a Convenção distinguese da previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n 80691990 que considera como criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade art 2º O art 2º da Convenção enuncia a obrigação geral dos Estados Partes de respeitarem os direitos nela previstos bem como de assegurar sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição sem distinção alguma independentemente de raça cor sexo idioma crença opinião política ou de outra índole origem nacional étnica ou social posição econômica deficiências físicas nascimento ou qualquer outra condição da criança de seus pais ou de seus representantes legais Ademais estabelece que os Estados devem tomar todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição das atividades das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais representantes legais ou familiares O art 3º por sua vez determina a consideração primordial do melhor interesse da criança best interests of the child em todas as ações relativas às crianças levadas a efeito por autoridades administrativas ou órgãos legislativos e que se assegure à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bemestar levando em consideração os direitos e deveres de seus pais tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e com essa finalidade tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas Ainda determina que os Estados Partes se certifiquem de que as instituições os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes especialmente no que diz respeito à sua segurança e à saúde ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada A Convenção determina que os Estados Partes devem adotar todas as medidas administrativas legislativas ou de outra espécie com a finalidade de implementar os direitos nela reconhecidos e com relação aos direitos econômicos sociais e culturais devem adotar essas medidas utilizando ao máximo os recursos disponíveis e quando necessário dentro de um quadro de cooperação internacional conforme determina o art 4º Devem também respeitar as responsabilidades os direitos e os deveres dos pais ou quando for o caso dos membros da família ampliada ou da comunidade conforme determinem os costumes locais dos tutores ou de outras pessoas legalmente responsáveis de proporcionar à criança instrução e orientação adequadas à evolução de sua capacidade no exercício dos direitos reconhecidos na Convenção art 5º A partir do art 6º a Convenção passa a enunciar os direitos em espécie a serem protegidos ou promovidos O primeiro deles é o direito à vida reconhecido como inerente a toda criança devendo os Estados assegurar ao máximo sua sobrevivência e o seu desenvolvimento art 6º No art 7º garantese o direito de que seja registrada imediatamente após seu nascimento e de que tenha desde o momento do nascimento um nome uma nacionalidade e na medida do possível a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles Os Estados devem zelar pela aplicação desses direitos em conformidade com sua legislação nacional e com as obrigações assumidas em virtude de instrumentos internacionais sobretudo se de outro modo a criança se tornaria apátrida Devem também se comprometer a respeitar o direito da criança de preservar sua identidade inclusive a nacionalidade o nome e as relações familiares de acordo com a lei sem interferências ilícitas art 8º Nesse sentido quando uma criança for privada ilegalmente de algum ou de todos os elementos que configuram sua identidade os Estados Partes devem prestar assistência e proteção adequadas com o intuito de restabelecer rapidamente sua identidade Nessa esteira o art 9º determina que os Estados zelem para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade destes salvo se a separação atender ao melhor interesse da criança mediante autorização das autoridades competentes em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis sendo possível a revisão judicial A Convenção menciona que a determinação de separação pode ser necessária em casos específicos exemplificando os casos em que a criança sofre maustratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão precisa ser tomada a respeito do local de sua residência No caso de determinação de separação todas as partes interessadas devem ter a oportunidade de participar e de manifestar suas opiniões e à criança separada de um ou de ambos os pais reconhecese o direito de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos a menos que isso seja contrário ao melhor interesse da criança Se a separação ocorrer em virtude de uma medida adotada por um Estado Parte como detenção prisão exílio deportação ou morte de um dos pais da criança ou de ambos ou da própria criança o Estado quando solicitado deve proporcionar aos pais à criança ou se for o caso a outro familiar informações básicas a respeito do paradeiro do familiar ou familiares ausentes a não ser que tal procedimento seja prejudicial ao bemestar da criança Ademais a Convenção estabelece obrigações que favorecem a reunião da família Assim toda solicitação apresentada por uma criança ou por seus pais para ingressar ou sair de um Estado Parte com vistas à reunião da família deverá ser atendida pelos Estados Partes de forma positiva humanitária e rápida e estes deverão assegurar que a apresentação de tal solicitação não acarretará consequências adversas para os solicitantes ou para seus familiares Ademais a criança cujos pais residam em Estados diferentes terá o direito de manter periodicamente relações pessoais e contato direto com ambos exceto em circunstâncias especiais Assim os Estados Partes devem respeitar o direito da criança e de seus pais de ingressar no seu próprio país e de sair de qualquer país inclusive do próprio sujeitandose neste caso apenas às restrições determinadas pela lei que sejam necessárias para proteger a segurança nacional a ordem pública a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades de outras pessoas e que estejam de acordo com os demais direitos reconhecidos pela Convenção art 10 Entretanto os Estados devem adotar medidas com a finalidade de combater a transferência ilegal de crianças para o exterior e a retenção ilícita destas fora do país promovendo para tanto a conclusão de acordos bilaterais ou multilaterais ou a adesão a acordos já existentes art 11 Nesse sentido o Brasil ratificou a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças concluída na cidade de Haia em 25 de outubro de 1980 incorporandoa internamente pelo Decreto n 34132000 pela qual se busca proteger a criança no plano internacional dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer procedimentos que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual No art 12 a Convenção confere à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o importante direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos com ela relacionados levandose devidamente em consideração essas opiniões em função da idade e maturidade da criança Nesse sentido o Estado deve proporcionar à criança a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma diretamente ou por intermédio de um representante ou órgão apropriado em conformidade com as regras processuais da legislação nacional Nessa esteira a Convenção também garante à criança o direito à liberdade de expressão o qual inclui a liberdade de procurar receber e divulgar informações e ideias de todo tipo independentemente de fronteiras de forma oral escrita ou impressa por meio das artes ou por qualquer outro meio escolhido pela criança art 13 Certas restrições podem ser impostas ao exercício de tal direito mas unicamente se previstas em lei e se forem necessárias para o respeito dos direitos ou da reputação dos demais ou para a proteção da segurança nacional ou da ordem pública ou da saúde e da moral públicas Às crianças também é garantido o direito à liberdade de pensamento de consciência e de crença Os Estados Partes devem respeitar os direitos e deveres dos pais e dos representantes legais de orientar a criança com relação ao exercício de seus direitos de acordo com a evolução de sua capacidade Ademais a liberdade de professar a própria religião ou as próprias crenças estará sujeita unicamente às limitações prescritas em lei e necessárias para proteger a segurança a ordem a moral a saúde pública ou os direitos e liberdades fundamentais dos demais art 14 O art 15 determina aos Estados Partes o reconhecimento dos direitos da criança à liberdade de associação e à liberdade de realizar reuniões pacíficas não podendo ser impostas restrições ao exercício desses direitos salvo as estabelecidas em conformidade com a lei e que sejam necessárias numa sociedade democrática no interesse da segurança nacional ou pública da ordem pública da proteção à saúde e à moral públicas ou da proteção aos direitos e liberdades dos demais A Convenção prevê que nenhuma criança poderá ser objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular sua família seu domicílio ou sua correspondência nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação devendo o Estado conferir o direito à proteção da lei contra essas interferências ou atentados art 16 No art 17 a Convenção declara que os Estados Partes reconhecem a importância da função desempenhada pelos meios de comunicação Nesse sentido devem zelar para que a criança tenha acesso a informações e materiais procedentes de diversas fontes nacionais e internacionais especialmente informações e materiais que visem a promover seu bemestar social espiritual e moral e sua saúde física e mental Para tanto os Estados Partes devem incentivar os meios de comunicação a difundir informações e materiais de interesse social e cultural para a criança bem como a produção e difusão de livros para crianças promover a cooperação internacional na produção no intercâmbio e na divulgação dessas informações e desses materiais procedentes de diversas fontes culturais nacionais e internacionais incentivar os meios de comunicação no sentido de particularmente considerar as necessidades linguísticas da criança que pertença a um grupo minoritário ou que seja indígena e finalmente promover a elaboração de diretrizes apropriadas a fim de proteger a criança contra toda informação e material prejudiciais ao seu bemestar A Convenção ainda prevê que os Estados devem envidar seus melhores esforços para assegurar o reconhecimento de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança Estabelece que cabe aos pais ou quando for o caso aos representantes legais a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança devendo ser o melhor interesse da criança sua preocupação fundamental Para que se garantam os direitos enunciados na Convenção os Estados devem prestar assistência adequada aos pais e aos representantes legais para o desempenho de suas funções no que tange à educação da criança assegurando a criação de instituições instalações e serviços para o cuidado das crianças Devem também adotar todas as medidas apropriadas a fim de que as crianças cujos pais trabalhem tenham direito a beneficiarse dos serviços de assistência social e creches art 18 O art 19 determina que os Estados adotem todas as medidas legislativas administrativas sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental abuso ou tratamento negligente maustratos ou exploração inclusive abuso sexual enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela Tais medidas devem incluir procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de proporcionar assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado bem como para outras formas de prevenção para a identificação notificação transferência a uma instituição investigação tratamento e acompanhamento posterior dos casos mencionados de maustratos à criança e conforme o caso para a intervenção judiciária Nessa linha foi editada a Lei n 13431 de 4 de abril de 2017 institui o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência Esta Lei normatiza e organiza o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente i vítima ou ii testemunha de violência bem como iii cria mecanismos para prevenir e coibir a violência nos termos do art 227 da Constituição Federal da Convenção sobre os Direitos da Criança e seus protocolos adicionais da Resolução n 202005 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas 179 e de outros diplomas internacionais estabelecendo medidas de assistência e proteção à criança e ao adolescente em situação de violência A lei prevê que poderão ser criadas i delegacias especializadas no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência e ainda ii juizados ou varas especializadas em crimes contra a criança e o adolescente Por sua vez a Res n 202005 mencionada expressamente na lei consiste em diploma de soft law que estabelece as diretrizes para a justiça em assuntos envolvendo crianças vítimas ou testemunhas de crimes devendo servir como vetor interpretativo da Lei n 13431 No art 20 garantese às crianças privadas temporária ou permanentemente do seu meio familiar ou cujo melhor interesse exija que não permaneçam nesse meio o direito à proteção e assistência especiais do Estado devendo os Estados Partes garantir de acordo com suas leis nacionais cuidados alternativos para essas crianças inclusive a colocação em lares de adoção a kafalah do direito islâmico a adoção ou caso necessário a colocação em instituições adequadas de proteção para as crianças Se tais soluções forem eleitas devese dar especial atenção à origem étnica religiosa cultural e linguística da criança bem como à conveniência da continuidade de sua educação O art 21 versa sobre sistema de adoção Os Estados Partes devem considerar sempre o melhor interesse da criança atentando para cinco aspectos i a adoção seja autorizada apenas pelas autoridades competentes as quais determinarão conforme as leis e os procedimentos cabíveis e com base em todas as informações pertinentes e fidedignas que a adoção é admissível em vista da situação jurídica da criança com relação a seus pais parentes e representantes legais e que caso solicitado as pessoas interessadas tenham dado com conhecimento de causa seu consentimento à adoção com base no assessoramento que possa ser necessário ii a adoção para Estado estrangeiro seja considerada como outro meio de cuidar da criança no caso em que esta não possa ser colocada em um lar de adoção ou entregue a uma família adotiva ou não receba atendimento adequado em seu país de origem iii a criança adotada em outro país goze de salvaguardas e normas equivalentes às existentes em seu país de origem com relação à adoção iv todas as medidas apropriadas sejam implementadas a fim de garantir que em caso de adoção em outro país a colocação não permita benefícios financeiros indevidos aos que dela participarem v os Estados devem promover os objetivos do sistema de adoção mediante ajustes ou acordos bilaterais ou multilaterais envidando esforços para assegurar que a colocação da criança em outro país seja levada a cabo por intermédio das autoridades ou organismos competentes No art 22 a Convenção determina que os Estados Partes devem adotar medidas pertinentes para assegurar que a criança que tente obter a condição de refugiada ou que seja considerada como refugiada de acordo com o direito e os procedimentos internacionais ou internos aplicáveis receba tanto no caso de estar sozinha como acompanhada por seus pais ou por qualquer outra pessoa a proteção e a assistência humanitária adequadas Com isso buscase garantir que possa usufruir dos direitos enunciados na Convenção e em outros instrumentos internacionais de direitos humanos ou de caráter humanitário dos quais os Estados sejam partes Nesse sentido os Estados devem cooperar com as Nações Unidas e demais organizações intergovernamentais competentes ou organizações não governamentais que cooperem com as Nações Unidas com o objetivo de proteger e ajudar a criança refugiada bem como de localizar seus pais ou outros membros de sua família a fim de obter informações necessárias que permitam sua reunião com a família Ademais quando não for possível localizar nenhum dos pais ou membros da família será concedida à criança a mesma proteção outorgada a qualquer outra criança privada permanente ou temporariamente de seu ambiente familiar seja qual for o motivo O art 23 trata de direitos da criança com deficiência física ou mental Os Estados devem reconhecer que estas devem desfrutar de uma vida plena e decente em condições que garantam sua dignidade favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade No Brasil deve ser mencionada a decisão do STF em um marco antidiscriminatório na ADI n 5647 pela qual foram considerados constitucionais os artigos 28 1º e 30 caput da Lei brasileira de Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 131462015 que determinam o dever das escolas privadas de acolher os alunos com deficiência provendo a acessibilidade e serviços adicionais sem discriminação ou cobrança de taxas adicionais STF ADI 5647 rel Min Fachin j 962016 publicada no DJe de 11112016 180 Voltando à Convenção ora analisada os Estados ainda reconhecem o direito de toda criança receber cuidados especiais e de acordo com os recursos disponíveis e sempre que a criança ou seus responsáveis reúnam as condições requeridas devem estimular e assegurar a prestação da assistência solicitada que seja adequada ao estado da criança e às circunstâncias de seus pais ou das pessoas encarregadas de seus cuidados A assistência prestada para atender às necessidades especiais da criança com deficiência será gratuita sempre que possível levandose em consideração a situação econômica dos pais ou das pessoas que cuidem da criança e objetivará assegurar a ela o acesso efetivo à educação à capacitação aos serviços de saúde aos serviços de reabilitação à preparação para o emprego e às oportunidades de lazer de maneira que atinja a mais completa integração social possível e o maior desenvolvimento individual factível inclusive seu desenvolvimento cultural e espiritual Os Estados devem promover intercâmbio adequado de informações nos campos da assistência médica preventiva e do tratamento médico psicológico e funcional das crianças com deficiência inclusive a divulgação de informações a respeito dos métodos de reabilitação e dos serviços de ensino e formação profissional bem como o acesso a essa informação a fim de que os Estados possam aprimorar sua capacidade e seus conhecimentos e ampliar sua experiência nesses campos levandose em conta as necessidades dos países em desenvolvimento Pelo art 24 a Convenção determina que os Estados Partes reconheçam o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde envidando esforços para assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários Os Estados devem garantir a plena aplicação desse direito adotando em especial medidas apropriadas para reduzir a mortalidade infantil assegurar a prestação de assistência médica e cuidados sanitários necessários a todas as crianças com ênfase nos cuidados básicos de saúde combater as doenças e a desnutrição dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável assegurar às mães adequada assistência prénatal e pósnatal assegurar que todos os setores da sociedade conheçam os princípios básicos de saúde e nutrição das crianças as vantagens da amamentação da higiene e do saneamento ambiental e das medidas de prevenção de acidentes tenham acesso à educação pertinente e recebam apoio para a aplicação desses conhecimentos e finalmente desenvolver a assistência médica preventiva a orientação aos pais e a educação e serviços de planejamento familiar Os Estados também devem adotar todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudicais à saúde da criança e se comprometem a promover e incentivar a cooperação internacional para alcançar progressivamente a plena efetivação do direito à saúde O art 25 cuida da internação de crianças em estabelecimento por autoridades competentes para fins de atendimento proteção ou tratamento de saúde física ou mental Nesse contexto os Estados reconhecem pela Convenção o direito da criança a um exame periódico de avaliação do tratamento ao qual está sendo submetida e de todos os demais aspectos relativos à sua internação No art 26 reconhecese o direito das crianças de usufruir da previdência social inclusive do seguro social Assim os Estados devem adotar as medidas necessárias para alcançar a plena consecução desse direito em conformidade com sua legislação nacional Os benefícios serão concedidos tendo em conta os recursos e a situação da criança e das pessoas responsáveis por seu sustento além de outras considerações cabíveis O direito de toda criança a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico mental espiritual moral e social é reconhecido no art 27 da Convenção Nesse sentido atribuise aos pais ou a outras pessoas encarregadas a responsabilidade primordial de propiciar de acordo com suas possibilidades e meios financeiros as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança Os Estados entretanto de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades devem adotar medidas apropriadas para ajudar a tornar efetivo esse direito e caso necessário devem proporcionar assistência material e programas de apoio especialmente no que diz respeito à nutrição ao vestuário e à habitação Os Estados devem também tomar todas as medidas adequadas para assegurar o pagamento da pensão alimentícia por parte dos pais ou de outras pessoas financeiramente responsáveis pela criança quer residam no Estado Parte quer no exterior Assim se a pessoa que detém a responsabilidade financeira pela criança residir em Estado diferente daquele onde mora a criança o Estado Parte deve promover a adesão a acordos internacionais ou a conclusão de tais acordos bem como a adoção de outras medidas apropriadas O art 28 cuida do direito da criança à educação Para que se possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito os Estados Partes devem tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente para todos Devem também estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas inclusive o ensino geral e profissionalizante tornandoo disponível e acessível a todas as crianças e adotar medidas apropriadas como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência financeira em caso de necessidade Ademais devem tornar o ensino superior acessível a todos com base na capacidade e tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais disponíveis e acessíveis a todas as crianças Devem ainda adotar medidas para estimular a frequência regular às escolas e a redução do índice de evasão escolar e para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade humana da criança Finalmente a Convenção atribui aos Estados Partes a obrigação de promover e estimular a cooperação internacional em questões relativas à educação especialmente com o intuito de contribuir para a eliminação da ignorância e do analfabetismo no mundo e facilitar o acesso aos conhecimentos científicos e técnicos e aos métodos modernos de ensino No art 29 a Convenção ainda especifica como deve ser orientada a educação da criança Em primeiro lugar deve ser voltada a desenvolver sua personalidade suas aptidões e sua capacidade mental e física em todo o seu potencial Ademais deve imbuir nela o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais ao meio ambiente e aos seus pais à sua própria identidade cultural ao seu idioma e seus valores aos valores nacionais do seu país de residência e de origem e aos das civilizações diferentes da sua Finalmente deve preparar a criança para assumir uma vida responsável numa sociedade livre com espírito de compreensão paz tolerância igualdade de sexos e amizade entre todos os povos grupos étnicos nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena Tais disposições entretanto não podem ser interpretadas para restringir a liberdade dos indivíduos ou das entidades de criar e dirigir instituições de ensino desde que a educação ministrada em tais instituições esteja em conformidade com os padrões mínimos estabelecidos pelo Estado A Convenção dispõe também sobre a situação das crianças de Estados Partes onde existam minorias étnicas religiosas ou linguísticas ou pessoas de origem indígena em seu art 30 À criança que pertença a tais minorias ou que seja indígena é conferido o direito de em comunidade com os demais membros de seu grupo ter sua própria cultura professar e praticar sua própria religião ou utilizar seu próprio idioma Reconhecese ainda o direito ao descanso e ao lazer ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade bem como à livre participação na vida cultural e artística devendo os Estados respeitar o direito da criança de participar plenamente da vida cultural e artística e encorajar a criação de oportunidades adequadas em condições de igualdade para que participem da vida cultural artística recreativa e de lazer art 31 Garantese ainda o direito de a criança estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico mental espiritual moral ou social Para assegurar sua efetivação os Estados devem adotar medidas legislativas administrativas sociais e educacionais e devem em particular estabelecer idade mínima para a admissão em empregos regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego e sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo dessa disposição art 32 No art 33 a Convenção determina que os Estados adotem medidas apropriadas inclusive legislativas administrativas sociais e educacionais com o fim de proteger a criança contra o uso ilícito de drogas e substâncias psicotrópicas descritas nos tratados internacionais pertinentes e para impedir que sejam utilizadas na produção e no tráfico ilícito dessas substâncias Os Estados também se comprometem pelo art 34 a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual Para tanto os Estados devem tomar todas as medidas de caráter nacional bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais e em espetáculos ou materiais pornográficos Também com o fim de impedir o sequestro a venda ou o tráfico de crianças para qualquer fim ou sob qualquer forma os Estados Partes devem tomar todas as medidas de caráter nacional bilateral e multilateral que sejam necessárias art 35 Ademais os Estados devem proteger a criança contra todas as demais formas de exploração que sejam prejudiciais para qualquer aspecto de seu bemestar art 36 O art 37 versa sobre aspectos relativos a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes e à privação da liberdade das crianças Assim os Estados devem zelar para que nenhuma criança seja submetida a tortura nem a outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes e não poderão impor a pena de morte nem a prisão perpétua sem possibilidade de livramento por delitos cometidos por menores de dezoito anos de idade Ademais nenhuma criança deve ser privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária devendo a detenção a reclusão ou a prisão de uma criança ser efetuada em conformidade com a lei e apenas como último recurso e durante o mais breve período de tempo que for apropriado Toda criança que for privada da liberdade deve ser tratada com humanidade e respeito e levandose em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade Crianças em tais condições devem ficar separadas dos adultos a não ser que tal fato seja considerado contrário ao melhor interesse da criança assegurandose a elas o direito de manter contato com sua família por meio de correspondência ou de visitas salvo em circunstâncias excepcionais Finalmente explicitase que toda criança privada de liberdade deve ter direito a assistência jurídica e a qualquer outra assistência adequada bem como direito a impugnar a legalidade da privação de sua liberdade perante autoridade competente independente e imparcial e a uma rápida decisão a respeito de tal ação O art 38 versa sobre a participação de crianças em conflitos armados e hostilidades Nesse sentido os Estados se comprometem por meio da Convenção a respeitar e a fazer com que sejam respeitadas as normas do direito humanitário internacional aplicáveis em casos de conflito armado no que digam respeito às crianças Devem adotar todas as medidas possíveis a fim de assegurar que todas as pessoas que ainda não tenham completado quinze anos de idade não participem diretamente de hostilidades Devem também absterse de recrutar pessoas que não tenham completado 15 anos de idade para servir em suas forças armadas caso recrutem pessoas que tenham completado 15 anos mas que tenham menos de 18 anos devese dar prioridade aos mais velhos Finalmente em conformidade com suas obrigações de acordo com o direito humanitário internacional para proteção da população civil durante os conflitos armados os Estados Partes devem adotar todas as medidas necessárias para assegurar a proteção e o cuidado das crianças afetadas por um conflito armado Todas as medidas apropriadas para estimular a recuperação física e psicológica e a reintegração social de toda criança vítima de qualquer forma de abandono exploração ou abuso de tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes ou de conflitos armados devem ser adotadas pelos Estados o que deve ser feito em um ambiente que estimule a saúde o respeito próprio e a dignidade da criança art 39 Finalmente o art 40 da Convenção assegura uma série de direitos processuais às crianças Enunciase que os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a quem se alegue ter infringido as leis penais de ser tratada de modo a promover e estimular seu sentido de dignidade e de valor e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros levando em consideração a idade da criança e a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade Para tanto a Convenção determina que os Estados assegurem uma série de medidas Primeiramente o Estado deve assegurar que não se alegue que nenhuma criança tenha infringido as leis penais nem se acuse ou declare culpada nenhuma criança de ter infringido essas leis por atos ou omissões que não eram proibidos pela legislação nacional ou pelo direito internacional no momento em que foram cometidos Às crianças nessas condições devem ser concedidas as seguintes garantias ser considerada inocente enquanto não for comprovada sua culpabilidade conforme a lei ser informada sem demora e diretamente ou por intermédio de seus pais ou de seus representantes legais das acusações que pesam contra ela dispor de assistência jurídica ou outro tipo de assistência apropriada para a preparação e apresentação de sua defesa ter a causa decidida sem demora por autoridade ou órgão judicial competente independente e imparcial em audiência justa conforme a lei com assistência jurídica ou outra assistência e a não ser que seja considerado contrário aos melhores interesses da criança levando em consideração especialmente sua idade ou situação e a de seus pais ou representantes legais não ser obrigada a testemunhar ou a se declarar culpada e poder interrogar ou fazer com que sejam interrogadas as testemunhas de acusação bem como poder obter a participação e o interrogatório de testemunhas em sua defesa em igualdade de condições contar com a assistência gratuita de um intérprete caso a criança não compreenda ou fale o idioma utilizado ter plenamente respeitada sua vida privada durante todas as fases do processo e finalmente ter submetidas a revisão por autoridade ou órgão judicial superior competente independente e imparcial de acordo com a lei as decisões que reconheçam a violação a leis penais Nessa esteira os Estados se comprometem a buscar promover o estabelecimento de leis procedimentos autoridades e instituições específicas para as crianças de quem se alegue ter infringido as leis penais ou que sejam acusadas ou declaradas culpadas de têlas infringido Em especial devem estabelecer uma idade mínima antes da qual se presumirá que a criança não tem capacidade para infringir as leis penais e devem adotar sempre que conveniente e desejável medidas para tratar dessas crianças sem recorrer a procedimentos judiciais respeitandose plenamente os direitos humanos e as garantias legais No caso brasileiro a Constituição de 1988 estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos sujeitos às normas da legislação especial art 228 Ademais devem disponibilizar diversas medidas como ordens de guarda orientação e supervisão aconselhamento liberdade vigiada colocação em lares de adoção programas de educação e formação profissional bem como outras alternativas à internação em instituições para garantir que as crianças sejam tratadas de modo apropriado ao seu bemestar e de forma proporcional às circunstâncias e ao tipo do delito No art 41 a Convenção determina que nada do que nela estipulado afeta disposições mais convenientes para a realização dos direitos das crianças que constem das leis de Estado Parte ou das normas de direito internacional vigentes para esse Estado Na Parte II como já mencionado determinase a constituição do Comitê para os Direitos da Criança para conferir maior eficácia com relação às disposições da Convenção devendo os Estados periodicamente encaminhar relatórios sobre a situação nacional dos direitos protegidos 181 Na Parte III finalmente a Convenção apresenta disposições finais Em dezembro de 2011 a Assembleia Geral da ONU adotou o 3º Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Crianças relativo aos Procedimentos de Comunicação aberto a ratificações somente a partir de fevereiro de 2012 que cria um direito de petição das vítimas ao Comitê para os Direitos das Crianças Em 2017 possui 34 Estados Partes Este 3º Protocolo já foi submetido e aprovado no Congresso Nacional Decreto Legislativo n 85 de 9 62017 tendo sido ratificado Aguardase a edição do decreto presidencial 201 O PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA RELATIVO AO ENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS EM CONFLITOS ARMADOS O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados foi adotado em Nova Iorque em 25 de maio de 2000 e entrou em vigor internacionalmente em 12 de fevereiro de 2002 Possui em 2019 168 Estados partes Tem o objetivo primordial de estabelecer um aumento de idade para o possível recrutamento forçado ou voluntário de pessoas pelas forças armadas reconhecendose as necessidades especiais das crianças particularmente vulneráveis ao recrutamento ou utilização em hostilidades em decorrência de sua situação econômica social ou de sexo O Protocolo leva em consideração as causas econômicas sociais e políticas que levam ao envolvimento de crianças em conflitos armados O Protocolo foi firmado seguindo tendência internacional uma vez que a vigésima sexta Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho realizada em dezembro de 1995 já havia recomendado que as partes envolvidas em conflitos adotassem todas as medidas possíveis para garantir que crianças menores de 18 anos não participem de hostilidades Ademais a Convenção n 182 da OIT sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação adotada em julho de 1999 proíbe o recrutamento forçado ou compulsório de crianças para utilização em conflitos armados O Protocolo foi assinado pelo Brasil em 6 de setembro de 2000 aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 230 de 29 de maio de 2003 e ratificado em 27 de janeiro de 2004 Entrou em vigor para o Brasil em 27 de fevereiro de 2004 e foi promulgado pelo Decreto n 5006 de 8 de março de 2004 Possui apenas 13 artigos alguns dos quais versam sobre o recrutamento para as forças armadas e outros se referem a grupos distintos das forças armadas Devese observar que por disposição expressa nenhuma das disposições do Protocolo deve ser interpretada de modo a impedir a aplicação dos preceitos do ordenamento interno do Estado ou de instrumentos internacionais e do direito humanitário internacional quando forem mais propícios à realização dos direitos da criança art 5º Já nos arts 1º e 2º o Protocolo enuncia que os Estados Partes deverão adotar todas as medidas possíveis para assegurar que membros de suas forças armadas menores de 18 anos não participem diretamente de hostilidades e deverão assegurar que menores de 18 anos não serão recrutados de maneira compulsória em suas forças armadas Os Estados devem ainda elevar a idade mínima para o recrutamento voluntário de pessoas em suas forças armadas nacionais acima de 15 anos idade fixada no art 38 parágrafo 3 da Convenção sobre os Direitos da Criança nos termos do art 3º do Protocolo Para tanto ao ratificar o Protocolo ou aderir a ele cada Estado depositará uma declaração vinculante que fixa a idade mínima permitida para o recrutamento voluntário nas forças armadas nacionais além de apresentar as salvaguardas adotadas para assegurar que o recrutamento não seja feito por meio da força ou coação A declaração poderá ser ampliada a qualquer tempo pelos Estados por meio de notificação encaminhada ao SecretárioGeral da ONU Observese que a exigência de elevação de idade não se aplica a escolas operadas ou controladas pelas forças armadas Se os Estados Partes permitirem o recrutamento voluntário de menores de 18 anos devem manter salvaguardas para assegurar no mínimo que o recrutamento seja realmente voluntário que seja feito com o consentimento informado dos pais do menor ou de seus tutores legais que os menores sejam devidamente informados das responsabilidades envolvidas no serviço militar e que comprovem sua idade antes de serem aceitos no serviço militar nacional Assim o Protocolo diferencia as criançassoldado em duas categorias impondo limites à ação do Estado a aquelas crianças que se voluntariaram a participar do conflito e b às submetidas ao recrutamento compulsório ou forçado Além dos limites etários que variam entre as duas categorias como visto acima há os deveres do Estado envolvendo a a informação sobre o impacto do alistamento militar voluntário para a criança e b a restrição na participação direta em hostilidades No art 4º o Protocolo estabelece que os grupos armados distintos das forças armadas de um Estado não deverão em qualquer circunstância recrutar ou utilizar menores de 18 anos em hostilidades devendo os Estados adotar todas as medidas possíveis para evitar esse recrutamento e essa utilização inclusive mediante a adoção de medidas legais necessárias para proibir e criminalizar tais práticas O art 6º determina que os Estados Partes devem adotar todas as medidas legais administrativas e de outra natureza necessárias para assegurar a implementação e aplicação efetivas das disposições do Protocolo em suas jurisdições comprometendose a disseminar e promover os princípios e as disposições do Protocolo junto a adultos e crianças Também devem comprometerse a adotar todas as medidas possíveis para assegurar que pessoas em sua jurisdição recrutadas ou utilizadas em hostilidades em contrariedade ao Protocolo sejam desmobilizadas ou liberadas do serviço de outro modo prestando a essas pessoas quando for necessário toda a assistência apropriada para a sua recuperação física e psicológica e para sua reintegração social O art 7º cuida da cooperação que deve ocorrer entre os Estados inclusive por meio de cooperação técnica e assistência financeira para implementação do Protocolo também quanto à prevenção de qualquer atividade contrária às suas disposições e na reabilitação e reintegração social de vítimas A assistência e cooperação devem ser implementadas de comum acordo com os Estados Partes envolvidos e organizações internacionais relevantes e os Estados que tenham condições prestarão assistência por meio de programas multilaterais bilaterais ou de outros programas existentes ou por meio de um fundo voluntário criado em conformidade com as normas da Assembleia Geral Finalmente no artigo 8º o Protocolo determina a submissão de relatório abrangente ao Comitê sobre os Direitos da Criança no prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor do Protocolo que conterá inclusive as medidas adotadas para implementar as disposições sobre participação e recrutamento Após a apresentação desse relatório o Estado Parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo Outros Estados Partes do Protocolo e que não forem Estados partes da Convenção dos Direitos da Criança o que não ocorreu até o momento devem submeter um relatório a cada cinco anos O Comitê poderá solicitar aos Estados informações adicionais relevantes para a implementação do Protocolo A partir do art 9º o Protocolo enuncia suas disposições finais assinatura ratificação e adesão art 9º entrada em vigor art 10 denúncia art 11 proposição de emenda art 12 dentre outras 202 PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA REFERENTE À VENDA DE CRIANÇAS À PROSTITUIÇÃO INFANTIL E À PORNOGRAFIA INFANTIL O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil foi adotado em Nova Iorque em 25 de maio de 2000 e entrou em vigor internacional em 18 de janeiro de 2002 Possui em 2019 176 Estados partes No Brasil o Congresso Nacional o aprovou por meio do Decreto Legislativo n 230 de 29 de maio de 2003 O instrumento de ratificação foi depositado junto à Secretaria Geral da ONU em 27 de janeiro de 2004 e o Protocolo entrou em vigor para o Brasil em 27 de fevereiro de 2004 e foi promulgado por meio do Decreto n 5007 de 8 de março de 2004 Foi adotado com a finalidade de ampliar medidas previstas na Convenção sobre os Direitos da Criança com a finalidade de garantir a proteção das crianças grupo particularmente vulnerável e mais exposto ao risco de exploração sexual contra a venda de crianças a prostituição infantil e a pornografia infantil ante a preocupação com o significativo e crescente tráfico internacional de crianças para tais fins com a prática disseminada do turismo sexual e com a crescente disponibilidade de pornografia infantil na internet e em outras tecnologias modernas 182 Considerouse nesse sentido o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho perigoso ou capaz de interferir em sua educação ou ser prejudicial à sua saúde ou ao seu desenvolvimento físico mental espiritual moral ou social A elaboração do Protocolo levou em consideração os aspectos que contribuem para a ocorrência da venda de crianças da prostituição infantil e da pornografia como o subdesenvolvimento a pobreza as disparidades econômicas a estrutura socioeconômica desigual as famílias com disfunções a ausência de educação a migração do campo para a cidade a discriminação sexual o comportamento sexual adulto irresponsável as práticas tradicionais prejudiciais e os conflitos armados e o tráfico de crianças conforme explicitado em seus consideranda O Protocolo possui 17 artigos não divididos em seções específicas No primeiro deles o documento estabelece que os Estados Partes deverão proibir a venda de crianças a prostituição infantil e a pornografia infantil No art 2º são apresentadas as definições para os seus propósitos Assim a venda de crianças é definida como qualquer ato ou transação pela qual uma criança é transferida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas a outra pessoa ou grupo de pessoas em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação A prostituição infantil consiste no uso de uma criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação e finalmente a pornografia infantil é definida como qualquer representação por qualquer meio de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais O Protocolo estabelece diversos mandados internacionais de criminalização dos atos relacionados à venda de crianças à prostituição e pornografia infantis O art 3º determina que os Estados Partes devem assegurar a criminalização integral dos atos mencionados quer sejam cometidos dentro quer fora de suas fronteiras de forma individual ou organizada Assim no contexto da venda de crianças os Estados devem criminalizar a oferta entrega ou aceitação de uma criança por qualquer meio para fins de exploração sexual transplante de órgãos com fins lucrativos ou envolvimento em trabalho forçado No Brasil a Lei n 134402017 alterou o tipo penal do art 244A do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n 806990 que tipifica a prática de submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual tendo sido estipulada além da pena de reclusão e multa a perda dos bens e valores utilizados na prática criminosa em favor do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente da unidade da Federação brasileira em que foi cometido o crime ressalvado o direito de terceiro de boafé Nesse contexto o Estado deve ainda criminalizar a indução indevida ao consentimento na qualidade de intermediário para adoção de uma criança em violação dos instrumentos jurídicos internacionais aplicáveis sobre adoção Devem ser considerados crimes também os atos de oferta obtenção aquisição aliciamento ou o fornecimento de uma criança para fins de prostituição infantil e a produção distribuição disseminação importação exportação oferta venda ou posse para os fins mencionados de pornografia infantil A tentativa desses atos também será punida bem como cumplicidade ou participação em qualquer deles A cominação das penas deve levar em conta a gravidade dos delitos e os Estados devem adotar medidas quando for apropriado para determinar a responsabilização legal das pessoas jurídicas que poderá ser de natureza criminal civil ou administrativa Ademais os Estados devem adotar todas as medidas legais e administrativas apropriadas para assegurar que todas as pessoas envolvidas na adoção de uma criança ajam em conformidade com os instrumentos jurídicos internacionais aplicáveis O art 4º determina que o Estado Parte adote as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre os crimes cometidos em seu território ou a bordo de embarcação ou aeronave registrada no Estado bem como medidas para estabelecer sua jurisdição sobre os delitos quando o criminoso presumido estiver presente em seu território e não for extraditado para outro Estado aut dedere aut judicare ou extradita ou julga O Estado pode também adotar medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre os delitos nos casos em que o criminoso presumido for um cidadão daquele Estado ou uma pessoa que mantém residência habitual em seu território ou nos casos em que a vítima for um cidadão daquele Estado O art 5º por sua vez determina que os delitos relativos à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil devem ser considerados delitos passíveis de extradição em qualquer tratado de extradição existente entre Estados Partes e devem ser incluídos como delitos passíveis de extradição em todo tratado de extradição subsequentemente celebrado entre eles Se o Estado Parte que condicionar a extradição à existência de um tratado receber solicitação de extradição de outro Estado Parte com o qual não mantém tratado de extradição poderá adotar o Protocolo como base jurídica para a extradição quanto a esses delitos sujeitandose a extradição às condições previstas na legislação do Estado demandado Ainda se os Estados Partes não condicionarem a extradição à existência de um tratado devem reconhecer os delitos como passíveis de extradição entre si em conformidade com as condições estabelecidas na legislação do Estado demandado Se este Estado não conceder a extradição ou recusarse a concedêla com base na nacionalidade do autor do delito este Estado adotará as medidas apropriadas para submeter o caso às suas autoridades competentes com vistas à instauração de processo penal aut dedere aut judicare ou entrega ou julga O art 6º versa sobre a prestação de assistência jurídica penal mútua entre os Estados Partes no que se refere a investigações ou processos criminais ou de extradição instaurados inclusive para obtenção de provas à sua disposição e necessárias para a condução dos processos Tais obrigações devem ser cumpridas em conformidade com quaisquer tratados ou outros acordos sobre assistência jurídica mútua que porventura existam entre os Estados Partes e na ausência destes devem prestarse assistência mútua em conformidade com sua legislação nacional Para dificultar a ocorrência dos delitos relacionados à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil os Estados Partes devem adotar medidas para permitir o sequestro e confisco conforme o caso de bens tais como materiais ativos e outros meios utilizados para cometer ou facilitar o cometimento dos delitos bem como rendas decorrentes do seu cometimento Devem também atender às solicitações de outro Estado Parte referentes ao sequestro ou confisco de bens ou rendas e para fechar temporária ou definitivamente os locais utilizados para cometer esses delitos O art 8º dispõe sobre as medidas a serem adotadas para proteger os direitos e interesses de crianças vítimas das práticas proibidas pelo Protocolo em todos os estágios do processo judicial criminal considerandose primordialmente o melhor interesse da criança Nesse contexto o Estado deve reconhecer a vulnerabilidade de crianças vitimadas e adaptando procedimentos para reconhecer suas necessidades especiais inclusive como testemunhas além de assegurar sua segurança bem como de suas famílias e testemunhas contra intimidação e retaliação e de prestar serviços adequados de apoio às crianças vitimadas no transcorrer do processo judicial Os Estados devem ainda informar as crianças sobre seus direitos seu papel além do alcance datas e andamento dos processos e a condução de seus casos e evitar a demora desnecessária na condução de causas e no cumprimento de ordens ou decretos concedendo reparação a crianças vitimadas Devem permitir que suas opiniões necessidades e preocupações sejam apresentadas e consideradas nos processos em que seus interesses pessoais forem afetados de forma coerente com as normas processuais da legislação nacional A privacidade e a identidade das crianças também devem ser protegidas devendo o Estado adotar medidas para evitar a disseminação inadequada de informações que possam levar à sua identificação Os Estados devem assegurar que eventuais dúvidas sobre a idade real da vítima não impeçam que se dê início a investigações sejam elas criminais ou para determinar a idade da vítima Ademais devem assegurar treinamento apropriado especialmente jurídico e psicológico às pessoas que trabalham com vítimas dos delitos em questão e nos casos apropriados devem adotar medidas para proteger a segurança e integridade das pessoas e organizações envolvidas na prevenção ou proteção e reabilitação de vítimas desses delitos O art 9º prevê as medidas a serem tomadas pelos Estados para implementar as disposições do Protocolo Assim determina que os Estados adotem ou reforcem implementem e disseminem leis medidas administrativas políticas e programas sociais para evitar os delitos estabelecidos no Protocolo conferindo especial atenção à proteção de crianças especialmente vulneráveis às práticas nele descritas Devem ainda promover a conscientização do público em geral inclusive das crianças por meio de informações disseminadas por todos os meios apropriados educação e treinamento sobre as medidas preventivas e os efeitos prejudiciais da venda de crianças da prostituição e pornografia infantis No cumprimento dessas obrigações os Estados Partes devem incentivar a participação da comunidade e em particular de crianças vitimadas nas informações e em programas educativos e de treinamento inclusive em nível internacional Devem ainda adotar todas as medidas possíveis para assegurar assistência apropriada às vítimas inclusive sua completa reintegração social e sua total recuperação física e psicológica e assegurar que tenham acesso a procedimentos adequados que lhes permitam obter das pessoas legalmente responsáveis sem discriminação reparação pelos danos sofridos Conforme determina o art 10 os Estados devem adotar todas as medidas necessárias para intensificar a cooperação internacional por meio de acordos multilaterais regionais e bilaterais para prevenir detectar investigar julgar e punir os responsáveis por atos envolvendo a venda de crianças a prostituição infantil a pornografia infantil e o turismo sexual infantil Ademais devem promover a cooperação e coordenação internacionais entre suas autoridades organizações não governamentais nacionais e internacionais e organizações internacionais Devem ainda promover a cooperação internacional com a finalidade de prestar assistência às crianças vitimadas em sua recuperação física e psicológica sua reintegração social e repatriação bem como o seu fortalecimento da cooperação para lutar contra as causas básicas tais como pobreza e subdesenvolvimento que contribuem para a vulnerabilidade das crianças Os Estados que possuírem condições poderão ainda prestar assistência financeira técnica ou de outra natureza por meio de programas multilaterais regionais bilaterais ou outros programas existentes No art 11 o Protocolo prevê que nenhuma disposição poderá afetar quaisquer outras disposições mais propícias à fruição dos direitos da criança e que possam estar contidas na legislação interna do Estado ou na legislação internacional em vigor para aquele Estado O art 12 por sua vez prevê a apresentação de relatórios periódicos por cada Estado Parte ao Comitê sobre os Direitos da Criança no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Protocolo para aquele Estado Parte que deverá conter informações abrangentes sobre as medidas adotadas para implementar as disposições do Protocolo Após sua apresentação do relatório abrangente o Estado parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo e os demais Estados devem fazêlo a cada cinco anos O Comitê poderá solicitar aos Estados informações adicionais relevantes para a implementação do Protocolo A partir do art 13 estão previstas disposições finais do Protocolo assinatura entrada em vigor denúncia emendas dentre outras No Brasil a Lei n 134412017 inseriu a Seção VA no Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n 806990 que trata da infiltração de agentes policiais para investigar de crimes contra a dignidade sexual de criança e de adolescente A infiltração dependerá de i ordem judicial e ii assegura a atipicidade de condutas de ocultação de identidade do policial em sua atividade na internet para colher indícios de autoria e materialidade de diversos crimes envolvendo crimes contra a dignidade sexual da criança e do adolescente Em 2018 foi tipificada pela Lei n 13718 a oferta troca disponibilização transmissão venda ou exposição à venda bem como a distribuição publicação ou divulgação por qualquer meio inclusive internet de foto vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou estupro de vulnerável ou que faça apologia a sua prática ou sem o consentimento da vítima cena de sexo nudez ou pornografia A pena é aumentada de 13 um terço a 23 dois terços se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação revenge porn pornografia da vingança novo art 218C do Código Penal 203 PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS CRIANÇAS RELATIVO AOS PROCEDIMENTOS DE COMUNICAÇÃO O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo aos procedimentos de comunicação foi adotado em Nova Iorque em 19 de dezembro de 2001 e entrou em vigor internacional em 14 de abril de 2014 Possui em 2019 45 Estados partes O Protocolo foi assinado pelo Brasil em 8 de fevereiro de 2012 aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 85 de 8 de junho de 2017 e ratificado em 29 de setembro de 2017 ainda não foi promulgado Visando complementar os mecanismos nacionais e internacionais de proteção às crianças o Protocolo permite que as crianças apresentem denúncias pela violação dos seus direitos previstos na Convenção sobre os Direitos da Criança e nos seus Protocolos Facultativos ao Comitê dos Direitos da Criança O art 2 prevê o que o princípio do melhor interesse da criança regerá as funções do Comitê o qual nos termos do art 3 incluirá nos seus procedimentos salvaguardas para evitar a manipulação da criança por quem atue em seu nome podendo recusar o exame de comunicações que considerem ser contrárias ao interesse superior da criança O art 4 por sua vez versa sobre as medidas de proteção às pessoas que comunicam situações ou cooperam com o Comitê Os arts 5 a 12 versam sobre o Procedimento de Comunicações As comunicações podem ser apresentadas por i pessoas ou grupo de pessoas não podendo ser anônimas ii em nome de pessoas ou grupos de pessoas vítimas de violações cometidas por Estado Parte da Convenção dos Direitos das Crianças ou de seus protocolos Após examinar a admissibilidade do pedido art 7 o Comitê informa o Estado interessado sobre a comunicação apresentada solicitando explicações ou declarações sobre as medidas adotadas art 8 Medidas provisórias medidas cautelares podem ser solicitadas a qualquer tempo antes da decisão de mérito em casos excepcionais para evitar danos irreparáveis à vítima art 6 bem como as partes podem chegar a uma solução amistosa sobre o caso art 9 O exame das comunicações bem como as recomendações do Comitê serão encaminhados às partes art 10 devendo o Estado apresentar uma resposta em seis meses sobre as medidas adotadas à luz das recomendações do Comitê art 11 O art 12 prevê que os Estados podem declarar que reconhecem ainda a competência do Comitê para receber e examinar comunicações nas quais um Estado alegue que outro Estado não cumpriu com as obrigações decorrentes da Convenção sobre os Direitos da Crianças ou seus Protocolos Facultativos Os arts 13 e 14 abordam os procedimentos de investigações em casos de violações graves ou sistemáticas as quais terão caráter confidencial e podem incluir visitas ao território do Estado Os arts 15 16 e 17 estipulam a assistência e cooperação internacionais entre os Estados os organismos especializados os fundos os programas e outros órgãos competentes da ONU bem como a submissão de resumo das suas atividades em relatório a ser enviado para a Assembleia Geral a cada dois anos cabendo ademais a cada Estado a divulgação e informação sobre o Protocolo Facultativo no seu território Finalmente os arts 18 a 20 compreendem a assinatura ratificação e adesão entrada em vigor o Comitê possui competência somente em relação a violações que ocorrerem após a data de entrada em vigor do Protocolo e os arts 21 a 24 dispõem sobre as emendas denúncia depósito e idiomas do Protocolo QUADRO SINÓTICO Convenção sobre os Direitos da Criança Definição de criança Todo ser humano com menos de 18 anos de idade a não ser que em conformidade com a lei aplicável à criança a maioridade seja alcançada antes Previsão da consideração do melhor interesse da criança best interest of the child Principais direitos enunciados Direito à vida Direito de que seja registrada imediatamente após seu nascimento Direito de ter desde o momento do nascimento um nome uma nacionalidade e na medida do possível de conhecer seus pais e a ser cuidada por eles Direito de preservar sua identidade Direito de que não seja separada dos pais contra a vontade destes salvo se a separação atender ao melhor interesse da criança Direito de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos os pais a menos que isso seja contrário ao melhor interesse da criança no caso de criança separada de um ou de ambos os pais Direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos com ela relacionados Direito à liberdade de expressão Direito à liberdade de pensamento de consciência e de crença Direitos à liberdade de associação e à liberdade de realizar reuniões pacíficas Direito à proteção da lei contra interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular sua família seu domicílio ou sua correspondência e contra atentados ilegais a sua honra e a sua reputação Direito de acesso à informação Direito à proteção e assistência especiais do Estado para crianças privadas temporária ou permanentemente do seu meio familiar ou cujo melhor interesse exija que não permaneçam nesse meio Direito a proteção e a assistência humanitária adequadas para crianças refugiadas Direitos específicos da criança com deficiência física ou mental vida plena e decente em condições que garantam sua dignidade favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade Direito de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde Direito a um exame periódico de avaliação do tratamento e de todos os demais aspectos relativos à sua internação Direito de usufruir da previdência social Direito a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico mental espiritual moral e social Direito à educação Direito de em comunidade com os demais membros de seu grupo ter sua própria cultura professar e praticar sua própria religião ou utilizar seu próprio idioma especialmente para crianças de Estados Partes onde existam minorias étnicas religiosas ou linguísticas ou pessoas de origem indígena Direito ao descanso e ao lazer ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade bem como à livre participação na vida cultural e artística Direito de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico mental espiritual moral ou social Direito à proteção contra todas as formas de exploração e abuso sexual Direito de não ser submetida a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes nem à pena de morte ou à prisão perpétua sem possibilidade de livramento por delitos cometidos por menores de dezoito anos de idade Direito de não ser privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária Direito da criança privada da liberdade ser tratada com humanidade e respeito e levandose em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade direito de manter contato com sua família por meio de correspondência ou de visitas direito a assistência jurídica e a qualquer outra assistência adequada direito a impugnar a legalidade da privação de sua liberdade perante autoridade competente independente e imparcial e a uma rápida decisão a respeito de tal ação Direitos processuais Mecanismo de monitoramento Procedimento de relatórios periódicos Atenção 3º Protocolo à Convenção dezembro de 2011 direito de petição das vítimas ao Comitê Brasil já ratificou 2017 Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados Objetivo Estabelecer um aumento de idade para o possível recrutamento de pessoas pelas forças armadas reconhecendose as necessidades especiais das crianças particularmente vulneráveis ao recrutamento ou utilização em hostilidades em decorrência de sua situação econômica ou social ou de sexo Nesse sentido os Estados Partes devem adotar todas as medidas possíveis para assegurar que membros de suas forças armadas menores de 18 anos não participem diretamente de hostilidades e devem assegurar que menores de 18 anos não serão recrutados de maneira compulsória em suas forças armadas além de elevar a idade mínima para o recrutamento voluntário de pessoas em suas forças armadas nacionais acima de 15 anos Ademais os grupos armados distintos das forças armadas de um Estado não deverão em qualquer circunstância recrutar ou utilizar menores de 18 anos em hostilidades Mecanismo de monitoramento Submissão de relatórios ao Comitê sobre os Direitos da Criança Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil Objetivo Ampliar medidas previstas na Convenção sobre os Direitos da Criança com a finalidade de garantir a proteção das crianças contra a venda a prostituição infantil e a pornografia infantil ante a preocupação com o significativo e crescente tráfico internacional de crianças para tais fins com a prática disseminada do turismo sexual e com a crescente disponibilidade de pornografia infantil na Internet e em outras tecnologias modernas Definições Venda de crianças qualquer ato ou transação pela qual uma criança é transferida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas a outra pessoa ou grupo de pessoas em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação Prostituição infantil o uso de uma criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação Pornografia infantil qualquer representação por qualquer meio de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais Mecanismo de monitoramento Submissão de relatórios ao Comitê sobre os Direitos da Criança 21 Declaração e Programa de Ação de Viena 1993 A II Conferência Mundial de Direitos Humanos Conferência de Viena de 1993 foi a segunda grande conferência sobre direitos humanos sob o patrocínio da ONU a primeira foi a de Teerã 1968 e contou com a participação de delegações de 171 Estados e mais de 800 organizações não governamentais acreditadas como observadores oficiais além do Fórum das ONGs em paralelo ao evento caracterizandose como um verdadeiro marco para o Direito Internacional 183 Na Conferência de 1993 foram adotadas a Declaração e Programa de Ação de Viena por consenso resultando em uma abrangente análise global do sistema internacional de direitos humanos e dos mecanismos de proteção destes direitos e ainda consagrando a universalidade como característica marcante do regime jurídico internacional dos direitos humanos Realçou se ainda a responsabilidade de todos os Estados desenvolverem e encorajarem o respeito a todos os direitos humanos A Declaração e Programa de Ação de Viena é um documento único 184 constituído de um preâmbulo de 17 parágrafos da Parte I com as declarações apresentadas em 39 itens e da Parte II com 100 recomendações Inicialmente declarase que todos os povos têm direito à autodeterminação podendo escolher livremente seu estatuto político e prosseguir livremente no seu desenvolvimento econômico social e cultural Dessa forma a Conferência Mundial de Direitos Humanos reconhece o direito dos povos sob domínio colonial ou ocupação estrangeira de empreenderem qualquer ação legítima em conformidade com a Carta da ONU para realizar seu direito à autodeterminação item 2 da Declaração A Declaração ressalta a importância de se adotarem medidas internacionais para garantir e fiscalizar o cumprimento das normas de direitos humanos relativamente a povos sujeitos a ocupação estrangeira item 3 e ressalta que a promoção e a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais devem ser considerados objetivos prioritários da ONU devendo os órgãos e agências especializadas reforçar a coordenação das suas atividades com base na aplicação coerente e objetiva dos instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos item 4 Enunciase que todos os direitos humanos são universais indivisíveis e interrelacionados devendo a comunidade internacional considerálos globalmente de forma justa e equitativa no mesmo pé e com igual ênfase item 5 e reafirmase a importância de se garantir a universalidade a objetividade e a não seletividade na consideração de questões relativas aos direitos humanos item 32 Ressaltase também que embora o significado das especificidades nacionais e regionais e os diversos antecedentes históricos culturais e religiosos devam ser sempre levados em consideração compete aos Estados independentemente dos seus sistemas políticos econômicos e culturais promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais No item 8 declarase que a democracia o desenvolvimento e o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais são interdependentes e reforçamse mutuamente Nesse sentido países menos desenvolvidos empenhados no processo de democratização e de reformas econômicas devem ser apoiados pela comunidade internacional para que alcancem sucesso na sua transição para a democracia e para o desenvolvimento econômico item 9 Reafirmase também o direito ao desenvolvimento item 10 como direito inalienável e parte integrante dos direitos humanos que deve ser realizado de modo a satisfazer de forma equitativa as necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e vindouras item 11 Reconhecese também que todos têm direito de usufruir os benefícios decorrentes do progresso científico e das suas aplicações práticas considerandose que alguns progressos nomeadamente nas ciências biomédicas e da vida bem como na tecnologia de informação podem ter consequências potencialmente adversas para a integridade a dignidade e os direitos humanos do indivíduo Por meio da Declaração a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos exorta a comunidade internacional a envidar todos os esforços necessários para ajudar a aliviar o peso da dívida externa dos países em vias de desenvolvimento item 12 conclamaa a promover esforços para atenuar e eliminar a pobreza extrema generalizada item 14 a eliminar todas as formas de racismo e discriminação racial xenofobia e manifestações conexas de intolerância item 15 e a combater o terrorismo item 17 A Declaração também reafirma explicitamente os direitos humanos das mulheres e das crianças do sexo feminino exaltando como objetivos prioritários da comunidade internacional os esforços para eliminar a discriminação Condenase a violência baseada no sexo da pessoa e todas as formas de assédio e exploração sexual item 18 Declarase também a importância de se promoverem e protegerem os direitos das minorias item 19 dos grupos vulneráveis como os trabalhadores migrantes item 24 e dos povos indígenas item 20 Ressaltase também a necessidade de se efetivarem os direitos das crianças considerandose sempre o melhor interesse da criança item 21 e das pessoas com deficiência incluindo a sua participação ativa em todos os aspectos da vida em sociedade item 22 Reafirmase o direito de todos sem distinção de procurar e obter noutros países asilo contra as perseguições de que sejam alvo bem como o direito de regressar ao seu próprio país reconhecendo a necessidade de adoção de estratégias para abordar as causas remotas e os efeitos das movimentações de refugiados e outras pessoas deslocadas o reforço de mecanismos de alerta e resposta em caso de emergência a disponibilização de proteção e assistência efetivas bem como a obtenção de soluções duradouras e a prestação de assistência humanitária às vítimas de todas as catástrofes quer naturais quer causadas pelo ser humano item 23 Após reafirmar os direitos humanos a Declaração conclama os Estados a oferecer um quadro institucional efetivo de soluções para reparar injustiças ou violações dos direitos humanos e ressalta a importância de uma administração da justiça forte e independente item 27 Manifesta também a consternação pelas violações desses direitos em especial sob a forma de genocídio limpeza étnica e estupro sistemático de mulheres em situações de guerra originando êxodos em massa de refugiados e pessoas deslocadas reiterando a necessidade de punição dos autores e eliminação dessas práticas item 28 aceitação dos mandados internacionais de criminalização Expressa também a profunda preocupação com as violações dos direitos humanos que ocorrem durante os conflitos armados que afetam a população civil sobretudo mulheres crianças idosos e pessoas com deficiências reafirmando a necessidade de observância do Direito Internacional Humanitário item 29 Mencionase também a preocupação com a reiteração em todo o mundo de práticas de tortura e de penas ou tratamentos cruéis desumanos e degradantes as execuções sumárias e arbitrárias os desaparecimentos as detenções arbitrárias todas as formas de racismo discriminação racial e apartheid a ocupação e o domínio por parte de potências estrangeiras a xenofobia a pobreza a fome e outras negações dos direitos econômicos sociais e culturais a intolerância religiosa o terrorismo a discriminação contra as mulheres e a inexistência do Estado de Direito item 30 A Declaração também exorta os Estados a que se abstenham de tomar qualquer medida unilateral que não esteja em conformidade com o Direito Internacional e com a Carta das Nações Unidas e que crie obstáculos às relações comerciais entre Estados e obste à plena realização dos direitos humanos em especial do direito de todos a um nível de vida adequado à sua saúde e bemestar não podendo a alimentação ser usada como meio de pressão política item 31 Realçase a importância de se garantir que a educação se destine a reforçar o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais promovendo a compreensão a tolerância a paz e as relações amistosas entre as nações e todos os grupos raciais ou religiosos item 33 A Declaração menciona que devem ser empreendidos esforços acrescidos para apoiar os países que o solicitem a criar as condições que permitam a cada indivíduo usufruir os direitos humanos e das liberdades fundamentais universalmente reconhecidos ressaltando o papel dos Governos do sistema das Nações Unidas bem como de outras organizações multilaterais item 34 Finalmente menciona a necessidade de dotar as atividades das Nações Unidas de mais recursos para a plena e efetiva execução de suas atividades item 35 e ressalta a importância das instituições nacionais e das organizações não governamentais para a promoção e proteção dos direitos humanos itens 36 e 38 Em seguida a Declaração e Programa de Ação de Viena apresenta as cem recomendações que são divididas em tópicos e que referem à busca de igualdade e dignidade educação para os direitos humanos bem como maior coordenação no âmbito do sistema das Nações Unidas e meios de supervisão e controle do respeito aos direitos humanos QUADRO SINÓTICO Declaração e Programa de Ação de Viena É produto da análise global do sistema internacional de direitos humanos e dos mecanismos de proteção destes direitos Ressalta que os direitos humanos são universais indivisíveis e interrelacionados devendo a comunidade internacional considerálos globalmente de forma justa e equitativa 22 Protocolo de Prevenção Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas especialmente Mulheres e Crianças complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional O Protocolo de Prevenção Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas especialmente Mulheres e Crianças complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional adotado em Nova Iorque em 15 de novembro de 2000 foi firmado tendose em vista que a prevenção e o combate ao tráfico de pessoas requer atuação conjunta dos países de origem trânsito e destino com medidas destinadas a prevenir o tráfico punir os traficantes e proteger suas vítimas nos termos de seu preâmbulo Possui em 2019 174 Estados partes No Brasil foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 231 de 29 de maio de 2003 e ratificado em 29 de janeiro de 2004 Entrou em vigor internacional em 29 de setembro de 2003 e para o Brasil em 28 de fevereiro de 2004 Foi finalmente promulgado pelo Decreto n 5017 de 12 de março de 2004 O Protocolo possui vinte artigos divididos em quatro partes disposições gerais arts 1º a 5º proteção de vítimas de tráfico de pessoas arts 6º a 8º e prevenção cooperação e outras medidas arts 9º a 13 e disposições finais arts 14 a 20 No art 1º explicitase que o Protocolo completa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional devendo ser interpretado em conjunto com ela cujas disposições aplicamse mutatis mutandis ao Protocolo O art 2º por sua vez enuncia quais são os objetivos do Protocolo quais sejam prevenir e combater o tráfico de pessoas com especial atenção às mulheres e às crianças proteger e ajudar as vítimas do tráfico com respeito pleno aos seus direitos humanos e promover a cooperação entre os Estados Partes com a finalidade de atingir tais objetivos Ainda nas disposições gerais o art 3º apresenta definições para efeitos do Protocolo O tráfico de pessoas significa O recrutamento o transporte a transferência o alojamento ou o acolhimento de pessoas Ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação ao rapto à fraude ao engano ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração A exploração incluirá no mínimo a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual o trabalho ou serviços forçados escravatura ou práticas similares à escravatura a servidão ou a remoção de órgãos O consentimento dado pela vítima será considerado irrelevante em face de qualquer exploração descrita De outro lado se o recrutamento o transporte a transferência o alojamento ou o acolhimento para fins de exploração se referirem a crianças assim consideradas qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos restará configurado o tráfico de pessoas ainda que a exploração não envolva nenhum dos meios acima referidos O art 5º exige por sua vez que o Estado criminalize os atos descritos como tráfico de pessoas que tenham sido praticados intencionalmente bem como sua tentativa a participação como cúmplice a organização da prática do tráfico ou a conferência de instruções a outras pessoas para que a pratiquem O Protocolo se aplica à prevenção investigação e repressão das infrações estabelecidas quando forem de natureza transnacional e envolverem grupo criminoso organizado bem como à proteção das vítimas de tais infrações Na Parte II o Protocolo dispõe sobre as medidas para proteção de vítimas do tráfico de pessoas Nesse sentido no art 6º que diz respeito à assistência e proteção às vítimas de tráfico de pessoas fica estabelecido que o Estado protegerá a privacidade e a identidade das vítimas de tráfico de pessoas inclusive com relação aos procedimentos judiciais relativos ao tráfico nos casos em que se considere apropriado e na medida em que seja permitido pelo seu direito interno Ademais o Estado deve assegurar que seu sistema jurídico ou administrativo possua medidas que informem às vítimas do tráfico quando for necessário sobre os procedimentos judiciais e administrativos e assistência para permitir que suas preocupações sejam levadas em conta no processo penal instaurado contra o autor das infrações O Estado ainda deve fornecer medidas que permitam a recuperação física psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas em especial alojamento aconselhamento e informação assistência médica psicológica e material e oportunidades de emprego educação e formação O Estado deve ainda promover esforços para garantir a segurança física das vítimas de tráfico de pessoas e assegurar que seu sistema jurídico viabilize a possibilidade de obterem indenização por danos sofridos No art 7º o Protocolo estabelece um estatuto das vítimas de tráfico de pessoas no Estado de acolhimento prevendo que o Estado deve considerar a possibilidade de adotar medidas que permitam às vítimas de tráfico permanecerem em seu território a título temporário ou permanente Finalmente no art 8º o Protocolo versa sobre o repatriamento das vítimas de tráfico de pessoas de modo que o Estado Parte do qual a vítima é nacional ou em que tinha residência permanente deve facilitar e aceitar sem demora indevida ou injustificada o retorno da pessoa Evidentemente conforme previsto devese levar em conta a segurança da pessoa e a situação de processo judicial relacionado ao fato de a pessoa ser vítima de tráfico Na terceira parte Prevenção cooperação e outras medidas são determinadas medidas a serem adotadas pelos Estados para a prevenção e combate ao tráfico de pessoas e para proteção às suas vítimas especialmente mulheres e crianças tais como campanhas de informação e de difusão através dos órgãos de comunicação e iniciativas sociais e econômicas Nesse sentido devem tomar medidas para reduzir os fatores como a pobreza o subdesenvolvimento e a desigualdade de oportunidades que possam tornar as pessoas vulneráveis ao tráfico bem como desencorajar a procura que fomenta atos de exploração de pessoas conducentes ao tráfico O art 10 prevê que os órgãos do Estado devem cooperar entre si mediante troca de informações para verificar se as pessoas que atravessam ou tentam atravessar fronteira internacional com documentos de viagem pertencentes a terceiros ou sem documentos de viagem são autores ou vítimas de tráfico de pessoas bem como para verificar os tipos de documentos de viagem que as pessoas têm utilizado ou tentado utilizar para atravessar uma fronteira internacional com o objetivo de tráfico de pessoas e os meios e métodos utilizados por grupos criminosos organizados com o objetivo de tráfico de pessoas Os Estados Partes também devem assegurar a formação dos agentes dos serviços competentes para a aplicação da lei dos serviços de imigração ou de outros serviços competentes na prevenção do tráfico de pessoas devem reforçar os controles fronteiriços necessários para prevenir e detectar o tráfico de pessoas devem adotar medidas apropriadas para prevenir a utilização de meios de transporte explorados por transportadores comerciais na prática de tráfico de pessoas dentre outras medidas nas fronteiras arts 10 e 11 Finalmente os Estados devem adotar medidas necessárias para a segurança e o controle de documentos art 12 bem como sua legitimidade e validade art 13 Nas disposições finais o Protocolo estabelece além dos dispositivos de praxe uma cláusula de salvaguarda pela qual o Protocolo não prejudicará os direitos obrigações e responsabilidades dos Estados e das pessoas por força do Direito Internacional incluindose aí o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário e se forem aplicáveis a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados e ao princípio do nonrefoulement Ademais as medidas do Protocolo devem ser interpretadas e aplicadas de forma que as vítimas não sejam discriminadas art 14 a vítima não pode ser culpada pela situação de tráfico Em 2016 foi adotada a Lei n 13344 Lei de Tráfico de Pessoas atualizando a legislação interna que anteriormente punia o tráfico de pessoas na sua finalidade de exploração sexual arts 231 e 231A do Código Penal A nova lei é genérica e visa reprimir o tráfico de pessoas cometido no território nacional contra vítima brasileira ou estrangeira e no exterior contra vítima brasileira art 1º Nesse sentido foram tipificadas diversas condutas agenciar aliciar recrutar transportar transferir comprar alojar ou acolher pessoa mediante grave ameaça violência coação fraude ou abuso e finalidades de tráfico de pessoas como o tráfico para fins de remoção de órgãos submissão a trabalho escravo servidão adoção ilegal ou exploração sexual redação do art 149A do CP em linha com o art 3º do Protocolo analisado A Lei n 133442016 na linha do que dispõe o Protocolo é calcada em 3 eixos a saber prevenção capítulo II repressão capítulo III e proteção e assistência às vítimas capítulo IV QUADRO SINÓTICO Protocolo de Prevenção Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas especialmente Mulheres e Crianças complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Objetivos Prevenir e combater o tráfico de pessoas com especial atenção às mulheres e às crianças Proteger e ajudar as vítimas do tráfico com respeito pleno aos seus direitos humanos e Promover a cooperação entre os Estados Partes com a finalidade de atingir tais objetivos Definição de tráfico de pessoas O recrutamento o transporte a transferência o alojamento ou o acolhimento de pessoas recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação ao rapto à fraude ao engano ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração A exploração incluirá no mínimo a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual o trabalho ou serviços forçados escravatura ou práticas similares à escravatura a servidão ou a remoção de órgãos O consentimento dado pela vítima será considerado irrelevante em face de qualquer exploração descrita Principais medidas para proteção de vítimas do tráfico de pessoas Assistência e proteção às vítimas de tráfico de pessoas inclusive proteção da privacidade e da identidade das vítimas de tráfico de pessoas Medidas que permitam a recuperação física psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas Segurança física das vítimas de tráfico de pessoas Viabilização da possibilidade de no sistema jurídico as vítimas obterem indenização por danos sofridos Medidas que permitam às vítimas de tráfico permanecerem no território do Estado Parte a título temporário ou permanente 23 Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo foram assinados em Nova York em 30 de março de 2007 A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência possui 50 artigos não divididos em partes específicas e seu Protocolo Facultativo possui 18 artigos A Convenção e seu Protocolo possuem em 2019 respectivamente 180 e 96 Estados partes No Brasil a Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 186 de 9 de julho de 2008 conforme o procedimento do 3º do art 5º da Constituição O instrumento de ratificação dos textos foi depositado junto ao SecretárioGeral das Nações Unidas em 1º de agosto de 2008 entrando em vigor para o Brasil no plano jurídico externo em 31 de agosto de 2008 A promulgação deuse por meio do Decreto n 6949 de 25 de agosto de 2009 Como o rito utilizado foi o do art 5º 3º da CF88 esse tratado possui consequentemente hierarquia interna equivalente ao de emenda constitucional ver Parte III Capítulo 3 sobre a incorporação dos tratados de direitos humanos ao ordenamento brasileiro Até 2006 havia uma impressionante lacuna na questão ante a inexistência de um tratado internacional universal celebrado sob os auspícios da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência Não que esta questão fosse de pouco interesse havia até a edição da Convenção vários diplomas normativos específicos não vinculantes sobre os direitos das pessoas com deficiência que compunham a chamada soft law 185 Ademais a Organização Mundial da Saúde OMS em relatório de 2011 calculou à época que 1 bilhão de pessoas possuíam alguma deficiência 186 Mas a invisibilidade e a falta de foco das instâncias de proteção de direitos humanos sobre o tema da deficiência gerava assimetria na proteção local perpetuação de estereótipos falta de políticas de apoio e finalmente exclusão A invisibilidade no que tange aos direitos das pessoas com deficiência é particularmente agravada pela separação existente entre elas e o grupo social majoritário causada por barreiras físicas e sociais Mesmo quando há notícia pública da marginalização há ainda o senso comum de que tal marginalização é fruto da condição individual modelo médico da deficiência e não do contexto social Por exemplo no caso brasileiro a inacessibilidade de alguns locais de votação no Brasil teve como resposta a edição de resolução do Tribunal Superior Eleitoral desonerando os eleitores com deficiência de votar o que aliás contraria o dever de votar previsto na CF88 ao invés de exigir a modificação e acessibilidade total destes locais Devemos aqui expor pequena observação sobre a terminologia utilizada na questão A expressão pessoa portadora de deficiência corresponde àquela usada pela Constituição brasileira art 7º XXXI art 23 II art 24 XIV art 37 VIII art 203 IV art 203 V art 208 III art 227 1º II art 227 2º art 244 Porém o termo portadora realça o portador como se fosse possível deixar de ter a deficiência Assim a expressão utilizada pela Organização das Nações Unidas é pessoas com deficiência persons with disabilities conforme consta da Standard Rules e da Convenção da ONU de 2006 Cabe salientar ademais que tendo a Convenção em tela status normativo equivalente ao de emenda constitucional houve atualização constitucional da denominação para pessoa com deficiência que deve a partir de 2009 ser o termo utilizado Vale ressaltar nesse ponto que o medical model modelo médico da abordagem da situação das pessoas com deficiência via a deficiência como um defeito que necessitava de tratamento ou cura Quem deveria se adaptar à vida social eram as pessoas com deficiência que deveriam ser curadas A atenção da sociedade e do Estado então voltavase ao reconhecimento dos problemas de integração da pessoa com deficiência para que esta desenvolvesse estratégias para minimizar os efeitos da deficiência em sua vida cotidiana A adoção desse modelo gerou falta de atenção às práticas sociais que justamente agravavam as condições de vida das pessoas com deficiência ocasionando pobreza invisibilidade e perpetuação dos estereótipos das pessoas com deficiência como destinatárias da caridade pública e piedade compungida negandolhes a titularidade de direitos como seres humanos Além disso como a deficiência era vista como defeito pessoal a adoção de uma política pública de inclusão não era necessária Já o modelo de direitos humanos ou modelo social vê a pessoa com deficiência como ser humano utilizando o dado médico apenas para definir suas necessidades A principal característica desse modelo é sua abordagem de gozo dos direitos sem discriminação Este princípio de antidiscriminação acarreta a reflexão sobre a necessidade de políticas públicas para que seja assegurada a igualdade material consolidando a responsabilidade do Estado e da sociedade na eliminação das barreiras à efetiva fruição dos direitos do ser humano Assim não se trata mais de exigir da pessoa com deficiência que esta se adapte mas sim de exigir com base na dignidade humana que a sociedade trate seus diferentes de modo a assegurar a igualdade material eliminando as barreiras à sua plena inclusão Na primeira parte do art 1º a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência adota expressamente o modelo de direitos humanos ao estabelecer que seu propósito é promover proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente Na parte final do art 1º a Convenção estabelece que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física intelectual ou sensorial os quais em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas Assim vêse que tal qual consta do preâmbulo a deficiência é considerada um conceito social e não médico em evolução resultante da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas preâmbulo item e A espinha dorsal da Convenção é o seu compromisso com a dignidade e os direitos das pessoas com deficiência que são tidos como titulares dos direitos e não como objeto ou alvo da compaixão pública Já no preâmbulo da Convenção ficou estabelecido que com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos toda pessoa faz jus a todos os direitos e liberdades ali estabelecidos sem distinção de qualquer espécie bem como a necessidade de garantir que todas as pessoas com deficiência os exerçam plenamente sem discriminação Esta visão da Convenção das pessoas com deficiência como rights holders titulares de direitos abrange os direitos civis políticos sociais econômicos e culturais inclusive o direito a um padrão mínimo de vida reafirmando as características da universalidade indivisibilidade e interdependência do regime jurídico dos direitos humanos no plano internacional Além de 26 parágrafos em seu preâmbulo a Convenção é regida pelos vários princípios estabelecidos no art 3º em especial o princípio do respeito da dignidade humana da autonomia individual e a independência das pessoas Além destes princípios diretivos a Convenção que tem um claro desejo de reforço e explicitação ainda fez menção ao princípio da não discriminação igualdade entre o homem e a mulher e da igualdade de oportunidades da plena e efetiva participação e inclusão na sociedade do respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade da acessibilidade e do respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade Por meio da ratificação da Convenção cabe ao Brasil adotar todas as medidas legislativas administrativas e de qualquer outra natureza necessárias para a realização dos direitos reconhecidos bem como eliminar os dispositivos e práticas que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência Em síntese deve o Estado absterse de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com seu texto além de tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência por parte de qualquer pessoa organização ou empresa privada O art 5º da Convenção estabelece que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus sem qualquer discriminação a igual proteção e igual benefício da lei Além disso os Estados devem proibir qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo Assim a Convenção alinhase com a tradição humanista de defesa da igualdade Neste século XXI a Convenção zela pelo reconhecimento de direitos para todos a igualdade formal dos clássicos do século XIX mas sem se descurar dos instrumentos de promoção da igualdade material em uma sociedade plural Esta sociedade plural é marcada pela afirmação das diferenças que não pode gerar guetos e incomunicabilidade entre grupos ou culturas sob pena de congelar a desigualdade de trato Por isso a Convenção estabelece que a fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida Consequentemente as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias Nesse contexto a Convenção reconhece a possibilidade de os Estados adotarem as chamadas ações afirmativas que objetivam fornecer condições estruturais de mudança social evitando que a discriminação continue através de mecanismos informais enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo Por essa razão para dar efetividade à igualdade há a necessidade de uma conduta ativa visando a diminuição das desigualdades e a inclusão dos grupos vulneráveis Com isso ao afirmar a meta da igualdade material a Convenção faz clara opção pela sociedade inclusiva No art 24 ficou estabelecido o direito das pessoas com deficiência à educação Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades os Estados assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis bem como o aprendizado ao longo de toda a vida para que seja obtido 1 pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pela diversidade humana 2 o máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência assim como de suas habilidades físicas e intelectuais e finalmente 3 a participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre Para tanto a Convenção é explícita em estabelecer que as pessoas com deficiência não podem ser excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência Assim as crianças com deficiência não podem ser excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário sob alegação de que não acompanham Consequentemente as pessoas com deficiência devem ter acesso ao ensino primário inclusivo de qualidade e gratuito e ao ensino secundário em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem tendo que ser garantidas as adaptações de acordo com as necessidades individuais Por isso consta da Convenção que as pessoas com deficiência devem receber o apoio necessário no âmbito do sistema educacional geral com vistas a facilitar sua efetiva educação devendo ser adotadas as medidas de apoio individualizadas e efetivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social de acordo com a meta de inclusão plena Nessa linha e como já visto acima o STF na ADI n 5647 cumpriu a Convenção ao considerar constitucional o dever dos estabelecimentos privados de ensino de adotar todas as medidas necessárias para acolher alunos com deficiência sem mensalidades diferenciadas com cobranças e taxas adicionais STF ADI 5647 rel Min Fachin j 962016 publicado no DJe de 11112016 A Convenção ainda prevê disposições específicas sobre mulheres com deficiência art 6º crianças com deficiência art 7º conscientização art 8º acessibilidade art 9º direito à vida art 10 situações de risco e emergências humanitárias art 11 reconhecimento igual perante a lei art 12 acesso à justiça art 13 liberdade e segurança da pessoa art 14 prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes art 15 prevenção contra a exploração a violência e o abuso art 16 proteção da integridade da pessoa art 17 liberdade de movimentação e nacionalidade art 18 vida independente e inclusão na comunidade art 19 mobilidade pessoal art 20 liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação art 21 respeito à privacidade art 22 respeito pelo lar e pela família art 23 saúde art 25 habilitação e reabilitação art 26 trabalho e emprego art 27 padrão de vida e proteção social adequados art 28 participação na vida política e pública art 29 e participação na vida cultural e em recreação lazer e esporte art 30 Com relação à sua efetiva implementação a Convenção prevê a obrigação dos Estados Partes de coletarem dados apropriados inclusive estatísticos e de pesquisas para que possam formular e implementar políticas destinadas a colocála em prática art 31 Devem ainda designar um ou mais de um ponto focal no âmbito do Governo para assuntos relacionados com a implementação da Convenção e devem dar a devida consideração ao estabelecimento ou designação de um mecanismo de coordenação no âmbito do Governo a fim de facilitar ações correlatas nos diferentes setores e níveis Ademais em conformidade com seus sistemas jurídico e administrativo devem manter fortalecer designar ou estabelecer estrutura incluindo um ou mais de um mecanismo independente de maneira apropriada para promover proteger e monitorar a implementação da Convenção art 33 No âmbito internacional estabelece que os Estados Partes devem reconhecer a importância da cooperação internacional e de sua promoção em apoio aos esforços nacionais para a consecução do propósito e dos objetivos da Convenção e assim devem adotar medidas apropriadas e efetivas entre os Estados e de maneira adequada em parceria com organizações internacionais e regionais relevantes e com a sociedade civil e em particular com organizações de pessoas com deficiência art 32 A implementação da Convenção é monitorada pelo chamado sistema de relatórios periódicos por meio dos quais os Estados se obrigam a enviar informes nos quais devem constar as ações que realizaram para a obtenção do respeito e garantia dos direitos humanos No caso da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi criado o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência composto por 18 especialistas independentes 12 inicialmente e 18 quando a Convenção alcançar 60 ratificações indicados pelos Estados contratantes para mandatos de quatro anos com uma reeleição possível Os Estados devem informar ao citado Comitê sobre as medidas legislativas judiciais ou administrativas que tenham adotado e que serviram para implementar os dispositivos da Convenção A periodicidade na apresentação dos relatórios é feita da seguinte forma em primeiro lugar há o relatório inicial que deve ser entregue após dois anos da ratificação da Convenção após este relatório outro deve ser entregue a cada quatro anos A Convenção prevê que os Estados Partes devem se reunir regularmente em Conferência dos Estados Partes a fim de considerar matérias relativas a sua implementação art 40 O Brasil ainda ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência sob o mesmo rito do art 5º 3º da CF88 que também tem então hierarquia equivalente à emenda constitucional De acordo com o Protocolo o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência criado pela Convenção pode receber e considerar comunicações submetidas por pessoas ou grupos de pessoas ou em nome deles sujeitos à sua jurisdição alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção pelo referido Estado QUADRO SINÓTICO Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo Definição de pessoas com deficiência São aquelas que têm impedimentos de natureza física intelectual ou sensorial as quais em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas Princípios diretivos da Convenção respeito pela dignidade inerente a autonomia individual inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas e a independência das pessoas não discriminação plena e efetiva participação e inclusão na sociedade respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade igualdade de oportunidades acessibilidade igualdade entre o homem e a mulher respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade Principais obrigações assumidas pelos Estados Adotar todas as medidas legislativas administrativas e de qualquer outra natureza necessárias para a realização dos direitos reconhecidos bem como eliminar os dispositivos e práticas que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência O Estado deve absterse de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com seu texto além de tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência por parte de qualquer pessoa organização ou empresa privada Mecanismos de monitoramento Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência com competência para Exame dos relatórios periódicos Exame de petições das vítimas 24 Tratado de Marraqueche sobre acesso facilitado a obras publicadas O Tratado de Marraqueche 187 para facilitar o acesso às obras publicadas às pessoas cegas com deficiência visual ou com outras dificuldades para ter alcance ao texto impresso concluído no âmbito da Organização Mundial de Propriedade Intelectual foi celebrado em 27 de junho de 2013 em Marraqueche no Marrocos Possui em 2019 57 Estados partes No Brasil foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 261 de 29 de novembro de 2015 de acordo com o rito especial do 3º do art 5º da Constituição estatuto equivalente ao de emenda constitucional tendo sido ratificado em 11 de dezembro de 2015 Foi promulgado internamente pelo Decreto n 9522 de 8 de outubro de 2018 quase três anos depois da ratificação Anotese que este é o terceiro tratado aprovado de acordo com o rito especial do 3º do art 5º da CF88 todos referentes aos direitos das pessoas com deficiência Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Protocolo Facultativo à Convenção e agora o Tratado de Marraqueche 188 Possui como objetivo principal a criação de instrumentos normativos e administrativos internos voltados a assegurar o acesso facilitado à reprodução e distribuição de obras em formato acessível aos cegos e deficientes visuais superando limitações por exemplo direitos autorais Visa assim eliminar a escassez crônica de publicação de obras em formatos acessíveis a pessoas com deficiência visual democratizando o acesso à cultura educação bem como ao desenvolvimento pessoal e ao trabalho em igualdade de oportunidades Consta da exposição de motivos ministerial EMI n 42014 conjunta dos Ministérios das Relações Exteriores Secretaria de Direitos Humanos e Ministério da Cultura que menos de 5 das obras publicadas estão disponíveis em formato acessível para o uso dessas pessoas e em países em desenvolvimento esse percentual baixa para até 1 Com isso a escassez de obras em formato acessível resulta em verdadeira fome de livros book famine O Tratado de Marraqueche foi negociado no seio da Organização Mundial da Propriedade Intelectual OMPI tendo sido fruto de proposta apresentada por Brasil Equador e Paraguai em maio de 2009 para pagar dívida histórica com as pessoas com deficiência visual Sua entrada em vigor ocorreu em 30 de setembro de 2016 três meses após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação feito pelo Canadá nos termos do artigo 18 A base do tratado é o estabelecimento de duas exceções aos direitos autorais que permitem i a livre produção e distribuição de obras em formato acessível no território dos Estados partes e ii o intercâmbio transfronteiriço desimpedido desses formatos Este último dispositivo aumenta o alcance do Tratado na medida em que permite que as pessoas com deficiência visual residentes em um Estado Parte tenham acesso aos formatos acessíveis produzidos no território de outro Estado Parte Esse acesso facilitado promove a igualdade de oportunidades a liberdade de expressão e de comunicação e o direito à cultura estimulando a participação e a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade O Tratado que possui somente 22 artigos reforça o dever estatal na promoção da igualdade às pessoas com deficiência Na parte introdutória o artigo 1º traz a relação do Tratado com outras normas de Direito Internacional estipulando a não derrogação de obrigações ou direitos dos Estados decorrentes de outros tratados No tocante ao objeto do Tratado os artigos 2º e 3º trazem definições importantes sobre o seu objeto O artigo 2º trata de conceitos importantes i o termo obra abarca todas as obras literárias e artísticas em formato de texto ilustração ou áudio ii o termo exemplar em formato acessível significa a reprodução da obra para pessoas impossibilitadas de leitura impressa com respeito a integridade da original de forma alternativa que garanta acesso de maneira tão prática como o faria a uma pessoa sem deficiência visual e iii o termo entidade autorizada como aquela autorizada ou reconhecida pelo governo para promover sem intuito lucrativo a leitura adaptada ou o acesso à informação bem como para determinar os beneficiários dos exemplares em formato acessível O artigo 3º por sua vez estabelece os beneficiários como sendo i cegos ii pessoas com deficiência visual ou de percepção ou leitura que não possa ser substancialmente corrigida de modo a ser impossível a leitura de material impresso de forma equivalente à pessoa sem deficiência ou dificuldade e iii pessoas que estejam impossibilitadas por deficiência física de sustentar ou manipular livro ou focar ou mover os olhos da forma necessária à leitura impressa A harmonização da legislação interna de direito autoral com a promoção da igualdade de oportunidades é reiterada como obrigação dos Estados partes do Tratado de Marraqueche Dispõe o artigo 4º que a permissão de acesso a obras em formato alternativo às pessoas com dificuldade para leitura de material impresso é exceção ou limitação aos direitos de reprodução Com o intuito de facilitar o acesso e o uso de obras publicadas por pessoas com deficiência o Tratado concretiza as chamadas regras do teste dos três passos three step test para limitação da reprodução de obras por terceiros previstas no artigo 92 da Convenção de Berna sobre a Proteção de Obras Literárias e Artísticas promulgada internamente pelo Decreto n 75699 de 6 de maio de 1975 Pelo teste dos três passos é admissível a limitação do direito do autor i em certos casos especiais ii que não prejudiquem a exploração comercial normal da obra e iii não causem prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor O objetivo do teste dos três passos é só permitir a reprodução das obras com limitações aos direitos autorais caso isso seja feito excepcionalmente e sem que tais reproduções entrem em competição com a obra comercializada com o consentimento do titular de seus direitos autorais o que é justamente a situação das obras acessíveis abarcadas pelo Tratado de Marraqueche 189 A situação abrangida pelo Tratado é especial justificada e não prejudica a comercialização ordinária das obras destinadas aos que não possuem deficiência visual Como consequência as entidades autorizadas poderão sem a necessidade de consentimento do titular dos direitos do autor produzir exemplar em formato acessível de obra e fornecêlo sem fins lucrativos aos beneficiários Tal direito é estendido aos beneficiários e pessoas agindo em seu nome as quais podem produzir exemplar acessível para uso pessoal do beneficiário Em ambas as situações pode o Estado restringir tais exceções às obras que não possam ser obtidas comercialmente sob condições razoáveis para os beneficiários daquele mercado desde que declare tal intenção em notificação depositada junto ao Diretorgeral da OMPI no momento da ratificação aceitação ou adesão ao Tratado ou em qualquer momento posterior art 4º4 o que o Brasil não fez até o momento Além disso cabe à legislação interna determinar se as exceções ou limitações demandam remuneração Na mesma linha as obrigações gerais sobre as limitações e exceções disciplinadas no artigo 11 expressam a conformidade do Tratado de Marraqueche com a permissão de reprodução de obras em casos especiais prevista no artigo 92 da Convenção de Berna no artigo 13 do Acordo Relativo aos aspectos do Direito de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio e nos artigos 101 e 102 do Tratado da Organização Mundial de Propriedade Intelectual Ademais o artigo 12 do Tratado de Marraqueche autoriza os Estados partes de acordo com as suas necessidades socioeconômicas e culturais a adotarem outras exceções ou limitações ao direito autoral visando a facilitar o acesso a obras publicadas às pessoas impossibilitadas de ter alcance ao texto impresso Para estimular o acesso a obras publicadas às pessoas com deficiência visual os artigos 5º e 6º estabelecem as diretrizes para o intercâmbio transfronteiriço e para a importação de exemplares em formato acessível sem a autorização do titular do direito A seguir o artigo 7º prevê que a adoção de medidas tecnológicas para proteção de direitos autorais não interfira com as medidas adotadas para facilitar o acesso alternativo às obras impressas Já o artigo 8º reitera o respeito à privacidade dos beneficiários do acesso às obras em formato alternativo ao impresso nas mesmas condições de outras pessoas Por sua vez os artigos 9º e 10 reforçam a cooperação necessária para a implementação do Tratado ao estimularem o compartilhamento de informações e o comprometimento com a adoção das medidas internas necessárias para garantir a sua aplicação Para organizar a admissão e as decisões relativas ao Tratado o artigo 13 estabelece a criação de Assembleia composta por um delegado de cada Estado Parte com direito a voto que se reunirá mediante convocação do DiretorGeral para decidir sobre i a adesão de organização governamental ao Tratado nos termos do artigo 15 ii a aplicação manutenção e desenvolvimento do Tratado e iii a convocação de conferência diplomática para revisão do Tratado As decisões da Assembleia devem ser tomadas preferencialmente por consenso cabendolhe definir o quórum e maioria exigidos para as diferentes decisões Ainda no âmbito administrativo o artigo 14 fixa o escritório internacional da Organização Mundial de Propriedade Intelectual em Genebra para executar as tarefas administrativas relativas ao Tratado Por sua vez o artigo 15 traz as condições para se tornar parte do Tratado permitindo a adesão i de qualquer Estado Parte da Organização Mundial de Propriedade Intelectual e ii de Organização Intergovernamental com menção expressa à União Europeia com competência comum sobre o tema em questão Finalmente o artigo 16 fixa o cumprimento das obrigações e gozo dos direitos previstos no Tratado por todos os Estados partes e os artigos 17 a 22 determinam as condições para assinatura entrada em vigor produção dos efeitos denúncia línguas e depositário do Tratado O Tratado de Marraqueche reforça o disposto na Lei Brasileira de Inclusão Lei n 131462015 190 pela qual a pessoa com deficiência tem direito à cultura ao esporte ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas sendolhe garantido o acesso a bens culturais em formato acessível art 42 I O 1º do art 42 da LBI é claro ao dispor que é vedada a recusa de oferta de obra intelectual em formato acessível à pessoa com deficiência sob qualquer argumento inclusive sob a alegação de proteção dos direitos de propriedade intelectual No mesmo sentido o art 68 da LBI determina ao poder público que adote mecanismos de incentivo à produção à edição à difusão à distribuição e à comercialização de livros em formatos acessíveis inclusive em publicações da administração pública ou financiadas com recursos públicos com vistas a garantir à pessoa com deficiência o direito de acesso à leitura à informação e à comunicação Também dispõe art 68 1º que nos editais de compras de livros inclusive para o abastecimento ou a atualização de acervos de bibliotecas em todos os níveis e modalidades de educação e de bibliotecas públicas o poder público deverá adotar cláusulas de impedimento à participação de editoras que não ofertem sua produção também em formatos acessíveis Cabe anotar que há críticas ao conteúdo do Tratado por parte de organizações não governamentais e por parte da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão PFDC 191 do Ministério Público Federal que apontam contradição entre a proteção dada pelo Tratado de Marraqueche e o teor da Convenção das Nações Unidas sobre Direito das Pessoas com Deficiência e da Lei Brasileira de Inclusão LBI em especial i uso do termo entidade autorizada previsto nos arts 2º e 4º do tratado o que poderia sugerir que somente essas poderiam editar o livro acessível gerando uma tutela indevida sobre as pessoas com deficiência retorno ao assistencialismo ii como consequência da primeira crítica o tratado teria violado o direito das pessoas com deficiência de acesso a bens culturais em formato acessível art 42 da LBI eliminando o dever das editoras em fornecer esses bens restando ao Estado fornecer subsídios às organizações não governamentais entidades autorizadas Contudo o próprio tratado prudentemente faz expressamente ponderação de direitos a favor das pessoas com deficiência limitando eventuais alegações de defesa do direito de propriedade ao prever uma cláusula de preferência a favor da acessibilidade com base em outras obrigações internacionais por exemplo a Convenção da ONU sobre Direito das Pessoas com Deficiência e na legislação nacional conforme dispõem respectivamente o art 121 192 e 122 193 Por isso a LBI regula no plano interno o acesso facilitado previsto no Tratado de Marraqueche não podendo ser o tratado de Marraqueche interpretado de modo a diminuir a acessibilidade já assegurada em exemplo de ponderação de direitos e proibição do retrocesso QUADRO SINÓTICO Tratado de Marraqueche para facilitar o acesso de obras publicadas às pessoas cegas com deficiência visual ou com outras dificuldades para ter acesso ao texto impresso Natureza jurídica Tratado ratificado pelo Brasil em 11 de dezembro de 2015 com estatuto interno equivalente ao de emenda constitucional Objetivo Promover a igualdade de oportunidades a liberdade de expressão e de comunicação e o direito à cultura estimulando a participação e a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade mediante a facilitação ao acesso de obras publicadas às pessoas impossibilitadas à leitura impressa Essência da Convenção Está em linha com o teste dos três passos Reforça o dever do Estado na promoção da igualdade às pessoas com deficiência ao estabelecer a obrigação estatal de criar instrumentos para impedir limitações e facilitar a reprodução e distribuição de obras em formato acessível aos cegos e deficientes visuais 25 Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias foi adotada pela Assembleia Geral da ONU por meio da Resolução n 45158 de 18 de dezembro de 1990 em Nova Iorque Entrou em vigor em 1º de julho de 2003 conforme determina seu art 87 possuindo em 2019 55 Estados partes No Brasil em 15 de dezembro de 2010 o Poder Executivo submeteu a apreciação de seu texto ao Congresso Nacional por meio da Mensagem de Acordos convênios tratados e atos internacionais MSC n 6962010 a qual ainda está em tramitação 194 O tratado foi elaborado tendo em vista uma série de diplomas internacionais já existentes sobre os direitos dos trabalhadores migrantes bem como considerando a amplitude do fenômeno da migração nessa era de globalização Seu objetivo fundamental foi estabelecer normas para uniformizar princípios fundamentais relativos ao tratamento dos trabalhadores migrantes e de suas famílias por meio de uma proteção internacional adequada especialmente tendo em vista sua situação de vulnerabilidade e seu afastamento do Estado de origem A elaboração do tratado considerou ainda os problemas das migrações irregulares em que os trabalhadores são frequentemente empregados em condições de trabalho menos favoráveis que outros o que leva a que se procure tal mão de obra a fim de se beneficiar da concorrência desleal Assim seu texto considerou a necessidade de encorajar a adoção de medidas adequadas para prevenir e eliminar os movimentos clandestinos e o tráfico dos trabalhadores migrantes assegurando ao mesmo tempo a proteção dos direitos fundamentais desses trabalhadores Nesse passo considerouse que o emprego dos trabalhadores migrantes em situação irregular seria desencorajado se os direitos humanos fundamentais de todos os trabalhadores migrantes fossem mais amplamente reconhecidos O texto da Convenção possui o preâmbulo e 93 artigos divididos em nove partes Na Parte I a Convenção cuida de seu alcance e traz definições No art 1º determina sua aplicação salvo disposição em contrário em seu próprio texto a todos os trabalhadores migrantes e aos membros das suas famílias sem qualquer distinção fundada nomeadamente no sexo raça cor língua religião ou convicção opinião política origem nacional étnica ou social nacionalidade idade posição econômica patrimônio estado civil nascimento ou outra situação Aplicase também a todo o processo migratório dos trabalhadores migrantes e membros das suas famílias preparação da migração a partida o trânsito e a duração total da estada a atividade remunerada no Estado de emprego bem como o regresso ao Estado de origem ou ao Estado de residência habitual No art 2º são definidos os conceitos relevantes de trabalhador migrante para os fins da Convenção e nos arts 4º e 6º são apresentadas outras definições abaixo esquematizadas Trabalhador migrante Pessoa que vai exercer exerce ou exerceu uma atividade remunerada num Estado de que não é nacional Trabalhador fronteiriço Trabalhador migrante que conserva a sua residência habitual num Estado vizinho a que regressa em princípio todos os dias ou pelo menos uma vez por semana Trabalhador sazonal Trabalhador migrante cuja atividade pela sua natureza depende de condições sazonais e só se realiza durante parte do ano Marítimo Abrange os pescadores e designa o trabalhador migrante empregado a bordo de um navio matriculado num Estado de que não é nacional Trabalhador numa estrutura marítima Trabalhador migrante empregado numa estrutura marítima que se encontra sob a jurisdição de um Estado de que não é nacional Trabalhador itinerante Trabalhador migrante que tendo a sua residência habitual num Estado tem de viajar para outros Estados por períodos curtos devido à natureza da sua ocupação Trabalhador vinculado a um projeto Trabalhador migrante admitido num Estado de emprego por tempo definido para trabalhar unicamente num projeto concreto conduzido pelo seu empregador nesse Estado Trabalhador com emprego específico i Que tenha sido enviado pelo seu empregador por um período limitado e definido a um Estado de emprego para aí realizar uma tarefa ou função específica ou ii Que realize por um período limitado e definido um trabalho que exige competências profissionais comerciais técnicas ou altamente especializadas de outra natureza ou iii Que a pedido do seu empregador no Estado de emprego realize por um período limitado e definido um trabalho de natureza transitória ou de curta duração e que deva deixar o Estado de emprego ao expirar o período autorizado de residência ou mais cedo se deixa de realizar a tarefa ou função específica ou o trabalho inicial Trabalhador independente Trabalhador migrante que exerce uma atividade remunerada não submetida a um contrato de trabalho e que ganha a sua vida por meio desta atividade trabalhando normalmente só ou com membros da sua família assim como o trabalhador considerado independente pela legislação aplicável do Estado de emprego ou por acordos bilaterais ou multilaterais Membros da família Pessoa casada com o trabalhador migrante ou que com ele mantém uma relação que em virtude da legislação aplicável produz efeitos equivalentes aos do casamento bem como os filhos a seu cargo e outras pessoas a seu cargo reconhecidas como familiares pela legislação aplicável ou por acordos bilaterais ou multilaterais aplicáveis entre os Estados interessados Estado de origem Estado de que a pessoa interessada é nacional Estado de emprego Estado onde o trabalhador migrante vai exercer exerce ou exerceu uma atividade remunerada consoante o caso Estado de trânsito Estado por cujo território a pessoa interessada deva transitar a fim de se dirigir para o Estado de emprego ou do Estado de emprego para o Estado de origem ou de residência habitual O art 3º explicita que a Convenção não se aplica i às pessoas enviadas ou empregadas por organizações e organismos internacionais nem às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado fora do seu território para desempenharem funções oficiais cuja admissão e estatuto são regulados pelo direito internacional geral ou por acordos internacionais ou convenções internacionais específicas ii às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado ou por conta desse Estado fora do seu território que participam em programas de desenvolvimento e em outros programas de cooperação cuja admissão e estatuto são regulados por acordo celebrado com o Estado de emprego e que nos termos deste acordo não são consideradas trabalhadores migrantes iii às pessoas que se instalam num Estado diferente do seu Estado de origem na qualidade de investidores iv aos refugiados e apátridas salvo disposição em contrário da legislação nacional pertinente do Estado Parte interessado ou de instrumentos internacionais em vigor para esse Estado v aos estudantes e estagiários e vi aos marítimos e aos trabalhadores de estruturas marítimas que não tenham sido autorizados a residir ou a exercer uma atividade remunerada no Estado de emprego O art 5º por sua vez apresenta a distinção entre os trabalhadores e membros de suas famílias considerados em situação regular ou irregular São considerados documentados ou em situação regular se forem autorizados a entrar permanecer e exercer uma atividade remunerada no Estado de emprego ao abrigo da legislação desse Estado e das convenções internacionais de que esse Estado seja Parte Por outro lado são considerados indocumentados ou em situação irregular aqueles que não preencherem tais condições Na Parte II a Convenção dispõe sobre a não discriminação em matéria de direitos Assim em seu art 7º os Estados Partes se comprometem em conformidade com os instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos a respeitar e garantir os direitos previstos na Convenção a todos os trabalhadores migrantes e membros da sua família que se encontrem no seu território e sujeitos à sua jurisdição sem distinção alguma independentemente de qualquer consideração de raça cor sexo língua religião ou convicção opinião política ou outra origem nacional étnica ou social nacionalidade idade posição econômica patrimônio estado civil nascimento ou de qualquer outra situação Na Parte III por sua vez a Convenção enuncia os direitos humanos de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias Tratase de uma relação de direitos reconhecidos a todos os seres humanos os quais em linhas gerais podem ser assim resumidos direito à vida art 9º impossibilidade de submissão a tortura a penas ou tratamentos cruéis desumanos ou degradantes art 10 a escravidão ou servidão ou à realização de um trabalho forçado ou obrigatório art 11 liberdade de expressão art 13 inviolabilidade de domicílio correspondência comunicações art 14 expropriação condicionada a indenização justa e adequada art 15 liberdade e segurança além de proteção contra a violência os maustratos físicos as ameaças e a intimidação por parte de funcionários públicos ou privados grupos ou instituições proteção contra detenção ou prisão arbitrárias art 16 Além disso a Convenção prevê direito a tratamento com humanidade e com respeito da dignidade inerente à pessoa humana e à sua identidade cultural direitos dos trabalhadores migrantes detidos ou presos art 17 equiparação de garantias processuais às conferidas aos nacionais do Estado de emprego art 18 em matéria penal princípio da legalidade e irretroatividade da lei salvo se mais benéfica ao sentenciado art 19 impossibilidade de detenção por descumprimento de obrigação contratual e impossibilidade de privação de autorização de residência ou de trabalho impossibilidade de expulsão por descumprimento de obrigação decorrente de um contrato de trabalho art 20 direito ao reconhecimento da personalidade jurídica art 24 e direito de reunião e associação além do direito de inscrever se livremente em sindicatos art 26 Vale ressaltar neste ponto o art 8º que garante aos trabalhadores migrantes e suas famílias o direito de poder sair livremente de qualquer Estado incluindo o seu Estado de origem o qual só pode ser objeto de restrições que sendo previstas na lei constituam disposições necessárias para proteger a segurança nacional a ordem pública a saúde ou moral públicas ou os direitos e liberdades de outrem e se mostrem compatíveis com os outros direitos reconhecidos nesta parte da Convenção Ademais têm o direito a regressar em qualquer momento ao seu Estado de origem e aí permanecer O art 21 veda a todas as pessoas com exceção dos funcionários públicos devidamente autorizados por lei para este efeito o direito de apreender destruir ou tentar destruir documentos de identidade documentos de autorização de entrada permanência residência ou de estabelecimento no território nacional ou documentos relativos à autorização de trabalho Ademais em nenhum caso é permitido destruir o passaporte ou documento equivalente de um trabalhador migrante ou de um membro da sua família O art 22 dispõe que os trabalhadores migrantes e membros das suas famílias não podem ser objeto de medidas de expulsão coletiva devendo cada caso ser examinado individualmente A expulsão do território de um Estado Parte só pode ocorrer em cumprimento da decisão tomada por autoridade competente em conformidade com a lei Já o art 23 garante aos trabalhadores migrantes e membros das suas famílias o direito de recorrer à proteção e à assistência das autoridades diplomáticas e consulares do seu Estado de origem ou de um Estado que represente os interesses daquele Estado em caso de violação dos direitos reconhecidos na Convenção O art 25 por sua vez garante tratamento não menos favorável que aquele que é concedido aos nacionais do Estado de emprego em matéria de retribuição e outras condições de trabalho e emprego não sendo admitidas derrogações ao princípio da igualdade nos contratos de trabalho privados Nos arts 27 e 28 a Convenção garante direitos sociais aos trabalhadores migrantes e membros das suas famílias que se beneficiam no Estado de emprego em matéria de segurança social de tratamento igual ao que é concedido aos nacionais desse Estado sem prejuízo das condições impostas pela legislação nacional e pelos tratados bilaterais e multilaterais aplicáveis Ademais têm direito de receber os cuidados médicos urgentes que sejam necessários para preservar a sua vida ou para evitar danos irreparáveis à sua saúde em pé de igualdade com os nacionais do Estado em questão os quais não podem serlhes recusados por motivo de irregularidade em matéria de permanência ou de emprego Nos arts 29 e 30 a Convenção garante ao filho de um trabalhador migrante o direito a um nome ao registro do nascimento e a uma nacionalidade além do direito fundamental de acesso à educação em condições de igualdade de tratamento com os nacionais do Estado interessado não podendo ser negado ou limitado o acesso a estabelecimentos públicos de ensino préescolar ou escolar por motivo de situação irregular em matéria de permanência ou emprego de um dos pais ou com fundamento na permanência irregular da criança no Estado de emprego Ademais a Convenção prevê em seu art 31 que os Estados Partes devem assegurar respeito à identidade cultural dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias e não impedilos de manter os laços culturais com o seu Estado de origem podendo adotar as medidas adequadas para apoiar e encorajar esforços neste domínio Além disso cessando a permanência no Estado de emprego os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias têm o direito de transferir os seus ganhos e as suas poupanças e nos termos da legislação aplicável dos Estados interessados os seus bens e pertences O art 33 por sua vez enuncia o direito dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias serem informados pelo Estado de origem Estado de emprego ou Estado de trânsito conforme o caso relativamente aos direitos que lhes são reconhecidos pela Convenção e às condições de admissão direitos e obrigações em virtude do direito e da prática do Estado interessado e outras questões que lhes permitam cumprir as formalidades administrativas ou de outra natureza exigidas por esse Estado Por fim os arts 34 e 35 dispõem que nenhum desses direitos isenta os trabalhadores migrantes e os membros das suas famílias do dever de cumprir as leis e os regulamentos dos Estados de trânsito e do Estado de emprego e de respeitar a identidade cultural dos habitantes desses Estados Ademais nenhuma disposição da Convenção deve ser interpretada de forma a implicar a regularização da situação dos trabalhadores migrantes ou dos membros das suas famílias que se encontram indocumentados ou em situação irregular nem como no sentido de criar qualquer direito a ver regularizada a sua situação nem como capaz de afetar as medidas destinadas a assegurar condições satisfatórias e equitativas para a migração internacional previstas na Parte VI da Convenção Na Parte IV a Convenção prevê outros direitos dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias que se encontram documentados ou em situação regular para além dos direitos anteriormente previstos Nesses casos há algum paralelismo com os direitos já garantidos pela Convenção na Parte III A Parte V da Convenção arts 57 a 63 apresenta as disposições aplicáveis a categorias especiais de trabalhadores migrantes e membros de suas famílias trabalhadores fronteiriços trabalhadores sazonais trabalhadores itinerantes trabalhadores vinculados a um projeto trabalhadores com emprego específico e trabalhadores independentes Os dispositivos desta Parte especificam o benefício dos direitos previstos na Parte IV que são aplicáveis a cada um desses tipos de trabalhadores por força da sua presença e do seu trabalho no território do Estado de emprego e que sejam compatíveis com seu estatuto fazendo entretanto algumas ressalvas Na Parte VI a Convenção dispõe sobre a promoção de condições saudáveis equitativas dignas e justas em matéria de migração internacional de trabalhadores migrantes e de membros de suas famílias O art 64 determina que os Estados Partes interessados consultem se e cooperem se necessário a fim de promover referidas condições A esse respeito a Convenção prevê que sejam tomadas em conta não só as necessidades e recursos de mão de obra ativa mas também as necessidades de natureza social econômica cultural e outra dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias bem como as consequências das migrações para as comunidades envolvidas A Convenção prevê ainda que sempre que os Estados Partes interessados considerarem a possibilidade de regularizar a situação dessas pessoas devem ter devidamente em conta as circunstâncias da sua entrada a duração da sua estada no Estado de emprego bem como outras considerações relevantes em particular as que se relacionem com a sua situação familiar Os Estados devem ainda adotar medidas não menos favoráveis do que as aplicadas aos seus nacionais para garantir que as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias em situação regular sejam conformes às normas de saúde de segurança e de higiene e aos princípios inerentes à dignidade humana além de facilitar o repatriamento para o Estado de origem dos restos mortais dos trabalhadores migrantes ou dos membros das suas famílias A Parte VII da Convenção dispõe sobre sua aplicação Assim em seu art 72 institui o Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de Suas Famílias com o fim de examinar a aplicação de seu texto O Comitê é composto por 14 peritos de alta autoridade moral imparcialidade e reconhecida competência no domínio abrangido pela Convenção para exercerem suas funções a título pessoal Os peritos são eleitos para um período de quatro anos por escrutínio secreto pelos Estados Partes dentre uma lista de candidatos designados pelos Estados Partes tendo em consideração a necessidade de assegurar uma repartição geográfica equitativa no que respeita quer aos Estados de origem quer aos Estados de emprego e uma representação dos principais sistemas jurídicos Cada Estado Parte pode designar um perito dentre os seus nacionais e pode haver reeleição Por força do art 73 os Estados Partes se comprometem a apresentar ao Comitê por meio do SecretárioGeral da ONU relatórios periódicos sobre as medidas legislativas judiciais administrativas e de outra natureza que hajam adotado para dar aplicação às disposições da Convenção de cinco em cinco anos ou sempre que o Comitê solicitar O Comitê examina os relatórios apresentados por cada Estado Parte transmitindo a ele os comentários que julgar apropriados e podendo solicitar informações complementares O Comitê pode convidar agências especializadas e outros órgãos da ONU bem como organizações intergovernamentais e outros organismos interessados a submeter por escrito para apreciação pelo Comitê informações sobre a aplicação da Convenção nas áreas relativas aos seus domínios de atividade Ademais o Secretariado Internacional do Trabalho é convidado pelo Comitê a designar os seus representantes a fim de participarem na qualidade de consultores das reuniões O Comitê submete um relatório anual à Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a aplicação da Convenção contendo suas observações e recomendações fundadas na apreciação dos relatórios e nas observações apresentadas pelos Estados Tais relatórios são transmitidos pelo SecretárioGeral da ONU aos Estados Partes na Convenção ao Conselho Econômico e Social à Comissão dos Direitos Humanos da ONU ao DiretorGeral do Secretariado Internacional e a outras organizações relevantes neste domínio O art 76 prevê ainda a possibilidade de que os Estados Partes declarem que reconhecem a competência do Comitê para avaliar comunicações interestatais ou seja para receber e apreciar comunicações de um Estado Parte invocando o não cumprimento por outro Estado das obrigações decorrentes da presente Convenção Por sua vez o art 77 viabiliza também a possibilidade de que qualquer Estado Parte declare que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar comunicações individuais ou seja apresentadas por pessoas sujeitas à sua jurisdição ou em seu nome invocando a violação por esse Estado Parte dos seus direitos individuais estabelecidos pela Convenção Ainda a Parte VIII estabelece as disposições gerais da Convenção No art 79 determinase que nenhuma disposição da Convenção afeta o direito de cada Estado Parte de estabelecer os critérios de admissão de trabalhadores migrantes e de membros de suas famílias Entretanto com relação às outras questões relativas ao estatuto jurídico e ao tratamento dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias os Estados Partes ficam vinculados pelas limitações impostas pela Convenção Além disso nenhuma disposição da Convenção deve ser interpretada de forma a afetar as disposições da Carta da ONU e atos constitutivos das agências especializadas que definem as responsabilidades respectivas dos diversos órgãos da ONU e das agências especializadas art 80 e nenhuma disposição afeta as normas mais favoráveis à realização dos direitos ou ao exercício das liberdades dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias que possam figurar na legislação ou na prática de um Estado Parte ou em qualquer tratado bilateral ou multilateral em vigor para esse Estado Além disso nenhuma disposição da Convenção deve ser interpretada como implicando para um Estado grupo ou pessoa o direito a dedicarse a uma atividade ou a realizar um ato que afete os direitos ou as liberdades nela enunciados art 81 O art 82 enuncia que os direitos dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias previstos na Convenção não podem ser objeto de renúncia não sendo permitida qualquer forma de pressão sobre eles para que renunciem a estes direitos ou se abstenham de exercêlos Assim também não é possível a derrogação por contrato dos direitos reconhecidos na Convenção e os Estados Partes devem tomar as medidas adequadas para garantir que esses princípios sejam respeitados No art 83 são apresentados os compromissos dos Estados Partes no sentido de garantir um recurso efetivo a toda pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção tenham sido violados ainda que a violação tenha sido cometida por pessoa no exercício de funções oficiais Os Estados devem garantir que ao exercer tal recurso o interessado possa ver a sua queixa apreciada e decidida por uma autoridade judiciária administrativa ou legislativa competente ou por qualquer outra autoridade competente prevista no sistema jurídico do Estado e a desenvolver as possibilidades de recurso judicial Além disso os Estados devem garantir que as autoridades competentes deem seguimento ao recurso quando este for considerado fundado Por fim de acordo com o art 84 os Estados se comprometem a adotar todas as medidas legislativas e outras que se afigurem necessárias à aplicação das disposições da Convenção Finalmente na Parte IX arts 85 a 92 a Convenção traz suas disposições finais Secretário Geral da ONU como depositário do tratado art 85 assinatura adesão e ratificação art 86 entrada em vigor art 87 impossibilidade de exclusão de aplicação da Convenção a qualquer uma das partes art 88 denúncia art 89 revisão e emenda da Convenção art 90 reservas art 91 mecanismos de resolução de conflitos para interpretações distintas de seu texto art 92 e idiomas da Convenção art 93 QUADRO SINÓTICO Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias Aplicação da Convenção Aplicase a todos os trabalhadores migrantes e aos membros das suas famílias sem qualquer distinção fundada nomeadamente no sexo raça cor língua religião ou convicção opinião política ou outra origem nacional étnica ou social nacionalidade idade posição econômica patrimônio estado civil nascimento ou outra situação Compreende a preparação da migração a partida o trânsito e a duração total da estada a atividade remunerada no Estado de emprego bem como o regresso ao Estado de origem ou ao Estado de residência habitual Convenção não se aplica a às pessoas enviadas ou empregadas por organizações e organismos internacionais nem às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado fora do seu território para desempenharem funções oficiais cuja admissão e estatuto são regulados pelo direito internacional geral ou por acordos internacionais ou convenções internacionais específicas b às pessoas enviadas ou empregadas por um Estado ou por conta desse Estado fora do seu território que participam em programas de desenvolvimento e noutros programas de cooperação cuja admissão e estatuto são regulados por acordo celebrado com o Estado de emprego e que nos termos deste acordo não são consideradas trabalhadores migrantes c às pessoas que se instalam num Estado diferente do seu Estado de origem na qualidade de investidores d aos refugiados e apátridas salvo disposição em contrário da legislação nacional pertinente do Estado Parte interessado ou de instrumentos internacionais em vigor para esse Estado e aos estudantes e estagiários f aos marítimos e aos trabalhadores de estruturas marítimas que não tenham sido autorizados a residir ou a exercer uma atividade remunerada no Estado de emprego Principais obrigações dos Estados Partes Não discriminação em matéria de direitos compromisso de respeitar e garantir os direitos previstos na Convenção a todos os trabalhadores migrantes e membros da sua família que se encontrem no seu território e sujeitos à sua jurisdição sem distinção alguma independentemente de qualquer consideração de raça cor sexo língua religião ou convicção opinião política ou outra origem nacional étnica ou social nacionalidade idade posição econômica patrimônio estado civil nascimento ou de qualquer outra situação Promoção de condições saudáveis equitativas dignas e justas em matéria de migração internacional de trabalhadores migrantes e de membros das suas famílias Direitos garantidos Convenção tem por objetivo garantir o respeito aos direitos da pessoa humana também com relação aos trabalhadores migrantes o que inclui direito à vida direito à liberdade de expressão direito de associação dentre outros Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de Suas Famílias Composto por 14 peritos de alta autoridade moral imparcialidade e reconhecida competência no domínio abrangido pela Convenção para exercerem suas funções a título pessoal eleitos para um período de quatro anos Relatórios periódicos apresentados ao Comitê pelos Estados Partes de cinco em cinco anos Comitê apresenta relatório anual à Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a aplicação da Convenção Possibilidade de reconhecimento da competência do Comitê para avaliar comunicações interestatais Possibilidade de reconhecimento da competência do Comitê para avaliar comunicações individuais 26 Princípios de Yogyakarta sobre orientação sexual Mais 10 Em 2006 especialistas em direitos humanos em nome próprio sem representarem os seus Estados de origem ou mesmo os órgãos internacionais nos quais trabalhavam reunidos em Yogyakarta na Indonésia elaboraram os Princípios sobre a aplicação do direito internacional dos direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero Princípios de Yogyakarta A natureza jurídica dos Princípios de Yogyakarta é não vinculante não pertencendo ao conjunto de normas de soft law direito em formação primária produzido pelos Estados ou por organizações internacionais Sua origem privada os insere na soft law derivada produzida por associações ou por indivíduos como é o caso dos mencionados especialistas Contudo os Princípios representam importante vetor de interpretação do direito à igualdade e combate à discriminação por orientação sexual que pode ser extraído pela via interpretativa dos tratados já existentes Nessa linha os Princípios buscam invocar direitos genericamente previstos em tratados internacionais de direitos humanos declarações ou resolução já consagrados para aplicálos especificamente aos temas essenciais envolvendo a orientação sexual visando assegurar igualdade e vedar discriminação estigmatização e violência contra pessoas em razão de sua identidade de gênero e orientação sexual Essa opção pela aplicação das normas gerais de direitos a situações específicas de discriminação foi pragmática uma vez que há grande resistência de vários Estados na elaboração de textos tratados ou não específicos sobre orientação sexual e identidade de gênero Por isso os Princípios concretizam a proteção indireta de vulneráveis que é aquela realizada pela interpretação ampliativa dos direitos já existentes em contraposição à proteção direta que é feita pela especificação de direitos voltados a um determinado grupo de pessoas submetido a determinada vulnerabilidade O documento elenca 29 princípios relacionados à orientação sexual e identidade de gênero aspectos essenciais da dignidade dos indivíduos além de prescrever recomendações específicas para os Estados visando esclarecer as suas obrigações internacionais e garantir a plena implementação de cada um desses direitos A orientação sexual é definida como sendo a capacidade de cada indivíduo experimentar atração afetiva emocional ou sexual por pessoas de gênero diferente mesmo gênero ou mais de um gênero Por sua vez a identidade de gênero consiste na experiência interna individual em relação ao gênero a qual pode corresponder ou não ao sexo atribuído quando do nascimento e que inclui expressões de gênero como o sentimento pessoal do corpo e o modo de vestirse e falar Os princípios 1 e 2 expressam os princípios básicos do gozo universal dos direitos humanos e da igualdade e não discriminação reforçando terem todos os indivíduos direito de desfrutar de todos os direitos livres de preconceito por suas escolhas sexuais ou de gênero Para a implementação de tais direitos os Estados devem incorporálos nas legislações internas emendando e revogando se necessário textos vigentes que os violem assim como implementando políticas públicas e programas educacionais de conscientização e treinamento sobre o tema O princípio 3 aborda o direito à capacidade jurídica em todos os seus aspectos ou seja o pleno reconhecimento perante a lei proibindose a adoção de práticas que atentem contra identidade de gênero ou orientação sexual partes integrantes da personalidade autodeterminação liberdade e dignidade individual Coíbe por exemplo a prática de procedimentos cirúrgicos e imposições de status parental como requisitos para o reconhecimento legal da identidade de gênero ou orientação sexual Dentre os deveres estatais exigese a implementação de programas focados no apoio social aos indivíduos em situação de transição ou mudança de gênero No Brasil há importante precedente do Superior Tribunal de Justiça no qual ficou estabelecido ser possível a alteração do sexo constante no registro civil de transexual que comprove judicialmente a mudança de gênero independentemente da realização de cirurgia de adequação sexual De acordo com o precedente a averbação será feita no assentamento de nascimento original com a indicação da determinação judicial sendo proibida a inclusão ainda que sigilosa i da expressão transexual ii do sexo biológico ou dos motivos das modificações registrais Os princípios de Yogyakarta foram mencionados expressamente pelo relator Min Luis Felipe Salomão 195 No Supremo Tribunal Federal a matéria possibilidade de alteração de sexo no registro civil de transexual sem a realização de cirurgia foi discutida no Recurso Extraordinário n 670422 repercussão geral e na ADI n 4275 proposta pelo ProcuradorGeral da República Foi fixada a seguinte tese pelo STF i O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil não se exigindo para tanto nada além da manifestação de vontade do indivíduo o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa ii Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento vedada a inclusão do termo transgênero iii Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato vedada a expedição de certidão de inteiro teor salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial iv Efetuandose o procedimento pela via judicial caberá ao magistrado determinar de ofício ou a requerimento do interessado a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos Recurso Extraordinário n 670422 com repercussão geral rel Min Dias Toffoli j 1582018 Assim cabe agora a alteração do prenome e sexo no registro civil diretamente pela via administrativa bem como ficou vedada a inclusão da origem do ato e o termo transgênero Também ficou afastada a imposição da realização da cirurgia de transgenitalização para que seja alterado o gênero no assentamento civil de transexual já que tal exigência viola o direito à saúde e à liberdade da pessoa trans Direito à vida segurança pessoal e privacidade são mencionados nos princípios 4 a 6 Proíbese especificamente a imposição de pena de morte por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero bem como estabelecese o direito de todos sem preconceito sexual ou de gênero à segurança pessoal e proteção do Estado contra qualquer forma de violência Mencionase ainda o direito de desfrutar da privacidade em todas as suas formas família residência correspondência e informações pessoais sobre orientação sexual ou identidade de gênero protegendose ataques ilegais à honra e reputação Os princípios 7 8 9 10 e 23 dizem respeito à não privação arbitrária da liberdade ao direito a julgamento justo ao tratamento humano durante a detenção à proibição da tortura ou tratamento desumano e ao asilo Nesse sentido estabelecese que prisão baseada na orientação sexual ou identidade de gênero é arbitrária mesmo que derive de ordem judicial Orientação sexual e identidade de gênero não podem tampouco gerar tortura tratamento cruel ou degradante Quanto aos direitos ao tratamento com dignidade durante a detenção e ao respeito ao devido processo legal reiterase a sua obrigatoriedade sem preconceito em razão de sexo ou gênero O direito de buscar asilo para escapar de situações de risco e perseguição por sua vez inclui a proibição de expulsão ou extradição de pessoas para locais onde possam sofrer tortura perseguição ou tratamento desumano em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero No âmbito dos direitos sociais os princípios de Yogyakarta abarcam o direito ao trabalho digno com condições justas princípio 12 medidas de proteção social princípio 13 habitação princípio 15 educação princípio 16 padrão de vida adequado princípio 14 todos sem preconceito por orientação sexual e identidade de gênero e respeitando essas características A saúde sexual e reprodutiva é parte fundamental do direito ao padrão mais alto alcançável de saúde princípio 17 Ademais a proibição de considerar orientação sexual ou identidade de gênero como doenças médicas é protegida pelo direito à proteção contra abusos médicos princípio 18 Nesse sentido estabelecese como dever dos Estados assegurar que os serviços de atendimento à saúde sejam planejados para levar em conta características de orientação sexual ou identidade de gênero e que os registros médicos relacionados sejam tratados de forma confidencial Os princípios 19 a 22 tratam de diversas esferas do direito à liberdade A liberdade de opinião e expressão inclui qualquer representação de identidade pessoal fala comportamento vestimenta escolha de nome etc assim como a liberdade para transmitir informação de todos os tipos incluindo aquelas relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero A liberdade de reunião e associação pacíficas compreende o direito de formar associações baseadas na orientação sexual ou identidade de gênero bem como de defender os direitos de tais grupos A liberdade de pensamento consciência e religião por seu turno inclui a proibição de se invocar tais direitos para justificar leis ou práticas que discriminem por questões relacionadas a sexo ou gênero O direito de ir e vir tampouco pode ser limitado por motivos de orientação sexual ou identidade de gênero Dentre as obrigações estatais destacamse garantir que as noções de ordem pública moralidade saúde e segurança não sejam empregadas para restringir com preconceito liberdade de opinião e expressão que afirme a diversidade de orientações sexuais e identidades de gênero assegurar que os produtos das mídias reguladas pelos Estados sejam pluralistas e não discriminatórios em relação às questões de orientação sexual e identidade de gênero e que o recrutamento de pessoal e as políticas de promoção dessas organizações não realizem qualquer tipo de discriminação Os direitos de constituição de família e participação na vida pública e cultural também são lembrados nos princípios 24 25 e 26 O direito à família inclui a sua constituição nas mais diversas formas independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero princípio 24 A participação na vida pública abarca o direito de concorrer a cargos eletivos e o acesso a serviços públicos incluindo a polícia e a força militar sem discriminação por motivo de sexo ou gênero A participação cultural nas suas mais diversas formas de expressão também deve ser garantida sem preconceitos de cunho de orientação sexual ou de identidade de gênero O direito à promoção dos direitos humanos o direito a recursos jurídicos e o direito à responsabilização princípios 27 28 e 29 são elementares para a proteção efetiva dos direitos humanos a nível local e internacional Tais princípios incluem medidas como promoção de atividades que estimulem a defesa dos direitos de pessoas com orientação sexual ou identidade de gênero diversas utilização de remédios jurídicos adequados a fornecerem a reparação às violações sofridas responsabilização accountability daqueles que de alguma forma praticaram violação de direitos humanos relacionados à orientação sexual ou identidade de gênero afastando a sua impunidade Ao final do documento recomendase que diversos órgãos internacionais assumam o papel de promoção e implementação dos Princípios de Yogyakarta dentre eles o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos o Conselho de Direitos Humanos e o Conselho Econômico e Social da ONU a Organização Mundial da Saúde o UNAIDS o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados os diversos órgãos previstos nos Tratados de Direitos Humanos as organizações internacionais não governamentais humanitárias profissionais e comerciais e os tribunais de direitos humanos Em 2017 foi adotado o documento denominado Princípios de Yogyakarta Mais 10 Yogyakarta Principles plus 10 em homenagem aos 10 anos da primeira edição 2006 2016 trazendo novos nove princípios e 111 obrigações dos Estados devendo ser lido em conjunto com os 29 princípios anteriores totalizando 38 princípios O documento foi elaborado a partir de um chamamento público a especialistas e depois por um Comitê de Redação reunidos em Genebra em setembro de 2017 O princípio n 30 referese ao direito à proteção do Estado contra violência discriminação e qualquer outro mal quer seja praticado por agente público ou particular Nesse sentido a criminalização da homotransfobia racismo homotransfóbico ver abaixo comentário às decisões do STF na ADO 26 e no MI 4733 está em linha com o dever de proteção estatal Por sua vez o princípio n 31 traz o direito ao reconhecimento jurídico que inclui o direito de obter documentos sem identificação da orientação sexual de gênero ou características sexuais Caso haja documento com tais informações toda pessoa tem o direito de modificálas Os especialistas consideraram que os documentos com informações pessoais deveriam eliminar o registro de sexo e gênero Caso continuem a manter tais informações o Estado deve assegurar mecanismos de autodeterminação da pessoa para modificar tais informações sem requisitos como intervenção ou autorização médica idade etc O princípio n 32 assegura que todos têm o direito a integridade física e psíquica resultando que ninguém deve ser submetido a procedimentos médicos invasivos ou irreversíveis relativos à características sexuais sem o seu consentimento prévio livre e informado O princípio n 33 assegura a todos o direito de não enfrentar a criminalização ou outra forma de sanção fundada na orientação sexual ou identidade de gênero em sentido amplo Esse princípio busca a vedação de punições baseadas em conceitos discriminatórios como moralidade decência que discrimina por orientação sexual ou identidade de gênero Por seu turno o princípio n 34 prevê a proteção de todos da exclusão social e da pobreza uma vez que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero pode levar ao desemprego ou subemprego e a um círculo vicioso de miséria e ausência de fruição de direitos O princípio n 35 trata do direito de acesso a instalações sanitárias de modo seguro e sem discriminação No Brasil o chamado direito dos banheiros 196 está sob apreciação do STF Recurso Extraordinário n 845779SC rel Min Roberto Barroso em trâmite em setembro de 2019 em caso sob repercussão geral no qual a autora sustentou que apesar de ser transexual foi impedida por funcionários do shopping center de utilizar o banheiro feminino do estabelecimento em abordagem grosseira e vexatória O princípio n 36 protege o direito de acesso igualitário à informação e às tecnologias de informação assegurandose o acesso por meio encriptado ou anônimo ou com uso de pseudônimos evitando que haja perseguição e violação da privacidade por motivo de orientação sexual e identidade de gênero Por sua vez o princípio n 37 assegura o direito à verdade às vítimas de violações de direitos humanos causadas por motivo de orientação sexual e identidade de gênero O direito à verdade não pode ser submetido às regras prescricionais tendo uma faceta individual e também difusa direito da sociedade para evitar repetições O princípio n 38 reafirma o direito à diversidade cultural impedindo que manifestações culturais sejam censuradas ou discriminadas por orientação sexual ou por identidade de gênero No Brasil houve reação do Ministério Público Federal Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio Grande do Sul ao prematuro encerramento da exposição Queermuseu Cartografias da Diferença na Arte Brasileira realizada em Porto Alegre em 2017 após protestos de determinados grupos contrários às questões de gênero lá debatidas Foi firmado Termo de Compromisso entre o MPF e o expositor que se comprometeu a realizar duas novas exposições sobre a diferença e a diversidade na ótica dos direitos humanos 197 Em que pese sua origem fruto do trabalho de especialistas e não dos Estados ou das organizações internacionais os Princípios representam dada a omissão internacional na matéria importante passo rumo à igualdade e eliminação de toda forma de discriminação por orientação sexual Fica também o registro negativo da constante omissão dos Estados e das organizações internacionais voltadas à proteção de direitos humanos que ainda não produziram um diploma normativo geral de soft law primária na temática Em 2016 o Conselho de Direitos Humanos editou a Resolução sobre Direitos Humanos orientação sexual e identidade de gênero o Brasil foi um dos proponentes determinando a criação do posto de Especialista Independente do Conselho de Direitos Humanos para a proteção contra a violência e discriminação baseada em orientação sexual e identidade de gênero 198 Ainda em 2016 o Professor Vitit Muntarbhorn Tailândia um dos participantes da redação dos Princípios de Yogyakarta foi designado pelo Conselho de Direitos Humanos o primeiro especialista independente na temática com mandato renovado em 2019 com voto favorável do Brasil QUADRO SINÓTICO Princípios de Yogyakarta Natureza jurídica Soft law podendo ser utilizado como guia de interpretação do direito à igualdade e combate à discriminação deveres internacionais Definição de orientação sexual Capacidade de cada indivíduo experimentar atração afetiva emocional ou sexual por pessoas de gênero diferente mesmo gênero ou mais de um gênero Definição de identidade de gênero A identidade de gênero consiste na experiência interna individual em relação ao gênero a qual pode corresponder ou não ao sexo atribuído quando do nascimento e que inclui expressões de gênero como o sentimento pessoal do corpo e o modo de vestirse e falar Direitos em espécie Igualdade e não discriminação reforçando terem todos os indivíduos direito de desfrutar de todos os direitos livres de preconceito por suas escolhas sexuais ou de gênero Proíbese especificamente a imposição de pena de morte por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero bem como estabelecese o direito de todos sem preconceito sexual ou de gênero à segurança pessoal e proteção do Estado contra qualquer forma de violência Direito ao tratamento com dignidade durante a detenção e ao respeito ao devido processo legal sem discriminação por orientação sexual O direito de buscar asilo para escapar de situações de risco e perseguição por sua vez inclui a proibição de expulsão ou extradição de pessoas para locais onde possam sofrer tortura perseguição ou tratamento desumano em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero O direito à família inclui a sua constituição nas mais diversas formas independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero A participação na vida pública abarca o direito de concorrer a cargos eletivos e o acesso a serviços públicos incluindo a polícia e a força militar sem discriminação por motivo de sexo ou gênero 27 Convenção n 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais A Convenção n 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre Povos Indígenas e Tribais foi adotada pela OIT em 27 de junho de 1989 entrando em vigor internacional em 1991 O Brasil ratificoua em 2002 e incorporoua internamente pelo Decreto n 5051 de 2004 Possui em 2019 apenas 23 Estados partes Vários países com populações indígenas expressivas ainda não a ratificaram como Austrália Canadá Estados Unidos e Nova Zelândia Como i se trata de um tratado de direitos humanos e ii não foi aprovado no Congresso Nacional pelo rito especial previsto no art 5º 3º da CF88 possui força supralegal na hierarquia normativa interna à luz da jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal sobre a estatura normativa dos tratados de direitos humanos É a única convenção internacional em vigor especificamente voltada a direitos dos povos indígenas com foco especial na igualdade e combate à discriminação A maior parte dos Estados que a ratificaram está na América Latina Sua edição atendeu a reclamos de revisão ou revogação da antiga Convenção n 107 da OIT sobre Populações Indígenas e Tribais de 1957 que era fortemente criticada pelo seu espírito integracionista no qual os povos indígenas seriam assimilados pela sociedade envolvente não indígena em claro espírito de hierarquia de culturas e falso sentido de evolução para a civilização 199 Com a edição da Convenção n 169 a OIT continuou a ser atuante na questão dos direitos humanos dos povos indígenas ocupando o vazio gerado pela inexistência pela resistência dos Estados influentes dotados de população indígena à adoção de uma convenção da ONU de direitos humanos dos povos indígenas A inclinação de uma organização teoricamente voltada às relações de trabalho em tema de defesa dos direitos em geral dos povos indígenas e não somente referentes a direitos trabalhistas explicase por ser a OIT permeável a pressões de movimentos internos de um Estado graças a sua peculiar estrutura tripartite na qual as delegações dos Estados devem contar com um representante dos trabalhadores um representante dos empregadores além do representante governamental Obviamente a Convenção n 169 aproveitouse da gramática dos direitos humanos especialmente o que consta da Declaração Universal dos Direitos Humanos do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e dos numerosos instrumentos internacionais sobre a prevenção da discriminação Interessante que já há precedente sobre sua aplicabilidade como guia hermenêutico para que se interprete as demais obrigações de direitos humanos Em caso contra o Equador que não havia ratificado a Convenção n 169 a Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH entendeu que a Convenção n 169 serve como baliza interpretativa para dimensionar as obrigações do Estado perante a Convenção Americana de Direitos Humanos Caso Sarayaku vs Equador ver comentário abaixo neste Curso É composta por 44 artigos divididos em dez partes política geral terras contratação e condições de emprego indústrias rurais seguridade social e saúde educação e meios de comunicação contatos e cooperação através das fronteiras administração disposições gerais disposições finais Seu espírito é de respeito às aspirações dos povos indígenas a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico e manter e fortalecer suas identidades línguas e religiões dentro do âmbito dos Estados onde moram Seu mote é igualdade e autonomia A Convenção aplicase aos povos indígenas que são caracterizados de duas maneiras a primeira é a que define o povo indígena pelo seu traço distintivo fundado i em condições sociais culturais e econômicas próprias diferentes de outros setores da coletividade envolvente e ii no fato de serem regidos total ou parcialmente por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial A segunda maneira define o povo indígena pelo seu vínculo histórico e cultural sendo considerados indígenas pelo fato de i descenderem de populações que habitavam a região na época da conquista e que ii conservam todas as suas próprias instituições sociais econômicas culturais e políticas ou parte delas A Convenção escolheu o critério da autoidentificação da condição de membro de povo indígena como sendo a consciência de sua identidade indígena A base da Convenção é a universalidade dos direitos humanos os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais sem obstáculos nem discriminação A vulnerabilidade histórica dos povos indígenas submetidos a práticas coloniais brutais fez com que a Convenção exigisse que o Estado adote as medidas especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas as instituições os bens as culturas e o meio ambiente dos povos interessados Tais medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos dos próprios povos interessados Por isso os Estados devem proteger os valores e práticas sociais culturais religiosas e espirituais próprios dos povos indígenas sempre com a participação e consulta aos povos interessados A lógica que permeia a consulta é a do empoderamento dos povos indígenas em nome da igualdade As medidas não podem ser de cunho paternalista e os indígenas têm o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento conforme ele afete as suas vidas crenças instituições e bemestar espiritual bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma e de controlar quando possível o seu próprio desenvolvimento econômico social e cultural Os povos indígenas deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos Sempre que for necessário deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar os conflitos que possam surgir de maneira a compatibilizar as regras indígenas com as regras de direitos humanos Por isso ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados deverão ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário Esse respeito às regras indígenas surge na Convenção inclusive no que tange ao Direito Penal Na medida em que for compatível com o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros art 9º Esse respeito gera a impossibilidade do Estado punir criminalmente àquele que já sofreu a punição indígena Essa vedação ao bis in idem advém da natureza supralegal da Convenção n 169 por ser um tratado de direitos humanos 200 que se sobrepõe ao Código Penal brasileiro impedindo uma sucessão de penas sobre o mesmo fato pena indígena e depois a pena criminal geral 201 Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros dos povos mencionados deverão ser levadas em conta as suas características econômicas sociais e culturais dandose preferência a penas outras que a de privação da liberdade O respeito aos usos e costumes locais surge novamente na Convenção pela proibição de imposição de serviços obrigatórios por exemplo servir como jurado ou ainda prestar serviço militar obrigatório para os de sexo masculino Contudo os membros desses povos podem exercer os direitos reconhecidos para todos os cidadãos do país e assumir as obrigações correspondentes Novamente ressaltese o respeito ao empoderamento dos povos indígenas que podem optar pelas regras e direitos da sociedade envolvente não subsistindo a lógica da manutenção estática das práticas indígenas até porque as práticas da sociedade envolvente também mudaram em muito desde os primeiros contatos da época colonial Quanto aos direitos a Convenção reforça a importância da preservação e respeito ao território indígena tema indispensável para a autonomia e garantia da dignidade dos povos indígenas Por isso os Estados devem respeitar a importância especial da relação com as terras para as culturas e valores espirituais dos povos indígenas o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma Nesse sentido a Convenção proclama os direitos de propriedade e de posse indígena sobre as terras que tradicionalmente ocupam art 14 Apesar de no Brasil a CF88 considerar bens da União as terras indígenas fica evidente que a Convenção é cumprida pela proteção efetiva à permanência e uso mesmo que o domínio jurídico seja da União Quanto à exploração da terra indígena os povos indígenas têm o direito de participarem da utilização administração e conservação dos recursos de suas terras Como ocorre no Brasil no caso de a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo ser do Estado há o direito de consulta prévia antes mesmo da autorização de exploração Os povos interessados deverão participar sempre que for possível dos benefícios que essas atividades produzam e receber indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades A regra geral da Convenção é a permanência dos povos indígenas em suas terras Quando excepcionalmente o translado e o reassentamento desses povos sejam considerados necessários só poderão ser efetuados com o consentimento deles concedido livremente e com pleno conhecimento de causa Quando não for possível obter o seu consentimento o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional inclusive consultas públicas quando for apropriado nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar efetivamente representados Os povos indígenas têm o direito de voltar a suas terras tradicionais assim que deixarem de existir as causas que motivaram seu translado e reassentamento Deverão ser respeitadas as modalidades de transmissão dos direitos sobre a terra entre os membros dos povos interessados estabelecidas por esses povos Os povos interessados deverão ser consultados sempre que for considerada sua capacidade para alienarem suas terras ou transmitirem de outra forma os seus direitos sobre essas terras para fora de sua comunidade Expressamente a Convenção determina que deve ser punida a intrusão não autorizada nas terras indígenas art 18 A Convenção ainda trata do direito ao trabalho e medidas de cunho igualitário e protetivo nas relações de trabalho direito à seguridade social e saúde direito à educação desenvolvido em cooperação com os povos indígenas e ressalvado seu direito de criação de seus modos de educação e mantença do idioma A Convenção aplica aqui o direito à igualdade com autonomia pois os povos indígenas devem ter acesso à educação caso queiram que permita a participação plena na vida de sua própria comunidade e na da sociedade envolvente art 29 Devem ser adotados esforços de educação para a eliminação dos preconceitos da sociedade não índia em especial com a inclusão nos livros de História e demais materiais didáticos de uma descrição equitativa exata e instrutiva das sociedades e culturas dos povos indígenas art 31 Por fim para aplacar o receio de Estados de que os povos indígenas pudessem reclamar o direito à autodeterminação dos povos levando a disputas territoriais a Convenção veda expressamente o uso do termo povos no sentido comumente atribuído ao termo no Direito Internacional O artigo 1º tanto do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos quanto do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais prevê que todos os povos têm direito à autodeterminação Em virtude desse direito determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico social e cultural o que representa o direito à emancipação política e secessão dos povos submetidos à dominação estrangeira ou regime colonial O direito de secessão então não foi reconhecido pela Convenção que contudo representa um importante avanço ao tratar com dignidade respeito e especialmente reconhecer sua autonomia e empoderamento no trato de questões de seu interesse Nas Disposições Gerais da Convenção há peculiar mecanismo que dificulta o retrocesso O Estado após a ratificação só pode denunciar a Convenção após dez anos contados da entrada em vigor do tratado para o denunciante A denúncia só surtirá efeito um ano depois Caso não o faça mantémse vinculado por mais um período de dez anos quando ao final poderá denunciála e assim sucessivamente No caso brasileiro a Convenção entrou em vigor internacionalmente para o Brasil em 25 de julho de 2003 em que pese o atraso na edição do Decreto de Promulgação entrada em vigor no plano interno somente em 2004 Assim as eventuais pressões de grupos de interesse em especial de setores vinculados ao agronegócio para a denúncia da Convenção devem aguardar mais dez anos QUADRO SINÓTICO Convenção n 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais Tratado ratificado e incorporado internamente No caso brasileiro a Convenção entrou em vigor Natureza jurídica internacionalmente para o Brasil em 25 de julho de 2003 em que pese o atraso na edição do Decreto de Promulgação entrada em vigor no plano interno somente em 2004 Possui peculiar mecanismo de denúncia o que a imuniza contra desejos de momento nos Estados Como o Brasil não denunciou a Convenção em 2013 só poderá fazêlo em 2023 lapso de 10 anos para que a denúncia seja possível Objetivo A Convenção trata dos direitos dos povos indígenas com foco especial na igualdade e combate à discriminação Essência da Convenção Sempre que for necessário deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar os conflitos que possam surgir de maneira a compatibilizar as regras indígenas com as regras de direitos humanos 28 Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU tendo sido redigida no Conselho de Direitos Humanos contando com 143 votos a favor 11 abstenções e 4 votos em contrário Estados Unidos Nova Zelândia Austrália e Canadá justamente países com expressiva população indígena Compõe a chamada soft law primária do Direito Internacional pois suas normas não são vinculantes aos Estados mas podem ao longo do tempo servir como base de um futuro costume internacional de proteção dos direitos indígenas Serve também para auxiliar a interpretação das normas internacionais vinculantes por exemplo tratados de direitos humanos eventualmente aplicáveis à matéria indígena como por exemplo a Convenção Americana de Direitos Humanos Possui 46 artigos abrangendo tanto os direitos civis e políticos quanto os direitos sociais econômicos e culturais Entre outros a Declaração prevê os seguintes direitos Pleno exercício dos direitos humanos sem discriminação Os indígenas têm direito a título coletivo ou individual ao pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos direitos humanos art 1º Assim por exemplo devem ter os mesmos direitos da sociedade não índia no acesso igualitário aos serviços públicos oferecidos pelo Estado brasileiro Autodeterminação Para o Direito Internacional o direito à autodeterminação consiste na emancipação política de comunidade humana submetida a jugo colonial dominação estrangeira ou de modo discutível já que não integralmente aceito pela Corte Internacional de Justiça vide voto concordante em separado do Juiz Cançado Trindade no Parecer Consultivo sobre a Independência do Kosovo 2010 a regime no qual há grave e sistemática violação de seus direitos humanos A Declaração de 2007 não reconhece tal sentido do direito à autodeterminação pelo contrário há menção expressa de que a integridade territorial dos Estados não deve sofrer modificação diante dos direitos dos povos indígenas art 46 Assim o sentido singular de autodeterminação dos povos indígenas consiste em reconhecer que eles têm o direito de determinar livremente sua condição política e buscar livremente seu desenvolvimento econômico social e cultural tendo direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais assim como a disporem dos meios para financiar suas funções autônomas arts 3º e 4º O tripé da autodeterminação dos povos indígenas é território governo e jurisdição e não secessão Podem conservar e reforçar então seus próprios sistemas de edição de normas educação saúde moradia cultura meios de informação e solução de conflitos entre outros Direito ao território Os povos indígenas têm direito às terras territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido não podendo ser removidos à força de suas terras ou territórios Nenhum traslado se realizará sem o consentimento livre prévio e informado dos povos indígenas interessados e sem um acordo prévio sobre uma indenização justa e equitativa e sempre que possível com a opção do regresso Direito ao consentimento livre prévio e informado Os povos indígenas têm o direito de serem consultados e de consentirem previamente antes da adoção e aplicação de medidas legislativas e administrativas que os afetem art 19 Há previsão expressa de consentimento prévio antes da aprovação de projeto que afete suas terras ou gere exploração de recurso hídrico mineral ou de qualquer outro tipo art 32 Estes dispositivos além da discussão sobre autodeterminação foram responsáveis por anos de debate e atraso na aprovação do texto final da Declaração Obviamente a controvérsia estava na exigência do consentimento o que dá poder de veto às comunidades indígenas sobre tais projetos Direito à educação e saúde de acordo com suas práticas Os povos indígenas têm o direito de estabelecer e controlar seus sistemas e instituições educativos que ofereçam educação em seus próprios idiomas em consonância com seus métodos de ensino Também têm direito a seus medicamentos tradicionais e a manter suas práticas de saúde Direito ao desenvolvimento Os povos indígenas têm o direito de determinar e elaborar prioridades e estratégias para o exercício do seu direito ao desenvolvimento Direito à cultura Os povos e pessoas indígenas têm o direito de pertencerem a uma comunidade ou nação indígena em conformidade com as tradições e costumes da comunidade ou nação em questão Assim têm direito a não sofrer assimilação forçada ou a destruição de sua cultura Direito à propriedade imaterial sobre o conhecimento tradicional Os povos indígenas têm o direito à propriedade intelectual sobre seu patrimônio cultural seus conhecimentos tradicionais e suas expressões culturais tradicionais Direito à manutenção dos contatos transfronteiriços Os povos indígenas em particular os que estão divididos por fronteiras internacionais têm o direito de manter e desenvolver contatos relações e cooperação incluindo atividades de caráter espiritual cultural político econômico e social com seus próprios membros assim como com outros povos através das fronteiras Conflito entre as regras indígenas e as normas internacionais de direitos humanos Os povos indígenas têm o direito de promover desenvolver e manter suas estruturas institucionais e seus próprios costumes espiritualidade tradições procedimentos práticas e quando existam costumes ou sistema jurídicos em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos QUADRO SINÓTICO Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas Natureza jurídica Soft law Uso para interpretar normas internacionais eventualmente aplicáveis à matéria indígena Objetivo Promover o respeito aos direitos dos indígenas a título coletivo ou individual reconhecidos pela Carta das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos direitos humanos Essência da Convenção Possui 46 artigos abrangendo tanto os direitos civis e políticos quanto os direitos sociais econômicos e culturais Adoção da gramática de direitos aplicada à matéria indígena mas ao mesmo tempo aceitação dos usos e costumes de cada comunidade Os povos indígenas deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos Sempre que for necessário deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar os conflitos que possam surgir de maneira a compatibilizar as regras indígenas com as regras de direitos humanos 29 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais Apesar de não ser uma convenção especificamente voltada aos direitos dos povos indígenas a Convenção da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais é importante para a temática pois consagra o dever dos Estados de proteger a diversidade cultural e respeitar a cultura indígena Foi celebrada em Paris em 20 de outubro de 2005 ratificada pelo Brasil em 16 janeiro de 2007 e incorporada internamente pelo Decreto n 6177 de 1º de agosto de 2007 Possui em 2018 145 Estados Partes Inicialmente podemos definir cultura como o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarcam os modos de vida artes os sistemas de valores as tradições e as crenças de uma comunidade ver Declaração do México sobre Políticas Culturais UNESCO 1982 Os direitos culturais são reconhecidos como parte da gramática dos direitos humanos conforme consta do artigo XXVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade bem como do artigo 15 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de participar da vida cultural Atualmente a defesa dos direitos culturais é tema que envolve três aspectos i proteção e promoção do direito à cultura associando os direitos culturais à inclusão ii proteção da circulação dos bens culturais tema que interessa à Organização Mundial do Comércio e separa os Estados Unidos interessados em amplo e irrestrito acesso de mercado aos bens produzidos em Hollywood de outros Estados como França interessada na restrição de acesso a mercados para proteger os produtos culturais produzidos em francês iii proteção da produção cultural bens e expressões culturais A diversidade cultural revelase pelas formas originais e plurais de identidades dos mais diversos grupos que integram a espécie humana Ademais essas formas plurais e originais de expressões culturais não são estanques e interagem gerando por sua vez intercâmbios inesperados e inovações criativas Nasce a chamada interculturalidade que consiste no fenômeno da existência e interação equitativa de diversas culturas assim como na possibilidade de geração de expressões culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo Por isso a diversidade cultural é indispensável para a humanidade tendo sido considerada pela Convenção de 2005 patrimônio comum da humanidade devendo ser defendida para benefício das gerações presentes e futuras Por sua vez a diversidade cultural ao florescer em um ambiente de democracia tolerância justiça social e mútuo respeito entre povos e culturas é indispensável para a paz e a segurança no plano local nacional e internacional Com a globalização o gigante fluxo de bens e serviços entre os Estados impacta fortemente as formas diversas que a cultura adquiriu nas comunidades humanas existindo o risco de homogeneização e perda da diversidade pela conquista de mercado dos produtos culturais mais baratos e acessíveis pela sua escala de produção global O exemplo mais conhecido é o do cinema norteamericano cujos altíssimos custos de produção que gera a indiscutível e superior qualidade técnica dessa indústria cinematográfica são diluídos pelo avanço nos mercados de países terceiros Nasce um círculo vicioso difícil de ser rompido a superioridade técnica conquista mercados globais que por sua vez financiam maior superioridade técnica o que torna quase impossível a entrada de novos atores nesse mercado No caso das populações indígenas a Convenção reconhece a importância dos conhecimentos tradicionais como fonte de riqueza material e imaterial e sua contribuição positiva para o desenvolvimento sustentável o que impõe a necessidade de sua adequada proteção e promoção Por isso a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais de 2005 da UNESCO visa nesse cenário de globalização e risco a produções culturais de menor fôlego econômico preservar a diversidade das expressões culturais possuindo os oito princípios seguintes 1 Princípio do respeito aos direitos humanos Para a Convenção a diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se estiverem garantidos os direitos humanos tais como a liberdade de expressão informação e comunicação bem como a possibilidade dos indivíduos de escolherem expressões culturais 2 Princípio da soberania De acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional os Estados têm o direito soberano de adotar medidas e políticas para a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais em seus respectivos territórios 3 Princípio da igualdade e idêntica dignidade entre todas as culturas A proteção da diversidade das expressões culturais pressupõe o reconhecimento da igual dignidade e o respeito por todas as culturas incluindo as dos povos indígenas 4 Princípio da cooperação Para a Convenção a cooperação internacional deve permitir a todos os países em particular os países em desenvolvimento criarem e fortalecerem os meios necessários a sua expressão cultural incluindo as indústrias culturais sejam elas nascentes ou estabelecidas nos planos local nacional e internacional 5 Princípio da complementaridade entre os aspectos econômicos e culturais do desenvolvimento A cultura é um dos motores fundamentais do desenvolvimento Assim os aspectos culturais deste são tão importantes quanto os seus aspectos econômicos e os indivíduos e povos têm o direito fundamental de dele participarem e se beneficiarem 6 Princípio do desenvolvimento sustentável A diversidade cultural constitui grande riqueza para os indivíduos e as sociedades sendo condição essencial para o desenvolvimento sustentável em benefício das gerações atuais e futuras 7 Princípio do acesso equitativo O acesso equitativo a uma rica e diversificada gama de expressões culturais provenientes de todo o mundo e o acesso das culturas aos meios de expressão e de difusão constituem importantes elementos para a valorização da diversidade cultural e o incentivo ao entendimento mútuo 8 Princípio da abertura e do equilíbrio Ao adotarem medidas para favorecer a diversidade das expressões culturais os Estados buscarão promover de modo apropriado a abertura a outras culturas do mundo e garantir que tais medidas estejam em conformidade com os objetivos perseguidos pela Convenção Finalmente de acordo com a Convenção de 2005 os Estados devem encorajar indivíduos e grupos sociais a criar produzir difundir distribuir suas próprias expressões culturais e a elas ter acesso conferindo a devida atenção às circunstâncias e necessidades especiais da mulher assim como dos diversos grupos sociais incluindo as pessoas pertencentes às minorias e povos indígenas Em 2016 o STF julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4983 promovida pelo ProcuradorGeral da República contra a Lei estadual 152992013 do Estado do Ceará que regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural naquele estado Para o rel Min Marco Aurélio a obrigação do Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais incentivando a valorização e a difusão das manifestações deve observar contudo o disposto no art 225 VII da CF88 que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade 202 Citou o Relator os laudos técnicos juntados pelo ProcuradorGeral da República pelos quais ficam atestadas as consequências nocivas à saúde dos bovinos decorrentes da tração forçada no rabo seguida da derrubada tais como fraturas nas patas ruptura de ligamentos e de vasos sanguíneos traumatismos e deslocamento da articulação do rabo ou até o arrancamento deste resultando no comprometimento da medula espinhal e dos nervos espinhais dores físicas e sofrimento mental Assim para o Relator ante os dados empíricos evidenciados pelas pesquisas tem se como indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas Para o Min Dias Toffoli vencido a vaquejada é uma atividade esportiva e festiva que pertence à cultura do povo devendo ser respeitada Quanto à crueldade com os animais envolvidos o Min Toffoli sustentou que há técnica regramento e treinamento diferenciados o que torna a atuação exclusiva de vaqueiros profissionais Contudo para o Relator seguido pela maioria dos Ministros a crueldade intrínseca à vaquejada não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Carta de 1988 grifo meu não constante do voto original ADI n 4983 rel Min Marco Aurélio j 1612 2016 publicado no DJe de 27042017 Antes do julgamento deste STF foi editada a Lei n 13364 de 29 de novembro de 2016 que elevou o Rodeio a Vaquejada bem como as respectivas expressões artísticoculturais à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial para reforçar a posição daqueles que defenderam como o Min Toffoli a prevalência do direito à cultura Em 6 de junho 2017 foi promulgada a Emenda Constitucional n 96 que acrescentou o 7º ao art 225 da CF88 determinando que não serão consideradas cruéis as práticas desportivas que utilizem animais desde que sejam manifestações culturais De acordo com o texto da EC 96 lei posterior deve assegurar o bemestar dos animais envolvidos 203 QUADRO SINÓTICO Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais Contexto Tratado ratificado e incorporado internamente A cultura consiste no conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarcam os modos de vida artes os sistemas de valores as tradições e as crenças de uma comunidade ver Declaração do México sobre Políticas Culturais A defesa dos direitos culturais é tema que envolve três aspectos i proteção e promoção do direito à cultura associando os direitos culturais à inclusão ii proteção da circulação dos bens culturais assunto que interessa à Organização Mundial do Comércio e separa os Estados Unidos interessados em amplo e irrestrito acesso de mercado aos bens produzidos em Hollywood de outros Estados como França empenhada na restrição de acesso a mercados para proteger os produtos culturais produzidos em francês iii proteção da produção cultural bens e expressões culturais Objetivo Visa no atual cenário de globalização e risco a produções culturais de menor fôlego econômico preservar a diversidade das expressões culturais Essência da Convenção Impacta na formatação dos direitos culturais A diversidade cultural revelase pelas formas originais e plurais de identidades dos mais diversos grupos que integram a espécie humana A diversidade cultural é indispensável para a humanidade tendo sido considerada pela Convenção de 2005 patrimônio comum da humanidade Contém oito princípios que regulam a proteção da diversidade cultural 30 Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos O respeito dos direitos humanos pelas empresas é consequência do reconhecimento i da eficácia horizontal e ii da dimensão objetiva dos direitos humanos como já visto no Capítulo III item 23 da Parte I Os direitos humanos incidem não somente nas relações entre Estado e indivíduo eficácia vertical dos direitos humanos mas também nas relações entre particulares o que obriga as empresas a respeitarem os direitos humanos na condução de suas atividades Por sua vez a dimensão objetiva consiste no reconhecimento de deveres de proteção aos direitos humanos reconhecidos Assim os direitos humanos possuem dupla dimensão a saber a dimensão subjetiva reconhecimento de faculdades e a dimensão objetiva imposição de deveres de proteção De acordo com a dimensão objetiva o Estado deve agir para promover o respeito aos direitos humanos não permitindo que seus agentes públicos ou mesmo particulares os violem Essa dimensão objetiva é fruto implícito do próprio reconhecimento de determinado direito assim a CF88 ao mencionar o direito à vida implicitamente exige do Estado que aja adequadamente para sua proteção 204 Há duas abordagens sobre a observância pelas empresas das normas de direitos humanos i a direta e ii a indireta Pela abordagem direta há regras específicas de direitos humanos que incidem sobre as empresas para que estas observem na condução de suas atividades determinados padrões de conduta tanto no seu aspecto interno nas relações com seus trabalhadores por exemplo quanto externo nas relações com a comunidade como por exemplo no respeito às normas ambientais Pela abordagem indireta as normas de direitos humanos já existentes responsabilizam os Estados e exigem que estes então cobrem das empresas uma conduta pro homine No tocante à abordagem indireta há diversos exemplos na jurisprudência internacional de direitos humanos da responsabilização internacional dos Estados por violação de direitos humanos realizadas por empresas O Estado é responsabilizado pela sua omissão em prevenir e muitas vezes pela omissão em reprimir as violações de direitos humanos realizadas por empresas 205 Já a abordagem direta é mais sistemática e geral mas exige consenso sobre qual deve ser o conteúdo das normas diretamente incidente sobre as empresas em especial aquelas cujo tamanho e poder econômico rivalizam inclusive com os próprios Estados No sistema global de direitos humanos a vinculação das empresas à gramática dos direitos humanos é fundada genericamente na própria afirmação da universalidade dos direitos humanos que tem como marco a Carta da Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos A universalidade dos direitos humanos não seria completa sem o reconhecimento da incidência desses direitos em todas as relações sociais o que abarca obviamente as relações que envolvem empresas e suas atividades Porém a evolução das normas que tratam especificamente da incidência dos direitos humanos nas atividades das empresas abordagem direta foi lenta Na década de 70 do século passado o Conselho Econômico e Social da ONU criou o Centro das Nações Unidas para as Empresas Transnacionais visando a elaboração de um código de conduta para tais empresas Na época a ONU influenciada pelos novos Estados recém independentes e em busca de novos padrões do comércio internacional após o colapso dos impérios coloniais preocupavase com o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional 206 na qual houvesse repartição de ganhos entre os Estados exportadores de capital e suas multinacionais e os Estados importadores de capital subdesenvolvidos Nesse contexto a preocupação sobre a atuação das empresas multinacionais cujas controladoras eram da nacionalidade dos Estados desenvolvidos ficou ainda mais aguçada pela participação de algumas no financiamento de golpes contra governos tidos como nacionalistas ou estatizantes 207 Não havia contudo uma menção explícita às regras de direitos humanos a serem cumpridas pelas empresas multinacionais também chamadas transnacionais Ainda nessa época em 1977 a Organização Internacional do Trabalho edita a Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social alterada em 2000 2006 e em 2017 São 68 parágrafos nos quais a OIT enumera princípios relativos às atividades das empresas multinacionais nas áreas do emprego seguridade social eliminação do trabalho forçado ou compulsório abolição do trabalho infantil e penoso igualdade de oportunidade e de tratamento segurança laboral treinamento salários benefícios e condições de trabalho saúde e segurança nas empresas relações industriais focando desde à liberdade sindical até arbitragem Há menções genéricas sobre a necessidade de cumprimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Pactos onusianos Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais A Declaração é de cumprimento voluntário soft law e não elimina a necessidade dos Estados cumprirem os tratados celebrados na OIT Nesse ambiente regulatório internacional das atividades das empresas multinacionais iniciouse em 1977 a preparação do código de conduta das Nações Unidas sobre Empresas Transnacionais cujo projeto de 1983 foi alterado em 1990 para fazer menção expressa ao dever das empresas transnacionais de respeitar os direitos humanos e liberdades fundamentais nos países nos quais elas operam art 14 Em 1993 houve o encerramento dos trabalhos no âmbito do Conselho Econômico e Social da ONU sem que houvesse consenso para sua aprovação final na Assembleia Geral da ONU Após o final da guerra fria e com a aceleração da globalização a abordagem direta da temática empresas e direitos humanos foi retomada em 2003 com a aprovação pela Subcomissão para a Prevenção e Proteção de Direitos Humanos da antiga hoje extinta Comissão de Direitos Humanos da resolução intitulada Normas sobre as responsabilidades das empresas transnacionais e outras empresas privadas em relação a direitos humanos Seu alcance era geral não somente empresas transnacionais e havia várias referências a direitos humanos em geral a partir do preâmbulo com referências à Declaração Universal dos Direitos Humanos Houve forte reação de Estados desenvolvidos e entidades empresariais e em 2004 o Conselho Econômico e Social a partir de provocação da própria Comissão de Direitos Humanos decidiu que as Normas não possuíam efeito vinculante e nem deveriam ter sua observância monitorada nas Nações Unidas 208 Em 2005 o SecretárioGeral da ONU designou John Ruggie para ser o representante especial para a questão dos direitos humanos e empresas transnacionais e outras empresas A própria forma de nomeação pelas mãos do SecretárioGeral e não por órgão colegiado interno da ONU composto por Estados mostra as controvérsias em relação à temática no sistema global de direitos humanos em especial entre aqueles que defendiam a i expansão da interpretação das normas de direitos humanos para alcançar de maneira clara as empresas caso da tentativa frustrada da Subcomissão vista acima e ii aqueles que defendiam a busca pela colaboração com as empresas para consolidação de uma cidadania corporativa mundial visando inclusive estancar as críticas sobre os malefícios da globalização No que tange à segunda visão colaboração com as empresas o próprio Ruggie na função de conselheiro do SecretárioGeral da ONU havia participado do lançamento do Pacto Global feito por Kofi Annan então SecretárioGeral da ONU em 1999 O Pacto Global é uma iniciativa da ONU para mobilizar de modo voluntário a comunidade empresarial internacional rumo a implementação de boa governança empresarial nas áreas de direitos humanos relações de trabalho meio ambiente e combate à corrupção refletidos em 10 princípios 209 Direitos Humanos 1 As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente e 2 Assegurarse de sua não participação em violações destes direitos Trabalho 3 As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva 4 A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório 5 A abolição efetiva do trabalho infantil e 6 Eliminar a discriminação no emprego Meio Ambiente 7 As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais 8 Desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental e 9 Incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis Corrupção 10 As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas inclusive extorsão e propina Como o Pacto Global não é sequer um código de conduta e sim uma iniciativa voluntária envolvendo empresas em colaboração com a ONU e redes locais não há mecanismos para efetivamente verificar o cumprimento dos 10 princípios apenas a possibilidade de exclusão da lista do rol de empresas participantes caso sejam comprovadas violações sistemáticas desses valores medida de integridade De 2005 a 2011 Ruggie preparou relatórios sobre a temática nos quais criticou a opção tida como estatocêntrica das Normas nas quais repetiase o vetor do Direito Internacional dos Direitos Humanos no qual o Estado responderia pelas violações por parte das empresas não sendo clara qual era a carga de deveres desses entes privados No relatório de 2008 Ruggie defendeu um giro copernicano na temática por meio da adoção dos parâmetros proteger respeitar e reparar que são utilizados tanto para sistematizar os principais pontos da temática quanto para dividir a responsabilidade na defesa de direitos humanos entre os Estados e as empresas Em março de 2011 Ruggie apresentou seu relatório final no qual os princípios orientadores constam no anexo 210 e em junho do mesmo ano o Conselho de Direito adotou a Resolução 174 211 pela qual endossa o conteúdo do que foi apresentado no relatório final de Ruggie São 31 Princípios de Ruggie 212 divididos em i Princípios Gerais ii Dever do Estado em proteger os direitos humanos Princípios 1 a 10 iii Responsabilidade empresarial em respeitar os direitos humanos Princípios 11 a 24 e iv Acesso a recursos e reparação Princípios 25 a 31 Os princípios gerais reforçam os três parâmetros proteger respeitar e reparar já consagrados anteriormente pelos quais 1 cabe ao Estado proteger os direitos humanos 2 às empresas cabe respeitar os direitos humanos e 3 a ambos cabe reparar os danos causados pelas violações aos direitos humanos Os princípios não criam ou restringem obrigações internacionais já existentes devem ser aplicados de forma não discriminatória a todas as empresas transnacionais ou não independentemente de seu tamanho titularidade controle etc Quanto às três categorias de princípios estes abordam em síntese o seguinte Princípios referentes à atuação do Estado na proteção dos direitos humanos Princípios 1 a 10 1 Cabe ao Estado zelar pela proteção de direitos humanos em seu território adotando medidas para prevenir investigar punir e reparar tais abusos cometidos por particulares inclusive empresas Devem os Estados adotar políticas públicas vinculando inclusive o financiamento 2 Deve o Estado zelar pela atividade extraterritorial pro homine de empresas com sede em seu território 3 Deve o Estado adotar leis e possuir formas de orientação às empresas para uma atuação que preserve direitos humanos 4 As agências estatais ou empresas estatais devem atuar de forma compatível com o respeito aos direitos humanos exigindose se for o caso auditorias due diligence na temática 5 A contratação de empresas pelo Estado deve ser supervisionada protegendose direitos humanos 6 O Estado deve exigir o respeito aos direitos humanos das empresas com as quais faz transações comerciais 7 O Estado deve fiscalizar o respeito aos direitos humanos pelas empresas em áreas de conflito 8 O Estado deve assegurar coerência de atuação dos seus diversos órgãos em especial os que orientam as práticas empresariais para que sejam conforme os direitos humanos 9 Os Estados devem manter um marco normativo nacional que assegure o cumprimento das obrigações de direitos humanos no âmbito de tratados ou contratos de investimento referentes a atividades empresariais em outros Estados 10 Os Estados devem atuar com coerência e em prol dos direitos humanos na sua conduta como membros de instituições internacionais que tratam de questões referentes a atividades empresariais Princípios referentes à responsabilidade das empresas em respeitar os direitos humanos Princípios 11 a 24 11 As empresas devem respeitar os direitos humanos abstendose de infringir direitos de terceiros e reparando os danos eventualmente causados 12 As empresas devem respeitar os direitos humanos enunciados internacionalmente e no mínimo os enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais bem como os direitos previstos nas 8 convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho podendo incidir outras normas internacionais a depender do caso concreto por exemplo envolvendo crianças pessoas com deficiência etc 13 As empresas devem evitar atividades que impactem negativamente sobre direitos humanos ou ainda buscar prevenir ou mitigar tais impactos relacionados com suas atividades empresariais 14 A responsabilidade das empresas quanto ao respeito de direitos humanos é plena independentemente de seu tamanho setor contexto operacional proprietário e estrutura mas as exigências quanto aos meios e recursos que devem ser disponibilizados podem variar a depender desses fatores 15 Para cumprir suas responsabilidades as empresas de acordo com tamanho e circunstâncias de atuação devem adotar o compromisso político de respeitar os direitos humanos possuir auditoria na matéria due diligence e procedimentos que permitam a plena reparação dos danos eventualmente causados 16 As empresas devem adotar compromisso com o respeito aos direitos humanos aprovado pelo mais alto nível diretivo que seja embasado em apoio especializado na área e que esclareça publicamente o que se espera em relação aos direitos humanos do seu corpo de funcionários sócios e demais envolvidos na atividade empresarial devendo ser tal compromisso refletido nos procedimentos operacionais adotados 17 As empresas devem realizar auditorias contínuas due diligence em matéria de direitos humanos incluindo avaliações sobre o impacto real e potencial das atividades sobre os direitos humanos entre outros 18 As empresas devem identificar e avaliar as consequências reais ou potenciais de suas ações sobre os direitos humanos com recurso a especialistas internos ou independentes bem como incluindo consultas aos grupos afetados ou interessados 19 As empresas devem aplicar as conclusões de suas avaliações dos impactos de suas atividades sobre os direitos humanos em seus procedimentos internos de modo a prevenir e mitigar as consequências negativas eventualmente geradas 20 As empresas devem possuir sistema de monitoramento sobre as medidas de prevenção adotadas 21 As empresas devem adotar medidas de comunicação social acessível e com capacidade de fornecer as informações adequadas preservadas as sujeitas a sigilo comercial 22 As empresas devem proativamente reparar os danos causados 23 As empresas devem cumprir as leis e respeitar os direitos humanos onde quer que operem buscando fórmulas de respeito aos direitos humanos quando confrontados com exigências conflitantes 24 As empresas devem priorizar medidas que visam atenuar as consequências graves ou que possam se tornar irreversíveis Princípios referentes ao acesso a mecanismos de reparação Princípios 25 a 31 25 Os Estados devem adotar medidas de reparação eficazes pelas vias judiciais administrativas legislativas ou outros meios 26 Os Estados devem assegurar a eficácia dos mecanismos judiciais nos casos abordando violações de direitos humanos por parte de empresas 27 Os Estados devem estabelecer mecanismos extrajudiciais eficazes e adequados em paralelo aos mecanismos judiciais para a integral reparação das violações de direitos humanos por parte das empresas 28 Os Estados devem facilitar o acesso a mecanismos não estatais de denúncia sobre a temática 29 As empresas devem possuir ou participar de mecanismos de denúncia eficazes à disposição das pessoas e comunidades afetadas 30 As iniciativas empresariais de colaboração por exemplo os códigos de conduta empresariais devem prever a disponibilidade de mecanismos eficazes de conduta 31 Os mecanismos de recebimento de denúncia estatais e não estatais devem ser confiáveis acessíveis com procedimento claro e equitativo bem como serem transparentes em especial quanto à evolução do trâmite e resultado Pelo exposto vêse que a essência dos Princípios Orientadores é distribuir a responsabilidade pela proteção de direitos humanos nas atividades empresariais entre os Estados e também às empresas Os princípios orientadores constituemse em soft law servindo para orientar a interpretação das normas nacionais e internacionais bem como podem espelhar caso haja prática reiterada dos Estados com convicção de obrigatoriedade costume internacional Além disso o Conselho de Direitos Humanos na mesma Res 174 instituiu um Grupo de Trabalho da Organização das Nações Unidas ONU sobre Direitos Humanos Empresas Transnacionais e outras Empresas encarregado de monitorar o cumprimento dos Princípios Orientadores formulando recomendações aos Estados Em 2016 o Grupo apresentou ao Conselho de Direitos Humanos o Relatório da visita realizada ao Brasil em dezembro de 2015 com forte ênfase nas consequências negativas às comunidades afetadas por grandes empreendimentos de infraestrutura hidroelétrica de Belo Monte obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas etc e desastres ambientais como o desastre de Mariana O relatório ainda revelou preocupação com a falta de efetiva fiscalização do Estado que inclusive financiou várias dessas obras graças ao BNDES Por sua vez o relatório fez 32 recomendações sendo 21 destinadas ao Estado 7 às empresas e 4 à sociedade civil organizada Chamou a atenção certa incoerência do Grupo de Trabalho que concentrou seu foco no Estado vide o número de recomendações fugindo à assunção de responsabilidade das empresas privadas que são a base dos Princípios de Ruggie 213 Em que pese o avanço dado pelos Princípios Orientadores quanto à responsabilidade das empresas pela prevenção e reparação das violações de direitos humanos há fragilidade na implementação de suas normas A opção pela edição dos Princípios sem força vinculante e sem uma sistemática clara de cobrança efetiva do real compromisso das empresas com a proteção de direitos humanos permite a adesão retórica por parte desses conglomerados com uso publicitário inclusive sem que suas condutas reais sejam efetivamente favoráveis à gramática dos direitos humanos Por isso em 2014 o Conselho de Direitos Humanos aprovou a Res 269 214 pela qual foi estabelecido grupo de trabalho com o objetivo de elaborar um tratado internacional sobre a temática direitos humanos e empresas mostrando possível evolução no atual estágio da temática no sistema global A elaboração de um tratado sobre direitos humanos e empresas demonstra a maturidade da temática no âmbito da ONU após décadas de edições de normas de soft law Prova também a necessidade de discussão da responsabilidade direta das empresas multinacionais e a insuficiência da responsabilização internacional somente dos Estados que em muitos casos não quer ou não consegue impor a rule of law e o respeito aos direitos humanos de todos os envolvidos No Brasil casos como o rompimento da barragem do Fundão em Mariana MG na Bacia do Rio Doce em 5 de novembro de 2015 que até hoje não foi devidamente reparado mostra a necessidade de uma nova etapa na responsabilização das empresas perante o Direito Internacional dos Direitos Humanos Em 2017 o Conselho de Direitos Humanos no bojo dos mecanismos dos procedimentos especiais criou o Grupo de Trabalho sobre a questão de direitos humanos e empresas transnacionais e outras empresas comerciais 215 Em 2018 esse grupo de trabalho apresentou minuta de tratado sobre a temática Draft que está em 2019 em discussão 31 Convenção Quadro de Controle do Tabaco CQCT A Convenção Quadro de Controle do Tabaco CQCT é o primeiro tratado internacional negociado sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde OMS Foi adotado pela Assembleia Mundial da Saúde em 21 de maio de 2003 e entrou em vigor em 27 de fevereiro de 2005 A CQCT tornouse um dos tratados mais rápida e amplamente adotados na história do Sistema das Nações Unidas Possui em agosto de 2019 181 Estados partes A CQCT foi construída como uma resposta à epidemia global de tabaco reconhecida na década de 1970 pela Assembleia Mundial da Saúde Entre 1978 e 1993 a Assembleia Mundial da Saúde AMS aprovou 10 resoluções sobre os perigos à saúde causados pelo uso do tabaco A OMS institucionalmente afirma que a CQCT é um tratado baseado em evidências científicas que reafirma o direito de todas as pessoas ao mais alto padrão de saúde A Convenção versa sobre promoção da saúde pública fornecendo novas dimensões legais para a cooperação internacional em saúde Após a aprovação interna do tratado pela edição do Decreto Legislativo n 1012 de 27 de outubro de 2005 o Brasil ratificou a CQCT em 3 de novembro tendo promulgado a convenção internamente pelo Decreto 5658 de 2 de janeiro de 2006 Desde 2014 a Head do Secretariado da CQCT na OMS em Genebra é a brasileira Vera Luiza da Costa e Silva exercendo a função de coordenar junto às partes do tratado ações pela implementação da CQCT nos países membros Apesar de não fazer parte formalmente das chamadas grandes convenções das Nações Unidas sobre direitos humanos a CQCT ao fazer alusão expressa em seu preâmbulo conecta se ao Artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais pelo qual se declara que toda pessoa tem direito de gozar o mais elevado nível de saúde física e mental Também são destacadas a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres adotada pela Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1979 e a Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 Além disso a CQCT destaca que no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde afirmase que o gozo do mais elevado nível de saúde que se possa alcançar é um dos direitos fundamentais de todo ser humano sem distinção de raça religião ideologia política condição econômica ou social 216 No Art 2º a CQCT faz a sua relação com outros acordos e instrumentos jurídicos deixando claro que deve ser interpretada como garantia mínima fazendo previsão de que as normas internas e as internacionais podem ser mais avançadas no controle do tabaco porém as regras da CQCT devem formar o conjunto mínimo de proteção Sendo certo que o objetivo da CQCT e de seus protocolos é proteger as gerações presentes e futuras das devastadoras consequências sanitárias sociais ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco proporcionando uma referência para as medidas de controle do tabaco a serem implementadas pelas Partes nos níveis nacional regional e internacional a fim de reduzir de maneira contínua e substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco art 3º Também há no documento a listagem dos seus Princípios norteadores no art 4º que são i informação ii governança multidimensional iii cooperação internacional iv construção de políticas públicas internas coordenadas v responsabilização pelos danos vi sustentabilidade e vii participação da sociedade civil Inovação importante no tratado é o Artigo 5º numeral 3 que nasce da preocupação relativa à aplicação de direitos humanos às empresas pois reconhece a influência das empresas na construção das normas internas e para evitar interferências indevidas determina que ao estabelecer e implementar suas políticas de saúde pública relativas ao controle do tabaco as Partes agirão para proteger essas políticas dos interesses comerciais ou outros interesses garantidos para a indústria do tabaco em conformidade com a legislação nacional Nos arts 6º e 7º é destacada a preocupação com o consumo do tabaco Assim há determinações relativas à criação de medidas relacionadas a preços e impostos para reduzir a demanda de tabaco além de medidas não relacionadas a preços para reduzir a demanda de tabaco Uma das primeiras disputas de direitos fundamentais nascidas após a vinculação do Brasil à CQCT é a relacionada com os ambientes livres de tabaco De acordo com o art 8º os Estados Partes devem garantir a proteção das pessoas contra a exposição à fumaça do tabaco indicando que deve ser proibida qualquer conduta que exponha as pessoas à fumaça o que faz nascer a necessidade dos ambientes livres de fumo em especial para proteção daquele que é chamado de fumante passivo Nesse campo nasce o embate entre o direito à saúde e a possibilidade de fumar As primeiras normas proibindo completamente o fumo em ambientes fechados coletivos foram subnacionais a começar pelo Estado de São Paulo em 2009 a Lei Estadual Paulista n 13541 de 7 de maio de 2009 Depois dela outras normas vieram A lei paulista foi alvo da ADI 4249 217 no STF que em setembro de 2019 está em trâmite O foco era a violação às normas constitucionais de competência no âmbito federativo Porém em 2011 a Lei n 12546 tornou nacional a proibição de fumar em ambiente fechado o que pode ter refletido no objeto da ADI No art 9º há determinação da regulamentação do conteúdo dos produtos de tabaco A partir desse dispositivo foram aprovadas diretrizes na Conferência das Partes nas reuniões de 2010 e 2012 sobre a necessidade de proibição de aditivos que possam aumentar o consumo do tabaco Com base em tais diretrizes foi aprovada em 2012 a RDC 14 da ANVISA 218 que regula o uso de aditivos em produtos de tabaco Tal resolução foi alvo da ADI 4874 na qual a Confederação Nacional da Indústria CNI pretendia a declaração de inconstitucionalidade do inciso XV do art 7º da Lei n 978299 e consequentemente invalidar norma da ANVISA RDC 142012 que proíbe o uso de aditivos em produtos de tabaco No plenário o resultado foi empate em 5 votos o que impediu a declaração de inconstitucionalidade pretendida reconhecendose a competência da ANVISA para regular a questão Em setembro de 2019 o Ministro Luiz Fux STF MC na Reclamação n36220 rel Min Luiz Fux suspendeu liminarmente decisão do TRF da 1ª Região que mantinha suspensa a RDC 1412 na mesma linha da Ministra Cármen Lúcia que suspendeu decisão semelhante do mesmo TRF da 1ª Região STF Reclamação n 32787 rel Min Cármen Lúcia No art 11 há determinação relativa à embalagem e etiquetagem de produtos de tabaco que levou à colocação de avisos nos maços de cigarros Debate importante junto ao Centro Internacional para Resolução de Controvérsias sobre Investimentos do Banco Mundial 219 sobre investimentos estrangeiros foi travado no caso Philip Morris v Uruguai 220 decidido em outubro de 2018 favoravelmente ao Uruguai que determinou restrições ao uso da marca de cigarro Além disso a empresa Philip Morris também foi derrotada em ação contra a Austrália relativa ao empacotamento genérico plain packaging do tabaco 221 As decisões sobre o empacotamento do tabaco seguem o art 11 da CQCT que determina que cada parte adotará e implementará de acordo com sua legislação nacional medidas efetivas para garantir que a a embalagem e a etiquetagem dos produtos de tabaco não promovam produto de tabaco de qualquer forma que seja falsa equivocada ou enganosa ou que possa induzir ao erro com respeito a suas características efeitos para a saúde riscos ou emissões incluindo termos ou expressões elementos descritivos marcas de fábrica ou de comércio sinais figurativos ou de outra classe que tenham o efeito direto ou indireto de criar a falsa impressão de que um determinado produto de tabaco é menos nocivo que outros São exemplos dessa promoção falsa equívoca ou enganosa ou que possa induzir a erro expressões como low tar baixo teor de alcatrão light ultra light ou mild suave e b cada carteira unitária e pacote de produtos de tabaco e cada embalagem externa e etiquetagem de tais produtos também contenham advertências descrevendo os efeitos nocivos do consumo do tabaco podendo incluir outras mensagens apropriadas No art 13 há regulação da publicidade promoção e patrocínio do tabaco determinando que a proibição total da publicidade da promoção e do patrocínio reduzirá o consumo de produtos de tabaco Em consonância com a CQCT em 1º outubro de 2018 Decreto n 9516 o Brasil promulgou o Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco de 12 de novembro de 2012 que foi celebrado a partir do art 15 da CQCT O diploma de controle do tabaco se preocupa ainda com a exposição do tabaco para venda permitindo publicidade apenas em pontos de venda Além disso no art 17 para construir alternativas à produção do tabaco há a determinação sobre o apoio a atividades alternativas economicamente viáveis para que o produtor não seja atingido pela restrição do consumo do tabaco No Brasil há a Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco e de seus Protocolos CONICQ criada por Decreto de 1º de agosto de 2003 222 A CONICQ tem o objetivo de promover o desenvolvimento a implementação e a avaliação de estratégias planos e programas assim como políticas legislações e outras medidas para o cumprimento das obrigações previstas na Convenção Quadro da OMS para o Controle do Tabaco art 2º IV do Decreto Assim os temas ligados a controle do tabaco devem ser analisados internamente pela CONICQ 223 QUADRO SINÓTICO Convenção Quadro de Controle do Tabaco Contexto Tratado ratificado e incorporado internamente Os motivos que impulsionaram a celebração do tratado foram principalmente i o reconhecimento de que a propagação da epidemia do tabagismo é um problema global com sérias consequências para a saúde pública ii o aumento do consumo e da produção mundial de cigarros e outros produtos de tabaco iii o fato de que o consumo e a exposição à fumaça do tabaco são causas de mortalidade morbidade e incapacidade iv os cigarros e outros produtos contendo tabaco são elaborados de maneira sofisticada de modo a criar e a manter a dependência Nesse contexto os Estados Partes demonstraram sua preocupação com o impacto que o tabaco causa em direitos humanos e nos orçamentos públicos Objetivo Seu objetivo básico é proteger as gerações presentes e futuras das consequências sanitárias sociais ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco proporcionando uma referência para as medidas de controle do tabaco a serem implementadas pelas Partes nos níveis nacional regional e internacional a fim de reduzir de maneira contínua e substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco Essência da Convenção A Convenção cria diversos deveres de proteção de direitos humanos relacionados ao uso do tabaco impactando na formatação das políticas públicas internas dos Estados Partes especialmente na promoção da saúde III O SISTEMA REGIONAL AMERICANO 1 A Carta da OEA e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem aspectos gerais do sistema Durante a 9ª Conferência Interamericana realizada em Bogotá entre 30 de março a 2 de maio de 1948 foram aprovadas a Carta da Organização dos Estados Americanos OEA e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem A Carta da OEA proclamou de modo genérico o dever de respeito aos direitos humanos por parte de todo Estadomembro da organização Já a Declaração Americana enumerou quais são os direitos fundamentais que deveriam ser observados e garantidos pelos Estados A Declaração Americana que é anterior à Declaração Universal dos Direitos Humanos reconheceu a universalidade dos direitos humanos ao expressar que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele cidadão ou nacional de um Estado mas sim de sua condição humana Preâmbulo da Declaração As disposições de direitos humanos da Carta da OEA estão previstas já no seu preâmbulo que estabelece que o verdadeiro sentido da solidariedade americana e da boa vizinhança não pode ser outro senão o de consolidar um regime de liberdade individual e de justiça social fundado no respeito dos direitos essenciais do homem Os Estados americanos reconhecem ainda os direitos fundamentais da pessoa humana sem fazer distinção de raça nacionalidade credo ou sexo art 3 alínea k Já o artigo 16 da Carta estipula que o desenvolvimento deve ser feito respeitandose os direitos da pessoa humana e os princípios da moral universal Finalmente o art 44 da Carta estabelece direitos sociais tais como o direito ao bemestar material o direito ao trabalho direito à livre associação direito à greve e à negociação coletiva direito à previdência social e à assistência jurídica para fazer valer seus direitos O art 48 estabelece o direito à educação considerado como fundamento da democracia da justiça social e do progresso Além desses dispositivos da Carta os Estadosmembros da OEA estão vinculados ao cumprimento dos direitos mencionados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem que é considerada interpretação autêntica dos dispositivos genéricos de proteção de direitos humanos da Carta da OEA conforme decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos Parecer Consultivo sobre interpretação da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem art 64 da Convenção 1989 45 Após a adoção da Carta da OEA e da Declaração Americana iniciouse um lento desenvolvimento da proteção interamericana de direitos humanos O primeiro passo foi a criação de um órgão especializado na promoção e proteção de direitos humanos no âmbito da OEA Na 5ª Reunião de consultas dos Ministros de Relações Exteriores realizada em Santiago do Chile em 1959 foi aprovada moção pela criação de um órgão voltado para a proteção de direitos humanos no seio da OEA que veio a ser a Comissão Interamericana de Direitos Humanos Pela proposta aprovada a Comissão funcionaria provisoriamente até a adoção de uma Convenção Interamericana de Direitos Humanos Após a edição do Protocolo de Buenos Aires em 1967 entrou em vigor em 1970 que emendou a Carta da OEA a Comissão passou a ser órgão principal da própria Organização dos Estados Americanos superando a debilidade inicial de ter sido criada por mera resolução adotada em reunião de Ministros Assim a Comissão incorporouse à estrutura permanente da OEA tendo os Estados a obrigação de responder aos seus pedidos de informação bem como cumprir em boafé com suas recomendações pois essas eram fundadas na própria Carta da OEA agora reformada A Comissão é composta de sete comissários que são pessoas de alta autoridade moral e notório saber na área de direitos humanos indicados por Estados da OEA e eleitos em escrutínio secreto pela Assembleia da organização para mandato de quatro anos com a possibilidade de uma recondução Apesar da indicação governamental os membros da Comissão atuam a título pessoal ou seja devem desempenhar suas funções com independência com base em suas convicções pessoais sem se ater a considerações políticas ou nacionais Em 2017 a professora brasileira Flávia Piovesan foi escolhida pela Assembleia Geral dos Estados da OEA a partir de indicação do governo brasileiro para ser membro da Comissão IDH com seu mandato iniciandose em janeiro de 2018 Atualmente a OEA possui dois órgãos voltados à promoção de direitos humanos a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Conselho Interamericano para o Desenvolvimento Integral Incumbe à Comissão Interamericana de Direitos Humanos a tarefa principal de responsabilização dos Estados por descumprimento dos direitos civis e políticos expressos na Carta e na Declaração Americana Já o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral deve zelar pela observância dos chamados direitos econômicos sociais e culturais O próximo salto no desenvolvimento do sistema interamericano de proteção de direitos humanos foi a aprovação do texto da Convenção Americana de Direitos Humanos em São José Costa Rica em 1969 A Convenção entretanto só entrou em vigor em 1978 após ter obtido o mínimo de 11 ratificações Essa Convenção além de dotar a já existente Comissão Interamericana de Direitos Humanos de novas atribuições criou a Corte Interamericana de Direitos Humanos como o segundo órgão de supervisão do sistema interamericano de direitos humanos Em relação aos direitos protegidos a Convenção aprofundou a redação dos direitos enunciados na Declaração Americana vinculando os Estados a Declaração Americana era tida como um texto não vinculante por não ser um tratado propriamente dito A partir da entrada em vigor da Convenção a Comissão passou a ter papel dúplice Em primeiro lugar continuou a ser um órgão principal da OEA encarregado de zelar pelos direitos humanos de modo amplo incumbido até mesmo do processamento de petições individuais retratando violações de direitos humanos protegidos pela Carta da OEA e pela Declaração Americana Em segundo lugar a Comissão passou a ser também órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos analisando petições individuais e interpondo ação de responsabilidade internacional contra um Estado perante a Corte 224 Caso o Estado não tenha ratificado ainda a Convenção ou caso tenha ratificado mas não tenha reconhecido a jurisdição obrigatória da Corte a Comissão insere suas conclusões sobre a petição individual no seu Informe Anual que será apreciado pela Assembleia Geral da OEA Além da Convenção Americana de Direitos Humanos o sistema interamericano conta com diversos instrumentos internacionais que protegem direitos específicos O mais importante deles é sem dúvida o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Diretos Econômicos Sociais e Culturais Protocolo de San Salvador adotado em 1988 e ratificado pelo Brasil em 1996 Em uma região marcada por desigualdades sociais e pelo contraste entre a riqueza ostensiva de poucos e a miséria de milhões o Protocolo Adicional veio ao encontro da necessidade de aferir o cumprimento dos direitos sociais em sentido amplo pelo Estado Quanto aos demais instrumentos internacionais do sistema interamericano de direitos humanos citese entre outros a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir o Crime de Tortura adotada em 1985 e ratificada pelo Brasil em 1989 o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos relativo à Abolição da Pena de Morte adotado em 1990 e ratificado pelo Brasil em 1996 a Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher adotada em 1994 em Belém do Pará Brasil e ratificada pelo Brasil em 1995 e a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas adotada em 1994 e já ratificada pelo Brasil 2 Atuação específica da Organização dos Estados Americanos OEA 21 A OEA E A VALORIZAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA Entre as várias atuações específicas da OEA na área dos direitos humanos destacase a valorização do trabalho dos defensores públicos na promoção de direitos humanos Nesse sentido foi editada pela OEA a Resolução n 26562011 intitulada garantias de acesso à justiça o papel dos defensores públicos oficiais na qual se enfatizou a importância do trabalho realizado pelos defensores públicos oficiais em diversos países do Hemisfério na defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos que assegura o acesso de todas as pessoas à justiça sobretudo daquelas que se encontram em situação especial de vulnerabilidade A OEA recomendou pela resolução aos Estados como o Brasil que já disponham do serviço de assistência jurídica gratuita que adotem medidas garantindo aos defensores públicos oficiais independência e autonomia funcional Também incentivou os Estados membros que ainda não disponham da instituição da defensoria pública oficial o chamado modelo brasileiro que considerem a possibilidade de criála em seus ordenamentos jurídicos e ainda pugnou pela celebração de convênios para a capacitação e formação de defensores públicos oficiais Em 2012 a OEA editou a Resolução n 2714 de 2012 ressaltando a necessidade dos Estados americanos em assegurar o acesso à justiça bem como garantir a independência e autonomia funcional da Defensoria Pública Apesar de não possuírem força vinculante essas resoluções indicam a posição da OEA sobre as defensorias delineando o dever dos Estados de promover os direitos humanos por intermédio da adoção do modelo de defensoria pública oficial 22 OS RELATÓRIOS ANUAIS E RELATORIA PARA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO A Organização dos Estados Americanos criou ao longo dos anos Relatorias sobre temas de direitos humanos vinculadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos A mais importante dessas Relatorias é a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão criada em 1997 e com caráter permanente independência funcional e estrutura própria que inclusive conta com financiamento externo A criação dessa Relatoria permanente busca incentivar a plena liberdade de expressão e informação nas Américas direito essencial para o enraizamento da democracia em Estados de passado ditatorial recente a maior parte dos Estados americanos vivenciaram períodos longos de ditaduras no século XX Cabe à Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão 1 elaborar relatório anual sobre a situação da liberdade de expressão nas Américas e apresentálo à Comissão para apreciação e futura inclusão no Relatório Anual da Comissão IDH à Assembleia Geral da OEA 2 preparar relatórios temáticos 3 obter informações e realizar atividades de promoção e capacitação sobre a temática 4 acionar imediatamente a Comissão a respeito de situações urgentes para que estude a adoção de medidas cautelares ou solicite a adoção à Corte Interamericana de Direitos Humanos e 5 remeter informação à Comissão para instruir casos individuais relacionados com a liberdade de expressão Em síntese há as seguintes Relatorias da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA com ano de criação 225 a Relatoria sobre os direitos das mulheres 1994 b Relatoria sobre os direitos dos migrantes 1996 c Relatoria sobre os direitos da criança 1998 d Relatoria sobre os direitos de lésbicas gays bissexuais trans e intersexuais LGBTI 2011 e Relatoria sobre os direitos das pessoas privadas de liberdade 2004 f Relatoria sobre os direitos das pessoas afrodescendentes e contra a discriminação racial 2005 g Relatoria sobre os direitos dos povos indígenas 1990 h Relatoria sobre os defensores e defensoras de direitos humanos 2001 i Relatoria Especial sobre Liberdade de Expressão 1997 j Relatoria Especial sobre os direitos econômicos sociais e culturais 2012 k Unidade sobre memória verdade e justiça transformada em 2019 em Relatoria de Memória Verdade e Justiça l Unidade sobre direitos das pessoas com deficiência m Unidade sobre os direitos dos idosos As relatorias temáticas podem ser coordenadas por um Comissionado comissário ou mesmo por um especialista especialmente escolhido pela Comissão casos na atualidade da Relatoria Especial sobre Liberdade de Expressão e da Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais Cada comissionado comissário é também relator geográfico para determinado grupo de países membros da OEA Apesar de não possuírem força vinculante e serem considerados meras recomendações os relatórios temáticos são amplamente divulgados e podem servir para que a Comissão IDH venha a processar os Estados infratores perante a Corte IDH ver abaixo Por isso em 2011 o Equador sugeriu uma série de mudanças na Comissão IDH que atingem diretamente a Relatoria sobre liberdade de expressão Entre as mudanças pretendidas mas não adotadas em virtude de forte crítica de movimentos organizados de direitos humanos estava a eliminação dos relatórios temáticos com a elaboração de um relatório anual único da Comissão IDH que incorporaria as recomendações dos relatores 3 Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica A Convenção Americana de Direitos Humanos CADH ou Pacto de San José da Costa Rica foi adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos por ocasião da Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos de 22 de novembro de 1969 em São José na Costa Rica Entrou em vigor internacional somente em 18 de julho de 1978 conforme determinava o 2º de seu art 74 após ter obtido 11 ratificações Em 2019 a Convenção conta com 23 Estados partes 226 entre os 35 Estados independentes das Américas após a denúncia de Trinidad e Tobago 1998 e da Venezuela 2012 227 Em seu preâmbulo a Convenção ressalta o reconhecimento de que os direitos essenciais da pessoa humana derivam não da nacionalidade mas sim da sua condição humana o que justifica a proteção internacional de natureza convencional coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados O ideal do ser humano livre do temor e da miséria só pode ser realizado se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar não só dos seus direitos civis e políticos mas também dos seus direitos econômicos sociais e culturais O Brasil aderiu à Convenção em 9 de julho de 1992 depositou a carta de adesão em 25 de setembro de 1992 e a promulgou por meio do Decreto n 678 de 6 de novembro do mesmo ano O ato multilateral entrou em vigor para o Brasil em 25 de setembro de 1992 data do depósito de seu instrumento de ratificação art 74 2º A Convenção Americana é composta por 82 artigos divididos em três partes Parte I sobre os Deveres dos Estados e Direitos Protegidos a Parte II sobre os Meios de Proteção e a Parte III sobre as Disposições Gerais e Transitórias A Parte I portanto enuncia os deveres impostos aos Estados Partes por meio da Convenção e os direitos por ela protegidos O Capítulo I enumera os deveres dos Estados respeitar os direitos e garantilos adotando disposições protetivas de direito interno O primeiro dos deveres portanto é a obrigação de respeitar os direitos e as liberdades reconhecidos na Convenção e de garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição sem discriminação alguma por motivo de raça cor sexo idioma religião opiniões políticas ou de qualquer outra natureza origem nacional ou social posição econômica nascimento ou qualquer outra condição social art 1º Explicitase nesse ponto que para efeitos da Convenção pessoa é todo ser humano O segundo dos deveres enunciados é o de adotar disposições de direito interno medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades caso o seu exercício ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza art 2º O Capítulo II enuncia os direitos civis e políticos garantidos pela Convenção Devese observar que a Convenção conferiu ênfase a tais direitos apresentando um largo rol de direitos civis e políticos protegidos e explicitando situações decorrentes de sua proteção O art 3º inicia o rol anunciando o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica conferido a toda pessoa O art 4º por sua vez reconhece o direito à vida Nesse sentido expõese que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida o qual deve ser protegido por lei e em geral desde o momento da concepção Assim ninguém pode ser privado de sua vida arbitrariamente A possibilidade de autorização legal de hipóteses de aborto ou eutanásia não foi vedada pela Convenção mas deve ser regrado de modo fundamentado como exceção à proteção geral da vida desde a concepção Como decorrência do reconhecimento do direito à vida a Convenção dispõe que nos países em que a pena de morte não tiver sido abolida esta poderá ser imposta apenas para delitos mais graves após a sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena promulgada antes de haver o delito sido cometido A pena de morte não poderá ter sua aplicação estendida aos delitos aos quais não se aplique no momento da ratificação do tratado e nos Estados Partes que a tenham abolido não poderá ser restabelecida Em nenhum caso poderá ser aplicada a delitos políticos ou a delitos comuns conexos com políticos Ademais a Convenção determina que não se deve impor a pena de morte a pessoa que no momento do cometimento do delito for menor de 18 anos ou maior de 70 nem se pode aplicála a mulher grávida Finalmente garantese que toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia indulto ou comutação da pena os quais podem ser concedidos em todos os casos Enquanto tal pedido estiver pendente de decisão perante a autoridade competente a pena de morte não pode ser executada O art 5º dispõe sobre o direito à integridade pessoal Nesse sentido enunciase que toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física psíquica e moral não podendo qualquer pessoa ser submetida a torturas nem a penas ou tratos cruéis desumanos ou degradantes Como decorrência desse direito a Convenção determina que toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano e que a pena não pode passar da pessoa do delinquente Ademais os processados devem ficar separados dos condenados salvo em circunstâncias excepcionais devendo ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas e os menores devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado com a maior rapidez possível para seu tratamento Finalmente o art 5º determina que as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a ressocialização dos condenados No art 6º a Convenção veda a submissão de qualquer pessoa a escravidão ou servidão que são proibidas em todas as suas formas assim como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres Ademais ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório Entretanto nos países em que se prevê a pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados essa disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o cumprimento dessa pena imposta por um juiz ou tribunal competente De qualquer forma o trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso A Convenção explicita as situações que não podem ser consideradas como trabalhos forçados ou obrigatórios serviço militar e nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência qualquer serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele serviço exigido em casos de perigo ou de calamidade que ameacem a existência ou o bemestar da comunidade trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais Além disso os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente não podem ser considerados como trabalhos forçados ou obrigatórios mas devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado No art 7º garantese que toda pessoa tem direito à liberdade e segurança pessoais Nesse sentido a Convenção prevê que ninguém pode ser privado de sua liberdade física salvo por causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições dos Estados ou pelas leis conformes com elas Ademais ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários e toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada sem demora da acusação ou das acusações formuladas contra ela A pessoa nessas condições deve também ser conduzida sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade sem prejuízo de que prossiga o processo 228 Entretanto sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo A Convenção garante ainda a toda pessoa privada da liberdade o direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sem demora sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e de que se ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais Nos Estados Partes que contemplem a previsão de que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente este recurso não pode ser restringido nem abolido e poderá ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa Finalmente como decorrência do direito à liberdade e segurança pessoais o art 7º estabelece que ninguém deve ser detido por dívidas salvo os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar Observese que essa disposição da Convenção foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro por ocasião da decisão sobre a impossibilidade de prisão civil por dívidas do depositário infiel 229 hipótese viabilizada pela Constituição brasileira art 5º LXVII mas não prevista na Convenção Americana O STF decidiu que a subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel HC 87585 rel Min Marco Aurélio j 3122008 Plenário DJe de 2662009 O art 8º por sua vez enuncia as garantias judiciais contempladas pela Convenção Assim garantese a toda pessoa o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou Tribunal competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra natureza Toda pessoa acusada de um delito tem também o direito à presunção de inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa Ademais toda pessoa tem direito durante o processo de ser assistida gratuitamente por um tradutor ou intérprete caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada direito de lhe serem concedidos o tempo e os meios necessários à preparação da defesa direito de defenderse pessoalmente ou de ser assistida por um defensor de sua escolha e de comunicarse livremente e em particular com seu defensor direito de ser assistida por um defensor proporcionado pelo Estado remunerado ou não segundo a legislação interna se acusada não se defender ela própria nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento como testemunhas ou peritos de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos direito de não ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessarse culpada e direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior O direito ao duplo grau de jurisdição previsto no Pacto de San José não é pleno no Brasil pois a própria Constituição de 1988 prevê casos de competência criminal originária de Tribunais cujas decisões não podem ser questionadas por recursos de cognição ampla Isso sem contar os casos de competência original criminal do próprio STF cujas decisões não podem ser questionadas de qualquer forma perante outro Tribunal doméstico Para o STF se bem é verdade que existe uma garantia ao duplo grau de jurisdição por força do Pacto de São José também é fato que tal garantia não é absoluta e encontra exceções na própria Carta AI 601832AgR voto do rel Min Joaquim Barbosa j 1732009 Segunda Turma DJe de 34 2009 Garantese também que a confissão do acusado só será válida se feita sem coação de nenhuma natureza e que o acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos Finalmente a Convenção estabelece que o processo penal deve ser público salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça No art 9º garantese o princípio da legalidade e da retroatividade da lei penal benéfica Assim a Convenção estabelece que ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que no momento em que foram cometidos não constituam delito de acordo com o direito aplicável Ademais não se pode impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito e se após o cometimento do delito a lei estabelecer a imposição de pena mais leve o indivíduo será beneficiado O art 10 determina que toda pessoa tem direito a ser indenizada por erro judiciário conforme a lei no caso de haver sido condenada em sentença transitada em julgado O art 11 por sua vez voltase ao direito à proteção da honra e da dignidade Assim a Convenção reconhece que toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade de forma que ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada em sua família em seu domicílio ou em sua correspondência nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação Nesse sentido garantese também o direito de toda pessoa à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas Já o art 12 garante a liberdade de consciência e de religião a toda pessoa A Convenção explicita que esse direito implica a liberdade de conservar ou mudar sua religião ou suas crenças bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças individual ou coletivamente tanto em público como privadamente Nesse sentido não se pode submeter qualquer pessoa a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças ou de mudálas e os pais e quando for o caso os tutores têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções Essa liberdade pode ficar sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança a ordem a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas O art 13 contempla o direito de toda pessoa à liberdade de pensamento e de expressão que inclui a liberdade de procurar receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza sem considerações de fronteiras verbalmente ou por escrito ou em forma impressa ou artística ou por qualquer meio de sua escolha Pela Convenção esse direito não pode estar sujeito à censura prévia mas a responsabilidades ulteriores que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas e a proteção da segurança nacional da ordem pública ou da saúde ou da moral públicas Também não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões De outro lado a lei poderá submeter os espetáculos públicos a censura prévia com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles para proteção moral da infância e da adolescência e deverá proibir toda propaganda a favor da guerra bem como toda apologia ao ódio nacional racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação à hostilidade ao crime ou à violência Observese que a manifestação da Corte Interamericana de Direitos Humanos órgão judicial criado pelo próprio Pacto de San José sobre esse dispositivo da Convenção foi utilizada pelos Ministros do STF como fundamento para declarar não recepcionada pela Constituição de 1988 a exigência de diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista Na ementa do RE 511961 rel Min Gilmar Mendes j 1762009 Plenário DJe de 13112009 sintetizouse o fundamento A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão no dia 13 de novembro de 1985 declarando que a obrigatoriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da profissão de jornalista viola o art 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos que protege a liberdade de expressão em sentido amplo caso La colegiación obligatoria de periodistas Opinião Consultiva OC585 de 13 de novembro de 1985 230 O art 14 por sua vez versa sobre o direito de retificação ou resposta Assim explicitase que toda pessoa atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral tem direito a fazer pelo mesmo órgão de difusão sua retificação ou resposta nas condições que estabeleça a lei Tal retificação ou resposta não exime em nenhum caso de outras responsabilidades legais em que se houver incorrido Ademais para garantir a efetiva proteção da honra e da reputação a Convenção determina que toda publicação ou empresa jornalística cinematográfica de rádio ou televisão deve ter uma pessoa responsável que não seja protegida por imunidades nem goze de foro especial No art 15 reconhecese o direito de reunião pacífica e sem armas cujo exercício só pode estar sujeito às restrições previstas em lei e que se façam necessárias em uma sociedade democrática ao interesse da segurança nacional da segurança ou ordem públicas ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas O art 16 versa sobre a liberdade de associação Assim garantese a todas as pessoas o direito de associarse livremente com fins ideológicos religiosos políticos econômicos trabalhistas sociais culturais desportivos ou de qualquer outra natureza Restrições a esse direito também devem estar previstas em lei e somente podem ser impostas se forem necessárias em uma sociedade democrática ao interesse da segurança nacional da segurança e da ordem públicas ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas Entretanto tal disposição não impede a imposição de restrições legais ou a privação do exercício do direito de associação aos membros das forças armadas e da polícia No art 17 a Convenção cuida da proteção da família apresentandoa como o núcleo natural e fundamental da sociedade que deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado Reconhecese o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de constituírem uma família se tiverem a idade e as condições para tanto exigidas pelas leis internas na medida em que não afetem estas o princípio da não discriminação estabelecido na Convenção A Convenção prevê também que o casamento não pode ser celebrado sem o consentimento livre e pleno dos contraentes e que a lei deve reconhecer iguais direitos tanto aos filhos nascidos fora do casamento como aos nascidos dentro do casamento Por meio da Convenção os Estados se comprometem a adotar as medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e a adequada equivalência de responsabilidades dos cônjuges quanto ao casamento durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução e neste caso devem ser adotadas disposições que assegurem a proteção necessária aos filhos com base unicamente no interesse e conveniência deles A Convenção garante ainda que toda pessoa tem direito a um prenome e aos nomes de seus pais ou ao de um destes devendo a lei regular a forma de assegurar a todos esse direito ainda que mediante nomes fictícios se for necessário art 18 O art 19 por sua vez busca assegurar que toda criança tenha direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua família da sociedade e do Estado No art 20 garantese a toda pessoa o direito a uma nacionalidade O direito à nacionalidade do Estado é garantido a toda pessoa em cujo território houver nascido se não tiver direito a outra não se podendo privar arbitrariamente qualquer pessoa de sua nacionalidade nem do direito de mudála Ressaltese que o Pacto de San José é ousado ao dispor que o Estado Parte deve dar a sua nacionalidade a quem tiver nascido no seu território caso a pessoa não tiver direito a outra eliminase assim a condição de apátrida O art 21 assegura o direito à propriedade privada Nesse sentido toda pessoa tem o direito ao uso e gozo de seus bens mas a lei pode subordinálos ao interesse social A Convenção assegura que ninguém poderá ser privado de seus bens salvo mediante o pagamento de indenização justa por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei Ademais a usura ou qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei O art 22 por sua vez garante o direito de circulação e de residência Assim toda pessoa que se encontre legalmente no território de um Estado tem o direito de nele livremente circular e de nele residir em conformidade com as disposições legais bem como o direito de sair livremente de qualquer país inclusive do seu próprio O exercício desses direitos não pode ser restringido senão em virtude de lei na medida indispensável em uma sociedade democrática para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional a segurança ou a ordem pública a moral ou a saúde públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas Ademais restrições também podem ser feitas pela lei em zonas determinadas por motivo de interesse público A Convenção determina que ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional nem ser privado do direito de nele entrar Ademais determina que o estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estado Parte só poderá ser expulso dele em decorrência de decisão adotada em conformidade com a lei Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país seja ou não de origem onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça nacionalidade religião condição social ou de suas opiniões políticas consagrando o princípio do nonrefoulement na Convenção Americana de Direitos Humanos Ademais proíbese a expulsão coletiva de estrangeiros A Convenção garante ainda que toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos de acordo com a legislação de cada Estado e com as Convenções internacionais No art 23 são garantidos os direitos políticos Assim a Convenção estabelece que todos os cidadãos devem gozar dos direitos e oportunidades de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos de votar e ser eleito em eleições periódicas autênticas realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores e de ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país O exercício de tais direitos e oportunidades pode ser regulado por lei exclusivamente por motivo de idade nacionalidade residência idioma instrução capacidade civil ou mental ou condenação por juiz competente em processo penal 231 No art 24 a Convenção garante o direito à igualdade perante a lei de forma que todas as pessoas têm direito sem discriminação alguma a igual proteção da lei O art 25 versa sobre a proteção judicial Assim garantese que toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo perante os juízes ou tribunais competentes que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição pela lei ou pela Convenção mesmo quando a violação for cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais Para tanto os Estados assumem o compromisso de assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso de desenvolver as possibilidades de recurso judicial e de assegurar o cumprimento pelas autoridades competentes de toda decisão em que se tenha julgado procedente o recurso O Capítulo III composto apenas pelo art 26 versa sobre os direitos econômicos sociais e culturais mencionando o compromisso dos Estados Partes de adotar providências tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional para alcançar progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas sociais e sobre educação ciência e cultura constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos na medida dos recursos disponíveis por via legislativa ou por outros meios apropriados A Convenção redigida em 1969 deu ênfase à implementação dos direitos civis e políticos apenas mencionando o vago compromisso dos Estados com o desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos sociais e culturais Posteriormente esses direitos foram objeto do Protocolo de San Salvador Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1988 quase vinte anos depois do Pacto de San José Já o Capítulo IV arts 27 a 29 cuida da suspensão interpretação e aplicação da Convenção O art 27 dispõe ser possível ao Estado Parte suspender as obrigações assumidas em virtude da Convenção em caso de guerra de perigo público ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado e desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações impostas pelo Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça cor sexo idioma religião ou origem social Todo Estado que fizer uso desse direito de suspensão deve comunicar imediatamente por meio do SecretárioGeral da OEA aos outros Estados Partes na Convenção sobre as disposições cuja aplicação foi suspensa os motivos determinantes da suspensão e a data em que foi finalizada Observese que essa autorização não permite a suspensão dos seguintes direitos direito ao reconhecimento da personalidade jurídica direito à vida direito à integridade pessoal proibição da escravidão e da servidão princípio da legalidade e da retroatividade liberdade de consciência e religião proteção da família direito ao nome direitos da criança direito à nacionalidade e direitos políticos nem permite a suspensão das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos O art 28 disciplina a chamada cláusula federal quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado Federal o governo nacional deve cumprir todas as disposições da Convenção relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial Para as disposições relativas a matérias cuja competência é atribuída a entidades componentes da federação o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinentes em conformidade com sua Constituição e com suas leis para que as autoridades competentes de tais entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento da Convenção A Corte Interamericana de Direitos Humanos interpretou restritivamente esse dispositivo que não exonera o Estado Federal de cumprir a Convenção em todo o seu território No caso brasileiro não poderia o Brasil alegar não ter responsabilidade sobre um ato de um Estadomembro ou município da Federação brasileira É o Estado como um todo que possui personalidade jurídica de Direito Internacional não podendo como é óbvio alegar óbice de direito interno para se eximir de sua responsabilidade Corte Interamericana de Direitos Humanos Parecer Consultivo sobre o direito à informação sobre a assistência consular em relação às garantias do devido processo legal Parecer Consultivo n 1699 de 1º101999 Série A n 16 O art 29 traz as normas de interpretação Determina que nenhuma disposição da Convenção pode ser interpretada para permitir a qualquer dos Estados grupo ou indivíduo suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá los em maior medida do que a nela prevista Ademais a interpretação não pode limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados não pode excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo e não pode excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza Consagrase nesse dispositivo o princípio da norma mais favorável ao indivíduo ou seja entre duas normas não importando a origem se nacional ou internacional cabe ao intérprete adotar a norma mais protetiva ao indivíduo veja acima a impossibilidade de invocação desse princípio na atualidade de colisão de direitos O art 30 por sua vez dispõe sobre o alcance das restrições ao gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos da Convenção Nesse sentido determinase que as restrições permitidas de acordo com a Convenção não podem ser aplicadas senão de acordo com leis que forem promulgadas por motivo de interesse geral e com o propósito para o qual houverem sido estabelecidas O art 31 enfim dispõe que outros direitos e liberdades reconhecidos de acordo com os processos estabelecidos nos arts 69 e 70 podem ser incluídos no regime de proteção da Convenção O Capítulo V composto pelo art 32 cuida da correlação entre direitos e deveres Assim dispõe que toda pessoa tem deveres para com a família a comunidade e a humanidade e os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum em uma sociedade democrática Fica patente aqui a adoção da dupla dimensão dos direitos humanos dimensão subjetiva e dimensão objetiva conforme já visto acima na Parte I desta obra Na Parte II a Convenção Americana prevê os meios de proteção O Capítulo VI composto apenas pelo art 33 prevê os órgãos competentes para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados Partes na Convenção a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos Observese que a Corte Interamericana foi criada pela Convenção mas a Comissão Interamericana já existia como visto acima Dessa forma a Convenção apenas ampliou suas atribuições O Capítulo VII arts 34 a 51 estabelece a organização as funções a competência da Comissão determinando também como deve ser conduzido o processo em seu âmbito Com a Convenção a Comissão passou a ter um papel dúplice órgão principal da OEA encarregado de zelar pelos direitos humanos e órgão da Convenção Americana A atuação da Comissão é idêntica nos dois âmbitos Entretanto apenas no âmbito da Convenção há possibilidade de processar o Estado infrator perante a Corte IDH Observese que o Governo brasileiro ao depositar a carta de adesão à Convenção Americana fez a declaração interpretativa de que os arts 43 e 48 alínea d não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos as quais dependerão da anuência expressa do Estado 232 Assim caso a Comissão queira fazer visitas ao território brasileiro deve obter a anuência prévia do nosso governo O Capítulo VIII arts 52 a 69 por sua vez determina a organização a competência as funções e o processo da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH cuja sede é em San José da Costa Rica sendo por isso denominada Corte de San José 233 O Capítulo IX finalmente apresenta as disposições comuns a ambas que dizem respeito aos juízes e membros da Corte gozo das mesmas imunidades reconhecidas aos agentes diplomáticos pelo Direito Internacional privilégios diplomáticos impossibilidade de responsabilização por votos ou opiniões no exercício da função incompatibilidade com atividades que possam afetar independência e imparcialidade recebimento de honorários e despesas de viagem e sanções aplicáveis Por fim a Parte III contempla as disposições gerais e transitórias O Capítulo X arts 74 a 78 versa sobre assinatura ratificação reserva emenda e denúncia A denúncia consiste no ato unilateral do Estado pelo qual é manifestada sua vontade de não mais vincularse a determinado tratado A denúncia ao Pacto de San José é prevista no art 78 pelo qual o Estado deve conceder o aviso prévio de um ano notificando o SecretárioGeral da Organização o qual deve informar as outras partes Nesse ano de aviso prévio o Estado deve cumprir normalmente seus deveres de proteção de direitos humanos estando ainda obrigado a obedecer as determinações da Corte IDH a respeito das violações cometidas por ele anteriormente à data na qual a denúncia produzir efeito Assim é possível que a Corte IDH ainda julgue casos contra a Venezuela que denunciou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 2012 caso os fatos estejam abrangidos pelo período no qual a Venezuela era parte e reconhecia a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte acrescido do ano de aviso prévio Já o Capítulo XI arts 79 a 82 divididos em duas seções versa sobre as disposições transitórias que tinham por fim permitir que com a entrada em vigor da Convenção fossem apresentados e eleitos os membros da Comissão e os juízes da Corte QUADRO SINÓTICO Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica Aprofundou a redação dos direitos enunciados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem mas vinculando os Estados Principais direitos protegidos DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica Direito à vida o que incluiu a impossibilidade de restabelecimento da pena de morte para os países que a aboliram Direito à integridade pessoal integridade física psíquica e moral Proibição da escravidão e da servidão Direito à liberdade e à segurança pessoais Garantias judiciais direito de ser ouvido por tribunal competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei presunção de inocência direito de tempo e meios necessários para a defesa direito de ser assistido por defensor direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo direito de recorrer a tribunal superior dentre outros Princípio da legalidade e da retroatividade Direito à indenização por erro judiciário Proteção da honra e da dignidade Liberdade de consciência e de religião Liberdade de pensamento e de expressão Direito de retificação ou resposta Direito de reunião Liberdade de associação Proteção da família Direito ao nome Direitos da criança Direito à nacionalidade Direito à propriedade privada Direito de circulação e de residência Direitos políticos Igualdade perante a lei Proteção judicial DIREITOS ECONÔMICOS SOCIAIS E CULTURAIS mencionase apenas o compromisso dos Estados Partes com seu desenvolvimento progressivo Posteriormente foi o Protocolo de San Salvador que versou sobre esses direitos Meios de proteção Comissão Interamericana de Direitos Humanos observação possui papel dúplice no sistema interamericano órgão da OEA e órgão da Convenção Americana sede em Washington sede da OEA Corte Interamericana de Direitos Humanos sede em San José da Costa Rica também chamada Corte de San José 4 Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos sociais e culturais Protocolo de San Salvador O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais conhecido como Protocolo de San Salvador foi adotado pela Assembleia Geral da OEA em 17 de novembro de 1988 em São Salvador El Salvador sendo voltado aos direitos econômicos sociais e culturais garantidos no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos O Protocolo possui em 2019 16 Estados partes entre os 35 Estados independentes das Américas O Congresso Nacional brasileiro aprovou o ato por meio do Decreto Legislativo n 56 de 19 de abril de 1995 O Brasil aderiu ao Protocolo em 8 de agosto de 1996 e o ratificou em 21 de agosto de 1996 entrando o ato em vigor para o Brasil em 16 de novembro de 1999 Finalmente deuse a promulgação por meio do Decreto n 3321 de 30 de dezembro de 1999 Em seu preâmbulo o Protocolo ressalta a estreita relação existente entre os direitos econômicos sociais e culturais os direitos civis e políticos uma vez que as diferentes categorias de direito constituem um todo indissolúvel que protege a dignidade humana As duas categorias de direitos exigem uma tutela e promoção permanentes com o objetivo de conseguir sua vigência plena sem que jamais possa ser justificável a violação de uns a pretexto da realização de outros O Protocolo é composto por 22 artigos não divididos expressamente em seções mas que podem ser assim classificados i obrigações dos Estados arts 1º a 3º ii restrições permitidas e proibidas e seu alcance arts 4º e 5º iii direitos protegidos arts 6º a 18 iv meios de proteção art 19 disposições finais arts 20 a 22 No art 1º o Protocolo estabelece a obrigação de adotar medidas necessárias de ordem interna ou por meio de cooperação entre os Estados até o máximo dos recursos disponíveis e levando em conta o grau de desenvolvimento do Estado a fim de conseguir progressivamente e de acordo com a legislação interna a plena efetividade dos direitos nele reconhecidos No art 2º determinase ainda a obrigação de os Estados Partes adotarem as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos esses direitos Vêse o linguajar tímido que permite ao Estado implementar os direitos sociais previstos no Protocolo de maneira lenta e progressiva Por sua vez o art 3º fixa a obrigação de não discriminação ou seja os Estados se comprometem a garantir o exercício dos direitos enunciados no Pacto sem discriminação alguma por motivo de raça cor sexo idioma religião opiniões políticas ou de qualquer outra natureza origem nacional ou social posição econômica nascimento ou qualquer outra condição social O art 4º ressalta que não se admite restrição ou limitação de qualquer dos direitos reconhecidos ou vigentes em um Estado em virtude de sua legislação interna ou de convenções internacionais sob pretexto de que o Protocolo não os reconhece ou os reconhece em menor grau Novamente fica aqui consagrado o princípio da norma mais favorável ao indivíduo Restrições ou limitações ao gozo ou ao exercício dos direitos estabelecidos no Protocolo só poderão ser estabelecidas mediante leis promulgadas que tenham por objetivo a preservação do bemestar geral da sociedade democrática na medida em que não contrariem o propósito e razão dos mesmos art 5º A partir do art 6º o Protocolo passa a enunciar os direitos nele protegidos O primeiro deles é o direito de toda pessoa ao trabalho que inclui a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita livremente escolhida ou aceita art 6º Nesse sentido os Estados se comprometem a adotar medidas que garantam a plena efetividade desse direito especialmente quanto à consecução do pleno emprego à orientação vocacional e ao desenvolvimento de projetos de treinamento técnico profissional particularmente os destinados às pessoas com deficiência Comprometemse ainda a executar e fortalecer programas que auxiliem o adequado atendimento da família para que se possa dar à mulher a real possibilidade de exercer esse direito Os Estados devem ainda reconhecer que esse direito pressupõe que toda pessoa goze do mesmo em condições justas equitativas e satisfatórias no trabalho art 7º Nesse sentido os Estados devem garantir em sua legislação nacional uma remuneração que assegure no mínimo a todos os trabalhadores condições de subsistência digna e um salário equitativo e igual por trabalho idêntico sem nenhuma distinção Devem assegurar ainda o direito de todo trabalhador de seguir sua vocação de dedicarse à atividade que melhor atenda a suas expectativas e de trocar de emprego de acordo com a respectiva regulamentação nacional Ainda devem assegurar o direito do trabalhador à promoção ou avanço no trabalho à segurança e higiene ao repouso ao gozo do tempo livre a férias remuneradas a remuneração nos feriados nacionais e a limitação razoável das horas de trabalho que deverão ser ainda mais reduzidas quando se tratar de trabalhos perigosos insalubres ou noturnos Devem também garantir a estabilidade no emprego de acordo com as características das profissões e nos casos de demissão injustificada o direito a indenização ou a readmissão no emprego ou outras prestações previstas pela legislação nacional Finalmente devem proibir o trabalho noturno ou em atividades insalubres e perigosas para os menores de 18 anos e em geral todo trabalho que possa pôr em perigo sua saúde segurança ou moral Se se tratar de menores de 16 anos a jornada de trabalho deve subordinarse às disposições sobre ensino obrigatório e em nenhum caso pode constituir impedimento à assistência escolar ou limitação para beneficiarse da instrução recebida O art 8º versa sobre os direitos sindicais Assim os Estados devem garantir o direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiarse ao de sua escolha para proteger e promover seus interesses de outro lado ninguém poderá ser obrigado a pertencer a um sindicato Devem também permitir que os sindicatos formem federações e confederações nacionais que se associem aos já existentes bem como que formem organizações sindicais internacionais e que se associem à de sua escolha e ainda que funcionem livremente Garantese também o direito de greve Limitações e restrições a tais direitos seguem as condições abaixo expostas a devem estar previstas somente em lei b devem ser apenas aquelas próprias a uma sociedade democrática e necessárias para salvaguardar i a ordem pública e ii proteger a saúde ou a iii moral pública e os iv direitos ou liberdades dos demais c ademais os membros das forças armadas da polícia e de outros serviços públicos essenciais estarão sujeitos às limitações e restrições impostas pela lei Nessa linha o STF reconheceu com repercussão geral que o exercício do direito de greve sob qualquer forma ou modalidade é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública Por outro lado o STF reconheceu que é obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública nos termos do art 165 do CPC 234 para vocalização dos interesses da categoria STF Recurso Extraordinário com Agravo n 654432 rel para o acórdão Min Alexandre de Moraes j 542017 O art 9º estabelece o direito à previdência social para proteção quanto a consequências da velhice e da incapacitação que impossibilite a pessoa física ou mentalmente de obter os meios de vida digna e decorosa No caso de morte do beneficiário estabelecese que as prestações da previdência social beneficiarão seus dependentes Para as pessoas em atividade esse direito deve abranger pelo menos o atendimento médico e o subsídio ou pensão em casos de acidentes de trabalho ou de doença profissional e quando se tratar da mulher licença remunerada para a gestante antes e depois do parto O art 10 por sua vez garante o direito à saúde a toda pessoa entendendoa como o gozo do mais alto nível de bemestar físico mental e social Para tornálo efetivo o Protocolo determina que os Estados o reconheçam como bem público adotando medidas para garantilo atendimento primário de saúde assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado imunização total contra as principais doenças infecciosas prevenção e tratamento das doenças endêmicas profissionais e de outra natureza educação sobre a prevenção e o tratamento dos problemas de saúde e finalmente satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que por suas condições de pobreza sejam mais vulneráveis O Protocolo prevê ainda o direito de toda pessoa a um meio ambiente sadio e de contar com os serviços públicos básicos art 11 Os Estados de outro lado devem promover a proteção a preservação e o melhoramento do meio ambiente O próximo direito garantido é o direito à alimentação devendose garantir a toda pessoa uma nutrição adequada que assegure a possibilidade de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico emocional e intelectual Para tornálo efetivo e eliminar a desnutrição os Estados se comprometem pelo Protocolo a aperfeiçoar os métodos de produção abastecimento e distribuição de alimentos e a promover maior cooperação internacional com vistas a apoiar as políticas nacionais sobre o tema O art 13 por sua vez garante a toda pessoa o direito à educação Por meio do Protocolo os Estados convêm em que a educação deve orientarse para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e no sentido de sua dignidade e deverá fortalecer o respeito pelos direitos humanos pelo pluralismo ideológico pelas liberdades fundamentais pela justiça e pela paz capacitando todas as pessoas para participar efetivamente de uma sociedade democrática e pluralista para conseguir uma subsistência digna para favorecer a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais étnicos ou religiosos e para promover as atividades em prol da manutenção da paz Para alcançar o pleno exercício do direito à educação por meio do Protocolo os Estados reconhecem que o ensino de primeiro grau deve ser obrigatório e acessível a todos gratuitamente que o ensino de segundo grau deve ser generalizado e tornarse acessível a todos pelos meios que forem apropriados e especialmente pela implantação progressiva do ensino gratuito e que o ensino superior deve tornarse igualmente acessível a todos de acordo com a capacidade de cada um pelos meios apropriados e especialmente pela implantação progressiva do ensino gratuito Os Estados reconhecem ainda que se deve promover ou intensificar na medida do possível o ensino básico para as pessoas que não tiverem recebido ou terminado o ciclo completo de instrução do primeiro grau e que devem ser estabelecidos programas de ensino diferenciado para as pessoas com deficiência com a finalidade de proporcionar instrução e a formação dessas pessoas O Protocolo prevê ainda que os pais terão direito a escolher o tipo de educação a ser dada aos seus filhos de acordo com a legislação interna dos Estados Partes e desde que esteja de acordo com aqueles princípios Ademais estabelece que nenhuma de suas disposições pode ser interpretada como restrição da liberdade dos particulares e entidades de estabelecer e dirigir instituições de ensino de acordo com a legislação interna dos Estados O art 14 cuida dos direitos culturais Assim os Estados Partes pelo Protocolo reconhecem o direito de toda pessoa de participar na vida cultural e artística da comunidade de gozar dos benefícios do progresso científico e tecnológico e de beneficiarse da proteção dos interesses morais e materiais que lhe caibam em virtude das produções científicas literárias ou artísticas de que for autora Dentre as medidas adotadas pelo Estado para assegurar esse direito devem figurar as necessárias para a conservação desenvolvimento e divulgação da ciência da cultura e da arte O Protocolo ainda enuncia que os Estados se comprometem a respeitar a liberdade indispensável para a pesquisa científica e atividade criadora Ademais prevê que os Estados reconhecem os benefícios que decorrem da promoção e desenvolvimento da cooperação e das relações internacionais em assuntos científicos artísticos e culturais comprometendose assim a propiciar maior cooperação internacional nesse campo O art 15 por sua vez versa sobre o direito à constituição e proteção da família Enunciase assim que a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pelo Estado que deverá velar pelo melhoramento de sua situação moral e material Garante se nesse sentido o direito de toda pessoa de constituir família o qual deve ser exercido de acordo com as disposições da legislação interna Finalmente o Protocolo determina que os Estados Partes se comprometam a proporcionar adequada proteção ao grupo familiar especialmente dispensando atenção e assistência especiais à mãe por um período razoável antes e depois do parto garantindo às crianças alimentação adequada tanto no período de lactação quanto na idade escolar adotando medidas especiais de proteção dos adolescentes a fim de assegurar o pleno amadurecimento de suas capacidades físicas intelectuais e morais e finalmente executando programas especiais de formação familiar a fim de contribuir para a criação de um ambiente estável e positivo em que as crianças percebam e desenvolvam os valores de compreensão solidariedade respeito e responsabilidade A partir do art 16 o Protocolo passa a apresentar os direitos garantidos em seu âmbito a grupos vulneráveis O art 16 cuida do direito das crianças Nesse sentido prevê que toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer por parte de sua família da sociedade e do Estado e tem direito de crescer ao amparo e sob a responsabilidade de seus pais salvo em circunstâncias excepcionais reconhecidas judicialmente A criança de tenra idade não deve ser separada de sua mãe Ademais prevêse que toda criança tem direito à educação gratuita e obrigatória pelo menos no nível básico e a continuar sua formação em níveis mais elevados do sistema educacional No art 17 o Protocolo versa sobre a proteção das pessoas idosas garantindo o direito de que toda pessoa tenha proteção especial na velhice Assim a obrigação de realizar progressivamente uma série de medidas é atribuída ao Estado Parte que deve proporcionar instalações adequadas bem como alimentação e assistência médica especializada a idosos que careçam dela e não estejam em condições de provêlas por meios próprios executar programas de trabalho destinados a dar a pessoas idosas a possibilidade de realizar atividade produtiva adequada às suas capacidades e respeitando sua vocação ou desejos e por fim promover a formação de organizações sociais destinadas a melhorar a qualidade da vida das pessoas idosas Finalmente o art 18 versa sobre a proteção das pessoas com deficiência Nesse sentido garantese que toda pessoa afetada por diminuição de suas capacidades físicas e mentais tem direito a receber atenção especial com a finalidade de permitir que alcance máximo desenvolvimento de sua personalidade Os Estados assim comprometemse a adotar medidas para proporcionar aos deficientes os recursos e o ambiente necessário para alcançar esse objetivo inclusive programas trabalhistas adequados a suas possibilidades e que deverão ser livremente aceitos por eles ou se for o caso por seus representantes legais proporcionar formação especial às famílias dos deficientes para que possam ajudálos a resolver os problemas de convivência e convertêlos em elementos atuantes no desenvolvimento físico mental e emocional destes incluir em seus planos de desenvolvimento urbano de maneira prioritária a consideração de soluções para os requisitos específicos decorrentes das necessidades das pessoas com deficiência e por fim promover a formação de organizações sociais nas quais as pessoas com deficiência possam desenvolver uma vida plena No art 19 o Protocolo cuida dos meios de proteção relatórios periódicos e em certos casos possibilidade de petição das vítimas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos Assim os Estados se comprometem a apresentar ao SecretárioGeral da OEA relatórios periódicos sobre as medidas progressivas que tiverem adotado a fim de assegurar o respeito dos direitos consagrados no Protocolo O SecretárioGeral deve transmitilos ao Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral para que possa examinálos e deve enviar cópia desses relatórios à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e aos organismos especializados do Sistema Interamericano dos quais sejam membros os Estados Partes no Protocolo à medida que tenham relação com matérias que sejam da competência de tais organismos de acordo com seus instrumentos constitutivos Os relatórios anuais que o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral apresenta à Assembleia Geral devem conter um resumo da informação recebida dos Estados Partes e dos organismos especializados sobre as medidas progressivas adotadas a fim de assegurar o respeito dos direitos reconhecidos no Protocolo e as recomendações de caráter geral que considerarem pertinentes Se os direitos sindicais excetuado o direito de greve e o direito à educação forem violados por ação imputável a Estado Parte do Protocolo é possível a utilização do sistema de petições individuais regulado pelos arts 44 a 51 e 61 a 69 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que caso entender cabível pode acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos processando o Estado faltoso ver o mecanismo de acionamento da Corte IDH abaixo Sem prejuízo disso a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pode formular observações e recomendações que considerar pertinentes sobre a situação dos direitos econômicos sociais e culturais nos Estados Partes podendo incluílas no Relatório Anual à Assembleia Geral ou num relatório especial conforme considerar mais apropriado O Protocolo estabelece ainda que o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos devem levar em conta natureza progressiva da vigência dos direitos protegidos no Protocolo Finalmente o art 20 estabelece a possibilidade de formulação de reservas e o art 21 versa sobre assinatura ratificação adesão e entrada em vigor O art 22 cuida da possibilidade de apresentação de propostas de emendas para incorporação de outros direitos e ampliação dos reconhecidos QUADRO SINÓTICO Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Protocolo de San Salvador Aprofunda os direitos econômicos sociais e culturais protegidos no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos Principais direitos protegidos Direito ao trabalho Direito de gozar do direito ao trabalho em condições justas equitativas e satisfatórias incluindo direito à promoção ou avanço no trabalho direito à segurança e higiene direito a repouso direito a férias remuneradas direito a limitação de horas de trabalho dentre outros Direitos sindicais direito de filiarse ou não direito de greve dentre outros Direito à previdência social Direito à saúde Direito de toda pessoa a um meio ambiente sadio e de contar com os serviços públicos básicos Direito à alimentação Direito à educação Direito aos benefícios da cultura Direito à constituição e proteção da família Direitos das crianças Direitos das pessoas idosas Direitos das pessoas com deficiência Mecanismos de monitoramento Relatórios periódicos Petições individuais para o caso de violação aos direitos sindicais exceto o direito à greve e o direito à educação 5 Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte foi adotado em Assunção em 8 de junho de 1990 durante a XX Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos na esteira da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que já restringira a aplicação da pena de morte Entrou em vigor internacional em 28 de agosto de 1991 Possui em 2019 13 Estados partes Foi assinado pelo Brasil em 7 de junho de 1994 O Congresso Nacional o aprovou por meio do Decreto Legislativo n 56 de 19 de abril de 1995 e o instrumento de ratificação foi depositado em 13 de agosto de 1996 Apôsse reserva entretanto para assegurar ao Estado brasileiro o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra de acordo com o Direito Internacional por delitos sumamente graves de caráter militar Finalmente o Protocolo foi promulgado por meio do Decreto n 2754 de 27 de agosto de 1998 O Protocolo é composto além do seu preâmbulo por apenas quatro artigos No primeiro deles fica estabelecido que os Estados Partes não podem aplicar em seu território a pena de morte a nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição No art 2º determinase que não se admitirá reserva alguma ao Protocolo Entretanto os Estados podem declarar no momento de ratificação ou adesão que se reservam o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra de acordo com o Direito Internacional por delitos sumamente graves de caráter militar o que foi feito pelo Brasil Quando o Estado formular essa reserva deve comunicar ao Secretáriogeral da OEA no momento da ratificação ou adesão as disposições pertinentes de sua legislação nacional aplicáveis em tempo de guerra que se referem à reserva Ademais o Estado que a tiver feito deve notificar o SecretárioGeral da OEA sobre todo início ou fim de um estado de guerra aplicável ao seu território Finalmente os arts 3º e 4º dizem respeito às disposições finais abertura à assinatura e ratificação ou adesão de todo Estado Parte na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e depósito do instrumento de ratificação ou adesão na Secretaria Geral da OEA e entrada em vigor QUADRO SINÓTICO Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte Estados Partes não podem aplicar em seu território a pena de morte a nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição Não se admite reserva salvo para o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra de acordo com o Direito Internacional por delitos sumamente graves de caráter militar O Brasil fez a reserva 6 Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura foi adotada pela Assembleia Geral da OEA em Cartagena das Índias na Colômbia em 9 de dezembro de 1985 Foi assinada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1986 foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 5 de 31 de maio de 1989 e foi ratificada em 20 de julho de 1989 Finalmente foi promulgada pelo Decreto n 98386 de 9 de dezembro de 1989 Possui em 2019 18 Estados partes A Convenção é composta por 24 artigos não divididos expressamente em seções específicas No art 1º determina que os Estados Partes por meio dela obrigamse a prevenir e punir a tortura nos termos da Convenção O art 2º estabelece a definição de tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais com fins de investigação criminal ou como meio de intimidação ou como castigo pessoal ou como medida preventiva como pena ou com qualquer outro fim Entenderseá também como tortura a aplicação sobre uma pessoa de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima ou a diminuir sua capacidade física ou mental embora não causem dor física ou angústia psíquica Essa figura especial de tortura não consta expressamente da Convenção contra a Tortura da ONU Excluise expressamente do conceito de tortura entretanto as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente consequência de medidas legais ou inerentes a elas contanto que não incluam a realização dos atos ou aplicação dos métodos mencionados na definição de tortura O art 3º por sua vez determina quais são os responsáveis pelo delito de tortura São considerados responsáveis os empregados ou funcionários públicos que nessa condição ordenem sua comissão ou instiguem ou induzam a ela cometamno diretamente ou podendo impedilo não o façam São também consideradas responsáveis as pessoas que por instigação dos funcionários ou empregados públicos anteriormente mencionados ordenem sua comissão instiguem ou induzam a ela ou nela sejam cúmplices A Convenção é clara ao determinar que o fato de se ter agido por ordens superiores não exime da responsabilidade penal correspondente art 4º Ademais não se admite como justificativa para a prática de tortura a existência de circunstâncias como o estado de guerra a ameaça de guerra o estado de sítio ou emergência a comoção ou conflito interno a suspensão das garantias constitucionais a instabilidade política interna ou outras emergências ou calamidades públicas Também não se admite como justificativa a periculosidade do detido ou condenado nem a insegurança do estabelecimento carcerário ou penitenciário art 5º Os arts 6º e 7º versam sobre medidas a serem tomadas pelos Estados Partes da Convenção para prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição Nesse sentido devem assegurar que todos os atos de tortura e as tentativas de praticar atos dessa natureza sejam considerados delitos penais estabelecendo penas severas para sua punição que levem em conta sua gravidade constituindo mais um mandado internacional de criminalização Obrigamse também a tomar medidas efetivas para prevenir e punir outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes no âmbito de sua jurisdição Ademais devem tomar medidas para que no treinamento de polícia e de outros funcionários públicos responsáveis pela custódia de pessoas privadas de liberdade provisória ou definitivamente e nos interrogatórios detenções ou prisões ressaltese de maneira especial a proibição do emprego da tortura bem como de evitar outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Nos arts 8º e 9º a Convenção determina a adoção de medidas com foco na pessoa vítima de tortura Nesse sentido os Estados devem assegurar que qualquer pessoa que denunciar ter sido submetida a tortura terá o direito de que o caso seja examinado de maneira imparcial Se houver denúncia ou razão fundada para supor que ato de tortura tenha sido cometido no âmbito de sua jurisdição o Estado deve garantir que suas autoridades procederão de ofício e imediatamente à realização de uma investigação sobre o caso iniciando se for cabível o respectivo processo penal Esgotado o procedimento jurídico interno do Estado inclusive em âmbito recursal o caso poderá ser submetido a instâncias internacionais cuja competência tenha sido aceita por esse Estado Os Estados se comprometem ainda a estabelecer em suas legislações nacionais normas que garantam compensação adequada para as vítimas do delito de tortura O art 10 determina que nenhuma declaração que se comprove haver sido obtida mediante tortura poderá ser admitida como prova em um processo salvo em processo instaurado contra a pessoa ou pessoas acusadas de haver obtido prova mediante atos de tortura mas unicamente como prova de que por esse meio o acusado obteve tal declaração De acordo com o art 12 todo Estado Parte deve adotar medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre o delito de tortura i quando houver sido cometida no âmbito de seu território ii ou quando o suspeito for nacional do Estado Parte de que se trate iii ou quando a vítima for nacional do Estado Parte de que se trate e este o considerar apropriado iv ou quando o suspeito se encontrar no âmbito de sua jurisdição e o Estado não o extraditar aut dedere aut judicare ou entrega ou julga Os arts 11 13 e 14 versam sobre a extradição Os Estados Partes da Convenção devem tomar as medidas necessárias para conceder a extradição de toda pessoa acusada de delito de tortura ou condenada por esse delito em conformidade com suas legislações nacionais sobre extradição e suas obrigações internacionais na matéria Ademais os delitos de tortura devem ser considerados incluídos entre os delitos que são motivo de extradição em todo tratado de extradição celebrado entre Estados Partes e os Estados se comprometem a incluir o delito de tortura como caso de extradição em todo tratado de extradição que celebrarem entre si no futuro Caso receba de outro Estado Parte com o qual não tiver tratado uma solicitação de extradição todo Estado que sujeitar a extradição à existência de um tratado poderá considerar a Convenção como a base jurídica necessária para a extradição referente ao delito de tortura Os Estados Partes que não sujeitarem a extradição à existência de um tratado devem reconhecer esses delitos como casos de extradição entre eles respeitando as condições exigidas pelo direito do Estado requerido A Convenção determina ainda que não se concederá a extradição nem se procederá à devolução da pessoa requerida quando houver suspeita fundada de que sua vida corre perigo de que será submetida à tortura tratamento cruel desumano ou degradante ou de que será julgada por tribunais de exceção ou ad hoc no Estado requerente Isso consagra o princípio do nonrefoulement ou proibição do rechaço em caso de tortura No art 15 a Convenção determina que nada do que nela disposto pode ser interpretado como limitação do direito de asilo quando for cabível nem como modificação das obrigações dos Estados Partes em matéria de extradição O art 16 explicita que a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura deixa a salvo o disposto pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos por outras Convenções sobre a matéria e pelo Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos com relação ao delito de tortura Por meio da Convenção os Estados Partes se comprometem a informar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre as medidas legislativas judiciais administrativas e de outra natureza que adotarem em sua aplicação A Comissão Interamericana procurará analisar em seu relatório anual a situação prevalecente nos Estadosmembros da OEA no que diz respeito à prevenção e supressão da tortura em conformidade com suas atribuições art 17 A partir do art 18 a Convenção traz suas disposições finais assinatura art 18 ratificação art 19 adesão art 20 reservas art 21 entrada em vigor art 22 denúncia apesar da vigência indefinida da Convenção art 23 notificações art 24 QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura Definição de tortura Todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais com fins de investigação criminal como meio de intimidação como castigo pessoal como medida preventiva como pena ou com qualquer outro fim Entenderseá também como tortura a aplicação sobre uma pessoa de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima ou a diminuir sua capacidade física ou mental embora não causem dor física ou angústia psíquica Excluise expressamente do conceito de tortura entretanto as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente consequência de medidas legais ou inerentes a elas contanto que não incluam a realização dos atos ou aplicação dos métodos mencionados na definição de tortura Direitos das pessoas vítimas de tortura direito de ser examinada de maneira imparcial direito à compensação adequada Convenção contém mandado de criminalização da tortura Estados Partes se comprometem a informar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre as medidas legislativas judiciais administrativas e de outra natureza que adotarem em sua aplicação A Comissão procurará analisar em seu relatório anual a situação prevalecente nos Estadosmembros da OEA no que diz respeito à prevenção e supressão da tortura em conformidade com suas atribuições No caso de o Estado não poder extraditar por algum motivo o torturador deve julgálo aut dedere aut judicare 7 Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher Convenção de Belém do Pará A Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher Convenção de Belém do Pará foi concluída pela Assembleia Geral da OEA em Belém do Pará no Brasil em 9 de junho de 1994 como resposta à situação de violência contra mulheres existente na América Possui em 2019 32 Estados partes não a tendo ratificado somente Estados Unidos Canadá e Cuba 235 O Brasil a assinou na mesma data e o Congresso Nacional a aprovou por meio do Decreto Legislativo n 107 de 31 de agosto de 1995 O governo brasileiro depositou a carta de ratificação em 27 de novembro de 1995 data em que a Convenção começou a vigorar para o Brasil Finalmente a promulgação deuse com o Decreto n 1973 de 1º de agosto de 1996 A Convenção é composta por 25 artigos divididos em cinco capítulos definição e âmbito de aplicação arts 1º e 2º direitos protegidos arts 3º a 6º deveres dos Estados arts 7º a 9º mecanismos interamericanos de proteção arts 10 a 12 disposições gerais arts 13 a 25 No art 1º a violência contra a mulher é definida como qualquer ação ou conduta baseada no gênero que cause morte dano ou sofrimento físico sexual ou psicológico à mulher tanto no âmbito público como no privado O art 2º por sua vez determina que a violência contra a mulher abrange a violência física sexual ou psicológica quer tenha ocorrido no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende entre outros estupro violação maustratos e abuso sexual quer no âmbito da comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa Nesse caso compreende entre outros violação abuso sexual tortura maustratos tráfico de mulheres prostituição forçada sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho bem como em instituições educacionais estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar A violência contra a mulher abrange ainda aquela perpetrada pelo Estado ou seus agentes onde quer que ocorra No Capítulo II a Convenção enumera os direitos das mulheres a serem protegidos O primeiro deles estabelecido no art 3º é o direito de toda mulher ser livre de violência tanto na esfera pública quanto privada O direito a uma vida livre de violência inclui entre outros o direito da mulher de ser livre de toda forma de discriminação e o direito de ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade ou subordinação art 6º A Convenção ainda enuncia que toda mulher tem direito ao reconhecimento gozo exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos os quais compreendem o direito a que se respeite sua vida e sua integridade física psíquica e moral o direito à liberdade e à segurança pessoais o direito a não ser submetida a torturas o direito a que se respeite a dignidade inerente a sua pessoa e que se proteja sua família o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes que a ampare contra atos que violem seus direitos o direito à liberdade de associação o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças de acordo com a lei e o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos incluindo a tomada de decisões art 4º O art 5º da Convenção ainda reafirma que toda mulher pode exercer livre e plenamente seus direitos civis políticos econômicos sociais e culturais e deve contar com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos devendo os Estados reconhecer que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos No Capítulo III arts 7º a 9º a Convenção apresenta os deveres dos Estados Em primeiro lugar esclarecese que os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e concordam em adotar por todos os meios apropriados e sem demora políticas orientadas a prevenila punila e erradicála Nesse sentido devem absterse de prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades seus funcionários pessoal e agentes e instituições públicas cumpram essa obrigação e devem atuar com a devida diligência para prevenir investigar e punir a violência contra a mulher Ademais devem incluir em sua legislação interna normas penais civis e administrativas que sejam necessárias para tais fins adotando as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso Devem também adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de fustigar perseguir intimidar ameaçar machucar ou pôr em perigo a vida da mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade Ainda devem tomar medidas apropriadas para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou para modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência ou a tolerância da violência contra a mulher Têm ainda a obrigação de estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes que incluam entre outros medidas de proteção para que a mulher vítima de violência doméstica tenha um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos bem como a obrigação de estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar o acesso efetivo a ressarcimento reparação do dano ou outros meios de compensação justos e eficazes art 7º Esses inúmeros deveres do Estado foram fundamentais para que o Brasil finalmente editasse uma lei específica de combate à violência doméstica a Lei n 113402006 também denominada Lei Maria da Penha Tal lei criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher nos termos da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CEDAW e da Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher De forma progressiva os Estados devem ainda adotar medidas específicas art 8º inclusive programas para fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos Devem adotar programas também para modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres para eliminar preconceitos e costumes e práticas que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher que legitimam ou exacerbam a violência contra a mulher Os programas também devem se destinar a fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da justiça policial e demais funcionários encarregados da aplicação da lei assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção sanção e eliminação da violência contra a mulher a aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento necessário à mulher objeto de violência por meio de entidades dos setores público e privado inclusive abrigos e cuidado e custódia dos menores afetados e a oferecer à mulher vítima de violência acesso a programas eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente na vida pública privada e social Ademais devem voltarse a fomentar e apoiar programas de educação governamentais e do setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas relacionados com a violência contra a mulher os recursos jurídicos e a reparação correspondente e a estimular os meios de comunicação a elaborar diretrizes adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher Finalmente devem voltarse à investigação de estatísticas e outras informações sobre as causas consequências e frequência da violência contra a mulher com o objetivo de avaliar a eficácia das medidas para prevenir punir e eliminar a violência contra a mulher e de formular e aplicar as mudanças que sejam necessárias bem como à promoção da cooperação internacional para o intercâmbio de ideias e experiências e a execução de programas destinados a proteger a mulher vítima de violência Para adoção das referidas medidas os Estados devem ter em conta a situação de vulnerabilidade à violência que a mulher possa sofrer em consequência entre outras de sua raça ou de sua condição étnica de migrante refugiada ou desterrada Devem ter em conta também a situação da mulher vítima de violência que estiver grávida for pessoa com deficiência menor de idade anciã ou estiver em situação socioeconômica desfavorável ou afetada por situações de conflitos armados ou de privação de sua liberdade art 9º No Capítulo IV a Convenção versa sobre os mecanismos interamericanos de proteção No art 10 com o fim de proteger o direito da mulher a uma vida livre de violência os Estados devem incluir nos informes nacionais à Comissão Interamericana de Mulheres informações sobre as medidas adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher para assistir a mulher afetada pela violência assim como sobre as dificuldades que observem na aplicação dessas e dos fatores que contribuam à violência contra a mulher O art 11 permite que os Estados Partes da Convenção e a Comissão Interamericana de Mulheres requeiram opinião consultiva sobre a interpretação da Convenção à Corte Interamericana de Direitos Humanos No art 12 permitese ainda que qualquer pessoa grupo de pessoas ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estadosmembros da Organização apresente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação de deveres previstos na Convenção para o Estado Parte A Comissão deve considerálas de acordo com as normas e os requisitos de procedimento para a apresentação e consideração de petições determinados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos podendo se cabível processar o Estado infrator perante a Corte IDH caso o Estado tenha reconhecido a jurisdição obrigatória da Corte como é o caso do Brasil desde 1998 Finalmente no Capítulo V a Convenção apresenta as disposições gerais arts 13 a 25 Os arts 13 e 14 determinam que as disposições da Convenção não poderão ser interpretadas como restrição ou limitação à legislação interna dos Estados Partes que preveja iguais ou maiores proteções e garantias aos direitos da mulher e salvaguardas adequadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher nem à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou a outras convenções internacionais sobre a matéria que prevejam iguais ou maiores proteções relacionadas com este tema Novamente o princípio da norma mais favorável ao ser humano é adotado em um tratado internacional O art 23 determina que o SecretárioGeral apresente um informe anual aos Estados membros da OEA sobre a situação da Convenção inclusive quanto a assinaturas depósitos de instrumentos de ratificação adesão ou declarações e reservas O art 24 finalmente permite que os Estados denunciem a Convenção mediante depósito de instrumento na Secretaria Geral da OEA mas ressalva que a Convenção vigorará indefinidamente Outros artigos do Capítulo versam sobre assinatura art 15 ratificação art 16 adesão art 17 reservas art 18 proposta de emenda art 19 entrada em vigor art 21 dentre outros aspectos QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher Convenção de Belém do Pará Definição de violência contra a mulher Qualquer ação ou conduta baseada no gênero que cause morte dano ou sofrimento físico sexual ou psicológico à mulher tanto no âmbito público como no privado A violência contra a mulher abrange a violência física sexual ou psicológica quer tenha ocorrido no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende entre outros estupro violação maus tratos e abuso sexual quer no âmbito da comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa Direitos protegidos Direito de toda mulher ser livre de violência tanto na esfera pública quanto privada o que inclui o direito de ser livre de toda forma de discriminação e o direito de ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade ou subordinação Direito ao reconhecimento gozo exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos os quais compreendem o direito a que se respeite sua vida e sua integridade física psíquica e moral o direito à liberdade e à segurança pessoais o direito a não ser submetida a torturas o direito a que se respeite a dignidade inerente a sua pessoa e que se proteja sua família o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes que a ampare contra atos que violem seus direitos o direito à liberdade de associação o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças de acordo com a lei e o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos incluindo a tomada de decisões Mecanismos de proteção Informes à Comissão Interamericana de Mulheres Pedido de opinião consultiva sobre a interpretação da Convenção à Corte Interamericana de Direitos Humanos Petição de qualquer pessoa grupo de pessoas ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estadosmembros da Organização à Comissão Interamericana de Direitos Humanos Caso cabível a Comissão pode processar o Estado infrator perante a Corte IDH 8 Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência foi adotada pela Assembleia Geral da OEA em 7 de junho de 1999 na Cidade da Guatemala Guatemala O Brasil a assinou um dia depois em 8 de junho de 1999 O Congresso Nacional a aprovou por meio do Decreto Legislativo n 198 de 13 de junho de 2001 e a ratificação se deu em 15 de agosto de 2001 A Convenção entrou em vigor em 14 de setembro de 2001 e finalmente foi promulgada por meio do Decreto n 3956 de 8 de outubro de 2001 Possui em 2019 19 Estados partes 236 É composta por 14 artigos não divididos em seções ou capítulos específicos Em seu preâmbulo a Convenção já reafirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas os quais emanam da dignidade e igualdade inerentes a todo ser humano Possuem assim o direito de não serem submetidas à discriminação com base na deficiência O artigo I apresenta as definições dos termos utilizados na Convenção Deficiência é definida como uma restrição física mental ou sensorial de natureza permanente ou transitória que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária causada ou agravada pelo ambiente econômico e social Apesar de a Convenção Interamericana utilizar a expressão portador de deficiência anotese que após anos de discussão a expressão utilizada atualmente é pessoa com deficiência como se vê na Convenção da ONU de 2006 comentada acima A discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência nos termos da Convenção é apresentada como toda diferenciação exclusão ou restrição baseada em deficiência antecedente de deficiência consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais O mesmo dispositivo abre margem para a adoção de ações afirmativas em benefício das pessoas com deficiência ao explicitar que não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dessas pessoas desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o seu direito à igualdade e que as pessoas com deficiência não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência Ademais também não constituirá discriminação a previsão pela legislação interna de declaração de interdição quando for necessária e apropriada para o bemestar da pessoa com deficiência O artigo II deixa claro que o objetivo da Convenção é prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência e propiciar sua plena integração à sociedade Os artigos III e IV listam os compromissos assumidos pelos Estados Partes para que alcancem esse objetivo Assim determina inicialmente que os Estados devem tomar as medidas de caráter legislativo social educacional trabalhista ou de qualquer outra natureza que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas com deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade Nesse sentido algumas medidas devem ser tomadas em especial medidas das autoridades governamentais e de entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens serviços instalações programas e atividades tais como o emprego o transporte as comunicações a habitação o lazer a educação o esporte o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração medidas de acessibilidade para que os edifícios os veículos e as instalações que venham a ser construídos ou fabricados facilitem o transporte a comunicação e o acesso das pessoas com deficiência bem como medidas para eliminar na medida do possível os obstáculos nesses meios e finalmente medidas para assegurar que as pessoas encarregadas de aplicar a Convenção e a legislação interna sobre a matéria estejam capacitadas a fazêlo O Estado deve ainda trabalhar prioritariamente nas áreas de prevenção de todas as formas de deficiência possíveis de detecção e intervenção precoce tratamento reabilitação educação formação ocupacional e prestação de serviços completos para garantir o melhor nível de independência e qualidade de vida para as pessoas com deficiência e de sensibilização da população por meio de campanhas de educação destinadas a eliminar preconceitos estereótipos e outras atitudes que atentam contra o direito das pessoas a serem iguais Os Estados se comprometem ainda a cooperar entre si para contribuir para a prevenção e eliminação da discriminação contra as pessoas com deficiência e colaborar de forma efetiva na pesquisa científica e tecnológica relacionada com a prevenção das deficiências o tratamento a reabilitação e a integração na sociedade e o desenvolvimento de meios destinados a facilitar ou promover a vida independente a autossuficiência e a integração total à sociedade em condições de igualdade das pessoas com deficiência A Convenção determina ainda em seu artigo V que os Estados devem promover se isso for coerente com as suas legislações nacionais a participação de representantes de organizações de pessoas com deficiência de organizações não governamentais que trabalham nessa área ou se estas não existirem de pessoas com deficiência na elaboração execução e avaliação de medidas e políticas para aplicála Ademais devem criar canais de comunicação eficazes que permitam difundir entre as organizações públicas e privadas que trabalham com pessoas com deficiência os avanços normativos e jurídicos ocorridos para a eliminação da discriminação O artigo VI estabelece a criação da Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência que é constituída por um representante designado por cada Estado Parte Os Estados se comprometeram a na primeira reunião da Comissão apresentar um relatório ao SecretárioGeral da OEA Essa reunião ocorreu entre 28 de fevereiro e 1º de março de 2008 no Panamá quando foi aprovado o Regulamento da Comissão Após essa primeira reunião os Estados Partes da Convenção se comprometeram a apresentar relatórios a cada quatro anos que devem incluir as medidas que os Estadosmembros tiverem adotado na aplicação da Convenção qualquer progresso alcançado na eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência bem como toda circunstância ou dificuldade que afete o grau de cumprimento de obrigação decorrente da Convenção Com efeito a Convenção explicita que a Comissão será o foro encarregado de examinar o progresso registrado na sua aplicação e de trocar experiências entre os Estados Partes Os relatórios que a Comissão vai produzir devem refletir os debates incluindo informações sobre as medidas que os Estados Partes tenham adotado para aplicar a Convenção o progresso alcançado na eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência as circunstâncias ou dificuldades que tenham tido na implementação da Convenção bem como as conclusões observações e sugestões gerais da Comissão para o seu cumprimento progressivo A partir do artigo VII a Convenção traz as disposições finais Inicia mencionando que nenhuma disposição poderá ser interpretada para restringir ou permitir que os Estados limitem o gozo dos direitos das pessoas com deficiência reconhecidos pelo Direito Internacional consuetudinário ou pelos instrumentos internacionais vinculantes para um determinado Estado Parte Em seguida dispõe sobre assinatura ratificação e entrada em vigor artigo VIII adesão artigo IX depósito dos instrumentos de ratificação e adesão artigo X propostas de emenda artigo XI reservas artigo XII denúncia a despeito da vigência indefinida artigo XIII idiomas das cópias do instrumento original da Convenção e notificações artigo XIV QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência Objetivo Prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência e propiciar sua plena integração à sociedade Definição de deficiência Restrição física mental ou sensorial de natureza permanente ou transitória que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária causada ou agravada pelo ambiente econômico e social Toda diferenciação exclusão ou restrição baseada em deficiência antecedente de deficiência consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada que tenha o Definição de discriminação contra pessoas com deficiência efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dessas pessoas desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o seu direito à igualdade e que as pessoas com deficiência não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência Ademais também não constituirá discriminação a previsão pela legislação interna de declaração de interdição quando for necessária e apropriada para o bemestar da pessoa com deficiência Mecanismos de monitoramento Relatórios periódicos ao SecretárioGeral da OEA Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência é encarregada de examinar o progresso registrado na aplicação da Convenção e de trocar experiências entre os Estados produzindo relatórios 9 Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado Na esteira da Declaração n 47133 de 1992 da Assembleia Geral da ONU sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado foi adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos em 9 de junho de 1994 em Belém do Pará a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas A Convenção é um marco na prevenção punição e eliminação do desaparecimento forçado tendo inspirado dispositivos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998 e da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado de 2007 A Convenção entrou em vigor em 28 de março de 1996 e em 2019 conta com 15 Estados partes 237 o que é pouco se for levada em consideração a prática de desaparecimento forçado generalizada em diversos países nos tempos das ditaduras latinoamericanas No âmbito nacional a assinatura brasileira ocorreu em 11 de junho de 1994 a aprovação pelo Congresso Nacional ocorreu por meio do Decreto Legislativo n 127 em 11 de abril de 2011 a ratificação brasileira ocorreu em 3 de fevereiro de 2014 e a promulgação da Convenção deuse com o Decreto n 8766 de 11 de maio de 2016 O preâmbulo da Convenção reconhece que a prática sistemática de desaparecimentos forçados constitui crime contra a humanidade e os principais objetivos da Convenção são resumidos no artigo 1º i a proibição à prática permissão ou tolerância ao desaparecimento forçado em qualquer situação incluindo as excepcionais ocasiões de Estado de emergência e de suspensão de garantias individuais ii a punição interna dos autores cúmplices e partícipes do crime ou da tentativa de crime de desaparecimento forçado iii a cooperação para prevenção punição e erradicação do desaparecimento forçado e iv a adoção de medidas internas de cunho administrativo legislativo e judicial para adimplir os compromissos assumidos na Convenção Para a Convenção art 2º o desaparecimento forçado consiste i na privação da liberdade de um ou mais indivíduos a qual pode ocorrer de várias formas realizada ii por agentes estatais ou pessoas autorizadas ou apoiadas pelo Estado associada iii à negativa ao reconhecimento da privação de liberdade ou ao fornecimento de informações sobre os indivíduos detidos de modo a impedir o exercício dos direitos e garantias processuais inerentes à detenção Assim o núcleo deste delito consiste nesses três elementos privação da liberdade envolvimento direto ou indireto de agentes públicos e negativa do reconhecimento da detenção Os artigos 3º e 4º tratam da obrigação estatal em adotar medidas legislativas para a tipificação do delito de desaparecimento forçado de pessoas no âmbito dos ordenamentos jurídicos internos O artigo 3º prevê que na pendência da localização do paradeiro da vítima o crime seja considerado como de natureza continuada ou permanente bem como que a pena a ser imposta ao delito corresponda a sua extrema gravidade Ainda é facultado aos Estados o estabelecimento de circunstâncias atenuantes nos casos em que os partícipes do crime contribuam para o seu esclarecimento ou forneçam informações sobre o destino das vítimas O artigo 4º dispõe inicialmente que os atos constitutivos do desaparecimento forçado de pessoas serão considerados delitos em qualquer Estado Parte Após determina as hipóteses de jurisdição dos Estados Partes nos casos de desaparecimento forçado Cabe ao Estado Parte adotar medidas para estabelecer a sua jurisdição quando i os atos forem perpetrados no âmbito da sua jurisdição ii os agentes forem nacionais do Estado iii as vítimas forem nacionais do Estado se apropriado e iv o agente estiver em seu território e o Estado não o extradite Assim não obstante a Convenção estipule que o desaparecimento forçado seja reconhecido como crime em todos os Estados Partes não é permitido o exercício da jurisdição estatal ou das funções reservadas às autoridades internas em outro Estado Parte O artigo 5º por seu turno disciplina a extradição dos agentes que praticarem o crime de desaparecimento forçado proibindose que este seja considerado como delito político Para os Estados que subordinam a extradição a existência de tratado específico prevêse a inclusão do desaparecimento forçado no rol de delitos passíveis de extradição em todos os tratados extradicionais existentes e futuros celebrados entre os Estados Partes Nos casos de inexistência de tratado de extradição entre os Estados Partes a Convenção pode ser utilizada como substrato jurídico para a solicitação de extradição relativa ao delito de desaparecimento forçado Nos Estados nos quais os tratados extradicionais não são exigidos o desaparecimento forçado será reconhecido como crime passível de extradição sujeita às condições estabelecidas pelo Estado requerido Em ambas as situações a extradição obedecerá a Constituição e nas leis internas do Estado requerido De forma complementar o artigo 6º estabelece caso negada a extradição o dever de submissão dos casos às autoridades competentes internas aut dedere aut judicare Destarte investigação e persecução penal devem ser processadas em conformidade com a legislação interna como se o delito tivesse sido praticado no âmbito da jurisdição do Estado com a comunicação da decisão ao Estado que originalmente solicitou a extradição Os artigos 7º 8º e 9º trazem cláusulas específicas para evitar a impunidade dos agentes responsáveis pelo desaparecimento forçado ao estabelecerem i a sua imprescritibilidade ii a impossibilidade de escusa pela obediência hierárquica e iii a proibição de julgamento por jurisdição especial A imprescritibilidade da pretensão punitiva e da pretensão executória do crime de desaparecimento forçado está expressa no artigo 7º o qual contudo excetua dessa regra os Estados que possuam normas de caráter fundamental que vedem a imprescritibilidade o que não é o caso do Brasil 238 hipótese em que o prazo prescricional para o desaparecimento forçado deve ser equiparado àquele estipulado para o delito mais grave previsto na legislação interna Nesse ponto a Convenção Interamericana é distinta da Convenção da ONU sobre a temática que não parte da imprescritibilidade mas ordena que a prescrição seja compatível com a natureza grave do crime art 8º Ademais tampouco é possível contornar o dever de punir os responsáveis pelo desaparecimento forçado pelo reconhecimento da obediência hierárquica como excludente de ilicitude O artigo 8º da Convenção é claro ao estipular igualmente que toda pessoa que receber ordens para perpetrar o delito em questão possui o direito e o dever de não obedecê las Para implementar a previsão contida nesse dispositivo os Estados devem garantir que seja fornecida a formação pessoal e a educação adequada relativamente ao delito de desaparecimento forçado aos funcionários públicos encarregados da aplicação da lei penal Na mesma linha para evitar a impunidade o artigo 9º fixa a jurisdição comum para o julgamento dos agentes responsáveis pela prática do crime de desaparecimento forçado excluindo expressamente a possibilidade de incidência de qualquer jurisdição especial Assim não apenas é impossível a alegação de que o crime de desaparecimento forçado fora cometido no exercício de funções militares bem como não são admitidas imunidades privilégios e dispensas especiais nas ações penais que investiguem a prática deste crime ressalvadas apenas as disposições da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas O artigo 10 reforça a proibição total à prática do desaparecimento forçado independentemente do contexto sociopolítico interno Instabilidade política emergência pública Estado ou ameaça de guerra ou qualquer outra circunstância interna não podem ser utilizadas como justificativa para autorizar o desaparecimento forçado de pessoas Nessas circunstâncias excepcionais deve ser garantido o acesso a procedimentos judiciais expeditos e eficazes para determinar a autoridade responsável pela detenção e o paradeiro e condições das pessoas detidas Para combater o desaparecimento forçado é garantida às autoridades judiciárias que tiverem indícios da prática deste crime a livre entrada em todos os centros de detenção inclusive àqueles sujeitos à jurisdição militar Já o artigo 11 traz as garantias mínimas relacionadas à detenção São deveres do Estado relacionados à privação de liberdade i manter os detentos em locais oficialmente reconhecidos ii conduzir os detentos sem demora e nos ditames da legislação interna à autoridade judiciária competente e iii manter registros oficiais atualizados sobre os detidos com consulta disponível para os familiares e advogado do detido bem como para os juízes autoridades e outras pessoas com interesse legítimo Reconhecendo o caráter perene do desaparecimento forçado bem como o seu impacto negativo sobre as entidades familiares o artigo 12 estipula a cooperação recíproca entre os Estados Partes para a localização identificação e restituição de menores que tenham sido transportados para ou retidos em outros Estados como consequência do desaparecimento forçado de seus pais ou tutores A importância do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos para prevenir e punir o crime de desaparecimento forçado está estabelecida nos artigos 13 e 14 O artigo 13 dispõe que a tramitação de petições relativas a tal crime na Comissão Interamericana de Direitos Humanos segue o rito estabelecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos bem como nos Estatutos e Regulamentos da própria Comissão e da Corte Interamericana com menção especial à possibilidade de adoção de medidas cautelares Paralelamente aos procedimentos perante o sistema interamericano o artigo 14 estabelece que quando do recebimento de petição relatando desaparecimento forçado a Comissão requisitará ao Estado pertinente informação em caráter urgente e confidencial sobre o paradeiro e outras circunstâncias relevantes da pessoa supostamente desaparecida Tal pedido de informação contudo não tem o condão de prejudicar a admissibilidade da petição apresentada à Comissão O artigo 15 traz limitações à aplicabilidade da Convenção ao prever que ela não restringe tratados bilaterais ou multilaterais assinados pelos Estados Partes bem como não se aplica aos conflitos armados disciplinados pelas Convenções de Genebra de 1949 sobre a proteção dos feridos doentes e náufragos das forças armadas e a prisioneiros civis em tempo de guerra Os artigos 16 a 22 trazem as condições para que um Estado se obrigue à Convenção Os artigos 16 e 17 preveem que a Convenção está aberta para assinatura por todos os Estados membros da OEA ficando sujeita à ratificação a ser depositada na Secretaria Geral da Organização A adesão da Convenção por outros Estados mediante depósito do referido instrumento também na Secretaria Geral é facultada no artigo 18 A apresentação de reservas à Convenção está autorizada no artigo 19 as quais podem ser realizadas na sua aprovação assinatura ratificação ou adesão desde que sejam específicas e compatíveis com os objetivos da Convenção O artigo 20 determina a entrada em vigor da Convenção no plano internacional com o depósito do 2º instrumento de ratificação e para os Estados que a ratificarem posteriormente a sua entrada em vigor no trigésimo dia a partir da data do depósito da sua ratificação Finalmente o artigo 21 admite a possibilidade de denúncia à Convenção com a cessação de efeitos para o Estado denunciante após um ano contado do depósito do instrumento de denúncia na Secretaria Geral da OEA Já o artigo 22 prevê que o depósito do instrumento original da convenção nas línguas oficiais será realizado também na Secretaria Geral da Organização sendo enviada cópia autenticada do texto para o Secretariado da ONU Ainda havendo assinatura ratificação adesão reserva ou denúncia à Convenção os Estados membros da OEA serão comunicados QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas proibição à prática permissão ou tolerância ao desaparecimento forçado em qualquer situação Objetivo punição interna dos autores cúmplices e partícipes do crime de desaparecimento forçado cooperação para prevenção punição e erradicação do desaparecimento forçado adoção de medidas internas de cunho administrativo legislativo e judicial para prevenir punir e erradicar o desaparecimento forçado Reforça o dever dos Estados de prevenir punir e eliminar os desparecimentos forçados com o reconhecimento de que a sua prática sistemática constitui crime contra a humanidade Definição de desaparecimento forçado Restrição física mental ou sensorial de natureza permanente ou transitória que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária causada ou agravada pelo ambiente econômico e social Mecanismos de monitoramento Adoção dos mesmos procedimentos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos permitindo à Comissão IDH e à Corte IDH zelarem pela observância da Convenção novidade ao receber a petição sobre desaparecimento forçado a Comissão pode pedir informações urgentes e em sigilo ao Estado tido como infrator sem que isso interfira no processamento regular da petição em si 10 Carta Democrática Interamericana A Carta Democrática Interamericana CDI foi aprovada em 11 de setembro de 2001 na primeira sessão do XXVIII período extraordinário da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em Lima Peru A Carta por ter sido aprovada como resolução da Assembleia Geral da OEA não é vinculante compondo a soft law primária direito em formação que rege a temática na região Contudo a Carta constitui importante vetor de interpretação de como promover a democracia prevista na Carta da OEA art 2º b 239 O ineditismo da Carta Democrática Interamericana consiste em seu objetivo de exigir o respeito à democracia formal rotatividade do poder e eleições periódicas e também à democracia substancial justiça social estabelecendo o direito à democracia bem como superando a antiga preocupação de defesa da ordem democrática somente nos casos de golpes de Estado que caracterizaram a região por décadas A Carta possui 28 artigos divididos em 6 partes I a democracia e o sistema interamericano II a democracia e os direitos III democracia desenvolvimento integral e combate à pobreza IV fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática V a democracia e as missões de observação eleitoral e VI promoção da cultura democrática A Parte I abarca disposições gerais sobre o exercício da democracia na região latino americana A democracia é tida como direito tendo os governos o dever de promovêla e defendêla artigo 1º e sendo o seu exercício a base do Estado de Direito este deve ser realizado de forma ética e responsável com a participação permanente dos cidadãos artigo 2º Como elementos da democracia o artigo 3º aponta o respeito dos direitos humanos e liberdades fundamentais a realização de eleições periódicas livres e justas o sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo o pluralismo de partidos políticos e a separação dos poderes públicos O artigo 4º por sua vez elenca a transparência a probidade a responsabilidade na gestão pública e o respeito aos direitos sociais e à liberdade de imprensa como componentes fundamentais ao exercício da democracia O artigo 5º demonstra preocupação com o papel dos partidos políticos na democracia diante dos altos custos de suas campanhas eleitorais primando pelo estabelecimento de regime equilibrado e transparente de seus financiamentos Já o artigo 6º evidencia a importância da participação popular a qual é concomitantemente direito responsabilidade e condição para o exercício efetivo da democracia A Parte II enfatiza a indispensabilidade da democracia para o pleno exercício dos direitos humanos artigo 7º Como violações a tais direitos podem gerar denúncia aos órgãos do sistema interamericano os Estados devem assegurar a sua proteção artigo 8º Nesse sentido a promoção dos direitos humanos e da diversidade e a eliminação de toda forma de discriminação e intolerância fortalecem a democracia e a participação cidadã artigo 9º O artigo 10 lembra também que a melhoria das condições de trabalho e qualidade de vida dos trabalhadores auxilia na promoção da democracia A relação entre democracia pobreza e desenvolvimento é analisada na Parte III Expressa se a interdependência e o reforço mútuo entre os três conceitos artigo 11 assinalando que os baixos índices de desenvolvimento contribuem negativamente para a democracia de modo que os Estados devem adotar ações objetivando a criação de empregos a redução da pobreza e a coesão social artigo 12 O crescimento econômico por sua vez pressupõe a promoção dos direitos de cunho econômico social e cultural artigo 13 e os Estados devem fomentar o diálogo e cooperação para promovêlos artigo 14 O exercício da democracia também contribui para o desenvolvimento sustentável de modo que políticas de preservação ambiental devem ser adotadas pelos Estados artigo 15 Grifase ademais que a educação acessível para todos é fundamental para a consolidação das instituições democráticas e para o crescimento econômico artigo 16 A manutenção das instituições democráticas é o foco da Parte IV da Carta Democrática Interamericana Estabelecese que caso se considere que o processo político democrático ou o seu exercício estão em risco o SecretárioGeral ou o Conselho Permanente podem com o consentimento prévio do governo afetado realizar visitas e elaborar relatórios de avaliação coletiva da situação para instruir o Conselho Permanente sobre a necessidade de adotar medidas para preservar e consolidar a democracia na região artigos 17 e 18 Tal prerrogativa do Conselho Permanente de atuação para a normalização da institucionalidade democrática também pode ser provocada pelos Estadosmembros artigo 20 A ruptura da ordem democrática ou alteração constitucional que a afete gravemente constitui enquanto durar obstáculo à participação de membro na Assembleia Geral e demais órgãos estabelecidos na OEA ficando o Estado suspenso mediante voto afirmativo de dois terços dos demais membros o que já consta do Protocolo de Washington de 1992 que reformou a Carta da OEA Contudo tal suspensão não escusa o Estado do cumprimento de suas obrigações como membro da OEA especialmente o respeito aos direitos humanos artigos 19 e 21 Para a superação da suspensão quando cessada a situação que lhe deu causa exigese o mesmo quórum de dois terços artigo 22 No âmbito da responsabilidade dos Estados pela organização de processos eleitorais livres e justos a Parte V trata das missões de observação eleitorais as quais podem ser solicitadas por Estadosmembros para auxiliarem no desenvolvimento das instituições e processos eleitorais artigo 23 A formalização e o alcance das missões de observação eleitorais imparciais e independentes são estipulados em convênio celebrado entre o SecretárioGeral e o Estado solicitante e os resultados sobre as condições necessárias à realização de eleições livre e justas são apresentados ao Conselho Permanente o qual caso necessário pode enviar missões especiais para melhorar os indicadores potencialmente problemáticos artigos 24 25 e 26 Por fim a Parte VI versa sobre a promoção da cultura democrática a qual abarca o desenvolvimento de programas que considerem a democracia como sistema de vida com liberdade e desenvolvimento econômico social e cultural artigo 26 Tais programas devem ter como objetivos específicos a promoção da governabilidade boa gestão e fortalecimento das instituições políticas com especial atenção para a educação na infância e juventude como ferramenta para a continuidade dos valores democráticos e para a participação da mulher nas estruturas políticas artigos 27 e 28 A Carta Democrática Interamericana é valioso instrumento para a interpretação do direito à democracia e dos direitos políticos no Brasil especialmente diante de inovações como a Lei da Ficha Limpa que busca afastar temporariamente da possibilidade de ser eleito aqueles cuja conduta revela falta de compromisso com o direito à boa governança entre outros 240 QUADRO SINÓTICO Carta Democrática Interamericana CDI Natureza jurídica Soft law mas deve ser utilizado como instrumento de interpretação dos deveres do Estado na promoção da democracia que consta da Carta da OEA Objetivo Tratar de maneira ampla o direito à democracia tanto no aspecto formal eleições livres periódicas e justas quanto no aspecto material ou substancial que abarca a justiça social e o desenvolvimento sustentável Uso no Brasil A CDI é valioso instrumento para a interpretação do direito à democracia e dos direitos políticos no Brasil especialmente diante de inovações como a Lei da Ficha Limpa que busca afastar temporariamente das eleições aqueles cuja conduta revela falta de compromisso com o direito à boa governança entre outros 11 Carta Social das Américas A Carta Social das Américas foi aprovada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos OEA em 2012 em linha com o que dispõe a Carta Democrática Interamericana no que tange à interdependência entre o desenvolvimento econômico e social e a democracia A Carta estimula os Estados a erradicar a pobreza enfrentar a exclusão social e combater a desigualdade que são considerados óbices à consolidação da democracia no continente A Carta possui 35 artigos divididos em 5 capítulos 1 justiça social desenvolvimento com igualdade e democracia 2 desenvolvimento econômico inclusivo e equitativo 3 desenvolvimento cultural diversidade e pluralidade 4 solidariedade e esforço conjunto das Américas e 5 cooperação interamericana para a obtenção de justiça social e eliminação da pobreza Nos considerandos a Carta reconhece a universalidade a indivisibilidade e a interdependência de todos os direitos humanos e seu papel essencial para o desenvolvimento social e a realização do potencial humano e reconhecendo a legitimidade e a importância do Direito Internacional dos Direitos Humanos para sua promoção e proteção Entretanto esse reconhecimento da indivisibilidade dos direitos humanos não impede a Carta de prever timidamente a adoção progressiva de medidas para implementar os direitos sociais em sentido amplo por parte dos Estados membros o que não ocorre com os direitos civis e políticos O primeiro capítulo abarca dispositivos sobre a busca pela justiça social que deve ser promovida pelos Estados já que o desenvolvimento com igualdade fortalece a democracia sendo ambos interdependentes e se reforçam mutuamente Foi enfatizado que a garantia dos direitos econômicos sociais e culturais são inerentes ao desenvolvimento integral ao crescimento econômico com igualdade e à consolidação da democracia nos Estados art 2º Contudo os Estados devem implementar tais direitos apenas progressivamente pela adoção de políticas e programas que considerem mais eficazes e adequados às suas necessidades em conformidade com as escolhas democráticas e os recursos disponíveis O combate à pobreza deve ser objetivo do Estado para que seja suprimida a exclusão social e desigualdade devendo ser adotadas políticas e programas públicos para alcançar esse fim Por sua vez cada Estado tem a responsabilidade primordial pelo seu desenvolvimento e ao escolher seu sistema econômico e social em um ambiente de democracia deve buscar o estabelecimento de uma ordem econômica e social mais justa que possibilite a plena realização do ser humano Nessa linha a Carta estipula que a pessoa humana é o centro partícipe e beneficiária principal do processo de desenvolvimento econômico inclusivo justo e equitativo art 6º Por isso as políticas econômicas e sociais devem promover a geração de emprego e a redução da desigualdade de renda focando no combate à pobreza desigualdade e dignidade o que é uma luta conjunta do Estado e da sociedade civil Os Estados devem buscar eliminar os obstáculos ao desenvolvimento com vistas à consolidação e plena vigência dos direitos civis políticos econômicos sociais e culturais art 7º No tocante aos direitos dos trabalhadores cabe ao Estado a promoção do trabalho decente a redução do desemprego e do subemprego e a atenção aos desafios do trabalho informal que constituem elementos essenciais para que se alcance o desenvolvimento econômico com igualdade art 8º A Carta faz ainda referência à Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Acompanhamento de 1998 pela qual se busca o fomento de uma força de trabalho de qualidade e com justiça social Além disso os Estados devem promover e executar políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico com justiça social reconhecendo a importância dos programas que contribuam para a inclusão e a coesão social e gerem renda e emprego A Carta ressalta o importante papel das micro pequenas e médias empresas bem como das cooperativas e outras unidades de produção As políticas públicas e as estruturas normativas devem promover a criação de novas empresas e a incorporação do setor informal à economia formal art 9º Apesar da forte inclinação na proteção dos trabalhadores e dos setores excluídos das sociedades americanas a Carta reconhece o direito de propriedade art 11 pugnando pela criação de um sistema de direitos de propriedade voltado a oferta de segurança jurídica aos povos das Américas facilitando a formação de capital e promovendo o desenvolvimento econômico com justiça social e desse modo contribuindo para a sua prosperidade geral A Carta valorizou também o meio ambiente os Estados promoverão em parceria com o setor privado e a sociedade civil o desenvolvimento sustentável por meio do crescimento econômico do desenvolvimento social e da conservação e uso sustentável dos recursos naturais Por sua vez a Carta estabelece que os Estados devem implementar políticas de proteção social integral com prioridade aos vulneráveis art 14 reconhecendo as contribuições dos povos indígenas afrodescendentes e comunidades migrantes para o processo histórico continental devendose valorizálas Por isso cabe aos Estados adotar políticas para promover a inclusão e prevenir combater e eliminar todo tipo de intolerância e discriminação especialmente a discriminação de gênero étnica e racial para resguardar a igualdade de direitos e oportunidades e fortalecer os valores democráticos Tal qual a Carta Democrática Interamericana a Carta Social das Américas CSA não é um texto vinculante possuindo a natureza jurídica de soft law primária ou seja um diploma não vinculante que serve para apontar aos Estados condutas que podem se transformar em normas vinculantes no futuro pela sua aceitação como norma consuetudinária ou inserção em tratados internacionais Outra possibilidade de aplicação da Carta Social é seu uso pela Corte Interamericana de Direitos Humanos como instrumento de interpretação da dimensão social dos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos QUADRO SINÓTICO Carta Social das Américas CSA Natureza jurídica Soft law mas pode ser utilizado como instrumento de interpretação da dignidade humana e da dimensão social dos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos Objetivo Tratar dos direitos sociais e das missões dos Estados no combate à pobreza exclusão social e miséria no continente Vincula ainda desenvolvimento social com democracia Uso no Brasil A CSA é valioso instrumento para a interpretação dos deveres do Estado na elaboração de políticas econômicas que não podem gerar mais exclusão e concentração de renda 12 Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas A crescente longevidade da humanidade impacta no crescimento da população idosa que abrange os indivíduos de 60 anos ou mais Dados da ONU indicam que o número de pessoas idosas no mundo dobrará de aproximadamente 841 milhões em 2013 para mais de 2 bilhões em 2050 241 A longevidade crescente obtida pela humanidade e o consequente envelhecimento populacional global sensibilizou a Organização das Nações Unidas a tratar da matéria nas últimas décadas com a adoção dos seguintes textos normativos i Plano Internacional de Ação sobre Envelhecimento fruto de conferência mundial sobre envelhecimento organizada pela ONU ii Resolução n 45106 da Assembleia Geral de 1990 que designou o dia 1º de outubro como o Dia Internacional da Pessoa Idosa iii Resolução n 46 de 1991 que adotou os Princípios das Nações Unidas em favor das Pessoas Idosas Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento de Madri de 2002 na segunda conferência mundial sobre a temática organizada pela ONU entre outros Esses textos não são dotadas de força vinculante compondo a soft law da matéria mas que podem servir para interpretação em face da pessoa idosa do alcance dos direitos previstos nos tratados No plano convencional onusiano o Comentário ou Observação Geral n 6 1996 do Comitê para os Direitos Sociais Econômicos e Culturais do PIDESC Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais fez aprofundada interpretação dos direitos das pessoas idosas com base nos ditames do Pacto Em 2014 o Conselho de Direitos Humanos da ONU designou um Especialista Independente para o gozo de todos os direitos humanos das pessoas idosas No plano interamericano foi adotada a Declaração de Brasília sobre o Envelhecimento durante a II Conferência Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e no Caribe em dezembro de 2007 Nesse diploma de soft law ficou claro que a velhice não pode mais ser tratada como uma etapa de vida episódica ou mesmo curta mas sim como uma fase regular e cada vez maior da vida do ser humano Em 2015 a OEA deu um importante passo adicional ao adotar a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas A Convenção já foi assinada pelo Brasil 1562015 mas ainda não foi ratificada e incorporada internamente na data do fechamento deste Curso Possui em 2019 7 Estados partes Essa Convenção é pioneira nas Américas e também precede a eventual tratado universal sobre os direitos das pessoas idosas A adoção de um tratado específico fornece i visibilidade e ii aprofunda a redação e amplitude dos direitos ao segmento vulnerável como ocorreu agora com a Convenção Interamericana A Convenção é composta por 41 artigos e visa promover proteger e assegurar o pleno gozo e exercício dos direitos do idoso Define inicialmente a pessoa idosa como aquela com 60 anos ou mais exceto se a lei interna determinar uma idadebase menor ou maior desde que esta não seja superior a 65 anos No Brasil em linha com a Convenção o Estatuto do Idoso Lei n 107412003 define a pessoa idosa como aquela com idade igual ou superior a 60 anos Em 2017 foi editada a Lei n 13466 pela qual foi alterado o Estatuto do Idoso tendo sido prevista a figura qualificada do idoso com mais de 80 anos A nova lei assegurou dentre os idosos prioridade especial aos maiores de oitenta anos atendendose suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos O envelhecimento consiste para a Convenção em um processo gradual que se desenvolve durante o curso de vida e que implica alterações biológicas fisiológicas psicossociais e funcionais de várias consequências as quais se associam com interações dinâmicas e permanentes entre o sujeito e seu meio Por isso a Convenção adota como dever do Estado a promoção do envelhecimento ativo e saudável que consiste no processo pelo qual se otimizam as oportunidades de bemestar físico mental e social da pessoa idosa possibilitando a participação em atividades sociais econômicas culturais espirituais e cívicas bem como assegurando proteção segurança e atenção com o objetivo de ampliar sua expectativa de vida saudável e com qualidade e permitindo à pessoa idosa seguir contribuindo ativamente nas relações familiares e sociais O principal vetor da Convenção é a promoção de direitos da pessoa idosa pautada na dignidade independência protagonismo e autonomia Assim não é possível em virtude da idade excluir a pessoa idosa das decisões que a afetem Entre os principais direitos assegurados pela Convenção estão i Direito à vida digna na velhice A pessoa idosa tem direito à vida digna na velhice em igualdade de condições com outros setores da população A Convenção não adotou posição sobre a eutanásia 242 mas exige dos Estados que estabeleçam os cuidados paliativos que consiste na atenção e no cuidado ativo integral e interdisciplinar de pacientes cuja enfermidade não responde a um tratamento curativo ou que sofrem dores evitáveis a fim de melhorar sua qualidade de vida até a morte De acordo com a Convenção os cuidados paliativos não aceleram nem retardam a morte Os Estados devem ainda estabelecer medidas que impeçam o sofrimento desnecessário e as intervenções fúteis e inúteis a chamada obstinação terapêutica em conformidade com o direito do idoso a expressar o consentimento informado ii Direito à independência e à autonomia O respeito à autonomia da pessoa idosa na tomada de suas decisões bem como a independência na realização de seus atos implica uma série de consequências como por exemplo que a pessoa idosa tenha a oportunidade de escolher seu lugar de residência e onde e com quem viver em igualdade de condições com as demais pessoas e não se veja obrigado a viver de acordo com um sistema de vida específico iii Direito à participação e integração comunitária A pessoa idosa tem direito à participação ativa produtiva plena e efetiva dentro da família da comunidade e da sociedade para sua integração em todas elas iv Direito à saúde e consentimento livre e informado A pessoa idosa tem direito a aceitar recusar ou interromper voluntariamente tratamentos médicos ou cirúrgicos inclusive os da medicina tradicional alternativa e complementar pesquisa experimentos médicos ou científicos sejam de caráter físico ou psíquico e a receber informação clara e oportuna sobre as possíveis consequências e os riscos dessa decisão v Direitos à seguridade social Todo idoso tem direito à seguridade social que o proteja para levar uma vida digna vi Direito ao trabalho A pessoa idosa tem direito ao trabalho digno e à igualdade de oportunidades e de tratamento em relação aos outros trabalhadores independentemente da idade Por sua vez a Convenção prevê que os Estados devem adotar as medidas legislativas administrativas ou de outra índole para promover o emprego formal do idoso e regular as diversas formas de autoemprego e o emprego doméstico e para impedir a discriminação profissional do idoso O conjunto de direitos previsto na Convenção pode ser resumido como consistindo no direito ao cuidado com autonomia e protagonismo da pessoa idosa QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos das Pessoas Idosas Natureza jurídica Tratado assinado mas não ratificado ainda pelo Brasil Objetivo Fomentar o envelhecimento ativo e saudável que consiste no processo pelo qual se otimizam as oportunidades de bemestar físico mental e social da pessoa idosa possibilitando a participação em atividades sociais econômicas culturais espirituais e cívicas bem como assegurando proteção segurança e atenção com o objetivo de ampliar sua expectativa de vida saudável e com qualidade e permitindo à pessoa idosa seguir contribuindo ativamente nas relações familiares e sociais Essência da Convenção Promoção de direitos da pessoa idosa pautada na dignidade independência protagonismo e autonomia Assim não é possível em virtude da idade excluir a pessoa idosa das decisões que a afetem 13 Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância Em junho de 2013 na Assembleia ordinária da Organização dos Estados Americanos realizada em Antígua foram aprovadas duas importantes convenções contra a intolerância e discriminação a Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância numerada como A68 e a Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância numerada como A69 A elaboração dessas convenções teve início com a iniciativa em 2000 da Assembleia Geral da OEA que recomendou ao Conselho Permanente que estudasse a possibilidade de elaborar projeto de convenção interamericana para prevenir sancionar e erradicar o racismo e toda forma de discriminação e intolerância Em 2011 o Grupo de Trabalho encarregado da redação da minuta do texto entendeu ser necessário dividir o projeto original abandonandose a ideia de uma grande convenção antidiscriminação uma vez que alguns Estados não ratificariam uma convenção que abarcasse temas envolvendo identidade de gênero e orientação sexual Por isso a primeira convenção A68 centrouse no combate ao racismo e à discriminação racial a segunda A69 ataca a discriminação e a intolerância em geral combatendo facetas inéditas no Direito Internacional convencional referentes à discriminação como aquelas geradas por orientação sexual identidade de gênero e condição infectocontagiosa estigmatizada Essas convenções tratam de atualizar e fazer avançar o acervo antidiscriminatório do Direito Internacional dos Direitos Humanos que tem seu marco inicial na edição da Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 Quanto à Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância esta já foi assinada mas não ratificada pelo Brasil Possui até 2019 apenas um Estado parte Uruguai 243 Essa Convenção é pioneira nas Américas e também precede a eventual tratado universal sobre o combate à discriminação e intolerância em geral Além disso essa convenção realizou avanço significativo na matéria nenhuma outra convenção de direitos humanos possui até o momento um conceito tão inclusivo no que tange às diferentes facetas da discriminação explicitando fatores de discriminação e grupos vulneráveis como a orientação sexual e migrantes outrora esquecidos Em linhas gerais a adoção de um tratado específico sobre discriminação e intolerância é importante porque fornece i visibilidade e ii aprofunda a redação e amplitude dos direitos ao segmento vulnerável como ocorreu agora com essa Convenção Interamericana Nos Considerandos a Convenção estabelece o dever dos Estados de fomentar e estimular o respeito aos direitos humanos sem distinção de sexo idade orientação sexual idioma religião opiniões políticas ou de qualquer natureza origem social posição econômica condição de migrante refugiado ou deslocado interno nascimento condição infectocontagiosa estigmatizada característica genética deficiência sofrimento psíquico incapacitante ou qualquer outra condição social Por isso fica estabelecido que uma sociedade pluralista e democrática deve respeitar a identidade cultural linguística religiosa de gênero e sexual de toda pessoa que pertença ou não a uma minoria bem como criar condições que lhe permitam expressar preservar e desenvolver tal identidade A Convenção é composta por 22 artigos e visa a promoção de direitos pautada na dignidade ausência de qualquer discriminação odiosa e respeito à alteridade combatendo simultaneamente a intolerância e a busca da exclusão ilegítima do outro Nessa linha a Convenção define discriminação como sendo qualquer i distinção ii exclusão iii restrição ou iv preferência em qualquer esfera pública ou privada que tenha como objetivo ou efeito anular ou limitar o reconhecimento gozo ou exercício em condições de igualdade de direitos humanos consagrados em instrumentos internacionais Assim a discriminação é todo tratamento de diferenciação restrição ou mesmo exclusão sem justificativa racional e proporcional realizado por agentes públicos ou privados visando a privação ou prejuízo a direitos de outrem Na linha dos considerandos o art 11 da Convenção estipula que a discriminação pode estar baseada em 15 motivos a saber i nacionalidade ii idade iii sexo iv orientação sexual v identidade e expressão de gênero 244 vi idioma vii religião viii identidade cultural ix opiniões políticas ou de qualquer natureza x origem social xi posição socioeconômica xii nível de educação xiii condição migratória de refugiado repatriado apátrida ou deslocado interno xiv deficiência xv característica genética xvi condição de saúde mental ou física incluindo doença infectocontagiosa psíquica incapacitante ou qualquer outra A discriminação pode ser direta ou indireta a discriminação direta assume um dos critérios de diferenciação vistos acima para gerar desvantagem de modo desigual e injusto a discriminação indireta adota critério aparentemente neutro mas que implica em desvantagem maior para os que pertencem a determinado grupo Ainda a discriminação pode ser múltipla ou agravada que consiste em qualquer preferência distinção exclusão ou restrição baseada concomitantemente em dois ou mais fatores de diferenciação já expostos acima A Convenção não considera discriminação odiosa as medidas especiais ou ações afirmativas que são adotadas para assegurar a igualdade material e o exercício de direitos por parte de determinados grupos desde que tais medidas não impliquem na manutenção de direitos separados para grupos distintos e ainda que sejam temporárias até que seus objetivos sejam atingidos Já a intolerância consiste no ato conjunto de atos ou manifestações que expressam o desrespeito rechaço ou desprezo da dignidade características convicções e opiniões de seres humanos por serem diferentes ou contrárias A intolerância pode ser manifestada em atos de marginalização ou mesmo exclusão da participação na vida pública ou privada de grupos em condições de vulnerabilidade bem como pode ser expressa em atos de violência Entre seus principais dispositivos estão i Direitos protegidos A Convenção determina que todo ser humano é igual perante a lei e tem direito à proteção igualitária contra toda forma de discriminação e intolerância em qualquer âmbito da sua vida pública e privada Nessa linha todo ser humano tem o direito ao reconhecimento gozo exercício e proteção em condições de igualdade de todos os demais direitos e liberdades consagrados no direito nacional e internacional tanto no âmbito individual quanto no coletivo ii Reconhecimento do dever do Estado em prevenir e reprimir a discriminação e intolerância Os Estados devem prevenir eliminar proibir e sancionar os atos e manifestações de intolerância e discriminação em todas as áreas o que inclui o uso da internet ou qualquer meio de comunicação para tais propósitos combate ao hate speech iii Adoção de políticas e ações afirmativas Os Estados devem adotar políticas e ações afirmativas para garantir o gozo e o exercício de direitos por parte das pessoas e grupos discriminados e alvos de intolerância com o objetivo de promover condições de igualdade e oportunidade para todos iv Representação política pautada na diversidade Os Estados devem assegurar que seus sistemas políticos e jurídicos reflitam apropriadamente a diversidade dentro de suas sociedades a fim de atender às necessidades especiais e legítimas de cada setor da população para combater a discriminação e intolerância v Mandados de criminalização Os Estados comprometemse a assegurar às vítimas de discriminação e intolerância um tratamento equitativo igualitário e não discriminatório no acesso ao sistema justiça com processos ágeis e eficazes para que seja obtida uma justa reparação no âmbito civil ou penal vi Supervisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos A Convenção estabelece sistema de petição individual e interestatal para a Comissão IDH que por sua vez pode enviar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos caso o Estado infrator tenha reconhecido a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte vii Comitê Interamericano para a Prevenção e Eliminação do Racismo Discriminação Racial e Todas as Formas de Discriminação e Intolerância Foi criado um Comitê composto por especialistas independentes nomeados pelos Estados Partes que tem a atribuição de monitorar os compromissos assumidos perante esta Convenção e também perante a Convenção Interamericana contra o Racismo a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância a seguir comentada QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância Natureza jurídica Tratado assinado mas não ratificado ainda pelo Brasil Objetivo Promover o respeito aos direitos sem discriminação odiosa de qualquer natureza abrangendo fatores de discriminação e intolerância não mencionados explicitamente em tratados anteriores como a discriminação por orientação sexual por condição infectocontagiosa estigmatizada etc Essência Estabelece o dever dos Estados de fomentar e estimular o respeito aos direitos humanos sem distinção de sexo idade orientação sexual idioma religião opiniões políticas ou de qualquer natureza origem social da Convenção posição econômica condição de migrante refugiado ou deslocado interno nascimento condição infectocontagiosa estigmatizada característica genética deficiência sofrimento psíquico incapacitante ou qualquer outra condição social 14 Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância A Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância foi aprovada em 2013 pela Organização dos Estados Americanos tendo já sido assinada mas não ratificada pelo Brasil Atualmente em vigor possui em 2019 somente 3 Estados partes 245 Nos Considerandos a Convenção estabelece o dever dos Estados de erradicar total e incondicionalmente o racismo a discriminação racial e toda forma de intolerância Por isso fica estabelecido que o Estado democrático deve fomentar a igualdade jurídica efetiva e ainda criar mecanismos que favoreçam a igualdade de oportunidade combatendo a discriminação racial em todas as suas manifestações individuais estruturais e institucionais Para a Convenção o racismo consiste em qualquer teoria doutrina ideologia ou conjunto de ideia que sustenta a existência de um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupo de indivíduos com suas características intelectuais culturais e de personalidade incluindo o falso conceito de superioridade racial Já a discriminação racial consiste em qualquer i distinção ii exclusão iii restrição ou iv preferência em qualquer esfera pública ou privada baseada em motivos de raça cor linhagem ou origem nacional ou étnica que tenha como objetivo ou efeito anular ou limitar o reconhecimento gozo ou exercício em condições de igualdade de direitos humanos consagrados em instrumentos internacionais Assim a discriminação é todo tratamento de diferenciação restrição ou mesmo exclusão sem justificativa razoável realizado por agentes públicos ou privados visando a privação ou prejuízo a direitos de outrem Por sua vez tal qual visto na Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância não se considera discriminação odiosa as medidas especiais ou ações afirmativas que são adotadas para assegurar a igualdade material e o exercício de direitos por parte de determinados grupos desde que tais medidas não impliquem na manutenção de direitos separados para grupos distintos e ainda que sejam temporárias até que seus objetivos sejam atingidos A Convenção é composta por 22 artigos e entre seus principais dispositivos estão i Direitos protegidos A Convenção estipula que todo ser humano é igual perante a lei e tem o direito à idêntica proteção contra o racismo a discriminação racial e formas conexas de intolerância em qualquer âmbito da vida pública e privada Nessa linha todo ser humano tem o direito ao reconhecimento gozo exercício e proteção em condições de igualdade de todos os demais direitos e liberdades consagrados no direito nacional e internacional tanto no âmbito individual quanto no coletivo ii Reconhecimento do dever do Estado em prevenir eliminar proibir e sancionar A Convenção determina que os Estados adotem medidas para prevenir eliminar proibir e sancionar todos os atos e manifestações de racismo discriminação racial e formas conexas de intolerância o que inclui o apoio privado ou público a atividades racialmente discriminatórias e racistas promoção de ódio qualquer tipo de defesa ou promoção de atos de genocídio ou de crimes contra a humanidade entre outros iii Adoção de políticas e ações afirmativas Os Estados devem adotar políticas e ações afirmativas para garantir o gozo e o exercício de direitos por parte das pessoas e grupos discriminados com o objetivo de promover condições de igualdade e oportunidade para todos iv Adoção de leis contra o racismo Os Estados devem adotar legislação que defina e proíba claramente o racismo discriminação racial e formas conexas de intolerância tanto no setor público quanto no privado em especial na área do emprego participação em organizações profissionais educação moradia saúde etc v Mandados de criminalização Os Estados comprometemse a assegurar às vítimas de discriminação e intolerância um tratamento equitativo igualitário e não discriminatório no acesso ao sistema justiça com processos ágeis e eficazes para que seja obtida uma justa reparação no âmbito civil ou penal vi Supervisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos A Convenção estabelece sistema de petição individual e interestatal para a Comissão IDH que por sua vez pode enviar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos caso o Estado infrator tenha reconhecido a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte vii Comitê Interamericano para a Prevenção e Eliminação do Racismo Discriminação Racial e Todas as Formas de Discriminação e Intolerância Foi criado um Comitê composto por especialistas independentes nomeados pelos Estados Partes que tem a atribuição de monitorar os compromissos assumidos perante esta Convenção e também perante a Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância já comentada QUADRO SINÓTICO Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância Natureza jurídica Tratado assinado mas não ratificado ainda pelo Brasil Objetivo Busca erradicar total e incondicionalmente o racismo a discriminação racial e toda forma de intolerância Por isso fica estabelecido que o Estado democrático deve fomentar a igualdade jurídica efetiva e ainda criar mecanismos que favoreçam a igualdade de oportunidade combatendo a discriminação racial em todas as suas manifestações individuais estruturais e institucionais Essência da Convenção Reforça o dever dos Estados de combater o racismo a discriminação racial e as formas conexas de intolerância estipulando uma série de condutas a serem adotadas 15 Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas Como resultado de quase duas décadas de elaboração de um documento para a promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas nas Américas foi aprovada à unanimidade pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 15 de junho de 2016 AGdoc553716 a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas Tratase de instrumento de soft law que não possui força vinculante mas que pode servir para orientar a interpretação de tratados como a Convenção Americana de Direitos Humanos em sua incidência sobre a temática indígena Pautada pelo reconhecimento da contribuição dos povos indígenas para o desenvolvimento pluralidade e diversidade cultural das Américas a Declaração possui como objetivo respeitar e promover os direitos dos povos indígenas no continente americano nos seus aspectos políticos econômicos sociais culturais espirituais históricos e filosóficos Com um total de 41 artigos a Declaração é dividida em seis seções a seção primeira que abarca o âmbito de aplicação da declaração a seção segunda que aborda os direitos humanos e os direitos coletivos a seção terceira centrada na identidade cultural indígena a seção quarta relativa aos direitos de organização e aos direitos políticos a seção quinta que versa sobre os direitos sociais econômicos e de propriedade e a seção sexta com dispositivos gerais O artigo I determina o escopo de aplicação da declaração a todos os povos indígenas da América com especial valoração para a autoidentificação como critério de reconhecimento Em complementação os artigos II e III estipulam o respeito ao caráter pluricultural e multilíngue dos povos indígenas e o seu direito à autodeterminação O escopo de aplicação da declaração é limitado pelo artigo IV que impede a sua interpretação em sentido contrário à Carta da OEA ou que coloque em risco a integridade territorial e a unidade política dos Estados membros Na seção segunda relativa aos direitos humanos e coletivos dos povos indígenas os artigos V e VI reiteram a máxima do gozo de todos os direitos humanos pelos indígenas assim como dos direitos coletivos indispensáveis para a sua existência bemestar e desenvolvimento integral como povo O artigo VII por sua vez expressa a igualdade de gênero enfatizando os direitos das mulheres indígenas à proteção contra todas as formas de discriminação e violência Já o direito a pertencer a um povo indígena de acordo com a sua identidade tradição e costumes vedada qualquer hipótese de discriminação está expresso no artigo VIII A seguir os artigos IX e X reconhecem a personalidade jurídica dos povos indígenas e o direito de expressão livre da sua identidade cultural proibindo as tentativas externas de assimilação ou destruição da cultura indígena Os dois artigos subsequentes vedam práticas odiosas contra indígenas especificamente o genocídio racismo xenofobia e intolerância as quais devem ser combatidas com medidas preventivas e corretivas estatais A identidade cultural tema abordado na seção terceira é definida no artigo XIII como a integridade cultural e o patrimônio tangível e intangível histórico e ancestral a ser preservado para a coletividade e para as gerações futuras Ocorrendo violação à identidade cultural os Estados devem garantir a reparação aos indígenas por meio de mecanismos de restituição dos bens culturais intelectuais religiosos e espirituais dos quais os indígenas foram privados sem o seu consentimento O artigo XIV versa sobre os sistemas de linguagem e comunicação indígenas os quais devem ser preservados utilizados e repassados Na mesma linha o direito à educação a todas as crianças indígenas sem discriminação em relação aos não indígenas é previsto no artigo XV o qual autoriza ainda a educação nos métodos culturais de aprendizagem indígena inclusive em seus próprios idiomas Já o artigo XVI foca na liberdade de exercício da espiritualidade indígena nas suas mais diversas formas o qual inclui a realização de tradições e cerimônias em público o acesso a locais sagrados e a proteção dos símbolos religiosos Nos ditames do artigo XVII é garantida ainda a preservação dos próprios sistemas de família indígenas nas variadas formas de união patrimonial filiação e descendência Nas questões de custódia e adoção prevêse o melhor interesse da criança indígena como critério norteador abarcando o direito de desfrutar da própria cultura religião e idioma O direito à saúde é tutelado de forma ampla no artigo XVIII Permitese o uso dos sistemas e práticas de saúde indígenas plantas animais e minerais de uso medicinal assim como o acesso irrestrito aos serviços de saúde acessíveis à população em geral ao mesmo tempo em que vedase a experimentação médica ou biológica e a esterilização sem consentimento Intrinsecamente ligado ao direito à saúde indígena o direito ao meio ambiente sadio está disposto no artigo XIX com destaque para o manejo sustentável das terras territórios e recursos indígenas Aos indígenas são garantidos igualmente os direitos de organização e os direitos políticos O artigo XX reforça os direitos de livre associação reunião liberdade de expressão e pensamento Já os artigos XXI e XXII trazem como consequência do direito a autodeterminação o direito ao autogoverno em questões relacionadas aos assuntos locais e internos indígenas bem como o direito à jurisdição indígena desde que em conformidade com as normas internacionais de proteção aos direitos humanos Ainda os direitos de participação ampla e efetiva dos povos indígenas na vida política estão dispostos no artigo XXIII e o direito dos povos indígenas nos tratados e acordos construtivos é elucidado no artigo XXIV O art XXIII numeral 2 determina que os Estados devem obter o consentimento livre prévio e informado dos povos indígenas antes de adotar e aplicar medidas legislativas ou administrativas que os afetem O direito dos indígenas sobre as terras e recursos que tradicionalmente ocupam e utilizam bem como o reconhecimento das formas alternativas de propriedade posse e domínio de terras são previstas no artigo XXV Igualmente o direito de uma comunidade indígena manter se em isolamento voluntário é resguardado no artigo XXVI O artigo XXVII detalha os direitos trabalhistas dos indígenas fixando a obrigação estatal de adotar medidas para eliminar práticas exploratórias e discriminatórias Por sua vez o patrimônio cultural indígena e a sua propriedade intelectual coletiva a qual inclui os conhecimentos tradicionais sobre recursos genéticos e procedimentos ancestrais são protegidos no artigo XXVIII Reconhecendo as violações e abusos sistemáticos sofridos pelos povos indígenas os artigos XXIX e XXX pormenorizam os direitos ao desenvolvimento político social econômico e cultural à paz à segurança e à proteção dos indígenas limitase a realização de atividades militares em territórios indígenas às situações de interesse público pertinente ou consentimento da parte Na última seção da Declaração os artigos XXXI e XXXII reforçam a obrigação estatal em garantir o pleno gozo de todos os direitos por indígenas sem discriminação de gênero Nessa linha o artigo XXXIII prevê o acesso aos recursos judiciais para a reparação de violação aos direitos indígenas enquanto o artigo XXXIV tutela a participação ampla e efetiva dos indígenas nos referidos procedimentos Além disso os artigos XXXV e XXXVI reiteram a complementaridade entre a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas e o direito internacional dos direitos humanos não sendo autorizada nenhuma interpretação que não esteja de acordo com a proteção internacional de direitos humanos O artigo XXXVII compreende o direito dos povos indígenas a assistência financeira e técnica dos Estados e os artigos XXXVIII a XL estipulam o dever dos Estados membros da OEA em promover o pleno respeito aos direitos da Declaração Finalmente o artigo XLI faz expressa menção à Declaração da ONU sobre o Direito dos Povos Indígenas concluindo que ambas contêm as normas mínimas para a sobrevivência dignidade e bemestar dos povos indígenas das Américas QUADRO SINÓTICO Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas Natureza jurídica Resolução da Assembleia Geral da OEA em 14 de junho de 2016 soft law que não possui força vinculante mas que pode servir para orientar a interpretação de tratados como a Convenção Americana de Direitos Humanos em sua incidência sobre a temática indígena Objetivo Promover e proteger os direitos necessários para a sobrevivência dignidade e bemestar dos povos indígenas nas Américas Essência do documento Reconhecer a contribuição dos povos indígenas para o desenvolvimento pluralidade e diversidade cultural das Américas e promover os direitos dos povos indígenas nos seus aspectos políticos econômicos sociais culturais espirituais históricos e filosóficos 16 Acordo Regional sobre Acesso à Informação Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe Acordo de Escazú O Acordo Regional sobre Acesso à Informação Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe conhecido como Acordo de Escazú cidade da Costa Rica na qual o tratado foi adotado tem por objetivo combater a desigualdade a discriminação e garantir o direito a um meio ambiente saudável e ao desenvolvimento sustentável especialmente em relação às pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade Foi adotado em 2018 no bojo da comemoração do 70º aniversário da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CEPAL e da Declaração Universal dos Direitos Humanos tendo se inspirado na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio20 de 2012 e fundamentado no Princípio 10 246 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 o qual trata do direito de acesso à informação e à reparação de danos Consagra o i multilateralismo regional da América Latina e Caribe estimulado pela Organização das Nações Unidas bem como ii a inserção da temática ambiental no arcabouço de um tratado de direitos humanos O objetivo do Acordo é assegurar a implementação plena e efetiva na América Latina e no Caribe de três direitos a saber i direito de acesso à informação ambiental ii direito de participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais e iii direito de acesso à justiça em questões ambientais Além disso há a previsão de criação e de fortalecimento das capacidades e cooperação contribuindo para a proteção do direito de cada pessoa das gerações presentes e futuras a viver em um meio ambiente saudável e a um desenvolvimento sustentável Por isso o art 4º prevê expressamente que o Estado parte garantirá o direito de toda pessoa a viver em um meio ambiente saudável bem como qualquer outro direito humano universalmente reconhecido que esteja relacionado Nesse sentido ficou explicitado o direito a acessar a informação ambiental que esteja em i poder do Estado sob seu iii controle ou custódia de acordo com o princípio de máxima publicidade O acesso à informação poderá ser recusado em conformidade com a legislação nacional Nessa hipótese a autoridade pública deverá comunicar por escrito a denegação incluindo as disposições jurídicas e as razões que justificarem essa decisão em cada caso e informar ao solicitante sobre seu direito de impugnála e recorrer Caso não haja um regime nacional de exceções ao acesso o acordo prevê a recusa de fornecimento da informação fundada nas seguintes hipóteses i quando a divulgação da informação puder pôr em risco a vida a segurança ou a saúde de uma pessoa física ii quando a divulgação da informação afetar negativamente a segurança nacional a segurança pública ou a defesa nacional iii quando a divulgação da informação afetar negativamente a proteção do meio ambiente inclusive qualquer espécie ameaçada ou em risco de extinção ou iv quando a divulgação da informação gerar um risco claro provável e específico de dano significativo à execução da lei ou à prevenção investigação e persecução de delitos As autoridades competentes deverão responder a um pedido de informação ambiental com a máxima brevidade possível num prazo não superior a 30 dias úteis contados a partir da data de recebimento do pedido ou num prazo menor se assim estiver previsto expressamente na norma interna Importante requisito para o direito de acesso é a coleta e difusão das informações ambientais Por isso o art 6º dispõe sobre a i geração e ii divulgação da informação ambiental que devem ser feitas de modo sistemático proativo oportuno regular acessível e compreensível O acordo enuncia que cada Estado parte envidará todos os esforços para publicar e difundir em intervalos regulares que não superem cinco anos um relatório nacional sobre o meio ambiente que poderá conter a informações sobre o meio ambiente e os recursos naturais incluídos os dados quantitativos quando isso for possível b as ações nacionais para o cumprimento das obrigações legais em matéria ambiental c os avanços na implementação dos direitos de acesso d os convênios de colaboração entre os setores público e privado e a sociedade civil Esses relatórios deverão ser redigidos de maneira que sejam de fácil compreensão estar acessíveis ao público em diferentes formatos e ser difundidos através de meios apropriados considerando as realidades culturais Cada Estado poderá convidar o público a contribuir para esses relatórios e ainda incentivará a realização de avaliações independentes de desempenho ambiental que levem em conta critérios e guias acordados nacional ou internacionalmente e indicadores comuns a fim de avaliar a eficácia a efetividade e o progresso das políticas nacionais ambientais no cumprimento de seus compromissos nacionais e internacionais O Estado deve promover o acesso à informação ambiental contida nas concessões contratos convênios e autorizações que tenham sido concedidas e que envolvam o uso de bens serviços ou recursos públicos de acordo com a legislação nacional Por sua vez o Estado assegurará que os consumidores e usuários contem com informação i oficial ii pertinente e iii clara sobre as qualidades ambientais de bens e serviços e seus efeitos sobre a saúde favorecendo padrões de consumo e produção sustentáveis No tocante ao direito à participação pública há o compromisso de implantar mecanismos de participação do público nos processos de tomada de decisões revisões reexames ou atualizações relativos a projetos e atividades bem como em outros processos de autorizações ambientais que tenham ou possam ter um impacto significativo sobre o meio ambiente incluindo os que possam afetar a saúde Não se trata tão somente de tomar conhecimento o direito do público de participar nos processos de tomada de decisões ambientais incluirá a oportunidade de apresentar observações por meios apropriados e disponíveis que devem ser levadas em consideração pela autoridade pública antes da decisão Evitase assim a queixa tradicional de participação meramente formal da sociedade em audiências públicas Ponto importante envolvendo os direitos linguísticos dos povos indígenas no Brasil consta do acordo que quando o público diretamente afetado falar majoritariamente idiomas distintos dos oficiais a autoridade pública assegurará meios para que se facilite sua compreensão e participação Já quanto ao direito de acesso à justiça em questões ambientais este deve ser assegurado respeitandose as garantias do devido processo Para assegurar esse direito de acesso à justiça o Estado deve contar com a órgãos estatais competentes com acesso a conhecimentos especializados em matéria ambiental b procedimentos efetivos oportunos públicos transparentes imparciais e sem custos proibitivos c legitimação ativa ampla em defesa do meio ambiente em conformidade com a legislação nacional d a possibilidade de dispor de medidas cautelares e provisórias para entre outros fins prevenir fazer cessar mitigar ou recompor danos ao meio ambiente e medidas para facilitar a produção da prova do dano ambiental conforme o caso e se for aplicável como a inversão do ônus da prova e a carga dinâmica da prova f mecanismos de execução e de cumprimento oportunos das decisões judiciais e administrativas correspondentes e g mecanismos de reparação conforme o caso tais como a restituição ao estado anterior ao dano a restauração a compensação ou a imposição de uma sanção econômica a satisfação as garantias de não repetição a atenção às pessoas afetadas e os instrumentos financeiros para apoiar a reparação Tendo em vista os riscos pessoais aos defensores e defensoras de direitos ambientais o Estado deve assegurar que as pessoas os grupos e as organizações protetoras de direitos humanos em questões ambientais possam atuar sem ameaças restrições e insegurança Do ponto de vista institucional ficou estabelecida i a Conferência das Partes e o ii Comitê de Apoio à Implementação e ao Cumprimento como órgão encarregado de zelar por atividades de observância do acordo Cabe lembrar que este acordo é o primeiro tratado que se refere expressamente às pessoas defensoras de direitos humanos preocupandose com sua segurança QUADRO SINÓTICO Acordo Regional sobre Acesso à Informação Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe Acordo de Escazú Natureza jurídica Tratado celebrado sob os auspícios da ONU mas restrito à celebração pelos países da América Latina e Caribe Objetivo Assegurar a implementação plena e efetiva na América Latina e no Caribe de três direitos i direito de acesso à informação ambiental ii direito de participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais iii direito de acesso à justiça em questões ambientais Essência do documento Combater a desigualdade a discriminação e garantir o direito a um meio ambiente saudável e ao desenvolvimento sustentável especialmente em relação às pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade IV O SISTEMA DO MERCADO COMUM DO SUL MERCOSUL 1 Aspectos gerais do Mercosul e a defesa da democracia e dos direitos humanos Fruto de intensas negociações foi assinado em 26 de março de 1991 por Brasil Argentina Uruguai e Paraguai o Tratado de Assunção para Constituição do Mercado Comum do Sul Depois do depósito das devidas ratificações o Tratado de Assunção entrou em vigor em 29 de novembro de 1991 O Tratado de Assunção de 1991 é um marco no lento processo de integração entre as economias dos Estados do Cone Sul americano ao estabelecer como objetivo final a constituição de um mercado comum entre Brasil Argentina Paraguai e Uruguai e a partir de 12 de agosto de 2012 também a Venezuela 247 Em agosto de 2017 a Venezuela foi suspensa das atividades do bloco e só retornará até que haja a restauração da ordem democrática ver abaixo o mecanismo democrático do Mercosul São ainda Estados associados Bolívia Chile a partir de 1996 Peru a partir de 2003 Colômbia Equador a partir de 2004 Guiana e Suriname ambos desde 2013 O direito primário do Mercosul é composto essencialmente pelo Tratado de Assunção 1991 o Protocolo de Ouro Preto 1994 e o Protocolo de Olivos 2004 Esses acordos são considerados tipicamente acordos de integração econômica porque tratam do delineamento básico da organização internacional integracionista seus objetivos e instrumentos bem como seu sistema de solução de controvérsias Não há previsão específica ou capítulo próprio sobre a proteção de direitos humanos nesses tratados Contudo o Tratado de Assunção dispõe em seu preâmbulo sobre vários objetivos relacionados com a qualidade de vida dos indivíduos dos Estados membros do bloco em formação Na primeira alínea do Preâmbulo ficou estabelecido que a ampliação das atuais dimensões dos mercados nacionais dos Estados membros constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social Em complemento reconheceram os Estados que o Mercosul deve almejar melhorar as condições de vida de seus habitantes alínea sexta do Preâmbulo No Protocolo de Ouro Preto 1994 houve uma breve menção no Preâmbulo à necessidade de uma consideração especial para países e regiões menos desenvolvidos do Mercosul Assim há nos preâmbulos dos dois principais acordos do Direito do Mercosul uma fraca menção a objetivos sociais ou não econômicos da integração Todavia não há nos textos dos citados tratados qualquer menção explícita à proteção de direitos humanos ou a sua relação com o processo de integração Essa tibieza dos Estados é explicada pela concepção minimalista do Mercosul que objetiva a formação de um Mercado Comum em etapas sendo que a mais factível de ser alcançada ainda em formação é a união aduaneira Nesse contexto não havia maior divagação sobre o impacto da integração econômica na proteção de direitos humanos 2 Os protocolos de Ushuaia I e II Em que pese a ausência de menções específicas sobre a proteção de direitos humanos no Tratado de Assunção e no Protocolo de Ouro Preto espinha dorsal do Mercosul até o momento e também a ausência de um catálogo de direitos como o existente na União Europeia Carta de Direitos Fundamentais 248 houve evidente evolução na determinação dos direitos no âmbito do Mercosul especialmente no que tange à admissão e permanência dos Estados no bloco Em 1998 foi assinado o Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no Mercosul 249 por meio do qual os quatro membros e os dois Estados associados Chile e Bolívia reconheceram em um tratado internacional que a vigência das instituições democráticas é condição necessária para o gozo dos direitos de Estado membro ou associado do processo de integração do Cone Sul Assim toda ruptura da ordem democrática é considerada um obstáculo intransponível para o ingresso no bloco ou a continuidade do processo de integração No caso de ruptura da ordem democrática em um Estado Parte do Protocolo os demais Estados Partes iniciarão consultas entre si e com o Estado em crise Quando as consultas resultarem infrutíferas os demais Estados Partes do Protocolo no âmbito específico dos acordos de Integração vigentes entre eles devem decidir sobre a natureza e o alcance das medidas de coerção objetivando o retorno ao regime democrático serem aplicadas levando em conta a gravidade da situação existente O Protocolo em seu artigo 5º estabelece que as medidas compreenderão desde a suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos dos respectivos processos de integração até a suspensão dos direitos e obrigações resultantes destes processos As medidas previstas no mencionado artigo 5º deverão ser adotadas por consenso pelos Estados Partes daquele Protocolo e comunicadas ao Estado afetado que não participará do processo decisório pertinente Tais medidas entrarão em vigor na data em que se faça a comunicação respectiva De acordo com o artigo 7º do Protocolo as medidas cessarão com o pleno restabelecimento da ordem democrática Embora tenha sido tímido ao exigir o consenso para a tomada de medidas de coerção pelo menos seu artigo 8º estabelece que o Protocolo é parte integrante do Tratado de Assunção e dos respectivos Acordos de Integração celebrados entre o Mercosul Bolívia e Chile Na mesma linha foi subscrita em 1998 a Declaração Política do Mercosul Bolívia e Chile como Zona de Paz pela qual foi dito que a paz constitui elemento essencial para a manutenção do processo de integração regional Os Estados signatários da citada Declaração comprometeramse a desenvolver mecanismos de consulta e cooperação nas áreas de defesa segurança bem como desarmamento e uso pacífico da energia nuclear Em 2004 o Regime de Participação dos Estados Associados ao Mercosul estabelecido pela Decisão MercosulCMC n 182004 prevê art 2º que a adesão ao Protocolo de Ushuaia e à Declaração Presidencial sobre Compromisso Democrático no Mercosul constitui condição sine qua non para que um Estado venha a adquirir a condição de Estado Associado ao bloco cláusula reiterada em 2013 Decisão CMC n 1113 Em dezembro de 2011 foi aprovada pelo Conselho do Mercado Comum a futura reforma do mecanismo democrático do Mercosul com a adoção do Protocolo de Montevidéu sobre Compromisso com a Democracia no Mercosul chamado pelos próprios redatores de Protocolo Ushuaia II para demonstrar suas origens O novo Protocolo supre a lacuna do anterior e prevê exemplificadamente algumas medidas que podem ser adotadas para estimular o retorno à democracia como a suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos da estrutura institucional do Mercosul b fechamento das fronteiras c suspensão ou limitação do comércio o tráfego aéreo e marítimo as comunicações e o fornecimento de energia serviços e abastecimento d suspensão da Parte afetada do gozo dos direitos e benefícios emergentes do Mercosul e ações dos demais Estados para incentivar a suspensão do Estado infrator em outras organizações internacionais e também de direitos derivados de outros acordos de cooperação f ação dos Estados para apoiar os esforços regionais e internacionais para o retorno à democracia por exemplo na Organização das Nações Unidas ou na Organização dos Estados Americanos e g adoção de sanções políticas e diplomáticas adicionais O novo Protocolo almeja evitar que o inocente pague pelo culpado as medidas devem ser proporcionais à gravidade da situação existente e não deverão pôr em risco o bemestar da população e o gozo efetivo dos direitos humanos e liberdades fundamentais no Estado afetado Dos membros do Mercosul apenas a Venezuela já o ratificou No Brasil o projeto de Decreto Legislativo n 12902013 tramita sob regime de urgência no Congresso Nacional brasileiro e foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados estando em trâmite em setembro de 2019 Assim o Protocolo Ushuaia II não entrou em vigor mas pode servir como norte para a atuação dos Estados envolvidos uma vez que algumas das medidas de coerção listadas acima podem ser adotadas pelos países do Mercosul no interior do bloco ou ainda em suas próprias ações diplomáticas e em outras organizações internacionais 3 Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul O Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul é mais uma etapa rumo à consagração da proteção de direitos humanos no cenário integracionista do Mercosul Apesar de não conter uma Carta de Direitos Fundamentais o Protocolo busca inserir como veremos uma cláusula de direitos humanos do Mercosul Sua redação é fruto da I Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos e Chancelarias do Mercosul e Estados Associados foro criado em 2004 e foi prevista na Declaração Presidencial de Porto Iguaçu de 8 de julho de 2004 na qual os Presidentes dos Estados do Mercosul afirmaram o desejo de valorizar a promoção e garantia dos direitos humanos e as liberdades fundamentais no bloco Nos Considerandos da Decisão n 172005 do CMC que adotou o Protocolo realçouse que é fundamental assegurar a proteção promoção e garantia dos Direitos Humanos e as liberdades fundamentais de todas as pessoas e que o gozo efetivo dos direitos fundamentais é condição indispensável para a consolidação do processo de integração No preâmbulo do Protocolo encontramse as principais afirmações dos Estados Partes em prol dos direitos humanos no bloco De início salientouse o endosso aos princípios e normas contidos i na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem ii na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e iii em outros instrumentos regionais de direitos humanos Além disso o preâmbulo ressaltou que a democracia o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente tal qual foi expresso na Declaração e no Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993 Também foi feita referência às resoluções da Assembleia Geral e da Comissão de Direitos Humanos hoje Conselho das Nações Unidas nas quais ficou estabelecido que o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais são elementos essenciais da democracia Por outro lado o preâmbulo reconheceu as características de universalidade indivisibilidade interdependência e interrelação de todos os direitos humanos sejam direitos econômicos sociais culturais civis ou políticos Em que pese a força retórica dos considerandos e do preâmbulo o conteúdo do Protocolo foi tímido Em síntese o Protocolo criou um sistema de consultas similar ao atualmente previsto no Protocolo de Ushuaia para casos de ruptura democrática com previsão de adoção de medidas de reação contra violações sistemáticas e graves de direitos humanos em situação de crise institucional ou vigência de estados de exceção art 3º Com isso não estão incluídos no alcance do Protocolo os casos sistemáticos de violação de direitos humanos sem crise institucional ou estado de exceção como por exemplo ocorre no sistema prisional brasileiro na miséria crônica de várias regiões brasileiras ou paraguaias nas favelas argentinas etc Quando tais consultas resultarem ineficazes as demais Partes por consenso considerarão a natureza e o alcance das medidas a aplicar tendo em vista a gravidade da situação existente Tais medidas abarcarão desde a suspensão do direito a participar deste processo de integração até a suspensão dos direitos e obrigações emergentes do mesmo artigo 4º A falta de vontade de explicitar o teor das medidas de coerção ao Estado Membro violador de direitos humanos ficou evidente Além disso a regra do consenso que impera no Mercosul foi também aqui adotada o que pode dificultar a adoção de qualquer medida mais gravosa De qualquer modo o Protocolo de Assunção é um passo importante na construção normativa mercosulina porque insere o tema da violação grave e sistemática de direitos humanos como uma preocupação adicional do bloco QUADRO SINÓTICO Mercosul e Direitos Humanos Estágio da proteção da democracia e direitos humanos no Mercosul Protocolo de Ushuaia I ratificado e já incorporado internamente admissão e permanência de Estados no bloco estão vinculadas à democracia Protocolo de Ushuaia II ainda não em vigor aperfeiçoa a chamada cláusula democrática do Mercosul Protocolo de Assunção ratificado e incorporado internamente implanta sistema de reação do Mercosul em caso de graves violações de direitos humanos em crises institucionais ou vigência de estado de exceção Objetivo Vincula o processo de integração à proteção da democracia e promoção de direitos humanos Principais deveres dos Estados Cabe ao Mercosul estimular a preservação da democracia e promoção de direitos humanos Possibilidade de suspensão e exclusão do bloco e outras sanções Protocolos de Ushuaia I e II Consultas no caso do Protocolo de Assunção V MECANISMOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E MONITORAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS COMPETÊNCIA COMPOSIÇÃO E FUNCIONAMENTO 250 1 Aspectos gerais do sistema global ONU A Organização das Nações Unidas possui órgãos próprios e ainda relações de apoio administrativo e técnico com entes criados por tratados elaborados sob seu patrocínio voltados à proteção de direitos humanos O conjunto de mecanismos de proteção geridos tanto por órgãos onusianos quanto por órgãos previstos em tratados diversos apoiados pela ONU recebe o nome de sistema global onusiano ou universal de direitos humanos O ponto de união entre esses órgãos é a atuação da ONU quer i diretamente são órgãos da própria organização quer ii indiretamente são órgãos independentes previstos em tratados elaborados sob o patrocínio da ONU e recebem apoio técnico e administrativo daquela organização São órgãos e entes internos da ONU voltados precipuamente à proteção dos direitos humanos Conselho de Direitos Humanos Relatorias Especiais de Direitos Humanos Alto Comissariado de Direitos Humanos São órgãos e entes externos criados por tratados diversos elaborados com incentivo explícito da ONU e que recebem apoio da ONU Comitês criados por tratados internacionais de âmbito universal Tribunal Penal Internacional QUADRO SINÓTICO Sistema Onusiano Criação Conjunto de órgãos da ONU e ainda de tratados elaborados sob os auspícios da ONU Composição Conselho de Direitos Humanos Altos Comissários Relatores especiais Comitês criados pelos tratados internacionais e Tribunal Penal Internacional Competência Zelar pelo cumprimento da Carta da ONU e a depender do tratado do seu teor 2 Conselho de Direitos Humanos Em 10 de dezembro de 1946 o Conselho Econômico e Social da ONU decidiu criar um órgão específico para a promoção de direitos humanos denominado Comissão de Direitos Humanos que entrou em funcionamento em 1947 sendo extinta em 2006 e substituída pelo Conselho de Direitos Humanos O Conselho de Direitos Humanos é composto por 47 Estadosmembros e vinculado à Assembleia Geral da ONU e não mais ao Conselho Econômico e Social Seu surgimento em 2006 se deu por ampla maioria por meio da Resolução n 60251 da Assembleia Geral da ONU adotada por 170 votos favoráveis quatro contra Estados Unidos Israel Ilhas Marshall Palau e três abstenções Irã Belarus e Venezuela A admissão dos novos membros do Conselho de Direitos Humanos é regrada pela Resolução n 60251 que em seus parágrafos 7 8 e 9 determina que o Conselho deve contar com 47 membros eleitos de modo direto e individualmente por voto secreto da Assembleia Geral devendo ter representantes de várias regiões do globo Grupo dos Estados africanos 13 grupo dos Estados asiáticos 13 Grupo da Europa do Leste 6 Grupo da América Latina e Caribe 8 Grupo da Europa Ocidental e outros Estados 7 A Resolução exige que sejam escolhidos membros comprometidos com a proteção de direitos humanos ao mesmo tempo em que determinou que os Estados eleitos sejam submetidos ao mecanismo da revisão universal periódica ver abaixo Também foi fixada possível sanção aos eleitos por meio da suspensão do mandato de membro pela prática de grave e sistemática violação de direitos humanos por votação da Assembleia Geral com maioria de dois terços Essa suspensão foi posta em prática pela primeira vez em março de 2011 com a suspensão da Líbia por votação unânime da Assembleia Geral em virtude da repressão sangrenta aos opositores da ditadura de Kadafi Após a criação do Conselho adotouse o Mecanismo de Revisão Periódica Universal que coexiste com os procedimentos especiais ver abaixo criados ainda na época da extinta Comissão de Direitos Humanos QUADRO SINÓTICO Conselho de Direitos Humanos da ONU Criação 2006 sucedendo a Comissão de Direitos Humanos 19462006 Composição 47 Estadosmembros escolhidos por votação secreta da Assembleia Geral da ONU Competência Promover e fiscalizar a observância da proteção de direitos humanos pelos Estados da ONU Atualmente gere o sistema dos procedimentos especiais e o Mecanismo da Revisão Periódica Universal RPU 21 RELATORES ESPECIAIS A extinta Comissão de Direitos Humanos da ONU desenvolveu a partir do final da década de 60 procedimentos especiais de análise da situação de direitos humanos no mundo com base nos dispositivos genéricos da Carta de São Francisco que estabelecem o dever dos Estados de promover direitos humanos Em síntese não houve acordos específicos pelo contrário buscavase extrair a proteção aos direitos humanos da interpretação ampla dos objetivos da ONU e do dever de cooperação dos Estados para alcançar tais objetivos 251 Mesmo após a extinção da Comissão e sua substituição pelo Conselho de Direitos Humanos os procedimentos foram mantidos Existem o procedimento público baseado na Resolução n 1235 de 1967 do Conselho Econômico e Social e o procedimento confidencial Resolução n 1503 de 1970 do mesmo Conselho atualizada em 2007 pela Resolução n 51 do Conselho de Direitos Humanos O procedimento confidencial tem alcance diminuto pois visa apenas detectar quadro de violação grave e sistemática de direitos humanos em um país Por sua vez os procedimentos públicos exigem a nomeação de um órgão de averiguação de violações de direitos humanos cuja abrangência pode ser geográfica por país ou temática Esses órgãos de averiguação podem ser unipessoais ou coletivos A denominação varia nos casos unipessoais há o uso da expressão Relator Especial e ainda Especialista Independente no caso dos órgãos colegiados utilizase a expressão Grupo de Trabalho Esses relatores e especialistas são escolhidos pelo Conselho de Direitos Humanos a título pessoal não representando o Estado de nacionalidade e assumem o encargo sob juramento de independência e autonomia diante dos Estados Há um processo público de seleção no qual as qualificações da função são esclarecidas conhecimento de idioma oficial da ONU expertise na área da proteção de direitos humanos entre outros Eles não serão funcionários da ONU e só recebem ajuda de custo porém durante o exercício de suas funções são protegidos pela Convenção sobre as Prerrogativas e Imunidades das Nações Unidas especialmente o art 22 VI Seu trabalho consiste em realizar visitas aos países em missões de coleta de dados fact finding missions bem como em agir diante de violações de direitos humanos solicitando não podem exigir atenção do Estado infrator sobre os casos Seus relatórios não vinculam apenas contêm recomendações que são enviadas aos Estados e também ao Conselho de Direitos Humanos e Assembleia Geral da ONU O Brasil é um dos países do mundo que já comunicou ao Conselho de Direitos Humanos que aceita toda e qualquer visita dos Relatores e Grupos de Trabalho sem que estes precisem pedir anuência prévia a cada missão oficial no país O Alto Comissariado das Nações Unidas órgão da ONU com sede em Genebra fornece o suporte administrativo e técnico aos procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos Até 2019 há 57 procedimentos públicos sendo 44 temáticos e 12 geográficos por país 252 Entre as novidades dos últimos anos citese que em 2016 foi criada após superada a resistência de diversos Estados a primeira relatoria especial referente à orientação sexual e identidade de gênero com a designação do primeiro Especialista Independente do Conselho de Direitos Humanos para a proteção contra a violência e discriminação baseada em orientação sexual e identidade de gênero Em 2017 foi criado o Grupo de Trabalho sobre a questão de direitos humanos e empresas transnacionais e outras empresas comerciais QUADRO SINÓTICO Procedimentos especiais e seus relatores Criação 1967 Res n 1235 e 1970 Res n 1503 atualizada pela Res 51 de 2007 Composição Especialistas que a título pessoal e com independência são escolhidos pelo Conselho de Direitos Humanos Competência investigar situações de violação de direitos humanos efetuar visitas in loco com a anuência do Estado bem como elaborar relatórios finais contendo recomendação de ações aos Estados 22 REVISÃO PERIÓDICA UNIVERSAL No bojo da criação do Conselho de Direitos Humanos em 2006 foi criado o Mecanismo de Revisão Periódica Universal RPU A essência do RPU é o peer review monitoramento pelos pares pelo qual um Estado tem a sua situação de direitos humanos analisada pelos demais Estados da ONU e que futuramente poderá vir a substituir os procedimentos especiais vistos acima O RPU prevê que todos os Estados da ONU serão avaliados em períodos de quatro a cinco anos evitandose a seletividade e os parâmetros dúbios da escolha de um determinado país e não outro O trâmite é simples e previsto no anexo da Resolução n 51 do Conselho de Direitos Humanos de 18 de junho de 2007 De início cabe ao Estado a ser examinado apresentar i relatório nacional oficial ao Conselho de Direitos Humanos sobre a situação geral de direitos humanos em seu território Após apresentase ii uma compilação de todas as informações referentes a direitos humanos no Estado examinado constante dos procedimentos especiais do próprio Conselho de Direitos Humanos e demais órgãos internacionais de direitos humanos Por fim as organizações não governamentais e a instituição nacional de direitos humanos ver na Parte III item 181 o conceito de instituição nacional de direitos humanos podem também apresentar iii informes e outros documentos relevantes que serão resumidos por equipe do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos Após o Estado a ser examinado é questionado no Conselho de Direitos Humanos em relação à promoção de direitos humanos constante da Carta da ONU Declaração Universal dos Direitos Humanos e ainda nos tratados internacionais de direitos humanos eventualmente ratificados Esse exame tem como peçachave o diálogo construtivo entre o Estado sob revisão e outros Estadosmembros da ONU membros ou não do Conselho Para tanto é formado um Grupo de Trabalho capitaneado pelo Presidente do Conselho e composto pelos seus 47 Estadosmembros Todos os documentos acima expostos sobre a situação de direitos humanos devem ser apreciados em reunião desse Grupo de Trabalho prevista para durar três horas Esse diálogo permite ao Estado examinado responder às dúvidas e ainda opinar sobre os comentários e sugestões dos demais Estados Não há então condenação ou conclusões vinculantes Buscase a cooperação e adesão voluntária do Estado examinado Para sistematizar o exame são nomeados pelo Conselho três Estados escolhidos entre os diversos grupos regionais por sorteio conhecidos como troika que atuam como verdadeiros relatores da revisão periódica do Estado examinado Cabe à troika resumir as discussões elaborando o chamado Relatório de Resultado ou Relatório Final fazendo constar um sumário dos passos tomados no exame observações e sugestões dos Estados bem como as respostas e eventuais compromissos voluntários do Estado examinado Esse relatório será apreciado pelo colegiado do Conselho de Direitos Humanos O art 27 do Anexo da Resolução n 51 deixa claro que a RPU é um mecanismo cooperativo Assim o conteúdo do resultado do exame deverá conter uma avaliação objetiva e transparente da situação de direitos humanos do país que inclua os avanços e desafios ainda existentes bem como os compromissos voluntariamente aceitos pelo Estado examinado O Brasil foi pioneiro na proposição de um novo mecanismo de exame da situação de direitos humanos na ONU e na condição de membro da primeira composição do recémcriado Conselho acatou ser submetido a exame já na primeira sessão do Conselho No primeiro ciclo da RPU 20082011 a troika indicada foi composta por Gabão Arábia Saudita e Suíça que editou um Relatório de Resultado sobre o Brasil em maio de 2008 Em 2012 o Brasil foi submetido a nova revisão no segundo ciclo da RPU 20122016 a troika foi Equador Polônia e China O Brasil recebeu 170 recomendações das quais acatou integralmente 159 rejeitou uma e acatou parcialmente 10 Em 2017 o Brasil foi submetido ao terceiro ciclo da RPU que se iniciou em 2017 e deve terminar em 2021 tendo sido escolhidos o Quirguistão El Salvador e Botsuana para atuar como relatores troika Inicialmente o Brasil apresentou a sua visão sobre o cumprimento das recomendações acatadas em 2012 Ressalto que não é difícil para o Estado avaliado qualquer que seja apontar o cumprimento das recomendações que são propositalmente feitas de modo genérico e programático Assim basta apontar a edição de uma lei ou mesmo um investimento para que recomendações do tipo fazer esforços promover adotar medidas sejam consideradas cumpridas Por outro lado quando um Estado faz uma recomendação direta cujo cumprimento é de fácil aferição tudo ou nada basta que o Estado avaliado a recuse Por exemplo em 2012 a Dinamarca fez recomendação do tipo direto ao Brasil união das polícias civil e militar gerando a desmilitarização do policiamento ostensivo que a recusou No terceiro ciclo brasileiro houve intensa participação dos Estados examinadores com a apresentação de 246 recomendações Várias delas continuam a ser programáticas e genéricas por exemplo adotar medidas para reformar o sistema prisional à luz dos direitos humanos feita pela Itália Namíbia Argélia Áustria Santa Sé Irlanda e há inclusive recomendação com potencial discriminatório como a feita pela Santa Sé que sugeriu que o Brasil continuasse a proteger a família natural e o casamento formado pelo marido e esposa 253 Foram quatro recomendações rejeitadas pelo Brasil a formulada pela Santa Sé vista acima Venezuela duas referentes ao impeachment da Presidente Dilma Rousseff e ao congelamento de gastos por 20 anos da EC 9516 e ainda a do Reino Unido referente à adoção de critério transparente e meritocrático para seleção de candidatos nacionais para órgãos da ONU 254 O resultado desse mecanismo caso continuem a existir essas recomendações genéricas sem maior atenção a dados objetivos e mensuráveis tende a se restringir a fornecer um espaço político de visibilidade sobre a situação de direitos humanos em um determinado país sem maiores consequências ao Estado avaliado QUADRO SINÓTICO Revisão Periódica Universal RPU Criação Resolução do Conselho de Direitos Humanos 2007 Composição Os Membros do Conselho de Direitos Humanos avaliam o Estado Todos os Estados da ONU devem passar pela RPU a cada quatro anos Competência Estabelecer um diálogo construtivo com o Estado examinado Os compromissos são voluntários e não podem ser impostos 3 Comitê de Direitos Humanos O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP determinou a constituição do Comitê de Direitos Humanos O Comitê é composto de 18 membros eleitos que exercem suas funções a título pessoal É integrado por nacionais de Estados Partes do Pacto que devem ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos art 28 Cada Estado poderá indicar apenas duas pessoas que devem ser nacionais do país que as indicou sendo possível a indicação mais de uma vez art 29 A eleição se dá mediante votação secreta entre os Estados Partes O Comitê não poderá ter mais de um nacional do mesmo Estado O art 30 do PIDCP determina que seus membros serão eleitos em reuniões dos Estados Partes convocados pelo SecretárioGeral da ONU cujo quorum estabelecido é de dois terços dos Estados Partes sendo eleitos os candidatos que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados Partes presentes e votantes As eleições devem levar em consideração uma distribuição geográfica equitativa e a representação das diversas formas de civilização no termos do Pacto bem como dos principais sistemas jurídicos art 31 Os membros do Comitê são eleitos para um mandato de quatro anos podendo caso suas candidaturas sejam apresentadas novamente ser reeleitos O Pacto determina que o Comitê deve se reunir em todas as ocasiões previstas em suas regras de procedimento e as reuniões devem ser realizadas normalmente na sede da ONU Nova York ou no Escritório das Nações Unidas em Genebra como é feito usualmente nos dias de hoje art 37 Antes de iniciar suas funções todos os membros do Comitê devem antes de iniciar suas funções assumir publicamente o compromisso solene de desempenhar suas funções de forma imparcial e consciente art 38 A mesa diretora do Comitê é eleita para um período de dois anos e os seus membros poderão ser reeleitos As regras de procedimentos são estabelecidas pelo próprio Comitê mas devem por disposição expressa do Pacto conter as seguintes disposições quorum de doze membros e determinação de que as decisões do Comitê sejam tomadas por maioria de votos dos membros presentes art 39 O Pacto prevê ainda a necessidade de submissão ao Comitê pelos Estados Partes de relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos nele reconhecidos bem como os fatores e as dificuldades que prejudiquem sua implementação caso existam O primeiro relatório deve ser apresentado no prazo de um ano a contar do início da vigência do Pacto e a partir de então sempre que o Comitê solicitar podendo os outros Estados Partes do Pacto apresentar relatórios usualmente a cada quatro anos O Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação de direitos humanos naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê de Direitos Humanos elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre os direitos protegidos Atualmente há 36 observações gerais sendo a penúltima emitida em dezembro de 2014 sobre a liberdade e segurança individual e a última em outubro de 2018 sobre o direito à vida Além disso o Estado Parte do Pacto pode declarar que reconhece a competência do Comitê para receber e examinar as comunicações em que um Estado Parte alegue que outro não vem cumprindo as obrigações nele previstas Esse mecanismo é conhecido como mecanismo interestatal Se dentro de seis meses a contar da data do recebimento da comunicação original pelo Estado destinatário a questão não estiver dirimida satisfatoriamente ambos os Estados envolvidos poderão submeter a questão ao Comitê que oferecerá os seus bons préstimos para que se alcance uma solução amistosa Se a questão ainda não for dirimida satisfatoriamente o Comitê poderá mediante o consentimento prévio dos Estados Partes interessados constituir uma comissão ad hoc que também oferecerá os seus bons préstimos para alcançar uma solução amistosa Ao final a Comissão apresentará um relatório de acordo com o estágio da questão Se solução amistosa não tiver sido alcançada apresentará no relatório opinião sobre a situação devendo os Estados Partes interessados comunicar se aceitam ou não os termos do relatório O Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos por sua vez foi adotado pela Resolução da Assembleia Geral da ONU na mesma ocasião em que o Pacto foi adotado com a finalidade de instituir mecanismo de petição individual ao Comitê de Direitos Humanos por violações a direitos civis e políticos previstos no Pacto Está em vigor desde 23 de março de 1976 No Brasil foi aprovado apenas em 16 de junho de 2009 pelo Decreto Legislativo n 3112009 junto com o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte Em 25 de setembro de 2009 o Brasil ratificou esses dois protocolos Quatorze artigos compõem o primeiro Protocolo Facultativo O art 1º enuncia que os Estados que se tornarem partes do Protocolo reconhecem a competência do Comitê para receber e examinar comunicações de indivíduos sujeitos à sua jurisdição que aleguem ser vítimas de violação de qualquer dos direitos previstos no Pacto pelos Estados Partes Não serão admissíveis as comunicações anônimas ou cuja apresentação constitua abuso de direito ou que for incompatível com as disposições do Pacto art 3º O Comitê dará conhecimento das comunicações que lhe forem apresentadas aos Estados Partes que aleguem que tenham violado direitos estabelecidos no Pacto os quais deverão em seis meses submeter por escrito ao Comitê as explicações ou declarações que esclareçam a questão indicando se for o caso as medidas que tenham tomado para remediar a situação art 5º Para que possa examinar a comunicação entretanto o Comitê obedecendo à subsidiariedade do mecanismo deverá se assegurar de que a mesma questão não esteja sendo examinada por outra instância internacional de inquérito ou decisão e de que o indivíduo tenha esgotado os recursos internos disponíveis salvo em caso de demora injustificada As sessões relativas às comunicações individuais serão realizadas a portas fechadas comunicandose as conclusões ao Estado Parte interessado e ao indivíduo art 5º As atividades relativas às comunicações individuais previstas nesse Protocolo serão incluídas pelo Comitê em seu relatório anual art 6º A força vinculante das deliberações do Comitê foi questionada no Brasil na análise da petição individual do expresidente da República Luiz Inácio Lula da Silva que alega Caso 28412016 ainda em trâmite em setembro de 2019 violações ao devido processo legal em processo criminal no Brasil no qual foi condenado em 1ª instância tendo sido confirmada a condenação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região Apelação Criminal n 50465129420164047000PR 8ª Turma rel Des João Pedro Gebran Neto j 2412018 Em abril de 2018 o peticionário requereu medida provisória medida cautelar interim measure ao Comitê para que fosse assegurada a sua participação no pleito eleitoral presidencial em 2018 até que houvesse o trânsito em julgado desse processo criminal Como o Comitê não é um órgão permanente tais medidas são analisadas pelos relatores especiais sobre novas comunicações e medidas provisórias No caso os relatores Sarah H Cleveland e Olivier de Frouville concluíram pela existência de dano irreparável aos direitos políticos do peticionário Luiz Inácio Lula da Silva previstos no art 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP Por conseguinte e de acordo com o art 92 das regras de procedimento do Comitê de Direitos Humanos os Relatores Especiais em nome do citado Comitê pediram ao Brasil que adotasse todas as medidas necessárias para que o peticionário pudesse gozar e exercer seus direitos políticos mesmo preso como candidato nas eleições presidenciais de 2018 o que inclui o acesso apropriado à mídia e aos membros do seu partido político também pediram não fosse proibida a sua postulação como candidato a presidente nas eleições presidenciais enquanto sua condenação criminal não tenha transitado em julgado A natureza de tal medida é cautelar ou seja visa somente assegurar o resultado útil da deliberação final do Comitê não se constituindo em julgamento final sobre a existência ou não de violação do Estado aos direitos do peticionário Como já defendi em obra própria os Estados ao ratificar o Primeiro Protocolo Facultativo avançaram na proteção de direitos de seus jurisdicionados permitindo que as pretensas vítimas possam contar com uma proteção adicional não prevista no Pacto Essa proteção adicional não pode gerar uma deliberação que tenha força de mera recomendação como se fosse o resultado da avaliação dos relatórios estatais submetidos periodicamente ao Comitê por força do disposto no Pacto 255 No que tange às medidas provisórias o Comitê no Comentário Geral n 33 de 2009 dirimiu as dúvidas e deliberou que os Estados em nome do princípio da boafé têm que cumprir as deliberações provisórias do Comitê no exame das comunicações individuais O próprio conceito de medida provisória exige seu cumprimento imediato uma vez que há risco de dano irreparável ao resultado útil da análise da comunicação pelo Comitê No Caso Piandiong et al vs Filipinas o Estado réu descumpriu em 1999 a medida provisória que suspendia a execução de pena de morte ao peticionário até o final do trâmite do caso no Comitê de Direitos Humanos Mesmo após a execução do peticionário o Comitê continuou a analisar o caso e decidiu em 2000 que o Estado descumpriu seu dever de cumprir tais medidas provisórias Esse dever para o Comitê é oriundo implicitamente da própria adesão do Estado ao Primeiro Protocolo Facultativo pois de nada serviria o direito de petição das vítimas se o Estado não adotasse as medidas necessárias para assegurar o resultado útil da futura decisão do Comitê No Caso Lula como veremos abaixo somente o Min Fachin no Tribunal Superior Eleitoral reconheceu o dever brasileiro de cumprir as medidas provisórias do Comitê de Direitos Humanos Para Fachin negar a força vinculante das medidas provisórias significa negar o próprio sistema de comunicações individuais nos casos em que houvesse a necessidade de evitar danos irreparáveis Tribunal Superior Eleitoral Registro de Candidatura 11532 n 06009035020186000000 rel min Roberto Barroso por maioria j 31 de agosto de 2018 voto do Min Edson Fachin p 19 A conduta dos Estados em negar a força vinculante das deliberações finais e também das medidas provisórias do Comitê de Direitos Humanos no bojo do sistema de petições individuais é mais uma amostra da resistência estatal à interpretação internacionalista dos tratados Criase assim um Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos nacional o que torna inútil obviamente a internacionalização da temática Essa conduta dos Estados consiste em clara violação do tratado ao qual eles voluntariamente aderiram Os dispositivos finais dizem respeito a assinatura ratificação e adesão ao Protocolo art 8º data de entrada em vigor art 9º aplicação a todas as unidades constitutivas dos Estados federais art 10 o procedimento para a proposição de emendas art 11 e a possibilidade de denúncia art 12 O Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte ratificado pelo Brasil em 2009 determinou também que as medidas adotadas para implementar o Protocolo deverão ser informadas pelos Estados Partes nos relatórios que submeterem ao Comitê de Direitos Humanos art 40 do Pacto Também para aqueles que tenham feito a declaração prevista no art 41 no Pacto o reconhecimento de competência do Comitê para receber e apreciar comunicações nas quais um Estado Parte alega que outro não cumpre suas obrigações é extensivo às disposições do Segundo Protocolo art 4º salvo se declaração em contrário tenha sido feita no momento da ratificação ou adesão Além disso para os Estados que tenham aderido ao primeiro Protocolo Adicional ao Pacto de Direitos Civis e Políticos também é extensiva às disposições do Segundo Protocolo a competência do Comitê de Direitos Humanos para receber e examinar as comunicações feitas por indivíduos sujeitos à sua jurisdição salvo declaração em sentido contrário no momento da ratificação ou adesão art 5º QUADRO SINÓTICO Comitê de Direitos Humanos Criação Pacto de Direitos Civis e Políticos Composição Dezoito membros eleitos nacionais de Estados Partes do Pacto que exercem suas funções a título pessoal Devem ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos A eleição se dá mediante votação secreta dentre uma lista de pessoas que preencham os mencionados requisitos e indicadas pelos Estados Partes Competência atribuída pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Exame de relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos reconhecidos no Pacto enviados pelos Estados Partes O Comitê após análise do relatório emite recomendações sem força vinculante ao Estado Receber e examinar as comunicações em que um Estado Parte alegue que outro não vem cumprindo as obrigações nele previstas No âmbito das comunicações interestatais pode oferecer os seus bons préstimos para que se alcance uma solução amistosa Se esta não tiver sido alcançada o Comitê deve apresentar relatório e os Estados Partes interessados comunicam se aceitam ou não seus termos Competência atribuída pelo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Receber e examinar comunicações de indivíduos que aleguem ser vítimas de violação de qualquer dos direitos previstos no Pacto pelos Estados Partes Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte As medidas adotadas para implementar o Protocolo deverão ser informadas pelos Estados Partes nos relatórios que submeterem ao Comitê de Direitos Humanos Ademais o Comitê tem competência para receber e apreciar comunicações nas quais um Estado Parte alega que outro não cumpre suas obrigações estabelecidas no Segundo Protocolo Tem ainda competência para receber e examinar as comunicações feitas por indivíduos sujeitos à sua jurisdição salvo declaração em sentido contrário no momento da ratificação ou adesão quanto às situações previstas no Segundo Protocolo 4 Conselho Econômico e Social e Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais O Conselho Econômico e Social foi criado pela Carta das Nações Unidas Capítulo X arts 61 a 72 como órgão das Nações Unidas responsável por coordenar assuntos internacionais de caráter econômico social cultural educacional de saúde e conexos Tratase do foro central para discussão desses temas e de formulação de recomendações aos Estados e ao sistema das Nações Unidas É composto por 54 Estados das Nações Unidas eleitos pela Assembleia Geral e cada membro tem um voto As decisões são tomadas por maioria dos membros presentes e votantes Os arts 62 a 64 definem seus poderes e funções Dentre outras funções o Conselho Econômico e Social pode fazer ou iniciar estudos e relatórios a respeito de assuntos de sua competência podendo fazer recomendações à Assembleia Geral aos membros das Nações Unidas e às organizações especializadas interessadas Pode preparar para os assuntos de sua competência projetos de convenções a serem submetidos à Assembleia Geral e pode convocar de acordo com as regras estipuladas pela ONU conferências internacionais sobre assuntos de sua competência Pode ainda coordenar as atividades das agências especializadas 256 da ONU por meio de consultas e recomendações às mesmas e de recomendações à Assembleia Geral e aos membros das Nações Unidas Pode também tomar as medidas adequadas a fim de obter relatórios regulares das agências especializadas dentre outras atribuições Ademais o Conselho Econômico e Social pode criar comissões para os assuntos econômicos sociais e para a proteção dos direitos humanos bem como outras comissões necessárias ao desempenho de suas funções Finalmente pode entrar em entendimentos convenientes para a consulta com organizações não governamentais que se ocupem de assuntos no âmbito da sua competência O Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais por sua vez foi instituído pela Resolução n 198517 do Conselho Econômico e Social de 28 de maio de 1985 inicialmente para prestar assistência ao Conselho no exame de informes apresentados pelos Estados Partes ou seja nas funções de monitoramento atribuídas ao Conselho na Parte IV do Pacto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Nos termos da referida Resolução o Comitê é composto por 18 membros que devem ser especialistas de reconhecida competência na esfera dos direitos humanos e que atuam a título pessoal São eleitos pelo Conselho em votação secreta levandose em consideração a distribuição geográfica equitativa e a representação de diferentes sistemas sociais e jurídicos para um período de quatro anos podendo ser reeleitos se suas candidaturas forem novamente apresentadas A metade dos membros se renova a cada dois anos para atender à necessidade de manter a distribuição geográfica equitativa O Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais foi concebido pelo Conselho para auxiliálo no exercício dessas funções pois o PIDESC não havia feito menção a um Comitê específico Somente em 2008 o Comitê foi criado por norma internacional convencional no caso o Protocolo Facultativo ao PIDESC Os Estados Partes devem apresentar relatórios ao Comitê do PIDESC sobre as medidas adotadas e sobre os progressos realizados com o objetivo de assegurar a observância dos direitos econômicos sociais e culturais O primeiro relatório deve ser apresentado em um ano após a ratificação e os demais em períodos de cinco anos No que tange à análise dos relatórios dos Estados o Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação dos direitos sociais econômicos e culturais naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê do PIDESC elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre os direitos protegidos Em julho de 2019 há 24 observações gerais sendo a penúltima emitida em 2016 sobre o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis art 7º do Pacto e a última emitida em 2017 sobre as obrigações dos Estados no contexto das atividades empresariais Os relatórios que contenham recomendações de caráter geral ou resumo de informações recebidas dos Estados Partes e das agências especializadas sobre medidas adotadas e progressos realizados poderão ser ocasionalmente apresentados pelo Conselho à Assembleia Geral art 21 Além disso quaisquer questões suscitadas nos relatórios poderão ser levadas pelo Conselho ao conhecimento de outros órgãos da ONU de seus órgãos subsidiários ou de agências especializadas interessadas incumbidas de prestação de assistência técnica para que tais entidades se pronunciem dentro de sua competência sobre a conveniência de medidas internacionais que possam contribuir para a implementação efetiva e progressiva do Pacto art 22 Como já mencionado o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais previa apenas o mecanismo de relatórios periódicos para o monitoramento dos direitos Por isso atendendo a recomendação da Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 foi editado em 2008 o Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais que veio implementar o sistema de petições o procedimento de investigação e as medidas provisionais cautelares reafirmando assim a exigibilidade e a justiciabilidade de tais direitos como visto acima Como já estudado acima o Protocolo é composto por 22 artigos O art 1º prevê a competência para os Estados que a reconheçam do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais para receber petições individuais ou no interesse de indivíduos e grupos de indivíduos mediante seu consentimento que denunciem violações de direitos econômicos sociais e culturais que tenham sido realizadas pelo Estado Parte Este deve tomar todas as medidas necessárias para garantir que os indivíduos sob sua jurisdição não sejam submetidos a maustratos ou intimidação em decorrência de terem recorrido ao Comitê art 13 QUADRO SINÓTICO Conselho Econômico e Social Origem Carta das Nações Unidas Composição Cinquenta e quatro membros das Nações Unidas eleitos pela Assembleia Geral Principais funções Fazer ou iniciar estudos e relatórios a respeito de assuntos de sua competência podendo fazer recomendações à Assembleia Geral aos membros das Nações Unidas e às organizações especializadas interessadas Preparar para os assuntos de sua competência projetos de convenções a serem submetidos à Assembleia Geral Convocar de acordo com as regras estipuladas pela ONU conferências internacionais sobre assuntos de sua competência Coordenar as atividades das organizações especializadas por meio de consultas e recomendações às mesmas e de recomendações à Assembleia Geral e aos membros das Nações Unidas Tomar as medidas adequadas a fim de obter relatórios regulares das organizações especializadas Criar comissões para os assuntos econômicos e sociais e para a proteção dos direitos do homem bem como outras comissões necessárias ao desempenho de suas funções Entrar em entendimentos convenientes para a consulta com organizações não governamentais que se ocupem de assuntos no âmbito da sua competência Competência atribuída pelo PIDESC Examinar relatórios sobre as medidas adotadas e sobre os progressos realizados com o objetivo de assegurar a observância dos direitos econômicos sociais e culturais O Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais foi instituído para auxiliar o Conselho no exercício dessa função Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais Origem Resolução n 198517 do Conselho Econômico e Social e Protocolo Facultativo ao PIDESC ainda não ratificado pelo Brasil Composição Dezoito membros que devem ser especialistas de reconhecida competência na esfera dos direitos humanos e que atuam a título pessoal São eleitos pelo Conselho em votação secreta levandose em consideração distribuição geográfica equitativa e a representação de diferentes sistemas sociais e jurídicos para um período de quatro anos podendo ser reeleitos se suas candidaturas forem novamente apresentadas Principais funções Apresentar ao Conselho um informe sobre suas atividades que incluirá um resumo de seu exame dos relatórios apresentados pelos Estados Partes do Pacto Deve ainda formular sugestões e recomendações de caráter geral baseandose nos exames desses relatórios e daqueles apresentados pelos mecanismos especializados com a finalidade de auxiliar o Conselho Econômico e Social a cumprir suas funções Competência atribuída ao Comitê pela Resolução Auxiliar o Conselho Econômico e Social no exame dos relatórios apresentados pelos Estados Partes Emitir recomendações aos Estados Elaborar observações gerais Competência estabelecida no Protocolo Facultativo ao Pacto Receber petições individuais ou no interesse de indivíduos e grupos de indivíduos mediante seu consentimento que denunciem violações de direitos econômicos sociais e culturais que tenham sido realizadas pelo Estado Parte Apresentar pedido de medidas provisórias ao Estado Parte para sua urgente consideração com a finalidade de evitar possíveis danos irreparáveis em circunstâncias excepcionais a qualquer tempo depois do reconhecimento da comunicação e antes da decisão de mérito Disponibilizar os seus bons préstimos para a finalidade de se alcançar um acordo amigável entre as partes interessadas Receber comunicações interestatais Convidar o Estado Parte a cooperar no exame de informações caso receba informação confiável que indique graves ou sistemáticas violações pelo Estado de qualquer um dos direitos arrolados no Pacto procedimento de investigação 5 Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial determinou a criação do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial O Comitê é composto de dezoito peritos conhecidos por sua alta moralidade e imparcialidade que são eleitos para mandatos de 2 anos pelos Estados Partes dentre seus nacionais e que atuam a título individual levandose em conta uma repartição geográfica equitativa e a representação das formas diversas de civilização assim como dos principais sistemas jurídicos artigo VIII A Convenção estabelece o mecanismo de relatórios que serão examinados pelo Comitê e devem ser apresentados no prazo de um ano da entrada em vigor da Convenção e a partir de então a cada dois anos e sempre que o Comitê solicitar Os relatórios devem conter todas as medidas legislativas judiciárias administrativas ou outras aptas a tornarem efetivas as disposições da Convenção artigo IX No que tange à análise dos relatórios dos Estados o Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação dos direitos protegidos naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê de Direitos Humanos elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre como alcançar o fim da discriminação racial Atualmente 2019 há 35 observações gerais sendo a última emitida em 2013 sobre o combate ao discurso de ódio de conteúdo racista comentário corrigido em 2014 para suprimir erro material Com base nos relatórios e informações recebidas pelos Estados Partes o Comitê deverá submeter à Assembleia Geral da ONU um relatório sobre suas atividades podendo fazer sugestões e recomendações de ordem geral O artigo XI prevê a possibilidade de um Estado Parte chamar a atenção do Comitê caso entenda que outro Estado Parte não aplica as disposições da Convenção mecanismo interestatal Se no prazo de seis meses a contar do recebimento da comunicação pelo Estado destinatário a questão não tiver sido resolvida pelos dois Estados Partes esta poderá ser submetida novamente ao Comitê que poderá dela conhecer ante o esgotamento dos recursos internos salvo prazo excessivo Examinadas as questões necessárias o Comitê deve nomear uma Comissão ad hoc para alcançar uma solução amigável artigo XII que após analisar a questão sob todos os seus aspectos submeterá ao presidente do Comitê um relatório com as conclusões sobre as questões de fato e com as recomendações que entender razoáveis para se alcançar solução amistosa para a polêmica Os Estados posteriormente devem comunicar se aceitam ou não as recomendações artigo XIII Finalmente além do mecanismo de relatórios periódicos e de comunicação interestatal a Convenção prevê que os Estados Partes podem declarar que reconhecem a competência do Comitê para examinar comunicações individuais ou de grupos de indivíduos sob sua jurisdição que se considerarem vítimas de violações de direitos nela protegidos nos termos do artigo XIV A declaração pode ser retirada a qualquer tempo sem prejuízo das comunicações que já tenham sido estudadas pelo Comitê Por fim a Convenção estabelece que o Comitê receberá cópias de petições provenientes de órgãos das Nações Unidas que se ocupem de questões diretamente relacionadas com os princípios e objetivos da Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial incluindo em seu relatório à Assembleia Geral um resumo das petições e relatórios que houver recebido de órgãos da ONU e as opiniões e recomendações que houver proferido sobre tais petições e relatórios artigo XV QUADRO SINÓTICO Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial Criação Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial Composição Dezoito peritos conhecidos por sua alta moralidade e imparcialidade que são eleitos periodicamente pelos Estadosmembros dentre seus nacionais e que atuam a título individual levandose em conta uma repartição geográfica equitativa e a representação das formas diversas de civilização assim como dos principais sistemas jurídicos Exame de relatórios que devem ser apresentados no prazo de um ano da entrada em vigor da Convenção e a partir de então a cada dois anos e sempre que o Comitê solicitar O Comitê elabora um relatório contendo recomendações ao Estado sem força vinculante Competência Com base nos relatórios e informações recebidas pelos Estados Partes o Comitê deverá submeter à Assembleia Geral da ONU um relatório sobre suas atividades podendo fazer sugestões e recomendações de ordem geral Exame de comunicações interestatais com possibilidade de alcançar solução amigável e de o Comitê apresentar recomendações aos Estados que poderão ou não ser aceitas Examinar comunicações individuais ou de grupos de indivíduos que se considerarem vítimas de violações de direitos nela protegidos 6 Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher conhecida também pela sigla em inglês CEDAW determinou a criação do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher que tem a finalidade de examinar os progressos alcançados na sua aplicação O Comitê é composto de 23 especialistas de grande prestígio moral e competência na área abarcada pela Convenção que são eleitos pelos Estados Partes exercendo suas funções a título pessoal São eleitos em votação secreta dentre uma lista de pessoas indicadas pelos Estados Partes cada Estado pode indicar uma pessoa dentre os seus nacionais para um mandato de quatro anos Em caso de necessidade de preenchimento de vagas fortuitas o Estado cujo especialista também chamado de perito tenha deixado de exercer suas funções nomeará outro perito entre seus nacionais sob reserva da aprovação do Comitê art 17 O art 18 prevê a obrigação de os Estados Partes submeterem ao SecretárioGeral das Nações Unidas para exame do Comitê um relatório sobre as medidas legislativas judiciárias administrativas ou outras que adotarem para tornarem efetivas as disposições da Convenção e dos progressos alcançados a respeito Isso deve ser feito no prazo de um ano a partir da entrada em vigor da Convenção para o Estado interessado e posteriormente pelo menos a cada quatro anos e toda vez que o Comitê vier a solicitar No que tange à análise dos relatórios dos Estados o Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação dos direitos protegidos naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre como alcançar o fim da discriminação contra a mulher Atualmente 2019 há 37 observações gerais Em 2016 foi editada a recomendação n 34 sobre os direitos das mulheres que vivem em áreas rurais 25 da população mundial de acordo com o Comitê Em 2017 houve edição da observação geral n 35 pela qual foi atualizada a observação n 19 sobre a violência de gênero contra a mulher O Comitê adotará seu próprio regulamento art 19 e todos os anos se reunirá para examinar os relatórios que lhe forem submetidos art 20 Ainda em 2017 foi editada a observação geral n 36 sobre o direito à educação em 2018 adotouse a observação geral n 37 sobre as dimensões de gênero associadas aos riscos de desastres no contexto da mudança climática Já o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher adotado por Resolução da Assembleia Geral da ONU de 6 de outubro de 1999 teve por objetivo aperfeiçoar o sistema de monitoramento da Convenção assegurando o direito de petição das vítimas de violações dos direitos nela garantidos Foi adotado pelo Brasil em 13 de março de 2001 aprovado pelo Decreto Legislativo n 107 de 6 de junho de 2002 e ratificado em 28 de junho de 2002 Foi promulgado pelo Decreto n 4316 de 30 de julho de 2002 mas entrou em vigor apenas em 28 de setembro de 2002 e portanto após a entrada em vigor da Convenção Por meio do Protocolo que contém 21 artigos o Estado reconhece a competência do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher para receber e considerar comunicações apresentadas por indivíduos ou grupo de indivíduos ou em nome deles se contarem com seu consentimento ou se se justificar a ação independente do consentimento que se encontrem sob sua jurisdição e que sejam vítimas de violações de quaisquer dos direitos estabelecidos na Convenção arts 1º e 2º Os requisitos e procedimentos para tanto estão previstos no Protocolo nos termos dos arts 3º a 14 estabelecendose a possibilidade de o Comitê solicitar ao Estado a adoção de medidas cautelares antecipando a tutela necessárias para evitar possíveis danos irreparáveis à vítima da violação art 5º O Comitê apenas poderá considerar a comunicação se tiver reconhecido que todos os recursos internos foram esgotados ou que a sua utilização está sendo protelada além do razoável ou deixa dúvidas quanto a produzir o efetivo amparo O Protocolo também enumera as hipóteses em que a comunicação será considerada inadmissível quando se referir a assunto que já tiver sido examinado pelo Comitê ou tiver sido examinado ou estiver sob exame sob outro procedimento internacional de investigação ou solução de controvérsias quando for incompatível com as disposições da Convenção quando estiver manifestamente mal fundamentada ou não suficientemente consubstanciada quando constituir abuso do direito de submeter comunicação quando tiver como objeto fatos que tenham ocorrido antes da entrada em vigor do Protocolo para o Estado Parte em questão a não ser no caso de tais fatos terem tido continuidade após aquela data No prazo de seis meses o Estado Parte que receber a comunicação deve apresentar ao Comitê explicações ou declarações por escrito esclarecendo o assunto e o remédio se houver que possa ter sido aplicado pelo Estado art 6º O Comitê deve realizar reuniões fechadas ao examinar as comunicações no âmbito do Protocolo Após examinála deve transmitir suas opiniões a respeito juntamente com sua recomendação se houver às partes em questão Dentro de seis meses o Estado Parte deve apresentar resposta por escrito incluindo as informações sobre quaisquer ações realizadas à luz das opiniões e recomendações do Comitê art 7º Se o Comitê receber informação fidedigna indicando graves ou sistemáticas violações por um Estado Parte dos direitos estabelecidos na Convenção deve convidar o Estado Parte a cooperar no exame da informação e para esse fim a apresentar observações quanto à informação em questão O Comitê poderá designar um ou mais de seus membros para conduzir uma investigação o que será feito em caráter confidencial e com a cooperação do Estado Parte em todos os estágios dos procedimentos e para apresentar relatório urgentemente ao Comitê Sempre que justificado e com o consentimento do Estado Parte a investigação poderá incluir visita ao território deste último Após o exame dos resultados da investigação o Comitê deve transmitilos ao Estado Parte em questão com comentários e recomendações Em seis meses contados do recebimento do resultado o Estado Parte deverá apresentar suas observações ao Comitê art 8º O Protocolo ressalta que os Estados Partes devem tomar todas as medidas apropriadas para assegurar que os indivíduos sob sua jurisdição não fiquem sujeitos a maustratos ou intimidação como consequência de sua comunicação com o Comitê art 11 Por meio do Protocolo os Estados também se comprometem a tornar públicos e amplamente conhecidos a Convenção e o Protocolo e a facilitar o acesso a informações sobre as opiniões e recomendações do Comitê especialmente as que dizem respeito ao próprio Estado Parte art 13 O primeiro caso brasileiro nesse Comitê foi referente à morte da Sra Alyne da Silva Pimentel Alyne foi vítima da precariedade da assistência médica do Estado do Rio de Janeiro em 2002 grávida de 27 semanas sua morte e a de seu feto foi fruto de negligência e imperícia nos cinco dias que se passaram desde o início de seu malestar até seu falecimento Sua família ingressou com ação cível na Justiça Estadual e a delonga do Poder Judiciário estadual gerou a dispensa do esgotamento dos recursos internos viabilizando a análise da petição pelo Comitê Em 2011 o Comitê decidiu que o Brasil falhou no monitoramento e controle dos serviços privados de saúde que são remunerados pelo Poder Público caso das instituições privadas que atenderam Alyne sob o regime do SUS Sistema Único de Saúde Também decidiu que a falta de serviços de saúde materna violou o direito da mulher à saúde e que houve discriminação pela sua condição de mulher afrodescendente e oriunda de grupo socioeconômico não privilegiado Finalmente considerou que o Brasil violou o direito de acesso à justiça pela delonga no trâmite da ação indenizatória Apesar do Protocolo estabelecer que a deliberação do Comitê é uma recomendação o Estado deve apresentar informações sobre suas ações após a recomendação No caso o Brasil pagou indenização à mãe da vítima cerca de 130 mil reais tendo ainda realizado satisfação uma unidade de terapia intensiva foi denominada Alyne Pimentel e ainda adotou determinados programas de treinamento e fornecimento de remédios envolvendo o direito à saúde reprodutiva das mulheres Contudo quanto às sanções aos responsáveis médicos recomendadas pelo Comitê o Conselho Regional de Medicina arquivou os procedimentos disciplinares contra os médicos envolvidos QUADRO SINÓTICO Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher Criação Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher Composição Vinte e três peritos de grande prestígio moral e competência na área abarcada pela Convenção eleitos pelos Estados Partes exercendo suas funções a título pessoal para um mandato de quatro anos Competência Exame de relatórios periódicos sobre as medidas adotadas para tornar efetiva a Convenção e sobre os progressos alcançados a respeito Os relatórios devem ser apresentados no prazo de um ano a partir da entrada em vigor da Convenção para o Estado interessado e posteriormente pelo menos a cada quatro anos e toda vez que o Comitê vier a solicitar O Comitê elabora recomendações aos Estados após a análise dos relatórios sem força vinculante Receber e considerar comunicações apresentadas por indivíduos ou grupo de indivíduos ou em nome deles se contarem com seu consentimento ou se se justificar a ação independente do consentimento que sejam vítimas de violações de quaisquer dos direitos estabelecidos na Convenção competência determinada pelo Protocolo Facultativo à Convenção 7 Comitê contra a Tortura A Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes determinou em sua Parte II a constituição do Comitê contra a Tortura O Comitê é composto por 10 especialistas também chamados de peritos de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos que exercerão suas funções a título pessoal e serão eleitos pelos Estados Partes para mandatos de 4 anos levando em conta uma distribuição geográfica equitativa e a utilidade da participação de algumas pessoas com experiência jurídica Os Estados Partes devem submeter ao Comitê relatórios sobre as medidas adotadas para o cumprimento das obrigações assumidas na Convenção no prazo de um ano a contar do início da vigência da Convenção para o Estado Parte interessado A partir de então os Estados devem apresentar relatórios a cada quatro anos ou quando o Comitê solicitar sobre todas as novas disposições que tiverem sido adotadas No que tange à análise dos relatórios dos Estados o Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação dos direitos protegidos naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê contra a Tortura elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre como alcançar o fim da tortura e outros tratamentos cruéis desumanos e degradantes Atualmente 2019 há quatro observações gerais sendo a penúltima emitida em 2012 tendo considerado a proibição da tortura norma de jus cogens Em 2017 foi emitida a Observação Geral n 4 que substituiu a de n 1 sobre o dever do Estado Parte de não deportar devolver refouler ou extraditar uma pessoa para outro Estado quando existirem razões fundadas para crer que essa pessoa estará sob o risco de ser submetida a tortura art 3º Se o Comitê receber informações fidedignas que indiquem de forma fundamentada que a tortura é praticada sistematicamente no território de um Estado Parte este será convidado a cooperar no exame das informações e nesse sentido a transmitir ao Comitê as observações que julgar pertinentes Levando em consideração todas as questões de que dispuser o Comitê poderá designar membros para procederem a uma investigação confidencial que poderá incluir visita ao território se houver concordância do Estado Parte em questão O art 21 prevê a possibilidade de reconhecimento pelos Estados Partes da Convenção a qualquer momento da competência do Comitê para receber comunicações interestatais nas quais um Estado Parte alegue que outro Estado Parte não vem cumprindo as obrigações que lhe impõe a Convenção Tais comunicações somente podem ser apresentadas por um Estado Parte que houver feito uma declaração em que reconheça com relação a si próprio a competência do Comitê Toda declaração poderá ser retirada a qualquer momento mediante notificação endereçada ao SecretárioGeral o que será feito sem prejuízo do exame de quaisquer questões que constituam objeto de uma comunicação já transmitida A Convenção determina o procedimento para as comunicações interestatais Levada a questão por um Estado Parte ao Estado destinatário este no prazo de três meses a contar da data do recebimento da comunicação deverá fornecer ao Estado que enviou a comunicação explicações ou quaisquer outras declarações por escrito que esclareçam a questão as quais deverão fazer referência até onde seja possível e pertinente aos procedimentos nacionais e aos recursos jurídicos adotados em trâmite ou disponíveis sobre a questão Se no prazo de seis meses a contar da data do recebimento da comunicação original pelo Estado destinatário a questão não estiver dirimida satisfatoriamente para os Estados Partes interessados ambos terão o direito de submetêla ao Comitê mediante notificação a ele endereçada ou ao outro Estado interessado Assim o Comitê tratará de todas as questões que lhe forem submetidas por meio de comunicações interestatais somente após terse assegurado de que houve o esgotamento dos recursos internos salvo se a aplicação dos recursos se prolongar injustificadamente ou se não for provável que sua aplicação venha a melhorar realmente a situação da vítima Quando for examinar as comunicações o Comitê deve realizar reuniões confidenciais Sem prejuízo da análise das questões pelo Comitê este deve colocar seus bons ofícios à disposição dos Estados Partes interessados no intuito de se alcançar uma solução amistosa podendo inclusive constituir se julgar conveniente uma comissão de conciliação ad hoc Para todas as questões interestatais submetidas ao Comitê este poderá solicitar aos Estados Partes interessados que lhe forneçam quaisquer informações pertinentes Estes por sua vez terão o direito de fazerse representar quando as questões forem examinadas no Comitê e de apresentar suas observações verbalmente eou por escrito Dentro dos doze meses seguintes à data de recebimento de notificação pelo Estado destinatário o Comitê apresentará relatório em que se houver sido alcançada uma solução amistosa restringirseá a uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada e se a solução amistosa não tiver sido alcançada apresentará breve exposição dos fatos anexando se ao relatório o texto das observações escritas e as atas das observações orais apresentadas pelos Estados Partes interessados No art 22 a Convenção versa sobre a possibilidade de reconhecimento pelos Estados da competência do Comitê para receber petições individuais comunicações enviadas por pessoas sob sua jurisdição ou em nome delas que aleguem ser vítimas de violação por um Estado Parte das disposições da Convenção O Comitê não poderá receber comunicação anônima ou que constitua abuso de direito ou que seja incompatível com as disposições da Convenção A declaração de reconhecimento dessa competência poderá ser retirada a qualquer momento mediante notificação endereçada ao SecretárioGeral O Brasil fez essa declaração em 2006 O Comitê deverá levar todas as petições individuais ao conhecimento do Estado Parte da Convenção que houver feito a declaração e sobre o qual se alegue ter violado qualquer disposição da Convenção Dentro dos seis meses seguintes o Estado destinatário deverá submeter ao Comitê as explicações ou declarações por escrito que elucidem a questão e se for o caso indiquem o recurso jurídico adotado pelo Estado em questão As petições individuais serão analisadas pelo Comitê à luz de todas as informações a ele submetidas pela pessoa interessada ou em nome dela e pelo Estado Parte interessado A petição não será analisada sem que se tenha assegurado de que a mesma questão não foi nem está sendo examinada perante uma outra instância internacional de investigação ou solução e de que a pessoa em questão esgotou todos os recursos jurídicos internos disponíveis salvo quando a aplicação dos recursos se prolongar injustificadamente ou quando não for provável que sua aplicação venha a melhorar realmente a situação da vítima Quando estiver examinando petições individuais o Comitê realizará reuniões confidenciais Este comunicará seu parecer ao Estado Parte e à pessoa em questão O Comitê ainda apresentará um relatório anual sobre suas atividades aos Estados Partes e à Assembleia Geral da ONU Conforme defendo em livro específico a deliberação em petição individual por parte do Comitê é vinculante ao Estado que aceitou tal competência de modo voluntário 257 O Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes foi adotado em 18 de dezembro de 2002 O Congresso Nacional aprovou por meio do Decreto Legislativo n 483 de 20 de dezembro de 2006 seu texto e o Brasil depositou o instrumento de ratificação do Protocolo junto ao SecretárioGeral da ONU em 11 de janeiro de 2007 Posteriormente o Protocolo foi promulgado internamente pelo Decreto n 6085 de 19 de abril de 2007 Esse Protocolo por sua vez teve por objetivo estabelecer um sistema de visitas regulares de órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde as pessoas são privadas de liberdade com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes conforme prevê seu art 1º O Protocolo é composto por 37 artigos divididos em sete partes Princípios gerais arts 1º a 4º Subcomitê de Prevenção arts 5º a 10 Mandato do Subcomitê de Prevenção arts 11 a 16 Mecanismos preventivos nacionais arts 17 a 23 Declaração art 24 Disposições Financeiras arts 25 e 26 e Disposições Finais arts 27 a 37 Na Parte I sobre princípios gerais o Protocolo prevê que um Subcomitê de Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes deverá ser criado Tratase de Subcomitê do Comitê contra a Tortura que deve desempenhar suas funções no marco da Carta das Nações Unidas e deve ser guiado por seus princípios e propósitos bem como pelas normas das Nações Unidas relativas ao tratamento das pessoas privadas de sua liberdade Deve ainda ser guiado pelos princípios da confidencialidade imparcialidade não seletividade universalidade e objetividade art 2º Em nível doméstico os Estados se comprometem a designar ou manter um ou mais mecanismos preventivos nacionais órgãos de visita encarregados de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes art 3º Os Estados Partes devem permitir as visitas dos dois mecanismos a qualquer lugar sob sua jurisdição onde pessoas são ou podem ser privadas de liberdade por força de ordem dada por autoridade pública Na Parte II o Protocolo estabelece a composição do Subcomitê de Prevenção a forma de eleição dos membros e da mesa e o tempo de mandato e na Parte III determina como deverá ser cumprido o mandato do Subcomitê O Subcomitê de Prevenção após a quinquagésima ratificação ou adesão ao Protocolo em 2011 passou a ser constituído por 25 membros São escolhidos entre pessoas de elevado caráter moral de comprovada experiência profissional no campo da administração da justiça em particular o direito penal e a administração penitenciária ou policial ou nos vários campos relevantes para o tratamento de pessoas privadas de liberdade Para a composição do Subcomitê devese considerar também a distribuição geográfica equitativa e a representação de diferentes formas de civilização e de sistema jurídico dos Estadosmembros bem como o equilíbrio de gênero com base nos princípios da igualdade e da não discriminação Observese que os membros do Subcomitê devem servir em sua capacidade individual atuando de forma independente e imparcial art 5º As eleições dos membros do Subcomitê de Prevenção devem ser realizadas em uma reunião bienal dos Estados Partes convocada pelo SecretárioGeral das Nações Unidas Serão eleitos aqueles que obtenham o maior número de votos e uma maioria absoluta de votos dos representantes dos Estados presentes e votantes O quorum da reunião é de dois terços dos Estados Partes art 7º Os membros do Subcomitê são eleitos para mandato de quatro anos podendo ser reeleitos uma vez caso suas candidaturas sejam novamente apresentadas art 9º Os membros da mesa serão eleitos pelo Subcomitê de Prevenção para um período de dois anos O art 10 determina que o Subcomitê estabeleça seu próprio regimento Ademais prevê que após a reunião inicial este deve reunirse nas ocasiões previstas no regimento mas o Subcomitê de Prevenção e o Comitê contra a Tortura deverão convocar suas sessões simultaneamente pelo menos uma vez por ano O Subcomitê deverá visitar os lugares onde haja pessoas privadas de liberdade e fazer recomendações para os Estados Partes a respeito da proteção de pessoas privadas de liberdade contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Quanto aos mecanismos preventivos nacionais o Subcomitê deve aconselhar e assistir os Estados Partes quando necessário no estabelecimento desses mecanismos deve manter diretamente e se necessário de forma confidencial contatos com os mecanismos e oferecer treinamento e assistência técnica com vistas a fortalecer sua capacidade deve aconselhálos e assistilos na avaliação de suas necessidades e no que for preciso para fortalecer a proteção das pessoas privadas de liberdade e finalmente deve fazer recomendações e observações aos Estados Partes com a finalidade de fortalecer a capacidade e o mandato dos mecanismos preventivos nacionais para a prevenção da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Além disso o Subcomitê deve cooperar para a prevenção da tortura em geral com os órgãos e mecanismos relevantes das Nações Unidas bem como com organizações ou organismos internacionais regionais ou nacionais que trabalhem para fortalecer a proteção de todas as pessoas contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes De outro lado o art 12 prevê as obrigações dos Estados Partes para que o Subcomitê de Prevenção possa cumprir sua missão receber o Subcomitê em seu território e franquearlhe o acesso aos centros de detenção fornecer todas as informações relevantes que o Subcomitê solicitar para avaliar as necessidades e medidas que deverão ser adotadas para fortalecer a proteção das pessoas privadas de liberdade contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes encorajar e facilitar os contatos entre o Subcomitê e os mecanismos preventivos nacionais e examinar as recomendações do Subcomitê de Prevenção e com ele engajarse em diálogo sobre possíveis medidas de implementação De acordo com o art 13 o Subcomitê deve estabelecer inicialmente por sorteio um programa de visitas regulares aos Estados Partes com a finalidade de pôr em prática seu mandato Após proceder a consultas deverá notificar os Estados Partes de seu programa para que eles possam sem demora fazer os arranjos práticos necessários para que as visitas sejam realizadas As visitas devem ser realizadas por pelo menos dois membros do Subcomitê de Prevenção que deverão ser acompanhados se necessário por peritos que demonstrem experiência profissional e conhecimento no campo abrangido pelo Protocolo Deverão ser selecionados de uma lista de peritos preparada com bases nas propostas feitas pelos Estados Partes pelo Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas e pelo Centro Internacional para Prevenção de Crimes das Nações Unidas Para elaborar a lista de peritos os Estados Partes interessados deverão propor não mais que cinco peritos nacionais e o Estado interessado pode se opor à inclusão de algum perito específico na visita devendo o Subcomitê indicar outro perito O Subcomitê poderá propor se considerar apropriado curta visita de seguimento de visita regular anterior De acordo com o art 14 os Estados Partes ainda se comprometem a conceder ao Subcomitê acesso irrestrito a todas as informações relativas ao número de pessoas privadas de liberdade em centros de detenção bem como o número de centros e sua localização acesso irrestrito a todas as informações relativas ao tratamento dessas pessoas bem como às condições de sua detenção acesso irrestrito a todos os centros de detenção suas instalações e equipamentos oportunidade de entrevistarse privadamente com pessoas privadas de liberdade sem testemunhas pessoalmente ou com intérprete se considerado necessário bem como com qualquer outra pessoa que o Subcomitê acredite poder fornecer informação relevante e finalmente liberdade de escolher os lugares que pretende visitar e as pessoas que quer entrevistar Assim objeções a visitas a algum lugar de detenção em particular só poderão ser feitas com fundamentos urgentes e imperiosos ligados à defesa nacional à segurança pública ou a algum desastre natural ou séria desordem no lugar a ser visitado que temporariamente impeçam a realização da visita e a existência de uma declaração de estado de emergência não deverá ser invocada por um Estado Parte como razão para objetar uma visita O Protocolo determina em seu art 15 que nenhuma autoridade ou funcionário público deverá ordenar aplicar permitir ou tolerar qualquer sanção contra qualquer pessoa ou organização por haver comunicado ao Subcomitê de Prevenção ou a seus membros qualquer informação verdadeira ou falsa e nenhuma dessas pessoas ou organizações deverá ser de qualquer outra forma prejudicada O art 16 estabelece as obrigações do Subcomitê Este deve comunicar suas recomendações e observações confidencialmente para o Estado Parte e se for o caso para o mecanismo preventivo nacional Deverá publicar seus relatórios em conjunto com qualquer comentário do Estado Parte interessado quando solicitado pelo Estado Se este fizer parte do relatório público o Subcomitê poderá publicar o relatório total ou parcialmente Observese que nenhum dado pessoal deverá ser publicado sem o expresso consentimento da pessoa interessada O Subcomitê de Prevenção deverá apresentar um relatório público anual sobre suas atividades ao Comitê contra a Tortura Se o Estado se recusar a cooperar com o Subcomitê de Prevenção ou a tomar as medidas para melhorar a situação à luz de suas recomendações o Comitê contra a Tortura poderá a pedido do Subcomitê e depois que o Estado Parte tenha a oportunidade de fazer suas observações decidir pela maioria de votos dos membros fazer declaração sobre o problema ou publicar o relatório do Subcomitê de Prevenção Na Parte IV arts 17 a 23 o Protocolo versa sobre os mecanismos preventivos nacionais O art 17 estabelece a obrigatoriedade de o Estado manter designar ou estabelecer dentro de um ano da entrada em vigor do Protocolo ou de sua ratificação ou adesão um ou mais mecanismos preventivos nacionais independentes para a prevenção da tortura em nível doméstico Observese que os mecanismos estabelecidos por meio de unidades descentralizadas poderão ser designados como mecanismos preventivos nacionais para os fins do Protocolo se estiverem em conformidade com suas disposições O art 18 prevê que os Estados devem garantir a independência funcional dos mecanismos preventivos nacionais bem como a independência de seu pessoal Devem tomar as medidas necessárias para assegurar que os seus peritos tenham as habilidades e o conhecimento profissional necessários e devem buscar equilíbrio de gênero e representação adequada dos grupos étnicos e minorias no país Comprometemse ainda a tornar disponíveis todos os recursos necessários para o funcionamento dos mecanismos No art 19 o Protocolo determina as competências mínimas a serem conferidas aos mecanismos preventivos nacionais dentre as quais a de examinar regularmente o tratamento de pessoas presas em centro de detenção com vistas a fortalecer se necessário sua proteção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes a de fazer recomendações às autoridades relevantes com o objetivo de melhorar o tratamento e as condições das pessoas privadas de liberdade e o de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes e a de submeter propostas e observações a respeito da legislação existente ou ainda em projeto Para habilitar os mecanismos preventivos nacionais a cumprirem seu mandato art 20 os Estados Partes comprometemse a lhes conceder à semelhança do disposto no art 14 quanto ao Subcomitê o acesso a todas as informações relativas ao número de pessoas privadas de liberdade em centros de detenção bem como o número de centros e sua localização o acesso a todas as informações relativas ao tratamento daquelas pessoas bem como às condições de sua detenção o acesso a todos os centros de detenção suas instalações e equipamentos a oportunidade de entrevistarse privadamente com presos sem testemunhas pessoalmente ou com intérprete bem como com qualquer outra pessoa que os mecanismos preventivos nacionais acreditem poder fornecer informação relevante a liberdade de escolher os lugares que pretendem visitar e as pessoas que querem entrevistar e o direito de manter contato com o Subcomitê de Prevenção enviarlhe informações e encontrarse com ele No mesmo sentido do que disposto no art 15 o art 21 determina que nenhuma autoridade ou funcionário público deverá ordenar aplicar permitir ou tolerar qualquer sanção contra qualquer pessoa ou organização por haver comunicado ao mecanismo preventivo nacional qualquer informação verdadeira ou falsa e nenhuma dessas pessoas ou organizações deverá ser de qualquer outra forma prejudicada Determinase que as informações confidenciais obtidas pelos mecanismos preventivos nacionais deverão ser privilegiadas e nenhum dado pessoal deverá ser publicado sem o consentimento expresso da pessoa em questão Finalmente o art 22 prevê que as autoridades competentes do Estado interessado devem examinar as recomendações do mecanismo preventivo nacional e com ele engajarse em diálogo sobre possíveis medidas de implementação e o art 23 determina que os Estados comprometemse a publicar e difundir os relatórios anuais dos mecanismos preventivos nacionais Na Parte V o Protocolo estabelece que por ocasião da ratificação os Estados Partes poderão fazer uma declaração que adie a implementação de suas obrigações o que será válido pelo máximo de três anos que poderão ser estendidos pelo Comitê contra Tortura por mais dois anos após representações formuladas pelo Estado Parte e após consultas ao Subcomitê de Prevenção Finalmente na Parte VI o Protocolo dispõe sobre o financiamento do Subcomitê de Prevenção As despesas realizadas por ele na implementação do Protocolo serão custeadas pela ONU e paralelamente deverá ser estabelecido um Fundo Especial administrado de acordo com o regulamento financeiro e as regras de gestão financeira das Nações Unidas para auxiliar no financiamento da implementação das recomendações feitas pelo Subcomitê de Prevenção após a visita a um Estado Parte bem como programas educacionais dos mecanismos preventivos nacionais O Fundo poderá ser financiado por contribuições voluntárias feitas por Governos organizações intergovernamentais e não governamentais e outras entidades públicas ou privadas QUADRO SINÓTICO Comitê contra a Tortura Criação Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Composição Dez peritos de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos que exercerão suas funções a título pessoal e serão eleitos pelos Estados Partes levando em conta uma distribuição geográfica equitativa e a utilidade da participação de algumas pessoas com experiência jurídica Competência Exame de relatórios apresentados pelos Estados Partes no prazo de um ano a contar do início da vigência da Convenção no Estado Parte interessado e a partir de então a cada quatro anos ou quando o Comitê solicitar sobre todas as novas disposições que tiverem sido adotadas Exame de comunicações interestatais situação em que pode tentar alcançar solução amistosa Exame de petições individuais comunicações enviadas por vítimas de violação dos direitos garantidos na Convenção ou de pessoas em nome delas Subcomitê de Prevenção da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Criação Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Composição Vinte e cinco membros escolhidos entre pessoas de elevado caráter moral de comprovada experiência profissional no campo da administração da justiça em particular o direito penal e a administração penitenciária ou policial ou nos vários campos relevantes para o tratamento de pessoas presas que servem em sua capacidade individual atuando de forma independente e imparcial São eleitos para um mandato de quatro anos permitida uma reeleição Competência Realizar visitas a lugares onde haja pessoas privadas de liberdade com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Fazer recomendações aos Estados Partes a respeito da proteção das pessoas privadas de liberdade Quanto aos mecanismos preventivos nacionais o Subcomitê deve aconselhar e assistir os Estados Partes quando necessário no estabelecimento desses mecanismos deve manter diretamente e se necessário de forma confidencial contatos com os mecanismos e oferecer treinamento e assistência técnica com vistas a fortalecer sua capacidade deve aconselhálos e assistilos na avaliação de suas necessidades e no que for preciso para fortalecer a proteção das pessoas privadas de liberdade e deve fazer recomendações e observações aos Estados Partes com a finalidade de fortalecer a capacidade e o mandato dos mecanismos preventivos nacionais para a prevenção da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Cooperar para a prevenção da tortura em geral com os órgãos e mecanismos relevantes das Nações Unidas bem como com organizações ou organismos internacionais regionais ou nacionais que trabalhem para fortalecer a proteção de todas as pessoas contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Mecanismos preventivos nacionais São mecanismos independentes criados para a prevenção da tortura em nível doméstico Criação Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Competências mínimas Examinar regularmente o tratamento de pessoas privadas de sua liberdade em centro de detenção com vistas a fortalecer se necessário sua proteção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Fazer recomendações às autoridades relevantes com o objetivo de melhorar o tratamento e as condições dos presos e o de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes Submeter propostas e observações a respeito da legislação existente ou ainda em projeto 8 Comitê para os Direitos da Criança A Convenção sobre os Direitos da Criança determinou a constituição do Comitê para os Direitos da Criança com a finalidade de examinar os progressos realizados no cumprimento das obrigações contraídas pelos Estados Partes quanto às obrigações nela assumidas art 43 Esse Comitê monitora a implementação da Convenção e ainda de seus três protocolos facultativos o i Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados o ii Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil e o iii 3º Protocolo à Convenção sobre os Direitos da Criança que cria o mecanismo de petição individual ao Comitê para os Direitos da Criança todos já ratificados pelo Brasil O Comitê é integrado por 10 especialistas de reconhecida integridade moral e competência nas áreas cobertas pela Convenção com mandato de 4 anos Os membros do Comitê são eleitos pelos Estados Partes dentre seus nacionais e exercem suas funções a título pessoal tomandose em conta a distribuição geográfica equitativa bem como os principais sistemas jurídicos Eles são escolhidos em votação secreta de uma lista de pessoas indicadas pelos Estados Partes podendo cada Estado indicar uma pessoa dentre os cidadãos de seu país O Comitê tem competência para estabelecer suas próprias regras de procedimento e deve eleger a mesa para um período de dois anos Deve reunirse normalmente todos os anos e as reuniões serão celebradas na sede das Nações Unidas ou em qualquer outro lugar que o Comitê julgar conveniente O art 44 determina que os Estados Partes se comprometam a apresentar ao Comitê por intermédio do SecretárioGeral das Nações Unidas relatórios sobre as medidas que tenham adotado com vistas a tornar efetivos os direitos reconhecidos na Convenção e sobre os progressos alcançados no desempenho desses direitos no prazo de dois anos a partir da data em que entrou em vigor para cada Estado Parte e a partir de então a cada cinco anos Os relatórios devem indicar as circunstâncias e dificuldades que afetam o grau de cumprimento das obrigações derivadas da Convenção Devem também conter informações suficientes para que o Comitê compreenda com exatidão a implementação da Convenção no país O Comitê ainda recebe informes de organizações não governamentais que apresentam o chamado relatório sombra shadow report que busca revelar criticamente a real situação dos direitos da criança naquele país Após o Comitê aprecia o relatório oficial e as demais informações obtidas emitindo relatório final contendo recomendações sem força vinculante ao Estado Além dessas observações específicas a um determinado Estado o Comitê de Direitos Humanos elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre os direitos protegidos Atualmente 2019 há 23 comentários gerais estando entre os últimos adotados o de 2016 sobre os recursos públicos destinados à implementação dos direitos da criança art 4º da Convenção n 19 o emitido também em 2016 sobre a implementação dos direitos da criança na adolescência n 20 o de n 21 foi adotado em 2017 e trata da situação dos meninos de rua Os dois últimos comentários gerais são conjuntos com o Comitê sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias O de n 22 abarca os princípios gerais referentes aos direitos humanos das crianças no contexto da migração internacional Já o de n 23 trata das obrigações dos Estados sobre os direitos humanos das crianças no contexto da migração internacional Ambos foram adotados no final de 2017 A cada dois anos o Comitê deve submeter relatórios sobre suas atividades à Assembleia Geral da ONU por meio do Conselho Econômico e Social De outro lado os Estados Partes devem tornar seus relatórios amplamente disponíveis ao público dos seus respectivos países Para incentivar a efetiva implementação da Convenção e estimular a cooperação internacional nas esferas por ela regulamentadas o art 45 prevê uma série de medidas a serem adotadas Nesse sentido os organismos especializados o Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF e outros órgãos das Nações Unidas possuem o direito de estar representados quando for analisada a implementação das disposições da Convenção que estejam compreendidas no âmbito de seus mandatos O Comitê pode convidar as agências especializadas o Fundo das Nações Unidas para a Infância e outros órgãos competentes que considere apropriados para fornecer assessoramento especializado sobre a implementação da Convenção em matérias correspondentes a seus respectivos mandatos Ademais poderá convidar as agências especializadas o Fundo das Nações Unidas para Infância e outros órgãos das Nações Unidas para apresentarem relatórios sobre a implementação das disposições da Convenção compreendidas no âmbito de suas atividades O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados determina em seu art 8º a submissão de relatório abrangente ao Comitê sobre os Direitos da Criança no prazo de dois anos a contar da data de entrada em vigor do Protocolo que conterá inclusive as medidas adotadas para implementar as disposições sobre participação e recrutamento Após a apresentação desse relatório o Estado Parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo Outros Estados Partes do Protocolo devem submeter um relatório a cada cinco anos O Comitê poderá solicitar aos Estados informações adicionais relevantes para a implementação do Protocolo Na mesma linha da apreciação dos relatórios vistos acima o Comitê emite recomendações sem força vinculante ao Estado Também o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil prevê a apresentação de relatórios periódicos por cada Estado Parte ao Comitê sobre os Direitos da Criança no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Protocolo para aquele Estado Parte que deverá conter informações abrangentes sobre as medidas adotadas para implementar as disposições do Protocolo art 12 Após sua apresentação do relatório abrangente o Estado Parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo e os demais Estados devem fazêlo a cada cinco anos O Comitê poderá solicitar aos Estados informações adicionais relevantes para a implementação do Protocolo e emitirá as recomendações pertinentes Finalmente o 3º Protocolo aberto a ratificações em fevereiro de 2012 cria o tão esperado mecanismo de petição individual das vítimas de violações da Convenção e dos dois Protocolos Facultativos ao Comitê para os Direitos da Criança Em 2014 o Protocolo entrou em vigor após atingir o mínimo de 10 ratificações Possui em 2019 46 Estados Partes O Brasil ratificou o Protocolo em 29 de setembro de 2017 após ter sido aprovado no Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n 8517 A sistemática é similar a dos demais Comitês que aceitam petições de vítimas de violações de direitos protegidos Vítimas e representantes podem peticionar Há cláusulas de admissibilidade em especial a do esgotamento prévio dos recursos internos Pode existir solução amistosa entre a vítima e o Estado ou ainda um procedimento de investigação das violações Se for considerada procedente a petição o Comitê decidirá sobre a reparação cabível devendo o Estado comunicar seus atos de reparação em um prazo de seis meses QUADRO SINÓTICO Comitê para os Direitos da Criança Criação Convenção sobre os Direitos da Criança Composição Dez especialistas de reconhecida integridade moral e competência nas áreas cobertas pela Convenção eleitos pelos Estados Partes dentre seus nacionais tomandose em conta a distribuição geográfica equitativa bem como os principais sistemas jurídicos Os membros exercem suas funções a título pessoal e são escolhidos em votação secreta por uma lista de pessoas indicadas pelos Estados Partes podendo cada Estado indicar uma pessoa dentre os cidadãos de seu país Os membros são eleitos para um mandato de quatro anos podendo ser reeleitos caso sejam apresentadas novamente suas candidaturas Competência Examinar relatórios sobre as medidas que os Estados tenham adotado com vistas a tornar efetivos os direitos reconhecidos na Convenção e sobre os progressos alcançados no desempenho desses direitos no prazo de dois anos a partir da data em que entrou em vigor para cada Estado Parte e a partir de então a cada cinco anos Observação o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças à prostituição infantil e à pornografia infantil determinam a apresentação de relatórios periódicos por cada Estado Parte ao Comitê sobre os Direitos da Criança no prazo de dois anos a contar da data da entrada em vigor do Protocolo para aquele Estado Parte que deverá conter informações abrangentes sobre as medidas adotadas para implementar as disposições do Protocolo Após sua apresentação do relatório abrangente o Estado Parte deve incluir nos relatórios que submeter ao Comitê sobre os Direitos da Criança quaisquer informações adicionais sobre a implementação do Protocolo e os demais Estados devem fazêlo a cada cinco anos 9 Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência O Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi criado pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para avaliar sua implementação É composto por 18 especialistas independentes indicados pelos Estados contratantes para mandatos de quatro anos com uma reeleição possível Os membros atuam a título pessoal e são eleitos pelos Estados Partes observandose uma distribuição geográfica equitativa representação de diferentes formas de civilização e dos principais sistemas jurídicos representação equilibrada de gênero e participação de peritos com deficiência Os Estados Partes por meio do SecretárioGeral da ONU devem submeter relatório abrangente sobre as medidas adotadas em cumprimento de suas obrigações estabelecidas pela Convenção e sobre o progresso alcançado nesse aspecto dentro do período de dois anos após a entrada em vigor da presente Convenção para o Estado Parte concernente Depois disso devem ser apresentados relatórios periódicos ao menos a cada quatro anos ou quando o Comitê solicitar Na consideração dos relatórios o Comitê fará sugestões e recomendações que julgar pertinentes transmitindoas aos Estados Partes Estes poderão responder ao Comitê com as informações que julgarem pertinentes Os relatórios são colocados à disposição de todos os Estados Partes pelo SecretárioGeral da ONU e todos os Estados devem tornar seus relatórios amplamente disponíveis ao público em seus países facilitando o acesso à possibilidade de sugestões e de recomendações gerais a respeito desses relatórios Ademais o Comitê transmitirá às agências fundos e programas especializados das Nações Unidas e a outras organizações competentes da maneira que julgar apropriada os relatórios dos Estados Partes que contenham demandas ou indicações de necessidade de consultoria ou de assistência técnica acompanhados de eventuais observações e sugestões do Comitê em relação às referidas demandas ou indicações a fim de que possam ser consideradas A cada dois anos o Comitê deve submeter à Assembleia Geral e ao Conselho Econômico e Social um relatório de suas atividades podendo fazer sugestões e recomendações gerais baseadas no exame dos relatórios e nas informações recebidas dos Estados Partes Por meio do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência os Estados Partes reconhecem a competência do Comitê para receber e considerar comunicações submetidas por pessoas ou grupos de pessoas ou em nome deles sujeitos à sua jurisdição alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção pelo referido Estado Parte O Comitê não pode receber comunicação referente a qualquer Estado Parte que não seja signatário do Protocolo O Comitê considerará inadmissível a comunicação quando for anônima ou for incompatível com as disposições da Convenção Além disso há a previsão de coisa julgada e litispendência não cabe apreciação se a mesma matéria já tenha sido examinada pelo Comitê ou tenha sido ou estiver sendo examinada sob outro procedimento de investigação ou resolução internacional bem como a exigência do chamado esgotamento prévio dos recursos internos que consagra a subsidiariedade da jurisdição internacional O Comitê realizará sessões fechadas para examinar comunicações a ele submetidas em conformidade com o presente Protocolo Depois de examinar uma comunicação o Comitê enviará suas sugestões e deliberações se houver ao Estado Parte concernente e ao requerente Finalmente o Comitê elabora as chamadas Observações Gerais ou Comentários Gerais que contêm a interpretação do Comitê sobre os direitos protegidos Atualmente 2019 há 7 comentários gerais sendo o de n 4 emitido em 2016 sobre o direito à educação inclusiva art 24 da Convenção O de n 5 trata do direito à vida independente art 19 da Convenção o de n 6 emitido em 2018 trata da igualdade e não discriminação Também em 2018 foi adotado o de n 7 que explicita o direito à participação das pessoas com deficiência na implementação e monitoramento da própria Convenção QUADRO SINÓTICO Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência Criação Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Composição Composto por 18 especialistas independentes 12 inicialmente e 18 quando a Convenção alcançar 60 ratificações indicados pelos Estados contratantes para mandatos de quatro anos com uma reeleição possível Competência Exame dos relatórios periódicos recomendação Exame de petições das vítimas deliberação Elaboração de comentários observações gerais 10 Comitê contra Desaparecimentos Forçados A Convenção da ONU para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado criou o Comitê contra Desaparecimentos Forçados composto por 10 especialistas de elevado caráter moral e de reconhecida expertise em matéria de direitos humanos que atuam em sua própria capacidade com independência e imparcialidade Eles são eleitos pelos Estados Partes para um mandato de quatro anos permitida uma reeleição com base em distribuição geográfica equitativa levandose em consideração o interesse de que se reveste para os trabalhos do Comitê a presença de pessoas com relevante experiência jurídica e equilibrada representação de gênero Os membros do Comitê são eleitos por voto secreto a partir de uma lista de candidatos designados pelos Estados Partes entre seus nacionais em reuniões bienais convocadas com esse propósito pelo SecretárioGeral da ONU Têm direito às instalações aos privilégios e às imunidades a que fazem jus os peritos em missão das Nações Unidas em conformidade com as seções relevantes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas O Comitê deve cooperar com todos os órgãos repartições agências e fundos especializados das Nações Unidas e com as organizações ou órgãos intergovernamentais regionais pertinentes bem como com todas as instituições agências ou repartições governamentais relevantes que se dediquem à proteção de todas as pessoas contra desaparecimentos forçados Ademais deve consultar os órgãos instituídos por relevantes instrumentos internacionais de direitos humanos particularmente o Comitê de Direitos Humanos estabelecido pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos a fim de assegurar a consistência de suas respectivas observações e recomendações Cada Estado Parte deve submeter ao Comitê um relatório sobre as medidas tomadas em cumprimento das obrigações assumidas ao amparo da Convenção dentro de dois anos contados a partir da data de sua entrada em vigor para o Estado Parte interessado O Comitê pode emitir comentários observações e recomendações que julgar apropriados os quais serão comunicados ao Estado Parte interessado que poderá responder por iniciativa própria ou por solicitação do Comitê O Comitê pode também solicitar informações adicionais aos Estados Partes a respeito da implementação da Convenção Não se trata portanto de um mecanismo de relatoria periódica mas da apresentação de um relatório inicial e sempre que houver solicitação A Convenção prevê ainda a possibilidade de submissão ao Comitê de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida em regime de urgência por familiares da pessoa desaparecida ou por seus representantes legais advogado ou qualquer pessoa por eles autorizada bem como por qualquer outra pessoa detentora de interesse legítimo O Comitê pode transmitir recomendações ao Estado Parte acompanhadas de pedido para que este tome todas as medidas necessárias inclusive de natureza cautelar para localizar e proteger a pessoa e para que informe o Comitê no prazo que este determine das medidas tomadas tendo em vista a urgência da situação O Comitê deverá manter o autor da petição informado sobre as providências adotadas O Estado pode declarar que reconhece a competência do Comitê para receber comunicações individuais ou seja apresentadas por indivíduos ou em nome de indivíduos sujeitos à sua jurisdição que alegam serem vítimas de violação pelo Estado Parte de disposições da Convenção Tal comunicação é inadmissível quando for anônima quando constituir abuso do direito de apresentar essas comunicações ou for inconsistente com as disposições da Convenção quando a mesma questão estiver sendo examinada em outra instância internacional de exame ou de solução de mesma natureza ou quando todos os recursos efetivos disponíveis internamente não tiverem sido esgotados salvo na hipótese de excesso de prazo razoável Caso a demanda seja considerada admissível o Comitê transmite a comunicação ao Estado Parte interessado solicitandolhe que envie suas observações e comentários dentro de um prazo fixado pelo Comitê Este pode também dirigir ao Estado Parte interessado um pedido urgente para que tome as medidas cautelares necessárias para evitar eventuais danos irreparáveis às vítimas da violação alegada Também pode ser reconhecida a competência do Comitê para receber e considerar comunicações interestatais ou seja comunicações em que um Estado Parte alega que outro Estado Parte não cumpre as obrigações decorrentes da Convenção Caso o Comitê receba informação confiável de que um Estado Parte está incorrendo em grave violação do disposto na Convenção poderá após consulta àquele encarregar um ou vários de seus membros a empreender uma visita e a informálo a respeito o mais prontamente possível A intenção de organizar uma visita indicando a composição da delegação e o seu objetivo deve ser informada por escrito ao Estado O adiamento ou cancelamento da visita poderá ocorrer mediante pedido fundamentado deste Após a visita o Comitê comunica ao Estado Parte interessado suas observações e recomendações A competência do Comitê limitase aos desaparecimentos forçados ocorridos após a entrada em vigor da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado e caso um Estado se torne signatário após sua entrada em vigor somente para os desaparecimentos forçados ocorridos após a entrada em vigor para o referido Estado Ainda a Convenção estabelece que o Comitê deve apresentar um relatório anual de suas atividades aos Estados Partes e à Assembleia Geral das Nações Unidas As observações relativas a um determinado Estado Parte contidas no relatório devem ser previamente anunciadas a esse Estado que disporá de um prazo razoável de resposta e poderá solicitar a publicação de seus comentários e observações no relatório QUADRO SINÓTICO Comitê contra Desaparecimentos Forçados Criação Convenção Internacional para a Proteção de Todas das Pessoas contra o Desaparecimento Forçado Composição Dez peritos de elevado caráter moral e de reconhecida competência em matéria de direitos humanos que atuarão em sua própria capacidade com independência e imparcialidade Mandato de quatro anos permitida uma reeleição Eleição com base em distribuição geográfica equitativa levandose em consideração o interesse de que se reveste para os trabalhos do Comitê a presença de pessoas com relevante experiência jurídica e equilibrada representação de gênero Competência Exame de relatórios apresentados pelos Estados Partes sobre as medidas tomadas em cumprimento das obrigações assumidas ao amparo da Convenção dentro de dois anos contados a partir da data de sua entrada em vigor para o Estado Parte interessado Exame de comunicações interestatais Exame de petições individuais Possibilidade de exame de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida em regime de urgência Visita ao Estado Parte 11 Resumo da atividade de monitoramento internacional pelos Comitês treaty bodies Os principais tratados universais ou globais ou onusianos criaram Comitês também chamados comumente de treaty bodies para o monitoramento internacional da situação dos direitos protegidos A princípio o monitoramento limitase ao envio pelo Estado de relatórios periódicos que serão analisados pelo Comitê que emitirá recomendações Como os Comitês não são vinculados entre si nada impede que tais recomendações sejam contraditórias ou suicidas Por exemplo determinado Comitê recomenda ação que colide com outra ação proposta por Comitê distinto sem maior preocupação com a coerência A ausência de força vinculante das recomendações minimiza esse problema porém essas contradições desprestigiam o próprio sistema de relatórios periódicos 258 Nove dos tratados onusianos que possuem esses Comitês admitem sob condições o mecanismo de petições individuais Comitê de Direitos Humanos via Protocolo Facultativo Comitê pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação Racial via cláusula de adesão facultativa prevista no próprio tratado Comitê pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação contra a Mulher via Protocolo Facultativo Comitê contra a Tortura via cláusula de adesão facultativa prevista no próprio tratado e Comitê sobre os Direitos da Criança 3º Protocolo Facultativo Comitê do PIDESC via Protocolo Facultativo Comitê contra o Desaparecimento Forçado cláusula facultativa e Comitê sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias via cláusula facultativa prevista no próprio tratado O Brasil já reconheceu o mecanismo de petição individual de seis Comitês Comitê pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação Racial 259 Comitê pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação contra a Mulher 260 Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência 261 Comitê de Direitos Humanos Comitê contra a Tortura e Comitê sobre os Direitos da Criança No caso de o Comitê considerar no bojo de uma petição individual contra um Estado que houve violação de direitos humanos este determina ao Estado que realize a reparação força vinculante questionada Ainda o Brasil adotou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes que estabelece a competência para fins preventivos do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes do Comitê contra a Tortura 262 e exige a criação de mecanismo nacional 12 Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos O posto de Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos foi criado por meio da Resolução 48141 da Assembleia Geral da ONU de 20 de dezembro de 1993 objetivando focar os esforços e dar sinergia às atividades das Nações Unidas na área dos direitos humanos Compõe a estrutura do SecretariadoGeral da ONU e possui sede em Genebra Suíça no Palais Wilson ver abaixo Esse posto foi sugerido já na Declaração e Programa de Ação de Viena em 1993 que o via como essencial para aperfeiçoar a coordenação e consequentemente a eficiência e efetividade dos diversos órgãos onusianos de proteção de direitos humanos O Alto Comissário deve ser alguém de elevada idoneidade moral e integridade pessoal devendo possuir expertise no campo dos direitos humanos bem como conhecimento e compreensão das diversas culturas para realizar suas atribuições de forma imparcial objetiva não seletiva e efetiva É indicado pelo SecretárioGeral das Nações Unidas e aprovado pela Assembleia Geral tendo em conta uma alternância geográfica para um mandato de quatro anos renovável uma vez por mais quatro Foram Altos Comissários José AyalaLasso Equador 19941997 Mary Robinson Irlanda 19972002 Sergio Vieira de Mello Brasil 20022003 morto em ataque a bomba por insurgentes em Bagdá Louise Arbour Canadá 20042008 Navanethem Pillay África do Sul 20082014 e Zeid Raad Al Hussein Jordânia 20142018 Em setembro de 2018 assumiu o posto Michelle Bachelet Jeria expresidente do Chile De acordo com a Resolução n 48141 de 1993 o Alto Comissário deve exercer suas funções pautado no respeito à Carta das Nações Unidas à Declaração Universal dos Direitos Humanos e a instrumentos internacionais observando a soberania a integridade territorial e a jurisdição doméstica dos Estados e promovendo o respeito e a observância universal dos direitos humanos como uma preocupação legítima da comunidade internacional Deve também ser guiado pelo reconhecimento de que todos os direitos humanos são universais indivisíveis interdependentes e interrelacionados e pelo fato de que mesmo que as particularidades nacionais e regionais e históricas culturais e religiosas sejam aspectos que devem ser levados em consideração é obrigação dos Estados independentemente de seu sistema político econômico ou cultural promover todos os direitos e liberdades fundamentais Por fim a Resolução enuncia que o Alto Comissário deve reconhecer a importância de se promover o desenvolvimento sustentável para todos e de assegurar a realização do direito ao desenvolvimento Em seguida a Resolução da Assembleia Geral lista onze atribuições do Alto Comissário A primeira delas é a promoção e proteção do efetivo gozo de todos os direitos civis políticos econômicos culturais e sociais Em segundo lugar deve realizar as tarefas a ele atribuídas pelos órgãos competentes do sistema das Nações Unidas no campo dos direitos humanos bem como fazer recomendações a eles para aperfeiçoar a promoção e proteção de todos os direitos humanos Em terceiro lugar deve promover e proteger a realização do direito ao desenvolvimento e aumentar o apoio de órgãos relevantes do sistema das Nações Unidas para esse propósito Deve ainda fornecer por meio do Centro para os Direitos Humanos órgão por ele presidido serviços de consultoria e assistência técnica e financeira a pedido do respectivo Estado e quando apropriado de organizações regionais de direitos humanos com o intuito de apoiar ações e programas no campo dos direitos humanos O Alto Comissário ainda coordena programas de educação e informação pública relevantes das Nações Unidas no campo dos Direitos Humanos Deve ter papel ativo na remoção de obstáculos no enfrentamento de desafios para a completa realização de todos os direitos humanos e na prevenção na continuidade de violações a direitos humanos ao redor do mundo como estabelecido na Declaração e Programa de Ação de Viena Deve também envolver os Governos num diálogo para a implementação de seu mandato com a finalidade de assegurar o respeito aos direitos humanos O Alto Comissário deve ainda incentivar o aumento da cooperação internacional para a promoção e proteção dos direitos humanos coordenar as atividades de promoção e proteção dos direitos humanos do sistema das Nações Unidas realizar a supervisão do Centro para os Direitos Humanos e finalmente racionalizar adaptar fortalecer e simplificar os mecanismos das Nações Unidas no âmbito dos direitos humanos com o intuito de aumentar sua eficiência e efetividade Em resumo o Alto Comissário deveria ser o SecretárioGeral dos direitos humanos na ONU capaz de angariar recursos administrativos para os demais órgãos de direitos humanos por exemplo os Comitês e relatorias especiais simplificar e obter eficiência na ação dos variados órgãos de direitos humanos na ONU bem como aumentar o engajamento dos Estados e ainda sinalizar os futuros passos para a implementação dos direitos humanos O Alto Comissário envia relatório anual sobre suas atividades para o Conselho de Direitos Humanos e por meio do Conselho Econômico e Social para a Assembleia Geral Como já mencionado o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos está localizado em Genebra no histórico Palais Wilson e possui um escritório em Nova Iorque O Palais Wilson foi sede original da Liga das Nações antecessora da ONU e foi assim denominado em homenagem ao Presidente norteamericano Woodrow Wilson idealizador da Liga apesar de os Estados Unidos nunca dela terem participado O Secretário Geral da ONU deve fornecer pessoal e recursos para permitir que o Alto Comissário realize seu mandato As prioridades do Alto Comissariado incluem maior engajamento dos Estados em estreita colaboração com os parceiros em nível nacional e regional para assegurar que as normas internacionais de direitos humanos sejam aplicadas papel de liderança mais forte para o Alto Comissariado e parcerias mais estreitas com a sociedade civil e com agências das Nações Unidas QUADRO SINÓTICO Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos Criação Resolução n 48141 da Assembleia Geral da ONU de 20 de dezembro de 1993 Sede principal Genebra Palais Wilson Composição Alto Comissário deve ser alguém de elevada idoneidade moral e integridade pessoal e deve possuir expertise inclusive no campo dos direitos humanos e conhecimento e compreensão das diversas culturas para realizar suas atribuições de forma imparcial objetiva não seletiva e efetiva É indicado pelo SecretárioGeral das Nações Unidas e aprovado pela Assembleia Geral tendo em conta uma alternância geográfica para um mandato de quatro anos renovável uma vez por mais quatro Promover e proteger o efetivo gozo de todos os direitos civis políticos econômicos culturais e sociais Realizar as tarefas a ele atribuídas pelos órgãos competentes do sistema das Nações Unidas no campo dos direitos humanos bem como fazer recomendações a eles para aperfeiçoar a promoção e proteção de todos os direitos humanos Promover e proteger a realização do direito ao desenvolvimento e aumentar o apoio de órgãos relevantes do sistema das Nações Unidas para esse propósito Fornecer por meio do Centro para os Direitos Humanos serviços de consultoria e assistência técnica e Atribuições financeira a pedido do respectivo Estado e quando apropriado de organizações regionais de direitos humanos com o intuito de apoiar ações e programas no campo dos direitos humanos Coordenar programas de educação e informação pública relevantes das Nações Unidas no campo dos Direitos Humanos Atuar ativamente na remoção de obstáculos no enfrentamento de desafios para a completa realização de todos os direitos humanos e na prevenção na continuidade de violações a direitos humanos ao redor do mundo como estabelecido na Declaração e Programa de Ação de Viena Envolver os Governos num diálogo para a implementação de seu mandato com a finalidade de assegurar o respeito aos direitos humanos Aumentar a cooperação internacional para a promoção e proteção dos direitos humanos Coordenar as atividades de promoção e proteção dos direitos humanos do sistema das Nações Unidas Realizar a supervisão do Centro para os Direitos Humanos Racionalizar adaptar fortalecer e simplificar os mecanismos das Nações Unidas no âmbito dos direitos humanos com o intuito de aumentar sua eficiência e efetividade 13 Comissão Interamericana de Direitos Humanos Comissão IDH 131 ASPECTOS GERAIS A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é órgão principal da Organização dos Estados Americanos OEA sendo composta por sete membros denominados Comissários ou mais usualmente como decorrência de termo em espanhol Comissionados que deverão ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos Os membros da Comissão serão eleitos por quatro anos e só poderão ser reeleitos uma vez sendo que o mandato é incompatível com o exercício de atividades que possam afetar sua independência e sua imparcialidade ou a dignidade ou o prestígio do seu cargo na Comissão O conhecimento jurídico não é tido como indispensável para o cargo Os membros da Comissão serão eleitos a título pessoal pela Assembleia Geral da OEA de uma lista de candidatos propostos pelos Governos dos Estadosmembros Cada Governo pode propor até três candidatos ou seja também pode propor apenas um nome nacionais do Estado que os proponha ou de qualquer outro Estadomembro Quando for proposta uma lista tríplice de candidatos pelo menos um deles deverá ser nacional de Estado diferente do proponente Em resumo a Comissão é um órgão principal da OEA porém autônomo pois seus membros atuam com independência e imparcialidade não representando o Estado de origem Em relação à Convenção Americana de Direitos Humanos a Comissão pode receber petições individuais e interestatais contendo alegações de violações de direitos humanos O procedimento individual é considerado de adesão obrigatória e o interestatal é facultativo A Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe que qualquer pessoa não só a vítima pode peticionar à Comissão alegando violação de direitos humanos de terceiros A própria Comissão pode de ofício iniciar um procedimento contra determinado Estado para verificar a violação de direitos humanos de indivíduo ou grupo de indivíduos Já a Corte Interamericana só pode ser acionada jus standi pelos Estados contratantes e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos que exerce a função similar à do Ministério Público brasileiro 263 A vítima ou seus representantes possui somente o direito de petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos A Comissão analisa tanto a admissibilidade da demanda há requisitos de admissibilidade entre eles o esgotamento prévio dos recursos internos quanto seu mérito Caso a Comissão arquive o caso demanda inadmissível ou quanto ao mérito infundada não há recurso disponível à vítima Outra hipótese de ser o caso apreciado pela Corte ocorre se algum Estado no exercício de uma verdadeira actio popularis ingressar com a ação contra o Estado violador Mesmo nesse caso o procedimento perante a Comissão é obrigatório Em 2007 a Comissão julgou inadmissível a petição proposta pela Nicarágua contra Costa Rica Em 2010 mostrando uma nova posição dos Estados a Comissão aceitou a petição do Equador contra a Colômbia pela morte de um nacional equatoriano Senhor Franklin Guillermo Aisalla Molina durante o ataque colombiano ao acampamento da guerrilha colombiana em território equatoriano em 2008 Em 2013 em face de acordo entre os Estados envolvidos a Comissão arquivou o caso 132 A COMISSÃO IDH E O TRÂMITE DAS PETIÇÕES INDIVIDUAIS 1321 Provocação e condições de admissibilidade A Comissão é provocada por meio de uma petição escrita que pode ser de i autoria da própria vítima ii de terceiros incluindo as organizações não governamentais demandas individuais ou ainda iii oriunda de outro Estado demandas interestatais de impacto reduzido até hoje apenas 2 casos na Comissão Também a iv Comissão pode agir de ofício Em sua petição internacional o representante deve apontar os fatos que comprovem a violação de direitos humanos denunciada assinalando se possível o nome da vítima e de qualquer autoridade que tenha tido conhecimento da situação As condições de admissibilidade da petição individual à Comissão IDH são as seguintes i o esgotamento dos recursos locais ii ausência do decurso do prazo de seis meses contados do esgotamento dos recursos internos para a apresentação da petição iii ausência de litispendência internacional o que impede o uso simultâneo de dois mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos e iv ausência de coisa julgada internacional o que impede o uso sucessivo de dois mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos O esgotamento dos recursos internos exige que o peticionante prove que tenha esgotado os mecanismos internos de reparação quer administrativos quer judiciais antes que sua controvérsia possa ser apreciada perante o Direito Internacional Fica respeitada a soberania estatal ao se enfatizar o caráter subsidiário da jurisdição internacional que só é acionada após o esgotamento dos recursos internos Contudo os Estados têm o dever de prover recursos internos aptos a reparar os danos porventura causados aos indivíduos No caso de inadequação destes recursos o Estado responde duplamente pela violação inicial e também por não prover o indivíduo de recursos internos aptos a reparar o dano causado Há casos de dispensa da necessidade de prévio esgotamento dos recursos internos a saber 1 não existir o devido processo legal para a proteção do direito violado 2 não se houver permitido à vítima o acesso aos recursos da jurisdição interna ou houver sido ele impedido de esgotálos 3 houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos artigo 462 4 o recurso disponível for inidôneo por exemplo o recurso não é apto a reparar o dano 5 o recurso for inútil por exemplo já há decisão da Suprema Corte local em sentido diverso ou 6 faltam defensores ou há barreiras de acesso à justiça Atualmente a Corte IDH consagrou o entendimento que a exceção de admissibilidade por ausência de esgotamento dos recursos internos tem que ser invocada pelo Estado já no procedimento perante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos Assim se o Estado nada alega durante o procedimento perante a Comissão subentendese que houve desistência tácita dessa objeção Após não pode o Estado alegar a falta de esgotamento pois seria violação do princípio do estoppel ou seja da proibição de se comportar de modo contrário a sua conduta anterior non concedit venire contra factum proprium 1322 A conciliação perante a Comissão Passada a fase da admissibilidade da petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ingressase na fase conciliatória Caso tenha sido obtida a solução amigável entre a vítima e o Estado infrator a Comissão elabora seu relatório contendo os fatos e o acordo alcançado sendo o mesmo remetido ao peticionário aos Estados e também ao SecretárioGeral da OEA Há vários exemplos bemsucedidos de conciliação perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos envolvendo diversos países O primeiro caso brasileiro que foi objeto de conciliação foi o Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão em 2005 264 1323 As medidas cautelares da Comissão O art 25 do regulamento da Comissão IDH prevê a edição de medidas cautelares para proteger pessoas ou grupo de pessoas do i risco de dano irreparável em ii situações de gravidade e urgência quer haja relação ou não com petição em trâmite Não há dispositivo expresso na Convenção Americana de Direitos Humanos sobre a eficácia vinculante de tais medidas cautelares que são então entendidas como recomendações à luz do art 41 b da Convenção A reforma do regulamento da Comissão em 2013 inseriu a oitiva do Estado antes da edição de medidas cautelares Contudo em casos de gravidade e urgência a Comissão ainda pode adotar medidas cautelares sem ouvir o Estado para evitar dano irreparável referente a um caso Em março de 2011 a Comissão adotou medida cautelar requerendo a suspensão da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte a principal obra de fornecimento de energia do Brasil nos últimos anos por ofensa a diversos direitos dos povos indígenas Após veemente recusa do Estado brasileiro em cumprir tal deliberação a Comissão modificou sua posição e decidiu que a obra poderia continuar desde que fossem tomadas determinadas cautelas na preservação dos direitos até deliberação final da Comissão O episódio mostrou que a ausência de previsão expressa das medidas cautelares da Comissão na Convenção Americana de Direitos Humanos faz com que os Estados Partes da Convenção não aceitem sua força vinculante Por outro lado a Comissão pode requerer medidas provisórias à Corte IDH que possuem de modo expresso previsão na Convenção Não é incomum que a Comissão adote medida cautelar e após comprovada a falta de cumprimento pelo Estado peça à Corte IDH uma medida provisória Por exemplo a Comissão adotou medida cautelar para que o Estado adotasse medidas a favor dos direitos dos presos do Complexo de Pedrinhas São LuísMA 265 Dada a ineficácia da medida cautelar a Comissão pleiteou medida provisória da Corte IDH que a deferiu em 18 de novembro de 2014 ver abaixo o item 1337 sobre as medidas provisórias da Corte De acordo com o Regulamento da Comissão esta acionará a Corte e solicitará medidas provisórias quando 1 o Estado não tiver cumprido as medidas cautelares anteriores 2 as medidas cautelares não tiverem sido eficazes 3 já existir uma medida cautelar conectada com o caso submetido à jurisdição da Corte e finalmente 4 a Comissão entender ser pertinente para dar maior efeito às medidas cautelares já exaradas fundamentando seus motivos cláusula geral que permite flexibilidade à Comissão Caso a Corte indefira o pedido de medidas provisórias a Comissão só considerará um novo pedido de medidas cautelares se surgirem fatos novos que o justifiquem Em todo caso a Comissão poderá considerar o uso de outros mecanismos de monitoramento da situação Desde 1996 a Comissão IDH adotou 42 medidas cautelares contra o Brasil em cinco temas i adolescentes em conflito com a lei privados de liberdade ii pessoas privadas de liberdade iii proteção de testemunhas iv proteção de defensores de direitos humanos e v comunidades indígenas O maior número de cautelares outorgadas pela Comissão IDH nessas décadas referese à proteção de defensores de direitos humanos Somamse ao todo 13 medidas incluindo o caso Manoel Mattos cujo assassinato foi submetido ao Incidente de Deslocamento de Competência analisado neste Curso A crise aguda do sistema prisional brasileiro foi detectada pela Comissão IDH que emitiu já 15 medidas cautelares sobre o tema sendo sete em relação às ameaças da integridade física e a vida de adolescentes e oito em relação a adultos detentos Entre os sete casos envolvendo adolescentes privados de liberdade encontramse o caso das Crianças Privadas de Liberdade na FEBEM Tatuapé em São Paulo e o caso dos Adolescentes Privados de Liberdade em Centros de Atenção Socioeducativa de Internação Masculina no Ceará incluindo ainda outros casos do Espírito Santo do Rio de Janeiro e do Distrito Federal As oito medidas em relação à proteção dos direitos humanos de presos referemse ao caso do Complexo Penitenciário de Pedrinhas no Maranhão ao caso do Presídio Professor Aníbal Bruno em Pernambuco e ao caso da Penitenciária de Urso Branco caso já arquivado pela Comissão em Rondônia ao caso da Penitenciária Evaristo de Moraes no Rio de Janeiro somando ainda outros casos no Rio Grande do Sul Espírito Santo Três medidas cautelares visaram à proteção dos direitos de comunidades indígenas no Pará Roraima e Pernambuco sendo respectivamente os casos Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu Caso Belo Monte Povos Indígenas na Raposa Serra do Sol e Líderes Indígenas do Povo Xucuru Em relação à proteção de testemunhas a Comissão IDH deferiu três medidas cautelares visando à proteção da vida de pessoas que testemunharam assassinatos de seus familiares 266 Em uma das medidas cautelares órgão da OEA determinou ao Estado que investigasse o desaparecimento de policial militar ameaçado pela milícia no Rio de Janeiro Em 2018 e 2019 a Comissão emitiu quatro medidas cautelares para possibilitar a continuidade do trabalho de defensoras e defensores de direitos humanos sem que sejam alvo de ameaças intimidações ou atos de violência durante o exercício de suas funções Destacam se o caso de Padre Julio Lancellotti da Pastoral da População em Situação de Rua Jean Wyllys de Matos Santos exdeputado federal e militante da luta LGBTI Monica Benício ex companheira da vereadora Marielle Franco e Joana Darc Mendes mãe na busca por justiça após a morte de seu filho por policiais militares As recomendações da Comissão IDH alertam para as deficiências do programa de proteção de defensores de direitos humanos no Brasil e da importância de proteger à vida e a integridade dessas pessoas 267 Seguem comentários a alguns desses casos Jean Wyllys 2018 o exdeputado Jean Wyllys e seus familiares receberam uma série de ameaças por meio eletrônico e redes sociais em razão de sua atuação como militante por direitos das pessoas LGBTI além de ser o primeiro deputado a abertamente falar sobre sua orientação sexual Em razão da falta de atuação do Estado para proteger o deputado por meio de escolta e suporte aos familiares e diante da urgência e gravidade dos riscos à integridade pessoal e à vida a Comissão IDH emitiu medida cautelar André Luiz Moreira de Souza 2019 policial militar no Rio de Janeiro designado para atuar em unidade de polícia pacificadora a qual mostrou sua indignação pelos perigos do novo posto de trabalho Em setembro de 2018 enquanto estava com a família em um veículo foi abordado por homens armados e desapareceu Seu carro foi encontrado no outro dia queimado Diante do contexto de ameaças a policiais por parte da milícia a CIDH entendeu que o Estado não atuou para investigar os fatos e para encontrar André Luiz de modo que após três meses de seu desaparecimento a medida cautelar atendeu aos critérios de urgência e gravidade No mais a Comissão IDH reforçou seu entendimento de que não é necessário o esgotamento dos recursos internos mas apenas uma notificação do Estado e sua consequente omissão para concessão de medida cautelar Padre Julio Lancellotti 2019 Padre Julio Lancellotti é importante defensor dos direitos das pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo Contudo há anos vem sofrendo ameaças por partes de agências policiais e guardas civis Diante da ausência de medidas protetivas para que o defensor pudesse continuar realizando seu trabalho a Corte emitiu a medida cautelar 1324 O Primeiro Informe e possível ação perante a Corte IDH No caso de constatação de violação de direitos humanos a Comissão elabora o chamado Primeiro Informe ou Primeiro Relatório encaminhandoo ao Estado infrator Cabe ao Estado cumprir as recomendações desse primeiro relatório que é confidencial Se em até três meses após a remessa ao Estado do primeiro relatório da Comissão o caso não tiver sido solucionado reparação dos danos pelo Estado pode ser submetido à Corte se i o Estado infrator houver reconhecido sua jurisdição obrigatória e ii se a Comissão entender tal ação conveniente para a proteção dos direitos humanos no caso concreto De acordo com o regulamento da Comissão no caso de Estados que já tenham reconhecido a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte e que não cumpriram o conteúdo do Primeiro Informe é necessária maioria de votos dos Comissários para que o caso não seja encaminhado à Corte A prática interamericana contempla a prorrogação do prazo de três meses bastando a anuência da Comissão e do Estado O Estado é beneficiado pela prorrogação do prazo pois teria mais tempo para evitar uma ação da Comissão perante a Corte de San José Não pode depois justamente alegar perante a Corte IDH a decadência do direito da Comissão em propor a ação Seria mais um exemplo do princípio do estoppel também chamado de proibição de venire contra factum proprium Se o Estado não tiver reconhecido ainda a jurisdição da Corte ou os fatos e repercussões dos fatos forem anteriores ao reconhecimento vários Estados só aceitam a jurisdição da Corte para os casos futuros e não tiver cumprido o Primeiro Informe deve a Comissão Interamericana de Direitos Humanos elaborar um segundo informe 1325 O Segundo Informe Esse Segundo Informe é público diferentemente do Primeiro Informe que é confidencial restrito às partes e só é elaborado na ausência de ação judicial perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Inicialmente a Comissão encaminha o texto do segundo informe às partes contendo suas conclusões finais e recomendações com prazo fixado para informar sobre o cumprimento do seu teor art 47 do Regulamento da Comissão Após o decurso desse prazo a Comissão agrega a informação sobre o cumprimento das medidas requeridas publicando o Segundo Informe No caso de descumprimento do Segundo Informe a Comissão Interamericana de Direitos Humanos encaminha seu relatório anual à Assembleia Geral da OEA fazendo constar as deliberações não cumpridas pelos Estados para que a OEA adote medidas para convencer o Estado a restaurar os direitos protegidos 133 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 1331 Composição e o juiz ad hoc A Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH é uma instituição judicial autônoma não sendo órgão da OEA mas sim da Convenção Americana de Direitos Humanos Possui jurisdição contenciosa e consultiva pode emitir pareceres ou opiniões consultivas não vinculantes Não é obrigatório o reconhecimento de sua jurisdição contenciosa o Estado pode ratificar a Convenção Americana e não reconhecer a jurisdição contenciosa da Corte IDH pois tal reconhecimento é cláusula facultativa da Convenção O Estado deve reconhecer a jurisdição contenciosa por declaração específica para todo e qualquer caso art 62 da Convenção ou mesmo para somente um caso específico A jurisdição da Corte para julgar pretensas violações em face do Pacto de São José foi admitida até o momento por 20 Estados inclusive o Brasil entre os 23 contratantes do Pacto 268 exercendo a Corte IDH jurisdição sobre aproximadamente 550 milhões de pessoas Apesar de ter ratificado e incorporado internamente a Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992 foi somente em 1998 que o Brasil reconheceu a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos O Decreto Legislativo n 8998 aprovou tal reconhecimento em 3 de dezembro de 1998 Por meio de nota transmitida ao SecretárioGeral da OEA no dia 10 de dezembro de 1998 o Brasil reconheceu a jurisdição da Corte Curiosamente o Poder Executivo editou o Decreto n 4463 somente em 8 de novembro de 2002 promulgando o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana no território nacional quase quatro anos após o reconhecimento internacional A Corte IDH é composta por sete juízes cuja escolha é feita pelos Estados Partes da Convenção em sessão da Assembleia Geral da OEA de uma lista de candidatos propostos pelos mesmos Estados São requisitos para ser juiz da Corte i ser jurista da mais alta autoridade moral ii ter reconhecida competência em matéria de direitos humanos iii reunir as condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais ou do Estado que os propuser como candidatos e iv ter a nacionalidade de um dos Estados da OEA ou seja mesmo nacionais de Estados que sequer ratificaram a CADH podem ser juízes da Corte Os juízes da Corte serão eleitos para um mandato de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez O brasileiro Roberto Caldas foi juiz da Corte IDH para o mandato de 20132018 No governo Temer o Brasil não apresentou nenhum candidato para eventualmente substituir o Juiz Caldas Desde o início do funcionamento da Corte o Brasil tem tímida participação na sua composição tendo tido apenas 2 juízes permanentes desconsiderando os juízes ad hoc i Juiz Cançado Trindade 19952006 dois mandatos e ii Juiz Roberto Caldas 20132018 mandato único tendo renunciado por motivos pessoais antes do seu fim do seu período 269 Além dos 7 juízes determinado caso pode ter um juiz ad hoc na jurisdição contenciosa caso o EstadoRéu não possua um juiz de sua nacionalidade em exercício na Corte A Corte IDH restringiu em 2009 por meio de Opinião Consultiva n 20 a interpretação do art 55 da Convenção que trata do juiz ad hoc eliminando tal figura nas demandas iniciadas pela Comissão a pedido de vítimas ou seja todas até o momento e mantendoo somente para as demandas originadas de comunicações interestatais Também em 2009 na mesma Opinião Consultiva n 20 a Corte restringiu a possibilidade do juiz que porventura possuir a mesma nacionalidade do Estado Réu atuar no caso Somente o fará nas demandas interestatais inexistentes até o momento Nas demandas iniciadas pela Comissão a pedido das vítimas o juiz da nacionalidade do Estado Réu deve se abster de participar do julgamento tal qual ocorre com o Comissário da nacionalidade do Estado em exame que não pode participar das deliberações da Comissão IDH 1332 Funcionamento A Corte fez sua primeira sessão em 1979 Seu funcionamento ocorre em sessões ordinárias e extraordinárias uma vez que a Corte IDH não é um tribunal permanente Os períodos extraordinários de sessões deverão ser convocados pelo seu presidente ou por solicitação da maioria dos juízes O quorum para as deliberações da Corte IDH é de cinco juízes sendo que as decisões da Corte serão tomadas pela maioria dos juízes presentes Em caso de empate o presidente terá o voto de qualidade Os idiomas oficiais da Corte são os da OEA ou seja o espanhol o inglês o português e o francês Os idiomas de trabalho são escolhidos anualmente pela Corte No trâmite de casos contenciosos pode ser adotado o idioma do Estado Réu A sede da Corte é em San José da Costa Rica podendo a Corte realizar sessões em outros países para difundir seu trabalho Como visto a Corte possui jurisdição contenciosa e consultiva pode emitir pareceres ou opiniões consultivas não vinculantes 1333 Legitimidade ativa e passiva nos processos contenciosos Somente Estados que tenham reconhecido a jurisdição da Corte e a Comissão podem processar Estados perante a Corte Interamericana no exercício da jurisdição contenciosa Assim os indivíduos dependem da Comissão ou de outro Estado actio popularis para que seus reclamos cheguem à Corte IDH Já a legitimidade passiva é sempre do Estado a Corte IDH não é um Tribunal que julga pessoas o que será debatido mais abaixo A Corte julga assim uma ação de responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos 270 1334 O EPAP ESAP e o defensor público interamericano A Comissão em no máximo três meses após o não acatamento das conclusões do seu Primeiro Informe pelo Estado infrator pode acionálo perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos caso o Estado tenha reconhecido a jurisdição da Corte Os outros Estados contratantes que tenham também reconhecido a jurisdição da Corte podem acionar um Estado já que a garantia de direitos humanos é uma obrigação objetiva de interesse de todos contratantes da Convenção Americana de Direitos Humanos Ou mesmo o próprio Estado interessado pode propor a ação para substituir eventual relatório desfavorável da Comissão por uma sentença que o isente das violações apontadas Como já abordado o art 51 da Convenção estabelece o prazo de até três meses contados da remessa do Primeiro Informe ou Relatório ao Estado interessado sobre o caso para que a Comissão acione a Corte A ação é iniciada pelo envio do Primeiro Informe da Comissão à Corte As vítimas ou seus representantes são intimados a apresentar a petição inicial do processo internacional no prazo de dois meses Essa petição inicial é denominada Escrito de petições argumentos e provas EPAP em espanhol a sigla comumente utilizada é ESAP 271 que deve conter i a descrição dos fatos dentro do marco fático estabelecido na apresentação do caso pela Comissão em seu Primeiro Informe ii as provas oferecidas devidamente ordenadas com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos sobre os quais versam iii a individualização dos declarantes e o objeto de sua declaração No caso dos peritos deverão ademais remeter iv seu currículo e seus dados de contato v as pretensões incluídas as que concernem a reparações e custas Assim os fatos expostos pela Comissão no Primeiro Informe determinam em geral os limites objetivo e subjetivo do objeto do processo Não podem ser agregados fatos distintos ou novas vítimas A exceção a essa restrição são os fatos novos que se qualificam como supervenientes ou mesmo antecedentes mas trazidos por provas novas desde que vinculados aos fatos já apresentados pela Comissão 272 Assim estamos em uma fase de transição pois não cabe aos novos Autores as vítimas ou seus representantes nem sequer fixar o objeto do processo mas sim à Comissão Após todas as etapas processuais são focadas nas vítimas e no Estado Réu e secundariamente na Comissão como fiscal da lei custos legis Há ainda o Defensor Interamericano que deve representar judicialmente às vítimas sem recursos até 2009 a representação era feita pela própria Comissão A OEA fez convênio com a Associação Interamericana de Defensorias Públicas que possui uma lista de defensores públicos nacionais especializados no sistema interamericano que conta inclusive com defensores públicos brasileiros Dessa lista há a nomeação de um Defensor Público Interamericano às vítimas ou representantes que não possuam ainda representação jurídica para atuar nos processos perante a Corte IDH 1335 Contestação exceções preliminares e provas O Estado Réu é notificado para oferecer sua contestação no prazo idêntico de dois meses O Estado demandado pode não impugnar os fatos e as pretensões acatando sua responsabilidade internacional Nesse caso a Corte estará apta a sentenciar Caso queira contestar deve já indicar as provas inclusive as periciais bem como os fundamentos de direito as observações às reparações e às custas solicitadas bem como as conclusões pertinentes Na própria contestação o Estado deve caso queira apresentar suas exceções preliminares São exceções preliminares toda a matéria que impeça a Corte de se pronunciar sobre o mérito da causa como por exemplo ausência de esgotamento prévio dos recursos internos Ao opor exceções preliminares deverão ser expostos os fatos os fundamentos de direito as conclusões e os documentos que as embasem bem como o oferecimento de provas A apresentação de exceções preliminares não suspenderá o procedimento em relação ao mérito nem aos prazos e aos termos respectivos A Comissão as supostas vítimas ou seus representantes poderão apresentar suas observações às exceções preliminares no prazo de 30 dias contado a partir do seu recebimento Quando considerar indispensável a Corte poderá convocar uma audiência especial para as exceções preliminares depois da qual sobre estas decidirá Ao fim desse contraditório a Corte decidirá sobre as exceções preliminares podendo arquivar o caso ou ordenar o seu prosseguimento Porém há vários casos nos quais a Corte prefere adotar uma única sentença contendo as exceções preliminares o mérito e inclusive as determinações de reparações e as custas Assim as exceções preliminares ficam no feito que segue normalmente com a produção probatória para serem decididas ao final em conjunto com o mérito Quanto às provas são admitidos todos os modos de produção previstos também no direito brasileiro como as provas testemunhais periciais e documentais As provas produzidas pela Comissão em seu procedimento próprio só serão incorporadas ao processo perante a Corte IDH se foram produzidas em procedimento que foi fruto do contraditório A fase probatória encerrase com a apresentação de alegações finais escritas pelas vítimas Estado demandado e também a Comissão 1336 Os amici curiae No Direito Internacional o amicus curiae na tradução literal amigo do Tribunal consiste em um ente que não é parte na disputa e que oferece a determinada Corte Internacional uma perspectiva própria argumentos ou determinado saber especializado que poderão ser úteis na tomada de decisão A petição escrita do amicus curiae na jurisdição contenciosa poderá ser apresentada a qualquer momento do processo até a data limite de 15 dias posteriores à celebração da audiência de coleta de testemunhos Nos casos em que não se realize audiência deverá ser remetido dentro dos 15 dias posteriores à resolução correspondente na qual se outorga prazo para o envio de alegações finais Após consulta à Presidência o escrito de amicus curiae junto com seus anexos será posto imediatamente em conhecimento das partes para sua informação 1337 As medidas provisórias A Corte nos casos sob sua apreciação poderá tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes para em casos de extrema gravidade e urgência evitar danos irreparáveis às pessoas A melhor terminologia seria naturalmente medidas cautelares cuja necessidade é evidente pois em nada serviria o processo internacional se a Corte IDH não pudesse proteger in limine as pessoas de danos irreparáveis A Corte nos casos já sob sua análise pode agir ex officio ou ainda por provocação das vítimas ou representantes Tratandose de casos ainda não submetidos à sua consideração a Corte só poderá atuar por requerimento da Comissão O Estado deve cumprir as medidas provisórias e informar periodicamente a Corte IDH A Corte incluirá em seu relatório anual à Assembleia Geral uma relação das medidas provisórias que tenha ordenado durante o período do relatório e quando tais medidas não tenham sido devidamente executadas Em relação ao Brasil a Corte adotou entre 2002 e setembro de 2019 43 medidas provisórias a pedido da Comissão IDH em 8 situações emergenciais a saber 1 Caso da Penitenciária de Urso Branco Porto VelhoRO já arquivado pela Comissão 273 2 Caso das crianças e adolescentes privados de liberdade no Complexo do Tatuapé da FEBEM São Paulo Capital 274 3 Caso das pessoas privadas de liberdade na Penitenciária Dr Sebastião Martins Silveira AraraquaraSão Paulo 275 4 Caso do Centro Penitenciário de Curado Prof Aníbal Bruno RecifePE 276 5 Caso do Complexo de Pedrinhas São LuísMA 277 6 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia 278 e 7 Caso da Unidade de Internação Socioeducativa CariacicaES 279 e 8 Caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho GericinóRJ 280 Destacase ainda a resolução inédita da Corte IDH chamada de supercaso pelas organizações da sociedade civil que reuniu quatro casos já acompanhados pela Corte por meio de medidas provisória Pedrinhas Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho Unidade de Internação Socioeducativa e Complexo Curado em razão de um padrão sistêmico de violação do direito à integridade física de pessoas privadas de liberdade cobrando do Brasil respostas e ações para reverter o quadro de violações de direitos humanos nos presídios 281 Em 2018 nos casos do Complexo Penitenciário de Curado e do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho a Corte determinou de forma paradigmática ações concretas ao Estado brasileiro para reduzir a superpopulação prisional dos presídios como i o cômputo em dobro de cada dia de privação de liberdade nas citadas unidades prisionais para todas as pessoas privadas de liberdade não acusadas de delitos contra a vida integridade física ou sexuais 282 ii observância da Súmula Vinculante 56 do Supremo Tribunal Federal 283 e iii proibição de transferências de novos presos 284 1338 Desistência reconhecimento e solução amistosa O processo perante a Corte IDH pode ser abreviado em três situações solução amistosa que consiste no acordo entre as vítimas e o Estado Réu fiscalizado pela Corte que pode ou não homologálo desistência por parte das vítimas mas a Corte ouvida a opinião de todos os intervenientes no processo decidirá sobre sua procedência e seus efeitos jurídicos reconhecimento do pedido total ou parcial pelo qual o Estado Réu acata as pretensões das vítimas cabendo à Corte decidir sobre os efeitos do reconhecimento Nas três situações desistência reconhecimento e solução amistosa não há automatismo na eventual extinção do processo A natureza das obrigações em jogo exige que a Corte zele pela indisponibilidade dos direitos humanos mesmo na existência de um acordo Por isso mesmo em presença desse tipo especial de vontade das partes desistindo reconhecendo ou mesmo entrando em acordo a Corte IDH poderá decidir pelo prosseguimento do exame do caso 1339 A sentença da Corte as obrigações de dar fazer e não fazer A Corte IDH pode decidir pela procedência ou improcedência parcial ou total da ação de responsabilização internacional do Estado por violação de direitos humanos O conteúdo da sentença de procedência consiste em assegurar à vítima o gozo do direito ou liberdade violados Consequentemente a Corte IDH pode determinar toda e qualquer conduta de reparação e garantia do direito violado abrangendo obrigações de dar fazer e não fazer Há o dever do Estado de cumprir integralmente a sentença da Corte conforme dispõe expressamente o art 681 da seguinte maneira Os Estados Partes na Convenção comprometemse a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes É tarefa do Estado escolher o meio de execução que em geral depende do tipo de órgão imputado por exemplo se judicial ou não e de seu status normativo Importante ressaltar também que essa aparente liberdade dos Estados em definir os meios internos de execução de sentença internacional foi reduzida pela Convenção Americana de Direitos Humanos no art 682 o qual dispõe que no tocante a parte da sentença relativa à indenização compensatória esta seria executada de acordo com o processo interno de execução de sentença contra o Estado No caso de não cumprimento sponte propria das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos o art 65 da Convenção Americana de Direitos Humanos possibilita à Corte Interamericana de Direitos Humanos a inclusão dos casos em que o Estado não tenha dado cumprimento a suas sentenças no seu relatório anual à Assembleia Geral da OEA Além disso a Corte IDH exige que o Estado condenado apresente relatórios periódicos de cumprimento da sentença Quando considere pertinente a Corte poderá convocar o Estado e os representantes das vítimas a uma audiência para supervisionar o cumprimento de suas decisões ouvindose a Comissão 13310 O recurso cabível A sentença da Corte IDH é definitiva e inapelável Em caso de divergência sobre o sentido ou alcance da sentença cabe à parte vítima ou Estado ou ainda à Comissão interpor recurso ou pedido de interpretação semelhante aos nossos embargos de declaração cujo prazo para apresentação é de noventa dias a partir da data da notificação da sentença Além disso a Corte poderá por iniciativa própria ou a pedido de uma das partes apresentado no mês seguinte à notificação retificar erros notórios de edição ou de cálculo Se for efetuada alguma retificação a Corte notificará a Comissão as vítimas ou seus representantes e o Estado 13311 Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos casos contenciosos A Corte IDH editou mais de 379 decisões em 246 casos contenciosos e 630 resoluções de medidas provisórias de 1979 1ª sessão da Corte a julho de 2019 Entre os casos mais renomados sem contar os brasileiros citemse 285 Velasquez Rodriguez vs Honduras sentença de 2971988 Tratouse de desaparecimentos forçados de pessoas por agentes da ditadura militar de Honduras nos anos 80 do século passado O Caso Velasquez Rodriguez em conjunto com o Caso Godinez Cruz e Fairén Garbi e Solís Corrales representam os três primeiros julgamentos de mérito da Corte IDH em 1989 os chamados casos hondurenhos pois todos foram contra Honduras A Corte inverteu contra o Estado o ônus da prova no caso de desaparecimentos Fixaramse indenizações por danos materiais e morais aos familiares das vítimas e também determinaramse investigações e punições criminais aos responsáveis Genie Lacayo vs Nicarágua sentença de 2911997 Tratouse de assassinato do jovem Genie Lacayo que não foi investigado apropriadamente em virtude do envolvimento de membros das forças de segurança de alto governante da Nicarágua também é conhecido como o Caso da Comitiva de Ortega A Nicarágua foi condenada pela violação do direito à verdade e justiça dos familiares da vítima assassinada Assim a Corte decidiu em 1997 que houve violação do direito da vítima a um processo contra os violadores de direitos humanos com duração razoável art 8º da Convenção Loayza Tamayo vs Peru sentença de 27111998 Tratouse de condenações injustas realizadas pelo Judiciário peruano contra a Sra Tamayo suposta apoiadora da guerrilha do Sendero Luminoso O Peru foi condenado em 1997 pela violação ao direito à liberdade à integridade pessoal maustratos exibição pública em trajes infamantes ao devido processo legal juízes sem rosto foro militar juiz parcial e em especial a violação à proibição do bis in idem Com isso fixouse o repúdio da Corte a medidas excepcionais de julgamento de supostos colaboradores do terrorismo Caso Castillo Petruzzi vs Peru Caso dos juízes sem rosto sentença de 3051999 Tratouse de julgamento de civil por juízo militar no Peru com a participação de juízes e promotores sem rosto ou seja sem que a Defesa pudesse conhecer e impugnar o juiz natural e o promotor natural O Peru foi condenado em 1999 pois para a Corte IDH o foro militar é excepcional e serve somente para julgamento de ofensas disciplinares não podendo julgar civis Além disso não podem oficiar juízes ou promotores sem rosto O processo penal público deve ser a regra e o advogado deve ter condições para o exercício de sua defesa técnica Villagrán Morales vs Guatemala ou Caso dos Meninos de Rua sentença de 1911 1999 Tratouse de sequestro tortura e morte por parte de agentes do Estado de menores de rua na Guatemala A Corte IDH determinou o dever do Estado de zelar pela vida digna das crianças nessa condição dando conteúdo social ao conceito de direito à vida previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos Nos votos concorrentes dos Juízes Cançado Trindade e Burelli foi retomado o conceito da reparação do projeto de vida visto pela primeira vez no Caso Tamayo ou seja o dever do Estado de recompor a situação provável de desenvolvimento pessoal e profissional de cada indivíduo que é interrompida e modificada em virtude de violações de direitos humanos Olmedo Bustos vs Chile Caso A última tentação de Cristo sentença de 522001 Tratouse de censura à exibição do filme A Última Tentação de Cristo no Chile fundada no art 19 inciso 12 de sua Constituição confirmada pelo Poder Judiciário local A Corte IDH determinou que mesmo diante de norma constitucional deve o Estado cumprir a Convenção Americana de Direitos Humanos devendo então alterar sua própria Constituição Para a Corte a liberdade de expressão e de pensamento possui duas dimensões a dimensão individual que consiste no direito de expressar o próprio pensamento e a dimensão coletiva ou social que consiste no direito de receber as manifestações de pensamento e expressão de outros A Corte decidiu que a censura prévia ao filme em questão violou os direitos à liberdade de expressão e liberdade de consciência consagrados nos arts 12 e 13 da Convenção em detrimento da sociedade chilena O Chile após alterou sua Constituição Caso Barrios Altos vs Peru sentença de 1432001 Este caso faz referência a um massacre ocorrido em Lima inserido nas práticas estatais de extermínio conduzido pelo Exército peruano de Fujimori As leis de anistia que impediram a responsabilização criminal dos indivíduos ligados ao massacre foram consideradas pela CtIDH incompatíveis com as garantias outorgadas pelos arts 8º e 25 da CADH Este caso é paradigmático por estabelecer a invalidade das leis de anistia de medidas que impliquem a impunidade de agentes responsáveis por graves violações de Direitos Humanos ver também sobre esse tema os comentários aos casos Almonacid Chile e Gomes LundBrasil Caso de la Comunidad Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua sentença de 318 2001 O caso Comunidad Mayagna Awas Tingni expandiu a extensão da proteção conferida pelo art 21 da CADH no sentido de não apenas proteger a propriedade privada mas também a propriedade comunal dos povos indígenas conforme todas as particularidades que este grupo exige Além disso a Corte estabeleceu restrições para a outorga a terceiros de direitos de exploração sobre recursos naturais em territórios indígenas Caso Cantos vs Argentina sentença de exceções preliminares de 792001 A Corte IDH admitiu que em determinadas circunstâncias os indivíduos peticionem à Comissão mesmo quando envolvidas pessoas jurídicas Apesar de a sentença de mérito não ter incluído violações cujas vítimas fossem propriamente as empresas das quais o Sr Cantos era acionista este caso é um importante precedente na tendência crescente do sistema de reconhecer o caráter eminentemente coletivo de alguns direitos como a liberdade de expressão e a propriedade comunal indígena Caso Bulacio vs Argentina sentença de 1892003 Tratouse de detenção arbitrária e morte fruto dos maustratos e tortura do adolescente Walter Bulacio no contexto de detenções em massa realizadas pela polícia argentina O processo contra um agente policial já durava mais de 10 anos e a sanção dos responsáveis pelas violações tinha sido obstaculizada depois da prescrição da ação penal existindo então coisa julgada nacional a favor do acusado A Argentina reconheceu sua responsabilidade internacional por violação dos direitos à vida à integridade pessoal à liberdade pessoal às garantias judiciais e à proteção judicial e aos direitos da criança Em relação às medidas de reparação a Corte reforçou que a grave situação de impunidade deveria ser revertida e que o Estado deveria concluir a investigação e sancionar os responsáveis independentemente de qualquer óbice de direito interno ou seja exigiu a superação da coisa julgada nacional em favor do direito dos familiares à justiça Depois de intenso debate interno de como cumprir a decisão da Corte IDH houve a reabertura do caso e em 2013 um acusado da detenção arbitrária foi finalmente condenado a três anos de prisão Caso Instituto de Reeducación del Menor vs Paraguay sentença de 292004 Tratouse da ocorrência de sucessivos incêndios que feriram e mataram crianças em um estabelecimento de detenção A Corte detalhou os parâmetros que o sistema de detenção juvenil deve seguir além da obrigação de plena separação entre crianças e adultos em estabelecimentos prisionais Além disso a Corte amenizou o requisito de individualização das vítimas no procedimento perante a Comissão que não havia cumprido plenamente esta exigência no momento da apresentação do caso A Corte admitiu a complementação posterior feita pela Comissão e rejeita a exceção preliminar relativa à não individualização das vítimas proposta pelo Paraguai Ainda foi constatada a violação do artigo 26 que trata dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais Caso Acosta Calderón vs Equador sentença de 2462005 Tratase da responsabilidade internacional do Equador pela prisão do Sr Acosta Calderón por tráfico de drogas o qual após dois anos de sua detenção em flagrante não foi apresentado a um juiz audiência de custódia ou garantido seu direito a assistência consular Ao total permaneceu por mais de cinco anos em prisão preventiva violando o direito a um prazo razoável no processo criminal diante da ausência de complexidade do assunto e de qualquer atuação por parte do Sr Calderón para atrasar o processo sendo a demora associada à inércia das autoridades judiciais Por fim a Corte entendeu que houve violação do direito à liberdade pessoal devido processo legal e proteção judicial No caso reafirmou que toda pessoa presa deverá ser apresentada a uma autoridade judicial após a prisão bem como acessar um recurso efetivo e não ilusório Caso Yatama vs Nicarágua sentença de 2362005 Na sua primeira oportunidade para decidir sobre os direitos políticos de povos indígenas a Corte IDH analisou as normas eleitorais da Nicarágua que exigiam que o partido indígena Yatama possuísse candidatos em 80 dos municípios O fato de o Yatama não ter conseguido ser admitido no pleito eleitoral nem mesmo nas regiões em que tinha lideranças e estruturas fez com que a Corte concluísse que o Estado estava restringindo de forma desproporcional os direitos políticos dos povos indígenas ao exigir dos candidatos indígenas formas de organização política que eram estranhas aos seus costumes e tradições Caso de las Niñas Yean y Bosico vs República Dominicana sentença de 892005 Tratouse no caso de filhas de mães dominicanas e pais haitianos as meninas Dilcia Yean e Violeta Bosico que foram privadas do direito à nacionalidade e permaneceram apátridas por mais de quatro anos graças a sucessivas exigências de documentação feitas pela República Dominicana para realizar o registro tardio de nascimento das meninas Em linha com o que já havia sido exposto na Opinião Consultiva n 18 ver tópico abaixo sobre a jurisdição consultiva a Corte reafirmou que a não discriminação é um direito que independe de status migratório Assim a Corte considerou que a República Dominicana tinha práticas administrativas e medidas legislativas em matéria de nacionalidade que eram discriminatórias e que por essa razão agravaram a situação de vulnerabilidade das meninas e afetaram o gozo de outros direitos previstos na Convenção Americana como o direito ao nome Caso de las Masacres de Ituango vs Colômbia sentença de 1º72006 Em mais uma sentença que tratou das violações de Direitos Humanos cometidas por grupos paramilitares na Colômbia e das consequências relativas a deslocamentos forçados e assassinatos este caso é paradigmático por ser o primeiro a abordar uma violação do art 62 vide acima a análise artigo por artigo da Convenção Americana Referindose à Convenção 29 da OIT a Corte IDH fixou os parâmetros para a identificação de um trabalho forçado i a ameaça de sanção ii o oferecimento não espontâneo para o trabalho e iii a atribuição da violação a agentes do Estado sendo que os dois primeiros podem sofrer variações no grau com que se apresentam Caso Claude Reyes y otros vs Chile sentença de 1992006 A Corte ampliou o conteúdo do art 13 da CADH liberdade de informação para também proteger sua dimensão coletiva direito de acesso público à informação Como se tratava de acesso público a informação sobre impactos ambientais de uma obra a Corte IDH analisou ainda que indiretamente o direito a um meio ambiente equilibrado O Chile foi condenado então pela violação do art 13 da Convenção por ofender o princípio da máxima divulgação e negar sem a devida fundamentação informações sobre os impactos ambientais que o projeto Río Condor teria sobre o desenvolvimento sustentável no país Caso Almonacid Arellano y otros vs Chile sentença de 2692006 A Corte decidiu pela incompatibilidade entre uma lei de anistia e o Pacto de San José da Costa Rica condenando o Chile pela ausência de investigação e persecução criminal dos responsáveis pela execução extrajudicial do Sr Almonacid Arellano durante a ditadura de Pinochet Diferentemente do que ocorrera no Peru Barrios Alto conforme estudado acima contudo no Chile já tinha sido estabelecida uma Comissão da Verdade e outorgada reparação material e simbólica dos quais os familiares de Sr Almonacid Arellano se beneficiaram Mesmo assim a Corte determinou o cumprimento da obrigação de investigação persecução e punição criminal e dos violadores bárbaros de direitos humanos não sendo aceitável anistia a um grave crime contra a humanidade O Chile foi condenado então pela violação do direito à justiça das vítimas graças a uma interpretação ampla dos arts 8º e 25 em relação aos arts 11 e 2º da Convenção Caso del Pueblo Saramaka vs Suriname sentença de 27112007 e sentença de interpretação de 1282008 A Corte IDH decidiu que os Estados devem consultar os povos indígenas afetados por grandes alto impacto projetos de exploração de recursos naturais com os seguintes parâmetros que essa consulta deve observar i o consentimento livre prévio e informado ii a garantia ao acesso às informações sobre impactos sociais e ambientais e iii o respeito aos métodos tradicionais da comunidade para a tomada de decisões Para a Corte é imprescindível a obtenção do consentimento das comunidades afetadas pelos grandes projetos ampliando a interpretação dos efeitos da consulta prevista na Convenção n 169 ver parágrafos 133 a 137 da sentença de 2007 e parágrafo 17 da sentença de interpretação Caso Chaparro Álvarez y Lapo Íñiguez vs Equador Caso da audiência de custódia sentença de 21112007 Tratouse da detenção de duas pessoas e da apreensão de uma fábrica de refrigeradores por suspeitas de relação com o tráfico internacional de drogas O Equador foi responsabilizado internacionalmente por violar os direitos à liberdade pessoal à integridade física a garantias judiciais e à propriedade Em particular a Corte exigiu o cumprimento do direito do preso de ser apresentado sem demora à autoridade judicial ou com poderes judiciais após sua prisão não bastando como ocorria no Brasil a entrega dos autos de prisão a um juiz para que este avalie documentalmente a legalidade da prisão sem ouvir o preso parágrafo 85 da sentença A Corte estabeleceu parâmetros para analisar a adequação de uma restrição à propriedade realizada mediante medida cautelar Além disso determinou que a apreensão dos bens de uma empresa afeta o direito à propriedade de um indivíduo em virtude de sua participação societária Caso Revéron Trujillo vs Venezuela sentença de 3062009 Tratase da destituição da Sra María Cristina Reverón Trujillo do cargo de juíza provisória no poder judiciário venezuelano Mesmo após recurso de nulidade que reconheceu a ilegalidade da sua destituição a Sra Trujillo não foi restituída ao cargo ou recebeu o pagamento de salários e benefícios sociais A Corte responsabilizou o Estado pela violação ao direito à proteção judicial artigo 25 CADH por entender que não basta a existência de recursos na lei mas estes devem ser idôneos e efetivos para estabelecer se houve violação de direitos humanos e garantir o necessário para remediála No mais reforçou seu entendimento de que os juízes devem atuar com a independência necessária para o exercício da função judicial o que é um dos pilares do devido processo legal Apoiandose nos Princípios Básicos das Nações Unidas relativos à Independência do Judiciário a Corte determinou que a independência judicial requer um adequado processo de nomeação estabilidade inamovibilidade do cargo e garantias contra pressões externas Por fim em relação aos juízes provisórios venezuelanos o Tribunal considerou que esta deve consistir em uma situação excepcional e não na regra pelos riscos gerados à independência judicial de modo que a situação provisória da Sra Trujillo resultou em uma violação do seu direito a acessar as funções públicas em igualdade Caso Acevedo Buendía e outros vs Peru sentença de 1º72009 Tratouse do descumprimento de sentenças do Tribunal Constitucional do Peru relativas a direitos previdenciários Aqui a Corte analisou o art 26 da CADH direitos sociais em sentido amplo firmando sua competência para a apreciação de sua violação Contudo no julgamento do caso foi decidido que o Peru não impediu o desenvolvimento progressivo do direito à pensão mas descumprido decisões judiciais acabando por ofender o direito à propriedade Caso González e outras Campo Algodonero vs México sentença de 16112009 Tratouse de emblemático caso de violência de gênero que envolveu o desaparecimento e assassinato de três mulheres cujos corpos foram encontrados em um campo algodoeiro em Ciudad Juárez México A Corte IDH analisou pela primeira vez a situação de violência estrutural de gênero A sentença voltouse além da indenização aos familiares também à promoção de medidas gerais de compatibilização do direito interno com parâmetros internacionais de proteção à mulher sobretudo em relação à Convenção de Belém do Pará Tendo em vista a existência de múltiplos casos de feminicídio que ocorrem em Ciudad Juárez a Corte determinou a necessidade de as autoridades estatais adotarem medidas amplas de luta contra os casos de violência ligados a estereótipos de gênero socialmente dominantes bem como combaterem a impunidade nos casos de violência contra as mulheres mais um uso do Direito Penal pelos Tribunais de Direitos Humanos Caso Vélez Loor vs Panamá sentença de 23112010 Tratouse de caso envolvendo a situação da imigração irregular No caso Jesús Vélez Loor cidadão equatoriano foi preso e processado no Panamá por delitos relacionados à sua situação migratória sem a observação do devido processo legal Apesar de os Estados poderem fixar políticas migratórias são consideradas arbitrárias as políticas migratórias cujo eixo central é a detenção obrigatória dos migrantes irregulares sem que as autoridades competentes verifiquem em cada caso em particular e mediante uma avaliação individualizada a possibilidade de utilizar medidas menos restritivas que sejam efetivas para alcançar os fins legítimos buscados Além disso a prisão ocorreu em condições desumanas e sem que lhe fossem asseguradas as garantias do devido processo tendo sido o Panamá condenado por violações de dispositivos dos arts 11 2º 5º 7º 8º 9º e 25 da CADH além dos arts 1º 6º e 8º da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura Caso Cabrera García e Montiel Flores vs México sentença de 26112010 Tratouse de caso envolvendo prisão em condições degradantes bem como de violação do devido processo posteriormente à prisão e da falha na investigação e punição dos agentes responsáveis por toda esta situação e também pela tortura ocorrida Destaque para a necessidade de exclusão de provas obtidas mediante coação e também das evidências que indiretamente se depreendam daquele ato irregular regra de exclusão e prova ilícita por derivação Caso Gelman vs Uruguai sentença de 2422011 Tratase de caso envolvendo a parte uruguaia da Operação Condor 286 com violações de direitos humanos que não foram devidamente punidas em função de uma lei de anistia caso de justiça de transição A Corte analisou a situação de pessoa María Macarena que ao nascer foi subtraída de seus pais biológicos argentinos por agentes da repressão e entregue ilegitimamente à adoção em família uruguaia A negação de sua própria identidade configurou para a Corte um caso particular de desaparecimento forçado O Uruguai foi condenado pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica à vida à integridade pessoal à liberdade pessoal à família à nacionalidade ao nome e aos direitos da criança Caso Barreto Leiva vs Venezuela sentença de 17112009 Este caso está ligado à violação de garantias judiciais no processo que condenou Oscar Enrique Barreto por crimes contra o patrimônio público sem que ele pudesse exercer adequadamente seu direito à defesa Para a Corte a presença do Ministério Público no processo não supre a falta de defesa técnica para o réu já que defensores e Ministério Público desempenham papéis antagônicos Além disso o caso foi conhecido e julgado por uma única instância a Corte Suprema de Justiça inviabilizando o direito individual de recorrer da sentença condenatória A duração da prisão preventiva superou a própria pena a que o réu foi condenado sendo considerada fora dos limites de temporalidade proporcionalidade e razoabilidade a que deveria estar sujeita violando o direito à presunção de inocência e à liberdade pessoal Este caso é sempre citado nos debates sobre a inconvencionalidade da competência constitucional originária do Supremo Tribunal Federal para julgar crimes de determinadas autoridades vide o debate no Caso do Mensalão APn 470 rel Min Joaquim Barbosa j 17122012 Plenário DJe de 2242013 Radilla Pacheco vs México sentença de 23112009 O caso aborda novamente a sensível temática do desaparecimento forçado Em decorrência de sua prisão por agentes policiais a vítima nunca mais foi vista Seus familiares buscaram as vias judiciais para que se realizassem investigações dos fatos e a sanção dos responsáveis O processo acabou na justiça penal militar e foi infrutífero Em sua sentença de 2009 a Corte reafirmou que a proibição do desaparecimento forçado alcançou o status de jus cogens internacional Também reiterou sua posição de que os juízos penais militares em Estados Democráticos devem ter um alcance restritivo e excepcional Por fim o caso é de grande relevância por continuar o paulatino desenvolvimento da doutrina do controle de convencionalidade de matriz internacional Caso Fernandez Ortega vs México sentença de 3082010 Tratase da violência sexual e tortura sofrida pela Sra Fernandez Ortega por parte de agentes militares na região de Guerreiro no México No caso a Corte entendeu que mulheres indígenas são afetadas de maneira particular pela violência institucional e reafirmou o dever reforçado do estado de atuar com devida diligência para investigar e se for o caso punir violência perpetrada contra mulheres conforme previsão da Convenção de Belém do Pará Além disso a Corte ainda determinou que houve discriminação no acesso à justiça às vítimas por não terem sido fornecidos intérpretes no idioma mephaa quando requereu atenção médica nem quando apresentou as denúncias iniciais Caso López Mendoza vs Venezuela sentença de 1º92011 Neste caso a Corte considerou que o direito a ser eleito foi violado em virtude de sanções que impediam o exercício de funções públicas terem sido impostas por um órgão administrativo e não por uma condenação por um juiz competente em um processo penal conforme dispõe o artigo 232 A Corte reforçou que todos os órgãos que exerçam funções materialmente jurisdicionais devem respeitar as garantias do devido processo sendo que no caso o dever de motivar as decisões não foi cumprido pela autoridade administrativa que decidiu pela restrição ao direito de ser votado Este caso é sempre lembrado por aqueles que defendem a inconvencionalidade de vários dispositivos da Lei Complementar n 1352010 Lei da Ficha Limpa em especial aqueles que tratam de novas hipóteses não criminais de inelegibilidades ver item 48 sobre direitos políticos na Parte IV especialmente sobre a convencionalidade da Lei da Ficha Limpa Caso Atala Riffo e Filhas vs Chile sentença de 2422012 Tratase do primeiro caso em que a Corte afirmou que orientação sexual e identidade de gênero são categorias protegidas pela Convenção Americana no âmbito do direito à igualdade e não discriminação do artigo 11 A decisão da Suprema Corte chilena que retirou da mãe a guarda de suas três filhas argumentando que uma convivência homoafetiva afetaria o desenvolvimento das crianças foi considerada discriminatória e ofensiva aos direitos à vida privada e familiar A Corte afirmou que o melhor interesse da criança não pode ser utilizado para fundamentar a discriminação sexual contra qualquer um dos pais e que a Convenção Americana não estabelece um modelo único de família e tampouco o reduz ao matrimônio devendo abarcar outros laços familiares de fato Caso Povo indígena Kichwa de Sarayaku vs Equador sentença de 2762012 A partir de consórcio entre empresas privadas e pública buscouse explorar os recursos petrolíferos das terras indígenas do povo Sarayaku Mesmo sem a obtenção do consentimento dos interessados o consórcio iniciou suas atividades que ocasionaram um vasto impacto no meio ambiente e no meio cultural local O Equador foi condenado em 2012 pela violação dos direitos à vida integridade e liberdade pessoais direito à propriedade comunal e a ser consultado Sendo o mais recente caso sobre violações a direitos de comunidades indígenas e tradicionais o caso Sarayaku traz importante fortalecimento dos parâmetros interpretativos já desenvolvidos pela Corte em outros casos com destaque para a necessidade de se atingir um consentimento sobre as medidas propostas após a realização da consulta prévia Caso Nadege Dorzema ou outros vs República Dominicana sentença de 2482012 Em um contexto de graves e reiteradas ações discriminatórias contra haitianos ou descendentes de haitianos na República Dominicana em 2012 a Corte continuou a julgar uma sequência de casos sobre o assunto Tratouse do uso excessivo da força por parte de militares da Rep Dominicana contra grupo de haitianos no qual foram mortas sete pessoas Os militares envolvidos foram absolvidos pela justiça militar nacional e algumas das vítimas sobreviventes foram deportadas pelo Estado infrator A Corte considerou que o caso demonstrava mesmo após o julgamento do Caso de las Niñas Yean y Bosico vs República Dominicana que a situação de discriminação estrutural contra haitianos ou pessoas de origem haitiana continuava a existir no Estado infrator gerando violação de direitos e impunidade O caso impressiona pelo rigor e diversidade das reparações que vão desde o pagamento de indenizações até medidas estruturais como a adequação do direito interno à Convenção Americana e a realização de investigações e consequente sanção aos responsáveis Caso Furlan e Familiares vs Argentina sentença de 3182012 O caso relacionase ao acidente que sofreu o adolescente Sebastián Furlan nas dependências desativadas de um quartel militar gerando incapacidade psíquica cognitiva e motora A Corte entendeu que a demora prolongada das autoridades judiciárias argentinas bem como a falta de resposta adequada a uma ação civil contra o Estado por danos e prejuízos da qual dependia Furlan para a realização de tratamento de saúde resultou em violação de direitos da CADH Recorrendo à Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência a Corte destacou que a condição de pessoa com deficiência não deriva meramente de limites físicos mentais intelectuais ou sensoriais mas se interrelaciona com as barreiras socialmente impostas para que as pessoas possam exercer seus direitos de forma efetiva Assim os Estados devem garantir o acesso à justiça das pessoas com deficiência incluindo o direito de as crianças com deficiência serem ouvidas em processos judiciais que as envolvam Nesse sentido os Estados devem promover a inclusão e adotar medidas de diferenciação positivas para eliminar as barreiras à participação das pessoas com deficiência Caso Mohamed vs Argentina sentença de 23112012 A partir de um atropelamento na cidade de Buenos Aires e do desencadeamento de um processo penal pelo crime de homicídio culposo o Sr Mohamed o motorista foi absolvido em primeira instância mas condenado em sede de apelação Ocorreu que a legislação argentina tal como a brasileira não previa a existência de recurso penal ordinário para a sentença condenatória de segunda instância Em 2012 a Corte condenou a Argentina pela violação dos direitos e garantias judiciais e do princípio da legalidade Estabeleceu dentre outras reparações o dever do Estado de adotar medidas para garantir à vítima o direito de recurso à decisão penal condenatória além da suspensão da sentença No Brasil na mesma hipótese absolvição no juízo de 1º grau e condenação no Tribunal de Justiça estadual não há recurso ordinário aquele que devolve toda a matéria inclusive fática ao Tribunal ad quem e só cabem os recursos especial e extraordinário que possuem requisitos específicos de admissibilidade como por exemplo a repercussão geral no caso do recurso extraordinário Caso Artavia Murillo y otros vs Costa Rica sentença de 28112012 O caso referese aos impactos gerados por uma decisão da Suprema Corte costarriquense que anulou a autorização ao procedimento de fertilização in vitro FIV no país Para a Corte tal decisão violou o direito à liberdade pessoal e à vida privada a qual inclui a autonomia reprodutiva e o acesso aos serviços de saúde reprodutiva Como a proibição para a FIV tinha se baseado no texto da própria CADH em que se diz que a vida é protegida em geral desde o momento da concepção a Corte analisou profundamente o artigo 4 com base nos seguintes métodos de interpretação i conforme ii sistemático e histórico iii evolutivo e iv do sentido e fim do tratado A conclusão da Corte foi de que o embrião não pode ser considerado pessoa nos termos da Convenção Americana e que a concepção teria início com a implantação do embrião no útero Essa decisão está em linha com o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no caso da pesquisa com célulastronco ADI 3510 rel Min Ayres Britto j 2952008 Plenário DJe de 2852010 Defensor de Direitos Humanos e outros vs Guatemala sentença de 10102013 A Corte determinou a responsabilidade internacional da Guatemala por não adotar medidas adequadas para proteger a defensora de direitos humanos B A e sua família assim como por não conduzir uma investigação adequada a respeito do assassinato de A A também defensor de direitos humanos e pai de B A Conforme destacado pelos juízes Roberto F Caldas e Eduardo Ferrer MacGregor Poisot em seu voto parcialmente dissidente este foi o primeiro caso em que a Corte estabeleceu uma definição clara para a categoria defensores de direitos humanos Além disso foram utilizados parâmetros para analisar a adequação de medidas adotadas pelo Estado para proteger as atividades de defensores Comunidades Afrodescendentes Deslocadas do Rio Cacarica vs Colômbia sentença de 20112013 Este caso também conhecido como Operação Gênesis referese às violações sofridas por comunidades afrodescendentes deslocadas em decorrência de uma operação militar da Colômbia contra guerrilheiros das FARC assim como da ação de grupos paramilitares Apesar da responsabilização do Estado colombiano pela violação dos direitos à vida à integridade pessoal à liberdade de circulação e residência à propriedade coletiva assim como de outros direitos relacionados a Corte sinalizou admitir que processos transicionais de países emergentes em conflito armado interno possam exceder a capacidade do sistema judiciário doméstico posição que contrasta com sua jurisprudência anterior Caso J vs Peru sentença de 27112013 Tratase de caso no qual houve a violação de vários direitos da vítima J durante a repressão estatal aos suspeitos de terrorismo nos anos 90 no Peru Durante o período em que a vítima foi presa em péssimas condições teve sua integridade pessoal ofendida tendo ocorrido abusos sexuais A Corte IDH aplicou as regras de Bangkok estudadas anteriormente sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras Regras n 5 7 e 102 A Corte considerou que o exame médico nos casos de violência sexual deverá ser realizado por profissionais capacitados e idôneos do sexo que a vítima prefira tendo sempre presente uma funcionária mulher Regra 102 No caso de o exame médico determinar a ocorrência da violência sexual a mulher encarcerada receberá assistência jurídica para dar início aos procedimentos investigatórios e judiciais bem como receberá imediatamente atendimento médico e psicológico Regra 7 Por fim a Corte considerou que os locais de alojamento de mulheres presas devem ter instalações e artigos necessários a higiene próprias de seu gênero Caso Família Pacheco Tineo vs Bolívia sentença de 25112013 Este foi o primeiro caso submetido à Corte em que um país foi responsabilizado por violações de direitos humanos ocorridas no marco de um procedimento de solicitação de reconhecimento do estatuto de refugiado mostrando uma tendência de absorção do Direito Internacional dos Refugiados pelos processos internacionais de direitos humanos Para a Corte procedimentos migratórios ligados à solicitação de refúgio ou que podem levar à deportação ou à expulsão de alguém devem contemplar as garantias mínimas do devido processo legal Além disso o sistema interamericano reconhece que qualquer pessoa estrangeira não deve ser devolvida quando sua vida integridade pessoal ou liberdade estejam sob risco de serem violadas No caso a expulsão da família Pacheco Tineo para o Peru inclusive de seus filhos violou o direito a buscar e receber asilo e ao princípio do non refoulement Caso Norín Catrimán e outros vs Chile sentença de 2252014 Tratouse de condenação de lideranças do povo indígena mapuche por condutas consideradas terroristas em um contexto de protestos sociais pelo direito às terras ancestrais e aos recursos naturais A Corte decidiu que na investigação e sanção de condutas ilícitas o princípio da legalidade impõe que não se presuma uma ação terrorista pela presença de determinados elementos objetivos ex uso de fogos de artifício e que esses tipos penais não devem ser usados caso o ilícito possa ser apurado a partir de um tipo penal ordinário de menor reprovabilidade No caso considerouse que a aplicação da lei penal às lideranças violou o princípio da não discriminação e da igualdade perante a lei porque esteve baseada em estereótipos negativos associados a um grupo étnico Caso Brewer Carías vs Venezuela sentença de 2652014 Tratouse de persecução penal contra o advogado Allan Brewer Carías acusado de participar do golpe de Estado contra o governo eleito da Venezuela em 2002 A Corte de forma inédita deixou de realizar a análise de mérito de um caso em razão de ter acolhido a exceção preliminar de não esgotamento dos recursos internos A decisão da maioria dos juízes considerou que o processo ainda estava em etapa intermediária e que o principal obstáculo para que avançasse era a ausência de Brewer Carías da Venezuela Tratandose ainda de uma fase processual tão inicial as solicitações de nulidade absoluta feitas pelo réu não seriam aptas a esgotar os recursos idôneos e efetivos Os juízes Ventura Robles e Ferrer MacGregor divergiram da maioria argumentando que a Venezuela não teria cumprido seu dever de indicar durante o trâmite da petição perante a Comissão IDH precisamente quais eram os recursos idôneos e efetivos que estavam disponíveis e que a interpretação com base no princípio do estoppel levaria a considerar os recursos esgotados Além disso a etapa processual não poderia ser considerada como fez a maioria dos juízes como um critério para apurar se o esgotamento ocorreu sob risco de se negar o direito de acesso à justiça Caso das Pessoas dominicanas e haitianas expulsas vs República Dominicana sentença de 2882014 Tratouse de caso envolvendo a expulsão ou deportação de membros de cinco famílias de origem haitiana da República Dominicana no final do século XX 1999 e 2000 O cenário comum dessas expulsões ou deportações foi a detenção arbitrária e retirada para a fronteira do Haiti sem observância do direito a defesa Para a Corte houve violações do direito ao devido processo legal nos processos de expulsão e deportação com ofensas ainda ao direito à liberdade pessoal direito à nacionalidade alguns eram nacionais da República Dominicana mas o Estado Réu dificultava o fornecimento da documentação em virtude da origem haitiana direitos de proteção à criança e da família A Corte ainda considerou que a sentença do Tribunal Constitucional local sentença TC0116813 de 2013 bem como determinados artigos da lei de migração nacional de 2014 violavam a Convenção Americana de Direitos Humanos A Corte condenou o Estado a adotar medidas cabíveis para que tais atos inclusive a sentença nacional deixem de produzir os seus efeitos Destaquese que o Tribunal Constitucional da República Dominicana buscou na fundamentação da decisão atacada pela Corte IDH defender o uso da teoria da margem de apreciação nacional utilizada na Corte Europeia de Direitos Humanos na hipótese da temática da nacionalidade dominicana requerida por haitianos O Tribunal Constitucional do Estado Réu assim criticou a atuação da Corte IDH em tema que seria sensível aos dominicanos A República Dominicana manifestouse contrariamente à sentença da Corte IDH considerando que a lei nacional impugnada Lei n 16914 havia sido aprovada à unanimidade no Congresso local e a Corte deveria respeitar a soberania estatal Curiosamente na mesma manifestação o governo reiterou o seu compromisso com o sistema interamericano de direitos humanos No final de 2014 em clara reação à jurisprudência da Corte IDH o Tribunal Constitucional dominicano considerou inconstitucional o reconhecimento da jurisdição da Corte IDH pela República Dominicana pois o instrumento de aceitação deveria ter sido aprovado também pelo Congresso e não somente pelo Presidente da República TC025614 de novembro de 2014 Caso Wong Ho Wing vs Peru sentença de 3062015 O caso trata do pedido de extradição do Sr Wing formulado pela República Popular da China ao Estado peruano sob alegações de que este cometera o crime de contrabando de mercadorias comuns cuja pena máxima na legislação chinesa era a pena de morte legislação depois revogada Após idas e vindas com direito à atuação diplomática chinesa o processo de extradição resultou num impasse duas decisões internas com fundamentos diversos e a inatividade do Poder Executivo para tomar a decisão extradicional final O caso é paradigmático pois é o primeiro a vincular a cooperação jurídica internacional aos direitos humanos a Corte exigiu que os Estados americanos não cooperem caso o extraditando possa ser submetido a pena de morte a tortura ou tratamento cruel desumano e degradante Contudo a Corte decidiu que não bastam alegações genéricas de violações de direitos humanos no Estado requerente da cooperação jurídica mas deve o Estado requerido analisar especificamente as circunstâncias do caso concreto Esse posicionamento da Corte IDH está em linha com o debate da temática cooperação jurídica internacional e os direitos humanos 287 na Corte Europeia de Direitos Humanos No caso a Corte IDH considerou que não foi constatado risco específico ao extraditando mas determinou que se tome uma decisão final o mais brevemente possível e que se revise a privação de liberdade do Sr Wing Em junho de 2016 a Corte IDH prolatou sentença de interpretação a pedido do Estado recurso de interpretação pela qual esclareceu que o Peru é obrigado a permitir o acesso pelo extraditando a uma revisão judicial da decisão do Poder Executivo favorável à extradição Caso Gonzales Lluy e outros vs Equador sentença de 1º92015 Tratase de caso envolvendo contágio pelo vírus do HIV da vítima Talia Lluy em sua infância por conta de transfusão de sangue sem os devidos exames realizados Posteriormente por conta da sua condição de mulher pobre e portadora do vírus do HIV foram impostos diversos obstáculos para que Talia ingressasse na escola e obtivesse um tratamento de saúde de qualidade A Corte IDH entendeu que o Estado era responsável pela violação ao direito à vida e à integridade pessoal arts 4º e 5º da CADH por conta da ausência de fiscalização e controle dos bancos de sangue e serviços de saúde particulares No mais em face da proibição de frequentar a escola por conta de sua situação de portadora do vírus HIV a Corte responsabilizou o Equador pela violação do direito social à educação de Talia previsto no artigo 13 do Protocolo de San Salvador Caso Ruano Torres vs El Salvador sentença de 5102015 O caso trata da responsabilidade internacional do Estado peruano em razão das negligências na defesa efetiva ofertada pela Defensoria Pública bem como da garantia do devido processo legal durante o trâmite do processo criminal no qual o Sr Ruano Torres era acusado de delito de sequestro existindo sérias dúvidas quanto a ser o autor do crime A Corte entendeu que houve violação do direito à presunção da inocência em razão da falta de investigações efetivas para determinar a autoria do crime bem como da fundamentação da sentença única e exclusivamente na declaração de um corréu sem outros elementos de comprovação Diante dos fatos do caso houve ainda ausência de defesa técnica materialmente efetiva que incorporasse as garantias mínimas legais previstas no art 82 da CADH Por essa razão a Corte elencou os seguintes parâmetros para aferir a qualidade da defesa realizada pela Defensoria Pública lista não exaustiva a não realizar mínima atividade probatória b inatividade argumentativa c carência de conhecimento técnico d falta de interposição de recursos e indevida fundamentação dos recursos f abandono de defesa Como reparação determinou que a Defensoria Pública de El Salvador coloque uma placa em sua unidade para lembrar a importância de garantir a defesa técnica efetiva e estimular a consciência institucional Caso Espinoza Gonzáles vs Peru sentença de 20112015 Tratase de violações de diversos direitos da Sra Espinoza condenada a 25 anos pela prática do crime de terrorismo em plena repressão estatal dos anos 90 tendo sido vítima de abusos sexuais e práticas de tortura relacionadas ao seu gênero Não obteve atendimento médico especializado após a violência sexual e seus relatos foram desconsiderados por conta de preconceitos de gênero utilizados para avaliar suas declarações O Peru foi responsabilizado pela violação do direito à liberdade pessoal integridade física e garantias judiciais respectivamente arts 7º 5º 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos bem como pela ausência de investigação e punição dos responsáveis pela violência de gênero art 7ºb da Convenção Interamericana para prevenir punir e erradicar a violência contra a mulher Convenção de Belém do Pará No caso a Corte IDH estabeleceu parâmetros de proteção de mulheres em conflito com a lei considerando discriminatório os estereótipos construídos sobre mulheres infratoras em seus processos judiciais No mais estabelece parâmetros para a investigação e punição da violência sexual sofrida por mulheres presas em especial i inclusão da perspectiva de gênero nas investigações que deverão ser realizadas por funcionários capacitados sendo a entrevista com a vítima realizada em lugar seguro e com privacidade com registro consentido para evitar a repetição do depoimento ii a realização dos exames médicos deve levar em consideração o gênero da vítima e a falta de evidência médica não deve diminuir a veracidade da declaração da vítima 153 da sentença A Corte ainda estabeleceu que a garantia do acesso à justiça de mulheres vítimas de violência sexual exige previsão de regras para valoração da prova que evite afirmações e insinuações estereotipadas 278 da sentença Caso Duque vs Colômbia sentença de 2622016 A Corte IDH condenou a Colômbia por discriminação por orientação sexual uma vez que a vítima Sr Duque foi impedida de receber a pensão por morte de seu companheiro do mesmo sexo em 2002 A Corte IDH reconheceu diálogo das Cortes o esforço e as decisões da Corte Constitucional Colombiana a partir de 2007 no sentido de permitir o recebimento de benefícios de pensão direitos de propriedade e seguro social para casais do mesmo sexo significativo avanço jurisprudencial 133 Contudo como o próprio Estado reconheceu dúvida sobre se os pagamentos devidos seriam pagos retroativamente desde 2002 a Corte IDH decidiu que houve violação do artigo 24 em relação ao artigo 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos Caso Flor Freire vs Equador sentença de 3182016 Tratase de caso apresentado pela Comissão IDH à Corte IDH em 11 de dezembro de 2014 relativo ao desligamento do Exército do tenente Homero Flor Freire pela prática de atos homossexuais A Comissão alegou que a sanção aplicável a este caso era mais grave do que a aplicável a atos sexuais ilegítimos o que conferia tratamento discriminatório A Corte reconheceu a responsabilidade internacional do Estado Caso Herrera Espinoza e outros vs Equador sentença de 1º92016 Tratase de caso apresentado pela Comissão IDH à Corte IDH em 21 de novembro de 2014 relativo a prisões arbitrárias e torturas durante investigação por tráfico internacional de drogas além de violações ao devido processo legal e proteção judicial A Corte reconheceu a responsabilidade internacional do Estado Caso Yarce e outras vs Colômbia sentença de 22112016 Tratase de caso apresentado pela Comissão IDH à Corte IDH em 3 de junho de 2014 referente a ameaças perseguições invasões de domicílio e prisões arbitrárias de cinco defensoras de direitos humanos em 2002 no seio de conflito armado existente na Comuna 13 em Medellín Colômbia que culminou com a morte de Ana Teresa Yarce em 2004 A Corte reconheceu a responsabilidade internacional do Estado sendo precedente importante no que tange à proteção dos defensores de direitos humanos em contexto de operações militares em conflitos armados Caso I V vs Bolívia sentença de 30112016 Tratase de caso apresentado pela Comissão IDH à Corte IDH em 23 de abril de 2015 relativo à esterilização da senhora I V sem consentimento prévio em hospital público durante procedimento de cesárea A Corte reconheceu a responsabilidade do Estado pela violação dos direitos à integridade liberdade integridade dignidade vida privada e familiar acesso à informação e o direito de fundar uma família Caso Zegarra Marin vs Peru sentença de 1522017 O Sr Zegarra Marin foi condenado por delitos contra a administração pública falsificação de documentos e corrupção de funcionários em razão da tramitação de passaportes de forma irregular quando era Subdiretor da Direção de Migrações e Naturalizações A Corte entendeu que houve violação do direito à presunção de inocência e à motivação das decisões judiciais art 8º CADH Em relação ao princípio da presunção da inocência a Corte reafirmou seu entendimento de que este é um princípio orientador da análise probatória estabelecendo limites à discricionariedade e à subjetividade das autoridades judiciais Assim a prova deve ser analisada no processo pessoal de forma racional objetiva e imparcial e de modo algum o ônus da prova deve recair sobre o acusado Na verdade cabe à parte acusadora demonstrar os fatos e o cometimento do crime e de forma alguma deve existir presunção de culpabilidade que obrigue o acusado a provar sua inocência Caso Lagos del Campo vs Peru sentença de 3182017 Tratouse de caso sobre a dispensa arbitrária de líder dos trabalhadores em razão de entrevista concedida a periódico peruano no qual teceu críticas à empresa na qual possuía estabilidade laboral Apesar de se tratar de demanda cujo objeto central era claramente o direito social à estabilidade laboral tanto a Comissão em seu informe de mérito quanto os litigantes requereram o reconhecimento de violações à liberdade de expressão art 13 da CADH liberdade de associação art 16 da CADH e direito de acesso à justiça e a um remédio judicial efetivo arts 8 e 25 da CADH todos em relação com o art 11 da Convenção Utilizouse então a tradicional defesa indireta dos direitos econômicos sociais culturais e ambientais DESCA que é aquela pela qual a proteção de tais direitos é feita pela invocação de facetas sociais dos direitos civis e políticos Contudo em uma decisão paradigmática a Corte IDH Interamericana liderada pelo voto do Juiz Eduardo Ferrer MacGregor Poisot que já vinha defendendo em inúmeros votos dissidentes desde 2013 288 a necessidade de abordagem das violações aos DESCAs pela via direta finalmente obteve a maioria de votos para declarar de ofício a violação ao art 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos que trata do desenvolvimento progressivo da implementação dos direitos sociais em sentido amplo A Corte ressaltou que apesar da inexistência de pedido formal das partes no procedimento perante a Corte o peticionário tinha suscitado a violação à estabilidade laboral perante os tribunais internos de forma que o Estado tivera ampla oportunidade para se defender a respeito desta violação Foi a primeira vez que a Corte declarou uma violação ao art 26 da Convenção Dessa forma o caso Lagos Del Campo vs Peru é paradigmático ao dar início a uma nova etapa na jurisprudência da Corte cujo principal desafio é a densificação do conteúdo sentido e alcance dos DESCAs Caso VRP VPC vs Nicarágua sentença de 832018 Tratase de caso de abuso sexual de criança de nove anos pelo pai A Corte determinou que o Estado é internacionalmente responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal e à proibição de tratos desumanos cruéis e degradantes às garantias judiciais à proteção da vida privada e familiar à proteção da família à residência e à proteção judicial A Corte apontou a violação a obrigações derivadas da Convenção de Belém do Pará tendo levado em consideração a situação de vulnerabilidade agravada da vítima enquanto menina A relevância do caso também é reforçada pela análise da revitimização do sistema de justiça em casos de abuso sexual de criança Caso Acosta e outros vs Nicarágua sentença de 2532017 Tratase de caso apresentado pela Comissão IDH à Corte IDH em 29 de julho de 2015 relativo ao homicídio do marido da Sra María Luisa Acosta defensora de direitos humanos dos povos indígenas ocorrido em 2002 na Nicarágua em que o Estado foi acusado de não investigar diligentemente e em prazo razoável a hipótese de crime contra defensores de direitos humanos A Corte reconheceu a violação aos direitos de acesso à justiça à verdade às garantias judiciais e à proteção judicial de Maria Luisa Acosta e outros familiares Caso Poblete Vilches vs Chile sentença de 832018 Tratouse da violação do direito à saúde sem discriminação do Sr Vinicio Antonio Poblete Vilches A falta de cuidados adequados resultou na morte da vítima O Chile foi declarado internacionalmente responsável por violação aos arts 1 4 5 7 8 11 13 25 e 26 da Convenção Americana Nesse caso houve o desenvolvimento de parâmetros para análise de direitos econômicos sociais e culturais tendo sido a primeira vez que a Corte detectou a violação autônoma do art 26 da Convenção com base no direito à saúde Foi realçada ainda a especial vulnerabilidade de pessoas idosas Caso Ramírez Escobar vs Guatemala sentença de 932018 Tratouse de separação forçada de membros de uma família como resultado de irregularidades sistemáticas em processos de adoção internacional de crianças guatemaltecas A Corte declarou a responsabilidade internacional do Estado pela separação arbitrária dos membros da família com consequentes violações à proibição de ingerências arbitrárias na vida familiar ao direito à proteção da família às garantias judiciais ao direito à proteção judicial à proibição da discriminação ao direito à integridade pessoal além do direito à liberdade ao nome e à identidade O caso é relevante por se referir ao tema da adoção internacional Caso Amrhein vs Costa Rica sentença de 2542018 Tratouse da ausência de recurso que permitiria obter uma revisão abrangente de condenações penais de dezessete pessoas na Costa Rica após o país ter realizado reformas legislativas para implementar as determinações da Corte IDH no caso Herrera Ulloa vs Costa Rica A Corte IDH declarou o Estado da Costa Rica responsável internacionalmente pela violação do direito à liberdade pessoal de Jorge Martínez Meléndez Todavia a Corte acolheu algumas das exceções preliminares interpostas pelo Estado inclusive a tese da quarta instância e determinou que o Estado não violou os direitos ao recurso a um juiz imparcial à presunção de inocência ao prazo razoável à defesa a recorrer da legalidade da detenção e à integridade pessoal Com esse reconhecimento da ausência de violação de diversos direitos a Corte IDH faz nova delimitação das garantias processuais penais Caso Carvajal Carvajal y otros vs Colombia sentença de 1332018 Tratase da responsabilidade internacional do Estado colombiano pela violação do direito à vida do Sr Carvajal bem como de seu direito à liberdade de expressão em razão de seu assassinato por conta de sua atuação profissional como jornalista O caso se insere em um contexto de uma série de assassinatos de jornalistas na Colômbia e uma atuação omissa no dever de investigar e eventualmente punir os responsáveis Após cerca de 20 anos a morte do Sr Carvajal ainda não foi solucionada e os fatos permanecem na impunidade de forma que a Corte reconheceu a violação do direito ao acesso à justiça em um prazo razoável No mais familiares do Sr Carvajal foram obrigados a se deslocar de suas residências por conta de ameaças violando seu direito à livre circulação e residência e a integridade pessoal Caso Coc Max e outros Massacre de Xamán vs Guatemala sentença de 2282018 Tratase da responsabilidade do Estado da Guatemala por massacre na região de Xamán o qual afetou a comunidade Aurora 8 de outubro composta por indígenas de várias etnias resultando na morte de 11 pessoas entre elas crianças bem como na afetação da integridade pessoal de outras 29 pessoas O uso da força por parte de militares no caso em tela foi compreendido como uma violação desproporcional e discriminatória às populações indígenas Determinou ainda uma ausência de ações para investigar com a devida diligência os fatos e eventualmente punir os responsáveis Por fim a Corte reafirmou sua jurisprudência reiterada de que o foro militar não é competente para investigar violações de direitos humanos mas afastou a responsabilidade do Estado visto que o caso permaneceu apenas por quatro meses na jurisdição militar o que não afetou de forma exagerada o processo Caso Cuscul Pivaral e outros vs Guatemala sentença de 2382018 Tratouse de caso sobre o direito à saúde de 49 pessoas diagnosticadas com HIVAIDS na Guatemala entre 1992 e 2003 A Corte reconheceu que o Estado foi omisso em seu dever de fornecer um tratamento médico adequado e acessível às pessoas com HIVAIDS violando não apenas seu direito à vida e à integridade pessoal mas também de forma autônoma o direito à saúde com base na proteção progressiva do art 26 da CADH Mais uma vez a Corte se referiu às normas sobre direitos econômicos sociais educação ciência e cultura da Carta da OEA para definir parâmetros de proteção do direito à saúde No que tange às mulheres gestantes com HIVAIDS a Corte considerou que houve discriminação de gênero no acesso à saúde Por fim a Corte entendeu que a demora prolongada para analisar recursos judiciais apresentados pelas vítimas implicou uma violação dos direitos ao devido processo legal e à proteção judicial Caso Lopez Soto e outros vs Venezuela sentença de 2692018 Tratase da violação do direito à liberdade pessoal à integridade pessoal à vida à dignidade à autonomia e ao direito de viver livre de violência e discriminação de gênero de uma jovem de 19 anos que permaneceu privada de sua liberdade por terceiro Nessa oportunidade a Corte reafirmou a responsabilidade estatal por atos de particulares em casos nos quais se está diante de um dever de evitar violações quando há um risco real e imediato especialmente diante do dever reforçado de investigar e punir a violência contra a mulher O caso é paradigmático pois reconhece que a prática de atos de tortura não se limita à atuação de agentes estatais mas também engloba atos de particulares intencionais e destinados a causar sofrimento e humilhação a pessoas submetidas a sua autoridade Caso Mulheres Vítimas de Tortura Sexual em Atenco México vs México sentença de 28 112018 Tratase da violação dos direitos à integridade física vida liberdade pessoal bem como da proibição da tortura e da violência contra mulher em razão da detenção ilegal e das violências sexuais e tortura praticadas contra 11 mulheres detidas no decorrer da repressão de uma manifestação no México A Corte entendeu que a violência sexual constituiu uma estratégia de controle e domínio de forma a instrumentalizar seus corpos para enviar mensagens de desaprovação e repressão aos protestos realizados Ademais determinouse a violação da Convenção de Belém do Pará pois não houve incorporação de uma perspectiva de gênero nas investigações As autoridades estatais incorporaram estereótipos de gênero o que resultou em um processo de revitimização das mulheres Como mecanismo de reparação determinou o estabelecimento de um Mecanismo de Acompanhamento de casos de Tortura Sexual Cometida contra Mulheres Caso Órdenes Guerra e outros vs Chile sentença de 29112018 Tratase de caso no qual a Corte reconheceu a responsabilidade internacional do Estado pela violação do direito ao acesso à justiça e à proteção judicial pelo negatória por parte do Poder Judiciário chileno de indenizações aos familiares de vítimas de sequestros desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais durante a ditadura militar na década de 1970 A Corte reiterou sua jurisprudência de que não são prescritíveis ações de reparação civil por danos derivados de delitos contra a humanidade Caso Colindres Schonenberg vs El Salvador sentença de 422019 Tratase da violação dos direitos à proteção judicial e à permanência em cargo público em condição de igualdade em razão da destituição do Sr Colindres Schonenberge do cargo de magistrado do Tribunal Supremo Eleitoral por parte da Assembleia Legislativa sem que houvesse previsão legal ou procedimento previsto para tal ato Contudo apesar das ações de amparo interpostas pelo magistrado não foi realizada uma revisão judicial efetiva de forma a violar o direito ao devido processo legal e à proteção judicial Caso VillaSeñor Velarde e outros vs Guatemala sentença de 522019 Tratase das ameaças sofridas pela Sra Velarde e seus familiares quando exercia a função de juíza na Guatemala e dos efeitos gerados em sua independência funcional e direito à integridade pessoal A Corte afastou a responsabilidade internacional do Estado pelas ameaças sofridas bem como pela violação do direito à honra e à intimidade da magistrada Apenas foi considerado violada a obrigação de meio de investigar e punir as ameaças sofridas pela ausência de uma investigação efetiva Caso Muelle Flores vs Peru sentença de 632019 Tratase de reconhecimento da responsabilidade internacional do estado pela violação do direito a tutela jurisdicional e proteção judicial efetiva em razão da demora prolongada em garantir o direito à seguridade social de pessoa idosa em clara situação de vulnerabilidade o que gerou efeitos na sua qualidade de vida e garantia de direito à saúde A Corte reconheceu pela primeira vez de forma autônoma a violação do direito à seguridade social com fundamento na proteção progressiva de direitos econômicos sociais e culturais previstos no art 26 No mais a Corte analisou o impacto das privatizações na proteção de direitos humanos Caso Arrom Suhurt e outros vs Paraguai sentença de 1352019 Tratase de caso sobre o desaparecimento violação da integridade física tortura e detenção ilegal de dois membros da organização Patria Libre do Paraguai A Corte entendeu que o Estado não violou a Convenção Americana em razão da ausência de provas para concluir que as supostas vítimas teriam sido privadas de liberdade por agentes estatais ou com sua aquiescência argumentando que não se tratava de um contexto sistemático de desaparecimento forçado e perseguição política como em outros casos já analisados pela corte Do mesmo modo a Corte afastou a responsabilidade internacional pela ausência de devida diligência nas investigações ou de violação da integridade pessoal dos familiares Após essa decisão o Ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro em julho de 2019 indeferiu recurso de Juan Arrom Anuncio Martí e Víctor Colmán exlíderes do Partido Pátria Livre PPL cujo estatuto de refugiados reconhecido em 2003 havia sido cancelado por decisão do CONARE Comitê Nacional para os Refugiados ver abaixo Os casos brasileiros são os seguintes Damião Ximenes Lopes procedência Datas A Comissão recebeu a petição dos familiares em 22 de novembro de 1999 e apresentou o caso n 12237 à Corte em 1º de outubro de 2004 Foram proferidas sentenças em 30 de novembro de 2005 exceções preliminares e 4 de julho de 2006 mérito Conteúdo O Sr Damião Ximenes Lopes pessoa com doença mental foi assassinado cruelmente em 1999 na Casa de Repouso de Guararape Ceará Com a delonga nos processos cível e criminal na Justiça estadual do Ceará a família peticionou à Comissão IDH alegando violação do direito à vida integridade psíquica dos familiares pela ausência de punição aos autores do homicídio devido processo legal em prazo razoável Na sentença de mérito da Corte ficou reconhecida a violação do direito à vida e à integridade pessoal bem como das garantias judiciais e consequentemente foram fixadas diversas obrigações de reparação Importância É o primeiro caso envolvendo pessoa com deficiência na Corte IDH A sentença expõe as mazelas do Brasil Uma pessoa portadora de doença mental com as mãos amarradas foi morta em Casa de Repouso situada em Guararapes Ceará em situação de extrema vulnerabilidade Somente sete anos depois 2006 é que uma sentença internacional restaurou em parte a justiça concedendo indenizações danos materiais e morais e exigindo punições criminais dos autores do homicídio Também ficaram estabelecidos deveres do Estado de elaboração de política antimanicomial O caso mostra que o Brasil pode ser condenado por ato de ente federado ou por ato do Poder Judiciário não sendo aceitas alegações como respeito ao federalismo ou respeito à separação de poderes Gilson Nogueira Carvalho improcedência Datas A Comissão recebeu denúncia em 11 de dezembro de 1997 e apresentou o caso n 12058 à Corte em 13 de janeiro de 2005 Sentença de 28 de novembro de 2006 Conteúdo O caso referiuse a homicídio do Dr Gilson Nogueira Carvalho advogado defensor de direitos humanos no Estado do Rio Grande do Norte possivelmente por membros de esquadrão da morte conhecido como Meninos de Ouro O Brasil foi acusado pela Comissão por não ter investigado e punido a contento os responsáveis pela morte do Sr Gilson violando o direito de acesso à justiça por parte das vítimas direito à verdade e à justiça Entretanto a Corte considerou a ação da Comissão improcedente uma vez que para a Corte a obrigação de investigar perseguir criminalmente e punir os responsáveis pelas violações de direitos humanos é uma obrigação de meio e não de resultado Malgrado então os resultados pífios apenas um dos pretensos responsáveis foi processado e absolvido pelo Júri popular a Corte considerou que o Brasil esforçouse para cumprir suas obrigações internacionais de garantia de direitos humanos Importância O caso mostra a importância do mecanismo coletivo de proteção de direitos humanos também para os Estados O Brasil defendeuse de modo adequado e a demanda internacional foi considerada improcedente Escher e outros procedência Datas A Comissão recebeu petição em 26 de dezembro de 2000 e apresentou o caso n 12353 à Corte em 20 de dezembro de 2007 Foram proferidas sentenças em 6 de julho de 2008 exceções preliminares e 20 de novembro de 2009 mérito Conteúdo A Corte condenou o Brasil pela violação do direito à privacidade e o direito à honra e à reputação resultantes da interceptação gravação e divulgação das conversas telefônicas de vários indivíduos de movimentos sociais de modo totalmente indevido de acordo com a própria lei brasileira houve pedido direto da Polícia Militar à Juíza de Direito de região do Paraná marcada por choques de fazendeiros e sem terra sem notificação ao Ministério Público e sem investigação criminal formal servindo apenas para controle dos movimentos populares Ademais a Corte considerou que o Brasil violou o direito à liberdade de associação reconhecido no art 16 da Convenção Americana uma vez que as interceptações telefônicas ilegais tinham como propósito embaraçar o funcionamento de associações legítimas relacionadas a movimentos sociais O Brasil foi condenado a pagar indenizações e investigar e punir os responsáveis pelas violações acima mencionadas Importância A Corte traçou importantes parâmetros para o tratamento do direito à privacidade e à honra em um contexto de disputa agrária entre fazendeiros e membros de movimentos populares de reforma agrária que de modo ilegal foram submetidos à interceptação telefônica autorizada pelo Judiciário do Paraná sem ciência do Ministério Público e sem investigação criminal formal Garibaldi procedência Datas A Comissão recebeu petição sobre o caso em 6 de maio de 2003 e apresentou o caso n 12478 à Corte em 24 de dezembro de 2007 A sentença foi proferida em 23 de setembro de 2009 Conteúdo Tratouse do homicídio do Sr Garibaldi militante do movimento sem terra que foi assassinado por milícia rural em uma invasão de terras no Paraná na mesma região do Caso Escher O Brasil foi condenado por ter descumprido graças a falhas gritantes do inquérito policial sua obrigação de investigar e punir as violações de direitos humanos A Corte concluiu que o lapso de mais de cinco anos que demorou o procedimento interno apenas na fase de investigação dos fatos ultrapassou excessivamente o chamado prazo razoável para que um Estado realize as diligências de investigação criminal constituindo uma denegação de justiça criminal em prejuízo dos familiares de Sétimo Garibaldi Assim declarou haver violação aos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial direito à verdade e à justiça Importância Na mesma região e no mesmo contexto de disputa agrária do Caso Escher a Corte IDH exigiu o respeito ao devido processo legal penal e ao direito das vítimas à justiça punindose o assassino do Sr Garibaldi Essa faceta punitiva da Corte IDH exige modificações no obsoleto sistema do inquérito policial brasileiro que elucida pouco menos de 8 dos crimes contra a vida Gomes Lund e outros Caso Guerrilha do Araguaia procedência Datas A Comissão recebeu a representação em 7 de agosto de 1995 caso n 11552 e processou o Brasil perante a Corte em 26 de março de 2009 A sentença foi proferida em 24 de novembro de 2010 Conteúdo Tratouse de ação promovida pela Comissão pelo desaparecimento forçado de mais de 60 pessoas que lutaram contra a ditadura militar brasileira em geral membros do Partido Comunista do Brasil PC do B na região do Araguaia Tocantins durante o início da década de 70 do século XX O destino torturados assassinados etc e os eventuais restos mortais dos guerrilheiros jamais foram revelados pelo Exército A Corte declarou o Estado responsável pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica à vida à integridade física e à liberdade pessoal pelo desaparecimento forçado às garantias judiciais e de proteção judicial pela falta de investigação dos fatos e do julgamento e sanção dos responsáveis em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e pela delonga no processamento dos acusados Também o declarou responsável pela violação ao direito à liberdade de pensamento e de expressão ao direito de buscar e receber informação e ao direito à verdade Por tudo isso a Corte determinou que o Estado realizasse uma série de medidas para reparação dos danos causados dentre elas promover todos os esforços para determinar o paradeiro das pessoas desaparecidas e ainda investigar processar e punir no foro criminal comum e não na Justiça Militar os responsáveis pelas graves violações de direitos humanos na ditadura militar A Corte declarou a anistia aos agentes da ditadura militar incompatível com a Convenção Importância O julgamento da Corte representou importante contribuição no tratamento do caso de desaparecimento forçado de pessoas em período de regime militar em benefício dos familiares dos desaparecidos Novamente a Corte IDH enfatizou o direito à justiça e à verdade exigindo punições penais aos violadores de direitos humanos Também enfatizou que o controle de convencionalidade internacional deve ser respeitado tendo considerado inconvencional a Lei da Anistia Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde procedência Datas A Comissão recebeu a representação em 12 de novembro de 1998 e submeteu o caso à jurisdição da Corte em 04 de março de 2015 quase 17 anos depois A sentença foi proferida em 20 de outubro de 2016 Conteúdo Tratase de condenação do Brasil pela sua omissão na prevenção e repressão da situação de escravidão contemporânea bem como pela omissão no tocante ao desaparecimento de dois adolescentes trabalhadores na fazenda Brasil Verde localizada no Estado do Pará Esta fazenda havia sido objeto de várias inspeções trabalhistas sendo as mais recentes apreciadas pela Corte realizadas em 1997 e 2000 sem que houvesse punição adequada aos escravizadores Além disso registrou que a prescrição dos crimes prevista no direito interno é incompatível com as obrigações internacionais assumidas pelo Estado A defesa do Estado apresentou 10 exceções preliminares tendo sido aceita a incompetência ratione temporis para os fatos anteriores à data do reconhecimento brasileiro da jurisdição contenciosa da Corte 10121998 Por isso Corte apreciou dois grupos de fatos as ações e omissões a partir de 10 de dezembro de 1998 na investigação e nos processos relacionados à inspeção realizada na Fazenda Brasil Verde no ano de 1997 e os fatos violatórios e a respectiva investigação e processos decorrentes da inspeção realizada em 15 de março de 2000 à referida Fazenda Para a Corte ficou provado o contexto de captação ou aliciamento de trabalhadores rurais por meio de fraude enganos e falsas promessas para fazendas no norte do Brasil Também ficou provada a situação de discriminação estrutural histórica em razão da vulnerabilidade dos trabalhadores rurais a maioria analfabetos o que o Brasil deveria ter levado em conta na prevenção e repressão das práticas escravagistas Também a Corte considera provado que os 85 trabalhadores resgatados em março de 2000 haviam sido também vítimas de tráfico de pessoas e estavam submetidos à escravidão contemporânea Além disso foi constatada a submissão de criança a trabalho infantil em ambiente de violência e submissão à escravidão Também a Corte condenou o Brasil por não fornecer a adequada proteção judicial a 43 trabalhadores resgatados em 1997 data dos fatos anteriores ao reconhecimento da jurisdição da Corte por isso o Brasil só foi condenado por violações aos direitos às garantias judiciais e proteção judicial na Fazenda Brasil Verde e também aos 85 resgatados em 2000 Como reparação a Corte fixou indenizações por dano imaterial e ainda determinou o reinício das investigações e processos penais em prazo razoável não sendo possível aplicar a prescrição interna ao crime de trabalho em condições análogas a de escravo Importância O caso é emblemático por se tratar do primeiro caso na jurisprudência da Corte sobre a escravidão contemporânea Para a Corte há dois elementos fundamentais na definição da escravidão contemporânea i o estado ou condição de um indivíduo e ii o exercício de algum dos atributos do direito de propriedade pelo qual o escravizador exerça poder ou controle sobre a pessoa escravizada anulando a personalidade e independência da vítima Na sentença da Corte esses atributos do direito de propriedade podem consistir lista não exaustiva a restrição ou controle da autonomia individual b perda ou restrição da liberdade de movimento de uma pessoa c obtenção de um benefício por parte do escravizador d ausência de consentimento ou de livre arbítrio da vítima que pode ser gerado pelo uso ou ameaça de violência ou outras formas de coerção fraude ou falsas promessas e uso de violência física ou psicológica f vulnerabilidade da vítima g detenção ou cativeiro i exploração Para a Corte a proibição da escravidão é norma imperativa do Direito Internacional jus cogens e implica em obrigações erga omnes Cosme Rosa Genoveva Evandro de Oliveira e outros Favela Nova Brasília procedência Datas A Comissão recebeu petições de representantes das vítimas entre 1995 e 1996 tendo submetido o caso à jurisdição da Corte em 19 de maio de 2015 quase 20 anos depois A sentença foi proferida em 16 de fevereiro de 2017 Conteúdo Tratase de caso apresentado à Corte IDH pela Comissão IDH em 19 de maio de 2015 relativo à tortura violência sexual e morte inclusive de menores por agentes da Polícia Civil do Rio do Janeiro na Favela Nova Brasília nos anos de 1994 e 1995 As operações policiais resultaram em 26 mortes de moradores do local além de atos de violência sexual contra três mulheres A Corte decidiu que foram violados os direitos de vítimas e de familiares a garantias judiciais a uma investigação imparcial e independente à devida diligência e ao prazo razoável a proteção judicial e à integridade pessoal Como forma de reparação a Corte determinou que o Brasil realize investigações eficazes sobre os fatos do caso de modo a identificar processar e se for o caso punir os responsáveis afastandose eventual prescrição uma vez que essas graves violações de direitos humanos seriam imprescritíveis Há menção expressa à ProcuradoriaGeral da República para que esta avalie se os fatos referentes às incursões de 1994 e 1995 devem ser objeto de pedido de Incidente de Deslocamento de Competência A Corte determinou que o Estado deve utilizar a expressão lesão corporal ou homicídio decorrente de intervenção policial nos relatórios e investigações da polícia ou do Ministério Público em casos de mortes ou lesões provocadas por ação policial O conceito de oposição ou resistência à ação policial deverá ser abolido O Estado deverá realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação aos fatos do caso e sua posterior investigação durante o qual deverão ser inauguradas duas placas em memória das vítimas na praça principal da Favela Nova Brasília A Corte também determinou que o Estado deve providenciar tratamento psicológico e psiquiátrico às vítimas além de realizar uma série de medidas direcionadas a diminuir a letalidade e a violência policial no Brasil Ainda o Estado deverá adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias para permitir às vítimas de delitos ou a seus familiares participar de maneira formal e efetiva da investigação de delitos conduzida pela polícia ou pelo Ministério Público Também é importante mencionar que o Brasil alegou que o documento de amicus curiae apresentado pela Defensoria Pública da União não teria uma análise técnica e imparcial A Corte IDH entendeu que a manifestação brasileira era equivocada e o documento da Defensoria deveria ser levado em consideração na medida em que ofereça ao Tribunal fundamentos acerca dos fatos contidos no escrito de submissão do caso ou formula considerações jurídicas sobre a matéria do processo nota de rodapé 13 parágrafo 11 da sentença Importância O caso trata de violência policial camuflada pela elaboração dos chamados autos de resistência à prisão gerando impunidade e repetição do ciclo de violência Por isso a importância da condenação para seja alterado tal panorama em todo o Brasil Por isso foi importante que a Corte IDH tenha determinado que o Estado publique anualmente um relatório oficial com dados relativos às mortes ocasionadas durante operações da polícia em todos os estados do país Esse relatório deverá conter informação atualizada anualmente sobre as investigações realizadas a respeito de cada incidente que redunde na morte de um civil ou de um policial Povo Indígena Xucuru e seus membros vs Brasil procedência Datas A Comissão IDH encaminhou em 16 de março de 2016 à Corte IDH o Caso 12728 referente à violação do direito à propriedade coletiva do povo indígena Xucuru em consequência i da demora de mais de dezesseis anos entre 1989 e 2005 no processo administrativo de reconhecimento titulação demarcação e delimitação de suas terras e territórios ancestrais e ii da demora na regularização total dessas terras e territórios de maneira que o mencionado povo indígena possa exercer pacificamente tal direito A sentença da Corte foi proferida em 5 de fevereiro de 2018 Conteúdo Além da questão da propriedade de terras indígenas o caso abarcou a violação dos direitos às garantias judiciais e proteção judicial em consequência do descumprimento da garantia de prazo razoável no mencionado processo administrativo assim como da demora em resolver ações civis iniciadas por pessoas não indígenas em relação a parte das terras e territórios ancestrais do povo indígena Xucuru No julgado de fevereiro de 2018 a Corte Interamericana avaliou o longo processo de identificação demarcação titulação e desintrusão de terceiros do referido território ancestral indígena Contudo a Corte entendeu que só poderia analisar as violações posteriores ao reconhecimento da competência contenciosa do Brasil 10121998 Por essa limitação da competência temporal a sentença não avalia se as várias mortes antes de 1998 como a do Cacique Xicão e outros bem como a demora nas primeiras etapas do processo demarcatório constituiriam violações aos direitos consagrados na Convenção Americana de Direitos Humanos Todavia a Corte IDH levou em conta os referidos fatos para entender o contexto turbulento do conflito nas demarcações e procedeu à análise das violações em razão dos fatos posteriores à aceitação da sua competência contenciosa Em síntese a sentença entendeu que a partir 10 de dezembro de 1998 o Brasil não garantiu um procedimento administrativo em prazo razoável para demarcação e titulação das terras Xucurus não cumpriu com o dever de adotar medidas para a desintrusão integral de terceiros em prazo razoável e tampouco garantiu um remédio judicial efetivo para resolver os questionamentos suscitados o que ensejou muita insegurança jurídica para que a comunidade pudesse fruir de suas terras Por isso o Brasil foi condenado por violação aos arts 8 garantias judiciais 21 direito de propriedade e 25 direito a um remédio judicial efetivo cc art 11 da Convenção Importância Há questionamento judicial no Brasil feito por fazendeiros contra a demarcação realizada pela FUNAI sendo que alguns desses processos ainda estão em curso e há um caso em que há decisão judicial com força de coisa julgada em desfavor das pretensões do povo Xucuru Ao se debruçar sobre a complexa situação que envolve conflito de direitos humanos de indígenas e de direitos humanos dos terceiros que hoje ocupam a área a Corte determinou que o Brasil adote medidas imediatas efetivas e de ofício para garantir o direito de propriedade coletiva do Povo Indígena Xucuru sobre seu território Ademais exigiu também que o Estado conclua o processo de desintrusão do território indígena Xucuru com extrema diligência e efetue os pagamentos das indenizações por benfeitorias de boafé pendentes e remova qualquer tipo de obstáculo ou interferência sobre o território em questão em prazo não superior a 18 meses Para tanto caso não seja possível uma solução amigável a Corte menciona casos anteriores em que os Estados Partes para cumprir com o dever de desintrusão procederam à desapropriação por interesse social mediante justa indenização aos terceiros interessados 289 Vladimir Herzog e outros vs Brasil procedência Datas A Comissão IDH encaminhou no dia 22 de abril de 2016 à Corte o Caso 12879 que trata do homicídio do jornalista Vladimir Herzog e ainda da existência de um padrão de violência e perseguição sistemática a indivíduos militantes do Partido Comunista O caso foi sentenciado em 15 de março de 2018 Conteúdo A Corte apontou a responsabilidade internacional do Estado Brasileiro pela ausência de julgamento investigação e punição dos responsáveis pela tortura e execução do jornalista e membro do Partido Comunista Brasileiro Vladimir Herzog Para a Corte os diversos obstáculos à persecução criminal dos agentes da ditadura militar brasileira responsáveis pela morte de Herzog como i o uso da Lei de Anistia brasileira ii a invocação da prescrição criminal bem como iii a utilização do princípio de ne bis in idem e iv do instituto da coisa julgada constituem uma violação do direito às garantias judiciais previstas pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos arts 8 25 e 11 e 2 da CADH e da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura arts 1 6 e 8 No mais a ausência de esclarecimentos a respeito da morte de Herzog e a permanência por anos da falsa justificativa da morte como suicídio em conjunto com a negativa de disponibilização de documentos sobre a atuação dos militares configuraram uma violação ao direito à verdade arts 8 e 25 da CADH Por fim a Corte considerou que em consequência da falta de verdade investigação julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog os familiares diretos da vítima tiveram um profundo sofrimento e angústia em detrimento de sua integridade psíquica e moral Importância Foi mais uma oportunidade para a Corte IDH reafirmar sua jurisprudência sobre a inconvencionalidade da lei brasileira de anistia e da impossibilidade do uso de institutos como coisa julgada e prescrição nesses casos de graves violações de direitos humanos na época da ditadura em virtude do regime jurídico internacional dos crimes contra a humanidade Novamente é necessário que o sistema de justiça nacional reveja sua forma de relacionamento com os processos internacionais de direitos humanos ver abaixo os capítulos sobre controle de convencionalidade e sobre a teoria do duplo controle Também o caso demonstra o dever dos Estados de assegurar o direito de acesso à justiça penal por parte da vítima ou de seus familiares mostrando a complexidade da relação entre o direito penal e os direitos humanos 13312 A jurisdição consultiva da Corte IDH A Corte IDH pode emitir pareceres consultivos também chamados de opiniões consultivas sobre a 1 interpretação da Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos diretos humanos nos Estados americanos mesmo os tratados universais como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos etc e sobre a 2 compatibilidade entre qualquer lei interna e os mencionados instrumentos internacionais Podem solicitar pareceres consultivos Sobre a interpretação da Convenção e outros tratados de direitos humanos aplicáveis nos Estados Americanos i Estadosmembros da OEA ii Comissão IDH que possui pertinência temática universal podendo pedir parecer sobre qualquer dispositivo da Convenção qualquer tratado de direitos humanos incidente nos Estados Americanos iii outros órgãos da OEA com pertinência restrita a temas de direitos humanos de sua atuação Sobre a compatibilidade de lei interna Estadosmembros da OEA Até agosto de 2019 a Corte IDH expediu vinte e cinco opiniões consultivas todas requeridas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos ou por Estados Partes da Convenção que já reconheceram a jurisdição obrigatória da Corte de San José Em 2019 foi solicitada outra opinião consultiva pela Comissão IDH ainda em trâmite Os outros Estados da OEA que não são partes da Convenção não têm utilizado a faculdade de solicitar parecer consultivo a eles conferida pelo art 64 da Convenção Americana de Direitos Humanos 290 A Corte IDH possui tradição em desenvolver o direito internacional dos direitos humanos utilizando as opiniões consultivas para esclarecer o alcance e sentido das normas de direitos humanos que vinculam os Estados da OEA Listo abaixo as últimas opiniões consultivas emitidas Opinião consultiva n 21 de 2014 sobre os direitos e garantias das crianças migrantes Em julho de 2011 em uma iniciativa inédita os quatro paísesmembros do Mercosul Mercado Comum do Sul Argentina Brasil Paraguai e Uruguai apresentaram em conjunto um pedido de opinião consultiva pois o Mercosul não possui legitimidade para tanto sobre os direitos de crianças e adolescentes migrantes Em agosto de 2014 a Corte IDH emitiu sua opinião consultiva n 21 OC212014 sobre o tema Os países solicitantes indagaram à Corte IDH quais seriam as obrigações dos Estados em situações internas envolvendo crianças migrantes ou seus pais tendo como base a Convenção Americana de Direitos Humanos a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura Após uma longa análise das fontes do Direito Internacional dos Direitos Humanos dos direitos das crianças e dos migrantes a Corte IDH entendeu que os Estados devem priorizar os direitos das crianças por crianças devese entender toda pessoa que não tenha completado 18 anos de idade salvo que tenha alcançado a maioridade antes em conformidade com a lei levando em consideração i o seu desenvolvimento integral ii sua proteção e iii seu melhor interesse Nessa linha a criança tem direito de acesso à justiça e devido processo legal nas situações particulares que envolvem os migrantes que consistem nos seguintes direitos i o direito de ser notificada da abertura e de todo o ocorrido em processo migratório ii o direito a que os processos migratórios sejam conduzidos por um funcionário ou juiz especializado iii o direito a ser ouvida e a participar nas diferentes etapas processuais iv o direito a ser assistida gratuitamente por um tradutor eou intérprete v o acesso efetivo à comunicação e à assistência consular vi o direito a ser assistida por um representante legal e a comunicar se livremente com este vii o dever de designar um tutor no caso de criança desacompanhada ou separada viii o direito a que a decisão adotada avalie o interesse superior da criança e seja devidamente fundamentada ix o direito a recorrer da decisão perante um juiz ou tribunal superior com efeitos suspensivos e x o prazo razoável de duração do processo Quanto à privação de liberdade das crianças migrantes a Corte apontou que tal medida só pode ser imposta em casos extremos cabendo aos Estados implementar garantias de proteção às crianças privadas de liberdade Por fim a Corte IDH explicitou o princípio do non refoulement válido para todo e qualquer estrangeiro não somente para os refugiados ou seja a proibição dos Estados de transferirem qualquer que seja a nomenclatura rechaço expulsão deportação etc uma criança a um outro Estado quando sua vida segurança ou liberdade estejam em risco de violação por causa de i perseguição ou ameaça de perseguição ii violência generalizada ou iii violações massivas aos direitos humanos entre outros assim como para um Estado onde iv corra o risco de ser submetida a tortura ou outros tratamentos cruéis desumanos ou degradantes Opinião Consultiva n 22 de 2016 sobre a titularidade de direitos humanos pelas pessoas jurídicas Em 2016 a Corte IDH prolatou opinião consultiva n 22 solicitada pelo Panamá a respeito de serem ou não as pessoas jurídicas titulares de direitos à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos o que poderia caso positiva a resposta da Corte possibilitar o direito de petição por parte de pessoa jurídica à Comissão IDH Inicialmente a Corte utilizou a Convenção interamericana sobre personalidade e capacidade de pessoas jurídicas no Direito Internacional Privado que define pessoa jurídica como sendo toda entidade que tenha existência e responsabilidade próprias distintas das dos seus membros ou fundadores e que seja qualificada como pessoa jurídica segundo a lei do lugar de sua constituição art 1º 291 A Corte interpretou o art 12 da Convenção Para efeitos desta Convenção pessoa é todo ser humano para concluir que as pessoas jurídicas não são titulares de direitos convencionais não podendo ser consideradas possíveis vítimas nos processos contenciosos do sistema interamericano A Corte aduziu que o Direito Internacional dos Direitos Humanos desenvolveuse para assegurar proteção às pessoas físicas e somente reconhecem por dispositivos expressos e excepcionais direitos a pessoas jurídicas a i Convenção Europeia de Direitos Humanos e ii a Convenção das Nações Unidas pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação Racial Mesmo diante da tradição constitucional de vários países da região inclusive o Brasil de reconhecer a titularidade de direitos essenciais por pessoas jurídicas a Corte entendeu que a ausência de disposição expressa da Convenção a impedia de reconhecer tal titularidade às pessoas jurídicas Não obstante essa exclusão da titularidade de direitos humanos por parte de pessoas jurídicas a Corte reiterou o entendimento de que as comunidades indígenas são titulares de direitos protegidos pelo sistema interamericano podendo ser vítimas aplicandose o mesmo aos povos tribais No mesmo sentido o Comitê de Direitos Sociais Econômicos e Culturais do PIDESC Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais já havia reconhecido que a expressão toda pessoa referese tanto ao sujeito individual quanto ao sujeito coletivo o que implica no reconhecimento de direitos por parte de indivíduos associados com outros dentro de comunidades ou grupos Comentário Geral n 21 Nessa linha a Corte concluiu que de acordo com o Protocolo de San Salvador os sindicatos as federações e confederações de trabalhadores são titulares de direitos o que os permite atuar no sistema interamericano na defesa desses direitos A Corte determinou ainda que em alguns casos quando o indivíduo exerce seus direitos por intermédio de pessoa jurídica como membro ou controlador da pessoa jurídica pode provocar o sistema para fazer valer seus direitos humanos Nesse caso basta que a pessoa jurídica tenha esgotado previamente os recursos internos desde que o tema controvertido pelo indivíduo no sistema interamericano tenha estado contido no debate interno Opinião consultiva n 23 de 2017 sobre as obrigações de proteção do meio ambiente no marco da proteção internacional de direitos humanos A Opinião consultiva n 23 foi solicitada pela Colômbia envolvida em disputas de delimitação territorial marítima na Corte Internacional de Justiça à Corte IDH para que fosse esclarecido o alcance da obrigação de respeito e garantia do direito à vida e do direito à integridade pessoal da Convenção Americana de Direitos Humanos em relação ao dever de respeitar normas de direito internacional ambiental que buscam impedir danos ambientais que por sua vez afetam o direito à vida e o direito à integridade pessoal em especial o dever de estabelecer estudos de impacto ambiental na Região do Grande Caribe O objetivo da Colômbia foi questionar indiretamente a conduta de Estados caribenhos que estariam com suas obras de infraestrutura afetando o ambiente marinho da região A Corte IDH inicialmente não limitou seu parecer consultivo aos danos ambientais marinhos como queria a Colômbia Pela importância do direito ao meio ambiente equilibrado a Corte considerou que tal direito interessa a todos os habitantes da região Além disso tal direito pode ser diretamente apreciado pela Corte IDH naquilo que já foi comentado acima que é a defesa direta dos direitos sociais art 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos Assim a Corte reconheceu a existência de uma relação inegável entre a proteção do meio ambiente e a realização dos direitos humanos Reforçase a indivisibilidade e a interdependência existente entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais econômicos e culturais Também foi enfatizada a dimensão coletiva do direito ao meio ambiente que se constitui em um interesse universal tanto das gerações presentes quanto das futuras Mas também foi lembrada a dimensão individual do direito ao meio ambiente na medida em que sua ofensa gera impacto ao direito à saúde direito à integridade pessoal direito à vida entre outros Finalmente a Corte com base nessas considerações enfatizou a importância da defesa dos direitos dos povos indígenas do direito à informação e do direito de acesso à justiça no contexto da proteção ao meio ambiente Opinião consultiva n 24 de 2017 sobre a identidade de gênero igualdade e não discriminação a uniões homoafetivas A Costa Rica solicitou opinião consultiva à Corte IDH sobre identidade de gênero e sobre o reconhecimento dos direitos patrimoniais derivados de um vínculo entre pessoas do mesmo sexo Para o Estado solicitante a identidade de gênero é uma categoria protegida pelos arts 1 e 24 da Convenção Americana de Direitos Humanos bem como pelos arts 112 e 18 que devem ser então interpretados pela Corte para que se saiba se o Estado tem o dever de reconhecer e facilitar a mudança de nome das pessoas de acordo com a respectiva identidade de gênero Ainda a Costa Rica indagou se caso positiva a resposta à primeira consulta viola a Convenção caso seja prevista a mudança de nome somente por meio de um processo judicial sem que haja um procedimento administrativo Finalmente a Costa Rica perguntou se a proibição de discriminação por orientação sexual arts 1 e 24 da Convenção bem como art 112 exige que o Estado reconheça todos os direitos patrimoniais que derivam de um vínculo entre pessoas do mesmo sexo Se positiva a resposta a Costa Rica indaga se é necessária a existência de um instituto jurídico que regule os vínculos entre pessoas do mesmo sexo para que o Estado reconheça tais direitos patrimoniais questão sobre a autoaplicabilidade dessa proibição de discriminação por orientação sexual Para a Corte é possível que uma pessoa seja discriminada a partir da percepção social a respeito de sua relação com um grupo social independentemente da realidade ou ainda com a autoidentificação da pessoa Essa discriminação por percepção tem o efeito de impedir ou prejudicar o gozo de direitos humanos Por isso a proteção da identidade deve abarcar a identidade social sendo a expressão de gênero uma categoria protegida pela Convenção Americana de Direitos Humanos A Corte reconheceu que a identidade de gênero compõe o direito à identidade que é protegido pelo art 13 da Convenção liberdade de expressão Além disso tal direito é um instrumento para o exercício de outros como direito à personalidade ao nome à nacionalidade entre outros Assim o direito de decidir autonomamente sobre a identidade de gênero encontrase protegido pela Convenção em especial nos artigos referentes à liberdade art 7º privacidade art 112 personalidade art 3º e ao direito ao nome art 18 Quanto à modificação da identidade de gênero a Corte exigiu que os Estados embora com certa margem de escolha dos meios devem realizar a adequação integral da identidade de gênero autopercebida com base unicamente no consentimento livre e informado do solicitante afastando expressamente a certificação médica ou intervenções cirúrgicas e hormonais Por fim a Corte enfatizou que todos os direitos e não só os patrimoniais dos casais heterossexuais devem ser também reconhecidos às uniões homoafetivas No que tange ao casamento a Corte realçou que proibir o matrimônio de pessoas do mesmo sexo é ofensa à Convenção inexistindo razão convencionalmente adequada e proporcional para tanto Opinião consultiva n 25 de 2018 sobre o instituto do asilo e seu reconhecimento como direito humano O Equador solicitou uma opinião consultiva à Corte IDH sobre o alcance e fim do direito de asilo à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos do Direito Interamericano e do Direito Internacional Na petição inicial de solicitação o Estado reconhece o direito de buscar asilo como um direito humano amplamente sedimentado no âmbito da comunidade internacional e indaga em suma i quais são os limites de atuação de um Estado que concedeu asilo em relação ao indivíduo solicitante bem como os ii limites de atuação de um Estado em relação a um indivíduo asilado na Embaixada de outro Estado em seu território Essa solicitação de opinião consultiva por parte do Equador é fruto obviamente da controvérsia que envolve o fundador do site Wikileaks Julian Assange asilado na Embaixada do Equador em Londres desde 2012 O Reino Unido não concedeu até agora salvo conduto para que Assange possa sair da Embaixada rumo ao Equador Estado asilante Na opinião consultiva a Corte adotou a terminologia de asilo em sentido estrito como equivalente a asilo político bem como asilo sob o estatuto de refugiado para designar o refúgio quer pela sua definição estrita pela Convenção de Genebra de 1951 quer pela definição ampla oriunda da Declaração de Cartagena de 1984 No tocante ao asilo político a Corte identificou as suas duas formas tradicionais o asilo territorial e o asilo diplomático Somente o asilo territorial está regulado pela Convenção Americana de Direitos Humanos art 227 e pelo art XXVII da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem Já o asilo diplomático pelos seus vínculos com as prerrogativas estatais referentes à diplomacia deve ser regido por tratados específicos costumes internacionais ou mesmo suas próprias leis internas Contudo em qualquer hipótese mesmo no asilo diplomático o Estado de acolhida está obrigado a não devolver o solicitante a um território no qual este possa sofrer o risco de perseguição odiosa Assim o princípio da proibição do rechaço proibição do non refoulement é exigível por qualquer estrangeiro inclusive quando este busque asilo diplomático Para tanto a Corte assinalou que o Estado da acolhida deve adotar todos os meios necessários para proteger o estrangeiro recebido em sua missão diplomática toda vez que a sua devolução ao Estado territorial possa ameaçar sua vida liberdade integridade ou segurança de modo direto ou indireto o Estado territorial possa extraditar ou entregar de qualquer forma o indivíduo a um Estado terceiro no qual haja tais riscos Esse dever de proteção ao solicitante de asilo para a Corte é obrigação erga omnes e vincula internacionalmente os Estados Opinião Consultiva sobre a Liberdade Sindical com Perspectiva de Gênero em trâmite A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Relatoria Especial Sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais submeteram em 31 de julho de 2019 solicitação de Opinião Consultiva sobre liberdade sindical com perspectiva de gênero Buscase uma interpretação conjunta de diversas normas interamericanas relacionadas ao exercício do direito de greve e negociação coletiva como integrantes do direito à liberdade sindical a partir de um enfoque nos efeitos das discriminações de gênero no ambiente de trabalho que impedem o exercício por parte de mulheres desse direito de forma igualitária e livre de violência Assim a opinião consultiva visa também formatar i o direito à participação de mulheres nos processos de formação de sindicatos ii sua atuação como líderes em ambientes sindicais e iii o exercício de direitos à associação e liberdade de expressão 292 Solicitações de opiniões consultivas indeferidas Nos últimos anos a Corte IDH recusouse a emitir opinião consultiva em duas ocasiões ambas relacionadas aos casos de julgamentos políticos processos de impedimento ou impeachment que têm se repetido em várias democracias da América Latina atingindo mandatários eleitos ou ainda ameaçando juízes ou procuradores com cassações de mandatos Em ambas as ocasiões foram solicitadas as opiniões consultivas com base no temor da utilização indevida do processo de impeachment como forma de acesso ou manutenção do poder Em 2016 o SecretárioGeral da OEA apresentou pedido de opinião consultiva sobre quais critérios dentro da separação de poderes deveriam limitar os juízos políticos no julgamento de um político eleito referindose especificamente ao caso do impeachment da então presidente Dilma Rousseff Brasil A Corte não conheceu do pedido não deu trâmite pois considerou que a opinião consultiva i não deve referirse a um caso contencioso específico ou servir para obter pronunciamento prematuro sobre tema que poderia ser submetido à Corte através de um caso contencioso ii não pode ser utilizada como mecanismo para obter pronunciamento indireto sobre um assunto em litígio ou em controvérsia interna iii não deve ser utilizada como instrumento de debate público interno iv não deve abarcar exclusivamente temas sobre os quais a Corte já tenha se pronunciado em sua jurisprudência e v não deve procurar a solução de questões de fato apenas o sentido o propósito ou a razão das normas internas de direitos humanos de forma que os Estados membros e os órgãos da OEA cumpram de maneira cabal e efetiva suas obrigações internacionais A Corte entendeu no caso que poderia constituir um pronunciamento prematuro sobre a questão que poderia serlhe submetida em eventual caso contencioso bem como que poderia pronunciarse sobre assunto que não foi resolvido no plano interno Utilizouse assim a antiga Doutrina Carelia adotada pela Corte Permanente de Justiça Internacional pela qual não se pode utilizar a jurisdição consultiva como alternativa camuflada à jurisdição contenciosa de um tribunal internacional 293 Em 2017 a Comissão pediu opinião consultiva à Corte sobre a mesma temática convencionalidade dos juízos políticos mas com o cuidado de não referirse a um caso concreto como havia feito o SecretárioGeral da OEA anteriormente A dúvida da Comissão referiase ao alcance do princípio da legalidade do direito ao acesso à justiça e ao devido processo legal em casos de impedimentos impeachment e juízos políticos Seria possível um controle judicial desses procedimentos que tradicionalmente seriam da alçada exclusiva da política e os julgadores sequer tem que motivar seus votos a favor ou contra a cassação do mandato Contudo em 2018 a Corte recusouse novamente a emitir opinião consultiva por entender que há grande diversidade de procedimentos de juízos políticos e de impeachment na região impedindo um pronunciamento em abstrato e sendo mais adequado sua provocação na via contenciosa para dirimir qualquer controvérsia As opiniões consultivas apesar de formalmente não obrigatórias têm importante peso doméstico uma vez que consagram a interpretação internacionalista a ser seguida por todos os órgãos internos no âmbito administrativo legislativo e judicial sobre as normas de direitos humanos que vinculam o Brasil A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem reiteradamente decidido que as opiniões consultivas correspondem a um controle de convencionalidade preventivo que se seguido impede que os Estados violem a Convenção Americana de Direitos Humanos ver por exemplo a Opinião Consultiva n 22 em especial o parágrafo 26 QUADRO SINÓTICO Comissão Interamericana de Direitos Humanos Criação 1959 por resolução da OEA Em 1967 foi inserida formalmente na Carta da OEA pelo Protocolo de Buenos Aires Sede Washington EUA Composição Sete Comissários eleitos pela Assembleia Geral da OEA para mandato de quatro anos com a possibilidade de uma recondução De acordo com as competências previstas na Carta da OEA e estatuto da Comissão Competência promover estudos e capacitação em direitos humanos criar relatorias especiais de direitos humanos em temas ou países receber petições de vítimas de violação de direitos humanos e recomendar reparação De acordo com as competências previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos receber petições de vítimas recomendar reparação de danos aos Estados e caso i não cumprida a reparação e ii caso o Estado infrator tenha reconhecido a jurisdição da Corte IDH encaminhar o caso à Corte solicitar opiniões consultivas atuar nos processos perante a Corte IDH como custos legis Corte Interamericana de Direitos Humanos Criação Pela Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 A Convenção entrou em vigor somente em 1978 e a 1ª sessão da Corte IDH ocorreu em 1979 Sede San José da Costa Rica Composição Sete juízes escolhidos pelos Estados Partes da Convenção para um mandato de seis anos e só poderão ser reeleitos uma vez Competência Julgar casos de violação da Convenção emitindo sentenças vinculantes em casos encaminhados pela Comissão IDH ou Estados Partes da Convenção que tenham reconhecido a jurisdição da Corte Emitir opiniões consultivas não vinculantes 14 Entes e procedimentos da proteção da democracia no Mercosul A defesa da democracia no Mercosul conforme os Protocolos de Ushuaia I II e Protocolo de Assunção bem como dos demais tratados institutivos dependem da ação dos Estados Partes que podem decidir pela ruptura ou não do regime democrático acionandose as sanções lá previstas ver capítulo próprio Assim inicialmente a cláusula democrática do Mercosul depende da avaliação discricionária dos demais Estados sobre a situação de preservação da democracia em um dos membros Esse tipo de mecanismo de proteção de direitos humanos é denominado mecanismo político sendo criticado justamente por permitir uma apreciação discricionária dos demais Estados sobre a existência ou não de violação de direitos humanos no Estado infrator o que pode gerar seletividade e ambiguidade Por outro lado o Mercosul já conta com sistema de solução de controvérsias próprio capitaneado pelo Tribunal Permanente de Revisão TPR regulado pelo Protocolo de Olivos de 2004 no qual há a possibilidade de apreciação jurídica do uso dos mecanismos de proteção da democracia como veremos a seguir A ação dos Estados e do Tribunal Permanente de Revisão no caso do impeachment do Presidente Lugo em 2012 foi importante teste sobre a viabilidade do uso da cláusula democrática do Mercosul O caso diz respeito ao processo de impeachment e a destituição do Presidente Lugo em 2012 no Paraguai Tendo em vista a rapidez do processo de impedimento com restrições à ampla defesa e contraditório do Presidente Lugo e com base nas disposições do primeiro Protocolo de Ushuaia o Paraguai foi suspenso em decisão datada de 2962012 do direito de participar dos órgãos do Mercosul e suas deliberações até que restabelecida a ordem democrática no país Somente em 12 de julho de 2013 o Mercosul decidiu retirar a sanção contra o Paraguai a partir de 15 de agosto daquele mesmo ano em virtude da eleição do novo Presidente Horácio Cartes O caso Lugo mostra as divergências geradas pela apreciação discricionária da situação de direitos humanos realizada a partir do mecanismo internacional político se por um lado o Mercosul reagiu partindo da sua constatação de ruptura do regime democrático a Organização dos Estados Americanos OEA não o fez apesar de ter acompanhado a crise 294 Para aumentar a complexidade da temática a União SulAmericana de Nações Unasul também considerou que houve deposição ilegítima do Presidente eleito e suspendeu o Paraguai das atividades daquela organização internacional 295 Além disso o impeachment do Presidente Lugo do Paraguai mostrou um hibridismo do modelo mercosulino de promoção da democracia que apesar de ser essencialmente política possui certa tonalidade judiciária Essa tonalidade de mecanismo internacional judiciário é vista na possibilidade de revisão jurídica pelo sistema de controvérsia do Mercosul das sanções impostas ao Estado no qual houve a pretensa ruptura democrática Ou seja a discricionariedade típica do mecanismo político pode ser contrariada pela força do Direito Internacional graças à revisão jurídica dessas sanções No caso o Paraguai reagiu à deliberação de suspensão feita pelos demais Estados e os acionou perante o Tribunal Permanente de Revisão TPR do Mercosul em 9 de julho de 2012 cuja competência é regulada pelo Protocolo de Olivos O Paraguai requereu que fossem declaradas inaplicáveis i a decisão que o suspendeu do bloco e ii a decisão de incorporação da Venezuela como membro pleno do Mercosul O Paraguai sustentou quanto à sua suspensão a ocorrência de vícios formais como a ausência de legitimidade dos Chefes de Estados para adotarem referidas decisões e a não realização das consultas previstas no art 4º do Protocolo de Ushuaia bem como matéria de mérito ponderando que não houve ruptura da ordem democrática do país com a deposição de seu presidente No que tange à aplicação do Protocolo de Ushuaia Argentina Brasil e Uruguai defenderam se alegando que o TPR não poderia julgar o mérito em razão de sua incompetência ratione materiae por se tratar de um litígio de natureza política não alcançado pelo sistema de solução de controvérsias previsto no Protocolo de Olivos PO Subsidiariamente sustentaram os três Estados réus não ser aplicável o Protocolo de Olivos para dirimir conflitos que resultam da aplicação do Protocolo de Ushuaia PU Contudo o TPR decidiu em sede preliminar e unanimemente pela competência ratione materiae daquela Corte para apreciar controvérsia referente à legalidade dos procedimentos previstos no Protocolo de Ushuaia uma vez que o TPR poderia decidir sobre controvérsias afetas a qualquer norma do Mercosul e não somente sobre lides comerciais 296 Não obstante por maioria o TPR lembrou que o Protocolo de Olivos PO permite o acesso direto ao TPR sem a fase anterior de tribunal ad hoc somente quando os Estados Partes na controvérsia concordem expressamente em submeter o litígio diretamente em única instância ao TPR art 23 do PO Sem o consentimento dos demais Estados Partes e ainda considerando que o Paraguai não demonstrou a tentativa de realização de negociações diretas com os demais Estados outra exigência do sistema de controvérsias do Mercosul o TPR entendeu não ser possível conhecer diretamente o mérito da demanda O Laudo n 012012 do TPR indica então alguns passos para o controle da ação dos Estados contra a ruptura democrática ou mesmo graves e sistemáticas violações dos direitos humanos em situações de crise institucional i exigência de comprovação de negociações infrutíferas ii demanda de criação de tribunal arbitral ad hoc ou iii consenso para que a demanda arbitral seja instaurada diretamente no TPR Em 2017 ocorreu outro caso de invocação da cláusula democrática do Mercosul que gerou a suspensão da Venezuela por ruptura da ordem democrática Esta decisão impôs a suspensão de todos os direitos e obrigações inerentes à condição de Estado parte do Mercosul por parte da República Bolivariana da Venezuela em conformidade com o disposto no artigo 5º 2º do Protocolo de Ushuaia I 297 A decisão foi como exige o Protocolo de Ushuaia I por unanimidade dos demais membros plenos Brasil Argentina Uruguai e Paraguai O motivo foi a implementação do processo constituinte na Venezuela em meio a acusações de fraude e desbalanceamento das circunscrições eleitorais para dar maior peso a regiões de eleitores a favor do governo na escolha dos constituintes bem como pela repressão à oposição Por outro lado na hipótese de os Estados mercosulinos por razões geopolíticas ignorarem a ruptura democrática ou graves e sistemáticas violações de direitos humanos não é prevista a revisão judicial da omissão dos Estados em aplicar a cláusula democrática Por isso o controle da omissão dos Estados em invocar a cláusula democrática do Mercosul é mais problemático Há nesse caso a necessidade de utilização do sistema da Convenção Americana de Direitos Humanos em relação aos 4 Estados do Mercosul que a ratificaram bem como reconheceram a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos Argentina Brasil Paraguai e Uruguai Por exemplo pode a Comissão Interamericana de Direitos a partir de petição individual ou interestatal considerar que houve ruptura democrática e provocar a Corte Interamericana de Direitos Humanos Quanto à Venezuela que denunciou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 2012 cabe a utilização do sistema da Carta da OEA podendo a Assembleia Geral suspender o Estado no qual tenha existido a ruptura da ordem democrática maioria exigida de dois terços Também cabe a edição de medida cautelar por parte da Comissão IDH que não tem força vinculante É também possível acionar a jurisdição consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos para que seja por exemplo interpretada a compatibilidade do regime de exceção ou mesmo dos atos que ocasionaram a ruptura democrática com a Convenção Americana de Direitos Humanos A jurisdição consultiva apesar de não vinculante é importante instrumento de interpretação do real alcance e sentido das normas de direitos humanos aplicáveis nas Américas A Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH pode interpretar qualquer dispositivo de direitos humanos que incida sobre os Estados Americanos sendo que a Venezuela permanece como membro da Organização dos Estados Americanos Caso a opinião consultiva da Corte IDH aponte ruptura do regime democrático os Estados do Mercosul podem ser sensibilizados a fazer valer a cláusula democrática QUADRO SINÓTICO Órgãos e mecanismo de proteção da democracia no Mercosul Entes envolvidos Estados e Tribunal Permanente de Revisão Objetivo Cabe aos Estados dar partida ao trâmite da cláusula democrática do Mercosul podendo inclusive suspender o Estado faltoso Cabe ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul TPR no contexto das regras de solução de controvérsia analisar juridicamente a existência dos pressupostos para a implantação da cláusula democrática Essência da atuação desses entes Os Estados avaliam discricionariamente se houve ou não ruptura democrática O TPR avalia se a aplicação das sanções oriundas da ruptura do regime democrático foi bem realizada VI O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E OS DIREITOS HUMANOS 1 Os Tribunais precursores de Nuremberg a Ruanda A implementação direta do Direito Internacional Penal por tribunais internacionais remonta ao artigo 227 do Tratado de Versailles que previa um tribunal especial com juízes das potências vencedoras para julgar o Kaiser Guilherme da Alemanha vencida A pena seria determinada pelo próprio Tribunal A Holanda jamais extraditou o Kaiser que lá obtivera asilo após a Guerra e tal julgamento nunca ocorreu Contudo houve uma ruptura de paradigma no Direito Internacional até então o julgamento penal dos indivíduos era de atribuição exclusiva dos Estados A responsabilidade internacional penal do indivíduo despontava Em 1937 a Liga das Nações elaborou convenção sobre a prevenção e repressão do terrorismo que contemplava a criação de um Tribunal Penal Internacional porém com apenas uma ratificação o tratado nunca entrou em vigor Esse tratado foi feito em reação ao terrorismo após os assassinatos do Ministro das Relações Exteriores da França Louis Barthou e do Rei da Iugoslávia Alexandre I em Marseille por terroristas croatas em 1934 Em 1945 finalmente um tribunal internacional penal foi criado Pelo Acordo celebrado em Londres em 8 de agosto de 1945 foi estabelecido o Tribunal Internacional Militar tendo como partes originais o Reino Unido Estados Unidos União Soviética e França bem como 19 Estados aderentes Seu Anexo 2 continha o Estatuto do Tribunal Internacional Militar TIM que possuía sede em Berlim realizando os julgamentos em Nuremberg por isso passou para a história como Tribunal de Nuremberg Cada Estado celebrante indicou um nome para compor o colegiado de juízes sem possibilidade para a defesa arguir impedimento ou suspeição bem como uma parte acusadora cada Estado celebrante indicou um nome e defesa No julgamento principal e que deu notoriedade ao Tribunal os acusados foram 24 personalidades do regime nazista bem como organizações criminosas SS Gestapo Partido Nazista EstadoMaior das Forças Armadas e SA único caso de tribunal internacional que julgou pessoas jurídicas O libelo acusatório contou com quatro crimes conspiracy figura do direito anglosaxão sem correspondência exata no direito brasileiro mas que por aproximação se enquadraria na figura da reunião de agentes voltada para a prática de crime crimes contra a paz punição da guerra de agressão e conquista crimes contra as leis e os costumes da guerra crimes contra a humanidade desde que conexos com os demais war nexum Após três meses com dezenas de oitivas e amplo material documental as sentenças foram prolatadas entre 30 de setembro e 1º de outubro de 1946 com várias condenações à morte enforcamento O fundamento da jurisdição do TIM apesar das controvérsias é fruto do direito internacional consuetudinário de punição àqueles que cometeram crimes contra os valores essenciais da comunidade internacional Discutese obviamente a falta de tipificação clara de determinadas condutas e ainda a natureza ex post facto do tribunal Em 1947 a Comissão de Direito Internacional da ONU foi incumbida de codificar os princípios utilizados em Nuremberg para consolidar o avanço do Direito Internacional Penal Em 1950 a Comissão aprovou os seguintes sete princípios também chamados de princípios de Nuremberg 1º todo aquele que comete ato que consiste em crime internacional é passível de punição 2º lei nacional que não considera o ato crime é irrelevante 3º as imunidades locais são irrelevantes 4º a obediência às ordens superiores não são eximentes 5º todos os acusados têm direito ao devido processo legal 6º são crimes internacionais os julgados em Nuremberg 7º conluio para cometer tais atos é crime O segundo Tribunal internacional da história do século XX foi o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente com sede em Tóquio criado em 1946 por ato unilateral dos Estados Unidos potência ocupante por intermédio do Chefe da Ocupação General MacArthur que editou suas regras de funcionamento MacArthur nomeou 11 juízes nacionais dos Aliados e os componentes da Promotoria Coube ainda à potência ocupante EUA determinar a lista de acusados e a imunidade ao Imperador Hiroíto e sua família Julgou componentes do núcleo militar e civil do governo japonês por crimes contra a paz crimes de guerra e crimes contra a humanidade sendo exigida conexão com os crimes contra a paz Determinou sete penas de morte por enforcamento realizadas em 1948 bem como diversas penas de caráter perpétuo No bojo da Guerra Fria e com o Japão como aliado contra os soviéticos houve concessão de liberdade condicional aos presos a partir de 1952 por ordem do Presidente Truman Estados Unidos Em comparação o último preso do julgamento de Nuremberg Rudolf Hess condenado a prisão perpétua em 1946 morreu na prisão de Spandau Alemanha em 1987 A mesma guerra fria impediu que novos tribunais internacionais fossem estabelecidos a Convenção para a Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio 1948 previu a instalação de um tribunal internacional para julgar esse crime artigo VII mas não houve continuidade No seio das Nações Unidas o projeto pelo estabelecimento de um código de crimes internacionais e de um tribunal internacional penal na Comissão de Direito Internacional ficou décadas desde os anos 50 sem conseguir o consenso dos Estados Foi necessário esperar o fim da Guerra Fria com a queda do Muro de Berlim e o desmantelamento do comunismo soviético 19891990 para que o Conselho de Segurança CS da ONU determinasse a criação de dois tribunais internacionais penais ad hoc e temporários Foi criado pela Resolução n 827 do Conselho de Segurança de 1993 o Tribunal Penal Internacional para os crimes contra o Direito Humanitário cometidos na exIugoslávia com o objetivo de processar os responsáveis pelas sérias violações ao direito internacional humanitário cometidas no território da antiga Iugoslávia desde 1991 O Estatuto do Tribunal Internacional Penal para a exIugoslávia TPII com sede em Haia fixou sua competência para julgar quatro categorias de crimes a saber graves violações às Convenções de Genebra de 1949 violações às leis e costumes da guerra crimes contra a humanidade e genocídio Em 1994 com a Resolução n 955 o Conselho de Segurança CS determinou a criação de um segundo tribunal internacional penal ad hoc com o objetivo de julgar as graves violações de direitos humanos em especial genocídio ocorridas em Ruanda e países vizinhos durante o ano de 1994 Tribunal Penal Internacional para os crimes ocorridos em Ruanda TPIR Os dois tribunais têm estruturas vinculadas pois o Procurador do TPII também atua como órgão acusatório no TPIR os juízes que compõem a Câmara de Apelação do TPII são também do órgão de apelação do TPIR que possui sede em Arusha Tanzânia Esses tribunais são importantes porque codificaram os elementos de crimes internacionais como genocídio crime contra a humanidade e crimes de guerra associados ao devido processo legal com direitos da defesa Também adotaram o princípio da primazia da jurisdição internacional em detrimento da jurisdição nacional dado o momento de desconfiança contra as instituições locais da exIugoslávia e de Ruanda Assim ficou determinado que cada um desses tribunais teria primazia sobre as jurisdições nacionais podendo em qualquer fase do processo exigir oficialmente às jurisdições nacionais que abdicassem de exercer jurisdição em favor da Corte internacional A pena máxima é a pena de caráter perpétuo que inclusive já foi fixada em ambos os Tribunais nesses anos de funcionamento Com os dois tribunais ad hoc aceleraramse os esforços das Nações Unidas para a constituição de um Tribunal Internacional Penal permanente para julgar os indivíduos acusados de cometer crimes de jus cogens posteriores à data de instalação do tribunal evitandose o estigma do tribunal ad hoc e as críticas aos tribunais de exceção sob o pálio do devido processo legal como veremos abaixo 2 O Estatuto de Roma Após anos de negociação no seio das Nações Unidas em 1998 durante Conferência Intergovernamental em Roma Itália foi adotado o texto do tratado internacional que cria o Tribunal Penal Internacional TPI também chamado de Estatuto de Roma Esse marco no Direito Internacional dos Direitos Humanos ocorreu justamente no ano da comemoração do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos 19481998 O texto do Estatuto foi adotado em Roma por 120 votos a favor 7 votos contrários Estados Unidos China Índia Líbia Iêmen Israel e Catar e 21 abstenções Havia expectativa pessimista sobre a entrada em vigor do tratado pois não cabia reservas art 120 impedindo exclusões ou modificações de dispositivos mais polêmicos e exigiuse o número mínimo de 60 ratificações para tanto art 126 Em 2002 contudo o número foi atingido e atualmente 122 Estados são partes do Tribunal Penal Internacional dados de 2019 Até hoje notamse ausências expressivas como as da China Estados Unidos Israel Irã e Rússia O Estatuto de Roma foi aberto à assinatura dos Estados em 17 de julho de 1998 e entrou em vigor internacional em 1º de julho de 2002 No Brasil foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n 112 de 6 de junho de 2002 e entrou em vigor em 1º de setembro de 2002 Finalmente foi promulgado pelo Decreto n 4388 de 25 de setembro de 2002 É composto de um preâmbulo e treze capítulos com 128 artigos que englobam as regras referentes aos crimes à investigação e processo à cooperação e execução da pena bem como ao financiamento das atividades O preâmbulo do Estatuto de Roma realça o vínculo entre o direito penal e a proteção de direitos humanos por meio do combate à impunidade e consequentemente evitando novas violações No preâmbulo estabeleceuse que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais pois crimes de tal gravidade constituem uma ameaça à paz à segurança e ao bemestar da humanidade O Tribunal tem personalidade jurídica internacional com sede em Haia Holanda possuindo igualmente capacidade jurídica necessária ao desempenho das suas funções e cumprimento dos seus objetivos É um tribunal independente da ONU diferente dos tribunais ad hoc da exIugoslávia e Ruanda criados pelo Conselho de Segurança da ONU com personalidade jurídica própria mas que em face de seus objetivos possui uma relação de cooperação com essa organização enviando i relatos anuais à Assembleia Geral e ainda sendo ii obediente a determinadas ordens do Conselho de Segurança quanto ao início de um caso e suspensão de trâmite vide abaixo O Tribunal é composto de quatro órgãos a saber Presidência Divisão Judicial Procuradoria Ministério Público e Secretariado Registry São 18 juízes que compõem o tribunal eleitos pelos Estados Partes para um mandato de nove anos não podem ser reeleitos A escolha deve recair sobre pessoas de elevada idoneidade moral imparcialidade e integridade que reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus respectivos países No caso do Brasil serão exigidos dos candidatos os requisitos para a nomeação ao posto de Ministro do Supremo Tribunal Federal ou seja notório saber jurídico reputação ilibada e com mais de 35 anos e menos de 65 anos Além disso o Estatuto prevê que os juízes devem ser eleitos de modo a preencher isonomicamente duas categorias a primeira categoria lista A é composta por pessoas com experiência em Direito Penal e Processo Penal a segunda categoria lista B é composta por pessoas com competência em matérias relevantes de Direito Internacional tais como o direito internacional humanitário e os direitos humanos Na seleção dos juízes os Estados Partes devem ponderar a necessidade de assegurar que a composição do Tribunal inclua representação dos principais sistemas jurídicos do mundo uma representação geográfica equitativa e uma representação justa de juízes do sexo feminino e do sexo masculino No caso brasileiro o Brasil indicou em 2002 Sylvia Steiner exProcuradora da República Ministério Público Federal e exDesembargadora Federal Tribunal Regional Federal da 3ª Região na vaga do quinto constitucional do Ministério Público eleita para a primeira composição do TPI Em 2014 o Brasil apresentou a candidatura do Professor de Direito Internacional Leonardo Nemer Caldeira Brandt UFMG que contudo não foi escolhido pela Assembleia dos Estados Partes Os juízes são divididos em três grandes Seções o Juízo de Instrução PreTrial Chamber o Juízo de Julgamento em 1ª Instância Trial Chamber e ainda o Juízo de Apelação Appeal Chamber O Ministério Público do TPI é capitaneado pelo Procurador que atua com independência funcional como órgão autônomo do Tribunal Cabe ao Procurador receber comunicações e qualquer outro tipo de informação devidamente fundamentada sobre crimes da competência do Tribunal a fim de os examinar e investigar e de exercer a ação penal junto ao Tribunal É eleito pela Assembleia dos Estados Partes para mandato de nove anos não renovável O primeiro Procurador eleito foi o argentino Luiz MorenoOcampo escolhido em 2003 A partir de 2012 foi escolhida a gambiana Fatu Bensouda para ser Procuradora do TPI Seu mandato vence em 15 de junho de 2021 3 A fixação da jurisdição do TPI A jurisdição do TPI de acordo com a matéria ratione materiae restringese aos crimes de jus cogens que consistem em crimes que ofendem valores da comunidade internacional Os crimes que compete ao TPI julgar são o genocídio os crimes contra a humanidade os crimes de guerra e o crime de agressão cujo tipo penal só foi acordado em 2010 na Conferência de Kampala Uganda Porém há a possibilidade de os Estados emendarem o Estatuto e ampliarem o rol desses crimes hoje restritos às quatro espécies permitindo que o TPI seja instrumento do incremento do número de crimes internacionais em sentido estrito No âmbito espacial a jurisdição do TPI só pode ser exercida em quatro hipóteses ou seja quando o crime de jus cogens sujeito à jurisdição do Tribunal for i cometido no território de um Estado Parte ii ou por um nacional do Estado Parte iii ou por meio de declaração específica do Estado não contratante caso o crime tiver ocorrido em seu território ou for cometido por seu nacional iv ou na ausência de quaisquer hipóteses anteriores ter o Conselho de Segurança adotado resolução vinculante adjudicando o caso ao Tribunal Penal Internacional Foi o Caso de Darfur Sudão o primeiro no qual o Conselho de Segurança determinou o início das investigações mesmo sem a ratificação pelo Sudão do Estatuto do TPI Em 2011 houve mais uma resolução vinculante do CS agora em relação aos crimes contra a humanidade realizados pelo ditador Kadafi para abafar revolta popular contra sua longeva tirania 19692011 No âmbito temporal a jurisdição do TPI só pode ser invocada para os crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto ou seja após 1º de julho de 2002 4 O princípio da complementaridade e o regime jurídico imprescritível e sem imunidades O preâmbulo do Estatuto de Roma dispõe que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais Logo estabeleceuse mais um exemplo da subsidiariedade da jurisdição internacional tal qual ocorre com os tribunais internacionais de direitos humanos O princípio que espelha essa subsidiariedade é o princípio da complementaridade Por esse princípio o TPI não exercerá sua jurisdição caso o Estado com jurisdição já houver iniciado ou terminado investigação ou processo penal salvo se este não tiver capacidade ou vontade de realizar justiça Nesse ponto o próprio Estado Parte pode solicitar a intervenção do TPI ou ainda o próprio TPI pode iniciar as investigações e persecuções criminais Assim a jurisdição internacional penal é complementar à jurisdição nacional e só poderá ser acionada se o Estado não possuir vontade ou capacidade para realizar justiça e impedir a impunidade Além disso o caso é também inadmissível se a pessoa em causa já tiver sido julgada nacionalmente pela conduta a que se refere a denúncia salvo se o julgamento doméstico tenha sido um simulacro para obter a impunidade e finalmente se o caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal A fim de determinar se há ou não vontade ou capacidade de um Estado em agir em um determinado caso o Tribunal tendo em consideração as garantias de um processo equitativo reconhecidas pelo Direito Internacional deve verificar a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias a intenção evidente do Estado de usar o processo nacional para subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal gerando impunidade b delonga injustificada no processo c condução tendenciosa e parcial ou seja incompatível com a intenção de fazer justiça d eventual colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça que assim não está em condições de realizar ou concluir o processo O art 20 3º do Estatuto chega ao ponto de esclarecer que o TPI não julgará de novo o criminoso salvo se o processo criminal nacional tiver sido feito para obtenção da impunidade Quem decide se o julgamento nacional mesmo que chancelado pela Suprema Corte local foi um simulacro para a obtenção da impunidade O próprio TPI Assim o princípio da complementaridade é complexo pois a um primeiro olhar evita conflito com as jurisdições locais ao remeter a jurisdição do TPI a um papel secundário complementar bem diferente do princípio da primazia assumido pelos tribunais ad hoc penais para a exIugoslávia e Ruanda Porém em um olhar mais atento cabe ao próprio TPI definir se a jurisdição nacional agiu a contento podendo inclusive desconsiderar a coisa julgada local que na sua visão serviu para camuflar a impunidade o que implica manter sempre nas mãos internacionais o poder de instaurar ou não os processos contra esses criminosos no TPI Quanto ao regime jurídico dos crimes sujeitos à jurisdição do TPI cabe notar que i Os crimes são imprescritíveis art 29 ii Nenhuma imunidade é admitida art 27 Não é imunidade a regra prevista no art 98 do Estatuto pelo qual um Estado Parte no TPI pode deixar de colaborar com o Tribunal e não entregar uma pessoa procurada caso tenha acordo nesse sentido da não entrega com outro país Se o TPI lograr cumprir o mandado de captura a pessoa não poderá alegar imunidade 5 Os crimes de jus cogens 51 GENOCÍDIO Como visto acima o genocídio é termo que foi cunhado por Lemkin em livro de 1944 ao se referir às técnicas nazistas de ocupação de território na Europa tendo se inspirado nas partículas genos raça tribo e cídio assassinato 298 A Convenção para Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio 1948 foi a primeira a tipificar o crime internacional de genocídio uma vez que o Tribunal de Nuremberg não o julgou O art 6º do Estatuto de Roma define o genocídio como sendo o ato ou atos cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso Assim exigese dolo específico de destruir no todo ou em parte O objeto tutelado é a própria existência do grupo que é constituído pelos quatro vínculos i O primeiro vínculo é o da nacionalidade que forma o grupo composto por pessoas que se reconhecem como membros de uma nação mesmo que na luta pela independência caso dos palestinos e curdos ii O segundo vínculo é o étnico que forma o grupo que compartilha uma identidade histórica e cultural iii O terceiro vínculo é o racial que aponta para grupo formado pela percepção social de traços fenotípicos distintivos Apesar da inexistência da distinção biológica entre humanos este item persiste como fenômeno social iv O quarto vínculo é o religioso que agrega os indivíduos unidos pela mesma fé espiritual Fica evidente a falta de menção da destruição de grupo político e ainda de grupo social por exemplo grupo determinado por sua orientação sexual que podem ser tipificados na categoria de crimes contra a humanidade ver abaixo Esses atos de destruição podem ser homicídios atentados graves à integridade física ou mental dos membros do grupo sujeição intencional do grupo a condições de vida voltadas a provocar a sua destruição física total ou parcial imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo e transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo A lista dos atos é meramente exemplificativa No Brasil o combate ao genocídio deuse pela ratificação da Convenção de 1948 e ainda pela edição da Lei n 2889 de 1956 O bem jurídico tutelado é transindividual a existência do grupo e as penas variam de acordo com o ato da prática do genocídio Em 2006 o STF reconheceu que a competência para julgar o crime de genocídio é da justiça federal do juiz monocrático salvo se os atos de destruição forem crimes dolosos contra a vida quando será do Tribunal do Júri federal Como o STF entende que há concurso formal entre o crime de genocídio e os atos também tipificados de sua realização homicídio lesão corporal etc no caso da prática de crime doloso contra a vida para praticar genocídio o julgamento cabe a Tribunal do Júri federal RE 351487 rel Min Cezar Peluso j 382006 Plenário DJ de 1011 2006 52 CRIMES CONTRA A HUMANIDADE Os crimes contra a humanidade foram introduzidos no Direito Internacional pelo Estatuto de Londres de 1945 que criou o conhecido Tribunal de Nuremberg ver acima item 1 Foi o art 6º c do Estatuto do Tribunal que definiu serem crimes contra a humanidade o assassinato o extermínio a escravização deportação e outros atos inumanos cometidos contra a população civil antes da guerra ou durante esta a perseguição de natureza política racial ou religiosa na execução daqueles crimes que sejam de competência do Tribunal ou em conexão com eles constituam ou não uma violação do direito interno do país do cometimento do crime Foi feita a menção a antes e durante a guerra e ainda à conexão com os crimes julgados pelo Tribunal crimes contra a paz e crimes de guerra Logo os abusos bárbaros nazistas anteriores a 1939 ano do início da guerra não foram apreciados em Nuremberg A evolução do conceito de crime contra a humanidade fez com que esse vínculo conhecido pela expressão em inglês war nexus com a situação de guerra fosse eliminado A prática dos Estados reconheceu a existência de crimes contra a humanidade praticados internamente por agentes de ditaduras militares sem situação de guerra 299 O Estatuto de Roma confirmou essa autonomia do crime contra a humanidade em seu art 7º que define ser o crime contra a humanidade um determinado ato de violação grave de direitos humanos realizado em um quadro de ataque generalizado ou sistemático contra a população civil havendo conhecimento desse ataque Buscase então punir aqueles que em regimes ditatoriais ou totalitários usam a máquina do Estado ou de uma organização privada para promover violações graves de direitos humanos em uma situação de banalização de ataques a população civil São vários os atos de violação grave de direitos humanos que foram mencionados como exemplos de crime contra a humanidade no Estatuto de Roma a saber i atos de violação do direito à vida por meio do homicídio e do extermínio ii a escravidão deportação ou transferência forçada de população prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave em violação das normas fundamentais de direito internacional iii tortura iv crimes sexuais e agressão sexual escravatura sexual prostituição forçada gravidez forçada esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável v perseguição de um grupo ou coletividade por motivos políticos raciais nacionais étnicos culturais religiosos ou de gênero ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional é o caso da perseguição aos homossexuais vi desaparecimento forçado de pessoas e crime de apartheid vii uma cláusula aberta que permite que sejam um crime contra a humanidade quaisquer atos desumanos de caráter semelhante que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental Não é necessário que ocorra uma série de atos para que se caracterize o crime contra a humanidade basta que exista essa política ou cenário de ataque sistemático à população civil para que uma única conduta seja considerada um crime contra a humanidade Tribunal Internacional Penal para a ExIugoslávia Caso Tadic julgamento de 751997 53 CRIMES DE GUERRA Os crimes de guerra consistem em violações graves do Direito Internacional Humanitário que compreende os tratados e os costumes sobre os meios ou condutas na guerra Nessa linha o art 8º do Estatuto de Roma apontou ser crime de guerra uma violação grave das Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 bem como outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional A lista de atos é meramente exemplificativa seguindo a lógica anterior aplicada no crime de genocídio e nos crimes contra a humanidade Em síntese o Direito Internacional Humanitário proíbe os meios ou instrumentos de guerra que não sejam estritamente necessários para superar o oponente bem como veda a conduta que não seja proporcional e dirigida ao combatente adversário 54 CRIME DE AGRESSÃO O crime de agressão foi apenas previsto no Estatuto de Roma em 1998 com sua implementação condicionada à aprovação do seu conteúdo final em uma conferência intergovernamental de revisão art 5º 2º do Estatuto Em junho de 2010 foi realizada em Kampala Uganda a primeira Conferência de Revisão do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional A Conferência ocorreu em virtude do disposto no art 123 1º do Estatuto de Roma que previu sete anos após a entrada em vigor do Estatuto uma Conferência de Revisão para examinar qualquer alteração ao Estatuto A revisão deveria incidir especialmente mas não exclusivamente sobre a lista de crimes que figura no art 5º Na Conferência de Revisão foi aprovada a Resolução n 6 de 11 de junho de 2010 que definiu o crime de agressão como sendo o planejamento início ou execução por uma pessoa em posição de efetivo controle ou direção da ação política ou militar de um Estado de um ato de agressão que por suas características gravidade e escala constitua uma violação manifesta da Carta das Nações Unidas Essa definição foi adotada por consenso seguindo a linha da Resolução n 3314 da Assembleia Geral da ONU de 1974 A entrada em vigor dessa alteração será lenta Em primeiro lugar o crime de agressão só será plenamente ativo no Estatuto a partir de 2017 por decisão de dois terços dos Estados Partes Adicionalmente o TPI só poderá adjudicar esses casos em relação a crimes de agressão ocorridos um ano após a ratificação da emenda por trinta Estados Partes Em 26 de junho de 2016 finalmente este número foi atingido após a ratificação da Palestina em setembro de 2016 já eram 32 Estados Assim a partir de 1º de janeiro de 2017 os Estados Partes podem decidir em ativar a jurisdição do TPI para os crimes de agressão por maioria de dois terços Também pode determinado Estado declarar que não aceita a jurisdição do TPI por crime de agressão art 15 bis do Estatuto conforme as emendas de Kampala em 2016 dada a futura ativação da jurisdição por crime de agressão Quênia foi o primeiro Estado a depositar essa declaração de não aceitação opt out Respeitando o lapso de um ano depois da 30ª ratificação ocorrida em 26 de junho de 2016 a jurisdição do TPI para o crime de agressão foi ativada em 17 de julho de 2018 data do 20º aniversário do Estatuto de Roma após intensa negociação entre os Estados Partes ocorrida em dezembro de 2017 Assim em síntese a persecução do crime de agressão perante o TPI pode ser feita a Pela adjudicação da situação pelo Conselho de Segurança ou b Pela provocação por Estado Parte ao Procurador do TPI ou ainda por iniciativa própria do Procurador motu proprio caso os Estados envolvidos na agressão sejam i partes do Estatuto de Roma ii sendo que um deles deve ter ratificado a Emenda de Kampala e ainda iii o Estado agressor não tenha aderido à cláusula de exclusão da jurisdição da Corte sobre o crime de agressão opt out Até setembro de 2019 o Brasil ainda não havia ratificado a Emenda de Kampala A mecânica da ação criminal contra os líderes agressores levará em conta ainda a missão do Conselho de Segurança CS da ONU na preservação da paz O Procurador deverá acionar o CS que pode concordar com a existência de um cenário de agressão essa conclusão política não vinculará o Tribunal no julgamento de cada indivíduo acusado Caso o Conselho não determine a existência de agressão em seis meses o Procurador poderá conduzir as investigações com autorização do Juízo de Instrução PreTrial Chamber do TPI Claro que o CS pode usar seu poder geral de suspender o processo invocando o art 16 do Estatuto que permite suspensão dos procedimentos do TPI por 12 meses renováveis indefinidamente por decisão do próprio CS 6 O trâmite Dentro dos limites da jurisdição do Tribunal limites materiais espaciais e temporais o início da investigação pode ocorrer por 1 iniciativa motu proprio do Procurador desde 2012 a Procuradora é Fatu Bensouda primeira mulher a ocupar esse posto 2 por remessa de um Estado Parte ou por declaração específica de Estado não Parte e finalmente 3 por decisão do Conselho de Segurança que atingirá inclusive os crimes ocorridos em Estados não contratantes Em 1º de janeiro de 2015 o Estado da Palestina depositou declaração específica na linha do item 2 acima Estado não parte reconhecendo a jurisdição do TPI para supostos crimes de guerra cometidos nos territórios palestinos ocupados por Israel incluindo Jerusalém Oriental desde 13 de junho de 2014 Em 2 de janeiro de 2015 o Estado da Palestina aderiu ao Estatuto de Roma tornandose Estado Parte O Gabinete do Procurador abriu em 2015 investigação preliminar sobre a situação na Palestina A remessa da informação pelo Estado não vincula o Procurador Caso entenda procedente essa notícia do Estado Parte e ainda nos casos de investigação aberta motu proprio o Procurador deverá notificar todos os Estados Partes e os Estados que de acordo com a informação disponível teriam jurisdição sobre esses crimes Essa notificação pode ser feita confidencialmente e sempre que seja necessário para proteger pessoas impedir a destruição de provas ou a fuga poderá ser limitada No prazo de um mês após a recepção da referida notificação qualquer Estado poderá informar o Tribunal de que está procedendo ou já procedeu a um inquérito sobre nacionais seus ou outras pessoas sob a sua jurisdição A pedido desse Estado o Procurador transferirá o inquérito sobre essas pessoas a menos que a pedido do Procurador o TPI por meio de sua PreTrial Chamber ou Juízo de Instrução decida autorizar o inquérito A transferência do inquérito poderá ser reexaminada pelo Procurador seis meses após a data em que tiver sido decidida ou a todo o momento quando tenha ocorrido uma alteração significativa de circunstâncias decorrente da falta de vontade ou da incapacidade efetiva do Estado de levar a cabo o inquérito No caso da abertura de investigação ex officio o Procurador deve inicialmente pedir autorização ao Juízo de Instrução Se após examinar o pedido e a documentação que o acompanha o Juízo de Instrução considerar que há fundamento suficiente para abrir um Inquérito e que o caso parece caber na jurisdição do Tribunal autorizará a abertura do inquérito sem prejuízo das decisões que o Tribunal vier a tomar posteriormente em matéria de competência e de admissibilidade Se depois da análise preliminar o Procurador concluir que a informação apresentada não constitui fundamento suficiente para um inquérito o Procurador informará quem a tiver apresentado de tal entendimento Tal não impede que o Procurador examine à luz de novos fatos ou provas qualquer outra informação que lhe venha a ser comunicada sobre o mesmo caso Já no caso da investigação ser determinada por resolução do Conselho de Segurança por exemplo nos casos de Darfur e da Líbia o Procurador é obrigado a iniciar as investigações As regras de direito processual constam das Partes V e VI do Estatuto e determinam o modo de investigação e processamento dos acusados perante a Corte Os direitos das pessoas investigadas foram mencionados no art 55 do Estatuto bem como o conteúdo e limites da atividade de investigação do promotor Ainda em relação à atividade préprocessual o Estatuto do Tribunal estipula as regras relativas à prisão processual e os direitos do preso Quanto ao processamento propriamente dito do feito criminal o Estatuto do Tribunal dispõe sobre o juiz natural os direitos do acusado no processo afirmando em especial a sua presunção de inocência art 66 e também sobre a coleta de provas com dispositivos específicos para a oitiva de testemunhas e das vítimas art 68 As regras relativas ao direito ao duplo grau de jurisdição encontramse mencionadas na Parte VII do Estatuto determinandose as regras de processamento da apelação e da revisão criminal Em linhas gerais a sentença é recorrível fundada em vício processual erro de fato erro de direito ou qualquer outro motivo suscetível de afetar a equidade ou a regularidade do processo ou da sentença esse só em benefício do condenado O Procurador ou o condenado poderão em conformidade com o Regulamento Processual interpor recurso da pena invocando a desproporcionalidade da pena Foi criado um Fundo de Reparação em benefício das vítimas De acordo com o art 79 do Estatuto a Corte pode determinar que os valores e os bens recebidos a título de multa sejam transferidos a tal Fundo para posterior reparação às vítimas Até hoje foi autorizada pelo TPI a abertura de investigação em 11 situações Burundi Uganda República do Congo República CentroAfricana duas situações a última em setembro de 2014 Darfur Sudão Quênia Líbia Mali Costa do Marfim e Geórgia Desses casos cinco foram remetidos pelos Estados Partes Uganda Congo Mali e República Centro Africana 2 dois pelo Conselho de Segurança Darfur e Líbia e quatro foram iniciados ex officio pelo Procurador Burundi Georgia Quênia e Costa do Marfim Atualmente dados de 2019 são 27 casos referentes às onze situações vistas acima com 43 pessoas indiciadas todas de países africanos surgindo a crítica do foco excessivamente em situações na África pelo Tribunal O primeiro julgamento ocorreu em 2012 com a condenação de Thomas Lubanga Dyilo situação da República Democrática do Congo por crime de guerra alistamento forçado de crianças child soldier a 14 anos de prisão Em 2014 houve a segunda condenação de Germain Katanga por cumplicidade em crimes contra a humanidade no chamado massacre de Bogoro Congo no qual cerca de 200 pessoas foram assassinadas com estupros de mulheres e submissão de crianças a alistamento forçado Katanga foi condenado a 12 anos de prisão tendo sido absolvido da prática dos estupros e alistamento forçado de crianças Em 2016 houve a terceira condenação de JeanPierre Bemba Gombo Procurador v Jean Pierre Bemba Gombo condenado por dois crimes contra a humanidade homicídio e estupro e três crimes de guerra homicídio estupro e pilhagem no contexto do conflito armado não internacional da República CentroAfricana entre 2002 e 2003 quando estava no comando do Movimento de Libertação do Congo Foi condenado em 21 de junho de 2016 a 18 anos de prisão Em 20 de outubro de 2016 houve nova condenação no contexto do Caso Bemba Gombo agora no caso Procurador v JeanPierre Bemba Gombo Aimé Kilolo Musamba Jean Jacques Mangenda Kabongo Fidèle Babala Wandu e Narcisse Arido O TPI condenou os cinco acusados por crimes contra a administração da justiça no curso do Caso Bemba Gombo quando agiram para corromper 14 testemunhas de defesa a apresentar falsos testemunhos no TPI Em 27 de setembro de 2016 o TPI condenou Ahmad Al Faqi Al Mahdi que havia se declarado culpado por crime de guerra consistente na sua participação nos ataques a prédios históricos e religiosos em Timbuktu Mali durante o conflito armado não internacional naquele país em 2012 Al Mahdi teria concordado e incentivado a destruição de nove mausoléus do século XIV tendo sido condenado a nove anos de prisão Foram levadas em consideração circunstâncias atenuantes em especial a confissão cooperação do acusado com a Procuradoria reconhecido remorso e sua relutância inicial em cometer os crimes Foi a primeira vez que o TPI condenou indivíduo por crime de guerra na espécie ataque a bens protegidos art 8º2 e iv Atacar intencionalmente edifícios consagrados ao culto religioso à educação às artes às ciências ou à beneficência monumentos históricos hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos sempre que não se trate de objetivos militares Ainda o Gabinete da Procuradora conduz investigações preliminares para verificar se é caso ou não de requerer investigação plena ao TPI de crimes ocorridos no território do Afeganistão Colômbia Gabão Guiné IraqueReino Unido Nigéria Palestina Filipinas Comores Grécia Cambodja Venezuela e Ucrânia Com essas investigações preliminares em variados continentes a Procuradoria do TPI busca evitar a estigmatização de até agora só ter acionado o Tribunal em casos ocorridos no continente africano Em setembro de 2016 o Gabinete da Procuradora do TPI divulgou sua política de seleção e priorização dos casos a serem eventualmente investigados e processados Chamou a atenção na linha do julgamento Mahdi visto acima a inclusão como critério de gravidade o impacto da conduta criminosa sobre o meio ambiente 300 7 Penas e ordens de prisão processual Não há previsão de intervalo específico de pena por tipo de crime o Tribunal pode impor à pessoa condenada pena de prisão por um número determinado de anos até o limite máximo de 30 anos ou ainda a pena de prisão perpétua se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem Além da pena de prisão o Tribunal poderá aplicar multa e ainda a perda de produtos bens e haveres provenientes direta ou indiretamente do crime sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boafé As penas podem passar por revisão a favor do sentenciado após 23 do seu cumprimento Nas penas de caráter perpétuo poderá existir revisão após 25 anos de cumprimento Também pode o Tribunal impor medidas de detenção preventiva solicitando que os Estados cumpram o pedido de entrega surrender Para efetivar suas ordens de prisão o TPI conta com 12 celas nas instalações holandesas de Scheveningen 8 O TPI e o Brasil O Brasil apesar de ter votado a favor da aprovação do texto do Estatuto do Tribunal Penal Internacional na Conferência de Roma de 1998 manifestou por meio de declaração de voto sua preocupação com o fato de a Constituição brasileira proibir a extradição de nacionais e também proibir penas de caráter perpétuo que foram aceitas pelo Estatuto Apesar dessa preocupação o Brasil assinou o Estatuto de Roma em 7 de dezembro de 2000 O Congresso Nacional à luz do art 49 I da Constituição aprovou o texto do futuro tratado pelo Decreto Legislativo n 112 de 6 de junho de 2002 vindo o Brasil a depositar o ato de ratificação em 20 de junho de 2002 O ato final do ciclo de incorporação interna deuse com o Decreto n 4388 de 25 de setembro de 2002 Para suprir eventuais lacunas do ordenamento jurídico nacional e levando em consideração o art 88 do Estatuto de Roma o Presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional por meio da Mensagem n 700 de 17 de setembro de 2008 projeto de lei que recebeu o n 46382008 que dispõe sobre o crime de genocídio define os crimes contra a humanidade os crimes de guerra e o crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal Internacional institui normas processuais específicas dispõe sobre a cooperação com o Tribunal Penal Internacional e dá outras providências Além de tipificar vários crimes na linha do estabelecido pelo Estatuto de Roma o projeto também busca cumprir os deveres impostos ao Brasil em relação aos atos de cooperação com o Tribunal Penal Internacional Esses atos de cooperação foram divididos por este autor em três espécies os atos de entrega de pessoas à jurisdição do Tribunal os atos instrutórios diversos e por último os atos de execução das penas Em 2004 em um claro movimento para abafar as críticas referentes a eventuais inconstitucionalidades do Estatuto de Roma a Emenda Constitucional n 452004 introduziu o novo 4º do art 5º que dispõe que O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão Veremos abaixo as pretensas inconstitucionalidades por ofensa a cláusula pétrea direitos e garantias individuais art 60 4º IV da CF88 com a superação defendida pela maior parte da doutrina i Entrega de brasileiro nato Crítica a Constituição de 1988 impede que brasileiro nato seja extraditado e o brasileiro naturalizado só pode ser extraditado em duas hipóteses comprovado envolvimento com tráfico de entorpecentes ou crime anterior à naturalização Logo o Estatuto de Roma seria inconstitucional Superação o Estatuto de Roma expressamente prevê o dever do Estado de entrega surrender das pessoas acusadas cujo julgamento foi considerado admissível pela Corte O art 102 do Estatuto expressamente diferencia a extradição do ato de entrega A extradição é termo reservado ao ato de cooperação jurídica internacional penal entre Estados soberanos Já o surrender é utilizado no caso específico de cumprimento de ordem de organização internacional de proteção de direitos humanos como é o caso do Tribunal Penal Internacional Logo não haveria óbice constitucional ao cumprimento de ordem de detenção e entrega de acusado brasileiro ao Tribunal já que a Constituição brasileira só proíbe a extradição de nacionais Como o brasileiro não estaria sendo remetido a outro Estado mas sim a uma organização internacional o Tribunal Penal Internacional que representa a comunidade dos Estados não haveria impedimento algum ii A coisa julgada pro reo Crítica o princípio da complementaridade não impede que o Tribunal Penal Internacional decida pela prevalência da jurisdição do Tribunal mesmo que já exista coisa julgada absolutória nacional caso o TPI entenda que essa absolvição foi forjada ou inapropriada podendo julgar o indivíduo de novo Porém o princípio do non bis in idem tem base constitucional art 5º XXXVI podendo mesmo o acusado quando processado no Brasil pela segunda vez em relação ao mesmo fato utilizar o recurso da exceção de coisa julgada de acordo com o art 95 V do CPP Assim entregar determinada pessoa para ser julgada pelo TPI após ter sido absolvida internamente pelo mesmo fato seria inconstitucional Superação o Direito Internacional não admite que com base em leis locais e em processos locais muitas vezes utilizados para dar um bill de imunidade aos acusados de atrocidades haja a arguição da coisa julgada Em face desses crimes internacionais os Estados têm o dever de julgar ou entregar ao Tribunal Penal Internacional Caso apenas simulem um julgamento obviamente tal dever não foi cumprido a contento podendo o Tribunal Penal Internacional ordenar a entrega do acusado para novo julgamento desta vez sério e perante o Direito Internacional No limite não há desobediência ao princípio tradicional do Direito Penal do non bis in idem De fato a qualidade de coisa julgada da sentença penal local foi obtida para a obtenção da impunidade em típico caso de simulação com fraude à lei Esse vício insanável torna inoperante o seu efeito de imutabilidade do comando legal e permite o processo internacional Por fim não há identidade dos elementos da ação entre a causa nacional e a causa internacional De fato o pedido e a causa de pedir no plano internacional são amparados em normas internacionais o que não ocorre com a causa doméstica iii Imunidades materiais e formais previstas na Constituição de 1988 Crítica o Estatuto de Roma não reconhece qualquer imunidade art 27 Porém a Constituição estabelece imunidades formais e materiais por exemplo aos congressistas Superação não são aplicáveis os dispositivos internos que tratam das imunidades materiais e formais de determinadas autoridades públicas A Constituição que estabeleceu tais imunidades não pode ser interpretada em tiras Devemos então conciliar a existência de tais imunidades com a aceitação da jurisdição internacional penal o que pode ser feito pela simples separação as imunidades constitucionais são aplicadas nacionalmente tão somente Por isso é compatível com a Constituição a negação das imunidades pelo Estatuto de Roma iv Imprescritibilidade Crítica O Estatuto de Roma estipula em seu art 29 que os crimes da competência do Tribunal não prescrevem Já a CF88 estabelece inicialmente que são imprescritíveis i a prática do racismo e ii a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático respectivamente incisos XLII e XLIV do art 5º Assim a generalização da imprescritibilidade feita pelo Estatuto de Roma seria inconstitucional Superação A CF88 não estabeleceu a vedação expressa da imprescritibilidade criminal mas tão somente impôs a imprescritibilidade para pelo menos dois tipos de ação delituosa a prática do racismo e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático Assim até mesmo por lei ordinária podem ser criadas novas hipóteses de imprescritibilidade na seara penal No Supremo Tribunal Federal há precedente nesse sentido a favor da criação de novas hipóteses de imprescritibilidade criminal por mera lei ordinária no qual o relator Min Sepúlveda Pertence assinalou que a CF se limita no art 5º XLII e XLIV a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição sem proibir em tese que a legislação ordinária criasse outras hipóteses STF RE 460971RS rel Min Sepúlveda Pertence j 1322007 Primeira Turma DJ de 3032007 Com isso pode obviamente um tratado internacional que trata de proteger direitos humanos de hierarquia interna supralegal na visão majoritária do STF ver abaixo impor a imprescritibilidade para tais graves condutas v Pena de caráter perpétuo Crítica A CF88 veda expressamente a imposição de pena de caráter perpétuo art 5º XLVII b Logo o Estatuto de Roma seria inconstitucional neste aspecto Nessa linha a Lei n 134452017 Lei de Migração impõe como condição para o deferimento do pedido de extradição que o Estado requerente assuma o compromisso de comutar a pena de morte perpétua ou corporal em pena privativa de liberdade respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 anos art 96 III Superação Esse dispositivo da Lei de Migração seguiu a jurisprudência do STF que após a Extradição n 855 Caso Norambuena exige que seja comutada a pena de prisão perpétua em pena privativa de liberdade não superior a trinta anos No caso da entrega para o Tribunal Penal Internacional essa exigência não poderia ser imposta por dois motivos em primeiro lugar porque há hipótese de revisão da pena após vinte e cinco anos de cumprimento Em segundo lugar fica claro que a vedação da extradição nestes termos foi oriunda da construção do STF para impedir que a cooperação entre Estados pudesse se realizar fora de determinados padrões de respeito a direitos humanos no caso pena excessiva Mas o TPI é justamente um tribunal que visa proteger os direitos humanos pela punição daqueles que violaram valores essenciais da comunidade internacional Os direitos humanos na visão dos Tribunais Internacionais como a Corte Europeia e a Corte Interamericana de Direitos Humanos exigem a atuação penal para concretizar o direito à justiça e verdade bem como para assegurar a não repetição das condutas Logo não há sentido em aplicar a construção jurisprudencial de restrição à pena de caráter perpétuo na extradição à entrega que é utilizada para a cooperação com um tribunal TPI de natureza vinculada à proteção de direitos humanos QUADRO SINÓTICO As normas do Estatuto do Tribunal Penal Internacional em face da Constituição de 1988 Estatuto do Tribunal Penal Internacional TPI Estatuto do TPI ou Estatuto de Roma foi adotado em 1998 durante Conferência Intergovernamental em Roma Itália por 120 votos a favor 7 votos contrários Estados Unidos China Índia Líbia Iêmen Israel e Catar e 21 abstenções entrou em vigor em 2002 possui 128 artigos com normas materiais e processuais penais referentes aos chamados crimes de jus cogens que são o genocídio os crimes contra a humanidade os crimes de guerra e o crime de agressão cujo tipo penal só foi acordado em 2010 na Conferência de Kampala Uganda Tribunal Penal Internacional tem personalidade jurídica internacional e capacidade jurídica necessária ao desempenho das suas funções e cumprimento dos seus objetivos tem sede em Haia Holanda é tribunal independente da ONU embora possua uma relação de cooperação com esta organização é composto de quatro órgãos Presidência Divisão Judicial Procuradoria Ministério Público e Secretariado Registry dezoito juízes compõem o tribunal eleitos pelos Estados Partes para um mandato de nove anos não podem ser reeleitos seleção dos juízes devem ser escolhidos entre pessoas de elevada idoneidade moral imparcialidade e integridade que reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus respectivos países no caso do Brasil são os requisitos exigidos para a nomeação ao posto de Ministro do STF notório saber jurídico reputação ilibada e com mais de 35 anos e menos de 65 anos os Estados Partes devem ponderar ainda a necessidade de assegurar que a composição do Tribunal inclua representação dos principais sistemas jurídicos do mundo uma representação geográfica equitativa e uma representação justa de juízes do sexo feminino e do sexo masculino juízes são divididos em três grandes Seções Juízo de Instrução PreTrial Chamber Juízo de Julgamento em 1ª Instância Trial Chamber e Juízo de Apelação Appeal Chamber Ministério Público do TPI capitaneado pelo Procurador que atua com independência funcional como órgão autônomo do TPI atribuições receber comunicações e qualquer outro tipo de informação devidamente fundamentada sobre crimes da competência do Tribunal a fim de os examinar investigar e eventualmente propor a ação penal junto ao Tribunal eleição pela Assembleia dos Estados Partes para mandato de nove anos não renovável As principais objeções e o novo 4º do art 5º da CF88 Brasil assinou 2000 ratificou 2002 e incorporou pelo Decreto n 4388 de 25 de setembro de 2002 o Estatuto do TPI Emenda Constitucional n 452004 introduziu o novo 4º do art 5º que dispõe que o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão Brasil votou favoravelmente ao texto do projeto do Estatuto do TPI na Conferência de Roma em julho de 1998 participou ativamente das discussões promovidas pelo Tribunal e atuou com desenvoltura na Conferência de Revisão do Estatuto do TPI de 2010 Entretanto manifestou preocupação com o fato de a Constituição brasileira proibir a extradição de nacionais e vedar penas de caráter perpétuo STF Petição 4625 Caso Presidente Bashir ditador do Sudão discussão sobre se as pretensas inconstitucionalidades podem impedir que o Brasil cumpra seu dever de colaborar com o TPI o governo brasileiro entendeu ser necessária a autorização do STF para que pudesse existir a prisão e entrega no caso eventual da vinda do Presidente do Sudão ao nosso território Não há decisão final do STF Princípio da complementaridade jurisdição internacional penal é subsidiária à jurisdição nacional o TPI não exercerá sua jurisdição caso o Estado com jurisdição já houver iniciado ou terminado investigação ou processo penal salvo se este não tiver capacidade ou vontade de realizar justiça o caso é também inadmissível se a pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia salvo se o julgamento for um simulacro para obter a impunidade e finalmente se o caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal O próprio TPI decide se o julgamento nacional é simulacro para obtenção da impunidade O ato de entrega de brasileiro nato Dever do Brasil Estatuto de Roma expressamente prevê o dever do Estado de entrega de indivíduos caso exista uma ordem de detenção e entrega determinada pelo TPI Objeção Só é possível a entrega do brasileiro naturalizado na hipótese de ocorrência de crime praticado antes da naturalização Superação Não há equiparação possível entre extradição a um Estado estrangeiro e entrega ao TPI A nacionalidade é óbice somente à extradição podendo o Brasil promover a entrega de todo indivíduo ao TPI A imprescritibilidade dos crimes do TPI e o Brasil Dever do Brasil De acordo com o Estatuto de Roma os crimes sujeitos a sua jurisdição são imprescritíveis Objeção O Brasil não poderia entregar nenhum indivíduo ao TPI caso o crime do qual ele seja acusado já tenha prescrito de acordo com a lei brasileira Superação Na relação entre o Estado e o TPI deve vigorar o princípio da confiança sendo dispensável a dupla tipicidade e punibilidade A pena de prisão perpétua Dever do Brasil O Estatuto de Roma prevê que as penas podem ser 1 de prisão até o limite máximo de 30 anos ou 2 prisão perpétua Objeção O Brasil não poderia colaborar com o TPI e entregar um indivíduo pois há sempre o risco de imposição da pena de caráter perpétuo ao final do processo internacional Superação Não se aplica à entrega a vedação da pena de caráter perpétuo existente internamente e nos processos extradicionais à entrega de um indivíduo ao TPI A coisa julgada Dever do Brasil Caso o TPI decida pela prevalência da jurisdição do Tribunal deve o Estado brasileiro efetuar a entrega do acusado mesmo que já exista coisa julgada absolutória local Objeção No caso da existência de coisa julgada absolutória nacional há impedimento constitucional brasileiro para a entrega de um indivíduo ordenada pelo TPI Superação O Direito Internacional não admite que com base em leis locais e em processos locais muitas vezes utilizados para dar um bill de imunidade aos acusados de atrocidades haja a arguição da coisa julgada Se a qualidade de coisa julgada da sentença penal local foi obtida para a obtenção da impunidade em típico caso de simulação com fraude à lei o vício insanável torna inoperante o seu efeito de imutabilidade do comando legal e permite o processo internacional Além disso não cabe alegar coisa julgada como justificativa para a não implementação de decisão internacional já que seria necessária a identidade de partes pedido e causa de pedir o que não ocorre entre a causa local e a causa internacional A impossibilidade de alegação de qualquer imunidade Dever do Brasil Não há nenhuma imunidade material ou processual que impeça o TPI de realizar justiça devendo o Brasil entregar toda e qualquer pessoa ao Tribunal não importando o cargo oficial exercido no próprio país ou fora dele Objeção A Constituição de 1988 estabelece uma longa lista de imunidades materiais e processuais a altas autoridades Superação As imunidades materiais e processuais bem como as prerrogativas de foro estabelecidas na Constituição são de exclusivo alcance interno não podendo ser interpretadas de modo a imunizar quem quer que seja do alcance da jurisdição internacional Os demais atos de cooperação com o TPI Consistem em atos de instrução processual e mesmo de execução da pena porventura fixada pelo Tribunal Atos de instrução Estados contratantes obrigamse a cooperar com o Tribunal na obtenção de documentos oitiva de testemunhas facilitar o comparecimento voluntário de peritos e testemunhas perante o Tribunal realizar perícias diversas inclusive a exumação proteger testemunhas e preservar provas conceder e implementar medidas cautelares A ausência de competência constitucional do STF e do STJ para apreciar decisões do TPI As decisões do TPI não necessitam de exequatur nem de homologação de sentença estrangeira perante o STJ uma vez que a Constituição exige esse crivo somente a decisões oriundas de Estados estrangeiros nada exigindo quanto a decisões internacionais Quanto ao pedido de prisão e posterior entrega o governo brasileiro solicitou autorização do STF para a prisão e entrega do Presidente do Sudão ao TPI Petição 4625 ainda não julgada PARTE III O BRASIL E OS DIREITOS HUMANOS 1 Da Constituição de 1824 ao Congresso Nacional Constituinte 19851987 Desde a primeira Constituição brasileira em 1824 houve a previsão de um rol de direitos a serem assegurados pelo Estado O seu art 179 dispunha que a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros que tem por base a liberdade a segurança individual e a propriedade é garantida pela Constituição do Império seguindose 35 incisos detalhandose os direitos fundamentais Mas essa Constituição mascarava a real situação da época havia escravidão e o voto era censitário e excluía as mulheres Com a República a tradição de inserção do rol de direitos na Constituição de 1891 continuou o art 72 dispôs que a Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes O princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais foi reconhecido no art 78 que dispunha que a especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não enumerados mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna Também a Constituição de 1934 previu expressamente direitos fundamentais ao dispor em seu Título III Declaração de Direitos vários direitos civis e políticos Ela inovou ao estabelecer em seu Título IV Da Ordem Econômica e Social vários direitos sociais como os previstos no art 121 referentes aos direitos trabalhistas inclusive a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade sexo nacionalidade ou estado civil proibição de trabalho a menores de 14 anos previsão de férias anuais remuneradas salário mínimo e descanso semanal A Constituição de 1934 reconheceu também o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais ao estabelecer no seu art 114 que a especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros resultantes do regime e dos princípios que ela adota Em que pese a Constituição de 1937 apenas servir para camuflar a ditadura de Getúlio Vargas e seu Estado Novo houve a menção formal a um rol de direitos em seus arts 122 e seguintes Dos Direitos e Garantias Individuais e aos direitos decorrentes Art 123 A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e direitos resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição Porém a parte final do art 123 deixava clara a prevalência absoluta da razão de Estado em detrimento dos direitos humanos ao determinar que o uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público as necessidades da defesa do bemestar da paz e da ordem coletiva bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição Após o final da ditadura do Estado Novo a Constituição de 1946 instaurou uma nova ordem democrática no Brasil que se encerraria somente com o golpe militar de 1964 Ela previu em seu art 141 o rol dos direitos e garantias individuais com a cláusula de abertura dos direitos decorrentes prevista no art 144 a especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota Na linha da Constituição de 1934 a Constituição de 1946 enumerou vários direitos sociais nos arts 157 e seguintes inclusive o direito de greve art 158 que havia sido proibido expressamente pela Constituição de 1937 Com a ditadura militar a Constituição de 1967 previu formalmente um rol de direitos e garantias individuais no seu art 150 fazendo remissão a outros direitos decorrentes do regime e dos princípios constitucionais no art 150 35 A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota Contudo o art 151 trouxe a ameaça explícita aos inimigos do regime determinando que aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos 8º 23 27 e 28 do artigo anterior e dos direitos políticos para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos declarada pelo Supremo Tribunal Federal mediante representação do ProcuradorGeral da República sem prejuízo da ação civil ou penal cabível assegurada ao paciente a mais ampla defesa Assim a cláusula indeterminada do abuso dos direitos individuais pairava sobre os indivíduos demonstrando a razão de Estado que imperava naquele momento de governo militar A Emenda Constitucional n 1 de 1969 manteve a mesma situação elencando os direitos no art 153 e prevendo a abertura a novos direitos decorrentes do regime e dos princípios constitucionais no art 153 36 Com a redemocratização o Congresso Constituinte 19851987 reagiu a mais de vinte anos de ditadura com uma forte inserção de direitos e garantias no texto da futura Constituição que recebeu a alcunha de Constituição Cidadã Além dos direitos houve sensível mudança no perfil do Ministério Público que deixou de ser vinculado ao Poder Executivo e ganhou autonomia independência funcional e a missão de defesa de direitos humanos arts 127 e 129 III entre outros Também foi mencionada pela primeira vez no texto de uma Constituição a Defensoria Pública como função essencial à Justiça criando mais um ente público comprometido com a defesa dos direitos humanos Além disso foi aceita a internacionalização dos direitos humanos com a menção a tratados internacionais art 5º 2º e também a um tribunal internacional de direitos humanos art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias como estudaremos a seguir QUADRO SINÓTICO Da Constituição de 1824 ao Congresso Nacional Constituinte 19851987 Constituição de 1824 Contém a previsão constitucional de um rol de direitos inviolabilidade dos direitos civis e políticos que tem por base a liberdade a segurança individual e a propriedade O texto constitucional entretanto mascarava a real situação do Império havia escravidão e o voto era censitário Constituição Republicana de 1891 Foi mantida a tradição de inserção do rol de direitos na Constituição garantindose a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade à segurança individual e à propriedade A possibilidade de novos direitos e garantias foi também reconhecida explicitandose que a especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não excluiria outras garantias e direitos não enumerados Constituição de 1934 Também previu expressamente um rol de direitos explicitando vários direitos civis e políticos Inovou ao estabelecer vários direitos sociais como direitos trabalhistas Reconheceu também os direitos decorrentes ao estabelecer que a especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros resultantes do regime e dos princípios que ela adota Constituição de 1937 Houve a menção formal a um rol de direitos e aos direitos decorrentes mas que apenas serviam para camuflar a ditadura do Estado Novo O texto constitucional deixava clara a prevalência absoluta da razão de Estado sobre os direitos humanos Constituição de 1946 Instaurou uma nova ordem democrática no Brasil que se encerraria somente com o golpe militar de 1964 Previu um rol dos direitos e garantias individuais com a cláusula de abertura dos direitos decorrentes Enumerou vários direitos sociais inclusive o direito de greve que havia sido proibido expressamente pela Constituição de 1937 Constituição de 1967 Com a ditadura militar previu formalmente um rol de direitos e garantias individuais fazendo remissão a outros direitos decorrentes do regime e dos princípios constitucionais Trouxe a cláusula indeterminada do abuso dos direitos individuais que consistia ameaça latente aos inimigos do regime determinando a possibilidade de suspensão de direitos individuais e políticos pelo prazo de dois a dez anos declarada pelo Supremo Tribunal Federal mediante representação do ProcuradorGeral da República sem prejuízo da ação civil ou penal cabível assegurada ao paciente a mais ampla defesa Emenda n 1 de 1969 Manteve a mesma situação da Constituição de 1967 Constituição de 1988 a Constituição Cidadã Com a redemocratização houve forte inserção de direitos e garantias no texto da futura Constituição Mudança no perfil do Ministério Público deixou de ser vinculado ao Poder Executivo e ganhou autonomia independência funcional e a missão de defesa de direitos humanos Menção à Defensoria Pública como função essencial à Justiça criando mais um ente público comprometido com a defesa dos direitos humanos Aceitação da internacionalização dos direitos humanos com a menção a tratados internacionais e também a um tribunal internacional de direitos humanos 2 A Constituição de 1988 fundamentos objetivos e a internacionalização dos direitos humanos 21 OS FUNDAMENTOS E OBJETIVOS DA REPÚBLICA De acordo com o art 1º da Constituição de 1988 a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituindo se em um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos I a soberania II a cidadania III a dignidade da pessoa humana IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa V o pluralismo político Seu parágrafo único reitera a vocação democrática do Estado ao dispor que todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição Os fundamentos da República convergem para a proteção dos direitos humanos A soberania art 1º I possui duas esferas a externa e a interna Na esfera externa a soberania consiste no poder político independente na esfera internacional Na sua esfera interna a soberania consiste no poder político titularizado pelo povo redundando na soberania popular Essa soberania popular é refletida em outros dispositivos da Constituição como os relativos ao sufrágio universal direto secreto e periódico cláusula pétrea da Constituição art 60 4º II A cidadania art 1º II consiste em um conjunto de direitos e obrigações referentes à participação do indivíduo na formação da vontade do poder estatal Em geral a cidadania está associada à nacionalidade mas há no Brasil a quase nacionalidade que se refere ao estatuto da igualdade dos portugueses com a situação jurídica de brasileiro naturalizado o que permite o exercício de direitos políticos para aquele português que obtém a igualdade de direitos A cidadania da Constituição de 1988 possui diversas facetas a saber 1 cidadaniaeleição que permite ao cidadãoeleitor votar e ser votado 2 a cidadaniafiscalização que permite ao cidadão propor a ação popular art 5º LXXIII noticiar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União art 74 2º ou ainda ser eleito conselheiro do Conselho Nacional de Justiça art 103B XIII e do Conselho Nacional do Ministério Público art 130AVI 3 a cidadaniapropositiva que permite ao cidadão dar início a projetos de lei art 61 2º 4 cidadaniamediação social que permite ao cidadão ser eleito Juiz de Paz art 98 II A dignidade da pessoa humana art 1º III consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência Tratase de atributo que todo indivíduo possui inerente à sua condição humana não importando nacionalidade opção política orientação sexual credo entre outros fatores de distinção Novamente esse fundamento da República converge para a proteção de direitos humanos que é indispensável para o Estado Democrático de Direito brasileiro Por fim são fundamentos da República os valores sociais do trabalho e da livreiniciativa art 1º IV e o pluralismo político art 1º V A livre iniciativa foi utilizada pelo STF para considerar inconstitucionais leis municipais que restringiram desproporcionalmente ou proibiram a atividade de transporte individual de passageiros por meio de aplicativos Para o relator Luiz Fux ADPF 449 tais leis vulneram os princípios da livre iniciativa e do valor social do trabalho além da livre concorrência da liberdade profissional e da proteção ao consumidor ADPF 449 rel Luiz Fux j 852019 Essas opções refletem o desejo do constituinte de agregar como fundamento da República valores aparentemente antagônicos capital e trabalho bem como valores políticos dos mais diversos quilates redundando em uma sociedade diversificada e plural Para que se tenha essa sociedade pautada na pluralidade e respeito aos diferentes valores é essencial que exista a proteção de direitos humanos para que todos tenham assegurada uma vida digna Os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil também se relacionam com a proteção de direitos humanos pois são finalidades da República a construção de uma sociedade livre justa e solidária o desenvolvimento nacional a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais e ainda a promoção do promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação Assim o Estado brasileiro deve guiar suas condutas para obter uma sociedade livre justa e solidária atacando a pobreza e desigualdades odiosas 22 A EXPANSÃO DOS DIREITOS HUMANOS E SUA INTERNACIONALIZAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Na temática dos direitos humanos a Constituição de 1988 é um marco na história constitucional brasileira Em primeiro lugar introduziu o mais extenso e abrangente rol de direitos das mais diversas espécies incluindo os direitos civis políticos econômicos sociais e culturais além de prever várias garantias constitucionais algumas inéditas como o mandado de injunção e o habeas data Além disso essa enumeração de direitos e garantias não é exaustiva uma vez que o seu art 5º 2º prevê o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais introduzido pela primeira vez na Constituição de 1891 também denominado abertura da Constituição aos direitos humanos dispondo que os direitos nela previstos não excluem outros decorrentes do i regime ii princípios da Constituição e em iii tratados celebrados pelo Brasil De forma inédita na história constitucional brasileira a abertura da Constituição aos direitos foi baseada também nos tratados internacionais celebrados pelo Brasil Quanto aos direitos sociais a Constituição de 1988 tem um capítulo específico Direitos Sociais arts 6º ao 11 sendo ainda possível novos direitos sociais decorrentes do regime e princípios bem como dos tratados celebrados pelo Brasil art 5º 2º Essa abertura constitucional aos direitos humanos refletese também no funcionamento de todo o sistema de justiça Novas demandas exigem reflexão sobre a implementação judicial dos direitos humanos bem como o papel dos atores do sistema de justiça na promoção dos direitos Além disso a Constituição determinou que o Brasil deveria cumprir nas suas relações internacionais o princípio da prevalência dos direitos humanos art 4º II Nessa mesma linha a Constituição determinou que o Brasil propugnasse pela formação de um tribunal internacional de direitos humanos art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Esse novo perfil constitucional favorável ao Direito Internacional levou o Brasil logo após a edição da Constituição de 1988 a ratificar os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos Sociais e Culturais e às Convenções contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos Desde então o Brasil celebrou todos os mais relevantes instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos tendo reconhecido em 1998 a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH e em 2002 a jurisdição do Tribunal Penal Internacional Com o reconhecimento da jurisdição da Corte IDH o Brasil deu o passo decisivo para aceitar o universalismo na área dos direitos humanos Não é mais possível uma interpretação nacionalista dos direitos humanos no Brasil pois essa interpretação pode ser questionada perante a Corte IDH ou outros órgãos internacionais devendo o Brasil cumprir a interpretação internacionalista porventura fixada Além do universalismo o Brasil após a Constituição de 1988 acatou a indivisibilidade e interdependência de todos os direitos humanos ao ratificar indistintamente os tratados voltados a direitos civis e políticos e direitos sociais econômicos e culturais Resta agora analisar a internacionalização dos direitos humanos na perspectiva brasileira e os órgãos internos envolvidos na promoção desses direitos no Brasil do século XXI 23 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS A supremacia da Constituição consiste na sua qualidade de norma superior que representa o pressuposto de validade de todas as demais normas do ordenamento jurídico Essa qualidade superioridade é fruto de dois critérios o material e o formal Do ponto de vista material a Constituição contempla os valores considerados superiores pela vontade geral poder constituinte de uma comunidade Do ponto de vista formal a Constituição está no cume do ordenamento jurídico porque prescreve as formas de criação das demais normas e ainda suas próprias regras de alteração emendas constitucionais No que tange aos direitos humanos a Constituição de 1988 cumprindo a tradição inaugurada já com a Constituição imperial de 1824 trouxe robusto rol de direitos em seu texto Essas normas são obrigatórias e superiores às demais independentemente do grau de abstração que possuam Ademais a Constituição elenca como fundamento da República a dignidade humana art 1º III Parte da doutrina reconhece que as normas constitucionais de direitos humanos possuem hierarquia material singular uma vez que são 1 cláusulas pétreas art 60 4º IV 2 são princípios constitucionais sensíveis ou seja autorizam a decretação de intervenção federal em caso de violação dos direitos humanos pelos Estados e pelo Distrito Federal art 34 VII 3 são preceitos fundamentais defendidos pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF art 102 1º 4 são normas de aplicação imediata art 5º 1º Formalmente não há hierarquia entre as normas constitucionais oriundas do Poder Constituinte originário mas esse regime jurídico constitucional especial das normas de direitos humanos deve ser levado em consideração na argumentação jurídica que envolva a interpretação desses direitos em um caso concreto 301 Essa superioridade das normas constitucionais ainda exige que todas as demais normas do ordenamento sejam interpretadas conforme os valores previstos na Constituição Nasce a chamada filtragem constitucional que consiste na exigência de que todas as demais normas do ordenamento jurídico sejam compatíveis com a Constituição No caso das normas de direitos humanos há a chamada filtragem jusfundamentalista ou ainda a jusfundamentalização do Direito que prega que as demais normas do ordenamento jurídico sejam compatíveis com os direitos humanos Essa filtragem jusfundamentalista serve para 1 declarar inconstitucional ou não recepcionada determinada norma ofensiva aos direitos humanos 2 escolha de interpretação conforme aos direitos humanos de determinada norma 3 exigir que as políticas públicas tornem efetivas as normas de direitos humanos estabelecidas na Constituição Essa terceira e última função é questionada em face i da separação dos poderes e ii da reserva do possível temas que são debatidos neste Curso A supremacia da Constituição na seara dos direitos humanos também sofre as consequências da internacionalização dos direitos humanos A ideia de supremacia da Constituição deve ser compatibilizada com a proteção internacional dos direitos humanos fazendo nascer o respeito à interpretação internacionalista dos direitos humanos ver como conciliar a interpretação internacionalista com a interpretação nacionalista no item 3 da Parte III 24 CLÁUSULAS PÉTREAS As cláusulas pétreas são as normas constitucionais cujo conteúdo não pode ser eliminado ou amesquinhado de forma alguma mesmo por emendas constitucionais Tratase de limite ao Poder Constituinte Derivado de reforma e são também chamadas de garantias de imutabilidade A justificativa para a existência de um núcleo imutável de normas constitucionais é a escolha por parte do Poder Constituinte Originário de determinados valores que simbolizariam a própria essência do Estado Democrático brasileiro Para alterar então essa essência seria necessária a ruptura e a invocação novamente do Poder Constituinte Originário para criar outra ordem constitucional e fundar outro modelo de Estado Há duas críticas possíveis à existência de cláusulas pétreas A primeira crítica prega que a imutabilidade de determinado valor dificulta a atualização constitucional para fazer frente a novos desafios sociais fazendo nascer o risco de legislar para alémtúmulo A segunda crítica defende que o Poder Constituinte Derivado também é titularizado pelo povo podendo modificar todo e qualquer valor previsto na Constituição Apesar de tais críticas a existência de cláusulas pétreas é bem aceita no Brasil pois reforça o caráter de perenidade e estabilidade de determinados valores o que pode ser útil em determinados momentos históricos nos quais há a necessidade de se consolidar determinada visão de Estado e de respeito a direitos fundamentais No Brasil a Constituição de 1988 reconheceu limites materiais expressos robustos ao Poder Constituinte Derivado de Reforma retratados no art 60 4º que prevê a impossibilidade de ser objeto de deliberação uma emenda constitucional que tenda a abolir I a forma federativa de Estado II o voto direto secreto universal e periódico III a separação dos Poderes IV os direitos e garantias individuais A proteção de todas as cláusulas pétreas visa combater modificação posterior que tenda a abolir o respectivo valor constitucional É possível contudo 1 modificações que fortaleçam os valores mencionados 2 modificações que alterem o quadro normativo mas com neutralidade sem prejudicar ou fortalecer o valor previsto Não é possível uma modificação que enfraqueça o valor contido nas cláusulas pétreas pois isso é um passo para sua eliminação Ocorre que há valores contrastantes em todas as cláusulas pétreas vistas acima ao proteger um valor podese ferir outro dentro da mesma cláusula pétrea Por exemplo uma emenda constitucional que vise proteger com maior rigor o direito à intimidade dos políticos e personalidades pode amesquinhar o direito à liberdade de informação jornalística Essa situação foi gerada pelo próprio Poder Constituinte Originário ao usar conceitos indeterminados separação de poderes direitos e garantias individuais federalismo na redação das cláusulas pétreas Essa amplitude e indeterminação das cláusulas pétreas tiveram como resultado uma grande liberdade do STF para a tomada de decisão na sua missão de guardião máximo da Constituição Nesse sentido o STF decidiu que não cabe adotar simplesmente uma interpretação restritiva das cláusulas pétreas pois isso significaria diminuir a proteção almejada pelo Constituinte Originário Para o Min Gilmar Mendes cada uma das cláusulas pétreas é dado doutrinário que tem de ser examinado no seu conteúdo e delimitado na sua extensão Daí decorre que a interpretação é restritiva apenas no sentido de limitada aos princípios enumerados não o exame de cada um que não está nem poderá estar limitado comportando necessariamente a exploração do conteúdo e fixação das características pelas quais se defina cada qual deles nisso consistindo a delimitação do que possa ser consentido ou proibido aos Estados Repr 94 rel Min Castro Nunes Archivo Judiciário 8531 3435 1947 ADPF 33MC voto do rel Min Gilmar Mendes j 29102003 Plenário DJ de 68 2004 grifo não constante do original Há também cláusulas pétreas implícitas que consistem 1 no Estado Democrático de Direito pois é o ambiente no qual a própria Constituição atua o substrato para todas as liberdades constitucionais e 2 na inalterabilidade do próprio art 60 4º para evitar a chamada teoria da dupla revisão uma emenda constitucional eliminaria o art 60 4º e após uma outra emenda diminuiria a proteção constitucional aos valores anteriormente petrificados Há duas cláusulas pétreas com relação direta com os direitos humanos direitos e garantias individuais e voto secreto direto universal e periódico e duas com relação indireta separação dos poderes forma federativa do Estado Ao utilizar a expressão direitos e garantias individuais a Constituição de 1988 criou a seguinte dúvida na análise das cláusulas pétreas a expressão foi usada de modo literal fazendo remissão ao Capítulo I do Título II da própria Constituição que separa os direitos individuais dos direitos sociais coletivos de nacionalidade e políticos Ou a expressão direitos e garantias individuais foi usada como sinônimo de direitos essenciais titularizados pelo indivíduo o que estenderia sua aplicação a todos os direitos espalhados pela Constituição e ainda aos direitos decorrentes previstos em tratados de direitos humanos A dignidade humana epicentro axiológico da CF88 e o reconhecimento do princípio da não exaustividade dos direitos humanos art 5º 2º orientam a interpretação dessa cláusula pétrea para a aceitação de que são protegidos todos os direitos indispensáveis a uma vida digna e não somente os que pela literalidade estão contidos no Capítulo I do Título II da Constituição direitos e garantias individuais O STF também acatou essa visão tendo já considerado direitos espalhados pelo corpo da Constituição de 1988 protegidos pelo manto pétreo como por exemplo a garantia do contribuinte à anterioridade tributária art 150 III ou ainda a garantia do eleitor à anterioridade eleitoral art 16 Para a Min Ellen Gracie o art 16 representa garantia individual do cidadãoeleitor detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos e a quem assiste o direito de receber do Estado o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral ADI 3345 rel Min Celso de Mello Além de o referido princípio conter em si mesmo elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado nos termos dos arts 5º 2º e 60 4º IV ADI 3685 rel Min Ellen Gracie j 2232006 Plenário DJ de 1082006 Na mesma linha decidiu o STF que a anterioridade da norma tributária quando essa é gravosa representa uma das garantias fundamentais do contribuinte traduzindo uma limitação ao poder impositivo do Estado RE 587008 rel Min Dias Toffoli j 222011 Plenário DJe de 652011 com repercussão geral repetindo a linha dada na ADI 939 rel Min Sydney Sanches j 1512 1993 Plenário DJ de 1831994 Quanto ao voto secreto direto universal e periódico entendemos que essa cláusula pétrea visa defender a cidadania e a democracia Embora haja redundância com a cláusula pétrea vista acima o Poder Constituinte preferiu dar destaque a esse núcleo imutável da Constituição tendo em vista os abusos cometidos no passado com fraudes eleitorais épocas do coronelismo e voto de cabresto e períodos ditatoriais diversos nos quais imperavam o voto indireto e ainda a suspensão das eleições O voto direto consiste na escolha pelo eleitor sem intermediário de seus representantes nos Parlamentos municipais estaduais e federal bem como nas Chefias dos respectivos Poderes Executivos Também consta da Constituição a eleição de juiz de paz arts 98 II da CF e 30 do ADCT No tocante ao Poder Judiciário a Constituição prevê concurso público ou no máximo nomeação condicionada em casos específicos dos Tribunais por exemplo quanto aos Ministros do STF condicionada ao notório saber jurídico reputação ilibada determinada faixa etária entre 35 e 65 anos e especialmente indicação pelo Presidente e aprovação por maioria absoluta do Senado Federal O art 81 da CF88 impõe exceção ao voto direto no plano federal que pode ser reproduzida nos planos estaduais e municipais reprodução não obrigatória ao determinar a escolha indireta pelo Congresso Nacional de Presidente e VicePresidente da República no caso de vacância desses cargos nos dois últimos anos do mandato presidencial Também há exceção constitucional ao voto direto quanto à escolha de Governador de Território que será nomeado pelo Presidente da República após aprovação pelo Senado O voto secreto consiste na impossibilidade de se conhecer a identidade do eleitor nas suas escolhas A liberdade de escolha do eleitor seria desfigurada e sujeita a pressões caso o voto fosse aberto Por sua vez o voto universal consiste no reconhecimento do direito de qualquer indivíduo na medida do razoável de votar Há critérios razoáveis que moldam a universalidade do voto que consistem na i idade mínima de 16 anos voto facultativo ii alistamento eleitoral e iii nacionalidade brasileira além de iv não estar com os direitos políticos suspensos Em 2011 o STF deferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo ProcuradorGeral da República para suspender os efeitos do art 5º da Lei n 120342009 que dispunha sobre a criação a partir das eleições de 2014 do voto impresso concomitante ao atual voto eletrônico A relatora Min Cármen Lúcia considerou verdadeiro retrocesso a volta do voto registrado em papel pois a impressão do voto feriria o direito inexpugnável ao voto secreto favorecendo a coação de eleitores pela possibilidade de vincular o voto ao eleitor Por outro lado a urna eletrônica atualmente utilizada permite que o resultado seja apurado de modo seguro sem a identificação do votante Para o STF a impressão do voto criaria discriminação odiosa em relação às pessoas com deficiências visuais e aos analfabetos que não teriam como verificar seus votos para o que teriam de buscar ajuda de terceiros em detrimento do direito ao sigilo igualmente assegurado a todos ADI 4543 MCDF rel Min Cármen Lúcia 19102011 Informativo STF Brasília 17 a 21102011 n 645 Em 2018 o STF considerou inconstitucional em definitivo a reintrodução do voto impresso ADI 5889DF rel orig Min Gilmar Mendes red p o ac Min Alexandre de Moraes j 662018 Já o voto periódico é fruto da própria existência do princípio republicano que repudia os postos vitalícios ou hereditários O voto periódico é aquele que é realizado em determinados lapsos de tempo podendo ser permitido apenas um número razoável de reconduções dos eleitos No Brasil o 5º do art 14 da CF prevê que o Presidente da República os Governadores de Estado e do Distrito Federal os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente Assim apenas uma recondução é permitida Para burlar essa regra alguns políticos criaram a figura do prefeito itinerante ou prefeito profissional após cumprir dois mandatos como Prefeito em um Município buscam outro mandato em município contíguo aproveitandose da reputação e notoriedade para obter vantagem sobre os demais rivais O STF com base no princípio republicano e a consequente necessidade de respeito à temporariedade e à alternância do exercício do poder entendeu que tal figura do prefeito itinerante é inconstitucional determinando que o cidadão que exerce dois mandatos consecutivos como prefeito de determinado Município fica inelegível para o cargo da mesma natureza em qualquer outro Município da federação RE 637485 rel Min Gilmar Mendes j 1º82012 P DJe de 2152013 tema 564 com repercussão geral O respeito das cláusulas pétreas é fiscalizado por um controle preventivo e repressivo Para o STF o congressista deputado ou senador tem o direito líquido e certo a um processo legislativo hígido no qual não se discuta PEC Proposta de Emenda Constitucional que fira as cláusulas pétreas Há então um controle judicial preventivo perante o STF por mandado de segurança quanto à obediência às cláusulas pétreas Além desse controle preventivo há o tradicional controle preventivo de constitucionalidade exercido pela Comissão de Constituição e Justiça de cada Casa do Congresso Nacional Já o controle repressivo será feito pela via difusa ou pela via do controle abstrato por ação direta perante o Supremo Tribunal Federal QUADRO SINÓTICO Constituição de 1988 fundamentos objetivos e a internacionalização dos direitos humanos Fundamentos da República I Soberania consiste no poder político independente na esfera internacional e na esfera interna no poder político titularizado pelo povo redundando na soberania popular II Cidadania consiste em um conjunto de direitos e obrigações referentes à participação do indivíduo na formação da vontade do poder estatal Facetas da cidadania 1 cidadaniaeleição que permite ao cidadãoeleitor votar e ser votado 2 cidadaniafiscalização que permite ao cidadão propor a ação popular noticiar irregularidades ou ilegalidades perante o TCU ou ainda ser eleito conselheiro do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público 3 a cidadaniapropositiva que permite ao cidadão dar início a projetos de lei 4 cidadaniaconciliação que permite ao cidadão ser eleito Juiz de Paz Quase nacionalidade estatuto da igualdade dos portugueses com a situação jurídica de brasileiro naturalizado o que permite o exercício de direitos políticos para aquele português que obtém a igualdade de direitos III Dignidade da pessoa humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência IV Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa V Pluralismo político Objetivos da República Construção de uma sociedade livre justa e solidária Desenvolvimento nacional Erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais Promoção do bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação A expansão dos direitos humanos e sua internacionalização na CF88 Constituição de 1988 marco na história constitucional brasileira na temática dos direitos humanos a Introdução do mais extenso e abrangente rol de direitos das mais diversas espécies incluindo os direitos civis políticos econômicos sociais e culturais além de várias garantias constitucionais algumas inéditas como o mandado de injunção e o habeas data b Essa enumeração de direitos e garantias não é exaustiva princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais ou abertura da Constituição aos direitos humanos que foi baseada também nos tratados internacionais celebrados pelo Brasil c Há um capítulo específico para os direitos sociais sendo ainda possível novos direitos sociais decorrentes do regime e princípios bem como dos tratados celebrados pelo Brasil d Determinação de que o Brasil cumpra o princípio da prevalência dos direitos humanos e Determinação de que o Brasil propugne pela formação de um tribunal internacional de direitos humanos Consequências do novo perfil constitucional favorável ao Direito Internacional a Ratificação dos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos Sociais e Culturais das Convenções contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes da Convenção Americana de Direitos Humanos além da celebração de todos os mais relevantes instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos b Reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos o que representou um passo decisivo para aceitar o universalismo na área dos direitos humanos c Aceitação da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos com a ratificação indistinta de tratados voltados a direitos civis e políticos e direitos sociais econômicos e culturais Superioridade normativa A supremacia da Constituição e os direitos humanos Supremacia da Constituição consiste na sua qualidade de norma superior que representa o pressuposto de validade de todas as demais normas do ordenamento jurídico Superioridade do ponto de vista material a Constituição contempla os valores considerados superiores pela vontade geral poder constituinte de uma comunidade Superioridade do ponto de vista formal a Constituição está no cume do ordenamento jurídico porque prescreve as formas de criação das demais normas e ainda suas próprias regras de alteração emendas constitucionais Parte da doutrina reconhece que as normas constitucionais de direitos humanos possuem certa hierarquia material com superioridade às demais normas constitucionais uma vez que são 1 cláusulas pétreas 2 princípios constitucionais sensíveis 3 preceitos fundamentais defendidos pela ADPF 4 normas de aplicação imediata Filtragem constitucional exigência de que todas as demais normas do ordenamento jurídico sejam compatíveis com a Constituição No caso das normas de direitos humanos há a filtragem jusfundamentalista ou jusfundamentalização do Direito que serve para 1 declarar inconstitucional ou não recepcionada determinada norma ofensiva aos direitos humanos 2 escolher interpretação conforme aos direitos humanos de determinada norma 3 exigir que as políticas públicas tornem efetivas as normas de direitos humanos estabelecidas na Constituição São as normas constitucionais insuscetíveis de modificação ou eliminação por emendas à Constituição Justificativa escolha por parte do Poder Constituinte Originário de determinados valores que simbolizam a essência do Estado Democrático brasileiro Críticas possíveis à existência de cláusulas pétreas 1 a imutabilidade de determinado conjunto de normas dificulta a atualização constitucional para fazer frente a novos desafios sociais 2 exigir a ruptura e uma nova ordem constitucional para atualizar a Constituição seria ignorar que o Poder Constituinte Originário Material é titularizado pelo povo e é permanente não necessitando de uma convocação específica retratada em uma Assembleia Constituinte Poder Constituinte Originário Formal Constituição de 1988 art 60 4º prevê a impossibilidade de deliberação uma Emenda Constitucional que tenda a abolir I a forma federativa de Estado II o voto direto secreto universal e periódico III a separação dos Poderes Cláusulas pétreas IV os direitos e garantias individuais É possível que sejam feitas modificações 1 que fortaleçam 2 que alterem o quadro normativo mas com neutralidade sem prejudicar ou fortalecer o valor previsto Não é possível uma modificação que enfraqueça o valor contido nas cláusulas pétreas pois isso é um passo para sua eliminação Cláusulas pétreas implícitas 1 Estado Democrático de Direito 2 inalterabilidade do próprio art 60 4º para evitar a chamada teoria da dupla revisão Dúvida acerca da expressão direitos e garantias individuais na CF88 o STF adotou a orientação de que são protegidos todos os direitos indispensáveis a uma vida digna e não somente os que pela literalidade estão contidos no Capítulo I do Título II da Constituição direitos e garantias individuais Voto secreto direto universal e periódico cláusula que visa defender a cidadania e a democracia Voto direto consiste na escolha pelo eleitor sem intermediário de seus representantes nos Parlamentos municipais estaduais e federal bem como nas Chefias dos respectivos Poderes Executivos além da eleição do juiz de paz Exceções 1 escolha indireta pelo Congresso Nacional de Presidente e VicePresidente da República no caso de vacância desses cargos nos dois últimos anos do mandato presidencial 2 escolha de Governador de Território que será nomeado pelo Presidente da República após aprovação pelo Senado Voto secreto consiste na impossibilidade de se conhecer a identidade do eleitor nas suas escolhas Voto universal consiste no reconhecimento do direito de qualquer indivíduo na medida do razoável de votar Critérios razoáveis determinados na CF88 idade mínima de 16 anos voto facultativo alistamento eleitoral e nacionalidade brasileira além de não estar com os direitos políticos suspensos Voto periódico é aquele que é realizado em determinados lapsos de tempo podendo ser permitido apenas um número razoável de reconduções O respeito das cláusulas pétreas é fiscalizado por meio do controle de constitucionalidade Controle preventivo mandado de segurança impetrado por congressista quanto à obediência às cláusulas pétreas controle exercido pela Comissão de Constituição e Justiça de cada Casa do Congresso Nacional Controle repressivo pela via difusa ou pela via do controle abstrato por ação direta perante o STF 3 Os tratados de direitos humanos formação incorporação e hierarquia normativa no Brasil 31 AS NORMAS CONSTITUCIONAIS SOBRE A FORMAÇÃO E INCORPORAÇÃO DE TRATADOS 311 Terminologia e a prática constitucional brasileira A Constituição brasileira possui alguns dispositivos que mencionam tratados utilizando uma terminologia variada tratados internacionais arts 5º 2º e 3º 49 I 84 VIII 109 V e 5º convenção internacional arts 5º 3º 84 VIII 109 V atos internacionais arts 49 I 84 VIII acordos internacionais arts 49 I 178 e 52 X do Ato das Disposições Transitórias e até mesmo compromissos internacionais art 143 X 302 Apesar dos esforços doutrinários em diferenciar essas categorias a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados cristalizou a prática dos Estados em considerar esses termos acima mencionados na Constituição como sinônimos como se vê no seu art 2º 1 a Art 2º1 a tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional quer conste de um instrumento único quer de dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja sua denominação específica 303 A Constituição de 1988 seguindo a tradição constitucional brasileira adota essa multiplicidade de termos da prática internacional considerandoos equivalentes O resultado é um processo de formação da vontade do Estado e de incorporação dos tratados ao ordenamento brasileiro como veremos abaixo 312 A teoria da junção de vontades A Constituição de 1988 inicialmente dispôs que a participação brasileira na formação do Direito Internacional é de competência da União Prevê o art 21 I que compete à União manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais A União possui um papel dúplice em nosso Federalismo é i ente federado arts 1º e 18 de igual hierarquia com os demais entes Estados Municípios e Distrito Federal e ainda ii representa o Estado Federal nas relações internacionais A Constituição exigiu um procedimento complexo que une a vontade concordante dos Poderes Executivo e do Legislativo no plano federal no que tange à formação e incorporação de tratados ao ordenamento interno As bases constitucionais são o art 84 VIII que estabelece competir ao Presidente da República celebrar tratados convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional e ainda o art 49 I que dispõe que é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional A participação dos dois Poderes na formação da vontade brasileira em celebrar definitivamente um tratado internacional consagrou a chamada teoria da junção de vontades ou teoria dos atos complexos para que um tratado internacional seja formado é necessária a conjunção de vontades do Poder Executivo e do Poder Legislativo como veremos a seguir 313 As quatro fases da formação da vontade à incorporação Há três fases que levam a formação da vontade do Brasil em celebrar um tratado assumindo obrigações perante o Direito Internacional 1 a fase da assinatura 2 a fase da aprovação congressual ou fase do Decreto Legislativo e 3 a fase da ratificação Há ainda uma quarta fase que é a fase de incorporação do tratado já celebrado pelo Brasil ao ordenamento interno denominada fase do Decreto Presidencial ou Decreto de Promulgação A fase da assinatura é iniciada com as negociações do teor do futuro tratado As negociações dos tratados internacionais não possuem destaque no corpo da Constituição de 1988 sendo consideradas de atribuição do Chefe de Estado por decorrência implícita do disposto no art 84 VIII que dispõe que compete ao Presidente da República celebrar tratados convenções e acordos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional Usualmente após uma negociação bemsucedida o Estado realiza a assinatura do texto negociado pela qual manifesta sua predisposição em celebrar no futuro o texto do tratado Por sua vez há ainda a possibilidade de adesão a textos de tratados já existentes dos quais o Brasil não participou da negociação A assinatura é de atribuição do Chefe de Estado fruto do disposto no art 84 VIII que utiliza o vocábulo celebrar em sentido impróprio a assinatura em geral não vincula o Estado brasileiro Antes é necessário de acordo com a linguagem do próprio art 84 VIII o referendo ou aprovação do Congresso Nacional Após a assinatura cabe ao Poder Executivo encaminhar o texto assinado do futuro tratado ao Congresso no momento em que julgar oportuno A Constituição de 1988 foi omissa quanto a prazos enquanto a Constituição de 1967 fixou o prazo de quinze dias após sua assinatura para que o Poder Executivo encaminhasse o texto do tratado ao Congresso Nacional art 47 parágrafo único Na ausência de prazo entendese que o próprio envio é ato discricionário do Presidente A segunda etapa do iter de formação dos tratados no Brasil é a da aprovação congressual ou fase do decreto legislativo A Constituição de 1824 introduziu essa exigência para os tratados concluídos em tempo de paz envolvendo cessão ou troca de território do Império ou de Possessões a que o Império tenha direito determinando que não poderiam ser ratificados sem a aprovação prévia da Assembleia Geral art 102 VIII Para os demais tratados não era exigida essa anuência prévia mas tão somente o envio à Assembleia para conhecimento após a ratificação desde que o interesse ou segurança do Estado permitissem admitiamse então os tratados secretos A Constituição de 1891 generalizou a necessidade de aprovação congressual antes da ratificação ao dispor em seu art 48 item 16º que ao Presidente da República cabia celebrar os tratados sempre ad referendum do Congresso Ao Congresso cabia resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras Essa fórmula foi o maior avanço constitucional no processo de formação de tratados para o Brasil impondo a necessidade de aprovação dos textos dos tratados pelo Poder Legislativo A Constituição de 1988 repetiu a velha fórmula cabe ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional art 49 I e ainda cabe ao Presidente da República celebrar tratados convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional art 84 VIII Notese que a expressão latina ad referendum tradicional nas Constituições anteriores foi substituída pelo equivalente sujeitos a referendo O trâmite da fase da aprovação congressual é o seguinte i O Presidente encaminha mensagem presidencial ao Congresso Nacional fundamentada a exposição de motivos é feita pelo Ministro das Relações Exteriores solicitando a aprovação congressual ao texto do futuro tratado que vai anexado na versão oficial em português ii Como é iniciativa presidencial o trâmite é iniciado pela Câmara dos Deputados no rito de aprovação de decreto legislativo que é espécie legislativa que veicula matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados a Mensagem Presidencial é encaminhada inicialmente para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional que prepara o projeto de decreto legislativo PDC Após o projeto é apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania que analisa a constitucionalidade do texto do futuro tratado O próximo passo é o parecer sobre a conveniência e oportunidade da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional bem como de outras Comissões temáticas a depender da matéria do futuro tratado O PDC é remetido ao Plenário da Câmara para aprovação por maioria simples veremos depois o caso especial dos tratados de direitos humanos estando presente a maioria absoluta dos membros da Casa art 47 da CF88 iii Após a aprovação no plenário da Câmara o projeto é apreciado no Senado No Senado o projeto é encaminhado à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional Em seu rito normal após o parecer dessa Comissão o projeto é votado no Plenário Há contudo um rito abreviado previsto no art 91 1º do Regimento do Senado que possibilita ao Presidente do Senado ouvidas as lideranças conferir à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional a apreciação terminativa final do projeto Aprovado no rito normal plenário ou no rito abreviado Comissão o Presidente do Senado Federal promulga e publica o Decreto Legislativo Caso o Senado apresente emenda vide abaixo a possibilidade de emenda na fase da aprovação congressual o projeto retorna para a Câmara Casa Iniciadora para a apreciação que a analisará Rejeitada a emenda pela Câmara o projeto de decreto legislativo segue para o Presidente do Senado Federal para promulgação e publicação O texto do tratado internacional é publicado como anexo ao Decreto Legislativo no Diário do Congresso Nacional Não há prazo para o término do rito de aprovação congressual mesmo quanto aos tratados de direitos humanos Tudo depende da conveniência política o projeto pode ser rapidamente analisado e aprovado ou arrastarse por décadas A atuação legislativa na análise do tratado é reduzida com pouca margem de interferência em geral cabe ao Congresso aprovar ou rejeitar o projeto Caso o projeto de decreto legislativo seja rejeitado na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal há o envio de mensagem ao Presidente da República informandoo do ocorrido Como a Constituição é omissa quanto às emendas a textos de tratados o Congresso Nacional brasileiro utilizando a máxima qui potest maius potest minus quem pode o mais pode o menos aceita aprovar tratados com emendas que assumem a forma de ressalvas Em geral as alterações do texto do tratado podem ser impostas pelo Congresso Nacional da seguinte forma i Basta que não sejam aprovados determinados dispositivos que ficam ressalvados no texto do Decreto Legislativo sem a aprovação do Congresso o Presidente não terá outra escolha a não ser impor reservas desses dispositivos no momento da ratificação a reserva é o ato unilateral pelo qual o Estado no momento da celebração final manifesta seu desejo de excluir ou modificar o texto do tratado ii Além disso a emenda pode exigir a modificação de parte do texto do tratado cuja nova redação também consta do Decreto Legislativo que também será comunicada pelo Presidente aos demais parceiros internacionais sob a forma de reservas iii Caso o Presidente não concorde com tais ressalvas sua única opção é não ratificar o tratado A fórmula usual de redação do Decreto Legislativo é concisa com dois artigos e um parágrafo no primeiro fica expressa a vontade congressual em aprovar o texto do tratado Fica aprovado contendo as ressalvas eventualmente impostas de artigos em seu parágrafo único repetese em clara redundância a fórmula do art 49 I da CF88 dispondo que ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que impliquem revisão do tratado bem como quaisquer atos que nos termos do inciso I do caput do art 49 da CF88 acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional o segundo artigo dispõe que o Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação Com isso fica o Presidente da República autorizado a celebrar em definitivo o tratado por meio da ratificação ou ato similar Aprovado o Decreto Legislativo o Presidente da República querendo pode em nome do Estado celebrar em definitivo o tratado o que é feito em geral pela ratificação O Presidente da República pode também formular reservas ao ratificar o tratado internacional além daquelas que obrigatoriamente lhe foram impostas pelas ressalvas ao texto aprovado pelo Congresso vide acima Não há a necessidade de submeter essas novas reservas ao Congresso uma vez que se trata de desejo de não submissão do Brasil à norma internacional Esse desejo não é passível de controle pelo Congresso da mesma maneira que graças à separação das funções do poder não pode ser obrigado o Presidente a ratificar um determinado tratado internacional A leitura dos arts 84 VIII e 49 I em conjunto faz nascer um mínimo denominador comum caso o Congresso ou nesse tópico do estudo o Presidente não aceite determinada disposição convencional ela deve ser sujeita à reserva Por isso a celebração de um tratado é um ato complexo não basta a vontade isolada de um Poder é necessária a junção da vontade dos Poderes Legislativo e Executivo Não há um prazo no qual o Presidente da República deve celebrar em definitivo o tratado em face do próprio dinamismo da vida internacional Como o Congresso Nacional não possui prazo para aprovar o texto do futuro tratado nada impede que a aprovação tenha sido realizada tardiamente desaparecidas as condições convenientes da época da assinatura do tratado pelo Presidente Logo não é adequado exigir que a ratificação seja obrigatória ela é da alçada discricionária do Presidente Resta ainda verificar quando o tratado entrará em vigor pois isso depende do texto do próprio tratado Há tratados que estabelecem um número mínimo de Estados partes e há tratados que exigem o decurso de um lapso temporal para que comecem a viger Essa executoriedade no plano internacional é essencial para que o tratado possa ser coerentemente exigido no plano interno Seria violar o próprio conceito de tratado exigir internamente o cumprimento de seus termos se ainda o tratado não entrou em vigor internacionalmente Temos após a ratificação e entrada em vigor do tratado no plano internacional o fim do ciclo de formação de um tratado para o Brasil Porém a norma válida internacionalmente não será válida internamente até que seja editado o Decreto de Promulgação também chamado de Decreto Executivo ou Decreto Presidencial pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores art 87 I da Constituição que incorpora ou recepciona internamente o tratado Esse Decreto inova a ordem jurídica brasileira tornando válido o tratado no plano interno Não há prazo para sua edição e até lá o Brasil está vinculado internacionalmente mas não internamente esse descompasso enseja a óbvia responsabilização internacional do Brasil De fato há casos de edição de decreto executivo anos após a entrada em vigor internacional do tratado Entretanto o STF tem decidido reiteradamente que o decreto de promulgação é indispensável para que o tratado possa ser recepcionado e aplicado internamente justificando tal exigência em nome da publicidade e segurança jurídica a todos CR 8279AgR rel Min Presidente Celso de Mello j 1761998 Plenário DJ de 1082000 Nossa posição é pela desnecessidade da edição do decreto de promulgação para todo e qualquer tratado A publicidade da ratificação e entrada em vigor internacional deve ser apenas atestada efeito meramente declaratório nos registros públicos dos atos do Ministério das Relações Exteriores Diário Oficial da União Esse aviso de caráter declaratório em nada afetaria o disposto no art 84 inciso VIII e ainda asseguraria publicidade desejável em nome da segurança jurídica e sintonia entre a validade internacional e a validade interna dos tratados 304 Contudo em 2018 no caso da impugnação do registro da candidatura do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva o Tribunal Superior Eleitoral reiterou a jurisprudência tradicional do STF e decidiu que a ausência do decreto de promulgação impedia a incorporação do Primeiro Protocolo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ao ordenamento jurídico brasileiro ironicamente não editado nas gestões do então Presidente Lula e da Presidente Dilma Rousseff Para o TSE o Primeiro Protocolo Facultativo não está em vigor na ordem interna brasileira Tribunal Superior Eleitoral Registro de Candidatura 11532 n 0600903 5020186000000 rel Min Roberto Barroso por maioria j 3182018 314 A hierarquia normativa ordinária ou comum dos tratados A Constituição de 1988 não contém capítulo específico sobre a relação do direito interno com o direito internacional consequentemente os dispositivos sobre a hierarquia dos tratados estão espalhados no texto da Constituição Sem ingressar ainda na temática dos tratados de direitos humanos que será estudada a seguir os dispositivos tradicionalmente levados em consideração na análise da hierarquia dos tratados em geral são os artigos 1 102 III b 2 105 III a e 3 47 O art 102 III b dispõe que cabe recurso extraordinário no caso de ter a decisão impugnada considerado inconstitucional lei ou tratado Já o art 105 III a estabelece que cabe recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça quando a decisão impugnada houver violado ou negado vigência a lei ou tratado Finalmente o art 47 estabelece que no caso da espécie normativa não possuir quórum de aprovação especificado no texto da Constituição esse será de maioria simples o que ocorre por exemplo com o decreto legislativo e com lei ordinária federal Esses três dispositivos constitucionais são os que normalmente são invocados para a determinação da hierarquia dos tratados internacionais comuns perante o direito brasileiro Analisando esses três dispositivos em conjunto o Supremo Tribunal Federal concluiu que os tratados internacionais incorporados possuem em geral o estatuto normativo interno equivalente ao da lei ordinária federal Essa é a hierarquia ordinária ou comum dos tratados em geral equivalência à lei ordinária federal A justificativa é simples Em primeiro lugar o art 102 III b determina que o estatuto dos tratados é infraconstitucional pois permite o controle de constitucionalidade dos tratados Em segundo lugar os arts 47 e 105 III a cuidam dos tratados da mesma maneira que as leis em dois momentos no quórum de aprovação maioria simples para a lei ordinária e para o decreto legislativo e na definição de um mesmo recurso recurso especial para a impugnação de decisões inferiores que os contrariarem ou lhes negarem vigência Esse estatuto equivalente à lei ordinária foi consagrado ainda antes da Constituição de 1988 no Recurso Extraordinário 80004 de 1977 RE 80004SE relator p o acórdão Min Cunha Peixoto j 1º61977 DJU de 29121977 Após 1988 o Supremo Tribunal Federal possui precedente claro sobre a hierarquia dos tratados internacionais a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n 1480 Nesse precedente o Supremo Tribunal Federal estabeleceu de início que os tratados se subordinam à nossa Constituição pois no sistema jurídico brasileiro os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República Em consequência nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais que incorporados ao sistema de direito positivo interno transgredirem formal ou materialmente o texto da Carta Política ADI 1480MC rel Min Celso de Mello j 491997 Plenário DJ de 1852001 Para o STF fundado na supremacia da Constituição da República no conflito entre qualquer norma constitucional e um tratado em geral cuidado ver as situações especiais abaixo a Constituição sempre prevalecerá devendo ser a incompatibilidade exposta nos controles difuso e concentrado de constitucionalidade Os diplomas normativos a serem atacados serão o Decreto Legislativo e o Decreto de Promulgação pois seriam os atos domésticos que levaram à recepção das normas convencionais ao sistema de direito positivo interno Nas palavras do Min Celso de Mello Supremacia da CF sobre todos os tratados internacionais O exercício do treatymaking power pelo Estado brasileiro está sujeito à observância das limitações jurídicas emergentes do texto constitucional Os tratados celebrados pelo Brasil estão subordinados à autoridade normativa da CF Nenhum valor jurídico terá o tratado internacional que incorporado ao sistema de direito positivo interno transgredir formal ou materialmente o texto da Carta Política Precedentes MI 772AgR rel Min Celso de Mello j 24102007 Plenário DJe de 2032009 grifo nosso Podem gerar a inconstitucionalidade de um tratado i transgressões formais e orgânicas à Constituição fruto da violação do iter de formação dos tratados por ter o Presidente excedido suas atribuições por exemplo e ii as transgressões de fundo no caso de texto do tratado colidir com o conteúdo da Constituição A solução dos conflitos entre lei e tratado de acordo com o STF não é resolvida pelo critério hierárquico mas sim pelo uso alternativo do critério cronológico later in time o último diploma suspende a eficácia do anterior que lhe for incompatível ou no brocardo latino lex posterior derogat priori ou ainda quando possível do critério da especialidade Em síntese tratase de paridade normativa entre tratados comuns e leis ordinárias o que impõe na visão do STF 1 a submissão do tratado internacional ao texto constitucional 2 a utilização do critério cronológico ou da especialidade na avaliação do conflito entre tratado e lei 3 tal qual assinalava o voto do Min Leitão de Abreu RE 8000477 há suspensão de eficácia do texto do tratado e não sua revogação pela lei posterior contrária Apesar dos ventos da redemocratização e do apelo da Constituição de 1988 à cooperação internacional art 4º IX não houve mudança drástica da orientação do STF quanto à hierarquia normativa dos tratados em geral A antiga orientação consagrada no RE 80004 de 1977 foi seguida e atualmente 2019 os tratados internacionais comuns incorporados internamente são equivalentes à lei ordinária federal Consequentemente não há a prevalência automática dos atos internacionais em face da lei ordinária já que a ocorrência de conflito entre essas normas deveria ser resolvida pela aplicação do critério cronológico a normatividade posterior prevalece later in time ou pela aplicação do critério da especialidade Futuramente é possível que com a ratificação e incorporação interna em 2009 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados o STF seja influenciado pelo seu art 27 que dispõe que nenhum Estado pode invocar dispositivos internos para não cumprir os comandos de um tratado o que modificaria a paridade normativa hoje existente entre tratado e leis ordinárias Resta analisar o caso especial que nos interessa que é o tratamento diferenciado aos tratados de direitos humanos QUADRO SINÓTICO As normas constitucionais sobre a formação e incorporação de tratados Terminologia Constituição brasileira utiliza terminologia variada para designar os tratados tratados internacionais convenção internacional atos internacionais acordos internacionais e compromissos internacionais Tais termos são sinônimos para a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados que define tratado como um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional quer conste de um instrumento único quer de dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja sua denominação específica A teoria da junção de vontades União papel dúplice no Federalismo brasileiro é ente federado de igual hierarquia com os demais entes Estados Municípios e Distrito Federal e ainda representa o Estado Federal nas relações internacionais Constituição exigiu um procedimento complexo para a formação da vontade do Brasil no plano internacional que une a vontade concordante dos Poderes Executivo e do Legislativo no que tange aos tratados internacionais Bases constitucionais art 84 VIII estabelece competir ao Presidente da República celebrar tratados convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional e art 49 I dispõe que é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional Teoria da junção de vontades ou teoria dos atos complexos para que um tratado internacional seja formado é necessária a conjunção de vontades do Poder Executivo e do Poder Legislativo A hierarquia normativa ordinária ou comum dos tratados Dispositivos constitucionais comumente utilizados para esclarecer o tema da hierarquia dos tratados ante a ausência de dispositivo expresso sobre a questão 1 Art 102 III b determina que cabe recurso extraordinário no caso de ter a decisão impugnada considerado inconstitucional lei ou tratado assim considera que o estatuto dos tratados é infraconstitucional pois permite o controle de constitucionalidade dos tratados 2 Art 105 III a determina que cabe recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça quando a decisão impugnada houver violado ou negado vigência a lei ou tratado assim define o mesmo recurso recurso especial utilizado para as leis para a impugnação de decisões inferiores que os contrariarem ou lhes negarem vigência 3 Art 47 determina que no caso de a espécie normativa não possuir quórum de aprovação especificado no texto da Constituição esse será de maioria simples assim dá tratamento igual a tratados e leis ao estabelecer o quórum de aprovação maioria simples para a lei e para o decreto legislativo Analisando referidos dispositivos em conjunto o STF concluiu que os tratados internacionais incorporados em geral possuem o estatuto normativo interno equivalente ao da lei ordinária federal Evolução da jurisprudência Antes da CF88 RE 80004 de 1977 estatuto equivalente à lei ordinária foi consagrado Após 1988 precedente sobre a hierarquia comum dos tratados internacionais na ADIMC 1480 o STF a estabeleceu o estatuto inferior à Constituição de forma que transgressões formais e de fundo podem gerar a inconstitucionalidade do tratado e b consagrou o estatuto do tratado como equivalente à lei ordinária federal de forma que as soluções de conflitos entre lei e tratado se dão por meio dos critérios cronológico e de especialidade mas não pelo não hierárquico A paridade normativa entre tratados em geral e leis ordinárias impõe 1 a submissão do tratado internacional ao texto constitucional 2 a utilização do critério cronológico ou da especialidade na avaliação do conflito entre tratado e lei 3 a suspensão de eficácia do texto do tratado e não sua revogação pela lei posterior contrária Não houve mudança da orientação do STF quanto à hierarquia normativa dos tratados em geral atualmente permanece a orientação de que os tratados internacionais comuns incorporados internamente são equivalentes à lei ordinária federal As quatro fases da formação da vontade à incorporação Três fases que levam à formação da vontade do Brasil em celebrar um tratado assumindo obrigações perante o Direito Internacional 1 FASE DA ASSINATURA É iniciada com as negociações do teor do futuro tratado que são consideradas atribuição do Chefe de Estado Com a assinatura o Estado manifesta sua predisposição em celebrar no futuro o texto do tratado A assinatura em geral não vincula o Estado brasileiro sendo necessário o referendo do Congresso Nacional É possível a adesão a textos de tratados já existentes dos quais o Brasil não participou da negociação Após a assinatura cabe ao Poder Executivo encaminhar o texto assinado do futuro tratado ao Congresso no momento em que julgar oportuno já que a Constituição de 1988 foi omissa quanto ao prazo 2 FASE DA APROVAÇÃO CONGRESSUAL OU FASE DO DECRETO LEGISLATIVO Trâmite da aprovação congressual 1 Presidente encaminha mensagem presidencial ao Congresso Nacional fundamentada solicitando a aprovação congressual ao texto do futuro tratado que vai anexado na versão oficial em português A exposição de motivos é feita pelo Ministro das Relações Exteriores 2 O trâmite é iniciado pela Câmara dos Deputados iniciativa presidencial no rito de aprovação de decreto legislativo 21 A mensagem presidencial é encaminhada para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional que prepara o projeto de decreto legislativo PDC 22 O projeto é apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania que analisa a constitucionalidade do texto do futuro tratado 23 Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional emite parecer sobre a conveniência e oportunidade bem como outras Comissões temáticas a depender da matéria do futuro tratado 24 O PDC é remetido ao Plenário da Câmara para aprovação por maioria simples estando presente a maioria absoluta dos membros da Casa 3 Após a aprovação no plenário da Câmara o projeto é apreciado no Senado 31 O projeto é encaminhado à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional 32 No rito normal após o parecer da Comissão o projeto é votado no Plenário No rito abreviado regimental o Presidente do Senado pode ouvidas as lideranças conferir à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional a apreciação terminativa do projeto 33 Aprovado o projeto o Presidente do Senado Federal promulga e publica o Decreto Legislativo 34 Caso o Senado apresente emenda o projeto retorna para a Câmara para a apreciação que a analisará Rejeitada a emenda pela Câmara o projeto de decreto legislativo segue para o Presidente do Senado Federal para promulgação e publicação 35 O texto do tratado internacional é publicado no anexo ao Decreto Legislativo no Diário do Congresso Nacional Caso o projeto de decreto legislativo seja rejeitado na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal há o envio de mensagem ao Presidente da República informandoo do ocorrido O Congresso Nacional aceita aprovar tratados com emendas que assumem a forma de ressalvas Se dispositivos não forem aprovados pelo Congresso Nacional ficam ressalvados no Decreto Legislativo e Presidente terá que impor reservas desses dispositivos no momento da ratificação Se a emenda exigir a modificação de parte do texto do tratado a nova redação também deve constar do Decreto Legislativo Se o Presidente não concordar com as ressalvas sua única opção é não ratificar os tratados 3 FASE DA RATIFICAÇÃO Após a aprovação congressual querendo o Presidente da República pode em nome do Estado celebrar o tratado em definitivo O Presidente pode formular reservas além daquelas que obrigatoriamente lhe foram impostas pelas ressalvas ao texto aprovado pelo Congresso A reserva é o ato unilateral pelo qual o Estado no momento da celebração final manifesta seu desejo de excluir ou modificar o texto do tratado Não há a necessidade de submeter essas novas reservas ao Congresso Não há um prazo no qual o Presidente da República deve celebrar em definitivo o tratado A entrada em vigor depende do texto do próprio tratado A executoriedade no plano internacional é essencial para que o tratado possa ser coerentemente exigido no plano interno Fase de incorporação do tratado já celebrado pelo Brasil no plano interno após a ratificação 4 FASE DO DECRETO PRESIDENCIAL OU DECRETO DE PROMULGAÇÃO Para que a norma válida internacionalmente seja também válida internamente deve ser editado o Decreto de Promulgação também chamado de Decreto Executivo ou Decreto Presidencial pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores art 87 I da Constituição O Decreto inova a ordem jurídica brasileira tornando válido o tratado no plano interno Não há prazo para sua edição mas ainda sem sua edição o Brasil está vinculado internacionalmente mas não internamente o que pode ensejar a responsabilização internacional do Estado 32 PROCESSO LEGISLATIVO APLICAÇÃO E HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS EM FACE DO ART 5º E SEUS PARÁGRAFOS DA CF88 321 Aspectos gerais A Constituição de 1988 possui poucos artigos que tratam do processo de formação e incorporação dos tratados como vimos acima Também foi concisa naquilo que se esperaria de uma Constituição cujo epicentro é a dignidade humana art 1º III um tratamento diferenciado aos tratados de direitos humanos Por isso a doutrina e a jurisprudência debateram com profundidade e muitas divergências as diferenças entre um tratado sobre um tema qualquer e um tratado de direitos humanos com foco em duas áreas 1 o processo legislativo e aplicação imediata dos tratados de direitos humanos e 2 a hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos A situação ficou ainda mais complexa depois da Emenda Constitucional n 45 que introduziu na Constituição de 1988 o 3º do art 5º que dispõe Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais Esse dispositivo não encerrou os debates sobre o tema como veremos abaixo 322 A situação antes da Emenda Constitucional n 452004 os 1º e 2º do art 5º Após a edição da Constituição de 1988 parte da doutrina apoiou a tese de que os tratados de direitos humanos eram diferenciados dos demais tratados em virtude da redação dos dois parágrafos originais do art 5º O 1º estabelece que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata Esse termo aplicação imediata teria para uma determinada parte da doutrina a consequência da dispensa do decreto de promulgação Consequentemente houve quem defendesse que desde 1988 a Constituição ordenava a dispensa da incorporação e a adoção automática dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil Bastaria o ato de ratificação e a entrada em vigor no plano internacional do tratado de direitos humanos para que esse fosse automaticamente válido internamente 305 O Supremo Tribunal Federal contudo interpretou o art 5º 1º restritivamente pois este regeria somente a aplicação interna dos direitos e garantias fundamentais sem relação então com a necessidade ou não de decreto executivo na incorporação de tratados Assim para o STF nada mudou no processo de formação e incorporação dos tratados todos inclusive os de direitos humanos deveriam passar pelas quatro fases vistas acima assinatura decreto legislativo ratificação e decreto presidencial para que pudessem ter validade nacional Por outro lado o art 5º 2º da CF dispõe que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte A expressão não excluem outros decorrentes dos tratados fez com que parte da doutrina defendesse que a Constituição havia adotado a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos Veremos a seguir as minúcias da hierarquia dos tratados de direitos humanos e a situação atual QUADRO SINÓTICO A situação antes da Emenda Constitucional n 452004 os 1º e 2º do art 5º Após a edição da CF88 parte da doutrina apoiou a tese de que os tratados de direitos humanos eram diferenciados dos demais tratados em virtude da redação dos dois parágrafos originais do art 5º com base nos seguintes argumentos 1 Art 5º 1º estabelece a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais consequentemente para parte da doutrina haveria a dispensa do decreto de promulgação bastando apenas a entrada em vigor internacional e a ratificação para que o tratado fosse válido internamente Entretanto o STF entendeu que todos os tratados inclusive os de direitos humanos deveriam passar pelas quatro fases de incorporação de tratados carecendo de decreto de promulgação para validade interna 2 Art 5º 2º dispõe que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte consequentemente para parte da doutrina a CF88 havia adotado a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos 33 A HIERARQUIA NORMATIVA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS E A EMENDA CONSTITUCIONAL N 452004 331 Aspectos gerais De 1988 a 2008 o STF decidiu a favor da tese de que os tratados de direitos humanos teriam a mesma hierarquia dos demais tratados considerados equivalentes à lei ordinária federal como visto acima Desprezouse então o disposto no art 5º 2º da CF88 que de acordo com esse posicionamento não teria o poder de alterar a hierarquia equivalente à lei ordinária federal dos tratados internacionais como um todo uma vez que não seria possível uma alteração da Constituição feita por um tratado de direitos humanos posterior A ementa do acórdão no HC 72131 julgado em 1995 leading case do tema à época não deixa dúvida Com efeito é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária não se lhes aplicando quando tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à Constituição de 1988 o disposto no art 5º 2º pela singela razão de que não se admite emenda constitucional realizada por meio de ratificação de tratado HC 72131 voto do rel p o ac Min Moreira Alves Plenário j 23111995 Plenário DJ de 1º82003 grifo meu Assim mesmo os tratados de direitos humanos teriam estatuto normativo equivalente à lei ordinária federal O caso da prisão civil do depositário infiel é exemplar Essa prisão foi expressamente proibida pela Convenção Americana de Direitos Humanos que em seu art 7º 7 veda a prisão civil com exceção da decorrente de obrigação alimentar Ainda na década de 90 do século passado o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Convenção Americana de Direitos teria estatuto de lei ordinária federal e logo deveria ser subordinada ao texto constitucional brasileiro que em seu art 5º LXVII menciona além da prisão civil decorrente do inadimplemento de obrigação alimentar a hipótese da prisão civil do depositário infiel Para reforçar tal visão o STF comparou a Constituição de 1988 com a Constituição argentina a qual depois da reforma de 1994 consagrou expressamente a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos Para a Corte Suprema brasileira a diferença entre as duas Constituições demonstrava que quando o constituinte almeja estabelecer um status normativo diferenciado aos tratados de direitos humanos ele assim o faz expressamente Tal entendimento do STF todavia sempre possuiu ferozes críticos Em primeiro lugar houve quem defendesse o estatuto supraconstitucional dos tratados internacionais de direitos humanos 306 com base na necessidade de cumprimento dos tratados mesmo se contrariassem a Constituição Para outra parte da doutrina o art 5º 2º asseguraria a hierarquia de norma constitucional aos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil pois sua redação Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais gera cláusula de abertura que forneceria aos direitos previstos nos tratados de direitos humanos a almejada estatura constitucional 307 Para conciliar a visão majoritária do Supremo Tribunal Federal de estatura equivalente a mera lei ordinária federal com a visão doutrinária de natureza constitucional dos tratados de direitos humanos o então Ministro Sepúlveda Pertence em passagem na fundamentação do seu voto no Recurso em Habeas Corpus n 79785RJ sustentou que deveríamos aceitar a outorga de força supralegal às convenções de direitos humanos de modo a dar aplicação direta às suas normas até se necessário contra a lei ordinária sempre que sem ferir a Constituição a complementem especificando ou ampliando os direitos e garantias dela constantes Essa posição conciliatória de Sepúlveda Pertence em 2000 tratados de direitos humanos ficariam acima das leis e abaixo da Constituição não logrou inicialmente apoio no STF até a aposentadoria do Ministro RHC 79785 rel Min Sepúlveda Pertence j 2932000 Plenário DJ de 22112002 grifo nosso Assim sendo até a edição da Emenda Constitucional n 452004 havia intenso debate doutrinário sobre a posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos especialmente em virtude do disposto no art 5º 2º da Constituição Tal caos sobre a hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos pode ser resumido em quatro posições de maior repercussão i natureza supraconstitucional em face de sua origem internacional ii natureza constitucional forte apoio doutrinário iii natureza equiparada à lei ordinária federal majoritária no STF de 1988 a 2008 iv natureza supralegal acima da lei e inferior à Constituição voto solitário do Min Sepúlveda Pertence no RHC 79785RJ Apesar da diversidade de posições o posicionamento do STF até 2008 foi o seguinte o tratado de direitos humanos possuía hierarquia equivalente à lei ordinária federal como todos os demais tratados incorporados 332 As diferentes visões doutrinárias sobre o impacto do rito especial do art 5º 3º na hierarquia dos tratados de direitos humanos Em face desse caos e da resistência do Supremo Tribunal Federal em reconhecer a hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos o movimento de direitos humanos buscou convencer o Congresso a aprovar emenda constitucional contendo tal reconhecimento Foi então aprovada a Emenda Constitucional n 452004 que introduziu o 3º no art 5º da CF88 com a seguinte redação Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais A redação final aprovada do dispositivo foi recebida contudo com pouco entusiasmo pelos defensores de direitos humanos pelos seguintes motivos 1 condicionou a hierarquia constitucional ao rito idêntico ao das emendas constitucionais aumentando o quórum da aprovação congressual futura e estabelecendo dois turnos tornandoa mais dificultosa 2 sugeriu ao usar a expressão que forem a existência de dois tipos de tratados de direitos humanos no pósEmenda os aprovados pelo rito equivalente ao da emenda constitucional e os aprovados pelo rito comum maioria simples 3 nada mencionou quanto aos tratados anteriores à Emenda Cançado Trindade em contundente voto em separado no Caso Damião Ximenes da Corte Interamericana de Direitos Humanos criticou duramente o citado parágrafo mal concebido mal redigido e mal formulado representa um lamentável retrocesso em relação ao modelo aberto consagrado pelo parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 Para sintetizar Cançado Trindade o denomina aberração jurídica parágrafos 30 e 31 do citado Voto em Separado Após a Emenda Constitucional houve quem defendesse sua inconstitucionalidade nesse ponto por ter piorado a hierarquia dos tratados de direitos humanos e assim violado cláusula pétrea art 60 4º referente à proibição de emenda que tenda a abolir direitos e garantias individuais Essa visão era baseada na crença da existência anterior do estatuto constitucional dos tratados internacionais de direitos fundado na interpretação do alcance do art 5º 2º não aceita pelo STF Essa visão também não foi aceita pelo próprio STF que em mais de uma ocasião fez referência ao art 5º 3º sem qualquer alegação de inconstitucionalidade Por outro lado parte da doutrina entendeu que a batalha pela natureza constitucional de todos os tratados internacionais fora perdida somente alguns seriam equivalentes à emenda constitucional a saber os que fossem aprovados pelo rito especial recémcriado Nessa linha José Afonso da Silva defendeu que após a Emenda n 45 existiriam dois tipos de tratados de direitos humanos os aprovados pelo rito especial do art 5º 3º e os que não aprovados quer por serem anteriores à EC 452004 ou se posteriores terem sido aprovados pelo rito simples Os últimos teriam estatuto equivalente à lei ordinária federal e somente os primeiros teriam estatura constitucional 308 Por sua vez houve aqueles que sustentaram que o estatuto constitucional se estenderia ao menos aos tratados de direitos humanos aprovados anteriormente graças ao instituto da recepção formal aceito pelo constitucionalismo brasileiro tal qual leis ordinárias preexistentes que foram consideradas leis complementares em face do novo posicionamento hierárquico da matéria pela nascente ordem constitucional Essa posição restou fragilizada em face novamente da redação do art 5º 3º que aceita a possibilidade de tratados no pós Emenda serem aprovados pelo rito simples Assim como os tratados anteriores seriam recepcionados com qual hierarquia se a EC 452004 usou a expressão que forem no 3º do art 5º abrindo uma alternativa ao Congresso Nacional para aprovar os tratados pelo rito simples Entre esses dois polos antagônicos floresceu visão doutrinária defendida entre outros por Piovesan 309 que fez interessante compatibilização entre a visão minoritária de outrora estatuto constitucional dos tratados de direitos humanos com a redação peculiar do rito especial do 3º e sua expressão que forem Nem o 3º do artigo seria inconstitucional nem os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito simples seriam equivalentes à lei ordinária federal Nessa linha conciliatória todos os tratados de direitos humanos incorporados antes ou depois da EC 45 teriam estatuto constitucional com base no art 5º 2º Na acepção de Piovesan todos seriam materialmente constitucionais Porém os tratados aprovados sob a forma do rito do art 5º 3º seriam material e formalmente constitucionais Ter sido aprovado pelo rito especial do art 5º 3º e ser consequentemente material e formalmente constitucional acarretaria duas consequências adicionais aos tratados de direitos humanos 1 a impossibilidade de denúncia pois tais tratados seriam material e formalmente constitucionais e 2 a inclusão no rol de cláusulas pétreas uma vez que não poderiam mais ser denunciados e excluídos do nosso ordenamento Assim teríamos tão somente a petrificação dos tratados de direitos humanos que fossem aprovados de acordo com o rito especial visto que não seriam sujeitos à denúncia ato unilateral pelo qual o Estado brasileiro manifesta sua vontade de não se engajar perante determinado tratado O STF contudo adotou outro entendimento consagrando a teoria do duplo estatuto como veremos abaixo QUADRO SINÓTICO A hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos e a EC 452004 Debate doutrinário e posição do STF sobre a hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos antes da EC 452004 Mesmo após a Constituição de 1988 prevalecia no plano judicial o posicionamento do STF o tratado de direitos humanos possuía hierarquia equivalente à lei ordinária federal como todos os demais tratados incorporados Entretanto até a edição da EC 452004 houve intenso debate doutrinário sobre a posição hierárquica dos tratados internacionais As posições de maior repercussão eram as seguintes a natureza supraconstitucional em face de sua origem internacional b natureza constitucional c natureza equiparada à lei ordinária federal STF da época d natureza supralegal acima da lei e inferior à Constituição voto do Min Sepúlveda Pertence Diferentes visões doutrinárias após a EC 452004 que introduziu o 3º no art 5º da CF88 Art 5º 3º da CF88 Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais A redação final aprovada do dispositivo gerou ainda diversos debates com os seguintes posicionamentos a inconstitucionalidade do novo parágrafo por ter piorado a hierarquia dos tratados de direitos humanos e assim violado cláusula pétrea b somente alguns tratados internacionais seriam equivalentes à emenda constitucional a saber os que fossem aprovados pelo rito especial recémcriado c o estatuto constitucional se estenderia ao menos aos tratados de direitos humanos aprovados anteriormente graças ao instituto da recepção formal d todos os tratados de direitos humanos incorporados antes ou depois da EC 45 teriam estatuto constitucional com base no art 5º 2º pois todos seriam materialmente constitucionais Piovesan as consequências do rito especial seriam apenas duas 1 a impossibilidade de denúncia pois tais tratados seriam material e formalmente constitucionais e 2 a inclusão no rol de cláusulas pétreas uma vez que não poderiam mais ser denunciados e excluídos do nosso ordenamento 34 A TEORIA DO DUPLO ESTATUTO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NATUREZA CONSTITUCIONAL OS APROVADOS PELO RITO DO ART 5º 3º E NATUREZA SUPRALEGAL TODOS OS DEMAIS O art 5º 3º da CF88 motivou revisão do posicionamento do STF sobre a hierarquia dos tratados de direitos humanos no Brasil No julgamento do RE 466343 simbolicamente também referente à prisão civil do depositário infiel a maioria de votos dos Ministros sustentou novo patamar normativo para os tratados internacionais de direitos humanos inspirada pelo 3º do art 5º da CF88 introduzido pela EC 452004 A nova posição prevalecente no STF foi capitaneada pelo Min Gilmar Mendes que retomando a visão pioneira de Sepúlveda Pertence em seu voto no HC 79785RJ sustentou que os tratados internacionais de direitos humanos que não forem aprovados pelo Congresso Nacional pelo rito especial do art 5º 3º da CF88 têm natureza supralegal abaixo da Constituição mas acima de toda e qualquer lei O voto do Min Gilmar Mendes é esclarecedor Desde a adesão do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos art 11 e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica art 7º 7 ambos no ano de 1992 não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico estando abaixo da Constituição porém acima da legislação interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão Assim ocorreu com o art 1287 do CC de 1916 e com o DecretoLei 9111969 assim como em relação ao art 652 do novo CC RE 466343 rel Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes j 3122008 Plenário DJe de 562009 com repercussão geral 310 grifo nosso Já os tratados aprovados pelo Congresso pelo rito especial do 3º ao art 5º votação em dois turnos nas duas Casas do Congresso com maioria de três quintos terão estatuto constitucional Em 2009 a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça adotou o mesmo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE n 466343SP no sentido de que os tratados de direitos humanos ratificados e incorporados internamente têm força supralegal o que resulta em que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é considerada inválida STJ REsp 914253SP Rel Ministro Luiz Fux Corte Especial j 2122009 DJe 422010 Ficou consagrada a teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos natureza constitucional para os aprovados pelo rito do art 5º 3º natureza supralegal para todos os demais quer sejam anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional n 45 e que tenham sido aprovados pelo rito comum maioria simples turno único em cada Casa do Congresso Em resumo com a consagração da teoria do duplo estatuto temos que i as leis inclusive as leis complementares e atos normativos são válidos se forem compatíveis simultaneamente com a Constituição e com os tratados internacionais de direitos humanos incorporados ii cabe ao Poder Judiciário realizar o chamado controle de convencionalidade nacional das leis utilizando os tratados de direitos humanos como parâmetro supralegal ou mesmo equivalente à emenda constitucional iii os tratados incorporados pelo rito especial previsto no art 5º 3º da CF88 passam a integrar o bloco de constitucionalidade restrito como veremos abaixo podendo servir de parâmetro para avaliar a constitucionalidade de uma norma infraconstitucional qualquer QUADRO SINÓTICO A teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos natureza constitucional os aprovados pelo rito do art 5º 3º e natureza supralegal todos os demais A introdução do 3º ao art 5º da CF88 motivou recente revisão do posicionamento do STF Leading case RE 466343 referente à prisão civil do depositário infiel a maioria de votos dos Ministros sustentou novo patamar normativo natureza supralegal para os tratados internacionais de direitos humanos Ficou consagrada a teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos a natureza constitucional para os aprovados pelo rito do art 5º 3º b natureza supralegal para todos os demais quer sejam anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional n 45 e que tenham sido aprovados pelo rito comum maioria simples turno único em cada Casa do Congresso Como consequência temse que a as leis inclusive as leis complementares e atos normativos são válidos se forem compatíveis simultaneamente com a Constituição e com os tratados internacionais de direitos humanos incorporados b os tratados de direitos humanos incorporados pelo rito simples não têm estatuto constitucional logo não cabe ao Supremo Tribunal Federal analisar no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade a compatibilidade entre leis ou atos normativos e tratado internacional de direitos humanos c cabe ao STF realizar o chamado controle de convencionalidade nacional das leis em relação aos tratados tidos como supralegais e também em relação aos tratados incorporados pelo rito especial previsto no art 5º 3º da CF88 que passam a integrar o bloco de constitucionalidade restrito 35 O IMPACTO DO ART 5º 3º NO PROCESSO DE FORMAÇÃO E INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS 351 O rito especial do art 5º 3º é facultativo os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito comum depois da EC 452004 A consagração da teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos não eliminou todas as dúvidas sobre o processo de formação e incorporação dos tratados de direitos humanos Vamos responder abaixo as principais perguntas sobre essa temática Em primeiro lugar o rito especial do art 5º 3º é obrigatório e deve ser sempre seguido pelo Poder Executivo e Poder Legislativo cuja tradicional junção de vontades acarreta a incorporação de um tratado ao ordenamento brasileiro A resposta é negativa A redação do 3º inicialmente abre a porta para a existência da possibilidade de os tratados serem aprovados pelo rito comum ou ordinário maioria simples pois o art 5º 3º usa a expressão que forem Logo não se pode exigir que todo e qualquer tratado de direitos humanos possua o quórum expressivo de 35 previsto no art 5º 3º pois assim dificultaríamos sua aprovação e teríamos uma situação pior que a anterior à EC 45 O Congresso brasileiro adotou esse posicionamento ao aprovar vários tratados de direitos humanos após a EC 452004 pelo rito comum ou ordinário ou seja por maioria simples e em votação em turno único Seguem abaixo alguns tratados de direitos humanos aprovados no Brasil pelo rito simples mesmo após a EC 452004 1 Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes adotado em 18 de dezembro de 2002 Decreto Legislativo n 483 de 20122006 e Decreto n 6085 de 1942007 2 Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e a Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul assinado em Assunção em 20 de junho de 2005 Decreto Legislativo n 592 de 2782009 e Decreto n 7225 de 1º72010 3 Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais assinada em Paris em 20 de outubro de 2005 Decreto Legislativo n 485 de 20122006 e Decreto n 6177 de 1º82007 4 Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial adotada em Paris em 17 de outubro de 2003 e assinada em 3 de novembro de 2003 Decreto Legislativo n 22 de 1º22006 e Decreto n 5753 de 1242006 5 Segundo Protocolo relativo à Convenção da Haia de 1954 para a Proteção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado celebrado na Haia em 26 de março de 1999 Decreto Legislativo n 782 de 872005 e Decreto n 5760 de 2442006 6 A Convenção da Haia sobre o Acesso Internacional à Justiça Decreto Legislativo n 65810 de 1º92010 e ratificada em 20112011 352 O rito especial pode ser requerido pelo Presidente ou pelo Congresso Uma segunda dúvida diz também respeito ao rito especial este deve ser pedido pelo Presidente ou o Congresso pode adotálo independentemente da vontade presidencial Entendo que o rito especial pode ser pedido pelo Presidente da República em sua mensagem de encaminhamento do texto do tratado ao Congresso ou ainda pode ser o rito especial adotado pelo próprio Congresso sponte sua Nem se diga que a vontade presidencial de adoção do rito simples vincularia o Congresso É que nesse caso o Presidente é apenas o senhor da oportunidade de envio da mensagem mas a adoção do rito especial é tema que envolve matéria eminentemente congressual de acordo com o art 49 I Logo cabe ao Congresso decidir sobre o quórum de aprovação e os dois turnos de votação O Congresso pode ser provocado mas pode também adotar o rito ex officio pois não podemos concluir que esse tema dependa da iniciativa privativa do Presidente sem que a Constituição tenha expressamente assim disposto A iniciativa do Presidente é concorrente referente tão somente ao papel de provocar a manifestação do Congresso sobre o rito especial este pode inclusive rejeitar o pedido inserido na mensagem presidencial e aprovar o tratado de acordo com o rito simples por exemplo caso seja politicamente impossível aproválo pelo quórum qualificado 353 O decreto de promulgação continua a ser exigido no rito especial A terceira dúvida diz respeito às alterações do rito geral de incorporação de um tratado internacional de direitos humanos ao ordenamento interno inspirado também na redação do art 5º 3º As alterações são duas 1 a alteração do quórum de aprovação do Projeto de Decreto Legislativo que agora passa a necessitar de aprovação de 35 dos membros de cada Casa 308 deputados na Câmara dos Deputados e 49 Senadores no Senado Federal devem votar a favor 2 deve existir votação em dois turnos em cada Casa com interstício de 10 sessões ordinárias tal como ocorre no rito da PEC Proposta de Emenda Constitucional Será que o rito especial do art 5º 3º não levaria à dispensa da ratificação e do Decreto de Promulgação usando como analogia o rito da emenda constitucional que dispensa a chamada fase da deliberação executiva sanção ou veto presidencial A resposta é negativa O uso analógico do rito da emenda constitucional não pode servir para transformar a aprovação do futuro tratado em uma PEC Proposta de Emenda Constitucional O rito especial do art 5º 3º considera que o tratado de direitos humanos deve ser considerado equivalente à emenda constitucional sua natureza de tratado internacional não é afetada Assim resta ainda ao Presidente da República ratificar o tratado de direitos humanos pois esse ato internacional é que em geral leva à celebração definitiva dos tratados Como até hoje o STF ainda exige o Decreto de Promulgação vide crítica acima este deve ser editado para todo e qualquer tratado inclusive os tratados de direitos humanos aprovados pelo rito especial do art 5º 3º Aliás a praxe republicana brasileira de exigência do Decreto de Promulgação é resistente o primeiro tratado internacional de direitos humanos a ser aprovado pelo rito do art 5º 3º a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi promulgado pelo Decreto Presidencial n 6949 de 25 de agosto de 2009 QUADRO SINÓTICO O impacto do art 5º 3º no processo de formação e incorporação dos tratados de direitos humanos 1 O rito especial do art 5º 3º é facultativo não se pode exigir que todo e qualquer tratado de direitos humanos possua o quórum expressivo de 35 previsto no art 5º 3º pois assim dificultaríamos sua aprovação e teríamos uma situação pior que a anterior à EC 45 2 O rito especial pode ser requerido pelo Presidente da República em sua mensagem de encaminhamento do texto do tratado ao Congresso ou pelo próprio Congresso A vontade presidencial de adoção do rito simples não vincula o Congresso já que a adoção do rito especial é tema que envolve matéria eminentemente congressual cabendo ao Congresso decidir sobre o quórum de aprovação e os dois turnos de votação De outro lado o Congresso pode também rejeitar o pedido inserido na mensagem presidencial e aprovar o tratado de acordo com o rito simples 3 Há duas alterações no rito geral de incorporação de um tratado internacional de direitos humanos ao ordenamento interno a alteração do quórum de aprovação do Projeto de Decreto Legislativo que agora passa a necessitar de aprovação de 35 dos membros de cada Casa b deve existir votação em dois turnos em cada Casa com interstício de 10 sessões ordinárias tal como ocorre no rito da PEC Proposta de Emenda Constitucional O Decreto de Promulgação entretanto continua a ser exigido no rito especial O uso analógico do rito da emenda constitucional não pode servir para transformar a aprovação do futuro tratado em uma PEC Observação a existência do Decreto de Promulgação pode ser questionada em relação a todos os tratados e não somente em relação aos tratados de direitos humanos com base na ausência de dispositivo constitucional que faça menção ao decreto presidencial de incorporação dos tratados posição minoritária 4 A denúncia de tratado internacional de direitos humanos em face do direito brasileiro A tese defendida por parte da doutrina sobre o estatuto constitucional de todos os tratados de direitos humanos mesmo após a EC 452004 repercute na temática da denúncia dos tratados ato unilateral pelo qual o Estado expressa sua vontade de não mais se obrigar perante o tratado Na linha defendida por Piovesan há duas categorias de tratados de direitos humanos ambas de estatura constitucional 1 o tratado materialmente constitucional que é aquele aprovado pelo rito comum dos tratados 2 o tratado material e formalmente constitucional que é aquele aprovado pelo rito especial do art 5º 3º Este último seria insuscetível de denúncia e ainda seria parte integrante do núcleo pétreo da Constituição Em que pese essa posição ser minoritária no STF que adotou desde 2008 a teoria do duplo estatuto dos tratados de direitos humanos entendemos ser inegável o estatuto constitucional de todos os tratados internacionais de direitos humanos em face do disposto especialmente no art 1º caput e inciso III estabelecimento do Estado Democrático de Direito e ainda consagração da dignidade humana como fundamento da República bem como em face do art 5º 2º Até o momento não há posicionamento definitivo do STF sobre a denúncia de tratados de direitos humanos Até que exista esse posicionamento a posição prevalecente é que bastaria a vontade unilateral do Poder Executivo ou ainda uma lei do Poder Legislativo ordenando ao Executivo que denunciasse o tratado no plano internacional Tudo isso sem motivação uma vez que ingressaria na área da política internacional Entendemos que essa posição prevalecente é inaplicável aos tratados de direitos humanos uma vez que há a proibição do retrocesso tal qual foi discutida neste livro O rito da denúncia de tratados encontrase ainda sob apreciação do STF na ADI 1625 proposta em 1997 na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura Contag questiona o Decreto n 210096 pelo qual o Presidente da República da época Fernando Henrique Cardoso promulgou internamente a denúncia ato internacional que já havia sido realizado à Convenção n 158 da Organização Internacional do Trabalho OIT que trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador e veda a dispensa injustificada Já há votos Min Joaquim Barbosa Min Teori Zavascki Min Rosa Webber Min Maurício Correa já falecido favoráveis à tese de que o Presidente da República deve contar com o aval prévio do Congresso antes da oferta da denúncia Assim há a tendência da superação da visão tradicional referente ao poder arbitrário do Presidente da República para denunciar tratados devendo ser obtida previamente a anuência do Congresso Nacional Caso o STF confirme esse entendimento deve ser observado ainda no caso dos tratados de direitos humanos aprovados pelo rito especial do art 5º 3º o quórum qualificado de 35 para aceitação da denúncia Além disso em qualquer hipótese a denúncia de um tratado de direitos humanos submete se ao crivo da proibição do retrocesso ou seja deve existir motivo para a denúncia que não acarrete diminuição de direitos e ainda cabe controle judicial para verificação da constitucionalidade da denúncia Em 2019 a ProcuradoriaGeral da República peticionou nos autos da ADI 1625 solicitando urgência na sua apreciação final manifestandose usando citação de passagem doutrinária do Autor deste Curso a favor da i aprovação congressual da denúncia com quórum qualificado respeitada ii a proibição do retrocesso existência de motivo para que a denúncia não acarrete a diminuição de direitos usufruídos e com iii controle judicial para a verificação da constitucionalidade da denúncia QUADRO SINÓTICO A denúncia de tratado internacional de direitos humanos em face do direito brasileiro Entendese que no caso dos tratados de direitos humanos em face da matéria vinculada à dignidade humana toda denúncia deveria ser apreciada pelo Congresso Nacional Além dessa aprovação congressual com quórum qualificado no caso dos tratados aprovados pelo rito especial do art 5º 3º a denúncia ainda deve passar pelo crivo da proibição do retrocesso ou efeito cliquet consequência do regime jurídico dos direitos fundamentais A justificativa constitucionalmente adequada para a denúncia seria a ocorrência de desvios na condução dos tratados o que conspiraria contra a defesa dos direitos humanos O controle do respeito ao efeito cliquet deve ser feito pelo Poder Judiciário A posição prevalecente sobre a denúncia de tratados de direitos humanos entretanto é que basta a vontade unilateral do Poder Executivo ou ainda uma lei do Poder Legislativo ordenando ao Executivo que denunciasse o tratado no plano internacional O tema da exigência da aprovação prévia do Congresso Nacional para a denúncia de um tratado ainda está em aberto no STF ADI 1625 de 1997 ainda em trâmite no STF em setembro de 2019 5 A aplicabilidade imediata das normas contidas em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil O art 5º 1º da Constituição determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata Essa aplicação imediata deve ser estendida aos direitos previstos nos tratados de direitos humanos como fruto lógico da aplicação desse 1º combinado com o 2º do art 5º já exposto Esses direitos são tendencialmente completos 311 ou seja aptos a serem invocados desde logo pelo jurisdicionado Essa posição foi aceita pelo STF em caso de aplicação de direitos ao extraditando o STF decidiu que direitos e garantias fundamentais devem ter eficácia imediata cf art 5º 1º a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos deve obrigar o Estado a guardarlhes estrita observância Extr 986 rel Min Eros Grau j 1582007 Plenário DJ de 510 2007 grifo nosso QUADRO SINÓTICO A aplicabilidade imediata das normas contidas em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil O art 5º 1º da Constituição determina a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais a qual deve ser estendida aos direitos previstos nos tratados de direitos humanos considerandose o disposto no 2º do art 5º Esses direitos são tendencialmente completos ou seja aptos a serem invocados desde logo pelo jurisdicionado Essa posição foi aceita pelo STF 6 O bloco de constitucionalidade 61 O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE AMPLO O bloco de constitucionalidade consiste no reconhecimento da existência de outros diplomas normativos de hierarquia constitucional além da própria Constituição No Direito Comparado o marco do reconhecimento da existência do bloco de constitucionalidade foi a decisão n 7144 DC de 1671971 do Conselho Constitucional francês relativa à liberdade de associação que consagrou o valor constitucional do preâmbulo da Constituição francesa de 1958 que por sua vez faz remissão ao preâmbulo da Constituição de 1946 e à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 Em 2005 houve alteração do preâmbulo da Constituição francesa e foi agregada remissão à Carta do Meio Ambiente Charte de lenvironment todos agora fazendo parte do bloco de constitucionalidade No Supremo Tribunal Federal em 2002 o Min Celso de Mello constatou a existência do debate sobre o bloco de constitucionalidade que influencia a atuação do STF uma vez que os dispositivos normativos pertencentes ao bloco poderiam ser utilizados como paradigma de confronto das leis e atos normativos infraconstitucionais no âmbito do controle de constitucionalidade 312 No texto constitucional o art 5º 2º permite ao dispor sobre os direitos decorrentes do regime princípios e tratados de direitos humanos o reconhecimento de um bloco de constitucionalidade amplo que alberga os direitos previstos nos tratados internacionais de direitos humanos Contudo até a edição da EC 452004 o estatuto desses tratados na visão do STF era equivalente à mera lei ordinária como visto acima Assim no máximo a doutrina e jurisprudência majoritárias reconheciam o valor constitucional apenas às normas expressas ou implícitas previstas na Constituição devendo até mesmo ser levados em consideração os valores mencionados no preâmbulo 313 Com a introdução do art 5º 3º o STF modificou sua posição mas ainda situou os tratados aprovados sem o rito especial do citado parágrafo no patamar da supralegalidade Restam então os tratados aprovados pelo rito especial do art 5º 3º como parte integrante de um bloco de constitucionalidade restrito 62 O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE RESTRITO Em que pese nossa posição de ter a redação originária da Constituição de 1988 adotado o conceito de um bloco de constitucionalidade amplo ao dotar os tratados de direitos humanos de estatuto equivalente à norma constitucional de acordo com o art 5º 2º essa posição é minoritária até o momento Assim resta a aceitação plena ao que tudo indica de um bloco de constitucionalidade restrito que só abarca os tratados aprovados pelo rito especial do art 5º 3º introduzido pela Emenda Constitucional n 452004 Logo todos os demais artigos da Constituição que tratam do princípio da supremacia da norma constitucional como por exemplo os referentes ao controle difuso e concentrado de constitucionalidade arts 102 e 103 devem agora ser lidos como sendo componentes do mecanismo de preservação da supremacia do bloco de constitucionalidade como um todo e não somente da Constituição A filtragem constitucional do ordenamento ou seja a exigência de coerência de todo o ordenamento aos valores da Constituição passa a contar também com o filtro internacionalista oriundo dos valores existentes nesses tratados aprovados pelo rito especial Consequentemente as normas paramétricas de confronto no controle de constitucionalidade devem levar em consideração não só a Constituição mas também os tratados celebrados pelo rito especial Portanto cabe acionar o controle abstrato e difuso de constitucionalidade em todas as suas modalidades para fazer valer as normas previstas nesses tratados Os dois primeiros tratados que foram aprovados de acordo com esse rito foram a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo assinados em Nova Iorque em 30 de março de 2007 Além de robusto rol de direitos previsto na Convenção houve a submissão brasileira ao sistema de petição das vítimas de violação de direitos previstos ao Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de acordo com o Protocolo Facultativo O rito especial foi seguido em sua inteireza O Presidente na mensagem presidencial de encaminhamento do texto do futuro tratado solicitou o rito especial O Decreto Legislativo n 186 foi aprovado por maioria de 35 e em dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional e publicado em 10 de junho de 2008 O Brasil depositou o instrumento de ratificação dos dois tratados a Convenção e seu Protocolo Facultativo junto ao SecretárioGeral das Nações Unidas em 1º de agosto de 2008 e estes entraram em vigor para o Brasil no plano internacional em 31 de agosto de 2008 O Decreto Presidencial n 6949 promulgou os textos dos dois tratados no âmbito interno tendo sido editado em 25 de agosto de 2009 quase um ano após a validade internacional dos referidos tratados para o Brasil Em 2015 foi aprovado no Congresso Nacional o Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas com Deficiência Visual ou com outras Dificuldades para ter Acesso ao Texto Impresso concluído no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual OMPI celebrado em Marraqueche em 28 de junho de 2013 que passou a ser o terceiro tratado de direitos humanos sob o rito do art 5º 3º da CF88 No caso do Tratado de Marraqueche a adoção do rito especial foi recomendada pela Exposição de Motivos conjunta ministerial EMI n 000042014 MRE SDH MinC Ministério das Relações Exteriores Turismo e Secretaria de Direitos Humanos então com status ministerial uma vez que o tratado em questão tem como objetivo favorecer a plena realização dos direitos das pessoas com deficiência em consonância com as normativas internacionais de direitos humanos vide em capítulo próprio a análise do Tratado de Marraqueche bem como as críticas de parte da sociedade civil organizada e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal Na mensagem presidencial n 344 de 3 de novembro de 2014 não é feito nenhum pedido referente ao rito especial mas é encaminhada a exposição de motivos conjunta O Congresso Nacional adotou o rito especial do art 5º 3º redundando na aprovação do Decreto Legislativo n 261 de 25 de novembro de 2015 Esse estatuto comum aos três tratados referentes aos direitos das pessoas com deficiência dá coerência à temática a partir da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência o Protocolo Facultativo trata do direito de petição das vítimas de violação de direitos previstos na Convenção e o Tratado de Marraqueche cumpre o disposto no art 303 da Convenção Os Estados Partes deverão tomar todas as providências em conformidade com o direito internacional para assegurar que a legislação de proteção dos direitos de propriedade intelectual não constitua barreira excessiva ou discriminatória ao acesso de pessoas com deficiência a bens culturais Os três tratados interligados constituemse então no arco internacional de inclusão da pessoa com deficiência no Brasil sendo coerente que tenham o mesmo estatuto normativo equivalente à emenda constitucional QUADRO SINÓTICO O bloco de constitucionalidade O bloco de constitucionalidade amplo Bloco de constitucionalidade consiste no reconhecimento da existência de outros diplomas normativos de hierarquia constitucional além da própria Constituição Marco do reconhecimento da existência do bloco de constitucionalidade Decisão n 7144 DC de 1671971 do Conselho Constitucional francês relativa à liberdade de associação Art 5º 2º da CF88 permite ao dispor sobre os direitos decorrentes do regime princípios e tratados de direitos humanos o reconhecimento de um bloco de constitucionalidade amplo que alberga os direitos previstos nos tratados internacionais de direitos humanos Com o posicionamento do STF sobre a hierarquia normativa dos tratados de direitos humanos patamar de supralegalidade restam apenas os tratados aprovados pelo rito especial do art 5º 3º como parte integrante de um bloco de constitucionalidade restrito O bloco de constitucionalidade restrito Não obstante o disposto no art 5º 2º da Constituição permitir entender que se adotou o conceito de um bloco de constitucionalidade amplo essa é uma posição minoritária O bloco de constitucionalidade restrito só abarca os tratados aprovados pelo rito especial do art 5º 3º introduzido pelo Emenda Constitucional n 452004 Consequência do reconhecimento do bloco de constitucionalidade estrito todos os dispositivos que dizem respeito ao princípio da supremacia da norma constitucional como aqueles relativos ao controle de constitucionalidade devem ser lidos como componentes do mecanismo de preservação da supremacia do bloco de constitucionalidade como um todo 7 O controle de convencionalidade e suas espécies o controle de matriz internacional e o controle de matriz nacional O controle de convencionalidade consiste na análise da compatibilidade dos atos internos comissivos ou omissivos em face das normas internacionais tratados costumes internacionais princípios gerais de direito atos unilaterais resoluções vinculantes de organizações internacionais Esse controle pode ter efeito negativo ou positivo o efeito negativo consiste na invalidação das normas e decisões nacionais contrárias às normas internacionais resultando no chamado controle destrutivo ou saneador de convencionalidade o efeito positivo consiste na interpretação adequada das normas nacionais para que estas sejam conformes às normas internacionais efeito positivo do controle de convencionalidade resultando em um controle construtivo de convencionalidade 314 Há duas subcategorias i o controle de convencionalidade de matriz internacional também denominado controle de convencionalidade autêntico ou definitivo e o ii controle de convencionalidade de matriz nacional também denominado provisório ou preliminar O controle de convencionalidade de matriz internacional é em geral atribuído a órgãos internacionais compostos por julgadores independentes criados por tratados internacionais para evitar que os próprios Estados sejam ao mesmo tempo fiscais e fiscalizados criando a indesejável figura do judex in causa sua Na seara dos direitos humanos exercitam o controle de convencionalidade internacional os tribunais internacionais de direitos humanos Corte Europeia Interamericana e Africana os comitês onusianos entre outros Cabe mencionar também o controle de convencionalidade internacional compulsório que consiste na adoção pelo Estado das decisões internacionais exaradas em processos internacionais de direitos humanos dos quais foi réu Nessa hipótese o Estado é obrigado a cumprir a interpretação internacionalista dada pelo órgão internacional prolator de decisão A Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gelman vs Uruguai decidiu que quando existe uma sentença internacional ditada com caráter de coisa julgada a respeito de um Estado que tenha sido parte no caso submetido à jurisdição da Corte Interamericana todos seus órgãos incluídos os juízes e órgãos vinculados à administração de justiça também estão submetidos ao tratado e à sentença deste Tribunal o qual lhes obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção e consequentemente das decisões da Corte Interamericana não se vejam amesquinhadas pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade ou por decisões judiciais ou administrativas Caso Gelman supervisão de cumprimento de sentença 20 de março de 2013 parágrafo 68 Há ainda o controle de convencionalidade de matriz nacional que vem a ser o exame de compatibilidade do ordenamento interno diante das normas internacionais incorporadas realizado pelos próprios juízes internos Esse controle nacional foi consagrado na França em 1975 decisão sobre a lei de interrupção voluntária da gravidez quando o Conselho Constitucional tendo em vista o art 55 da Constituição francesa sobre o estatuto supralegal dos tratados decidiu que não lhe cabia a análise da compatibilidade de lei com tratado internacional Essa missão deve ser efetuada pelos juízos ordinários sob o controle da Corte de Cassação e do Conselho de Estado Além dos juízes é possível que o controle de convencionalidade nacional seja feito pelas autoridades administrativas membros do Ministério Público e Defensoria Pública no exercício de suas atribuições e haja inclusive o controle preventivo de convencionalidade na análise de projetos de lei no Poder Legislativo Consagrase o controle de convencionalidade de matriz nacional não jurisdicional Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Gelman vs Uruguai supervisão de cumprimento de sentença decisão de 20 de março de 2013 parágrafo 69 No âmbito jurisdicional interno o controle de convencionalidade nacional na seara dos direitos humanos consiste na análise da compatibilidade entre as leis e atos normativos e os tratados internacionais de direitos humanos realizada pelos juízes e tribunais brasileiros no julgamento de casos concretos nos quais se devem deixar de aplicar os atos normativos que violem o referido tratado É óbvio que nem sempre os resultados do controle de convencionalidade internacional coincidirão com os do controle nacional Por exemplo um Tribunal interno pode afirmar que determinada norma legal brasileira é compatível com um tratado de direitos humanos em seguida um órgão internacional de direitos humanos ao analisar a mesma situação pode chegar à conclusão de que a referida lei viola o tratado Há diferenças portanto entre o controle de convencionalidade internacional e o controle de convencionalidade nacional i Quanto ao parâmetro de confronto e objeto do controle O parâmetro de confronto no controle de convencionalidade internacional é a norma internacional em geral um determinado tratado Já o objeto desse controle é toda norma interna não importando a sua hierarquia nacional Como exemplo o controle de convencionalidade internacional exercido pelos tribunais internacionais pode inclusive analisar a compatibilidade de uma norma oriunda do Poder Constituinte Originário com as normas previstas em um tratado internacional de direitos humanos No caso do controle de convencionalidade nacional os juízes e os tribunais internos não ousam submeter uma norma do Poder Constituinte Originário à análise da compatibilidade com um determinado tratado de direitos humanos O Supremo Tribunal Federal em precedente antigo sustentou que O STF não tem jurisdição para fiscalizar a validade das normas aprovadas pelo poder constituinte originário ADI 815 rel Min Moreira Alves j 2831996 Plenário DJ de 1051996 grifo meu Assim há limite de objeto do controle de convencionalidade nacional o que o restringe ii Quanto à hierarquia do tratadoparâmetro No controle de convencionalidade nacional a hierarquia do tratadoparâmetro depende do próprio Direito Nacional que estabelece o estatuto dos tratados internacionais No caso brasileiro há tratados de direitos humanos de estatura supralegal e constitucional na visão atual do Supremo Tribunal Federal como vimos acima Já no controle de convencionalidade internacional o tratado de direitos humanos é sempre a norma paramétrica superior Todo o ordenamento nacional lhe deve obediência inclusive as normas constitucionais originárias iii Quanto à interpretação A interpretação do que é compatível ou incompatível com o tratadoparâmetro não é a mesma Há tribunais internos que se socorrem de normas previstas em tratados sem sequer mencionar qual é a interpretação dada a tais dispositivos pelos órgãos internacionais levando a conclusões divergentes O controle de convencionalidade nacional pode levar a violação das normas contidas nos tratados tal qual interpretadas pelos órgãos internacionais Isso desvaloriza a própria ideia de primazia dos tratados de direitos humanos implícita na afirmação da existência de um controle de convencionalidade Em virtude de tais diferenças na recente sentença contra o Brasil no Caso Gomes Lund caso da Guerrilha do Araguaia na Corte Interamericana de Direitos Humanos o juiz ad hoc indicado pelo próprio Brasil Roberto Caldas em seu voto concordante em separado assinalou que se aos tribunais supremos ou aos constitucionais nacionais incumbe o controle de constitucionalidade e a última palavra judicial no âmbito interno dos Estados à Corte Interamericana de Direitos Humanos cabe o controle de convencionalidade e a última palavra quando o tema encerre debate sobre direitos humanos É o que decorre do reconhecimento formal da competência jurisdicional da Corte por um Estado como o fez o Brasil 315 O controle nacional é importante ainda mais se a hierarquia interna dos tratados for equivalente à norma constitucional ou quiçá supraconstitucional Devese evitar contudo a adoção de um controle de convencionalidade nacional jurisdicional ou não jurisdicional isolado que não dialoga com a interpretação internacionalista dos direitos humanos uma vez que tal conduta nega a universalidade dos direitos humanos e desrespeita o comando dos tratados celebrados pelo Brasil Assim o controle nacional deverá dialogar com a interpretação ofertada pelo controle de convencionalidade internacional para que possamos chegar à conclusão de que os tratados foram efetivamente cumpridos Defendemos então que os controles nacionais e o controle de convencionalidade internacional interajam permitindo o diálogo entre o Direito Interno e o Direito Internacional em especial quanto às interpretações fornecidas pelos órgãos internacionais cuja jurisdição o Brasil reconheceu Esse diálogo será visto logo a seguir QUADRO SINÓTICO O controle de convencionalidade e suas espécies o controle internacional e o controle nacional Controle de convencionalidade internacional Conceito consiste na análise da compatibilidade dos atos internos comissivos ou omissivos em face das normas internacionais tratados costumes internacionais princípios gerais de direito atos unilaterais resoluções vinculantes de organizações internacionais realizada por órgãos internacionais É em geral atribuído a órgãos compostos por julgadores independentes criados por tratados internacionais para evitar que os próprios Estados sejam ao mesmo tempo fiscais e fiscalizados É portanto fruto da ação do intérprete autêntico os órgãos internacionais Controle de convencionalidade nacional Conceito consiste no exame de compatibilidade do ordenamento interno diante das normas internacionais incorporadas realizado pelos próprios Tribunais internos No Brasil o controle de convencionalidade nacional na seara dos direitos humanos consiste na análise da compatibilidade entre as leis e atos normativos e os tratados internacionais de direitos humanos realizada pelos juízes e tribunais brasileiros no julgamento de casos concretos Diferenças entre controle de convencionalidade internacional e nacional 1 O parâmetro de confronto no controle de convencionalidade internacional é a norma internacional seu objeto é toda norma interna não importando a sua hierarquia nacional podendo mesmo ser oriunda do Poder Constituinte Originário No controle nacional há limite ao objeto de controle uma vez que não se analisam normas do Poder Constituinte Originário 2 No controle de convencionalidade nacional a hierarquia do tratadoparâmetro depende do próprio Direito Nacional que estabelece o estatuto dos tratados internacionais No controle de convencionalidade internacional o tratado de direitos humanos é sempre a norma paramétrica superior 3 A interpretação do que é compatível ou incompatível com o tratadoparâmetro não é a mesma e o controle nacional nem sempre resulta em preservação dos comandos das normas contidas nos tratados tal qual interpretados pelos órgãos internacionais 8 O Diálogo das Cortes e seus parâmetros Outro ponto importante da ratificação pelo Brasil dos tratados internacionais de direitos humanos é o reconhecimento da supervisão e controle internacionais sobre o cumprimento de tais normas Até o momento 2019 a situação brasileira é a seguinte 1 em 1998 o Estado brasileiro reconheceu a jurisdição obrigatória e vinculante da Corte Interamericana de Direitos Humanos órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos 2 em 2002 o Brasil aderiu ao Protocolo Facultativo à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher conferindo então poder ao seu Comitê para receber petições de vítimas de violações de direitos protegidos nesta Convenção 316 3 em 2002 o Brasil também reconheceu a competência do Comitê para a Eliminação de Toda a Forma de Discriminação Racial para receber e analisar denúncias de vítimas de violação de direitos protegidos pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial por ato internacional depositado junto ao Secretariado Geral da ONU 317 4 em 2006 o Brasil reconheceu a competência do Comitê contra a Tortura para receber e analisar petições de vítimas contra o Brasil Em 2007 o Brasil adotou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes que estabelece a competência para fins preventivos do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes do Comitê contra a Tortura 318 5 o Brasil reconheceu a competência do Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência para receber petições de vítimas de violações desses direitos 319 6 em 2009 o Brasil deu um passo adiante após o Congresso ter aprovado a adesão brasileira ao Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 320 houve sua ratificação em 25 de setembro de 2009 permitindo a propositura de petições de vítimas de violações de direitos protegidos no citado Pacto ao Comitê de Direitos Humanos 7 em 2017 o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo aos procedimentos de comunicação Assim o Brasil deu um passo importante rumo à concretização do universalismo aceitando a interpretação internacional dos direitos humanos 321 Assim temos a seguinte situação no plano nacional há juízes e tribunais que interpretam cotidianamente esses tratados de direitos humanos No plano internacional há órgãos internacionais que podem ser acionados caso a interpretação nacional desses tratados seja incompatível com o entendimento internacional Por isso foi mencionada acima a necessidade de compatibilização entre o resultado do controle de convencionalidade nacional com o decidido no controle de convencionalidade internacional Não seria razoável por exemplo que ao julgar a aplicação de determinado artigo da Convenção Americana de Direitos Humanos o STF optasse por interpretação não acolhida pela própria Corte Interamericana de Direitos Humanos abrindo a possibilidade de eventual sentença desta Corte contra o Brasil Esse Diálogo das Cortes deve ser realizado internamente para impedir violações de direitos humanos oriundas de interpretações nacionais equivocadas dos tratados Para evitar que o Diálogo das Cortes seja mera peça de retórica judicial há que se levar em consideração os seguintes parâmetros na análise de uma decisão judicial nacional para que se determine a existência de um Diálogo efetivo 1 a menção à existência de dispositivos internacionais convencionais ou extraconvencionais de direitos humanos vinculantes ao Brasil sobre o tema 2 a menção à existência de caso internacional contra o Brasil sobre o objeto da lide e as consequências disso reconhecidas pelo Tribunal 3 a menção à existência de jurisprudência anterior sobre o objeto da lide de órgãos internacionais de direitos humanos aptos a emitir decisões vinculantes ao Brasil 4 o peso dado aos dispositivos de direitos humanos e à jurisprudência internacional 322 Claro que não é possível obrigar os juízes nacionais ao Diálogo das Cortes pois isso desnaturaria a independência funcional e o Estado Democrático de Direito Assim no caso de o diálogo inexistir ou ser insuficiente deve ser aplicada a teoria do duplo controle ou crivo de direitos humanos que reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade STF e juízos nacionais e do controle de convencionalidade internacional órgãos de direitos humanos do plano internacional Os direitos humanos então no Brasil possuem uma dupla garantia o controle de constitucionalidade nacional e o controle de convencionalidade internacional Qualquer ato ou norma deve ser aprovado pelos dois controles para que sejam respeitados os direitos no Brasil como veremos a seguir QUADRO SINÓTICO O Diálogo das Cortes e seus parâmetros Reconhecimento da supervisão e controle internacionais sobre o cumprimento dos tratados internacionais de direitos humanos pelo Brasil 1 1998 reconhecimento da jurisdição obrigatória e vinculante da Corte Interamericana de Direitos Humanos 2 2002 adesão ao Protocolo Facultativo à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher conferindo poder ao seu Comitê para receber petições de vítimas de violações de direitos protegidos nesta Convenção 3 2002 reconhecimento da competência do Comitê para a Eliminação de Toda a Forma de Discriminação Racial para receber e analisar denúncias de vítimas de violação de direitos protegidos pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 4 2006 reconhecimento da competência do Comitê contra a Tortura 2007 adoção do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes que estabelece a competência para fins preventivos do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes do Comitê contra a Tortura 5 2009 reconhecimento da competência do Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência para receber petições de vítimas de violações desses direitos 6 2009 aprovação pelo Congresso e ratificação do Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos permitindo a propositura de petições de vítimas de violações de direitos protegidos no citado Pacto ao Comitê de Direitos Humanos 7 em 2017 o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo aos procedimentos de comunicação Necessidade de compatibilização entre o resultado do controle de convencionalidade nacional com o decidido no controle de convencionalidade internacional Ideia de um Diálogo das Cortes já que tanto o STF quanto os órgãos internacionais de direitos humanos cumprem a mesma missão de assegurar o respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais Teoria do duplo controle ou crivo de direitos humanos reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade nacional STF e juízos nacionais e do controle de convencionalidade internacional órgãos de direitos humanos do plano internacional 9 A crise dos tratados internacionais nacionais e a superação do conflito entre decisões sobre direitos humanos a teoria do duplo controle Caso paradigmático do beco sem saída da interpretação nacionalista dos tratados ocorreu no chamado Caso da Guerrilha do Araguaia Pela primeira vez um tema superação ou não da anistia a agentes da ditadura militar brasileira foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos No âmbito do STF foi proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil OAB uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 153 pedindo que fosse interpretado o parágrafo único do art 1º da Lei n 6683 de 1979 Lei da Anistia conforme a Constituição de 1988 de modo a declarar que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão civis ou militares contra opositores políticos durante o regime militar Por sua vez em 26 de março de 2009 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos Comissão IDH processou o Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH sediada em San José guardiã da Convenção Americana de Direitos Humanos no chamado Caso Gomes Lund e outros contra o Brasil invocando ao seu favor entre outros argumentos a copiosa jurisprudência da Corte IDH contrária às leis de anistia e favorável ao dever de investigação persecução e punição penal dos violadores bárbaros de direitos humanos A ADPF 153 foi julgada em 28 de abril de 2010 tendo o STF decidido que a Lei da Anistia alcança os agentes da ditadura militar tornando impossível a persecução criminal pelas graves violações de direitos humanos ocorridas na época dos anos de chumbo Chama a atenção que novamente ignorouse a interpretação internacional da Convenção Americana de Direitos Humanos de responsabilidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH Contudo em 24 de novembro de 2010 meses após a decisão do STF a Corte IDH condenou o Brasil no Caso Gomes Lund exigindo que fosse feita completa investigação persecução e punição criminal aos agentes da repressão política durante a ditadura militar mandando o Brasil desconsiderar então a anistia para tais indivíduos Como cumprir a decisão da Corte IDH Inicialmente parto da seguinte premissa não há conflito insolúvel entre as decisões do STF e da Corte IDH uma vez que ambos os tribunais têm a grave incumbência de proteger os direitos humanos Adoto assim a teoria do duplo controle ou crivo de direitos humanos que reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade STF e juízos nacionais e do controle de convencionalidade internacional Corte de San José e outros órgãos de direitos humanos do plano internacional Os direitos humanos então no Brasil possuem uma dupla garantia o controle de constitucionalidade e o controle de convencionalidade internacional Qualquer ato ou norma deve ser aprovado pelos dois controles para que sejam respeitados os direitos no Brasil Esse duplo controle parte da constatação de uma verdadeira separação de atuações na qual inexistiria conflito real entre as decisões porque cada Tribunal age em esferas distintas e com fundamentos diversos De um lado o STF que é o guardião da Constituição e exerce o controle de constitucionalidade Por exemplo na ADPF 153 controle abstrato de constitucionalidade a maioria dos votos decidiu que o formato amplo de anistia foi recepcionado pela nova ordem constitucional Por outro lado a Corte de San José é guardiã da Convenção Americana de Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos que possam ser conexos Exerce então o controle de convencionalidade Para a Corte IDH a Lei da Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da ditadura Com base nessa separação é possível dirimir o conflito aparente entre uma decisão do STF e da Corte de San José Assim ao mesmo tempo em que se respeita o crivo de constitucionalidade do STF deve ser incorporado o crivo de convencionalidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos Todo ato interno não importa a natureza ou origem deve obediência aos dois crivos Caso não supere um deles por violar direitos humanos deve o Estado envidar todos os esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os danos causados No caso da ADPF 153 houve o controle de constitucionalidade No caso Gomes Lund houve o controle de convencionalidade A anistia aos agentes da ditadura para subsistir deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles mas só passou com votos contrários digase por um o controle de constitucionalidade Foi destroçada no controle de convencionalidade Cabe agora aos órgãos internos Ministério Público Poderes Executivo Legislativo e Judiciário cumprirem a sentença internacional A partir da teoria do duplo controle agora deveremos exigir que todo ato interno se conforme não só ao teor da jurisprudência do STF mas também ao teor da jurisprudência interamericana cujo conteúdo deve ser estudado já nas Faculdades de Direito Só assim será possível evitar o antagonismo entre o Supremo Tribunal Federal e os órgãos internacionais de direitos humanos evitando a ruptura e estimulando a convergência em prol dos direitos humanos QUADRO SINÓTICO A crise dos tratados internacionais nacionais e a superação do conflito entre decisões sobre direitos humanos a teoria do duplo controle Há um dever primário de cada Estado de proteger os direitos humanos Consequentemente temse que a jurisdição internacional é subsidiária agindo na falha do Estado A principal característica da interpretação internacional dos direitos humanos é ser contramajoritária porque as violações que chegam ao crivo internacional não foram reparadas mesmo após o esgotamento dos recursos internos Interpretação contramajoritária concretiza o ideal universalista do Direito Internacional dos Direitos Humanos saindo do abstrato das Declarações de Direitos e tratados internacionais e chegando ao concreto da interpretação e aplicação dessas normas no cotidiano dos povos Não é suficiente ratificar e incorporar tratados de direitos humanos ou ainda defender seu estatuto normativo especial supralegal ou mesmo constitucional sem que se aceite a consequência da internacionalização dos direitos humanos o acatamento da interpretação internacional sobre esses direitos Teoria do duplo controle ou crivo de direitos humanos reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade STF e juízos nacionais e do controle de convencionalidade Corte de San José e outros órgãos de direitos humanos do plano internacional A partir dessa teoria devese exigir que todo ato interno se conforme não só ao teor da jurisprudência do STF mas também ao teor da jurisprudência interamericana Com isso evitase o antagonismo entre o STF e os órgãos internacionais de direitos humanos evitando a ruptura e estimulando a convergência em prol dos direitos humanos 10 A competência da Justiça Federal nas hipóteses de grave violação de direitos humanos 101 O INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA ORIGENS E TRÂMITE A Emenda Constitucional n 452004 introduziu um novo 5º no art 109 estabelecendo que nas hipóteses de grave violação de direitos humanos o ProcuradorGeral da República com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte poderá suscitar perante o Superior Tribunal de Justiça em qualquer fase do inquérito ou processo incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal Simultaneamente foi introduzido o novo inciso VA no art 109 que determina que compete aos juízes federais julgar as causas relativas a direitos humanos a que se refere o 5º deste artigo Ficou assim constituído o incidente de deslocamento de competência IDC com seis elementos principais a saber 1 Legitimidade exclusiva de propositura do ProcuradorGeral da República 2 Competência privativa do Superior Tribunal de Justiça para conhecer e decidir com recurso ao STF recurso extraordinário 3 Abrangência cível ou criminal dos feitos deslocados bem como de qualquer espécie de direitos humanos abarcando todas as gerações de direitos desde que se refiram a casos de graves violações de tais direitos 4 Permite o deslocamento na fase préprocessual ex inquérito policial ou inquérito civil público ou já na fase processual 5 Relacionase ao cumprimento de obrigações decorrentes de tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil 6 Fixa a competência da Justiça Federal e do Ministério Público Federal para atuar no feito deslocado 102 A MOTIVAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DO IDC E REQUISITOS PARA SEU DEFERIMENTO A motivação para a criação do IDC foi o Direito Internacional que não admite que o Estado justifique o descumprimento de determinada obrigação em nome do respeito a competências internas de entes federados O Estado Federal é uno para o Direito Internacional e passível de responsabilização mesmo quando o fato internacionalmente ilícito seja da atribuição interna de um Estadomembro da Federação 323 Esse entendimento é parte integrante do Direito dos Tratados 324 e do Direito Internacional costumeiro Com isso o IDC decorre da internacionalização dos direitos humanos e em especial do dever internacional assumido pelo Estado brasileiro de estabelecer recursos internos eficazes e de duração razoável Ficou consagrado então um instrumento que ao lado da i intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana art 34 VII b da CF88 e da ii autorização prevista na Lei n 104462002 para atuação da Polícia Federal em investigações de crime de competência estadual possibilita à União cumprir obrigações internacionais de defesa de direitos humanos Com isso na medida em que haja inércia ou dificuldades materiais aos agentes locais pode o Chefe do Ministério Público Federal o ProcuradorGeral da República requerer ao Superior Tribunal de Justiça STJ o deslocamento do feito em qualquer fase e de qualquer espécie cível ou criminal para a Justiça Federal De acordo com a Resolução n 062005 do Superior Tribunal de Justiça a competência para o julgamento do incidente será da Terceira Seção composta pelos Ministros da 5ª e 6ª Turmas do STJ O deslocamento da competência deverá ser deferido quando i ocorrer grave violação aos direitos humanos ii estiver evidenciada uma conduta das autoridades estaduais reveladora de falha proposital ou por negligência imperícia imprudência na condução de seus atos que vulnerem o direito a ser protegido ou ainda que revele demora injustificada na investigação ou prestação jurisdicional iii existir o risco de responsabilização internacional do Brasil por descumprimento de nossas obrigações internacionais de direitos humanos Assim não basta que ocorra uma grave violação de direitos humanos é necessário que a conduta da autoridade estadual revele comportamento reprovável que amesquinha as obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil 103 A PRÁTICA DO DESLOCAMENTO Deslocado o feito a Justiça Federal será definida de acordo com as demais peculiaridades do caso observandose todas as demais regras constitucionais e legais de competência salvo a que foi superada pela concessão do deslocamento Assim em caso de crime doloso contra a vida a competência do Tribunal do Júri Estadual será deslocada para o Tribunal do Júri Federal Se for caso de foro por prerrogativa de função será observado tal foro agora na esfera federal por exemplo no caso de federalização de causa originária perante o Tribunal de Justiça o competente será o Tribunal Regional Federal da região que abranger o Estado respectivo Apesar de ter sido julgado improcedente o primeiro Incidente de Deslocamento de Competência IDC requerido pela ProcuradoriaGeral da República o IDC 01 referente ao homicídio de Dorothy Stang é fonte preciosa para análise do novel instituto Em primeiro lugar o STJ conheceu o pedido e assim confirmou sua constitucionalidade Citando expressamente a Convenção Americana de Direitos Humanos decidiu o STJ que todo homicídio doloso independentemente da condição pessoal da vítima eou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano que é o direito à vida previsto no art 4º n 1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos da qual o Brasil é signatário Incidente de Deslocamento de Competência n 1PA rel Min Arnaldo Esteves Brasília 862005 publicado em 10102005 Ainda neste mesmo caso decidiuse que o deslocamento de competência exige demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil resultante da inércia negligência falta de vontade política ou de condições reais do Estadomembro por suas instituições em proceder à devida persecução penal Em 2010 o STJ concedeu a primeira federalização de grave violação de direitos humanos relacionada ao homicídio do defensor de direitos humanos Manoel Mattos assassinado em janeiro de 2009 após ter incessantemente noticiado a atuação de grupos de extermínio na fronteira de Pernambuco e Paraíba A Procuradoria Geral da República requereu ao Superior Tribunal de Justiça STJ a federalização do caso IDC tendo o STJ por maioria rel Min Laurita Vaz acatado o pleito 325 Até setembro de 2019 a ProcuradoriaGeral da República propôs 12 incidentes de deslocamento de competência nos seguintes casos 1 IDC n 1 Caso do homicídio de Dorothy Stang julgado improcedente STJ IDC 1PA rel Min Arnaldo Esteves Lima Terceira Seção j 862005 DJ de 10102005 p 217 2 IDC n 2 Caso do homicídio de Manoel Mattos julgado parcialmente procedente e deslocado o caso do homicídio de Manoel Mattos para a Justiça Federal não tendo sido deslocada a investigação sobre o grupo de extermínio STJ IDC 2DF rel Min Laurita Vaz Terceira Seção j 27102010 DJe de 22112010 3 IDC n 3 Caso da atuação de grupos de extermínio e violência policial em Goiás julgado parcialmente procedente para deslocar casos de violência policial e desaparecimento forçado STJ IDC 3GO rel Min Jorge Mussi Terceira Seção j 10122014 DJe de 222015 4 IDC n 5 Caso do homicídio do Promotor de Justiça Thiago Faria Soares julgado procedente Nesse caso a falha na conduta das autoridades estaduais foi de modo inédito a falta de entendimento entre a Polícia Civil e o Ministério Público estadual o que na visão do STJ poderia gerar uma investigação criminal precária e consequentemente a impunidade dos autores do crime STJ IDC 5PE rel Rogério Schietti Cruz Terceira Seção j 1382014 DJe de 1º92014 5 O IDC n 9 Caso Parque Bristol fruto da impunidade dos autores dos chamados crimes de maio de 2006 que foram a execução sumária com suspeita de envolvimento de policiais de diversas pessoas após rebeliões em presídios e ataques contra policiais no Estado de São Paulo em maio de 2006 6 O IDC n 10 Caso da Chacina do Cabula que é um caso de múltiplos homicídios cujos acusados policiais foram absolvidos sumariamente em 1º grau na Justiça da Bahia O deslocamento foi indeferido tendo o relator Min Reynaldo Soares da Fonseca entendido que o IDC seria medida excepcionalíssima e que os percalços do processo penal na Bahia não chegaram a comprometer as funções de apuração processamento e julgamento do caso uma vez que o próprio Tribunal de Justiça da Bahia havia dado provimento ao recurso do Ministério Público do Estado STJ IDC 10 rel Min Reynaldo Soares da Fonseca Terceira Seção j 28 112018 em trâmite em setembro de 2019 recurso da PGR 7 IDC n 14 Caso da greve dos policiais militares do Espírito Santo Tratouse de greve de policiais militares por mais de vinte dias no Estado do Espírito Santo tendo sido registradas na época 2017 mais de 210 mortes saques arrombamentos de estabelecimentos comerciais roubos etc Por maioria a Terceira Seção do STJ indeferiu o deslocamento Pelo voto da relatora Min Maria Thereza de Assis Moura inexistiu prova da inércia ou leniência das autoridades encarregadas da investigação e persecução da cúpula da polícia militar envolvida STJ IDC 14 rel Min Maria Thereza de Assis Moura j 2282018 8 IDC n 15 Tratase de pedido de deslocamento para a Justiça Federal do Estado do Ceará preferencialmente para a sede da Seção Judiciária do Ceará Fortaleza das investigações e ações penais relativas a casos a maioria era formada por homicídios praticados em contexto de atuação de grupos de extermínio com relato de participação de autoridades e agentes de segurança pública locais STJ IDC 15 rel Jorge Mussi em trâmite 9 IDC n 21 Caso da Comunidade Nova Brasília a numeração dos IDCs possui saltos por equívocos na autuação no STJ e por IDC promovido por particular parte notoriamente ilegítima Tratase de IDC ajuizado pela ProcuradoriaGeral da República em setembro de 2019 para federalizar a investigação e a persecução dos envolvidos nas chacinas ocorridas em 1994 e 1995 na comunidade Nova Brasília no Complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro Foram vinte e seis pessoas mortas e três mulheres torturadas e agredidas sexualmente durante operações policiais Após mais de vinte e cinco anos nenhum responsável foi condenado A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pela sua omissão que gera a ofensa ao direito à verdade judicial e ao direito de acesso à justiça penal por parte dos familiares das vítimas Na mesma sentença a Corte requer expressamente que a ProcuradoriaGeral da República avalie a possibilidade de propor a federalização o que foi feito em setembro de 2019 STJ IDC 21 rel Min Reynaldo Soares da Fonseca em trâmite 10 IDC n 22 Crimes de Rondônia conflitos agrários Tratase de Incidente de Deslocamento de Competência IDC ajuizado pela ProcuradoriaGeral da República para federalizar as investigações de mortes e torturas no Estado de Rondônia ocorridas desde 2012 em contexto de conflito agrário na região Houve a menção na petição inicial a vários homicídios cuja apuração é lenta ou inexistente tendo em comum serem as vítimas lideranças de movimentos em prol dos trabalhadores rurais e responsáveis por denúncias de grilagem de terras e de extração ilegal de madeira O IDC n 22 menciona o precedente do Caso Garibaldi vs Brasil da Corte IDH que aborda também a impunidade dos homicídios nos conflitos agrários brasileiros como se viu acima neste Curso mostrando a importância da federalização para combater o risco da responsabilização internacional do Brasil STJ IDC 22 rel Min Jorge Mussi em trâmite 11 IDC n 23 Violência no sistema socioeducativo do Espírito Santo A ProcuradoriaGeral da República PGR ajuizou IDC para apurar graves violações de direitos humanos na área de socioeducação no Espírito Santo visando assegurar o cumprimento das determinações do Estatuto da Criança do Adolescente ECA e do sistema nacional de atenção ao atendimento socieoducativo Sinase além de responsabilizar os autores de violações de direitos humanos realizadas contra adolescentes em conflito com a lei STJ IDC 23 rel Min Reynaldo Soares da Fonseca em trâmite 12 IDC n 24 Caso Marielle mandante A PGR ajuizou IDC para federalizar a investigação e posterior persecução criminal referente aos autores intelectuais dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes Foi mencionada expressamente a manutenção na Justiça Estadual Tribunal do Júri do processo contra os executores já identificados dos crimes STJ IDC 24 rel Min Laurita Vaz em trâmite 104 AS CRÍTICAS AO IDC Porém em que pese o posicionamento do STJ favorável ao uso do IDC nas balizas vistas acima houve a propositura de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o STF a ADI 3493 e a ADI 3486 ambas relatadas outrora pelo Min Menezes Direito e agora pelo Min Dias Toffoli e ainda em trâmite em setembro de 2019 promovidas por entidades de classe de magistrados Na visão de seus críticos a federalização das graves violações de direitos humanos gera amesquinhamento do pacto federativo em detrimento do Poder Judiciário Estadual e ainda violação do princípio do juiz natural e do devido processo legal Contudo o federalismo brasileiro não é imutável ofende as cláusulas pétreas de nossa Constituição a emenda que tenda a abolir o pacto federativo mas não emenda que apenas torne coerente o seu desenho Seria incoerente permitir a continuidade da situação anterior a Constituição de 1988 reconhecia a existência de órgãos judiciais internacionais de direitos humanos vide o art 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias mas tornava missão quase impossível a defesa brasileira e a implementação das decisões destes processos internacionais Houve caso em que o Brasil nem defesa apresentou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pela dificuldade da União em obter informações dos entes federados 326 No que tange à prevenção o desenho anterior impedia uma ação preventiva que evitasse a responsabilização internacional futura do Brasil uma vez que os atos danosos eram dos entes federados Assim a EC 452004 apenas aperfeiçoou o desenho do federalismo brasileiro adaptandoo às exigências da proteção internacional de direitos humanos proteção essa desejada pela CF88 Além disso inexiste ofensas ao devido processo legal e juiz natural pelo deslocamento uma vez que o próprio texto constitucional original convive com tal instituto De fato há a previsão de deslocamento de competência na ocorrência de vício de parcialidade da magistratura é o caso do art 102 I n da CF88 que permite deslocar ao STF processo no qual juízes de determinado tribunal local sejam alegadamente suspeitos No mesmo diapasão no caso de descumprimento de obrigações internacionais de direitos humanos pelos juízos estaduais pode o STJ julgar procedente o IDC para deslocar o feito para a Justiça Federal Para Ubiratan Cazetta o referido instituto apenas distribui por critérios assumidos pelo Texto Constitucional interpretados pelo STJ a competência entre as justiças comum estadual e federal 327 Também não merece acolhida a crítica de indefinição da expressão grave violação de direitos humanos O uso do conceito indeterminado grave violação de direitos humanos está sujeito ao crivo do STJ e posteriormente ao do STF na via do recurso extraordinário Além do crivo judicial há caso semelhante adotado pelo Poder Constituinte originário que é a autorização de intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana art 34 VII b da CF não se listou quais seriam esses direitos da pessoa humana e nunca houve ameaça ao federalismo Com isso neste momento de valorização do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo STF devemos aplaudir a inovação trazida pelo Poder Constituinte Derivado que reconheceu a fragilidade normativa anteriormente existente na qual atos de entes federados eram apreciados pelas instâncias internacionais de direitos humanos sem que a União em seu papel de representante do Estado Federal pudesse ter instrumentos para implementar as decisões internacionais ou mesmo para prevenir que o Brasil fosse condenado internacionalmente O novo 5º do art 109 então está em plena sintonia com os comandos de proteção de direitos humanos da Constituição de 1988 e ainda com a visão dada ao instituto da responsabilidade internacional dos Estados Federais pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Pelo que foi acima exposto a reforma constitucional não ofendeu o federalismo antes permite o equilíbrio por meio de um instrumento processual cuja deliberação está nas mãos de tribunal de superposição o STJ e ainda assegura que o Estado Federal possua mecanismos para o correto cumprimento das obrigações internacionais contraídas QUADRO SINÓTICO A competência da Justiça Federal nas hipóteses de grave violação de direitos humanos Emenda Constitucional n 452004 Art 109 5º estabelece que nas hipóteses de grave violação de direitos humanos o Procurador Geral da República com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte poderá suscitar perante o STJ em qualquer fase do inquérito ou processo incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal Art 109 VA determina que compete aos juízes federais julgar as causas relativas a direitos humanos a que se refere o 5º deste artigo Elementos principais do IDC 1 Legitimidade exclusiva de propositura do ProcuradorGeral da República 2 Competência privativa do STJ para conhecer e decidir com recurso ao STF recurso extraordinário 3 Abrangência cível ou criminal dos feitos deslocados bem como de qualquer espécie de direitos humanos desde que se refiram a casos de graves violações de tais direitos 4 Permite o deslocamento na fase préprocessual ou já na fase processual 5 Relacionase ao cumprimento de obrigações decorrentes de tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil 6 Fixa a competência da Justiça Federal e do Ministério Público Federal para atuar no feito deslocado IDC como A jurisprudência constante dos tribunais internacionais não admite que o Estado justifique o descumprimento de determinada obrigação em nome do respeito a competências internas de entes decorrência do dever internacional do Estado de estabelecer recursos federados O Estado Federal é uno para o Direito Internacional e passível de responsabilização mesmo quando o fato internacionalmente ilícito seja da atribuição interna de um Estadomembro da Federação internos eficazes e de duração razoável para os direitos humanos IDC decorre da internacionalização dos direitos humanos e em especial do dever internacional assumido pelo Estado de estabelecer recursos internos eficazes e de duração razoável É competência da União Federal e não aos entes federados apresentar a defesa do Estado brasileiro e tomar as providências para a implementação da deliberação internacional inclusive quanto às garantias de não repetição da conduta Instrumentos brasileiros que possibilitam à União Federal fazer cumprir as obrigações internacionais de defesa de direitos humanos a intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana art 34 VII b da CF88 b autorização prevista na Lei n 104462002 para atuação da Polícia Federal em investigações de crime de competência estadual c incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal O que se debate no IDC O direito violado no caso concreto A violação da obrigação internacional assumida pelo Estado brasileiro de prestar adequadamente justiça em prazo razoável Assim além da grave violação a direitos humanos deve estar evidenciada uma conduta das autoridades estaduais reveladora de falha proposital ou por negligência imperícia imprudência na condução de seus atos que vulnerem o direito a ser protegido ou ainda que revele demora injustificada na investigação ou prestação jurisdicional gerando o risco de responsabilização internacional do Brasil por descumprimento de nossas obrigações internacionais de direitos humanos Requisitos para o deslocamento i ocorrer grave violação aos direitos humanos ii estar evidenciada uma conduta das autoridades estaduais reveladora de falha proposital ou por negligência imperícia imprudência na condução de seus atos que vulnerem o direito a ser protegido ou ainda que revelem demora injustificada na investigação ou prestação jurisdicional iii existir o risco de responsabilização internacional do Brasil por descumprimento de nossas obrigações internacionais de direitos humanos Divergências quanto à constitucionalidade da federalização Argumentos pela inconstitucionalidade da federalização das graves violações de direitos humanos ou contrários a ela a gera amesquinhamento do pacto federativo em detrimento ao Poder Judiciário Estadual b viola o princípio do juiz natural c viola o devido processo legal d indefinição da expressão grave violação de direitos humanos Argumentos pela constitucionalidade da federalização das graves violações de direitos humanos a a emenda não foi tendente a abolir o federalismo brasileiro mas tornou coerente o seu desenho adaptandoo às exigências da proteção internacional de direitos humanos b desenho anterior impedia uma ação preventiva que evitasse a responsabilização internacional futura do Brasil c não há ofensas ao juiz natural e ao devido processo legal pelo deslocamento uma vez que o próprio texto constitucional realiza a distribuição de competência entre a justiça comum estadual e federal d o uso do conceito indeterminado grave violação de direitos humanos está sujeito ao crivo do STJ e do STF além de haver também conceito aberto no texto constitucional com relação à autorização de intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana 11 A busca da implementação dos direitos humanos no Brasil 111 O IDH BRASILEIRO E A CRIAÇÃO DE UMA POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS Salta aos olhos que os direitos humanos não se concretizaram para todos os brasileiros no século XXI muitos sem direitos básicos como acesso à educação fundamental saúde de qualidade moradia segurança entre outros Há um claro descompasso entre a posição econômica do Brasil uma das maiores potências industriais e agrícolas do mundo e a qualidade de vida de sua população Digno de nota é a classificação pífia do Brasil em um dos indicadores mais respeitados sobre a existência de uma vida digna que é o Índice de Desenvolvimento Humano IDH O IDH foi desenvolvido a partir das ideias de Amartya Sen e Mahbub ul Haq o primeiro foi Prêmio Nobel de Economia de 1998 consistindo em uma medida comparativa usada para classificar os Estados de acordo com seu grau de desenvolvimento humano pautado em um agregado de dados Evitase assim usar exclusivamente o PIB per capita para se analisar a riqueza de um país pois este pode mascarar grande desigualdade interna de renda agregando dados referentes à longevidade expectativa de vida ao nascer escolaridade e renda utilizase a paridade de poder de compra para comparar a renda per capita entre diferentes moedas Apesar das críticas sobre a ausência de outros indicadores de desenvolvimento sustentável de um país o IDH é utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD tendo o Brasil obtido a 79ª posição entre os 189 Estados avaliados em 2018 o que contrasta com o quilate econômico geral do País uma das 10 maiores economias do mundo É necessária a implementação de uma política pública de promoção ativa de direitos humanos para ao menos equiparar o desenvolvimento econômico do Brasil com qualidade de vida para todos os seus habitantes A elaboração de programas nacionais de direitos humanos é o primeiro passo para a concretização de uma política pública de promoção desses direitos A orientação de elaborar programas de direitos humanos consta da Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena em 1993 que recomendou a cada Estado que fizesse um plano de ação nacional de promoção e proteção dos direitos humanos item 71 Rompiase então o paradigma antigo de que as normas de direitos humanos eram normas programáticas sujeitas à reserva do possível e ao desenvolvimento progressivo ou ainda o paradigma de tratar os direitos humanos como consequência dos projetos governamentais gerais Ao contrário buscouse criar um espaço de discussão e elaboração de uma política pública específica voltada aos direitos humanos condensando aquilo que o Estado e a sociedade civil propunhamse a realizar nessa temática Veremos abaixo os principais programas de direitos humanos que foram elaborados no Brasil desde então 112 OS PROGRAMAS NACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS 1 2 E 3 A origem dos programas nacionais de direitos humanos está na Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Viena de 1993 organizada pela Organização das Nações Unidas que instou os Estados a concatenar os esforços rumo à implementação de todas as espécies de direitos humanos Na Conferência de Viena o Brasil presidiu o Comitê de Redação pelas mãos do Embaixador Gilberto Sabóia atuando decisivamente para a aprovação final da Declaração e do Programa da Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena inclusive quanto ao dever dos Estados de adotar planos nacionais de direitos humanos No Brasil a competência administrativa de realizar políticas públicas de implementação dos direitos humanos é comum a todos os entes federados O art 23 da CF88 que trata da competência administrativa comum é prova disso com vários incisos referentes a temas de direitos humanos em especial o inciso X combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização promovendo a integração social dos setores desfavorecidos Consequentemente é possível termos programas de direitos humanos no plano federal estadual e municipal Em 13 de maio de 1996 foi editado pela Presidência da República o Decreto n 1904 que criou o Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH o terceiro do mundo depois dos programas da Austrália e das Filipinas Referido Decreto dispunha em seu art 1º sua meta de realizar um diagnóstico da situação desses direitos no País e medidas para a sua defesa e promoção A missão do PNDH é dar visibilidade aos problemas referentes aos direitos humanos no Brasil e simultaneamente estipular e coordenar os esforços para a superação das dificuldades e implementação dos direitos Assim há uma dupla lógica a lógica da identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos direitos humanos no Brasil bem como a lógica da execução a curto médio e longo prazos de medidas de promoção e defesa desses direitos A elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos conta com a articulação do governo e sociedade civil para se chegar a uma redação comum devendo ser explicitados objetivos definidos e precisos e contar ainda com um monitoramento de sua implementação O PNDH não possui força vinculante em si pois é mero decreto presidencial editado à luz do art 84 IV da Constituição visando a fiel execução das leis e normas constitucionais Porém serve como orientação para as ações governamentais podendo ser cobrado de determinado agente do governo federal os motivos pelos quais sua conduta ação ou omissão é incompatível com o Decreto que instituiu o PNDH Quanto às ações que incumbem aos Poderes Legislativo Judiciário e ao Ministério Público o PNDH é novamente apenas um referencial Por ser pioneiro o PNDH de 1996 é também denominado PNDH1 sendo voltado à garantia de proteção dos direitos civis com especial foco no combate à impunidade e à violência policial adotando ainda como meta a adesão brasileira a tratados de direitos humanos Além disso o PNDH1 inaugurou um processo depois repetido de consulta e debate prévio com a sociedade civil Foram realizados entre novembro de 1995 e março de 1996 seis seminários regionais em São Paulo Rio de Janeiro Recife Belém Porto Alegre e Natal A construção do projeto do plano foi organizada pelo Núcleo de Estudos da Violência NEV da Universidade de São Paulo USP coordenado por Paulo Sérgio Pinheiro naquele momento O projeto do Programa foi apresentado e debatido na I Conferência Nacional de Direitos Humanos em abril de 1996 promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados com o apoio de diversas organizações da sociedade civil Em 2002 foi aprovado pelo Decreto n 4229 de 13 de maio de 2002 o II Programa Nacional de Direitos Humanos na mesma linha do PNDH1 mas agora com ênfase nos direitos sociais em sentido amplo Nos considerandos do novo programa foram identificados avanços obtidos nos seis anos de vida do PNDH1 entre eles a adoção de leis sobre 1 reconhecimento das mortes de pessoas desaparecidas em razão de participação política Lei n 914095 pela qual o Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade por essas mortes e concedeu indenização aos familiares das vítimas 2 a transferência da justiça militar para a justiça comum dos crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares Lei n 929996 3 a tipificação do crime de tortura Lei n 945597 4 e a proposta de emenda constitucional sobre a reforma do Poder Judiciário na qual se incluiu a chamada federalização dos crimes de direitos humanos ver o tópico sobre o Incidente de Deslocamento de Competência supra O PNDH2 conforme consta de sua introdução foi fruto de seminários regionais com ampla participação de órgãos governamentais e de entidades da sociedade civil sendo as propostas consolidadas novamente tal qual o PNDH1 pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo NEVUSP A Secretaria dos Direitos Humanos do governo federal realizou ainda no período de 19 de dezembro de 2001 a 15 de março de 2002 consulta pública por meio da internet dela resultando o texto do PNDH2 com 518 tipos de ações governamentais Além da menção ao direito à vida liberdade e outros direitos civis o PNDH2 lançou ações específicas referentes a direitos sociais como o direito à educação à saúde à previdência e assistência social ao trabalho à moradia a um meio ambiente saudável à alimentação à cultura e ao lazer assim como propostas voltadas para a educação e sensibilização de toda a sociedade brasileira para a cristalização de uma cultura de respeito aos direitos humanos Com isso houve uma mudança no foco da proteção de direitos humanos O PNDH1 concentrouse nos direitos civis considerandoos importantes para a consolidação do regime democrático no Brasil Já o PNDH2 13 anos depois da primeira eleição direta do primeiro presidente após a ditadura militar 1989 preferiu focar temas sociais e de grupos vulneráveis como os direitos dos afrodescendentes dos povos indígenas de orientação sexual consagrando o multiculturalismo Outra característica importante do PNDH2 é que sua aprovação se deu no último ano do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso 19942002 Sua implementação então incumbia ao seu opositor Presidente Luis Inácio Lula da Silva 20032010 Finalmente em 2009 foi aprovado o PNDH3 já quase no final do segundo mandato do governo do Presidente Lula O PNDH3 como os anteriores resultou de processo de consulta e discussão que foi finalizado na 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos de dezembro de 2008 A Conferência organizada desde 1996 pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados esta criada em 1995 vide abaixo contou com delegados escolhidos pela sociedade civil que ainda realizaram conferências preparatórias estaduais prévias A Conferência teve como lema Democracia Desenvolvimento e Direitos Humanos Superando as Desigualdades discutindo múltiplas facetas dos direitos humanos desde o combate a desigualdades violência bem como a melhoria da segurança pública e acesso à Justiça até direito à memória e à verdade A Conferência foi o resultado de um processo composto por encontros prévios âmbito estadual e local contando com diversos segmentos da sociedade civil e representantes de órgãos públicos De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos órgão do governo federal ver abaixo o relatório final da 11ª CNDH abarca as deliberações aprovadas na Conferência resultado de votações dos delegados presentes representando segmentos da sociedade civil 60 e poder público 40 tudo para dar maior legitimidade ao documento final O documento final da Conferência não foi totalmente seguido pelo governo federal mas serviu de base aos trabalhos sob a coordenação da Secretaria Especial de Direitos Humanos SEDH hoje denominada Ministério dos Direitos Humanos que levaram à elaboração do PNDH3 Este foi adotado pelo Decreto n 7037 de 21 de dezembro de 2009 que oficializou o Programa dividido em seis eixos orientadores 25 diretrizes 82 objetivos estratégicos e 521 linhas de ações Há várias diferenças entre o PNDH3 e os seus dois antecessores que por terem sido ambos organizados pelo NEVUSP possuíam certa continuidade Em primeiro lugar o PNDH3 adotou eixos orientadores e diretrizes detalhando as diversas dimensões dos direitos humanos com a linguagem adotada pelo movimento de direitos humanos no Brasil ver abaixo o quadro com os eixos e das diretrizes Em comparação o PNDH1 limitavase a enumerar as ações pretendidas com denominações próximas às existentes nas Declarações de Direitos e tratados internacionais por exemplo o PNDH1 trazia a menção às políticas públicas para proteção e promoção dos direitos humanos englobando Proteção do Direito à Vida e Proteção do Direito à Liberdade Esse detalhamento do PNDH3 e a absorção de uma linguagem de direitos humanos próxima das demandas da sociedade civil fizeram com que seus enunciados fossem percebidos como sendo de iminente implementação o que a linguagem abstrata dos anteriores não havia realçado Essa sensação gerou ampla repercussão negativa na mídia tradicional e em grupos organizados contrários a determinadas ideias defendidas no PNDH3 em especial no que tange a descriminalização do aborto laicização do Estado responsabilidade social dos meios de comunicação conflitos sociais no campo e repressão política da ditadura militar Em relação aos temas envolvendo o aborto e a proibição de símbolos religiosos em recintos de órgãos públicos houve reação de segmentos religiosos que protestaram vivamente No caso da responsabilização dos meios de comunicação que são concessionários públicos concessão de rádio ou televisão houve reação a possíveis sanções de perda da concessão em casos de programação discriminatória e atentatória aos direitos humanos bem como protestos contra a criação de um ranking de emissoras comprometidas ou não com os direitos humanos No caso dos conflitos sociais e reforma agrária segmentos organizados do agronegócio reagiram contra a criação de exigência de mediação com os ocupantes antes de concessão de ordem judicial de reintegração de posse de áreas invadidas Finalmente houve reação a menção à repressão política do período da ditadura militar recente no Brasil 1964 1985 A resposta do governo federal foi editar o Decreto n 71772010 que providenciou alterações em sete ações e determinou a eliminação de duas no PNDH3 o que realçou que esse Programa tem natureza governamental na qual a sociedade civil colabora mas não decide Os temas relativos à abolição dos símbolos religiosos nos órgãos públicos e sobre o ranking de empresas de comunicação na área de direitos humanos foram simplesmente suprimidos A defesa da descriminalização do aborto redação original g Apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos foi neutralizada e transformada em considerar o aborto como tema de saúde pública com a garantia do acesso aos serviços de saúde No caso dos conflitos agrários houve a supressão de ser a mediação medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares No caso dos militares foram eliminadas as passagens que faziam menção à ditadura militar Por exemplo a ação relacionada à Diretriz 24 que dizia c Identificar e sinalizar locais públicos que serviram à repressão ditatorial bem como locais onde foram ocultados corpos e restos mortais de perseguidos políticos foi transformada em c Identificar e tornar públicos as estruturas os locais as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos Esse recuo do governo federal demonstra que o tema de direitos humanos é extremamente polêmico em uma sociedade desigual como a brasileira demonstrando que resta ainda um longo caminho para o estabelecimento uma sociedade justa e plural como prega o art 3º da CF88 Quanto à implementação do PNDH3 cada ação estratégica incumbe um ou mais órgãos governamentais do dever de realização da conduta Há então possibilidade de monitoramento das ações cobrandose os órgãos responsáveis e evitando que o PNDH3 seja mais uma carta de intenção sem maiores resultados Foi criado o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH3 integrado por 21 representantes de órgãos do Poder Executivo presidido pelo Secretário de Direitos Humanos que designará os demais representantes do Comitê O Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH3 poderá constituir subcomitês temáticos para a execução de suas atividades que poderão contar com a participação de representantes de outros órgãos do Governo Federal Além disso o Comitê convidará representantes dos demais Poderes da sociedade civil e dos entes federados para participarem de suas reuniões e atividades Os Estados o Distrito Federal os Municípios e os órgãos do Poder Legislativo do Poder Judiciário e do Ministério Público serão convidados a aderir ao PNDH3 Por outro lado várias das ações estratégicas dependem do Congresso Nacional e muitas das condutas do Poder Executivo restringemse a enviar um projeto de lei ou mesmo a fomentar debates A prática brasileira revela que mesmo que o projeto de lei seja encaminhado pelo Poder Executivo não é certo que este orientará os partidos políticos que compõem a base de sustentação do governo a chamada base aliada que votem a favor da proposta legislativa O monitoramento então é essencial para revelar eventual abuso de retórica oportunismo e incoerência do próprio Poder Executivo na condução da implementação do PNDH Por isso na Revisão Periódica Universal da situação brasileira realizada pelo Conselho de Direitos Humanos em 2008 o Brasil comprometeuse a estabelecer um abrangente instrumento de monitoramento da situação de direitos humanos em toda a Federação até hoje setembro de 2019 não realizado QUADRO SINÓTICO Eixos e diretrizes do PNDH3 Eixo Orientador Diretriz I Interação Democrática entre Estado e Sociedade Civil 1 Interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa 2 Fortalecimento dos direitos humanos como instrumento transversal das políticas públicas e de interação democrática 3 Integração e ampliação dos sistemas de informação em direitos humanos e construção de mecanismos de avaliação e monitoramento de sua efetivação II Desenvolvimento e Direitos Humanos 4 Efetivação de modelo de desenvolvimento sustentável com inclusão social e econômica ambientalmente equilibrado e tecnologicamente responsável cultural e regionalmente diverso participativo e não discriminatório 5 Valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento 6 Promover e proteger os direitos ambientais como direitos humanos incluindo as gerações futuras como sujeitos de direitos III Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades 7 Garantia dos Direitos Humanos de forma universal indivisível e interdependente assegurando a cidadania plena 8 Promoção dos direitos de crianças e adolescentes para o seu desenvolvimento integral de forma não discriminatória assegurando seu direito de opinião e participação 9 Combate às desigualdades estruturais 10 Garantia da igualdade na diversidade IV Segurança Pública Acesso à Justiça e Combate à Violência 11 Democratização e modernização do sistema de segurança pública 12 Transparência e participação popular no sistema de segurança pública e justiça criminal 13 Prevenção da violência e da criminalidade e profissionalização da investigação de atos criminosos 14 Combate à violência institucional com ênfase na erradicação da tortura e na redução da letalidade policial e carcerária 15 Garantia dos direitos das vítimas de crimes e de proteção das pessoas ameaçadas 16 Modernização da política de execução penal priorizando a aplicação de penas e medidas alternativas à privação de liberdade e melhoria do sistema penitenciário 17 Promoção de sistema de justiça mais acessível ágil e efetivo para o conhecimento a garantia e a defesa dos direitos V Educação e Cultura em Direitos Humanos 18 Efetivação das diretrizes e dos princípios da política nacional de educação em direitos humanos para fortalecer cultura de direitos 19 Fortalecimento dos princípios da democracia e dos direitos humanos nos sistemas de educação básica nas instituições de ensino superior e nas instituições formadoras 20 Reconhecimento da educação não formal como espaço de defesa e promoção dos direitos humanos 21 Promoção da educação em direitos humanos no serviço público 22 Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para a consolidação de uma cultura em direitos humanos VI Direito à Memória e à Verdade 23 Reconhecimento da memória e da verdade como direito humano da cidadania e dever do Estado 24 Preservação da memória histórica e a construção pública da verdade 25 Modernização da legislação relacionada com a promoção do direito à memória e à verdade fortalecendo a democracia 113 PROGRAMAS ESTADUAIS DE DIREITOS HUMANOS Tendo em vista a diversidade regional e a competência administrativa comum para proteção dos direitos humanos vários Estados adotaram programas estaduais de direitos humanos que contemplem as características específicas de cada Estado Como vimos acima o PNDH3 propõe a atuação conjunta do governo federal com os governos estaduais governos municipais e sociedade civil O primeiro Programa Estadual de Direitos Humanos PEDH foi adotado no Estado de São Paulo pelo Decreto n 42209 de 15 de setembro de 1997 A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania foi designada para coordenar as iniciativas governamentais ligadas ao PEDH bem como presidir um Comitê de monitoramento da implementação No caso de São Paulo de acordo com sua própria introdução o PEDH baseiase em cinco princípios básicos 1 garantia dos direitos humanos de todas pessoas independentemente de origem idade sexo etnia raça condição econômica e social orientação ou identidade sexual credo religioso e convicção política 2 os direitos civis políticos econômicos sociais e culturais são indissociáveis 3 as violações dos direitos humanos têm muitas causas de ordem internacional política econômica social cultural e psicológica 4 o estudo e pesquisa da natureza e das causas das violações de direitos humanos são indispensáveis para formulação e implementação de políticas e programas de combate à violência e discriminação e de proteção e promoção dos direitos humanos e finalmente 5 a proteção dos direitos humanos e a consolidação da democracia dependem da cooperação de todos entre o governo federal e o governo estadual com os governos municipais e a sociedade civil tanto na fase de formulação quanto na fase de implementação monitoramento e avaliação das políticas e programas de direitos humanos Depois de São Paulo vários Estados adotaram programas estaduais de direitos humanos como Acre Alagoas Amapá Amazonas Bahia Ceará Distrito Federal Espírito Santo Goiás Maranhão Mato Grosso Mato Grosso do Sul Minas Gerais Pará Paraíba Paraná Pernambuco Piauí Rio de Janeiro Rio Grande do Norte Rio Grande do Sul Rondônia Roraima Santa Catarina Sergipe e Tocantins QUADRO SINÓTICO A busca da implementação dos direitos humanos no Brasil IDH brasileiro e a criação de Índice de Desenvolvimento Humano IDH medida comparativa usada para classificar os Estados de acordo com seu grau de desenvolvimento humano pauta uma política de direitos humanos do em um agregado de dados PIB per capita expectativa de vida ao nascer escolaridade e renda Há evidente descompasso entre a posição econômica do Brasil uma das 10 maiores economias do mundo e a qualidade de vida de sua população IDH 79ª posição entre os 189 Estados avaliados em 2018 Orientação que consta da Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena em 1993 Estados devem elaborar programas nacionais de direitos humanos Essa orientação foi concretizada por diversos Estados Com isso rompeuse o paradigma de que as normas de direitos humanos eram normas programáticas sujeitas à reserva do possível e ao desenvolvimento progressivo ou ainda o paradigma de tratar os direitos humanos como consequência dos projetos governamentais gerais criandose um espaço de discussão e elaboração de uma política pública específica voltada aos direitos humanos Programas Nacionais de Direitos Humanos 1 2 e 3 PNDH1 Criado pelo Decreto n 1904 de 13 de maio de 1996 Meta art 1º realizar um diagnóstico da situação dos direitos humanos no País e medidas para a sua defesa e promoção conferindo visibilidade aos problemas referentes a esses direitos no Brasil e simultaneamente coordenando os esforços para a superação das dificuldades e para sua implementação Dupla lógica a identificação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos direitos humanos no Brasil e b execução a curto médio e longo prazos de medidas de promoção e defesa desses direitos Não possui força vinculante em si mas serve como orientação para as ações governamentais podendo ser cobrado de determinado agente do governo federal os motivos pelos quais sua conduta é incompatível com o Decreto que instituiu o PNDH Voltado à garantia de proteção dos direitos civis com especial foco no combate à impunidade e à violência policial bem como à adesão brasileira a tratados de direitos humanos Inaugurou um processo depois repetido de consulta e debate prévio com a sociedade civil PNDH2 Aprovado pelo Decreto n 4229 de 13 de maio de 2002 Foi fruto de seminários regionais com ampla participação de órgãos governamentais e de entidades da sociedade civil Foi realizada consulta pública pela internet pela Secretaria dos Direitos Humanos do governo federal sobre o Programa Ênfase nos direitos sociais em sentido amplo e em grupos vulneráveis direitos dos afrodescendentes dos povos indígenas de orientação sexual consagrando o multiculturalismo lançandose ações específicas referentes ao direito à educação à saúde à previdência e assistência social ao trabalho à moradia a um meio ambiente saudável à alimentação à cultura e ao lazer assim como propostas voltadas para a educação e sensibilização de toda a sociedade brasileira para a cristalização de uma cultura de respeito aos direitos humanos PNDH3 Adotado pelo Decreto n 7037 de 21 de dezembro de 2009 que oficializou o Programa dividido em seis eixos orientadores 25 diretrizes 82 objetivos estratégicos e 521 linhas de ações Resultou de processo de consulta e discussão que foi finalizado na 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos de dezembro de 2008 que teve como lema Democracia Desenvolvimento e Direitos Humanos Superando as Desigualdades Documento final da Conferência não foi totalmente seguido pelo governo federal mas serviu de base aos trabalhos sob a coordenação da Secretaria Especial de Direitos Humanos hoje denominado Ministério dos Direitos Humanos Diferentemente dos Planos anteriores no PNDH3 adotaramse eixos orientadores e diretrizes detalhando as diversas dimensões dos direitos humanos com a linguagem adotada pelo movimento de direitos humanos no Brasil o que fez com que seus enunciados fossem percebidos como sendo de iminente implementação Com isso o PNDH3 alcançou ampla repercussão na mídia e em grupos organizados contrários a determinadas ideias defendidas no PNDH3 em relação a temas envolvendo por exemplo o aborto e a proibição de símbolos religiosos em recintos de órgãos públicos a responsabilização dos meios de comunicação que são concessionários públicos em casos de programação discriminatória e atentatória aos direitos humanos e a criação de exigência de mediação com os ocupantes antes de concessão de ordem judicial de reintegração de posse de áreas invadidas Decreto n 71772010 resposta do governo às manifestações com a eliminação de duas ações no PNDH3 símbolos religiosos nos órgãos públicos e ranking de empresas de comunicação na área de direitos humanos e alterações em sete ações Implementação cada ação estratégica cabe a um ou mais órgãos governamentais do dever de realização da conduta tornandose possível o monitoramento das ações Foi criado o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH3 integrado por 21 representantes de órgãos do Poder Executivo e presidido pelo Secretário de Direitos Humanos o Comitê poderá constituir subcomitês temáticos para a execução de suas atividades e convidar representantes dos demais Poderes da sociedade civil e dos entes federados para participarem de suas reuniões e atividades Programas Estaduais de Direitos Humanos No Brasil a competência administrativa de realizar políticas públicas de implementação dos direitos humanos é comum a todos os entes federados Assim é possível que haja programas de direitos humanos no plano federal estadual e municipal Considerandose a diversidade regional e a competência administrativa comum para proteção dos direitos humanos vários Estados adotaram programas estaduais de direitos humanos que contemplem as características específicas de cada Estado 12 As principais instituições de defesa e promoção dos direitos humanos no Poder Executivo Federal após o impeachment de 2016 e a reforma de 2017 121 MINISTÉRIO DA MULHER DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS Na esfera administrativa federal o órgão especializado em direitos humanos continua a ser o Ministério dos Direitos Humanos agora denominado Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Sua história recente revela a própria instabilidade no governo federal dos últimos anos De fato após o afastamento temporário da Pres Dilma Rousseff em pleno processo de impeachment de 2016 houve a vinculação da Secretaria Especial de Direitos Humanos ao então existente Ministério da Justiça e Cidadania hoje denominado Ministério da Justiça e da Segurança Pública Antes do impeachment a secretaria era i vinculada à Presidência da República e ii possuía estatuto de Ministério Assim mesmo antes do afastamento definitivo da Pres Rousseff ocorreram significativas transformações no primeiro semestre de 2016 pelas quais foi i condensada com outras duas secretarias em uma única estrutura ministerial e posteriormente ii perdeu o status de Ministério e voltou a se subordinar aos quadros do Ministério da Justiça e da Cidadania A primeira reforma ministerial mencionada foi implementada pelo próprio Governo Dilma Rousseff no dia 5 de abril de 2016 328 Outra alteração foi promovida em 12 de maio de 2016 329 pelo então Presidente interino Michel Temer após a suspensão temporária da presidente Dilma em decorrência da abertura do seu processo de impeachment pelo Senado Esta configuração vigorou até fevereiro de 2017 após a decisão final pelo impeachment de Dilma Rousseff e posse definitiva de Michel Temer como Presidente da República 330 Em fevereiro de 2017 foi recriado o Ministério dos Direitos Humanos Com a posse do Pres Jair Bolsonaro houve a fusão de órgãos em um novo Ministério agora denominado Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos 331 Apesar das reviravoltas recentes que mostram incertezas sobre onde inserir a promoção de direitos humanos no Poder Executivo federal cabe mencionar que o processo de institucionalização da temática dos direitos humanos na administração pública federal passou por um período de paulatina evolução A existência de um órgão específico e de hierarquia administrativa superior na área federal status de Ministério e vinculado à Presidência da República voltado especificamente para a temática dos direitos humanos é recente na história do País Até o início dos anos 90 do século passado a temática era de atribuição do Ministério da Justiça O crescimento da importância da temática e em especial a adesão brasileira ao crescente processo de internacionalização dos direitos humanos fez a matéria sair do Ministério da Justiça e ganhar corpo próprio Essa escalada foi iniciada com a criação da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos ainda vinculada ao Ministério da Justiça criada pelo Decreto n 2193 de 7 de abril de 1997 Presidência de Fernando Henrique Cardoso A criação desta secretaria já demonstrou prestígio da temática pois substituiu o departamento de direitos humanos da antiga Secretaria de Direitos da Cidadania A mudança foi realizada para que o novo órgão pudesse coordenar e acompanhar a execução do Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH1 conforme dispunha o Decreto n 219397 No governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi dado mais um passo sendo criada a Secretaria Especial dos Direitos Humanos vinculada à Presidência da República Lei n 106832003 desvinculandoa do Ministério da Justiça Pela primeira vez em 2003 a Secretaria foi equiparada a um Ministério e o titular da pasta possuía o status de Ministro A Secretaria ostentava o vínculo direto com o Gabinete do Presidente o que facilitou sua articulação com os demais órgãos da Administração Pública No final do Governo Lula a Secretaria perdeu a denominação de Especial e passou a se chamar Secretaria de Direitos Humanos demonstrando que a preocupação com a temática é permanente e equiparada às demais áreas administrativas não existe por exemplo Ministério Especial da Justiça Ministério Especial da Fazenda etc Em 2016 um movimento em sentido contrário ganhou impulso com o advento da Lei n 13266 que extinguiu a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República ao mesmo tempo que dissolveu duas outras secretarias com status ministerial de grande relevância para os Direitos Humanos a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República e a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República Ao extinguir as 3 secretarias a então presidente Dilma Rousseff buscou aglutinar as temáticas dos três órgãos em um único Ministério denominado Ministério das Mulheres da Igualdade Racial da Juventude e dos Direitos Humanos Lei n 132662016 Ainda que toda uma pluralidade de órgãos relacionados aos direitos humanos tenha sido extinta um órgão unificado e com status ministerial foi mantido Pouco depois com a suspensão provisória da presidente Dilma em razão da abertura de processo de impeachment o então presidente interino Michel Temer editou Medida Provisória MPV n 72616 pela qual extinguiu o Ministério das Mulheres da Igualdade Racial da Juventude e dos Direitos Humanos transferindo a competência sobre a temática ao reestruturado Ministério da Justiça e Cidadania Em outras palavras o órgão da administração federal especializado em direitos humanos voltou a se subordinar ao Ministério da Justiça reestabelecendo seu formato anterior à promulgação da Lei n 106832003 Em 2017 houve nova alteração e foi recriado o Ministério dos Direitos Humanos pela Medida Provisória n 768 de 2 de fevereiro atualmente Lei n 135022017 menos de um ano depois de sua extinção pelo atual Governo Temer Em 2018 novas alterações foram realizadas pelo Decreto n 9417 Finalmente em 2019 no bojo de ampla reorganização dos ministérios do governo federal após a posse do Pres Jair Bolsonaro o novo Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos tem as seguintes atribuições de acordo com a Lei n 138442019 a políticas e diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos incluídos direitos da mulher da família da criança e do adolescente da juventude do idoso da pessoa com deficiência da população negra das minorias étnicas e sociais b articulação de iniciativas e apoio a projetos de proteção e promoção dos direitos humanos com respeito aos fundamentos constitucionais do Estado de Direito c políticas de promoção do reconhecimento e da valorização da dignidade da pessoa humana em sua integralidade d combate a todas as formas de violência de preconceito de discriminação e de intolerância e exercício da função de ouvidoria nacional em assuntos relativos aos direitos humanos Integram a estrutura básica do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos inicialmente 8 unidades finalísticas a saber I a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres II a Secretaria Nacional da Família III a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente IV a Secretaria Nacional da Juventude V a Secretaria Nacional de Proteção Global VI a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial VII a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência VIII a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa Também integram o MMFDH 11 conselhos de participação social a saber IX o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial X o Conselho Nacional dos Direitos Humanos XI o Conselho Nacional de Combate à Discriminação XII o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente XIII o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência XIV o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa XV o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura XVI o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura XVII o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais XVIII o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e XIX o Conselho Nacional da Juventude Apesar de não constar da Lei n 138442019 já modificada pela Medida Provisória n 8862019 em trâmite em outubro de 2019 reforçando a instabilidade da estrutura governamental federal atua ainda na estrutura do MMFDH a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos CEMDP 122 A NOVA REGULAMENTAÇÃO DOS CONSELHOS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL Em 2001 a Emenda Constitucional n 32 suprimiu um tratamento desigual que era dado pela redação original da CF88 aos Poderes Executivo Legislativo e Judiciário no que tange à autoorganização enquanto os dois últimos poderiam adotar normas administrativas internas para se organizarem 332 o primeiro dependia de lei ou seja dependia de outro Poder Com a EC 32 o art 84 VI da CF88 adquiriu nova redação pela qual compete privativamente ao Presidente da República dispor mediante decreto sobre i organização e funcionamento da administração federal quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos e ii extinção de funções ou cargos públicos quando vagos 333 Ficou estabelecido o princípio da reserva da administração pelo qual o Poder Executivo fica protegido da indevida ingerência do Poder Legislativo na sua organização interna De acordo com o STF O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência político administrativa do Poder Executivo É que em tais matérias o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo ADI 2364 MC rel Min Celso de Mello j 1º82001 Pleno DJ de 14122001 Com base nessa atribuição foi editado o Decreto n 9759 de 11 de abril de 2019 que determinou a partir de 28 de junho do mesmo ano a extinção dos seguintes colegiados da administração pública federal i os instituídos por decreto ii os instituídos por ato normativo inferior a decreto e iii ato de outro decreto Previu ainda que seriam extintos os colegiados instituídos por ato infralegal em cuja lei em que são mencionados nada conste sobre a competência ou a composição redação dada pelo Decreto n 98122019 Como exceção a essa draconiana extinção foram preservados os colegiados previstos no regimento interno ou no estatuto de instituição federal de ensino e os criados ou alterados por ato publicado a partir de 1º de janeiro de 2019 O Decreto n 9759 ainda dispôs sobre a criação ou mesmo recriação dos colegiados dando parâmetros e condições A exposição de motivos do citado decreto justificou a extinção sem sequer uma lista dos colegiados a serem atingidos pela excessiva dificuldade em realizar tal mapeamento Alegouse que a recriação dos colegiados essenciais contornaria eventual excesso Todavia essa extinção em massa da colegiados impacta sobremaneira a participação social na administração pública federal na temática dos direitos humanos Segundo levantamento do Ministério Público Federal ao menos 35 órgãos criados por decretos e com importância na área dos direitos humanos em sentido amplo seriam extintos 334 Essa extinção generalizada sem fundamentação caso a caso precariza a transparência no agir estatal bem como a mínima fiscalização social das políticas públicas que já era frágil em face da composição majoritariamente governamental dos colegiados sem contar a ausência de força decisória O direito à democracia participativa detalhado na Carta Democrática Interamericana foi comprimido sem que seja analisada pormenorizadamente a situação concreta que poderia conter elementos que levassem à extinção justificada de um determinado colegiado sem ferir a proibição de retrocesso institucional Em que pese o princípio da reserva da administração e a natureza política inserida na competência discricionária do Presidente da República para organizar os colegiados da administração todo ato do Poder Público sujeitase ao crivo judicial no que tange i à forma ii finalidade e iii proporcionalidade decisão monocrática do Min Roberto Barroso ADI 6062 de 2342019 Além disso o princípio da legalidade estrita impede que o Poder Público por decreto elimine colegiado que tenha sido mencionado direta ou indiretamente por lei O Decreto n 97592019 poupou da extinção o colegiado que tenha sido mencionado i por lei ou por ii ato infralegal em cuja lei em que mencionado o órgão nada conste sobre a competência ou a composição Aceitar tal extinção seria ofensivo à separação de poderes porque permitiria ao Poder Executivo legislar contrariando a vontade da lei e retornando à figura do decreto autônomo vedada pela CF88 335 Por isso o STF decidiu cautelarmente a favor da suspensão parcial do Decreto n 97592019 na redação dada pelo Decreto n 98122019 afastando a possibilidade da extinção de colegiado cuja existência encontre algum tipo de menção em lei em sentido formal ainda que ausente expressa referência sobre a competência ou a composição Para o Min Gilmar Mendes na hipótese da menção mesmo sem detalhamento do colegiado por lei formal o legislador acabou por convalidar a instituição do colegiado originalmente operada por Decreto Desse modo tolerar a extinção do colegiado significaria desrespeitar a vontade do legislador em alguma medida o que não pode ser admitido ante o princípio da separação de poderes e a própria excepcionalidade do uso do decreto autônomo voto do Min Gilmar Mendes ADI 6121 em trâmite até outubro de 2019 Plenário j 1362019 Ressaltese que a decisão a favor da suspensão parcial foi apertada 6 x 5 tendo sido vencidos os Ministros Edson Fachin Roberto Barroso Rosa Weber Cármen Lúcia e Celso de Mello que concediam integralmente a cautelar Para o Min Fachin que abriu a divergência a extinção indiscriminada dos órgãos colegiados previstos ou não em lei violou o princípio constitucional da participação e controle social bem como os princípios republicano democrático e de participação popular essência do Estado Democrático de Direito art 1º da CF88 Apontou que esses órgãos colegiados são instrumentos da democracia participativa servindo como mecanismo de aproximação da sociedade civil e o governo e tal extinção resultou em retrocesso na implementação dos direitos humanos O Min Barroso apontou a falta de transparência e a vagueza do Decreto o que afetou os direitos já mencionados STF ADI 6121 rel Min Marco Aurélio em trâmite até outubro de 2019 Plenário j 1362019 123 SECRETARIAS DO MINISTÉRIO DA MULHER DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS Como visto acima a Lei n 138842019 ao tratar do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos contemplou oito Secretarias a saber I a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres II a Secretaria Nacional da Família III a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente IV a Secretaria Nacional da Juventude V a Secretaria Nacional de Proteção Global VI a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial VII a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência VIII a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa De acordo com o Decreto n 96732019 336 as principais atribuições de cada Secretaria são as seguintes 1 Secretaria Nacional de Proteção Global É a secretaria que possui o mais diverso rol de atribuições Incumbelhe coordenar e monitorar a implementação da política nacional de direitos humanos em conformidade com as diretrizes do Programa Nacional de Diretos Humanos exercendo ainda a função de SecretariaExecutiva do Conselho Nacional dos Direitos Humanos Também lhe cabe coordenar o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e articular e implementar a Política de Proteção a Defensores de Direitos Humanos Ainda cabelhe coordenar as ações referentes às políticas públicas voltadas aos públicos vulneráveis como lésbicas gays bissexuais travestis transexuais e população em situação de rua cumprelhe coordenar as ações de promoção do direito à memória e à verdade e proceder ao pagamento de indenizações decorrentes de decisões da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos No plano internacional cabelhe elaborar relatórios e informes em cumprimento aos compromissos decorrentes da assinatura de tratados internacionais pelo Estado brasileiro e ainda articularse com os demais órgãos da administração pública federal na definição da posição do Estado brasileiro relativas a petições e casos em trâmite no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e respeitadas as competências dos demais órgãos atuar no cumprimento de suas decisões 2 Secretaria Nacional da Família Essa secretaria é inovação do atual governo 2019 Competelhe formular políticas e diretrizes para a articulação dos temas das ações governamentais e das medidas referentes à promoção e defesa da família bem como promover a inserção de uma perspectiva de família em todas as áreas de atuação do governo grifo meu art 15 II e V do Decreto n 96732019 3 Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres Sua incumbência é atuar na formulação na coordenação na articulação e na definição de diretrizes de políticas para as mulheres no âmbito do Ministério Para tanto deve promover diretrizes e defender a dignidade de todas as mulheres de forma integral bem como formular coordenar e articular políticas públicas para as mulheres incluídas atividades antidiscriminatórias em suas relações sociais de combate a todas as formas de violência contra a mulher e de atenção integral à dignidade da mulher Compõe sua estrutura básica o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher 4 Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Cumprelhe assessorar o Ministério na formulação coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial Também lhe cabe formular coordenar e avaliar as políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade racial e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais população negra estrangeiro grupos étnicos afetados por ações de discriminação racial e demais formas de intolerância 5 Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Competelhe formular coordenar acompanhar e avaliar políticas e diretrizes para implementação e articulação das ações governamentais e das medidas referentes à promoção proteção defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente com prioridade para a prevenção a conciliação de conflitos e o enfrentamento a todas as formas de violação desses direitos 6 Secretaria Nacional da Juventude Sua incumbência abarca a formulação e coordenação de políticas públicas para a juventude bem como execução de programas de cooperação com organismos nacionais e internacionais públicos e privados destinados à implementação de políticas de juventude 7 Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência Cumprelhe essencialmente coordenar os assuntos as ações governamentais e as medidas referentes à pessoa com deficiência bem como coordenar ações de prevenção e eliminação de todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência e propiciar sua plena inclusão na sociedade 8 Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa Cabelhe coordenar e propor ações de aperfeiçoamento e fortalecimento da Política Nacional do Idoso além de acompanhar as ações e as medidas para promoção garantia e defesa da pessoa idosa Também é seu papel gerir convênios termos acordos e outros instrumentos congêneres na área de promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa e articular com órgãos governamentais e não governamentais ações para a implementação da política nacional do idoso 124 OUVIDORIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS No Brasil as Ouvidorias sem é claro comentar a figura do ombudsman privado instituto totalmente distinto são órgãos de controle interno da Administração Pública Para tanto desenvolvem trabalho referente à divulgação dos direitos daqueles envolvidos com a Administração bem como devem possibilitar meios de recebimento de notícias de má prestação do serviço público encaminhamento de pedidos de providências e fiscalização dos resultados das sindicâncias abertas Em virtude do papel de fiscalização é importante que o Ouvidor seja dotado de estrutura material adequada e garantias de independência mandato impossibilidade de exoneração por livre decisão da Administração Pública para que seu papel não seja meramente decorativo Nessa linha a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos é um órgão interno do MMFDH que tem a atribuição básica de atuar diretamente nos casos de denúncias de violações de direitos humanos e na resolução de tensões e conflitos sociais que envolvam violações de direitos humanos em articulação com o Ministério Público com os órgãos dos Poderes Judiciário Legislativo e Executivo federal com os demais entes federativos e com as organizações da sociedade civil art 6º V do Decreto n 96732019 A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos poderá agir de ofício quando tiver conhecimento de atos que violem os direitos humanos individuais ou coletivos podendo receber denúncias anônimas Assim cabe à Ouvidoria receber as reclamações e críticas da população e dar encaminhamento aos respectivos órgãos Também possui papel de formação empenhandose em informar os direitos de todos 125 CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS Após longa maturação no Congresso foi editada com alguns vetos presidenciais a Lei n 129862014 que criou o Conselho Nacional dos Direitos Humanos CNDH Com isso foi substituído o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana que era um órgão colegiado criado pela Lei n 4319 de 16 de março de 1964 agora expressamente revogada sancionada pelo Presidente João Goulart poucos dias antes do golpe militar de 1964 31 de março de 1964 O novo Conselho Nacional dos Direitos Humanos CNDH tem por finalidade i a promoção e ii a defesa dos direitos humanos mediante ações preventivas protetivas reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos O CNDH pode agir por i provocação ou ii de ofício Na dicção da lei os direitos humanos sob a proteção do CNDH englobam os direitos e garantias fundamentais individuais coletivos ou sociais previstos na Constituição Federal ou nos tratados ou atos internacionais celebrados pelo Brasil Sua composição é plural contando com 22 membros sendo 11 do Poder Público e 11 representantes da sociedade civil ampliando em muito a representatividade em comparação ao CDDPH 10 membros ao todo 5 do Poder Público e os outros 5 divididos entre professores OAB Associação Brasileira de Educação e Associação Brasileira de Imprensa O presidente nato do extinto CDDPH era o Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos agora Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos A nova lei não prevê a presidência nata de membro do Poder Público ver a questão da independência do Poder Público e os Princípios de Paris no item 18 deste capítulo Em 2016 pela primeira vez a Presidência do CNDH foi exercida por representante da sociedade civil São representantes do Poder Público a Ministro da Mulher Família e dos Direitos Humanos b ProcuradorGeral da República c 2 dois Deputados Federais d 2 dois Senadores e 1 um de entidade de magistrados f 1 um do Ministério das Relações Exteriores g 1 um do Ministério da Justiça h 1 um da Polícia Federal i 1 um da Defensoria Pública da União Os representantes dos órgãos públicos serão designados pelos ministros chefes ou presidentes das respectivas instituições Os representantes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados serão designados pelos presidentes das respectivas Casas no início de cada legislatura com paridade entre os partidos de situação e de oposição Quanto aos 11 representantes da sociedade civil há 1 representante da Ordem dos Advogados do Brasil indicado pelo Conselho Federal da OAB 1 indicado pelo Conselho Nacional dos ProcuradoresGerais do Ministério Público dos Estados e da União associação civil de direito privado e 9 representantes de organizações da sociedade civil de abrangência nacional e com relevantes atividades relacionadas à defesa dos direitos humanos Esses 9 representantes de organizações de abrangência nacional serão eleitos por elas mesmas em Encontro Nacional organizado pelo CNDH na primeira composição o encontro foi organizado pela Secretaria de Direitos Humanos em 2014 participando as entidades que demonstraram interesse e cumpriram as regras mínimas do edital Compete ao CNDH 1 promover medidas necessárias à prevenção repressão sanção e reparação de condutas e situações contrárias aos direitos humanos inclusive os previstos em tratados e atos internacionais ratificados no País e apurar as respectivas responsabilidades 2 fiscalizar a política nacional de direitos humanos podendo sugerir e recomendar diretrizes para a sua efetivação 3 receber representações ou denúncias de condutas ou situações contrárias aos direitos humanos e apurar as respectivas responsabilidades 4 expedir recomendações a entidades públicas e privadas envolvidas com a proteção dos direitos humanos fixando prazo razoável para o seu atendimento ou para justificar a impossibilidade de fazêlo 5 articularse com órgãos federais estaduais do Distrito Federal e municipais encarregados da proteção e defesa dos direitos humanos 6 manter intercâmbio e cooperação com entidades públicas ou privadas nacionais ou internacionais com o objetivo de dar proteção aos direitos humanos 7 acompanhar o desempenho das obrigações relativas à defesa dos direitos humanos resultantes de acordos internacionais produzindo relatórios e prestando a colaboração que for necessária ao Ministério das Relações Exteriores 8 opinar sobre atos normativos administrativos e legislativos de interesse da política nacional de direitos humanos e elaborar propostas legislativas e atos normativos relacionados com matéria de sua competência 9 realizar estudos e pesquisas sobre direitos humanos e promover ações visando à divulgação da importância do respeito a esses direitos 10 recomendar a inclusão de matéria específica de direitos humanos nos currículos escolares especialmente nos cursos de formação das polícias e dos órgãos de defesa do Estado e das instituições democráticas 11 dar especial atenção às áreas de maior ocorrência de violações de direitos humanos podendo nelas promover a instalação de representações do CNDH pelo tempo que for necessário 12 representar i à autoridade competente para instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo ii especialmente ao Ministério Público para promover medidas relacionadas com a defesa de direitos humanos e iii ao Procurador Geral da República para fins de intervenção federal por violação dos direitos da pessoa humana alínea b do inciso VII do art 34 da CF88 13 realizar procedimentos apuratórios de condutas e situações contrárias aos direitos humanos e aplicar sanções de sua competência e 14 pronunciarse por deliberação expressa da maioria absoluta de seus conselheiros sobre crimes que devam ser considerados por suas características e repercussão como violações a direitos humanos de excepcional gravidade para fins de acompanhamento das providências necessárias a sua apuração processo e julgamento A Lei n 12986 não menciona expressamente o Incidente de Deslocamento de Competência mas entendese englobado no poder de representar ao Ministério Público Tais previsões indicam que há três principais atribuições do novo CNDH a saber i promocional ii fiscalizadora e iii repressiva A atribuição promocional consiste na elaboração de estudos recomendações e opiniões sobre ações na temática inclusive para influenciar na capacitação e educação para os direitos humanos A atribuição fiscalizadora é consagrada no dever de fiscalizar a política nacional de direitos humanos e observar o cumprimento das obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil A atribuição repressiva pode ser dividida entre i repressão direta na qual o CNDH apura condutas de violação de direitos humanos e impõe sanções e ii indireta na qual o CNDH representa contra tais condutas e cobra ação das autoridades policiais e do Ministério Público evitando que haja negligência e impunidade Para cumprir suas atribuições repressivas o CNDH conta com poder de requisitar informações ou documentos auxílio da Polícia Federal ou de força policial para cumprir suas atribuições bem como requerer aos órgãos públicos serviços diligências ou mesmo exames e vistorias Foram vetados pela Presidência da República os dispositivos que davam ainda o poder de convocar pessoas e inquirir testemunhas bem como realizar diligências investigatórias inclusive inspeções e tomar depoimentos de autoridades Assim o CNDH tem um espaço reduzido para atuar de modo repressivo direto mas continua com o poder de representar ao Ministério Público cobrando sua ação As sanções previstas na Lei n 12986 para que o CNDH tenha algum tipo de resposta para dar aos casos de violação de direitos humanos são as seguintes i advertência ii censura pública iii recomendação de afastamento de cargo função ou emprego na administração pública direta indireta ou fundacional da União Estados Distrito Federal Territórios e Municípios do responsável por conduta ou situações contrárias aos direitos humanos e iv recomendação de que não sejam concedidos verbas auxílios ou subvenções a entidades comprovadamente responsáveis por condutas ou situações contrárias aos direitos humanos Não há outra consequência mais grave prevista na Lei n 12986 Seguese aqui o exemplo do ombudsman nórdico e dos Defensores do Povo latinoamericanos tendo o CNDH poder sancionatório restrito à esfera do i juízo de valor negativo advertência censura ou ii juízo opinativo recomenda a quem tem o poder de afastar o servidor ou de conceder verbas As resoluções do CNDH serão tomadas por deliberação da maioria absoluta dos conselheiros No caso de empate o Presidente terá voto de qualidade Comparandose as atribuições do novo CNDH e do antigo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH observo que o CDDPH podia realizar diligências tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais estaduais ou municipais e inquirir testemunhas As testemunhas seriam intimadas de acordo com as normas estabelecidas no Código de Processo Penal Em caso de não comparecimento de testemunha sem motivo justificado a sua intimação seria solicitada ao Juiz Criminal da localidade em que residisse ou se encontrasse Havia inclusive previsão de tipos penais constituindose em crime impedir ou tentar impedir mediante violência ou ameaças o regular funcionamento do CDDPH ou de Comissão de Inquérito por ele instituída ou o livre exercício das atribuições de qualquer dos seus membros A pena era a do art 329 do CP Também era crime fazer afirmação falsa negar ou calar a verdade como testemunha perito tradutor ou intérprete perante o CDDPH ou Comissão de Inquérito por ele instituída A pena era a do art 342 do CP O novo CNDH como visto perdeu esses poderes pois com o fortalecimento do Ministério Público após a Constituição de 1988 com previsão constitucional de autonomia e independência funcional o papel de repressão direta do CDDPH ficou secundário uma vez que não havia sequer como comparar as estruturas materiais e de recursos humanos entre esses dois entes com clara prevalência da estrutura do Ministério Público sem contar que o resultado da investigação do CDDPH era encaminhado ao próprio Ministério Público Em caso de negligência de um promotor de justiça há ainda a possibilidade de as vítimas e a sociedade civil acionarem o Conselho Nacional do Ministério Público CNMP Resta saber como será exercido o papel promocional e de fiscalização dos direitos humanos do novo CNDH uma vez que nas últimas décadas houve crescimento de outros Conselhos temáticos como veremos no item 126 que ocupam esse papel de desenvolvimento de capacitação e de políticas públicas em suas áreas respectivas Finalmente a criação do CNDH tinha como objetivo sua inscrição como instituição nacional de direitos humanos brasileira na ONU ver abaixo o item 18 mas sua candidatura não obteve êxito em virtude da intensa participação do governo no seu funcionamento 126 OUTROS ÓRGÃOS COLEGIADOS FEDERAIS DE DEFESA DE DIREITOS HUMANOS 1261 O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA foi criado pela Lei n 8242 de 12 de outubro de 1991 cabendolhe atuar na promoção dos direitos humanos das crianças e adolescentes As principais atribuições do CONANDA são 1 elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente fiscalizando as ações de execução em consonância com a Lei n 806990 Estatuto da Criança e do Adolescente ECA 2 zelar pela aplicação da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente 3 dar apoio aos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e órgãos correlatos 4 avaliar a política estadual e municipal e a atuação dos Conselhos Estaduais e Municipais da Criança e do Adolescente 5 apoiar a promoção de campanhas educativas sobre os direitos da criança e do adolescente Em setembro de 2019 foi editado o Decreto n 10003 que reduziu o número de assentos no CONANDA de 28 para 18 com a divisão na seguinte forma nove assentos para representantes de órgãos públicos e nove assentos para representantes da sociedade civil Os nove representantes governamentais foram divididos da seguinte forma dois indicados pelo Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos um da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e um da Secretaria Nacional da Família um do Ministério da Justiça e Segurança Pública três do Ministério da Economia um do Ministério da Educação um do Ministério da Cidadania um do Ministério da Saúde Por sua vez o método de escolha das entidades representantes da sociedade civil foi alterado deixando de ser por eleição em assembleia específica disciplinada pelo Regimento Interno do CONANDA sendo substituído por processo seletivo a ser elaborado pelo Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Ficou estabelecido mandato de dois anos com vedação à recondução dos representantes das entidades não governamentais O Presidente da República designa o Presidente do CONANDA que será escolhido dentre os seus membros tendo o Presidente do Conselho voto de qualidade além do seu voto ordinário em caso de empate Ademais o decreto reduziu a frequência das reuniões do CONANDA de mensal no passado para trimestral tendo também dispensado todos os membros então atuantes Para a Procuradoria Geral da República o Decreto n 10003 é inconstitucional uma vez que como resultado dessas mudanças o caráter democrático participativo do CONANDA foi esvaziado Assim o órgão perdeu seu papel de ser fórum encarregado da elaboração de políticas voltadas para o público infantojuvenil o que viola os preceitos fundamentais da igualdade e da participação popular direta prejudicando substancialmente a formulação de políticas que tenham como objetivo a proteção das crianças e dos adolescentes STF ADPF 622 rel Min Roberto Barroso em trâmite 1262 O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CONADE O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CONADE é um órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que deve acompanhar e avaliar o desenvolvimento de uma política nacional para inclusão da pessoa com deficiência e das políticas setoriais de educação saúde trabalho assistência social transporte cultura turismo desporto lazer e política urbana voltados a essas pessoas O CONADE é um órgão paritário com conselheiros da área pública e também da sociedade civil organizada De acordo com o Decreto n 329899 compete ao CONADE zelar pela efetiva implantação da política para inclusão da pessoa com deficiência em âmbito nacional e acompanhar o planejamento e avaliar a execução das políticas setoriais de educação saúde trabalho assistência social transporte cultura turismo desporto lazer política urbana e outras relativas à pessoa com deficiência Também deve o CONADE acompanhar e apoiar as políticas e as ações do Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência no âmbito dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios e propor a elaboração de estudos e pesquisas que objetivem a melhoria da qualidade de vida da pessoa com deficiência além de propor e incentivar a realização de campanhas visando à prevenção de deficiência e à promoção dos direitos da pessoa com deficiência Além disso cabe ao CONADE aprovar o plano de ação anual da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CORDE órgão administrativo da Secretaria de Direitos Humanos que deve acompanhar e orientar a execução pela Administração Pública Federal das ações da Política Nacional para Inclusão da Pessoa Portadora de Deficiência No lado governamental há 18 representantes dos seguintes entes 1 Secretaria de Direitos Humanos 2 Ministério da Ciência e Tecnologia 3 Ministério das Comunicações 4 Ministério da Cultura 5 Ministério da Educação 6 Ministério do Esporte 7 Ministério da Previdência Social 8 Ministério das Relações Exteriores 9 Ministério da Saúde 10 Ministério do Trabalho e Emprego 11 Casa Civil da Presidência da República 12 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 13 Ministério dos Transportes 14 Ministério das Cidades 15 Ministério do Turismo 16 Ministério da Justiça 17 Secretaria de Políticas para as Mulheres Representante dos Conselhos Estaduais 18 Representante dos Conselhos Municipais No lado da sociedade civil há também 18 representantes de organizações de defesa das mais diferentes deficiências Por ter sido mencionado apesar de sem detalhamento na Lei n 138442019 o CONADE não foi extinto pelo Decreto n 975919 em face da ADI 6121 estudada acima em trâmite até outubro de 2019 1263 O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa CNDPI O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa CNDPI é um órgão colegiado e paritário vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos tendo como finalidade a elaboração das diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional do Idoso observadas as linhas de ação e as diretrizes conforme dispõe a Lei n 10741 de 1º de outubro de 2003 Estatuto do Idoso bem como acompanhar e avaliar a sua execução De acordo com o Decreto n 9893 de 27 de junho de 2019 o Conselho Nacional do Direitos da Pessoa Idosa é órgão permanente paritário e de caráter deliberativo integrante da estrutura organizacional do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos com a finalidade de colaborar nas questões relativas à política nacional do idoso Cabe ao CNDI i apoiar a promoção de campanhas educativas sobre os direitos do idoso com a indicação das medidas a serem adotadas nas hipóteses de atentados ou violação desses direitos ii realizar pesquisas e estudos sobre a situação do idoso no Brasil e iii manifestar se sobre as questões demandadas pelo Ministro de Estado da Mulher da Família e dos Direitos Humanos ou pelo Secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Ao CNDI compete ainda iv acompanhar e avaliar a expedição de orientações e recomendações sobre a aplicação da Lei n 10741 de 2003 e dos demais atos normativos relacionados aos direitos do idoso bem como v é competência do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa CNDI gerir o Fundo Nacional do Idoso e fixar os critérios para sua utilização Lei n 122132010 O CNDI conta com 6 conselheiros sendo três vinculados ao governo e três à sociedade civil escolhidos também pelo governo a saber I pelo Secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que o presidirá II por um representante da Secretaria Nacional da Família do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos indicado pelo titular da Secretaria e designado pelo Ministro de Estado III por um representante da Secretaria Nacional de Proteção Global do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos indicado pelo titular da Secretaria e designado pelo Ministro de Estado IV por três representantes da sociedade civil organizada indicados por entidades selecionadas por meio de processo seletivo público e designados pelo Ministro de Estado da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Até 2019 o CNDI contava com 28 membros sendo 14 vinculados ao Poder Público e 14 representantes da sociedade Decreto n 51092004 1264 O Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCD O Conselho Nacional de Combate à Discriminação compõe o Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos tendo sido previsto na Lei n 138442019 e regulado pelo Decreto n 98832019 Ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCD compete I colaborar com o Ministro de Estado da Mulher da Família e dos Direitos Humanos e o Secretário Nacional de Proteção Global na orientação e na direção das políticas públicas de combate à discriminação e à intolerância em âmbito federal II formular e propor diretrizes de ação governamental voltadas para a defesa dos direitos a das minorias étnicas e sociais e b das vítimas de violência de preconceito de discriminação e de intolerância III zelar pela observância da legislação de combate à discriminação e à intolerância e representar aos Poderes Públicos nos casos de infringência da Constituição das leis e de regulamentos federais que disponham sobre a matéria IV obter e consolidar informações sobre as políticas públicas de combate à discriminação e à intolerância nos Estados e no Distrito Federal V articularse com outros colegiados para estabelecer estratégias comuns de atuação VI realizar pesquisas e análises sobre a situação dos grupos sociais afetados por discriminação e intolerância VII recomendar ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos medidas para o combate à discriminação e à intolerância É composto por sete conselheiros sendo quatro do governo todos do MMFDH e três representantes da sociedade civil escolhidos entre os indicados por entidades sem fins lucrativos com atuação relevante relacionada ao combate à discriminação à intolerância e à violência selecionadas por meio de processo seletivo público com mandato de dois anos Com a criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação deixou de existir o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas Gays Bissexuais Travestis e Transexuais CNCDLGBT O CNCDLGBT foi órgão colegiado vinculado ao antigo Ministério dos Direitos Humanos Sua existência baseavase em regulamentação anterior à reorganização administrativa atualmente existente A origem do CNCDLGBT remontava ao combate à discriminação da população negra dos povos indígenas e dos grupos de Lésbicas Gays Bissexuais Travestis e Transexuais previsto no Programa Nacional dos Direitos Humanos1 de 1996 Essa luta contra a discriminação foi ainda impulsionada pela III Conferência Mundial Contra o Racismo Discriminação Racial Xenofobia e Intolerância Correlata patrocinada pela ONU e realizada em Durban África do Sul no ano de 2001 Após Durban o governo federal instituiu por meio do Decreto n 3952 o Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCD órgão colegiado composto por representantes da sociedade civil e Governo Federal visando coordenar os esforços de combate à discriminação no Brasil Ao novo Conselho foi atribuído o acompanhamento dos casos que tramitam perante o Comitê de Eliminação de Discriminação CERD nos termos do art 14 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 e ratificada pelo Brasil em 1968 vide Parte II Capítulo II item 11 Em 2010 foi dado novo perfil ao CNCD por meio do Decreto n 7388 de 9 de dezembro de 2010 especializandoo na promoção dos direitos da população LGBT passando a ser denominado CNCDLGBT As atribuições de combate à discriminação aos afrodescendentes e aos povos indígenas foram transferidas a outros órgãos O CNCDLGBT tinha por finalidade formular e propor diretrizes de ação governamental em âmbito nacional voltadas para o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos direitos de Lésbicas Gays Bissexuais Travestis e Transexuais LGBT 1265 Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP foi criada pela Lei n 9140 de 4 de dezembro de 1995 que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 Tal lei determinou a criação da CEMDP com a atribuição de reconhecer a morte de pessoas desaparecidas que por terem participado ou por terem sido acusadas de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 tenham falecido por causas não naturais em dependências policiais ou assemelhadas bem como envidar os esforços para a localização de corpos de pessoas desaparecidas no caso de existência de indícios quanto ao local em que possam estar depositados Em 14 de agosto de 2002 foi promulgada a Lei n 10536 que ampliou o período de abrangência da lei anterior para a data final de 5 de outubro de 1988 e ainda reabriu o prazo para apresentação de novos requerimentos Pela Lei n 10875 foram ampliados os critérios de reconhecimento das vítimas da ditadura militar contemplando os que foram alvo por participarem de manifestações públicas ou de conflitos armados com agentes do poder público e os indivíduos que tenham falecido em decorrência de suicídio praticado na iminência de serem presas ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de atos de tortura Atualmente a Comissão Especial está vinculada ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH sendo composta por sete membros de livre escolha e designação do Presidente da República que indicará dentre eles quem irá presidila com voto de qualidade Dos sete membros da Comissão quatro devem ser escolhidos dentre os membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados dentre as pessoas com vínculo com os familiares das vítimas dentre os membros do Ministério Público Federal e dentre os integrantes do Ministério da Defesa Os outros três membros não possuem origem determinada pela lei Em 2019 o Conselho Superior do Ministério Público Federal CSMPF recusou indicação feita pelo MMFDH de nome de Procurador da República para compor a Comissão Especial alegando que tal indicação deve ser feita pelo ProcuradorGeral da República ouvido o Conselho Superior do MPF em face do disposto no art 49 XV da Lei Complementar n 7593 337 1266 A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo CONATRAE A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo CONATRAE consiste em órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que visa acompanhar o cumprimento das ações constantes do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo De acordo com o Decreto n 9887 de 27 de junho de 2019 cabe ainda ao CONATRAE propor i medidas que se fizerem necessárias à implementação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo ii acompanhar e avaliar os projetos de cooperação técnica firmados entre a República Federativa do Brasil e organismos internacionais e iii propor a elaboração de estudos e pesquisas e incentivar a realização de campanhas relacionadas à erradicação do trabalho escravo A CONATRAE é composta por oito integrantes sendo quatro do governo representante do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que a coordenará do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Ministério da Economia do Ministério da Cidadania e quatro da sociedade civil representantes de entidades não governamentais privadas reconhecidas nacionalmente e que possuam atividades relevantes relacionadas com o combate ao trabalho escravo No campo penal o chamado trabalho escravo contemporâneo é tipificado no crime do art 149 do CP cuja figura típica consiste em reduzir alguém a condição análoga à de escravo quer submetendoo a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva quer sujeitandoo a condições degradantes de trabalho quer restringindo por qualquer meio sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto Pena reclusão de dois a oito anos e multa além da pena correspondente à violência Redação dada pela Lei n 10803 de 11122003 O 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo aprovado em 2008 pela então existente Secretaria de Direitos Humanos conta com 66 diferentes tipos de ação que visam à erradicação do trabalho escravo contemporâneo tida como prioridade do Estado brasileiro 1267 Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos CNEDH O Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos CNEDH consistiu em uma instância consultiva e propositiva do Ministério dos Direitos Humanos para tratar precipuamente questões relativas ao Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos Esse Comitê foi constituído por meio da Portaria n 98 de 9 de julho de 2003 da então existente Secretaria Especial de Direitos Humanos sendo integrado por personalidades com notório saber e efetiva atuação na educação em direitos humanos bem como por representantes da própria SEDH Ministério da Educação Unesco e ainda da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados Em 2015 a então Secretaria de Direitos Humanos editou a Portaria n 372 pela qual foram atualizadas as atribuições do Comitê bem como foi reestruturada sua composição A nova composição do Comitê é formada por membros divididos em cinco categorias Poder Público organismos internacionais Instituições de Ensino Superior sociedade civil e especialistas Compete ao Comitê entre outras funções propor monitorar e avaliar políticas públicas para o cumprimento do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos Este plano foi lançado em 2003 e foi integrado ao PNDH3 A educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos articulando as seguintes dimensões entre outras a apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos b afirmação de valores atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade c fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção da proteção O Plano propõe a transversalidade da educação em direitos humanos nas políticas públicas estimulando o desenvolvimento institucional e interinstitucional das ações previstas no PNEDH nos mais diversos setores educação saúde comunicação cultura segurança e justiça esporte e lazer dentre outros Há ainda a previsão de ações de formação de profissionais da educação básica e a produção de materiais didáticos e paradidáticos além do incentivo à estruturação de centros de referência em educação em direitos humanos nas instituições de educação superior seja em forma de Núcleos de Estudos e Pesquisas seja em sítios com referências bibliográficas grupos de discussão artigos na área entre outros A Lei n 138442019 não o menciona como órgão colegiado pertencente ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH e em face do Decreto n 97592019 decreto da extinção de colegiados o CNEDH encontrase em fase de reorganização apesar de continuar a ser mencionado no site do MMFDH até setembro de 2019 338 1268 Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial CNPIR O Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial CNPIR é um órgão colegiado de caráter consultivo e vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH Lei n 13844 O CNPIR visa propor em âmbito nacional políticas de promoção da igualdade racial com ênfase na população negra e outros segmentos raciais e étnicos da população brasileira Além do combate ao racismo o CNPIR almeja propor alternativas para a superação das desigualdades raciais em suas múltiplas facetas econômica social política e cultural O CNPIR foi criado pela Lei n 10678 de 23 de maio de 2003 e regulamentado pelo Decreto n 4885 de 20 de novembro de 2003 De acordo com o Decreto n 48852003 compete ao CNPIR principalmente participar na elaboração de critérios e parâmetros para a formulação e implementação de metas e prioridades para assegurar as condições de igualdade à população negra e de outros segmentos étnicos da população brasileira bem como propor estratégias de acompanhamento avaliação e fiscalização participar do processo deliberativo de diretrizes das políticas de promoção da igualdade racial fomentando a inclusão da dimensão racial nas políticas públicas desenvolvidas em âmbito nacional e ainda zelar pelos direitos culturais da população negra especialmente pela preservação da memória e das tradições africanas e afrobrasileiras além dos demais segmentos étnicos constitutivos da formação histórica e social do povo brasileiro 1269 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDM O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDM consiste em órgão colegiado que possui por finalidade formular e propor diretrizes de ação governamental voltadas à promoção dos direitos das mulheres e atuar no controle social de políticas públicas de igualdade de gênero Foi mencionado expressamente na Lei n 138442019 o que assegura sua existência mesmo após o Decreto n 97592019 decreto da extinção de colegiados De acordo com o Decreto n 6412 de 25 de março de 2008 compete ao CNDM principalmente participar na elaboração de critérios e parâmetros para o estabelecimento e implementação de metas e prioridades que visem assegurar as condições de igualdade às mulheres e ainda apresentar sugestões relativas à implementação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres PNPM devendo também propor estratégias de ação visando ao acompanhamento avaliação e fiscalização das políticas de igualdade para as mulheres desenvolvidas em âmbito nacional bem como a participação social no processo decisório relativo ao estabelecimento das diretrizes dessas políticas O II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres foi adotado em 2008 e conta com 388 ações propostas visando à implementação da igualdade de gênero prevista na Constituição de 1988 e nos tratados internacionais de direitos humanos 12610 Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa CNRDR O Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa CNRDR era órgão colegiado vinculado ao então existente Ministério dos Direitos Humanos criado pela Portaria n 18 de 20 de janeiro de 2014 da então Ministra de Direitos Humanos em linha com o disposto no PNDH3 no seu objetivo estratégico relativo ao respeito às diferentes crenças liberdade de culto e garantia da laicidade do Estado Possuía função consultiva e visava promover o reconhecimento e o respeito à diversidade religiosa auxiliar e propor iniciativas ações e políticas de enfrentamento à intolerância por motivo de crença ou convicção e contribuir no estabelecimento de estratégias de respeito à diversidade e à liberdade religiosa e do direito de não ter religião da laicidade do Estado e do enfrentamento à intolerância religiosa art 2º da Portaria n 182014 A Lei n 138442019 não o menciona como órgão colegiado pertencente ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH e em face do Decreto n 97592019 decreto da extinção de colegiados o CNRDR encontrase em fase de reorganização apesar de continuar a ser mencionado no site do MMFDH até setembro de 2019 339 12611 Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua O Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua instituído pelo Decreto 70532009 tinha a finalidade de promover a inclusão social da população em situação de rua possuindo entre suas atribuições a elaboração de planos de ação periódicos com o detalhamento das estratégias de implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua a proposição de medidas que assegurem a articulação intersetorial das políticas públicas federais para o atendimento da população em situação de rua e a instituição de grupos de trabalho temáticos em especial para discutir as desvantagens sociais a que a população em situação de rua foi submetida historicamente no Brasil e analisar formas para sua inclusão e compensação social A Lei n 138442019 não o menciona como órgão colegiado pertencente ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH e em face do Decreto n 97592019 decreto da extinção de colegiados o Comitê encontrase em fase de reorganização apesar de continuar a ser mencionado no site do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos até setembro de 2019 340 QUADRO SINÓTICO As principais instituições de defesa e promoção dos direitos humanos no Poder Executivo federal Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Ganhou no Governo Bolsonaro a denominação atual Havia deixado de ter estatuto equivalente a Ministério após a substancial reforma administrativa do Governo Temer em 2016 Retomou o status ministerial com a reforma do novo Governo Temer em 2017 Histórico Decreto n 2193 de 7 de abril de 1997 criação da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos vinculada ao Ministério da Justiça em substituição ao departamento de direitos humanos da antiga Secretaria de Direitos da Cidadania Criação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos vinculada à Presidência da República Lei n 106832003 desvinculandoa do Ministério da Justiça Secretaria perde a denominação de Especial e passa a se chamar Secretaria de Direitos Humanos demonstrando que a preocupação com a temática é corriqueira e equiparada às demais áreas administrativas Em 2016 com o governo interino e depois permanente de Michel Temer passou a ser Secretaria Especial de Direitos Humanos órgão subsidiário do Ministério da Justiça e Cidadania Em 2017 volta a ter status ministerial com a denominação Ministério dos Direitos Humanos Atribuições a formulação de políticas e diretrizes destinadas à promoção dos direitos humanos b articulação de iniciativas e apoio a projetos de proteção e promoção dos direitos humanos c adoção de políticas de promoção do reconhecimento e da valorização da dignidade da pessoa humana em sua integralidade d exercício da função de ouvidoria nacional em assuntos relativos aos direitos humanos e formulação de políticas de promoção do reconhecimento e da valorização da dignidade da pessoa humana em sua integralidade e f combate a todas as formas de violência de preconceito de discriminação e de intolerância Composta por 1 Secretaria Nacional de Proteção Global 2 Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência 3 Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial 4 Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa 5 Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente 6 Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres 7 Secretaria Nacional da Juventude 8 Secretaria Nacional da Família Órgãos colegiados 1 Conselho Nacional dos Direitos Humanos CNDH 2 Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCD 3 Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência CONADE 4 Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA 5 Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa CNDI 6 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDM 7 Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial 8 Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura 9 Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais 10 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e 11 Conselho Nacional da Juventude Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos Ouvidorias no Brasil são órgãos de controle interno da Administração Pública que desenvolvem trabalho referente à divulgação dos direitos daqueles envolvidos com a Administração e que devem possibilitar meios de recebimento de notícias de má prestação do serviço público encaminhamento de pedidos de providências e fiscalização dos resultados das sindicâncias abertas Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos é um órgão interno do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Conselho Nacional dos Direitos Humanos É um órgão colegiado criado pela Lei n 129862014 Atribuições i A atribuição promocional consiste na elaboração de estudos recomendações e opiniões sobre ações na temática inclusive para influenciar na capacitação e educação para os direitos humanos ii A atribuição fiscalizadora é consagrada no dever de fiscalizar a política nacional de direitos humanos e observar o cumprimento das obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil iii A atribuição repressiva pode ser dividida entre a repressão direta na qual o CNDH apura condutas de violação de direitos humanos e impõe sanções e b indireta na qual o CNDH representa contra tais condutas e cobra ação das autoridades policiais e do Ministério Público evitando que haja negligência e impunidade Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA Criado pela Lei n 824291 cabendolhe atuar na promoção dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes Principais atribuições 1 elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente fiscalizando as ações de execução em consonância com a Lei n 806990 2 zelar pela aplicação da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente 3 dar apoio aos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e órgãos correlatos 4 avaliar a política estadual e municipal e a atuação dos Conselhos Estaduais e Municipais da Criança e do Adolescente 5 apoiar a promoção de campanhas educativas sobre os direitos da criança e do adolescente O CONANDA possui composição paritária entre o Poder Executivo e entidades não governamentais de âmbito nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente Órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que deve acompanhar e avaliar o desenvolvimento de uma política nacional para inclusão da pessoa com deficiência e das políticas setoriais de educação saúde trabalho assistência social transporte cultura turismo desporto lazer e política urbana voltadas a essas pessoas É um órgão paritário com conselheiros da área pública e também da sociedade civil organizada Competência Decreto n 329899 Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência CONADE 1 zelar pela efetiva implantação da política para inclusão da pessoa com deficiência em âmbito nacional e acompanhar o planejamento e avaliar a execução das políticas setoriais de educação saúde trabalho assistência social transporte cultura turismo desporto lazer política urbana e outras relativas à pessoa com deficiência 2 acompanhar e apoiar as políticas e as ações do Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência no âmbito dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios 3 propor a elaboração de estudos e pesquisas que objetivem a melhoria da qualidade de vida da pessoa com deficiência 4 propor e incentivar a realização de campanhas visando à prevenção de deficiência e à promoção dos direitos da pessoa com deficiência 5 aprovar o plano de ação anual da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CORDE órgão administrativo da Secretaria de Direitos Humanos que deve acompanhar e orientar a execução pela Administração Pública Federal das ações da Política Nacional para Inclusão da Pessoa com Deficiência Conselho Nacional dos Direitos do Idoso CNDI Órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Finalidade elaboração das diretrizes para a formulação e a implementação da Política Nacional do Idoso observadas as linhas de ação e as diretrizes conforme dispõe o Estatuto do Idoso bem como acompanhar e avaliar a sua execução Competência Decreto n 98932019 1 elaborar as diretrizes instrumentos normas e prioridades da Política Nacional do Idoso 2 controlar e fiscalizar as ações de execução e zelar pela aplicação da política nacional de atendimento ao idoso dando apoio aos Conselhos Estaduais do Distrito Federal e Municipais dos Direitos do Idoso aos órgãos estaduais municipais e entidades não governamentais para tornar efetivos os princípios as diretrizes e os direitos estabelecidos pelo Estatuto do Idoso 3 acompanhar e avaliar a expedição de orientações e recomendações sobre a aplicação do Estatuto do Idoso e dos demais atos normativos relacionados aos direitos do idoso Conselho Nacional de Combate à Discriminação Órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Regulado pelo Decreto n 98832019 É composto por seis membros sendo três governamentais e três da sociedade civil Atribuição a formular e propor diretrizes de ação governamental voltadas para a defesa dos direitos das minorias étnicas e sociais bem como das vítimas de violência de preconceito de discriminação e de intolerância b zelar pela observância da legislação de combate à discriminação e à intolerância e representar aos Poderes Públicos nos casos de infringência da Constituição das leis e de regulamentos federais que disponham sobre a matéria Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP Criada pela Lei n 914095 que reconheceu como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 Atribuição reconhecer a morte de pessoas desaparecidas que por terem participado ou por terem sido acusadas de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 tenham falecido por causas não naturais em dependências policiais ou assemelhadas bem como envidar os esforços para a localização de corpos de pessoas desaparecidas no caso de existência de indícios quanto ao local em que possam estar depositados Lei n 105362002 ampliou o período de abrangência da lei anterior para a data final de 5 de outubro de 1988 e reabriu o prazo para apresentação de novos requerimentos Lei n 108752004 ampliou os critérios de reconhecimento das vítimas da ditadura militar Composta por sete membros de livre escolha e designação do Presidente da República que indicará dentre eles quem irá presidila com voto de qualidade Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo CONATRAE Órgão colegiado vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos que visa acompanhar o cumprimento das ações constantes do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo propondo as adaptações que se fizerem necessárias Regulado pelo Decreto n 98872019 Competência 1 acompanhar a tramitação de projetos de lei relacionados com o combate e erradicação do trabalho escravo no Congresso Nacional 2 propor atos normativos que se fizerem necessários à implementação do plano nacional de erradicação do trabalho escravo A CONATRAE é composta por oito integrantes sendo quatro governamentais e quatro da sociedade civil Trabalho escravo contemporâneo tipificado no crime do art 149 do CP 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo aprovado em 2008 pela Secretaria de Direitos Humanos conta com 66 diferentes tipos de ação que visam à erradicação do trabalho escravo contemporâneo Comitê Nacional de Constituído por meio da Portaria n 98 de 9 de julho de 2003 da SED que sofreu atualização pela Portaria n 3722015 Atribuição propor monitorar e avaliar políticas públicas para o cumprimento do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos CNEDH Educação em Direitos Humanos lançado em 2003 e integrado ao PNDH3 A Lei n 138442019 não o menciona como órgão colegiado pertencente ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos MMFDH e em face do Decreto n 97592019 decreto da extinção de colegiados o CNEDH encontrase em fase de reorganização apesar de continuar a ser mencionado no site do MMFDH até setembro de 2019 Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial CNPIR Órgão colegiado de caráter consultivo e vinculado ao Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos Criado pela Lei n 106782003 e regulamentado pelo Decreto n 48852003 Objetivo propor em âmbito nacional políticas de promoção da igualdade racial com ênfase na população negra e outros segmentos raciais e étnicos da população brasileira propor alternativas para a superação das desigualdades raciais em suas múltiplas facetas econômica social política e cultural Competência 1 participar na elaboração de critérios e parâmetros para a formulação e implementação de metas e prioridades para assegurar as condições de igualdade à população negra e de outros segmentos étnicos da população brasileira 2 propor estratégias de acompanhamento avaliação e fiscalização bem como a participação no processo deliberativo de diretrizes das políticas de promoção da igualdade racial fomentando a inclusão da dimensão racial nas políticas públicas desenvolvidas em âmbito nacional 3 zelar pelos direitos culturais da população negra especialmente pela preservação da memória e das tradições africanas e afrobrasileiras bem como dos demais segmentos étnicos constitutivos da formação histórica e social do povo brasileiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNDM Órgão colegiado vinculado à Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres Finalidade formular e propor diretrizes de ação governamental voltadas à promoção dos direitos das mulheres e atuar no controle social de políticas públicas de igualdade de gênero Competência Decreto n 64122008 1 participar na elaboração de critérios e parâmetros para o estabelecimento e implementação de metas e prioridades que visem assegurar as condições de igualdade às mulheres 2 apresentar sugestões relativas à implementação do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 3 propor estratégias de ação visando ao acompanhamento avaliação e fiscalização das políticas de igualdade para as mulheres desenvolvidas em âmbito nacional bem como a participação social no processo decisório relativo ao estabelecimento das diretrizes dessas políticas 2º Plano Nacional de Políticas para as Mulheres foi adotado em 2008 e conta com 388 ações propostas visando à implementação da igualdade de gênero 13 No Poder Legislativo Federal a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados CDHM A Comissão de Direitos Humanos e Minorias CDHM é uma comissão permanente da Câmara dos Deputados cabendolhe discutir e votar propostas legislativas referentes à temática dos direitos humanos bem como fiscalizar a atuação governamental na área recebendo notícias de violações de direitos humanos e colaborando com entidades não governamentais na feitura dos chamados relatórios sombra vide Parte II Capítulo V itens 3 a 10 a serem encaminhados a órgãos internacionais de direitos humanos A Comissão criada em 1995 é referência também na discussão das políticas públicas de direitos humanos organizando anualmente as conferências nacionais de direitos humanos que auxiliaram a realização dos Programas Nacionais de Direitos Humanos 1 2 e 3 atualmente em vigor QUADRO SINÓTICO No Poder Legislativo Federal a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados CDHM A CDHM é uma comissão permanente da Câmara dos Deputados Criação 1995 Atribuições discutir e votar propostas legislativas referentes à temática dos direitos humanos bem como fiscalizar atuação governamental na área recebendo notícias de violações de direitos humanos e colaborando com entidades não governamentais na feitura dos chamados relatórios sombra a serem encaminhados a órgãos internacionais de direitos humanos 14 Ministério Público Federal e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão De acordo com o art 127 da CF88 o Ministério Público é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis A Lei Complementar n 7593 que dispõe sobre o estatuto do Ministério Público da União determina em seu art 39 que compete ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos direitos constitucionais do cidadão sempre que se cuidar de garantirlhes o respeito I pelos Poderes Públicos Federais II pelos órgãos da Administração Pública federal direta ou indireta III pelos concessionários e permissionários de serviço público federal IV por entidades que exerçam outra função delegada da União Ainda o art 5º III e da Lei Complementar n 7593 estabelece que compete ao Ministério Público a defesa dos direitos e interesses coletivos especialmente das comunidades indígenas da família da criança do adolescente e do idoso Assim a defesa dos direitos humanos é atribuição constitucional do Ministério Público o que resultou no âmbito de atuação federal na criação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão PFDC do Ministério Público Federal A PFDC foi criada pela Lei Complementar n 7593 que dispôs em seu art 40 que o ProcuradorGeral da República designará dentre os SubprocuradoresGerais da República e mediante prévia aprovação do nome pelo Conselho Superior o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão para exercer as funções do ofício pelo prazo de dois anos permitida uma recondução precedida de nova decisão do Conselho Superior Também estabeleceu que em cada Estado e no Distrito Federal será designado pelo ProcuradorGeral da República um Procurador Regional dos Direitos do Cidadão Compete ao Procurador Federal dos Direitos do Cidadão coordenar o trabalho dos Procuradores Regionais expedindolhes instruções respeitando contudo o princípio da independência funcional A PFDC zela pela defesa dos direitos constitucionais do cidadão e visa à garantia do seu efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública Cabe ao Procurador dos Direitos do Cidadão agir de ofício ou mediante representação notificando a autoridade questionada para que preste informação no prazo que assinar Recebidas ou não as informações e instruído o caso se o Procurador dos Direitos do Cidadão concluir que direitos constitucionais foram ou estão sendo desrespeitados deverá notificar o responsável para que tome as providências necessárias a prevenir a repetição ou que determine a cessação do desrespeito verificado Não atendida no prazo devido a notificação prevista no artigo anterior a Procuradoria dos Direitos do Cidadão representará ao poder ou autoridade competente para promover a responsabilidade pela ação ou omissão inconstitucionais A Lei Complementar n 7593 estruturou a PFDC a partir da experiência do Defensor do Povo Defensor del Pueblo ibérico e do ombudsman sueco que são entes que recomendam a correção da conduta por parte da autoridade faltosa Só assim é possível entender o art 15 da Lei Complementar n 7593 que prevê que é vedado aos órgãos de defesa dos direitos constitucionais do cidadão promover em juízo a defesa de direitos individuais lesados Em 2016 houve debate no Conselho Nacional do Ministério Público sobre a atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão na fiscalização da ação da Polícia Militar do Estado de São Paulo na repressão a manifestações populares O Ministério Público do Estado de São Paulo representou ao Conselho Nacional do Ministério Público contra os procuradores da república envolvidos alegando em síntese usurpação das atribuições do parquet paulista no controle externo da atividade policial 341 Contudo não há usurpação uma vez que a PFDC quando fiscaliza entes estaduais ou municipais age como observador que coleta dados para ao final emitir recomendações e pedidos de providências Entre as providências pode estar o pedido ao ProcuradorGeral da República para que este pleiteie ao Superior Tribunal de Justiça o deslocamento de competência no caso de graves violações de direitos humanos Quando a legitimidade para a ação judicial decorrente da inobservância da Constituição Federal verificada pela PFDC couber a outro órgão do Ministério Público os elementos de informação lhe serão remetidos Sempre que o titular do direito lesado não puder constituir advogado e a ação cabível não incumbir ao Ministério Público o caso com os elementos colhidos será encaminhado à Defensoria Pública competente Dentre os instrumentos de atuação dos Procuradores dos Direitos do Cidadão estão a instauração de procedimento administrativo e inquérito civil público para investigação de violações de direitos humanos b expedição de notificação às autoridades c requisição de informações e documentos d expedição de recomendações às autoridades federais de todos os níveis hierárquicos e celebração de Termos de Ajustamento de Conduta f realização de audiências públicas g representação às autoridades competentes para o ajuizamento de ações h recebimento de queixas denúncias e representações de qualquer cidadão órgão público ou entidade não governamental em matérias relacionadas à defesa dos direitos humanos i acompanhamento das proposições legislativas relacionadas aos direitos humanos Além disso a PFDC auxilia na promoção dos direitos humanos pela divulgação de cartilhas de direitos humanos realização de eventos e cursos Mais a PFDC no exercício de suas funções está em constante diálogo com órgãos de Estado organismos nacionais e internacionais e representantes da sociedade civil Finalmente cabe salientar que só há três ofícios unipessoais na cúpula do Ministério Público Federal o de ProcuradorGeral da República o de ProcuradorGeral Eleitoral exercido simultaneamente pelo próprio ProcuradorGeral da República e o de Procurador Federal dos Direitos Humanos Este último seria o procuradorgeral dos direitos humanos simbolizando o comprometimento da instituição com a matéria Em 2017 foi criada a Secretaria de Direitos Humanos e Defesa Coletiva SDHDC da ProcuradoriaGeral da República que tem como missão atuar nas demandas de direitos humanos sob atribuição da ProcuradoriaGeral da República como por exemplo processos no Supremo Tribunal Federal ou ainda incidentes de deslocamento de competência no Superior Tribunal de Justiça 342 Em 2018 foi apresentada a candidatura da PFDC para ser credenciada como instituição nacional de direitos humanos brasileira ver abaixo item referente à INDH e aos Princípios de Paris QUADRO SINÓTICO Ministério Público Federal e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão Defesa dos direitos humanos atribuição constitucional do Ministério Público art 127 da CF88 art 39 da LC n 7593 Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão PFDC Criação pela LC n 7593 Origem da estrutura da PFDC experiência do Defensor do Povo ibérico e do ombudsman sueco entes que recomendam a correção da conduta por parte da autoridade faltosa Com isso compreendese a vedação a que os órgãos de defesa dos direitos constitucionais do cidadão promovam em juízo a defesa de direitos individuais lesados Art 40 da LC n 7593 o ProcuradorGeral da República designa dentre os SubprocuradoresGerais da República e mediante prévia aprovação do nome pelo Conselho Superior o Procurador Federal dos Direitos do Cidadão para exercer as funções do ofício pelo prazo de dois anos permitida uma recondução precedida de nova decisão do Conselho Superior Em cada Estado e no Distrito Federal é designado pelo ProcuradorGeral da República um Procurador Regional dos Direitos do Cidadão Procurador Federal dos Direitos do Cidadão coordena o trabalho dos Procuradores Regionais expedindolhes instruções respeitando contudo o princípio da independência funcional A PFDC zela pela defesa dos direitos constitucionais do cidadão e visa à garantia do seu efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública Atua como ombudsman ou defensor del pueblo Dentre os instrumentos de atuação dos Procuradores dos Direitos do Cidadão estão a instauração de procedimento administrativo e inquérito civil público para investigação de violações de direitos humanos b expedição de notificação às autoridades c requisição de informações e documentos d expedição de recomendações às autoridades federais de todos os níveis hierárquicos e celebração de Termos de Ajustamento de Conduta f realização de audiências públicas g representação às autoridades competentes para o ajuizamento de ações h recebimento de queixas denúncias e representações de qualquer cidadão órgão público ou entidade não governamental em matérias relacionadas à defesa dos direitos humanos i acompanhamento das proposições legislativas relacionadas aos direitos humanos j auxílio na promoção dos direitos humanos pela divulgação de cartilhas de direitos humanos realização de eventos e cursos k diálogo com órgãos de Estado organismos nacionais e internacionais e representantes da sociedade civil 15 A Defensoria Pública da União e a defesa dos direitos humanos O direito à assistência jurídica encontrase previsto no ordenamento jurídico constitucional e também no Direito Internacional dos Direitos Humanos por meio de tratados internacionais já ratificados e incorporados internamente ao direito brasileiro Na CF88 prevê o art 5º LXXIV que O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos Há ainda outros dispositivos constitucionais que também revelam a existência do dever do Estado em prover a assistência jurídica gratuita como o direito de acesso à justiça art 5º XXXV e também o direito à igualdade art 5º I É evidente que o acesso à justiça ficaria comprometido caso não fosse disponibilizado também o acesso ao advogado e sua capacidade de traduzir a demanda de uma pessoa em uma provocação técnica da jurisdição Por outro lado a igualdade prevista no art 5º dependerá em última análise que todos conheçam o direito e possam se socorrer dos remédios judiciais sem o que haverá disparidade injustificável de tratamento e consequentemente exclusão social Concretizase assim o direito de acesso à justiça e a igualdade por meio da assistência jurídica integral e gratuita e por conseguinte a assistência jurídica gratuita passou a ser uma obrigação do Estado e um direito fundamental de todo aquele que dela necessite A Constituição de 1988 garantiu a assistência jurídica integral que não se limita à assistência judiciária que era assegurada desde a Constituição de 1934 Essa última referese tão somente à defesa dos interesses das pessoas em juízo já a assistência jurídica integral é mais ampla abrangendo a informação do direito e ainda a tutela administrativa e extrajudicial A Constituição de 1988 também foi inovadora ao criar Defensoria Pública no seu art 134 mencionandoa como função essencial à prestação jurisdicional do Estado e formando então o arco público do sistema de justiça Magistratura Ministério Público Advocacia Pública e Defensoria Pública Em 2014 foi promulgada a Emenda Constitucional n 80 que deu nova redação ao art 134 da CF prevendo que incumbe à Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático fundamentalmente a orientação jurídica a promoção dos direitos humanos e a defesa em todos os graus judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos de forma integral e gratuita aos necessitados na forma do inciso LXXIV do art 5º Foi transposta para o plano constitucional a literalidade do art 1º da Lei Complementar n 8094 alterado pela Lei Complementar n 1322009 Entre os objetivos da Defensoria Pública estão a busca da primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais bem como a prevalência e efetividade dos direitos humanos art 3ºA Lei Complementar n 8094 incluído pela Lei Complementar n 132 de 2009 Nesses objetivos constitucionais e legais da Defensoria Pública fica clara a pertinência da instituição com a temática dos direitos humanos No caso em análise a Defensoria Pública da União DPU possui a missão de assegurar o acesso à justiça das pessoas prestando assistência jurídica judicial integral e gratuita nas causas na Justiça Federal na Justiça Militar na Justiça Eleitoral na Justiça Trabalhista nos Tribunais Superiores e no Supremo Tribunal Federal além dos Juizados Especiais Federais Também lhe incumbe a assistência jurídica extrajudicial federal que abarca a orientação e o aconselhamento jurídicos feitos pelo Defensor Público além da conciliação e da representação do vulnerável junto à Administração Pública Federal Direta Autárquica e Fundacional como por exemplo em procedimentos administrativos perante o Instituto Nacional do Seguro Social INSS agências reguladoras ANATEL ANEEL etc entre outros Fica excluída da atribuição da DPU a defesa do vulnerável perante as sociedades de economia mista controladas pela União Petrobras por exemplo e concessionárias privadas de serviços públicos federais uma vez que tais entes são sujeitos ao Poder Judiciário dos Estados cabendo atuação da Defensoria Pública dos Estados O grande desafio da DPU é cumprir essa missão constitucional e legal superando a barreira da falta de recursos humanos e materiais para realizar a inclusão jurídica na área federal da enorme quantidade de brasileiros que não podem dispor de serviços privados de advocacia sem prejudicar a própria subsistência QUADRO SINÓTICO Defensoria Pública da União e a defesa dos direitos humanos Direito à assistência jurídica previsto na CF88 art 5º I LXXIV XXXV e em tratados internacionais de direitos humanos Assistência jurídica gratuita obrigação do Estado e direito fundamental de todo aquele que dela necessite A CF88 garantiu a assistência jurídica integral que abrange não só a defesa dos interesses das pessoas em juízo mas também a informação do direito e a tutela administrativa e extrajudicial Defensoria Pública função essencial à prestação jurisdicional do Estado CF art 134 LC n 8094 alterada pela LC n 1322009 Defensoria Pública é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe como expressão e instrumento do regime democrático fundamentalmente a orientação jurídica a promoção dos direitos humanos e a defesa em todos os graus judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos de forma integral e gratuita aos necessitados Objetivos da Defensoria Pública busca da primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais bem como a prevalência e efetividade dos direitos humanos art 3ºA LC n 8094 incluído pela LC n 1322009 Missão da DPU a assegurar o acesso à justiça das pessoas prestando assistência jurídica judicial integral e gratuita nas causas na Justiça Federal na Justiça Militar na Justiça Eleitoral na Justiça Trabalhista nos Tribunais Superiores e no Supremo Tribunal Federal além dos Juizados Especiais Federais b prestar assistência jurídica extrajudicial federal que abarca a orientação e o aconselhamento jurídicos feitos pelo Defensor Público além da conciliação e da representação do vulnerável junto à Administração Pública Federal Direta Autárquica e Fundacional Excluído da atribuição da DPU defesa do vulnerável perante as sociedades de economia mista controladas pela União e concessionárias privadas de serviços públicos federais 16 Instituições de defesa de direitos humanos no plano estadual e municipal 161 O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL Os Ministérios Públicos estaduais dispõem de curadorias que abarcam temas típicos da temática de direitos humanos como cidadania meio ambiente consumidor entre outros Além disso foi criado o Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional de ProcuradoresGerais GNDHCNPG que visa a capacitação e troca de experiências entre os promotores e procuradores de justiça atuantes na temática O Conselho Nacional de ProcuradoresGerais é uma associação de direito privado sem fins lucrativos criada em 1981 que congrega os ProcuradoresGerais de Justiça dos Ministérios Públicos dos Estados e da União De acordo com seu estatuto o Conselho deve integrar os Ministérios Públicos de todos os Estados brasileiros promovendo o intercâmbio de experiências funcionais e administrativas para melhor cumprir as missões constitucionais do Ministério Público No caso dos direitos humanos o Grupo Nacional de Direitos Humanos possui Comissões Permanentes que tratam de diversos temas de direitos humanos tais como tortura violência doméstica contra a mulher saúde pública conflitos agrários idosos pessoas com deficiência infância e juventude etc Por se tratar de uma associação privada a troca de experiências depende da vontade dos próprios envolvidos Ainda no que tange à atuação coordenada em prol dos direitos humanos há as relevantes ações do Conselho Nacional do Ministério Público CNMP criado pela Emenda Constitucional n 452004 art 130A da CF88 em especial no que tange à infância e juventude tendo sido criada uma Comissão de Aperfeiçoamento da Atuação do Ministério Público na Área da Infância e Juventude que já gerou a adoção da Resolução n 71 de 15 de junho de 2011 regendo as medidas de aprimoramento da atuação do Ministério Público na área 162 A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO E A DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS A Defensoria Pública do Estado consiste em instituição que presta assistência jurídica aos necessitados em todos os graus de jurisdição estadual e instâncias administrativas estaduais e municipais Sua tarefa compreende a orientação jurídica e a defesa dos seus assistidos no âmbito judicial extrajudicial e administrativo O art 106A da Lei Complementar n 8094 incluído pela Lei Complementar n 1322009 determina que a organização da Defensoria Pública do Estado deve primar pela descentralização e sua atuação deve incluir atendimento interdisciplinar bem como a tutela dos interesses individuais difusos coletivos e individuais homogêneos Na temática dos direitos humanos essa determinação legal é essencial para a concretização do direito à assistência jurídica integral Nenhuma fórmula assecuratória dos direitos humanos deve ser descartada podendo ser utilizados os mecanismos judiciais e extrajudiciais os termos de ajuste de conduta a mediação e negociação assistida Como exemplo dessa nova concepção de assistência jurídica integral cabe citar o trabalho da Defensoria Pública do Estado de São Paulo na garantia dos direitos das vítimas do acidente de desmoronamento em obra de expansão do Metro de São Paulo Nesse acidente ocorrido em 2007 ao invés da prestação de assistência judiciária o que poderia levar às vítimas ao tortuoso e moroso processo judicial de indenização brasileiro houve a opção por mediação e negociação extrajudicial Assim a Defensoria Pública do Estado de São Paulo intermediou o pagamento de indenizações extrajudiciais o que tornou a prestação de assistência jurídica rápida e eficaz para familiares de vítimas e moradores desamparados Esta experiência ganhou o Prêmio Innovare na categoria de prática de excelência na Defensoria Pública No que tange à organização as Defensorias Públicas estaduais contam com núcleos especializados na temática dos direitos humanos tais quais os Ministérios Públicos estaduais Em São Paulo há o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos e que atua nas áreas não tratadas pelos demais Núcleos Especializados dessa Defensoria Pública que são os seguintes Infância e Juventude Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher Habitação e Urbanismo Situação Carcerária Combate à Discriminação Racismo e Preconceito Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência e Defesa do Consumidor Sua função primordial é promover a proteção e promoção dos direitos humanos dos chamados grupos sociais vulneráveis atuando com foco no tratamento coletivo dos problemas de direitos humanos podendo propor medidas judiciais e extrajudiciais agindo isolada ou conjuntamente com os Defensores Públicos sem prejuízo da atuação do Defensor Natural art 53 da Lei Complementar paulista n 9882006 Também auxilia os demais Defensores na realização de suas atividades agindo como órgão operacional de apoio Em São Paulo esse Núcleo também se encarrega de estudar o acionamento dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos como prevê o art 4º VI da Lei Complementar n 8094 343 163 OS CONSELHOS ESTADUAIS DE DIREITOS HUMANOS Os Conselhos Estaduais de Defesa dos Direitos Humanos representam no plano estadual a coordenação das políticas públicas estaduais de direitos humanos tal qual existe no plano federal Esperase que o modelo de participação da sociedade civil seja adotado bem como a participação popular por meio de conferências estaduais de direitos humanos Outra característica importante de atuação de um Conselho Estadual de Direitos Humanos é a adoção de mecanismos monitoramento e avaliação da situação de direitos humanos no Estado bem como objetivos e metas para o avanço da implementação de direitos na seara estadual Finalmente esperase que um Conselho Estadual também sirva para o recebimento de notícias de violação de direitos humanos em especial por parte de autoridades públicas para depois exigir reparação e punição das autoridades faltosas QUADRO SINÓTICO Instituições de defesa de direitos humanos no plano estadual e municipal Ministério Público Estadual Instrumentos utilizados pelo Ministério Público em prol dos direitos humanos Curadorias que abarcam temas típicos da temática de direitos humanos como cidadania meio ambiente consumidor entre outros Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional de ProcuradoresGerais GNDHCNPG que visa a capacitação e troca de experiências entre os promotores e procuradores de justiça atuantes na temática Ações do CNMP em especial no que tange à infância e juventude Defensoria Pública do Estado e a defesa dos direitos humanos Presta assistência jurídica aos necessitados orientação jurídica e defesa dos seus assistidos no âmbito judicial extrajudicial e administrativo em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do Estado Organização art 106A da LC n 8094 deve primar pela descentralização e sua atuação deve incluir atendimento interdisciplinar e a tutela dos interesses individuais difusos coletivos e individuais homogêneos Contam com núcleos especializados na temática dos direitos humanos Conselhos Estaduais de Direitos Humanos Representam no plano estadual a coordenação das políticas públicas estaduais de direitos humanos Característica importante adoção de modelo de participação da sociedade civil e de participação popular por meio de conferências estaduais de direitos humanos Atribuições a adoção de mecanismos monitoramento e avaliação da situação de direitos humanos no Estado bem como objetivos e metas para a o avanço da implementação de direitos na seara estadual b recepção de notícias de violação de direitos humanos em especial por parte de autoridades públicas para posterior exigência de reparação e punição das autoridades faltosas 17 Custos legis custos vulnerabilis e o amicus curiae na defesa dos direitos humanos A intervenção de um ente desvinculado das partes principais de um processo é fenômeno tradicional no processo brasileiro A intervenção necessária do Ministério Público como custos legis ou seja como fiscal da lei se dá para proteger direitos essenciais zelar por interesses indisponíveis envolvidos no processo ou ainda em virtude do uso de garantias fundamentais como o mandado de segurança ou o habeas corpus Entendese que o Ministério Público nessa condição é guardião da ordem jurídica não se vinculando inclusive à defesa incondicional do interesse que o atraiu ao processo Sua missão de defesa da ordem jurídica é feita inclusive nos processos nos quais é Autor como se dá na ação penal pública incondicionada na qual a atuação do MP perante os Tribunais se dá em geral sob a ótica do fiscal da lei 344 Assim é comum a atuação do Ministério Público na função de custos legis na defesa de direitos humanos Outra atuação em prol da defesa de direitos humanos seria a da Defensoria Pública atuando na função de custos vulnerabilis que consistiria na defesa dos vulneráveis envolvidos no processo independentemente da existência de advogado particular constituído A justificativa para essa função da Defensoria está na presunção de desigualdade e fragilidade dos vulneráveis A origem etimológica de vulnerabilidade advém de vulnus que no latim significa estar machucado ferido sendo o estado daquele que tem um ponto fraco e que pode ser ferido A vulnerabilidade compreende o estado inerente de risco ou confrontação excessiva com a parte adversa que pode ser permanente ou provisória individual ou coletiva mas que fragiliza o sujeito de direitos desequilibrando a relação jurídica com a outra parte É um instrumento que guia a atuação do legislador ou do julgador na aplicação de normas protetivas que reequilibram as relações jurídicas em nome da justiça material 345 A atuação da Defensoria então serve para permitir maior equilíbrio no processo preservandose a igualdade material mesmo que o vulnerável já tenha advogado constituído Diferentemente do custos legis o custos vulnerabilis não poderia em tese atacar a posição daquele interesse que o atraiu no processo sob pena de se transformar assim em um segundo e desnecessário fiscal da lei Ponto polêmico diz respeito ao tratamento a ser dado na existência de vulneráveis nos dois polos processuais Duas posições são possíveis a não seria necessária a intervenção do custos vulnerabilis sob pena de escolha indevida de um lado por parte da Defensoria b caso a intervenção seja indispensável pela gravidade da disputa envolvendo os vulneráveis dois defensores atuariam como custos vulnerabilis cada qual na defesa de um polo processual Existiriam de modo implícito três hipóteses legais de intervenção da Defensoria Pública como guardiã dos vulneráveis a Art 81A da Lei n 721084 Lei de Execução Penal incluído pela Lei n 123132010 que dispõe que A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança oficiando no processo executivo e nos incidentes da execução para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias de forma individual e coletiva b Art 554 1º do CPC pelo qual no caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais determinandose ainda a intimação do Ministério Público e se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica da Defensoria Pública c Art 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê Art 141 É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública ao Ministério Público e ao Poder Judiciário por qualquer de seus órgãos A interpretação restritiva desses dispositivos contudo pode acarretar a conclusão de que caberia a intervenção da Defensoria somente no âmbito de seu papel constitucional de assegurar a assistência jurídica integral aos vulneráveis caso estes já contem com advogado particular a vulnerabilidade já estaria sanada A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal STF não parece ter se sensibilizado sobre a existência do custos vulnerabilis No maior teste da tese o Min Lewandowski em decisão monocrática no habeas corpus coletivo em favor das mulheres grávidas ou gestantes presas admitiu a intervenção da Defensoria Pública da União como Impetrante e das demais Defensorias Públicas como amici curiae e não como custos vulnerabilis como pleiteado STF Habeas Corpus Coletivo n 143641 rel Min Ricardo Lewandowski decisão monocrática de 19122017 346 Em 2019 em outro teste da tese em caso de grande repercussão a Defensoria Pública da União requereu seu ingresso na Extradição n 1578347 como custos vulnerabilis ou como amicus curiae tendo o relator Min Edson Fachin determinado o ingresso somente como amicus curiae STF Extradição n 1578 rel Min Edson Fachin decisão monocrática de 1762019 Por outro lado no Superior Tribunal de Justiça STJ houve o reconhecimento em setembro de 2019 pela sua Segunda Seção da atuação da Defensoria Pública da União DPU como custos vulnerabilis Tratouse de interposição de embargos de declaração da DPU em recurso especial repetitivo sobre tema de defesa de consumidores de planos de saúde em face da delonga da Agência Nacional de Vigilância Sanitária no registro e autorização de medicamento Como a DPU havia sido admitida como amicus curiae a interposição de embargos de declaração não deveria teoricamente ser conhecida porque o ato de recorrer extrapolaria os poderes de um amigo da Corte Contudo reconheceuse que a atuação da Defensoria Pública mesmo na condição de amicus curiae tem evoluído para uma intervenção ativa no processo em nome de terceiros interessados no êxito de uma das partes STJ EDcl no REsp 1712163SP rel Min Moura Ribeiro 2ª Seção j 2592019 publicado no DJe de 2792019 Com essa intervenção ativa da condição de custos vulnerabilis da Defensoria Pública advém o poder de recorrer tal qual ocorre com a figura do custos legis do Ministério Público Por outro lado é pacífica a possibilidade de a Defensoria Pública tal como as organizações não governamentais intervir como amicus curiae amigo do Tribunal tal como preconiza o art 138 do CPC nas causas de direitos humanos Utilizase o binômio tipo do tema em debate relevante específico ou com repercussão social e ainda representatividade adequada este último preenchido obviamente pela Defensoria Pública pela sua missão constitucional para aferir a possibilidade de intervenção do amicus curiae Contudo não há a possibilidade de interposição de recursos salvo recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas cabendo ao juiz ou ao relator na decisão que solicitar ou admitir a intervenção definir os poderes do amicus curiae 18 A instituição nacional de direitos humanos e os Princípios de Paris 181 O CONCEITO DE INSTITUIÇÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS As instituições nacionais de direitos humanos são grosso modo órgãos públicos nacionais que agem com independência com a missão específica de proteger e promover os direitos humanos recebendo notícias de violações recomendando ações e políticas de implementação de direitos Embora a composição e funções concretas de tais instituições possam variar consideravelmente de país para país elas compartilham a i natureza pública esse ii objetivo comum e essa iii característica de agir com independência sendo por isso denominadas no plano onusiano instituições nacionais de direitos humanos INDH O conceito de instituições nacionais de direitos humanos reflete o desenvolvimento da proteção internacional dos direitos humanos após sua consagração pela edição da Carta da Organização das Nações Unidas 1945 e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 Em 1946 as instituições nacionais de direitos humanos foram discutidas pela primeira vez pelo Conselho Econômico e Social ECOSOC um dos órgãos principais da ONU tendo sido os Estadosmembros convidados a estabelecer grupos de informação ou comitês locais de direitos humanos para colaborarem no reforço da atividade da então existente Comissão dos Direitos Humanos extinta em 2006 substituída pelo Conselho de Direitos Humanos órgão subsidiário da própria ONU Os Estados pelos mesmos motivos pelos quais aceitaram a internacionalização dos direitos humanos também concordaram com a criação ou mesmo adaptação de seus órgãos internos ao que se esperava de uma instituição nacional de direitos humanos um órgão nacional público porém independente com membros com mandato estável e representando todos os segmentos sociais sem vinculação hierárquica ao Poder Executivo e capaz de apontar os rumos de uma proteção mais adequada e eficaz dos direitos humanos em seu território Na Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena de 1993 houve expressa recomendação aos Estados para que criassem uma instituição nacional de direitos humanos 182 OS PRINCÍPIOS DE PARIS O primeiro Workshop Internacional de Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos realizouse em Paris em outubro de 1991 As suas conclusões foram aprovadas pela Comissão de Direitos Humanos atual Conselho de Direitos Humanos da ONU na Resolução n 199254 contendo os Princípios relativos ao estatuto das instituições nacionais a partir de então denominados Princípios de Paris em homenagem ao workshop de 1991 Mais tarde a Assembleia Geral da ONU aprovou tais princípios em sua Resolução n 48134 de 20 de dezembro de 1993 também recomendando a criação em cada Estado de uma instituição nacional de direitos humanos INDH Os Princípios de Paris determinam que uma instituição nacional de direitos humanos deva ser um órgão público competente para promover e proteger os direitos humanos estando previsto na Constituição ou em lei agindo com independência nas seguintes atribuições a apresentar ao Governo Parlamento ou outro órgão competente em caráter consultivo opiniões recomendações propostas e relatórios b promover e assegurar a harmonização entre preceitos nacionais e internacionais de direitos humanos e sua efetiva implementação c encorajar a ratificação de instrumentos internacionais de direitos humanos e assegurar sua implementação d contribuir para os relatórios que os Estados têm de elaborar de acordo com os tratados de direitos humanos e cooperar com a ONU e seus órgãos bem assim com instituições regionais e nacionais com atuação em direitos humanos f assistir na formulação de programas para o ensino e a pesquisa em direitos humanos e participar de sua execução em escolas universidades e círculos profissionais g dar publicidade aos direitos humanos e aos esforços de combater todas as formas de discriminação em particular de discriminação racial aumentando a conscientização pública especialmente por meio da educação e de órgãos da imprensa Tratase de uma instituição pública o INDH não é uma organização não governamental porém independente não podendo ser comandada pelo Governo ou ter maioria de votos de representantes vinculados à hierarquia governista representantes de ministérios etc A instituição nacional deve ter representação pluralista de todas as forças da sociedade envolvidas na promoção e proteção dos direitos humanos bem como uma infraestrutura que permita a condução das atividades de modo harmonioso em especial com recursos adequados com pessoal e ambiente de trabalho próprios com independência do Governo com mandato por prazo determinado podendo haver recondução mas desde que seja respeitado o pluralismo na instituição Em resumo deve ser uma instituição pública de alcance nacional com mandato claro e independente com forte representatividade social e autonomia política dotada de orçamento próprio apta a atuar na prevenção e também nos casos de violação de direitos humanos sem ser constrangida impedida ou ameaçada nessa atuação Caso cumpra esses requisitos de ser ao mesmo tempo um órgão público de âmbito de atuação geográfico nacional independente plural e de atuação livre a instituição nacional pode pleitear seu credenciamento perante a Organização das Nações Unidas 183 A INSTITUIÇÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E A ONU O Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas patrocina as atividades de interação e diálogo entre as instituições nacionais de direitos humanos no chamado Comitê Internacional de Coordenação das Instituições Nacionais de Direitos Humanos International Coordinating Committe of National Human Rights Institutions ICCNHI com sede em Genebra também sede do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU Em 2016 o ICC modificou seu nome para Global Alliance of National Human Rights Institutions GANHRI Aliança Global de Instituições Nacionais de Direitos Humanos que possui personalidade jurídica de direito suíço associação civil sem fins lucrativos O ICCNHI foi estabelecido em 1993 em Conferência realizada na Tunísia entre as próprias Instituições Nacionais de Direitos Humanos O objetivo principal era estabelecer uma rede entre as instituições nacionais para troca de boas práticas obtendo também o aumento da divulgação das iniciativas para consolidar os avanços da proteção de direitos humanos em cada país Em 1998 o ICC decidiu criar um procedimento para credenciamento de novos membros e em 2008 houve a integração do ICC ao sistema internacional de direitos humanos sob os auspícios do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos bem como sua formalização legal e sede na Suíça Genebra Em 2016 houve a mudança de nome ICC para GANHRI que retrata melhor a natureza associativa tem personalidade jurídica de direito suíço e não intergovernamental do grupo Assim a coordenação do ICC tem como objetivo a troca de experiência capacitação e estímulo ao aprofundamento da proteção de direitos humanos nos Estados Para que as Instituições Nacionais de Direitos Humanos participem dessa parceria com o Alto Comissariado elas devem ser aprovadas pelo Subcomitê de Credenciamento Sub Committee on Accreditation SCA que analisará o cumprimento dos Princípios de Paris Também há categorias de credenciamento como membros do GANHRI cujo topo é a Categoria A que representa o pleno preenchimento dos Princípios de Paris Há ainda a Categoria B composta por instituições nacionais que cumprem apenas parcialmente os Princípios e a Categoria C que não cumprem os Princípios Cabe salientar que o GANHRI é a única organização não governamental cujo processo de credenciamento gera o direito de participação voz no Conselho de Direitos Humanos e nos órgãos de direitos humanos previstos em tratados onusianos Em maio de 2019 há 124 instituições nacionais de direitos humanos aceitas no GANHRI sendo 79 na Categoria A 35 na Categoria B e 10 na Categoria C 348 Paralelamente a esse esforço em padronizar minimamente o que vem a ser uma instituição nacional de direitos humanos a Conferência Mundial de Direitos Humanos das Nações Unidas realizada em Viena em 1993 decidiu que cada Estado pode ter singularidades que justifiquem formatos diferenciados Assim os Princípios de Paris acima elencados não são invocados de modo absoluto sem levar em consideração as peculiaridades de cada Estado Basta um olhar sobre as instituições nacionais credenciadas hoje para verificar que elas assumem formas distintas Comissões Nacionais de Direitos Humanos Ombudsman Defensoría del Pueblo Provedor de Justiça Procuradoria de Direitos Humanos etc Não há uma abordagem monolítica mas ao contrário várias opções possíveis para a implementação dos Princípios de Paris desde a adoção de Conselhos a Procuradorias unipessoais o que permite que vários tipos de Instituições Nacionais de Direitos Humanos convivam harmonicamente no GANHRI O que as une é a independência diante do governo com mandato protegido livre atuação forte representatividade social e autonomia na realização de seus objetivos de proteção de direitos humanos Por exemplo a Guatemala possui seu Procurador de los Derechos Humanos El Salvador conta com o Procurador para la Defensa de los Derechos Humanos México possui a Comisión Nacional de Derechos Humanos Polônia possui ainda um Protetor de Direitos Civis e há o Ombudsman de Direitos Humanos da Eslovênia sem contar os Defensores del Pueblo da Espanha Argentina e Peru ou o Provedor de Justiça de Portugal e o Ombudsman da Finlândia 184 O BRASIL E A INSTITUIÇÃO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS A CANDIDATURA DA PFDC O III Programa Nacional de Direitos Humanos aprovado pelo Decreto n 70372009 assumiu o interesse do Estado brasileiro e da sociedade civil organizada na criação de um Conselho Nacional dos Direitos Humanos informado pelos Princípios de Paris a fim de ser credenciado junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos como instituição nacional brasileira III PNDH Eixo Interação democrática e sociedade civil Ação programática a do Objetivo estratégico n 1 No PNDH2 o foco era diferente tendo sido estabelecido no item Garantia do direito à Justiça entre outras tantas estratégias as seguintes 3 Apoiar a criação de promotorias de direitos humanos no âmbito do Ministério Público 4 Apoiar a atuação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão no âmbito da União e dos Estados Esse apoio ao fortalecimento do Ministério Público na área dos direitos humanos tinha razão de ser a configuração constitucional do Ministério Público brasileiro por não ser vinculado ao Poder Executivo e sua autonomia financeira e orçamentária aproximavam sua atuação do modelo estabelecido pelos Princípios de Paris Com o PNDH3 buscouse o caminho da criação de um Conselho Nacional dos Direitos Humanos que deveria substituir o CDDPH visto acima uma vez que este não atendia aos comandos dos Princípios de Paris em especial quanto à atuação livre e independente o Presidente do CDDPH era o próprio Secretário de Direitos Humanos que possui status de Ministro de Estado ou seja é cargo de confiança do Presidente podendo ser destituído a qualquer momento e sem qualquer motivação Um passo para a criação de uma verdadeira INDH no Brasil foi dado com a transformação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH em um Conselho Nacional dos Direitos Humanos O Projeto de Lei n 4715 de 1994 da Câmara dos Deputados tinha tal intento Esse projeto sofreu alteração no Senado Federal e em junho de 2014 foi promulgada a Lei n 12986 criando o Conselho Nacional dos Direitos Humanos Todavia o maior desafio para a aprovação deste Conselho como INDH é a presença de vários representantes do Poder Executivo e Legislativo inclusive da maioria governamental com direito a voto o que contraria a exigência de autonomia e independência funcional dos conselheiros Notese que ao menos não foi dada ao titular do Ministério de Direitos Humanos em 2019 Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos a presidência nata do CNDH Um novo Conselho Nacional dos Direitos Humanos que atenda aos Princípios de Paris terá um papel diferente dos atuais Conselhos e Comissões de Direitos Humanos existentes hoje Os mais diversos Conselhos analisados acima são exemplos de Conselhos de Políticas Públicas de Direitos Humanos com representação aberta à sociedade civil e voltados à elaboração e coordenação das políticas de direitos humanos Nesses Conselhos o governo participa ativamente do processo decisório pois seu envolvimento é indispensável para fazer valer a posição dos referidos conselhos no cotidiano da Administração Pública Representam um modo de participação social e cogestão tendo em comum o exercício do controle social da implementação dos direitos em sua área de preocupação mulheres pessoas com deficiência LGBT etc O formato pretendido pelos Princípios de Paris é distinto o governo é mero observador da atuação independente e imparcial da instituição nacional de direitos humanos INDH Os Ministros de Estado e demais órgãos submetidos ao poder hierárquico do Poder Executivo podem ter direito à voz mas não teriam direito a voto na INDH O papel de uma INDH é fiscalizar cobrar e com base na sua imparcialidade e representatividade social exigir a reparação das violações de direitos identificadas e correção das políticas públicas em prol dos direitos humanos Em 2018 foi apresentada a candidatura da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão órgão do MPF como visto acima ao GANHRI para que o Brasil finalmente tenha uma instituição nacional de direitos humanos após a incapacidade do Conselho Nacional de Direitos Humanos de se desvincular do Poder Executivo A PFDC surgiu como candidata forte ao posto de primeira INDH em face de ser instituição pública autônoma perante os Poderes do Estado pela sua localização no Ministério Público instituição extrapoder no Brasil tendo historicamente atuação independente inclusive com críticas à atuação do próprio Ministério Público com forte porosidade aos movimentos sociais e com capilaridade nacional tendo ainda a possibilidade de provocar a atuação dos Procuradores da República com atuação em direitos humanos em todo o Brasil Como visto acima a Lei Complementar n 75 concebeu a PFDC nos moldes do defensor del pueblo defensor do povo ou do ombudsman nórdico que são figuras já aceitas como INDH Em outubro de 2019 houve a avaliação do credenciamento da PFDC como instituição nacional de direitos humanos brasileira Esse processo de credenciamento sujeito inclusive a recurso no caso de indeferimento ainda está em trâmite no fechamento desta edição 349 Cabe lembrar que caso a PFDC seja aceita como INDH será ainda mais necessária sua atuação independente diante dos poderes públicos Por isso o modo de nomeação do PFDC atualmente de escolha discricionária pelo ProcuradorGeral da República entre os Subprocuradoresgerais da República deve ser condicionado a um passado reconhecido de defesa de direitos humanos bem como é salutar que ao escolhido sejam impostas restrições como por exemplo a vedação à futura candidatura a postos de poder no MPF ou fora dele quarentena o que asseguraria uma atuação livre e independente QUADRO SINÓTICO O futuro a criação de uma instituição nacional de direitos humanos com a observância dos Princípios de Paris O conceito de instituição nacional de direitos humanos e os Princípios de Paris Instituições nacionais de direitos humanos INDH órgãos públicos que agem com independência com a missão específica de proteger os direitos humanos recebendo notícias de violações recomendando ações e políticas de implementação de direitos A INDH deve ser uma instituição pública não é uma organização não governamental de alcance nacional com mandato claro e independente com forte representatividade social e autonomia política dotada de orçamento próprio apta a atuar nos casos de violação de direitos humanos sem ser constrangida impedida ou ameaçada nessa atuação Origem 1946 as INDH foram discutidas pela primeira vez pelo Conselho Econômico e Social e os Estados membros foram convidados a estabelecer grupos de informação ou comitês locais para colaborarem no reforço da atividade da então existente Comissão dos Direitos Humanos 1991 Paris primeiro Workshop Internacional de Instituições Nacionais para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos Conclusões foram aprovadas pela Comissão de Direitos Humanos na Resolução n 199254 contendo os Princípios de Paris 1993 Assembleia Geral da ONU aprovou tais princípios na Resolução n 48134 também recomendando a criação em cada Estado de INDH 1993 Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena de 1993 houve expressa recomendação aos Estados para que criassem uma INDH Princípios de Paris determinam que uma INDH deva ser um órgão público competente para promover e proteger os direitos humanos estando previsto na Constituição ou em lei agindo com independência nas seguintes atribuições a apresentar ao Governo Parlamento ou outro órgão competente em caráter consultivo opiniões recomendações propostas e relatórios b promover e assegurar a harmonização entre preceitos nacionais e internacionais de direitos humanos e sua efetiva implementação c encorajar a ratificação de instrumentos internacionais de direitos humanos e assegurar sua implementação d contribuir para os relatórios que os Estados têm de elaborar de acordo com os tratados de direitos humanos e cooperar com a ONU e seus órgãos bem assim com instituições regionais e nacionais com atuação em direitos humanos f assistir na formulação de programas para o ensino e a pesquisa em direitos humanos e participar de sua execução em escolas universidades e círculos profissionais g dar publicidade aos direitos humanos e aos esforços de combater todas as formas de discriminação em particular de discriminação racial aumentando a conscientização pública especialmente por meio da educação e de órgãos da imprensa Cumpridos os requisitos de ser órgão público independente plural e de atuação livre a instituição nacional pode pleitear seu credenciamento perante a ONU O GANHRI Global Alliance of National Human Rights Institutions patrocina as atividades de interação e diálogo entre as instituições nacionais de direitos humanos Coordenação do GANHRI tem como objetivo a troca de experiência capacitação e estímulo ao aprofundamento da proteção de direitos humanos nos Estados Para que as INDH participem dessa parceria devem ser aprovadas pelo Subcomitê de Credenciamento que analisará o cumprimento dos Princípios de Paris Os Princípios de Paris não são invocados de modo absoluto sem levar em consideração as peculiaridades de cada Estado O Brasil e a instituição nacional de direitos humanos PNDH3 aprovado pelo Decreto n 70372009 assumiu o interesse do Estado brasileiro e da sociedade civil organizada na criação de um Conselho Nacional dos Direitos Humanos informado pelos princípios de Paris a fim de ser credenciado junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos como instituição nacional brasileira O CDDPH Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana não atendia aos comandos dos Princípios de Paris em especial quanto à atuação livre e independente No formato pretendido pelos Princípios o governo é mero observador da atuação independente e imparcial da instituição nacional de direitos humanos INDH já que o papel de uma INDH é fiscalizar cobrar e com base na sua imparcialidade e representatividade social exigir a reparação das violações de direitos identificadas e correção das políticas públicas em prol dos direitos humanos A Lei n 12986 criou o Conselho Nacional dos Direitos Humanos mas manteve forte presença de conselheiros vinculados ao Poder Executivo com direito a voto A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão teve sua candidatura apresentada O processo de avaliação do credenciamento da PFDC ainda está em trâmite no GANHRI sujeito inclusive a recurso caso a PFDC não supere as exigências para ser considerada instituição nacional de direitos humanos PARTE IV OS DIREITOS E GARANTIAS EM ESPÉCIE 1 Aspectos gerais Esta parte deste livro visa abordar os principais aspectos discutidos na doutrina e na jurisprudência sobre determinados direitos e garantias fundamentais focando em especial na Constituição de 1988 Nesse sentido cabe recordar que grosso modo os direitos são dispositivos normativos que atribuem a alguém a titularidade de um bem jurídico qualquer Já as garantias fundamentais constituemse também em direitos mas que são voltados a assegurar a fruição dos bens jurídicos Há as garantias fundamentais gerais ou genéricas que acompanham a redação dos direitos proibindo abusos e outras formas de vulneração como por exemplo a proibição da censura que assegura a liberdade de expressão Há ainda as garantias específicas que consistem em instrumentos processuais que tutelam os direitos e liberdades fundamentais como o habeas corpus mandado de segurança mandado de injunção habeas data ação popular e ação civil pública Essas garantias também são chamadas de garantias fundamentais instrumentais As garantias institucionais consistem em estruturas institucionais públicas por exemplo o Ministério Público e a Defensoria Pública e privadas por exemplo liberdade de imprensa imprescindíveis à plena efetividade dos direitos humanos Já as garantias limite são direitos que exigem abstenção ou um não fazer do Estado como por exemplo o direito de não sofrer tratamento desumano ou degradante não sofrer embaraço à liberdade de exercício profissional sem lei adequada que assim o diga etc 2 Destinatários da proteção e sujeitos passivos Os direitos humanos por definição são direitos de todos os indivíduos não importando origem religião grupo social ou político orientação sexual e qualquer outro fator Esse é o sentido do art 5º da CF88 que prevê que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza Apesar dessa afirmação geral que consagra a igualdade entre todos os seres humanos destinatários da proteção de direitos humanos há ainda direitos referentes a determinada faceta da vida social que são titularizados somente por determinadas categorias de pessoas Por exemplo a Constituição de 1988 elenca direitos referentes às mulheres aos idosos aos povos indígenas aos presos aos condenados aos cidadãos aposentados aos necessitados entre outros A igualdade é respeitada pois esses direitos específicos visam atender situações especiais voltadas a tais categorias consagrando a máxima de tratar desigualmente os desiguais como forma de se obter a igualdade material de todos Na jurisprudência brasileira foi controvertida a extensão dos direitos previstos na Constituição a estrangeiros não residentes A origem da polêmica está na redação do art 5º caput da CF88 que garante aos brasileiros e estrangeiros residentes os direitos elencados no rol desse artigo A redação da Constituição reproduz a tradição constitucional brasileira desde a Constituição de 1891 com apego ao termo estrangeiro residente Porém os direitos previstos na Constituição são estendidos aos estrangeiros não residentes uma vez que ela própria i estabelece o Estado Democrático de Direito art 1º ii defende a dignidade humana art 1º III e ainda prevê iii os direitos decorrentes dos tratados celebrados pelo Brasil art 5º 2º e 3º 350 Nesse sentido decidiu o STF que ao estrangeiro residente no exterior também é assegurado o direito de impetrar mandado de segurança como decorre da interpretação sistemática dos arts 153 caput da Emenda Constitucional de 1969 e do 5º LXIX da Constituição atual RE 215267 rel Min Ellen Gracie j 2442001 Primeira Turma DJ de 2552001 No mesmo sentido decidiu o STF que a condição jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso País não legitimam a adoção contra tal acusado de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório Precedentes HC 94016 rel Min Celso de Mello j 1692008 Segunda Turma DJe de 2722009 Entendemos nessa linha que não pode o estrangeiro não residente sofrer discriminação na matrícula na educação básica obrigatória e gratuita dos 4 quatro aos 17 dezessete anos de idade art 208 I ou na prestação de saúde pública que conforme o texto constitucional é universal e gratuita art 196 bem como na assistência jurídica integral gratuita A nova Lei de Migração Lei n 134452017 caminhou nesse sentido fazendo expressa referência ao gozo sem discriminação desses direitos pelos estrangeiros 351 A segunda polêmica referente aos destinatários da proteção está na possibilidade de pessoa jurídica de direito privado ser titular de direitos fundamentais A resposta da jurisprudência é positiva desde que o direito invocado tenha pertinência temática com a natureza da pessoa jurídica 352 Por exemplo as pessoas jurídicas têm direito à imagem e a honra objetiva acesso à justiça e até mesmo assistência jurídica gratuita Nesse último caso contudo cabe à pessoa jurídica provar e não somente alegar a insuficiência de recursos Nesse sentido decidiu o STF que ao contrário do que ocorre relativamente às pessoas naturais não basta a pessoa jurídica asseverar a insuficiência de recursos devendo comprovar isto sim o fato de se encontrar em situação inviabilizadora da assunção dos ônus decorrentes do ingresso em juízo Rcl 1905 EDAgR rel Min Marco Aurélio j 1582002 Plenário DJ de 2092002 No campo tributário as pessoas jurídicas têm direito ao tratamento tributário constitucional inclusive quanto à anterioridade tributária que o STF considerou parte integrante dos direitos e garantias individuais ou ainda ao sigilo fiscal que na visão do STF decorre do direito à intimidade Há ainda direitos que são titularizados especificamente pelas pessoas jurídicas de direito privado como as associações que são mencionadas nos incisos XVII a XXI do art 5º ou os sindicatos no disposto do art 8º e os partidos políticos no art 17 Também a pessoa jurídica de direito público pode utilizar as garantias fundamentais para sua proteção Nesse sentido decidiu o STF Não se deve negar aos Municípios peremptoriamente a titularidade de direitos fundamentais e a eventual possibilidade de impetração das ações constitucionais cabíveis para sua proteção Se considerarmos o entendimento amplamente adotado de que as pessoas jurídicas de direito público podem sim ser titulares de direitos fundamentais como por exemplo o direito à tutela judicial efetiva parece bastante razoável vislumbrar a hipótese em que o Município diante de omissão legislativa do exercício desse direito se veja compelido a impetrar mandado de injunção A titularidade de direitos fundamentais tem como consectário lógico a legitimação ativa para propor ações constitucionais destinadas à proteção efetiva desses direitos MI 725 rel Min Gilmar Mendes j 1052007 Plenário DJ de 2192007 São ainda destinatários da proteção de direitos humanos os entes despersonalizados que podem invocar determinados direitos pertinentes com sua situação por exemplo acesso à justiça como as sociedades de fato condomínio espólio massa falida e o nascituro Rothenburg menciona a discussão recente e minoritária sobre a titularidade de direitos fundamentais por outros seres vivos fauna e flora projetando a gramática dos direitos humanos para um paradigma biocêntrico ou ecocêntrico Como exemplo o citado autor menciona o art 71 da Constituição do Equador 2008 que prevê expressamente que a natureza ou Pacha Mama onde a vida se reproduz tem direito a que se respeitem integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais estrutura funções e processos evolutivos 353 Quanto aos sujeitos passivos o Estado é em geral o responsável pelo cumprimento dos direitos humanos de todas as gerações ou dimensões Entretanto há ainda a invocação dos direitos humanos em face de particulares como já estudado também denominado drittwirkung e ainda em face da sociedade A Constituição de 1988 expressamente menciona a família no polo passivo do direito à educação art 205 além do Estado a sociedade no polo passivo do direito à seguridade art 195 e a coletividade no polo passivo do direito ao meio ambiente equilibrado art 225 No sentido de reconhecer o dever de todos na proteção de direitos humanos o STF decidiu que o uso do amianto pelos agentes econômicos viola os direitos à vida à saúde e o direito ao meio ambiente equilibrado Assim na ADI 3937 e nas ADIs 3406 e 3470 o STF decidiu que são constitucionais as leis estaduais que proíbem ou estabelecem a progressiva substituição do produto Também foi declarada incidentalmente a inconstitucionalidade do art 2º da lei federal que autorizava o uso do amianto ADI 3937 rel p o ac Min Dias Toffoli j 2482017 P Informativo 874 e também ADI 3406 e ADI 3470 rel Min Rosa Weber j 29112017 P Informativo 886 ver mais sobre o caso no item sobre direito à saúde 3 Direito à vida Dispõe a Constituição de 1988 Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes 31 ASPECTOS GERAIS Dispõe o art 5º caput que é garantida a inviolabilidade do direito à vida Vida é o estado em que se encontra determinado ser animado Seu oposto a morte consiste no fim das funções vitais de um organismo O direito à vida engloba diferentes facetas que vão desde o direito de nascer de permanecer vivo e de defender a própria vida e com discussões cada vez mais agudas em virtude do avanço da medicina sobre o ato de obstar o nascimento do feto decidir sobre embriões congelados e ainda optar sobre a própria morte Tais discussões envolvem aborto pesquisas científicas suicídio assistido e eutanásia suscitando a necessidade de dividir a proteção à vida em dois planos a dimensão vertical e a dimensão horizontal A dimensão vertical envolve a proteção da vida nas diferentes fases do desenvolvimento humano da fecundação à morte Algumas definições sobre o direito à vida refletem esta dimensão pois este direito consistiria no direito a não interrupção dos processos vitais do titular mediante intervenção de terceiros e principalmente das autoridades estatais 354 A dimensão horizontal engloba a qualidade da vida fruída Esta dimensão horizontal resulta na proteção do direito à saúde educação prestações de seguridade social e até mesmo meio ambiente equilibrado para assegurar o direito à vida digna Para o Estado a inviolabilidade do direito à vida resulta em três obrigações i a obrigação de respeito ii a obrigação de garantia e iii a obrigação de tutela A obrigação de respeito consiste no dever dos agentes estatais em não violar arbitrariamente a vida de outrem A obrigação de garantia consiste no dever de prevenção da violação da vida por parte de terceiros e eventual punição àqueles que arbitrariamente violam a vida de outrem A obrigação de tutela implica o dever do Estado de assegurar uma vida digna garantindo condições materiais mínimas de sobrevivência 32 INÍCIO A CONCEPÇÃO O EMBRIÃO IN VITRO E A PROTEÇÃO DO DIREITO À VIDA A Constituição de 1988 não dispõe sobre o início da vida humana ou o instante preciso em que ela começa Porém a mera menção ao direito à vida implica proteção aos que ainda não nasceram embriões e fetos visto que sem tal proteção a vida sequer poderia existir Já a Convenção Americana de Direitos Humanos é mais detalhada determinando que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida Esse direito deve ser protegido pela lei e em geral desde o momento da concepção Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente Assim o direito à vida estabelecido na Constituição e nos tratados exige que o Estado proteja por lei os embriões ainda não implantados no útero gerados in vitro e a vida intrauterina Para o STF a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertála infraconstitucionalmente contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum voto do Min Ayres Britto ADI 3510 rel Min Ayres Britto j 2952008 Plenário DJe de 2852010 Pelo que consta do artigo 41 da Convenção Americana de Direitos Humanos a regra é a proteção da vida desde a concepção em geral Logo a lei nacional que quebrar essa proteção deve sofrer o crivo da proporcionalidade verificandose o equilíbrio entre o custo vulneração da vida e o benefício dos valores constitucionais eventualmente protegidos Porém abrese espaço para que seja exercitada pela lei a ponderação entre vários bens que podem estar em colisão com o direito à vida que levaram por exemplo a permissão do aborto em algumas hipóteses pelo Código Penal brasileiro lei ordinária O aborto é a interrupção da gravidez antes do seu termo normal com ou sem a expulsão do feto podendo ser espontâneo ou provocado Há intensa discussão sobre o início da proteção do direito à vida Podemos identificar as seguintes correntes a respeito do início da proteção jurídica da vida a desde a concepção b desde a nidação com ligação do feto à parede do útero c desde a formação das características individuais do feto em especial o tubo neural d desde a viabilidade da vida extrauterina e desde o nascimento No campo cível a partir da concepção o Código Civil preserva os direitos do nascituro O art 2º do Código Civil determina que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro Além disso o nascituro pode receber doações art 542 do CC constar de testamento art 1799 do CC ser adotado art 1621 do CC Pode inclusive acionar o Poder Judiciário sendo titular do direito de acesso à justiça art 5º XXXV No campo penal a tutela infraconstitucional atual indica que o momento aceito para o início da proteção penal da vida é o da nidação a partir da nidação o aborto passa a ser regido pelos arts 124 a 127 do CP No tocante à utilização do medicamento anticoncepção de emergência a popular pílula do dia seguinte as Normas Técnicas de Planejamento Familiar do Ministério da Saúde que o recomendam desde 1996 esclarecem que seu uso é tido como não abortivo pois seus componentes atuam impedindo a fecundação e sempre antes da implantação na parede do útero De acordo com o Ministério da Saúde a pílula não atua após a fecundação e não provoca a perda do embrião caso ele já tenha aderido à parede do útero Contudo a lei permite que não seja punido o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante aborto necessário bem como é lícito o aborto no caso de gravidez resultante de estupro desde que haja consentimento da gestante ou se incapaz do seu representante legal aborto sentimental Essas exceções são aplicadas cotidianamente na jurisprudência brasileira não tendo repercussão qualquer tese de eventual não recepção desses dispositivos em face da proteção constitucional da vida Fica demonstrado conforme o voto da Min Cármen Lúcia na ADI 3510 que há limites à proteção jurídica da vida ponderandoa em face de outros valores a vida da mãe ou sua liberdade sexual Nas palavras da Ministra Todo princípio de direito haverá de ser interpretado e aplicado de forma ponderada segundo os termos postos no sistema Mesmo o direito à vida haverá de ser interpretado e aplicado com a observação da sua ponderação em relação a outros que igualmente se põem para a perfeita sincronia e dinâmica do sistema constitucional Tanto é assim que o ordenamento jurídico brasileiro comporta desde 1940 a figura lícita do aborto nos casos em que seja necessário o procedimento para garantir a sobrevivência da gestante e quando decorrer de estupro art 128 incs I e II do Código Penal voto da Ministra Cármen Lúcia ADI 3510 rel Min Ayres Britto j 2952008 Plenário DJe de 2852010 grifo nosso Em 2004 foi proposta a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n 54 que requereu ao STF a interpretação conforme a Constituição do Código Penal para excluir a incidência de crime no caso de interrupção da gravidez de feto anencéfalo que foi denominada como antecipação terapêutica do parto A dignidade humana e a proteção da integridade psíquica da mãe bem como a proteção à maternidade e o direito à saúde foram os fundamentos da Arguição O STF oito anos depois em 2012 decidiu que a antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencéfalo desde que com diagnóstico médico não é caso de aborto cujas hipóteses de licitude são excepcionais pois não haverá vida extrauterina Assim a gestante caso queira pode solicitar a antecipação terapêutica do parto sem permissão específica do Estado alvará judicial de juiz criminal por exemplo ADPF 54 rel Min Marco Aurélio j 1142012 Ponto importante para o debate é se seria possível a despenalização completa do aborto no Brasil ponderandose o direito à vida do feto com os direitos reprodutivos da mulher Esse debate divide a doutrina pois poderia existir violação do dever de proteção à vida e consequentemente violação da cláusula pétrea no Brasil Na ADI 3510 o voto do Min Carlos Britto sustentando que a vida intrauterina depende da proteção infraconstitucional o que permitiria a alteração da lei penal foi contrastado pela manifestação de outros Ministros de que o caso da pesquisa de célulatronco não teria nenhuma relação com o aborto Isso demonstra que o STF deixou a questão em aberto para apreciar no futuro caso algum dia o Congresso Nacional venha a adotar lei que descriminalize o aborto imitando outros países do mundo Em 2016 foi proposta a ADI 5581 rel Min Cármen Lúcia em trâmite pela qual entre outros pedidos pleiteiase o reconhecimento da constitucionalidade de interrupção de gravidez quando houver diagnóstico de infecção pelo vírus zika Diferentemente da ADPF 54 não se trata nesta nova ação de hipótese de inviabilidade da vida extrauterina O feto contaminado pelo vírus zika poderá ter microcefalia mas tal deficiência não inviabiliza sua vida Há assim a dúvida se apesar do sofrimento psíquico da mãe tal pedido não flerta com o chamado aborto eugênico ou eugenésico pelo qual se autoriza o aborto em caso de detecção de deficiência grave O aborto eugênico viola frontalmente o direito à vida das pessoas com deficiência em igualdade de oportunidades previsto na Convenção da ONU sobre o Direito das Pessoas com Deficiência que em seu art 10 estipula que todo ser humano tem o inerente direito à vida e tomarão todas as medidas necessárias para assegurar o efetivo exercício desse direito pelas pessoas com deficiência em igualdade de oportunidades com as demais pessoas Assim autorizar o aborto porque o feto possui ou pode possuir deficiência mas não autorizar em relação aos demais fetos tidos como normais implica tratamento discriminatório vedado pela convenção Ainda em 2016 a Primeira Turma do STF concedeu a ordem de habeas corpus considerando que o aborto realizado até o terceiro mês de gravidez deve ser considerado fato atípico Para o Min Barroso a criminalização do aborto viola os seguintes direitos a direitos sexuais e reprodutivos da mulher que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada b liberdade da mulher que deve ser autônoma em suas escolhas existenciais c a integridade física e psíquica da gestante d igualdade da mulher uma vez que como os homens não engravidam a única maneira de manter a igualdade de tratamento é respeitar a vontade da mulher Além disso a criminalização do aborto nestes termos antes do marco temporal do primeiro trimestre utilizado em diversos países democráticos do mundo como Estados Unidos Alemanha Reino Unido Canadá França Itália Espanha Portugal Holanda e Austrália ofenderia o princípio da proporcionalidade STF Primeira Turma HC n 124306RJ rel orig Min Marco Aurélio rel p o ac Min Roberto Barroso j 29112016 Em 2017 foi proposta a ADPF 442 rel Min Rosa Weber em trâmite que pede que os arts 124 e 126 do Código Penal 355 sejam considerados apenas parcialmente recepcionados pela CF88 o que descriminalizaria o aborto realizado até o primeiro semestre de gestação 33 TÉRMINO DA VIDA EUTANÁSIA ORTOTANÁSIA DISTANÁSIA E SUICÍDIO Da mesma maneira que o início da vida o término da vida não possui previsão constitucional Coube ao Código Civil estabelecer sucintamente que a existência da pessoa natural termina com a morte art 6º Além disso a Lei n 943497 Lei dos Transplantes optou pelo critério da morte encefálica para que seja atestado o término das funções vitais do organismo humano e com isso autorizada a retirada post mortem de tecidos órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento art 3º O dever do Estado de proteger a vida levou várias legislações no mundo a combaterem a eutanásia e a assistência ao suicídio o que implica a negação de um direito à própria morte Consequentemente impedir um suicídio não seria um ato ilícito Contudo como esclarece Rey Martinez há já casos de descriminalização sob certas condições da eutanásia na Holanda e Bélgica bem como de suicídio assistido lícito no Oregon Estados Unidos mostrando que não há consenso nos Estados constitucionais sobre o tema 356 A eutanásia consiste em ato de término da vida de doente terminal para abreviar a agonia e os sofrimentos prolongados No Brasil a prática da eutanásia consiste em crime previsto no art 121 1º homicídio privilegiado em face do relevante valor moral na conduta do agente morte doce homicídio por piedade O consentimento do paciente é juridicamente irrelevante A depender do caso e da conduta da própria vítima pode configurar auxílio ao suicídio A ortotanásia morte justa ou morte digna consiste com anuência do paciente terminal na ausência de prolongamento artificial da vida pela desistência médica do uso de aparelhos ou outras terapias evitando sofrimento desnecessário Há aqueles que denominam a ortotanásia de eutanásia passiva ou indireta mas não há proximidade com a eutanásia A ortotanásia consiste na desistência pelo médico do uso de medicamentos e terapias pois não há esperança de reversão do quadro clínico nos pacientes terminais Ocorre a suspensão de aplicação de processos artificiais médicos que resultariam apenas em uma morte mais lenta e mais sofrida mas o que mata o paciente é a doença e não o médico Diferentemente da eutanásia a ortotanásia deixa de manter a vida por modo artificial para evitar prolongar a dor em um quadro clínico irreversível O oposto da ortotanásia é a distanásia que consiste na prática de prorrogar por quaisquer meios a vida de um paciente incurável mesmo em quadro de agonia e dor o que é denominado também obstinação terapêutica A ortotanásia é regulada pelo Conselho Federal de Medicina por meio da Resolução n 18052006 que dispõe que sendo o quadro irreversível e caso assim o paciente o deseje o médico está autorizado a não lançar mão de cuidados terapêuticos que apenas terão o condão de causar dor adicional ao paciente O Ministério Público Federal do Distrito Federal em 2006 ajuizou ação civil pública impugnando a Resolução n 1805 alegando sua inconstitucionalidade e ilegalidade Em 2010 com base na manifestação de nova Procuradora da República responsável pelo caso mostrando a relevância da independência funcional no Ministério Público o MPF reavaliou o caso e entendeu que a ortotanásia não é vedada pelo ordenamento jurídico A sentença foi de improcedência utilizando em sua fundamentação a nova posição do Parquet atuante no caso Ação Civil Pública Autos n 200734000148093 Distrito Federal O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n 67152009 que exclui do tipo penal do homicídio a ortotanásia eliminando qualquer dúvida O projeto encontrase em trâmite perante a Câmara dos Deputados Quanto ao suicídio assistido o Código Penal considera crime induzir ou instigar alguém a suicidarse ou prestarlhe auxílio para que o faça desde que o suicídio se consume ou da tentativa resultar lesão corporal CP art 122 34 PENA DE MORTE 341 As fases rumo ao banimento da pena de morte A pena de morte é expressamente vedada pela Constituição de 1988 salvo em caso de guerra declarada art 5º XLVII não haverá penas a de morte salvo em caso de guerra declarada É necessário que o Código Penal Militar CPM prescreva tal pena existente hoje em vários crimes a partir do art 356 entre outros os crimes de deserção traição à pátria dano especial inobservância do dever militar motim espionagem entre outros A pena de morte no Brasil é executada por fuzilamento art 56 do CPM Caso a pena seja imposta em zona de operações de guerra pode ser imediatamente executada quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares art 57 Mesmo emenda constitucional não poderia tornar possível a pena de morte em outros casos fora do contexto de guerra declarada pois o direito à vida é cláusula pétrea No mundo a pena de morte caminha para seu completo desaparecimento De acordo com a Organização das Nações Unidas há poucos países que preveem a pena capital para crimes comuns em situação regular Há alguns Estados como o Brasil que a admitem em caso de guerra declarada mas essa excepcionalidade reafirma a proibição da pena de morte em geral Mesmo para crimes gravíssimos a pena de morte não é prevista nos últimos tratados internacionais penais como se vê no Estatuto do Tribunal Penal Internacional Estatuto de Roma cuja pena máxima é a de prisão perpétua Esta tendência é fruto dos inegáveis malefícios da pena de morte uma vez que não admite a reparação do erro judiciário como é óbvio além de outras mazelas como a assunção da impossibilidade de ressocialização a banalização da vida em um assassinato oficial entre outras Há três fases da regulação jurídica da pena de morte A primeira fase é a da convivência tutelada na qual a pena de morte era tolerada porém com estrito regramento A imposição ordinária da pena de morte em vários países e em especial em alguns considerados berços da proteção aos direitos humanos como a Inglaterra e Estados Unidos não permitiu que fosse incluída nos textos iniciais de proteção internacional dos direitos humanos a completa proibição de tal pena Apesar disso a proteção à vida exigiu ao menos que constasse dos textos dos primeiros tratados de direitos humanos explícita regulação restritiva da pena de morte O art 6º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos possui 5 parágrafos que tratam exclusivamente da restrição à imposição da pena de morte No mesmo sentido devem ser mencionadas as Convenções Europeia e Americana de Direitos Humanos que também possuem regulação impondo limites ao uso da pena capital pelos Estados Esses limites são os seguintes 1 Natureza do crime Só crimes graves e comuns podem ser puníveis com pena de morte impedindose sua banalização e aplicação a crime político ou comuns conexos a delito político Em 2005 a Comissão de Direitos Humanos da ONU extinta substituída pelo Conselho de Direitos Humanos editou a Resolução n 59 que conclamou os Estados a interpretarem o termo crime grave como sendo aqueles letais ou com consequências extremamente graves Atualmente há vários países que ratificaram o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e que adotam a pena de morte para o tráfico ilícito de entorpecentes como a Indonésia que inclusive executou dois presos brasileiros em 2015 gerando o questionamento se tal prática não violaria o Pacto crime grave 2 Vedação da ampliação Os países contratantes não podem ampliar a aplicação da pena a outros delitos após a ratificação desses tratados 3 Devido processo legal penal Exigese rigoroso crivo judiciário para sua aplicação devendo o Estado prever o direito à solicitação de anistia indulto ou comutação da pena vedandose a aplicação da pena enquanto pendente recurso ou solicitação de indulto anistia ou comutação da pena 4 Vedações circunstanciais As citadas normas vedam a aplicação da pena de morte a pessoas que no momento da comissão do delito tiverem menos de 18 anos de idade ou mais de 70 ou ainda às mulheres grávidas A segunda fase do regramento da pena de morte é a do banimento com exceções relacionadas a crimes militares distantes então do cotidiano O Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é reflexo desta segunda fase pois vedou a pena de morte estabelecendo em seu art 1º 1 Nenhum indivíduo sujeito à jurisdição de um Estado Parte no presente Protocolo será executado 2 Os Estados Partes devem tomar as medidas adequadas para abolir a pena de morte no âmbito da sua jurisdição Porém o art 2º deste Protocolo admite que o Estado faça reserva formulada no momento da ratificação ou adesão prevendo a aplicação da pena de morte em tempo de guerra em virtude de condenação por infração penal de natureza militar de gravidade extrema cometida em tempo de guerra 357 No plano americano citese o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos relativo à Abolição da Pena de Morte que foi adotado em 1990 que também permite excepcionalmente a aplicação da pena de morte caso o Estado no momento de ratificação ou adesão declare que se reserva o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra por delitos sumamente graves de caráter militar A terceira e tão esperada fase no regramento jurídico da pena de morte no plano internacional é a do banimento em qualquer circunstância Contudo o banimento sem qualquer exceção da pena de morte abarcando inclusive os crimes militares foi somente obtido no plano europeu após a entrada em vigor do Protocolo n 13 à Convenção Europeia de Direitos Humanos Esse protocolo veda sumariamente a imposição da pena de morte sem exceções e sem permitir qualquer reserva ao seu texto 358 O Conselho da Europa organização internacional que gere a prática da Convenção Europeia de Direitos Humanos instituiu o dia 10 de outubro como o Dia Europeu contra a Pena de Morte No plano europeu há ainda os esforços da União Europeia cuja Carta de Direitos Fundamentais estabelece em seu art 2º que todas as pessoas têm direito à vida 2 Ninguém pode ser condenado à pena de morte nem executado vedando a pena de morte em qualquer circunstância A abolição da pena de morte é uma das condições de adesão de um Estado à União Europeia No atual momento as organizações não governamentais de direitos humanos assinalam que 58 Estados possuem previsão de aplicação da pena de morte a crimes comuns e 25 a utilizaram regularmente nos últimos anos Em 2015 a Anistia Internacional apontou que 20 mil prisioneiros estavam condenados à morte em 2014 sendo que as execuções estão concentradas 90 nos seguintes Estados China Estados Unidos Egito Tanzânia Paquistão e Arábia Saudita Nas Américas desde 1990 houve progressos e Canadá México e Paraguai aboliram a pena de morte em situações ordinárias De fato nas Américas somente os Estados Unidos utilizam na prática a pena de morte 342 O tratamento desumano o corredor da morte Apesar da não adesão de países como China e Estados Unidos há crescente zelo internacional sobre a forma de aplicação da pena de morte nos derradeiros Estados que a aplicam Há repúdio por exemplo quanto ao excessivo prazo para que a pena de morte seja aplicada quanto ao devido processo legal e quanto à exigência de sua imposição No tocante à delonga na execução da pena capital vêse que os condenados nos Estados Unidos passam anos a fio no chamado corredor da morte Esta espera foi considerada pela Corte Europeia de Direitos Humanos verdadeiro tratamento desumano o que impede a extradição para os Estados Unidos sem que este país prometa comutar a pena de foragidos detidos nos países europeus constrangendo todo o sistema de justiça estadunidense O caso célebre desta proibição de extradição para os Estados Unidos daqueles que poderiam ser submetidos ao fenômeno do corredor da morte foi o caso Söering 359 no qual o Reino Unido foi proibido de extraditar o Sr Söering assassino fugitivo dos Estados Unidos que fora preso na Inglaterra por decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos Corte EDH 360 sem que houvesse promessa de comutar sua pena capital O Brasil somente extradita determinada pessoa caso haja expressa promessa do Estado requerente de não aplicar a pena de morte caso esta seja cabível art 96 III da Lei n 1344517 No tocante ao devido processo legal em casos de estrangeiros submetidos à pena capital há vários questionamentos sobre a ausência da notificação do direito à assistência consular aos estrangeiros presos submetidos à pena de morte Os Estados Unidos foram seguidamente processados e condenados na Corte Internacional de Justiça por não cumprir o básico comando do art 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares que prevê justamente o direito do estrangeiro detido de ser informado do seu direito à assistência do Consulado de seu país Caso dos Irmãos LaGrand Alemanha vs Estados Unidos 2001 e Caso Avena e outros México vs Estados Unidos 2004 Tal auxílio consular é essencial pois sua defesa pode ser prejudicada pelas diferenças de idioma e mesmo jurídicas Para a Corte Internacional de Justiça ofende o devido processo legal penal impedindo a aplicação da pena de morte a ausência de notificação do direito à assistência consular No mesmo sentido manifestouse a Corte IDH em sua Opinião Consultiva n 162003 Neste feito o México solicitou opinião consultiva da Corte IDH sobre eventual impacto jurídico do descumprimento da notificação do direito à assistência consular Como na solicitação da Opinião Consultiva o México havia feito menção a vários casos de mexicanos condenados à pena de morte nos Estados Unidos sem a observância do citado direito à informação sobre a assistência consular a Corte determinou que nestes casos há ainda a violação do art 4º do Pacto de San José da Costa Rica que se refere ao direito de não ser privado da vida de modo arbitrário Por fim há o repúdio à aplicação obrigatória da pena de morte sem possibilidade de indulto graça ou anistia No Caso Hilaire a Corte IDH condenou Trinidad e Tobago cuja legislação interna previa a pena de morte para todo caso de homicídio doloso No caso a lei de 1925 impedia o juiz de considerar circunstâncias específicas do caso na determinação do grau de culpabilidade e individualização da pena condições pessoais do réu por exemplo pois deveria impor a mesma sanção para condutas diversas 4 O direito à igualdade Art 5º Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes I homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição 41 LIVRES E IGUAIS A IGUALDADE NA ERA DA UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS A igualdade consiste em um atributo de comparação do tratamento dado a todos os seres humanos visando assegurar uma vida digna a todos sem privilégios odiosos Consequentemente o direito à igualdade consiste na exigência de um tratamento sem discriminação odiosa que assegure a fruição adequada de uma vida digna A busca da igualdade foi o grande marco das Declarações de Direitos das revoluções liberais do século XVIII que precederam as primeiras Constituições Nessas Declarações e primeiras Constituições a igualdade almejada era a igualdade perante a lei que exigia um tratamento idêntico para todas as pessoas submetidas então à lei Essa forma de entender a igualdade não levava a busca da igualdade de condições materiais nem criticava eventuais lacunas da lei por exemplo ao permitir a escravidão Essa fase foi marcada pela igualdade jurídica parcial que buscava eliminar os privilégios de nascimento nobreza e das castas religiosas mas não afetava outros fatores de tratamento desigual como por exemplo o tratamento dado aos escravos às mulheres ou aos pobres em geral A primeira Declaração de Direitos dessa época a Declaração de Virgínia de 12 de junho de 1776 reconheceu que todos os homens são pela sua natureza iguais e todos possuem direitos inatos A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América aprovada no Congresso Continental de 4 de julho de 1776 data da comemoração da independência dos Estados Unidos enfatizou que todos os homens são criados iguais A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789 foi na mesma direção proclamando que os homens nascem e são livres e iguais em direitos art 1º A Constituição americana de 1787 não contava com um rol de direitos entendendoos como de competência dos Estados da Federação e a igualdade não constou da lista de direitos incluídos nas emendas de 1791 A escravidão nos Estados Unidos só foi completamente abolida após a Guerra de Secessão 18611865 conflito no qual morreram quase 620 mil soldados Em 1868 foi incluído o direito de igual proteção da lei a todos Emenda XIV Nessa primeira fase do constitucionalismo a igualdade perante a lei isonomia era considerada já uma ruptura com o passado de absolutismo Foi necessário porém a ascensão do Estado Social de Direito para que a igualdade efetiva entre as pessoas fosse também considerada como uma meta do Estado Essa igualdade efetiva ou material busca ir além do reconhecimento da igualdade perante a lei busca ainda a erradicação da pobreza e de outros fatores de inferiorização que impedem a plena realização das potencialidades do indivíduo A igualdade nessa fase vinculase à vida digna As duas facetas da igualdade igualdade formal ou perante a lei e igualdade material ou efetiva são complementares e convivem em diversos diplomas normativos no mundo Atualmente o fundamento do direito à igualdade é a universalidade dos direitos humanos A universalidade determina que todos os seres humanos são titulares desses direitos consequentemente todos os seres humanos são iguais e devem usufruir das condições que possibilitem a fruição desses direitos Nessa linha a igualdade consta do artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos que dispõe que todas pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direito A universalidade dos direitos humanos é concretizada pela igualdade Por exemplo de que adianta reconhecer que todos têm o mesmo direito ao trabalho e de acesso aos cargos públicos se as pessoas com deficiência sofrem com as mais diversas barreiras de acesso ficando alijadas desses mercados Como reconhecer o direito de acesso à justiça se os mais pobres não têm condições de pagar um advogado Na Constituição de 1988 a igualdade tem inicialmente a forma de valor ou princípio maior assumido pelo Estado brasileiro desde o seu Preâmbulo o qual prega que a igualdade é um dos valores supremos da sociedade fraterna que se pretende a sociedade brasileira Em seguida o art 3º estabelece os diversos objetivos do Estado brasileiro voltados à erradicação dos fatores de desigualdades materiais como a pobreza marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais Em síntese traz o artigo 3º o dever do Estado brasileiro de promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação No plano das relações internacionais o Brasil deve de acordo com o art 4º VIII pautar sua conduta pelo princípio do repúdio ao terrorismo e ao racismo Conforme esses dispositivos a defesa da igualdade é um valor que incumbe ao Estado e também à sociedade Nesse sentido decidiu a Min Cármen Lúcia STF Não apenas o Estado haverá de ser convocado para formular as políticas públicas que podem conduzir ao bemestar à igualdade e à justiça mas a sociedade haverá de se organizar segundo aqueles valores a fim de que se firme como uma comunidade fraterna pluralista e sem preconceitos ADI 2649 voto da rel Min Cármen Lúcia j 852008 Plenário DJe de 17102008 Por outro lado a Constituição de 1988 dispõe que a igualdade é também um direito fundamental O art 5º caput prevê que todos são iguais perante a lei garantindose a inviolabilidade do direito à igualdade Além do caput o art 5º ainda prevê outros incisos relacionados diretamente com a igualdade que preveem que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição inciso I a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais inciso XLI e a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei inciso XLII Como veremos abaixo a caracterização de uma conduta como sendo de racismo acarretará um estatuto punitivo diferenciado composto pela i inafiançabilidade ii imprescritibilidade e iii cominação de pena de reclusão Também no que tange aos direitos sociais prevê o art 7º a proibição de diferença de salários de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo idade cor ou estado civil inciso XXX e a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência inciso XXXI O direito à igualdade gera o dever de proteção por parte do Estado de promover a igualdade não se conformando com as desigualdades fáticas existentes na sociedade como veremos abaixo 42 AS DIMENSÕES DA IGUALDADE Há duas dimensões da igualdade A primeira dimensão consiste na proibição de discriminação indevida e por isso é denominada vedação da discriminação negativa A segunda dimensão trata do dever de impor uma determinada discriminação para a obtenção da igualdade efetiva e por isso é denominada discriminação positiva ou ação afirmativa Na primeira dimensão concretizase a igualdade exigindose que as normas jurídicas sejam aplicadas a todos indistintamente evitando discriminações odiosas A discriminação odiosa consiste em qualquer distinção exclusão restrição ou preferência baseada na raça cor sexo ou orientação sexual religião convicção política nacionalidade pertença a grupo social ou outro traço social que objetiva ou gera o efeito de impedir ou prejudicar a plena fruição em igualdade de condições dos direitos humanos 361 Na segunda dimensão concretizase a igualdade por meio de normas que favoreçam aqueles que estejam em situações de indevida desvantagem social os vulneráveis ou imponham um ônus maior aos que estejam numa situação de exagerada vantagem social No primeiro caso atendese a igualdade com a previsão de existência de reserva de vagas em concursos públicos para as pessoas com deficiência que possuem imensas desvantagens sociais em relação aos demais art 37 VIII da CF88 Na mesma linha foi coerente a Constituição de 1988 ao tratar diferentemente as mulheres favorecendoas em relação aos homens como se vê no tempo necessário para aposentadoria menor para as mulheres art 40 1º III e art 201 7º I No segundo caso atendese a igualdade com a previsão de existência de imposto sobre grandes fortunas que exige dos que tem exagerada vantagem uma contribuição adicional para o Estado art 153 VII da CF88 que curiosamente até hoje não foi instituído por lei 362 Essas duas dimensões são fruto da máxima de Aristóteles para quem devemos tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente Ou seja tratar igualmente os que estão em situação desigual no exemplo acima as pessoas com deficiência seria manter a situação de inferioridade não concretizando nenhuma igualdade 363 43 AS DIVERSAS CATEGORIAS E CLASSIFICAÇÕES DOUTRINÁRIAS Há várias categorias doutrinárias de uso inclusive na jurisprudência brasileira sobre igualdade que valem ser mencionadas 364 Em primeiro lugar há a distinção entre igualdade liberal e igualdade social ou ainda os termos igualdade formal e igualdade material A igualdade liberal ou formal representa a igualdade perante a lei exigindo a submissão de todos à lei já a igualdade social ou material representa a busca de igualdade material com distribuição adequada dos bens em toda sociedade John Rawls sustenta a necessidade de implementação da igualdade por meio da justiça distributiva que consiste na atividade de superação das desigualdades fáticas entre os indivíduos por meio de uma intervenção estatal de realocação dos bens e oportunidades existentes na sociedade em benefício da coletividade 365 A igualdade material deixou de ser apenas uma igualdade socioeconômica para ser também uma igualdade de reconhecimento de identidades próprias distintas dos agrupamentos hegemônicos Ficam consagradas então as lutas pelo reconhecimento da igualdade orientada pelos critérios de gênero orientação sexual idade raça etnia entre outros critérios A lógica do reconhecimento da identidade é a constatação de que mesmo em condições materiais dignas há grupos cujo fator de identidade os leva a situações de vulnerabilidade como no caso do gênero a situação de violência doméstica que atinge também as mulheres de classes abastadas Para Barroso a igualdade como reconhecimento significa respeitar as pessoas nas suas diferenças mas procurar aproximálas igualando as oportunidades tendo assim um papel simbólico de incremento da autoestima dos grupos não hegemônicos O aumento do pluralismo e da diversidade graças à busca da igualdade como reconhecimento auxilia ainda em um ambiente melhor e mais rico na dicção de Barroso voto do Min Roberto Barroso ADC 41 rel Min Roberto Barroso j 862017 P DJe de 1782017 Em outro texto Barroso e Osório destacam que a igualdade material contemporânea deve abarcar o binômio redistribuição e reconhecimento porque tais eixos se interpenetram as injustiças contra as mulheres os negros entre outros têm origem tanto na estrutura econômica quanto na estrutura culturalvalorativa exigindo ações e políticas públicas em ambas as dimensões 366 Também é comum a diferenciação entre igualdade perante a lei que consiste na igualdade de aplicação da lei dirigida aos Poderes Executivo e Judiciário e a igualdade na lei que obriga o legislador a formular uma lei que atenda à igualdade Também há aqueles que usam os termos igualdade geral e igualdade específica A igualdade geral seria a igualdade formal já a igualdade específica seria a igualdade material Ainda há o uso da expressão igualdade de direito ou de jure que seria a igualdade formal em contraposição à expressão igualdade de fato que seria a igualdade material Por fim a doutrina destaca a separação dos tratamentos discriminatórios entre os que seriam fruto da discrimination against e os que seriam oriundos da discrimination between A discrimination against é aquela que almeja diferenciar com finalidade preconceituosa ou estigmatizante a discrimination between é aquela que visa diferenciar para igualar 44 O DEVER DE INCLUSÃO E A DISCRIMINAÇÃO DIRETA E INDIRETA Em diversas passagens a Constituição de 1988 demonstra o apego à igualdade na perspectiva formal e material O direito à igualdade implica dever de promoção da igualdade o que traz como consequência um dever de inclusão não se aceitando a continuidade de situações fáticas desiguais Esse dever de inclusão leva a tratamentos desiguais aos desiguais A própria Constituição lista hipóteses de tratamento diferenciado para que se obtenha a igualdade material como por exemplo reserva de vagas às pessoas com deficiência nos concursos públicos art 37 VIII da CF88 i no tratamento previdenciário privilegiado às mulheres art 40 1º III e art 201 7º I ii na isenção das mulheres e eclesiásticos do serviço militar obrigatório em tempo de paz sujeitos porém a outros encargos que a lei lhes atribuir art 143 2º iii na garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família conforme dispuser a lei art 203 V iv na previsão de que a lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais art 215 2º entre outras Esse tratamento diferenciado explícito não elimina a possibilidade de outros tratamentos diferenciados implícitos aceitos pela Constituição de 1988 a serem impostos futuramente por lei Pelo contrário o objetivo de construção de uma sociedade justa e solidária exige que o Estado indague se há uma razão suficiente para impor um tratamento desigual Caso exista esse tratamento desigual deve ser aplicado Porém esse tratamento diferenciado implicitamente aceito pela Constituição deve levar em consideração determinados requisitos para ser legítimo Assim a Constituição adotou a teoria da desigualdade justificada cujos requisitos baseados na lição de Bandeira de Mello 367 são os seguintes 1 existência de vínculo de pertinência lógica entre o elemento de diferenciação discrímen escolhido pela lei e a situação objetiva analisada 2 a diferenciação atende aos objetivos do Estado Democrático de Direito consonância da discriminação com os valores protegidos pela Constituição e tratados internacionais de direitos humanos e 3 a diferenciação realizada pela lei atende ao princípio da proporcionalidade descrito na Parte I Capítulo III item 74 Quanto ao elemento ou critério de discriminação discrímen a escolha do legislador é ampla desde que haja pertinência lógica com a situação objetiva analisada Os critérios usualmente utilizados para impor preconceitos e situações inferiorizantes descritos no art 3º IV da CF88 tais como raça sexo cor idade origem entre outros podem ser utilizados para promover o direito à igualdade veiculando vantagens aos que foram alvo de discriminação negativa Em síntese a igualdade exige que sejam evitadas discriminações injustificáveis proibindo se o tratamento desigual aos que estejam na mesma situação e simultaneamente exige que sejam promovidas distinções justificáveis que resultem em um tratamento mais favorável aos que estão em situação desigual injusta Com isso há dois requisitos para comprovarmos a existência de uma discriminação injusta i a existência de uma conduta ativa ou omissiva de discriminação e ii a ausência de uma justificativa adequada para tanto Assim conforme já exposto a discriminação injusta ou odiosa consiste em qualquer i distinção ii exclusão iii restrição ou iv preferência em qualquer esfera pública ou privada que tenha como objetivo ou efeito anular ou limitar o reconhecimento gozo ou exercício em condições de igualdade de direitos humanos consagrados em instrumentos internacionais Assim a discriminação é todo tratamento de diferenciação restrição ou mesmo exclusão sem justificativa racional e proporcional realizado por agentes públicos ou privados visando a privação ou prejuízo a direitos de outrem Por sua vez a discriminação injusta que é combatida pode ser direta ou indireta também chamada de invisível A discriminação direta consiste na adoção de prática intencional e consciente que adote critério injustificável discriminando determinado grupo e resultando em prejuízo ou desvantagem A discriminação indireta é mais sutil consiste na adoção de critério aparentemente neutro e então justificável mas que na situação analisada possui impacto negativo desproporcional em relação a determinado segmento vulnerável A discriminação indireta levou à consolidação da teoria do impacto desproporcional pela qual é vedada toda e qualquer conduta inclusive legislativa que ainda que não possua intenção de discriminação gere na prática efeitos negativos sobre determinados grupos ou indivíduos 368 Na discussão sobre a Emenda Constitucional n 2098 que limitou os benefícios previdenciários a R 120000 discutiuse a quem caberia pagar a licençamaternidade no caso da mulher trabalhadora receber salário superior a tal valor Caso a interpretação concluísse que o excedente seria pago pelo empregador a regra aparentemente neutra limite a todos os benefícios teria um efeito discriminatório no mercado de trabalho e um impacto desproporcional sobre a empregabilidade da mulher pois aumentariam os custos para o patrão Com isso a regra teria um efeito de discriminação indireta contrariando a regra constitucional proibitiva da discriminação em matéria de emprego por motivo de sexo Nesse sentido o STF decidiu que na verdade se se entender que a Previdência Social doravante responderá apenas por R 120000 hum mil e duzentos reais por mês durante a licença da gestante e que o empregador responderá sozinho pelo restante ficará sobremaneira facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino ao invés da mulher trabalhadora Estará então propiciada a discriminação que a Constituição buscou combater quando proibiu diferença de salários de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo art 7º XXX da CF1988 proibição que em substância é um desdobramento do princípio da igualdade de direitos entre homens e mulheres previsto no inciso I do art 5º da CF Ação direta de inconstitucionalidade é julgada procedente em parte para se dar ao art 14 da EC 20 de 15121998 interpretação conforme à Constituição excluindose sua aplicação ao salário da licença gestante a que se refere o art 7º XVIII da CF ADI 1946 rel Min Sydney Sanches j 342003 Plenário DJ de 1652003 Já na ADPF 291 referente ao crime militar de pederastia ou outro ato de libidinagem o voto do Min Barroso enfatizou que o dispositivo art 235 do Código Penal Militar embora hipoteticamente fosse aplicável a relações homossexuais ou heterossexuais era na prática empregado de forma discriminatória produzindo maior impacto sobre militares gays sendo típica hipótese de discriminação indireta com impacto desproporcional disparate impact Para o Min Barroso todo o artigo 235 deveria ser julgado como não recepcionado uma vez que a manutenção de um dispositivo que torna crime militar o sexo consensual entre adultos ainda que sem a carga pejorativa das expressões pederastia e homossexual ou não produz apesar de sua aparente neutralidade e em razão do histórico e das características das Forças Armadas um impacto desproporcional sobre homossexuais o que é incompatível com o princípio da igualdade Contudo a maioria dos Ministros entendeu que a criminalização de atos libidinosos praticados por militares em ambientes sujeitos à administração militar justificase em tese para a proteção da hierarquia e da disciplina castrenses art 142 da Constituição mas por outro lado não foram recepcionadas pela CF88 as expressões pederastia ou outro e homossexual ou não contidas respectivamente no nomen iuris e no caput do art 235 do Código Penal Militar mantido o restante do dispositivo STF ADPF 291 rel Min Roberto Barroso que reajustou seu voto Tribunal Pleno j 28102015 DJ de 115 2016 Há ainda a discriminação múltipla ou agravada que consiste em qualquer preferência distinção exclusão ou restrição baseada concomitantemente em dois ou mais fatores de diferenciação injustificada 441 Para obter a igualdade as medidas repressivas promocionais e as ações afirmativas A discriminação injusta inconvencional e inconstitucional é constatada na ocorrência de tratamento igualitário para situações diferenciadas e também na ocorrência de tratamento diferenciado para situações idênticas O Estado possui dois instrumentos para promover a igualdade e eliminar a discriminação injusta o instrumento repressivo e o instrumento promocional voltado ao fomento da igualdade O primeiro instrumento é o repressivo Como prevê a Constituição de 1988 a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais art 5º XLI e ainda a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei art 5º XLII Consequentemente o legislador pode constituir em tipos penais outros comportamentos discriminatórios como por exemplo a discriminação por orientação sexual ou por procedência nacional Nessa linha a Lei n 771689 alterada por leis posteriores determinou a punição dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional ver abaixo o crime de racismo O segundo instrumento é o promocional uma vez que a proibição da discriminação não assegura de pronto a inclusão do segmento social submetido a determinada situação inferiorizante A opção da Constituição de 1988 foi de também utilizar políticas compensatórias que acelerem a igualdade e a consequente inclusão dos grupos vulneráveis Entre outras o art 7º XX determina a proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos bem como o art 37 VIII que determina que a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência Assim a Constituição abriu a porta para a implementação de outras ações afirmativas ou políticas de discriminação positiva As ações afirmativas consistem em um conjunto de diversas medidas adotadas temporariamente e com foco determinado que visa compensar a existência de uma situação de discriminação que políticas generalistas não conseguem eliminar e objetivam a concretização do acesso a bens e direitos diversos como trabalho educação participação política etc Tais ações tutelam os interesses de grupos sociais vulneráveis e objetivam no futuro a realização da igualdade substantiva ou material No STF o Min Nelson Jobim destacou que a discriminação positiva introduz tratamento desigual para produzir no futuro e em concreto a igualdade É constitucionalmente legítima porque se constitui em instrumento para obter a igualdade real voto do Min Nelson Jobim na ADI 1946MCDF rel Min Sydney Sanches j 342003 Plenário DJ de 1652003 No Direito Comparado destacamse as discussões sobre as ações afirmativas na Índia origem da temática com Government of India Act de 1935 para ações afirmativas às castas subalternas e nos Estados Unidos A Suprema Corte americana foi protagonista na aceitação da teoria do treatment as equal a partir de meados dos anos 50 do século XX pela qual foram aceitas as políticas públicas ou condutas privadas que tratam desigualmente os desiguais para efetivamente combater situações de inferioridade e discriminação Para Joaquim Barbosa as ações afirmativas diferem das tradicionais políticas governamentais antidiscriminatórias baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo em geral de caráter penal que são caracterizadas por oferecerem às respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção post facto Pelo contrário as ações afirmativas objetivam fornecer condições estruturais de mudança social evitando que a discriminação continue através de mecanismos informais enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo 369 As medidas de ações afirmativas também chamadas de políticas ou ações compensatórias são de diferentes espécies desde o encorajamento de órgãos públicos e privados para que ajam em prol da inclusão de grupos vulneráveis passando por estímulos diferenciados aos grupos vulneráveis por exemplo cursinhos preparatórios para o ingresso em Faculdades para afrodescendentes benefícios fiscais e preferências por exemplo pontuação adicional em licitações até a imposição de percentual de vagas para grupos vulneráveis em determinados temas as cotas No Brasil além da reserva de vagas para as pessoas com deficiência há a cota de candidaturas por sexo 30 no mínimo e 70 no máximo para cada sexo Lei n 120342009 Não são cotas para as mulheres mas têm especial impacto nas candidaturas femininas pois tradicionalmente a política partidária é dominada pelo sexo masculino Além disso o PNDH3 incentiva a adoção de políticas compensatórias defendendo o aumento das ações afirmativas em favor de grupos vulneráveis No plano federal há o Programa de Ações Afirmativas na Administração Pública Federal Decreto n 4228 de 135 2002 que determina a observância pelos órgãos da Administração Pública Federal de requisito que garanta a realização de metas percentuais de participação de afrodescendentes mulheres e pessoas com deficiência no preenchimento de cargos em comissão e ainda a observância nas licitações promovidas por órgãos da Administração Pública Federal de critério adicional de pontuação a ser utilizado para beneficiar fornecedores que comprovem a adoção de políticas compatíveis com os objetivos do Programa Quanto à base normativa específica o Brasil ratificou e incorporou internamente três tratados de âmbito global que contam com a previsão de ações afirmativas a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial dispõe no art 1º parágrafo 4º que são legítimas as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais contanto que tais medidas não conduzam em consequência à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher permite que os Estados imponham medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher art 41 São medidas de compensação à situação histórica de desigualdade entre os gêneros em prejuízo da mulher a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência dispõe no seu art 5º item 4 que as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias No art 27 alínea h prevê o dever do Estado de promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado mediante políticas e medidas apropriadas que poderão incluir programas de ação afirmativa incentivos e outras medidas Em 2010 foi editada a Lei n 12228 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial Foi criado o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial Sinapir que busca a implementação do conjunto de políticas e serviços prestados pelo Poder Público federal e destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no País São objetivos do Sinapir I promover a igualdade étnica e o combate às desigualdades sociais resultantes do racismo inclusive mediante adoção de ações afirmativas II formular políticas destinadas a combater os fatores de marginalização e a promover a integração social da população negra III descentralizar a implementação de ações afirmativas pelos governos estaduais distrital e municipais IV articular planos ações e mecanismos voltados à promoção da igualdade étnica V garantir a eficácia dos meios e dos instrumentos criados para a implementação das ações afirmativas e o cumprimento das metas a serem estabelecidas Em 2012 o STF reconheceu a constitucionalidade da adoção de cotas para afrodescendentes em universidades ao julgar improcedente a ADPF n 186 rel Min Ricardo Lewandowski j 2642012 Plenário DJe de 20102014 Nessa Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental as seguintes balizas foram consagradas no tocante às políticas de cotas para afrodescendentes e povos indígenas nas Universidades a Objetivo ficou evidenciado que o objetivo da cota étnicaracial nas universidades têm objetivo constitucionalmente adequado estabelecer um ambiente acadêmico plural e diversificado superando a pouca diversidade racial do ensino superior público e com isso eliminando distorções sociais historicamente consolidadas b Critério é importante que o critério a ser utilizado seja também adequado No caso da cota para afrodescendentes há dois critérios utilizados comumente a autoidentificação e a heteroidentificação identificação feita por terceiros No caso da ADPF 186 ambos os critérios foram considerados constitucionais mesmo a polêmica heteroidentificação Nesse último critério exigiuse o respeito à dignidade pessoal dos candidatos com a formação de comitê composto de modo plural e com mandatos curtos que julgue por fenótipo e não por ascendência na linha do sugerido por Daniela Ikawa 370 c Proporcionalidade a cota deve ser proporcional e razoável reservandose as vagas em número adequado apto a não excluir em demasia os demais membros da comunidade não abrangidos no critério de seleção Assim para o relator Min Lewandowski no caso da Universidade de Brasília a reserva de 20 de suas vagas para estudantes afrodescendentes e de um pequeno número delas para índios de todos os Estados brasileiros pelo prazo de 10 anos constitui providência adequada e proporcional ao atingimento da igualdade material d Transitoriedade o caráter temporário da discriminação positiva compatível com a produção de efeitos no futuro foi realçado pelo voto do Min Marco Aurélio na ADPF 186 para quem tal sistema há de ser utilizado na correção de desigualdades e afastado tão logo eliminadas essas diferenças Ainda na busca por igualdade material no ensino superior a Medida Provisória n 213 instituiu o ProUni Programa Universidade para Todos hoje regido pela Lei n 110962005 O Programa destina bolsa de estudos para alunos carentes determinando cotas para alunos egressos da rede pública da rede privada desde que tenham cursado com bolsa integral pessoa com deficiência e professor da rede pública para determinados cursos Também em 2012 o Supremo Tribunal Federal STF julgou improcedente o pedido feito na Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 3330 considerando constitucional a Lei n 110962005 que instituiu o Programa Universidade para Todos ProUni Após o julgamento da ADPF 186 houve a edição da Lei n 1271112 que determinou a implantação de cotas sociais com recorte étnicoracial em Universidades federais e instituições federais de ensino técnico exigindo a reserva de no mínimo 50 das vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio ou fundamental a depender do curso em escolas públicas Além disso a lei exigiu que a cota social fosse preenchida por curso e turno por autodeclarados pretos pardos e indígenas recorte racial em proporção no mínimo igual à de pretos pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Com isso houve a extinção da mais conhecida e polêmica comissão de verificação da veracidade da declaração do candidato que era da Universidade de Brasília UnB Em 2016 a Lei n 13409 alterou a Lei n 12711 para dispor sobre cotas por critérios étnicoraciais e deficiência nos cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais de ensino Ficou estipulado que nesses cursos por autodeclarados pretos pardos e indígenas e por pessoas com deficiência em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos pardos indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Assim o censo do IBGE ditará o percentual de vagas a serem oferecidas sob esses critérios Em 2014 foi editada a Lei n 12990 que instituiu a reserva aos negros de 20 vinte por cento das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal das autarquias das fundações públicas das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União De acordo com o art 2º da lei o critério adotado foi o do autorreconhecimento ou autoidentificação pelo qual poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE preto pardo amarelo branco ou indígena De acordo com os dados de 2014 aproximadamente 53 dos brasileiros autodeclararamse preto ou pardo Não há previsão na lei nem na ADPF 186 vista acima do uso de características estereotipadas de fenotípico cor de pele características físicas etc o que seria de difícil consecução até em virtude do amplo contingente de pretos e pardos nos levantamentos populacionais do IBGE Na hipótese de constatação de declaração falsa o candidato será eliminado do concurso e se houver sido nomeado ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa sem prejuízo de outras sanções cabíveis Esse dispositivo legal é curioso pois indica que a condição de negro ou pardo é sindicável ou seja seria possível que um determinado observador terceiro defina quem é ou não merecedor da ação afirmativa Haveria então um modo objetivo de se definir quem é preto ou pardo mas a lei nada esclareceu sobre quais seriam esses critérios Mesmo eventual transferência da questão ao Poder Judiciário por intermédio de ações judiciais promovidas pelo interessado ou pelos outros candidatos exigiria que o juiz fundamente sua decisão sobre se alguém é ou não merecedor da cota conforme exige o art 93 IX da Constituição exigência de fundamentação das decisões judiciais Assim o heterorreconhecimento em que pese não ter sido considerado inconstitucional pelo STF ADPF 186 ficou sem nenhuma baliza ou critério legal Como bem resume Vitorelli como a declaração poderá ser falsa se é uma autodeclaração Para o citado autor como a máfé não se presume caberia à Administração Pública provar por documentos ou testemunhas que o candidato se apresentava como branco e somente se apresentou como negro para fraudar o concurso 371 Em resumo a Lei n 1299014 i atinge somente os concursos públicos do Poder Executivo Federal tanto da Administração Pública Federal Direta quanto da Administração Pública Federal Indireta inclusive as empresas públicas Caixa Econômica Federal por exemplo e sociedades de economia mista Banco do Brasil por exemplo ii abrange os concursos do Poder Legislativo Federal Judiciário Federal Ministério Público da União e Defensoria Pública da União bem como os concursos realizados pelas Forças Armadas ver ADC 41 abaixo analisada Não abrange os da área estadual ou municipal iii não abrange os concursos cujos editais foram publicados antes da entrada em vigor da lei no dia 1062014 art 6º da lei iv o critério adotado é o da autoidentificação abrangendo tanto os que se reconhecem como negros ou pardos de acordo com classificação do IBGE v a previsão da penalidade administrativa à declaração falsa sem prejuízo da previsão legal de sanções de outras espécies sugerindo sanção penal art 2º parágrafo único gera perplexidade pois o critério da lei é o da autoidentificação Para o STF a lei assim admitiu a heteroidentificação permitindo que terceiro comissão de concurso organizações da sociedade civil comissão de notáveis etc determine o que é ser pardo ou negro vi tal qual como ocorre na aplicação mais longeva das cotas para pessoas com deficiência nos concursos públicos o candidato deve 1 concorrer concomitantemente na lista geral e na lista de vagas reservadas o que permite que um candidato negro ou pardo com nota para ser aprovado na lista geral não ocupe a vaga dos 20 2 o candidato na lista da cota deve superar os critérios mínimos de aprovação o que assegura a qualidade da seleção vii a nomeação dos candidatos deve ser alternada entre a lista geral e a lista das vagas reservadas para que ao final haja também nas nomeações o respeito ao percentual 80 x 20 viii como se espera de qualquer medida compensatória há um prazo para a sua duração a lei prevê o prazo de 10 anos para tais cotas art 6º A Lei n 134092016 também instituiu cotas ao prever que em cada instituição federal de ensino superior ou de ensino técnico de nível médio devem ser reservadas vagas por curso e turno por autodeclarados pretos pardos e indígenas e por pessoas com deficiência em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos pardos indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Em 862017 o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Declaratória de Constitucionalidade ADC n 41 reconhecendo a constitucionalidade da Lei n 129902014 que reserva 20 das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta no âmbito dos Três Poderes A decisão foi unânime e com ela ficaram afastadas dúvidas na aplicação da cota dos 20 para concursos de membros e servidores do Poder Judiciário e Ministério Público da União Também foi aceita a utilização da heteroidentificação desde que com respeito ao contraditório e à ampla defesa sendo preservada ainda a dignidade do candidato que não pode ser sujeito à verificação vexatória de sua condição de negro ou pardo A tese fixada na ADC foi a seguinte É constitucional a reserva de 20 das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta É legítima a utilização além da autodeclaração de critérios subsidiários de heteroidentificação desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa ADC 41 rel Min Roberto Barroso j 862017 P DJe de 1782017 No caso da magistratura as cotas em concursos para magistrados também estão previstas na Resolução n 2032015 do Conselho Nacional de Justiça que reserva 20 de vagas para negros e pardos no âmbito do Poder Judiciário Já no caso do Ministério Público a cota de 20 de vagas para negros e pardos nos concursos de provimento de cargos de membros do MP consta da Resolução n 1702017 do Conselho Nacional do Ministério Público Ambas as resoluções vigorarão até 9 de junho de 2024 término do prazo de vigência da Lei n 1299014 442 Discriminação estrutural ou sistêmica e o racismo institucional A discriminação estrutural ou sistêmica consiste na sujeição de grupos historicamente vulneráveis a práticas constantes de negação de direitos ou tratamento discriminatório inferiorizante Os parâmetros para a constatação da discriminação estrutural ou sistêmica podem ser assim resumidos i identificação de grupo vulnerável afetado por motivo de raça nacionalidade sexo orientação sexual ou outro fator de diferenciação ii a situação de marginalização e exclusão desse grupo é fruto de fatores históricos sociais econômicos e culturais iii é possível aferir padrão e disseminação de condutas de exclusão em organizações públicas ou privadas bem como em zonas geográficas iv esse padrão de conduta gere situação ou desvantagem desproporcional ao grupo vulnerável 372 O primeiro caso de discriminação sistêmica da Corte Europeia de Direitos Humanos foi o caso DH vs República Checa 2007 no qual 18 crianças da minoria roma processaram o Estado por violação do direito à educação sem discriminação por serem inseridas em escolas segregadas para pessoas com deficiência mental A Corte detectou pela primeira vez um padrão sistemático de discriminação pelo qual as crianças dessa minoria eram excluídas do sistema regular de educação 373 Na Corte Interamericana de Direitos Humanos a República Dominicana foi condenada a adotar medidas para reverter ou modificar as situações de discriminação sistemática que existem na sociedade contra grupos específicos de pessoas no caso os nacionais do Haiti que vivem no Estado réu 374 Na Corte Interamericana de Direitos Humanos houve a constatação da discriminação estrutural na conduta do Brasil em não proteger com eficiência pessoas que sofriam vulnerabilidades agravadas no Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde a saber i vulnerabilidade social eles se encontravam em uma situação de pobreza ii vulnerabilidade regional eram oriundos das regiões mais pobres do país com menor desenvolvimento humano e perspectivas de trabalho e emprego iii vulnerabilidade educacional eram analfabetos e tinham pouca ou nenhuma escolarização Essas circunstâncias geraram uma situação de risco maior de submissão a falsas promessas e ameaças redundando na submissão à escravidão contemporânea 375 No Brasil a discriminação sistêmica foi detectada no chamado racismo institucional que consiste em um conjunto de normas práticas e comportamentos discriminatórios cotidianos adotados por organizações públicas ou privadas que movidos por estereótipos e preconceitos impõe a membros de grupos raciais ou étnicos discriminados situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações 376 O racismo institucional é constatado na manutenção das diferenças entre escolaridade média salarial acesso à saúde aprisionamento etc entre brancos e afrodescendentes no Brasil o que implica no fracasso das políticas universalistas de implementação de direitos e promoção da igualdade quase 30 anos após a edição da CF88 Nesse sentido a Lei n 122282010 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial define a desigualdade racial como toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens serviços e oportunidades nas esferas pública e privada em virtude de raça cor descendência ou origem nacional ou étnica propondo programas e políticas públicas já vistas acima de modo a eliminar tais assimetrias o que complementa a luta contra a discriminação individual vide as leis penais contra o racismo 45 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO 451 Aspectos gerais da Lei Maria da Penha Há diversos tratados incorporados no ordenamento brasileiro que combatem a discriminação e violência contra a mulher Esses tratados exigem a implementação de regras de discriminação positiva que consistem em medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre homem e mulher Nesse sentido a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas CEDAW na sigla em inglês determina que os Estados Partes devem tomar as medidas apropriadas para combater as diversas formas de exploração violência e discriminação contra a mulher A Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher também chamada de Convenção de Belém do Pará foi explícita em estabelecer mandados de criminalização de condutas de violência contra a mulher 377 De acordo com o art 7º d e e da citada Convenção os Estados Partes devem adotar por todos os meios apropriados e sem demora políticas orientadas e prevenir punir e erradicar a dita violência e empenharse em incluir em sua legislação interna normas penais civis e administrativas assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir punir e erradicar a violência contra a mulher O combate penal à violência contra a mulher foi reforçado pelo importante precedente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no caso brasileiro Maria da Penha Maia Fernandes Os fatos relativos a esse caso remontam a 1983 quando a Sra Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de tentativa de homicídio por parte de seu marido à época o que a deixou paraplégica Houve depois outro ataque do marido mas apesar da denúncia criminal do Ministério Público ter sido proposta em 1984 a lentidão da Justiça Penal brasileira quase gerou a prescrição do crime Somente em 2002 19 anos depois dos fatos o agressor foi preso após o trânsito em julgado dos mais variados recursos Para impedir a repetição de tais condutas a Comissão recomendou que o Brasil adotasse medidas legislativas que protegessem efetivamente a mulher contra a violência Em 2006 foi adotada a Lei n 11340 conhecida como Lei Maria da Penha que foi o resultado dos tratados internacionais já citados e também da recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos cumprindo ainda o disposto no 8º do art 226 da CF88 O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações De maneira clara a Lei Maria da Penha trata a violência doméstica e familiar contra a mulher como uma das formas de violação dos direitos humanos art 6º A lei objetiva coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher Assim nem toda violência contra a mulher faz incidir a Lei Maria da Penha é necessário que haja i uma questão de gênero em um ii contexto familiar e doméstico A violência tratada na Lei Maria da Penha consiste em ato ou omissão que viole os direitos da mulher oriundos de uma relação de afeto ou de convivência Por isso configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero 378 que lhe cause morte lesão sofrimento físico sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial i no âmbito da unidade doméstica compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas com ou sem vínculo familiar inclusive as esporadicamente agregadas ii no âmbito da família compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados unidos por laços naturais por afinidade ou por vontade expressa iii em qualquer relação íntima de afeto na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida independentemente de coabitação art 5º da Lei como por exemplo relacionamentos entre amantes namorados etc Nesse sentido a Súmula n 600 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n 113402006 Lei Maria da Penha não se exige a coabitação entre autor e vítima Essas relações pessoais domésticas familiares e de afetividade independem de orientação sexual e a coabitação o que inclui o namoro e as relações entre amantes O art 7º da Lei n 113402006 lista de modo não exaustivo as espécies de violência doméstica e familiar violência física sexual psicológica patrimonial e moral ou seja a violência física não é a única que faz incidir a Lei Maria da Penha a agressão verbal perseguição contumaz vigilância constante são tipos de violência previstos pela lei A lei visa combater toda e qualquer violência realizada no local de residência da vítima ou ainda em qualquer lugar desde que a violência seja resultado de relação de afeto ou de convivência Prevê o art 22 da Lei Maria da Penha que o juiz poderá aplicar em conjunto ou separadamente as seguintes medidas protetivas de urgência contra o agressor I suspensão da posse ou restrição do porte de armas com comunicação ao órgão competente II afastamento do lar domicílio ou local de convivência com a ofendida III proibição de determinadas condutas entre as quais a aproximação da ofendida de seus familiares e das testemunhas fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor b contato com a ofendida seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação c frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida IV restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar V prestação de alimentos provisionais ou provisórios Tais medidas não são exaustivas podendo ainda o juiz usar analogicamente o disposto no novo Código de Processo Civil 2015 para o cumprimento da tutela específica de obrigação de fazer art 536 para assegurar os direitos da vítima Há ainda medidas protetivas a favor da mulher que podem ser adotadas pelo juiz como por exemplo 1 o encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento 2 a determinação de recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio após afastamento do agressor 3 a determinação do afastamento da ofendida do lar sem prejuízo dos direitos relativos a bens guarda dos filhos e alimentos 4 e a separação de corpos São também previstas medidas protetivas da integralidade dos bens da sociedade conjugal ou de propriedade particular da mulher Como tais medidas são apenas exemplificadas na lei admitese o uso de medidas previstas na Lei n 124032011 lei sobre a prisão e outras medidas cautelares como por exemplo o monitoramento eletrônico Em 2019 foi editada a Lei n 13827 pela qual se autorizou na existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de seus dependentes que seja determinado o afastamento do agressor do lar domicílio ou local de convivência com a ofendida pelo i delegado de polícia ou ii pelo policial quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível Nessas hipóteses o juiz deve ser comunicado em 24 horas para decidir sobre a manutenção ou revogação da medida devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente Também ficou estabelecido que as medidas protetivas de urgência serão registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça garantido o acesso do Ministério Público da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas Ainda em 2019 foram editadas mais três novas leis que alteraram a Lei Maria da Penha para incrementar a proteção da mulher A Lei n 138712019 previu a obrigação de ressarcimento ao Estado pelos i gastos relativos ao atendimento da vítima através do Sistema Único de Saúde SUS por parte daquele que por ação ou omissão causou lesão violência física sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial contra a mulher Também foi prevista a obrigação de ressarcimento dos gastos estatais com os ii dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas por exemplo tornozeleiras eletrônicas De acordo com a nova lei em ambas as hipóteses de ressarcimento os gastos realizados não podem configurar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e de seus dependentes nem configurar atenuante ou ensejar a possibilidade de substituição da pena aplicada Já a Lei n 138802019 estabeleceu a possibilidade de apreensão de arma de fogo sob a posse de agressor em casos de violência doméstica Por sua vez a Lei n 138822019 alterou a Lei Maria da Penha para garantir a matrícula dos dependentes da mulher vítima de violência doméstica e familiar na instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio Essas quatros leis de 2019 Lei n 13827 Lei n 13871 Lei n 13880 e Lei n 13882 buscam aumentar o arco legal de proteção à mulher vítima da violência doméstica A violência contra a mulher exige complexa política pública de prevenção e repressão que envolve o Poder Executivo autoridade policial e assistência de todos os tipos Defensoria Pública Ministério Público e Poder Judiciário No que tange ao Poder Judiciário a Lei dispõe que poderão ser criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher com competência cível e criminal para o processo julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher 452 Aspectos penais e processuais penais da Lei Maria da Penha e a ADI 4424 Além de buscar prevenir e evitar novos casos de violência de gênero contra a mulher a Lei Maria da Penha também possui preceitos penais e processuais penais O STF na ADI 4424 proposta pelo ProcuradorGeral da República combateu o entendimento de vários Tribunais e do Superior Tribunal de Justiça decidindo que a ação penal por crime de lesão corporal leve em caso de violência doméstica ou familiar contra a mulher é pública e incondicionada sendo constitucional a regra da Lei Maria da Penha proibindo nos casos de sua incidência a aplicação da Lei n 909995 sobre crimes de menor potencial ofensivo e Juizados Especiais Criminais Assim os institutos despenalizadores daquela lei não são aplicados aos crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher independentemente da pena O Poder Legislativo e o Poder Judiciário consideraram o instrumento penal essencial para a promoção dos direitos da mulher tendo sido estabelecidos os seguintes marcos 1 nos crimes de ação penal pública condicionada ameaça por exemplo cabe a autoridade policial ouvir a ofendida lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo se apresentada 2 essa representação é retratável se a for feita perante o juiz em audiência especialmente designada com tal finalidade b a retratação ocorrer antes do recebimento da denúncia e c ouvido o Ministério Público art 16 3 a Lei Maria da Penha afasta a aplicação das regras envolvendo os crimes de menor potencial ofensivo e ainda as referentes aos Juizados Especiais Criminais nos casos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher art 41 não cabendo por exemplo transação e suspensão condicional do processo ADI 4424 em 2015 o STJ editou a Súmula 536 na mesma linha A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha 4 consequência direta do item 3 o crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher no ambiente doméstico e familiar é de ação penal pública incondicionada ADI 4424 não se aplica o art 88 da Lei n 909995 379 em 2015 o STJ adotou no mesmo sentido a Súmula 542 A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada 5 Contudo o mesmo STJ decidiu que o crime de injúria Código Penal art 140 mesmo que cometido no âmbito doméstico contra a própria mulher continua a ser submetido ao regime da ação penal privada promovido por queixa por se tratar de crime contra a honra STJ RHC 32953AL rel Ministro Sebastião Reis Júnior Data de Julgamento 1092013 Data de Publicação DJe 2492013 6 a Lei Maria da Penha não admite a a pena de oferta de cesta básica b a pena de prestação pecuniária e c a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa art 17 Nesse sentido dispõe a Súmula n 588 do STJ A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos 7 Também é inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas Súmula n 589 do STJ 8 A Lei n 136412018 tornou crime descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha Lei n 1134006 que foi editada após precedentes judiciais que reconheciam a atipicidade da conduta de descumprir medida protetiva 453 A igualdade material e a ADC 19 Em 2007 o Presidente da República interpôs Ação Direta de Constitucionalidade ADC 19 visando declarar constitucional os arts 1º 33 e 41 da Lei Maria da Penha após divergências judiciais sobre a constitucionalidade da lei 380 No campo dos direitos humanos interessa o argumento contrário à constitucionalidade da lei de eventual tratamento discriminatório promovido pela lei uma vez que o homem agredido em um contexto familiar ou doméstico não pode beneficiarse do seu manto protetor Esse trato diferenciado não é proibido pela igualdade entre homens e mulheres prevista na Constituição de 1988 art 5º I uma vez que o objetivo é justamente promover a igualdade material entre homens e mulheres A violência doméstica e familiar sofrida pela mulher é parte de um contexto de dominação do homem e submissão da mulher no qual a mulher tem dificuldade de toda sorte para obter os mesmos papéis reservados aos homens No âmbito da violência doméstica e familiar a mulher enfrenta preconceitos arraigados briga de marido e mulher ninguém mete a colher sem contar as dificuldades de perder o suporte material e de sobrevivência muitas vezes assegurado pelo agressor que aproveita tal situação para externar seu poder e violência Para superar as desigualdades fáticas é cabível a intervenção do legislador aumentando as garantias da mulher e ainda restringe os direitos do agressor Nas palavras da Min Cármen Lúcia em voto histórico na ADC 19 é necessário que a sociedade conte com tais leis mesmo que temporariamente para superar a indiferença às diferenças 381 Quanto ao homem eventualmente agredido pela mulher além de não enfrentar esse contexto histórico e social de preconceito e subordinação este pode ser amparado pelas medidas cautelares penais previstas na Lei n 124032011 454 A Lei n 131042015 o feminicídio A Lei n 131042015 inseriu como modalidade de homicídio qualificado o feminicídio que consiste no assassinato de uma mulher no contexto de violência doméstica e familiar ou por envolver menosprezo e discriminação à condição feminina Na nova hipótese de homicídio qualificado considerase ocorrido o feminicídio na ocorrência de homicídio contra a mulher por razões da condição de sexo feminino art 121 VI do Código Penal Por sua vez considerase que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve i violência doméstica e familiar ou ii menosprezo ou discriminação à condição de mulher A pena do feminicídio é aumentada de 13 um terço até a metade se o crime for praticado I durante a gestação ou nos 3 três meses posteriores ao parto II contra pessoa menor de 14 catorze anos maior de 60 sessenta anos ou com deficiência III na presença de descendente ou de ascendente da vítima A proposta legislativa foi fruto dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a violência contra a mulher que coletou dados impressionantes sobre a perpetuação da violência contra a mulher mesmo anos após a edição da Lei Maria da Penha Claro que o Direito Penal não consegue sozinho reverter o quadro de desigualdade de gênero e relações desiguais de poder entre os gêneros mas pode servir para demonstrar o repúdio social a tais práticas auxiliando a conscientização de todos e todas No mesmo sentido a Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou ao México a adoção de medidas amplas de luta contra os casos de violência associados a estereótipos de gênero socialmente dominantes assegurando ainda o fim da impunidade nos casos de violência contra as mulheres Caso Campo Algodoneiro já estudado acima Para incidir a qualificadora é necessário que a vítima do homicídio seja uma mulher que pode ser definida sob três critérios a psicossocial que consiste no critério de autoidentificação da vítima como pertencente ao gênero feminino b critério genético que identifica a mulher a partir de análise genética e finalmente c critério legal baseado na identidade de gênero do registro civil perante o Estado Entendo que o atendimento à finalidade da norma combate à discriminação e violência dáse com a aplicação do critério psicossocial No que tange à definição de violência doméstica e familiar contra a mulher a Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher Convenção de Belém do Pará dispõe em seu art 1º que a violência contra a mulher consiste em qualquer ato ou conduta baseada no gênero que cause morte dano ou sofrimento físico sexual ou psicológico à mulher tanto na esfera pública como na esfera privada Já em relação ao menosprezo à condição de mulher este consiste na conduta construída a partir da superioridade do homem sobre a mulher na qual a condição do sexo feminino é considerada desvalorizada e inferior apta a ser dominada e sujeita às vontades do sexo masculino Já a discriminação contra a mulher consiste de acordo com a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher já ratificada e incorporada internamente em distinção exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento gozo ou exercício pela mulher independentemente de seu estado civil com base na igualdade do homem e da mulher dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político econômico social cultural e civil ou em qualquer outro campo art 1º 46 DECISÕES DO STF E DO STJ SOBRE IGUALDADE Igualdade e tratamento processual especial a favor do Estado A ampliação de prazo para a oposição de embargos do devedor pela Fazenda Pública inserida no art 1º B da Lei 94941997 não viola os princípios da isonomia e do devido processo legal É sabido que o estabelecimento de tratamento processual especial para a Fazenda Pública inclusive em relação a prazos diferenciados quando razoáveis não constitui propriamente uma restrição a direito ou prerrogativa da parte adversa mas busca atender ao princípio da supremacia do interesse público ADI 2418 voto do rel Min Teori Zavascki j 452016 P DJe de 17112016 Igualdade e exigência de não ser tatuado para participar de concurso público evidenciase a ausência de razoabilidade da restrição dirigida ao candidato de uma função pública pelo simples fato de possuir tatuagem posto medida flagrantemente discriminatória e carente de qualquer justificativa racional que a ampare Assim o fato de uma pessoa possuir tatuagens visíveis ou não não pode ser tratado pelo Estado como parâmetro discriminatório quando do deferimento de participação em concursos de provas e títulos para ingresso em uma carreira pública STF RE 898450SP rel Min Luiz Fux j 1782016 Informativo do STF n 841 Igualdade e reserva de vagas para pessoas com deficiência Surdez unilateral Súmula 552 do STJ O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos O STJ considerou que a surdez unilateral não gera a barreira social ou tratamento discriminatório que exija a reserva de vagas Igualdade e reserva de vagas para pessoas com deficiência Arredondamento para o primeiro número subsequente Não se mostra justo ou no mínimo razoável que o candidato portador de deficiência física na maioria das vezes limitado pela sua deficiência esteja em aparente desvantagem em relação aos demais candidatos devendo a ele ser garantida a observância do princípio da isonomiaigualdade O STF buscando garantir razoabilidade à aplicação do disposto no Decreto n 32981999 entendeu que o referido diploma legal deve ser interpretado em conjunto com a Lei n 81121990 Assim as frações mencionadas no art 37 2º do Decreto n 32981999 deverão ser arredondadas para o primeiro número subsequente desde que respeitado o limite máximo de 20 das vagas oferecidas no certame RMS 27710 AgR rel Min Dias Toffoli j 2852015 Plenário DJe de 1º72015 Igualdade e reserva de vagas para pessoas com deficiência Nos termos do art 37 VIII da CF88 a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão a pessoa com deficiência possui o direito de acesso em cota reservada a cargos públicos sob duas condições i caracterizada a deficiência e ii que esta não seja incompatível com as atribuições do cargo postulado A compatibilidade entre a deficiência e as atribuições do cargo deve ser avaliada durante o estágio probatório nos termos do 2º do art 43 do Decreto n 329899 Assim decidiu o STF que viola a CF88 e a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 2007 exigir adicionalmente que a situação de deficiência seja ainda um embaraço para o exercício das funções do cargo almejado essa posição derrotada no STF tinha como objetivo impedir que pessoas com pequenas deficiências se aproveitassem da cota AgR no RO em MS 32732DF rel Min Celso de Mello j 362014 Igualdade e reserva de vagas Ação afirmativa como fruto da sociedade fraterna De se enfatizar pois que a reserva de vagas determinada pelo inciso VIII do art 37 da Constituição da República tem tripla função a garantir a reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica verdadeira política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988 como destacado pelo Ministro Ayres Britto no julgamento do RMS 26071 DJ 1º22008 b viabilizar o exercício do direito titularizado por todos os cidadãos de acesso aos cargos públicos permitindo a um só tempo que pessoas com necessidades especiais participem do mundo do trabalho e de forma digna possam manterse e ser mantenedoras daqueles que delas dependem e c possibilitar à Administração Pública preencher os cargos com pessoas qualificadas e capacitadas para o exercício das atribuições inerentes aos cargos observandose por óbvio a sua natureza e as suas finalidades RE 676335MG Rel Min Cármen Lúcia j 2632013 Igualdade e cotas nas Universidades Legitimidade e condições Não contraria ao contrário prestigia o princípio da igualdade material previsto no caput do art 5º da CR a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista que abrangem um número indeterminado de indivíduos mediante ações de natureza estrutural seja de ações afirmativas que atingem grupos sociais determinados de maneira pontual atribuindo a estes certas vantagens por um tempo limitado de modo a permitirlhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência no tempo do quadro de exclusão social que lhes deu origem Caso contrário tais políticas poderiam converterse em benesses permanentes instituídas em prol de determinado grupo social mas em detrimento da coletividade como um todo situação é escusado dizer incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática devendo outrossim respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos ADPF 186 rel Min Ricardo Lewandowski j 2642012 Plenário DJe de 20102014 grifos meus No mesmo sentido RE 597285 rel Min Ricardo Lewandowski j 952012 Plenário DJe de 1832014 com repercussão geral Igualdade Não existe direito à remarcação de prova Remarcação de teste de aptidão física em concurso público em razão de problema temporário de saúde Vedação expressa em edital Constitucionalidade Violação ao princípio da isonomia Não ocorrência Postulado do qual não decorre de plano a possibilidade de realização de segunda chamada em etapa de concurso público em virtude de situações pessoais do candidato Cláusula editalícia que confere eficácia ao princípio da isonomia à luz dos postulados da impessoalidade e da supremacia do interesse público Inexistência de direito constitucional à remarcação de provas em razão de circunstâncias pessoais dos candidatos Segurança jurídica Validade das provas de segunda chamada realizadas até a data da conclusão do julgamento RE 630733 rel Min Gilmar Mendes j 1552013 Plenário DJe de 20112013 com repercussão geral Observação foi editada em 2019 a Lei n 13796 que permite aos alunos de instituição de ensino pública ou privada de qualquer nível o direito de o direito de mediante prévio e motivado requerimento ausentarse de prova ou de aula marcada para dia em que segundo os preceitos de sua religião seja vedado o exercício de tais atividades devendoselhe atribuir a critério da instituição e sem custos para o aluno prestação alternativa ver comentário no item sobre escusa de consciência Igualdade e constitucionalidade da Lei n 110962005 PROUNI Programa Universidade para Todos A desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que hajam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria porquanto se trata de um descrímen que acompanha a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade ciclos cumulativos de desvantagens competitivas Com o que se homenageia a insuperável máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais máxima que Rui Barbosa interpretou como o ideal de tratar igualmente os iguais porém na medida em que se igualem e tratar desigualmente os desiguais também na medida em que se desigualem ADI 3330 rel Min Ayres Britto j 352012 Plenário DJe de 2232013 Igualdade e dignidade humana Art 25 da Lei de Contravenções Penais não recepcionado pela CF88 porte de objetos como pé de cabra gazuas por pessoas condenadas por furto roubo ou classificadas como mendigos ou vadios RE 755565 rel Min Gilmar Mendes j 3102013 Igualdade e sexo Deve existir relação de pertinência A regra direciona no sentido da inconstitucionalidade da diferença de critério de admissão considerado o sexo art 5º I e 2º do art 39 da Carta Federal A exceção corre à conta das hipóteses aceitáveis tendo em vista a ordem socioconstitucional RE 120305 rel Min Marco Aurélio j 89 1994 Segunda Turma DJ de 961995 No mesmo sentido RE 528684 rel Min Gilmar Mendes j 392013 Segunda Turma DJe de 26112013 Igualdade e foro especial da mulher no CPC Constitucionalidade O inciso I do art 100 do CPC com redação dada pela Lei 651577 foi recepcionado pela CF de 1988 O foro especial para a mulher nas ações de separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende o princípio da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os cônjuges RE 227114 rel Min Joaquim Barbosa j 14122011 Segunda Turma DJe de 22112012 Atualmente o CPC de 2015 Lei n 13105 aboliu esse tratamento especial à mulher De acordo com o novo CPC o foro especial agora é o do domicílio do guardião do incapaz Caso não haja incapaz o foro será o do último domicílio do casal ou finalmente o tradicional foro do domicílio do réu art 53 I Igualdade e altura mínima em cargo público Necessidade de pertinência com o cargo Razoabilidade da exigência de altura mínima para ingresso na carreira de delegado de polícia dada a natureza do cargo a ser exercido Violação ao princípio da isonomia Inexistência RE 140889 rel p o ac Min Maurício Corrêa j 3052000 Segunda Turma DJ de 15122000 Igualdade e altura mínima em cargo público Critérios idôneos e proporcionais Correlação com a atividade Conforme a Jurisprudência desta Suprema Corte a adoção de requisitos de capacidade física para o acesso a cargos públicos deve observar critérios idôneos e proporcionais de seleção que guardem correlação com as atividades a serem desempenhadas pelo servidor Os limites de estatura estabelecidos pela norma impugnada referente a bombeiros que reproduzem a mesma exigência imposta aos militares das Forças Armadas 160 m para homens e 155 m para mulheres mostramse razoáveis grifo meu ADI 5044 rel Min Alexandre de Moraes j 11102018 P DJe de 2762019 Igualdade e Princípio da Congeneridade Necessidade da transferência de vaga em instituição de ensino do mesmo sistema público para público privado para privado é consentânea com a Carta da República previsão normativa asseguradora ao militar e ao dependente estudante do acesso a instituição de ensino na localidade para onde é removido Todavia a transferência do local do serviço não pode se mostrar verdadeiro mecanismo para lograrse a transposição da seara particular para a pública sob pena de se colocar em plano secundário a isonomia art 5º cabeça e inciso I a impessoalidade a moralidade na administração pública a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola superior prevista no inciso I do art 206 bem como a viabilidade de chegarse a níveis mais elevados do ensino no que o inciso V do art 208 vincula o fenômeno à capacidade de cada qual ADI 3324 voto do rel Min Marco Aurélio j 16122004 Plenário DJ de 582005 Igualdade e prova de títulos em concurso público Necessidade de pertinência da exigência com a seleção do mais apto inclusive na prova de títulos Mera função pública não pode servir para título Concurso público Prova de títulos exercício de funções públicas Viola o princípio constitucional da isonomia norma que estabelece como título o mero exercício de função pública ADI 3443 rel Min Carlos Velloso j 892005 Plenário DJ de 2392005 Igualdade e licitação Exigência que não seja indispensável a garantia de cumprimento da obrigação Violação A lei pode sem violação do princípio da igualdade distinguir situações a fim de conferir a uma tratamento diverso do que atribui a outra Para que possa fazêlo contudo sem que tal violação se manifeste é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações A discriminação no julgamento da concorrência que exceda essa limitação é inadmissível ADI 2716 rel Min Eros Grau j 29112007 Plenário DJe de 732008 Igualdade e acesso a cargo público Tratamento diferenciado àquele que já integram o Ministério Público Possibilidade A igualdade desde Platão e Aristóteles consiste em tratarse de modo desigual os desiguais Prestigiase a igualdade no sentido mencionado quando no exame de prévia atividade jurídica em concurso público para ingresso no MPF dáse tratamento distinto àqueles que já integram o Ministério Público Segurança concedida MS 26690 rel Min Eros Grau j 392008 Plenário DJe de 19122008 Igualdade e cláusula de barreira em concurso público por exemplo regra que elimina para a próxima fase candidato que não for classificado entre os 200 primeiros mesmo tendo obtido a nota mínima Constitucionalidade Regras restritivas em editais de concurso público quando fundadas em critérios objetivos relacionados ao desempenho meritório do candidato não ferem o princípio da isonomia As cláusulas de barreira em concurso público para seleção dos candidatos mais bem classificados têm amparo constitucional RE 635739 rel Min Gilmar Mendes j 192 2014 Plenário DJe de 3102014 com repercussão geral Igualdade e estrangeiro Impossibilidade de discriminar por nacionalidade e impedir a progressão da pena O fato de o condenado por tráfico de droga ser estrangeiro estar preso não ter domicílio no país e ser objeto de processo de expulsão não constitui óbice à progressão de regime de cumprimento da pena HC 97147 rel p o ac Min Cezar Peluso j 482009 Segunda Turma DJe de 1222010 Igualdade e liberdade de religião Impossibilidade de participar de exame em data alternativa para respeito de dia sagrado Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio ENEM em data alternativa ao Shabat Alegação de inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídicoadministrativa Em mero juízo de delibação pode se afirmar que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o princípio da isonomia convolandose em privilégio para um determinado grupo religioso Decisão da Presidência proferida em sede de contracautela sob a ótica dos riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem pública Pendência de julgamento da ADI 391 e da ADI 3714 nas quais esta Corte poderá analisar o tema com maior profundidade STA 389AgR rel Min Presidente Gilmar Mendes j 3122009 Plenário DJe de 1452010 Observação foi editada em 2019 a Lei n 13796 que permite aos alunos de instituição de ensino pública ou privada de qualquer nível o direito de mediante prévio e motivado requerimento ausentarse de prova ou de aula marcada para dia em que segundo os preceitos de sua religião seja vedado o exercício de tais atividades devendoselhe atribuir a critério da instituição e sem custos para o aluno prestação alternativa sobre a prestação alternativa ver Parte IV item 82 Igualdade e Teste de Esforço para admissão em cargo público Desarrazoada a exigência de teste de esforço físico com critérios diferenciados em razão da faixa etária O STF entende que a restrição da admissão a cargos públicos a partir da idade somente se justifica se previsto em lei e quando situações concretas exigem um limite razoável tendo em conta o grau de esforço a ser desenvolvido pelo ocupante do cargo ou função No caso se mostra desarrazoada a exigência de teste de esforço físico com critérios diferenciados em razão da faixa etária RE 523737AgR rel Min Ellen Gracie j 2262010 Segunda Turma DJe de 682010 Igualdade e lei estadual instituindo piso regional A lei impugnada realiza materialmente o princípio constitucional da isonomia uma vez que o tratamento diferenciado aos trabalhadores agraciados com a instituição do piso salarial regional visa reduzir as desigualdades sociais A LC federal 1032000 teve por objetivo maior assegurar àquelas classes de trabalhadores menos mobilizadas e portanto com menor capacidade de organização sindical um patamar mínimo de salário ADI 4364 rel Min Dias Toffoli j 232011 Plenário DJe de 1652011 Igualdade e Tributação A isenção tributária que a União Federal concedeu em matéria de IPI sobre o açúcar de cana Lei 83931991 art 2º objetiva conferir efetividade ao art 3º II e III da CF Essa pessoa política ao assim proceder pôs em relevo a função extrafiscal desse tributo utilizandoo como instrumento de promoção do desenvolvimento nacional e de superação das desigualdades sociais e regionais AI 360461AgR rel Min Celso de Mello j 6122005 Segunda Turma DJe de 2832008 Igualdade e prerrogativa de foro a extitular de cargos públicos Privilégio pessoal inaceitável O reconhecimento da prerrogativa de foro perante o STF nos ilícitos penais comuns em favor de exocupantes de cargos públicos ou de extitulares de mandatos eletivos transgride valor fundamental à própria configuração da ideia republicana que se orienta pelo vetor axiológico da igualdade A prerrogativa de foro é outorgada constitucionalmente ratione muneris a significar portanto que é deferida em razão de cargo ou de mandato ainda titularizado por aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado sob pena de tal prerrogativa descaracterizandose em sua essência mesma degradarse à condição de inaceitável privilégio de caráter pessoal Precedentes Inq 1376AgR rel Min Celso de Mello j 1522007 Plenário DJ de 163 2007 Igualdade Passe livre às pessoas com deficiência carentes no transporte interestadual Constitucionalidade da Lei n 8899 de 29 de junho de 1994 que concedeu passe livre às pessoas portadoras de deficiência comprovadamente carentes no sistema de transporte coletivo interestadual Incabível a alegação de afronta aos princípios da ordem econômica da isonomia da livre iniciativa e do direito de propriedade além de ausência de indicação de fonte de custeio Em 3032007 o Brasil assinou na sede da ONU a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência bem como seu Protocolo Facultativo comprometendose a implementar medidas para dar efetividade ao que foi ajustado A Lei 88991994 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados ADI 2649 rel Min Cármen Lúcia j 852008 Plenário DJe de 17102008 Idade e Concurso Público O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art 7º XXX da Constituição quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido Súmula 683 do STF Idade e Concurso Público Candidata funcionária pública indeferimento de inscrição fundada em Constituição e imposição legal de limite de idade não reclamado pelas atribuições do cargo que configura discriminação inconstitucional CF arts 5º e 7º XXX RE 141357 rel Min Sepúlveda Pertence j 1492004 Primeira Turma DJ de 8102004 Idade e Concurso Público A vedação constitucional de diferença de critério de admissão por motivo de idade CF art 7º XXX é corolário na esfera das relações de Trabalho do princípio fundamental de igualdade CF art 5º caput que se estende à falta de exclusão constitucional inequívoca como ocorre em relação aos militares CF art 42 11 a todo o sistema do pessoal civil É ponderável não obstante a ressalva das hipóteses em que a limitação de idade se possa legitimar como imposição da natureza e das atribuições do cargo a preencher Esse não é o caso porém quando como se dá na espécie a lei dispensa do limite os que já sejam servidores públicos a evidenciar que não se cuida de discriminação ditada por exigências etárias das funções do cargo considerado RMS 21046 rel Min Sepúlveda Pertence j 14121990 Plenário DJ de 14111991 No mesmo sentido AI 722490AgR rel Min Ricardo Lewandowski j 32 2009 Primeira Turma DJe de 632009 Igualdade nas Relações Privadas Discriminação contra Brasileiro por parte de Empresa Multinacional Estabelece a Constituição em vigor reproduzindo nossa tradição constitucional no art 5º caput De outra parte no que concerne aos direitos sociais nosso sistema veda no inciso XXX do art 7º da Constituição Federal qualquer discriminação decorrente além evidentemente da nacionalidade de sexo idade cor ou estado civil Dessa maneira nosso sistema constitucional é contrário a tratamento discriminatório entre pessoas que prestam serviços iguais a um empregador No que concerne ao estrangeiro quando a Constituição quis limitarlhe o acesso a algum direito expressamente estipulou Mas o princípio do nosso sistema é o da igualdade de tratamento Em consequência não pode uma empresa no Brasil seja nacional ou estrangeira desde que funcione opere em território nacional estabelecer discriminação decorrente de nacionalidade para seus empregados em regulamento de empresa a tanto correspondendo o estatuto dos servidores da empresa tão só pela circunstância de não ser um nacional francês Nosso sistema não admite esta forma de discriminação quer em relação à empresa brasileira quer em relação à empresa estrangeira RE 161243 rel Min Carlos Velloso voto do Min Néri da Silveira j 29101996 Segunda Turma DJ de 19121997 Igualdade e competência da União para legislar sobre direito do trabalho Lei estadual estipulando sanções a empresas que discriminem mulheres Inconstitucionalidade Lei 115622000 do Estado de Santa Catarina Mercado de trabalho Discriminação contra a mulher Competência da União para legislar sobre direito do trabalho A Lei 115622000 não obstante o louvável conteúdo material de combate à discriminação contra a mulher no mercado de trabalho incide em inconstitucionalidade formal por invadir a competência da União para legislar sobre direito do trabalho ADI 2487 rel Min Joaquim Barbosa j 3082007 Plenário DJe de 2832008 Igualdade e direito do marido de ser dependente automático da esposa quando a lei só prevê o oposto Impossibilidade A extensão automática da pensão ao viúvo em obséquio ao princípio da igualdade em decorrência do falecimento da esposasegurada assim considerado aquele como dependente desta exige lei específica tendo em vista as disposições constitucionais inscritas no art 195 caput e seu 5º e art 201 V da CF RE 204193 rel Min Carlos Velloso j 3052001 Plenário DJ de 31102002 ver abaixo possível superação deste precedente Igualdade e lei estadual que exige invalidez do viúvo para receber a pensão da segurada mulher não exigindo isso da viúva Inconstitucionalidade a lei estadual mineira violando o princípio da igualdade do art 5º I da Constituição exige do marido para que perceba a pensão por morte da mulher um requisito o da invalidez que não se presume em relação à viúva e que não foi objeto do acórdão do RE 204193 3052001 Carlos Velloso DJ de 31102002 Nesse precedente ficou evidenciado que o dado sociológico que se presume em favor da mulher é o da dependência econômica e não a de invalidez razão pela qual também não pode ela ser exigida do marido Se a condição de invalidez revela de modo inequívoco a dependência econômica a recíproca não é verdadeira a condição de dependência econômica não implica declaração de invalidez RE 385397AgR rel Min Sepúlveda Pertence j 2962007 Plenário DJ de 6 92007 Possível indicativo da mudança de orientação e superação do precedente do RE 204193 de 2001 visto acima este que teria se apoiado no dado sociológico da dependência da mulher em relação ao homem Vários dos Ministros que votaram em 2001 não mais se encontram no STF Tratamento privilegiado à magistratura federal em detrimento da estadual dado pela EC 412003 Subteto estadual inferior ao teto federal é ofensa à isonomia Poder Judiciário é nacional Como se vê é do próprio sistema constitucional que brota nítido o caráter nacional da estrutura judiciária E uma das suas mais expressivas e textuais reafirmações está precisamente e não por acaso na chamada regra de escalonamento vertical dos subsídios de indiscutível alcance nacional e objeto do art 93 V da Constituição da República que dispondo sobre a forma a gradação e o limite para fixação dos subsídios dos magistrados não integrantes dos Tribunais Superiores não lhes faz nem autoriza distinção entre órgãos dos níveis federal e estadual senão que antes os reconhece a todos como categorias da estrutura judiciária nacional ADI 3854MC voto do rel Min Cezar Peluso j 2822007 Plenário DJ de 2962007 Igualdade e vedação da advocacia pelo Estatuto da OAB aos que desempenham atividade policial Não violação ao direito à igualdade O que pretendeu o legislador foi estabelecer cláusula de incompatibilidade de exercício simultâneo das referidas atividades por entendêlo prejudicial ao cumprimento das respectivas funções Referido óbice não é inovação trazida pela Lei n 890694 pois já constava expressamente no anterior Estatuto da OAB Lei n 421563 art 84 XII Elegeuse critério de diferenciação compatível com o princípio constitucional da isonomia ante as peculiaridades inerentes ao exercício da profissão de advogado e das atividades policiais de qualquer natureza ADI 3541 rel Min Dias Toffoli j 1222014 Plenário DJe de 24 32014 Igualdade e Súmula Vinculante n 37 Não cabe ao Poder Judiciário que não tem função legislativa aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia SV n 37 Sessão Plenária de 16102014 DOU de 24102014 Igualdade Perícia feita por perita mulher em caso de vítima de crime de estupro ser menor de idade do sexo feminino Diferenciação admitida desde que não cause maior prejuízo às vítimas O STF deferiu liminar determinando que a Lei fluminense n 80082018 seja interpretada de modo a reconhecer que as crianças e adolescentes do sexo feminino vítimas de violência sexual deverão ser examinadas por legista mulher desde que a medida não implique retardamento ou prejuízo da investigação ADI 6039 rel Min Edson Fachin j 1332019 5 Legalidade Art 5º II ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei 51 LEGALIDADE E RESERVA DE LEI O direito à liberdade consiste na possibilidade de o ser humano atuar com autonomia e livrearbítrio salvo se existir lei obrigandoo a fazer ou deixar de fazer algo Cabelhe liberdade de escolha até a edição de lei em sentido contrário Com isso uma conduta que interfira com a liberdade e bens de uma pessoa exige lei prévia que a autorize Essa sintonia entre liberdade e legalidade é fruto da consagração do Estado de Direito Fica superada a antiga submissão de todos à vontade do monarca substituída pela vontade da lei Nesse sentido entre o governo dos homens ou o governo das leis o Estado de Direito optou pelo segundo A liberdade tem seus contornos definidos pela vontade da lei que expressa o desejo social O art 5º II trata do princípio da legalidade que engloba a lei em sentido amplo abrangendo todas as espécies normativas do art 59 da Constituição a saber I emendas à Constituição II leis complementares III leis ordinárias IV leis delegadas V medidas provisórias VI decretos legislativos VII resoluções A internacionalização do Direito também não pode ser esquecida os tratados celebrados pelo Brasil podem impor restrições à liberdade Atualmente o Estado Democrático de Direito no Brasil admite várias dimensões do princípio da legalidade o que reflete os novos papéis do Poder Executivo chamado a participar da atividade legislativa direta e indiretamente Nesse sentido são consagrados na doutrina e jurisprudência os seguintes princípios decorrentes da legalidade 1 princípio da reserva absoluta de lei 2 princípio da reserva relativa de lei 3 princípio da reserva de lei formal 4 princípio da reserva de lei material O princípio da reserva absoluta de lei consiste na exigência de que o tratamento de determinada matéria seja em sua integralidade regido pela lei Não há espaço para a atuação regulamentar discricionária dos agentes públicos executores da lei Por sua vez o princípio da reserva relativa de lei admite que determinada matéria seja regrada pela lei com espaço para a atuação discricionária do agente Por outro lado o princípio da reserva de lei formal consiste na exigência de regência de matéria por ato emanado do Poder Legislativo fruto do processo legislativo tradicional iniciativa deliberação sançãoveto e promulgação e publicação A definição do que está incluído nas matérias de reserva de lei formal tem de ser obtida do próprio texto constitucional HC 85060 rel Min Eros Grau j 2392008 Primeira Turma DJe de 132 2009 No Brasil o Direito Penal é submetido ao princípio da reserva de lei formal também denominado simplesmente reserva legal para dar sentido ao disposto no art 5º XXXIX Não haverá crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal Essa interpretação impede eventual redundância deste inciso com o disposto no art 5º II Há assim uma faceta negativa e uma faceta positiva do princípio da reserva de lei formal A faceta negativa implica vedar nas matérias a ela sujeitas quaisquer intervenções normativas a título primário de órgãos estatais não legislativos A faceta positiva impõe à administração e à jurisdição a necessária submissão aos comandos estatais emanados exclusivamente do legislador A violação dessas facetas resulta transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes ADI 2075MC rel Min Celso de Mello j 722001 Plenário DJ de 2762003 passagens do voto do Relator Já o princípio da reserva de lei material consiste na exigência de matéria regrada por atos normativos equiparados à lei mesmo que não oriundos do Poder Legislativo Tratase do reconhecimento de atos normativos com força de lei oriundos do Poder Executivo A Constituição de 1988 admite uma intensa participação do Poder Executivo na função de legislar em especial no que tange 1 à edição de Medida Provisória art 62 que tem força de lei sem autorização prévia do Congresso Nacional 2 à edição de lei delegada art 68 e por fim 3 pela edição de decretos mesmo sem lei anterior sobre organização e funcionamento da administração federal quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos ou ainda sobre extinção de funções ou cargos públicos quando vagos art 84 VI A própria Constituição limita as matérias que podem ser tratadas sem apoio em lei aprovada pelo Congresso Nacional No caso das medidas provisórias estas não podem abarcar regras sobre a nacionalidade cidadania direitos políticos partidos políticos e direito eleitoral b direito penal processual penal e processual civil c organização do Poder Judiciário e do Ministério Público a carreira e a garantia de seus membros d planos plurianuais diretrizes orçamentárias orçamento e créditos adicionais e suplementares ressalvado o previsto no art 167 3º e que visem a detenção ou sequestro de bens de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro f reservadas a lei complementar g já disciplinadas em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República Além disso não cabe reedição de medida provisória que tenha sido rejeitada ou tenha perdido a sua eficácia por decurso de prazo na mesma sessão legislativa art 62 10 da CF88 Por isso o STF suspendeu parte da Medida Provisória n 8862019 que transferia a competência para a demarcação de terras indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento MAPA Ficou incontroverso que a citada transferência constava da MP 870 editada em 1º12019 que foi convertida na Lei n 138442019 ausente tal modificação rejeitada pelo Congresso Nacional STF ADIns 6172 6173 e 6174 rel Min Barroso julgamento da medida cautelar em 1º82019 processos ainda em trâmite Quanto à lei delegada a Constituição dispõe que não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal a matéria reservada à lei complementar nem a legislação sobre organização do Poder Judiciário e do Ministério Público a carreira e a garantia de seus membros nacionalidade cidadania direitos individuais políticos e eleitorais planos plurianuais diretrizes orçamentárias e orçamentos Diferentemente dos particulares o Poder Público é regido pelo princípio da legalidade estrita exposto no art 37º caput da CF88 que exige que o Poder Público só possa fazer ou deixar de fazer o que está previsto na lei Logo o particular pode fazer aquilo que a lei não proíbe e o Poder Público só pode fazer o que é autorizado pela lei 52 OS DECRETOS E REGULAMENTOS AUTÔNOMOS CF ART 84 IV O princípio da legalidade consagrado pela Constituição de 1988 exige que os decretos e regulamentos administrativos explicitem meramente os comandos previamente estabelecidos pela lei Assim proibiuse o chamado decreto ou regulamento autônomo que seria aquele ato administrativo que sem apoio na lei inova o ordenamento jurídico criando direitos ou obrigações Dois dispositivos da Constituição sustentam essa vedação do decreto autônomo o art 84 IV Art 84 Compete privativamente ao Presidente da República V sancionar promulgar e fazer publicar as leis bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução e o art 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Art 25 Ficam revogados a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição sujeito este prazo a prorrogação por lei todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional especialmente no que tange a I ação normativa Nesse sentido decidiu o STF que os Decretos existem para assegurar a fiel execução das leis art 84 IV da CF1988 Não havendo lei anterior que possa ser regulamentada qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal O decreto seria nulo não por ilegalidade mas por inconstitucionalidade já que supriu a lei onde a Constituição a exige ADI 1435MC rel Min Francisco Rezek j 27111996 Plenário DJ de 681999 Assim o poder regulamentar só é cabível na existência de lei ou mesmo norma constitucional que já possua todos os atributos para sua fiel execução ADI 1590MC rel Min Sepúlveda Pertence j 1961997 Plenário DJ de 1581997 Com isso nenhum ato administrativo fruto do poder regulamentar pode criar ou restringir direitos violando a separação de poderes e a reserva de lei em sentido formal Caso isso ocorra constatase o chamado abuso de poder regulamentar que pode ser atacado pela via judicial e ainda autoriza o Congresso Nacional a sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar art 49 V Entre outros precedentes do STF ver AC 1033AgRQO rel Min Celso de Mello j 2552006 Plenário DJ de 166 2006 53 RESERVA DE LEI E RESERVA DE PARLAMENTO Tema correlato ao do decreto autônomo é o da lei que autoriza a edição de decreto regulamentador que inove a ordem jurídica desde que obedecendo a parâmetros genéricos constitucionais e legais O debate gira em torno da eventual delegação inválida de poderes do Legislativo para o Executivo A delegação de poder legislativo salvo hipóteses autorizadas na própria Constituição como por exemplo na lei delegada ofende a separação de poderes uma vez que tal delegação desnaturaria a divisão de poderes estabelecida pelo Poder Constituinte Esse tema é discutido em face do poder normativo das agências reguladoras que inova a ordem jurídica autorizado por disposições genéricas das leis instituidoras e também em face de determinadas leis que autorizam atos administrativos de criação de direitos por parte de entes da Administração Pública Direita e Indireta Um dos casos ainda em trâmite no STF é o do art 67 da Lei n 947897 que dispõe que os contratos celebrados pela Petrobras para aquisição de bens e serviços serão precedidos de procedimento licitatório simplificado a ser definido em decreto do Presidente da República O Decreto n 274598 estabeleceu esse procedimento licitatório simplificado que foi impugnado pelo Tribunal de Contas da União TCU que declarou a inconstitucionalidade do art 67 da Lei n 947897 e do Decreto n 274598 determinando que a Petrobras observasse os ditames da Lei n 866693 Lei das Licitações No Mandado de Segurança interposto pela Petrobras o Min Gilmar Mendes suspendeu em liminar a decisão do TCU decidindo que o art 177 2º II da CF88 permite que a lei estabeleça as condições gerais de contração da Petrobras tendo em vista o novo regime de concorrência a que ela se submete após a Emenda Constitucional n 995 MS 25888 MCDF rel Min Gilmar Mendes decisão liminar de 2232006 ainda em trâmite em outubro de 2019 A celeuma está se esse regime especial de contratação não deveria ser detalhado na lei e não em mero decreto Nem mesmo os critérios e princípios vetores desse procedimento diferenciado que a Petrobras merece é claro pois concorre com empresas privadas que não se submetem à lei das licitações foram elencados no conciso art 67 ora em comento Ainda nessa temática em 2011 o STF julgou improcedente por 8 votos a 2 a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4568 rel Min Cármen Lúcia j 3112011 Plenário DJe de 303 2012 em que partidos políticos da oposição impugnaram dispositivos da Lei n 12382 de 25 de fevereiro de 2011 nos quais a fixação do valor do salário mínimo até 2015 ficou por conta de decreto do Presidente da República de acordo com critérios predefinidos pelo legislador Para o STF a lei em questão é constitucional pois não ofendeu a reserva de lei estabelecida no art 7º IV salário mínimo fixado em lei uma vez que o decreto previsto para apuração e divulgação do novo quantum salarial é norma administrativa meramente declaratória de valor cujos parâmetros índice de reajuste foram fixados legalmente Assim no caso a lei em questão fixou os critérios que após os decretos presidenciais que fixarem o valor do salário mínimo deverão obedecer O voto do Min Gilmar Mendes apesar de ter anuído com a maioria foi extremamente crítico pois considerou que a Constituição ao tratar da reserva de lei formal nos casos em que a Constituição exige lei formal para reger uma matéria estabelece em última análise uma exigência de Reserva de Parlamento o que implicaria exigir dos temas um debate mais amplo com maior visibilidade e participação da sociedade Por isso concluiu o Ministro que a referida lei transita no limite da constitucionalidade e só votou a favor de sua constitucionalidade pela evidente reversibilidade do regime criado pela Lei n 123822011 por uma lei ordinária posterior voto do Min Gilmar Mendes ADI 4568 rel Min Carmen Lúcia j 3112011 Nessa linha a Constituição de 1988 traria implicitamente o conceito da Reserva de Parlamento que consiste na exigência de necessária discussão de determinados temas no âmbito do Congresso Nacional no qual a tensão entre a maioria e minoria enriquece o debate em prol da sociedade Essa Reserva de Parlamento é ainda mais importante no Brasil pela histórica alta volatilidade da maioria congressual que é obtida pelo Poder Executivo no início do mandato e depois tende a se desmanchar por interesses eleitorais Como exemplos de temas submetidos à Reserva de Parlamento trouxe o voto do Min Mendes o art 231 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras salvo ad referendum do Congresso Nacional em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do País após deliberação do Congresso Nacional garantido em qualquer hipótese o retorno imediato logo que cesse o risco o art 49 XIV É competência exclusiva do Congresso Nacional XIV aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares e ainda o art 225 6º Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao poder público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal sem o que não poderão ser instaladas 54 REGIMENTOS DE TRIBUNAIS E RESERVA DE LEI Outro ponto sempre questionado no que tange ao princípio da legalidade é o papel que cabe ao regimento interno de um tribunal A Constituição estabelece em seu art 22 I que a competência para legislar sobre Direito Processual é da União porém o art 96 I a da CF88 dispõe que compete aos Tribunais elaborar seus regimentos internos com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos Assim o regimento interno dos tribunais por força de expressa disposição da Constituição podem reger a organização judiciária levando em consideração as normas processuais ditadas pela lei Há uma integração de critérios preestabelecidos na Constituição nas leis e nos regimentos internos dos tribunais Esse foi o caso da criação por normas regimentais de Varas Federais Especializadas em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de Lavagem ou Ocultação de Bens Direitos e Valores que por não terem sido criadas por lei foram questionadas pela Defesa de diversos investigados e réus Esse foi o caso da alegação de inconstitucionalidade da Resolução n 10A2003 do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que regulamentou a Resolução n 3142003 do Conselho da Justiça Federal CJF tendo especializado vara federal criminal para processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem ou ocultação de bens direitos e valores Entretanto o STF decidiu que essa especialização é constitucional pois a Constituição permite que os regimentos fixem normas de organização judiciária respeitando as normas processuais gerais HC 88660 rel Min Cármen Lúcia j 15 52008 Plenário DJe de 682014 No mesmo sentido decidiu o STF que com o advento da CF de 1988 delimitouse de forma mais criteriosa o campo de regulamentação das leis e o dos regimentos internos dos tribunais cabendo a estes últimos o respeito à reserva de lei federal para a edição de regras de natureza processual CF art 22 I bem como às garantias processuais das partes dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos CF art 96 I a São normas de direito processual as relativas às garantias do contraditório do devido processo legal dos poderes direitos e ônus que constituem a relação processual como também as normas que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição ADI 2970 rel Min Ellen Gracie j 2042006 Plenário DJ de 12 52006 55 RESOLUÇÕES DO CNJ E DO CNMP Outro tema envolvendo a eventual inconstitucionalidade de atos administrativos que inovam a ordem jurídica diz respeito às resoluções administrativas do Conselho Nacional de Justiça CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público CNMP Os precedentes mais rumorosos dizem respeito às Resoluções do CNJ Nesse caso prevê laconicamente o inciso I do 4º do art 103B da CF88 que cabe ao CNJ zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura podendo expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência ou recomendar providências Restam dúvidas sobre o que significaria no âmbito de sua competência em especial porque a Constituição estabelece que compete a Lei Complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal dispor sobre o Estatuto da Magistratura atualmente a Lei Complementar n 3579 Assim várias resoluções do CNJ foram questionadas perante o STF alegandose extrapolação de sua função administrativa o que acarretaria violação das competências do Poder Legislativo O caso mais rumoroso referente ao poder normativo do CNJ foi relativo à Resolução CNJ n 72005 que proibiu práticas de nepotismo como por exemplo o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo por cônjuge companheiro ou parente em linha reta colateral ou por afinidade até o terceiro grau inclusive dos respectivos membros ou juízes vinculados O STF por maioria vencido o Ministro Marco Aurélio decidiu ser constitucional a resolução pois essas restrições contra nepotismo teriam sido impostas pela própria Constituição de 1988 por meio dos princípios da impessoalidade da eficiência da igualdade e da moralidade ADC 12 rel Min Carlos Britto j 2082008 Plenário DJe de 18122009 O STF foi coerente e considerou que outros atos administrativos contrários ao nepotismo não eram ilegais ou inconstitucionais O fundamento foi o da vedação implícita na Constituição a essa prática de contratação de parentes Nessa linha decidiu o STF que a vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática pois essa proibição decorre diretamente dos princípios contidos no art 37 caput da CF passagens do RE 579951 rel Min Ricardo Lewandowski j 2082008 Plenário DJe de 24102008 com repercussão geral 56 PRECEDENTES DIVERSOS DO STF Inconstitucionalidade dos Decretos Autônomos I Se a interpretação administrativa da lei que vier a consubstanciarse em decreto executivo divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar quer porque tenha este se projetado ultra legem quer porque tenha permanecido citra legem quer ainda porque tenha investido contra legem a questão caracterizará sempre típica crise de legalidade e não de inconstitucionalidade a inviabilizar em consequência a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata O eventual extravasamento pelo ato regulamentar dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei ADI 996MC rel Min Celso de Mello j 1131994 Plenário DJ de 651994 Inconstitucionalidade dos Decretos Autônomos II Decretos existem para assegurar a fiel execução das leis art 84 IV da CF88 A EC 8 de 1995 que alterou o inciso XI e alínea a do inciso XII do art 21 da CF é expressa ao dizer que compete à União explorar diretamente ou mediante autorização concessão ou permissão os serviços de telecomunicações nos termos da lei Não havendo lei anterior que possa ser regulamentada qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal O decreto seria nulo não por ilegalidade mas por inconstitucionalidade já que supriu a lei onde a Constituição a exige A Lei n 929596 não sana a deficiência do ato impugnado já que ela é posterior ao decreto ADI 1435MC rel Min Francisco Rezek j 2711 1996 Plenário DJ de 681999 Reserva legal Instituição de emolumentos cartorários por resolução do Tribunal de Justiça Impossibilidade A instituição dos emolumentos cartorários pelo Tribunal de Justiça afronta o princípio da reserva legal Somente a lei pode criar majorar ou reduzir os valores das taxas judiciárias Precedentes Inércia da União Federal em editar normas gerais sobre emolumentos Vedação aos Estados para legislarem sobre a matéria com fundamento em sua competência suplementar Inexistência ADI 1709 rel Min Maurício Corrêa j 1022000 Plenário DJ de 3132000 Nova redação do art 84 VI Decreto Presidencial válido Pagamento de servidores públicos da administração federal Liberação de recursos Exigência de prévia autorização do Presidente da República Os arts 76 e 84 I II e VI a todos da CF atribuem ao Presidente da República a posição de chefe supremo da administração pública federal ao qual estão subordinados os Ministros de Estado Ausência de ofensa ao princípio da reserva legal diante da nova redação atribuída ao inciso VI do art 84 pela EC 322001 que permite expressamente ao Presidente da República dispor por decreto sobre a organização e o funcionamento da administração federal quando isso não implicar aumento de despesa ou criação de órgãos públicos exceções que não se aplicam ao decreto atacado ADI 2564 rel Min Ellen Gracie j 8102003 Plenário DJ de 62 2004 Reserva legal Aumento de servidores públicos por ato administrativo Impossibilidade Em tema de remuneração dos servidores públicos estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei É dizer em tema de remuneração dos servidores públicos nada será feito senão mediante lei lei específica CF art 37 X art 51 IV art 52 XIII Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto 1 de 05112004 das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados ADI 3369MC rel Min Carlos Velloso j 16122004 Plenário DJ de 1822005 No mesmo sentido ADI 3306 rel Min Gilmar Mendes j 1732011 Plenário DJe de 762011 Teto de remuneração de servidor público por decreto Aplicabilidade imediata da Constituição Possibilidade Servidor público teto de remuneração CF art 37 XI autoaplicabilidade Dada a eficácia plena e a aplicabilidade imediata inclusive aos entes empresariais da administração indireta do art 37 XI da Constituição e do art 17 do ADCT a sua implementação não dependendo de complementação normativa não parece constituir matéria de reserva à lei formal e no âmbito do Executivo à primeira vista podia ser determinada por decreto que encontra no poder hierárquico do Governador a sua fonte de legitimação ADI 1590MC rel Min Sepúlveda Pertence j 1961997 Plenário DJ de 1581997 Reserva legal e aumento da alíquota do Imposto de Importação por Decreto Possibilidade É compatível com a Carta Magna a norma infraconstitucional que atribui a órgão integrante do Poder Executivo da União a faculdade de estabelecer as alíquotas do Imposto de Exportação Competência que não é privativa do Presidente da República Inocorrência de ofensa aos arts 84 caput IV e parágrafo único e 153 1º da CF ou ao princípio de reserva legal Precedentes Faculdade discricionária atribuída à Câmara de Comércio Exterior CAMEX que se circunscreve ao disposto no DecretoLei 15781977 e às demais normas regulamentares RE 570680 rel Min Ricardo Lewandowski j 28 102009 Plenário DJe de 4122009 com repercussão geral Reserva legal e crimes militares Os crimes militares situamse no campo da exceção As normas em que previstos são exaustivas Jungidos ao princípio constitucional da reserva legal inciso XXXIX do art 5º da carta de 1988 Hão de estar tipificados em dispositivo próprio a merecer interpretação estrita Competência Homicídio Agente militar da reserva Vítima policial militar em serviço Ainda que em serviço a vítima policial militar e não militar propriamente dito a competência é da Justiça comum Interpretação sistemática e teológica dos preceitos constitucionais e legais regedores da espécie HC 72022 rel Min Néri da Silveira j 921995 Plenário DJ de 2841995 Legalidade e cola eletrônica Vazio legislativo penal até dezembro de 2011 Não se pode pretender a aplicação da analogia para abarcar hipótese não mencionada no dispositivo legal analogia in malam partem Devese adotar o fundamento constitucional do princípio da legalidade na esfera penal Por mais reprovável que seja a lamentável prática da cola eletrônica a persecução penal não pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mínimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito Denúncia rejeitada por maioria por reconhecimento da atipicidade da conduta descrita nos autos como cola eletrônica Inq 1145 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 19122006 Plenário DJe de 442008 Esse precedente motivou a edição da Lei n 12550 de 16 de dezembro de 2011 que criou o novo tipo penal do art 311A no CP sobre fraudes em certames de interesse público Utilizar ou divulgar indevidamente com o fim de beneficiar a si ou a outrem ou de comprometer a credibilidade do certame conteúdo sigiloso de I concurso público II avaliação ou exame públicos III processo seletivo para ingresso no ensino superior ou IV exame ou processo seletivo previstos em lei Pena reclusão de 1 um a 4 quatro anos e multa Crime de responsabilidade e reserva legal Competência privativa da União Entendase que a definição de crimes de responsabilidade imputáveis embora a autoridades estaduais é matéria de Direito Penal da competência privativa da União como tem prevalecido no Tribunal ou ao contrário que sendo matéria de responsabilidade política de mandatários locais sobre ela possa legislar o Estado membro como sustentam autores de tomo o certo é que estão todos acordes em tratar se de questão submetida à reserva de lei formal não podendo ser versada em decreto legislativo da Assembleia Legislativa ADI 834 rel Min Sepúlveda Pertence j 182 1999 Plenário DJ de 941999 Revisão judicial do critério de correção de prova de Bancas de Concurso Público em nome do controle de legalidade Impossibilidade Não compete ao Poder Judiciário no controle de legalidade substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas Excepcionalmente é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame RE 632853 rel Min Gilmar Mendes j 2342015 Plenário DJe de 2962015 com repercussão geral grifo meu Legalidade e exame psicotécnico em concurso público Súmula Vinculante n 44 e Súmula 686 Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público SV n 44 Sessão Plenária de 842015 DOU de 1742015 Requisito previsto em edital de concurso público não amparado na lei Impossibilidade Os requisitos do edital para o ingresso em cargo emprego ou função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal e material STF RE 898450SP rel Min Luiz Fux j 1782016 Informativo do STF n 841 Legalidade proporcional e requisitos em concursos públicos o caso das tatuagens a tatuagem reveladora de um simbolismo ilícito e incompatível com o desempenho da função pública pode mostrarse inaceitável Um policial não pode exteriorizar sinais corporais como tatuagens que conflitem com esta ratio como a título de ilustração tatuagens de palhaços que significam no ambiente marginal o criminoso que promove o assassinato de policiais A tatuagem desde que não expresse ideologias terroristas extremistas e contrárias às instituições democráticas que incitem a violência e a criminalidade ou incentivem a discriminação ou preconceitos de raça e sexo ou qualquer outra força de intolerância é compatível com o exercício de qualquer cargo público STF RE 898450SP rel Min Luiz Fux j 1782016 Informativo do STF n 841 6 Direito à integridade física e psíquica Art 5º III ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante 61 DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL O direito à integridade física consiste na intangibilidade física do ser humano que merece proteção contra tratamento cruel degradante desumano ou tortura Já o direito à integridade psíquica ou moral implica a vedação do tratamento desonroso ou que cause sofrimento psíquico desnecessário ou odioso A Constituição de 1988 trata explicitamente da integridade física e moral no art 5º XLIX é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral e ainda no que tange à aposentadoria de servidores públicos art 40 4º III e dos segurados do regime geral da previdência social art 201 1º dispondo em ambos os casos que a lei estabelecerá regime diferenciado em caso de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a integridade física Implicitamente o direito à integridade física e moral decorre do art 5º III que protege o ser humano contra a tortura tratamento degradante e desumano III ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante a ser estudado no próximo item A Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel desumano ou degradante artigo V Já Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe que Art 5 2 Ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratos cruéis desumanos ou degradantes Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano No Brasil a intangibilidade física também impede que haja condutas invasivas do corpo humano sem a anuência do titular salvo para proteção de outros valores constitucionais como por exemplo para salvar sua vida No campo penal a utilização contra a vontade do titular de partes do seu corpo para fins probatórios será enfrentada no comentário ao art 5º LXIII o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado que concretiza o direito de não ser obrigado a se autoincriminar garantia contra a autoincriminação nemo tenetur se detegere No campo cível discutiuse a intangibilidade física nos casos de não cooperação do réu em ação cível de investigação de paternidade que se recusa a fornecer material para o exame de DNA Apesar do altíssimo grau de certeza do DNA que asseguraria o direito da personalidade de se conhecer sua própria ascendência o STF decidiu por maioria que a integridade física no caso prepondera devendo o juiz da causa utilizar a presunção de paternidade em desfavor daquele que recusou o exame e outros elementos que constem do processo testemunhas do relacionamento amoroso correspondência etc STF HC 71373 rel p o ac Min Marco Aurélio j 10111994 Plenário DJ de 22111996 62 A TORTURA ART 5º III E XLIII E SEU TRATAMENTO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL A Constituição dispõe no inciso III do art 5º que ninguém será submetido à tortura Logo depois no inciso XLIII do mesmo art 5º impõe que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura por eles respondendo os mandantes os executores e os que podendo evitálos se omitirem Retomouse então a previsão da Constituição Imperial de 1824 que em seu art 179 XIX estabeleceu Desde já ficam abolidos os açoites a tortura a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis A tortura foi sistematicamente utilizada pelo regime militar no Brasil 19641988 em diversos presos políticos sendo a apuração de tais fatos bárbaros um dos objetivos da Comissão Nacional da Verdade instituída pela Lei n 125282011 A Constituição de 1988 não definiu tortura tendo deixado tal tarefa para a jurisprudência secundada pelos tratados internacionais e pela lei 945597 Para a jurisprudência do STF decidiu o Ministro Celso de Mello que o delito de tortura por comportar formas múltiplas de execução caracterizase pela inflição de tormentos e suplícios que exasperam na dimensão física moral ou psíquica em que se projetam os seus efeitos o sofrimento da vítima por atos de desnecessária abusiva e inaceitável crueldade HC 70389SP Rel p Acórdão Min Celso de Mello DJ de 1082001 passagem de voto grifo nosso A Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes adotada em 10 de dezembro de 1984 promulgada internamente pelo Decreto n 40 de 1521991 designa tortura como qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões de castigála por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência A Convenção ainda determina que não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram Por sua vez a Convenção da ONU em seu art 5º 2º estabelece o princípio do aut dedere aut judicare pelo qual o Estado contratante tem o dever de extraditar ou julgar o torturador que esteja sob sua jurisdição não importando a nacionalidade do autor vítima ou local que a tortura tenha ocorrido Também estabelece o art 5º o dever do Estado de criminalizar a tortura no caso dela ocorrer em seu território princípio da territorialidade da lei penal ou caso ocorra fora do seu território for seu nacional o autor princípio da nacionalidade ativa justificando a extraterritorialidade da lei penal ou a vítima princípio da nacionalidade passiva Assim para essa Convenção a tortura é ato que i inflige dores ou sofrimentos agudos físicos ou mentais ii intencionalmente iii por agente público diretamente ou com sua aquiescência iv para 1 obter confissão ou obter informação ou 2 castigar por ato próprio ou de terceiro ou 3 para intimidar ou coagir ou 4 por discriminação de qualquer natureza por exemplo torturar um homossexual por sua orientação sexual A Convenção de 1984 é criticada por ter adotado uma definição estrita de tortura dando a entender que a tortura não pode ser cometida por omissão e negligência Também foi alvo de polêmicas a menção a sanções legítimas que descaracterizam a tortura exigência na época da negociação do tratado dos países que adotam castigos corporais Essa menção a sanções legítimas podem ser utilizadas de modo abusivo por países como os Estados Unidos interessados em justificar os seus meios de interrogatórios de suspeitos de prática de atos de terrorismo ver mais sobre tratamento cruel e o art 16 da Convenção da ONU contra a Tortura abaixo Já a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura de 9 de dezembro de 1985 promulgada internamente pelo Decreto n 9838689 dispõe que a tortura é todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais com fins de investigação criminal como meio de intimidação como castigo pessoal como medida preventiva como pena ou com qualquer outro fim Tal convenção cria uma figura equiparada de tortura ao dispor que também é tortura a aplicação sobre uma pessoa de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima ou a diminuir sua capacidade física ou mental embora não causem dor física ou angústia psíquica art 2º parte final A Convenção dispõe que não estarão compreendidos no conceito de tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequências unicamente de sanções legítimas ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram Comparando a Convenção das Nações Unidas de 1984 com a Convenção Interamericana de 1985 temos as seguintes convergências a ambas considerando tortura como sofrimentos físicos e mentais b para fins de investigação penal intimidação castigo pessoal Já as divergências são as seguintes a só a Convenção da ONU exige que a tortura seja feita por agente público ou com sua aquiescência b só a Convenção da ONU exige que o sofrimento seja agudo c a Convenção Interamericana tipifica como tortura o ato de imposição de sofrimento físico e psíquico com qualquer fim d a Convenção Interamericana admite que pode ser tortura determinada pena ou medida preventiva e a Convenção Interamericana criou a figura equiparada ou seja são equiparadas a tortura medidas que não infligem dor ou sofrimento mas diminuem a capacidade física ou mental Além dessas definições o Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal Internacional conceituou tortura como sendo o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas artigo 72 O STF utilizou a definição de tortura prevista na Convenção da ONU de 1984 incorporada internamente em 1991 para dar sentido ao tipo estabelecido no art 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente Art 233 Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade guarda ou vigilância a tortura Pena reclusão de um a cinco anos HC 70389SP rel p o ac Min Celso de Mello DJ de 1082001 No que tange à divisão de competência judicial interna para apurar o crime de tortura cometido contra brasileiro no exterior o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o crime de tortura praticado integralmente em território estrangeiro contra brasileiros não é inicialmente de competência da Justiça Federal pois não é aplicável o art 109 V da CF que dispõe que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando iniciada a execução no País o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente por não se tratar de um crime a distância Todavia é possível que a Justiça Federal venha a julgar tal fato caso ocorra o deslocamento de competência de acordo com o art 109 VA e 5º da CF88 STJ CC 107397DF rel Min Nefi Cordeiro j 2492014 382 621 O crime de tortura previsto na Lei n 945597 A Lei n 9455 de 7 de abril de 1997 define tortura como sendo constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça causandolhe sofrimento físico ou mental a com o fim de obter informação declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa b para provocar ação ou omissão de natureza criminosa c em razão de discriminação racial ou religiosa Ainda há o subtipo de tortura que consiste em submeter alguém sob sua guarda poder ou autoridade com emprego de violência ou grave ameaça a intenso sofrimento físico ou mental como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo Há outro subtipo de tortura que determina que na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal Comparando o disposto nos diplomas internacionais ratificados pelo Brasil e a Lei n 945597 notase que a lei brasileira é mais próxima do diploma interamericano pois é mais geral que a Convenção da ONU que considera essencial ser a tortura cometida por agente público ou com sua aquiescência Assim para a lei brasileira a tortura exige 1 sofrimento físico ou mental causado a alguém 2 emprego de violência ou grave ameaça 3 para obter informação declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa 4 ou para provocar ação ou omissão de natureza criminosa 5 ou então em razão de discriminação racial ou religiosa O tipo penal nacional não contempla a violência imprópria por meio de uso de droga ou outra substância análoga Assim a tortura provocada pelo uso de droga pode configurar por exemplo crime de abuso de autoridade Por outro lado o subtipo de tortura relativo à aplicação de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo bem como o subtipo referente à tortura contra pessoa presa ou sujeita a medida de segurança são semelhantes ao disposto na Convenção Interamericana A qualidade de agente público é causa de aumento de pena de um sexto até um terço de acordo com a Lei n 945597 Por seu turno o art 1º 6º da Lei n 945597 determina que o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça e anistia reproduzindo o art 5º XLIII da CF88 A lei não impede a concessão do indulto uma vez que o art 84 XII da CF88 referente ao indulto nenhuma restrição impõe Quanto à extraterritorialidade da jurisdição que incumbe ao Brasil pelo art 7º da Convenção da ONU de 1984 o art 2º da Lei n 945597 determina que a lei é aplicável ainda quando o crime não tenha sido cometido no território nacional desde que a vítima brasileira ou ainda encontrandose o agente em local sob jurisdição brasileira Assim há dois casos de extraterritorialidade 1 pelo princípio da personalidade passiva quando a vítima da tortura for brasileira e 2 pelo princípio da universalidade da jurisdição quando o agente encontrase em território brasileiro Por fim o art 4º da Lei n 945597 revogou expressamente o art 233 da Lei n 806990 Estatuto da Criança e do Adolescente Consequentemente a tortura realizada em criança ou adolescente é regida pela Lei n 945597 que nesse caso prevê tal situação como causa de aumento de pena de um sexto até um terço art 1º 4º II Também é causa de aumento de pena na mesma dosagem o crime contra gestante portador de deficiência ou maior de 60 sessenta anos ou ainda se o crime é cometido mediante sequestro QUADRO DA LEI N 945597 Constitui crime de tortura A Constranger alguém com violência ou grave ameaça causandolhe sofrimento físico ou mental a1 com o fim de obter informação declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa a2 para provocar ação ou omissão de natureza criminosa a3 em razão de discriminação racial ou religiosa cuidado não é todo tipo de discriminação B Submeter alguém sob sua guarda poder ou autoridade com emprego de violência ou grave ameaça a intenso sofrimento físico ou mental b1 como forma de aplicar castigo pessoal b2 medida de caráter preventivo intimidação 622 O tratamento desumano ou degradante A Constituição de 1988 prevê a proibição do tratamento desumano ou degradante no mesmo inciso III do art 5º que veda ainda a tortura O tratamento desumano ou degradante consiste em toda conduta que leva a humilhações rebaixando e erodindo a autoestima e a estima social de uma pessoa violando sua dignidade O tratamento desumano abarca o degradante o tratamento desumano é aquele que humilha e degrada e além disso provoca severo sofrimento físico ou mental irrazoável por isso desumano O tratamento degradante é aquele que cria em suas vítimas o sentimento de inferioridade e humilhação Vários precedentes da Corte Europeia de Direitos Humanos confirmam a diferença entre tortura e tratamento desumano Para a Corte EDH intérprete da Convenção Europeia de Direitos Humanos 1950 a tortura é uma conduta ação ou omissão pela qual é imposto intenso sofrimento físico ou mental com uma finalidade que pode ser obter confissão ou informação castigar intimidar em razão de discriminação quando o responsável for agente público Assim a tortura seria o tratamento desumano agravado e com finalidade específica No Brasil a tortura também tem finalidade específica ver a Lei n 945597 acima comentada Os demais tratamentos degradantes podem ser objeto do tipo de maustratos art 136 do CP Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade guarda ou vigilância para fim de educação ensino tratamento ou custódia quer privandoa de alimentação ou cuidados indispensáveis quer sujeitandoa a trabalho excessivo ou inadequado quer abusando de meios de correção ou disciplina ou ainda abuso de autoridade por exemplo art 13 II da Lei n 138692019 Lei do Abuso de Autoridade constranger o preso ou o detento mediante violência grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a II submeterse a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei No tocante à proteção da integridade física e psíquica da criança e do adolescente foi editada em 26 de junho de 2014 a Lei n 13010 conhecida como Lei da Palmada Essa lei alterou a Lei n 806990 Estatuto da Criança e do Adolescente ECA para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante Para a Lei n 13010 o castigo físico consiste em toda ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em a sofrimento físico ou b lesão Por seu turno a lei define tratamento cruel ou degradante como sendo toda conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que a humilhe ou ameace gravemente ou ainda a ridicularize Sem prejuízo de outras sanções criminais maustratos ou cíveis por exemplo a perda do poder familiar houve a previsão de sanções administrativas a serem impostas pelo Conselho Tutelar aplicadas de acordo com a gravidade do caso a saber I encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família II encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico III encaminhamento a cursos ou programas de orientação IV obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado V advertência 623 Tortura e penas ou tratos cruéis desumanos ou degradantes como conceito integral Diferenciação entre os elementos do conceito na jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos caso irlandês e seus reflexos no art 16 da Convenção da ONU contra a Tortura de 1984 A Convenção contra a Tortura e tratamento desumano e degradante criou uma divisão entre tortura e outros atos que constituem tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes mas que não são considerados tortura tal como definida no art 1º da Convenção De acordo com o art 16 da Convenção os Estados se comprometem a coibir e punir tais atos quando forem cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com o seu consentimento ou aquiescência A inspiração da redação do art 16 foi fruto de tratamento desumano a prisioneiros realizado em plena Europa democrática no seio da luta antiterrorista britânica Em 1971 o Reino Unido deflagrou a Operação Demetrius para reprimir ativistas suspeitos de integrar ou apoiar o IRA Irish Revolutionary Army na Irlanda do Norte e deteve quase 350 pessoas Várias delas foram submetidas às chamadas 5 técnicas five techniques de interrogatório que consistiam em obrigação de ficar em pé por horas e horas usar capuz cobrindo toda a cabeça retratado em foto célebre de prisioneiro iraquiano na Prisão de Abu Ghraib Iraque feita por soldados norteamericanos sujeição a ruído excessivo privação de sono e privação de comida e água por prazo indeterminado Tudo voltado para desorientar enfraquecer gerar privação de sentidos intimidar obtendo a total sujeição do prisioneiro para seus propósitos Essas técnicas são comumente conhecidas como tortura invisível e foram usadas também por diversas ditaduras no mundo A Irlanda então processou o Reino Unido perante a Corte Europeia de Direitos Humanos Corte EDH na primeira demanda interestatal de todo o sistema europeu de direitos humanos 383 Porém a Corte EDH em julgamento de 18 de janeiro de 1978 considerou que tais técnicas não eram tortura mas sim tratamento cruel e desumano proibido no art 3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos Por isso em 1984 a Convenção da ONU quis evitar que Estados utilizassem essas técnicas e outras sob a alegação de que não se trataria de tortura Pelo art 16 da Convenção o tratamento cruel degradante e desumano também deve ser coibido e punido Em 1999 mostrando a evolução do sistema europeu de direitos humanos a Corte EDH modificou sua posição citando expressamente a Convenção da ONU contra a Tortura de 1984 no Caso Selmouni vs França e considerou que atos como submeter o prisioneiro a corredor polonês fazêlo correr entre duas fileiras de policiais e ser espancado assediálo verbalmente pela sua origem árabe ser alvo de urina de um policial obrigálo a simular sexo oral com um policial ameaçálo com uma seringa entre diversas outras condutas descritas no caso foram além do tratamento degradante e consistiram em tortura Para a Corte EDH a tortura pode ser sintetizada em atos com características cruéis e severas de violência física e mental considerados em seu conjunto que causam dor e sofrimento agudo Com isso a Corte modificou seu posicionamento uma vez que adota a interpretação evolutiva da Convenção Europeia de Direitos Humanos tida como um instrumento vivo sustentando que atos que hoje são caracterizados como degradantes ou desumanos podem no futuro ser caracterizados como tortura 624 Experimentação humana e seus limites bioéticos casos de convergência com o conceito de tortura O uso de seres humanos como cobaias não voluntárias em pesquisas médicas pode gerar sofrimento agudo que converge com o conceito de tortura Há vários casos dramáticos da história como os envolvendo experimentos nazistas do Dr Josef Mengele conhecido como Anjo da Morte e morto sob nome falso em Bertioga São Paulo em 1979 ou os da Unidade 731 das forças japonesas de ocupação na China 1933 1945 que levaram à realização de testes sobre a tolerância do corpo humano à dor à hipotermia a doenças infecciosas ao uso intenso de água salgada entre outros impondo sofrimento e dor intensos Em 2009 o Presidente Barack Obama instituiu a Comissão Presidencial para Estudo de Questões Bioéticas que entre outros investigou a experimentação não voluntária em seres humanos feita por pesquisadores norteamericanos na Guatemala durante os anos 40 do século passado por meio da inoculação de doenças sexualmente transmissíveis em especial sífilis O Direito Internacional Humanitário prevê que é crime de guerra as violações graves às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 a saber qualquer ato de tortura ou outros tratamentos desumanos incluindo as experiências biológicas dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos das Convenções de Genebra art 8º 2º do Estatuto de Roma já incorporado internamente pelo Decreto n 43882002 63 PRECEDENTES DO STF E DO STJ Integridade Física e Exame Compulsório de DNA em Ação de Investigação de Paternidade Impossibilidade Discrepa a mais não poder de garantias constitucionais implícitas e explícitas preservação da dignidade humana da intimidade da intangibilidade do corpo humano do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer provimento judicial que em ação civil de investigação de paternidade implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório debaixo de vara para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA A recusa resolvese no plano jurídicoinstrumental consideradas a dogmática a doutrina e a jurisprudência no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos STF HC 71373 rel p o ac Min Marco Aurélio j 10111994 Plenário DJ de 2211 1996 Integridade Física e Exame de DNA sem consentimento da mulher na placenta após sua expulsão do corpo Possibilidade Coleta de material biológico da placenta com propósito de fazer exame de DNA para averiguação de paternidade do nascituro embora a oposição da extraditanda Bens jurídicos constitucionais como moralidade administrativa persecução penal pública e segurança pública que se acrescem como bens da comunidade na expressão de Canotilho ao direito fundamental à honra CF art 5º X bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda nas dependências da Polícia Federal e direito à imagem da própria instituição em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho STF Rcl 2040QO rel Min Néri da Silveira j 212 2002 Plenário DJ de 2762003 Algemas e infâmia social As algemas em prisões que provocam grande estardalhaço e comoção pública cumprem hoje exatamente o papel da infâmia social E esta é uma pena que se impõe antes mesmo de se finalizar a apuração e o processo penal devido para que se fixe a punição necessária a fim de que a sociedade imponha o direito a que deve se submeter o criminoso Se a prisão é uma situação pública e é certo que a sociedade tem o direito de saber quem a ela se submete é de se acolher como válida juridicamente que se o preso se oferece às providências policiais sem qualquer reação que coloque em risco a sua segurança a de terceiros e a ordem pública não há necessidade de uso superior ou desnecessário de força ou constrangimento Nesse caso as providências para coagir não são uso mas abuso de medidas e instrumentos E abuso qualquer que seja ele e contra quem quer que seja é indevido no Estado Democrático A Constituição da República em seu art 5º III em sua parte final assegura que ninguém será submetido a tratamento degradante e no inciso X daquele mesmo dispositivo protege o direito à intimidade à imagem e à honra das pessoas De todas as pessoas seja realçado Não há para o direito pessoas de categorias variadas O ser humano é um e a ele deve ser garantido o conjunto dos direitos fundamentais As penas haverão de ser impostas e cumpridas igualmente por todos os que se encontrem em igual condição na forma da lei STF HC 89429 voto da rel Min Cármen Lúcia j 2282006 Primeira Turma DJ de 222007 Algemas e Tratamento degradante no Tribunal do Júri Réu sem passado de violência Impossibilidade do uso de algemas Se não há segurança suficiente deve ser adiada a sessão do júri Diante disso indagase surge harmônico com a Constituição mantêlo no recinto com algemas A resposta mostrase iniludivelmente negativa Da leitura do rol das garantias constitucionais art 5º depreendese a preocupação em resguardar a figura do preso A ele é assegurado o respeito à integridade física e moral inciso XLIX Ora estes preceitos a configurarem garantias dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no País repousam no inafastável tratamento humanitário do cidadão na necessidade de lhe ser preservada a dignidade Manter o acusado em audiência com algema sem que demonstrada ante práticas anteriores a periculosidade significa colocar a defesa antecipadamente em patamar inferior não bastasse a situação de todo degradante Quanto ao fato de apenas dois policiais civis fazerem a segurança no momento a deficiência da estrutura do Estado não autorizava o desrespeito à dignidade do envolvido Incumbia sim inexistente o necessário aparato de segurança o adiamento da sessão preservandose o valor maior porque inerente ao cidadão STF HC 91952 voto do rel Min Marco Aurélio j 78 2008 Plenário DJe de 19122008 Algemas Uso permitido para proteger direitos de terceiros ou do próprio acusado O uso de algemas durante audiência de instrução e julgamento pode ser determinado pelo magistrado quando presentes de maneira concreta riscos à segurança do acusado ou das pessoas ao ato presentes STF Rcl 9468AgR rel Min Ricardo Lewandowski j 2432011 Plenário DJe de 1142011 Algemas e Súmula Vinculante n 11 Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros justificada a excepcionalidade por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado STF Sessão Plenária de 1382008 Tortura e Extradição Território Palestino mas ocupado por Israel Extraterritorialidade da lei prevista na Convenção da ONU de 1984 no combate à tortura permite a extradição a própria natureza do crime de tortura já autoriza a flexibilização da regra geral de competência jurisdicional penal o princípio da territorialidade da lei incriminadora Quero dizer em matéria de delito de tortura abrese a oportunidade para que os Estadospartes estabeleçam a sua própria jurisdição criminal ainda que os delitos objeto de eventual pedido de extradição extrapolem os limites das respectivas fronteiras Sendo assim e a partir da simples leitura das alíneas b e c do parágrafo 1º do Artigo 5º combinado com o parágrafo 4º do Artigo 8º da Convenção contra a Tortura basta a nacionalidade do autor princípio da nacionalidade ativa ou da suposta vítima princípio da nacionalidade passiva para que o Governo requerente possa legitimamente subscrever o pedido de extradição Isto não me custa repetir com apoio na regra da extraterritorialidade da lei criminal expressamente autorizada pela referida Convenção STF Extr 1122 rel Min Carlos Britto j 215 2009 Tortura e criança Caracterização Tenho para mim desse modo que o policial militar que a pretexto de exercer atividade de repressão criminal em nome do Estado inflige mediante desempenho funcional abusivo danos físicos a menor momentaneamente sujeito ao seu poder de coerção valendose desse meio executivo para intimidálo e coagilo à confissão de determinado delito pratica inequivocamente o crime de tortura tal como tipificado pelo art 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente expondose em função desse comportamento arbitrário a todas as consequências jurídicas que decorrem da Lei 80721990 art 2º editada com fundamento no art 5º XLIII da Constituição STF HC 70389 voto do rel Min Celso de Mello j 2361994 Plenário DJ de 108 2001 O art 233 foi expressamente revogado pela Lei n 945597 que rege o tema no Brasil Tortura e criança Caracterização Ressai dos fatos narrados na denúncia que a paciente tinha a guarda provisória e precária da vítima e a submeteu a intolerável e intenso sofrimento psicológico e físico ao praticar em continuidade delitiva diversas agressões verbais e violência física de forma a caracterizar o crime de tortura descrito no art 1º inciso II combinado com o 4º inciso II da Lei 945597 STJ HC 172784RJ rel Min Napoleão Nunes Maia Filho j 322011 5ª Turma DJU de 2122011 Dano Moral imprescritível em caso de tortura não incidência da prescrição quinquenal de ações contra a Fazenda Pública O dano noticiado caso seja provado atinge o mais consagrado direito da cidadania o de respeito pelo Estado à vida e de respeito à dignidade humana O delito de tortura é hediondo A imprescritibilidade deve ser a regra quando se busca indenização por danos morais consequentes da sua prática STJ REsp 379414PR rel Min José Delgado DJ de 1722003 No mesmo sentido Tortura Dano moral Fato notório Nexo causal Não incidência da prescrição quinquenal art 1º Decreto 209101932 Imprescritibilidade 11 A dignidade humana desprezada in casu decorreu do fato de ter sido o autor torturado revelando flagrante violação a um dos mais singulares direitos humanos os quais segundo os tratadistas são inatos universais absolutos inalienáveis e imprescritíveis STJ REsp 1165986SP Min Luiz Fux j 16112010 DJU de 422011 Tortura e ação de improbidade Possibilidade Em síntese atentado à vida e à liberdade individual de particulares praticado por agentes públicos armados incluindo tortura prisão ilegal e justiciamento afora repercussões nas esferas penal civil e disciplinar pode configurar improbidade administrativa porque além de atingir a pessoavítima alcança simultaneamente interesses caros à Administração em geral às instituições de segurança pública em especial e ao próprio Estado Democrático de Direito STJ REsp 1177910SE rel Min Herman Benjamin j 2682015 DJe de 172 2016 7 Liberdade de pensamento e expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação Art 5º IV é livre a manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato V é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo além da indenização por dano material moral ou à imagem IX é livre a expressão da atividade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura ou licença 71 CONCEITO ALCANCE E AS ESPÉCIES DE CENSURA A liberdade de expressão consiste no direito de manifestar sob qualquer forma ideias e informações de qualquer natureza Por isso abrange a produção intelectual artística científica e de comunicação de quaisquer ideias ou valores Para o STF a liberdade de expressão engloba a livre manifestação do pensamento a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica HC 83125 rel Min Marco Aurélio j 1692003 Primeira Turma DJ de 7112003 A forma não é relevante o STF decidiu que o gesto de mostrar as nádegas em público em reação a críticas da plateia em um teatro ainda que a conduta seja inadequada e deseducada está inserido na liberdade de expressão HC 83996RJ rel Min Gilmar Mendes j 1782004 A liberdade de expressão é prevista inicialmente no art 5º IV da CF Há contudo dispositivos constitucionais correlatos como o art 5º VI que dispõe sobre a liberdade religiosa ver abaixo ou ainda o art 5º IX que prevê a liberdade intelectual artística científica e de comunicação independentemente de censura e licença e o art 5º XIV que assegura o direito ao acesso à informação Para a Ministra Cármen Lúcia a censura é definida como sendo uma forma de controle da informação Alguém que não o autor do pensamento e do que quer se expressar impede a produção a circulação ou a divulgação do pensamento ou se obra artística do sentimento Enfim controlase a palavra ou a forma de expressão do outro Podese afirmar que se controla o outro STF ADI 4815 rel Min Cármen Lúcia j 10 62015 DJe de 1º22016 voto da Ministra 29 Esses direitos em seu conjunto demonstram que a liberdade de expressão possui duas facetas a que assegura a expressão do pensamento e a que assegura o direito dos demais de receber sob qualquer forma ou veículo a manifestação do pensamento de outrem Nessa linha a Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara a liberdade de opinião e expressão inclui o direito de sem interferência ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras artigo XIX A Constituição de 1988 protege a liberdade de manifestação do pensamento também em outro título da Constituição Título VIII referente à ordem social no capítulo da Comunicação Social O art 220 caput prevê novamente a liberdade de manifestação do pensamento da criação da expressão e informação sob qualquer forma e veículo O art 220 1º assegura a liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social e seu 2º veda expressamente qualquer censura de natureza política artística ou ideológica A repetição da vedação da censura arts 5º IX e 220 2º não deixa qualquer dúvida sobre a orientação constitucional a favor da liberdade de manifestação contrária a qualquer forma de censura A censura consiste em ato estatal de direcionamento ou vedação da expressão do indivíduo ou da imprensa o que é proibido pela Constituição Para o STF não cabe ao Estado por qualquer dos seus órgãos definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas ADI 4451REFMC rel Min Ayres Britto j 292010 Plenário DJe de 1º72011 e ainda a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões ADPF 130 rel Min Ayres Britto j 3042009 Plenário DJe de 6112009 Em 2015 o Supremo Tribunal Federal por unanimidade deu interpretação conforme à Constituição aos arts 20 e 21 do Código Civil 384 sem redução de texto para declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes ou de seus familiares em caso de pessoas falecidas ADI 4815 rel Min Cármen Lúcia j 1062015 Plenário DJe de 1º22016 A biografia pelo voto da Relatora consiste na escrita ou o escrito sobre a vida de alguém relatandose o que se apura e se interpreta sobre a sua experiência mostrada sendo considerada uma obra artística que não pode ficar sujeita à censura privada autorização do biografado coadjuvantes ou de seus familiares dada a eficácia horizontal dos direitos humanos que vinculam os particulares inclusive Assim a proibição de censura do art 5º IX abrange tanto atos estatais quanto de particulares Eventual dano à honra à imagem ou à intimidade deve ser resolvido pela outorga de indenização à luz do art 5º X Ainda no que tange à censura estatal de obras a ProcuradoriaGeral da República em 2019 ingressou com pedido de suspensão de liminar para fazer valer ordem judicial contra a Prefeitura do Rio de Janeiro que havia notificado a organização da tradicional Bienal do Livro do Rio de Janeiro para que não permitisse a comercialização de livros sobre o tema da homotransexualidade comercializados sem embalagem lacrada e advertência quanto ao conteúdo A Prefeitura invocou a proteção integral da criança art 227 da CF88 e dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente Dando razão à PGR o Min Presidente do STF decidiu que houve ofensa à liberdade de expressão artística e informação à igualdade bem como discriminação pela orientação sexual e de gênero De fato as relações homoafetivas representam também forma de constituição de família e não podem ser equiparadas a tema de conteúdo impróprio ou inadequado à infância e juventude do ECA STF Suspensão de Liminar n 1248 decisão monocrática da Presidência de 892019 Em 2017 houve a proibição em decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em ação civil pública interposta por associação Escola sem Partido da imposição de nota zero no Exame Nacional de Ensino Médio ENEM para a redação que desrespeite os direitos humanos No seu pedido de medida cautelar na Suspensão de Liminar n 1127 a ProcuradoriaGeral da República salientou a importância da convivência dos direitos humanos não podendo a liberdade de expressão ser utilizada para vulnerar outros direitos como a igualdade liberdade vida entre outros caso de redações racistas com discursos de ódio hate speech etc considerando então legítima a regra do edital do Enem que impunha a nota zero a tais redações ofensivas aos direitos humanos A decisão monocrática da Min Carmen Lúcia contudo indeferiu a suspensão sustentando que a liberdade de expressão deveria prevalecer pois não se deve combater a intolerância de alguns estudantes com a mordaça estatal por meio da imposição de zero na prova de redação STF Medida Cautelar na Suspensão de Liminar n 1127 Decisão monocrática da Presidência de 4112017 Ainda sobre o patrulhamento em ambientes de ensino o Min Edson Fachin ordenou a suspensão dos efeitos de decisão judicial que permitia a deputada estadual Santa Catarina estimular em sua página do Facebook estudantes a apontarem manifestações de professores de cunho políticopartidário ou ideológico que os estudantes considerassem humilhantes ou ofensivas à liberdade de crença e consciência Para o Min Fachin existiu ofensa à decisão do próprio STF na ADPF 548 promovida pela ProcuradoriaGeral da República PGR que assegura a livre manifestação do pensamento e de ideias em ambiente acadêmico STF Reclamação n 33137 rel Min Edson Fachin decisão monocrática de 822019 Outra espécie de censura que pode existir é a censura indireta que consiste no uso desproporcional de sanções cíveis e penais na defesa do direito à honra supostamente atingido bem como na inércia no combate a ataques a jornalistas ou meios de comunicação com o propósito de desestimular o gozo da liberdade de expressão A censura indireta é forma sutil de censura pois aparentemente o Estado admite a liberdade de expressão mas possibilita a imposição de pesadas sanções associadas ao seu exercício por exemplo fixação judicial ou administrativa de altíssimas somas referentes a supostos danos morais por críticas a autoridades públicas ou ainda admite passivamente a impunidade dos autores de ataques a jornalistas investigações policiais inoperantes casos não solucionados etc gerando pernicioso efeito inibidor e autocensura A Corte IDH entende que a censura indireta também é proibida pela Convenção Americana de Direitos Humanos devendo o Estado impedir a aplicação de sanções desproporcionais ou excessivas que gerem esse tipo de efeito Caso Tristán Donoso v Panamá 2009 Em 2000 a Declaração conjunta sobre Censura e ataques a jornalistas do Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas ONU do Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos OEA e ainda do Representante da Organização para a Segurança e Cooperação da Europa OSCE sobre a Liberdade dos Meios de Comunicação considerou ser forma contemporânea de censura a ausência de punição a autores de assassinatos e outras agressões a jornalistas que gera dramático efeito inibidor sobre os demais Essa declaração conjunta enfatizou ainda que a legislação do Estado deve dar preferência a reparações não pecuniárias por exemplo o direito de resposta aptas a restaurar eventualmente o direito à honra e não servir como castigo ou desestímulo ao demandado Apesar de sua natureza jurídica de soft law a Declaração pode servir de orientação para a interpretação de normas internacionais vinculantes como a Convenção Americana de Direitos Humanos A previsão do crime de desacato do Código Penal brasileiro art 331 385 também é tida como ofensiva à liberdade de expressão e o direito à informação pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos que em sua Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão 2000 estabeleceu que Os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade As leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos geralmente conhecidas como leis de desacato atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação item 11 Gerase o efeito inibidor também chamado chilling effect ou ainda efeito resfriador do exercício regular da liberdade de expressão e direito de informação característico da censura indireta que deve ser evitada em Estados democráticos nos quais os servidores públicos devem estar sujeitos ao escrutínio crítico de todos No mesmo sentido a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou o crime de desacato violação da Convenção Americana de Direitos Humanos ofensa à liberdade de expressão art 13 por criar entrave desproporcional aos que criticam o funcionamento dos órgãos públicos e seus membros suprimindo o debate essencial para o funcionamento de um sistema democrático e restringindo ao mesmo tempo de modo desnecessário a liberdade de pensamento e expressão Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Palamara Iribarne vs Chile sentença de 22 de novembro de 2005 em especial parágrafo 88 Neste caso o Sr Iribarne na época dos fatos servidor civil da Marinha chilena foi processado por delitos de desobediência e desacato pela publicação de livro intitulado Ética y Servicios de Inteligencia no qual criticou a atuação da inteligência militar chilena No Brasil há divergência jurisprudencial no Superior Tribunal de Justiça Em dezembro de 2016 a 5ª Turma do STJ afastou a tipicidade do crime de desacato em virtude de sua incompatibilidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos No voto do Relator Min Ribeiro Dantas salientouse a necessidade do controle de convencionalidade das leis brasileiras levar em consideração a interpretação internacionalista da Comissão IDH e da Corte IDH conforme abordado acima Sobre a Comissão IDH o voto do Relator Min Ribeiro Dantas esclareceu que As recomendações da CIDH assumem força normativa interna porquanto no caso Loayza Tamayo v Peru e nos posteriores a Corte Interamericana de Direitos Humanos sustentou que o princípio da boafé consagrado também na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados obriga os Estados contratantes da Convenção Americana de Direitos Humanos a realizar seus melhores esforços para cumprir as deliberações da Comissão CIDH que é também órgão principal da OEA organização que tem como uma de suas funções justamente promover a observância e a defesa dos direitos humanos no continente americano RAMOS André de Carvalho Processo internacional de direitos humanos 4 ed São Paulo Saraiva 2015 p 234 386 Além disso a Turma na dicção do voto do Relator apontou que a invalidade da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior civil ou até mesmo de outra figura típica penal calúnia injúria difamação pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual ofensiva utilizada perante o funcionário público Contudo em 2017 a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça por maioria considerou constitucional e convencional a tipificação interna sobre o crime de desacato 387 Os argumentos da maioria vencedora 388 que constam especialmente dos votos dos Ministros Antonio Saldanha Palheiro e Rogerio Schietti Cruz 1 O art 132 a e b 389 da Convenção Americana de Direitos Humanos estipula que a liberdade de expressão não é absoluta permitindo a criação de tipos penais que visem proteger os direitos e da reputação das demais pessoas bem como a segurança nacional da ordem pública ou da saúde ou da moral públicas 2 A Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu em vários julgados que em casos de abuso da liberdade de expressão pode ser utilizado o direito penal para a proteção da honra devendo a aplicação dessas medidas ser avaliada com especial cautela Caso Ricardo Canese vs Paraguai sentença de 31 de agosto de 2004 em especial parag 104 Caso Kimel vs Argentina sentença de 2 de maio de 2008 em especial parags 71 e 76 e Caso Herrera Ulloa vs Costa Rica sentença de 2 de julho de 2004 3 A posição da Comissão IDH não é vinculante sendo mera recomendação Quanto aos casos da Corte IDH embora esta já tenha se pronunciado sobre o tema leis de desacato em especial no caso Palamara Iribarne vs Chile tratouse de casos envolvendo a liberdade de expressão e crítica não sendo especificamente violado o bem jurídico protegido pelo desacato no Brasil No caso Palamara Iribarne vs Chile como já exposto acima tratouse da publicação de livro crítico ao serviço de inteligência chileno Assim as circunstâncias nesses julgados da Corte IDH são distintas Além disso não há precedente da Corte relacionada ao crime de desacato tal qual este é entendido no Brasil posição expressamente adotada pelo Min Rogério Schietti Cruz 4 O crime de desacato tutela a dignidade o prestígio o respeito devido à função pública e não a honra pessoal do servidor público O tratamento diferenciado à proteção da função pública é justificada tendo ainda sido apontado que há tratamento penal mais gravoso ao servidor público justamente por sua função pública pena criminal mais elevada do crime de peculato em comparação ao crime de furto etc 5 A punição de eventuais ofensas a título de desacato à autoridade para os crimes contra a honra implicaria em não punir situações em que a conduta e o comportamento ilícito não se dirigem necessariamente à honra da pessoa Em 2018 a 2ª Turma do STF considerou compatível com a Constituição e com a Convenção Americana de Direitos Humanos o crime de desacato a militar art 299 do Código Penal Militar sustentando o Min Gilmar Mendes que O desacato constitui importante instrumento de preservação da lisura da função pública e indiretamente da própria dignidade de quem a exerce HC 141949DF rel Min Gilmar Mendes DJe de 2132018 Em relação ao crime de desacato do Código Penal art 331 do CP a mesma 2ª Turma já o considerou compatível com Constituição Federal de 1988 CF art 5º IV da CF bem como com o disposto no art 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos Ag Reg no RE 1049152DF rel Min Dias Toffoli j 752018 e HC 154143 decisão monocrática do rel Min Celso de Mello j 882018 A justificativa para tal posição é justamente a ausência de caráter absoluto da liberdade de expressão sendo a criminalização de abusos por meio do desacato um instrumento razoável de tutela da dignidade do cargo ou função pública que o servidor ocupa ou exerce Aguarda julgamento sobre a temática a ADPF n 496 rel Min Barroso em trâmite em outubro de 2019 72 A PROIBIÇÃO DO ANONIMATO DIREITO DE RESPOSTA E INDENIZAÇÃO POR DANOS A liberdade de expressão encontra uma série de limitações explícitas na própria Constituição de 1988 Inicialmente o art 5º IV assegura que é livre a manifestação do pensamento mas veda expressamente o anonimato Essa proibição do anonimato gerou importante discussão sobre as investigações policiais amparadas nos chamados DisqueDenúncia nos quais o anonimato do noticiante é assegurado A visão consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça determina que a delação anônima notitia criminis inqualificada enseja a diligências preliminares que se confirmarem minimamente o alegado na peça apócrifa anônima ensejam a instauração de inquérito policial Essas diligências preliminares são medidas informais destinadas a apurar previamente em averiguação sumária a verossimilhança dos fatos noticiados anonimamente a fim de promover então em caso positivo a formal instauração da investigação criminal ver entre outros STF Inq 1957 rel Min Carlos Velloso voto do Min Celso de Mello j 1152005 Plenário DJ de 11112005 A peça anônima não pode per se gerar a imediata instauração de inquérito policial ou ação penal Já no inciso V fica consagrada a contrapartida do direito à livre manifestação em uma sociedade democrática a todos também é assegurado o direito de resposta e a indenização proporcional ao dano ocasionado pela manifestação de pensamento de outrem O direito de resposta consiste na possibilidade de replicar ou de retificar matéria publicada sendo invocável por aquele que foi ofendido em sua honra objetiva ou subjetiva ADPF 130 rel Min Ayres Britto j 3042009 Plenário DJe de 6112009 Já a indenização proporcional ao dano abarca tanto os danos materiais quanto os morais Há muitas discussões sobre valores excessivos fixados pelo Judiciário A antiga Lei de Imprensa Lei n 525067 protegia as empresas de comunicação ao estipular um teto para tais valores indenizatórios o que não foi aceito pelo STF que considerou que toda limitação prévia e abstrata ao valor de indenização por dano moral objeto de juízo de equidade é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República RE 447584 rel Min Cezar Peluso j 28112006 Segunda Turma DJ de 1632007 A linha adotada pela Constituição de 1988 sinaliza que a liberdade de manifestação gera também responsabilização daqueles que dela abusam Nesse sentido é também a posição dos textos internacionais de direitos humanos A Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe em seu art 13 que a liberdade de expressão não pode estar sujeita à censura prévia mas há responsabilidades ulteriores que devem ser expressamente previstas em lei devendo ainda a lei proibir toda propaganda a favor da guerra bem como toda apologia ao ódio nacional racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação à hostilidade ao crime ou à violência A Convenção Europeia de Direitos Humanos bem sintetiza a tensão entre a liberdade de expressão e outros direitos humanos ao dispor que a liberdade de expressão não pode ser objeto de outras restrições senão as que previstas na lei constituírem disposições necessárias em uma sociedade democrática à segurança pública à proteção da ordem da saúde e moral públicas ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem art 9º Veremos os principais casos nos quais foram debatidos os limites à liberdade de expressão 73 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O DISCURSO DE ÓDIO HATE SPEECH O discurso de ódio hate speech consiste na manifestação de valores discriminatórios que ferem a igualdade ou de incitamento à discriminação violência ou a outros atos de violação de direitos de outrem Essa terminologia acadêmica é de extrema atualidade no Brasil e em diversos países no mundo em face do discurso neonazista antissemita islamofóbico entre outras manifestações de pensamento odiosas O STF debateu essa temática no chamado Caso Ellwanger no qual foram discutidos os limites da liberdade de expressão e seu alcance no caso da publicação de obras antissemitas 390 De acordo com a maioria dos votos vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que valorizaram a liberdade de expressão não há garantia constitucional absoluta Ou seja as liberdades públicas não são incondicionais por isso devem ser exercidas de maneira harmônica observados os limites explícitos e implícitos fruto da proporcionalidade e ponderação com outros direitos previstos na Constituição e nos tratados de direitos humanos A liberdade de expressão não pode ser invocada para abrigar exteriorizações revestidas de ilicitude penal passagem do voto do Min Celso de Mello Em vários votos como por exemplo o do Min Gilmar Mendes foram feitas referências à colisão entre a liberdade de expressão e o direito à igualdade bem como à dignidade humana No caso preponderou o direito à igualdade e a dignidade humana admitindose que não era caso de se privilegiar a liberdade de expressão de ideias racistas antissemitas Consequentemente decidiu o STF que o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o direito à incitação ao racismo dado que um direito individual não pode constituirse em salvaguarda de condutas ilícitas como sucede com os delitos contra a honra Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 Fachin em voto no STF aponta que há três etapas necessárias para que se caracterize o chamado discurso discriminatório criminoso 1ª etapa de caráter cognitivo na qual se afirma a desigualdade entre grupos ou indivíduos 2ª etapa de caráter valorativo na qual se atesta pretensa relação de superioridade entre eles e a 3ª etapa na qual com base nas duas etapas anteriores o agente racista deduz ser legítima uma consequência odiosa que pode ser a dominação a exploração a escravização a eliminação ou o amesquinhamento de quaisquer direitos humanos daquele tido como diferente e inferior Para Fachin não há repressão penal caso inexista essa terceira etapa RHC 134682 rel Min Edson Fachin j 29112016 1ª T DJe de 2982017 ver o comentário ao caso concreto abaixo na temática do racismo religioso Nesse sentido cabe lembrar o alerta de Daniel Sarmento que comparando a visão norte americana de liberdade de expressão com a brasileira ponderou que a concepção norte americana é uma concepção ultralibertária sendo um verdadeiro fim em si mesma não admitindo restrições e não um instrumento 391 Já no Brasil adotamos a visão da liberdade de expressão responsável que possui limites explícitos e implícitos São limites explícitos à liberdade de expressão a a vedação ao anonimato art 5º IV b direito de resposta art 5º V c restrições à propaganda comercial de tabaco bebidas alcoólicas agrotóxicos e terapias art 220 4º d classificação indicativa art 21 XVI e indenização ao dano material moral ou à imagem art 5º V Por sua vez são limites implícitos aqueles gerados pela ponderação com os demais direitos como o direito à privacidade art 5º X ou no caso da divulgação de ideias racistas o direito à igualdade art 5º caput Esse limite à liberdade de expressão foi testado no Caso Bolsonaro no qual o atual Presidente da República Jair Bolsonaro então deputado federal foi processado criminalmente pela ProcuradoriaGeral da República em virtude de ter fora do recinto do Congresso Nacional utilizado expressões como arroba e procriador ao se referir aos membros de comunidade quilombola do interior do Estado de São Paulo 392 Para o Min Barroso acompanhado pela Min Rosa Weber o uso de expressões comumente associadas a animais para se referir a indivíduos afrodescendentes no Brasil representou o cometimento do crime do art 20 da Lei n 771689 393 que trata de conduta discriminatória por raça ou etnia Na linha do Caso Ellwanger a prática de racismo contra os quilombolas do então Dep Bolsonaro teria constituído i hate speech e ii não poderia ser vista como protegida pela liberdade de expressão bem como iii não pode ser abarcada pela imunidade material dos congressistas freedom from speech art 53 da CF Neste último ponto cabe salientar que a imunidade material dos parlamentares não é absoluta pois há a tensão entre a liberdade de expressão e o abuso da palavra que pode levar à responsabilização cível e criminal Para a jurisprudência do STF a imunidade material só se verifica se as palavras ofensivas guardarem conexão com o exercício do mandato parlamentar o que não seria o caso Inq 2134 rel Min Joaquim Barbosa j 2332006 P DJ de 222007 Para a Ministra Rosa Weber o pronunciamento do denunciado não guardou vínculo com sua atividade parlamentar Contudo a maioria de votos entendeu que se tratou de uso regular da liberdade de expressão no exercício da atividade parlamentar Para o Min Alexandre de Moraes apesar da grosseria a vulgaridade e no tocante aos quilombolas principalmente total desconhecimento da realidade nas declarações que foram feitas a conduta do Dep Bolsonaro não extrapolou os limites da liberdade de expressão não tendo se constituído em um discurso de ódio de incitação ao racismo uma vez que não defendeu ou incitou tratamento desumano degradante ou cruel aos afrodescendentes nem fez apologia do que foi feito no período abominável da escravidão no Brasil Também não teria a conduta buscado ampliar ou propagar o ódio racial Por não caracterizar a incitação ao ódio ou violência racial não seria discurso de ódio e sim crítica a políticas de governo com as quais o denunciado não concorda trecho do voto do Min Alexandre de Moraes Assim a denúncia criminal foi rejeitada 74 HUMOR PORNOGRAFIA E OUTROS CASOS DE LIMITE À LIBERDADE DE EXPRESSÃO Tema de recente impacto na mídia diz respeito aos limites à liberdade de expressão artística do gênero humor As piadas politicamente incorretas podem sofrer limitação judicial e os humoristas serem responsabilizados civilmente por danos morais individuais às pessoas atingidas ou danos morais coletivos às comunidades ofendidas A casuística pende para a preferência à liberdade de expressão artística humor como se vê em julgado do Superior Tribunal de Justiça no qual a relatora Ministra Nancy Andrighi ressaltou que a tarefa de examinar aquilo que se poderia chamar de inteligência do humor praticado cabe apenas aos setores especializados da imprensa que concedem prêmios aos artistas de acordo com o desempenho por eles demonstrado em suas obras STJ REsp 736015RJ rel Min Nancy Andrighi j 1662005 Em 2015 houve contudo posição divergente do Superior Tribunal de Justiça em conhecido caso envolvendo humorista que em programa de televisão de rede nacional diante de matéria envolvendo celebridade grávida fez comentário considerado chulo e grosseiro comeria ela e o bebê Houve a propositura de ação de indenização promovida pelos pais e também pelo feto direito da personalidade do nascituro tendo sido o humorista condenado no 1º grau sendo a sentença mantida no Tribunal de Justiça de São Paulo por maioria No conflito entre a liberdade de expressão na faceta humorística e os direitos de personalidade dos atingidos honra imagem o TJSP entendeu que a agressividade contida nas palavras ditas afasta que se tome o dito como piada sendo vedado usar de sua liberdade de expressão de modo a pôr em risco valores ainda maiores como a dignidade da pessoa humana Nessa linha a maioria no TJSP entendeu que quando o humor seja sem graça mais ofenda que divirta não cumpre sua função o fazer rir Assim não se pode admitir venha alguém querer se escudar no fato de fazer humor para escapar à responsabilidade quanto ao conteúdo de certa manifestação que tenha emitido Com isso a maioria do TJSP além de invocar a dignidade humana como princípio de maior peso fez curiosa descaracterização da frase grosseira como forma de humor ou seja criouse critério sem parâmetros claros do que pode ser considerado humor em uma sociedade O voto vencido do relator originário Des Roberto Maia apontou a impossibilidade de um terceiro descaracterizar o humor somente porque pelos seus parâmetros este foi chulo grosseiro ou extremamente infeliz Para Roberto Maia condenar o humorista seria estabelecer standards judiciais sobre os mais diversos tipos de humor segmentandoos em lícitosilícitos Apelação Cível n 02018380520118260100 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo rel designado João Batista Vilhena j 6112012 O Superior Tribunal de Justiça manteve a condenação sustentando que o comentário feito pelo humorista foi reprovável agressivo e grosseiro sendo efetivamente causador de abalo moral REsp 1487089SP rel Min Marco Buzzi j 2372015 Ridendo castigat mores o riso corrige os costumes e em geral não gera dever de indenização Entendo que o cerne da diferenciação do humor de outras formas de conduta como a ofensa pura e simples está no ânimo do agente havendo a vontade clara de divertir e gracejar animus jocandi fica caracterizada a liberdade de expressão humorística mesmo se a piada for rude cáustica ou mesmo sem nenhuma graça no contexto social de uma época Por outro lado caso haja a caracterização do ânimo de ofender ou inferiorizar determinada pessoa ou grupo social podese chegar à limitação da liberdade de expressão humorística aqui usada somente como disfarce para se assegurar a prevalência de outro direito envolvido por exemplo o direito à igualdade Não se descarta também a possibilidade de repressão a eventuais violações de direitos das pessoas atingidas por atividades invasivas O caso de conhecido programa de humor que perseguiu atriz televisiva célebre inclusive com a contratação de caminhão com guindaste para ficar na frente de sua residência importunandoa e interferindo fortemente na sua vida privada é típico caso de uso camuflado da liberdade de expressão artística para justificar violação do direito à vida privada Nessa linha de ponderação da liberdade de expressão com outros direitos o STF considerou que o Estado não está autorizado a impedir que um candidato seja aprovado em definitivo em concurso público pelo fato de ostentar de forma visível ou não uma pigmentação definitiva em seu corpo a chamada tatuagem que expresse os sentimentos ideologia crenças ou quaisquer valores do seu portador Contudo caso a tatuagem exteriorize valores ofensivos aos valores previstos na Constituição e tratados de direitos humanos não é possível invocar a liberdade de expressão pois aquele que exerce cargo público deve possuir valores compatíveis com a dignidade humana Para o Min Luiz Fux Independentemente de ser visível ou do seu tamanho uma tatuagem não é sinal de inaptidão profissional apenas podendo inviabilizar o desempenho de um cargo ou emprego público quando exteriorizar valores excessivamente ofensivos à dignidade dos seres humanos ao desempenho da função pública pretendida como na hipótese verbi gratia de um candidato ao cargo policial que possua uma tatuagem simbolizando uma facção criminosa ou o desejo de assassinato de policiais incitação à violência iminente ameaças reais ou representar obscenidades Assim somente se i houver lei e ii a tatuagem for ofensiva à dignidade e aos direitos humanos pode existir o óbice à assunção do cargo público STF RE 898450SP rel Min Luiz Fux j 17 82016 Informativo do STF n 841 Por fim a liberdade de expressão pode encontrar compressão nas limitações previstas em lei no tocante à obscenidade e pornografia em especial diante dos direitos da criança Em 2016 o Min Luiz Fux fez menção às três condições impostas pela Suprema Corte dos Estados Unidos para definir o que seria obscenidade nas publicações e obras em geral o chamado MillerTest no caso Miller vs Califórnia de 1973 a saber i o homem médio seguindo padrões contemporâneos da comunidade considere que a obra tida como um todo atrai o interesse lascivo ii quando a obra retrata ou descreve de modo ofensivo conduta sexual nos termos do que definido na legislação estadual aplicável iii quando a obra como um todo não possua um sério valor literário artístico político ou científico STF RE 898450SP rel Min Luiz Fux j 1782016 Informativo do STF n 841 75 LEI DE IMPRENSA E REGULAMENTAÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO Como visto acima a liberdade de expressão é tratada tanto no rol do art 5º quanto no capítulo da comunicação social Essa repetição não é acidental a comunicação de massa em diversos países democráticos é sujeita a regulamentação específica diferente da que rege a comunicação entre indivíduos A liberdade de informação jornalística decorre da liberdade de expressão mas dela difere na liberdade de expressão predomina o discurso direto do emitente que veicula suas ideias e valores na liberdade de informação predomina o discurso indireto do emitente que noticia e veicula fatos ou falas de outrem É possível ainda decompor o direito de informação em i liberdade de informar ii liberdade de se informar e iii de ser informado No caso brasileiro a Constituição de 1988 reiterou o direito à livre manifestação do pensamento da criação da expressão e da informação art 220 caput vedando a edição de leis que venham a restringir a liberdade de informação jornalística art 220 1º e ainda também proibiu qualquer censura política ideológica e artística art 220 2º Porém a CF88 regulou fortemente o conteúdo transmitido pela comunicação de massa das emissoras de rádio e televisão que são concessões públicas ao dispor em diversos incisos do art 221 que esses meios devem observar em sua programação uma preferência a finalidades educativas artísticas culturais e informativas inciso I além de zelar pela promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação inciso II e devem esses veículos acatar a regionalização da produção cultural artística e jornalística conforme percentuais estabelecidos em lei inciso III e finalmente devem obedecer aos valores éticos e sociais da família inciso IV Na jurisprudência do STF prevalece o espírito liberal de valorização da liberdade de expressão mesmo na comunicação de massa Na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n 130 o STF considerou como totalmente não recepcionada pela ordem constitucional a Lei n 525067 denominada Lei de Imprensa Para o STF o conjunto desses dispositivos constitucionais referentes à Comunicação Social Capítulo V do Título VIII da CF88 demonstra que os veículos de comunicação de massa representam uma instituiçãoideia influenciando cada pessoa e auxiliando a formar a opinião pública Nessa linha o STF sustentou que o capítulo constitucional da comunicação social representa um prolongador de direitos que são emanações da dignidade da pessoa humana a livre manifestação do pensamento e o direito à informação e à expressão artística científica intelectual e comunicacional Portanto para o STF a liberdade de informação jornalística é expressão sinônima de liberdade de imprensa constituindose em um patrimônio imaterial do povo e irmã siamesa da democracia Ou nas palavras do Ministro Celso de Mello a censura governamental emanada de qualquer um dos três Poderes é a expressão odiosa da face autoritária do poder público No final o STF decidiu que apesar da não recepção da Lei n 525067 o direito de resposta nela regulamentado ainda é cabível uma vez que é fruto direto do art 5º V da CF88 76 LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM PERÍODO ELEITORAL O Direito Eleitoral brasileiro sob a justificativa de impedir manipulação do eleitorado ofensa à isonomia entre os candidatos ou favorecimento pela mídia de determinado candidato possui diversos dispositivos de regulamentação da liberdade de expressão no período eleitoral Um dos primeiros casos suscitados no STF ainda em 1994 foi a vedação à utilização de gravações externas montagens ou trucagens na propaganda eleitoral gratuita O STF decidiu que essas restrições são constitucionais uma vez que o acesso ao rádio e à televisão sem custo para os partidos dáse a expensas do erário e deve ocorrer na forma que dispuser a lei consoante disposição expressa na CF88 art 17 3º Essas restrições são proporcionais na ótica do STF pois visam eliminar desequilíbrios fruto do poder econômico por exemplo vedando computação gráfica e efeitos especiais assegurandose a isonomia entre os candidatos ADI 956 rel Min Francisco Rezek j 1º72004 Plenário DJ de 2042001 Em 2002 o STF analisou a constitucionalidade da proibição da participação na propaganda partidária de pessoa filiada a partido que não o responsável pelo programa art 45 1º da Lei n 909695 Para o STF essa restrição é constitucional pois a propaganda partidária destinase à difusão de princípios ideológicos atividades e programas dos partidos políticos caracterizandose desvio de sua real finalidade a participação de pessoas de outro partido no evento em que veiculada ADI 2677MC rel Min Maurício Corrêa j 2662002 Plenário DJ de 7112003 Em 2017 a Lei n 134872017 extinguiu a propaganda partidária a partir de 1º12018 o que era antigo pleito das emissoras de rádio e televisão Em 2006 o STF reconheceu a inconstitucionalidade do art 35A inserido na Lei n 950497 Lei das Eleições que vedava a divulgação de pesquisas eleitorais a partir do décimo quinto dia anterior até às dezoito horas do dia do pleito Decidiu o STF que essa regra ofendeu o direito à informação garantido pela Constituição Federal e a liberdade de expressão política sendo à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade inadequada desnecessária e desproporcional quando confrontada com o objetivo pretendido pela legislação eleitoral que é em última análise o de permitir que o cidadão antes de votar forme sua convicção da maneira mais ampla e livre possível ADI 3741 rel Min Ricardo Lewandowski j 692006 Plenário DJ de 2322007 Informativo n 439 do STF Finalmente em 2011 o STF declarou inconstitucional as proibições às emissoras de rádios e televisões na programação normal e noticiários de uso de trucagem montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que de qualquer forma degradem ou ridicularizem candidato partido ou coligação ou produzir ou veicular programa com esse efeito a partir de 1º de julho do ano de eleições art 45 II da Lei n 950497 Nesse caso o STF fez valer a liberdade de imprensa das empresas de rádio e televisão que até aquele momento estavam impedidas de veicular os tradicionais programas humorísticos expondo criticamente a imagem dos candidatos ou os próprios a situações cômicas Quanto ao art 45 II e III 394 da mesma lei proibição de veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato partido coligação a seus órgãos ou representantes o STF deu interpretação conforme à Constituição para considerar conduta ilícita aferida a posteriori pelo Poder Judiciário a veiculação por emissora de rádio e televisão de crítica ou matéria jornalísticas que venham a descambar para a propaganda política passando nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral de modo a desequilibrar o princípio da paridade de armas ADI 4451REFMC rel Min Ayres Britto j 292010 Plenário DJe de 1º72011 Em 2018 houve o julgamento definitivo dessa ação tendo o STF declarado inconstitucional o art 45 II e III parte final a liberdade de expressão assegura tanto as opiniões supostamente verdadeiras admiráveis ou convencionais como aquelas que são duvidosas exageradas condenáveis satíricas humorísticas bem como as que são repudiadas por uma maioria Até mesmo as declarações errôneas podem ser abrigadas pela liberdade de expressão No voto da Ministra Rosa Weber houve a menção ao eventual apoio escancarado de um programa ou de uma emissora a um candidato a solução seria a punição do candidato pelo abuso dos meios de comunicação bem como tal conduta abusiva deveria ser noticiada pelo opositor caso tenha meios e recursos para que o eleitor pudesse inclusive não dar o voto àquele que assim se comporta Para o Min Fachin a proteção da legitimidade do pleito e da igualdade entre os candidatos pode ser feita de outra forma por exemplo com a vedação às empresas de rádio e televisão de dar tratamento privilegiado a candidato partido ou coligação art 45 IV o que asseguraria a isonomia sem impor censura Isso sem contar as figuras penais típicas do período eleitoral e o direito de resposta ADI 4451 rel Min Alexandre de Moraes j 2162018 P DJe de 632019 Em 2018 houve decisões judiciais na Justiça Eleitoral considerando manifestações favoráveis ou contrárias a determinados candidatos nas Eleições Presidenciais daquele ano em estabelecimentos de ensino universitário propaganda eleitoral ilícita em bem de uso comum ou até bem público no caso de universidades públicas A ProcuradoraGeral da República interpôs a ADPF 548 para assegurar a liberdade de expressão e manifestação dos docentes e discentes tendo obtido medida cautelar referendada pelo Plenário Para o STF as providências judiciais e administrativas impugnadas na ADPF além de ferir o princípio garantidor de todas as formas de manifestação da liberdade desrespeitam a autonomia das universidades e a liberdade dos docentes e discentes ADPF 548MCREF rel min Cármen Lúcia j 31102018 Plenário Informativo 922 Esse precedente é importante freio às tentativas de ampliação do alcance das vedações à propaganda eleitoral da Lei n 950497 Lei das Eleições que devem assegurar somente a igualdade entre os candidatos e a liberdade do eleitor Não podem se transformar em mecanismos de asfixia da crítica política e da liberdade de expressão salutar em qualquer processo eleitoral 77 OUTROS CASOS DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SUAS RESTRIÇÕES NO STF Crime de racismo religioso A liberdade de expressão como condição de tutela efetiva da liberdade de religião Prevalência da liberdade de expressão religiosa Tratouse de denúncia criminal do Ministério Público Federal contra sacerdote da Igreja Católica autor de publicação que afirmava entre outros que o demônio hoje se esconde nos rituais e nas práticas do espiritismo da umbanda do candomblé e ainda que o espiritismo é como uma epidemia e como tal deve ser combatido No voto do relator Min Edson Fachin a liberdade de expressão religiosa compreende o chamado discurso proselitista que visa convencer e doutrinar o outro sobre a sua fé Por isso não seria ilícito penal a comparação entre diversas religiões inclusive com explicitação de hierarquização ou animosidade Concluiu o Relator afirmando que Conduta que embora intolerante pedante e prepotente se insere no cenário do embate entre religiões e decorrente da liberdade de proselitismo essencial ao exercício em sua inteireza da liberdade de expressão religiosa RHC 134682 rel Min Edson Fachin j 29112016 1ª T DJe de 2982017 Classificação indicativa e não impositiva Prevalência da liberdade de expressão e impossibilidade de censura prévia O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA que estabelece multa e suspensão de programação às emissoras de rádio e TV que exibirem programas em horário não autorizado pela classificação indicativa do Ministério da Justiça brasileiro Foi decisivo para o STF a vedação à censura art 220 caput da CF88 e o disposto no art 220 3º da CF88 que estabelece que o Poder Público deve informar sobre a natureza dos programas locais e horário de exibição Para o Min Dias Toffoli o dispositivo questionado ao estabelecer punição às empresas de radiodifusão por exibirem programa em horário diverso do autorizado incorreu em abuso constitucional uma vez que não há albergado na CF88 horário autorizado mas tão somente horário recomendado Assim o STF reconheceu que o tema proteção da criança na programação de rádio e TV é submetido inicialmente à autorregulação mas ficou ressalvada no voto do Relator a possibilidade de responsabilização judicial das emissoras de radiodifusão por abusos ou eventuais danos à integridade das crianças e dos adolescentes inclusive levando em conta a recomendação do Ministério da Justiça quanto aos horários em que a referida programação se mostre inadequada STF ADI 2404 rel Min Dias Toffoli j 3182016 Liberdade de expressão e manifestações políticas em grandes eventos Copa do Mundo O STF indeferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade que impugnava o parágrafo 1º do art 28 da Lei n 126632012 Lei Geral da Copa que na visão do Autor da ADI restringia a liberdade de expressão Para o STF o parágrafo único do art 28 É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana possui sentido oposto ao daquele interpretado pelo Autor da ADI partido político ou seja assegura a liberdade de expressão Para o Min Barroso a liberdade de expressão é uma manifestação da dignidade da pessoa humana e do ponto de vista do seu valor instrumental ela é também uma forma de expressão para realizar este fim último da democracia ADI 5136 MC rel Min Gilmar Mendes j 1º72014 Plenário DJe de 30 102014 Proteção da Criança e Adolescente e liberdade de expressão e informação Restrição prevista na lei e não na Constituição Inconstitucionalidade Divulgação total ou parcial por qualquer meio de comunicação de nome ato ou documento de procedimento policial administrativo ou judicial relativo à criança ou adolescente a que se atribua ato infracional Publicidade indevida Penalidade suspensão da programação da emissora até por dois dias bem como da publicação do periódico até por dois números Inconstitucionalidade A Constituição de 1988 em seu art 220 estabeleceu que a liberdade de manifestação do pensamento de criação de expressão e de informação sob qualquer forma processo ou veículo não sofrerá qualquer restrição observado o que nela estiver disposto Limitações à liberdade de manifestação do pensamento pelas suas variadas formas Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na própria Constituição ADI 869 Rel po ac Min Maurício Corrêa j 481999 Plenário DJ de 462004 Proibição judicial que impede órgão de imprensa de divulgar teor sigiloso de investigação policial Não é caso de ofensa à ADPF 130 Liberdade de imprensa Decisão liminar Proibição de reprodução de dados relativos ao autor de ação inibitória ajuizada contra empresa jornalística Ato decisório fundado na expressa invocação da inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade notadamente o da privacidade mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça Contraste teórico entre a liberdade de imprensa e os direitos previstos nos arts 5º X e XII e 220 caput da CF Ofensa à autoridade do acórdão proferido na ADPF 130 que deu por não recebida a Lei de Imprensa Não ocorrência Matéria não decidida na ADPF Processo de reclamação extinto sem julgamento de mérito Votos vencidos Não ofende a autoridade do acórdão proferido na ADPF 130 a decisão que proibindo a jornal a publicação de fatos relativos ao autor de ação inibitória se fundou de maneira expressa na inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade notadamente o da privacidade mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça Rcl 9428 rel Min Cezar Peluso j 10122009 Plenário DJe de 2562010 Tribunal de Contas da União e anonimato permanente do noticiante de irregularidade Impossibilidade A Lei 8443 de 1992 estabelece que qualquer cidadão partido político ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o TCU A apuração será em caráter sigiloso até decisão definitiva sobre a matéria Decidindo o Tribunal manterá ou não o sigilo quanto ao objeto e à autoria da denúncia 1º do art 55 Estabeleceu o TCU então no seu Regimento Interno que quanto à autoria da denúncia será mantido o sigilo inconstitucionalidade diante do disposto no art 5º V X XXXIII e XXXV da CF MS 24405 rel Min Carlos Velloso j 3122003 Plenário DJ de 2342004 DisqueDenúncia Anonimato Necessidade de diligências criminais preliminares para só depois instaurar o inquérito policial Firmouse a orientação de que a autoridade policial ao receber uma denúncia anônima deve antes realizar diligências preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa denúncia são materialmente verdadeiros para só então iniciar as investigações 2 No caso concreto ainda sem instaurar inquérito policial policiais federais diligenciaram no sentido de apurar as identidades dos investigados e a veracidade das respectivas ocupações funcionais tendo eles confirmado tratarse de oficiais de justiça lotados naquela comarca cujos nomes eram os mesmos fornecidos pelos denunciantes Portanto os procedimentos tomados pelos policiais federais estão em perfeita consonância com o entendimento firmado no precedente supracitado no que tange à realização de diligências preliminares para apurar a veracidade das informações obtidas anonimamente e então instaurar o procedimento investigatório propriamente dito 3 Habeas corpus denegado HC 95244 rel Min Dias Toffoli 1ª Turma j 2332010 publicado no DJ em 3042010 8 Liberdade de consciência e liberdade religiosa Art 5º VI é inviolável a liberdade de consciência e de crença sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e a suas liturgias VII é assegurada nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva VIII ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusarse a cumprir prestação alternativa fixada em lei 81 LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA A liberdade de consciência consiste no direito de possuir inovar expressar ou até desistir de opiniões e convicções assegurandose o direito de agir em consonância com tais valores A liberdade de pensamento vide acima abarca a liberdade de consciência mas sua especificação na Constituição realça a importância de se assegurar a livre formação e exteriorização de convicções e valores A própria Constituição valoriza a liberdade de consciência ao prever a chamada escusa de consciência ou ainda imperativo de consciência ou objeção de consciência que consiste na possibilidade de invocar convicção filosófica política ou religiosa para não cumprir obrigação legal a todos imposta devendo cumprir prestação alternativa fixada em lei No caso do serviço militar obrigatório o art 14 1º dispõe que às Forças Armadas compete na forma da lei atribuir serviço alternativo aos que em tempo de paz após alistados alegarem imperativo de consciência pacifistas por exemplo entendendose como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar A Lei n 823991 prevê que tal serviço alternativo será prestado em organizações militares da ativa e em órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos Ministérios Civis mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares desde que haja interesse recíproco e também sejam atendidas as aptidões do convocado O indivíduo realizará atividades de caráter administrativo assistencial filantrópico ou mesmo produtivo em substituição às atividades de caráter essencialmente militar Ao final do período será conferido Certificado de Prestação Alternativa ao Serviço Militar Obrigatório com os mesmos efeitos jurídicos do Certificado de Reservista Caso haja recusa ou cumprimento incompleto do Serviço Alternativo por motivo de responsabilidade pessoal do interessado não será emitido o certificado pelo prazo de dois anos após o vencimento do período que ele teria que ter cumprido Após esses dois anos o certificado só será emitido após a decretação pela autoridade competente da suspensão dos direitos políticos do inadimplente que poderá a qualquer tempo regularizar sua situação mediante cumprimento das obrigações devidas Apesar de minuciosa a Lei n 823991 não foi implementada pela União Até que tal situação seja alterada os jovens alistados que alegaram imperativo de consciência receberam o Certificado de Dispensa de Serviço Alternativo sem qualquer outro ônus Mais de 40 mil jovens de 2002 a 2006 invocaram o imperativo de consciência segundo os dados do Departamento de Mobilização do Ministério da Defesa que constam de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em litisconsórcio com o Ministério Público Militar perante a Justiça Federal de Santa Maria RS Em 2011 o Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgou a apelação dessa ação e decidiu que os mais de vinte anos de vigência da regra da escusa de consciência sem a devida implementação bem como a ausência de informação clara pelos órgãos responsáveis a respeito do direito resultam no dever da União de implementar tal serviço alternativo em um prazo de três anos Ação Civil Pública Ap Cív 200871020003563RS Rel Desa Federal Marga Inge Barth Tessler j 1632011 Em 2013 o Superior Tribunal de Justiça deu razão à União no curso da citada ação decidindo que não há a necessidade de implementar os serviços alternativos uma vez que i há custo para tanto e cabe à União verificar a conveniência e oportunidade de tal gasto e ii os jovens não são prejudicados porque recebem o certificado de dispensa REsp 1339383RS rel Min Benedito Gonçalves j 26112013 DJe de 2342014 Quanto à obrigação de servir como jurado no Tribunal do Júri dispõe o art 438 do CPP que a recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo sob pena de suspensão dos direitos políticos enquanto não prestar o serviço imposto Esse serviço alternativo consiste no exercício de atividades de caráter administrativo assistencial filantrópico ou mesmo produtivo no Poder Judiciário na Defensoria Pública no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins Cabe ao juiz fixar o serviço alternativo atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade art 438 1º e 2º do CPP No tocante às obrigações eleitorais o Código Eleitoral prevê que o eleitor que sendo obrigado o voto no Brasil é obrigatório a todos os brasileiros alfabetizados dos 18 aos 70 anos deixar de votar e não se justificar até 60 dias após a realização da eleição deverá pagar multa art 7º do CE A inscrição eleitoral será cancelada nos seguintes casos se o eleitor por três eleições consecutivas não votar nem justificar a sua ausência ou finalmente não pagar a multa por não ter votado e não ter justificado Com o cancelamento da inscrição ele não poderá exercer seus direitos políticos até que cumpra suas obrigações eleitorais pagando a multa No caso da alegação pelo eleitor de convicções filosóficas contrárias a sua participação no processo eleitoral como eleitor ou mesário não há prestação alternativa como prevê a Constituição O pagamento de multa não serve como serviço alternativo pois tem cunho punitivo o que não é o caso do serviço alternativo preconizado pela Constituição de 1988 82 LIBERDADE DE CRENÇA OU DE RELIGIÃO A liberdade de crença e religião é faceta da liberdade de consciência consistindo no direito de adotar ou não qualquer crença religiosa ou abandonála livremente bem como praticar seus ritos cultos e manifestar sua fé sem interferências abusivas Há um duplo aspecto da liberdade de crença ou religião no sentido positivo tal liberdade assegura o direito de professar uma fé no sentido negativo assegura o direito de não possuir uma fé ou ainda de não ser exposto indevidamente ao proselitismo religioso A proteção da liberdade de crença ou religião impede a punição daquele que a invoca para não cumprir obrigação legal a todos imposta como vimos acima na análise da escusa de consciência como também impede que alguém seja obrigado a acreditar em algum culto ou religião ou impelido a renunciar ao que acredita Fica estabelecido o marco de tolerância a toda e qualquer religião devendo o Estado ter uma postura de neutralidade sem favorecer ou prejudicar qualquer uma delas O art 19 da CF qualifica o Estado brasileiro como Estado laico uma vez que veda a qualquer ente federativo estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencionálos embaraçarlhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança ressalvada na forma da lei a colaboração de interesse público Há relação entre a liberdade de religião e a liberdade de expressão que se revela na possibilidade de difusão da fé e dos princípios de cada religião Esses atos de proselitismo religioso são duplamente protegidos pela gramática de direitos humanos pois fundamentam se na liberdade de expressão e também na liberdade de religião Justamente por ser uma faceta da liberdade de religião o proselitismo religioso possui tratamento jurídico distinto da expressão de ideias em geral O Supremo Tribunal Federal apreciou o limite do proselitismo religioso em espaços públicos na análise da restrição em vigor há mais de vinte anos no Brasil prevista no art 4º 1º da Lei n 961298 que estabelecia É vedado o proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de radiodifusão comunitária Para o STF por maioria o dispositivo colide com i a liberdade de expressão ii a liberdade religiosa e iii o livre exercício de cultos religiosos No voto do Min Fachin relator para o acórdão foi feito o diálogo das Cortes com citação da posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH na Opinião Consultiva n 5 Nesse julgado a Corte IDH enfatizou a dupla dimensão da liberdade de expressão que requer que ninguém seja arbitrariamente privado ou impedido de manifestar seu pensamento e ainda consiste no direito coletivo de receber informações e de conhecer o pensamento alheio Para Fachin a restrição ao proselitismo religioso em rádios comunitárias não se amolda a nenhuma hipótese de restrição autorizada de direitos humanos pois a liberdade de expressão inclui o discurso persuasivo e a troca de ideias Mesmo se tratando de concessões públicas impera a liberdade de expressão sob qualquer forma processo ou veículo art 220 da CF88 Quanto ao direito de não ser exposto indevidamente ao proselitismo religioso o dano é mínimo e bastaria ao ouvinte que desligue o rádio ADI 2566 rel p o ac Min Edson Fachin j 165 2018 P DJe de 23102018 A laicidade do Estado no Brasil foi consagrada somente na Constituição de 1891 e suas sucessoras Na Constituição imperial de 1824 houve a adoção da religião católica como oficial do Estado Estado Confessional art 5º e prevalecia o regalismo que consiste na subordinação da Igreja ao Estado em seus assuntos internos por exemplo pelo art 102 II cabia ao Imperador nomear os Bispos Por outro lado há outros comandos da Constituição de 1988 que fazem remissão à fé e a religiões a saber 1 a expressão sob a proteção de Deus no Preâmbulo da CF88 2 a escolha do descanso semanal preferencialmente aos domingos prevista no art 7º XV fruto do dia do descanso preconizado pelo cristianismo 3 a previsão de colaboração do Estado com entes religiosos caso isso seja de interesse público art 19 I 4 a previsão de dispensa do serviço militar obrigatório em tempo de paz aos eclesiásticos art 143 2º 5 a previsão do ensino religioso de matrícula facultativa como disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental art 210 1º 6 o art 5º VII assegura nos termos da lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva Quanto ao conteúdo do ensino religioso facultativo em escolas públicas há duas visões sob o tema A primeira visão tradicional sustenta que o ensino tem conteúdo vinculado ao ensino dos dogmas de determinada fé devendo ser ofertadas várias opções aos alunos de acordo com o interesse podendo ser os professores vinculados a igrejas ou cultos sendo vedado qualquer forma de doutrinação ou proselitismo É o chamado ensino religioso de caráter confessional A segunda visão defende que o ensino religioso em escola pública deve consistir na exposição das doutrinas e história das religiões bem como da análise de posições não religiosas como o ateísmo e o agnosticismo sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores que devem ser professores da própria rede pública Essa segunda posição foi defendida pela Procuradoria Geral da República ao propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4439 em 2010 perante o Supremo Tribunal Federal questionando a Lei n 939496 Lei de Diretrizes e Bases da Educação e a Concordata BrasilSanta Sé tratado incorporado internamente pelo Decreto 771072010 No julgamento dessa ADI n 4439 o STF julgou improcedente o pedido e conferiu interpretação conforme à Constituição ao art 33 caput e 1º e 2º da Lei n 93941996 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB e ao art 11 1º do acordo BrasilSanta Sé consagrando que o ensino religioso em escolas públicas pode ter natureza confessional O STF entendeu que o poder público observado o binômio laicidade do Estado e consagração da liberdade religiosa no seu duplo aspecto deve regulamentar o art 210 1º da CF autorizando na rede pública em igualdade de condições o oferecimento de ensino confessional das diversas crenças mediante requisitos formais de credenciamento de preparo previamente fixados pelo Ministério da Educação Para o STF deve ser permitido aos alunos se matricularem voluntariamente para que possam exercer o seu direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas O ensino deve ser ministrado por integrantes devidamente credenciados da confissão religiosa que será ministrada a partir de chamamento público preferencialmente sem qualquer ônus para o poder público STF ADI 4439 rel p o ac Min Alexandre de Moraes j 2792017 P Informativo 879 Assim para o STF o caráter confessional do ensino religioso em escolas públicas não viola a laicidade do Estado e a liberdade de religião no sentido negativo Quanto à prestação de assistência religiosa nos estabelecimentos civis e militares de internação coletiva quartéis presídios hospitais públicos entre outros há um direito que exige do Estado a implementação das condições materiais mínimas para a realização do culto sem discriminação de qualquer um desde que solicitados pelos internos Também é constitucional a lei de proteção animal que em nome da liberdade de religião prevê o sacrifício ritual de animais em cultos de religião de matriz africana Para o STF a proibição do sacrifício aniquilaria a própria essência da pluralidade cultural e religiosa Fixou se a seguinte tese É constitucional a lei de proteção animal que a fim de resguardar a liberdade religiosa permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana RE 494601 relator para o acórdão Min Edson Fachin j 2832019 Destaquese no caso a posição da maioria no STF a favor de evitar que em nome da tutela de um direito relevante seja aniquilado de modo desproporcional outro Em 2019 foi editada a Lei n 13796 pela qual ficou assegurado ao aluno regularmente matriculado em instituição de ensino pública ou privada de qualquer nível ausentarse de prova ou de aula marcada para dia em que segundo os preceitos de sua religião seja vedado o exercício de tais atividades devendo ser atribuído a critério da instituição e sem custos para o aluno prestação alternativa que pode ser i prova ou aula de reposição em data alternativa e com anuência expressa do aluno ou ii trabalho escrito ou outra modalidade de pesquisa Tratase aqui de ponderação legislativa entre a liberdade de crença e a igualdade os alunos sem distinção devem se submeter aos exames para comprovação de conhecimento preservandose a convicção religiosa do aluno Por sua vez o STF considerou inconstitucional a Lei n 18642008 do Estado de Rondônia que determinou a oficialização da Bíblia como livrobase de fonte doutrinária para fundamentar princípios usos e costumes de comunidades igrejas e grupos no Estado de Rondônia Essa adoção implicou inconstitucional discriminação entre religiões bem como resultou em ofensa à neutralidade exigida do Estado pela CF88 ADI 5257 rel Min Dias Toffoli j 2092018 P DJe de 3122018 Reafirmouse assim a laicidade do Estado brasileiro que não é religioso ou ateu e sim neutro ADPF 54 voto do rel Min Marco Aurélio j 1242012 P DJe de 3042013 83 LIMITES À LIBERDADE DE CRENÇA E RELIGIÃO Há limites à liberdade de crença e religião que são oriundos da necessária convivência com outros direitos e valores constitucionais Entre as situações analisadas pelo Judiciário estão 1 Colisão entre a liberdade de religião no que diz respeito à liberdade de culto e o direito à integridade psíquica no caso do uso de altofalantes com ruídos acima do permitido Há ponderação de valores não podendo a liberdade de religião impor de modo desproporcional ofensa ao sossego e descanso dos demais que compõem o direito à integridade psíquica e à saúde 2 Solicitação de data alternativa para realização de exames e concursos públicos Há diversas ações judiciais e pleitos administrativos no Brasil que exigem a mudança de datas de provas e exames em nome de crença de candidato que o impede de realizar a prova no dia ou horário previsto ordinariamente Em alguns casos é possível que o pedido do candidato seja atendido pela própria Administração sem maiores ônus e sem que a igualdade entre os candidatos seja afetada o que ocorreria hipoteticamente pela realização de prova de conteúdo diferente em outra data como por exemplo a realização de prova em horário diferente porém com incomunicabilidade do candidato beneficiado evitando a quebra do sigilo da prova que será a mesma para todos Porém em vários casos o indivíduo pleiteia que a prova seja diferente o que torna impossível a manutenção da igualdade no concurso Teremos então a necessidade de se ponderar o dispositivo constitucional da igualdade art 5º caput e a liberdade de religião art 5º VIII que proíbe a privação de direitos devido à crença religiosa Defendemos que é possível conciliar esses dois direitos na maior parte dos casos como por exemplo pelo uso da diferenciação de horários com incomunicabilidade do candidato que alega óbice religioso para não fazer no horário normal uso do critério da concordância prática entre esses dois direitos ou ainda da acomodação razoável O STF em 2011 reconheceu a repercussão geral dessa questão no Recurso Extraordinário 611874 ainda não julgado tendo como relator o Min Dias Toffoli ver acima comentário à Lei n 137962019 sobre a prestação alternativa em estabelecimentos de ensino públicos ou privados 3 Posição provisória do STF recusando mudança de data do ENEM para aluno da fé judaica Prevalência da igualdade em detrimento da liberdade de religião Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio ENEM em data alternativa ao Shabat Em mero juízo de delibação podese afirmar que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o princípio da isonomia convolandose em privilégio para um determinado grupo religioso STA 389AgR rel Min Presidente Gilmar Mendes j 3122009 Plenário DJe de 1452010 4 Recusa de tratamento médico por motivo religioso A recusa de determinado tratamento médico por motivo religioso é também tema polêmico Há vários casos nos quais o paciente alega impedimento religioso para recusar determinado tratamento por exemplo recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová pondo em risco sua própria vida Em que pese a decisões judiciais de 1º grau autorizando médicos a desconsiderar a vontade do próprio paciente entendemos como aponta Barroso que cabe ao paciente com a ressalva daqueles que não podem expressar de modo pleno sua vontade os interditados as crianças e adolescentes a escolha do tratamento em nome da liberdade e de sua autonomia Para Barroso a liberdade de religião é um direito fundamental que concretiza uma escolha existencial que deve ser respeitada pelo Estado e pela sociedade A recusa do paciente em se submeter a procedimento médico por motivo de crença religiosa configura manifestação da autonomia do paciente derivada da dignidade da pessoa humana O próprio autor citado ressalva que o consentimento deve ser genuíno ou seja válido inequívoco livre e informado 395 Com base nos direitos constitucionais à vida digna e à liberdade de crença a ProcuradoriaGeral da República ajuizou em 2019 no Supremo Tribunal Federal STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF n 618 com pedido de medida cautelar no qual visa assegurar às Testemunhas de Jeová maiores de idade e capazes o direito de não se submeterem a transfusões de sangue por motivo de convicção pessoal STF ADPF 618 rel Min Celso de Mello em trâmite 5 Colocação de crucifixos em órgãos públicos e em especial nas salas de audiência e sessões dos Tribunais Outro tema debatido é a colocação de símbolos de uma religião específica em repartições públicas do Estado laico brasileiro Para os defensores da inexistência de impedimento constitucional à colocação de crucifixos em salas de audiência plenários entre outros órgãos públicos tratase de manifestação cultural típica de um país cuja população é majoritariamente católica que não indica preferência do Estado por uma religião ou outra Para os opositores dessa prática comum no Poder Público brasileiro a existência do crucifixo ou de outros símbolos religiosos sinaliza uma conduta confessional por parte da administração pública que não poderia custear com dinheiro público um símbolo e nem afixálo em local público pois não seria um dos símbolos nacionais bandeira hino armas e selos nacionais previstos no art 13 da CF88 No Brasil a existência inclusive no Plenário do Supremo Tribunal Federal do crucifixo católico foi questionada judicialmente também perante o Conselho Nacional de Justiça CNJ Em 2007 o CNJ rejeitou por maioria quatro pedidos de providência 1344 1345 1346 e 1362 que exigiam a retirada dos crucifixos em dependências de órgãos do Poder Judiciário Para o CNJ os crucifixos e objetos da religião católica existentes nos Tribunais são símbolos da cultura brasileira amparados no art 215 da Constituição que trata da cultura não interferindo na imparcialidade e universalidade do Poder Judiciário O único voto vencido o do Conselheiro Paulo Lobo defendeu que no âmbito público do Estado laico não é cabível demonstrações como o uso de símbolos religiosos específicos O próprio STF acata esse posicionamento majoritário no CNJ pois na sala do Plenário do STF se encontra ao fundo acima do escudo de armas brasileiro um crucifixo 9 Direito à intimidade vida privada honra e imagem Art 5º X são invioláveis a intimidade a vida privada a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação XI a casa é asilo inviolável do indivíduo ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial XII é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas salvo no último caso por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal 91 CONCEITO DIFERENÇA ENTRE PRIVACIDADE OU VIDA PRIVADA E INTIMIDADE O direito à privacidade consiste na faculdade de se optar por estar só e não ser perturbado em sua vida particular formando uma esfera de autonomia e exclusão dos demais e evitando que sem o consentimento do titular ou por um interesse público nela se intrometam terceiros Assim o direito à privacidade é um direito fundamental que permite que seu titular impeça que determinados aspectos de sua vida sejam submetidos contra a sua vontade à publicidade e a outras turbações feitas por terceiros O direito à privacidade ou vida privada engloba de acordo com a doutrina o direito à intimidade Para Alexandre de Moraes a intimidade relacionase às relações subjetivas e de trato íntimo de uma pessoa suas relações familiares e de amizade enquanto privacidade ou vida privada é mais ampla e envolve todos os relacionamentos sociais inclusive as relações comerciais de trabalho e de estudo 396 A privacidade foi consagrada por Warren e Brandeis que em artigo intitulado Right to Privacy publicado em 1890 397 deram releitura ao direito de estar só sustentando que este abarcava as várias manifestações do modo de ser de um indivíduo como suas cartas desenhos gestos e conversas que mereciam proteção mesmo diante dos meios de comunicação social Desde então houve intenso desenvolvimento da proteção da privacidade trazendo debates sobre seu alcance e conteúdo em especial no momento de globalização e aumento incessante do fluxo de informação entre as pessoas Para auxiliar o entendimento sobre a dinâmica da proteção da privacidade é utilizada a teoria das esferas ou círculos concêntricos 398 De acordo com essa teoria a privacidade ou vida privada em sentido amplo contempla três círculos concêntricos a vida privada em sentido estrito o círculo da intimidade e o círculo do segredo O círculo da vida privada em sentido estrito consiste no conjunto de relações entre o titular e os demais indivíduos contendo informações de conteúdo material por exemplo dados sobre a riqueza de alguém e também sentimentos porém de caráter superficial e de menor impacto sobre a intimidade como por exemplo as amizades comuns No círculo da vida privada em sentido estrito são contidos os sigilos de âmbito patrimonial fiscal bancário e de dados das mais diversas ordens registros telefônicos dados telemáticos entre outros Já o círculo da intimidade é composto pelo conjunto de manifestações informações imagens gestos entre outros só compartilhados com familiares e amigos próximos e no máximo com profissionais submetidos ao sigilo profissional Nesse círculo encontrase a previsão da proibição da intrusão de terceiros no domicílio inviolabilidade do domicílio prevista no art 5º IX da CF88 e ainda a proteção do acesso indevido e publicização do conteúdo das comunicações pelos mais diversos meios gerando o sigilo do conteúdo telemático epistolar telefônico entre outros Finalmente no círculo do segredo há todas as manifestações e preferências íntimas que são componentes confidenciais da personalidade do titular envolvendo suas opções e sentimentos que por sua decisão devem ficar a salvo da curiosidade de terceiros A teoria das esferas ou círculos concêntricos parte do pressuposto de que a proteção da intimidade depende da conduta do próprio titular que a partir de escolhas pessoais decide o que vai partilhar ou não com o público O Código Civil de 2002 obedeceu o comando constitucional dispondo em seu art 21 que a vida privada da pessoa natural é inviolável e o juiz a requerimento do interessado adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma 92 DIREITO À HONRA E À IMAGEM O direito à privacidade desdobrase com base na Constituição de 1988 na proteção do direito à honra e direito à imagem O direito à honra consiste na preservação da reputação de determinada pessoa perante a sociedade honra objetiva ou da dignidade e autoestima de cada um honra subjetiva A pessoa jurídica possui somente a honra objetiva O direito à imagem consiste na faculdade de controlar a exposição da própria imagem para terceiros Esse controle da exposição da imagem veda tanto a divulgação quanto montagem inclusive diante dos meios de comunicação e abrangendo tanto a pessoa física quanto a jurídica O direito à imagem foi tratado no STF na análise da exposição de pessoas algemadas o que constituiria uma infâmia social ofendendo o disposto no art 5º X direito à imagem Para a Min Cármen Lúcia as algemas em prisões que provocam grande estardalhaço e comoção pública cumprem hoje exatamente o papel da infâmia social A Constituição da República em seu art 5º III em sua parte final assegura que ninguém será submetido a tratamento degradante e no inciso X daquele mesmo dispositivo protege o direito à intimidade à imagem e à honra das pessoas De todas as pessoas seja realçado Não há para o direito pessoas de categorias variadas O ser humano é um e a ele deve ser garantido o conjunto dos direitos fundamentais As penas haverão de ser impostas e cumpridas igualmente por todos os que se encontrem em igual condição na forma da lei HC 89429 voto da rel Min Cármen Lúcia j 2282006 Primeira Turma DJ de 222007 Também é cabível a indenização no caso de publicação de fotografia não consentida sendo admitida a cumulação do dano material com dano moral pois a publicação da fotografia de alguém com intuito comercial ou não causa desconforto aborrecimento ou constrangimento não importando o tamanho desse desconforto desse aborrecimento ou desse constrangimento Desde que ele exista há o dano moral que deve ser reparado manda a Constituição art 5º X STF RE 215984 rel Min Carlos Velloso j 462002 Segunda Turma DJ de 2862002 O Superior Tribunal de Justiça por sua vez decidiu que pessoa jurídica de direito público não tem direito à indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem sendo inaplicável a Súmula 227 do STJ A pessoa jurídica pode sofrer dano moral ao Estado STJ REsp 1258389PB 93 DIREITO À PRIVACIDADE E SUAS RESTRIÇÕES POSSÍVEIS O direito à privacidade convive no texto constitucional e nos tratados de direitos humanos com o direito à informação e com a liberdade de imprensa A primeira restrição ao direito à privacidade é oriunda da própria conduta do titular Caso o titular exponha sua imagem e conduta ao público não poderá rechaçar a divulgação de sua imagemretrato incluída no próprio cenário público do qual participa caso de um comício de uma manifestação popular entre outros Também aqueles que vivem da exploração da imagem celebridades ou atuam na vida política aceitam maior exposição das diversas manifestações de sua conduta não podendo depois invocar o direito à privacidade para impedir a divulgação de fatos considerados desabonadores Entretanto mesmo as figuras públicas possuem o direito à privacidade em especial no que diz respeito ao círculo da intimidade e do segredo em ambientes fechados ou reservados Por isso viola a intimidade a atitude de fotografar sem autorização com teleobjetivas celebridades em seus lares ou ambientes reservados sem acesso ao público Há maior polêmica a respeito da exposição da prática de atos íntimos de pessoas em espaços públicos De um lado há aqueles que defendem que mesmo em espaços públicos há a incidência do direito à privacidade mesmo das pessoas célebres Nesse sentido é a lição de Walter Rothenburg que comentando o caso de conhecida apresentadora brasileira filmada sem seu conhecimento ou anuência em praia pública em cidade espanhola praticando atos íntimos com seu namorado sustentou que quem ousa fazer amor na praia ou no mar expõe se deliberadamente em certa medida e assim tem diminuída sua esfera de privacidade mas dela não abdica completamente Mesmo que o espaço seja público não se pode devassar completamente a privacidade das pessoas que guardam em algum grau a possibilidade de determinação sobre o que querem expor 399 Entendemos que há dois parâmetros que são úteis para determinar a prevalência da privacidade em casos de exposição de comportamentos em espaços públicos que é a i falta de interesse público das filmagens e fotografias o voyeurismo de alguns não atende esse critério e a ii falta de autorização para a obtenção das imagens que serão depois alavancas para maiores vendagens audiência e lucros de terceiros Esses foram os parâmetros da Corte Europeia de Direitos Humanos Corte EDH em caso célebre envolvendo a Princesa Caroline de Mônaco alvo frequente de fotógrafos paparazzi que com teleobjetivas potentes e outras táticas tiraram fotos do cotidiano da princesa em espaços públicos A Corte em face da falta de interesse público legítimo e de autorização da Princesa dada a finalidade comercial evidente da atividade dos fotógrafos considerou que houve violação ao direito à privacidade previsto na Convenção Europeia de Direitos Humanos Em 2012 a Corte EDH rechaçou a demanda oposta pela Princesa contra a Alemanha entendendo que o Estado réu por seu Poder Judiciário havia seguido a jurisprudência europeia de direitos humanos ao permitir a publicação de foto da Princesa em férias para ilustrar matéria de interesse público legítimo referente ao estado de saúde do seu pai o Chefe de Estado de Mônaco Príncipe Rainier o que não havia existido na ação julgada pela Corte em 2004 400 Em sentido oposto há precedente do Superior Tribunal de Justiça em caso envolvendo foto publicada sem autorização de banhista de topless em praia em Santa Catarina no qual ficou decidido que se a demandante expõe sua imagem em cenário público não é ilícita ou indevida sua reprodução sem conteúdo sensacionalista pela imprensa uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada REsp 595600SC rel Min Cesar Asfor j 1832004 Os políticos também possuem direito à privacidade limitado porém não inexistente Assim o comportamento íntimo dos agentes públicos merece proteção salvo se a divulgação for justificável em face interesse público como por exemplo a divulgação de fotos referentes à infidelidade conjugal de político conhecido pelo discurso da defesa da família e da moral para angariar votos A segunda limitação diz respeito à preponderância em um juízo de proporcionalidade do direito à informação diante do direito à privacidade e a vontade do titular de não expor dados de sua vida em público mesmo diante de fatos que têm interesse social Um caso célebre que ocorreu no Tribunal Constitucional Federal da Alemanha TCF é o caso do Assassinato dos soldados de Lebach também conhecido como Caso Lebach julgado em 1973 No caso tratouse da proibição da edição de documentário por empresa de televisão alemã sobre uma chacina ocorrida em Lebach foram mortos quatro soldados em um roubo de munição na iminência da soltura de um dos criminosos O TCF decidiu que em geral o direito de informação da população em crimes graves prevalece interesse social sendo permitida a informação do nome foto ou outra identificação do criminoso Porém um documentário posterior anos depois é inadmissível em face da ameaça à sua reintegração à sociedade ressocialização devendo ser protegida sua imagem e intimidade Em 1999 o TCF permitiu a veiculação de programa sobre o caso Lebach argumentando que as mais de duas décadas passadas já haviam permitido a ressocialização dos envolvidos 401 Outro tema sempre discutido no Brasil é se há violação ao direito à honra pela divulgação de mera suspeita ou ainda de ação penal ou de improbidade ainda não transitada em julgado Em vários precedentes judiciais não há violação do direito à honra se a informação prestada atender o dever de veracidade aferível naquele momento e seu conteúdo for relevante para o interesse público excluindose do âmbito de proteção da privacidade Nesse sentido decidiu o STJ que a honra e imagem dos cidadãos não são violados quando se divulgam informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que além disso são do interesse público O veículo de comunicação eximese de culpa quando busca fontes fidedignas quando exerce atividade investigativa ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará Porém o dever de veracidade que incumbe à mídia deve ser avaliado no contexto jornalístico no qual as matérias devem ser produzidas de modo célere Se a suspeita sobre o indivíduo realmente existia e a divulgação informou que eram suspeitas sem apontálo como criminoso condenado não houve violação de sua honra mesmo que anos depois ele tenha sido absolvido cabalmente REsp 984803 rel Min Nancy Andrighi j 1982009 94 DIREITO AO ESQUECIMENTO E DIREITO À ESPERANÇA O CONFLITO ENTRE A PRIVACIDADE E A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO O direito à privacidade possui limites como visto anteriormente que levam em determinadas situações à prevalência do direito à informação sendo inadmitida a censura pública ou privada Na atualidade da sociedade da informação na qual os registros de fatos ocorridos no passado podem ser facilmente coletados por mecanismos de busca discutese se a passagem do tempo pode transformar um fato que outrora possuiu interesse público em um fato abarcado pelo direito à privacidade Surge então como desdobramento do direito à privacidade o direito ao esquecimento que consiste na faculdade de se exigir a não publicização de fato relacionado ao titular cujo interesse público esvaneceu pela passagem do tempo O direito ao esquecimento right to be forgotten droit à loubli el derecho al olvido possui duas facetas a de não permitir a divulgação right of oblivion e a de buscar a eliminação do fato registrado que em virtude do tempo passado não mais pode ser considerado público exigindo a autorização do titular para que conste de bancos de dados right to erasure autodeterminação informativa O direito ao esquecimento então é importante tema em um mundo no qual a informação inclusive pessoal tem valor econômico para fornecedores empregadores meios de comunicação etc fazendo com que haja o choque entre o direito à privacidade e a autodeterminação informativa de um lado e o direito de informação de outro em um contexto diferente do que foi visto acima no qual a jurisprudência nacional e internacional inclinase a reconhecer a prevalência do direito à informação no caso de fatos de interesse público que é a passagem do tempo No Direito Comparado um dos primeiros casos do direito ao esquecimento ocorreu na França em 1967 no qual foi exigida a reparação de danos a antiga companheira de serial killer pela sua menção no filme Landru do conhecido cineasta Claude Chabrol tendo a Corte de Cassação rechaçado o pleito porque ela própria havia tornado o caso público pela publicação de livro 402 Via de regra o direito ao esquecimento era debatido sem a caracterização atual nos casos de condenações criminais nas quais o condenado via a sua ressocialização após o cumprimento da pena dificultada pelo ressurgimento de tempos em tempos do caso na mídia Essa preocupação com os direitos dos exsentenciados foi vista no caso Lebach do Tribunal Constitucional Federal comentado anteriormente em suas duas aparições na jurisprudência daquele Tribunal Por sua vez em decisão de 20 de abril de 1983 o Tribunal de Grande Instance TGI de Paris no caso M c Filipacchi et Cogedipresse reconheceu o direito ao esquecimento titularizado por todo indivíduo envolvido em eventos públicos após a passagem de vários anos que possibilita na vedação de publicização desse envolvimento desde que não seja indispensável à história 403 No plano internacional o direito ao esquecimento foi consagrado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia TJUE que em sentença de 13 de maio de 2014 condenou o buscador Google a retirar a pedido da sua lista de resultados de pesquisa aqueles que firam o direito ao esquecimento Tratouse do Caso Costeja Gonzales envolvendo nacional espanhol que pleiteou a eliminação da menção nos resultados da busca envolvendo seu nome no buscador em questão de dívida perante a seguridade social espanhola uma vez que a execução já havia sido encerrada há mais de 15 anos e tal menção apesar de correta trazia anos depois prejuízos à imagem de bom pagador O TJUE deu preferência ao direito à privacidade art 7º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e 8º direito à proteção dos dados pessoais em detrimento da liberdade de iniciativa do Google os negócios envolvendo a disponibilização de informações são vultosos e eventual direito à informação de terceiros na modalidade receber informação salientando que sua decisão era justificada pela ausência de interesse público na pesquisa impugnada 404 No Brasil a defesa do direito ao esquecimento foi adotada na VI Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça 2013 Dispõe o Enunciado 531 não vinculante de mera orientação aos magistrados e demais operadores do Direito que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento tendo tido a justificativa de sua adoção a cautela de ressaltar que o direito ao esquecimento Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados 405 O Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito ao esquecimento em caso envolvendo indivíduo absolvido pelo Tribunal do Júri por envolvimento na Chacina da Candelária massacre de 8 jovens no Rio de Janeiro ocorrido em 1993 que pugnou pelo seu direito de não ver seu nome incluído em programa de televisão que reconstituía a tragédia em 2006 REsp 1334097RJ rel Min Luís Felipe Salomão j 2852013 DJ de 1092013 Por seu turno o mesmo STJ não reconheceu o direito ao esquecimento no caso Aída Curi no qual familiares da vítima de assassinato buscaram proibir programa de televisão sobre esse homicídio ocorrido há mais de 50 anos Nesse último caso o STJ entendeu que o crime havia se tornado histórico tendo entrado para o domínio público de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa retratar o caso Aída Curi sem Aída Curi REsp 1335153RJ rel Min Luís Felipe Salomão j 2852013 DJe de 1092013 A decisão no Caso Chacina da Candelária fez a ponderação dos direitos envolvidos direito ao esquecimento e a liberdade de informação à luz do paradigma brasileiro atual do século XXI de uma democracia consolidada e com um Poder Judiciário independente o que não condiz com as restrições feitas à liberdade no tempo da ditadura militar tendo gerado debates que serão dirimidos pelo STF recurso extraordinário com repercussão geral já admitido mas ainda não julgado até a data de fechamento desta edição Listo a seguir as principais críticas ao direito ao esquecimento e os argumentos favoráveis iCrítica A liberdade de informação e de imprensa prevalecem sobre o direito à privacidade e o direito ao esquecimento Resposta A liberdade de informação não prevalece em abstrato sobre todo e qualquer direito em especial no contexto de uma sociedade democrática na qual não há censura estatal bem como há interesses econômicos que valoram e lucram sobre a informação e imagem de terceiros iiCrítica O direito ao esquecimento viola o direito à memória Resposta O direito ao esquecimento não é passível de invocação diante de fatos históricos ou domínio público cuja importância faz prevalecer o direito à memória Tratase ao contrário de direito oponível na sociedade da hiperinformação no qual se lucra com a eliminação ou mitigação da privacidade sobre fatos que não são de interesse histórico iiiCrítica A relevância social de um fato pretérito a ser divulgado não pode ser decidida pelo Poder Judiciário devendo os órgãos de comunicação serem livres para informar o que considerarem de interesse público mesmo que visto por alguns como puro mercantilismo ou sensacionalismo tabloide Resposta Essa crítica retoma sob outro ângulo a preponderância da liberdade de informação sob qualquer outro direito ao impedir o acesso à justiça para fazer prevalecer o direito à privacidade em determinado caso concreto Como visto acima primeiro caso Caroline de Mônaco a Corte EDH considerou a ausência de interesse público e ainda o uso da imagem privada da vítima para obtenção de lucros a terceiros como parâmetros para comprimir a liberdade de informação e privilegiar o direito à intimidade da princesa ivCrítica Se o fato no passado foi de interesse público e sua divulgação foi lícita o decurso do tempo não pode transformar sua divulgação em ilícita Resposta O decurso do tempo é importante fator na avaliação do estatuto normativo de um determinado fato O Min Luís Felipe Salomão citou por exemplo o decurso do prazo de cinco anos para a menção de dívida nos bancos de dados de consumo após esse prazo a manutenção da negativação é ilícita art 43 1º do CDC ou ainda o art 748 do Código de Processo Penal que prevê que concedida a reabilitação as condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado nem em certidão extraída dos livros do juízo salvo quando requisitadas por juiz criminal Assim a passagem do tempo é importante fator para decidir sobre a licitude ou ilicitude de determinada conduta Como foi decidido pelo TCF alemão no primeiro Caso Lebach a veiculação do programa seria desastrosa para a ressocialização décadas depois segundo caso Lebach não mais Finalmente o direito ao esquecimento na visão do precedente Chacina da Candelária do STJ está em linha com o direito à esperança pois permite que fatos deletérios do passado não impeçam a vida cotidiana dos envolvidos de modo perpétuo ou ainda como no caso em concreto o indivíduo fora absolvido permite que vicissitudes do passado inquéritos arquivados absolvições etc possam ser reparadas Tratase assim de um direito a ser deixado em paz No Supremo Tribunal Federal o direito ao esquecimento consta do Recurso Extraordinário n 1010606 em trâmite e com repercussão geral reconhecida no qual será dirimido eventual conflito entre o direito ao esquecimento inviolabilidade da honra e direito à privacidade em contraste com a liberdade de expressão e de imprensa bem como o direito à informação Em junho de 2017 foi realizada audiência pública no STF para coletar posições entre os mais variados atores da sociedade contribuindo para o deslinde do caso 406 Em 2018 a ProcuradoriaGeral da República manifestouse favoravelmente ao reconhecimento do direito ao esquecimento 407 com a proposta da seguinte tese para fins de repercussão geral O direito ao esquecimento por ser desdobramento do direito à privacidade deve ser ponderado no caso concreto com a proteção do direito à informação e liberdade de expressão 95 ORDENS JUDICIAIS RESTRINGINDO A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO EM NOME DO DIREITO À PRIVACIDADE O direito à privacidade para ser protegido de modo integral exige a intervenção judicial inclusive com o manejo da tutela preventiva ou inibitória Há vários casos nos quais o titular do direito à privacidade busca ordem judicial para suspender previamente a divulgação de notícia retirar livros de circulação impedir publicação de notícia em jornais etc Tal ordem judicial consistiria em censura proibida pela CF88 que só admitiria a responsabilidade a posteriori da mídia que deveria indenizar os danos causados A resposta é negativa A liberdade de informação e a vedação da censura não geram restrição ao direito de acesso à justiça igualmente previsto na CF88 em seu art 5º XXXV A tutela inibitória existe justamente para os casos nos quais a indenização a posteriori é insuficiente para recompor o direito lesado o que ocorre justamente no caso da privacidade que nunca será recomposta após a divulgação das informações 408 Nesse sentido Gilmar Mendes defende o direito de acesso à justiça uma vez que a proteção judicial à ameaça ao direito à privacidade em nada valeria caso a intervenção judicial apenas pudesse se dar após a configuração da lesão 409 96 DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO OBTIDA ILICITAMENTE Outro tema que merece destaque na atualidade brasileira é a possibilidade de divulgação de informações de interesse público mas que foram obtidas ilicitamente pela ação de terceiros Por exemplo é legítimo que emissora de televisão veicule gravação ilícita de conversa telefônica feita por terceiros que repassaram a gravação à emissora de agentes públicos com diálogos sobre corrupção e recebimento de propina É legítimo que um jornal divulgue informações sobre político que recebeu de suas fontes não reveladas sigilo de fonte contidas em inquérito criminal sob sigilo judicial Em casos semelhantes aos dois exemplos citados o STF não permitiu em exame preliminar a divulgação das informações ao público por considerar que respectivamente o sigilo telefônico e o sigilo judicial foram indevidamente violados em detrimento da privacidade dos envolvidos Pet 2702MC rel Min Sepúlveda Pertence j 1892002 Plenário DJ de 199 2003 e Rcl 9428 rel Min Cezar Peluso j 10122009 Plenário DJe de 2562010 Nesses casos para o STF a liberdade de imprensa que foi valorizada na ADPF 130 que considerou não recepcionada a Lei de Imprensa deve obediência ao direito à privacidade mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça Rcl 9428 rel Min Cezar Peluso j 10122009 Plenário DJe de 2562010 Contudo em 2018 a 2ª Turma do STF liberou a publicação de informação sob o manto do sigilo judicial obtida pelo jornal O Estado de SPaulo Caso da Operação Boi Barrica já mencionado Para o STF em face da ADPF 130 é proibida a censura de publicações jornalísticas bem como é excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões Eventual abuso da liberdade de expressão deve ser reparado preferencialmente por meio de retificação direito de resposta ou indenização STF Agravo Regimental no RE 840718 rel para o acórdão Min Edson Fachin j 1092018 Outra situação é a da possibilidade de investigação e persecução penal de jornalista que divulgou informação protegida sob sigilo O STF distinguiu a interceptação telefônica ilícita crime de acordo com o art 10 da Lei n 929696 410 que exige a intrusão do agente da conduta de divulgação daquilo que já foi interceptado feita por jornalista o que seria atípico mesmo que o conteúdo estivesse sob sigilo Rcl 19464SP concessão de habeas corpus de ofício rel Min Dias Toffoli 2292015 97 INVIOLABILIDADE DOMICILIAR 971 Conceito e as exceções constitucionais O art 5º XI dispõe que a casa é asilo inviolável do indivíduo ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador salvo em caso de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro ou durante o dia por determinação judicial O direito à privacidade ecoa nessa garantia fazendo com que o indivíduo seja o senhor de sua morada podendo impedir que o Poder Público ou terceiros a invadam salvo na ocorrência das exceções previstas no texto da Constituição que são 1 flagrante delito 2 desastre 3 prestar socorro e 4 por ordem judicial durante o dia A invasão domiciliar então consiste na entrada de terceiro em uma casa sem a permissão do morador ou ainda contra sua expressa proibição O Supremo Tribunal Federal decidiu que o conceito de casa é abrangente atingindo todo e qualquer compartimento privado não aberto ao público onde determinada pessoa possui moradia ou exerce profissão ou atividade Assim o conceito constitucional ou normativo de casa abrange a moradia propriamente dita nas mais diversas formas e também os locais de exercício de qualquer atividade nos espaços não abertos ao público existentes em empresas escritórios de contabilidade consultórios médicos e odontológicos entre outros HC 93050 rel Min Celso de Mello j 10 62008 Segunda Turma DJe de 1º82008 Nessa linha o Código Penal dispõe que a expressão casa compreende I qualquer compartimento habitado II aposento ocupado de habitação coletiva III compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade art 150 4º Para que seja então lícita a entrada de qualquer pessoa a uma casa em seu sentido normativo amplo consagrado pelo STF é necessário separar duas situações i com autorização do morador e ii sem autorização do morador invito domino ou seja contra a vontade do morador Com a autorização do morador não há restrição a entrada em uma casa inclusive por parte de autoridades públicas Sem autorização do morador cabe a entrada em uma casa a qualquer momento nas seguintes hipóteses 1 na ocorrência de flagrante delito ou iminência de o ser art 150 3º II do CP 2 na ocorrência de desastre e 3 para prestar socorro Também sem autorização do morador e somente durante o dia cabe a entrada de determinada pessoa em uma casa por ordem judicial No caso do flagrante delito e diante de diversos casos de invasão domiciliar pela polícia sem ordem judicial sob a alegação de ocorrência de crime permanente 411 em geral tráfico de drogas o STF decidiu aperfeiçoar a jurisprudência até então dominante que considerava lícita tal invasão aprovando a seguinte tese em recurso extraordinário com repercussão geral A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita mesmo em período noturno quando amparada em fundadas razões devidamente justificadas a posteriori que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados RE 603616 rel Min Gilmar Mendes j 5112015 DJe de 952016 com repercussão geral Assim mesmo que nenhum crime tenha sido detectado após a invasão os policiais não respondem pelo crime de violação de domicílio majorado pela sua qualidade de funcionário público art 150 2º do CP caso demonstrem a posteriori a existência das fundadas razões que os levaram a crer na existência de flagrante delito na residência invadida Por outro lado devem os policiais ter em mente a necessidade de sustentar as fundadas razões que devem ser analisadas já na audiência de custódia que aferirá a legalidade do flagrante O durante o dia previsto na Constituição é determinado de acordo com o critério físico astronômico compreendendo o lapso temporal entre a aurora e o crepúsculo que em geral corresponde ao período das 0600hs às 1800hs podendo ser alargado no caso do horário de verão uma vez que a proteção prevista na Constituição visa impedir possíveis ações ilegais acobertadas pela escuridão na casa invadida 412 A forma pela qual deve ser feita a invasão do domicílio é ditada pelo art 245 do CPP que dispõe que as buscas domiciliares serão executadas de dia salvo se o morador consentir que se realizem à noite e antes de penetrarem na casa os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador ou a quem o represente intimandoo em seguida a abrir a porta Com isso nenhum terceiro poderá sem o consentimento do morador ingressar durante o dia sem ordem judicial em espaço privado não aberto ao público É a cláusula de reserva de domicílio Além da sanção do crime de invasão de domicílio art 150 do CP ou ainda de abuso de autoridade art 22 da Lei n 138692019 a prova resultante da diligência de busca e apreensão gerada por violação indevida do espaço domiciliar é inadmissível porque impregnada de ilicitude material HC 93050 rel Min Celso de Mello j 1062008 Segunda Turma DJe de 1º82008 Apesar do comando expresso do art 5º XI o STF reconheceu como válida a invasão domiciliar durante a noite por ordem judicial justificandoa em virtude da i inexistência de outra alternativa pois a invasão durante o dia frustraria o escopo da medida inviabilizando a tutela judicial justa ii houve desgaste mínimo à privacidade pois o escritório de advocacia cujo recinto foi invadido pelos policiais federais para instalação de aparelho de interceptação ambiental estava vazio Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 26 32010 Correto o entendimento do STF uma vez que a ponderação de bens e valores prevista no corpo da Constituição não é exaustiva nem impede a aplicação do critério da proporcionalidade em situações não previstas pelo Poder Constituinte vide Parte I Capítulo III item 745 sobre a ponderação de 2º grau De fato há casos nos quais o direito de acesso à justiça e seus corolários como o direito à verdade e à tutela jurídica justa exigem que o direito à privacidade seja mitigado podendo o juiz autorizar fundamentadamente a invasão domiciliar noturna Interpretar as exceções à inviolabilidade domiciliar como sendo exaustivas seria negar a tutela jurídica justa o que não é obviamente o objetivo de um Estado Democrático de Direito 972 Proibição de ingresso no domicílio e a atividade das autoridades tributárias e sanitárias O poder de polícia e o atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos também denominado privilège du preálable não autorizam a invasão domiciliar por parte dos agentes públicos fora das exceções previstas no art 5º XI No caso das autoridades tributárias o art 145 1º da CF dispõe que pode a administração tributária identificar respeitados os direitos individuais e nos termos da lei o patrimônio os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte Nessa linha o art 195 do CTN dá ao Fisco o direito de examinar mercadorias livros arquivos documentos papéis e efeitos comerciais ou fiscais impondo a obrigação dos que os detém de exibilos Essa regra impõe amplo acesso dos agentes fiscalizadores aos documentos e bens para a correta aplicação da lei tributária existindo a obrigação legal de apresentar tais itens para fiscalização STF Súmula 439 Estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais limitado o exame aos pontos objeto da investigação Porém não pode a lei tributária exigir que o fiscalizado aceite a entrada dos fiscais nos espaços privados sem acesso ao público Sem o consentimento não podem os fiscais ingressar nesses recintos que ficam ao abrigo da inviolabilidade domiciliar do art 5º XI da CF88 Nesse caso cabe ao Fisco proceder ao lançamento por arbitramento com a imposição de multa pela não apresentação dos documentos e informações exigidos ou obter ordem judicial para ingressar no recinto entre outros STF HC 93050 rel Min Celso de Mello j 1062008 Segunda Turma DJe de 1º82008 No caso das autoridades sanitárias o poder de polícia não autoriza o ingresso em casa sem autorização do morador mesmo que seja para a fiscalização em ações de combate à dengue e outras doenças Assim resta ao Poder Público a imposição de multas e outras sanções inclusive eventual determinação de evacuação da área Caso necessite ingressar na moradia deve obter ordem judicial De acordo com o Min Celso de Mello nem os organismos policiais e nem a Administração Pública afrontando direitos assegurados pela Constituição da República podem invadir domicílio alheio sem a prévia e necessária existência de ordem judicial ressalvada a ocorrência das demais exceções constitucionais O respeito sempre necessário à garantia da inviolabilidade domiciliar decorre da limitação constitucional que restringe de maneira válida as prerrogativas do Estado e por isso mesmo não tem o condão de comprometer a ordem pública especialmente porque no caso como é enfatizado as liminares em referência não impedem o Governo do Distrito Federal de exercer com regularidade o poder de polícia que lhe é inerente circunstância esta que lhe permite adotar as providências administrativas necessárias à evacuação da área desde que observadas as concernentes prescrições constitucionais STF SS 1203 rel Min Celso de Mello j 89 1997 publicação de 1591997 98 ADVOGADO INVIOLABILIDADE DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA E PRESERVAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL O art 133 da CF88 determina que o advogado é indispensável à administração da justiça sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão nos limites da lei Dessa disposição decorrem o i sigilo profissional do advogado e ainda a ii inviolabilidade do escritório de advocacia concretizando tanto o direito à privacidade quanto da ampla defesa O sigilo profissional entre o advogado e o cliente contudo não é absoluto Admitese a interceptação telefônica e ambiental quando o advogado deixa sua função de defensor e passa a atuar como coautor ou partícipe na prática de crimes em conjunto com seu cliente aproveitandose justamente das prerrogativas do advogado Nesse momento não pode a inviolabilidade constitucional do advogado servir para violar os direitos de terceiros as vítimas das práticas criminosas Frisese que se admite a violação do sigilo profissional e da inviolabilidade dos locais de exercício da profissão da advocacia quando houver provas ou fortes indícios da participação de advogado na prática delituosa sob investigação e no exato limite desse envolvimento Assim não se admite a interceptação telefônica e ambiental do escritório de advocacia simplesmente para obter provas contra o cliente do advogado o que ofende tanto a ampla defesa quanto a privacidade nas relações profissionais A inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado bem como de seus instrumentos de trabalho de sua correspondência escrita eletrônica telefônica e telemática desde que relativas ao exercício da advocacia foi prevista no art 7º da Lei n 890694 com nova redação dada pela Lei n 117672008 o que está em linha com a inviolabilidade domiciliar art 5º XI e ainda com a inviolabilidade constitucional do advogado nos seus atos e manifestações no exercício da profissão art 133 da CF88 Há dois casos nos quais a inviolabilidade do local de exercício do trabalho do advogado pode ser quebrada i prática de crime pelo próprio advogado e ii fundados indícios de que em poder do advogado há objeto que constitua instrumento ou produto do crime ou que constitua elemento do corpo de delito ou ainda documentos ou dados imprescindíveis à elucidação do fato em apuração art 2º II da Portaria n 1288 de 3062005 do Ministro da Justiça regulando a atuação da Polícia Federal Caso haja indícios da prática de crime por parte de advogado em associação ou não com seu cliente pode ser decretada por ordem judicial a quebra da inviolabilidade do escritório de advocacia inclusive com a expedição de mandado de busca e apreensão específico e pormenorizado a ser cumprido na presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil Também é possível a quebra da inviolabilidade do escritório do advogado quando este servir de esconderijo para elemento do corpo de delito art 243 2º do CPP Na mesma linha é possível a quebra da inviolabilidade para se obter instrumento ou produto do crime bem como documentos ou dados imprescindíveis à elucidação do fato em apuração art 2º II da Portaria n 1288 de 3062005 do Ministro da Justiça A busca e apreensão não pode abarcar documentos que dizem respeito a outros sujeitos não investigados Assim a inviolabilidade domiciliar do escritório de advocacia não é absoluta e não pode acobertar a prática de crimes pelo advogado tendo o STF decidido que não opera a inviolabilidade do escritório de advocacia quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho sob pretexto de exercício da profissão Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 2632010 Ambas as situações acima mencionadas a quebra do sigilo profissional e ainda da inviolabilidade do escritório de advocacia exigem ordem judicial estando sob o abrigo da reserva de jurisdição 99 O SIGILO DE DADOS EM GERAL O sigilo de dados consta do texto do art 5º XII tendo a CF88 o considerado inviolável Tendo em vista a consagração da relatividade das liberdades públicas o Supremo Tribunal Federal ao longo dos anos sedimentou as hipóteses e formas pelas quais o sigilo de dados pode ser violado por terceiros legitimamente Em primeiro lugar cabe uma separação entre os denominados dados pessoais e os dados públicos Os dados pessoais consistem em informações relativas à intimidade de um indivíduo que este não revela ao público em geral só autorizando determinadas pessoas a acessálas A Lei n 1370918 Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais define dado pessoal como sendo a informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável 413 Já os dados públicos são aquelas informações acessíveis a todos mesmo que referentes a determinado indivíduo pois são pertinentes à vida social Essas informações pela sua natureza não estão protegidas pelo sigilo de dados constante do art 5º XII Entre as informações a todos acessíveis estão as que constam dos registros públicos como por exemplo o registro de pessoa física quem é o pai ou a mãe de determinado indivíduo seu local de nascimento etc o registro de imóveis quem é o proprietário de determinado imóvel etc Há situações ainda de proteção a informações constante de determinados bancos de dados não importando a natureza se pública ou privada em virtude da especial finalidade da transmissão da informação ao gestor do banco de dados que não pode ser desvirtuada É o caso das informações cadastrais da Receita Federal que são remetidas ao órgão fiscal para o cumprimento de suas funções voltadas ao cumprimento da igualdade de todos perante a arrecadação tributária impedindo a sonegação Com isso essas informações mesmo que meramente cadastrais e constantes de outras fontes não podem ser repassadas a terceiros para que estes lucrem com tais dados sem autorização de cada indivíduo Como o sigilo de dados pessoais ou ainda de dados constante de banco de dados reservados não é absoluto é possível invocar o critério da proporcionalidade para afastar o direito à privacidade e privilegiar outro direito previsto na Constituição ou nos tratados de direitos humanos Para tanto cumpre demonstrar a a adequação da medida ao fim pretendido b sua necessidade inexistência de meio menos invasivo que alcance o mesmo fim e c a importância da quebra para a preservação de outro direito fundamental Agora resta analisar quem pode ordenar a quebra do sigilo Em primeiro lugar é possível a quebra por ordem judicial em nome da concretização do direito de acesso à justiça Assim não pode um determinado gestor de banco de dados opor sigilo ao Poder Judiciário vulnerando com isso o direito das partes de obter uma tutela justa e célere Em segundo lugar cabe a quebra do sigilo de dados por expressa autorização constitucional ou legal Assim as Comissões Parlamentares de Inquérito CF art 58 3º e o Ministério Público art 129 VI e Lei Complementar n 7593 em especial no seu art 8º 2º podem ordenar a quebra de sigilo de dados em geral ver as restrições específicas ao MP abaixo desde que de modo fundamentado e mantendo o sigilo Na realidade tratase de uma transferência de sigilo Em terceiro lugar é possível o acesso de determinadas instituições a informações tidas como pessoais para o exercício de suas próprias atribuições previstas na Constituição Federal ou na lei Nesses casos o sigilo de dados não lhe pode ser oponível Assim a Receita Federal o Banco Central os Tribunais de Contas têm acesso a dados pessoais dos indivíduos fiscalizados para o exercício de suas funções No caso do Tribunal de Contas da União o art 1º da Lei n 873093 prevê a apresentação das Declarações de Bens e Rendas pelas autoridades e por todos quantos exerçam cargo eletivo e cargo emprego ou função de confiança na administração direta indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União Para tanto foi firmado um convênio entre a Secretaria da Receita Federal do Brasil e o TCU que prevê a disponibilização ao Tribunal dos dados da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física das pessoas obrigadas à prestação das informações estabelecidas pela Lei n 873093 Cabe agora o detalhamento da proteção do sigilo no que tange ao sigilo bancário e ao sigilo fiscal 991 Sigilo fiscal Os dados fiscais de uma pessoa física ou jurídica consistem no conjunto de informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo tributário ou de terceiros sobre a natureza e estado de seus negócios ou atividades conforme dispõe o art 198 do CTN que impõe o chamado sigilo fiscal proibindo o Fisco e seus servidores de divulgarem sob qualquer forma tais informações O sigilo fiscal nada mais é que um desdobramento do direito à intimidade e à vida privada HC 87654 voto da rel Min Ellen Gracie j 732006 Segunda Turma DJ de 2042006 As informações que compõem os arquivos do Fisco são importantes para tutelar vários direitos fundamentais de terceiros Como faceta do direito da intimidade o sigilo fiscal não é absoluto podendo ser afastado devendo o Fisco fornecer tais informações e transferindose o sigilo ao órgão que venha a receber tais informações A chamada quebra do sigilo fiscal consiste tão somente na quebra do monopólio do Fisco sob tais informações sendo mais apropriada a denominação de transferência do sigilo fiscal para ente que continua obrigado a não divulgar tais informações ao público Essa transferência do sigilo fiscal pode ocorrer para i o Poder Judiciário por ordem judicial em ações penais ou cíveis cuja tutela justa dependa das informações econômicas e financeiras em poder do Fisco ii outros Fiscos por exemplo do Fisco Federal para o Fisco Estadual em face da necessária troca de informações para o cumprimento de suas funções art 198 do CTN iii autoridades estrangeiras para permutar informações no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos iv o Tribunal de Contas da União Lei n 873093 para supervisão da moralidade e probidade dos agentes públicos v demais autoridades administrativas desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo no órgão ou na entidade respectiva com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação por prática de infração administrativa vi Comissão Parlamentar de Inquérito federal ou estadual vii Ministério Público da União de acordo com Lei Complementar n 7593 Vêse que a transferência de sigilo fiscal não é submetida a cláusula de reserva de jurisdição A transferência de sigilo fiscal para o Ministério Público da União sem a mediação do Poder Judiciário é tema ainda controverso A base normativa para tal transferência é o art 8º 2º da LC n 7593 que determina que nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público sob qualquer pretexto a exceção de sigilo sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação do registro do dado ou do documento que lhe seja fornecido Em despacho de 27 de dezembro de 2007 o AdvogadoGeral da União Ministro José Dias Toffoli atualmente Ministro do STF adotou parecer normativo vinculante para a Receita Federal no sentido de que não há que se opor reserva de sigilo fiscal ao Ministério Público da União dirimindo as controvérsias no seio dos órgãos da Administração Federal Contudo há vários precedentes judiciais que entendem que mesmo para o Ministério Público da União é necessária ordem judicial para a transferência do sigilo fiscal STJ HC 160646SP rel Min Jorge Mussi j 1º92011 No Tribunal Superior Eleitoral o posicionamento pacificado também é pela impossibilidade do Ministério Público eleitoral requisitar diretamente a quebra do sigilo fiscal à Receita Federal devendo obter antes ordem judicial para tanto TSE AgRREsp 82404RJ rel Min Arnaldo Versiani j 4112010 Por outro lado caso identifique crime a Receita Federal pode voluntariamente encaminhar diretamente sem ordem judicial os dados necessários do contribuinte ao Ministério Público Federal 414 Em julho de 2019 o Pres do STF Min Dias Toffoli em petição avulsa de Flávio Bolsonaro decidiu suspender o processamento de todos os inquéritos e procedimentos de investigação criminal PICs atinentes aos Ministérios Públicos Federal e estaduais em trâmite no território nacional que foram instaurados sem prévia autorização judicial sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle Fisco COAF e BACEN que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais STF RE 1055941SP rel Min Dias Toffoli em trâmite Com isso abrese divergência sobre o alcance do envio de dados da Receita Federal diretamente ao Ministério Público Caso vitoriosa essa tese que aparentemente será abraçada pelo Min Dias Toffoli o envio de dados fiscais só poderá conter a identificação e montantes globais de valores do contribuinte cabendo ao Ministério Público requerer judicialmente o envio dos demais dados pela Receita Federal Tal tese cria mais uma etapa na investigação de crimes sem nenhuma proteção adicional ao contribuinte pois o sigilo fiscal deve ser mantido pelo Ministério Público quer tenha acesso por meio de informações voluntárias da Receita ou por meio de ordem judicial de quebra do sigilo fiscal A divulgação indevida desses dados sigilosos consiste no crime de violação de sigilo funcional que é punido de acordo com a previsão do art 325 do CP Violação de sigilo funcional Art 325 Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo ou facilitarlhe a revelação Pena detenção de seis meses a dois anos ou multa se o fato não constitui crime mais grave 992 Sigilo bancário Os dados e informações constantes nas contas correntes e aplicações diversas em instituições financeiras devem ser utilizados para o correto cumprimento das normas financeiras existentes sendo proibida a divulgação indevida de modo a preservar a intimidade do seu titular Nesse sentido STF reconheceu que o sigilo bancário é consequência da proteção constitucional da privacidade Porém como já vimos o direito à privacidade não é absoluto podendo ceder diante de outros direitos como por exemplo os direitos de terceiros lesados ver entre outras decisões AI 655298AgR rel Min Eros Grau j 492007 Segunda Turma DJ de 2892007 O art 192 da CF88 exige lei complementar para a regência do sistema financeiro tendo sido editada a Lei Complementar n 1052001 que trata do sigilo bancário De acordo com essa lei as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados mas ao mesmo tempo há hipóteses de i não incidência do sigilo e ii transferência do sigilo bancário para outros entes Na primeira hipótese não incidência do sigilo a Lei Complementar n 105 prevê que não constitui violação do dever de sigilo I a troca de informações entre instituições financeiras para fins cadastrais inclusive por intermédio de centrais de risco o que legitimou a atuação da SERASA observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil II o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes a entidades de proteção ao crédito legitimando os Serviços de Proteção ao Crédito observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil III a comunicação às autoridades competentes da prática de ilícitos penais ou administrativos abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa o que autoriza a ação proativa dos funcionários dos Bancos IV a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados e finalmente V o uso pelo Banco Central das informações contidas nas contas de depósitos aplicações e investimentos mantidos em instituições financeiras para sua fiscalização inclusive nos casos de regime especial de intervenção Porém o STF já decidiu que o Banco Central não pode sob a justificativa de fiscalização quebrar o sigilo bancário de contas correntes de dirigente de Banco público estadual o que abrangia inclusive as que ele mantinha com sua mulher RE 461366 rel Min Marco Aurélio j 382007 Primeira Turma DJ de 5102007 Na segunda hipótese transferência do sigilo a Lei Complementar n 105 elenca uma série de entes que podem de modo fundamentado ver abaixo requerer ao Banco Central ou às instituições financeiras o acesso aos dados com a transferência do sigilo bancário A lógica que embasou essas hipóteses é a limitabilidade do direito à privacidade devendo ser permitido o acesso com a transferência do sigilo para a preservação de outros direitos e valores constitucionais Assim são entes legitimidades a obter o acesso e transferência do sigilo bancário de acordo com a Lei Complementar n 105 1 Poder Judiciário em inquéritos ou processos de qualquer natureza 2 Câmara dos Deputados e Senado Federal por decisão aprovada nos respectivos Plenários 3 Comissões Parlamentares de Inquérito por decisão aprovada em seu plenário 4 As autoridades e os agentes fiscais tributários da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso 415 Além disso as Comissões Parlamentares de Inquérito Estaduais também podem pedir a quebra do sigilo bancário e fiscal desde que autorizadas pela Constituição estadual STF ACO 1390RJ rel Min Marco Aurélio j 2552009 O Tribunal de Contas da União órgão auxiliar do Poder Legislativo não foi contemplado pelo próprio legislador na Lei Complementar n 105 embora suas atividades de verificação e julgamento de contas art 71 II da CF justificassem o direito de acesso direto e transferência do sigilo não cabendo ao Judiciário uma interpretação extensiva que lhe possibilite isso MS 22801 rel Min Menezes Direito j 17122007 Plenário DJe de 143 2008 Contudo em 2015 o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito do TCU de acessar diretamente os dados bancários referentes a verbas públicas considerando que operações financeiras envolvendo recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário estando submetidas aos princípios da Administração Pública previstos no art 37 da CF em especial o princípio da publicidade Por isso decidiu o STF que Em tais situações é prerrogativa constitucional do Tribunal TCU o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos STF MS 33340 rel Min Luiz Fux j 265 2015 Primeira Turma DJe de 382015 Também o Ministério Público foi esquecido pela Lei Complementar n 1052001 mas possui contudo a autorização prevista no art 8º 2º da LC n 7593 visto acima Apenas foi mencionado na Lei Complementar n 105 que caso o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários verifiquem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública ou indícios da prática de tais crimes esses entes informarão ao Ministério Público juntando à comunicação os documentos necessários à apuração ou comprovação dos fatos Salvo nessa hipótese cabe ao Ministério Público requerer fundamentadamente o acesso e transferência de sigilo bancário ao Poder Judiciário que deferirá ou não a medida A única permissão aceita pelo STF de acesso direto pelo Ministério Público aos dados cobertos pelo sigilo bancário é no caso de informações financeiras e bancárias referentes às verbas públicas tal como ocorre com o TCU O princípio da publicidade regente da atuação do Poder Público art 37 da CF impede que o administrador público alegue privacidade para impedir o acesso direto do Parquet a tais dados STF MS 21729 rel p o ac Min Néri da Silveira j 5101995 Plenário DJ de 19102001 A discussão da atualidade sobre a quebra do sigilo bancário por órgão não judicial merece reflexão Será que o sigilo bancário é sujeito à reserva de jurisdição ou seja sua violação depende de ordem judicial fundamentada Entendemos que não Em primeiro lugar não há na Constituição de 1988 a exigência de ordem judicial para a superação do sigilo bancário o qual sequer consta expressamente do texto constitucional Em segundo lugar cabe analisar o argumento de que a quebra do sigilo bancário deva sempre ser feita por autoridade judicial negando tal poder em especial às Autoridades Tributárias aos Tribunais de Contas e ao Ministério Público A argumentação em geral fundase na maior garantia do jurisdicionado associada a nenhum prejuízo à atuação desses órgãos ou seja em outras palavras que mal há em por exemplo a Autoridade Tributária pleitear ao Juiz a quebra do sigilo bancário em uma investigação fiscal qualquer Se o pedido for sólido o juiz autorizará o acesso ou caso este negue o Tribunal autorizará em grau de recurso Essa argumentação desconsidera a seguinte ponderação de valores de um lado há o direito à privacidade daquele detentor das contas correntes e dos ativos financeiros de outro há os direitos dos terceiros que são protegidos pela atuação dos órgãos de fiscalização em especial da imensa maioria de brasileiros que exige que o Estado obtenha recursos e assegure os direitos sociais como direito à educação saúde moradia entre outros Também do outro lado da ponderação há o direito à igualdade pois a fragilidade da fiscalização aumenta o ônus de se viver em sociedade punindo aqueles que voluntariamente cumprem a lei e estimulando outros a descumprila na ausência de temor de sanções concretas Usando como exemplo a atuação das autoridades tributárias vêse que na atualidade os sonegadores usam o sistema bancário em suas atividades econômicas formais e também nas informais O Fisco não tem outra arma menos invasiva para conferir se a atividade econômica relatada é real ou apenas camuflada e forjada para menor pagamento de tributos a não ser a conferência dos dados contidos nas transações bancárias Para aqueles que exigem ordem judicial para acesso do Fisco aos dados bancários a alternativa seria a solicitação judicial para conferência de dados nas investigações ordinárias e extraordinárias Para cada contribuinte uma ação Claro que seriam milhões de novas ações de cunho satisfativo pois se pede somente a autorização da transferência de sigilo bancário para exercer a fiscalização ordinária renovadas periodicamente que exigiriam imenso tempo e recurso do EstadoJuiz e também dos Advogados Públicos resultando em caos no acesso à justiça e estímulo para que mais pessoas deixem de pagar tributos Teríamos milhares de Varas Judiciais somente para autorizar acesso aos dados bancários por parte das fiscalizações tributárias federais estaduais e municipais Isso é tão absurdo que sequer é tentado De fato a opção brasileira para suprir as deficiências no combate à sonegação é simplesmente aumentar as alíquotas e criar novos tributos que também serão sonegados em uma espiral viciosa sem fim exasperando a carga daqueles que não sonegam A mesma situação ocorre no que tange aos Tribunais de Contas Como averiguar se cada contrato conta fiscalizada ou mesmo declarações de imposto de renda de servidores públicos federais ver acima contém dados reais ou ficção contábil Será que atende o direito fundamental à probidade administrativa exigir a propositura de milhares de ações judiciais de autorização de transferência de sigilo bancário para que determinado Tribunal de Contas possa exercer o seu mister Na prática do Brasil de hoje os Tribunais de Contas não realizam essa atividade de fiscalização real contentandose com as análises documentais tradicionais e vários escândalos envolvendo superfaturamento e conluios em obras públicas são relatados pela imprensa nacional sem que o Tribunal de Contas respectivo tivesse atento à situação O cachorro não late o alarme não soa No caso do Ministério Público a exigência de dois agentes políticos o membro do Ministério Público e o Magistrado analisarem cada pedido de quebra de sigilo bancário com a exceção do caso das verbas públicas vide acima o precedente do STF ocasiona investigações extremamente demoradas facilitando sobremaneira a prescrição e estimulando de novo a impunidade e novas violações aos direitos de terceiros Em 2016 o Supremo Tribunal Federal por larga maioria 9 votos contra 2 decidiu pela constitucionalidade da Lei Complementar n 105 que autoriza a Administração Tributária dos entes federados a requisitar diretamente às instituições financeiras os dados dos contribuintes sujeitos a sigilo bancário sem necessidade da obtenção de prévia ordem judicial Foi consagrado o entendimento de que não há propriamente quebra do sigilo bancário mas sim transferência de informações protegidas agora pelo Fisco e pelo sigilo fiscal contra o acesso de terceiros Os votos vencedores abordaram a ponderação de valores optando por fazer prevalecer como no voto do Min Fachin a concretização da equidade tributária 416 É importante salientar que o STF estabeleceu ainda parâmetros para que os Fiscos tenham esse tipo de acesso Por isso devem os Estados Membros e Municípios regulamentar essa transferência direta de dados bancários para seus respectivos Fiscos tal como já o fez a União no tocante à Receita Federal Decreto Federal n 37242001 observados os seguintes parâmetros a pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias e o tributo objeto de cobrança no procedimento administrativo instaurado b prévia notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e a todos os demais atos garantindo o mais amplo acesso do contribuinte aos autos permitindolhe tirar cópias não apenas de documentos mas também de decisões c sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico d existência de sistemas eletrônicos de segurança que fossem certificados e com o registro de acesso e finalmente e estabelecimento de mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios 417 Em síntese a posição atual 2019 do STF sobre o acesso a dados bancários sem autorização judicial é a seguinte 1 Autoridade Tributária dos entes federados devendo tal acesso ser regulamentado administrativamente seguindose os parâmetros vistos acima 2 Tribunais de Contas exigese autorização judicial pela ausência de previsão na Lei Complementar n 105 3 Ministério Público somente no caso de verbas públicas STF MS 21729 rel p o ac Min Néri da Silveira j 5101995 Plenário DJ de 19102001 4 Comissão Parlamentar de Inquérito Câmara dos Deputados e Senado Federal por decisão aprovada nos respectivos Plenários Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos bancários solicitados por comissão de inquérito administrativo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido Em todas as hipóteses de acesso e transferência do sigilo bancário dos bancos para qualquer outro ente exigese fundamentação da requisição do ente ou da ordem judicial que deve levar em consideração i a indispensabilidade da medida bem como a ii existência de procedimento regular em curso e o iii interesse público na quebra por exemplo proteção dos direitos e valores constitucionais Em relação à fundamentação idônea para a quebra dos sigilos fiscal e bancário exigese que se demonstrem minimamente fatos delituosos e a contribuição dos investigados para tanto STF Mandado de Segurança n 34299 rel Luiz Fux decisão monocrática da Presidência do STF de 1572016 Como visto acima o STF considerou constitucional o acesso de dados bancários à Receita Federal sem ordem judicial Em paralelo houve decisões do próprio STF considerando legítimo o envio direto sem ordem judicial pela Receita Federal ao Ministério Público Federal de notícia de crime contendo como fundamento dados da movimentação bancária do contribuinte De fato não é cabível exigir ordem judicial pois esse envio é fruto das atribuições regulares da Receita Federal e decorre da constitucionalidade do acesso do Fisco aos dados bancários Por isso não é prova ilícita o uso desses dados na instrução penal de processo criminal movido pelo Ministério Público STF Agravo Reg RE 1041285SP rel Min Barroso j 27102017 DJe 14112017 Contudo conforme já mencionado no caso Flávio Bolsonaro o Min Dias Toffoli suspendeu os procedimentos e processos criminais que utilizaram tais dados até que se decida sobre o alcance do compartilhamento de dados bancários e fiscais sem ordem judicial Para a corrente a que aparentemente o Min Dias Toffoli se filia o acesso às operações bancárias se limita à identificação dos titulares das operações e dos montantes globais mensalmente movimentados ou seja dados genéricos e cadastrais dos correntistas vedada a inclusão de qualquer elemento que permita identificar sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados STF RE 1055941SP rel Min Dias Toffoli em trâmite Caberia ao Ministério Público requerer judicialmente o envio dos demais dados Tal tese cria mais uma etapa na investigação de crimes sem nenhuma proteção adicional ao contribuinte pois o sigilo fiscal e bancário deve também ser mantido pelo Ministério Público quer tenha acesso por meio de informações enviadas voluntariamente pela Receita Federal ou por meio de ordem judicial de quebra do sigilo fiscal e bancário 910 O COAF UNIDADE DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRA E OS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL A sofisticação da criminalidade levou à criação pela Lei n 961398 do Conselho de Controle de Atividades Financeiras COAF autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda que foi encarregado de disciplinar aplicar penas administrativas receber examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades A Medida Provisória n 893 de 19 de agosto de 2019 alterou o nome do COAF para Unidade de Inteligência Financeira UIT e ainda determinou sua vinculação administrativa ao Banco Central do Brasil mantendo autonomia técnica e operacional e atuação em todo o território nacional Até o fechamento desta edição a MP 893 não havia sido convertida em lei O COAF UIT é considerado a unidade de inteligência financeira brasileira tendo como missão receber e analisar informações de cunho econômicofinanceiro de pessoas físicas e jurídicas que obtém de diversas fontes obrigadas a enviar dados de cadastro e movimentação em especial Bancos Essas informações são prestadas por critérios objetivos depósito que ultrapassa determinado valor ou subjetivos considerados a critério do informante que conhece seu cliente atípicos ou suspeitos art 11 da Lei n 9613 O COAF UIT poderá requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas em atividades suspeitas art 14 3º da Lei n 961398 e art 2º 6º da LC n 1052001 Após análise o COAF UIT comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis quando concluir pela existência de qualquer ilícito art 15 da Lei n 9613 Assim não cabe ao COAF UIT investigar com profundidade mas sim provocar a autoridade por exemplo Polícia ou Ministério Público para que investigue O COAF UIT repassa a tais autoridades os Relatórios de Informações Financeiras que contém informações sobre operações atípicas não necessariamente ilícitas para que as investigações sejam aprofundadas podendo as autoridades recebedoras dos Relatórios solicitar eventualmente ao juízo competente a quebra dos sigilos bancário e fiscal Contudo o Superior Tribunal de Justiça 6ª Turma na análise de rumoroso caso de corrupção envolvendo personalidades da sociedade brasileira Operação Boi Barrica decidiu que o mero encaminhamento de Relatório de Inteligência Financeira pelo COAF UIT ao Ministério Público retratando operação atípica não pode embasar pedido de decretação judicial de quebra de sigilos bancário fiscal e telefônico ou ainda interceptação telefônica devendo a autoridade policial realizar diligências posteriores que demonstrem que tais quebras de sigilo são imprescindíveis Com isso o STJ decretou a nulidade das ordens judiciais por falta de fundamentação adequada e invocou ainda a teoria dos frutos da árvore envenenada para descartar provas obtidas em decorrência daquelas anuladas inclusive eventuais conversas comprometedoras obtidas ver HC 191378 rel Min Sebastião Reis Júnior 6ª Turma j 1592011 Todavia é difícil realizar essas diligências posteriores que não envolvam quebras de sigilo e que não alertem os envolvidos que assim destroem provas e camuflam seus atos uma vez que as técnicas tradicionais oitiva de testemunhas vigilância campana e outras são quase sempre inúteis em crimes de corrupção e de lavagem de ativos que vulneram intensamente direitos fundamentais de terceiros Outra controvérsia diz respeito ao próprio envio do Relatório de Informações Financeiras que poderia representar uma indevida quebra do sigilo bancário sem ordem judicial Como já mencionado no caso Flávio Bolsonaro foi suspensa a investigação criminal do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro que teria sido iniciada a partir de envio do RIF do COAF ao órgão ministerial STF RE 1055941SP rel Min Dias Toffoli em trâmite Como já mencionado o conteúdo do RIF produzido pelo COAF UIT é de caráter meramente informativo que isoladamente ou em conjunto com outras peças de informação pode formar a convicção da autoridade policial ou ministerial para que seja requerido eventual pedido judicial de quebra de sigilo bancário ou fiscal no bojo de regular produção probatória O próprio STF em sessão plenária já considerou regular o uso do RIF pelo Ministério Público Federal na Operação Lava Jato para subsidiar o requerimento judicial de quebra do sigilo bancário Ag Reg na Ação Cautelar n 3872DF rel Min Teori Zavascki j 22102015 DJe de 13112015 911 O CNJ E OS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL O art 8º V do Regimento do Conselho Nacional de Justiça prevê que compete ao Corregedor Nacional de Justiça requisitar das autoridades fiscais monetárias e de outras autoridades competentes informações exames perícias ou documentos sigilosos ou não imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos submetidos à sua apreciação dando conhecimento ao Plenário Esse Regimento amparase diretamente na Emenda Constitucional n 452004 cujo art 5º 2º dispõe que até que entre em vigor o novo Estatuto da Magistratura que será feito por futura lei complementar de iniciativa exclusiva do STF o Conselho Nacional de Justiça mediante resolução disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do Ministro Corregedor Esse poder da Corregedoria do CNJ de quebrar os sigilos bancário e fiscal foi questionado no final de 2011 em dois mandados de segurança impetrados por associações de magistrados contra atos do Corregedor Nacional de Justiça sob a alegação de violação do art 5º X direito à privacidade e vício formal uma vez que uma resolução do CNJ não poderia substituir autorização expressa em lei complementar Os processos estão em curso sob a relatoria do Ministro Luiz Fux STF MS 31083 e 31085 912 SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA E DE COMUNICAÇÃO TELEGRÁFICA POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO E AUSÊNCIA DE RESERVA DE JURISDIÇÃO O art 5º XII da CF88 assegura o sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica Em que pese que este último tenha ficado ultrapassado pelo desenvolvimento tecnológico o direito à privacidade do conteúdo tanto da comunicação epistolar quanto da telegráfica não é absoluto Admitese a restrição da privacidade para fazer prevalecer outros direitos constitucionais aplicandose o critério da proporcionalidade no caso concreto No caso da comunicação epistolar o art 41 parágrafo único da Lei de Execução Penal Lei n 721084 editado antes da Constituição de 1988 autoriza o direito do estabelecimento prisional a violar correspondência encaminhada ou dirigida aos presos O STF considerou tal regra compatível com a Constituição uma vez que nenhuma liberdade pública é absoluta e não pode o direito à privacidade ser invocado para permitir crimes Para o Min Celso de Melo a inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas HC 70814 rel Min Celso de Mello j 1º31994 Primeira Turma DJ de 24 61994 Assim o critério da proporcionalidade foi aplicado prevalecendo a proteção dos direitos dos terceiros vítimas dos crimes que poderiam ser cometidos em face do direito à privacidade dos presos Digno de nota é a ausência de reserva de jurisdição mesmo autoridade administrativa pode violar o sigilo de correspondência na visão do STF 913 O SIGILO TELEFÔNICO E INTERCEPTAÇÃO PREVISTA NA LEI N 929696 INCLUSIVE DO FLUXO DE COMUNICAÇÕES EM SISTEMAS DE INFORMÁTICA E TELEMÁTICA O art 5º XII da Constituição prevê excepcionalmente a violação do sigilo das comunicações telefônicas sob os seguintes requisitos 1 existência de lei regulamentadora 2 ordem judicial 3 nas hipóteses e na forma prevista na lei regulamentadora para fins de investigação criminal ou instrução processual penal Quanto à lei regulamentadora houve omissão legislativa até a edição da Lei n 929696 Consequentemente o STF considerou prova ilícita aquela obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas mesmo quando existia ordem judicial uma vez que o art 57 II a do Código Brasileiro de Telecomunicações Lei n 411762 foi considerado não recepcionado pela Constituição de 1988 A ordem judicial é indispensável e deve ser fundamentada Nem Comissão Parlamentar de Inquérito CPI pode ordenar a interceptação telefônica uma vez que a violação do sigilo da comunicação é matéria abrangida pelo princípio da reserva de jurisdição Pode tão somente a CPI ordenar a quebra do sigilo dos dados telefônicos registros das chamadas quem ligou e para quem ligou e duração mas nunca ordenar a interceptação da conversa telefônica Não se pode confundir a proteção da comunicação telefônica com os registros telefônicos O sigilo da comunicação telefônica que só pode ser quebrado por ordem judicial abarca o teor da conversa e do que é transmitido pelos envolvidos não abrangendo os números de chamadas horário duração dentre outros registros similares que são dados externos à comunicação propriamente dita Por isso o STF autoriza a Polícia ou o Ministério Público a requisitar diretamente sem ordem judicial às operadoras de telefonia os dados relativos à hora ao local e à duração das chamadas realizadas por ocasião da prática criminosa o que não configura violação ao art 5º XII da CF88 STF HC 124322RS rel Min Luís Roberto Barroso decisão de 21 de setembro de 2015 Em síntese a exigência de reserva de jurisdição ordem judicial para a quebra é para a comunicação de dados e não para a obtenção de registros e cadastros de dados HC 91867 rel Min Gilmar Mendes Segunda Turma j 244 2012 DJe de 20092012 A Lei n 9296 de 24 de julho de 1996 regrou as hipóteses e forma da interceptação telefônica que rapidamente se transformou em um dos instrumentos mais utilizados de investigação policial no Brasil A interceptação dependerá de ordem do juiz competente da ação principal sob segredo de justiça podendo ser decretada de ofício pelo juiz ou a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público Para a decretação da interceptação de comunicações telefônicas é necessário que haja i indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal inclusive com a qualificação dos investigados salvo impossibilidade ver abaixo o tópico dos autores desconhecidos bem como que a ii prova não possa ser feita por outros meios disponíveis em casos de iii infração penal punida com pena de reclusão pena máxima de mera detenção não autoriza interceptação telefônica Assim de acordo com a Lei n 929696 não cabe a determinação judicial de interceptação telefônica se 1 não houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal 2 existir outro meio de produção da prova pretendida 3 for caso de crime punido com pena máxima de detenção No caso de notitia criminis anônima deve a autoridade policial antes realizar diligências preliminares para só após com novos indícios solicitar a interceptação telefônica HC 99490 rel Min Joaquim Barbosa j 23112010 Segunda Turma DJe de 1º22011 O juiz deve decidir no prazo máximo de vinte e quatro horas fundamentando a decisão O período de interceptação deve ser fixado na decisão mas não poderá exceder o prazo de 15 dias renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova Apesar de a lei não estabelecer expressamente quantas prorrogações de 15 dias são possíveis prevalece o entendimento da possibilidade de renovações sucessivas até que a investigação esteja finalizada desde que as ordens judiciais sejam fundamentadas e demonstrem a indispensabilidade das prorrogações para o deslinde do caso Nesse sentido decidiu o STF que É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica ainda que de modo sucessivo quando o fato seja complexo e como tal exija investigação diferenciada e contínua Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26 112008 Plenário DJe de 2632010 Deferido o pedido a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação dando ciência ao Ministério Público MP que poderá acompanhar a sua realização Em vários casos não há a cientificação prévia ao MP e a Defesa alega vício e nulidade das provas obtidas Na hipótese do Ministério Público ofertar a denúncia o STF entendeu que esse argumento é superado pois a denúncia implica envolvimento próximo do promotor HC 83515 rel Min Nelson Jobim j 1692004 publicado em 432005 Porém na fase do inquérito policial pode o próprio Ministério Público promover o arquivamento da peça caso não aceite ter sido mantido alheio à interceptação e a considere prova ilícita não existindo outra apta a sustentar uma denúncia idônea No caso de o juiz remeter o inquérito policial de acordo com o art 28 do CPP ao ProcuradorGeral de Justiça Ministério Público Estadual ou à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão no caso do Ministério Público Federal a decisão de arquivamento do inquérito policial por esses entes em virtude da ilicitude da prova tem que ser acolhida pelo Judiciário Após será feita a transcrição das conversas com foco naquilo que interessa para o caso Atualmente há diversas discussões judiciais sobre o dever de transcrição integral do conteúdo gravado das conversas telefônicas e não somente as partes relevantes em nome da ampla defesa Porém o STF decidiu que só é exigível na formalização da prova de interceptação telefônica a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 2632010 Nesse mesmo sentido decidiu o STF que é desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito no qual são investigados os ora pacientes pois bastam que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida não configurando essa restrição ofensa ao princípio do devido processo legal art 5º LV da CF Liminar indeferida HC 91207MC rel p o ac Min Cármen Lúcia j 1162007 Plenário DJ de 2192007 Também cabe mencionar que a Lei n 929696 permite a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática particularmente útil nos casos de correio eletrônico chats redes sociais e outras formas de comunicação da internet Essa previsão legal não viola o direito à privacidade constitucional que não é absoluto podendo ser limitado no caso pela lei para que se assegurem os direitos fundamentais de terceiros vítimas de crimes sujeitos à pena de reclusão ou seja crimes graves Por sua vez constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas de informática ou telemática ou quebrar segredo da Justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei o chamado grampo telefônico com pena de reclusão de dois a quatro anos e multa Em 2008 no bojo de diversas críticas de advogados criminalistas sobre o uso descontrolado de interceptações telefônicas na investigação criminal o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n 59 regrando a matéria em especial quanto ao trâmite burocrático dos pedidos No mesmo ano o ProcuradorGeral da República considerou que tal deliberação administrativa foi além da regulamentação da Lei n 929696 e ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 4145 perante o STF O STF declarou somente a inconstitucionalidade do art 13 1º dessa Resolução que proibia a prorrogação da interceptação durante plantão judiciário ADI n 4145 redator para o acórdão Min Alexandre de Moraes j 2642018 914 A GRAVAÇÃO REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO PROVA LÍCITA DE ACORDO COM O STF REPERCUSSÃO GERAL Há diferença entre a interceptação e a gravação de conversas telefônicas ou ambientais a interceptação é aquela que é realizada por terceiros sem o consentimento dos envolvidos a gravação é aquela realizada por um dos participantes autogravação com ou sem a anuência dos demais Houve muita discussão na doutrina e jurisprudência sobre a licitude da gravação por um dos participantes sem o consentimento dos demais de conversa telefônica ou ambiental Inicialmente o próprio STF consideroua prova ilícita salvo se fosse para a prova de crime feito pelo outro interlocutor gravação da conversa do sequestrador por exemplo Posteriormente o fato de a conversa ter sido gravada por um dos participantes pesou decisivamente na consolidação do entendimento do STF de que seria prova lícita tal qual um documento celebrado pelas partes e utilizado apenas por uma delas sem o consentimento da outra Somente será prova ilícita se existir uma causa legal de sigilo ou reserva da conversação Por isso a gravação de conversa telefônica por um dos envolvidos se constitui em prova lícita da comunicação da qual participa salvo a existência de causa legal de sigilo ou reserva STF AI 578858AgR rel Min Ellen Gracie j 482009 Segunda Turma DJe de 2882009 Também a gravação de conversa em ambiente qualquer gravação ambiental por um dos participantes consiste em prova lícita se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação RE 583937QORG rel Min Cezar Peluso j 19112009 Plenário DJe de 18122009 com repercussão geral Por outro lado a jurisprudência reconheceu ser ilícita a gravação ambiental de conversa informal entre o suspeito e policiais caso não tenha sido avisado do direito de permanecer em silêncio Nesse sentido decidiu o STJ que é ilícita a gravação de conversa informal entre os policiais e o conduzido ocorrida quando da lavratura do auto de prisão em flagrante se não houver prévia comunicação do direito de permanecer em silêncio STJ HC 244977SC rel Min Sebastião Reis Júnior j 2592012 915 A INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL A captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos óticos ou acústicos e o seu registro e análise são previstos na Lei n 128502013 que expressamente revogou a Lei n 903495 definindo organização criminosa bem como dispondo sobre a investigação criminal os meios de obtenção da prova infrações penais correlatas e o procedimento criminal Ficou autorizada a captação ambiental de sinais eletromagnéticos ópticos ou acústicos art 3º II da Lei Antes da edição da Lei n 128502013 o STF rechaçou a ilicitude da prova de interceptação ambiental sob a alegação defensiva de ausência de um procedimento detalhado previsto na Lei n 903495 na redação dada pela Lei n 102172001 Ainda nesse julgamento o STF considerou prova lícita a interceptação ambiental realizada com ordem judicial em escritório de advocacia houve também invasão noturna de domicílio ver acima uma vez que havia indícios de envolvimento do advogado com práticas criminosas da quadrilha Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 2632010 916 CASOS EXCEPCIONAIS DE USO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA O ENCONTRO FORTUITO DE CRIME A DESCOBERTA DE NOVOS AUTORES E A PROVA EMPRESTADA No decorrer da interceptação é possível que seja provado crime não previsto no pedido encontro fortuito de crime ou também crime achado sendo tal prova lícita mesmo se a infração penal nova for punida com detenção ou for mera contravenção penal desde que conexo com a infração constante do pedido nesse sentido STF HC 83515 rel Min Nelson Jobim j 1692004 Plenário DJ de 432005 Caso seja totalmente desvinculado do crime investigado originalmente há duas posições A primeira posição defende que essa gravação pode servir como notitia criminis a fundamentar novo pedido próprio de interceptação Streck entre outros 418 A segunda posição considera que a prova é lícita desde que não se verifique desvio de finalidade ou fraude por exemplo simular o pedido de interceptação de um suposto crime sujeito à pena de reclusão só para obter prova do real crime perseguido sujeito à pena de detenção exemplo de Moraes 419 Na linha da segunda posição decidiu o STF que o Conselho Nacional de Justiça pode usar prova emprestada de interceptação telefônica criminal em seu procedimento administrativo contra juiz mesmo que o possível crime do magistrado tenha sido fortuitamente detectado pois era diverso do que era objeto de investigação no monitoramento telefônico em curso MS 28003DF rel orig Min Ellen Gracie rel p o acórdão Min Luiz Fux j 822012 Informativo do STF n 654 de 6 a 1022012 Ainda decidiu o STF que o crime achado ou seja a infração penal desconhecida e portanto até aquele momento não investigada sempre deve ser cuidadosamente analisada para que não se relativize em excesso o inciso XII do art 5º da CF A prova obtida mediante interceptação telefônica quando referente a infração penal diversa da investigada deve ser considerada lícita se presentes os requisitos constitucionais e legais HC 129678 rel p o ac Min Alexandre de Moraes j 1362017 1ª T DJe de 188 2017 Também é possível que coautores e partícipes desconhecidos surjam no decorrer da interceptação autorizada inicialmente apenas para determinadas pessoas A prova contra esses novos indivíduos será lícita uma vez que a própria Lei n 929696 permite que a interceptação ocorra sem identificação precisa quanto ao investigado Nesse sentido decidiu o STF Interceptação realizada em linha telefônica do corréu que captou diálogo entre este e o ora paciente mediante autorização judicial Prova lícita que pode ser utilizada para subsidiar ação penal sem contrariedade ao art 5º XII LIV LV e LVI da Constituição da República HC 102304 rel Min Cármen Lúcia j 2552010 Primeira Turma DJe de 255 2011 Finalmente admitese o uso da chamada prova emprestada no qual o conteúdo da conversa interceptada em seara criminal é utilizado no âmbito cível por exemplo em ação de improbidade ou disciplinar processo administrativo Entendemos que esse uso é regular uma vez que o direito à privacidade já foi afastado de maneira legítima no âmbito criminal o que pode resultar inclusive na perda da liberdade do réu Logo impedir o uso da degravação da conversa interceptada no bojo de outro processo mesmo que não criminal não teria o condão de restaurar a privacidade do indivíduoalvo ou mesmo de terceiros podendo porém assegurar a tutela jurídica justa Nesse sentido decidiu o STF que dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova Inq 2424QOQO rel Min Cezar Peluso j 2062007 Plenário DJ de 248 2007 917 INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA ORDENADA POR JUÍZO CÍVEL O reconhecimento da limitabilidade dos direitos fundamentais consolidou o uso da proporcionalidade nos precedentes judiciais brasileiros afastando a literalidade da redação dos direitos previstos na Constituição e nos tratados internacionais O caso da inviolabilidade do sigilo de correspondência relativizada pelo STF no caso dos presos ou da invasão de domicílio por ordem judicial durante a noite determinada pelo próprio STF são exemplos marcantes da proporcionalidade nos direitos fundamentais Recentemente o Superior Tribunal de Justiça STJ considerou constitucional e legal a interceptação telefônica determinada por juiz em processo cível Tratavase de ação na qual se buscava a localização de menor subtraído por um dos genitores tendo sido esgotados todos os meios tradicionais na esfera cível de localização pelo oficial de justiça e por ofícios infrutíferos e demorados Nessa hipótese o juiz decidiu fazer prevalecer o direito à proteção da criança e do adolescente art 227 da CF em detrimento da inviolabilidade do sigilo telefônico fruto do direito à intimidade A proporcionalidade foi aplicada desconsiderandose a redação do art 5º XII que faz menção à interceptação telefônica regrada por lei e para investigação e persecução criminais Na apreciação do caso no Superior Tribunal de Justiça STJ o Ministro relator Sidnei Beneti decidiu a favor da possibilidade de interceptação telefônica por juízo cível uma vez que há que se proceder à ponderação dos interesses constitucionais em conflito sem que se possa estabelecer a priori que a garantia do sigilo deva ter preponderância voto do Ministro STJ HC 203405 j 2862011 Parte da doutrina criticou severamente essa decisão alegando que a subtração de criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda é crime com pena de reclusão tipificado no art 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA o que permitiria que o juiz cível representasse ao juiz criminal para que este no bojo de um inquérito criminal ordenasse validamente a interceptação telefônica Claro que ao assim proceder o juízo cível corre o risco de se curvar ao entendimento do seu colega juiz criminal que poderia entender que não era caso de interceptação telefônica imediata aguardando diligências policiais prévias e também de se subordinar à posição do membro do Ministério Público oficiante no Inquérito Policial instaurado que poderia entender que a conduta em tela não era crime tendo em vista as peculiaridades do caso promovendo seu arquivamento o que negaria novamente o direito de acesso à justiça no processo cível Assim podese justificar a interceptação telefônica para fins civis em caso de i esgotados os meios usuais para fazer valer o direito da parte requerente e ii para fazer valer o direito de acesso à justiça em prazo razoável O direito de acesso à justiça art 5º XXXV deve ser levado em consideração ponderandoo também com o direito à privacidade O sigilo telefônico em processos cíveis não pode ser absoluto sob pena de amesquinharmos o direito a uma tutela justa em caso de imprescindibilidade da interceptação telefônica para fazer valer o direito da parte Esse caso torna evidente que o Poder Constituinte não consegue esgotar a regência expressa de todas as hipóteses de colisão entre os direitos fundamentais uma vez que novas situações sociais surgem gerando inesperadas colisões de direitos e exigindo ponderação pelo intérprete Assim apesar de a Constituição de 1988 ter ponderado a colisão de direitos entre o direito à privacidade e os direitos das vítimas no campo penal direito à verdade e justiça exigindo lei para o caso de interceptação telefônica para fins penais isso não exclui a possibilidade de ponderação desses mesmos direitos para a obtenção da tutela justa e célere no campo cível Do nosso ponto de vista não há qualquer incongruência a Constituição exigiu lei para a interceptação telefônica para fins criminais uma vez que o direito penal trata da liberdade dos indivíduos Na esfera cível não há a necessidade de lei uma vez que o direito de acesso à justiça é suficiente para conferir ao juiz o poder de sopesar os direitos avaliar a situação e ordenar a interceptação telefônica É cedo para prever se esse entendimento do STJ prevalecerá no Supremo Tribunal Federal A fundamentação do Min Beneti porém é condizente com precedentes anteriores do próprio STF já vistos nesta obra como os referentes i à relatividade da inviolabilidade do sigilo de correspondência e ii à relatividade da inviolabilidade domiciliar em período noturno no caso de ordem judicial que deveria ser cumprida durante o dia mas o foi durante a noite em decisão referendada pelo Pleno do STF 918 A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS Em 2018 foi editada a Lei n 13709 denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais LGPDP que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais inclusive nos meios digitais por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado com os objetivos expressos de i proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e ii o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural A adoção de uma legislação como a recémaprovada é reação ao uso não autorizado de informações pessoais para diversas finalidades no mundo atual Ferramentas como o big data e fenômenos como rastreamento de comportamentos marketing comportamental inclusive nas redes sociais bem como o desvio de finalidade com o uso de dados sensíveis para objetivos eleitorais e comerciais além da venda não autorizada de dados pessoais entre outras condutas de agentes privados ou públicos geram preocupação nas sociedades democráticas tanto para a proteção da privacidade quanto da livre concorrência ou ainda de outros direitos como a igualdade dos candidatos e a liberdade do eleitor no caso da manipulação de dados sensíveis para fins eleitorais O Brasil não está isolado nessa iniciativa de proteger o direito à privacidade que tem se tornado preocupação de diversos Estados e organizações internacionais No plano da integração europeia entrou em vigor em 2018 o Regulamento Geral de Proteção de Dados General Data Protection Regulation GDPR na sigla em inglês que possui claro efeito extraterritorial uma vez que disciplina o i tratamento dos dados realizado por empresa estabelecida na União Europeia independentemente do local do tratamento e da nacionalidade dos titulares dos dados e o ii tratamento de dados realizado por empresa estrangeira não estabelecida na União Europeia que ofereça bens e serviços ou monitore comportamentos na União Europeia 420 A nova lei brasileira adotou tal alcance extraterritorial aplicandose a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado independentemente do meio do país de sua sede ou do país onde estejam localizados os dados desde que i a operação de tratamento seja realizada no território nacional ii a atividade de tratamento tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de bens ou serviços ou o tratamento de dados de indivíduos localizados no território nacional iii os dados pessoais objeto do tratamento tenham sido coletados no território nacional considerando como coletados no território nacional os dados pessoais cujo titular nele se encontre no momento da coleta Consequentemente a lei não abarca os dados provenientes de fora do território nacional e que não sejam i objeto de comunicação uso compartilhado de dados com agentes de tratamento brasileiros ou ii objeto de transferência internacional de dados com outro país que não o de proveniência desde que o país de proveniência proporcione grau de proteção de dados pessoais adequado ao disposto na lei brasileira Essa última hipótese permite que a lei brasileira tenha alcance extraterritorial para assegurar a proteção à privacidade no caso de regulamentação estrangeira inadequada Ainda há cláusulas de exclusão não se aplicando a lei brasileira a tratamento de dados pessoais que tenha sido i realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos ii realizado para fins exclusivamente jornalísticos artísticos ou acadêmicos iii realizado para fins exclusivos de segurança pública defesa nacional segurança do Estado ou atividades de investigação e repressão de infrações penais Ponto importante da nova lei é a exigência das atividades de tratamento de dados pessoais observarem a boafé e os seguintes princípios i princípio da finalidade legítima e informada que exige que a realização do tratamento ocorra para propósitos legítimos específicos explícitos e informados ao titular sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades ii princípio da adequação que exige a compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular de acordo com o contexto do tratamento iii princípio da necessidade que exige a limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização de suas finalidades com abrangência dos dados pertinentes proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados iv princípio do livre acesso que assegura aos titulares dos dados a consulta facilitada e gratuita sobre a forma e a duração do tratamento bem como sobre a integralidade de seus dados pessoais v princípio da qualidade e transparência que assegura aos titulares dos dados a exatidão dos dados e informações sobre realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento observados os segredos comercial e industrial vi princípio da segurança e prevenção que exige a adoção de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição perda alteração comunicação ou difusão bem como a adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais Consequentemente o agente deve comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção aos dados pessoais vii princípio da não discriminação que veda a realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos A lei elenca dez situações autorizadas de tratamento de dados pessoais sendo uma geral e nove hipóteses específicas que são as seguintes 1 situação geral de uso autorizado gerada pelo consentimento do titular 2 cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador do dado 3 tratamento e uso compartilhado de dados pelo Poder Público necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos convênios ou instrumentos congêneres 4 realização de estudos por órgão de pesquisa garantida sempre que possível a anonimização dos dados pessoais desvinculação dos dados dos indivíduos geradores 5 execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular a pedido do titular dos dados 6 exercício regular de direitos em processo judicial administrativo ou arbitral 7 proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro 8 para a tutela da saúde em procedimento realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias 9 quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais 10 para a proteção do crédito inclusive quanto ao disposto na legislação pertinente Assim em geral o consentimento do titular dos dados é elementochave da nova lei para o uso legítimo dos dados pessoais devendo ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular Caso queira compartilhar os dados o controlador deverá obter consentimento específico do titular para esse fim Todavia é dispensada a exigência do consentimento para os dados tornados manifestamente públicos pelo titular Cabe ao controlador o ônus da prova de que o consentimento foi obtido de forma legítima sendo nulas as autorizações genéricas para o tratamento de dados pessoais Além disso cabe a revogação do consentimento mediante manifestação expressa do titular por procedimento gratuito e facilitado Outro ponto importante da lei é o direito de acesso do titular às informações sobre o tratamento de seus dados abarcando a finalidade a forma e a duração do tratamento bem como a identificação do controlador dos dados e informações acerca do uso compartilhado de dados pelo controlador e a finalidade entre outros No que tange ao conteúdo dos dados a lei criou a categoria dos dados pessoais sensíveis que são aqueles vinculados a determinado indivíduo referentes à i origem racial ou étnica ii convicção religiosa iii opinião política iv filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso filosófico ou político v dado referente à saúde ou à vida sexual vi dado genético ou biométrico Nesses casos o tratamento dos dados sensíveis exige o consentimento de forma especial e destacada para finalidades específicas Excepcionalmente o consentimento do titular é dispensável na seguintes hipóteses i existência de lei prevendo tal manipulação ii estudos por órgão de pesquisa garantida sempre que possível a anonimização dos dados pessoais sensíveis iii exercício regular de direitos inclusive em contrato e em processo judicial administrativo e arbitral iv proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro v tutela da saúde em procedimento realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades sanitárias ou vi prevenção à fraude e para assegurar a segurança do titular A lei ainda facilitou o uso de dados anonimizados que não serão considerados dados pessoais salvo i quando o processo de anonimização ao qual foram submetidos for revertido utilizando exclusivamente meios próprios ou quando com ii esforços razoáveis puder ser revertido Nesse último caso a determinação do que seja razoável deve levar em consideração fatores objetivos tais como custo e tempo necessários para reverter o processo de anonimização de acordo com as tecnologias disponíveis e a utilização exclusiva de meios próprios A fiscalização do cumprimento da lei foi reforçada pela edição da Lei n 138532019 que criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados ANPD órgão federal de fiscalização da proteção de dados A citada lei tem origem na Medida Provisória n 8692018 ainda sob o governo Temer e foi sancionada com 9 vetos pelo Pres Bolsonaro A Autoridade Nacional de Proteção de Dados ANPD foi criada como órgão da administração pública federal integrante da Presidência da República tendo natureza transitória e poderá ser transformada pelo Poder Executivo em entidade da administração pública federal indireta submetida a regime autárquico especial e vinculada à Presidência da República Essa transformação poderá ser feita em até dois anos da entrada em vigor da estrutura regimental da ANPD Apesar de não ser ainda autarquia a ANPD teve assegurada autonomia técnica e decisória sendo composta pelo Conselho Diretor órgão máximo Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade composto por 23 membros entre representantes governamentais da sociedade civil do Senado da Câmara dos Deputados do Conselho Nacional de Justiça do Conselho Nacional do Ministério Público e do Comitê Gestor da Internet do Brasil Houve vetos importantes como o sobre regra que vedava o compartilhamento de dados pessoais de requerentes de acesso à informação Lei n 12527 de 2011 pelo Poder Público com outros órgãos públicos ou pessoas jurídicas de direito privado Também foram vetadas novas sanções como a de suspensão parcial do funcionamento do banco de dados ou ainda suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais a que se refere a infração pelo período máximo de seis meses 919 DECISÕES DO STF Intimidade e a legitimidade da prorrogação das interceptações telefônicas as decisões que como no presente caso autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento HC 92020 rel Min Joaquim Barbosa j 2192010 Segunda Turma DJe de 8112010 No mesmo sentido HC 100172 rel Min Dias Toffoli j 2122013 Plenário DJe de 2592013 Direito à honra e exame de DNA Coleta de material biológico da placenta com propósito de fazer exame de DNA para averiguação de paternidade do nascituro embora a oposição da extraditanda Bens jurídicos constitucionais como moralidade administrativa persecução penal pública e segurança pública que se acrescem como bens da comunidade na expressão de Canotilho ao direito fundamental à honra CF art 5º X bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda nas dependências da Polícia Federal e direito à imagem da própria instituição em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho Rcl 2040QO rel Min Néri da Silveira j 2122002 Plenário DJ de 2762003 Diferença entre interceptação de comunicações e obtenção de dados Não há violação do art 5º XII da Constituição que conforme se acentuou na sentença não se aplica ao caso pois não houve quebra de sigilo das comunicações de dados interceptação das comunicações mas sim apreensão de base física na qual se encontravam os dados mediante prévia e fundamentada decisão judicial RE 418416 rel Min Sepúlveda Pertence j 1052006 Plenário DJ de 19122006 Quebra de sigilos e fundamentação São consideradas ilícitas as provas produzidas a partir da quebra dos sigilos fiscal bancário e telefônico sem a devida fundamentação Com esse entendimento a Segunda Turma deferiu habeas corpus para reconhecer a ilicitude das provas obtidas nesta condição e por conseguinte determinar o seu desentranhamento dos autos de ação penal HC 96056 rel Min Gilmar Mendes j 28 62011 Segunda Turma Informativo n 633 Prorrogação sucessiva das interceptações telefônicas Possibilidade É lícita a interceptação telefônica determinada em decisão judicial fundamentada quando necessária como único meio de prova à apuração de fato delituoso É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica ainda que de modo sucessivo quando o fato seja complexo e como tal exija investigação diferenciada e contínua O Ministro relator de inquérito policial objeto de supervisão do STF tem competência para determinar durante as férias e recesso forenses realização de diligências e provas que dependam de decisão judicial inclusive interceptação de conversação telefônica O disposto no art 6º 1º da Lei federal 9296 de 24 de julho de 1996 só comporta a interpretação sensata de que salvo para fim ulterior só é exigível na formalização da prova de interceptação telefônica a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJe de 2632010 No mesmo sentido HC 105527 rel Min Ellen Gracie j 2932011 Segunda Turma DJe de 135 2011 HC 92020 rel Min Joaquim Barbosa j 2192010 Segunda Turma DJe de 811 2010 Reserva de Jurisdição e interceptação telefônica Impossibilidade de CPI ordenar a interceptação O princípio constitucional da reserva de jurisdição que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar CF art 5º XI de interceptação telefônica CF art 5º XII e de decretação da prisão ressalvada a situação de flagrância penal CF art 5º LXI não se estende ao tema da quebra de sigilo pois em tal matéria e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República CF art 58 3º assiste competência à CPI para decretar sempre em ato necessariamente motivado a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas MS 23652 rel Min Celso de Mello j 22112000 Plenário DJ de 1622001 No mesmo sentido MS 23639 rel Min Celso de Mello j 16112000 Plenário DJ de 1622001 Licitude da gravação por um dos interlocutores A gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores sem conhecimento do outro quando ausente causa legal de sigilo ou de reserva da conversação não é considerada prova ilícita AI 578858AgR rel Min Ellen Gracie j 482009 Segunda Turma DJe de 2882009 Crime achado Conexão Prova lícita Encontro fortuito de prova da prática de crime punido com detenção O Supremo Tribunal Federal como intérprete maior da Constituição da República considerou compatível com o art 5º XII e LVI o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida ainda que o crime descoberto conexo ao que foi objeto da interceptação seja punido com detenção AI 626214AgR rel Min Joaquim Barbosa j 2192010 Segunda Turma DJe de 8102010 Direito ao silêncio e vedação da autoincriminação Inaplicável à interceptação telefônica a Lei 92961996 nada mais fez do que estabelecer as diretrizes para a resolução de conflitos entre a privacidade e o dever do Estado de aplicar as leis criminais Em que pese ao caráter excepcional da medida o inciso XII possibilita expressamente uma vez preenchidos os requisitos constitucionais a interceptação das comunicações telefônicas E tal permissão existe pelo simples fato de que os direitos e garantias constitucionais não podem servir de manto protetor a práticas ilícitas Nesse diapasão não pode vingar a tese da impetração de que o fato de a autoridade judiciária competente ter determinado a interceptação telefônica dos pacientes envolvidos em investigação criminal fere o direito constitucional ao silêncio a não autoincriminação HC 103236 voto do rel Min Gilmar Mendes j 1462010 Segunda Turma DJe de 39 2010 Ação cível originária Mandado de segurança Quebra de sigilo de dados bancários determinada por CPI de Assembleia Legislativa Recusa de seu cumprimento pelo Banco Central do Brasil LC 1052001 Potencial conflito federativo cf ACO 730QO Federação Inteligência Observância obrigatória pelos Estadosmembros de aspectos fundamentais decorrentes do princípio da separação de poderes previsto na CF de 1988 Função fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo Mecanismo essencial do sistema de checksandcounterchecks adotado pela CF de 1988 Vedação da utilização desse mecanismo de controle pelos órgãos legislativos dos Estadosmembros Impossibilidade Violação do equilíbrio federativo e da separação de poderes Poderes de CPI estadual ainda que seja omissa a LC 1052001 podem essas comissões estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários com base no art 58 3º da Constituição ACO 730 rel Min Joaquim Barbosa j 2292004 Plenário DJ de 11112005 Ingresso do Fiscal Tributário em casa na falta de consentimento do morador somente ordem judicial 2 Em consequência o poder fiscalizador da administração tributária perdeu em favor do reforço da garantia constitucional do domicílio a prerrogativa da autoexecutoriedade condicionado pois o ingresso dos agentes fiscais em dependência domiciliar do contribuinte sempre que necessário vencer a oposição do morador passou a depender de autorização judicial prévia 3 Mas é um dado elementar da incidência da garantia constitucional do domicílio o não consentimento do morador ao questionado ingresso de terceiro malgrado a ausência da autorização judicial só a entrada invito domino a ofende AgRg no RE 331303PR STF j 1022004 publicado no DJ de 1232004 10 Liberdade de informação e sigilo de fonte Art 5º XIV é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional O direito à informação consiste no direito individual ou coletivo de fornecer veicular e receber informações sobre fatos ou condutas em geral Há então a dupla dimensão do direito à informação a dimensão de i fornecer informação e a de ii recebêla Todos têm o direito de se informar livremente a partir de diversas fontes A Constituição Federal garante o direito à informação e simultaneamente assegura o sigilo da fonte ao jornalista quando necessário ao exercício de sua atividade profissional No Estado Democrático de Direito o direito ou liberdade de informação possui duais espécies i a liberdade de informação individual e a ii liberdade de informação de massa ou coletiva pelos meios de comunicação o que consagra a liberdade de imprensa A liberdade de imprensa consiste em um conjunto de atividades de produção de informação a terceiros em um ambiente livre de censura e outras formas de intimidação Consiste em uma instituiçãoideia que permite a i revelação de informações ii realização de críticas e iii formação da opinião pública ADPF 130 rel Min Ayres Britto j 3042009 Plenário DJe de 6112009 O sigilo da fonte consiste no direito do jornalista de impedir que terceiros conheçam a identidade daquele que transmitiu determinada informação Consequentemente não é possível constranger o jornalista de qualquer modo para que quebre o sigilo de suas fontes de informação jornalística O sigilo de fonte é também um dever no caso daquele que só forneceu a informação sob essa ressalva Caso o jornalista divulgue assim mesmo o nome da fonte viola seu sigilo profissional prática do crime previsto no art 154 do CP Em face da importância da liberdade de imprensa o STF elencou áreas que podem ser regulamentadas por leis dos mais diversos âmbitos ADPF 130 rel Min Ayres Britto j 304 2009 Plenário DJe de 6112009 1 direitos de resposta e de indenização proporcionais ao agravo 2 proteção do sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional 3 responsabilidade penal por calúnia injúria e difamação 4 regulamentação das diversões e espetáculos públicos 5 previsão de estabelecimento de meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art 221 bem como da propaganda de produtos práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente inciso II do 3º do art 220 da CF 6 independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria qualificação técnica inciso XIII do art 5º 7 participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social 4º do art 222 da CF 8 composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social art 224 da CF Nesse mesmo acórdão o STF decidiu que são irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação jornalística o que assegura a liberdade de conteúdo da matéria publicada Tema importante na atualidade é o uso das ações de indenização por dano moral como fator de inibição da liberdade de imprensa Para o STF é necessário assegurar a proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém pela ação de jornalistas e a indenização fixada pois a excessividade indenizatória é em si mesma poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade ADPF 130 rel Min Ayres Britto j 3042009 Plenário DJe de 6112009 101 JURISPRUDÊNCIA DO STF Sigilo de Fonte e sua proteção Em suma a proteção constitucional que confere ao jornalista o direito de não proceder à disclosure da fonte de informação ou de não revelar a pessoa de seu informante desautoriza qualquer medida tendente a pressionar ou a constranger o profissional de imprensa a indicar a origem das informações a que teve acesso eis que não custa insistir os jornalistas em tema de sigilo da fonte não se expõem ao poder de indagação do Estado ou de seus agentes e não podem sofrer por isso mesmo em função do exercício dessa legítima prerrogativa constitucional a imposição de qualquer sanção penal civil ou administrativa tal como reconheceu o Supremo Tribunal Federal Inq 870RJ rel Min Celso de Mello DJU de 1541996 Liberdade de imprensa e crítica jornalística O STF tem destacado de modo singular em seu magistério jurisprudencial a necessidade de preservarse a prática da liberdade de informação resguardandose inclusive o exercício do direito de crítica que dela emana por tratarse de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático Mostrase incompatível com o pluralismo de ideias que legitima a divergência de opiniões a visão daqueles que pretendem negar aos meios de comunicação social e aos seus profissionais o direito de buscar e de interpretar as informações bem assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes Arbitrária desse modo e inconciliável com a proteção constitucional da informação a repressão à crítica jornalística pois o Estado inclusive seus Juízes e Tribunais não dispõe de poder algum sobre a palavra sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da Imprensa AI 705630AgR rel Min Celso de Mello j 2232011 Segunda Turma DJe de 642011 11 Liberdade de locomoção Art 5º XV é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz podendo qualquer pessoa nos termos da lei nele entrar permanecer ou dele sair com seus bens LXI ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei LXII a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada LXIII o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer calado sendolhe assegurada a assistência da família e de advogado LXIV o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial LXV a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária LXVI ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança LXVII não haverá prisão civil por dívida salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel 111 CONCEITO E RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO A liberdade de locomoção ou ambulatorial consiste no direito de ir vir e permanecer sem interferência do Estado ou de particulares podendo ainda o indivíduo deixar em tempo de paz o território nacional com seus bens Como qualquer outro direito este também é restringível por disposição expressa do texto constitucional ou ainda por meio de restrição implícita resultante da ponderação com outros direitos No caso a CF88 já dispõe que o indivíduo pode ter o seu direito de deixar o território nacional com seus bens restrito em tempo de guerra Porém na busca de preservação de outros direitos como por exemplo o direito à igualdade tributária pode o Estado instituir tributos para aqueles que queiram levar seus bens para fora do País Por fim a CF88 nada dispõe no art 5º XV sobre o ingresso no território nacional No que tange aos nacionais nenhum obstáculo pode ser imposto pelo Estado ao ingresso no território nacional por decorrência implícita à proibição da pena de banimento art 5º XLVII b Quanto aos estrangeiros pode o Estado regular e proibir seu ingresso com a exceção do solicitante de refúgio a quem o Brasil deve em geral permitir o ingresso art 4º X da CF88 regulamentado pela Lei n 947497 e pela Convenção da ONU sobre os Refugiados de 1951 já ratificada e incorporada internamente 112 HIPÓTESES CONSTITUCIONALMENTE DEFINIDAS PARA PRIVAÇÃO DE LIBERDADE O art 5º LXI da CF88 prevê que ninguém será preso senão em i flagrante delito ou por ii ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definidos em lei Assim ressalvados os casos de transgressão militar e crime propriamente militar que veremos abaixo a Constituição de 1988 consagrou a liberdade ambulatorial ao dispor que excepcionalmente a prisão só será realizada em flagrante delito ou por ordem de autoridade judiciária competente Assim os órgãos policiais do Estado perderam a competência de decretar a prisão para averiguação Já a prisão em flagrante delito pode ser efetuada por qualquer indivíduo dispondo o art 301 do CPP que qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito O art 302 do CPP estabelece que determinada pessoa pode ser presa em flagrante delito quando I está cometendo a infração penal II acaba de cometêla III é perseguido logo após pela autoridade pelo ofendido ou por qualquer pessoa em situação que faça presumir ser autor da infração IV é encontrado logo depois com instrumentos armas objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração Nas infrações permanentes entendese o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência art 303 Há precariedade do flagrante como fundamento da prisão ao receber o auto de prisão em flagrante em até 24 horas o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal ou II converter a prisão em flagrante em preventiva se se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou ainda III conceder liberdade provisória com ou sem fiança Consequentemente o flagrante delito não poderá servir para manter um indivíduo preso durante uma investigação ou processo penal Na segunda hipótese referente à prisão decretada por ordem de autoridade judiciária competente a Constituição de 1988 permitiu que a lei regulasse de modo proporcional a restrição à liberdade A Lei n 12403 de 2011 expressamente fez referência à indispensabilidade do binômio necessidade e adequação para que seja decretada qualquer medida cautelar restritiva à liberdade Antes da sentença penal definitiva é essencial a demonstração da necessidade adequação e urgência para a prisão cautelar São espécies legais de prisão provisória ou processual antes da sentença definitiva decretada por autoridade judiciária prisão temporária e a prisão preventiva Atualmente então antes da sentença penal definitiva só há três hipóteses de prisão criminal de determinada pessoa i flagrante delito que deve depois se redundar em liberdade ou prisão preventiva ii prisão temporária iii prisão preventiva A prisão temporária é decretada pelo juiz na fase investigatória a requerimento da Polícia ou do Ministério Público sendo cabível nas hipóteses da Lei n 796089 e somente em virtude de sua imprescindibilidade para a investigação policial A Lei n 7960 dispõe que caberá prisão temporária nas seguintes hipóteses I quando imprescindível para as investigações do inquérito policial ou II quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade ou III quando houver fundadas razões de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal de autoria ou participação do indiciado em crimes que elenca que vão desde o homicídio doloso ao genocídio tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro A prisão temporária terá o prazo de 5 cinco dias prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade Já a prisão preventiva consiste na espécie de prisão cautelar a ser decretada pelo juiz em qualquer fase do inquérito ou processo de ofício se no curso da ação penal ou a requerimento do Ministério Público do querelante ou do assistente ou por representação da autoridade policial para que seja garantida a ordem pública a ordem econômica por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal desde que haja prova da existência do crime e indício suficiente de autoria arts 311 e 312 do CPP É possível ainda a decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer das outras medidas cautelares ver abaixo a lista das outras medidas cautelares possíveis A prisão preventiva será admitida nas seguintes hipóteses mencionadas no art 313 do CPP I nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos II no caso de reincidente que houver cometido outro crime doloso com sentença transitada em julgado desde que não transcorrido o período depurador inserido no art 64 I do CP III nos casos de crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher criança adolescente idoso enfermo ou pessoa com deficiência para garantir a execução das medidas protetivas de urgência IV no caso de dúvida quanto à identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecêla devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida Como alternativa à prisão há hoje um extenso rol de medidas coercitivas menos invasivas a saber art 319 do CPP de acordo com a Lei n 12406311 a comparecimento periódico em juízo b proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações c proibição de manter contato com pessoa determinada quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante d proibição de ausentarse da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução e recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos f suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais g internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça quando os peritos concluírem ser inimputável ou semiimputável art 26 do CP e houver risco de reiteração h fiança nas infrações que a admitem para assegurar o comparecimento a atos do processo evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial i monitoração eletrônica A reforma introduzida pela Lei n 124032011 no Código de Processo Penal consagrou a preferencialidade do uso de meios alternativos à prisão preventiva art 282 6º do CPP 421 Em 2016 o STF interpretando o art 319 VI do CPP relativo à suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais decidiu que tal suspensão tutela tanto o i risco de prática da delinquência no poder quanto ii o risco de uso do poder para cometer crimes Por isso o STF entendeu cabível a suspensão do mandato de parlamentar federal e ainda a suspensão do exercício da Presidência da Câmara dos Deputados Caso Eduardo Cunha No pedido de afastamento do então Presidente da Câmara dos Deputados Dep Federal Eduardo Cunha o ProcuradorGeral da República Rodrigo Janot apontou diversos indícios envolvendo coação de testemunhas na Comissão Parlamentar de Inquérito CPI além de interferência da Comissão de Fiscalização de Contratos a fim de coagir empresários e no Conselho de Ética 422 Para o Ministro relator Teori Zavascki não permitir a suspensão do exercício do mandato do parlamentar por falta de previsão expressa da CF88 seria ofender a igualdade entre os agentes políticos porque i os magistrados podem ser suspensos de suas atribuições pelo Tribunal competente para julgálos art 29 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e ii o Presidente da República fica automaticamente suspenso do exercício de suas funções após denúncia ou queixacrime recebida pela Câmara dos Deputados art 86 1º I da CF88 ver trecho do voto do Ministro relator Teori Zavascki STF ACO n 4070DF j 552016 DJe de 21102016 Em 2017 o STF modificou sua posição ao julgar parcialmente procedente a ADI 5526 estabelecendo que o Poder Judiciário pode impor medidas cautelares penais art 319 do Código de Processo Penal a parlamentares Porém caso a execução da medida impossibilitar direta ou indiretamente o exercício regular de mandato o Tribunal deve encaminhar à Casa Legislativa a que pertencer o parlamentar para que esta resolva sobre a sua manutenção ou não aplicação do art 53 2º da CF88 Há caso de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar que consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência só podendo dela ausentarse com autorização judicial Essa substituição do local do aprisionamento poderá ocorrer nos casos de indivíduo I maior de 80 anos II extremamente debilitado por motivo de doença grave III que seja considerado imprescindível para dar cuidados especiais a pessoa menor de 6 anos de idade ou com deficiência ou IV seja gestante a partir do 7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco Em 2011 a 1ª Turma do STF reconheceu a possibilidade de prisão por autoridade policial e condução coercitiva do detido também denominada prisão cautelar de curta duração para fins de investigação policial HC 107644SP rel Min Ricardo Lewandowski j 692011 Para o STF o art 144 4º da CF88 assegura às polícias civis dirigidas por delegados de polícia de carreira as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais Consequentemente os agentes policiais tendo em vista a necessidade de elucidação de um delito podem realizar sem ordem judicial ou estado de flagrante delito a prisão e condução coercitiva de pessoas para prestar esclarecimentos ou depoimentos com uso de algemas inclusive Nesse acórdão o STF não utilizou a teoria dos poderes implícitos da Polícia pois existe expressa previsão constitucional que dá poderes à polícia para investigar a prática de eventuais infrações penais bem como para exercer as funções de polícia judiciária Apesar desse importante precedente do STF autorizando a condução coercitiva por policiais sem ordem judicial entendemos que é necessário cautela uma vez que não há autorização legal A título de comparação o Ministério Público pode requisitar condução coercitiva de vítimas e testemunhas de acordo com o previsto na Lei Complementar n 7593 art 8º I e na Lei n 862593 art 26 I a Só é conduzida coercitivamente a pessoa que descumpre a regular notificação de comparecimento Já a Polícia não é mencionada o que gera discussão sobre se é necessária intimação para comparecimento e só após a condução coercitiva ou se pode a Polícia já prender a pessoa em sua casa local de trabalho etc e conduzila para prestar esclarecimentos Além disso essa prisão de curta duração já encontra sucedâneo que é a prisão temporária com ordem judicial Em 2018 o STF decidiu não ter sido recepcionado pela CF88 o art 260 do Código de Processo Penal 423 Com isso foi proibida a condução coercitiva do investigado ou acusado para interrogatório Para a maioria do STF é incabível a condução coercitiva do investigado ou réu para interrogatório uma vez que este tem o direito de não se autoincriminar podendo inclusive ficar em silêncio No que tange ao mandato de condução coercitiva nas hipóteses de testemunhas e peritos o voto do Min Celso de Mello apontou três requisitos i prévia e regular intimação pessoal do convocado para comparecer perante a autoridade competente ii não comparecimento ao ato processual designado e iii inexistência de causa legítima que justifique a ausência ao ato processual que motivou a convocação Ficaram vencidos o Min Alexandre de Moraes para quem a condução coercitiva é legítima apenas quando o investigado ou acusado não tiver atendido injustificadamente prévia intimação O ministro Edson Fachin também divergiu em maior extensão sustentando que a condução coercitiva para fins de interrogatório depende da i prévia intimação do investigado e sua ausência injustificada sendo também cabível ii sempre que a condução ocorrer em substituição à medida cautelar mais grave a exemplo da prisão preventiva e da prisão temporária O voto vencido do Min Fachin foi acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso e Luiz Fux STF ADPF 395 e ADPF n 444 rel Min Gilmar Mendes j 14062018 113 LIBERDADE PROVISÓRIA COM OU SEM FIANÇA A Constituição de 1988 prevê que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária e ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança art 5º LXV e LXVI Assim há previsão constitucional expressa que possibilita i análise judicial da prisão de qualquer indivíduo e ii a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança Consequentemente caso não seja necessária adequada e urgente a segregação cautelar de um indivíduo ou outra medida menos invasiva o juiz deve conceder a liberdade provisória com ou sem fiança se a pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos 10 a 200 salários mínimos No caso de crimes com pena prevista igual ou inferior a quatro anos a fiança pode ser arbitrada já pelo delegado de polícia no valor de 1 a 100 salários mínimos Há determinados crimes aos quais a Constituição proíbe a fiança que são os i crimes de racismo ii crimes de tortura tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins terrorismo e os definidos como crimes hediondos e iii crimes cometidos por grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático Contudo mesmo diante de delitos inafiançáveis caso não haja necessidade da prisão provisória deve o juiz conceder liberdade provisória sem fiança Em 2012 o STF reconheceu a inconstitucionalidade da proibição da concessão de liberdade provisória aos acusados de tráfico de entorpecentes prevista na Lei Antidrogas art 44 da Lei n 113432006 Para o STF cabe ao magistrado analisar o caso concreto e conceder a restituição da liberdade no crime de tráfico de entorpecentes caso faltem os requisitos da imposição da prisão preventiva impondo ainda as medidas cautelares previstas na Lei n 12403 exceto a fiança que continua proibida pelo texto constitucional Ou seja para o STF o art 5º XLIII da CF88 não proibiu a liberdade provisória e sim somente a fiança HC 104339 rel Min Gilmar Mendes j 952012 A prisão processual ou provisória é assim medida excepcional que deve ser fundamentada e servir como última opção ao julgador 114 PRISÕES NOS CASOS DE TRANSGRESSÕES MILITARES OU CRIMES PROPRIAMENTE MILITARES DEFINIDOS EM LEI E AS PRISÕES NO ESTADO DE EMERGÊNCIA Além da prisão em flagrante a Constituição de 1988 prevê quatro hipóteses de prisão que independem de ordem judicial a saber a Prisão por transgressão militar A Lei n 688080 Estatuto dos Militares determina em seu art 42 que a violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime contravenção ou transgressão disciplinar conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas Assim a transgressão disciplinar consiste na violação dos regulamentos administrativos do corpo militar que de acordo com o art 142 da CF88 também repetido no art 1º da LC n 9799 normas gerais para a organização o preparo e o emprego das Forças Armadas deve ser organizado com base na hierarquia e na disciplina Para assegurar plenamente esses preceitos hierarquia e disciplina é permitida pelo texto constitucional a decretação de prisão pelo superior competente por falta administrativa de determinado militar Porém exigese que haja a prévia menção da conduta como falta disciplinar inserida no regulamento administrativo do corpo militar b Prisão por crime militar próprio definido em lei O Brasil adotou o critério legal para definição do crime militar ratione legis é crime militar o que a lei no caso o Código Penal Militar CPM DecretoLei n 100169 assim define Com a Lei n 134912017 foi alterado o Código Penal Militar para se considerar crime militar qualquer crime previsto na legislação penal comum e especial quando praticado por militar estadual ou federal ainda que sem previsão no Código Penal Militar O crime militar próprio é aquele que só pode ser praticado por militar como por exemplo os crimes de abandono de posto art 195 do CPM omissão de eficiência da força art 198 do CPM omissão de eficiência para salvar comandados art 199 do CPM dormir em serviço art 203 do CPM de deserção art 187 do CPM entre outros c Prisão em Estado de Defesa A Constituição permite que na vigência do estado de defesa a prisão por crime contra o Estado poderá ser determinada administrativamente pelo executor da medida que a comunicará imediatamente ao juiz competente que a relaxará se não for legal facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial art 136 3º I d Prisão em Estado de Sítio A Constituição permite que no estado de sítio decretado por comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa seja feita a prisão por ordem administrativa do executor do estado de sítio com detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns art 139 II No estado de sítio decretado por declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira também é possível a decretação da prisão por ordem administrativa do executor 115 ENUNCIAÇÃO DOS DIREITOS DO PRESO A importância de se garantir os direitos de um indivíduo no momento da prisão é universal pois evita abusos a um indivíduo que está fragilizado e evidentemente em situação de vulnerabilidade Para implementar esses direitos nos Estados Unidos a Suprema Corte estadunidense durante o período de atuação do Chief Justice Warren decidiu no caso Miranda vs Arizona 424 em 1966 que todo custodiado deve ser advertido no momento da prisão pela própria polícia que tem direito de ficar em silêncio ou caso prefira falar de consultar previamente seu advogado 425 Qualquer outro comportamento da polícia ensejaria a nulidade da confissão obtida No caso Miranda o voto do Chief Justice Warren expôs as vísceras do sistema de investigação policial norteamericano por meio da transcrição de partes de manuais de interrogatório que ensinavam como obter a confissão do suspeito por meio de técnicas diversas O ponto em comum de todas essas técnicas usadas nos EUA era criar uma atmosfera de dominação isolar e fragilizar o suspeito impedindo contatos com advogados e parentes Assim valia tudo para obter a confissão uso da representação com toques teatrais do policial bom policial mau Mutt and Jeff no jargão falsas testemunhas e reconhecimentos forjados para desestabilizar o suspeito duração excessiva do interrogatório sugestão de exculpantes como legítima defesa mas que não teriam credibilidade alguma uma vez que o suspeito teria inicialmente negado a autoria argumentos para convencer o suspeito a não chamar um advogado se você é inocente por que precisa de um advogado entre outras técnicas Tudo isso sem contar a violência pura que obviamente não constava dos manuais mas que foi lembrada no voto do Juiz Warren no célebre Caso Miranda da Suprema Corte dos Estados Unidos que reforçou o dever de enunciação dos direitos do preso 426 O resgate desse voto histórico é importante para demonstrar a importância universal dos direitos do indivíduo no momento em que é preso A Constituição de 1988 enumera alguns direitos do indivíduo que devem ser enunciados pelo executor da medida a Direito à comunicação do local de sua prisão O preso tem o direito de que seja comunicado à família ou a pessoa por ele indicada e ao juiz competente do local onde se encontre Essa comunicação permite o relaxamento da prisão ilegal ou ainda a concessão da liberdade provisória b Direito ao silêncio O preso será informado do seu direito de permanecer calado Esse direito é também denominado autodefesa passiva com o investigado ou réu preferindo adotar uma linha de defesa não ativa uma vez que cabe à Acusação provar o alegado Ora por conseguinte não pode o acusado ser apenado por um exercício regular do direito de defesa e então não se pode extrair nenhuma consequência negativa do exercício do direito ao silêncio como por exemplo estipulava a antiga redação do art 186 427 do CPP brasileiro já alterada 428 c Direito à assistência da família e de advogado O preso tem assegurada a assistência da família e de advogado Caso não possua recursos para pagar o advogado sem prejuízo da subsistência pessoal ou familiar tem direito à assistência jurídica integral por intermédio da Defensoria Pública d Direito à identificação dos captores e dos interrogadores O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial A jurisprudência ainda extraiu o privilégio contra a autoincriminação do preso e dos demais investigados e acusados decorrente do direito expresso ao silêncio do preso como veremos abaixo 116 DIREITO A NÃO CONTRIBUIR PARA SUA PRÓPRIA INCRIMINAÇÃO Diversos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil asseguram o direito de todo indivíduo de não ser obrigado a se autoincriminar o que é conhecido pelo brocardo latino nemo tenetur se detegere O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966 e já ratificado e incorporado internamente assegura a cada indivíduo acusado de um crime entre as garantias processuais mínimas para o exercício do direito de defesa aquela de não ser constrangido a depor contra si mesmo ou a confessarse culpado art 14 II e III g A Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica em vigor para o Brasil desde 1992 assegura a toda pessoa acusada de delito entre outras garantias mínimas o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma nem a declararse culpada art 8º II g No caso brasileiro a disposição constitucional sobre o direito ao silêncio do preso art 5º LXIII ver comentário acima gerou para o STF o direito de toda pessoa perante qualquer Poder em qualquer processo administrativo ou judicial não importando a qualidade de sua posição no procedimento mesmo se na condição de testemunha de não ser obrigado a se autoincriminar ou a contribuir de qualquer forma para sua própria incriminação privilégio contra a autoincriminação nemo tenetur se detegere O direito a não ser obrigado a se autoincriminar compõe o direito à defesa A não incriminação é uma modalidade de autodefesa passiva que é exercida por meio da inatividade do indivíduo sobre quem recai ou pode recair uma imputação O indivíduo pode defenderse da maneira que entender mais conveniente sem que ninguém possa coagilo ou induzir seu comportamento podendo inclusive optar pelo non facere Afinal o ônus da prova recai sobre a Acusação O direito de não ser obrigado a se autoincriminar implica a proibição de qualquer ato estatal que impeça condicione ou perturbe a vontade do indivíduo de não contribuir para o processo sancionatório contra ele dirigido no momento ou no futuro o que protege a testemunha de responder a pergunta que pode futuramente levar a um processo contra si As principais consequências na jurisprudência brasileira do privilégio contra a autoincriminação são a Silêncio em face de pergunta cuja resposta é autoincriminadora O STF já se pronunciou diversas vezes que toda pessoa pode invocar o direito de não produzir prova contra si mesmo sem acusação formal ou no momento de depoimento na condição de testemunha Toda pessoa que na condição de testemunha de indiciado ou de réu deva prestar depoimento perante órgãos públicos inclusive perante um juiz e Comissão Parlamentar de Inquérito pode invocar o direito ao silêncio sem qualquer prejuízo ou sanção por exemplo prisão em flagrante pelo crime de falso testemunho modalidade calar a verdade b Nulidade gerada pela ausência da notificação do direito ao silêncio O STF determinou que há nulidade no caso de omissão de informação do direito do preso de quedar se em silêncio pois ao invés de constituir desprezível irregularidade a omissão do dever de informação ao preso dos seus direitos no momento adequado gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas assim como das provas delas derivadas STF HC 78708 rel Min Sepúlveda Pertence j 93 1999 1ª T DJ de 1641999 c Direito de não produzir elementos que servirão de prova contra si mesmo O investigado não pode ser obrigado sob pena de desobediência a fornecer qualquer elemento de prova contra si mesmo Por exemplo não cabe exigir autógrafos para servir de padrão à perícia Há outros métodos menos gravosos e que atingem o mesmo resultado como por exemplo fazer requisição a órgãos públicos que detenham documentos da pessoa a qual é atribuída a letra d Direito à mentira e as falsidades do investigado O direito de não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo foi expandido no Brasil e fundamenta em conjunto com o direito à ampla defesa modalidade autodefesa a atipicidade da conduta de apresentar versões falsas O tipo penal de falso testemunho não comporta a punição do investigado ou acusado O art 342 do CP com a redação dada pela Lei n 102682001 estabelece ser o falso testemunho o ato da testemunha perito contador tradutor ou intérprete em processo judicial ou administrativo inquérito policial ou em juízo arbitral de fazer afirmação falsa ou negar ou calar a verdade o que exclui o investigado ou réu e Direito à mentira e impossibilidade de usar as falsidades na dosimetria da pena Como resultado do direito do réu de se defender com versões falsas não pode o juiz na visão majoritária usar tal conduta na dosimetria da pena punindo com maior severidade o réu Para o STF a fixação da pena acima do mínimo legal exige fundamentação adequada baseada em circunstâncias que em tese se enquadrem entre aquelas a ponderar na forma prevista no art 59 do CP não se incluindo entre elas o fato de haver o acusado negado falsamente o crime em virtude do princípio constitucional nemo tenetur se detegere HC 68742 rel p o ac Min Ilmar Galvão j 2861991 Plenário DJ de 241993 com vários julgados posteriores f Vedação da atribuição falsa de identidade Todavia o investigado não pode mentir e atribuir para si falsa identidade Deve optar pelo silêncio caso não queira revelar sua identidade verdadeira pois poderá ser processado pelo crime previsto no art 307 do CP Atribuirse ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem em proveito próprio ou alheio ou para causar dano a outrem Para o STF o princípio constitucional da autodefesa art 5º LXIII da CF1988 não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes sendo portanto típica a conduta praticada pelo agente art 307 do CP RE 640139RG rel Min Dias Toffoli j 229 2011 Plenário DJe de 14102011 com repercussão geral No mesmo sentido há a Súmula 522 do STJ A conduta de atribuirse falsa identidade perante autoridade policial é típica ainda que em situação de alegada autodefesa decisão de 2532015 DJe de 642015 g Privilégio contra a autoincriminação e a interceptação telefônica O privilégio contra a autoincriminação proíbe apenas que o Estado exija do investigado que contribua com sua própria incriminação Contudo não impede que o Estado realize investigações que colham inclusive a confissão do investigado em interceptações telefônicas ou escutas ambientais O que é vedado por ofensivo à dignidade humana é coagir e forçar o investigado a revelar a prática de crime Nesse sentido o STF decidiu que não pode vingar a tese da impetração de que o fato de a autoridade judiciária competente ter determinado a interceptação telefônica dos pacientes envolvidos em investigação criminal fere o direito constitucional ao silêncio a não autoincriminação HC 103236 voto do rel Min Gilmar Mendes j 1462010 Segunda Turma DJe de 392010 h Privilégio contra a autoincriminação e o dever de apresentação de documentos O dever de fornecer documentos é tratado de modo diferente Nesse último caso esses documentos entregues em si não têm o condão de incriminar ou absolver quem quer que seja A batalha da defesa estará na interpretação do alcance e sentido de cada informação contida nos documentos Assim é legítima a requisição de documentos ou mesmo o recurso à busca e apreensão judicial de documentos i Privilégio contra a autoincriminação e a intervenção corpórea mínima O privilégio contra a autoincriminação e a integridade física são direitos utilizados para impedir que o Estado exija do investigado que ceda material integrante do próprio corpo para a investigação de ilícitos Assim no Brasil é vedado que se exija de um indivíduo que doe material para o exame de DNA que faça o teste do etilômetro bafômetro ou permita exame de sangue para aferição de estado de embriaguez A conduta do investigado em fazer tais atos tem que ser voluntária não podendo ser exigida Nada impede contudo que a investigação obtenha material sem que a integridade física seja violada No STF foi considerado legítimo o exame de DNA feito na placenta após sua expulsão pelo corpo mesmo contra a vontade da mãe Rcl 2040QO rel Min Néri da Silveira j 2122002 Plenário DJ de 2762003 Contudo outros órgãos internacionais de direitos humanos como a Corte Europeia de Direitos Humanos aceitam a intervenção corpórea mínima no próprio investigado p ex exame compulsório de DNA de modo a preservar o direito à verdade e à justiça das vítimas fazendo ponderação entre os direitos do investigado e os direitos das vítimas j Fuga do local do acidente de trânsito e crime do art 305 do Código Brasileiro de Trânsito Constitucionalidade Ao punir a conduta do condutor envolvido em acidente de trânsito que não permanece no local do acidente o crime do art 305 do CTB não ofende o princípio da não incriminação De fato o envolvido não precisa dar declarações ou assumir culpa O núcleo duro do nemo tenetur se detegere consiste em não obrigar o indivíduo a agir ativamente na produção de prova contra si próprio o que a previsão do art 305 não ofende Tutelase somente administração da justiça que tem interesse em preservar o local do acidente impondo que os condutores lá permaneçam Em síntese para o STF a exigência de permanência no local do acidente e de identificação perante a autoridade de trânsito não obriga o condutor a assumir eventual responsabilidade cível ou penal pelo sinistro nem tampouco enseja que contra ele se aplique qualquer penalidade caso não o faça RE 971959 rel Min Luiz Fux j 14112018 P Informativo 923 Tema 907 117 PRISÃO EXTRAPENAL Há casos de prisão de natureza não criminal que não tem o caráter de pena criminal a saber a Prisão especial ou preventiva para fins de deportação expulsão e prisão cautelar para fins de extradição Essas modalidades de prisão eram ordenadas antes da Constituição de 1988 por autoridade administrativa sendo conhecida como prisão administrativa conforme dispõe a Lei n 681580 Estatuto do Estrangeiro arts 61 69 e 81 Com a Constituição de 1988 e com a manutenção da Lei n 681580 revogada somente em 2017 com a edição da Lei n 1344517 Lei de Migração a jurisprudência sedimentouse no sentido de permitir que o juiz federal ordenasse a prisão especial para fins de deportação e expulsão prazo máximo de 90 dias segundo a construção jurisprudencial de Tribunais Regionais Federais e o STF viesse a ordenar a prisão cautelar para fins de extradição em 2013 a Lei n 12878 estabeleceu expressamente a possibilidade de prisão cautelar para fins de extradição nova redação do art 82 da Lei n 671580Em 2017 a Lei n 134552017 revogou a Lei n 681580 mantendo de modo expresso somente a previsão da prisão cautelar do extraditando pelo STF art 84 da Lei n 134452017 Para o STF é obrigatória a prisão do extraditando que é verdadeira condição de procedibilidade para a continuidade de análise do processo de extradição Ext 1196 rel Min Dias Toffoli Tribunal Pleno j 1662011 Há precedentes contudo que admitem sua conversão excepcionalmente em prisão domiciliar até mesmo com monitoramento eletrônico PPE 760 AgR rel Min Edson Fachin Primeira Turma j 10 112015 Em 2016 foi proposta a ADPF 425 que questionava a obrigatoriedade de tal prisão especial para fins de extradição tendo em vista especialmente que i a liberdade deve ser a regra e ii a ordem de prisão preventiva deve sempre observar critérios de pertinência e necessidade o que não ocorre com sua adoção como condição de procedibilidade no processo extradicional Essa ação foi extinta sem julgamento de mérito tendo em vista que o art 84 da Lei n 681580 e o art 208 do Regimento Interno do STF dispositivos que anteriormente prescreviam a obrigatoriedade de prisão para fins de extradição foram revogadas pela Lei n 134452017 que prevê em seu art 86 a imposição de prisão domiciliar ou concessão de liberdade inclusive com possibilidade de adoção de medidas cautelares diversas da prisão ADPF 425 rel Min Edson Fachin j 10102018 Quanto à prisão do deportando e do expulsando a Lei n 134452017 singelamente determina que o chefe da unidade da Polícia Federal poderá representar perante o juízo federal respeitados nos procedimentos judiciais os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal De fato a omissão da Lei n 134452017 sobre a permanência da antiga prisão especial para fins de deportação ou expulsão gerou dúvida quanto à ofensa ao princípio da reserva legal por parte do art 211 do Decreto n 91992018 que expressamente previu a existência de representação do delegado da Polícia Federal como autoridade administrativa migratória para fins de decretação de prisão ou outra medida cautelar para concretizar as medidas administrativas de retirada compulsória de estrangeiros Em 2018 a Sexta Turma do STJ decidiu pela inexistência de previsão legal para a adoção da prisão especial tendo o Decreto n 9199 inovado de modo ilegal a ordem jurídica STJ RHC 91785 j 1682018 DJe 2882018 A Lei de Migração além de não prever a prisão para fins de deportação ou expulsão expressamente dispõe que ninguém será privado de sua liberdade por razões migratórias exceto nos casos previstos na própria lei art 123 429 b Prisão civil do alimentante inadimplente injustificado No caso da prisão do depositário infiel art 5º LXVII da CF88 o STF não mais a admite em face da adoção de tratados internacionais de direitos humanos que impedem sua adoção Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Convenção Americana de Direitos Humanos A Súmula Vinculante 25 do STF dispõe que É ilícita a prisão civil de depositário infiel qualquer que seja a modalidade do depósito c Prisão administrativa disciplinar já estudada acima e ordenada por autoridade militar nos casos de transgressões militares fundada nos arts 5º LXI e 142 2º da CF88 118 AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO OU CUSTÓDIA A audiência de apresentação ou custódia consiste em direito do indivíduo preso pela autoridade policial de i ser conduzido à presença de um juiz ou autoridade com os predicamentos da magistratura independência imparcialidade e ii ter a legalidade da detenção e demais consequências examinadas como a manutenção da prisão concessão da liberdade adoção de medida alternativa à prisão verificação de agressão ou tortura entre outras Tratase de um direito relacionado à proteção da liberdade e da integridade pessoal uma vez que evita tanto o abuso nas decretações das prisões quanto a violência camuflada Tem como elemento central a apresentação imediata do detido pela autoridade administrativa realizadora da prisão policial a uma autoridade com independência e garantias juiz Não tem como finalidade a antecipação do interrogatório do suposto autor do delito e não cabe nas prisões feitas por ordem judicial Também não basta então o mero envio formal da documentação da prisão ao juiz como era feito à luz do art 306 1º do CPP 430 a audiência de apresentação ou custódia exige a presença diante do juiz do preso em flagrante pela autoridade policial para que os dois objetivos sejam cumpridos verificação da legalidade da prisão e tomada de decisão sobre o seu prosseguimento e promoção da integridade pessoal evitando agressões policiais na detenção que são estimuladas pela impunidade A audiência de custódia ou apresentação consta expressamente da Convenção Americana de Direitos Humanos CADH cujo artigo 75 prevê que toda pessoa presa detida ou retida deve ser conduzida sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade sem prejuízo de que prossiga o processo No mesmo sentido o artigo 93 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe que qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida sem demora à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade Esses dois tratados foram omissos quanto ao sentido da expressão sem demora mas a legislação dos países americanos com realidades próximas a do Brasil utilizaram prazos de até 48 horas a saber Argentina prazo de seis horas após a prisão em caso de prisão sem ordem judicial Chile em casos de prisão em flagrante o suspeito seja apresentado dentro de 12 horas a um promotor e caso não seja solto a um juiz no prazo de 24 horas da prisão Peru 24 horas o Peru foi condenado pela Corte IDH por não ter cumprido esse prazo constitucional no Caso Castillo Páez Colômbia 36 horas e México 48 horas 431 Assim em que pese a indeterminação do conceito sem demora fica evidente que o lapso temporal da apresentação do preso ao magistrado deve ser diminuto para que seja cumprido o comando dos tratados de direitos humanos acima expostos Quanto à definição do que vem a ser juiz ou autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais a jurisprudência da Corte IDH exige que seja autoridade com os predicamentos tradicionais da magistratura como a independência funcional imparcialidade e competência previamente estabelecida juiz natural 432 No Brasil a apresentação do preso em flagrante ao delegado de polícia não preenchia tais requisitos Quanto à finalidade da audiência de apresentação tratase como visto acima da proteção da liberdade e da integridade pessoal do preso não sendo um ato instrutório processual No Brasil o projeto de lei sobre a temática no Congresso Nacional PLS n 5542011 433 não foi ainda aprovado tendo sido feita a regulamentação administrativa por intermédio de provimentos de Tribunais de Justiça com apoio do Conselho Nacional de Justiça A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil ADEPOL ingressou com ação direta de inconstitucionalidade atacando a implementação das audiências de custódia por provimento administrativo 434 o que ofenderia a separação de poderes e a competência legislativa da União O STF julgou a ação improcedente considerando que i há a previsão da audiência no artigo 75 da Convenção Americana de Direitos Humanos diploma de hierarquia supralegal e ii que a apresentação do preso ao juiz no Brasil é novidade como se vê no regramento da ação de habeas corpus Assim não houve inovação legislativa proibida ao ato administrativo mas sim a operacionalização daquilo que já estava na Convenção Americana de Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos STF ADI 5240SP rel Min Luiz Fux j 2082015 No Brasil a audiência de apresentação ou custódia 435 consiste no direito da i pessoa detida em flagrante de ser ii conduzida sem demora à presença de magistrado que deve decidir sobre a legalidade da prisão em flagrante bem como sobre seu relaxamento art 310 I do CPP 436 ou ainda decidir sobre decretação de prisão processual art 310 II do CPP 437 concessão de liberdade provisória com ou sem fiança art 310 III do CPP 438 ou ainda aplicação de medida cautelar diversa da prisão art 319 do CPP 439 Em linhas gerais a audiência de apresentação ou custódia tem sido regulada no Brasil nos diversos provimentos e resoluções dos Tribunais de Justiça da seguinte forma 1 A autoridade policial providenciará a apresentação da pessoa detida até 24 horas uso analógico do art 306 1º após a sua prisão ao juiz competente para participar da audiência de custódia O auto de prisão em flagrante será encaminhado juntamente com a pessoa detida Em 9 de setembro de 2015 o STF na ADPF 347 deferiu medida cautelar exigindo a realização da audiência de apresentação no prazo de 24 horas contado da realização da prisão 2 Previsão de contato prévio e por tempo razoável do preso com advogado ou com defensor público 3 Restrição das perguntas às circunstâncias objetivas da prisão e pessoais do preso Não devem ser feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução própria de eventual processo de conhecimento 4 O Ministério Público e a Defensoria ou advogado constituído devem participar da audiência 5 O Ministério Público deve se manifestar pelo i relaxamento da prisão em flagrante ii conversão em prisão preventiva iii concessão de liberdade provisória com imposição se for o caso das medidas cautelares previstas no art 319 do CPP 6 Após o Ministério Público devem se manifestar o autuado e a defesa 7 O juiz deve decidir na audiência sobre i relaxamento da prisão ilegal ii concessão de liberdade provisória com ou sem fiança iii adoção de medidas cautelares diversas substitutivas da prisão e iv conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva 8 O juiz deve tomar medidas para que sejam apurados abusos ocorridos durante a prisão em flagrante ou lavratura do ato especialmente o exame clínico e de corpo de delito do autuado Cabe ainda a realização da audiência de apresentação no caso de crianças e adolescentes apreendidos conforme já decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Hermanos Landaeta Mejías y otros vs Venezuela sentença de 27 de agosto de 2014 em especial parágrafo 178 A Corte IDH fez referência neste caso no parágrafo 177 ao Comentário Geral n 10 do Comitê dos Direitos das Crianças que interpretando a Convenção dos Direitos da Criança estabeleceu o prazo de 24 horas para a apresentação do menor à autoridade competente que deve decidir sobre a soltura ou manutenção da prisão Em relação a qual seria a autoridade competente para a apresentação do adolescente entendo que apesar dos diferentes encargos do Ministério Público perante o Estatuto da Criança e do Adolescente inclusive na concessão de remissão o comando da Convenção Americana de Direitos Humanos exige que a apresentação seja feita a juiz ou à autoridade judicial No Brasil a louvável separação entre as carreiras da Magistratura e do Ministério Público exige que o adolescente apreendido seja apresentado à autoridade judicial 119 SISTEMA PRISIONAL USO DE ALGEMAS E O ESTADO DAS COISAS INCONSTITUCIONAL A caótica situação do sistema prisional brasileiro é notória e já gerou vários casos contra o Brasil no sistema interamericano de direitos humanos como se vê nas diversas medidas provisórias adotadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos exigindo que o Estado cumpra os direitos básicos do preso como direito à vida integridade pessoal segurança saúde entre outros ver a lista das medidas provisórias contra o Brasil no item 1337 do Capítulo V da Parte II Não se trata então de violação de direitos de um determinado preso ou no máximo da negligência de um Estado da Federação no trato do seu sistema prisional mas sim de um quadro i generalizado e ii longevo de violações de direitos que se mostra imune a mudanças graças à iii constante ineficiência por ações ou omissões dos agentes políticos eleitos de diferentes partidos Esse tipo de falha estrutural e sistêmica dos Poderes eleitos do Estado Democrático fez nascer na Colômbia uma reação do Poder Judiciário pela declaração do Estado de Coisas Inconstitucional ECI Esse instituto foi inicialmente adotado pela Corte Constitucional da Colômbia CCC em caso de desrespeito generalizado e estrutural a direitos previdenciários Sentencia de Unificación 559 de 6111997 Em seguida em 1998 a mesma Corte colombiana reconheceu o ECI em virtude da situação do sistema prisional colombiano cuja superlotação e violação sistemática de direitos dos presos era fruto da omissão de diversas autoridades no Estado Sentencia de Tutela 153 de 2841998 Reconhecido o ECI o Poder Judiciário fica autorizado a adotar medidas de coordenação dos agentes públicos envolvidos mesmo se de entes federados diversos designando e alocando recursos materiais e humanos e formulando políticas públicas de enfrentamento da situação A coordenação do Poder Judiciário é feita ao longo do tempo em uma jurisdição de supervisão que pode inclusive alterar as medidas já ordenadas dando flexibilidade à coisa julgada Esse tipo de conduta do Poder Judiciário não visa satisfazer o direito de vítimas individualizadas mas sim gerenciar o cumprimento dos deveres de proteção do Estado em relação a todos os afetados até que a situação seja revertida Em face da gravidade das consequências do ECI que afetam no caso brasileiro obviamente a separação de poderes e o federalismo cláusulas pétreas da CF88 seus requisitos são os seguintes Quadro extraordinário Exigese a constatação da existência de quadro de violação generalizada e sistemática de direitos humanos que seja extraordinária e longeva não bastando ser meramente a proteção ineficiente ou necessitando melhorias Falha estrutural do Estado Também é exigida a constatação de bloqueios políticos e jurídicos que impedem a adoção das diversas medidas legislativas administrativas e até judiciais por exemplo recusa dos juízes de instâncias inferiores de adotar medidas alternativas ao encarceramento no caso da crise do sistema prisional que permite a perenização não há perspectiva de melhoria contínua sequer a longo prazo da situação Necessidade de coordenação por parte da cúpula do Poder Judiciário Tratase aqui da necessidade da atuação dirigente excepcional do Poder Judiciário para superar o impasse da situação Para tanto constatase a formação de um litígio estrutural que é aquele que afeta número expressivo de pessoas e exige remédios de diversos tipos sob a coordenação do Poder Judiciário O Poder Judiciário deve agir porque há falta de coordenação entre os atores envolvidos muitas vezes por motivos políticos partidos diferentes controlando entes federados indispensáveis para a reversão do quadro eleitorais a questão é explorada eleitoralmente de modo negativo gerando a invisibilidade das violações e sua consequente manutenção orçamentários as prioridades dos agentes eleitos são outras e mesmo jurídicos autonomia dos entes federados por exemplo Em 2015 houve a propositura da ADPF 347 pelo Partido Socialismo e Liberdade PSOL que requereu o reconhecimento pelo STF do Estado de Coisas Inconstitucional na situação do sistema penitenciário brasileiro Com o reconhecimento do ECI deveria o STF interferir na formulação e implementação de políticas públicas determinar alocações orçamentárias e ordenar interpretação vinculante do processo penal visando a melhoria das condições desumanas dos presídios brasileiros bem como buscando a redução da superlotação dos presídios A maior parte dos nove pedidos cautelares do requerente na ADPF 347 dizia respeito ao poderdever dos juízes criminais e de execução criminal de contribuir para a redução da superlotação inclusive abrandando os requisitos legais de concessão de benefícios prisionais e ainda abatendo o tempo de prisão caso o preso tenha cumprido a pena em condições desumanas Contudo no julgamento da medida cautelar o STF não deferiu a maior parte desses pedidos tendo por maioria decidido somente 1 pela aplicabilidade imediata do artigo 75 da Convenção Americana de Direitos Humanos e do artigo 93 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos devendo os juízes e tribunais realizar audiências de custódia no prazo máximo de 90 dias permitindo o comparecimento do preso em até 24 horas da prisão 2 deferir a cautelar para determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado abstendo se de realizar novos contingenciamentos 3 conceder cautelar de ofício para que se determine à União e aos Estados e especificamente ao Estado de São Paulo que encaminhem ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a situação prisional ADPF 347 rel Min Marco Aurélio j 992015 Em 2016 houve a edição do Decreto n 8858 que regulamentou o disposto no art 199 O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal da Lei n 721084 Lei de Execução Penal determinando o uso como diretrizes da Resolução n 201016 de 22 de julho de 2010 das Nações Unidas sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras Regras de Bangkok e do Pacto de San José da Costa Rica que determina o tratamento humanitário dos presos e em especial das mulheres em condição de vulnerabilidade Nesse sentido permitiu o emprego de algemas apenas em casos de i resistência e ii de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia causado pelo preso ou por terceiros iii justificada a sua excepcionalidade por escrito Por sua vez proibiu emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional a durante o trabalho de parto b no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e c após o parto durante o período em que se encontrar hospitalizada Também cabe mencionar a aprovação em 1382008 da Súmula Vinculante 11 pela qual ficou estabelecido que só é lícito o uso de algemas em casos i de resistência e ii de fundado receio de fuga ou iii de perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou de terceiros Tal uso deve ser justificado por escrito sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado É devido pagamento de indenização por danos materiais e morais ao preso submetido às condições degradantes e desumanas do sistema prisional brasileiro tendo já o Supremo Tribunal Federal aprovado a seguinte tese em repercussão geral Considerando que é dever do Estado imposto pelo sistema normativo manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico é de sua responsabilidade nos termos do artigo 37 parágrafo 6º da Constituição a obrigação de ressarcir os danos inclusive morais comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento Recurso Extraordinário n 580252 relator para o acórdão Min Gilmar Mendes j 16 de fevereiro de 2017 Em 2018 houve avanço no tratamento judicial da superpopulação carcerária no Brasil em caso envolvendo a detenção de adolescentes em conflito com a lei em unidades de cumprimento de medidas socioeducativas de internação Em habeas corpus coletivo o Min Fachin reconheceu que a manutenção do socioeducando internado em ambiente superlotado ofende o art 227 da CF88 440 e o art 3º da Convenção da ONU sobre os direitos da criança 441 Assim as medidas socioeducativas privativas de liberdade devem ser cumpridas em estabelecimentos que ofereçam dignas condições em respeito à sua peculiar situação de pessoa em desenvolvimento o que levou o Min Fachin a determinar um limite ao número de socioeducandos em determinada unidade Unidade de Internação Regional Norte UNINORTE de LinharesES à capacidade máxima próxima de 119 O percentual de 119 foi extraído da taxa média de ocupação dos internos de 16 estados aferido pelo CNMP em 2013 Atingido esse percentual deve ser realizada transferência para outras unidades e na impossibilidade ser incluído em programa de meio aberto à luz dos parâmetros do art 49 II da Lei n 125942012 442 Caso também seja impossível a adoção das medidas já referidas que haja a conversão das medidas de internação em internações domiciliares STF Ag Reg no HC 143988ES rel Min Edson Fachin decisão monocrática de 1682018 Assim a situação dramática dos presídios brasileiros vulnera a Constituição a Lei de Execução Penal tratados de direitos humanos como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes a Convenção Americana de Direitos Humanos e também diplomas de soft law como as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos Regras de Nelson Mandela Por isso cabe a adoção das mais diversas ordens judiciais ao Poder Executivo no que tange ao tratamento prisional para assegurar o mínimo existencial superando i eventual alegação de ofensa à separação de poderes e ii alegação de inexistência de recursos financeiros reserva do possível Nesse sentido o Min Celso de Mello conheceu habeas corpus coletivo e decidiu a favor do direito ao banho de sol diário por duas horas de todos os presos mesmo os que estivessem detidos no Pavilhão Disciplinar e no Pavilhão Seguro termo utilizado para locais nos quais os presos ameaçados são detidos fundado no direito à integridade física e psíquica e ainda no direito à saúde além de ser extraído do respeito à dignidade humana Nas palavras do Ministro Celso de Mello a cláusula da reserva do possível por isso mesmo é inoponível à concretização do mínimo existencial STF HC Coletivo n 172136SP rel Min Celso de Mello decisão monocrática de 1º72019 em trâmite Cumprese assim o respeito à dignidade humana do preso ou do socioeducando art 1º III da CF88 e o direito de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante art 5º III da CF88 12 Liberdade de reunião e manifestação em praça pública Art 5º XVI todos podem reunirse pacificamente sem armas em locais abertos ao público independentemente de autorização desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente A Constituição de 1988 assegura a todos o direito de se reunir pacificamente e sem armas em locais abertos ao público sem necessidade de autorização prévia desde que i avisem previamente à autoridade competente e ii não frustrem outra reunião já convocada anteriormente A liberdade de reunião é direitomeio que viabiliza a liberdade de expressão e a liberdade de associação permitindo a participação da sociedade civil na vida política e social A reunião em local aberto ao público é o instrumento que viabiliza essa participação Os requisitos para que se tenha o direito à reunião consistem em seis elementos a pessoal qualquer um pode utilizálo b temporal não pode ser inviabilizada outra reunião no mesmo horário c finalidade o fim deve ser pacífico ou seja não pode ser feita reunião com violência ou incitação ao ódio ou à discriminação d espacial não pode se sobrepor a outra reunião marcada anteriormente no mesmo local e circunstancial não pode ser feita com participantes armados e f formal deve existir aviso prévio à autoridade competente para que se verifique a existência dos demais elementos e viabilidade da reunião Existentes esses elementos o espaço público pode abarcar a defesa de teses não majoritárias como a da defesa da legalização das drogas ou de qualquer outro tipo penal Essa defesa de teses contrárias ao Direito Penal vigente não se constitui em apologia ao crime mas sim o exercício legítimo do direito à livre manifestação do pensamento graças ao exercício do direito de reunião como decidiu o STF no Caso da Marcha da Maconha Nesse caso o STF interpretou o Código Penal restritivamente considerando que não é apologia ao crime do art 287 do CP a defesa em praça pública da mudança da lei e legalização do uso e produção da maconha ADPF 187 rel Min Celso de Mello j 1562011 Plenário Informativo n 631 Em outro caso emblemático o STF considerou inconstitucional o Decreto n 2009899 do Distrito Federal que proibia a manifestação com aparelhos sonoros na Praça dos Três Poderes em Brasília O STF considerou que a liberdade de reunião e de manifestação pública são conquistas da civilização enquanto fundamento das modernas democracias políticas não podendo ser exigidas manifestações silenciosas ADI 1969 rel Min Ricardo Lewandowski j 2862007 Plenário DJ de 3182007 No Brasil após o uso de violência por manifestantes a chamada tática black block leis estaduais foram aprovadas proibindo o uso de máscaras ou qualquer forma de ocultar o rosto para dificultar ou impedir a identificação em manifestações ressalvadas as manifestações culturais como o carnaval tais como a Lei estadual paulista n 15556 de 2982014 e a Lei estadual fluminense n 6528 de 1192013 O ápice da violência ocorreu com a morte de cinegrafista de empresa de televisão em 10 de fevereiro de 2014 atingido por rojão durante seu trabalho de cobertura de manifestação no Rio de Janeiro O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou a lei estadual constitucional entendendo que tal proibição não é óbice que embarace ou mesmo inviabilize o direito de reunião mas busca preservar os direitos daqueles que seriam atingidos pela violência ADI 0052756 3020138190000 e 00530715820138190000 Rel designada Desa Nilza Bitar j 1011 2014 Sem levar em conta os debates constantes do acórdão estadual sobre a competência federal tema de direito penal estadual tema de segurança pública ou municipal tema de restrição administrativa para determinado indivíduo poder estar em espaço público para regular a matéria observo que a proibição das máscaras não pode ser extraída logicamente da cláusula de pacificidade constante do direito à reunião É possível obviamente que um manifestante com máscara tenha comportamento pacífico e outro sem máscara atente contra direitos e bens de terceiros Quanto à proibição do anonimato que consta com restrição à liberdade de manifestação do pensamento art 5º IV não há a mesma restrição no que tange ao direito de reunião É comum aliás o uso de máscaras em reuniões pacíficas de protesto a máscara de Guy Fawkes já é um símbolo globalizado de revolta contra o abuso do poder Também há outros meios para que se garanta a identificação e punição aos que cometem atos violentos por meio da ação policial especificamente voltada aos que cometem tais atos 13 Liberdade de associação Art 5º XVII é plena a liberdade de associação para fins lícitos vedada a de caráter paramilitar XVIII a criação de associações e na forma da lei a de cooperativas independem de autorização sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento XIX as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial exigindose no primeiro caso o trânsito em julgado XX ninguém poderá ser compelido a associarse ou a permanecer associado XXI as entidades associativas quando expressamente autorizadas têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente A liberdade de associação consiste no direito de formação de entidades não importando a espécie ou natureza com ou sem fim lucrativo sendo proibida unicamente as de caráter paramilitar O caráter paramilitar expressamente proibido pela Constituição referese a associações que buscam organizar e treinar seus membros de forma similar à das Forças Armadas com uso de hierarquia disciplina cadeia de comando com ou sem fardamento próprio e voltado a atividades bélicas A proibição expressa de associações de caráter paramilitar não elimina a possibilidade de proibição também de funcionamento de associações voltadas a outras práticas ilícitas incidindo nesse caso a ponderação entre o direito de associação e os direitos de terceiros futuras vítimas das práticas ilícitas Foi prevista pela primeira vez em um texto constitucional brasileiro na Constituição de 1891 destacandose nos textos constitucionais sucessivos Há duas facetas ou dimensões da liberdade de associação a dimensão positiva e a dimensão negativa A liberdade de associação positiva assegura a qualquer pessoa física ou jurídica o direito de associarse e de formar associações gerindoas sem interferência do Estado Já a liberdade de associação negativa impede que qualquer pessoa seja compelida a filiarse permanecer filiado ou ainda a se desfiliar de determinada entidade ADI 3045 voto do rel Min Celso de Mello j 1082005 Plenário DJ de 1º62007 Além da liberdade de criação salvo a de caráter paramilitar a Constituição ainda estabelece outras regras regentes da liberdade de associação a saber i criação e funcionamento independente de autorização estatal ii proibição da interferência estatal em seu funcionamento iii suspensão de suas atividades por decisão judicial mesmo que em liminar iv dissolução compulsória só poderá ser feita por ordem judicial transitada em julgado v legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente quando expressamente autorizadas quer seja no estatuto institutivo ou mediante deliberação em Assembleia Para o STF descabe exigir instrumentos de mandatos subscritos pelos associados RE 192305 rel Min Marco Aurélio j 15121998 Segunda Turma DJ de 2151999 Trata se do instituto da representação processual defesa de interesses de terceiros em nome de terceiros diferente do instituto da substituição processual defesa em nome próprio dos interesses de terceiros regulado no inciso LXX do art 5º A Constituição ainda regula o direito de associação em dispositivos referentes aos sindicatos art 8º aos partidos políticos art 17 e às cooperativas arts 5º XVIII e 146 e 174 131 JURISPRUDÊNCIA DO STF Liberdade de associação e direito de crítica Quem critica o autoritarismo não está a criticar a disciplina Frisese ainda que a liberdade de associação prestase a satisfazer necessidades várias dos indivíduos aparecendo ao constitucionalismo atual como básica para o Estado Democrático de Direito Os indivíduos se associam para serem ouvidos concretizando o ideário da democracia participativa Por essa razão o direito de associação está intrinsecamente ligado aos preceitos constitucionais de proteção da dignidade da pessoa de livre iniciativa da autonomia da vontade e da garantia da liberdade de expressão Uma associação que deva pedir licença para criticar situações de arbitrariedade terá sua atuação completamente esvaziada e toda dissolução involuntária de associação depende de decisão judicial HC 106808 rel Min Gilmar Mendes j 94 2013 Liberdade de associação na dimensão negativa Ninguém pode ser obrigado a pagar mensalidade de associação a qual não quer ingressar mesmo que seja beneficiado pelos trabalhos da dita associação Por não se confundir a associação de moradores com o condomínio disciplinado pela Lei n 45911964 descabe a pretexto de evitar vantagem sem causa impor mensalidade a morador ou a proprietário de imóvel que a ela não tenha aderido Considerações sobre o princípio da legalidade e da autonomia da manifestação de vontade art 5º II e XX da CF RE 432106 rel Min Marco Aurélio j 2092011 Primeira Turma DJe de 4112011 Representação por parte da Associação A representação prevista no inciso XXI do art 5º da CF surge regular quando autorizada a entidade associativa a agir judicial ou extrajudicialmente mediante deliberação em assembleia Descabe exigir instrumentos de mandatos subscritos pelos associados RE 192305 rel Min Marco Aurélio j 1512 1998 Segunda Turma DJ de 2151999 14 Direito de propriedade Art 5º XXII é garantido o direito de propriedade XXIII a propriedade atenderá a sua função social XXIV a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social mediante justa e prévia indenização em dinheiro ressalvados os casos previstos nesta Constituição XXV no caso de iminente perigo público a autoridade competente poderá usar de propriedade particular assegurada ao proprietário indenização ulterior se houver dano XXVI a pequena propriedade rural assim definida em lei desde que trabalhada pela família não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento 141 CONCEITO E FUNÇÃO SOCIAL O direito de propriedade consiste na faculdade de usar gozar usufruir e dispor de um determinado bem A Constituição de 1988 o inseriu inicialmente no caput do art 5º todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à propriedade Após no inciso XXII do mesmo art 5º houve novamente a menção à garantia do direito de propriedade e no inciso seguinte foi previsto que a propriedade atenderá a sua função social A propriedade e sua função social são também princípios da ordem econômica e financeira da Constituição tendo disposto o seu art 170 II e III que A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livreiniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social observados os seguintes princípios II propriedade privada III função social da propriedade privada Assim a Constituição consagrou expressamente a relatividade do direito de propriedade que não é mais absoluto e sagrado como constava por exemplo da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 art 17 devendo o proprietário cumprir a função social da propriedade art 5º XXIII da CF Assim o direito de propriedade não é mais um direito liberal ou de abstenção tradicional no qual seu titular pode exigir a ausência de turbação ao seu exercício é um direito que exige do proprietário e do Estado conduta ativa o cumprimento da função social em prol dos interesses da comunidade A função social da propriedade consiste na exigência do exercício pelo proprietário dos atributos inerentes ao direito de propriedade de modo compatível com o interesse da coletividade Para cumprir a função social da propriedade o proprietário deve tanto respeitar limitações dimensão negativa da função social da propriedade quanto parâmetros de ação dimensão positiva agindo em prol do interesse público Logo o objetivo do direito de propriedade não é mais restrito aos interesses egoísticos do seu titular mas sim é vinculado ao interesse de toda a coletividade A Constituição diferencia duas espécies de função social a depender do tipo de propriedade urbana ou rural Função social da propriedade urbana de acordo com o art 182 2º da CF88 a propriedade urbana cumpre a função social quando obedece às diretrizes fundamentais de ordenação da cidade fixadas no plano diretor O plano diretor aprovado pela Câmara Municipal obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana art 182 1º da CF Função social da propriedade rural o art 186 da CF88 estabelece que a propriedade rural cumpre sua função social quando atende simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos I aproveitamento racional e adequado II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente III observância das disposições que regulam as relações de trabalho IV exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores 142 AS RESTRIÇÕES IMPOSTAS AO DIREITO DE PROPRIEDADE Em nome do direito de todos a condições mínimas de sobrevivência o Estado pode limitar e regular o direito de propriedade individual e interferir nas atividades econômicas dos entes privados A Constituição de 1988 distingue a forma e a intensidade de tais restrições e regulações como se vê abaixo 1 Propriedade que esteja cumprindo sua função social A Constituição prevê que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social mediante justa e prévia indenização em dinheiro art 5º XXIV No mesmo sentido as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro art 182 3º 2 Propriedade que não esteja cumprindo a sua função social A Constituição prevê a desapropriação para fins de reforma agrária no caso da propriedade rural ver abaixo com pagamento ao desapropriado por meio de títulos da dívida pública No caso de imóvel urbano a Constituição determinada que o Poder Público municipal mediante lei específica para a área incluída no plano diretor possa exigir nos termos da lei federal do proprietário do solo urbano i não edificado ii subutilizado ou iii não utilizado que promova seu adequado aproveitamento função social da propriedade urbana sob pena sucessivamente ou seja da punição menos gravosa a mais gravosa de I parcelamento ou edificação compulsórios II imposto sobre propriedade predial e territorial progressivo no tempo III desapropriação com o pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal com prazo de resgate em até dez anos em parcelas anuais iguais e sucessivas assegurado o valor real da indenização e os juros legais 3 Propriedade que esteja sendo utilizada para produção de plantas psicotrópicas ilegais Excepcionalmente a Constituição prevê caso de confisco ou seja de perda da propriedade sem indenização para punir o proprietário que determina ou deixa que ocorra a cultura ilegal de plantas psicotrópicas art 243 Em 2016 o STF fixou tese com repercussão geral pela qual a expropriação prevista no art 243 da Constituição Federal pode ser afastada desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa in vigilando ou in eligendo STF RE n 635336 Plenário j 14122016 4 Propriedade que seja indispensável para combater iminente perigo público A Constituição prevê que no caso de iminente perigo público o Estado poderá usar a propriedade particular sendo assegurada indenização posterior de danos causados ao proprietário art 5º XXV O perigo não precisa ser atual basta a alta probabilidade de ocorrência iminência 5 Propriedade indispensável para a preservação do patrimônio históricocultural do Brasil O patrimônio cultural brasileiro consiste no conjunto de bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto portadores de referência à identidade à ação à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira A Constituição prevê que o Estado com a colaboração da comunidade deve promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro por meio de inventários registros vigilância tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação A própria Constituição determinou o tombamento de todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos art 216 e seus parágrafos 143 A DESAPROPRIAÇÃO A CF88 prevê a possibilidade de perda do direito de propriedade para o atendimento do i interesse público geral ii da função social da propriedade rural e iii da função social da propriedade urbana A desapropriação para a satisfação do interesse público geral é chamada também de desapropriação ordinária comum que resulta na transferência compulsória da propriedade para o Poder Público por motivo de necessidade a desapropriação é indispensável utilidade pública a desapropriação aumenta o proveito extraído da propriedade pela coletividade ou ainda interesse social determinado grupo social será beneficiado A Constituição exige que seja paga a indenização justa b previamente à transferência e c em dinheiro art 5º XXIV Por sua vez a desapropriação por descumprimento da função social da propriedade rural é comumente denominada desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária Somente a União pode desapropriar para tal finalidade e recai sobre o imóvel que não esteja cumprindo sua função social mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária com cláusula de preservação do valor real resgatáveis no prazo de até vinte anos a partir do segundo ano de sua emissão As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária I a pequena e média propriedade rural assim definida em lei desde que seu proprietário não possua outra e II a propriedade produtiva art 185 A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei aos seguintes requisitos I aproveitamento racional e adequado II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente III observância das disposições que regulam as relações de trabalho IV exploração que favoreça o bemestar dos proprietários e dos trabalhadores art 186 da CF88 A Lei n 862993 trata da temática Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso inegociáveis pelo prazo de dez anos A Lei Complementar n 7693 com alterações realizadas pela Lei Complementar n 8896 rege o procedimento contraditório especial de rito sumário para o processo de desapropriação de imóvel rural por interesse social para fins de reforma agrária Finalmente a desapropriação por descumprimento da função social urbana da propriedade consiste na perda do direito de propriedade sobre imóvel urbano não edificado não utilizado ou subutilizado A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor A Lei n 102572001 denominada Estatuto da Cidade rege a desapropriação para fins de política urbana É possível que o Poder Público exija do proprietário do solo urbano não edificado subutilizado ou não utilizado que este promova seu adequado aproveitamento sob pena sucessivamente ou seja devese tentar inicialmente a restrição menos agressiva de a parcelamento ou edificação compulsórios b imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo c finalmente a última e mais drástica sanção só após a ineficácia das duas anteriores a desapropriação mediante pagamento com títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal com prazo de resgate de até dez anos em parcelas anuais iguais e sucessivas assegurados o valor real da indenização e os juros legais 144 IMPENHORABILIDADE De acordo com o art 5º XXVI da CF88 a pequena propriedade rural assim definida em lei desde que trabalhada pela família não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento Assim o regime constitucional da impenhorabilidade da propriedade rural é composto pelos seguintes elementos i somente a pequena propriedade ii trabalhada pela família iii somente quanto aos débitos decorrentes da atividade produtiva Essa impenhorabilidade constitucional tem aplicação imediata RE 136753 rel Min Sepúlveda Pertence j 1321997 Plenário DJ de 2541997 145 PROPRIEDADE DE ESTRANGEIROS Apesar da igualdade entre os brasileiros e estrangeiros residentes prevista no art 5º a própria CF88 determina tratamentos diferenciados ao longo do seu texto No caso do direito de propriedade ela estabelece as seguintes restrições e condicionantes a estrangeiros pessoas físicas ou jurídicas i Restrição na aquisição e arrendamento A Constituição dispõe que a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional Autorização do Senado Federal art 190 da CF88 A Lei n 570971 determina que a aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 módulos de exploração indefinida em área contínua ou descontínua No caso de pessoas jurídicas estrangeiras ou controladas por estrangeiros somente poderão ser adquiridos imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas pecuários e industriais que estejam vinculados aos seus objetivos de negócio previstos no estatuto social A soma das áreas rurais pertencentes a empresas estrangeiras ou controladas por estrangeiros não poderá ultrapassar 25 da superfície do município ver Parecer AGU de 2010 abaixo ii A empresa brasileira controlada por estrangeiro Em 1995 foi editada a Emenda Constitucional n 6 que eliminou do texto original da Constituição a distinção entre empresa brasileira e a empresa brasileira de capital nacional revogação do art 171 da CF88 o que permitiu que empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro adquirissem livremente terras no país Contudo em 2010 foi editado o Parecer da AGU n LA 01 de 19 de agosto de 2010 sobre aquisição de terras por estrangeiros aprovado pelo Presidente da República e consequentemente com força vinculante para a Administração Pública Federal arts 40 e 41 da LC n 7393 Nesse Parecer decidiuse que continua válida a previsão da Lei n 570971 sobre a restrição da aquisição e arrendamento de imóveis rurais à pessoa jurídica brasileira da qual participem a qualquer título pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior Com isso as empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro as multinacionais ficaram sob o regime das restrições acima expostas Pela nova interpretação a EC 695 não influencia na temática que deve ainda ser regida pelo art 190 da CF88 que prega a possibilidade de limitação da aquisição de terras por estrangeiros Após o Parecer devem ser registradas as aquisições por tais empresas em livros especiais nos cartórios de imóveis com comunicação à Corregedoria de Justiça dos Estados e ao Ministério do Desenvolvimento Agrário Em 2014 a Portaria Interministerial federal n 4 exigiu o cumprimento do Parecer AGU n 12010 às situações jurídicas aperfeiçoadas entre 7 de junho de 1994 a 22 de agosto de 2010 datas referentes à edição da antiga posição da AGU e à edição da nova posição em 2010 o que impõe a aplicação retroativa da nova interpretação da AGU Houve entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo pela inconstitucionalidade da nova interpretação da AGU 443 Contudo em 2016 o Min Marco Aurélio STF suspendeu os efeitos da decisão paulista restaurando a força da Portaria federal alegando A efetividade dessa norma pressupõe que na locução estrangeiro sejam incluídas entidades nacionais controladas por capital alienígena A assim não se concluir a burla ao texto constitucional se concretizará presente a possibilidade de a criação formal de pessoa jurídica nacional ser suficiente à observância dos requisitos legais mesmo em face da submissão da entidade a diretrizes estrangeiras configurando a situação que o constituinte buscou coibir STF Medida Cautelar na Ação Cível Originária n 2463 Decisão de 182016 publicada no DJe de 292016 Ainda em maio de 2016 a Sociedade Rural Brasileira ajuizou a ADPF 342 na qual pede que o STF reconheça a incompatibilidade com a CF88 do tratamento diferenciado a empresas nacionais de capital estrangeiro no tocante à aquisição e arrendamento de imóveis rurais ADPF ainda em trâmite em outubro de 2019 sem liminar iii Faixa de Fronteira A Constituição prevê que a faixa de até 150 quilômetros de largura ao longo das fronteiras terrestres é designada como faixa de fronteira sendo considerada fundamental para defesa do território nacional e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei art 20 2º da CF88 A Lei n 663479 veda transações com imóvel rural que impliquem a obtenção por estrangeiro do domínio da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel na faixa de fronteira Proíbe ainda a participação a qualquer título de estrangeiro pessoa natural ou jurídica em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural na faixa de fronteira iv Meios de comunicação A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País Em qualquer caso 70 do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer direta ou indiretamente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação EC 362002 v Embarcações estrangeiras Pela redação original dos 2º e 3º do art 178 da CF88 deveriam ser brasileiros os armadores os proprietários os comandantes e dois terços pelo menos dos tripulantes de embarcações nacionais e ainda deveria ser a navegação de cabotagem e a interior privativas de embarcações nacionais salvo caso de necessidade pública Com as reformas liberalizantes e de abertura ao capital internacional dos anos 90 no Brasil e em vários países da América Latina foi aprovada a Emenda Constitucional n 7 de 1995 que alterou o art 178 e remeteu o tratamento normativo dos transportes aéreo aquático e terrestre à lei ordinária federal devendo esta quanto à ordenação do transporte internacional observar os acordos internacionais celebrados pelo Brasil atendido o princípio da reciprocidade Também ficou disposto que a lei regerá as condições em que o transporte de mercadorias na i cabotagem navegação feita com observação da costa e a ii navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras Assim passouse a admitir a propriedade por estrangeiros de navios nacionais e ainda permitiuse que embarcações estrangeiras concorram pelo transporte de mercadorias no mar territorial e nas águas interiores do País rompendose a tradição de monopólio dos navios nacionais 15 Direitos autorais Art 5º XXVII aos autores pertence o direito exclusivo de utilização publicação ou reprodução de suas obras transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar XXVIII são assegurados nos termos da lei a a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas inclusive nas atividades desportivas b o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas XXIX a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização bem como proteção às criações industriais à propriedade das marcas aos nomes de empresas e a outros signos distintivos tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País 151 DIREITOS AUTORAIS E DOMÍNIO PÚBLICO O Direito da Propriedade Intelectual consiste no conjunto de regras de proteção referentes às criações intelectuais bem como seus limites abarcando tanto o Direito de Autor quanto o Direito de Propriedade Industrial ver abaixo Nesse sentido o Brasil ratificou e incorporou internamente pelo Decreto n 7554175 o tratado que criou a Organização Mundial da Propriedade Intelectual OMPI de 1967 também chamada de Convenção de Estocolmo De acordo com a citada Convenção a proteção da propriedade intelectual consiste na defesa dos direitos relativos às obras literárias artísticas e científicas às interpretações dos artistas e suas emissões às invenções em todos os domínios da atividade humana às descobertas científicas aos desenhos e modelos industriais às marcas industriais comerciais e de serviço bem como às firmas e denominações comerciais bem como todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial científico literário e artístico art 2º VIII O Direito de Autor consiste no conjunto de direitos e limitações do criador de determinada obra intelectual sobre a integralidade de sua criação e gozo dos seus frutos em especial no que tange à reprodução execução ou representação No Brasil há ainda direitos conexos aos direitos do autor como os direitos do intérprete sobre a sua interpretação de obra de terceiro ou ainda do produtor No que toca aos direitos autorais a Constituição prevê que a i utilização ii publicação ou iii reprodução de qualquer obra pertence ao seu autor sendo transmissíveis aos herdeiros Desse dispositivo extraemse tanto direitos da personalidade do autor por exemplo conservar a obra quanto direitos de propriedade cessão e comercialização A herança no caso dos direitos de autor é condicionada ao prazo previsto na lei Atualmente rege o tema a Lei n 961098 que dispõe no seu art 22 que pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou Ainda de acordo com a lei os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento obedecida a ordem sucessória da lei civil Após a obra recairá sob domínio público sendo livre sua utilização publicação e reprodução mas devendo o Estado zelar pela integridade e autoria da obra sob domínio público A Constituição assegura ainda a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas inclusive nas atividades desportivas gerando o direito de arena que consiste na prerrogativa exclusiva de negociar autorizar ou proibir a captação a fixação a emissão a transmissão a retransmissão ou a reprodução de imagens por qualquer meio ou processo de espetáculo desportivo de que participem vide a Lei n 961598 e ainda a Lei n 12395 de 2011 Além disso cabe o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras aos criadores aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas No caso brasileiro a Lei n 961098 reconheceu a legitimidade da existência do Escritório Central para a Arrecadação e Distribuição ECAD regido inicialmente pela Lei n 598873 sociedade civil sem fins lucrativos que desenvolve atividade de caráter público de acordo com o STF RE 201819 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 11102005 Segunda Turma DJ de 2710 2006 que fiscaliza e cobra os direitos relativos à execução pública das i obras musicais e ii literomusicais e de fonogramas inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade para após destinar o recurso ao autor Também o STF decidiu que pela execução de obra musical por artistas remunerados é devido direito autoral não exigível quando a orquestra for de amadores Súmula 386 Em 2016 o STF julgou improcedentes duas ações diretas de inconstitucionalidade que impugnavam diversos artigos da Lei n 128532013 que modificou a Lei n 96101998 após cinco de comissões parlamentares de inquérito conhecidas como CPIs do ECAD Novamente o STF considerou que o ECAD consiste portanto em uma associação de associações que arregimenta não apenas interesses particulares imediatos mas mediatamente interesse público afeto ao patrimônio cultural brasileiro em função do qual e com maior relevo sujeita se à dinâmica dos princípios republicano e democrático Por isso a intervenção do legislador na regulação da gestão coletiva de arrecadação e distribuição de direitos autorais pelo ECAD não ofende a liberdade de associação ou outro direito fundamental STF ADI n 5062 e ADI n 5065 rel Min Luiz Fux j 27102016 publicado no DJe de 2062017 152 A PROTEÇÃO À PROPRIEDADE INDUSTRIAL A Constituição prevê que a lei assegurará aos autores de i inventos industriais privilégio temporário para sua utilização bem como proteção às ii criações industriais à iii propriedade das marcas aos iv nomes de empresas e a outros signos distintivos tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País No Brasil a Lei n 927996 regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial tendo estabelecido que a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País efetuase mediante I concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade II concessão de registro de desenho industrial III concessão de registro de marca IV repressão às falsas indicações geográficas e V repressão à concorrência desleal Nesse sentido decidiu o STF que a propriedade da marca goza de proteção em todo território nacional Não há se cogitar da coexistência do uso em Estados diferentes RE 114601 rel Min Célio Borja j 1421989 Segunda Turma DJ de 1251989 Nessa mesma linha o art 218 da CF88 dispõe que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico a pesquisa e a capacitação tecnológicas tendo sido editada a Lei n 109732004 que regula os incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnologias no ambiente produtivo 16 Direito de herança e Direito Internacional Privado Art 5º XXX é garantido o direito de herança XXXI a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus A Constituição reconhece o direito individual à herança que consiste na transmissão de bens de pessoa natural falecida ou declarada judicialmente ausente ver abaixo para os chamados herdeiros escolhidos pela lei herdeiro necessário ou pelo titular dos bens por meio de ato de última vontade herdeiro testamentário A abertura da sucessão se dá pela morte da pessoa natural ou pela ausência Nessa última hipótese reconhecese o estado de ausência a quem desaparece do seu domicílio sem dela haver notícia sem representante ou procurador a quem caiba administrar lhe os bens cabendo ao juiz a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público declarar sua ausência e nomear curador Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente ou se ele deixou representante ou procurador em se passando três anos poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se abra provisoriamente a sucessão Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas Se nos dez anos a que se refere este artigo o ausente não regressar e nenhum interessado promover a sucessão definitiva os bens arrecadados passarão ao domínio do i Município ou do Distrito Federal se localizados nas respectivas circunscrições incorporando se ao domínio da ii União quando situados em território federal No que tange à sucessão que possa envolver dois ou mais ordenamentos jurídicos caso de direito internacional privado a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o ausente qualquer que seja a natureza e a situação dos bens art 10 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro nova denominação dada à antiga Lei de Introdução ao Código Civil pela Lei n 123762010 Excepcionalmente a Constituição criou regra unilateral de Direito Internacional Privado que só pode ser aplicada para beneficiar brasileiros a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros ou de quem os represente sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus Assim no caso de sucessão de bens de estrangeiros mesmo se o falecido tiver domicílio em outro país a lei utilizada será a brasileira no que tange aos bens situados no Brasil desde que tal aplicação beneficie o cônjuge ou filhos brasileiros 444 17 Defesa do consumidor Art 5º XXXII o Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor A Constituição de 1988 reconheceu o dever de proteção do Estado aos direitos do consumidor que consistem no conjunto de faculdades que asseguram o equilíbrio nas relações de consumo A Lei n 807890 Código de Defesa do Consumidor como denominou o art 48 da ADCT rege atualmente a matéria tendo criado um microssistema de proteção calcado em normas cíveis penais e administrativas A defesa do consumidor deve ser um imperativo também da ordem econômica brasileira como dispõe o art 170 V da CF88 Nesse sentido o STF decidiu que o princípio da livreiniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor RE 349686 rel Min Ellen Gracie j 1462005 Segunda Turma DJ de 582005 Assim é imprescindível que o Estado brasileiro por meio de políticas públicas concilie a livre iniciativa e a livre concorrência com os princípios da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais em conformidade com os ditames da justiça social STF ADI 319QO rel Min Moreira Alves j 3 31993 Plenário DJ de 3041993 Corolário dessa exigência de defesa do consumidor foi a decisão do STF de considerar as instituições financeiras alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor ADI 2591ED rel Min Eros Grau j 14122006 Plenário DJ de 134 2007 Também nas relações econômicas internacionais o Brasil deve se pautar pelo respeito ao direito dos consumidores Nesse sentido coroando uma nova fase da harmonização do Direito do Consumidor no Mercosul foi editada a Declaração Presidencial dos Direitos Fundamentais dos Consumidores do Mercosul aprovada na XLX Reunião do Conselho Mercado Comum realizada em Florianópolis nos dias 14 e 15 de dezembro de 2000 que evitou tratar os direitos do consumidor como barreira não tarifária ao comércio Pelo contrário os considerandos da Declaração reforçam o caráter de direito fundamental do direito do consumidor realçando que os regimes democráticos se baseiam no respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana incluídos os direitos do consumidor Nesse sentido os Estados reconheceram que a defesa do consumidor é um elemento indissociável e essencial do desenvolvimento econômico equilibrado e sustentável do Mercosul Sem contar que os Estados aceitaram que em um processo de integração com livre circulação de produtos e serviços o equilíbrio na relação de consumo baseado na boafé requer que o consumidor como agente econômico e sujeito de direito disponha de uma proteção especial em atenção a sua vulnerabilidade 171 JURISPRUDÊNCIA DO STJ Súmula n 595 do STJ As instituições de ensino superior respondem objetivamente pelos danos suportados pelo alunoconsumidor pela realização de curso não reconhecido pelo Ministério da Educação sobre o qual não lhe tenha sido dada prévia e adequada informação Súmula n 601 do STJ O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos coletivos e individuais homogêneos dos consumidores ainda que decorrentes da prestação de serviço público 18 Direito à informação e a Lei de Acesso à Informação Pública de 2011 Art 5º XXXIII todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral que serão prestadas no prazo da lei sob pena de responsabilidade ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado A Constituição de 1988 estabelece o direito fundamental de acesso a informações de interesse particular ou de interesse coletivo detidas pelo Poder Público na forma da lei que pode afastar esse direito em face de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado Em 2011 foi adotada a Lei n 12527 que entrou em vigor em 16 de maio de 2012 regulamentada pelo Decreto n 772412 e que expressamente regulou o direito de acesso a informações previsto neste dispositivo constitucional Em linhas gerais a Lei n 125272011 dispõe o seguinte Entes obrigados o direito de acesso à informação deve ser assegurado por I órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo Legislativo incluindo as Cortes de Contas e Judiciário e do Ministério Público II autarquias fundações públicas empresas públicas sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União Estados Distrito Federal e Municípios III entidades privadas sem fins lucrativos que recebam para realização de ações de interesse público recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais contrato de gestão termo de parceria convênios acordo ajustes ou outros instrumentos congêneres Dever de prestar as informações sem provocação transparência ativa é dever dos órgãos e entidades públicas promover independentemente de requerimentos a divulgação em local de fácil acesso no âmbito de suas competências por exemplo internet de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas Como exemplo a lei exige que as competências e estrutura organizacional bem como os registros de repasses despesas licitações e dados gerais de programas diversos além das respostas a perguntas mais frequentes da sociedade sejam disponibilizadas ex officio Pedido de informação qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações por qualquer meio legítimo o que inclui o email e o formulário eletrônico devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida Para o acesso a informações de interesse público a identificação do requerente não pode conter exigências que inviabilizem a solicitação Prazo para o fornecimento da informação o acesso à informação já disponível deve ser imediato Não sendo possível o prazo não pode ser superior a 20 dias para o fornecimento da informação prorrogável por mais 10 dias de modo fundamentado Recusa fundamentada a recusa deve indicar as razões de fato ou de acesso pretendido o que inclui a ausência da informação em seu banco de dados quando deverá indicar se for do seu conhecimento o órgão que a detém Custo o serviço de busca e fornecimento da informação é gratuito salvo no caso de reprodução de documentos situação em que poderá haver ressarcimento Exceções ao direito de acesso a Constituição prevê a ressalva impeditiva do sigilo indispensável à segurança da sociedade ponham em risco a vida a segurança ou a saúde da população ou do Estado o que abarca as informações indispensáveis à atuação soberana e independente do Estado vide art 23 da lei o que gerou a seguinte classificação tríplice de sigilo das informações públicas a ultrassecreta com prazo máximo de restrição de acesso de 25 anos renovável uma única vez b secreta com prazo máximo de restrição de acesso de 15 anos c reservada com prazo máximo de restrição de acesso de 5 anos Permissão de acesso incondicionada não poderá ser negado acesso à informação a necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais b sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas Não eliminação de outras hipóteses de sigilo legal a lei expressamente não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público Acesso restrito a informações pessoais o tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade vida privada honra e imagem das pessoas bem como às liberdades e garantias individuais As informações pessoais terão as seguintes regras de acesso I terão seu acesso restrito independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 anos a contar da sua data de produção a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem e II poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem Excepcional acesso amplo a informações pessoais o consentimento do interessado não será exigido quando as informações pessoais forem necessárias I à prevenção e diagnóstico médico quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz e para utilização única e exclusivamente para o tratamento médico II à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral previstos em lei sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem III ao cumprimento de ordem judicial IV à defesa de direitos humanos ou V à proteção do interesse público e geral preponderante VI em processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido VII em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância Responsabilidade dos agentes públicos a lei estabelece que o agente público civil ou militar que violar os dispositivos acima mencionados comete infração disciplinar e ato de improbidade administrativa Comissão Mista de Reavaliação de Informações é a Comissão que decidirá no âmbito da Administração Pública federal sobre o tratamento classificação de informações sigilosas com atribuição para rever a classificação de informações ultrassecretas ou secretas de ofício ou mediante provocação de pessoa interessada e também para prorrogar o prazo de sigilo de informação classificada como ultrassecreta sempre por prazo determinado no máximo mais 25 anos enquanto o seu acesso ou divulgação puder ocasionar ameaça externa à soberania nacional ou à integridade do território nacional ou grave risco às relações internacionais do País Dever de informar não constitui quebra de sigilo a lei ainda dispõe sobre o dever do servidor público de comunicação de crime ou ato de improbidade dispondo que nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil penal ou administrativamente por dar ciência à autoridade sobre informação concernente à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento ainda que em decorrência do exercício de cargo emprego ou função pública Mesmo antes da entrada em vigor da lei em 2012 o STF já havia reconhecido o direito à informação de atos estatais admitindo ser legítimo o acesso a dados da remuneração bruta cargos e funções titularizados por servidores públicos uma vez que tais dados concretizam a informação de interesse coletivo ou geral Nesse mesmo caso o STF afastou qualquer ofensa à intimidade vida privada e segurança pessoal e familiar determinando somente a proibição de se revelar o endereço residencial o CPF e a CI de cada servidor Para o STF tais revelações ao público representam o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria no caso inadmissível situação de grave lesão à ordem pública SS 3902AgR segundo rel Min Ayres Britto j 962011 Plenário DJe de 3102011 Em 2015 o STF novamente decidiu que é legítima a publicação inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública dos nomes dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias ARE Recurso Extraordinário com Agravo 652777 rel Min Teori Zavascki j 2342015 Plenário DJe de 1º72015 19 Direito de petição Art 5º XXXIV são a todos assegurados independentemente do pagamento de taxas a o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder O direito de petição right of petition consiste na faculdade de provocar as autoridades competentes para que adotem determinadas condutas comissivas ou omissivas na defesa de interesse próprio ou coletivo Logo o direito de petição pode ser individual ou coletivo O direito de petição abarca as chamadas reclamações ou representações dirigidas ao Poder Público para expor reivindicações exigindo que este se pronuncie sobre determinada questão fática ou de direito referente a interesse particular ou coletivo Constituise uma provocatio ad agendum ou seja provocação para que o Poder Público se pronuncie em prazo razoável sem que o interessado tenha que pagar qualquer taxa ou se submeta a condição ou requisito sem a necessidade por exemplo de possuir advogado Por outro lado o Poder Público pode responder desfavoravelmente devendo cientificar o peticionante Mas o direito de petição não é absoluto não podendo ser invocado para desobrigar o interessado a cumprir determinadas condições específicas voltadas ao exercício do direito de ação uma vez que conforme decidiu o STF o direito de petição fundado no art 5º XXXIV a da Constituição não pode ser invocado genericamente para exonerar qualquer dos sujeitos processuais do dever de observar as exigências que condicionam o exercício do direito de ação pois tratandose de controvérsia judicial cumpre respeitar os pressupostos e os requisitos fixados pela legislação processual comum A mera invocação do direito de petição por si só não basta para assegurar à parte interessada o acolhimento da pretensão que deduziu em sede recursal AI 258867AgR rel Min Celso de Mello j 2692000 Segunda Turma DJ de 222001 Foi com base no direito constitucional de petição que o STF reconheceu ser inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo STF Súmula Vinculante 21 No mesmo sentido há a Súmula 373 do STJ É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso administrativo 20 Direito à certidão Art 5º XXXIV são a todos assegurados independentemente do pagamento de taxas b a obtenção de certidões em repartições públicas para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal LXXVI são gratuitos para os reconhecidamente pobres na forma da lei a o registro civil de nascimento b a certidão de óbito LXXVII são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data e na forma da lei os atos necessários ao exercício da cidadania O direito à certidão consiste na faculdade constitucional de exigir que seja atestada determinada situação particular ou de interesse coletivo por parte de órgão público competente Para a defesa do direito à certidão é cabível o mandado de segurança ou mesmo a ação civil pública no caso da defesa de direitos e interesses individuais homogêneos nesse sentido STF RE 472489AgR rel Min Celso de Mello j 2942008 Segunda Turma DJe de 2982008 A Lei n 905195 dispõe sobre a expedição de certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações De acordo com a lei as certidões para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações requeridas aos órgãos da administração centralizada ou autárquica às empresas públicas às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias contado do registro do pedido no órgão expedidor A Constituição de 1988 ainda dispõe que são gratuitos para os reconhecidamente pobres i o registro civil de nascimento e ii a certidão de óbito bem como os atos necessários ao exercício da cidadania na forma da lei Porém a Lei n 953497 alterou a Lei n 893594 e determinou a gratuidade dos assentos do registro civil de nascimento e o de óbito bem como a primeira certidão respectiva quer pobres ou não Para o STF essa lei é constitucional pois a atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros embora seja análoga à atividade empresarial sujeitase a um regime de direito público não existindo direito constitucional a receber emolumentos sendo certo de que tais assentos e certidões são atos necessários ao exercício da cidadania como reza o art 5º LXXVII da CF88 conferir ADC 5 e ADI 180 rel Min Ricardo Lewandowski j 1162007 Plenário DJ de 5102007 e ainda ADI 1800 rel p o ac Min Ricardo Lewandowski j 1162007 Plenário DJe de 2892007 Contudo o direito à certidão não pode violar o direito à privacidade não podendo o órgão público ser compelido a fornecer a eventual interessado informações que envolvam terceiros O direito à certidão previsto no art 5º XXXIV b somente ampara direito individual STF AI 739338 AgR rel Min Roberto Barroso j 1632018 1ª T DJe de 642018 21 Direito de acesso à justiça Art 5º XXXV a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito Art 129 São funções institucionais do Ministério Público III promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos 211 CONCEITO O direito de acesso à justiça ou direito de acesso ao Poder Judiciário ou direito à jurisdição consiste na faculdade de requerer a manifestação do Poder Judiciário sobre pretensa ameaça de lesão ou lesão a direito Concretizase assim o princípio da universalidade da jurisdição ou inafastabilidade do controle judicial pelo qual o Poder Judiciário brasileiro não pode sofrer nenhuma restrição para conhecer as lesões ou ameaças de lesões a direitos Esse direito é tido como de natureza assecuratória uma vez que possibilita a garantia de todos os demais direitos sendo oponível inclusive ao legislador e ao Poder Constituinte Derivado pois é cláusula pétrea de nossa ordem constitucional O direito de acesso à justiça possui duas facetas a primeira é a faceta formal e consiste no reconhecimento do direito de acionar o Poder Judiciário A segunda faceta é a material ou substancial e consiste na efetivação desse direito i por meio do reconhecimento da assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem a insuficiência de recursos art 5º LXXIV ii pela estruturação da Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado art 134 iii pela aceitação da tutela coletiva de direitos e da tutela de direitos coletivos ver abaixo que possibilita o acesso à justiça de várias demandas reprimidas ver abaixo e iv pela exigência de um devido processo legal em prazo razoável pois não basta possibilitar o acesso à justiça em um ambiente judicial marcado pela morosidade e delonga Também não pode a lei criar obstáculos ao poder geral de cautela do juiz uma vez que este se justifica para assegurar o resultado útil do processo principal sem o poder de cautela nada adiantaria o trâmite regular do acesso à justiça Nessa linha decidiu o STF que o poder de cautela mediante o implemento de liminar é ínsito ao Judiciário ADPF 172MCREF rel Min Marco Aurélio j 1062009 Plenário DJe de 2182009 Por sua vez o STF decidiu que é inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário Súmula Vinculante 28 e ainda que viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa Súmula 667 É constitucional a imposição de restrições razoáveis ao acesso à justiça que tenham como finalidade o desincentivo à litigiosidade excessiva que justamente esgota o Poder Judiciário e dificulta o acesso à justiça para os que realmente necessitam de tutela jurisdicional Para o Min Barroso é necessário impedir a sobreutilização do Poder Judiciário que prejudica a qualidade e a celeridade da prestação da tutela jurisdicional bem como leva a comportamentos deletérios de propositura de demandas oportunistas afetando a efetividade e a credibilidade das instituições judiciais Essa litigiosidade excessiva em última análise fulmina o próprio direito constitucional de acesso à Justiça Por isso o depósito prévio no ajuizamento de ação rescisória foi considerado mecanismo legítimo de desincentivo ao ajuizamento de demandas ou de pedidos rescisórios tidos como aventureiros Depósito de 20 sobre o valor da causa ADI 3995 rel Min Roberto Barroso j 18122018 P DJe de 1º32019 Também é cabível a compatibilização entre o direito de acesso à justiça penal e a proteção integral da criança e adolescente do sexo feminino em casos envolvendo a necessidade de perícia para averiguar a existência de agressão sexual A preferência para a realização da perícia deve recair sobre perita do sexo feminino na sua ausência a perícia pode ser feita por profissional do sexo masculino evitando que a delonga impeça o Estado de cumprir seu dever de proteger a criança responsabilizando penalmente os perpetradores das agressões sexuais Nessa linha decidiu o STF que apesar de salutar a iniciativa da norma de buscar proteger as crianças e adolescentes o fato de impedir ou retardar a realização de exame por médico legista poderia acabar por deixálas desassistidas da proteção criminal Além disso na medida em que se nega o acesso à produção da prova na jurisdição penal há também ofensa à proteção prioritária porquanto se afasta a efetividade da norma que exige a punição severa do abuso de crianças e adolescentes ADI 6039MC rel Min Edson Fachin j 1332019 P Informativo 933 Por sua vez o acesso à justiça art 5º XXXV justifica em linhas gerais a revisão judicial dos atos administrativos Mesmo o chamado ato discricionário no qual o administrador age sob o manto da escolha da conveniência e oportunidade de sua adoção pode ser avaliado judicialmente caso haja desvio de finalidade ou mesmo desproporcionalidade No tocante às agências reguladoras contudo o STF entendeu que há limite ao controle judicial pois a regulação econômica incide sobre controvérsias complexas que revelam a reduzida expertise do Poder Judiciário para tratálas adequadamente De acordo com essa perspectiva há um dever de deferência do Poder Judiciário às decisões regulatórias que se funda na i falta de expertise e capacidade institucional de tribunais para decidir sobre intervenções regulatórias que envolvem questões policêntricas e prognósticos especializados e ii possibilidade de a revisão judicial ensejar efeitos sistêmicos nocivos à coerência e dinâmica regulatória administrativa trecho extraído da ementa do acórdão STF Agravo Regimental no RE 1083955 rel Min Luiz Fux 1ª T j 2852019 DJe 762019 Tal posição caso seja adotada sistematicamente pelo STF restringe o acesso à justiça para beneficiar outros direitos como por exemplo o direito à segurança jurídica e ainda os direitos dos indivíduos beneficiados pelas decisões regulatórias Jurisprudência do STF Requisitos desproporcionais para o acesso à justiça trabalhista Contraria a Constituição interpretação do previsto no art 625D e parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalho pelo qual se reconhecesse a submissão da pretensão à Comissão de Conciliação Prévia como requisito para ajuizamento de reclamação trabalhista Interpretação conforme a Constituição da norma Art 625D e parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalhos a legitimidade desse meio alternativo de resolução de conflitos baseiase na consensualidade sendo importante instrumento para o acesso à ordem jurídica justa devendo ser estimulada não consubstanciando todavia requisito essencial para o ajuizamento de reclamações trabalhistas Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme a Constituição aos 1º a 4º do art 625D da Consolidação das Leis do Trabalho no sentido de assentar que a Comissão de Conciliação Prévia constitui meio legítimo mas não obrigatório de solução de conflitos permanecendo o acesso à Justiça resguardado para todos os que venham a ajuizar demanda diretamente ao órgão judiciário competente ADI 2139 e ADI 2160 rel Min Cármen Lúcia j 1º82018 P DJe de 192 2019 212 A TUTELA COLETIVA DE DIREITOS E A TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS O direito de acesso à justiça na sua faceta material exige que sejam asseguradas a tutela de direitos coletivos e a tutela coletiva de direitos individuais 445 A tutela de direitos coletivos é aquela que abarca a proteção de interesses indivisíveis como os interesses difusos e coletivos stricto sensu como definidos nos arts 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor Justamente por serem tais direitos indivisíveis essa tutela reclama normas especiais que viabilizem sua proteção pelo Poder Judiciário como se vê na Lei n 734785 e na Lei n 807890 Código de Defesa do Consumidor Além disso o acesso à justiça exige normas que facilitem a tutela coletiva de direitos individuais que em tese poderiam ser defendidos por cada um de seus titulares em ações individuais uma vez que há demandas que possuem determinadas características que exigem tratamento coletivo como por exemplo uma pequena lesão a direitos de milhares de consumidores seu conteúdo econômico baixo não viabilizaria demandas individuais mas uma ação coletiva poderia exigir reparação evitando a sensação de impunidade e desamparo do consumidor 213 AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE PRÉVIO ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA E A FALTA DE INTERESSE DE AGIR O direito de acesso à justiça não pode ser obstaculizado pela exigência de prévio esgotamento da via administrativa Diferentemente da Constituição de 19671969 a Constituição de 1988 não adotou nenhuma espécie de contencioso administrativo obrigatório condicionando o direito de acesso à justiça somente no caso da i Justiça do Trabalho e ii Justiça Desportiva No caso da Justiça do Trabalho a Constituição de 1988 determina ser indispensável o término da fase de negociação no caso dos dissídios coletivos art 114 2º Em 2009 o STF deu interpretação conforme a Constituição do art 625 d da CLT decidindo que não será obrigatório o acionamento de Comissão de Conciliação Prévia nos dissídios individuais podendo ser proposta diretamente a ação trabalhista ADI 2139MC e ADI 2160MC voto do rel p o ac Min Marco Aurélio j 1352009 Plenário DJe de 23102009 No caso da Justiça Desportiva órgãos privados relacionados com a autonomia das entidades desportivas prevê a Constituição de 1988 que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotaremse as instâncias da justiça desportiva regulada em lei Porém a justiça desportiva terá o prazo máximo de 60 dias contados da instauração do processo para proferir decisão final art 217 1º e 2º Por isso o STF decidiu que não há previsão na Lei Fundamental de esgotamento da fase administrativa como condição para acesso ao Poder Judiciário por aquele que pleiteia o reconhecimento do direito previdenciário AI 525766 rel Min Marco Aurélio DJ de 1º32007 Porém na área federal há discussão nos Juizados Especiais Federais sobre a necessidade de prévio requerimento de benefício previdenciário pelo interessado ao INSS Instituto Nacional do Seguro Social Nesse caso não se exige esgotamento da via administrativa mas sim o mero requerimento administrativo para que seja comprovado o interesse de agir do autor pelo indeferimento pelo INSS ou delonga na análise do pleito 214 ARBITRAGEM E ACESSO À JUSTIÇA A Lei de Arbitragem Lei n 930796 modificada pela Lei n 131292015 atualizou o regramento desse modo não estatal de solução de controvérsias em litígios envolvendo direitos disponíveis Houve intensa discussão sobre eventual ofensa ao direito de acesso à justiça pela previsão de obrigatoriedade do cumprimento da cláusula compromissória de instalação de arbitragem para os futuros litígios prevista em contratos com o direito à tutela judicial específica para que a arbitragem viesse a ocorrer Para o STF a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória quando da celebração do contrato que previa a arbitragem e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso são compatíveis com o art 5º XXXV da CF SE 5206AgR rel Min Sepúlveda Pertence j 12122001 Plenário DJ de 3042004 A própria lei determina que a arbitragem pode ser prevista somente em casos de direitos disponíveis que sequer seriam obrigatoriamente submetidos ao Poder Judiciário Logo nada obsta seus titulares de acordarem um mecanismo não estatal de solução de controvérsias 22 A segurança jurídica e o princípio da confiança a defesa do direito adquirido ato jurídico perfeito e coisa julgada Art 5º XXXVI a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada O direito à segurança jurídica consiste na faculdade de obstar a extinção ou alteração de determinado ato ou fato jurídico posto a salvo de modificações futuras inclusive legislativas Há duas facetas do direito à segurança jurídica a objetiva pela qual se imuniza os atos e fatos jurídicos de alterações posteriores consagrando a regra geral da irretroatividade da lei e a subjetiva que também é chamada de princípio da confiança pela qual a segurança jurídica assegura a confiança dos indivíduos no ordenamento jurídico Nesse sentido decidiu o STF que é obrigatória a observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito sendo o princípio da confiança um elemento da segurança jurídica MS 22357 rel Min Gilmar Mendes j 2752004 Plenário DJe de 5112004 Nessa linha a Constituição determinou que a lei não pode prejudicar i o direito adquirido que consiste no direito que o seu titular ou alguém por ele possa exercer como aquele cujo começo do exercício tenha termo prefixo ou condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem art 6º 2º da LINDB ii ato jurídico perfeito que consiste no ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou art 6º 1º da LINDB e iii coisa julgada que consiste na decisão judicial de que já não caiba recurso e não a denominada coisa julgada administrativa como decidiu o STF no RE 144996 rel Min Moreira Alves j 2941997 Primeira Turma DJ de 1291997 No STF o direito à segurança jurídica foi diversas vezes discutido para se firmar 1 Em casos de nova lei que elimine direitos de servidores públicos não há direito adquirido à permanência de regime jurídico benéfico da data da posse do servidor apenas se asseguram os direitos que já se incorporaram ao seu patrimônio Nesse sentido O STF já pacificou sua jurisprudência no sentido de que os quintos incorporados conforme Portaria MEC 4741987 constituem direito adquirido não alcançado pelas alterações promovidas pela Lei 81681991 AI 754613AgR voto da rel Min Ellen Gracie j 20102009 Segunda Turma DJe de 1311 2009 Ou ainda decidiu o STF que Gratificação incorporada aos proventos por força de norma vigente à época da inativação não pode ser suprimida por lei posterior RE 538569 AgR rel Min Cezar Peluso j 322009 Segunda Turma DJe de 1332009 2 Não ofende direito adquirido a mudança da lei que incide sobre ato cujo ciclo de formação ainda não se completou não sendo possível a proteção de mera expectativa de direito Assim caso haja mudança constitucional sobre as regras da aposentadoria aqueles que ainda não possuíam todos os requisitos para a aposentadoria pelas regras revogadas não podem alegar direito adquirido Porém ressaltese que a previsão de regra de transição adequada pode ser exigida em nome da igualdade não podendo a nova lei tratar de modo idêntico aos demais aqueles que já estão há anos contribuindo pelas regras revogadas 3 A inviolabilidade do direito adquirido ato jurídico perfeito e da coisa julgada não pode ser invocada contra o Poder Constituinte Originário RE 140894 rel Min Ilmar Galvão j 10 51996 Primeira Turma DJ de 981996 4 O STF editou a Súmula Vinculante 1 segundo o qual ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que sem ponderar as circunstâncias do caso concreto desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar n 1102001 5 A irretroatividade da lei não pode ser invocada pelo ente estatal que a tenha editado o que permite que leis novas preservem a mera expectativa de direito Súmula 654 do STF não podendo após o Poder Público arrependerse e questionar a constitucionalidade da própria lei 6 A irretroatividade da lei base do direito à segurança jurídica é expressamente afastada no caso do direito penal pois a Constituição prevê que a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu art 5º XL O direito à segurança jurídica não é absoluto podendo ser afastado para que prevaleçam outros direitos fundamentais Há a possibilidade de invocação da coisa julgada inconstitucional para permitir a superação da coisa julgada mesmo após o prazo da ação rescisória coisa julgada soberana como apregoa o art 525 12 do novo CPC de 2015 que considera também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso O STF considerou constitucional o afastamento da coisa julgada em casos de execução de sentença transitada em julgado fundada em norma inconstitucional nas seguintes hipóteses 1 a sentença a ser executada esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional seja por i aplicar norma inconstitucional ii seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais 2 a sentença a ser executada tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional 3 e desde que em qualquer dos casos acima mencionados o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do Supremo Tribunal Federal STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença a ser executada RE 601580 rel p o ac Min Edson Fachin j 2092018 P Informativo 916 Tema 360 Também foi afastada a coisa julgada em ação de investigação de paternidade para fazer valer o direito à identidade genética tendo o STF decidido que o princípio da segurança jurídica não pode prevalecer em detrimento da dignidade da pessoa humana sob o prisma do acesso à informação genética e da personalidade do indivíduo RE 363889 rel Min Dias Toffoli julgamento 742011 Plenário Informativo n 622 com repercussão geral 23 Juiz natural e promotor natural Art 5º XXXVII não haverá juízo ou tribunal de exceção LIII ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente 231 CONCEITO O direito ao juiz natural consiste no direito de qualquer indivíduo de ser processado e sentenciado por juízo designado por regras abstratas e existentes previamente Proíbese assim o juiz designado para o caso juiz ad hoc e o juízo ou tribunal de exceção aquele que é criado posteriormente para julgar determinado caso Na dicção do Min Edson Fachin a garantia do juiz natural que como sabemos visa assegurar que a jurisdição em cada caso submetido ao Poder Judiciário será prestada pelo órgão competente segundo a Constituição Federal com o auxílio das normas infraconstitucionais vigentes E é por isso que sem dúvida alguma no Estado Democrático de Direito há que se vedar de modo absoluto a instituição de Tribunais ou Juízos de exceção STF Inq 4435 Ag R QuartoDF rel Min Marco Aurélio trecho do voto do Min Edson Fachin j 1432019 DJU de 2182019 A exigência de um juízo natural imparcial e independente impede que haja ameaças legislativas à tomada de decisão judicial isenta ou à provocação isenta do Judiciário Por isso há intenso debate sobre a inconstitucionalidade e inconvencionalidade da Lei n 13869 de 5 de setembro de 2019 que redefiniu o conceito de crime de abuso de autoridade revogando a Lei n 489865 Os crimes de abuso de autoridade são aqueles i cometidos por agente público servidor ou não que ii no exercício de suas funções ou a pretexto de exercêlas iii abuse do poder que lhe tenha sido atribuído É necessário que o iv agente tenha atuado com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro ou ainda por mero capricho ou satisfação pessoal Foi afastado pela própria lei o risco de existir o chamado crime de hermenêutica criminalização da conduta de um agente público que adotou interpretação distinta da interpretação majoritária sendo expresso na lei que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade art 1º 2º Os tipos penais foram elencados a partir do art 9º da lei destacandose 1 Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais 2 Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida 3 Proceder à obtenção de prova em procedimento de investigação ou fiscalização por meio manifestamente ilícito 4 Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa em desfavor de alguém à falta de qualquer indício da prática de crime de ilícito funcional ou de infração administrativa 5 Impedir sem justa causa a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado 6 Dar início ou proceder à persecução penal civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente 7 Exigir informação ou cumprimento de obrigação inclusive o dever de fazer ou de não fazer sem expresso amparo legal 8 Decretar em processo judicial a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e ante a demonstração pela parte da excessividade da medida deixar de corrigila 9 Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa em desfavor de alguém à falta de qualquer indício da prática de crime de ilícito funcional ou de infração administrativa 10 Exigir informação ou cumprimento de obrigação inclusive o dever de fazer ou de não fazer sem expresso amparo legal e 11 Demorar demasiada e injustificadamente no exame de processo de que tenha requerido vista em órgão colegiado com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento Apesar dos limites gerais autoimpostos dolo específico e proibição do crime de hermenêutica os tipos penais acima enunciados da lei aprovada com a superação dos vetos presidenciais são indeterminados gerando ofensa i à segurança jurídica e ii à reserva legal em matéria penal De fato o uso do vocábulo manifestamente ou ainda da expressão sem justa causa fundamentada ou ainda sem justa causa bem como de exacerbadamente sem qualquer indício injustificadamente ou sem expresso amparo legal gera incerteza incompatível com a segurança jurídica e com a indispensável taxatividade do tipo penal incriminador art 5º XXXIX não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal Além disso ficam abalados ainda o direito ao juiz natural e o direito ao promotor natural que exigem magistrados e membros do Ministério Público independentes que devem adotar as medidas cabíveis sem temer que apreciação futura considere que suas decisões foram manifestamente incabíveis resultando na prática de crimes Cabe salientar que a evolução da jurisprudência pode ser feita de início com a propositura de ações pedidos ou adoção de decisões que são a princípio ofensivas a textos normativos mas que são compatíveis com a CF88 tratados e com a gramática de direitos Neste Curso estudouse a ponderação de 2º grau mencionandose como exemplo a decisão do STF de autorizar a entrada de policiais federais em domicílio escritório para colocação de escuta ambiental durante a madrugada De início essa decisão do STF contrariou texto expresso da CF88 em nome da inviolabilidade domiciliar a autorização judicial nessa hipótese deve ser cumprida durante o dia art 5º XI mas foi proporcional em face dos direitos em colisão Inq 2424 rel Min Cezar Peluso j 26112008 Plenário DJE 2632010 A nova Lei de Abuso de Autoridade desestimula esse tipo de decisão ao menos as tomadas pelas instâncias judiciais inferiores ao STF fragilizando a independência judicial e ministerial 232 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O JUIZ NATURAL O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO A Constituição estabeleceu diversas hipóteses de competência por foro de prerrogativa de função que se constituem no juiz natural dessas autoridades a saber Função Espécie de crime Competência Presidente da República e VicePresidente crime comum STF CF art 102 I b crime de responsabilidade Senado Federal CF art 52 I Deputados Federais e Senadores crime comum STF CF art 102 I b crime de responsabilidade Casa respectiva CF art 55 Ministros do STF crime comum STF CF art 102 I b crime de responsabilidade Senado Federal CF art 52 I ProcuradorGeral da República crime comum STF CF art 102 I b crime de responsabilidade Senado Federal CF art 52 I AdvogadoGeral da União crime comum STF CF art 102 I b crime de responsabilidade Senado Federal CF art 52 I Membros dos Tribunais Superiores do TCU e os chefes de missão diplomática de caráter permanente crime comum e de responsabilidade STF CF art 102 I b Governador de Estado crime comum STJ CF art 105 I a crime de responsabilidade Tribunal Especial Lei n 107950 art 78 Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos crime comum e de responsabilidade STJ CF art 105 I a Estados e do Distrito Federal Desembargadores Federais Membros dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho crime comum e de responsabilidade STJ CF art 105 I a Membros dos Tribunais de Contas dos Estados do DF e dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios crime comum e de responsabilidade STJ CF art 105 I a Membros do Ministério Público da União que oficiam perante tribunais crime comum e de responsabilidade STJ CF art 105 I a Deputados estaduais crime comum Depende da Constituição Estadual em regra Tribunais de Justiça crime de responsabilidade Assembleia Legislativa do Estado crime federal Tribunal Regional Federal crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral Juízes Federais Juízes da Justiça Militar Juízes da Justiça do Trabalho crime comum e de responsabilidade Tribunal Regional Federal CF art 108 I a crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral Membros do Ministério Pú blico da União MPMMPTMPDFTMPF que atuam na 1ª instância crime comum e de responsabilidade Tribunal Regional Federal CF art 108 I a ou seja promotor de justiça do DF não é julgado pelo TJDF mas sim pelo TRF sendo processado criminalmente por membro do MPF crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral Juízes Estaduais e do Distrito Federal crime comum e de responsabilidade Tribunais de Justiça CF art 96 III crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral ProcuradorGeral de Justiça crime comum Tribunais de Justiça CF art 96 III crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral crime de responsabilidade Poder Legislativo Estadual ou Distrital CF art 128 crime de responsabilidade conexo com Governador de Estado Tribunal Especial Lei n 107950 art 78 Membros do Ministério Público Estadual crime comum e de responsabilidade Tribunais de Justiça CF art 96 III crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral Prefeitos crime comum Tribunais de Justiça CF art 29 X crime eleitoral Tribunal Regional Eleitoral crime federal Tribunal Regional Federal crime de Câmara de Vereadores responsabilidade CF art 3187 Desse quadro cabem as seguintes observações 446 1 Toda vez que a Constituição menciona crime de responsabilidade a ser julgado por órgão político por exemplo crime de responsabilidade do Presidente que será julgado pelo Senado após autorização da Câmara dos Deputados e confirmação desta autorização pelo próprio Senado 447 devese entender tal crime como sendo infração políticoadministrativa quando se referir a crime de responsabilidade a ser julgado por órgão do Poder Judiciário tratase de crime de ação penal titularizada pelo Ministério Público art 129 I da CF88 2 De acordo com a Súmula 704 do STF não viola as garantias do juiz natural da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados 3 O desmembramento das investigações e ações penais no foro por prerrogativa de função é a regra devendo excepcionalmente ser mantido o julgamento conjunto do réu com prerrogativa e o corréu sem prerrogativa 4 O foro por prerrogativa de função na esfera criminal é estabelecido para a preservação das atribuições do cargo ocupado pela autoridade pública Assim não pode ser invocado por exocupante por aposentadoria renúncia cassação etc Em 2002 a Lei n 10628 estendeu essa prerrogativa aos exocupantes de cargos públicos e exdetentores de mandatos eletivos e ainda alargou tal prerrogativa para os atos de improbidade tendo o STF considerado tal extensão inconstitucional em 15 de setembro de 2005 Em 2012 o STF modulou o efeito de tal declaração de inconstitucionalidade apenas para em nome da segurança jurídica considerar válidos os atos processuais eventualmente praticados nesses processos criminais ou de improbidade administrativa entre 24 de dezembro 2002 data da edição da lei inconstitucional a 15 de setembro de 2005 ver ADI 2797 5 A renúncia ou qualquer outra forma de término do exercício do cargo que gera a prerrogativa de foro implica em cessação da competência e remessa do processo no estado em que se encontra ao juízo comum Esse tema foi alvo de polêmica no Supremo Tribunal Federal com o cancelamento da Súmula 394 do STF prevaleceu por um tempo a orientação de que a renúncia de réu parlamentar teria como efeito a extinção imediata da competência do STF Questão de Ordem no Inquérito 687SP rel Min Sydney Sanches em 2781999 Tal entendimento passou a ser questionado em 2007 na Ação Penal 333PB em que foi suscitada questão de ordem devido à renúncia de mandato pelo réu Ronaldo José da Cunha Lima após a publicação da pauta de julgamento da ação Em que pese entendimento contrário de parte dos Ministros o STF considerou não ter sido configurado abuso do direito de renúncia declinando assim a sua competência para o caso Diferente foi a solução na Ação Penal 396RO em 2010 na qual o parlamentar Natan Donadon também renunciou a mandato depois do processo ter sido incluído em pauta para julgamento com risco de prescrição Nessa ação penal o STF consignou por maioria que a renúncia de mandato não poderia ser subvertida em escolha pessoal para deslocar competências constitucionalmente definidas considerando se competente para continuar o julgamento do feito Em 2014 no julgamento de Questão de Ordem na Ação Penal n 536MG referente à renúncia de mandato do réu Eduardo Azeredo após o oferecimento de alegações finais pelo ProcuradorGeral da República o STF rememorando a polêmica sobre o tema reconheceu a necessidade de estabelecer parâmetro objetivo no exame de eventual abuso processual na renúncia de mandato Em 2014 o STF reconheceu que o final da instrução deve ser o parâmetro objetivo para que a renúncia gere o fim do foro por prerrogativa de função após o fim da instrução o Tribunal deve continuar o julgamento mesmo após a extinção do mandato AP 606 QO rel Min Roberto Barroso j 12 82014 Primeira Turma DJe de 1892014 no mesmo sentido AP 568 rel Min Roberto Barroso j 1442015 Primeira Turma DJe de 1852015 ver abaixo o posicionamento do STF reiterando a fixação da competência no STF após o fim da instrução criminal 6 Não há foro por prerrogativa de função na área cível e em especial na ação de improbidade tendo decidido o STF que há orientação firmada no sentido de que inexiste foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa RE 601478AgR rel Min Eros Grau j 1632010 Segunda Turma DJe de 942010 7 O desaforamento previsto no art 427 do CPP do tribunal do júri não viola o princípio do juiz natural sendo compatível com Constituição pois assegura o respeito ao devido processo legal e imparcialidade do juízo STF HC 67851 rel Min Sydney Sanches j 2441990 Plenário DJ de 1851990 8 Varas criminais coletivas 5 juízes atuando no julgamento em 1º grau para julgar organizações criminosas tais quais as estabelecidas em Alagoas não são inconstitucionais A competência legislativa concorrente art 24 da CF permite tal atuação de lei estadual Além disso o julgamento coletivo em 1º grau nesses casos de organizações criminosas favorece a independência judicial STF ADI 4414AL rel Min Luiz Fux 30 e 3152012 9 A garantia do juiz natural é atendida quando o STF delega o interrogatório dos réus e outros atos da instrução processual a juízes da Seção Judiciária escolhidos mediante sorteio APn 470QO rel Min Joaquim Barbosa j 6122007 Plenário DJe de 1432008 10 É possível excepcionalmente suspender o exercício do mandato parlamentar e ainda da Presidência de uma Casa legislativa caso existam elementos de riscos para a efetividade da jurisdição criminal e para a dignidade do próprio Parlamento envolvido No caso Eduardo Cunha o STF suspendeu em maio de 2016 o mandato parlamentar do então Dep Federal Eduardo Cunha e também o seu exercício da Presidência da Câmara dos Deputados a pedido do ProcuradorGeral da República Rodrigo Janot como medida adequada e suficiente para neutralizar os riscos descritos pelo ProcuradorGeral da República trecho do voto do Min relator Teori Zavascki STF ACO n 4070DF j 552016 DJe de 21102016 11 A competência para julgamento dos crimes eleitorais está fragmentada entre os Tribunais Superiores brasileiros gerando interpretações divergentes na matéria Obviamente na Justiça Eleitoral há competência para julgamento de crimes eleitorais pelos juízes eleitorais pelo Tribunal Regional Eleitoral e somente na via recursal pelo Tribunal Superior Eleitoral que não possui competência criminal eleitoral originária o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal também julgam originalmente crimes eleitorais de determinadas autoridades públicas Claro que a posição do STF como órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro o indicaria como fonte da interpretação final do conteúdo jurídico dos crimes eleitorais Porém como os casos criminais têm forte carga fática a prática indica que é muito difícil para a parte prejudicada Ministério Público ou Defesa por uma interpretação divergente do que vem a ser um crime eleitoral conseguir interpor um recurso extraordinário viável ao Supremo Tribunal Federal 12 Caso o haja surgimento de indícios de envolvimento de detentor de prerrogativa de foro em investigação criminal qualquer por exemplo em interceptações telefônicas em primeiro grau de jurisdição é necessária a remessa imediata dos autos à Corte respectiva O prosseguimento das investigações no primeiro grau em relação ao detentor de foro constitui na visão do STF violação do princípio do juiz natural Para evitar prejuízo às investigações envolvendo os demais investigados cabe desmembramento e envio dos autos apartados ao Tribunal Por outro lado todas as provas decorrentes da continuidade das investigações em foro não apropriado são consideradas provas ilícitas por derivação em face da teoria dos frutos da árvore envenenada RHC 135683 rel Min Dias Toffoli j 25102016 2ª T DJe de 342017 13 Em 2018 o STF restringiu fortemente o foro por prerrogativa de função para deputados e senadores que só devem responder a processos criminais no STF se i os fatos imputados ocorrerem durante o mandato e ii em função do cargo Foi fixada a seguinte tese i O foro por prerrogativa de função aplicase apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas e ii Após o final da instrução processual com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava qualquer que seja o motivo com o entendimento de que esta nova linha interpretativa deve se aplicar imediatamente aos processos em curso com a ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior STF Questão de Ordem na Ação Penal n 937RJ rel Min Barroso Plenário 352018 14 O foro por prerrogativa de função do prefeito aplicase somente aos crimes cometidos i durante o exercício do cargo e ii relacionados ao cargo ratione muneris Não cabe prorrogação da prerrogativa do foro após o fim do mandato do prefeito mesmo que ele tenha assumido um novo mandato STF RE 1185838SP rel para o acórdão Min Alexandre de Moraes j 1452019 233 JUIZ NATURAL E CRIMES ELEITORAIS CONEXOS COM CRIMES FEDERAIS COMUNS A OPERAÇÃO LAVA JATO O princípio do juiz natural foi rediscutido no STF em 2019 na discussão sobre qual deve ser o juízo natural em casos conexos sob competência de mais de um ramo do Poder Judiciário da União De fato em diversos casos da Operação Lava Jato entre outras a investigação e a persecução criminal envolveram crimes eleitorais e crimes federais comuns A hipótese mais comum encontrada foi a de persecução do crime de falsidade eleitoral art 350 do Código Penal em virtude de prestações de contas fraudadas para esconder a fonte ilícita dos recursos em geral associada à corrupção envolvendo agentes públicos e outros crimes federais por exemplo a evasão de divisas O Ministério Público Federal defendeu a cisão e o julgamento em separado o crime de falsidade ideológica eleitoral deveria ser julgado perante a Justiça Eleitoral art 121 caput da CF88 e o crime de evasão de divisas deveria ser julgado perante a Justiça Federal art 109 VI O STF entendeu que os crimes comuns conexos a crimes eleitorais devem ser investigados processados e julgados perante a Justiça Eleitoral Para o Min Marco Aurélio relator é impossível o desmembramento das investigações no tocante aos delitos comuns e eleitoral uma vez que a competência da Justiça comum federal ou estadual é residual quanto à Justiça especializada seja eleitoral ou militar estabelecida em razão da matéria e não se revela passível de sobreporse à última Para o Min Gilmar Mendes do ponto de vista constitucional a prevalência da Justiça Eleitoral é justificada pela preocupação com o bom funcionamento do sistema democrático pois A apuração de crimes comuns conexos a crimes eleitorais é importante inclusive para reforçar o papel institucional da Justiça Eleitoral possibilitando melhor compreensão sobre os impactos e efeitos de crimes financeiros econômicos e de corrupção sobre os resultados dos pleitos Em que pese a existência de diversos precedentes anteriores abriu divergência o Min Fachin defendendo a prevalência da competência constitucional que não poderia ser usurpada por regra de conexão estabelecida no CPP art 79 IV 448 De fato a competência constitucional da Justiça Federal que é absoluta não poderia ser derrogada por lei No voto do Min Fachin Entender de modo diverso seria autorizar que a lei modificasse a competência constitucionalmente estabelecida no art 109 da CF Além disso como ambas as competências Justiça Federal e Justiça Eleitoral têm assento constitucional a solução para evitar a prevalência indevida de uma sobre a outra seria a cisão Assim para o Min Fachin existindo concorrência de juízos com competências igualmente fixadas na Constituição Federal o princípio do juiz natural exige a cisão do processo Contudo essa posição ficou vencida por apertada maioria tendo sido mantida a reunião de processos na Justiça Eleitoral a quem cabe por sua vez verificar se existe ou não a pretendida conexão votação de 6 x 5 STF Inq 4435 Ag R QuartoDF rel Min Marco Aurélio trecho do voto do Min Edson Fachin j 1432019 DJU de 2182019 234 PROMOTOR NATURAL Após intensa discussão doutrinária e jurisprudencial 449 o STF acatou a existência do postulado do promotor natural que consiste no direito de determinado indivíduo de ser processado por promotor designado de acordo com regras abstratas e prévias ao caso concreto Para o STF o postulado do Promotor Natural é implícito ao sistema constitucional brasileiro gerando os seguintes efeitos 1 Proibição de designações casuísticas de Promotor mesmo que efetuadas pela Chefia da Instituição situação denominada acusação de exceção 2 Garantia de que o afastamento do promotor originalmente promotor natural será feito também por regras previamente existentes como por exemplo férias aposentadoria quebra da inamovibilidade por decisão de órgão superior por maioria absoluta por motivo de interesse público CF art 128 I b punição disciplinar do Conselho Nacional do Ministério Público art 130A 2º III etc 3 Ausência de violação do postulado do promotor natural pela sucessão de posições colidentes em um mesmo processo uma vez que tais divergências entre promotores são decorrência da independência funcional HC 102147 rel Min Celso de Mello decisão monocrática j 16122010 DJe de 322011 235 TRIBUNAL DO JÚRI Art 5º XXXVIII é reconhecida a instituição do júri com a organização que lhe der a lei assegurados a a plenitude de defesa b o sigilo das votações c a soberania dos veredictos d a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida A instituição do Júri consiste no conjunto de normas que rege o julgamento de determinada causa cível ou criminal por um colegiado de cidadãos É inspirada pela Carta Magna de 1215 que determinava o direito de uma pessoa ser julgada por seus pares A Constituição de 1988 inseriu na mesma linha a instituição do júri no rol dos direitos individuais No plano constitucional a Constituição de 1824 foi a primeira a prever o Tribunal do Júri tradição que foi mantida até a Constituição de 1988 com as seguintes características 1 organização regida pela lei 2 competência mínima a ser observada podendo ser ampliada pela lei mas nunca reduzida julgamento dos crimes dolosos contra a vida 3 informado pelos princípios da plenitude de defesa sigilo das votações e soberania dos veredictos Atualmente o Júri possui competência para os crimes dolosos contra a vida arts 121 1º e 2º 122 parágrafo único 123 124 125 126 e 127 do CP consumados ou tentados e conexos tendo a Lei n 116892008 alterado as regras do CPP arts 408 e seguintes para dotar o Júri de um novo procedimento mais célere Foram mantidas as duas fases do julgamento do procedimento a primeira fase é o juízo de admissibilidade judicium accusationis ou juízo do sumário de culpa perante o juiz togado singular que se inicia com o recebimento da denúncia por juiz togado ou queixa na hipótese de ação penal privada subsidiária da pública e termina com a sentença de pronúncia impronúncia ou absolvição sumária O juiz pode ainda desclassificar o crime para um fora da competência do Júri e caso não seja competente para o julgamento remeterá os autos ao juiz que o seja A segunda fase caso exista a pronúncia é denominada judicium causae terminando com o julgamento da causa em plenário no qual os jurados decidem sobre a matéria de fato e o juiz presidente decidirá sobre o quantum da sentença caso os jurados decidam pela existência de crime Da imensa jurisprudência do STF sobre a instituição do júri devem ser ressaltadas i A competência constitucional do foro por prerrogativa de função prevalece sobre a competência do Tribunal do Júri Assim crime doloso contra a vida cometido por juiz de direito será julgado pelo seu Tribunal de Justiça ii A competência do Tribunal do Júri prevista na Constituição de 1988 é mínima podendo a lei ampliála o que torna legítimo o julgamento pelo júri dos crimes conexos tal qual preconiza o Código de Processo Penal iii A competência do Tribunal do Júri por ser prevista na Constituição Federal prevalece sobre a competência prevista somente na Constituição Estadual Súmula 721 do STF iv Corréu que não tem foro por prerrogativa de função deve ser julgado pelo Tribunal do Júri desmembrandose o processo penal v Para o STF a competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri Súmula 603 grifo meu vi Para o STF é constitucional o julgamento dos crimes dolosos contra a vida de militar em serviço pela justiça castrense sem a submissão destes crimes ao Tribunal do Júri nos termos do o art 9º III d do CPM HC 91003 rel Min Cármen Lúcia j 2252007 Primeira Turma DJ de 382007 vii A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri não é absoluta sendo constitucionais os dispositivos que preveem a anulação da decisão do Júri sob o fundamento de que ela se deu de modo contrário à prova dos autos Evitase o arbítrio que é incompatível com o Estado de Direito HC 88707 rel Min Ellen Gracie j 992008 Segunda Turma DJe de 17102008 viii A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecida exclusivamente pela constituição estadual STF Súmula Vinculante n 45 ix A Lei n 134912017 restringiu o alcance do Tribunal do Júri ao prever que mesmo quando dolosos contra a vida de civil serão da competência da Justiça Militar da União quando praticados por militares somente das Forças Armadas nas seguintes situações I do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa II de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar mesmo que não beligerante ou III de atividade de natureza militar de operação de paz de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária Nesta última hipótese se encaixam as mortes de civis causadas por militares das Forças Armadas nas chamadas Operações de Garantia da Lei e da Ordem GLO vistas por exemplo no Rio de Janeiro x Para o STF não cabe a execução provisória da pena após a mera condenação pelo Tribunal do Júri que não pode ser considerado equivalente a uma decisão em segunda instância É inaceitável a conclusão de que a soberania do veredicto do júri legitimaria a execução antecipada ou meramente provisória da condenação proferida em primeira instância pelo Conselho de Sentença STF Medida Cautelar no HC n 174759 rel Min Celso de Mello decisão monocrática de 2092019 xi O critério de decisão do in dubio pro societate é tradicional na fase de pronúncia nos julgamentos submetidos ao Tribunal do Júri Por tal critério caso haja mínimo lastro probatório sobre os indícios de autoria além da materialidade a soberania constitucional dos julgados do Tribunal do Júri exigiria que o réu fosse submetido ao Conselho de Sentença Contudo mesmo na fase da pronúncia deve existir uma apreciação racional das provas coligidas levando à preponderância de provas incriminadoras em face daquelas que são consistentes com a narrativa defensiva Não se trata de exigir da Acusação um standard probatório típico da condenação mas que ao menos haja um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória voto do Min Gilmar Mendes no ARE 1067392 Além disso caso haja dúvida sobre a preponderância de provas existindo equilíbrio entre as que sustentam a tese acusatória e a tese defensiva incide o critério de decisão do in dubio pro reo estabelecido na consagração da presunção de inocência da CF88 art 5º LVII em tratados internacionais de direitos humanos por exemplo no art 82 da Convenção Americana de Direitos Humanos e também no CPP arts 413 e 414 Não se viola o princípio da soberania dos vereditos no Tribunal do Júri uma vez que i a lógica do sistema bifásico pronúncia por juiz togado e julgamento final pelo corpo de jurados assegura um processo penal racional em um Estado Democrático de Direito e ii outra denúncia pode ser proposta caso surjam novas provas incriminatórias STF Agravo no RE n 1067392 2ª T rel Min Gilmar Mendes j 26 32019 concessão de ordem de habeas corpus de ofício 24 Direitos Humanos no Direito Penal e Processual Penal Art 5º XXXIX não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal XL a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu XLI a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais XLII a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei XLIII a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins o terrorismo e os definidos como crimes hediondos por eles respondendo os mandantes os executores e os que podendo evitálos se omitirem XLIV constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático 241 PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL E DA ANTERIORIDADE EM MATÉRIA PENAL De acordo com a Constituição de 1988 o Direito Penal é regido pelo princípio da reserva legal ver acima pelo qual não há crime sem lei formal anterior que o defina nullum crime nulla poena sine praevia lege Com a exigência de lei prévia evitase a surpresa e a insegurança jurídica causada por lei retroativa bem como o estabelecimento de norma incriminadora sem o respaldo dos representantes do povo por isso a exigência de lei formal Porém a própria Constituição excepciona a proibição de lei retroativa no campo penal prevendo que a lei penal retroagirá para beneficiar o réu Por sua vez qualquer alteração legislativa na área criminal que contenha normas penais benéficas como as que abolem crimes ou que limitam sua abrangência estabeleçam extinção ou abrandamento de penas ou aumentem os casos de isenção de pena de extinção de pena ou qualquer elemento que minore os efeitos deletérios da aplicação da lei penal pretérita deve retroagir A jurisprudência recente do STF traz as seguintes contribuições ao tema i Para o STF a lei penal mais grave aplicase ao crime continuado ou ao crime permanente se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência Súmula 711 ii Ainda para o STF transitada em julgado a sentença condenatória compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna Súmula 611 iii Não se admite medida provisória incriminadora Já a medida provisória não incriminadora foi admitida pelo STF em julgamento anterior à edição da Emenda Constitucional n 322001 que expressamente proibiu medida provisória para tratar de matéria referente ao Direito Penal Entendese que esse precedente RE 254818 rel Min Sepúlveda Pertence j 8112000 Plenário DJ de 19122002 não mais é aplicável iv Para o STF a nova Lei n 120152009 permite a retroatividade da lei penal mais benéfica pois ao unificar os crimes anteriores de estupro e atentado violento ao pudor no novo art 213 do CP permitiu o reconhecimento da continuidade delitiva dos antigos delitos de estupro e atentado violento ao pudor quando praticados nas mesmas circunstâncias de tempo modo e local e contra a mesma vítima levando a um abrandamento da pena HC 86110 rel Min Cezar Peluso j 232010 Segunda Turma DJe de 2342010 v A imprescritibilidade de crimes prevista na CF88 não elimina a possibilidade de lei ordinária estabelecer outras hipóteses de crimes imprescritíveis STF RE 460971 rel Min Sepúlveda Pertence j 1322007 Primeira Turma DJ de 3032007 vi Em matéria penal o STF entende que prevalece o dogma da reserva constitucional de lei em sentido formal admitindose no Brasil somente a lei interna como fonte formal e direta de regras de Direito Penal Por isso decidiu que As convenções internacionais como a Convenção de Palermo não se qualificam constitucionalmente como fonte formal direta legitimadora da regulação normativa concernente à tipificação de crimes e à cominação de sanções penais STF RHC 121835AgR rel Min Celso de Mello j 13102015 Segunda Turma DJe de 23112015 242 OS MANDADOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO DEFICIENTE A proteção de direitos humanos impõe limites materiais e formais ao Direito Penal e à persecução criminal investigação processo e execução penais mas ao mesmo tempo também exige que o Estado estabeleça a tutela penal contra condutas de violação de direitos humanos Quanto aos limites desde Beccaria o Direito Penal desenvolvese sob a atenta observação da proteção dos direitos fundamentais de modo a impedir o excesso e a sanha vingativa e repressiva da sociedade e do Estado 450 Assim consagrouse ao longo dos séculos a conformação do Direito Penal à proteção de direitos humanos o que redundou em uma adequação constitucional do Direito Penal Do ponto de vista formal a proteção de direitos dos indivíduos estipulou i restrições à aplicação da lei penal pela adoção do princípio da legalidade estrita presunção de inocência e o in dubio pro reo irretroatividade da lei gravosa e retroatividade da lei benigna bem como ii garantias processuais como a do juízo natural vedação do tribunal de exceção devido processo legal penal legalidade e legitimidade das provas e ainda condicionamentos da iii execução penal por meio da vedação de penas cruéis e desumanas individualização da pena e direitos do sentenciado Do ponto de vista material há restrições implícitas à tipificação de determinadas condutas sob pena de violação de direitos fundamentais Com isso seria inconstitucional por violação de direitos fundamentais a tipificação e punição da homossexualidade ou o uso do Direito Penal para fins de defesa de determinada moralidade religiosa 451 Por outro lado a Constituição de 1988 e os tratados de direitos humanos também invocam a atuação do Direito Penal para sua proteção Assim o Direito Penal não é só limitado pelas Constituições e tratados mas em algumas situações sua aplicação é exigida como instrumento essencial de proteção de bens jurídicos Ao mesmo tempo em que o Estado não pode se exceder no campo penal proibição do excesso ou Übermassverbot também não se pode omitir ou agir de modo insuficiente proibição da insuficiência ou Untermassverbot É uma nova faceta agora amistosa na relação entre os Direitos Humanos e o Direito Penal Partese da constatação que em um Estado Democrático de Direito o Poder Público não pode se omitir na promoção dos direitos humanos devendo protegêlos inclusive com o instrumento penal Caso abra mão da tutela penal o Estado incorre na proteção deficiente dos direitos fundamentais violando a Constituição e os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil Consagrase o princípio da proibição da proteção deficiente na esfera criminal que consiste na vedação ao Estado de descriminalizar ou atenuar a tutela penal de certas condutas ofensivas a direitos fundamentais O princípio da vedação da proteção deficiente na esfera criminal é fundado implicitamente no próprio dispositivo constitucional que trata do Estado Democrático de Direito e de seu dever de promover a dignidade da pessoa humana art 1º caput e inciso III da CF88 e tem os seguintes usos i Torna constitucional e estimula a criação de leis penais criminalizando condutas ofensivas a direitos fundamentais como por exemplo futura lei que venha a criminalizar a homofobia antigo anseio dos movimentos de direitos humanos no Brasil ii Torna inconstitucional lei ou interpretação da lei que venha a descriminalizar ou ainda dificultar a persecução penal a violadores de direitos humanos Nesse sentido a Procuradoria Geral da República propôs a ADI 4301 perante o STF ainda em curso rel Min Joaquim Barbosa Rel atual Min Roberto Barroso que atacou contra a nova redação do art 225 do CP pela qual no crime de estupro do qual resulte lesão corporal grave ou morte deve procederse mediante ação penal pública condicionada à representação e não mais por meio de ação penal pública incondicionada Essa mudança legislativa foi considerada pela PGR inconstitucional por violar o princípio da proibição da proteção deficiente No STF houve já discussão do princípio da proibição da proteção deficiente em voto do Ministro Gilmar Mendes que afirmou que a proibição de proteção deficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção ou seja na perspectiva do dever de proteção que se consubstancia naqueles casos em que o Estado não pode abrir mão da proteção do direito penal para garantir a proteção de um direito fundamental Nesse caso o STF não permitiu a equiparação da união estável ao casamento para fins de extinção de punibilidade à época permitida antes da edição da Lei n 111062005 de Autor de estupro de menina de 9 anos não aceitando o uso de analogia pro reo em caso de dramática violação de direitos humanos RE 418376 rel p o ac Min Joaquim Barbosa j 922006 Plenário DJ de 2332007 Em outro julgado decidiu o STF que Os mandatos constitucionais de criminalização portanto impõem ao legislador para o seu devido cumprimento o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente HC 104410 rel Min Gilmar Mendes 2ª T j 632012 A própria Constituição adotou expressamente o dever do uso do Direito Penal para proteger direitos fundamentais por meio dos mandados constitucionais de criminalização Esses mandados consistem em dispositivos constitucionais que i ordenam a tipificação penal de determinada conduta ii exigem a imposição de determinada pena estabelecem a vedação de determinados benefícios ou até determinam tratamento prisional específico São os seguintes mandados expressos de criminalização identificados por Gonçalves 452 na Constituição devendo o leitor não esquecer dos mandados internacionais de criminalização estudados acima nos capítulos sobre os tratados específicos de direitos humanos 1 Art 5º XLI a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais 2 Art 5º XLII a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei 3 Art 5º XLIII a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins o terrorismo e os definidos como crimes hediondos por eles respondendo os mandantes os executores e os que podendo evitálos se omitirem 4 Art 5º XLIV constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático 5 Art 7º X proteção do salário na forma da lei constituindo crime sua retenção dolosa 6 Art 225 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas a sanções penais e administrativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados 7 Art 227 4º A lei punirá severamente o abuso a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente 8 Art 243 parágrafo único Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização controle prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias Abordaremos com destaque alguns desses mandados expressos de criminalização abaixo 243 RACISMO 2431 O crime de racismo e sua abrangência o antissemitismo e outras práticas discriminatórias O racismo consiste em qualquer teoria doutrina ideologia ou conjunto de ideia que sustenta a existência de um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupo de indivíduos com suas características intelectuais culturais e de personalidade incluindo o falso conceito de superioridade racial Considerandos da Convenção Interamericana contra o Racismo Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância O racismo tem como finalidade justamente consagrar a superioridade de uma pretensa raça buscando fundamentar práticas discriminatórias e inferiorizantes em uma pretensa moral ou racionalidade científica A CF88 estabelece no seu art 4º VIII que o Brasil deve reger suas relações internacionais pelo princípio do repúdio ao racismo Nessa linha o art 5º XLII da CF88 prevê que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei A Lei n 7716 de 5 de janeiro de 1989 também chamada de Lei Caó define os crimes de discriminação ou preconceito e suas punições tendo revogado leis anteriores Lei n 743885 e Lei n 139051 esta que tratava a matéria como contravenção penal Lei Afonso Arinos De acordo com seu art 1º serão punidos na forma desta lei os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional redação dada pela Lei n 945997 Essa lei pune várias condutas odiosas adotadas pelo agente por motivo de discriminação de raça cor etnia religião ou procedência nacional podendo ser classificadas de acordo com o objetivo tutelado 1 Igualdade no acesso a cargos públicos que pune a conduta de impedir ou obstar o acesso de alguém ou sua promoção funcional a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta bem como das concessionárias de serviços públicos 2 Igualdade na relação de trabalho que pune aquele que deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores ou impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional ou ainda aquele que proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho especialmente quanto ao salário 3 Igualdade nas relações de consumo que pune diversas condutas nas relações consumeristas tais como a recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial negando se a servir atender ou receber cliente ou comprador b recusar negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau c impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel pensão estalagem ou qualquer estabelecimento similar d impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes bares confeitarias ou locais semelhantes abertos ao público e impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos casas de diversões ou clubes sociais abertos ao público f impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros barbearias termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades 4 Igualdade nas relações sociais que pune aquele que impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos ou ainda que impedir o acesso ou uso de transportes públicos como aviões navios barcas barcos ônibus trens metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido 5 Igualdade nas Forças Armadas que pune aquele que impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas 6 Igualdade no Direito de Família que pune aquele que impedir ou obstar por qualquer meio ou forma o casamento ou convivência familiar e social Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública para o servidor público e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses Porém tais efeitos não são automáticos devendo ser motivadamente declarados na sentença condenatória Finalmente cabe destaque veja a análise da liberdade de expressão a criminalização da conduta de praticar induzir ou incitar pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza a discriminação ou preconceito de raça por religião etnia ou procedência nacional que foi incluído pela Lei n 808190 Em 1994 a Lei n 8882 criminalizou a conduta de fabricar comercializar distribuir ou veicular símbolos emblemas ornamentos distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo Poderá o juiz determinar ouvido o Ministério Público ou a pedido deste ainda antes do inquérito policial sob pena de desobediência o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo bem como a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas A Lei n 12288 de 2010 ainda permite que o juiz determine mesmo na fase do inquérito policial a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores internet Em 1995 a Lei n 9029 vedou a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego ou sua manutenção por motivo de sexo origem raça cor estado civil situação familiar ou idade ressalvadas neste caso as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art 7º da Constituição Federal São crimes as práticas discriminatórias de exigir teste exame perícia laudo atestado declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez bem como a adoção de qualquer programa de esterilização forçada Por outro lado a doutrina discute a existência de concurso aparente de normas penais entre o art 20 da Lei n 771689 Art 20 Praticar induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional e o art 140 3º do CP injúria qualificada por preconceito Esse dispositivo do Código Penal foi acrescentado pela Lei n 945997 gerando um tipo qualificado ao delito de injúria que comina a pena de reclusão de um a três anos e multa se a injúria consistir na utilização de elementos referentes a raça cor etnia religião origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência De acordo com Damásio de Jesus se o agente chamar alguém de negro preto pretão negrão turco africano judeu baiano japa etc desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com cor religião raça ou etnia sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão além de multa 453 Assim nesses casos de xingamentos uso de expressões chulas entre outros considerase que o art 140 3º é lex specialis e deve ser aplicado afastandose a norma geral do art 20 da Lei n 771689 que usa a expressão genérica praticar induzir ou incitar Para a visão jurisprudencial tradicional o delito de injúria racial não é abarcado pelo regime constitucional punitivo especial do racismo podendo prescrever Essa é a posição do STF que em 2011 reconheceu a prescrição de crime de injúria qualificada por preconceito imputado a Deputado Federal da seguinte forma Configura injúria qualificada pela utilização de elementos referentes a raça e cor a ofensa por meio dos termos como a ora imputada Declarada a extinção da punibilidade do querelado em razão da prescrição da pretensão punitiva APn 395PR rel Min Luiz Fux j 3032011 Contudo em 2016 o Superior Tribunal de Justiça determinou que a injúria racial é modalidade de racismo e por isso imprescritível AgRg no Agravo em Recurso Especial n 686965 rel Min Ericson Maranho Des convocado j 1882015 DJe de 3182015 Esse precedente reforça o regime jurídico de repúdio ao racismo uma vez que aquele que pratica a injúria racial adota e promove estereótipos inferiorizantes aprofundando o tratamento discriminatório típico da narrativa racista o que faz por merecer o severo tratamento constitucional e internacional repressivo 2432 O estatuto constitucional punitivo do racismo e o posicionamento do STF o caso do antissemitismo e outras práticas discriminatórias O preconceito consiste em toda conduta estigmatizante e inferiorizante a outrem gerada por motivo racial étnico socioeconômico idade estado civil orientação sexual deficiência religião convicção política origem nacional ou regional ou outro fator social Para aqueles que defendem o conceito restrito de racismo este consistiria em preconceito baseado em cor da pele e outros traços fenotípicos Assim os crimes previstos na Lei n 771689 vista acima teriam tratamento jurídico desigual os crimes de discriminação por raça ou seriam inafiançáveis imprescritíveis e sujeitos à pena de reclusão por ordem expressa da CF88 art 5º XLII Já os crimes de discriminação por religião ou procedência nacional não sofreriam tal rigor Seriam por exemplo prescritíveis Esse conceito restrito de racismo foi abandonado pelo STF no julgamento do Habeas Corpus n 82424 em 2003 no qual se discutiu se a conduta de publicação de obras antissemitas poderia ser encaixada no crime de racismo cujo estatuto constitucional punitivo é severo inafiançabilidade imprescritibilidade e a cominação de pena de reclusão conforme o art 5º XLI Com o objetivo de afastar a imprescritibilidade da pena a Defesa alegou que a conduta não era racismo porque os judeus não constituiriam uma raça Assim a condenação pelo crime de preconceito de religião previsto no art 20 da Lei n 7716 estaria prescrita Porém a maioria dos Ministros adotou o chamado conceito amplo ou conceito social de racismo pelo qual esse crime é realizado contra grupos humanos com características culturais próprias Assim o racismo é uma construção social uma vez que só há uma raça a humana consistindo em uma prática que visa inferiorizar ultrajar e estigmatizar um determinado agrupamento humano por motivo odioso De acordo com a ementa do acórdão da qual foi relator o Ministro Maurício Corrêa foi voto vencido o relator original Min Moreira Alves que adotava o conceito restrito de racismo e votou pelo reconhecimento da prescrição Com a definição e o mapeamento do genoma humano cientificamente não existem distinções entre os homens seja pela segmentação da pele formato dos olhos altura pelos ou por quaisquer outras características físicas visto que todos se qualificam como espécie humana Não há diferenças biológicas entre os seres humanos Na essência são todos iguais Ainda para o STF a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente políticosocial Deste pressuposto originase o racismo que por sua vez gera a discriminação e o preconceito segregacionista HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 Todos os seres humanos podem ser vítimas de racismo que possui facetas contemporâneas como a do antissemitismo xenofobia islamofobia entre outras Nessa linha do STF conceito amplo do racismo a prática de todo e qualquer tipo de racismo previsto na lei penal não somente o oriundo da discriminação racial impõe o estatuto constitucional punitivo a saber inafiançabilidade imprescritibilidade e pena de reclusão O STF decidiu que a ausência de prescrição nos crimes de racismo justificase como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã para que impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 Assim temos o seguinte quadroresumo 1 Os crimes de racismo exigem tipificação penal não bastando a previsão dos mandados constitucionais de criminalização previstos na CF88 a saber a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais art 5º XLI e a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível sujeito à pena de reclusão nos termos da lei art 5º XLII 2 A Lei n 771689 tipifica os resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional 3 De acordo com o STF o crime de discriminação por religião antissemitismo por exemplo concretiza o crime de racismo conceito amplo de racismo de cunho social e não biológico e com isso sujeito ao regime constitucional punitivo inafiançabilidade imprescritibilidade pena de reclusão 4 De acordo com o STJ precedente de 2015 visto acima que contraria precedentes do STF o crime de injúria racial promove o racismo devendo ser abarcado pelo regime jurídico severo previsto na CF88 2433 O racismo homotransfóbico Em linha com o conceito amplo ou social de racismo visto acima o Supremo Tribunal Federal inseriu a homotransfobia como forma de racismo criminalizando a conduta à luz da Lei n 771689 em duas ações que tratavam da omissão do Congresso Nacional em adotar lei penal sobre a temática Tal criminalização deve perdurar até que o Congresso Nacional legisle especificamente sobre a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero No Mandado de Injunção n 4733 o relator Min Fachin afirmou que a mora legislativa é ainda mais grave se considerarmos que nas Américas o Brasil é o país onde mais ocorreram relatos de violência contra a população LGBTI conforme Relatório Violência contra Pessoas Lésbicas Gays Bissexuais Trans e Intersex nas Américas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 454 Por sua vez o Comentário Geral n 20 do Comitê de Direitos Econômicos Sociais e Culturais aduz que os Estados devem garantir que a orientação sexual de uma pessoa não seja uma barreira para a realização dos direitos desta Convenção Também mereceu citação do relator Min Fachin i o Princípio n 1 de Yogyakarta ii a Opinião Consultiva n 24 da Corte IDH e iii a Declaração e Programa de Ação de Viena 455 Conclui o Relator estabelecendo que toda pessoa deve ser protegida contra qualquer ato que atinja sua dignidade e assim não se pode tolerar tanto a discriminação baseada na cor etnia religião ou procedência nacional quanto as praticadas em virtude de preconceito a homossexual ou transgênero Por sua vez o Min Celso de Mello considerou como premissa que há um mandado de criminalização no que pertine toda e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais art 5º XLI Por isso para Celso de Mello a omissão do Congresso Nacional em tipificar a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero implica a aceitação de que o sofrimento e a violência dirigida a pessoa gay lésbica bissexual transgênera ou intersex é tolerada ou não gera a reação devida Por se tratar de condutas com a mesma vocação de violar a dignidade humana pela prática da discriminação odiosa o STF julgou procedente o mandado de injunção para i reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e ii aplicar com efeitos prospectivos até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito a Lei n 771689 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero STF Mandado de Injunção n 4733 rel Min Edson Fachin j 1362019 Já na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n 26 o relator Min Celso de Mello enfatizou a configuração de atos homofóbicos e transfóbicos como formas contemporâneas do racismo e nessa condição subsumíveis à tipificação penal constante da Lei n 771689 objetiva fazer preservar no processo de formação de uma sociedade sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação CF art 3º IV a incolumidade dos direitos da personalidade como a essencial dignidade da pessoa humana buscando inibir desse modo comportamentos abusivos que possam impulsionados por motivações subalternas disseminar criminosamente em exercício explícito de inadmissível intolerância o ódio público contra outras pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero STF ADO 26 rel Min Celso de Mello voto do Min Ricardo Lewandoswki j 1362019 A posição divergente minoritária pode ser resumida no voto do Min Lewandowski que em que pese ter se posicionado contra a atual mora congressual optando por fixar prazo para a edição de lei formal entendeu que a extensão do tipo penal para abarcar situações não especificamente tipificadas pela norma penal incriminadora ofenderia o princípio da reserva legal em matéria penal cuja finalidade é assegurar a segurança jurídica STF ADO 26 voto do Min Ricardo Lewandoswki j 1362019 Assim por maioria o STF deu provimento ao Mandado de Injunção para i reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e ii aplicar com efeitos prospectivos até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito a Lei n 771689 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero No mesmo sentido o STF também por maioria julgou parcialmente procedente a ADO 26 reconhecendo e ordenando a cientificação do Congresso Nacional sobre sua mora inconstitucional Decidiu por maioria fixar a seguinte tese 1 Racismo e homotransfobia o racismo homotransfóbico O conceito de racismo compreendido em sua dimensão social projetase para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos pois resulta enquanto manifestação de poder de uma construção de índole históricocultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico à dominação política à subjugação social e à negação da alteridade da dignidade e da humanidade daqueles que por integrarem grupo vulnerável LGBTI e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social são considerados estranhos e diferentes degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico expostos em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito 2 Racismo na dimensão social e uso temporário dos crimes previstos na Lei n 771689 Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art 5º da Constituição da República as condutas homofóbicas e transfóbicas reais ou supostas que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém por traduzirem expressões de racismo compreendido este em sua dimensão social ajustamse por identidade de razão e mediante adequação típica aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei n 771689 constituindo também na hipótese de homicídio doloso circunstância que o qualifica por configurar motivo torpe Código Penal art 121 2º I in fine 3 Ausência de repressão penal à liberdade religiosa A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa sendo assegurado o direito de pregar e de divulgar o seu pensamento e de externar suas convicções podendo buscar e conquistar prosélitos 4 Liberdade religiosa não abarca o discurso de ódio As manifestações de convicções religiosas não podem configurar discurso de ódio sob pena de repressão penal que são aquelas exteriorizações que incitem i a discriminação ii a hostilidade ou iii a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero STF ADO 26 voto do Min Ricardo Lewandoswki j 1362019 Em síntese os argumentos da maioria no STF na ADO 26 e no MI 4733 podem ser assim reunidos e sintetizados i foi reconhecida a intensidade da mora do Congresso Nacional e a ausência de perspectiva de proteção criminal da homotransfobia mais de 30 anos após a edição da CF88 ii houve menção às graves estatísticas sobre a violência por homotransfobia no Brasil realçando a necessidade de uma intervenção penal específica na temática iii apontouse a violação da CF88 pela omissão e a necessidade de dar utilidade à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e ao Mandado de Injunção que não podem gerar tão somente um pedido ao Poder Legislativo para que este legisle em especial em uma situação na qual há mínima possibilidade de sensibilização do Congresso Nacional sobre a gravidade da situação de risco dos integrantes de grupo vulnerável LGBTI iv não se desconhece o princípio da reserva de lei formal em matéria penal mas ao mesmo tempo prevalece a busca de concessão de efeito ao combate à omissão em especial diante das graves violações aos direitos e à dignidade daqueles discriminados por sua orientação sexual e pela sua identidade de gênero v o racismo em sua dimensão social abarca o racismo homotransfóbico pois se busca discriminar por motivo odioso amesquinhando a dignidade e desrespeitando direitos básicos daqueles que são considerados diferentes do grupo hegemônico Combatese a proteção deficiente dos direitos humanos e se cumpre o mandado de criminalização da CF88 art 5º XLI Assim em uma ponderação de direitos o uso temporário dos tipos penais da Lei n 771689 até que o Congresso Nacional legisle é proporcional e respeita a proteção a grupos vulneráveis que se espera do Estado Democrático de Direito 244 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS LIBERDADE PROVISÓRIA E INDULTO A Constituição de 1988 instituiu regime penal gravoso à tortura ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ao terrorismo e aos definidos como crimes hediondos devendo a lei considerálos crimes i inafiançáveis e ii insuscetíveis de graça ou iii anistia por eles respondendo os mandantes os executores e os que podendo evitálos se omitirem No caso dos crimes hediondos a Lei n 114642007 deu nova redação aos parágrafos do art 2º da Lei n 807290 Lei dos Crimes Hediondos permitindo a liberdade provisória sem fiança no caso de não existirem os pressupostos para a decretação da prisão preventiva Em 2012 o STF ainda reconheceu que cabe a concessão da liberdade no crime de tráfico de entorpecentes caso faltem os requisitos da imposição da prisão preventiva impondo ainda as medidas cautelares previstas na Lei n 12403 exceto a fiança que continua proibida pelo texto constitucional Ou seja para o STF o art 5º XLIII da CF88 não proibiu a liberdade provisória e sim a fiança HC 104339 rel Min Gilmar Mendes j 952012 Quanto ao indulto o STF decidiu que o art 5º XLIII da CF que proíbe a graça nos crimes hediondos definidos em lei representa gênero do qual o indulto é espécie Porém o indulto está previsto especificamente no art 84 XII da CF88 como competência privativa do Presidente da República Assim em nome da especialidade o Presidente possui ampla discricionariedade para conceder o indulto o que configura ato de governo HC 90364 rel Min Ricardo Lewandowski j 31102007 Plenário DJ de 30112007 A Constituição de 1988 prevê que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático O STF por sua vez já reconheceu que a imprescritibilidade pode ser ampliada para outros casos desde que previstos em lei uma vez que a Constituição se limita no art 5º XLII e XLIV a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição sem proibir em tese que a lei futura crie outras hipóteses RE 460971 rel Min Sepúlveda Pertence j 1322007 Primeira Turma DJ de 3032007 25 O regramento constitucional das penas Art 5º XLV nenhuma pena passará da pessoa do condenado podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser nos termos da lei estendidas aos sucessores e contra eles executadas até o limite do valor do patrimônio transferido XLVI a lei regulará a individualização da pena e adotará entre outras as seguintes a privação ou restrição da liberdade b perda de bens c multa d prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos XLVII não haverá penas a de morte salvo em caso de guerra declarada nos termos do art 84 XIX b de caráter perpétuo c de trabalhos forçados d de banimento e cruéis XLVIII a pena será cumprida em estabelecimentos distintos de acordo com a natureza do delito a idade e o sexo do apenado XLIX é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral L às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação A pena criminal foi regrada pela Constituição de 1988 uma vez que representa importante limitação do direito à liberdade Analisaremos as principais características constitucionais das penas i Princípio da pessoalidade intranscendência incontagiabilidade ou intransmissibilidade da pena A pena criminal é personalíssima não podendo passar da pessoa do condenado Por isso o STF já decidiu que viola o princípio da incontagiabilidade da pena criminal determinada decisão judicial que permite ao condenado fazerse substituir por terceiro absolutamente estranho ao ilícito penal na prestação de serviços à comunidade HC 68309 rel Min Celso de Mello j 27111990 Primeira Turma DJ de 831991 ii Princípio da individualização da pena A Constituição de 1988 exigiu que a lei regulasse a individualização da pena podendo prever entre outras a pena de privação ou restrição da liberdade b perda de bens c multa d prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos Esse princípio refletese nos três momentos do processo de formação da resposta punitiva do Estado o legislativo no qual ficam estabelecidas as penas e seus limites máximo e mínimo o judicial na sentença com a dosimetria da pena e eventual penas substitutivas bem como nas decisões sobre o regime de cumprimento de pena e o executivo com a concessão da graça ou indulto Nos últimos anos houve intensa análise do princípio da individualização da pena no STF produzindo as seguintes posições a A proibição em abstrato da progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos prevista originalmente na Lei de Crimes Hediondos Lei n 807290 foi declarada inconstitucional pelo STF em 2006 por violar a individualização da pena que foi tida como garantia individual HC 82959 rel Min Marco Aurélio j 2322006 Plenário DJ de 1º9 2006 Após foi editada a Súmula Vinculante 26 de 2009 Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo ou equiparado o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art 2º da Lei n 8072 de 25 de julho de 1990 sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício podendo determinar para tal fim de modo fundamentado a realização de exame criminológico Atualmente a Lei n 8072 prevê que a progressão de regime será feita após o cumprimento de 25 dois quintos da pena se o apenado for primário e de 35 três quintos se reincidente Lei n 11464 de 2007 b Também em nome do princípio da individualização da pena o STF decidiu também que a lei não pode em abstrato proibir a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos HC 97256 rel Min Ayres Britto j 1º92010 Plenário DJe de 1612 2010 c Para o STF a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea Súmula 719 d Também o STF decidiu que admitese a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada antes do trânsito em julgado da sentença condenatória Súmula 716 e Para o STF a pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento determinado pelo art 75 do Código Penal não é considerada para a concessão de outros benefícios como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução Súmula 715 iii Penas proibidas A Constituição de 1988 determinou a proibição das penas a de morte salvo em caso de guerra declarada nos termos do art 84 XIX b de caráter perpétuo c de trabalhos forçados d de banimento e cruéis Já comentamos acima o caso da pena de morte Quanto às demais o STF já decidiu que a A medida de segurança criminal também tem prazo máximo de 30 anos pois a CF88 veda prisão de caráter perpétuo Eventual necessidade de internação por prazo adicional deve ser discutida no juízo cível HC 84219 rel Min Marco Aurélio j 1682005 Primeira Turma DJ de 2392005 b Também não pode ser perpétua a pena de inabilitação para o exercício de cargos de administração ou gerência de instituições financeiras RE 154134 rel Min Sydney Sanches j 15121998 Primeira Turma DJ de 29101999 iv O dever do Estado de propiciar diferentes tipos de estabelecimentos prisionais A Constituição determinou que o indivíduo que perde a liberdade tem o direito fundamental de cumprir sua pena em estabelecimentos distintos de acordo com a natureza do delito a idade e seu sexo Em virtude do caos do sistema prisional brasileiro com superlotação de presídios e falta de vagas em regimes semiaberto e aberto esse tema foi intensamente discutido no STF que decidiu o seguinte a Não pode o juiz determinar que o preso continue no regime fechado se o único óbice à progressão de regime é a ausência de vaga em colônia penal agrícola ou colônia penal industrial ou em estabelecimento similar A solução para o STF é darlhe o direito de permanecer em liberdade até que o Poder Público providencie vaga em estabelecimento apropriado não podendo ser mantido em prisão domiciliar que é destinada para outras hipóteses HC 87985 rel Min Celso de Mello j 2032007 Segunda Turma Informativo n 460 Em outra linha o STF reconheceu o direito até mesmo na falta de vagas à conversão da prisão em prisão domiciliar pois incumbe ao Estado aparelharse visando à observância irrestrita das decisões judiciais Se não houver sistema capaz de implicar o cumprimento da pena em regime semiaberto dáse a transformação em aberto e inexistente a casa do albergado a prisão domiciliar HC 96169 rel Min Marco Aurélio j 2582009 Primeira Turma DJe de 9102009 b Finalmente em 2016 foi editada a Súmula Vinculante n 56 com o seguinte teor A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso devendose observar nessa hipótese os parâmetros fixados no RE 641320RS Os parâmetros do RE 641320 repercussão geral publicado no DJ de 1º8 2016 a serem avaliados pelos juízes da execução penal são os seguintes b1 Devem ser avaliados os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto para qualificação como adequados a tais regimes São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como colônia agrícola industrial regime semiaberto ou casa de albergado ou estabelecimento adequado regime aberto No entanto não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado b2 No caso de déficit de vagas deverão ser determinadas 1 a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas 2 a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas 3 o cumprimento de penas restritivas de direito eou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto b3 Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado Em 2016 houve a aplicação desta Súmula Vinculante por juízes de execução penal de São José dos Campos SP que editaram a Portaria n 222016 pela qual foi concedida prisão domiciliar sob condições a presos do regime semiaberto gerando consequentemente vagas neste último regime A Portaria foi suspensa pela CorregedoriaGeral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tendo sido proposta em defesa da posição dos juízes de São José dos Campos reclamação diretamente no STF pela Defensoria Pública para fazer valer a Súmula Vinculante n 56 STF Reclamação n 25119 rel Min Celso de Mello que deferiu inicialmente a medida cautelar pedida pela Defensoria mas depois a suspendeu decisão monocrática negando seguimento à Reclamação em 28917 Por sua vez em virtude de inexistência de vagas no regime semiaberto o regime de cumprimento previsto na sentença o STF reverteu decisão da Justiça Paulista que havia mantido o preso em regime fechado mais gravoso do que o previsto na sentença para determinar o cumprimento da pena em prisão domiciliar até o surgimento de vaga no regime semiaberto Para o Min Barroso manter o preso em regime mais gravoso pela inexistência de vaga criada pelo Estado no regime adequado é clara violação da Súmula Vinculante n 56 STF Reclamação n 24892 decisão de 11102017 c O direito à prisão especial antes da prisão por sentença definitiva deve ser assegurado conforme o disposto no art 295 do CPP e ainda em leis diversas Lei Complementar 7593 para os membros do MP e Lei Complementar n 8094 para os membros da Defensoria Pública Para o STF atende à prerrogativa profissional do advogado ser recolhido preso antes de sentença transitada em julgado em cela individual dotada de condições regulares de higiene com instalações sanitárias satisfatórias sem possibilidade de contato com presos comuns HC 93391 rel Min Cezar Peluso j 1542008 Segunda Turma DJe de 952008 v Execução da pena A Constituição de 1988 assegurou aos presos o respeito à integridade física e moral Além disso de acordo com o art 5º 2º o Brasil deve respeito às regras internacionais de proteção aos direitos dos reclusos editadas pela ONU que foram estudadas no capítulo sobre os direitos humanos internacionais A Constituição também fez previsão do direito ao aleitamento materno vi Transexuais Direito das transexuais femininas ao cumprimento de pena em presídios femininos de acordo com a sua identidade de gênero Diante da necessidade de assegurar o respeito à dignidade humana à liberdade à igualdade por orientação sexual as transexuais femininas têm o direito de cumprir pena em presídios femininos O Min Barroso em sua decisão salientou a dupla vulnerabilidade à qual os transexuais e travestis estão sujeitos decorrente tanto da situação de encarceramento quanto da identidade de gênero Essa dupla vulnerabilidade indica que pessoas pertencentes a tais grupos sofrem mais exclusão e violência gerando situações equiparáveis a atos de tortura e tratamento cruel devendo o Estado adotar medidas de prevenção Os Princípios de Yogyakarta estudados neste Curso exigem que as pessoas presas participem de decisões relacionadas ao local de detenção adequado a sua orientação sexual e identidade de gênero princípio n 9 Assim o encaminhamento de transexuais femininas a presídios femininos é providência necessária a assegurar a sua integridade física e psíquica diante do histórico de abusos perpetrados contra essas pessoas em situação de encarceramento Não há no caso uma opção aberta ao Poder Público sobre como tratar esse grupo mas uma imposição que decorre dos princípios constitucionais da dignidade humana da liberdade da autonomia da igualdade do direito à saúde e da vedação ao tratamento cruel e à tortura STF Medida Cautelar na ADPF n 527 decisão monocrática do Min Luís Roberto Barroso de 2662019 26 Extradição e os direitos humanos Art 5º LI nenhum brasileiro será extraditado salvo o naturalizado em caso de crime comum praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins na forma da lei LII não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião 261 CONCEITO A extradição é espécie de cooperação jurídica em matéria penal 456 na qual determinado Estado requer o envio de determinado indivíduo para que seja este julgado criminalmente extradição instrutória ou possa cumprir pena criminal extradição executória A extradição é regida no Brasil pela Constituição de 1988 pela Lei n 134552017 Lei de Migração que revogou a Lei n 681580 que havia sido parcialmente modificada pela Lei n 128782013 457 ou caso existente por tratado internacional que prevalece pelo critério da especialidade em relação à Lei n 134452017 De acordo com a Lei n 134452017 a extradição consiste em medida de cooperação internacional entre o Estado brasileiro e outro Estado pela qual se concede ou solicita a entrega de pessoa sobre quem recaia i condenação criminal definitiva ou ii para fins de instrução de processo penal em curso art 81 Assim não cabe extradição instrutória caso haja apenas investigação criminal em face de determinado indivíduo A extradição pode ser ativa no caso de ser o Brasil o Estado Requerente ou ainda passiva no caso de Estado estrangeiro requerer a extradição ao Brasil Na extradição ativa o procedimento iniciase a pedido do juízo criminal que será encaminhado ao Ministério da Justiça caso existente um tratado no qual seja fixada a autoridade central no Ministério da Justiça 458 que após a análise e aceitação da documentação art 88 da Lei n 134452017 o encaminhará diretamente a autoridade central estrangeira Eventualmente na ausência de autoridade central prevista em tratado o pedido tramitará pelo Ministério das Relações Exteriores para o envio diplomático do pedido ao Estado estrangeiro requerido A extradição ativa é comandada pelo tratado eventualmente em vigor ou pelo pedido encaminhado pelo Brasil e aceito pelo Estado requerido No caso da extradição passiva o Brasil é o Estado requerido o Estado requerente encaminha seu pedido por via diplomática ou por meio de mecanismos previstos em tratados de extradição autoridade central Cabe ainda o pedido de prisão cautelar transmitido diretamente com o ponto focal da Organização Internacional de Polícia Criminal Interpol atualmente o ponto focal é o Departamento da Polícia Federal de acordo com o art 84 3º da Lei de Migração É a chamada 1ª fase ou fase da solicitação administrativa da extradição passiva Após o pedido será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal inaugurando a 2ª fase ou fase judicial Nessa fase o STF fará um juízo de delibação ou de contenciosidade limitada no qual será verificado o cumprimento dos requisitos previstos na Constituição bem com os elencados na Lei n 134452017 ou no tratado de extradição aplicável 262 JUÍZO DE DELIBAÇÃO E OS REQUISITOS DA EXTRADIÇÃO O juízo de delibação na extradição passiva consiste em avaliação pelo STF de cumprimento formal dos requisitos constitucionais convencionais e legais que autorizam a extradição Não visa verificar a culpa do extraditando pois é um contencioso de legalidade no qual a defesa apontará eventuais ausências de requisitos essenciais no procedimento extradicional Nesse sentido a Lei n 134452017 estabelece que a defesa do extraditando deve versar sobre i a identidade da pessoa reclamada ii defeito de forma de documento apresentado ou iii ilegalidade e também inconvencionalidade caso prevista em tratado da extradição art 91 1º Também a defesa pode sustentar eventual violação de direitos do extraditando previstos na CF88 ou em tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil Podemos dividir os requisitos essenciais para o deferimento pelo STF de uma extradição passiva em requisitos constitucionais e requisitos legais Os requisitos constitucionais são 1 Não ser o extraditando brasileiro nato e no caso de naturalizado ter sido o crime cometido antes da naturalização ou a qualquer momento no caso de comprovado envolvimento em tráfico de entorpecente princípio geral de inextraditabilidade do brasileiro incluído o naturalizado Como a Constituição exige comprovado envolvimento só se admite a extradição passiva executória de brasileiro naturalizado envolvido em tráfico de entorpecentes após a naturalização que se encerra após a solene entrega do certificado de naturalização pelo Juiz Federal Logo o Estado Requerente terá que apresentar certidão de trânsito em julgado da condenação criminal para que a extradição seja deferida No caso da existência de registro civil de nascimento no Brasil contestado por ação anulatória a presunção de veracidade dos registros públicos impede em geral que a extradição seja deferida há o risco de se extraditar brasileiro nato caso a ação anulatória seja ao final julgada improcedente Contudo caso venha a ser definitivamente cancelado o assento de nascimento brasileiro do indivíduo pode ser realizado novo pedido extradicional Extradição n 1446 rel Min Dias Toffoli j 7112017 2 Não for caso de crime político ou de opinião A Constituição não define o que vem a ser crime político tendo o STF adotado a teoria mista para caracterizálo é crime político aquele que é realizado com motivação e os objetivos políticos de um lado elemento subjetivo e de outro com a lesão real ou potencial a valores fundamentais da organização política do Estado elemento objetivo Como exemplo de reconhecimento de crime político está o caso de extraditando acusado de transmitir ao Iraque segredo do Estado Requerente Alemanha utilizável em projeto de desenvolvimento de armamento nuclear tendo o STF indeferido a extradição Ext 700 rel Min Octavio Gallotti j 431998 Plenário DJ de 5111999 Por outro lado o STF não reconhece a excludente de crime político para casos de terrorismo sejam atos cometidos por particulares sejam atos perpetrados com o apoio oficial do próprio aparato governamental no chamado terrorismo de Estado Ext 855 rel Min Celso de Mello j 2682004 Plenário DJ de 1º72005 A Lei n 1344517 determina que o Supremo Tribunal Federal poderá deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades bem como crime contra a humanidade crime de guerra crime de genocídio e terrorismo art 82 4º Também a mesma lei determina que a extradição ocorrerá quando o fato objeto do pedido de extradição constituir principalmente infração à lei penal comum ou quando o crime comum conexo ao delito político constituir o fato principal art 82 1º 3 Ser respeitado o devido processo legal no Estado Requerente A observância do devido processo legal pelo Estado Requerente no julgamento do extraditando é requisito constitucional implícito de acordo com o STF Ext 6339 rel Min Celso de Mello j 288 1996 DJ de 642001 podendo ser extraído ainda da proibição legal de julgamento do extraditando por juízo de exceção ver abaixo 4 Ser comutada a pena de morte ou de caráter perpétuo em pena privativa de liberdade não superior a 30 anos A comutação da pena de caráter perpétuo foi considerada pelo STF como requisito implícito da CF88 indispensável para que a extradição passiva possa ser deferida Ext 855 rel Min Celso de Mello j 2682004 Plenário DJ de 1º72005 Atendendo essa posição do STF a Lei 1344517 dispõe que o Estado estrangeiro requerente deve assumir o compromisso de comutar a i pena corporal ii perpétua ou de iii morte em pena privativa de liberdade de no máximo cumprimento por 30 anos art 96 III São os seguintes os principais requisitos legais previstos na Lei n 1344517 e nos principais tratados de extradição 1 Obediência e Prevalência dos Tratados A extradição será regida pelo tratado eventualmente firmado pelo Brasil e pelo Estado Requerendo afastandose a Lei n 13445 pois o tratado é lex specialis em relação à lei 2 Reciprocidade na ausência de tratado A extradição só será autorizada pelo Brasil caso haja tratado ou na sua ausência caso haja promessa de reciprocidade pelo Estado Requerente art 84 2º o qual deve ser utilizado como cláusula genérica de reciprocidade assegurando que na hipótese de o Brasil solicitar extradição em caso similar o Estado estrangeiro a deferirá 3 Especialidade O Estado Requerente deve se comprometer a só processar ou punir o extraditando pelo crime que estiver no pedido de extradição Não pode também extraditar para outro Estado extradição camuflada para terceiro 4 Identidade ou dupla tipicidade e punibilidade também chamado modelo do crime hipotético ou paralelismo Só cabe extradição caso a conduta cometida pelo extraditando for hipoteticamente crime no Estado Requerente e também no Brasil sem qualquer caso de extinção da punibilidade de acordo com os dois ordenamentos jurídicos Não se exige o mesmo tipo penal ou a mesma denominação basta que o fato seja crime punível nos dois Estados 5 Preferência da jurisdição nacional penal Não será concedida extradição caso o Brasil for competente segundo suas leis para julgar o crime imputado ao extraditando 6 Proibição do ne bis in idem Não será concedida a extradição caso o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido 7 Proibição de Juízo de Exceção Não se concede extradição caso o extraditando houver de responder no Estado requerente perante Tribunal ou Juízo de Exceção Essa proibição legal é compatível com a exigência do devido processo legal no Estado requerente que é requisito constitucional implícito na visão do STF 8 Proibição de determinadas penas e de tratamento cruel desumano e degradante Como já apontado acima a Lei n 134452017 absorveu a jurisprudência atual do STF e determinou a necessidade de comutação da pena corporal perpétua e de morte que o extraditando poderia estar submetido pela lei do Estado requerente bem como estipulou o limite máximo de 30 anos para o cumprimento da pena privativa de liberdade Além disso o Estado requerente não poderá submeter o extraditando a i tortura ou a ii outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes A fiscalização do cumprimento desses deveres do Estado requerente incumbe ao Estado brasileiro nas suas relações diplomáticas 9 Exigência de crime grave Só será concedida extradição se a lei brasileira impuser hipoteticamente ao crime cometido pena de prisão igual ou superior a dois anos não cabe extradição para ilícito cível ou contravenção penal Em 2019 na Extradição n 1578 o STF esclareceu pontos importantes sobre os requisitos da extradição No caso tratouse de pedido extradicional de brasileiro naturalizado turco originalmente feito pela Turquia por supostos crimes cometidos antes da naturalização Apesar de teoricamente possível crimes cometidos antes da naturalização o STF reconheceu três grandes óbices Em primeiro lugar i a ausência da dupla identidade pois o crime de terrorismo teria sido praticado 20132014 antes da vigência da Lei brasileira n 13260 de 2016 disciplina o terrorismo e reformula o conceito de organização terrorista Em segundo lugar ii a utilização do art 16 da Lei de Segurança Nacional brasileira LSN Lei n 717083 para caracterizar a dupla identidade não seria possível pois o STF já reconheceu que os crimes tipificados na LSN são crimes políticos uma vez que considerados crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social Consequentemente aplicase a vedação do art 5º LII da CF88 não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião Finalmente iii a situação recente na Turquia levou o STF a considerar impossível um julgamento justo e com a garantia do devido processo legal no Estado estrangeiro fazendo incidir a proibição de extraditar caso o extraditando venha a responder no Estado requerente perante tribunal ou juízo de exceção art 82 VIII da Lei n 134452017 Foi mais um caso no qual o STF avaliou a situação de direitos humanos no Estado requerente antes de autorizar a extradição STF Extradição n 1578 rel Min Edson Fachin j 682019 263 TRÂMITE DA EXTRADIÇÃO A extradição passiva será requerida por via diplomática ou por meio da autoridade central estabelecida por um tratado de extradição No caso da extradição passiva há três fases a 1ª Fase o Ministério da Justiça ao receber o pedido diretamente com base no tratado ou do Ministério das Relações Exteriores que por sua vez o recebeu pela via diplomática avalia se o pedido é compatível com a ordem jurídica brasileira podendo recusar sumariamente o pedido Caso o extraditando esteja cumprindo pena no Brasil ou sendo processado por outro crime pode mesmo assim o Poder Executivo encaminhar o pedido de extradição ao STF é discricionário o Judiciário não pode exigir que o extraditando cumpra a pena primeiro no Brasil b 2ª Fase o pedido é encaminhado ao STF que fará o juízo de delibação extradicional Caso o extraditando concorde com o pedido e deseje entregarse voluntariamente ao Estado Requerente deve estar i assistido por advogado ii declarar essa vontade expressamente iii sendo advertido de que tem direito ao processo de extradição e à proteção de que tal direito encerra Este pleito do extraditando será submetido ao STF abreviandose o rito da extradição extradição sumária Quanto à prisão cautelar do extraditando aponto que a CF88 não admite prisão cautelar automática devendo o relator justificar o motivo da ordem de prisão cautelar do extraditando A Lei n 134452017 prevê que em caso de urgência o Estado interessado na extradição poderá previamente ou conjuntamente com a formalização do pedido extradicional requerer por via diplomática ou por meio de autoridade central do Poder Executivo prisão cautelar com o objetivo de assegurar a executoriedade da medida de extradição Após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos o Ministério da Justiça deverá representar pela prisão ao STF ouvido previamente o Ministério Público Federal O pedido de prisão cautelar também poderá ser apresentado por meio da Organização Internacional de Polícia Criminal Interpol devidamente instruído com a documentação comprobatória da existência de ordem de prisão proferida por Estado estrangeiro O pedido de prisão cautelar pode ser feito antes mesmo da formalização da extradição atendendo a reclamação antiga dos parceiros internacionais do Brasil Porém a formalização do pedido deve ser feita em até 60 dias contados da data em que tiver sido o Estado estrangeiro cientificado da prisão do extraditando Como já visto acima a defesa do extraditando só poderá alegar vício de identidade defeito de forma dos documentos apresentados ou inconstitucionalidade inconvencionalidade ou ilegalidade da extradição Caso o STF indefira a extradição o Brasil não poderá expulsálo ou deportálo caso haja risco de o indivíduo ser entregue ao Estado Requerente o que geraria a chamada extradição inadmitida art 53 e 55 I da Lei n 134452017 c 3ª Fase também é uma fase administrativa na qual o Poder Executivo pode fundado no tratado não determinar a extradição autorizada pelo STF Assim o STF autoriza mas não determina a extradição Caso negue a palavra final é do STF caso autorize a extradição ainda assim a última palavra é do Presidente da República por ser ele responsável pela condução da política externa brasileira art 92 da Lei n 134452017 Caso o Poder Executivo determine a extradição o Estado Requerente ainda deverá se comprometer a comutar o tempo de prisão que no Brasil foi imposta ao extraditando por força do pedido de extradição além dos outros compromissos já expostos comutação da pena de morte etc No Caso Battisti o Supremo Tribunal Federal reconheceu o poder do Presidente de impedir a entrega do extraditando autorizada previamente pelo STF 3ª fase desde que sua decisão seja compatível com tratado de extradição caso existente com o Estado No caso Battisti o STF decidiu que a decisão de não entregar o extraditando do Presidente da República não pode ser impugnada no próprio STF devendo o Estado Requerente processar o Brasil perante órgãos internacionais Ext 1085 rel Min Cezar Peluso j 16122009 P DJe de 1642010 Rcl 11243 rel p o ac Min Luiz Fux j 862011 P DJe de 5102011 27 Devido processo legal contraditório e ampla defesa Art 5º LIV ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal LV aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes 271 CONCEITO O devido processo legal de caráter procedimental procedural due process consiste na qualidade de determinado processo cível penal ou administrativo informado pelos princípios do juiz natural ampla defesa contraditório e publicidade No plano penal o devido processo criminal consiste para o STF na reunião das seguintes garantias a direito ao processo garantia de acesso ao Poder Judiciário b direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação c direito a um julgamento público e célere sem dilações indevidas d direito ao contraditório e à plenitude de defesa direito à autodefesa e à defesa técnica e direito de não ser processado e julgado com base em leis ex post facto f direito à igualdade entre as partes g direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude h direito ao benefício da gratuidade i direito à observância do princípio do juiz natural j direito ao silêncio privilégio contra a autoincriminação l direito à prova e m direito de presença e de participação ativa nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos quando existentes HC 94016 rel Min Celso de Mello j 1692008 Segunda Turma DJe de 2722009 Na linha de se assegurar a ampla defesa e o contraditório o STF editou a Súmula Vinculante n 14 que determina que é direito do defensor no interesse do representado ter i acesso amplo aos elementos de prova que já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária digam respeito ii ao exercício do direito de defesa A proteção da ampla defesa e do contraditório motivou o debate pelo STF da ordem de apresentação das alegações finais dos corréus na hipótese de existir entre eles um réu colaborador gerando a reflexão sobre o direito de falar por último O Código de Processo Penal CPP art 403 dispõe que os prazos para apresentação de alegações finais são comuns a todos os corréus independentemente de sua posição de colaborador ou não A colaboração premiada é um negócio jurídico personalíssimo entre o colaborador e o Ministério Público ou a Polícia sendo meio de obtenção de prova art 3º da Lei n 128502013 Como meio de obtenção de prova tal qual a busca e apreensão a interceptação telefônica etc o que foi coligido será submetido ao contraditório e à ampla defesa No momento da sentença a decisão judicial aprecia também a eficácia objetiva da cooperação prestada pelo agente colaborador que está condicionada ao efetivo adimplemento das obrigações assumidas e que tenham atingido os resultados previstos na lei art 4º I a V da Lei n 128502013 por exemplo identificação dos coautores recuperação total ou parcial do produto ou proveito do crime etc para implementar as sanções premiais STF HC 144652DF rel Min Celso de Mello decisão monocrática de 1262017 Esse condicionante ao direito do colaborador de obter vantagens diminuição da pena ou mesmo perdão faz com que seu interesse no processo penal seja o de auxiliar o Ministério Público distinto do interesse tradicional de um corréu que é se opor ao Estado Acusador apesar da vedação legal ao corréu de ser assistente do Ministério Público no mesmo processo art 270 do CPP O coréu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público grafia da época Para o Min Alexandre de Moraes no sentido material o réu colaborador não pode ser considerado litisconsorte passivo de réu delatado A justiça premial aceita no Brasil exige que o colaborador delator ofereça informações eficazes para a obtenção de provas que sustentem a sentença condenatória Logo a relação entre colaborador e os demais corréus é de antagonismo STF HC 166373 voto do Min Alexandre de Moraes Por isso o STF reconheceu o direito de falar por último do réu delatado como corolário do direito à ampla defesa e contraditório que consiste no direito de refutar todas as informações alegações testemunhos documentos indícios e provas em síntese tudo o que conste do processo penal o que inclui as próprias alegações finais do réu colaborador A ausência de previsão legal expressa princípio da legalidade é comprimida cabendo ao Judiciário oportunamente provocado assegurar a prevalência do direito de falar por último Caso a Defesa não tenha solicitado expressamente o direito de apresentar alegações finais após as alegações do corréu colaborador entendese que não houve prejuízo à estratégia defensiva STF HC 166373 rel p o acórdão Min Alexandre de Moraes decisão de 2102019 em seguida o julgamento foi suspenso para fixação da tese para aplicação geral do entendimento acima exposto Por sua vez o STF decidiu que a proibição da reformatio in pejus art 617 do CPP não poderá ser agravada a pena quando somente o réu houver apelado da sentença abarca também em nome da ampla defesa a modalidade indireta que ocorre na medida em que a sentença condenatória tenha sido anulada pelo recurso da Defesa A nova sentença não poderá i quantitativa e ii qualitativamente ser mais gravosa que a sentença anulada Caso assim não fosse haveria receio da Defesa em recorrer porque a situação do réu poderia ser agravada STF HC n 136768SP rel Min Edson Fachin decisão de 8 de setembro de 2016 Também o STF reconhece como implícito ao art 5º LIV o chamado devido processo legal substancial que consiste em limite ao poder de legislar devendo as leis ser elaboradas levandose em consideração os princípios de justiça sendo dotadas de razoabilidade reasonableness e de racionalidade rationality guardando um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir ADI 1511MC voto do rel Min Carlos Velloso j 16101996 Plenário DJ de 662003 Por sua vez a Constituição assegura o contraditório e ampla defesa nos processos judiciais e administrativos bem como os meios e recursos a ela inerentes Porém os inquéritos policial civil ou ainda administrativo são procedimentos inquisitivos visando a coleta de fatos sem ser informados pelo contraditório e ampla defesa Após o inquérito os atos de supressão ou limitação de direitos devem ser submetidos a ampla defesa e contraditório Nesse sentido decidiu o STF que a Inquérito administrativo e contraditório Descabe terse como necessário o contraditório em inquérito administrativo O instrumento consubstancia simples sindicância visando a se for o caso instaurar processo administrativo no qual observado o direito de defesa RE 304857 rel Min Marco Aurélio j 24112009 Primeira Turma DJe de 52 2010 b Inquérito Civil Público contraditório e ampla defesa Desnecessidade de observância no inquérito civil dos princípios do contraditório e da ampla defesa RE 481955 AgR rel Min Cármen Lúcia j 1052011 Primeira Turma DJe de 2652011 c Inquérito Policial contraditório e ampla defesa Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial que não é processo porque não destinado a decidir litígio algum ainda que na esfera administrativa existência não obstante de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito entre os quais o de fazerse assistir por advogado o de não se incriminar e o de manterse em silêncio grifo meu HC 82354 rel Min Sepúlveda Pertence j 1082004 Primeira Turma DJ de 249 2004 d Sindicância e acesso aos autos O Verbete 14 da Súmula Vinculante do Supremo não alcança sindicância administrativa objetivando elucidar fatos sob o ângulo do cometimento de infração administrativa Rcl 10771AgR rel Min Marco Aurélio j 422014 Primeira Turma DJe de 1822014 grifo meu e Legitimidade da investigação criminal pelo Ministério Público e o devido processo legal Os arts 5º LIV e LV 129 III e VIII e 144 IV 4º da CF não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público Fixada em repercussão geral tese assim sumulada O Ministério Público dispõe de competência para promover por autoridade própria e por prazo razoável investigações de natureza penal desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado observadas sempre por seus agentes as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e também as prerrogativas profissionais de que se acham investidos em nosso país os advogados Lei n 890694 art 7º notadamente os incisos I II III XI XIII XIV e XIX sem prejuízo da possibilidade sempre presente no Estado Democrático de Direito do permanente controle jurisdicional dos atos necessariamente documentados Súmula Vinculante n 14 praticados pelos membros dessa instituição RE 593727 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 1452015 Plenário DJe de 89 2015 f Inquérito judicial no STF sem participação do Ministério Público Em 14 de março de 2019 em face do fenômeno da i proliferação de notícias falsas na internet fake news e ainda ii de ataques à honrabilidade e à segurança do Supremo Tribunal Federal de seus membros e familiares o Presidente do STF Min Dias Toffoli ordenou de ofício Portaria n 692019 a instauração de inquérito judicial criminal originário no próprio STF designando para presidilo o Min Alexandre de Moraes Inquérito n 4781 sigiloso desde então e em trâmite em setembro de 2019 A justificativa para a instauração do inquérito judicial foi o art 43 do Regimento Interno do STF RISTF o qual prevê que ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal o Presidente instaurará inquérito se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição ou delegará esta atribuição a outro Ministro O 1º do art 43 estabelece que nos demais casos o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente Considerouse que autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição pode ser a vítima membro do STF ou seus familiares bem como a ubiquidade da internet permitir que o local do crime pode abarcar a sede ou dependência do Tribunal Esse inquérito instaurado de ofício além de ferir a competência constitucional do STF ofende ainda o princípio acusatório penal consagrado pela CF88 que em essência retrata a exigência de um processo penal caracterizado pela separação da figura do acusador da do julgador O trâmite do inquérito também é feito sem a participação do Ministério Público Aparentemente a linha investigativa é conduzida pelo próprio Min Alexandre de Moraes que seria também vítima conforme consta da Portaria n 69 por ser membro do STF em contato direto com a Polícia tendo já sido determinadas diversas medidas cautelares penais Com isso a opinio delicti do titular exclusivo da ação penal pública incondicionada fica prejudicada a não ser que ao receber os autos após o esgotamento da investigação no STF determine as diligências que entender cabíveis descartando eventualmente as conclusões das diligências comandadas pelo Min Alexandre de Moraes O destinatário do inquérito criminal em um sistema penal acusatório não é o magistrado mas sim o Ministério Público O próprio controle externo da atividade policial pelo MP art 129 I II VII e VIII bem como seu 2º da CF88 fica impossibilitado Outro ponto de destaque do Inquérito n 4781 é o fato de que o requerimento de arquivamento foi realizado pela ProcuradoraGeral da República Raquel Dodge e indeferido pelo Min Alexandre de Moraes A jurisprudência do STF contudo é pacífica em entender que o pedido de arquivamento do PGR em inquérito criminal no STF é irrecusável não cabendo ao Tribunal analisar os fundamentos do pedido salvo em duas hipóteses que geram coisa julgada material penal i prescrição e ii atipicidade da conduta que não ocorreram no caso Em síntese as críticas à figura do Inquérito n 4781 são as seguintes i Ofensa ao princípio acusatório penal estabelecido no art 129 I da CF88 pela 1 instauração de ofício do inquérito 2 pelo afastamento do Ministério Público de seu trâmite não podendo sequer apontar ou descartar linhas de investigação bem como requerer diligências para formar a opinio delicti ii Ofensa ao devido processo legal penal art 5º LVI da CF88 por não existir uma clara delimitação da investigação penal pois a portaria de instauração menciona notícias fraudulentas fake new denunciações caluniosas ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi diffamandi e injuriandi Essa menção genérica impede a definição de juízo competente controle externo da atividade policial ofendendo ainda a ampla defesa e contraditório A delimitação da investigação penal não pode ser genérica abstrata e nem pode ser exploratória de atos indeterminados sem definição de tempo e espaço nem de indivíduos trecho extraído do pedido de arquivamento do inquérito pela PGR feito em 164 2019 não aceito pelo Min Alexandre de Moraes iii Ofensa ao juiz natural pois o inquérito abarca fatos ocorridos em todo o território nacional com potenciais autores de crimes que não possuem foro no STF O Inquérito n 4791 continua em trâmite cabendo agora aguardar seu resultado no futuro especialmente em face de precedentes anteriores do STF sobre o sistema processual penal acusatório como se vê no seguinte O sistema processual penal acusatório mormente na fase préprocessual reclama deva ser o juiz apenas um magistrado de garantias mercê da inércia que se exige do Judiciário enquanto ainda não formada a opinio delicti do Ministério Público Inq 2913 rel p acórdão Min Luiz Fux Tribunal Pleno DJe 2162012 272 O DEVIDO PROCESSO LEGAL E O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO O direito ao duplo grau de jurisdição consiste na faculdade de se exigir o i reexame integral de determinada decisão judicial a ser realizado ii por órgão diverso e de hierarquia superior no Poder Judiciário A Constituição de 1988 não assegurou tal direito explicitamente sendo fruto implícito i dos direitos decorrentes de tratados de direitos humanos art 5º 2º como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos e ii da previsão em diversos dispositivos constitucionais de recursos a Tribunais deduzido por exemplo dos arts 102 II e 105 II Para o STF o direito ao duplo grau de jurisdição não é absoluto pois há diversas previsões na Constituição de julgamentos de única instância ordinária tanto na área cível quanto na matéria criminal O STF não se sensibilizou com a regra da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José pela qual todos têm direito ao duplo grau de jurisdição em matéria penal uma vez que prevalece a Constituição mesmo diante de tratados de direitos humanos RHC 79785 rel Min Sepúlveda Pertence j 2932000 Plenário DJ de 2211 2002 Entretanto no caso Barreto Leiva contra Venezuela a Corte IDH decidiu que há violação da Convenção Americana de Direitos Humanos art 82 h no julgamento em única ou última instância no qual não se garanta o direito de recorrer do julgamento a órgão distinto sentença de 17 de novembro de 2009 A Corte ressalvou ainda nesse julgamento que considera compatível com a Convenção o estabelecimento de foro por prerrogativa de função mesmo na mais Alta Corte de um país mas exigiu que sejam criados mecanismos que assegurem mesmo em uma situação de julgamento originário o direito de recorrer do julgamento a outro órgão por exemplo fracionando o órgão colegiado máximo para criar Turma de Julgamento e Turma de Apelação parágrafo 91 da sentença Barreto Leiva 28 Provas ilícitas Art 5º LVI são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos 281 CONCEITO O devido processo legal exige que seja assegurado o direito à prova que como qualquer outro direito fundamental possui limites expressos e implícitos Ou seja não se pode invocar o direito fundamental à prova de modo ilimitado ou incondicionado A Constituição determina que são inadmissíveis em qualquer espécie de processo as provas obtidas por meios ilícitos De acordo com o art 157 do CPP as provas ilícitas são aquelas que foram obtidas com violação a normas constitucionais ou legais Há duas espécies de provas ilícitas a prova ilícita em sentido estrito que é aquela que foi obtida em violação de regra de direito material e b prova ilegítima que foi obtida em violação a regra processual São hipóteses de prova ilícita em sentido estrito produzidas fora de um processo regular as obtidas pela violação indevida do domicílio art 5 XI da CF pela interceptação indevida das comunicações art 5 XII da CF por meio de tortura ou maustratos art 5 III da CF pela violação do sigilo de correspondência art 5º XII por violação do direito à intimidade caso de quebra do sigilo bancário e fiscal de modo não apropriado ver Parte IV item 98 sobre tais sigilos entre outras 459 Por sua vez a prova ilegítima é aquela que foi obtida em processo regular mas violando as regras vigentes 282 ACEITAÇÃO DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS E TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA A temática das provas ilícitas levou a várias decisões importantes na jurisprudência brasileira a saber a Aceitação excepcional das provas obtidas por meios ilícitos Apesar da vedação da utilização de provas ilícitas prevista na Constituição admitese excepcionalmente seu uso em um processo para fazer valer o direito à ampla defesa Há assim juízo de ponderação entre o devido processo legal que não admite prova ilícita e o direito à ampla defesa podendo ser aceita a prova ilícita se for indispensável à defesa de determinado indivíduo b Teoria dos frutos da árvore envenenada fruits of the poisonous tree As provas derivadas de uma prova ilícita são também consideradas ilícitas ilicitude por derivação Para o STF são inadmissíveis os elementos probatórios a que Estado somente obteve em razão da prova ilícita HC 93050 rel Min Celso de Mello j 1062008 Segunda Turma DJe de 1º8 2008 Todavia é lícita a prova que foi obtida sem contaminação com outra prova ilícita existente no processo STF RHC 74807 rel Min Maurício Corrêa j 2241997 Segunda Turma DJ de 2061997 c Aceitação de gravação feita por um dos interlocutores sem ciência do outro Não é prova ilícita a gravação de conversa telefônica ou conversa em ambiente qualquer gravação ambiental por um dos participantes se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação RE 583937QORG rel Min Cezar Peluso j 19112009 Plenário DJe de 18 122009 com repercussão geral Contudo há vários precedentes do Tribunal Superior Eleitoral que julgaram ilícita a gravação ambiental feita por interlocutoreleitor sem ordem judicial entre outros ver TSE Recurso Especial Eleitoral n 34426 j 1682012 Aguardase o julgamento de recursos extraordinários promovidos pelas partes prejudicadas para que o STF imponha seu entendimento e uniformize finalmente a interpretação sobre essa importante espécie de prova no Direito Eleitoral gravação ambiental feita por interlocutor que ampara com muito maior segurança que a contestada prova testemunhal a certeza sobre graves condutas de candidatos corrupção eleitoral abuso de poder político uso da máquina etc d Aceitação de gravação por imagem em espaço privado pela vítima de crime Não é prova ilícita a gravação de imagens feita com o objetivo de identificar o autor de crimes feita em seu próprio espaço privado pela vítima de atos delituosos HC 84203 rel Min Celso de Mello j 19102004 Segunda Turma DJe de 2592009 e Acesso direto sem ordem judicial por parte da polícia a dados em aparelhos telefônicos incluindo os de mecanismos de comunicação como o WhatsApp O art 7º III da Lei n 129652014 Marco Civil da Internet estabelece a inviolabilidade e o sigilo das comunicações privadas armazenadas na rede mundial de computadores dados armazenados salvo por ordem judicial Esse avanço normativo foi utilizado pelo Min Gilmar Mendes para considerar que em nome do direito à intimidade e à vida privada constitucionalmente previstos a reserva de jurisdição deveria ser estendida aos dados constantes de aparelhos celulares que hoje servem para os mais diversos propósitos Ou seja é indispensável ordem judicial fundamentada para que os agentes policiais possam acessar dados constantes de celulares Com base na teoria dos frutos da árvore envenenada decidiu pela invalidação de todas as provas derivadas do acesso direto sem ordem judicial por policiais dos dados constantes de WhatsApp em um celular apreendido STF HC 168052SP rel Min Gilmar Mendes j 1162019 em trâmite com pedido de vista 283 DIREITO À PROVA E COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL A crescente cooperação entre os Estados no combate a crimes gerou dúvida sobre a produção de prova no exterior Na existência de tratado de cooperação jurídica internacional pode a autoridade pública obter determinado documento ou informação sem que se utilize a via própria prevista no tratado em geral por intermédio da chamada autoridade central Há aqui a colisão entre o direito à segurança jurídica que as formalidades previstas na produção probatória protegem e o direito de acesso à justiça em tempo célere Deve prevalecer o direito de acesso à justiça uma vez que a essência da cooperação jurídica internacional é justamente assegurar o acesso à justiça Seria contraditório entender que o tratado teria estabelecido uma única via de acesso a informações teoria da una via electa dificultando a transmissão rápida de dados quando sua celebração é feita em homenagem à concretização do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e célere 460 Nesse sentido decidiu o STF Ressaltese que uma das finalidades fundamentais dos tratados de cooperação jurídica em matéria penal é justamente a desburocratização da colheita da prova MS 33751 de minha relatoria Primeira Turma DJe de 3132016 de modo que cumpridas as exigências legais do direito interno brasileiro eventual inobservância a formalidades previstas no acordo internacional não acarretaria a ilicitude da prova Inq 3990 rel Min Edson Fachin j 1432017 2ª T DJe de 262017 29 A presunção de inocência e suas facetas Art 5º LVII ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória 291 ASPECTOS GERAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA A presunção da inocência consiste no direito de só ser considerado culpado de determinado delito após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória também denominada presunção de não culpabilidade Há duas aplicações típicas da presunção de inocência no processo penal brasileiro i no processo de conhecimento e ii na execução da pena criminal definitiva No processo de conhecimento e até a decisão de 2º grau ver abaixo a temática da execução imediata da pena criminal após o julgamento colegiado em Tribunal a presunção de inocência exige que toda prisão processual seja cautelar não pode ser antecipação da prisão definitiva e fundamentada Ainda no processo de conhecimento a presunção de não culpabilidade exige que a culpa do indivíduo seja demonstrada por provas requeridas pelo acusador in dubio pro reo restando somente à defesa provar fatos impeditivos modificativos ou extintivos do direito do autor as chamadas exculpantes Essa faceta da presunção de não culpabilidade é adotada pelo STF como se vê nesse precedente Não encontro justificativa alguma para que se inverta em processo penal de condenação o ônus da prova Entendimento diverso a meu ver implicaria evidente ofensa à presunção constitucional da não culpabilidade art 5º LVII HC 95142 voto do rel Min Cezar Peluso j 18112008 Segunda Turma DJe de 5122008 Ocorre que essa última faceta da presunção da inocência deveria por coerência implicar na limitação do poder do magistrado criminal de requerer de ofício a produção de uma prova qualquer uma vez que seu resultado a prova em si auxilia o acusador já que o réu nada precisa provar Somente no que tange às exculpantes cujo ônus probatório é do réu é que se admitiria a produção probatória de ofício por parte do magistrado uma vez que auxiliaria a defesa como defende Denise Abade 461 Todavia esse desdobramento da presunção de não culpabilidade limitar os poderes instrutórios de ofício do magistrado criminal não é aceito pela doutrina processualista majoritária nem pela jurisprudência sendo corriqueira a aceitação dos poderes instrutórios de ofício ao magistrado no processo penal mesmo em desfavor da defesa nos casos em que a prova só auxilia a tese da acusação esmagadora maioria dos casos o que é justificado em nome do princípio da verdade real do processo penal 462 Jurisprudência do STF Presunção de inocência inquéritos e ações penais em andamento Maus antecedentes impossibilidade Prisão preventiva possibilidade A periculosidade do agente pode ser aferida por intermédio de diversos elementos concretos tal como o registro de inquéritos policiais e ações penais em andamento que embora não possam ser fonte desfavorável da constatação de maus antecedentes podem servir de respaldo da necessidade da imposição de custódia preventiva Diante do disposto no art 156 do CPP não se reveste de ilegalidade a atuação de ofício do magistrado que em pesquisa a banco de dados virtuais verifica a presença de registros criminais em face do paciente HC 126501 rel p o ac Min Edson Fachin j 1462016 1ª T DJe de 4102016 Presunção de inocência e ato infracional Aplicação Natureza cautelar da internação provisória A presunção de inocência se aplica ao processo em que se apura a prática de ato infracional uma vez que as medidas socioeducativas ainda que primordialmente tenham natureza pedagógica e finalidade protetiva podem importar na compressão da liberdade do adolescente e portanto revestemse de caráter sancionatório aflitivo A internação provisória antes do trânsito em julgado da sentença assim como a prisão preventiva tem natureza cautelar e não satisfativa uma vez que visa resguardar os meios ou os fins do processo a exigir nos termos do art 108 parágrafo único do ECA a demonstração da imperiosa necessidade da medida com base em elementos fáticos concretos HC 122072 rel Min Dias Toffoli j 292014 1ª T DJe de 2992014 292 A EXECUÇÃO PROVISÓRIA OU IMEDIATA DA PENA CRIMINAL APÓS O JULGAMENTO PROFERIDO EM GRAU DE APELAÇÃO De 1988 a 2009 o Supremo Tribunal Federal brasileiro interpretava restritivamente o disposto no art 5º LVII da CF88 decidindo reiteradamente que a pendência do recurso especial ou extraordinário não impede a execução imediata da pena considerando que eles não têm efeito suspensivo são excepcionais sem que isso implique em ofensa ao princípio da presunção da inocência STF HC 90645PE Rel para o ac Min Menezes Direito j 119 2007 DJ de 13112007 Em 2009 houve mutação constitucional no STF a favor da mudança da interpretação desse dispositivo constitucional sem alteração do texto constitucional pela qual a presunção de inocência passou a impedir a prisão antes do trânsito em julgado da sentença ou acórdão condenatório HC 84078 rel Min Eros Grau j 522009 DJe de 2622010 Por outro lado não se previu nenhuma fórmula que impedisse o uso abusivo de recursos que não possuem limites numéricos de interposição como os embargos de declaração ou mesmo agravos diversos o que impelia a defesa de acusados a interpor sucessivos recursos para impedir o trânsito em julgado e com isso gerar prescrição da pretensão punitiva do Estado bem como evitar a prisão Em 2016 houve nova viragem jurisprudencial e o Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria em caso concreto HC 126292 rel Min Teori Zavascki j 1722016 Informativo do STF n 814 e também em controle abstrato de constitucionalidade Ações Diretas de Constitucionalidade n 43 e 44 Medida Cautelar rel Min Marco Aurélio j 5102016 que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art 5º LVII da Constituição Federal Foi feito amplo debate sobre o alcance da expressão ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória prevista no art 5º LVII da CF88 bem como do disposto no art 283 do CPP pelo qual ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou no curso da investigação ou do processo em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva Seguem abaixo os principais argumentos dos Ministros da maioria formada no STF para o retorno da execução imediata da pena 1 A inexistência de direitos absolutos a necessária ponderação entre a presunção de inocência e os demais direitos protegidos vida segurança e integridade pessoal Nos votos dos Ministros Barroso e Fachin Medida Cautelar nas ADCs n 43 e 44 j 5102016 DJe de 732018 a exigência do trânsito em julgado gerou a proteção deficiente dos direitos à vida segurança e integridade física dos indivíduos Por sua vez o Min Fachin defendeu a ausência de caráter absoluto da expressão trânsito em julgado no tocante à prisão uma vez que a execução da pena criminal não pode depender de ato de vontade do apenado em não mais recorrer já que Há sempre um recurso oponível a uma decisão por mais incabível que seja por mais estapafúrdias que sejam as razões recursais invocadas Se pudéssemos dar à regra do art 5º LVII da CF caráter absoluto teríamos de admitir no limite que a execução da pena privativa de liberdade só poderia operarse quando o réu se conformasse com sua sorte e deixasse de opor novos embargos declaratórios Isso significaria dizer que a execução da pena privativa de liberdade estaria condicionada à concordância do apenado Salta aos olhos portanto que não se pode dar caráter absoluto à dicção do art 5º LVII da Constituição da República ao mencionar trânsito em julgado voto do Min Fachin no HC 135752 decisão monocrática de 582016 grifo meu 2 Não é necessária a alteração da CF88 emenda constitucional ou revogação do art 283 do CPP O STF afastou argumentos a favor da necessidade de obediência a literalidade do art 5º LVII uma vez que a própria CF88 não veda a prisão antes do trânsito em julgado como nos casos da prisão em flagrante prevista ou por ordem fundamentada de autoridade judiciária competente art 5º LXI Para o Min Barroso a Constituição brasileira não condiciona a prisão mas sim a certeza jurídica acerca da culpabilidade ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória trecho do voto do Min Barroso ADCs n 43 e 44 Medida Cautelar O Min Fachin citando o Min Eros Grau lembrou que não se interpreta o direito em tiras voto do Min Fachin nas ADCs n 43 e 44 Medida Cautelar Para o Min Fachin a literalidade do art 5º LVII deve ser interpretada em conjunto com a razão constitucional da própria existência dos recursos às instâncias de superposição STF e STJ uma vez que a finalidade que a Constituição persegue não é outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de um pronunciamento jurisdicional com o qual o sucumbente não se conforma e considera injusto trecho do voto do Min Fachin ADCs n 43 e 44 Medida CautelarPodese então em uma interpretação sistemática da CF88 chegarse à conclusão de que a prisão é cabível antes do trânsito em julgado para preservar os direitos já mencionados acima Quanto ao art 283 do CPP foi recordado pelo Min Fachin que as regras dos arts 637 463 do CPP cc a dos arts 995 e 1029 5º ambos do CPC ao atribuir efeito meramente devolutivo aos recursos extraordinário e especial excepcionam a regra geral do art 283 do CPP permitindo o início da execução quando o provimento condenatório for proferido por Tribunal de Apelação trecho do voto do Min Fachin ADCs n 43 e 44 Medida Cautelar Assim ficou decidido que Inexiste antinomia entre a especial regra que confere eficácia imediata aos acórdãos somente atacáveis pela via dos recursos excepcionais e a disposição geral que exige o trânsito em julgado como pressuposto para a produção de efeitos da prisão decorrente de sentença condenatória a que alude o art 283 do CPP Declaração de constitucionalidade do art 283 do Código de Processo Penal com interpretação conforme à Constituição assentando que é coerente com a Constituição o principiar de execução criminal quando houver condenação assentada em segundo grau de jurisdição salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível ADC 43MC e ADC 44MC rel Min Marco Aurélio j 5102016 P DJe de 732018 3 Não cabe motivação específica para se determinar a prisão dos condenados em 2º grau e ausência de violação do princípio da reserva legal O implemento da execução imediata da pena nos termos decididos pelo Plenário do STF atua como desdobramento natural do esgotamento das instâncias ordinárias de modo que assim como ocorre na deflagração da execução definitiva não se exige motivação particularizada Tratase em verdade tão somente de cumprimento do título condenatório este sim caracterizado pela necessidade de robusta motivação trecho do voto do Min Fachin HC 135752 decisão monocrática de 582016 Quanto à violação do princípio da reserva legal o Min Barroso salientou que o art 637 do CPP mencionado acima continua a servir como base legal da execução da pena criminal após a condenação em 2º grau tal como ocorria entre 1988 e 2009 antiga posição do STF a favor da execução imediata da pena criminal durante 21 anos trecho do voto do Min Barroso ADCs n 43 e 44 Medida Cautelar 4 Qualquer decisão teratológica poderá ser afastada pelo manejo de outras medidas Foi constantemente lembrada nos votos dos Ministros formadores da maioria a existência de diversos instrumentos processuais eficazes tais como as medidas cautelares para conferir efeito suspensivo a recursos especiais e extraordinários bem como o habeas corpus que a despeito de interpretação mais restritiva sobre seu cabimento em casos de teratologia são concedidos de ofício pelo STF Em síntese esse novo posicionamento do STF enfatiza a incompatibilidade da situação anterior da execução da pena criminal que dependia da vontade do próprio sentenciado em não mais recorrer Não há no Direito Processual Penal brasileiro limite aos recursos defensivos mesmo que estes sejam embargos de declaração sucessivos Houve inclusive casos nos quais o trânsito em julgado decorreu do ato de vontade de Ministro do STF que simplesmente foi chamado a decretar na análise do recurso pendente o trânsito em julgado alegando para tanto abuso do direito da defesa em recorrer o que também não está previsto expressamente no Código de Processo Penal 464 Essa situação pretérita e agora superada violava severamente o direito à duração razoável do processo penal direito titularizado tanto pelo acusado quanto pela vítima e seus familiares conforme precedentes internacionais vide Caso Genie Lacayo 465 estudado neste Curso Os precedentes internacionais também caminham no sentido da ponderação de direitos em conflito no processo penal bem como são a favor da sistematização e racionalidade processual que não pode depender da vontade do apenado em não mais recorrer No plano constitucional o Min Fachin salientou que A Constituição quer se queira ou não à luz das concepções que cada um sustenta escolheu o direito penal como um de seus instrumentos de proteção de direitos humanos No mesmo voto o Min Fachin recordou dos Casos Maria da Penha Sétimo Garibaldi Damião Ximenes Lopes entre outros nos quais a Comissão Maria da Penha e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos nos outros dois condenaram o Brasil pela deficiência na proteção penal das vítimas de violações graves de direitos humanos voto do Min Fachin ADCs n 43 e 44 Medida Cautelar Há então compatibilidade entre a execução imediata da pena criminal após o julgamento em 2º grau com o Direito Internacional dos Direitos Humanos à luz de precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Europeia de Direitos Humanos que não abrem mão do papel preventivo do Direito Penal na proteção de direitos essenciais 466 No final de 2016 o STF adotou tese de repercussão geral na qual foi reafirmada essa jurisprudência a favor da execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário STF Agravo em Recurso Extraordinário n 964246 com repercussão geral j 11112016 Em 2017 a 1ª Turma do STF decidiu que cabe também execução provisória da pena após a condenação pelo Tribunal do Júri No voto do rel Min Barroso não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso uma vez que em virtude da soberania dos julgados do júri art 5º XXXVIII da CF88 o Tribunal ao qual a apelação do réu for dirigida não poderá reapreciar os fatos e provas na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi determinada soberanamente pelo Júri HC 118770 relator sorteado Min Marco Aurélio relator p acórdão Min Roberto Barroso Primeira Turma j 732017 DJe de 2442017 Em 2019 houve superação desse precedente considerandose que a decisão do Tribunal do Júri não pode ser equiparada à decisão de órgão colegiado de segunda instância STF Medida Cautelar no HC n 174759 rel Min Celso de Mello decisão monocrática de 2092019 Apesar desses julgados houve já decisão da 2ª Turma do STF condicionando a execução provisória da pena criminal ao pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça caso haja plausibilidade da tese defensiva STF 2ª Turma Rcl 30008 e 30245 rel Min Dias Toffoli j 2662018 Em outubro de 2019 iniciouse o julgamento definitivo das Ações Diretas de Constitucionalidade n 43 44 e 54 nas quais pode existir nova viragem do STF na temática Há três posições em debate 1 o retorno à situação de 20092016 com a exigência do trânsito em julgado para a execução da pena criminal 2 a manutenção da posição atual a favor da execução provisória após deliberação na segunda instância 3 execução provisória após pronunciamento em definitivo do Superior Tribunal de Justiça posição intermediária que pode ser inclusive o conteúdo de eventual voto médio vencedor caso nenhuma das duas posições anteriores consiga maioria no STF 30 Identificação criminal Art 5º LVIII o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal salvo nas hipóteses previstas em lei A Constituição de 1988 determina que o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal salvo nas hipóteses previstas em lei art 5º LVIII Repudiouse o constrangimento desnecessário gerado pela identificação criminal que acarretava aparência de culpa ver o item anterior sobre a presunção de não culpabilidade A Constituição admite que lei imponha exceções ao direito daquele já identificado civilmente de não ser identificado criminalmente A Lei n 120372009 prevê a identificação datiloscópica e fotográfica criminal para quaisquer pessoas que i não apresentem identificação civil e ii para aqueles que já foram identificados civilmente nas hipóteses elencadas pela lei referentes à indispensabilidade de tal identificação art 3º A Lei n 126542012 alterou a Lei n 120372009 e também a Lei de Execução Penal criando a identificação de perfil genético para fins criminais tendo como inspiração o Sistema de Indexação de DNA CODIS Combined DNA Index System gerenciado pelo FBI norte americano A identificação de perfil genético consiste no uso de material que contém DNA ácido desoxirribonucleico de um indivíduo para identificálo o que é mais preciso que as técnicas tradicionais de identificação fotográfica e datiloscópica Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos gerenciado por unidade oficial de perícia criminal não podendo revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas exceto determinação genética de gênero consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos genoma humano e dados genéticos buscase impedir discriminações odiosas por exemplo pela não contratação de alguém ou aumento do valor de seguro de vida A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso respondendo civil penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos da investigação criminal ou determinado em decisão judicial Finalmente a lei exigiu que os condenados por i crime praticado dolosamente e com violência de natureza grave contra pessoa ou ii por qualquer dos crimes previstos no art 1º da Lei n 807290 Lei dos Crimes Hediondos sejam submetidos obrigatoriamente à identificação do perfil genético mediante extração de DNA por técnica adequada e indolor De acordo com a lei é necessária autorização judicial para que a autoridade policial no caso de inquérito instaurado tenha acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético Pelo que se viu a Lei n 126542012 somente autorizou expressamente a intervenção corpórea automática desde que feita por técnica indolor para coleta do material dos condenados definitivos ver na Parte IV item 6 sobre integridade física Continua em trâmite em outubro de 2019 recurso extraordinário com repercussão geral contra tal dispositivo STF RE 973837 rel Min Gilmar Mendes sob a alegação de violação do princípio da vedação da autoincriminação No caso de investigação e instrução criminais a medida de coleta de material biológico para a identificação do perfil genético dependerá das circunstâncias do caso juízo de ponderação e de autorização judicial a pedido da Autoridade Policial do Ministério Público da Defesa ou mesmo de ofício Contudo alertamos que a intervenção corpórea mínima em outros casos não foi aceita pelo STF ver detalhada análise no item sobre integridade física que terá agora outra oportunidade para rever sua jurisprudência sobre a ponderação entre o direito à integridade física e os direitos à segurança à verdade e à justiça 31 Ação penal privada subsidiária Art 5º LIX será admitida ação privada nos crimes de ação pública se esta não for intentada no prazo legal A Constituição de 1988 criou uma única exceção à titularidade do Ministério Público na ação penal pública a ação privada subsidiária da ação penal pública pela vítima ou seu representante regulamentada no Código de Processo Penal art 29 O ajuizamento da ação penal privada subsidiária da ação penal pública é cabível na existência de inércia do Ministério Público MP que se abstém no prazo legal de i oferecer denúncia ou de ii requerer o arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação ou ainda iii de requisitar diligências investigatórias à autoridade policial Caso o MP tenha realizado uma dessas três atividades por exemplo promoveu o arquivamento do inquérito policial não há inércia mesmo que a vítima não concorde com as razões do Parquet não podendo ser proposta a ação penal privada subsidiária STF HC 74276 rel Min Celso de Mello j 391996 Primeira Turma DJe de 2422011 32 Publicidade dos atos processuais Art 5º LX a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem Em linha com a liberdade de informação dos atos envolvendo o Poder Público a Constituição de 1988 possui dispositivo específico sobre a publicidade dos atos processuais esses devem como regra geral desenvolverse de modo público somente podendo ser submetidos a sigilo permitindose o acesso às partes somente nos casos de i defesa da intimidade ou do ii interesse social Nesse sentido o STF já decidiu que a publicidade dos atos processuais não pode ser restrita por atos judiciais de natureza discricionária devendo ser fundamentada a decisão de sigilo nos casos excepcionais para a defesa da honra da imagem e da intimidade de terceiros ou quando a medida for essencial para a proteção do interesse público RMS 23036 rel p o ac Min Nelson Jobim j 2832006 Segunda Turma DJ de 2582006 33 Prisão civil Art 5º LXVII não haverá prisão civil por dívida salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel A Constituição de 1988 assegurou o direito individual de não ser preso por dívida com duas exceções 1 inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar e 2 depositário infiel Porém a ratificação brasileira de tratados de direitos humanos como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos art 11 ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica art 7º 7 7Ninguém deve ser detido por dívidas Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar eliminou a possibilidade de qualquer hipótese de prisão civil do depositário infiel e permitiu apenas a prisão do alimentante que podendo prestar os alimentos devidos decide voluntariamente não prestálos Para o STF o status normativo supralegal ou constitucional dos tratados de direitos humanos ver o duplo estatuto dos tratados de direitos humanos no capítulo específico no Brasil tornou inaplicável a legislação ordinária ou mesmo complementar com eles conflitantes seja ela anterior ou posterior ao ato de Incorporação interna dos tratados em especial o art 652 do CC Lei n 104062002 RE 466343 rel Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes j 3122008 Plenário DJe de 562009 com repercussão geral Finalmente foi editada a Súmula Vinculante 25 que determinou que é ilícita a prisão civil de depositário infiel qualquer que seja a modalidade do depósito 34 Assistência jurídica integral e gratuita Art 5º LXXIV o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos A Constituição de 1988 criou o direito à assistência jurídica integral que deve ser prestado pelo Estado de modo gratuito aos que comprovarem insuficiência de recursos A menção à assistência jurídica integral é inovação da Constituição que não adotou a linha restritiva de assistência judiciária utilizada na Constituição de 1934 que foi a primeira a contar com esse direito que se manteve nas Constituições posteriores exceto a Constituição de 1937 que não o mencionou A Constituição ainda inovou ao incluir o termo integral o que exige que o Estado preste inclusive orientação jurídica e assistência extraprocessual perante órgãos administrativos por exemplo Esse direito é indispensável para fazer valer os demais direitos Por isso estudaremos logo abaixo os principais aspectos da Defensoria Pública instituição essencial à função jurisdicional do Estado e que serve de instrumento para assegurar o direito à assistência jurídica integral 35 Defensoria Pública 351 CONCEITO INSERÇÃO CONSTITUCIONAL E PODERES A constitucionalização da Defensoria Pública foi uma das inovações da Constituição de 1988 De acordo com o art 134 a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus dos necessitados na forma do art 5º LXXIV Foi consagrada pela Constituição para ser a responsável pela prestação gratuita do direito à assistência jurídica integral aos que dela necessitem concretizando o direito a ter direitos pois sem o acesso à justiça os demais direitos ficam em risco Em 2014 foi promulgada a Emenda Constitucional n 80 que deu nova redação ao art 134 da CF prevendo que incumbe à Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático fundamentalmente a orientação jurídica a promoção dos direitos humanos e a defesa em todos os graus judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos de forma integral e gratuita aos necessitados na forma do inciso LXXIV do art 5º desta Constituição Federal Foi transposta para o plano constitucional a literalidade do art 1º da Lei Complementar n 8094 alterado pela Lei Complementar n 1322009 Nesse sentido decidiu o STF que de nada valerão os direitos e de nenhum significado revestirseão as liberdades se os fundamentos em que eles se apoiam além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por particulares também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional como aquele proporcionado pela Defensoria Pública cuja função precípua por efeito de sua própria vocação constitucional consiste em dar efetividade e expressão concreta inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado a esses mesmos direitos quando titularizados por pessoas necessitadas que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art 5º LXXIV quanto do preceito consubstanciado no art 134 ambos da CR ADI 2903 rel Min Celso de Mello j 1º122005 Plenário DJe de 1992008 Ainda de acordo com a Constituição de 1988 a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios devem ser organizadas por lei complementar assegurandose a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais Já as Defensorias Públicas Estaduais possuem autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária fruto da Emenda Constitucional n 452004 Ainda pela Emenda Constitucional n 80 de 4 de junho de 2014 consagrouse como princípios institucionais da Defensoria Pública art 134 4º i a unidade ii a indivisibilidade e iii a independência funcional tal qual já ocorria com o Ministério Público art 127 1º desde a promulgação da CF88 Foi concedida a equiparação com o regime jurídico da magistratura pela aplicação no que couber do disposto no art 93 princípios que regem o estatuto da magistratura e no inciso II do art 96 propositura de projeto de lei da CF Em 6 de agosto de 2013 foi promulgada a Emenda Constitucional n 74 que conferiu às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal a autonomia administrativa e financeira já obtida pelas Defensorias dos Estados novo 3º do art 134 Essas emendas constitucionais recentes consagraram a equiparação constitucional da Defensoria Pública com a Magistratura e o Ministério Público formando o arco público do sistema de justiça com regimes jurídicos similares A Lei Complementar n 8094 alterada sensivelmente em 2009 pela LC n 132 dispõe que a Defensoria Pública é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe como expressão e instrumento do regime democrático fundamentalmente i a orientação jurídica ii a promoção dos direitos humanos e a iii defesa em todos os graus judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos de forma integral e gratuita aos necessitados assim considerados na forma do inciso LXXIV do art 5º da Constituição Federal art 1º da LC n 80 conforme redação da LC n 1322009 texto que agora consta do art 134 da CF graças à EC 802014 Ainda de acordo com a Lei Complementar n 8094 a Defensoria Pública é composta por a Defensoria Pública da União b Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios c Defensoria Pública dos Estados Seus princípios institucionais são a unidade a indivisibilidade e a independência funcional São objetivos da Defensoria Pública I a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais II a afirmação do Estado Democrático de Direito III a prevalência e efetividade dos direitos humanos IV a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório objetivos incluídos pela LC n 132 de 2009 Pelo que foi exposto vêse que a missão maior da Defensoria Pública em um país marcado por desigualdades sociais e negação de direitos no cotidiano é a defesa de direitos humanos Cabe à Defensoria Pública da União atuar perante Justiças Federal do Trabalho Eleitoral Militar Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União Essa atuação é tão ampla que a Lei Complementar n 8094 prevê que a Defensoria Pública da União deverá firmar convênios com as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal para que estas em seu nome atuem junto aos órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição referidos A Lei Complementar n 8094 estabelece as normas gerais da Defensoria Pública dos Estados que ainda são regidas pelas suas leis estaduais em linha com a competência legislativa concorrente estabelecida pela CF88 art 24 Compete à União aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre XIII assistência jurídica e Defensoria pública No tocante à chefia a Defensoria Pública da União tem por chefe o Defensor PúblicoGeral Federal nomeado pelo Presidente da República dentre membros estáveis da Carreira e maiores de 35 anos escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto secreto plurinominal e obrigatório de seus membros após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal para mandato de dois anos permitida uma recondução precedida de nova aprovação do Senado Federal Já a Defensoria Pública do Estado tem por chefe o Defensor PúblicoGeral nomeado pelo Governador do Estado dentre membros estáveis da Carreira e maiores de 35 anos escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto secreto plurinominal e obrigatório de seus membros para mandato de dois anos permitida uma recondução 352 FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA A Lei Complementar n 1322009 explicitou as diversas funções institucionais que decorrem da missão constitucional da Defensoria de defesa do direito a ter direitos dos vulneráveis no Brasil O art 4º da citada Lei dispõe que cabe à Defensoria Pública a promoção de ações de qualquer natureza inclusive as referentes a interesses difusos coletivos e individuais homogêneos a atuação extrajudicial na orientação e conciliação inclusive promovendo prioritariamente a solução extrajudicial dos litígios por meio da mediação arbitragem conciliação e outras técnicas a atuação em estabelecimentos policiais e penitenciários visando assegurar à pessoa sob quaisquer circunstâncias o exercício dos direitos e garantias individuais e ainda o poder de representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos postulando perante seus órgãos Isso sem contar a função de promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos da cidadania e do ordenamento jurídico Das ausências de atribuição uma das mais sentidas é a falta de legitimidade ativa do Defensor Público Geral Federal para propor ações diretas de controle abstrato de constitucionalidade pois o rol do art 103 da CF88 não lhe contempla Dessas importantes funções ressalto a ênfase em fórmulas diferenciadas na defesa dos direitos dos vulneráveis que vão além da assistência jurídica em um litígio judicial individual a saber a atuação na solução extrajudicial de conflitos b uso da tutela coletiva de direitos e de direitos coletivos c provocação dos mecanismos internacionais de direitos humanos de modo a superar eventual jurisprudência nacional inclusive a do STF restritiva ou de denegação de direitos Para o futuro fica evidente que a Defensoria Pública desempenhará protagonismo no chamado litígio estratégico de direitos humanos 467 que consiste no uso de mecanismos jurídicos judiciais ou extrajudiciais para criar ou modificar i ações administrativas ii leis e normas em geral bem como impulsionar a iii interpretação judicial de implementação de direitos humanos Por outro lado o STF reforçou a autonomia constitucional da Defensoria Pública ao considerar que deve ser interpretado conforme a Constituição Federal dispositivo estadual sobre a celebração de convênios pela Defensoria com a OAB no sentido de apenas autorizar sem obrigatoriedade nem exclusividade a Defensoria a celebrar convênio com a OAB ADI 4163 rel Min Cezar Peluso j 2922012 Plenário DJe de 1º32013 Em 2015 foi reconhecida pelo STF a legitimidade ativa da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública art 5º II da Lei n 73471985 alterado pelo art 2º da Lei n 114482007 na tutela de interesses transindividuais coletivos stricto sensu e difusos e individuais homogêneos O STF considerou que a Defensoria pública é instituição essencial à função jurisdicional concretizando o acesso à justiça aos vulneráveis Assim caso existam vulneráveis entre os titulares dos interesses a serem protegidos não é necessário que todos sejam vulneráveis cabe a atuação da Defensoria não existindo nenhum prejuízo para os demais colegitimados em especial o Ministério Público pelo reconhecimento da legitimidade da Defensoria Pública Para a relatora Min Cármen Lúcia a presunção de que no rol dos afetados pelos resultados da ação coletiva constem pessoas necessitadas é suficiente a justificar a legitimidade da Defensoria Pública ADI 3943 rel Min Cármen Lúcia j 75 2015 Plenário DJe de 682015 36 O direito à duração razoável do processo Art 5º LXXVIII a todos no âmbito judicial e administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação A Emenda Constitucional n 452004 introduziu o direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação que combate a delonga tradicional no julgamento de feitos no Brasil dado acúmulo de causas Atualmente ao menos no caso de restrição à liberdade de locomoção reconhecese que pode o STF determinar aos Tribunais Superiores o julgamento de mérito de habeas corpus se entender irrazoável a demora no julgamento HC 91041 rel p o ac Min Ayres Britto j 56 2007 Primeira Turma DJ de 1782007 nesse caso em sede de habeas corpus o STF determinou que a autoridade impetrada apresentasse imediatamente na primeira sessão da Turma na qual oficiava o habeas corpus ajuizado A Corte Interamericana de Direitos Humanos utiliza o seguinte critério para caso a caso determinar se houve violação do devido processo legal em um prazo razoável i complexidade da causa ii atividade das partes ou seja se uma das Partes contribuiu com medidas procrastinatórias e iii atividade do juiz 468 37 Justiça de transição direito à verdade e justiça A justiça de transição consiste em um conjunto de dispositivos que regula a restauração do Estado de Direito após regimes ditatoriais ou conflitos armados internos englobando quatro dimensões ou facetas i direito à verdade e à memória ii o direito à reparação das vítimas iii o dever de responsabilização dos perpetradores das violações aos direitos humanos e finalmente iv a formatação democrática das instituições protagonistas da ditadura por exemplo as Forças Armadas O direito à verdade consiste na exigência de toda informação de interesse público bem como exigir o esclarecimento de situações inverídicas relacionadas a violações de direitos humanos Tem natureza individual e coletiva pois interessa a toda comunidade o esclarecimento das situações de desrespeito aos direitos humanos Tem dupla finalidade o conhecimento e também o reconhecimento das situações combatendo a mentira e a negação de eventos o que concretiza o direito à memória Recentemente a Lei n 125272011 regulamentou o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art 5º e no inciso II do 3º do art 37 bem como no 2º do art 216 da CF ver Parte IV item 18 sobre a citada lei acima O direito à verdade é concretizado tanto na sua faceta histórica mediante Comissões de Verdade ver abaixo a Lei n 125282012 quanto na sua faceta judicial fruto das ações judiciais cíveis e criminais de punição dos agentes responsáveis No Brasil a Lei n 125282011 criou a Comissão Nacional da Verdade De acordo com seu art 1º a comissão tem como finalidade examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional Além de i esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos promovendo o esclarecimento dos casos de torturas mortes desaparecimentos forçados ocultação de cadáveres e sua autoria ainda que ocorridos no exterior a Comissão deve encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na ii localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos e iii recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional Quanto à obtenção da verdade judicial é cabível a responsabilização dos agentes que promoveram graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar Para tanto a Corte IDH considerou ser inaplicável a Lei n 668379 Lei da Anistia aos agentes da ditadura uma vez que tal lei ofendeu o direito à justiça das vítimas e seus familiares previsto implicitamente nos arts 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos Caso Gomes Lund vs Brasil sentença de 24112010 Ocorre que o STF decidiu pela improcedência da ADPF 153 interposta pelo Conselho Federal da OAB que almejava a interpretação conforme a Constituição da Lei da Anistia no sentido de excluir os agentes da ditadura do seu alcance Para o relator Min Eros Grau a Lei da anistia veiculou uma decisão política assumida naquele momento e a Constituição de 1988 não pode afetar leismedida que a tenham precedido ADPF 153 rel Min Eros Grau j 294 2010 Plenário DJe de 682010 Em 10 de dezembro de 2014 a Comissão Nacional da Verdade criada pela Lei n 125282011 entregou seu relatório final que contempla a análise de graves violações de direitos humanos dentro do período de 1946 a 1988 Composto por três volumes o relatório final documentou especialmente centenas de casos de violações graves de direitos humanos cometidos por agentes da ditadura militar 19641985 atestando que tais violações consistiram em uma política sistemática de Estado e não atos isolados de indivíduos civis ou militares agindo contra orientações superiores Conforme consta do relatório na ditadura militar a repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política de Estado concebida e implementada a partir de decisões emanadas da Presidência da República e dos ministérios militares p 963 Assim tais crimes têm de acordo com o relatório final a natureza de crimes contra a humanidade Essa conclusão é importante e está em consonância com a decisão da Corte IDH no Caso Gomes Lund vs Brasil 2010 As consequências da caracterização de tais condutas dos agentes da ditadura militar como crimes contra a humanidade são as seguintes i não é possível a alegação de qualquer imunidade ou anistia ii essas condutas são imprescritíveis e iii cabe ao Estado por seus órgãos Ministério Público Federal e Justiça Federal não sendo possível o julgamento por juízos militares Caso Gomes Lund vs Brasil investigar perseguir em juízo e punir criminalmente os responsáveis Por sua vez a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que não é possível processar criminalmente os responsáveis pelo chamado atentado do Riocentro no qual houve uma malsucedida tentativa por parte de militares brasileiros de colocar bomba no Centro de Convenções Riocentro que explodiria em evento comemorativo do Dia do Trabalhador a bomba explodiu no próprio carro dos militares em 3041981 Para o voto vencedor do Min Reynaldo Soares da Fonseca os fatos estão sob o abrigo da anistia prevista no art 4º 1º da EC 26 promulgada em 27 de novembro de 1985 Além disso houve coisa julgada material mesmo que fruto de juízo incompetente o Superior Tribunal Militar a favor dos imputados Também foi mencionado o efeito vinculante da ADPF 153 que considerou recepcionada pela CF88 a anistia ofertada anteriormente Quanto à natureza de jus cogens e de crime contra a humanidade e por isso imprescritível considerouse que a utilização da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade não ratificada pelo Brasil seria afronta à própria soberania estatal e à supremacia da Constituição da República Ademais a prescrição penal tem natureza de norma de direito material penal e sua desconsideração ofende i o princípio da segurança jurídica ii o princípio constitucional da legalidade e iii o princípio constitucional da irretroatividade da lex gravior previsto no art 5º XL da CF88 a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu Quanto ao controle de convencionalidade e ao respeito às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre justiça de transição considerouse que a hierarquia interna da Convenção e das deliberações internacionais de direitos humanos no Brasil é matéria reservada ao STF não podendo o STJ dele divergir STJ REsp 1798903 rel p o acórdão Min Reynaldo Soares da Fonseca por maioria vencidos os Ministros Rogerio Schietti e Sebastião Reis Júnior j 2582019 Quanto à formatação democrática das instituições do Estado a prática da justiça de transição defende o afastamento dos cargos ou funções públicas daqueles indivíduos que apoiaram ou se envolveram de alguma forma com a ditadura Essa política é chamada de depuração ou lustração vetting ou lustration que gera i a renovação dos quadros e das práticas estatais e ii a prevenção de novos atentados ao Estado Democrático pela sanção de afastamento aos que apoiaram as iniciativas pretéritas A política de vetting foi intensamente adotada após a redemocratização nos Estados do exbloco soviético afastando do poder os servidores públicos exmembros do Partido Comunista do país especialmente os vinculados aos serviços internos de informação política 469 38 Garantias fundamentais A Constituição de 1988 prevê no seu Título II direitos e garantias fundamentais Por garantias fundamentais entendemse os instrumentos inseridos na Constituição que asseguram e promovem os direitos fundamentais Entre essas garantias há ações constitucionais também chamadas de remédios constitucionais que possuem natureza híbrida representam ações regidas pelo Direito Processual mas ao mesmo tempo são inseridas na Constituição e desempenham a função de proteger direitos fundamentais Há oito ações constitucionais o habeas corpus o mandado de segurança individual o mandado de segurança coletivo o mandado de injunção o habeas data a ação popular a ação civil pública e ainda o direito de petição Analisaremos abaixo as principais características de cada uma delas 381 HABEAS CORPUS Art 5º LXVIII concederseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Conceito O habeas corpus consiste em ação constitucional cabível sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder conforme dispõe o art 5º LXVIII Origem O habeas corpus tem raízes na Carta Magna 1215 e no Habeas Corpus Act 1679 No Brasil foi previsto no Código Criminal do Império 1830 e pela primeira vez em um texto constitucional na Constituição de 1891 Cabimento Logo após a Constituição de 1891 a interpretação do cabimento do habeas corpus foi ampliada para abarcar a violação de todo e qualquer direito constitucional uma vez que a redação do art 72 22 da Constituição de 1891 que tratou do habeas corpus não mencionava liberdade de locomoção Essa ampliação do alcance do habeas corpus foi denominada teoria brasileira do habeas corpus eliminada somente na Reforma Constitucional de 1926 que alterou a redação do art 72 22 para incluir a redação próxima da atual com referência expressa à liberdade de locomoção Atualmente é cabível o habeas corpus para combater lesão ou ameaça de lesão à liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Restrição A CF88 prevê que não caberá habeas corpus em face de punições disciplinares militares art 142 2º Competência para julgamento Será determinada de acordo com o tipo de autoridade coatora e excepcionalmente de acordo com o paciente aquele que sofre sofreu violência ou coação em sua liberdade ambulatorial Espécies e ordem O habeas corpus pode ser preventivo antes da ocorrência da lesão quando se concedido gerará um salvo conduto ao paciente para assegurar seu direito de ir ou repressivo quando se obtém um alvará de soltura liberatório contra ato abusivo ou ilegalidade Propositura e trâmite Pode ser proposto por qualquer pessoa física em sua defesa ou na defesa de terceiro ou jurídica inclusive o Ministério Público e a Defensoria para proteger direito de ir e vir de determinado indivíduo liberdade de locomoção ou liberdade ambulatorial Pode ser proposta sem advogado ou formalidade O juiz no exercício de sua atividade jurisdicional pode conceder de ofício O trâmite é singelo o Impetrante sustenta a existência de lesão ou ameaça de lesão à liberdade de locomoção por conduta imputada à Autoridade Coatora em desfavor do Paciente A Autoridade Coatora presta informações o Ministério Público oficia como custos legis dando parecer já que pode ter ocorrido inclusive crime por parte da Autoridade Coatora e o juízo concede ou denega a ordem de habeas corpus Habeas Corpus contra ato de Ministro do STF e competência do Pleno do STF A jurisprudência do STF foi alterada em agosto de 2015 passando a admitir habeas corpus contra ato coator de Ministro do STF A competência é do Pleno do STF Essa mudança foi gerada pelo aumento dos casos criminais originários por exemplo a Operação Lava Jato que envolveu dezenas de parlamentares federais nos quais os atos do Ministro relator do STF pela jurisprudência antiga eram insuscetíveis de ataque pela via do habeas corpus HC 127483PR Min Dias Toffoli j 2782015 DJe de 422016 Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário Houve alteração da jurisprudência do STF para impedir o uso da estratégia defensiva conhecida como habeas corpus sucessivo ou substitutivo sem a utilização dos recursos cabíveis da negativa de liminar de um habeas corpus pelo juízo nasceria um ato coator possibilitando outro habeas corpus agora proposto perante Tribunal que negando a liminar permitiria outro habeas corpus agora perante o STJ que indeferindo a liminar permitiria o último habeas corpus sucessivo agora perante o STF De acordo com o STF o habeas corpus tem uma rica história constituindo garantia fundamental do cidadão Ação constitucional que é não pode ser amesquinhado mas também não é passível de vulgarização sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso o recurso ordinário Diante da dicção do art 102 II a da Constituição da República a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio em manifesta burla ao preceito constitucional 1ª Turma HC 104045RJ rel Min Rosa Weber j 2182012 Habeas corpus coletivo Em 2017 o Min Ricardo Lewandowski do STF admitiu o trâmite de habeas corpus coletivo impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Ceará tendo como pacientes todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no Sistema Penitenciário Nacional que ostentem a condição de gestantes puérperas ou mães com filhos de até 12 anos de idade sob sua responsabilidade e das próprias crianças Na petição são inseridas como autoridades coatoras todos os magistrados criminais inclusive do STJ do país Para o Min relator devese autorizar o uso do habeas corpus na forma coletiva pois se a lesão pode assumir caráter coletivo e em assim sendo o justo consiste em disponibilizar um remédio efetivo e funcional para a proteção da coletividade mormente de coletividades vulneráveis socioeconomicamente Salientou ainda o Min Lewandowski que o exercício da faculdade de extensão da ordem de um habeas corpus individual a todos os que estejam na mesma situação pode transformálo em legítimo habeas corpus coletivo mostrando que essa coletivização do instrumento do habeas corpus não é estranha à prática processual penal brasileira Também anotou que nessa extensão não se exige a nome de cada paciente nos termos do art 654 1º a do Código de Processo Penal e por igual razão não se deve exigir tal requisito no habeas corpus coletivo lembrando que a interpretação do Código de Processo Penal deve ser orientada pelo prisma constitucional Quanto ao argumento da existência de outros instrumentos de defesa coletiva de direitos por exemplo a ADPF o Relator recordou que rol de legitimados da ADPF é restrito podendo ser utilizado o habeas corpus coletivo como instrumento flexível e relevante que amplifica o acesso à Justiça previsto na CF88 e no art 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos Quanto à legitimidade ativa decidiu o Relator pelo uso analógico das regras do mandado de injunção coletivo art 12 IV da Lei 133002016 reconhecendo a legitimidade ativa à Defensoria Pública da União por se tratar de ação de caráter nacional admitindo as impetrantes como assistentes em condição análoga à atribuída às demais Defensorias Públicas atuantes no feito STF Habeas Corpus Coletivo n 143641 rel Min Ricardo Lewandowski decisão de 15 de agosto de 2017 Em 2018 a 2ª Turma do STF concedeu o HC coletivo ordenando a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar de mulheres presas em todo o território nacional que sejam i gestantes ou ii mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência A Turma concedeu ainda HC coletivo de ofício estendendo tal substituição também para adolescentes em conflito com a lei cumprindo medidas socioeducativas em idêntica situação STF Habeas Corpus Coletivo n 143641 rel Min Ricardo Lewandowski j 2022018 Súmulas do STF sobre Habeas Corpus Súmula 299 O recurso ordinário e o extraordinário interpostos no mesmo processo de Mandado de Segurança ou de Habeas Corpus serão julgados conjuntamente pelo Tribunal Pleno Súmula 319 O prazo do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal em Habeas Corpus ou Mandado de Segurança é de cinco dias Súmula 344 Sentença de primeira instância concessiva de Habeas Corpus em caso de crime praticado em detrimento de bens serviços ou interesses da União está sujeita a recurso ex officio Súmula 395 Não se conhece de recurso de Habeas Corpus cujo objeto seja resolver sobre o ônus das custas por não estar mais em causa a liberdade de locomoção Súmula 431 É nulo o julgamento de recurso criminal na segunda instância sem prévia intimação ou publicação da pauta salvo em Habeas Corpus Súmula 606 Não cabe Habeas Corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma ou do Plenário proferida em Habeas Corpus ou no respectivo recurso Súmula 690 Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de Habeas Corpus contra decisão de Turma recursal de Juizados Especiais Criminais Súmula 691 Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus impetrado contra decisão do relator que em Habeas Corpus requerido a Tribunal Superior indefere a liminar Súmula 692 Não se conhece de Habeas Corpus contra omissão de relator de extradição se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos nem foi ele provocado a respeito Súmula 693 Não cabe Habeas Corpus contra decisão condenatória a pena de multa ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada Súmula 694 Não cabe Habeas Corpus contra a imposição de pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública Súmula 695 Não cabe Habeas Corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade 382 MANDADO DE SEGURANÇA Art 5º LXIX concederseá mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público Conceito O mandado de segurança visa proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data ameaçado ou lesado por ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público art 5º LXIX A Constituição de 1988 inovou e prevê ainda o mandado de segurança coletivo a ser impetrado por i partido político com representação no Congresso Nacional e por ii organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados art 5º LXX Origem Foi inserido pela primeira vez em uma Constituição na Constituição de 1934 Visava incrementar a proteção de direitos após o fim da teoria brasileira do habeas corpus Desde então compõe o texto das nossas Constituições ausência somente na Constituição de 1937 constituindose em instituto tipicamente brasileiro somente há institutos próximos e não idênticos em outros países como o recurso de amparo da Espanha A regulamentação foi durante décadas a da Lei n 153351 que foi revogada e substituída pela Lei n 12016 de 2009 com poucas alterações Cabimento Cabe mandado de segurança para proteger direito líquido e certo que consiste em todo direito cujos fatos que o embasam podem ser provados de plano sem instrução probatória Não se admite então dilação probatória no mandado de segurança a prova tem que ser préconstituída Também só é cabível mandado de segurança para combater condutas comissivas ou omissivas i ilegais ou fruto de ii abuso de poder imputadas à autoridade pública ou agente privado no exercício de atribuições do Poder Público A Lei n 120162009 vedou a impetração de mandado de segurança contra ato de gestão comercial praticado pelo administrador de empresa pública de sociedade de economia mista e de concessionária de serviço público A mesma lei determinou que se equiparam às autoridades públicas os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público somente no que disser respeito a essas atribuições Restrição Não cabe mandado de segurança para proteger a i liberdade de locomoção pois cabe habeas corpus nem a ii a autodeterminação informativa veremos abaixo pois é cabível habeas data A Súmula n 604 do STJ prevê ainda outra restrição O mandado de segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério Público Competência para julgamento Será determinada de acordo com o tipo de autoridade coatora de acordo com a Constituição e com as leis infraconstitucionais Espécies e ordem O mandado de segurança pode ser preventivo antes da ocorrência da lesão ao direito líquido e certo ou repressivo depois da ilegalidade ou abuso de poder Em geral pedese antecipação de tutela pela via liminar Propositura e trâmite O legitimado ativo impetrante é o pretenso titular do direito líquido e certo o que abarca pessoas físicas jurídicas entes despersonalizados inclusive órgãos públicos despersonalizados como Mesas do Poder Legislativo e Ministério Público O prazo é de 120 dias decadencial contados da ciência da conduta impugnada O impetrado é a autoridade coatora que é aquele que praticou o ato ilegal ou abusivo ou ainda aquele que ordenou tal prática Após a propositura e eventual apreciação da liminar há a prestação das informações pela Autoridade Coatora O Ministério Público atua como fiscal da lei emitindo parecer logo após o prazo para envio das informações O rito completase de modo célere com a sentença O conteúdo da sentença de procedência é mandamental ou seja é uma ordem dirigida à autoridade coatora que comete crime de desobediência caso a descumpra Concedida a segurança a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição 383 MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO Art 5º LXX o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por a partido político com representação no Congresso Nacional b organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa dos interesses de seus membros ou associados Conceito Dispõe a Lei n 121062009 que regulamentou o art 5º LXX que o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária ou por organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade ou de parte dos seus membros ou associados na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades dispensada para tanto autorização especial Assim não cabe exigir autorização assemblear de assembleia da associação Origem e diferenças A Constituição de 1988 criou o mandado de segurança coletivo que difere do mandado de segurança individual somente quanto aos i legitimados visto acima e ii objeto Objeto Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser I coletivos assim entendidos os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica II individuais homogêneos assim entendidos para efeito desta Lei os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante Partidos Políticos Para parte da doutrina os partidos políticos podem defender todo e qualquer direito líquido e certo coletivo ou individual homogêneo pois a finalidade partidária é defender e bem representar o interesse da sociedade Há precedente contrário do STJ que restringe a ação dos partidos políticos na defesa dos filiados e em questões políticas A Lei n 12016 adotou a visão restritiva e determinou que os partidos só podem impetrar mandado de segurança coletivo na defesa de direitos líquidos e certos referentes a seus integrantes ou à finalidade partidária Organização sindical entidade de classe ou associação Já as organizações sindicais entidade de classe ou associação podem defender direitos líquidos e certos coletivos ou individuais homogêneos dos membros ou parte deles na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades dispensada para tanto autorização especial ver ainda Súmula 630 do STF Trâmite Há poucas diferenças do já estudado no mandado de segurança individual O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva No mandado de segurança coletivo a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas A sentença fará coisa julgada em face somente dos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante Súmulas do STF sobre Mandado de Segurança Súmula 101 O mandado de segurança não substitui a ação popular Súmula 248 É competente originariamente o Supremo Tribunal Federal para mandado de segurança contra ato do Tribunal de Contas da União Súmula 266 Não cabe mandado de segurança contra lei em tese Súmula 267 Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição Súmula 268 Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado Súmula 269 O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança Súmula 270 Não cabe mandado de segurança para impugnar enquadramento da Lei n 3780 de 1271960 que envolva exame de prova ou de situação funcional complexa Súmula 271 Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria Súmula 272 Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de mandado de segurança Súmula 299 O recurso ordinário e o extraordinário interpostos no mesmo processo de mandado de segurança ou de Habeas Corpus serão julgados conjuntamente pelo Tribunal Pleno Súmula 304 Decisão denegatória de mandado de segurança não fazendo coisa julgada contra o impetrante não impede o uso da ação própria Súmula 319 O prazo do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal em Habeas Corpus ou mandado de segurança é de cinco dias Súmula 330 O Supremo Tribunal Federal não é competente para conhecer de mandado de segurança contra atos dos Tribunais de Justiça dos Estados Súmula 392 O prazo para recorrer de acórdão concessivo de segurança contase da publicação oficial de suas conclusões e não da anterior ciência à autoridade para cumprimento da decisão Súmula 405 Denegado o mandado de segurança pela sentença ou no julgamento do agravo dela interposto fica sem efeito a liminar concedida retroagindo os efeitos da decisão contrária Súmula 429 A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade Súmula 430 Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança Súmula 474 Não há direito líquido e certo amparado pelo mandado de segurança quando se escuda em lei cujos efeitos foram anulados por outra declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal Súmula 506 O agravo a que se refere o art 4º da Lei n 4348 de 2661964 cabe somente do despacho do presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a suspensão da liminar em mandado de segurança não do que a denega Súmula 510 Praticado o ato por autoridade no exercício de competência delegada contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial Súmula 511 Compete à Justiça Federal em ambas as instâncias processar e julgar as causas entre autarquias federais e entidades públicas locais inclusive mandados de segurança ressalvada a ação fiscal nos termos da Constituição Federal de 1967 art 119 3º Súmula 512 Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança Súmula 597 Não cabem embargos infringentes de acórdão que em mandado de segurança decidiu por maioria de votos a apelação Súmula 623 Não gera por si só a competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer do mandado de segurança com base no art 102 I n da Constituição dirigirse o pedido contra deliberação administrativa do tribunal de origem da qual haja participado a maioria ou a totalidade de seus membros Súmula 624 Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de segurança contra atos de outros tribunais Súmula 625 Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança Súmula 626 A suspensão da liminar em mandado de segurança salvo determinação em contrário da decisão que a deferir vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou havendo recurso até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal desde que o objeto da liminar deferida coincida total ou parcialmente com o da impetração Súmula 627 No mandado de segurança contra a nomeação de magistrado da competência do Presidente da República este é considerado autoridade coatora ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento Súmula 629 A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes Súmula 630 A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria Súmula 631 Extinguese o processo de mandado de segurança se o impetrante não promove no prazo assinado a citação do litisconsorte passivo necessário Súmula 632 É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança Súmula 701 No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo 384 MANDADO DE INJUNÇÃO Art 5º LXXI concederseá mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania Conceito De acordo com a Constituição de 1988 o mandado de injunção pode ser proposto sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade à soberania e à cidadania art 5º LXXI Combatese a inércia de regulamentação que impede ou dificulta a efetividade das normas constitucionais O STF admite o mandado de injunção coletivo tendo considerado até ser inadmissível o pedido de desistência do mandado de injunção coletivo após o início do julgamento no STF por ser o Sindicato impetrante mero substituto processual ou seja o titular do direito inviabilizado pela omissão são os trabalhadores ver em STF MI 712QO rel Min Eros Grau j 15102007 Plenário DJ de 23 112007 Com a edição da Lei n 133002016 foram explicitados no texto legal o conteúdo de diversos precedentes judiciais inclusive tendo sido reconhecida a possibilidade de impetração do mandado de injunção coletivo art 12 Origem e cabimento A Constituição de 1988 criou o mandado de injunção Para o STF para ser cabível o mandado de injunção é necessário que se constate 1 omissão total ou parcial art 2º da Lei n 13300 de norma regulamentadora e 2 concreta inviabilidade de plena fruição de direito ou liberdade constitucional ou prerrogativa inerente à nacionalidade soberania e cidadania pelo seu titular Por isso é necessário que se comprove de plano a i titularidade do direito e a ii sua inviabilidade decorrente da ausência de norma regulamentadora do direito constitucional MI 2195AgR voto da rel Min Cármen Lúcia j 2322011 Plenário DJe de 1832011 A omissão pode advir de qualquer órgão público inclusive do Poder Judiciário Ministério Público ou Legislativo desde que tenha natureza administrativa ou legislativa Legitimidade ativa e passiva Cabe ao titular pessoa física ou jurídica do direito inviabilizado a propositura do mandado de injunção Por sua vez a legitimidade passiva é do Poder órgão ou autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora art 3º da Lei n 13300 Competência A competência para julgamento do MI depende do ente omisso e pode ser assim resumida a STF art 102 I q cabe ao STF julgar o MI quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República do Congresso Nacional da Câmara dos Deputados do Senado Federal das Mesas de uma dessas Casas Legislativas do Tribunal de Contas da União de um dos Tribunais Superiores ou do próprio Supremo Tribunal Federal também cabe ao STF o julgamento de recurso ordinário quando o mandado de injunção for decidido em única instância pelos Tribunais Superiores se denegatória a decisão b STJ art 105 I h cabe ao STJ julgar mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão entidade ou autoridade federal da administração direta ou indireta excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar da Justiça Eleitoral da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal c TSE art 121 4º V no caso de recurso contra denegação de mandado de injunção por um Tribunal Regional Eleitoral d Justiça Estadual art 125 1º delega aos Estados a organização da Justiça Estadual observados os princípios da CF88 assim em vários Estados como o de São Paulo o mandado de injunção contra autoridades estaduais e municipais é da competência do Tribunal de Justiça 470 Trâmite e efeitos A Lei n 13300 utilizou a estrutura básica do mandado de segurança a saber Impetrante Impetrado Parecer do MP e Sentença sem fase probatória direito provado de plano Aplicamse subsidiariamente ao mandado de injunção as normas do mandado de segurança disciplinado pela Lei n 12016 de 7 de agosto de 2009 e do Código de Processo Civil Não cabe concessão de liminar MI 283 rel Min Sepúlveda Pertence DJ de 14111991 Reconhecido o estado de mora legislativa será deferida a injunção para i determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora ii estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou se for o caso iii as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercêlos caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado Será dispensada a determinação do prazo razoável quando comprovado que o impetrado deixou de atender em mandado de injunção anterior ao prazo estabelecido para a edição da norma art 8º da Lei n 13300 Quanto ao efeito geral ou particular do MI a Lei n 13300 estipula que a decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes e produzirá efeitos até o advento da norma regulamentadora Todavia poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração Após o trânsito em julgado a Lei n 13300 ainda estipula que os efeitos da decisão podem ser estendidos aos casos análogos por decisão monocrática do relator Além disso o indeferimento do pedido por insuficiência de prova não impede a renovação da impetração fundada em outros elementos probatórios art 9º da Lei n 13300 Como a decisão possui impacto regulatório há a previsão de ação de revisão que serve para rever o julgado a pedido de qualquer interessado quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito A ação de revisão observará no que couber o procedimento estabelecido na própria Lei n 13300 art 11 Caso o Poder Público regulamente posteriormente a matéria objeto do MI ficou estabelecido que a norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos ex nunc em relação aos beneficiados por decisão transitada em julgado salvo se a aplicação da norma editada lhes for mais favorável Por sua vez resta prejudicada a impetração se a norma regulamentadora for editada antes da decisão caso em que o processo será extinto sem resolução de mérito A Lei n 13300 adotou a chamada posição concretista intermediária pela qual se fixa prazo para que o órgão inerte legisle ou regulamente a matéria faltante Contudo caso o órgão público continue inerte pode o órgão julgador estabelecer as condições para o exercício dos direitos ou as condições em que o interessado pode promover ação própria naquilo que foi denominado nos precedentes anteriores à Lei n 13300 como posição concretista individual cf em MI 708 rel Min Gilmar Mendes j 25102007 Plenário DJe de 3110 2008 E finalmente pode o órgão julgador conferir eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão naquilo que pode ser definido como sendo uma posição concretista geral Mandado de Injunção coletivo De acordo com a Lei n 13300 o mandado de injunção coletivo pode ser promovido i pelo Ministério Público quando a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis ii por partido político com representação no Congresso Nacional para assegurar o exercício de direitos liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária iii por organização sindical entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 um ano para assegurar o exercício de direitos liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades dispensada para tanto autorização especial iv pela Defensoria Pública quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados vulneráveis A Lei n 13300 definiu que os direitos as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção coletivo são os pertencentes indistintamente a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo classe ou categoria No mandado de injunção coletivo a sentença faz coisa julgada limitadamente às pessoas integrantes da coletividade do grupo da classe ou da categoria substituídos pelo impetrante Seguindo a lógica do processo coletivo right to opt out o mandado de injunção coletivo não induz litispendência em relação aos individuais mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante que não requerer a desistência da demanda individual no prazo de 30 trinta dias a contar da ciência comprovada da impetração coletiva 385 HABEAS DATA Art 5º LXXII concederseá habeas data a para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público b para a retificação de dados quando não se prefira fazêlo por processo sigiloso judicial ou administrativo Conceito e origem O habeas data consiste em garantia fundamental que assegura o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público e também serve para retificação de dados quando não se prefira fazêlo por processo sigiloso judicial ou administrativo art 5º LXXII Essa parte final do dispositivo constitucional demonstra que há a via ordinária como alternativa É inovação da Constituição e 1988 inspirado nas Constituições de Portugal e da Espanha e que visa proteger o direito à autodeterminação informativa Sua instituição foi uma ruptura com o passado de arquivos secretos da Ditadura e perseguição política Não se trata simplesmente de assegurar o direito à informação e combater a cultura do biombo dos bancos de dados de entes públicos ou de caráter público mas também de permitir que o interessado possa retificar as informações controlando sua veracidade Em 1997 foi editada a Lei n 9504 que regulamentou o habeas data após anos de utilização analógica da Lei do Mandado de Segurança Objeto Cabe habeas data para assegurar o conhecimento e eventual retificação de informação do titular garantindo em benefício de pessoa física ou jurídica diante de bancos de dados públicos ou de caráter público i o direito de acesso aos dados e registros existentes ii o direito de retificação das informações errôneas e iii direito de complementação dos dados insuficientes ou incompletos Considerase de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações A Lei n 950797 fixou o objeto do HD para o seguinte tripé obter corrigir e anotar incluir contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mais justificável caso típico de inclusão de anotação sobre existência de pendência judicial Diferença com o direito à certidão mandado de segurança No caso do direito à obtenção de certidões art 5º XXXIV b ou mesmo o direito à informação de interesse particular ou geral art 5º XXXIII a garantia fundamental apta a proteger tais direitos é o mandado de segurança Assim o pedido de certidão de contagem de tempo de serviço negado abusivamente por gerente do INSS é protegido pelo uso do mandado de segurança e não do habeas data No mesmo sentido o habeas data não se revela meio idôneo para se obter vista de processo administrativo cabendo mandado de segurança HD 90AgR rel Min Ellen Gracie j 1822010 Plenário DJe de 1932010 Legitimidade ativa e passiva Pode impetrar habeas data o pretenso titular do direito à autodeterminação informativa Consequentemente o habeas data não se presta para solicitar informações relativas a terceiros pois nos termos do inciso LXXII do art 5º da CF sua impetração deve ter por objetivo assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante HD 87AgR rel Min Cármen Lúcia j 25112009 Plenário DJe de 522010 No polo passivo a Lei n 950497 adotou o mesmo modelo do mandado de segurança sendo a Autoridade Coatora o agente que detém a informação e o Requerido que poderá recorrer o sujeito de direito a quem pertencem os registros ou dados Esse sujeito de direito pode ser público ou privado o critério será a disponibilização da informação ao público Assim considerase de caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações Por isso decidiu o STF que o Banco do Brasil é parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação de HD uma vez que mantinha os dados pleiteados pelo impetrante para seu uso privativo STF RE 165304 rel Min Octavio Gallotti j 19102000 Plenário DJ de 15122000 Trâmite A Lei n 950497 prevê uma fase administrativa e uma fase judicial A fase administrativa ou préjudicial consiste no pedido das informações para conhecimento e eventual retificação ou complementação ao órgão detentor Caso haja recusa ou atendimento imperfeito do pedido é que surge o interesse de agir para a impetração do habeas data Por isso a petição inicial deverá ser instruída com prova da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de 10 dias sem decisão ou ainda da recusa em fazerse a retificação ou do decurso de mais de 15 dias sem decisão e finalmente da recusa em fazerse o complemento de dados ou anotação Nesse sentido a Súmula 2 do STJ não cabe o habeas data cf art 5º LXXII letra a se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa O rito do HD é similar ao do mandado de segurança há o impetrante e a autoridade coatora e não se admite instrução probatória O HD não serve para corrigir aquilo que for controverso eventual necessidade de dilação probatória exigirá o uso das ações ordinárias Competência A autoridade coatora é essencial para definir competência judicial A competência do STF é para habeas data contra atos do Presidente da República das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal do Tribunal de Contas da União do ProcuradorGeral da República e do próprio STF cabe ao STJ julgar habeas data contra atos de Ministro de Estado Comandantes das Forças Armadas ou do próprio STJ os Tribunais Regionais Federais julgam habeas data contra atos do próprio Tribunal ou de juiz federal o juiz federal julga habeas data contra ato de autoridade federal excetuados os casos de competência dos tribunais federais e finalmente os tribunais estaduais julgam habeas data segundo o disposto na Constituição do Estado observados os casos já previstos pela CF88 e o juiz estadual para os casos restantes 386 AÇÃO POPULAR Art 5º LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência Conceito e origem A ação popular consiste em ação em que qualquer cidadão pede a anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência Sua origem está nas chamadas ações públicas romanas publica judicia no qual o autor agia a favor do povo pro populo No Brasil a primeira Constituição a prever tal garantia fundamental foi a Constituição de 1934 no inciso XXXIII do art 113 que estabeleceu Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou a anulação dos atos lesivos do patrimônio da União dos Estados ou dos Municípios A ação popular protege o direito fundamental à boa governança que consiste no direito difuso de toda a comunidade de ser governada segundo os princípios da legalidade da moralidade e de invocar a tutela jurisdicional para combater práticas lesivas a tal direito O direito de propor ação popular é do cidadão age em nome próprio na defesa de direito difuso substituição processual ver abaixo o que o insere na categoria dos direitos políticos de fiscalização Objeto Inicialmente a ação popular trata de invalidar atos praticados com ilegalidade de que resultou lesão ao patrimônio público Essa ilegalidade pode advir de vício formal ou substancial devido à violação de regra de incompetência do agente ou ainda forma bem como fruto de ilegalidade do objeto e inexistência dos motivos ou desvio de finalidade Após a Constituição de 1988 houve a ampliação do objeto da ação popular que abarca agora ato lesivo à moralidade administrativa ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural A moralidade administrativa consiste no conjunto de preceitos de bom agir do governante sendo considerada a conduta ética e em boafé que se espera do gestor público Há três elementos básicos do regime jurídico da ação popular a cidadão é o proponente vide abaixo a legitimidade subsidiária do MP b ilegalidade e c lesividade Para o STJ o alargamento das hipóteses de cabimento da ação popular não elimina o dever do Autor Popular de comprovar a lesividade do ato mesmo em se tratando de lesão à moralidade administrativa ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural EREsp 260821SP relator p acórdão Ministro João Otávio de Noronha Primeira Seção DJ de 1322006 471 A ação popular ainda é o instrumento pioneiro na tutela de direitos difusos no Brasil sendo regulamentada pela Lei n 4717 de 1965 Legitimidade ativa e passiva A legitimidade da ação popular é do cidadão que é o nacional exercente de direitos políticos Por isso deve comprovar na petição inicial ser eleitor e estar em gozo dos seus direitos políticos A propositura da ação popular é direito político ficando o autor salvo comprovada máfé isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência CF art 5º LXXIII Para Pedro Lenza não cabe assistência ao menor cidadão como se sabe o jovem de 16 a 18 pode de modo facultativo ser eleitor 472 Excepcionalmente o MP assumirá o polo ativo para dar continuidade a ação popular já proposta art 9º da Lei n 471765 Não podem propor ação popular os inalistáveis ou inalistados aqueles que sofrem de suspensão de direitos políticos os estrangeiros mesmo os portugueses no gozo do estatuto da igualdade pois não há a reciprocidade em Portugal exigida pela CF88 os partidos políticos e entidades de classe ou qualquer outra pessoa jurídica ver abaixo a Súmula 365 do STF Quanto à legitimidade passiva cabe a propositura contra as pessoas jurídicas cujo patrimônio foi lesado bem como contra os agentes que causaram o dano por ação ou omissão e ainda contra os beneficiados É possível a mudança de polo da pessoa jurídica de direito público ou privado que pode absterse de contestar e também pode atuar ao lado do Autor Essa inusitada modificação do polo de uma ação demonstra a natureza de tutela de direitos difusos da ação popular Trâmite O pedido na ação popular consiste na invalidade do ato ou omissão ou sua desconstituição com a reparação dos prejuízos causados e eventual restituição de bens e valores O Autor não paga custas ou honorários salvo máfé O MP intervém obrigatoriamente como custos legis e no abandono pelo Autor Popular pode assumir o polo ativo Cabe tutela antecipatória e ainda a propositura de ação popular preventiva A sentença de improcedência ou de carência exige reexame necessário art 19 da Lei n 4717 e a coisa julgada é secundum eventum litis ou seja a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por falta ou deficiência de prova nessa hipótese qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento valendose de nova prova O prazo de prescrição da ação popular é de cinco anos da conduta art 21 da Lei n 4717 Entendemos contudo que a Constituição em seu art 37 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente servidor ou não que causem prejuízos ao erário ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento impõe a imprescritibilidade da ação de reparação de danos ao Erário o que impacta não só ações ordinárias mas também a ação popular que venha exigir a reparação de danos Essa posição imprescritibilidade de ações de reparação de danos ao Erário foi inicialmente a adotada pelo STF MS 26210 rel Min Ricardo Lewandowski j 492008 Plenário DJe de 10102008 mas em 2016 houve alteração do entendimento tendo firmado o STF a tese pela qual é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil RE 669069MG rel Min Teori Zavascki j 322016 Plenário DJe de 2842016 com repercussão geral Não houve consenso quanto à imprescritibilidade do ressarcimento de danos decorrente de ilícitos penais ou de atos de improbidade tendo o próprio Relator Min Teori Zavascki se manifestado em obiter dictum pela manutenção da imprescritibilidade ao menos nesses dois casos ressarcimento de danos decorrente de ilícitos penais e atos de improbidade administrativa para que fosse dado algum sentido à ressalva prevista no art 37 5º da CF88 Competência A competência para o conhecimento de uma ação popular varia de acordo com o bem jurídico protegido se for patrimônio da União por exemplo a competência será do juízo federal Será em geral do juízo de 1º grau federal ou estadual Não há foro por prerrogativa de função mesmo para o Presidente da República para a ação popular Excepcionalmente pode uma ação popular ser julgada originalmente pelo STF no caso da alínea n do art 102 I da Constituição a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados Súmulas do STF Súmula 101 O mandado de segurança não substitui a ação popular Súmula 365 Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular 387 DIREITO DE PETIÇÃO Conceito e origem consiste no direito de se dirigir às autoridades competentes para que realizem determinadas condutas comissivas ou omissivas É um termo geral aplicável a todas as chamadas reclamações ou representações encaminhadas aos órgãos públicos para a defesa de interesse próprio ou coletivo Inspirase no Petition of Right de 1628 pelo qual o Parlamento britânico reconhecia uma série de limitações ao Poder Público No caso do direito de petição o indivíduo provoca a autoridade pública para que faça ou deixe de fazer algo No Brasil a primeira Constituição que o reconheceu foi a de 1824 A Constituição de 1988 o disciplina no art 5º XXXIV a que determina que se reconhece independentemente do pagamento de taxas o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder Objeto O direito de petição tem como objeto a i defesa de direitos e o ii combate à ilegalidade e os abusos de poder sem a necessidade do pagamento de taxa ou sem que haja outro requisito por exemplo ter advogado etc Tratase da chamada provocatio ad agendum pois o indivíduo provoca a autoridade e inclui em sua agenda o tema da petição exigindo resposta positiva ou negativa Pode ser exercido de forma individual ou coletiva para proteger direito próprio ou de terceiro inclusive direitos difusos ou coletivos Sua utilidade está na atuação do indivíduo para exigir que a Administração Pública atue de modo eficiente e legítimo preservando os direitos dos interessados Legitimidade ativa e passiva A legitimidade ativa para exercer o direito de petição é de toda pessoa física jurídica ou ente despersonalizado A legitimidade passiva é reservada aos entes ou órgãos públicos e ainda às entidades privadas que exerçam função pública Trâmite O trâmite do direito de petição pode ser regulamentado pelo ente público porém não pode ser i obstaculizado ou gerar ii efeito negativo ao peticionante Nesse sentido decidiu o STF que a exigência de depósito recursal em processo administrativo é obstáculo inconstitucional ao direito de petição Súmula Vinculante do STF 21 e Súmula 373 do STJ A petição deve ser recebida e examinada em tempo razoável devendo ainda o peticionante ser comunicado da decisão tomada pela autoridade a quem a petição foi dirigida Não há direito de ver deferido o pleito Competência Depende do objeto da petição a análise da petição incumbirá à autoridade que tem atribuição de atender o pleito encaminhado 388 AÇÃO CIVIL PÚBLICA Art 129 São funções institucionais do Ministério Público III promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos Como já vimos acima a tutela dos direitos metaindividuais representa faceta material do direito de acesso à justiça Nessa linha a Constituição consagrou a ação civil pública como ação apta a tutelar os direitos coletivos em sentido amplo direitos difusos e coletivos em sentido estrito e os direitos individuais homogêneos vide Parte I Capítulo III item 255 A Constituição outorgou a defesa judicial ou extrajudicial de tais direitos ao Ministério Público CF art 129 III às entidades associativas sindicatos e partidos políticos CF arts 5º XXI e 8º III A Lei n 734785 Lei da Ação Civil Pública e a Lei n 807890 Código de Defesa do Consumidor tratam daquilo que a doutrina denomina processo coletivo brasileiro regrando a legitimidade ver acima a legitimidade da Defensoria Pública ônus da prova efeitos da coisa julgada execução entre outros temas da tutela metaindividual Súmulas do STF e do STJ STF Súmula 643 O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares STJ Súmula 329 O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público STJ Súmula 489 Reconhecida a continência devem ser reunidas na Justiça Federal as ações civis públicas propostas nesta e na Justiça Estadual Foi cancelada a Súmula 183 do STJ Compete ao juiz estadual nas comarcas que não sejam sede de vara da Justiça Federal processar e julgar ação civil pública ainda que a União figure no processo Foi cancelada a Súmula 470 do STJ O Ministério Público não tem legitimidade para pleitear em ação civil pública a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado por ter o STF assumido posição oposta RE 631111GO Pleno DJe de 30102014 ou seja a favor da legitimidade do MP para ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do seguro DPVAT dado o interesse social qualificado presente na tutela jurisdicional das vítimas de acidente de trânsito beneficiárias pelo DPVAT bem como as diante das funções constitucionais do MP 39 Direito à saúde 391 ASPECTOS GERAIS O direito à saúde assegura a promoção do bemestar físico mental e social de um indivíduo impondo ao Estado a oferta de serviços públicos a todos para prevenir ou eliminar doenças e outros gravames O direito à saúde possui faceta individual e difusa pois há o direito difuso de todos de viver em um ambiente sadio sem o risco de epidemias ou outros malefícios à saúde Por isso determina a Constituição de 1988 que a saúde é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção proteção e recuperação art 195 Além disso o direito à saúde possui a faceta de abstenção tida como negativa e a faceta prestacional tida como positiva Do ponto de vista da faceta de abstenção há o direito individual de não ter sua saúde colocada em risco bem como há o direito de não ser obrigado em geral a receber um determinado tratamento Assim a pessoa tem direito à autodeterminação sanitária que consiste na faculdade de aceitar recusar ou interromper voluntariamente tratamentos médicos Esse direito exige que seja dada ao indivíduo toda a informação necessária para que a recusa ou o consentimento seja livre e esclarecido Excepcionalmente o direito de recusa de tratamento pode ser superado em uma ponderação de direitos com o direito à saúde de outros como se vê em casos de epidemias Do ponto de vista prestacional o direito à saúde habilita a pessoa a exigir um tratamento adequado por parte do Estado podendo inclusive pleitear tal serviço de saúde judicialmente Debatese atualmente i os limites da judicialização do direito à saúde especialmente no que tange a tratamentos e medicamentos ainda não assegurados pelo Estado e ii qual dos entes federados União Estados ou Municípios deve arcar com os custos decorrentes da judicialização ver abaixo a análise do Sistema Único de Saúde SUS Inicialmente cabe separar a i judicialização visando ao acesso a tratamentos e medicamentos já incorporados às políticas públicas sanitárias da ii judicialização que busca obter tratamentos e medicamentos ainda não incorporados No tocante à primeira categoria o direito à saúde é tido como direito subjetivo a políticas públicas de assistência à saúde sendo ofensa a direito individual a falta ou falha injustificadas na sua prestação A demanda judicial por tratamento ou medicamento incorporado à política pública de saúde via SUS é fundada na obrigação do Estado de prestar o serviço de saúde de forma adequada ao proponente da ação Tratase de intervenção judicial que não ofende à separação de poderes mas sim exige que o Estado cumpra aquilo com o que já havia se comprometido Em geral o autor da ação deve comprovar i a necessidade do tratamento ou do medicamento e ii a prévia tentativa de sua obtenção na via administrativa o que pode ser substituído pela oitiva judicial do administrador público sobre as condições para a prestação do serviço de saúde almejado STF voto do Min Roberto Barroso no RE 566471 rel Min Marco Aurélio ainda em julgamento em outubro de 2019 Quanto ao fornecimento por ordem judicial de tratamento ou medicamento não constante da de políticas públicas de saúde do Sistema Único de Saúde a posição majoritária assumida pelo STJ e pelo STF é ampliativa defendendo em linhas gerais que cabe ao Poder Judiciário zelar pela adequada implementação do direito à saúde Contudo preferencialmente a busca da tutela judicial deve ser veiculada em ações civis públicas ações coletivas ou individuais que possam ser coletivizáveis para evitar violação da igualdade com o uso do sistema de justiça para desviar recursos para a tutela de alguns cumprindo o princípio da universalidade do direito à saúde da Constituição de 1988 nesse sentido resumo de voto do Ministro Edson Fachin no RE 566471 rel Min Marco Aurélio ainda em julgamento em outubro de 2019 Além disso a tutela judicial nessa hipótese tem parâmetros estritos O STJ em julgamento de recurso repetitivo entendeu que o Poder Judiciário em face do dever do Estado em promover o direito à saúde pode obrigar o Poder Público a fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS o que pode ser aplicado a tratamentos desde que haja a presença cumulativa de três requisitos i comprovação por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento assim como da ineficácia para o tratamento da moléstia dos fármacos fornecidos pelo SUS ii incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito iii existência de registro na ANVISA do medicamento STJ 1ª Seção REsp 1657156RJ rel Min Benedito Gonçalves j 2542018 recurso repetitivo Por sua vez o STF estabeleceu parâmetros próprios em repercussão geral para serem seguidos pelo Poder Judiciário na análise de pleitos referentes ao fornecimento de medicamentos não incorporados e que ainda não tenham sido aprovados pelo órgão de vigilância sanitária nacional De início o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais bem como a ausência de registro na Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária impede como regra geral ver exceção abaixo o fornecimento de medicamento por decisão judicial O registro sanitário representa uma garantia do direito à saúde e não uma etapa burocrática sem sentido Ignorar a ausência de registro ofende ainda a separação das funções de poder e o papel indispensável do Poder Executivo na análise da eficácia dos medicamentos O caso da fosfoetanolamina sintética a pílula do câncer é considerado um marco no fornecimento de medicamento sem registro e consequentemente sem os testes suficientes Houve a edição da Lei n 132692016 para permitir a produção e comercialização do produto sem que os testes fossem concluídos lei suspensa pela ADI 5501MC rel Min Marco Aurélio j 1962016 Realizados testes até hoje a eficácia da substância contra tumores não foi comprovada Contudo excepcionalmente é possível a obtenção pela via judicial de medicamento sem registro sanitário em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido prazo superior ao previsto na Lei n 134112016 cujo art 2º chega a mencionar o prazo máximo na tramitação ordinária de 365 dias quando preenchidos três requisitos impostos pelo STF I a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil salvo no caso de medicamentos órfãos 473 para doenças raras e ultrarraras II a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior III a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil Por fim as ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão ser necessariamente propostas em face da União STF RE 657718MG redator para o acórdão Min Roberto Barroso j 2252019 Esses casos demonstram o aguçamento do debate sobre o dever do Estado de custear os serviços de saúde o qual gerou a judicialização da saúde especialmente em face de pedidos individuais de acesso a tratamentos ou remédios de alto custo ainda não disponibilizados na rede pública O modelo de atendimento integral das demandas de saúde é justificado pela importância da saúde para a vida digna que não poderia ser amesquinhada por considerações de respeito ao orçamento ou à separação de poderes devendo ser assegurado o acesso à Justiça Recentemente esse modelo denominado pelo Min Barroso de tudo para todos voto do Min Barroso no RE 566471 rel Min Marco Aurélio ainda em julgamento em outubro de 2019 sofre questionamento em face da necessidade de ponderar o direito à saúde do beneficiado pela tutela judicial com o direito à saúde dos demais que não ingressaram com ações judiciais e que tem de se satisfazer com um orçamento cada vez mais diminuto São apontadas as seguintes mazelas da judicialização do direito à saúde descontrolada e sem parâmetros i falta de legitimidade democrática pois não caberia ao Judiciário indiretamente orientar as prioridades do gasto público em saúde outorgando tratamentos não previstos ou concedendo fármacos não aceitos pelo SUS ii seletividade e elitismo porque poucos teriam acesso à Justiça para obter tal tutela judicial sanitária iii falta de capacidade institucional para decidir sobre os motivos da ausência de determinado medicamento na lista de fornecimento gratuito ou o motivo da utilização de um tratamento e não outro e iv criação de despesas desnecessárias relacionadas à alocação de servidores públicos para cumprir tais ordens judiciais desorganizando ainda mais o setor público de saúde O modelo alternativo seria o modelo da judicialização excepcional que adota a regra geral de proibição de atuação do Poder Judiciário na tutela de tratamentos não previstos ou concessão de medicamentos ainda não inseridos nas políticas públicas de saúde Excepcionalmente e obedecendo aos diversos parâmetros acima expostos STF RE 657718MG redator para o acórdão Min Roberto Barroso j 2252019 poderia o Judiciário intervir Anotese que mesmo se adotado o segundo modelo não é afetada a tutela judicial do direito à saúde baseada nas políticas estatais já adotadas mas implementadas de modo falho ou insuficiente STF STA 175 AgR rel Min Gilmar Mendes j 1732010 P DJe de 304 2010 Por outro lado o financiamento à saúde não pode gerar tratamento privilegiado no sistema público mediante paga o que violaria a igualdade e o comando constitucional de acesso universal à saúde Nesse sentido o STF considerou constitucional regra de proibição da dupla porta pela qual foi vedada no âmbito do SUS a internação em acomodações de qualidade superior bem como o atendimento diferenciado por médico do SUS ou conveniado mediante pagamento adicional Para o STF a dupla porta institucionalizaria um procedimento de diferença de classes na rede pública de saúde ofendendo o acesso equânime e universal às ações e serviços para promoção proteção e recuperação da saúde violando ainda os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana RE 581488 rel Min Dias Toffoli j 3122015 P DJe de 842016 Tema 579 392 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE No caso brasileiro o art 198 da CF88 consagrou o Sistema Único de Saúde que consiste em política pública de saúde pela qual o Estado promove o direito à saúde de modo universal e igualitário em todo o território nacional A utilização do termo único visa impor uma política nacional de saúde superando as divergências entre os entes federados Nesse sentido Weichert alerta que não pode um ente federado prestar ações de saúde fora do SUS 474 De acordo com o art 198 da CF88 as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único organizado de acordo com as seguintes diretrizes I descentralização com direção única em cada esfera de governo II atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas sem prejuízo dos serviços assistenciais III participação da comunidade A responsabilidade pela prestação do serviço de saúde é comum aos entes federados art 23 II da CF88 475 que respondem solidariamente pelas prestações de saúde Assim ação judicial contra eventual omissão na realização de um serviço de saúde por exemplo o atendimento hospitalar ou a entrega de medicamento da lista do SUS pode ser proposta contra a qualquer ente federado evitando que o jurisdicionado seja prejudicado pela eventual discussão entre os entes sobre a repartição dos ônus financeiros que tal serviço gera O STF fixou tese de repercussão geral nesse sentido pela qual os entes da federação em decorrência da competência comum são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro Embargos de Declaração no RE 855178SE com repercussão geral nos termos do voto do Ministro Edson Fachin Redator para o acórdão Plenário j 2352019 Como visto acima em casos de pedidos referentes a medicamentos ainda não registrados na ANVISA a ação deve ser interposta contra a União exclusivamente A repartição constitucional da competência legislativa sobre o direito à saúde é concorrente cabendo aos Estados legislar supletivamente à lei federal art 24 XII da CF88 Essa competência concorrente é reforçada pela hipótese de regular aspectos referentes ao direito à saúde dos consumidores art 24 V Os municípios podem adotar regras referentes à implementação direito à saúde que sejam compatíveis com o interesse local art 30 I 476 Apesar da subordinação da lei estadual às normas gerais federais no âmbito da competência legislativa concorrente é possível que os Estados adquiram competência plena na i ausência ou ii inconstitucionalidade da lei federal No caso do amianto a proteção à saúde e ao meio ambiente justificaram à adoção de lei estadual de banimento do uso do amianto ao contrário do disposto na lei federal Contudo em face do atual consenso científico sobre sua natureza cancerígena e sendo inviável o uso do amianto de forma segura o STF reconheceu a inconstitucionalidade material superveniente da lei geral federal Lei n 905595 por ofensa ao direito à saúde Com a inconstitucionalidade da norma geral federal os Estadosmembros passaram a ter competência legislativa plena sobre a matéria até a adoção de nova lei federal ADI 3937 rel p o ac Min Dias Toffoli j 2482017 P Informativo 874 e também ADI 3406 e ADI 3470 rel Min Rosa Weber j 29112017 P Informativo 886 Em resumo a prestação do serviço de saúde no Brasil deve obedecer então aos seguintes princípios cardeais i alcance universal não podendo ninguém ser excluído ii igualitária não sendo permitida a discriminação de qualquer tipo o que impede a diferenciação entre aqueles que podem pagar e os que não podem iii integral não podendo ter limite de atendimento que prejudique a saúde iv equitativa com investimentos em todos os campos necessários v aberta à participação da comunidade vi descentralizada para os Municípios vii gratuita e em geral estatal e viii colaborar com a preservação do meio ambiente e dos direitos dos trabalhadores Ademais o sistema único de saúde será financiado nos termos do art 195 com recursos do orçamento da seguridade social da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios além de outras fontes Dispõe ainda a Constituição de 1988 que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada podendo as instituições privadas participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde segundo diretrizes deste mediante contrato de direito público ou convênio tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos É vedada todavia a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos bem como é vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País salvo nos casos previstos em lei Em 2018 foi editada a Lei n 13714 determinando que a atenção integral à saúde inclusive a dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde a famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidade ou risco social e pessoal deve ser feita independentemente da apresentação de documentos que comprovem domicílio ou inscrição no cadastro no Sistema Único de Saúde SUS Com isso superase a barreira de acesso à saúde de pessoas vulneráveis que não possuem documento ou endereço fixo 393 JURISPRUDÊNCIA DO STF Judicialização do direito à saúde O direito à saúde além de qualificarse como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequência constitucional indissociável do direito à vida O Poder Público qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira não pode mostrarse indiferente ao problema da saúde da população sob pena de incidir ainda que por censurável omissão em grave comportamento inconstitucional O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes inclusive àquelas portadoras do vírus HIVAIDS dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República arts 5º caput e 196 e representa na concreção do seu alcance um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas especialmente daquelas que nada têm e nada possuem a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade STF RE 271286AgR rel Min Celso de Mello j 1292000 2ª T Plenário DJ de 24112000 Competência estadual e defesa da saúde Possibilidade A natureza das disposições concernentes a incentivos fiscais e determinação para que os supermercados e hipermercados concentrem em um mesmo local ou gôndola todos os produtos alimentícios elaborados sem a utilização de glúten não interferem na função administrativa do Poder Executivo local A forma de apresentação dos produtos elaborados sem a utilização de glúten está relacionada com a competência concorrente do Estado para legislar sobre consumo proteção e defesa da saúde Art 24 V e XII da CR ADI 2730 rel Min Cármen Lúcia j 552010 P DJe de 2852010 Competência estadual e defesa da saúde Impossibilidade Lei n 148612005 do Estado do Paraná Informação quanto à presença de organismos geneticamente modificados em alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano e animal Lei federal n 111052005 e Decretos n 46802003 e 55912005 Competência legislativa concorrente para dispor sobre produção consumo e proteção e defesa da saúde Art 24 V e XII da CF Ocorrência de substituição e não suplementação das regras que cuidam das exigências procedimentos e penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos por norma estadual que dispôs sobre o tema de maneira igualmente abrangente Extrapolação pelo legislador estadual da autorização constitucional voltada para o preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal Precedente ADI 3035 rel Min Gilmar Mendes DJ de 14102005 ADI 3645 rel Min Ellen Gracie j 3152006 P DJ de 1º92006 Vide ADPF 109 rel Min Edson Fachin j 30112017 P Informativo 886 Competência municipal e defesa da saúde Impossibilidade A Lei municipal n 86402000 ao proibir a circulação de água mineral com teor de flúor acima de 09 mgl pretendeu disciplinar sobre a proteção e defesa da saúde pública competência legislativa concorrente nos termos do disposto no art 24 XII da CB É inconstitucional lei municipal que na competência legislativa concorrente utilizese do argumento do interesse local para restringir ou ampliar as determinações contidas em texto normativo de âmbito nacional RE 596489 AgR rel Min Eros Grau j 27102009 2ª T DJe de 20 112009 Direito à saúde e direito à igualdade em concursos públicos Impossibilidade de remarcação de teste de aptidão física em concurso público em razão de problema temporário de saúde devido à vedação expressa em edital Inexistência de direito constitucional à remarcação de provas em razão de circunstâncias pessoais dos candidatos Segurança jurídica Validade das provas de segunda chamada realizadas até a data da conclusão do julgamento RE 630733 rel Min Gilmar Mendes j 1552013 P DJe de 20112013 Tema 335 Suspensão da eficácia de parte da EC 862015 Emenda do Orçamento Impositivo Violação da proibição do retrocesso social O STF em decisão liminar suspendeu a eficácia dos arts 2º e 3º da EC 862015 cuja incidência reduziria o mínimo de recursos da União a serem aplicados na saúde no ano de 2017 sendo que este patamar de 2017 seria replicado por mais 19 anos de acordo com a EC 952016 Emenda do Teto o que abalaria por quase duas décadas o gasto público em saúde no Brasil Para o relator Min Lewandowski a proteção constitucional do direito à saúde e por conseguinte do direito à vida exige que sejam assegurados concomitantemente a higidez do SUS e o seu financiamento adequado seja pelo viés das fontes próprias e solidárias de receitas da seguridade social seja pelo viés do dever de gasto mínimo no setor Este é o estágio já conquistado de realização do direito à saúde cujo retrocesso viola seu núcleo essencial STF ADI n 5595 rel Min Ricardo Lewandowski decisão de 3182017 em trâmite em outubrode 2019 Direito à saúde Responsabilidade de todos os entes federados O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental podendo o requerente pleiteálos de qualquer um dos entes federativos desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeálos com recursos próprios Isso por que uma vez satisfeitos tais requisitos o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional STF RE 607381AgR rel Min Luiz Fux j 31 52011 Primeira Turma DJe de 1762011 Direito à saúde de indivíduo isolado Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Legitimidade Ministério Público é parte legítima para ingressar em juízo com ação civil pública visando a compelir o Estado a fornecer medicamento indispensável à saúde de pessoa individualizada RE 407902 rel Min Marco Aurélio j 2652009 Primeira Turma DJe de 2882009 no mesmo sentido RE 648410AgR rel Min Cármen Lúcia j 1422012 Primeira Turma DJe de 1432012 Constitucionalidade do programa Mais Médicos Em 2017 o Supremo Tribunal Federal confirmou a constitucionalidade do programa Mais Médicos instituído pela Lei n 128712013 Foram afastados os argumentos principais apresentados pela Associação Médica Brasileira AMB que propôs a ação direta de inconstitucionalidade Para o STF o programa Mais Médicos auxilia na concretização do direito à saúde em regiões não atendidas por diplomados no Brasil que recebem prioridade na escolha das vagas aceitandose na sequência os diplomados no exterior STF ADIs n 5035 e 5037 relator para o acórdão Min Alexandre de Moraes j 30112017 Proteção das mulheres grávidas e lactantes Inconstitucionalidade da lei que admitia trabalho em ambientes insalubres Proibição do retrocesso social Na ADI 5938 o STF considerou inconstitucionais os incisos II e III do art 394A da Consolidação das Leis do Trabalho CLT após a redação conferida pela Reforma Trabalhista do governo Temer Lei n 134672017 As normas tidas como inconstitucionais permitiam que as empregadas gestantes atuassem em ambientes insalubres de grau médio ou mínimo e as empregadas lactantes em ambientes insalubres de qualquer tipo O afastamento de tais atividades dependeria de determinação de médico consultado pela trabalhadora Houve violação da proteção constitucional da maternidade prevista no art 6º da CF88 bem como da proteção integral da criança art 227 da CF88 De acordo com o Min Alexandre de Moraes tratase ainda de uma proteção instrumental pois visa assegurar a saúde das gestantes e lactantes mas também dos recémnascidos e dos nascituros Também foi realçada na decisão do STF a proibição do retrocesso social pois houve a diminuição da proteção já obtida de acordo com a antiga CLT STF ADI 5938 rel Min Alexandre de Moraes j 2952019 40 Sistema Único de Assistência Social O direito à assistência social consiste na faculdade de exigir do Estado prestação monetária ou serviço que assegurem condições materiais mínimas de sobrevivência sem que seja exigida qualquer outra contraprestação por parte do beneficiado A ausência de contraprestação é característica da assistência social que a diferencia dos direitos previdenciários complementandoos Aliás os direitos de seguridade social são compostos pelo tripé direito à saúde direito à previdência social e o direito à assistência social O financiamento da assistência social é feito por toda a sociedade mostrando sua natureza solidária A Constituição de 1988 estabelece os seguintes objetivos da assistência social i a proteção à família à maternidade à infância à adolescência e à velhice ii o amparo às crianças e adolescentes carentes iii a promoção da integração ao mercado de trabalho iv a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária v a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família conforme dispuser a lei No plano do constitucionalismo brasileiro a assistência social art 203 é parte importante da democracia substantiva da Constituição de 1988 que instituiu direito fundamental exigível perante o Estado Rcl 4374 rel Min Gilmar Mendes j 1842013 P DJe de 49 2013 No que tange ao benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso a Lei de Organização da Assistência Social LOAS Lei n 847293 ao regulamentar o art 203 V da Constituição da República estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido O art 20 3º da LOAS estipula que considerase incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 14 um quarto do salário mínimo Esse limite objetivo foi contestado em diversas ações judiciais sob o fundamento de excluir parcela significativa de pessoas pobres e miseráveis Inicialmente o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional o art 20 3º da LOAS ADI 1232 rel p o ac Min Nelson Jobim j 2781998 P DJ de 16 2001 Porém ocorreu o chamado processo de inconstitucionalização motivado por mudanças fáticas políticas econômicas e sociais e jurídicas sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro podendo ser utilizados outros critérios para que seja comprovada a vulnerabilidade do beneficiado RE 580963 rel Min Gilmar Mendes j 1842013 P DJe de 14112013 tema 312 A assistência social é um direito indispensável para que o Brasil cumpra seu objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização reduzindo as desigualdades sociais e regionais art 3º da CF88 Atualmente a Lei Orgânica da Assistência Social é a Lei n 8742 de 1993 com várias mudanças implementadas pela Lei n 12435 de 2011 Podem receber os benefícios de assistência social os i brasileiros natos ii naturalizados e iii estrangeiros residentes no País atendidos os requisitos constitucionais e legais Os estrangeiros indocumentados podem assim ser excluídos das políticas públicas estatais RE 587970 rel Min Marco Aurélio j 2042017 P DJe de 2292017 tema 173 o que fragiliza o universalismo dos direitos humanos Por sua vez houve a edição de diversas leis voltadas à assistência social como a Lei n 108362004 que criou o Bolsa Família a Lei n 106892003 que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação a Lei n 102192001 que criou o Bolsa Escola a Lei n 953397 que autorizou o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas 41 Direito à educação 411 ASPECTOS GERAIS O direito à educação consiste na faculdade de usufruir todas as formas de ensino transmissão reflexão e desenvolvimento do conhecimento voltadas ao desenvolvimento físico intelectual e moral do ser humano Por sua vez o direito ao ensino retrata a realização do direito à educação por meio de instrumentos institucionalizados A CF88 inseriu o direito à educação no rol dos direitos sociais art 6º caput sendo direito de todos e tendo exigido seu cumprimento pelo i Estado e ii pela família art 205 A Declaração Universal dos Direitos Humanos consagrou o direito de toda pessoa à educação que deve ser gratuita ao menos a correspondente ao ensino elementar fundamental Para a DUDH o ensino elementar é obrigatório bem como o ensino técnico e profissional dever ser generalizado o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade em função do seu mérito Os pais possuem prioritariamente o direito de escolher o tipo de educação a dar aos filhos art XXVI Por sua vez o art 13 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC prevê que todos têm o direito à educação que deve objetivar i o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e ii fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais Além disso o direito à educação deve capacitar todas as pessoas a iii participar de uma sociedade livre iv favorecer a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e v entre todos os grupos raciais étnicos ou religiosos Para o Comitê do PIDESC a educação é ao mesmo tempo um direito em si e também um instrumento indispensável para a realização de outros direitos humanos De fato a educação tem um papel indispensável na promoção de direitos humanos e da democracia possibilitando o empoderamento dos grupos vulneráveis em uma sociedade Comentário Geral n 131999 No plano doméstico a CF88 estabeleceu que a educação objetiva i o pleno desenvolvimento da pessoa ii seu preparo para o exercício da cidadania e iii sua qualificação para o trabalho Esse trinômio constitucional desenvolvimento pessoal preparo cidadão e a qualificação trabalhista concretiza o direito à educação pluralista voltada à formação em sentido amplo do indivíduo na sua vida em sociedade Há assim uma dupla dimensão do direito à educação a dimensão prestacional pela qual se exige que o Estado diretamente ou aceitando sua prestação por particulares realize esse serviço e a dimensão de abstenção a qual exige que não haja intromissão e eventual introjeção de um único valor ou ponto de vista nos educandos A educação deve ser prestada com base nos seguintes princípios constitucionais i igualdade de condições para o acesso e permanência na escola ii liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o pensamento a arte e o saber e iii pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino iv gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais v valorização dos profissionais do ensino vi gestão democrática do ensino público e vii garantia de padrão de qualidade art 206 da CF88 A gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais é fruto de mandamento direto da Constituição art 206 V o que ensejou a edição da Súmula Vinculante 12 pela qual se estabeleceu que a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art 206 IV da Constituição Federal Todavia em 2017 o STF em decisão com repercussão geral fixou a tese de que a garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização STF RE 597854 rel Min Edson Fachin j 2642017 P DJe de 2192017 Tema 535 Apesar de a decisão ter se restringido aos cursos de especialização pósgraduação lato sensu houve debate entre os Ministros a respeito de estender em momento futuro a permissão de cobrança aos cursos de extensão e aos cursos de mestrado e doutorado Com isso para o STF a gratuidade ampla e geral a qualquer forma de educação nos estabelecimentos públicos não decorre da Constituição podendo as universidades públicas cobrar dos alunos contraprestação sob o regime jurídico do preço público nos cursos de especialização Todavia a gratuidade de ensino nas instituições públicas abarca o ensino fundamental o ensino médio e o ensino superior de graduação Assim continua a ser proibida a cobrança para matrícula em curso universitário público de graduação RE 500171 rel Min Ricardo Lewandowski j 1382008 P DJe de 24102008 Tema 40 Por outro lado como consequência da liberdade de aprender ensinar pesquisar e divulgar o conhecimento foi consagrada a autonomia didáticocientífica administrativa e de gestão financeira e patrimonial das Universidades que em contrapartida devem atuar em três áreas chaves ensino pesquisa e extensão O dever do Estado é prestar a educação básica obrigatória e gratuita que corresponde ao ensino fundamental I e II dos 4 aos 17 anos de idade assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo Já o acesso aos níveis mais elevados do ensino da pesquisa e da criação artística deve seguir o critério da capacidade de cada um O ensino médio gratuito deve ser progressivamente universalizado A educação infantil deve ser prestada em creche e préescola às crianças até 5 anos de idade As pessoas com deficiência têm direito a atendimento educacional especializado preferencialmente na rede regular de ensino art 208 III da CF88 As Emendas Constitucionais 532006 e 592009 que ampliaram a educação obrigatória a partir dos quatro anos de idade substituíram o critério da etapa de ensino pelo critério da idade do aluno Atualmente o ingresso nas séries iniciais da educação infantil e do ensino fundamental exige que a criança tenha respectivamente quatro e seis anos de idade completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula Diante de alegação de inconstitucionalidade desse critério etário o Supremo Tribunal Federal decidiu a favor da existência de espaço de conformação do Poder Executivo em especial diante da especialização técnica do Conselho Nacional de Educação para estabelecer esse corte etário Para essa visão apesar de não ser a única solução constitucionalmente possível cabe reconhecer o espaço de conformação regulamentar do administrador sobretudo em razão da especialização do Conselho Nacional de Educação CNE Contudo registrese o voto vencido do Min Fachin para quem o art 208 IV 477 da CF indica que a criança até 5 anos está no ensino infantil Após iniciase o ensino fundamental sendo inconstitucional o corte em 31 de março que foi utilizado para limitar o acesso ao ensino fundamental às crianças com seis anos completos Para essa posição as crianças com seis anos incompletos até 31 de março do ano da matrícula poderiam ingressar no ensino fundamental Por maioria foi considerado constitucional a fixação administrativa da data de tal corte etário sendo adotada a seguinte tese de julgamento É constitucional a exigência de 6 seis anos de idade para o ingresso no ensino fundamental cabendo ao Ministério da Educação a definição do momento em que o aluno deverá preencher o critério etário ADPF 292DF rel Min Luiz Fux ADC 17DF rel para o acórdão Min Roberto Barroso j 182018 Com o reconhecimento do direito à educação inclusiva na rede regular de ensino da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência o termo preferencialmente deve ser interpretado somente para determinado atendimento mas não pode servir para excluir a pessoa com deficiência da escola regular Na prestação da educação pelo Poder Público há atuação comum da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios em colaboração A CF88 contudo estipulou que cabe aos Municípios atuar no ensino fundamental e na educação infantil art 211 2º aos Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio art 211 3º No plano legislativo há competência concorrente entre União Estadosmembros e Distrito Federal na elaboração de leis sobre educação cultura e ensino art 24 IX sendo contudo competência privativa da União a edição de lei sobre as diretrizes e bases da educação Lei n 939496 o que gera uma uniformização da educação no território nacional Quanto à atuação da iniciativa privada a CF88 estabelece que a educação pode ser oferecida no Brasil pela iniciativa privada obedecendo às seguintes condições i cumprimento das normas gerais da educação nacional e ii autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público Outro tema de relevo é a prestação de ensino pela própria família no chamado ensino domiciliar homeschooling Para o STF o ensino domiciliar não se constitui em um direito público subjetivo do aluno ou de sua família porém sua existência não é per se inconstitucional ou inconvencional Futuramente cabe a sua criação por meio de i lei federal desde que ii se cumpra a obrigatoriedade de ensino no caso domiciliar de 4 a 17 anos e iii se respeite o núcleo básico de matérias acadêmicas com a consequente supervisão avaliação e fiscalização pelo Poder Público além de se iv respeitar as finalidades constitucionais do ensino em especial a garantia da socialização do indivíduo por meio de ampla convivência familiar e comunitária Foi aprovada a seguinte tese de repercussão geral Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar inexistente na legislação brasileira STF RE 888815 rel p o acórdão Min Alexandre de Moraes j 1292018 DJe 2132019 412 O DIREITO À EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA E O DIREITO À EDUCAÇÃO EMANCIPADORA Em 2016 no bojo de movimento denominado Escola sem Partido 478 foi editada a Lei estadual de Alagoas n 78002016 que vedou determinadas condutas ao corpo docente e administrativo ao instituir no sistema estadual de ensino alagoano o Programa Escola Livre Foram vedadas prática de doutrinação política e ideológica bem como quaisquer outras condutas por parte do corpo docente ou da administração escolar que imponham ou induzam aos alunos opiniões políticopartidárias religiosa ou filosófica art 2º da Lei n 78002016 Houve a propositura das ADIs n 5537AL e n 5580AL tendo como relator o Min Luís Roberto Barroso Nas informações da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas defendeu se a norma impugnada alegando que era necessário coibir prática de doutrinação política e ideológica e quaisquer condutas por parte do corpo docente ou da administração escolar que imponham ou induzam os alunos a opiniões políticopartidárias religiosas eou filosóficas de forma a proteger a sua liberdade de consciência trecho do relatório do voto do Min Barroso Contudo o voto do Min Barroso considerou que tais vedações previstas na lei alagoana violaram o direito à educação democrática que permite que o estado defina conteúdo dos cursos de formação e objetivos do ensino até de forma independente dos pais Foi citado precedente do Tribunal Constitucional Federal sobre a disciplina Educação Sexual no qual aquele tribunal decidiu que os direitos dos pais à educação dos filhos cede diante da missão constitucional do Estado na área da educação Cabe lembrar que a Convenção Americana de Direitos Humanos art 124 e o Protocolo de San Salvador art 134 estipulam o direito dos pais de escolher o tipo de educação que deverá ser ministrada a seus filhos Contudo o Protocolo explicita que tal direito dos pais será exercido desde que esteja de acordo com os princípios enunciados no seu próprio texto ou seja desde que esteja de acordo com a promoção do pluralismo e das liberdades e direitos fundamentais No voto do Min Barroso também foi mencionado o Comentário Geral n 13 do Comitê dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais do PIDESC vide acima neste Curso pelo qual os Estados devem respeitar a liberdade acadêmica permitindo a livre expressão nas escolas assegurandose a discussão de opiniões e ressalvandose ao dever de proibição da discriminação odiosa do racismo da apologia do crime e respeito à laicidade Assim eventual restrição à liberdade acadêmica deve respeitar a proporcionalidade e a ponderação de direitos o que não ocorreu com a lei alagoana que ao pretender cercear a discussão no ambiente escolar contrariou preceitos conformadores da educação brasileira em especial as liberdades constitucionais de aprender ensinar pesquisar e divulgar a cultura o pensamento a arte e o saber o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a gestão democrática do ensino público trechos do voto do Min Barroso STF ADI n 5537A e n 5580AL julgamento conjunto decisão concessiva de liminar de 2332017 Além disso houve o uso de expressões excessivamente genéricas para impor esses limites à liberdade de ensinar que podem gerar um indesejável efeito inibidor chilling effect pelo qual os docentes e servidores deixam expor o pluralismo de ideias sobre certo tema em face do receio de serem punidos de alguma forma Em 2017 o STF também por decisão liminar do Min Roberto Barroso suspendeu lei municipal Município de ParanaguáPR que vedava o ensino sobre gênero e orientação sexual bem como a utilização desses termos nas escolas Além da temática da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional art 22 XXIV da CF88 ver acima para o Min Barroso a proibição de tratar de conteúdos em sala de aula sem justificativa plausível atenta contra o direito à educação que deve promover o i pleno desenvolvimento da pessoa ii a sua capacitação para a cidadania bem como o iii desenvolvimento humanístico do país conforme consta da CF88 arts 205 e 214 Para o Relator há o direito à educação emancipadora fundada no pluralismo de ideias bem como na liberdade de aprender e de ensinar cujo propósito é o de habilitar a pessoa para os mais diversos âmbitos da vida como ser humano como cidadão e como profissional trecho do voto do Min Barroso STF ADPF 461 decisão de 2162017 Em 2018 nova decisão do STF suspendeu lei municipal no mesmo sentido por contrariar a educação pluralista prevista em legislação federal ofensa à competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional ADPF 526 rel Dias Toffoli decisão de 2862018 Em setembro de 2019 a ProcuradoriaGeral da República ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF para fixar interpretação da Lei n 939496 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a fim de afastar qualquer interpretação que viabilize a realização de vigilância e censura da atividade docente com base em vedações genéricas e vagas à doutrinação política e ideológica à emissão de opiniões político partidárias religiosas ou filosóficas à manifestação de convicções morais religiosas ou ideológicas eventualmente contrárias às de estudantes pais ou responsáveis e à abordagem de questões relacionadas a gênero e sexualidade no ambiente escolar Buscase assim proteger o direito à educação na sua vertente liberdade de ensinar STF ADPF 624 rel Min Celso de Mello em trâmite 413 JURISPRUDÊNCIA DO STF Direito à educação e omissão do Poder Público A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil A omissão da administração importa afronta à Constituição RE 594018 AgR rel Min Eros Grau j 2362009 2ª T DJe de 782009 Direito à educação e discriminação de origem Cartão Cidadão acessível só a munícipes Ao condicionar o acesso aos serviços públicos de saúde ao porte de um cartão excluindo do gozo de tais serviços as pessoas que não residiam na localidade ou que residindo não detinham o cartão o Município violou a natureza universal e igualitária que a Constituição conferiu a esses serviços art 196 CF1988 O cartão cidadão também viola o art 205 que fixa a educação como direito de todos e dever do Estado e o art 206 ambos da CF o qual estabelece dentre os princípios norteadores do ensino no Brasil a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola ARE 661288 rel Min Dias Toffoli j 652014 1ª T DJe de 2492014 Ação civil pública e políticas públicas de educação Possibilidade Implementação de políticas públicas Obrigação de fazer reforma de escola em situação precária Possibilidade RE 850215 AgR rel Min Cármen Lúcia j 742015 2ª T DJe de 294 2015 Ministério Público e a promoção do direito à educação Ação civil pública promovida pelo Ministério Público contra Município para o fim de compelilo a incluir no orçamento seguinte percentual que completaria o mínimo de 25 de aplicação no ensino CF art 212 Legitimidade ativa do Ministério Público e adequação da ação civil pública dado que esta tem por objeto interesse social indisponível CF art 6º arts 205 e seguintes art 212 de relevância notável pelo qual o Ministério Público pode pugnar CF art 127 art 129 III RE 190938 rel p o ac Min Gilmar Mendes j 1432006 2ª T DJe de 2252009 Educação e inclusão das pessoas com deficiência Educação de deficientes auditivos Professores especializados em libras Inadimplemento estatal de políticas públicas com previsão constitucional Intervenção excepcional do Judiciário Cláusula da reserva do possível Inoponibilidade Núcleo de intangibilidade dos direitos fundamentais Constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade ARE 860979 AgR rel Min Gilmar Mendes j 1442015 2ª T DJe de 652015 Autonomia universitária e regime jurídico dos seus servidores O fato de gozarem as universidades da autonomia que lhes é constitucionalmente garantida não retira das autarquias dedicadas a esse mister a qualidade de integrantes da administração indireta nem afasta em consequência a aplicação a seus servidores do regime jurídico comum a todo o funcionalismo inclusive as regras remuneratórias RE 331285 rel Min Ilmar Galvão j 2532003 1ª T DJ de 252003 Limite da autonomia universitária Nos termos da jurisprudência deste Tribunal o princípio da autonomia universitária não significa soberania das universidades devendo estas se submeter às leis e demais atos normativos RE 561398 AgR rel Min Joaquim Barbosa j 2362009 2ª T DJe de 782009 Autonomia universitária e respeito às regras legais educacionais Não há direito líquido e certo à expedição de diploma com validade nacional se o curso de mestrado não é reconhecido como expressamente prevê a lei As universidades gozam de autonomia administrativa o que não as exime do dever de cumprir as normas gerais da educação nacional RE 566365 rel Min Dias Toffoli j 2222011 1ª T DJe de 1252011 Autonomia universitária e lei estadual Prevalência A implantação de campus universitário sem que a iniciativa legislativa tenha partido do próprio estabelecimento de ensino envolvido caracteriza em princípio ofensa à autonomia universitária CF art 207 Plausibilidade da tese sustentada ADI 2367 MC rel Min Maurício Corrêa j 54 2001 P DJ de 532004 Princípio da congeneridade na transferência de alunos A transferência de alunos entre universidades congêneres é instituto que integra o sistema geral de ensino não transgredindo a autonomia universitária e é disciplina a ser realizada de modo abrangente não em vista de cada uma das universidades existentes no País como decorreria da conclusão sobre tratarse de questão própria ao estatuto de cada qual Precedente RE 134795 rel Min Marco Aurélio RTJ 144644 RE 362074 AgR rel Min Eros Grau j 2932005 1ª T DJ de 2242005 42 Direito à alimentação O direito à alimentação consiste no acesso físico e econômico em todos os momentos a alimentos em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer as necessidades alimentárias dos indivíduos Há dois componentes no direito à alimentação de acordo com o Comentário n 12 do Comitê do PIDESC i o direito de estar ao abrigo da fome e ii o direito à alimentação adequada O direito de estar ao abrigo da fome é parte integrante do mínimo existencial pois abarca o mínimo de nutrientes que um indivíduo necessita devendo ser assegurado a todas e todos independentemente do local onde vivam Por estar vinculado ao direito à vida o direito de estar ao abrigo da fome não admite que o Estado alegue falta de recursos escusa da reserva do possível devendo dar total prioridade ao seu atendimento O direito à alimentação adequada consiste no acesso físico e econômico do indivíduo sozinho ou conjunto com os outros à alimentação ou aos meios para obtêla em face de fatores econômicos sociais culturais e ecológicos o que define se certo alimento disponível pode ser considerado o mais adequado Por outro lado não se trata tão somente da obtenção de determinada quantidade de calorias ou de nutrientes específicos mas sim de assegurar a chamada segurança alimentar que vem a ser a realização do direito à alimentação adequada por meio do acesso a alimentos com base em práticas que promovam a saúde a diversidade cultural e que sejam sustentáveis do ponto de vista ambiental cultural econômico e social A segurança alimentar assegura ainda o acesso à alimentação adequada às futuras gerações Assim a alimentação adequada depende do contexto social econômico cultural e ecológico a alimentação sustentável é fruto da disponibilidade e acessibilidade de alimentos para a geração presente e futura O processo de reconhecimento do direito à alimentação tem como marco o art 251 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que dispõe que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar inclusive alimentação vestuário habitação cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis No plano convencional há previsão ao direito à alimentação no Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais art 11 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher art 122 Convenção sobre os Direitos da Criança art 24 2 c Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência art 28 entre outros No plano nacional a Emenda Constitucional n 642010 introduziu expressamente o direito à alimentação no caput do art 6º O direito à alimentação impõe ao Estado e à sociedade duas obrigações básicas a de i respeitar e ii promover A obrigação de respeito exige que os Estados não obstaculizem o acesso à alimentação A obrigação de promover requer medidas ativas do Estado para assegurar a alimentação adequada devendo a assistência alimentar levar em consideração tanto a autossuficiência alimentar dos beneficiários e sua cultura quanto à sobrevivência econômica dos produtores de alimentos No tocante ao dever de assegurar a alimentação adequada e compatível com a cultura dos interessados a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Paraguai a assegurar o acesso à terra e à água potável para que a comunidade indígena pudesse obter alimentação suficiente para uma vida digna 479 É possível identificar cinco elementos básicos que envolvem a concretização do direito à alimentação i disponibilidade que assegura a produção processamento comercialização de alimentos para os indivíduos ii estabilidade que assegura que os alimentos não ficarão escassos em certos períodos e lugares iii acessibilidade que implica o fornecimento de uma dieta alimentar com custo que não comprometa a satisfação de outras necessidades do indivíduo iv sustentabilidade que exige uma gestão dos recursos naturais que preserve a disponibilidade de alimentos para a geração presente e para as futuras gerações v adequação que implica o reconhecimento de uma dieta nutritiva e livre de substâncias nocivas sendo ainda culturalmente compatível com a comunidade à qual o indivíduo pertence 43 Direito à moradia O direito à moradia consiste no direito de viver com segurança paz e dignidade em determinado lugar no qual o indivíduo e sua família possam se instalar de modo adequado e com custo razoável com i privacidade ii espaço iii segurança iv iluminação v ventilação vi acesso à infraestrutura básica água saneamento etc e localização Em síntese é o direito a ter um local adequado com privacidade e dotado do conforto mínimo para o indivíduo e seu grupo familiar Essas características exigem do Estado a concretização do direito à moradia adequada conforme consta do art 111 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC pelo qual todos têm direito a um padrão de vida adequado para si e sua família o que abarca a habitação Além do já citado art 111 do PIDESC o direito à moradia tem previsão no art 251 da Declaração Universal dos Direitos Humanos 480 no art 5º e III da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial 481 no art 142 h da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher 482 no art 273 da Convenção sobre os Direitos da Criança 483 entre outros No plano interno o direito à moradia foi incluído no rol do art 6º pela Emenda Constitucional n 262000 apesar da existência prévia de outros dispositivos constitucionais sobre esse direito O art 7º IV estipula que o gasto com moradia é uma necessidade vital básica a ser atendida pelo salário mínimo as espécies de usucapião do art 183 e do art 191 são referentes a áreas nas quais foi estabelecida a moradia do interessado por sua vez o art 23 IX trata da competência administrativa comum dos entes federados em promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais No Comentário Geral n 4 o Comitê do PIDESC identificou sete elementos essenciais do direito à moradia adequada a saber i proteção legal e segurança jurídica pelo qual se exige proteção legal da moradia contra despejo arbitrário ou ameaças de qualquer quilate ii disponibilidade de serviços pelo qual se requer que os beneficiados do direito à moradia possam usufruir de acesso sustentável à água à luz ao aquecimento ao saneamento entre outros iii custo acessível que assegura o acesso à moradia sem que outras necessidades básicas sejam sacrificadas iv habitabilidade que impõe que o local de moradia proteja os seus ocupantes da umidade calor frio e outras ameaças à saúde física e psíquica As recomendações constantes das Guias de Moradia e Saúde Housing and Health Guidelines da Organização Mundial da Saúde explicitam as condições adequadas de uma moradia mostrando o vínculo entre saúde e habitação 484 v acessibilidade que requer prioridade no acesso pleno e sustentável à moradia por parte de grupos vulneráveis idosos crianças pessoas com deficiência grupos que vivem em áreas de risco ou em habitações precárias etc transformando a moradia em direito de todos vi localização que indica a necessidade de não construir moradias em lugares sem serviços longe de equipamentos sociais e dos locais de trabalho próximos de áreas de risco ou poluídas etc vii adequação cultural que visa assegurar a identidade e diversidade cultural na construção da moradia O direito à moradia é distinto do direito de propriedade uma vez que não é indispensável que seja usufruído por meio da moradia própria Obviamente o direito de propriedade gera maior proteção e perenidade ao direito à moradia Nesse sentido a Constituição brasileira outorga aos remanescentes das comunidades de quilombos a propriedade definitiva das terras que estejam ocupando Por sua vez a Constituição assegura às comunidades indígenas a posse permanente de suas terras uma vez que a propriedade permanece sendo da União No plano legal o direito à moradia é protegido pelo instituto do bem de família regulado pela Lei n 800990 pelo qual o imóvel residencial é tido como impenhorável em face de dívidas do titular do bem Apesar do nome essa impenhorabilidade é direito também daquele que vive sozinho Entre as exceções a tal proteção da Lei n 800990 há a previsão de penhora do único imóvel residencial do fiador de uma locação O STF entendeu que tal dispositivo é constitucional uma vez que incentivaria os proprietários de imóvel a alugarem seus bens concretizando indiretamente o direito à moradia STF RE 407688 rel Min Cezar Peluso DJ de 6102006 ver ainda RE 612360RG j 1382010 P DJe de 392010 Tema 295 com repercussão geral Ainda no plano legal o Estatuto da Cidade Lei n 102572001 consagra o direito à moradia na política urbana art 2º I 44 Direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com transtornos mentais 441 DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A LEI N 131462015 As pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física intelectual ou sensorial os quais em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas 485 A deficiência significa uma restrição física mental ou sensorial de natureza permanente ou transitória que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária causada ou agravada pelo ambiente econômico e social 486 A deficiência é considerada um conceito social e não médico em evolução resultante da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras geradas por atitudes e pelo ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas Assim fica evidente que a deficiência está na sociedade não nos atributos dos cidadãos que apresentem impedimentos físicos mentais intelectuais ou sensoriais Na medida em que as sociedades removam essas barreiras culturais tecnológicas físicas e atitudinais as pessoas com impedimentos têm assegurada ou não a sua cidadania 487 A expressão pessoa portadora de deficiência corresponde àquela usada pela Constituição brasileira art 7º XXXI art 23 II art 24 XIV art 37 VIII art 203 IV e V art 208 III art 227 1º II e 2º art 244 Porém o termo portadora é inadequado pois indica ser possível deixar de ter a deficiência Assim a expressão utilizada pela Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência é pessoas com deficiência Essa Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional seguindose o rito especial do art 5º 3º 488 e possui consequentemente estatuto normativo equivalente à emenda constitucional Portanto houve atualização constitucional da denominação para pessoa com deficiência que a partir de 2009 passou a ser o termo utilizado A luta pela implementação dos direitos das pessoas com deficiência desembocou nesse início de século na fase da chamada linguagem dos direitos A luta pela afirmação dos direitos das pessoas com deficiência passou pelo reconhecimento de que sua situação de desigualdade e exclusão constitui verdadeira violação de direitos humanos tendo sido superado o modelo médico da abordagem da situação das pessoas com deficiência Esse modelo considerava a deficiência como um defeito que necessitava de tratamento ou cura Quem deveria se adaptar à vida social eram as pessoas com deficiência que deveriam ser curadas A atenção da sociedade e do Estado então voltavamse ao reconhecimento dos problemas de integração da pessoa com deficiência para que esta desenvolvesse estratégias para minimizar os efeitos da deficiência em sua vida cotidiana Já o modelo de direitos humanos ou modelo social vê a pessoa com deficiência como ser humano utilizando apenas o dado médico para definir suas necessidades A principal característica deste modelo é sua abordagem de gozo dos direitos sem discriminação Fica consagrado o vetor de antidiscriminação das pessoas com deficiência o que acarreta reflexão sobre a necessidade de políticas públicas para que seja assegurada a igualdade material consolidando a responsabilidade do Estado e da sociedade na eliminação das barreiras à efetiva fruição dos direitos do ser humano No Brasil além dos tratados já mencionados nos capítulos acima a Constituição de 1988 possui diversos dispositivos que tratam de pessoas com deficiência É de competência comum da União Estados Distrito Federal e Municípios cuidar da saúde e assistência pública da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência art 23 II O art 37 VIII dispõe que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão No plano federal a Lei n 8112 prevê até 20 da reserva de vagas art 5º 2º O art 7º XXXI proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência O art 203 V estabelece a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de têla provida por sua família conforme dispuser a lei No que tange à criança e adolescente com deficiência o art 227 II determina a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física sensorial ou mental bem como de integração social do adolescente portador de deficiência mediante o treinamento para o trabalho e a convivência e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos O art 227 2º determina que a lei deve dispor sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência Em 2015 foi editada a Lei n 13146 de 6 de julho que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência também denominada Lei Brasileira da Inclusão LBI buscando estar em linha com o modelo de direitos humanos introduzido pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência No tocante aos direitos da personalidade o Estatuto alterou profundamente o regime jurídico da capacidade tendo revogado as disposições do Código Civil de 2002 que tratavam a pessoa com deficiência como absolutamente incapaz Cumpriuse assim o disposto no art 12 da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que estabelece especialmente 2 Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida 3 Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal 4 Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos De acordo com a LBI somente o menor de 16 anos é considerado absolutamente incapaz Quanto ao relativamente incapaz o Estatuto eliminou a menção no art 4º do CC da incapacidade relativa daqueles que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido bem como a menção aos excepcionais sem desenvolvimento mental completo De acordo com o art 114 do Estatuto são considerados relativamente incapazes i os ébrios habituais ii os viciados em tóxico e iii aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade Afastouse então na nova redação do artigo 4º do Código Civil a possibilidade do uso do discernimento reduzido para restringir a capacidade de fato da pessoa com deficiência mental ou intelectual A regra geral da LBI foi de estabelecer a plena capacidade da pessoa com deficiência Acertadamente não é a deficiência a causa da incapacidade relativa mas sim a ausência de expressão da vontade Com isso as pessoas com deficiência que podem exprimir sua vontade são capazes Essa capacidade civil plena da pessoa com deficiência foi expressa no art 6º do Estatuto que lista rol meramente exemplificativo que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa inclusive para casarse e constituir união estável exercer direitos sexuais e reprodutivos exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar conservar sua fertilidade sendo vedada a esterilização compulsória exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária e exercer o direito à guarda à tutela à curatela e à adoção como adotante ou adotando em igualdade de oportunidades com as demais pessoas A pessoa com deficiência será como regra capaz e somente se não puder exprimir sua vontade relativamente incapaz realizando atos jurídicos em conjunto com assistente Valorizase a autodeterminação da pessoa com deficiência resumida na máxima nada sobre nós sem nós que também inspira a Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência Eventual impossibilidade de exprimir a vontade é resolvida pela instituição da curatela que em regra será parcial total somente se as circunstâncias da pessoa exigirem e temporária só para questões pontuais e patrimoniais O instituto da curatela foi objeto de significativas alterações Nesse sentido o instituto da curatela do Código Civil foi extremamente modificado dispõe a LBI que a curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso e durará o menor tempo possível art 84 O instituto da curatela ficou restrito de acordo com a LBI às pessoas com deficiência que não puderem exprimir sua vontade art 1767 I do Código Civil com redação dada pela LBI Tal como as alterações referentes à capacidade do Código Civil a LBI alterou a curatela que deixa de utilizar a falta de discernimento como motivo mas somente a expressão da vontade podendo exprimir a vontade não cabe a curatela Os curadores são obrigados a prestar anualmente contas de sua administração ao juiz apresentando o balanço do respectivo ano A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial e a LBI estabelece expressamente que a definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo à sexualidade ao matrimônio à privacidade à educação à saúde ao trabalho e ao voto De acordo com a LBI antes de se pronunciar acerca dos termos da curatela o juiz que deverá ser assistido por equipe multidisciplinar entrevistará pessoalmente a pessoa com deficiência É facultada à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada que consiste no processo de jurisdição voluntária pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas idôneas com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança para prestarlhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil fornecendo lhe os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa com deficiência com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio Para formular pedido de tomada de decisão apoiada a pessoa com deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem i os limites do apoio a ser oferecido ii os compromissos dos apoiadores iii o prazo de vigência do acordo e iv o respeito à vontade aos direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada o juiz assistido por equipe multidisciplinar após oitiva do Ministério Público ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio A pessoa apoiada pode a qualquer tempo solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada de decisão apoiada Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores deverá o juiz ouvido o Ministério Público decidir sobre a questão Após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil Lei n 131052015 em 2016 houve polêmica em relação ao instituto da curatela e da interdição em virtude da nova redação dada pela LBI aos artigos 1768 1769 1771 e 1772 do Código Civil O novo CPC além de trazer disposições sobre interdição art 748 e seguintes inclusive tratando de incapacidade do interditando de administrar bens e praticar atos da vida civil termo não utilizado pela LBI ainda revogou os artigos 1768 a 1773 do Código Civil art 1072 II Contudo a LBI foi promulgada em 6 de julho de 2015 publicada no dia 7 de julho de 2015 tendo entrado em vigor no dia 2 de janeiro de 2016 Já o novo Código de Processo Civil foi promulgado no dia 16 de março de 2015 publicado no dia 17 de março de 2015 tendo entrado em vigor no dia 18 de março de 2016 Assim o artigo 1072 do CPC revogou conteúdo do Código Civil já revogado pois não poderia o legislador processual revogar conteúdo que ainda sequer havia sido editado a LBI é posterior ao novo CPC Assim ao entrar em vigor o novo CPC revogou a redação original do Código Civil já revogada pela LBI Com isso os comandos da LBI em relação à curatela e prevalência da capacidade das pessoas com deficiência com as ressalvas vistas acima devem ser seguidos Por sua vez os dispositivos do CPC referentes à interdição devem ser interpretados à luz dos comandos da LBI e da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência No tocante à educação a LBI em linha com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência consagrou a educação inclusiva na escola regular pública ou privada No tocante às escolas privadas o art 28 1º da LBI é claro ao estabelecer que as disposições do referido artigo que tratam das diversas obrigações de inclusão em todos os níveis e modalidades de ensino são aplicáveis aos entes privados de ensino que inclusive não podem cobrar valores adicionais de qualquer natureza As pessoas com deficiência devem ter acesso ao ensino primário inclusivo de qualidade e gratuito e ao ensino secundário em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem tendo que ser garantidas as adaptações de acordo com as necessidades individuais Por isso consta da Convenção que as pessoas com deficiência devem receber o apoio necessário no âmbito do sistema educacional geral com vistas a facilitar sua efetiva educação devendo ser adotadas as medidas de apoio individualizadas e efetivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social de acordo com a meta de inclusão plena A aplicação destes comandos da Convenção será tarefa hercúlea De fato conforme demonstra a experiência temse observado graves ofensas a esse direito Com isso a LBI proíbe as recusas de matrículas sob o argumento de que a escola não está preparada para as necessidades de aluno com deficiência A alegada falta de preparação vai desde a parte arquitetônica até a falta de recursos didáticos e inadequação do método de ensino Por outro lado muitas vezes as pessoas com deficiência principalmente a mental são matriculadas em escolas regulares que as recebem com a expectativa que eles tenham um desempenho o mais próximo possível do aluno dito normal Caso esse desempenho não ocorra a criança é convidada a retirarse e encaminhada para a chamada escola especial Na maioria das vezes na escola especial a criança ou adolescente com deficiência fica isolado da sociedade em geral Tais condutas violam a nova LBI e a Convenção da ONU Os alunos com deficiência têm o direito de matricularse em escolas regulares regular schools devendo o Estado assegurar o preparo material e humano para tanto Com isso não é mais possível negar a qualquer pessoa com deficiência o acesso à escola regular Como defende Eugênia Gonzaga a diversidade na sala de aula é possível e o mais importante salutar pois todos ganham os alunos com deficiência e os alunos sem qualquer necessidade especial que percebem já na escola a diversidade da sociedade à qual pertencem 489 Assim a LBI garante a educação para todos em todos os níveis e de forma igualitária em um mesmo ambiente de modo a atingir o pleno desenvolvimento humano e o preparo para a cidadania das pessoas com ou sem deficiência Para que as pessoas com deficiências possam exercer esse direito em sua plenitude é indispensável portanto que a escola e não o aluno se adapte às mais diversas situações 490 A luta dos empresários do ensino pela exclusão dessas despesas assemelhase à luta fracassada digase dos planos de saúde pela limitação de gastos em determinados casos como o limite de dias na internação em Unidades de Terapia Intensiva Ora tal qual ocorreu na área da saúde aquele que busca lucros na educação deve saber que não pode ofertar um serviço discriminatório ou incompleto depois de x dias na UTI caso o paciente ainda necessite de tratamento o que fazer Tais custos devem ser computados nos custos gerais da instituição de ensino pois esta é obrigada a oferecer a estrutura adequada a todos os seus alunos todos mesmo Contra esse dispositivo a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino Confenen ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade n 5357 no Supremo Tribunal Federal STF questionando a aplicação aos entes privados de ensino dos dispositivos da LBI Em julgamento histórico o STF decidiu que são constitucionais os dispositivos da LBI que estabelecem a obrigatoriedade da educação inclusiva devendo as escolas particulares adotar todas as medidas de adaptação necessárias sem que estas possam recusar as matrículas ou repassar o ônus financeiro às famílias das pessoas com deficiência STF ADI 5647 rel Min Fachin j 962016 publicado no DJe de 11112016 Outro ponto importante da LBI foi a criação do auxílioinclusão a pessoa com deficiência PcD que se enquadrar nos requisitos exigidos pela Lei Orgânica da Assistência Social LOAS tem direito a receber o Benefício de Prestação Continuada entretanto o benefício é suspenso se a PcD ingressar no mercado de trabalho Com a vigência da LBI a PcD que for admitida em trabalho remunerado terá suspenso o benefício de prestação continuada mas passará a receber o auxílioinclusão conforme dispõe o art 94 da lei Finalmente a LBI reforçou ações afirmativas estabelecendo cotas em diversas áreas como por exemplo a direito à moradia 3 de unidades habitacionais em programas públicos ou subsidiados com recursos públicos devem ser reservados às pessoas com deficiência art 32 I b direito ao transporte e mobilidade urbana 2 das vagas em estacionamentos devem ser reservadas às pessoas com deficiência art 47 parágrafo único as frotas de empresas de táxi devem reservar 10 dez por cento de seus veículos acessíveis às pessoas com deficiência art 51 10 das outorgas de permissão para exploração do serviço de táxi art 119 5 dos carros de locadoras de automóveis devem ser adaptados para motoristas com deficiência art 52 c direito do acesso à informação e à comunicação 10 dos computadores dos telecentros e lan houses devem ter recursos de acessibilidade para pessoa com deficiência visual art 63 2º 442 DIREITOS DAS PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS O caso Damião Ximenes ver Parte II Capítulo V item 13311 sobre os casos brasileiros da Corte IDH demonstrou a necessidade de promoção dos direitos das pessoas com transtornos mentais Cabe ao Estado o desenvolvimento da política de saúde mental a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais com a devida participação da sociedade e da família Para tanto foi editada a Lei n 102162001 que zela pelos direitos e atendimento das pessoas com transtornos mentais Esse atendimento deve ser prestado em estabelecimento de saúde mental assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais A finalidade permanente de qualquer tratamento é a reinserção social do paciente em seu meio Por isso o tratamento ambulatorial tem preferência e a internação em qualquer de suas modalidades só será indicada quando os recursos extrahospitalares se mostrarem insuficientes O regime de internação deve ser estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais incluindo serviços médicos de assistência social psicológicos ocupacionais de lazer e outros Com isso é vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais nos chamados asilos que tradicionalmente no Brasil não asseguravam o tratamento integral nem os direitos das pessoas com transtornos mentais Por sua vez ressaltamos que o tratamento das pessoas com transtornos mentais deve ser estritamente de acordo com os direitos humanos previstos na Constituição e nos tratados internacionais Assim além de não poder incidir qualquer discriminação odiosa quanto à raça cor sexo orientação sexual religião opção política nacionalidade idade família recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno ou qualquer outra são direitos específicos da pessoa portadora de transtorno mental a ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde b ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde visando alcançar sua recuperação pela inserção na família no trabalho e na comunidade c ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração d ter garantia de sigilo nas informações prestadas e ter direito à presença médica em qualquer tempo para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária f ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis g receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento h ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis i ser tratada preferencialmente em serviços comunitários de saúde mental Esse último direito de tratamento em serviços comunitários faz com que a internação psiquiátrica só possa ser realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos São os seguintes tipos de internação psiquiátrica estabelecidos na Lei n 102162001 a internação voluntária aquela que se dá com o consentimento do usuário b internação involuntária aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro A internação psiquiátrica involuntária deverá no prazo de setenta e duas horas ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta c internação compulsória aquela determinada pela Justiça A internação compulsória é determinada de acordo com a legislação vigente pelo juiz competente que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento quanto à salvaguarda do paciente dos demais internados e funcionários O término da internação voluntária deve ser feito por i solicitação escrita do paciente ou por ii determinação do médico O término da internação involuntária será feito por i solicitação escrita do familiar ou responsável legal ou quando estabelecido pelo ii especialista responsável pelo tratamento 443 DIREITOS DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Em 27 de dezembro de 2012 foi finalmente instituída pela Lei n 12764 a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista 491 O termo leigo autismo é substituído pelo termo mais amplo pessoa com transtorno do espectro autista que permite visão mais abrangente do quadro que abarca várias síndromes como a de Asperger Kanner Heller ou ainda o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação A lei veio em boa hora para dar visibilidade a esse espectro que é mal compreendido pela maior parte dos chamados neurotípicos e também a mídia que usa de modo pejorativo e preconceituoso o termo autista para designar situação de alienação negativa Serve a lei para promover a inclusão social da pessoa com transtorno do espectro autista na linha de reconhecimento de direitos De acordo com a lei a pessoa com transtorno do espectro autista é aquela portadora de síndrome clínica caracterizada da seguinte forma a deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social ausência de reciprocidade social falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento b padrões restritivos e repetitivos de comportamentos interesses e atividades manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados interesses restritos e fixos A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista a vida digna a integridade física e moral o livre desenvolvimento da personalidade a segurança e o lazer bem como a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração Para tanto ficam assegurados o direito de acesso a ações e serviços de saúde com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde e o acesso à educação e ao ensino profissionalizante Em casos de comprovada necessidade a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular terá direito a acompanhante especializado Apesar de a lei ser silente entendemos que o acompanhante especializado deve ser custeado pela mantenedora escolar pública ou privada sob pena de grave ofensa ao direito à igualdade material com tratamento desigual e inferiorizante às pessoas com transtorno do espectro autista aplicando se aqui a LBI Lei Brasileira de Inclusão Lei n 131462015 e a ADI 5347 ambas já estudadas acima uma vez que as pessoas com transtorno do espectro autista são consideradas pessoas com deficiência No caso do ensino particular conforme já explicitado anteriormente a oferta do serviço de educação é remunerada para que a empresa de ensino oferte a todos os seus alunos o ensino digno seria contrária à exigência de contraprestação de ensino digno se a escola cobrasse adicionalmente o uso de cadeiras e mesas que são custos implícitos à boa oferta do serviço Se essa cobrança adicional é ofensiva para os neurotípicos deve ser também ofensiva a cobrança de adicional pelo gasto do acompanhante terapêutico e outras despesas para a oferta do ensino digno aos estudantes com transtorno do espectro autista respeitandose a igualdade entre neurotípicos e não neurotípicos Por sua vez a pessoa com transtorno do espectro autista não será impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência Também a pessoa com transtorno do espectro autista não será submetida a tratamento desumano ou degradante nem será privada de sua liberdade ou do convívio familiar bem como não sofrerá discriminação por motivo da deficiência Quanto às punições específicas a lei determina que o gestor escolar a lei não discrimina se gestor público ou particular ou autoridade competente que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista ou qualquer outro tipo de deficiência será punido com multa de 3 a 20 salários mínimos Em caso de reincidência apurada por processo administrativo assegurado o contraditório e a ampla defesa haverá a perda do cargo A Lei n 13861 de 18 de julho de 2019 determinou que os censos demográficos realizados a partir de 2019 incluirão as especificidades inerentes ao transtorno do espectro autista incrementando a visibilidade já exigida pela Lei n 127642012 Resta agora a consecução de políticas públicas de promoção de direitos em um segmento de pessoas com deficiência com urgentes demandas de inclusão 45 Direito à mobilidade A Emenda Constitucional n 90 de 15 de setembro de 2015 introduziu o transporte como direito social no caput do art 6º da CF88 Anteriormente a Emenda Constitucional n 82 de 16 de julho de 2014 introduziu o 10 do art 144 estipulando que a segurança viária exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas compreende a educação engenharia e fiscalização de trânsito além de outras atividades previstas em lei que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente Esse direito à mobilidade ou direito ao transporte que agora consta do caput do art 6º direitos sociais consiste na exigência individual ou coletiva de meios públicos ou privados adequados ao deslocamento na área urbana ou rural Atualmente como se viu nos protestos de junho de 2013 a mobilidade urbana é tema central de um Brasil no qual 80 da população vive em áreas urbanas Nesse sentido foi editada em 2012 a Lei n 12587 que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana A Política Nacional de Mobilidade Urbana objetiva i o acesso universal à cidade ii o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano por meio iii do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana consiste no conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte de serviços e de infraestrutura que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município Os meios para realizar a mobilidade podem ser i motorizados ou não motorizados ii coletivos ou individuais iii públicos ou privados e iv de cargas ou de passageiros Entre os princípios da política nacional de mobilidade urbana estão 1 acessibilidade universal 2 desenvolvimento sustentável das cidades nas dimensões socioeconômicas e ambientais 3 equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo 4 eficiência eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano 5 gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana 6 segurança nos deslocamentos das pessoas 7 justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços 8 equidade no uso do espaço público de circulação vias e logradouros e 9 eficiência eficácia e efetividade na circulação urbana As diretrizes da Lei n 12587 se implementadas na prática revolucionarão o cotidiano das nossas cidades pois impõem a modicidade da tarifa a melhoria da eficiência e qualidade na prestação de serviço São direitos decorrentes do direito à mobilidade urbana a direito ao serviço adequado de deslocamento b direito de participar do planejamento fiscalização e avaliação da política local de mobilidade urbana c direito à informação sobre a mobilidade urbana tarifas horários etc e d direito a um meio ambiente seguro e acessível A implementação do direito à mobilidade urbana é da competência administrativa comum incumbindo a todos os entes federados que devem agir de modo integrado e coerente União Estados Distrito Federal e Municípios 46 Direitos indígenas 461 NOÇÕES GERAIS TERMINOLOGIA Há diversas comunidades indígenas no Brasil com características próprias e que possuem diferenças entre si sendo impossível e equivocada uma simplificação e generalização de suas situações Há estimativas de que hoje haja 5 mil povos indígenas no mundo e no Brasil há mais de 200 Pelo Censo de 2010 no Brasil as comunidades indígenas somam mais de 800000 indígenas segundo dados do IBGE 492 O termo índios para denominar os habitantes originários das Américas é fruto da equivocada crença de Cristóvão Colombo que ao chegar ao Caribe em 1492 imaginou ter encontrado a Índia por nova rota marítima pelo Oceano Atlântico A denominação foi mantida pelos europeus para todos os grupos de ascendência précolombiana mesmo após terem se convencido de que se tratava de outro continente e mesmo diante da diversidade das comunidades entre si Já o termo silvícola significa aquele que vive na selva retratando a imagem preconceituosa do selvagem e da hierarquia e estágio evolucionário das culturas da selvagem para a civilizada europeia Assim esse termo se encontra ultrapassado e deve ser evitado como o fez o STF no Caso Raposa Serra do Sol Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 19 32009 Plenário DJe de 1º72010 Para que se identifique determinado indivíduo como indígena são possíveis dois critérios i o autorreconhecimento e ii o heterorreconhecimento De acordo com o autorreconhecimento índio é qualquer indivíduo que se identifique como tal em virtude da consciência de seu vínculo histórico com a sociedade précolombiana Já o heterorreconhecimento consiste no reconhecimento de alguém como índio pela própria comunidade indígena a que aquele afirma pertencer Para Kayser é possível identificar quatro requisitos que permitem identificar o indivíduo como índio a requisitos de ordem objetiva a1 origem e ascendência précolombiana a2 existência de um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade envolvente b requisitos de ordem subjetiva b1 identificação do indivíduo como pertencente a referido grupo étnico b2 identificação por outros como pertencente a um grupo étnico 493 O critério da autoidentificação deve ser considerado como dominante uma vez que previsto na Convenção da OIT n 169 já ratificada e incorporada internamente pelo Brasil art 1º item 2 494 Claro que a autoidentificação critério dominante não elimina a heteroidentificação restrita à própria comunidade indígena a que o indivíduo declara pertencer não é possível se declarar índio sem que seja feita tal referência à comunidade indígena Eventual não aceitação da comunidade indígena deve ser analisada no caso concreto para que se verifique se a recusa se deu por falta de vínculo do indivíduo com o grupo ou se o rechaço nega uma identidade existente por motivo de conflito entre o grupo e o indivíduo De todo modo a união da autoidentificação com a heteroidentificação restrita à comunidade indígena resulta em i vedação de elemento estranho ao grupo indígena dizer o que este é ou quais são os seus membros 495 e ii não é exigido que os indígenas mantenham padrões de comportamento estereotipados como sendo indígena ou seja que não adotem hábitos ou práticas da sociedade envolvente como por exemplo vestuário dirigir veículos etc pois cada comunidade tem autonomia para gerir sua vida cotidiana Para a criticada definição da Lei n 600173 Estatuto do Índio consideramse índios todos os indivíduos de origem e ascendência précolombiana que se identificam e são identificados como pertencentes a um grupo étnico cujas características culturais os distinguem da sociedade nacional art 3º I Nesse conceito de cunho legal há tanto a autoidentificação ou autorreconhecimento o indivíduo se identifica como índio quanto a heteroidentificação ou heterorreconhecimento a comunidade o identifica como tal No Supremo Tribunal Federal o Ministro Carlos Britto apresentou os índios como primeiros habitantes desse ou daquele país americano para diferenciar dos principais contingentes humanos advindos de outros países ou contingentes Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 193 2009 Plenário DJe de 1º72010 p 266 462 TRATAMENTO NORMATIVO ATÉ A CONSTITUIÇÃO DE 1988 Inicialmente no período colonial no Brasil buscouse a conversão do índio ao catolicismo partindo da premissa de que se tratava de selvagens ainda em estágio inferior que deveriam ser civilizados e transformados em cristãos É da época colonial o início do instituto do indigenato fundado no Alvará Régio de 1680 e na Lei de 6 de junho de 1755 que consiste no reconhecimento do direito primário e congênito do índio à terra tradicionalmente ocupada pois são os seus naturais senhores Esse direito originário é distinto e independente dos direitos de propriedade e posse do Direito Civil O desenvolvimento da doutrina do indigenato coube a João Mendes da Silva Jr que diferenciou o direito dos povos indígenas às terras por eles ocupadas título adquirido congenitamente pela própria existência do direito da ocupação não indígena que depende de ser legitimada por meio de títulos adquiridos Além do jus possessionis direito de posse poder sobre a coisa o indígena tem também o jus possidendi direito à posse fruto do seu direito originário à terra 496 Em que pese esse reconhecimento pelo colonizador português dos direitos territoriais indígenas a prática foi marcada pela expulsão dos indígenas de suas terras e por atos de violência contra as comunidades indígenas que não se submetiam A Coroa portuguesa apoiava a ação armada dos colonos contra os indígenas resistentes e por meio da Carta Régia de 2 de dezembro de 1808 foram declaradas como devolutas as terras adquiridas em lutas contra os índios nas chamadas Guerras Justas Ao final da dominação colonial portuguesa no Brasil a população indígena sofreu dramática redução em seu número Já no Império a política de assimilação dos índios ao cristianismo continuou tendo sido determinada no Ato Adicional de 1834 à Constituição de 1824 a competência das Províncias para o fomento da catequese e civilização dos indígenas art 11 5 Por outro lado pela Lei de 27 de outubro de 1831 foi revogada a Carta Régia de 1808 impedindose a servidão dos índios mas considerandoos equivalentes aos órfãos a reclamar tutela a tutela orfanária dos indígenas A Constituição de 1891 foi particularmente danosa tanto pela omissão em regular a matéria indígena mas especialmente por permitir a transferência da quase totalidade das terras devolutas para os Estados art 64 As terras devolutas consistem em terras que não se encontram afetadas a qualquer patrimônio público ou privado originalmente reguladas pelo art 3º da Lei n 601 de 18 de setembro de 1850 a Lei de Terras do Império Os Estados então aproveitaram esse dispositivo constitucional para iniciar processo de acelerada titulação a particulares de terras ocupadas tradicionalmente pelos indígenas ou seja não seriam propriamente terras devolutas Foi na República Velha que foi editado o primeiro marco no tratamento jurídico republicano aos índios o Decreto n 8072 de 20 de julho de 1910 que criou o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais SPI logo depois exclusivamente focado na matéria indígena Seu diretor foi Cândido Rondon bisneto de índios depois conhecido como Marechal Rondon cujas expedições ao oeste do território brasileiro e busca de relacionamento pacífico com os índios o tornaram célebre 497 O Código Civil de 1916 decidiu que os silvícolas termo da época eram relativamente incapazes e submetidos ao regime de tutela que só cessaria na medida de sua adaptação à sociedade não índia art 6º IV O Decreto n 5484 de 27 de junho de 1928 consagrou a substituição da antiga tutela civilista orfanológica em um regime tutelar de natureza pública pelo Serviço de Proteção ao Índio arts 4º e 5º 498 A Lei n 412162 alterou o Código Civil de 1916 e inseriu o parágrafo único no art 6º determinandose que os índios ficariam sujeitos ao regime tutelar estabelecido em leis e regulamentos especiais o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do País No plano constitucional a Constituição de 1934 foi a primeira a regular os direitos e as terras dos silvícolas novamente termo da época Tal Constituição sofreu forte influência da Constituição de Weimar com intervencionismo prestacional do Estado e reconhecimento de direitos sociais De acordo com o art 129 da Constituição de 1934 e depois com os arts 154 da Constituição de 1937 e 216 da Constituição de 1946 ficou estabelecida a propriedade da União sobre as terras ocupadas pelos silvícolas Conforme já reconhecido por Tribunais brasileiros consequentemente os títulos dominais concedidos antes da Constituição de 1934 foram atingidos pela nulidade superveniente da norma do seu art 129 As terras ocupadas pelos silvícolas que sob regime da Constituição de 1891 integravam o patrimônio coletivo indígena passaram com a Constituição de 1934 ao domínio da União ApC 199901000228900 Rel Selene Maria de Almeida Tribunal Regional Federal da 1ª Região DJ de 1622001 Ainda a Constituição de 1934 fixou a competência privativa da União para legislar sobre incorporação dos silvícolas à comunhão nacional Já a Constituição de 1967 determinou que as terras ocupadas pelos silvícolas termo da época integrariam os bens da União art 4º IV o que teoricamente impediria a prática desde a Constituição de 1891 de governos estaduais concederem ilícita titulação a particulares de terras notoriamente habitadas por índios Além disso a CF67 assegurou aos índios a posse permanente das terras que habitam e reconheceu o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes art 186 Com a Emenda Constitucional n 1 de 1969 foi declarada a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos índios sem que os ocupantes tivessem direito a ação ou indenização contra a União art 198 1º e 2º A proteção foi ampliada na CF88 que passou a utilizar a terminologia indígenas ou índios Em 1967 foi extinto o SPI e criada a Fundação Nacional do Índio pela Lei n 5371 em plena ditadura militar De acordo com a lei cabe à FUNAI estabelecer as diretrizes e garantir o cumprimento da política indigenista baseada nos princípios de i respeito à pessoa do índio e às instituições e comunidades tribais ii garantia à posse permanente das terras que habitam e ao usufruto exclusivo dos recursos naturais Em 1973 foi editada a Lei n 6001 denominada Estatuto do Índio que apesar de mencionar nominalmente a preservação da cultura indígena possuía o objetivo de integração dos índios na comunhão nacional art 1º Buscouse assim impor aquilo que era denominado integração harmoniosa dos índios em um verdadeiro processo de assimilação pelo qual a condição de índio era transitória devendo ser substituída pela condição de índio plenamente integrado Por isso a Lei n 6001 classifica os índios em isolados aqueles sem contato com a sociedade não índia em vias de integração aqueles com contatos intermitentes com a sociedade não índia e integrados Por índio integrado a lei considera os incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis ainda que conservem usos costumes e tradições característicos da sua cultura Como veremos a seguir há hoje intenso debate na doutrina e na jurisprudência sobre a recepção ou não de diversos dispositivos do Estatuto do Índio em face da Constituição de 1988 que adotou parâmetros e princípios diferentes na regulação da matéria indígena 463 INDÍGENAS NA CONSTITUIÇÃO COMPETÊNCIA OCUPAÇÃO TRADICIONAL APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA 4631 Aspectos gerais os princípios e os dispositivos constitucionais A Constituição de 1988 regula a matéria indígena de modo específico em cinco momentos 1 no Título III Da organização do Estado com foco nas atribuições administrativas art 20 e legislativas art 22 2 no Título IV Da organização dos Poderes com foco na atribuição do Poder Legislativo art 49 Judiciário art 109 e Ministério Público art 129 3 no Título VII Da ordem econômica e financeira com foco na exploração das terras indígenas 4 no Título VIII Da ordem social com foco na cultura e ainda com um capítulo Capítulo VIII Dos índios específico contendo dois artigos arts 231 e 232 e 5 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias no qual ficou determinado e não cumprido que a União deveria concluir a demarcação das terras indígenas em 5 anos contados da promulgação da CF88 art 67 do ADCT Claro que os demais dispositivos e em especial toda a parte dos direitos fundamentais e direitos humanos previstos em tratados art 5º 2º e 3º são aplicáveis mas não são específicos à matéria indígena Apesar de a CF88 não ter utilizado termos como povos ou nações indígenas optando por grupos comunidades organizações indígenas ou índios Duprat entende que a CF88 reconhece o Estado brasileiro como pluriétnico e não mais pautado em pretendidas homogeneidades garantidas ora por uma perspectiva de assimilação mediante a qual sub repticiamente se instalam entre os diferentes grupos étnicos novos gostos e hábitos corrompendoos e levandoos a renegarem a si próprios ao eliminar o específico de sua identidade ora submetendoos forçadamente à invisibilidade 499 De acordo com Anjos Filho 500 a CF88 adotou os seguintes princípios no trato da matéria indígena a princípio do reconhecimento e proteção do Estado à organização social costumes línguas crenças e tradições das comunidades indígenas b princípio do reconhecimento dos direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e proteção de sua posse permanente em usufruto exclusivo para os índios c princípio da igualdade de direitos e da igual proteção legal o que não permite a existência de institutos que tratam o indígena como ser desamparado ou inferior vide a questão da tutela civil do indígena d princípio da proteção da identidade ou direito à alteridade que consiste no direito à diferença não podendo ser aceito ato comissivo ou omissivo de assimilação e princípio da máxima proteção aos índios nascendo o in dubio pro indígena e ainda o reconhecimento de que o patamar de proteção alcançado não elimina novas medidas a favor das comunidades indígenas No que tange à organização do Estado a CF88 determinou que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios ver seu significado abaixo são bens da União art 20 IX Paulo Thadeu Gomes da Silva critica essa opção que não deferiu a titularidade das terras aos grupos indígenas o que reforça uma colonialidade interna 501 Também manteve a competência da União fixada desde a CF34 para privativamente legislar sobre as populações indígenas art 22 XIV Na organização dos Poderes é da competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar em terras indígenas a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais art 49 XVI No Título VII Da ordem econômica e financeira o art 176 dispõe que as jazidas em lavra ou não e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica pertencem à União e a lei deve estabelecer as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em terras indígenas No que tange ao Poder Judiciário cabe aos juízes federais processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas art 109 XI e no Ministério Público cabe ao Ministério Público Federal como função institucional defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas De acordo com o art 232 os índios suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses intervindo o Ministério Público no caso o Ministério Público Federal em todos os atos do processo No que tange à ordem social inicialmente a CF88 dispôs que o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem Além disso a CF88 exige que sejam protegidas as manifestações das culturas indígenas art 215 1º Finalmente no Capítulo VIII do Título VIII a CF88 tratou especificamente da matéria indígena dispondo que são reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam competindo à União i demarcálas ii proteger e iii fazer respeitar todos os seus bens 4632 As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e o renitente esbulho O marco temporal da ocupação A CF88 definiu que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios englobam um conjunto composto por quatro tipos de terras i terras por eles habitadas em caráter permanente ii as utilizadas para suas atividades produtivas iii terras imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bemestar e iv as necessárias a sua reprodução física e cultural segundo seus usos costumes e tradições Para os indígenas a terra tem importância central já que dela dependem para sua sobrevivência física e cultural Por isso a disputa pelas terras indígenas e suas riquezas representa o cerne dos conflitos entre indígenas e não indígenas no Brasil 502 Nesse sentido o Ministro Menezes Direito em seu voto na Pet 3388 Caso Raposa Serra do Sol aduziu Não há índio sem terra A relação é marca característica da essência indígena pois tudo o que ele é é na terra e com a terra Sua organização social seus costumes língua crenças e tradições estão como se sabe atrelados à terra onde vivem É nela e por meio dela que se organizam É na relação com ela que forjam seus costumes e tradições É pisando o chão e explorando seus limites que desenvolvem suas crenças e enriquecem sua linguagem intimamente referenciada à terra Nada é mais importante para eles Por isso de nada adianta reconhecerlhes os direitos sem assegurarlhes as terras identificandoas e demarcandoas Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º72010 Pela linguagem constitucional a CF88 adotou o indigenato já exposto acima Por outro lado há aqueles que defendem a tese do fato indígena distinta da teoria do indigenato apresentada pelo Ministro Menezes Direito Supremo Tribunal Federal no julgamento do Caso Raposa Serra do Sol Pet 3388 pela qual as terras indígenas são aquelas que na data da promulgação da CF88 eram ocupadas pelos indígenas Mencionando o 6º do art 231 da Constituição o Ministro defendeu que o constituinte quis suplantar todas as pretensões e os supostos direitos sobre as terras indígenas identificadas a partir de 1988 Finalmente o Ministro Direito assim resume seu entendimento Concluise que uma vez demonstrada a presença dos índios em determinada área na data da promulgação da Constituição 5101988 e estabelecida a extensão geográfica dessa presença constatado o fato indígena por detrás das demais expressões de ocupação tradicional da terra nenhum direito de cunho privado poderá prevalecer sobre os direitos dos índios Com isso pouco importa a situação fática anterior posses ocupações etc O fato indígena a suplantará como decidido pelo constituinte dos oitenta Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º7 2010 voto do Min Direito O principal critério para a definição do fato indígena foi chamado marco temporal o qual o Min relator Ayres Brito definiu como chapa radiográfica ao passo que o Min Lewandowski denominouo fotografia do momento Com isso o STF entendeu que por terras tradicionalmente ocupadas pelos índios art 20 XI da CF88 devem ser entendidas aquelas que i as comunidades indígenas ocupavam na data da promulgação da CF88 marco temporal conquanto que ii as comunidades ostentassem o caráter de perdurabilidade no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica com o uso da terra para o exercício das tradições costumes e subsistência indígena significando que viver em determinadas terras é tanto pertencer a elas quanto elas pertencerem a eles os índios Por fim o STF também adicionou dois outros critérios iii o marco da concreta abrangência fundiária e da finalidade da ocupação tradicional que contém a utilidade prática a que deve servir a terra tradicionalmente ocupada reforçando o critério da ancestralidade e iv o marco do conceito fundiariamente extensivo do chamado princípio da proporcionalidade a partir do qual a aplicação do princípio da proporcionalidade em matéria indígena ganha um conteúdo extensivo marco da tradicionalidade da ocupação STF Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º72010 trecho do voto do Min Carlos Ayres Britto Ainda que o STF nesse mesmo caso Raposa Serra do Sol tenha acatado os marcos temporal e da tradicionalidade da ocupação cabe notar que o Tribunal reconheceu a exceção do chamado renitente esbulho pela qual as terras seriam ainda indígenas mesmo sem a ocupação no dia 5 de outubro de 1988 caso fosse comprovada que a ausência de ocupação houvesse se dado por efeito de renitente esbulho por parte de não índios STF Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º72010 trecho do voto do Min Ayres Britto A teoria do fato indígena é mais restritiva que a teoria do indigenato pois esta última legitima inclusive a ampliação das terras indígenas para além do que era ocupado no dia 5 de outubro de 1988 data da promulgação da atual Constituição Federal Ficou então criado o marco de 5 de outubro de 1988 como data na qual deveria ser analisada a situação fática da existência da presença indígena e de sua ocupação tradicional Cabe ressaltar que a decisão do caso Raposa Serra do Sol não produziu efeitos erga omnes mas tão somente inter partes Foi a partir do voto vista do Min Gilmar Mendes no caso Guyrároka que em sede de Recurso em Mandado de Segurança o STF consolidou a tese do marco temporal para configurar a posse indígena em todos os casos similares sob o argumento destacado pela Min Cármen Lúcia citando o Min Roberto Barroso relator dos Embargos de Declaração no Caso Raposa Serra do Sol de que embora não tenha efeitos vinculantes em sentido formal o acórdão do caso Raposa Serra do Sol ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite de superação das suas razões RMS 29087 Rel p ac Min Gilmar Mendes Segunda Turma DJe de 14102014 Todavia em várias outras decisões após o Caso Raposa Serra do Sol diversos Ministros salientaram a impossibilidade de se utilizar fora daquele caso a tese do renitente esbulho de forma automática como se vê por exemplo na Reclamação n 14473 rel Min Marco Aurélio decisão de 12122013 DJ 16122013 Pelo contrário a aplicação da tese do marco temporal em sentido estrito que exige autotutela ou ainda busca de proteção judicial por parte dos indígenas é incompatível com o regime jurídico constitucional e convencional das terras indígenas no Brasil Grande parte dos conflitos entre as comunidades indígenas e a sociedade envolvente reside em terras nas quais os índios não mais se encontram após várias décadas de ocupação pelos não índios Duas situações podem ser aferidas i a dos chamados aldeamentos extintos nos quais a ocupação por parte de não índios levou à morte e desaparecimento da comunidade indígena e ii a de terras sujeitas a renitente esbulho nas quais a ocupação e titulação privadas das terras indígenas gerou a expulsão das comunidades indígenas que contudo resistem e mantêm o desejo do retorno No tocante aos aldeamentos extintos a Súmula n 650 do Supremo Tribunal Federal estabelece que Os incisos I e XI do art 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto Como a essência da Súmula é justamente o reconhecimento da extinção do aldeamento sua aplicação em áreas densamente urbanizadas como na cidade de São Paulo e cidades da Grande São Paulo não gera polêmica Já no tocante às terras indígenas sujeitas a renitente esbulho duas interpretações são possíveis a respeito do comportamento da comunidade indígena envolvida 1 Renitente esbulho em sentido amplo Basta que haja a titulação oficial em nome de não índio ou ainda sua presença tida como regular pela autoridade pública para gerar o afastamento in loco da comunidade indígena Exigir resistência física ou jurídica implica em aplicar às comunidades indígenas padrões de comportamento da sociedade envolvente sem contar que se desconsidera o histórico de violência e miserabilidade daqueles que perderam suas terras mas que mantém o desejo de retomada da área De fato em vários casos a comunidade indígena mantémse nas proximidades em intensa situação de vulnerabilidade inclusive sendo usada como mão de obra barata Por esse enfoque não são desconsideradas as diversas formas de resistência inclusive passiva de manutenção do desejo na identidade coletiva com a terra das comunidades indígenas Com essa visão ampla do renitente esbulho a identificação da terra indígena volta a ser fruto de avaliação antropológica que conta com estudos transdisciplinares para tanto de origem étnicohistórica sociológica geográfica cartográfica ambiental etc 2 Renitente esbulho em sentido estrito Por essa ótica o renitente esbulho exige situação de efetivo conflito possessório que mesmo iniciado no passado ainda persista até a data da promulgação da CF88 marco temporal sendo provado por i circunstâncias de fato ou pelo menos ii por uma controvérsia possessória judicializada Desde o Caso Raposa Serra do Sol o STF possui precedentes que adotaram a tese do renitente esbulho em sentido estrito mantendo a titularidade dos não índios como no Caso da Terra Guyrároka da comunidade indígena GuaraniKaiowá RMS 29087 Rel p ac Min Gilmar Mendes Segunda Turma DJe de 14102014 e no Caso da Terra indígena Limão Verde da comunidade indígena Terena A partir deste último caso a tese do renitente esbulho em sentido estrito ganhou seus contornos atuais tendo o Min relator Teori Zavascki condicionado a existência do esbulho ao critério do marco temporal afirmando que há de haver para configuração de esbulho situação de efetivo conflito possessório que mesmo iniciado no passado ainda persista até o marco demarcatório temporal atual vale dizer na data da promulgação da Constituição de 1988 conflito que se materializa por circunstâncias de fato ou pelo menos por uma controvérsia possessória judicializada ARE n 803462AgR MS rel Min Teori Zavascki j 9122014 grifos nossos A exigência de circunstâncias de fato ou mesmo ação judicial reveladoras da existência de renitente esbulho pode a depender do caso gerar grande vantagem à sociedade envolvente que possui poder para afastar as comunidades indígenas das suas terras tradicionais por meio de promessas ameaças veladas estímulo econômico singelo etc No Caso da Terra Guyrároka houve intenso debate entre os julgadores a respeito do laudo da Funai constante dos autos do processo pelo qual ficou atestado que os indígenas estavam afastados da terra há 70 anos Para o Min Lewandowski aquelas terras eram claramente de ocupação tradicional conforme estabelecido pela Constituição Assim já ao final do debate foi mencionado que inclusive alguns índios continuaram na região a prestar serviço como peões ao que o Ministro Lewandowski respondeu mas o Agronegócio quer isso mesmo expulsar os índios e depois os contrata como boiasfrias É assim que está acontecendo no Brasil todo RMS 29087 Rel p ac Min Gilmar Mendes Segunda Turma DJe de 1410 2014 voto vencido do Min Ricardo Lewandowski Para Deborah Duprat a tese do renitente esbulho em sentido estrito viola os direitos dos povos indígenas uma vez que exigir a posse contínua e permanente por toda a vida dessas comunidades num determinado território é desconhecer o processo civilizatório e desenvolvimentista que foi empurrandoas para as margens 503 Aguardase assim o julgamento do RE 1017365SC rel Min Edson Fachin em trâmite que possui repercussão geral Foi proposta pela PGR a seguinte tese que resume a importância do caso para que seja afastada a tese do marco temporal em sentido estrito A proteção da posse permanente dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional independe da conclusão de processo administrativo demarcatório e não se sujeita a um marco temporal de ocupação preestabelecido O art 231 da Constituição Federal reconhece aos índios direitos originários sobre essas terras cuja identificação e delimitação deve ser feita por meio de estudo antropológico o qual é capaz por si só de atestar a tradicionalidade da ocupação segundo os parâmetros constitucionalmente fixados e de evidenciar a nulidade de quaisquer atos que tenham por objeto a ocupação o domínio e a posse dessas áreas 4633 A jurisprudência da Corte IDH e a matéria indígena o Diálogo das Cortes A Corte Interamericana de Direitos Humanos construiu ampla jurisprudência na temática fixando parâmetros interpretativos para a proteção dos direitos indígenas na região Dentre esses casos internacionais seis tratam diretamente do denominado direito à propriedade coletiva comunal ou ancestral dos povos indígenas 504 A começar pelo instituto jurídico escolhido a Corte IDH opta pela propriedade coletiva diferentemente da CF88 que se utiliza da posse e do usufruto exclusivo como instrumentos de garantia do direito à terra das populações indígenas Essa opção decorre da interpretação do artigo 21 da Convenção Americana de Direitos Humanos propriedade privada em especial em face da Convenção n 169 da OIT Nesse sentido a Corte IDH decidiu no caso Moiwana vs Suriname que na hipótese da posse da terra ter sido perdida por motivos alheios à vontade dos indígenas esses continuam os proprietários salvo se mesmo sem posse acabaram vendendoas a terceiros de boafé Corte IDH Comunidade Moiwana vs Suriname sentença de 15 de junho de 2005 Essa hipótese da venda é descartada pela CF88 são propriedade da União mas constitui em parâmetro valioso nos casos em que o ordenamento nacional permite tal alienação A Corte IDH também analisou a situação da perda da posse pelos indígenas involuntariamente com o agravante de após suas terras tenham sido vendidas a terceiros em boafé Nesse caso os indígenas possuem o direito de recuperálas ou de obter terras de igual extensão e qualidade Corte IDH Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai sentença de 17 de junho de 2005 Essa situação é similar aos fatos do caso Guyrároka no qual o não indígena possuía o título de propriedade da terra que havia adquirido presumidamente de boa fé No que tange ao limite temporal à recuperação das terras tradicionais a Corte Interamericana decidiu que enquanto o vínculo espiritual e material da identidade dos povos indígenas continuar existente em relação às suas terras tradicionais é cabível a reivindicação caso contrário não há mais o direito à recuperação de tais terras A determinação do vínculo entre a comunidade indígena e a terra só pode ser aferido no caso concreto devendo incluir a análise do seu uso ou presença tradicional seja através de laços espirituais ou cerimoniais assentamentos ou cultivos esporádicos caça pesca coleta permanente ou nômade uso dos recursos naturais ligados a seus costumes ou qualquer outro elemento característico de sua cultura Corte IDH Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs Paraguai sentença de 29 de março de 2006 em especial 131 Nas situações em que tenha ocorrido qualquer forma de impedimento de acesso à terra por causas alheias à vontade dos índios e que impliquem em obstáculo real para a manutenção dessa relação como o emprego de violência ameaça etc o chamado renitente esbulho em sentido amplo visto acima o direito à recuperação da terra persistirá até que os impedimentos desapareçam Corte IDH Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs Paraguai sentença de 29 de março de 2006 em especial 132 A jurisprudência da Corte IDH vista acima sobre o direito dos indígenas à propriedade coletiva da terra assemelhase ao conteúdo da teoria do indigenato pela qual o vínculo material e espiritual dos índios em relação à terra são suficientes para declarar a existência do direito a ela dispensandose o critério do marco temporal no caso a edição da CF88 Notase assim a necessidade de efetivo diálogo entre as cortes Corte Interamericana e STF que caso não seja feito pode levar ao controle de convencionalidade de matriz internacional a ser realizado pela Corte IDH impondo ao Brasil deveres de reparação pela violação do artigo 21 da Convenção Americana de Direitos Humanos 505 4634 O direito à consulta livre e informada das comunidades indígenas e o respeito às tradições o pluralismo jurídico As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinamse a sua posse permanente cabendolhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo dos rios e dos lagos nelas existentes Novamente repetindo o que já foi mencionado acima a CF88 exige que o aproveitamento dos recursos hídricos incluídos os potenciais energéticos a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional por lei complementar ouvidas as comunidades afetadas ficandolhes assegurada participação nos resultados da lavra na forma da lei Contudo o STF reconheceu em nome dos demais interesses constitucionais que não precisam de lei complementar i o patrulhamento de fronteiras ii a defesa nacional iii a conservação ambiental nas áreas iv a exploração de recursos hídricos v o uso do potencial energético ou a pesquisa e lavra dos recursos minerais presente o interesse público da União STF Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º72010 ver mais na Parte IV item 466 Combinando esse dispositivo com a interpretação da Corte IDH sobre a Convenção Americana de Direitos Humanos ratificada e incorporada internamente no Brasil há o dever de consulta prévia em boafé Caso Sarayaku vs Equador conferir abaixo a posição em sentido contrário do STF no Caso Raposa Serra do Sol Parte IV item 466 As terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras salvo ad referendum do Congresso Nacional em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do País após deliberação do Congresso Nacional garantido em qualquer hipótese o retorno imediato logo que cesse o risco Em tema importante nos conflitos sobre terras no Brasil a CF88 eliminou qualquer pretensão particular sobre terras indígenas considerando nulos e extintos não produzindo efeitos jurídicos os atos que tenham por objeto i a ocupação ii o domínio e iii a posse das terras indígenas ou a iv exploração das riquezas naturais do solo dos rios e dos lagos nelas existentes Não há direito a indenização salvo quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boafé Quanto à aplicação do ordenamento brasileiro aos indígenas o parágrafo único do art 1º do Estatuto do Índio prevê que as leis brasileiras se estendem aos índios e às comunidades indígenas tal qual como a todos os brasileiros resguardados os usos costumes e tradições indígenas No mesmo sentido o art 6º estipula o respeito aos usos costumes e tradições das comunidades indígenas e seus efeitos i nas relações de família ii na ordem de sucessão iii no regime de propriedade e iv nos atos ou negócios realizados entre índios salvo se optarem pela aplicação do direito comum A Convenção n 169 da OIT ver abaixo consagra o princípio do pluralismo jurídico e respeito aos costumes indígenas em seu art 8º que prevê que ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados devem ser levados em consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário respeitandose os direitos humanos nacional e internacionalmente reconhecidos Sempre que for necessário deverão ser estabelecidos procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste princípio Nesse sentido Gomes da Silva acertadamente sustenta que há uma interdependência dos direitos tradicional indígena e oficial que impede uma solução rígida sobre preferência de um ou de outro exigindose uma análise caso a caso 506 Fica patente a opção pelo diálogo das fontes entre o saber jurídico da sociedade envolvente e o saber das normas indígenas para que se construa uma solução dos conflitos normativos 464 POVOS INDÍGENAS E COMUNIDADES TRADICIONAIS EM FACE DO DIREITO INTERNACIONAL O Direito Internacional dos Direitos Humanos conta com uma impressionante abrangência e diversidade além dos tratados ditos gerais por abrangerem uma pluralidade de direitos há ainda os tratados temáticos que focam em um tema específico por exemplo integridade física vide a Convenção da ONU contra a Tortura ou um grupo vulnerável vide a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança Contudo na matéria indígena há uma grave lacuna no que tange a tratados com a exceção da Convenção da OIT n 169 não há ainda um grande tratado regional ou global sobre os direitos dos povos indígenas Claro que há tratados que podem ser invocados pelos povos indígenas em especial i o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos art 27 dispõe sobre os direitos das minorias étnicas ii o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais iii a Convenção para a Eliminação da Discriminação Racial iv a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança v a Convenção Americana de Direitos Humanos entre outros Obviamente esses tratados possuem dispositivos aplicáveis a todos os seres humanos sendo importantes para a promoção de direitos dos grupos vulneráveis Entretanto não eliminam a necessidade de tratados específicos que possam impulsionar a defesa dos povos indígenas na atualidade A Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO calcula que existam 5 mil povos indígenas com mais de 370 milhões de membros no mundo Esse imenso contingente de pessoas enfrenta diversos desafios para sua sobrevivência entre eles a disputa por terras dificuldades para a preservação da cultura e desejos integracionistas da sociedade envolvente majoritária 507 Por isso a luta pela afirmação internacional dos direitos dos povos indígenas é indispensável para que os Estados sejam obrigados a promover e proteger esses grupos que se encontram vulneráveis mesmo em regimes democráticos pois são em geral numericamente minoritários na população nacional Na Organização das Nações Unidas o marco inicial dos esforços de regulação internacional dos direitos dos povos indígenas foi a designação em 1971 de José Martínez Cobo Equador como Relator Especial sobre a situação dos direitos humanos e liberdades fundamentais dos povos indígenas da antiga Comissão de Direitos Humanos extinta hoje substituída pelo Conselho de Direitos Humanos Na atualidade os direitos dos povos indígenas são debatidos em três foros especializados da ONU a saber Fórum permanente sobre questões indígenas United Nations Permanent Forum on Indigenous Issues UNPFII que consiste em um órgão colegiado e consultivo do Conselho Econômico e Social composto por 16 especialistas independentes mandato de três anos uma recondução sendo que 8 indicados pelos Estados e 8 por organizações indígenas geograficamente representativas tendo tido sua primeira reunião em 2002 Além de disseminar informações sobre os povos indígenas o Fórum serve para aconselhar e recomendar ações e programas para a ONU no trato das questões indígenas Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas Esse mecanismo foi criado em 2007 pelo Conselho de Direitos Humanos para fornecer assessoria temática para o próprio Conselho Seu primeiro estudo foi sobre o direito dos povos indígenas à educação em 2009 Relatoria Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas Essa relatoria temática do Conselho de Direitos Humanos foi criada em 2001 ainda sob a égide da antiga Comissão de Direitos Humanos sendo seu mandato renovado desde então Já fez diversos relatórios sobre a situação dos povos indígenas em diversos países inclusive tendo visitado o Brasil em 2009 Na época o Relator era James Anaya que detectou falta de participação adequada das comunidades nas decisões que impactam suas vidas e terras em especial no que tange à exploração dos recursos hídricos para a construção de grandes projetos de hidrelétricas vide o caso Belo Monte descrito pelo Relator508 Cabe anotar a existência da Convenção de Madrid sobre o Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe de 1992 ratificada e incorporada internamente pelo Decreto n 3108 de 30 de junho de 1999 e que visa canalizar recursos financeiros e técnicos para os projetos e os programas prioritários coordenados com os Povos Indígenas A Corte Interamericana de Direitos Humanos por sua vez possui importante jurisprudência referente aos direitos indígenas utilizando em alguns casos a Convenção n 169 da OIT vista em capítulo específico para especificar a favor das comunidades indígenas os direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos 509 465 AUTONOMIA E QUESTÃO TUTELAR O regime tutelar foi estabelecido pelo Estatuto do Índio Lei n 600173 que dividiu os índios em superadas categorias conforme o grau de incorporação à comunhão nacional Assim os integrados foram considerados capazes para o exercício de seus direitos e os não integrados denominados isolados ou em vias de integração deveriam ser tutelados pela União através do órgão de assistência Fundação Nacional do Índio FUNAI O Código Civil de 2002 não repetiu o anterior não situando o indígena como relativamente incapaz mas sim previu que a capacidade dos índios será regulada por legislação especial art 4º parágrafo único O Estatuto do Índio em seu art 7º estabeleceu uma tutela individual e coletiva abrangendo os índios não integrados na terminologia ultrapassada e suas comunidades Esse regime especial tutelar civil individual e coletivo não foi recepcionado pela CF88 e colide ainda com a Convenção n 169 de natureza supralegal como visto na Parte II Capítulo II item 27 De início convém observar que a CF88 determinou que os índios suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses devendo o Ministério Público intervir em todos os atos do processo arts 232 e 129 V Conjugando esse dispositivo com a igualdade de direitos prevista no art 5º caput fica descartada a diminuição da capacidade civil do indígena consagrandose pelo contrário no pleno exercício dos direitos civis Já o artigo 83 da Convenção n 169 da OIT é claro ao dispor que não se deve impedir o exercício pelos indígenas de todos os direitos reconhecidos para os membros da sociedade envolvente Com isso a prática dos atos da vida civil pelo indígena independe da manifestação da FUNAI podendo exercer direitos e contrair obrigações Nesse sentido o Projeto de Lei n 205791 Estatuto dos Povos Indígenas que tramita no Congresso Nacional trata o indígena como indivíduo com plena capacidade civil devendo quando aprovado ser a legislação especial da qual se refere o Código Civil em seu art 4º parágrafo único Não cabe confundir ainda a tutela civil não recepcionada do indígena com a intervenção de natureza de direito público da FUNAI que visa proteger as comunidades indígenas sob o manto do princípio da proteção e respeito à diversidade cultural independentemente de como elas interagem com a sociedade envolvente 510 Há ainda contudo diversos precedentes judiciais que sustentam ter sido recepcionada a tutela civil como por exemplo Não se pode tratar os silvícolas como absolutamente capazes e exigir o discernimento próprio de um indivíduo civilizado inclusive o Código Civil de 2002 estabelece no parágrafo único do art 4º que a legislação especial regulará acerca da capacidade dos índios TRF da 3ª Região ApC 200060000025329 Rel Des Federal André Nabarrete j 872008 Há também por outro lado o entendimento na jurisprudência de que não foi recepcionado o regime tutelar do Estatuto do Índio uma vez que após a CF88 e a Convenção n 169 da OIT o regime de tutela dos povos indígenas transformouse em um regime de inclusão e promoção de direitos humanos com respeito à autonomia e ao autogoverno Nesse sentido Não mais compete ao Estado através da FUNAI responder pelos atos das populações autóctones e administrarlhes os bens tal como ocorria enquanto vigente o regime tutelar previsto no Código Civil de 1916 e no Estatuto do Índio Lei n 600173 A partir do reconhecimento da capacidade civil e postulatória dos silvícolas em 1988 remanesce ao Estado o dever de proteção das comunidades indígenas e de seus bens à semelhança do que ocorre com os idosos que a despeito de serem dotados de capacidade civil gozam de proteção especial do Poder Público ApC 200172010043080 Rel Des Edgard Antônio Lippmann Júnior TRF da 4ª Região DE de 24112008 Finalmente a tutela pode gerar responsabilização da FUNAI por atos ilícitos praticados pelos indígenas Há precedentes nos dois sentidos tanto para isentar a FUNAI quanto para determinar sua responsabilidade No sentido de responsabilizar a FUNAI citese A FUNAI é responsável na qualidade de tutora pelos danos materiais e morais praticados a terceiros por silvícolas não integrados à comunhão nacional Caso em que componentes de comunidade silvícola agrediram lesionando gravemente motorista que atropelou criança indígena em rodovia que atravessa aldeamento ApC 199804010262330 rel Brum Vaz TRF da 4ª Região DJ de 1712001 466 A DEMARCAÇÃO CONTÍNUA E AS SUAS CONDICIONANTES O CASO RAPOSA SERRA DO SOL 4661 A demarcação das terras indígenas O núcleo duro do direito dos povos indígenas consagrado na CF88 e na Convenção n 169 da OIT é sua relação especial com suas terras A CF88 reconheceu as comunidades indígenas como senhores primários e naturais da terra sendo seu direito anterior a qualquer outro Como já se mencionou as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas por eles habitadas em caráter permanente as utilizadas para suas atividades produtivas as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bemestar e as necessárias a sua reprodução física e cultural segundo seu usos costumes e tradições CF88 art 231 1º Convém observar novamente que as terras indígenas são bens da União reconhecendose aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo dos rios e dos lagos nelas existentes Por força da Constituição a despeito do caráter originário do direito sobre as terras o Poder Público está obrigado a realizar a demarcação das terras indígenas o art 231 atribui à União a competência para fazêlo Os direitos dos indígenas não decorrem da demarcação ou seja na inexistência da demarcação continuam os indígenas a ter direitos sobre essas terras O art 67 do Ato das Disposições Transitórias com o objetivo de fixar um prazo para as demarcações não iniciadas ou ainda pendentes à época da promulgação da Constituição de 1988 determinou que a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição O fato de isso não ter ainda ocorrido mostra a dificuldade na proteção dos direitos indígenas nos dias de hoje O Ministro Carlos Britto no julgamento da Petição 3388 assim resumiu as cinco fases da demarcação 1 identificação e delimitação antropológica da área 2 declaração da posse permanente por meio de portaria do Ministro de Estado da Justiça 3 demarcação propriamente dita assentamento físico dos limites com a utilização dos pertinentes marcos geodésicos e placas sinalizadoras 4 homologação mediante decreto do Presidente da República 5 registro a ser realizado no Cartório de Imóveis na comarca de situação das terras indígenas e na Secretaria do Patrimônio da União Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º7 2010 Quanto à competência para o procedimento o STF decidiu que somente à União compete instaurar sequenciar e concluir formalmente o processo demarcatório das terras indígenas tanto quanto efetiválos materialmente Mas instaurar sequenciar concluir e efetivar esse processo por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo Federal pois as competências deferidas ao Congresso Nacional com efeito concreto ou sem densidade normativa se esgotam nos seguintes afazeres a autorizar em terras indígenas a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais inciso XVI do art 49 b pronunciarse decisoriamente sobre o ato de remoção de grupos indígenas de suas terras 5º do art 231 Com o que se mostra plenamente válido o precitado art 19 da Lei federal n 600173 Estatuto do Índio também validamente regulamentado pelo Decreto de n 1775 Pet 3388 rel Min Ayres Britto j 1932009 Plenário DJe de 1º72010 4662 O Caso Raposa Serra do Sol e as condicionantes O Caso Raposa Serra do Sol consistiu originalmente em ação popular proposta por Senador da República impugnando o modelo de demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima Sustentouse a existência de vícios no processo administrativo de demarcação além do fato de que a demarcação contínua traria consequências desastrosas para o Estado de Roraima e comprometimento da segurança e soberania nacionais No mérito pediuse a declaração de nulidade da Portaria n 5342005 do Ministro da Justiça e do Decreto de homologação da demarcação A ação foi adjudicada ao STF por ter se vislumbrado conflito federativo entre a União e o Estado de Roraima art 102 I f da CF88 511 No STF o Ministro Menezes Direito ao proferir o seu votovista foi favorável à demarcação contínua das terras da região mas apresentou condições a serem obedecidas O STF julgou a ação parcialmente procedente nos termos do voto do Relator exemplo de sentença manipulativa de efeito aditivo declarando constitucional a demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol Inicialmente o STF consagrou o termo constitucionalismo fraternal ou solidário para traduzir o esforço da CF88 para efetivar a igualdade material das minorias assegurando no caso dos indígenas um espaço fundiário que lhes garanta meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática linguística e cultural concretizando o valor constitucional da inclusão comunitária pela via da identidade étnica Nesse sentido o STF julgou ser falso o antagonismo entre a matéria indígena e o desenvolvimento pois desenvolvimento que se fizer sem ou contra os indígenas viola o objetivo fundamental do inciso II do art 3º da CF que assegura o desenvolvimento ecologicamente equilibrado humanizado e culturalmente diversificado de modo a incorporar a realidade indígena A preservação do meio ambiente não pode ser prejudicada na visão do STF pelo reconhecimento das terras indígenas Por sua vez para o STF a CF88 não utilizou o termo território indígena de modo proposital tendo preferido terras indígenas para traduzir a dimensão um conceito sociocultural desprovido de ambição de soberania Assim o STF entendeu que nenhuma terra indígena se eleva ao patamar de território político assim como nenhuma etnia ou comunidade indígena se constitui em unidade federada Como as terras indígenas são bens da União o modelo de ocupação previsto pela CF88 exige a liderança institucional da União Por isso a atuação complementar de Estados e Municípios em terras já demarcadas como indígenas deve ser em linha com a atuação da União que tem papel de centralidade institucional coadjuvado pelos próprios índios suas comunidades e organizações além da protagonização de tutela e fiscalização do Ministério Público Federal Nesse sentido o STF decidiu que somente à União por atos situados na esfera de atuação do Poder Executivo compete instaurar sequenciar e concluir formalmente o processo demarcatório das terras indígenas tanto quanto efetiválo materialmente nada impedindo que o Presidente da República venha a consultar o Conselho de Defesa Nacional inciso III do 1º do art 91 da CF especialmente se as terras indígenas a demarcar coincidirem com faixa de fronteira Para o STF os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente reconhecidos e não simplesmente outorgados tendo a demarcação natureza de ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente Por isso são considerados direitos originários ou seja direito mais antigo do que qualquer outro de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não índios Os títulos privados sobre terras indígenas foram considerados nulos e extintos pela CF88 art 231 6º Quanto à demarcação o STF entendeu que o marco temporal de ocupação foi a data da promulgação da Constituição Federal 5 de outubro de 1988 para o reconhecimento aos índios dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam Porém o STF reconheceu que a tradicionalidade da posse nativa ficaria mantida mesmo ausente a posse em 5 de outubro de 1988 em casos em que a reocupação não tenha ocorrido por efeito de renitente esbulho por parte de não índios O modelo aceito de demarcação das terras indígenas foi o da continuidade sendo impossível para a manutenção da cultura indígena a demarcação em bolsões ou ilhas Contudo para o STF a exclusividade de usufruto das riquezas do solo dos rios e dos lagos nas terras indígenas é conciliável com a eventual presença de não índios bem assim com i a instalação de equipamentos públicos ii a abertura de estradas e outras vias de comunicação iii a montagem ou construção de bases físicas para a prestação de serviços públicos ou de relevância pública sob a liderança institucional da União fiscalização do Ministério Público e atuação coadjuvante de entidades tanto da Administração Federal quanto representativas dos próprios indígenas O STF foi expresso na proibição de as comunidades indígenas interditarem ou bloquearem estradas cobrarem pedágio pelo uso delas e inibirem o regular funcionamento das repartições públicas Também o STF reconheceu a compatibilidade entre o usufruto de terras indígenas e faixa de fronteira podendo ser criados postos de vigilância sem autorização das comunidades Quanto às salvaguardas ou condicionantes o STF reconheceu as seguintes I o usufruto das riquezas do solo dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas art 231 2º da Constituição Federal pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o art 231 6º da Constituição relevante interesse público da União na forma de lei complementar II o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional III o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional assegurando aos índios a participação nos resultados da lavra na forma da lei IV o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação devendo se for o caso ser obtida a permissão de lavra garimpeira V o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional a instalação de bases unidades e postos militares e demais intervenções militares a expansão estratégica da malha viária a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI o que contraria a Convenção n 169 da OIT VI a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena no âmbito de suas atribuições fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI VII o usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos redes de comunicação estradas e vias de transporte além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União especialmente os de saúde e educação VIII o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação ambiental fica sob a gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade IX o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a participação das comunidades indígenas que deverão ser ouvidas levandose em conta os usos tradições e costumes dos indígenas podendo para tanto contar com a consultoria da FUNAI X o trânsito de visitantes e pesquisadores não índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade XI devem ser admitidos o ingresso o trânsito e a permanência de não índios no restante da área da terra indígena observadas as condições estabelecidas pela FUNAI XII o ingresso o trânsito e a permanência de não índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas XIII a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas equipamentos públicos linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não XIV as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena ou pelos índios art 231 2º da Constituição Federal cc art 18 caput da Lei n 600173 XV é vedada nas terras indígenas a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática de caça pesca ou coleta de frutos assim como de atividade agropecuária ou extrativa art 231 2º da Constituição Federal cc art 18 1º da Lei n 600173 XVI as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas observado o disposto nos arts 49 XVI e 231 3º da CF88 bem como a renda indígena art 43 da Lei n 600173 gozam de plena imunidade tributária não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns ou outros XVII é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada XVIII os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis art 231 4º da CF88 e XIX é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas encravadas em seus territórios observada a fase em que se encontrar o procedimento Houve embargos de declaração ao acórdão destacandose os embargos propostos pela Procuradoria Geral da República que defendeu a prevalência dos direitos dos índios em detrimento de uma excessiva primazia dos interesses da União e tutela do meio ambiente Para o STF no Caso Raposa Serra do Sol foi feita uma ponderação diante do choque de direitos constitucionais e fins públicos relevantes levando a compressões e preferências Como já visto nem toda utilização das terras indígenas pela União para fins econômicos ou militares ou para a prestação de serviços públicos depende da prévia edição da lei complementar prevista no art 231 6º da CF88 A lei complementar referida no 6º do art 231 por sua vez é requisito para a exploração das riquezas naturais do solo dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas Não precisam de lei complementar i o patrulhamento de fronteiras ii a defesa nacional iii a conservação ambiental nas áreas iv a exploração de recursos hídricos Caso Belo Monte v o uso do potencial energético ou a pesquisa e lavra dos recursos minerais presente o interesse público da União A pesquisa e a lavra de riquezas minerais pelos indígenas exige tal qual como ocorre com os integrantes da sociedade envolvente indígenas a adequada permissão uma vez que os indígenas possuem apenas o usufruto do solo Leis n 780589 e 116852008 Quanto ao direito de prévia consulta o STF considerou que esse não é absoluto devendo ceder diante de questões estratégicas relacionadas à defesa nacional Por sua vez o direito à consulta não implica poder de veto pois para o STF nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado Não é esse tipo de prerrogativa que a Constituição atribuiu aos índios Pet 3388ED rel Min Roberto Barroso j 2310 2013 Plenário DJe de 422014 Finalmente quanto à validade erga omnes dessas condicionantes para as demais causas de conflito sobre terras indígenas o STF reconheceu que tais condições foram consideradas pressupostos para o reconhecimento da validade da demarcação das terras indígenas da localidade Foram impostas por i decorrerem da CF88 e ii ainda pela necessidade de explicitarem as diretrizes básicas para o exercício do usufruto indígena de modo a solucionar de forma efetiva as graves controvérsias existentes na região Consequentemente para as outras causas envolvendo matéria indígena essas condicionantes não possuem força vinculante mas os fundamentos adotados pelo STF ostentam força moral e persuasiva por serem fruto de uma decisão da mais alta Corte do País do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões grifo que não consta do voto do Relator Pet 3388ED rel Min Roberto Barroso j 23102013 Plenário DJe de 42 2014 467 DIREITO PENAL E OS POVOS INDÍGENAS Em nome da igualdade o direito penal brasileiro aplicase a todos inclusive às comunidades indígenas Contudo na linha da igualdade material do trato diferenciado aos desiguais vide o direito à igualdade neste Curso o art 10 da Convenção n 169 exige que os Estados levem em consideração as características econômicas sociais e culturais dos indígenas antes da aplicação das normais penais Nessa linha no caso de crime praticado por índio o Estatuto do Índio prevê que a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o juiz atenderá também ao seu grau de integração Como esse conceito integração encontrase superado cabe ao juiz atenuar a pena na sua aplicação de acordo com o grau de conhecimento do índio sobre a cultura da sociedade envolvente Há divergência na jurisprudência quanto à obrigatoriedade do laudo antropológico para que se afira esse grau de conhecimento ou se outros elementos de convicção bastariam ao juiz criminal por exemplo dados objetivos como carteira de motorista título de eleitor etc para sua decisão sobre a imputabilidade Importante mencionar que no âmbito do Ministério Público Federal a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão seu órgão especializado na matéria indígena defende a obrigatoriedade do laudo antropológico para fins criminais ou para imposição de medida socioeducativa Porém em maior ou menor grau a atenuante é sempre obrigatória pela condição indígena tal qual ocorre com os demais tratamentos diferenciados da lei penal brasileira em face por exemplo da redução do prazo prescricional para as pessoas acima de 70 anos ou com menos de 21 anos art 115 do Código Penal De acordo com o Estatuto do Índio as penas de reclusão e de detenção serão cumpridas se possível em regime especial de semiliberdade no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado art 56 parágrafo único Assim o regime de cumprimento de pena comum regime fechado semiaberto aberto é adaptado às condições indígenas Pela dicção legal contudo o regime de semiliberdade no local de funcionamento da FUNAI seria afastado caso isso não fosse possível Contudo como bem observa Vitorelli caso não exista local adequado para o cumprimento de pena na FUNAI inexistência corriqueira digase dada a situação da FUNAI na atualidade deveria o indígena cumprir a pena na sua própria comunidade fazendose um paralelismo entre a inexistência de vaga no regime semiaberto e a possibilidade de cumprimento de pena no regime aberto ou mesmo prisão domiciliar Contudo a jurisprudência dominante inclinase pela manutenção da expressão se possível do art 56 parágrafo único do Estatuto do Índio bem como pelo afastamento do regime de semiliberdade caso o indígena seja considerado integrado entre outros STJ RHC 11862PA rel Min José Arnaldo da Fonseca DJ de 910 2000 512 No tocante ao pluralismo jurídico o próprio Estatuto prevê a possibilidade de aplicação pelas comunidades indígenas de acordo com as instituições próprias de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros desde que não revistam caráter cruel ou infamante proibida em qualquer caso a pena de morte O art 9º da Convenção n 169 exige que os Estados respeitem a repressão dos delitos pelos métodos dos povos indígenas desde que compatíveis com os direitos humanos previstos nas normas internacionais Por outro lado é possível também em face das diferenças culturais verificar a ocorrência de erro de proibição por parte do indígena acusado de crime referente à consciência da ilicitude do fato o que exigiria novamente o laudo antropológico Além da tipificação ordinária do Código Penal e das leis penais extravagantes há os seguintes crimes específicos contra os índios e a cultura indígena no Estatuto do Índio I escarnecer de cerimônia rito uso costume ou tradição culturais indígenas vilipendiálos ou perturbar de qualquer modo a sua prática detenção de um a três meses II utilizar o índio ou comunidade indígena como objeto de propaganda turística ou de exibição para fins lucrativos detenção de dois a seis meses III propiciar por qualquer meio a aquisição o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas nos grupos tribais ou entre índios não integrados detenção de seis meses a dois anos As penas são agravadas de um terço quando o crime for praticado por funcionário ou empregado do órgão de assistência ao índio No caso de crime contra a pessoa o patrimônio ou os costumes em que o ofendido seja índio não integrado ou comunidade indígena a pena será agravada de um terço Finalmente destaco a proteção penal do indígena em dois pontos já estudados i a punição penal do crime de discriminação ou preconceito por etnia prevista na Lei n 7716 de 5 de janeiro de 1989 também chamada de Lei Caó que define os crimes de discriminação ou preconceito e suas punições tendo revogado leis anteriores vide Parte IV item 243 sobre racismo ii a criminalização da conduta de praticar induzir ou incitar pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza a discriminação ou preconceito de etnia que foi incluído pela Lei n 808190 vide o capítulo sobre liberdade de expressão 468 ASPECTOS PROCESSUAIS Inicialmente o art 232 da Constituição prevê a legitimatio ad causam aos índios suas comunidades e organizações na defesa de direitos ou interesses coletivos indígenas 513 Desse dispositivo há as seguintes consequências i não elimina a necessidade de capacidade postulatória por intermédio de advogado ii não são direitos individuais de um índio mas sim direitos coletivos iii pode a comunidade indígena os índios e suas organizações ocuparem a condição de autor oponente ou assistente ingressar em juízo em defesa de seus direitos na linguagem da CF88 mas não cabe a condição de réu iv há a possibilidade de atuação concorrente como substituto processual do Ministério Público Federal da FUNAI e da União Federal O Ministério Público atuante na matéria indígena é o Ministério Público Federal uma vez que o art 109 XI da CF88 estabelece que compete aos juízes federais julgar e processar a disputa sobre direitos indígenas Caso não seja o autor o Ministério Público Federal atuará nessas causas como custos legis Quanto à competência do juízo federal para as causas indígenas após diversas oscilações na jurisprudência foi editada a Súmula 140 do STJ que prevê Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima A lógica adotada foi a restritiva sendo competência da Justiça Federal criminal somente os crimes que fossem realizados em contexto de disputa sobre direitos indígenas Um crime contra um índio ou cometido por um índio sem relação com essa disputa sobre direitos indígenas seria da competência do juízo estadual Já no STF a competência criminal da Justiça Federal na matéria indígena era total englobando inclusive crimes cometidos por indígena ou contra indígena em particular conforme precedentes dos anos 90 do século passado Nesse sentido decidiu o STF Caso em que se disputam direitos indígenas Todos os direitos a começar pelo direito à vida que possa ter uma comunidade indígena ou um índio em particular estão sob a rubrica do inciso XI do art 109 da Constituição Federal HC 718353MS rel Min Francisco Rezek DJU de 2211 1996 itálico do autor Contudo no século XXI a jurisprudência do STF modificouse profundamente e adotou o entendimento restritivo do art 109 XI com votos vencidos O leading case foi o julgamento do Recurso Extraordinário n 419528 da relatoria do Ministro Cezar Peluso no qual se concluiu com base nos incisos IV e XI do art 109 da CF88 que a competência criminal da Justiça Federal alcança apenas i crimes de genocídio ou ii quando esteja na causadisputa sobre direitos indígenas que são temas referentes à cultura indígena ou aos direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios Assim a morte de um líder indígena em conflito fundiário é da competência da Justiça Federal Mas crime isolado sem motivação vinculada à disputa sobre direitos indígenas será da competência da Justiça Estadual RE 419528 rel p o ac Min Cezar Peluso j 382006 Plenário DJ de 932007 No tocante à competência cível o STF mantém o mesmo raciocínio sendo competente a Justiça Federal apenas no trato de matéria envolvendo a comunidade indígena como por exemplo disputas fundiárias ou temas de direitos difusos envolvendo a cultura indígena Casos individuais nos quais o indígena é autor ou réu devem ser apreciados pela Justiça Estadual O Ministério Público Federal buscou em 2013 reverter essa jurisprudência em caso de maustratos a menor indígena mas novamente o STF fez valer a atual jurisprudência confirmando a competência da Justiça Estadual STF AI 794447AgR rel Min Marco Aurélio j 2492013 Primeira Turma DJe de 21112013 Quanto ao tratamento processual privilegiado o art 61 do Estatuto do Índio dispõe que são extensivos aos interesses do Patrimônio Indígena os privilégios da Fazenda Pública quanto à impenhorabilidade de bens rendas e serviços ações especiais prazos processuais juros e custas Nesse sentido decidiu o STJ a favor da Comunidade Indígena Gavião reconhecendo o prazo em dobro para recorrer AAREsp 200702249090 rel Min Francisco Falcão DJe de 1642008 Por outro lado o art 63 do mesmo Estatuto exige que nenhuma medida judicial seja concedida liminarmente em causas indígenas sem prévia audiência da União e da FUNAI Também nesse sentido o STJ decidiu pela nulidade de decisão que concedeu liminar de reintegração de posse de terras em processo de demarcação na qual não foram ouvidos a União e a Funai REsp 200600852854 rel Min Castro Meira DJ de 234 2007 469 QUESTÕES ESPECÍFICAS DA MATÉRIA INDÍGENA Direitos de personalidade No ambiente do Estado contemporâneo o exercício de parte importante dos direitos exige a identificação do indivíduo por meio de seu nome assinatura impressões digitais etc Há dois registros possíveis para o indígena i o registro civil e ii o registro administrativo perante a FUNAI arts 12 e 13 do Estatuto do Índio A FUNAI é responsável pela emissão da carteira de identidade indígena registro administrativo de nascimento e de óbito Obviamente a ausência desse registro administrativo não impede a autodeclaração do indivíduo como membro da comunidade indígena Direitos políticos A Constituição determina que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos e facultativos para os analfabetos os maiores de 70 anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos art 14 1º Não fez qualquer ressalva portanto com relação aos indígenas O Tribunal Superior Eleitoral no Processo Administrativo n 18391 usando a superada classificação do Estatuto do Índio decidiu que são aplicáveis aos indígenas integrados reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis nos termos da legislação especial Estatuto do Índio as exigências impostas para o alistamento eleitoral inclusive de comprovação de quitação do serviço militar ou de cumprimento de prestação alternativa TSE Resolução n 20806 de 155 2001 Em 2010 o TSE decidiu que não foi recepcionado o art 5º II do Código Eleitoral que determina que não podem se alistar eleitores aqueles que não saibam exprimirse na língua nacional e com isso afirmou a inexigibilidade de fluência da língua pátria para que o indígena ainda sob tutela e o brasileiro possam alistarse eleitores TSE Resolução n 23274 de 1º62010 j 2082010 Serviço militar A obrigatoriedade constitucional de prestação de serviço militar art 143 levou o Ministério da Defesa a regular administrativamente a incorporação de jovens oriundos das comunidades indígenas desde que i voluntários e ii aprovados no processo de seleção o que implica a não admissão forçada ou obrigatória Portaria MDSPEAIDPE n 9832003 e Portaria MDEME n 202003 Consequentemente a obrigação do índio não voluntário de apresentar o certificado de alistamento militar para realização de alistamento eleitoral deve ser amenizada Contudo como vimos o Tribunal Superior Eleitoral ainda exige dos indígenas a obrigatoriedade de comprovação de quitação do serviço militar ou de cumprimento de prestação alternativa como requisito para o alistamento eleitoral Comissão Parlamentar de Inquérito e condução coercitiva de índio para servir de testemunha Impossibilidade A convocação de um índio para prestar depoimento em local diverso de suas terras constrange a sua liberdade de locomoção na medida em que é vedada pela Constituição da República a remoção dos grupos indígenas de suas terras salvo exceções nela previstas CF88 art 231 5º A tutela constitucional do grupo indígena que visa a proteger além da posse e usufruto das terras originariamente dos índios a respectiva identidade cultural se estende ao indivíduo que o compõe quanto à remoção de suas terras que é sempre ato de opção de vontade própria não podendo se apresentar como imposição salvo hipóteses excepcionais HC 80240 rel Min Sepúlveda Pertence j 2062001 Segunda Turma DJ de 14102005 grifos meus 47 Direito à nacionalidade 471 NACIONALIDADE NA GRAMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS A nacionalidade consiste no vínculo jurídicopolítico entre determinada pessoa denominada nacional e um Estado pelo qual são estabelecidos direitos e deveres recíprocos Há dois prismas pelos quais é possível abordar a temática da nacionalidade i como elemento formador do Estado visão estatocêntrica ii como direito individual visão jusfundamentalista submetido à gramática dos direitos humanos Do ponto de vista estatocêntrico a nacionalidade é tema indissociável à formação do Estado O povo consiste no conjunto de nacionais e é elemento subjetivo do Estado Contudo a adoção de regras constitucionais para a determinação da nacionalidade foi lenta e somente se desenvolveu a partir das revoluções liberais que geraram a consequente afirmação da participação popular no poder Nesse contexto era necessário determinar quem era nacional ou seja quem era membro do povo e por consequência deveria participar direta ou indiretamente da condução dos destinos do Estado Assim a França foi o primeiro Estado no pósrevolução de 1789 a estabelecer regras constitucionais referentes à nacionalidade Constituição de 1791 arts 2º ao 6º O modelo francês de instituir as regras sobre nacionalidade no texto constitucional foi seguido pelo Brasil e a Constituição de 1988 estabelece as regras básicas sobre a nacionalidade em seu art 12 Do ponto de vista dos direitos humanos o direito à nacionalidade consiste na faculdade de determinado indivíduo exigir renunciar ou trocar a nacionalidade Nessa linha a nacionalidade não é mais uma matéria de soberania do Estado mas sim tema de direitos humanos não podendo o Estado arbitrariamente negar privar ou ainda exigir a manutenção da nacionalidade a determinado indivíduo A matéria nacionalidade possui normas nacionais e internacionais de regência que são complementares e devem buscar a máxima efetividade do direito à nacionalidade de determinado indivíduo Além das normas constitucionais específicas sobre nacionalidade na CF88 ver abaixo há normas internacionais de direitos humanos dispondo sobre a nacionalidade como a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 que prevê que todos têm direito a uma nacionalidade e ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade art XV A Convenção Americana de Direitos Humanos já ratificada e incorporada ao ordenamento brasileiro também dispõe que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade e a ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudála art 20 A Corte Interamericana de Direitos Humanos inclusive já emitiu parecer consultivo sobre o direito à nacionalidade Parecer n 484 e também analisou o conteúdo dos deveres dos nacionais cotejo com o crime de traição no caso Castillo Petruzzi Essa ótica de direitos humanos sobre a nacionalidade requer diversas condutas do Estado que não mais pode alegar que tal matéria em nome da soberania compõe seu domínio reservado Entre as condutas exigidas do Estado estão i não privar arbitrariamente alguém de sua nacionalidade ii permitir a renúncia ou mudança da nacionalidade iii envidar esforços para evitar a apatridia e ainda fornecer sua própria nacionalidade para evitar que determinada pessoa continue apátrida 472 NACIONALIDADE ORIGINÁRIA E A EMENDA CONSTITUCIONAL N 542007 No Brasil de acordo com o art 12 da CF há dois tipos de formas de aquisição de nacionalidade a originária ou primária brasileiro nato que se adquire no nascimento e a derivada ou secundária que advém de ato voluntário após o nascimento brasileiro naturalizado No caso da aquisição originária há dois critérios aceitos pela Constituição o critério do jus soli pelo lugar do nascimento e o jus sanguinis pela nacionalidade dos genitores ou um dos genitores De acordo com o jus soli é brasileiro nato aquele nascido no território nacional salvo se for filho de pais estrangeiros a serviço de seu país Contudo apesar da ressalva constitucional filho de pais estrangeiros a serviço de seu país devem ser levados em consideração o vetor constitucional de proteção da dignidade humana e ainda os tratados celebrados pelo Brasil No caso a Convenção da ONU para a Redução dos Casos de Apatridia 514 de 1961 estabelece em seu artigo 1º que todo Estado Contratante concederá sua nacionalidade a uma pessoa nascida em seu território e que de outro modo seria apátrida No mesmo sentido dispõe o artigo 202 da Convenção Americana de Direitos Humanos que toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido se não tiver direito a outra Para compatibilizar a restrição constitucional com o combate à apatridia é proibida a concessão da nacionalidade originária brasileira aos nascidos em território brasileiro de pais estrangeiros a serviço do seu país desde que não sejam apátridas Caso seja comprovada a apatridia concedese a nacionalidade originária brasileira Essa interpretação ainda é compatível com o art 5º 2º da CF88 O território nacional compreende todas as porções terrestres do Brasil o mar territorial e ainda o espaço aéreo sobrejacente A nacionalidade pelo jus soli também incide no chamado território nacional por equiparação como por exemplo os navios privados brasileiros em alto mar ou aeronaves privadas brasileiras em espaço aéreo internacional bem como em passagem inocente pelo mar territorial ou espaço aéreo estrangeiros além dos navios e aeronaves do Estado brasileiro onde quer que se encontrem Assim aquele que nasce em navio privado de bandeira brasileira em altomar é brasileiro nato Pelo critério do jus sanguinis é brasileiro nato aquele que mesmo nascido no estrangeiro tenha genitor brasileiro pai ou mãe que esteja a serviço da República Federativa do Brasil Tal serviço engloba inclusive aqueles prestados para sociedades de economia mista autarquias e empresas públicas de qualquer ente federado Além disso são brasileiros natos os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira desde que sejam i registrados em repartição brasileira competente ou ii venham a residir na República Federativa do Brasil e optem em qualquer tempo depois de atingida a maioridade pela nacionalidade brasileira art 12 I c da CF88 Essa segunda hipótese trata da nacionalidade potestativa que depende da ação de opção de nacionalidade do interessado Com o registro na repartição competente não é necessária a propositura de ação de opção de nacionalidade Caso não tenha sido registrado são necessárias a residência no país e a propositura de uma ação de opção de nacionalidade perante a Justiça Federal jurisdição voluntária para que seja declarada a nacionalidade originária Como tal opção pode ser feita a qualquer tempo e a sentença é declaratória com efeito ex tunc até que ocorra a pessoa será brasileira sob condição suspensiva Tal opção por envolver direito personalíssimo e deveres com o Estado brasileiro deve ser realizada pelo interessado não se admitindo sua propositura por meio de representante legal Caso interessante diz respeito a pedido de extradição feito por Estado estrangeiro em relação a indivíduo que ainda não fez a opção Para o STF até que a ação de opção de nacionalidade seja julgada e transcrita no registro de pessoa física a nacionalidade originária que obsta a extradição brasileira não é reconhecida Contudo a Corte já aceitou suspender o processo extradicional até o término da ação de opção de nacionalidade Antes que se complete o processo de opção não há pois como considerálo brasileiro nato Pendente a nacionalidade brasileira do extraditando da homologação judicial ex tunc da opção já manifestada suspendese o processo extradicional CPC art 265 IV a AC 70QO rel Min Sepúlveda Pertence j 2592003 Plenário DJ de 1232004 O texto atual do art 12 I c da CF88 foi introduzido pela Emenda Constitucional n 54 de 20 de setembro de 2007 que retomou a tradição de reconhecimento da nacionalidade originária na hipótese de nascidos no exterior de pai brasileiro ou mãe brasileira no caso de qualquer genitor brasileiro não estar a serviço do Brasil por mero registro em repartição competente Anteriormente a tradição constitucional referiase somente a registro consular que foi curiosamente suprimido para fins de reconhecimento da nacionalidade pela Emenda Constitucional de Revisão n 3 de 7 de junho de 1994 gerando reação da comunidade brasileira no exterior e casos de apatridia nascidos no exterior em países de jus sanguinis e que não podiam ir ao Brasil para propor a ação de opção de nacionalidade por algum motivo em geral por receio de ter problemas migratórios no retorno Agora é possível interpretar tal expressão constitucional registro competente de modo mais amplo para abarcar também o registro de pessoa física Como regra de transição a EC 542007 introduziu o art 95 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias pelo qual os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 data da promulgação da EC de Revisão n 3 e a data da promulgação da EC 542007 filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira podem ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro se vierem a residir na República Federativa do Brasil 473 NACIONALIDADE DERIVADA OU SECUNDÁRIA ADQUIRIDA A aquisição derivada da nacionalidade brasileira é sempre fruto de ato voluntário expresso do interessado inexistindo a naturalização tácita previsto no passado do direito brasileiro somente na forma do art 69 4º da Constituição de 1891 ou a forçada imposição da nacionalidade pelo Estado em geral para absorver novos territórios A naturalização expressa pode ser de duas espécies a de matriz legal regida pela lei no caso a Lei n 1344562017 que revogou a Lei n 6815 de 1981980 e também a Lei n 818 de 1891949 e a de matriz constitucional ou extraordinária que é aquela prevista diretamente pela Constituição art 12 II em dois casos primeiro os estrangeiros originários de países de língua portuguesa devem comprovar residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral segundo os estrangeiros residentes por mais de 15 anos devem comprovar ausência de condenação penal naturalização quinzenária A idoneidade moral prevista na CF88 deve ser interpretada restritivamente para evitar arbitrariedade na denegação da nacionalidade derivada Quanto à residência esse requisito não exige que o estrangeiro fique de modo contínuo no território nacional por exemplo não viaje ao exterior basta que tenha mantido a residência permanente mesmo que tenha se ausentado episodicamente No tocante à naturalização de matriz legal a Lei n 134452017 estabeleceu as seguintes categorias i ordinária ii especial ou iii provisória A Lei ainda menciona a categoria naturalização extraordinária reproduzindo uma das hipóteses constitucionais pessoa fixada no Brasil há mais de 15 anos ininterruptos e sem condenação penal A naturalização ordinária é a regra na aquisição da nacionalidade derivada contendo os requisitos mais amplos São necessárias as seguintes condições para o interessado I ter capacidade civil segundo a lei brasileira II ter residência em território nacional pelo prazo mínimo de 4 anos III comunicarse em língua portuguesa consideradas as condições do naturalizando e IV não possuir condenação penal ou estiver reabilitado nos termos da lei O prazo de residência de 4 anos será reduzido para no mínimo 1 ano se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições i ter filho brasileiro ii ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato no momento de concessão da naturalização iii haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil ou iv recomendarse por sua capacidade profissional científica ou artística Por sua vez a naturalização especial é aquela destinada a interessados envolvidos na atividade diplomática ou consular do Brasil podendo ser concedida ao estrangeiro que se encontre em uma das seguintes situações I seja cônjuge ou companheiro há mais de 5 anos de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior ou II seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de 10 anos ininterruptos São requisitos para a concessão da naturalização especial ter capacidade civil segundo a lei brasileira comunicar se em língua portuguesa consideradas as condições do naturalizando e não possuir condenação penal ou estiver reabilitado nos termos da lei Por fim a naturalização provisória é aquela que rege a situação da naturalização de menores de idade radicados precocemente no território brasileiro e poderá ser concedida ao migrante criança ou adolescente que tenha fixado residência em território nacional antes de completar 10 anos de idade e deverá ser requerida por intermédio de seu representante legal Consiste em alternativa que ameniza ser a naturalização um direito personalíssimo que não pode ser requerido por representante Porém a naturalização provisória só será convertida em definitiva se o naturalizando expressamente assim o requerer no prazo de 2 anos após atingir a maioridade O pedido de naturalização será apresentado e processado pelo Poder Executivo sendo cabível recurso em caso de denegação No curso do processo de naturalização o naturalizando poderá requerer a tradução ou a adaptação de seu nome à língua portuguesa sendo mantido cadastro com o nome traduzido ou adaptado associado ao nome anterior A naturalização produz efeitos após a publicação no Diário Oficial do ato de naturalização tendo sido eliminada pela nova Lei de Migração o ritual de entrega do certificado de naturalização por magistrado federal A discricionariedade do Estado na concessão da naturalização era prevista pelo art 121 da Lei n 681580 que dispunha que a satisfação das condições legais não assegura o direito à naturalização Contudo a nova Lei não tem a mesma previsão o que implica em reconhecer que preenchidos os requisitos legais o interessado tem o direito à naturalização Na naturalização de matriz constitucional ou extraordinária que possui condições fixadas na CF88 preenchidos os requisitos constitucionais há o direito à naturalização 515 É possível como decorrência do respeito à dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito o controle judicial da eventual negativa do Poder Executivo para evitar arbitrariedade e desejo mesquinho de perseguição Em caso de fraude no processo administrativo de naturalização não cabe a anulação administrativa e sim ação judicial para cancelar a naturalização Em precedente de 2013 por maioria o STF decidiu que o art 112 2º e 3º da então vigente Lei n 681580 Estatuto do Estrangeiro 516 o qual estipulava o poder da autoridade administrativa anular naturalização já concedida por fraude não foi recepcionado pela CF88 que previu somente a ação judicial para cancelamento da naturalização Com fundamento distinto a Ministra Cármen Lúcia entendeu que não era caso de não recepção pois a CF88 previu a ação de cancelamento de naturalização para hipótese diversa atividade nociva e não para a ocorrência de fraude Contudo a Ministra Cármen Lúcia considerou que o art 112 3º que estabeleceu a atribuição administrativa do Ministro de Estado da Justiça para cancelar a naturalização por fraude foi revogado pela Convenção da ONU para a Redução dos Casos de Apatridia de 1961 de hierarquia supralegal por ser um tratado de direitos humanos cujo art 8º 4º exige que a privação da nacionalidade seja feita por tribunal ou órgão independente o que impede o cancelamento meramente administrativo da naturalização STF RMS 27840 rel p o ac Min Marco Aurélio j 722013 Plenário DJe de 2782013 474 QUASE NACIONALIDADE O art 12 1º da CF88 prevê que os i portugueses com ii residência permanente e iii se houver reciprocidade terão os mesmos direitos atribuídos ao brasileiro Assim só não terá os direitos do brasileiro nato ver abaixo o tratamento diferenciado entre o brasileiro nato e o naturalizado O Tratado de Amizade Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa celebrado em Porto Seguro em 22 de abril de 2000 Decreto de Promulgação n 39272001 concretiza esse Estatuto da Igualdade que pelo seu alcance previsto na CF88 é uma quase nacionalidade Em linhas gerais ficou estabelecido que os brasileiros em Portugal e os portugueses no Brasil beneficiários do Estatuto da Igualdade gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados art 12 do Tratado Esse estatuto de igualdade será atribuído mediante decisão do Ministério da Justiça no Brasil e do Ministério da Administração Interna em Portugal aos brasileiros e portugueses que o requeiram desde que civilmente capazes e com residência habitual no país em que ele é requerido igualdade ordinária ou para fins civis Já quanto ao exercício de direitos políticos igualdade qualificada o gozo de direitos políticos por brasileiros em Portugal e por portugueses no Brasil só será reconhecido aos que tiverem três anos de residência habitual e depende de requerimento à autoridade competente Assim o Estatuto da Igualdade não é automático pois depende de requerimento do interessado direito personalíssimo residência habitual e adequado consentimento do Estado procedimento administrativo Para o STF a norma inscrita no art 12 1º da CR que contempla em seu texto hipótese excepcional de quase nacionalidade não opera de modo imediato seja quanto ao seu conteúdo eficacial seja no que se refere a todas as consequências jurídicas que dela derivam pois para incidir além de supor o pronunciamento aquiescente do Estado brasileiro fundado em sua própria soberania depende ainda de requerimento do súdito português interessado a quem se impõe para tal efeito a obrigação de preencher os requisitos estipulados pela Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre brasileiros e portugueses Extr 890 rel Min Celso de Mello j 582004 Primeira Turma DJ de 28102004 A igualdade qualificada exercício de direitos políticos não abrange as pessoas que no Estado da nacionalidade houverem sido privadas de direitos equivalentes Ademais o exercício de direitos políticos no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade Esse Estatuto da Igualdade qualificado fornece elegibilidade ao português para quase todos os cargos eletivos no Brasil com as exceções do de Presidente ou VicePresidente da República que são privativos dos brasileiros natos Eleito deputado federal ou senador contudo o português não poderá ser Presidente da Câmara ou do Senado Federal também porque são cargos privativos do brasileiro nato Também ficou estabelecido no Tratado que os brasileiros e portugueses beneficiários do Estatuto da Igualdade ficam submetidos à lei penal do Estado de residência nas mesmas condições em que os respectivos nacionais e não estão sujeitos à extradição salvo se requerida pelo Governo do Estado da nacionalidade Com isso os portugueses gozando da igualdade ordinária ou qualificada no Brasil só podem ser extraditados para Portugal A titularidade do Estatuto da Igualdade por brasileiros em Portugal e por portugueses no Brasil não implicará em perda das nacionalidades originárias O término do Estatuto da Igualdade dáse pela i perda pelo beneficiário da sua nacionalidade ou com a ii cessação da autorização de permanência no território do Estado de residência 475 DIFERENÇA DE TRATAMENTO ENTRE BRASILEIROS NATOS E NATURALIZADOS A nacionalidade originária possui tratamento jurídico diferenciado da nacionalidade secundária de acordo com a CF88 Essa opção constitucional é questionável pois faz tratamento diferenciado por origem com base em sentimento de desconfiança São as seguintes as hipóteses constitucionais de tratamento privilegiado ao brasileiro nato 1 Cargos privativos dos brasileiros natos art 12 3º da CF88 Há dois tipos de cargos privativos dos brasileiros natos i por motivo de linha sucessória na Chefia do Estado e ii por segurança nacional Por motivo de linha sucessória são privativos de brasileiro nato os seguintes cinco cargos Presidente da República VicePresidente da República Presidente da Câmara dos Deputados Presidente do Senado Federal e Ministro do STF a presidência do STF que entra na linha sucessória da Chefia do Estado no Brasil pode ser ocupada por qualquer Ministro Por motivo de segurança nacional são privativos de brasileiro nato os seguintes cargos membro da carreira diplomática oficial das Forças Armadas e Ministro do Estado da Defesa 2 Função art 89 VII da CF88 O Conselho da República é órgão de consulta do Presidente da República devendo se pronunciar sobre a intervenção federal estado de defesa e estado de sítio bem como as questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas art 90 da CF88 regulado pela Lei n 804190 Possui seis membros reservados a brasileiros natos 3 Extradição art 5º LI da CF88 O tema já foi estudado na análise da extradição 4 Direito de propriedade art 222 da CF88 A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País Em qualquer caso pelo menos 70 do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverão pertencer direta ou indiretamente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação redação dada pela EC 362002 Há então exigência de lapso temporal 10 anos de naturalização para que o brasileiro naturalizado possa ser equiparado ao nato na propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora rádio e sons e imagens televisão 5 Perda da nacionalidade por atividade nociva ao interesse nacional art 12 4º da CF88 Só o brasileiro naturalizado pode perder sua nacionalidade pela prática de atividade nociva ao interesse nacional vide abaixo a crítica a essa previsão constitucional 476 PERDA E RENÚNCIA AO DIREITO À NACIONALIDADE A perda da nacionalidade só é prevista em duas hipóteses constitucionais art 12 4º da CF88 cancelamento da naturalização por sentença judicial em virtude de atividade nociva ao interesse nacional perda por punição ou ainda fruto da aquisição de outra nacionalidade por naturalização voluntária perda por aquisição ou perda por mudança Na perda por punição a CF88 não estipula o que vem a ser atividade nociva ao interesse nacional A nova Lei de Migração desperdiçou a oportunidade de esclarecer esse conceito indeterminado tendo apenas mencionado que deve ser levado em consideração o risco de geração de situação de apatridia art 75 4º A ação de perda da nacionalidade por punição é privativa do Ministério Público Federal art 6º IX da LC n 7593 tendo a sentença efeito ex nunc Em 2013 o Tribunal Regional Federal da 3ª Região confirmou a perda da nacionalidade de brasileira naturalizada de origem chinesa cuja atividade nociva foi a prática de crimes previstos nos arts 297 do CP falsificação de documento público e 125 XII introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular do então vigente Estatuto do Estrangeiro Lei n 681580 517 Entendo que a perda da nacionalidade por punição deve ter interpretação restritiva uma vez que já há resposta estatal contra a prática de crimes imposição da pena criminal e há um tratamento diferenciado injustificado o brasileiro nato pode cometer o mesmo crime e manter intacta sua nacionalidade A única interpretação possível é que a atividade nociva ao interesse nacional deve ser uma i conduta de impacto suficiente para abalar o direito à nacionalidade como por exemplo os crimes de jus cogens genocídio crimes contra a humanidade crimes de guerra ou crime de agressão e desde que ii a perda não gere a condição de apátrida A prática desses crimes de jus cogens inclusive impede a declaração do estatuto de refugiado conforme dispõe a Convenção sobre o Estatuto do Refugiado de 1951 art 1º F Quanto ao requisito de proibição da criação de apatridia essa restrição é feita para preservar o núcleo essencial do direito à nacionalidade sendo compatível inclusive com a Convenção da ONU para a Redução dos Casos de Apatridia 1961 já ratificada e incorporada internamente que determina que os Estados não podem privar uma pessoa de sua nacionalidade se essa privação convertêla em apátrida art 8º 1º No caso da perda por aquisição de outra nacionalidade esta não ocorrerá se a aquisição de nacionalidade estrangeira for i fruto do reconhecimento de nacionalidade originária ou ainda no caso ii de imposição de naturalização pela norma estrangeira ao brasileiro residente em Estado estrangeiro como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis art 12 4º II b A interpretação dessa última exceção deve ser generosa tendo em vista o direito à nacionalidade previsto em nossa Constituição e nos diplomas internacionais de direitos humanos Logo a imposição de naturalização pela norma estrangeira obviamente não pode ser interpretada literalmente pois a naturalização é via de regra voluntária mas o importante é saber se o brasileiro foi levado a tanto para permanecer legalmente no Estado estrangeiro ou ainda para trabalhar em condições lícitas ou exercer legitimamente outros direitos Em 2016 no Caso Cláudia Hoerig o Supremo Tribunal Federal reconheceu a perda da nacionalidade originária brasileira pela aquisição da nacionalidade derivada norteamericana uma vez que tal naturalização não teria sido imposta como condição de permanência no território ou para o exercício de direitos civis No caso a pessoa já possuía o green card residência permanente com direito ao trabalho e após havia solicitado a naturalização nos Estados Unidos Ao sofrer processo administrativo no Ministério da Justiça de perda da nacionalidade originária brasileira alegou que havia se naturalizado para obter também os direitos políticos votar e ser votada e que nunca havia tido a intenção de perder a nacionalidade brasileira Na análise do mandado de segurança contra a edição da portaria de perda da nacionalidade originária o Min Barroso relator levou em consideração i a existência da autorização de residência permanente mostrando a desnecessidade da naturalização para os fins do permissivo constitucional ii o juramento feito pela impetrante de lealdade aos Estados Unidos o conteúdo consta do voto recuso qualquer lealdade e fidelidade a qualquer principado potestado estado ou soberania estrangeiros a quem ou ao qual eu tenha anteriormente sido um cidadão ou sujeito de direito e iii ausência de embasamento constitucional da alegação da interessada sobre seu próprio desejo íntimo de querer manter a nacionalidade brasileira mesmo jurando lealdade aos Estados Unidos como se fosse uma reserva mental Considerou então o Ministro relator que a perda da nacionalidade brasileira havia sido realizada com observância do disposto nos arts 5º LV da CF 23 da Lei n 81849 e nas normas que regulam o processo administrativo federal Lei n 978499 porquanto fundamentado em previsão constitucional expressa qual seja a aquisição de outra nacionalidade sem a subsunção a uma das exceções constitucionalmente previstas art 12 4º II alíneas a e b STF Mandado de Segurança n 33864DF rel Min Roberto Barroso j 1942016 Em um segundo caso de perda da nacionalidade originária brasileira por naturalização posterior não foi aceita como causa de imposição da naturalização para fruição de direito civil a aquisição da nacionalidade derivada dos Estados Unidos visando à obtenção de facilidade migratória para descendente filha Para o Min Lewandowski a hipótese constitucional do art 12 4º II b não abarca toda e qualquer facilidade decorrente da aquisição de uma nova nacionalidade pois sempre há vantagens na assunção da cidadania de um determinado país É necessário assim que haja uma relação direta com o exercício de direitos civis Com essa interpretação estrita o STF manteve a perda da nacionalidade brasileira explicitada ato declaratório em Portaria do Ministério da Justiça STF Mandado de Segurança n 36359 rel Min Ricardo Lewandowski decisão monocrática de 1832019 em trâmite A Lei n 134452017 previu que o brasileiro que em razão do previsto no art 12 4º II perdaaquisição da CF88 houver perdido a nacionalidade uma vez cessada a causa poderá i readquirila ou ii ter o ato que declarou a perda revogado na forma definida pelo órgão competente do Poder Executivo art 76 A cessação da causa consiste na perda por qualquer motivo da nacionalidade estrangeira que havia gerado a consequente perda da nacionalidade brasileira Tanto no pedido de reaquisição quanto na revogação do ato de perda o indivíduo readquire a nacionalidade da mesma espécie da que possuía antes da perda Por exemplo se era brasileiro nato readquire tal condição Essa interpretação leva em consideração ser a nacionalidade um direito essencial não devendo ser restringido pelo modo pelo qual o indivíduo readquire novamente a condição de nacional brasileiro Finalmente a renúncia à nacionalidade consiste no direito de autoexpatriação que é condicionado à existência de outra nacionalidade detida pelo renunciante novamente para que se evite a apatridia A renúncia à nacionalidade brasileira embora não prevista na CF88 deve ser acatada caso não gere a apatridia cumprindo inclusive o disposto no art XV2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade e no art 203 da Convenção Americana de Direitos Humanos 3 A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudála Assim a renúncia à nacionalidade brasileira é direito decorrente implícito amparado no art 5º 2º da CF88 A previsão de preservação da nacionalidade brasileira pela aquisição de outra é dispositivo constitucional art 12 4º II b que protege o interesse do indivíduo em manter a nossa nacionalidade não podendo ser interpretado em desfavor do indivíduo obrigandoo a manter a nacionalidade brasileira e tornando inócua sua renúncia A liberdade de mudar de nacionalidade deve ser respeitada em nome da autonomia inerente à dignidade humana só podendo ser afastada caso gere apatridia que é uma situação que acarreta riscos de vulneração de direitos Na prática atual brasileira há casos nos quais o Ministério da Justiça aceita a renúncia na hipótese do interessado provar a existência de outra nacionalidade mesmo que tenha adquirido de modo originário ou para exercício de direitos civis o que em teoria não levaria à perda da nacionalidade brasileira Nesses casos a renúncia à nacionalidade brasileira é feita em geral em virtude do interesse do indivíduo em obter cargo ou função em Estado estrangeiro que não admite a polipatria para seus ocupantes 518 Já há também precedente judicial a favor da renúncia considerandoa direito individual em caso no qual o indivíduo já detinha outra nacionalidade No caso o interessado propõe ação declaratória de renúncia à nacionalidade brasileira para gozar de forma plena os direitos e prerrogativas titularizadas por aquele que detém somente a nacionalidade norteamericana Assim se o próprio interessado quer abdicar de sua nacionalidade tendo já outra nada pode o Estado fazer contra seu anseio 519 A perda de nacionalidade brasileira será efetivada após publicação de decreto do Ministro da Justiça por delegação do Presidente da República no Diário Oficial da União DOU 48 Direitos políticos 481 CONCEITO O DIREITO À DEMOCRACIA Os direitos políticos consistem no conjunto de faculdades e prerrogativas que assegura a participação do indivíduo na formação da vontade do poder Na teoria dos status de Jellinek os direitos políticos representam o status ativo status activus abarcando os direitos i de votar e ii ser votado nos casos dos cargos e funções eletivas iii de fiscalizar a ação do poder iv de representar para provocar a ação do poder v de participar do procedimento de tomada de decisão por parte do poder iniciativa popular de leis ou ainda participação em audiências públicas etc e vi de aceder aos cargos em órgãos públicos direito de nomeação aos cargos públicos já abordado anteriormente A cidadania consiste na faculdade de exercício dos direitos políticos o cidadão é aquele que exerce direitos políticos sendo em geral o nacional de um Estado No caso brasileiro há quase nacionalidade que consiste no estatuto da igualdade dos portugueses com a situação jurídica de brasileiro naturalizado permitindo o exercício de direitos políticos para aquele português que obtém a igualdade de direitos No caso do direito de votar e ser votado o nacional português na situação de igualdade de direitos políticos pode concorrer aos cargos eletivos que não são privativos de brasileiros natos Por sua vez o regime político pode ser definido de modo amplo como sendo o conjunto das instituições que regulam a luta pelo poder e o seu exercício 520 De modo restrito o regime político consiste no conjunto de meios pelos quais são escolhidos os governantes Na história foram adotados diferentes regimes políticos que podem ser classificados como ensina Bobbio na contraposição entre de um lado os regimes políticos apoiados na soberania popular e de outro os que se apoiam na soberania do príncipe que transmitia o poder eventualmente por delegação 521 Sob o ângulo da promoção dos direitos humanos o regime político que adota uma gramática de direitos é o regime democrático que se pauta em linhas gerais na prevalência da vontade da maioria na escolha dos governantes e na tomada das decisões do Poder Público É possível distinguir dois conceitos de democracia a democracia formal ou procedimental e a democracia material ou substancial O conceito formal de democracia democracia formal consiste no conjunto de regras e procedimentos que assegura o exercício do poder como reflexo da vontade da maioria de determinada sociedade sem que se leve em consideração o conteúdo das decisões tomadas O conceito material de democracia democracia material ou substancial agrega além da democracia formal a adoção de decisões voltadas à preservação de direitos humanos e a obtenção da igualdade e justiça social De acordo com o voto do Min Barroso no caso do uso de banheiros por transexuais A democracia não é apenas a circunstância formal do governo da maioria Ela tem também uma dimensão substantiva que envolve a proteção dos direitos fundamentais de todos inclusive e sobretudo das minorias É por essa razão que se houver oito cristãos e dois budistas em uma sala os cristãos não podem deliberar jogar os budistas pela janela As maiorias não podem tudo STF voto do Min Roberto Barroso Recurso Extraordinário 845779SC em trâmite em outubro de 2019 grifo não constante do original No plano nacional os traços fundamentais da democracia contemporânea foram trazidos pelo constitucionalismo inicialmente na forma de democracia formal ou procedimental também chamada democracia liberal As primeiras declarações de direitos das revoluções liberais mencionaram direitos políticos voltados à participação do indivíduo na formação da vontade do poder em claro antagonismo ao Estado absolutista então vigente Nesse sentido o artigo VI da Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia de 12 de junho de 1776 dispunha que as eleições de representantes do povo em assembleia devem ser livres e que todos os homens que deem provas suficientes de interesse permanente pela comunidade e de vinculação com esta tenham o direito de sufrágio e não possam ser submetidos à tributação nem privados de sua propriedade por razões de utilidade pública sem o seu consentimento ou o de seus representantes assim eleitos nem estejam obrigados por lei alguma a que da mesma forma não hajam consentido para o bem público grifo meu A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 27 de agosto de 1789 previa em seu art 6º que a lei é expressão da vontade geral Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou através de mandatários para a sua formação Ela deve ser a mesma para todos seja para proteger seja para punir Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades lugares e empregos públicos segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos Assim as primeiras declarações de direitos e as Constituições liberais da época centraram suas atenções na democracia formal buscando ampliar o direito de votar e ser votado zelando para que o processo decisório do Estado Constitucional espelhasse a vontade da maioria Em resumo na frase de Abraham Lincoln a democracia é o o governo do povo pelo povo para o povo 522 A passagem para a democracia material ou substancial foi fruto da transformação do Estado Constitucional com a adoção com graus e intensidades diversos de Constituições do bem estar social nas quais o Estado deve promover a igualdade e a justiça social Não basta então o como são escolhidos os governantes mas também é relevante saber quais são as decisões adotadas No plano internacional há desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 uma relação simbiótica entre democracia e a proteção de direitos humanos Inicialmente foram consagrados internacionalmente os direitos políticos e a democracia formal o artigo XXI da DUDH dispõe 1 Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos 2 Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país 3 A vontade do povo será a base da autoridade do governo esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas por sufrágio universal por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto No mesmo sentido o artigo 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos estipula que Todo cidadão terá o direito e a possibilidade sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas a de participar da condução dos assuntos públicos diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos b de votar e de ser eleito em eleições periódicas autênticas realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto que garantam a manifestação da vontade dos eleitores c de ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país Em 1993 a Declaração e Programa de Ação da II Conferência Mundial da ONU de Direitos Humanos Conferência de Viena estabeleceu que democracia desenvolvimento e respeito aos direitos humanos são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente item 8 Na Declaração de Viena definiuse democracia como sendo aquele regime político baseado na vontade livremente expressa pelo povo de i determinar seus próprios sistemas políticos econômicos sociais e culturais e ii em sua plena participação em todos os aspectos de suas vidas Assim o binômio autodeterminação popular e plenitude da participação são facetas decisivas para a caracterização da democracia de acordo com a Declaração de Viena Com o fim da Guerra Fria o apoio a ditaduras pelos blocos antagonistas bloco capitalista e bloco comunista foi desaparecendo permitindo a consolidação do reconhecimento internacional da simbiose entre direitos humanos e democracia Em 2000 a hoje extinta Comissão de Direitos Humanos da ONU adotou a Resolução n 47 que estipulou os seguintes elementos essenciais para a existência da democracia em um Estado a saber i acesso e exercício do poder de acordo com o Estado de Direito rule of law ii realização de eleições periódicas e justas pelo sufrágio universal e secreto assegurandose a livre manifestação da vontade popular iii pluralismo partidário iv separação de poderes v independência do Poder Judiciário vi transparência e responsabilização do Poder Público e vii liberdade de informação e expressão jornalística Em 2001 a Carta Democrática Interamericana da Organização dos Estados Americanos OEA estabeleceu que são elementos essenciais da democracia representativa entre outros i o respeito aos direitos humanos ii o acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao Estado de Direito iii a celebração de eleições periódicas livres justas e baseadas no sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo iv o regime pluralista de partidos e organizações políticas e v a separação e independência dos poderes públicos art 3º da Carta Em 2012 o Conselho de Direitos Humanos da ONU que substituiu a extinta Comissão de Direitos Humanos adotou a Resolução n 1936 denominada Direitos Humanos Democracia e Estado de Direito pela qual se reafirmou que o respeito aos direitos humanos e a preservação da democracia são interdependentes e se reforçam mutuamente Nessa linha em 2015 a Resolução n 2814 do mesmo Conselho de Direitos Humanos estabeleceu um fórum sobre direitos humanos democracia e Estado de Direito que visa discutir medidas para o fortalecimento dos direitos humanos e as democracias no século XXI O regime democrático não pode ser assim definido sem a proteção de direitos humanos por sua vez os direitos humanos só encontram um ambiente de promoção em sociedades democráticas Consequentemente a democracia proposta no plano internacional é uma democracia substancial ou material uma vez que importa o teor das decisões tomadas que devem promover os direitos humanos a diversidade inclusão e igualdade de todos mesmo os que pertencem a grupos minoritários e vulneráveis Fica consolidado o direito à democracia que não se resume ao direito do indivíduo de participar de eleições periódicas mas também exige que o regime democrático seja materialmente conforme aos direitos humanos promovendo a sociedade inclusiva 523 482 DEMOCRACIA INDIRETA OU REPRESENTATIVA DEMOCRACIA DIRETA E DEMOCRACIA SEMIDIRETA OU PARTICIPATIVA O regime democrático que hoje é considerado o ambiente indispensável para a promoção de direitos humanos possui diversas modalidades que podem ser classificadas de acordo com a existência ou não de intermediação entre a vontade popular e a decisão a ser tomada A democracia representativa ou indireta é aquela pela qual o poder é exercido pelos representantes políticos que defendem o interesse comum Por sua vez a democracia direta consiste na modalidade pela qual o povo exerce o poder diretamente sem qualquer outorga de poderes a representantes E em um modelo misto há ainda a democracia semidireta ou participativa que é aquela que prevê a representação política e também determinados institutos de democracia direta como o plebiscito ou o referendo No caso da democracia representativa cabe ressaltar que o mandato político difere do instituto do mandato de direito privado pelos seguintes aspectos i alcance subjetivo ii autonomia e iii duração Quanto ao alcance subjetivo o mandato político é usualmente geral pois as decisões do representante político vinculam não somente os seus eleitores como ocorre no mandato privado as decisões do mandatário vinculam apenas o mandante mas todo o povo Por exemplo um deputado federal eleito por uma fração do eleitorado tomará decisões que vincularão todos os brasileiros Quanto à autonomia o mandato político é em geral livre não podendo os mandantes eleitores determinar orientações vinculantes Finalmente quanto à duração para que o representante político possa exercitar sua liberdade de convicção o mandato político é em geral irrevogável contrariando a regra geral da revogabilidade do mandato de direito privado Tais características usuais do mandato político geraram em vários Estados dúvidas sobre eventual distanciamento entre o representante político e o representado povo o que pode ser agravado em países como o Brasil com forte influência do poder econômico e político sobre as candidaturas Para combater a chamada crise da representação política 524 alguns Estados adotaram o mandato imperativo no qual constam as principais orientações que o representante eleito deve cumprir durante o mandato e ainda o recall que consiste na possibilidade de no curso do mandato eletivo os eleitores serem convocados para aprovar ou não a manutenção do representante no seu cargo A Constituição da Venezuela possui a previsão de recall para todos os cargos eletivos denominado de referendo revocatório art 72 que só pode ser utilizado uma única vez durante o mandato do representante político e deve ser convocado i por 20 do corpo de eleitores e ii somente após a metade do mandato para que os eleitores possam ter tempo de avaliar a gestão do eleito No Brasil a única fórmula utilizada para vincular representante e representado continua sendo a exigência das candidaturas serem feitas a partir da filiação a partidos políticos art 14 3º V da CF88 É proibida a chamada candidatura avulsa ou seja aquela que é feita sem que se exija filiação prévia a determinado partido Contudo o art 23 1 b e ainda seu numeral 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de São José não menciona a filiação partidária como um dos fundamentos pelos quais se pode restringir a participação de candidatos em eleições Já o art 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos determina que todo cidadão deve ter acesso em condições gerais de igualdade às funções públicas de seu país O Comentário Geral n 25 do Comitê de Direitos Humanos ao interpretar esse artigo estipula que o direito de ser votado não pode ser limitado pela exigência de filiação partidária parágrafo 17 Esse teste de convencionalidade da exigência de filiação partidária foi submetido ao STF que superou a costumeira perda de objeto do recurso extraordinário de matéria eleitoral fruto da rapidez do processo eleitoral e deve ainda apreciar a questão da candidatura avulsa STF ARE 1054490RJ rel Min Roberto Barroso em trâmite em outubro de 2019 Ainda em relação à crise da representação política o STF diante do risco de que políticos com denúncias criminais recebidas pudessem assumir a presidência da república substitutos eventuais na linha sucessória deferiu liminar para determinar que os substitutos eventuais do Presidente da República art 80 da CF88 525 caso ostentem a posição de réus criminais fiquem impossibilitados de exercer o ofício de Presidente da República permanecendo contudo no exercício dos respectivos cargos no Congresso ADPF n 402 rel Min Marco Aurelio j 7122016 483 A DEMOCRACIA PARTIDÁRIA OS PARTIDOS POLÍTICOS O partido político consiste em um tipo de associação pela qual determinado grupo unido por ideais ou interesses comuns busca organizadamente receber o apoio popular necessário para a tomada do poder e implementação de seu programa de governo Para Caggiano trata se de instrumento essencial à socialização política na atualidade 526 Suas características básicas são i grupo social ii acervo de ideias e interesses iii organização iv tomada do poder O desenvolvimento do conceito de partido político é fruto da consolidação do Estado liberal nos séculos XIX e XX 527 No Brasil em que pese a regulação jurídica dos partidos políticos ter ocorrido na edição do Código Eleitoral de 1932 528 foi somente com a Constituição de 1946 que a temática foi constitucionalizada tendo sido introduzida a exigência do caráter nacional dos partidos políticos mostrando o novo centralismo da política brasileira em contraposição à estadualização partidária existente na Primeira República Apesar da importância do partido político no exercício do poder da democracia brasileira a Constituição de 1988 possui apenas um único artigo que trata da temática que é o art 17 contendo três incisos e quatro parágrafos O regime constitucional dos partidos políticos pode ser sintetizado nas seguintes características Liberdade de criação fusão incorporação e extinção dos partidos políticos O art 17 caput ao estabelecer a liberdade na criação fusão incorporação e extinção dos partidos impede a tutela estatal sobre o número de partidos que podem compor o cenário político nacional Fica impedido o antigo bipartidarismo forçado da ditadura militar que existiu de 19651979 com dois partidos um da situação Aliança Renovadora Nacional Arena e um da oposição o Movimento Democrático Brasileiro MDB Autonomia Ficou assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais A Emenda Constitucional n 52 possibilitou a ausência de coerência nas coligações que não precisam mais ser uniformes a denominada verticalidade das coligações no tocante às candidaturas em âmbito nacional estadual distrital ou municipal A fidelidade partidária deve constar dos estatutos partidários que regularão as normas de disciplina e fidelidade Limites materiais constitucionais Os partidos políticos devem respeito à soberania nacional ao regime democrático ao pluripartidarismo e aos direitos fundamentais da pessoa humana Não está clara na legislação infraconstitucional qual deve ser a sanção ao descumprimento de tais limites materiais Evidentemente as sanções ao descumprimento de tais limites devem obedecer o devido processo legal e ser proporcionais à gravidade da conduta Na Europa a Corte Europeia de Direitos Humanos considerou adequada a extinção de partidos políticos antidemocráticos fundada na teoria do abuso do direito a liberdade partidária não poderia gerar riscos à própria democracia 529 Em 1946 o Partido Comunista Brasileiro que contava à época com vários parlamentares foi extinto por decisão por maioria do Tribunal Superior Eleitoral por ofensa à exigência do partido político respeitar o regime democrático 530 o que não ocorreria por ser programaticamente comunista TSE Processo n 411412 julgamento de 751947 relator designado para o acórdão J A Nogueira Limites formais constitucionais Os partidos devem observar os seguintes limites formais 1 devem possuir caráter nacional 2 não podem receber recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes 3 devem prestar contas à Justiça Eleitoral 4 devem possuir atuação parlamentar de acordo com a lei Nesse caso há diversas sanções já estabelecidas em lei ou resoluções do Tribunal Superior Eleitoral tais como a negativa de registro no caso de não possuir caráter nacional desaprovação das contas com imposição de devolução ao Erário das quantias recebidas indevidamente recebimento de recursos ilegítimos e sanções previstas no Regimento das Casas Legislativas Registro no Tribunal Superior Eleitoral A supervisão da Justiça Eleitoral ficou assegurada na Constituição os partidos políticos após adquirirem personalidade jurídica na forma da lei civil registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral Possibilidade de dissolução O art 28 da Lei n 909695 Lei dos Partidos Políticos regra a possibilidade do Tribunal Superior Eleitoral após trânsito em julgado de decisão determinar o cancelamento do registro civil e do estatuto do partido contra o qual fique provado I ter recebido ou estar recebendo recursos financeiros de procedência estrangeira II estar subordinado a entidade ou governo estrangeiros III não ter prestado nos termos da lei as devidas contas dos órgãos nacionais ao TSE IV que mantém organização paramilitar Obviamente o art 28 reproduz as limitações da CF88 em um ambiente de ampla defesa e contraditório O processo de cancelamento é iniciado pelo Tribunal à vista de denúncia de qualquer eleitor de representante de partido ou de representação do ProcuradorGeral Eleitoral Financiamento público Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão na forma da lei Vedação da organização paramilitar O art 17 4º proíbe a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar A organização paramilitar é aquela que imita a organização das forças armadas com uso de uniforme treinamento disciplina e hierarquia similar A instituição da cláusula de barreira A cláusula de barreira exclusão ou cláusula de desempenho consiste em norma constitucional ou legal que impede ou restringe o funcionamento parlamentar ao partido que não alcançar percentual mínimo de votos Buscar evitar a fragmentação e pulverização dos partidos o que muitas vezes paralisa o Congresso e o enfraquece Apesar de existir em diversos Estados democráticos o art 13 da Lei n 909695 que estabelecia o percentual de barreira de 5 dos votos distribuídos no mínimo em 9 Estados com no mínimo 2 dos votos em cada um deles foi julgado inconstitucional por ofensa ao pluralismo político pois seria prejudicial aos pequenos partidos A regra previa que os partidos que não superassem esse percentual teriam perdas significativas no Congresso por exemplo atuação da liderança do partido em cada Casa bem como perderiam recursos do fundo partidário e ainda restrição na propaganda partidária em rede nacional de rádio e de televisão Para o STF surge conflitante com a CF lei que em face da gradação de votos obtidos por partido político afasta o funcionamento parlamentar e reduz substancialmente o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário ADI 1354 e ADI 1351 rel Min Marco Aurélio j 7122006 Plenário DJ de 3032007 A cláusula de barreira e a Emenda Constitucional n 97 de 2017 Em 2019 há 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral com expectativa de criação de mais partidos com pedidos de registro em andamento A EC 972017 impôs cláusula de barreira ou de desempenho pela qual os partidos políticos só terão acesso aos recursos do fundo partidário e ao uso gratuito do rádio e televisão o chamado direito de antena eleitoral caso obtenham i nas eleições para a Câmara dos Deputados no mínimo 3 três por cento dos votos válidos distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação 9 unidades com um mínimo de 2 dois por cento dos votos válidos em cada uma delas ou ii tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação Há regras de transição com o cumprimento pleno da regra somente na legislatura seguinte às eleições de 2030 Cabe ressaltar que diversos partidos hoje não cumpririam o desempenho exigido Fidelidade partidária e candidatura avulsa Apesar de não existir previsão expressa na Constituição o Supremo Tribunal Federal entendeu que a proibição de candidatura avulsa candidato não filiado a partido e ainda o sistema eleitoral proporcional adotado no Brasil implicam ser o mandato político um mandato do partido ADI 3999 e ADI 4086 rel Min Joaquim Barbosa j 12112008 Plenário DJe de 1742009 Assim o mandatário que sai do partido político sem justa causa deve perder o mandato sendo convocado o suplente do partido ou coligação caso tenha existido MS 30260 e MS 30272 rel Min Cármen Lúcia j 2742011 Plenário DJe de 3082011 A Resolução n 226102007 do TSE e a Lei n 909695 Lei dos Partidos Políticos dispõem sobre as hipóteses de justa causa a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário foi o partido quem traiu e b grave discriminação pessoal espécie de bullying partidário contra o político que reage desfiliandose A consequência de saída sem justa causa é a perda do mandato Em 2015 o STF determinou que a perda de mandato dos mandatários infiéis não é aplicável aos mandatos eletivos majoritários cargos eletivos de prefeito governador presidente e seus respectivos vices bem como cargo de senador uma vez que nesse tipo de eleição o voto do eleitor é direcionado à figura do candidato ADI 5081DF rel Min Roberto Barroso j 2752015 A EC 972017 criou mais uma hipótese de desfiliação sem perda do mandato caso o mandatário i tenha sido eleito por partido que não superou a cláusula de desempenho instituída pela mesma EC 972017 e ii filiese a outro partido que a tenha atingido Proibição do financiamento eleitoral por pessoas jurídicas Em 17 de setembro de 2015 o Supremo Tribunal Federal efetuou um giro copernicano no financiamento das campanhas eleitorais no Brasil quase três décadas após a edição da CF88 o STF considerou inconstitucional o financiamento doações feito por pessoa jurídica às campanhas eleitorais Os dados empíricos trazidos aos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI n 4650 promovida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil OAB impressionam nas eleições de 2010 por exemplo apenas 1 dos doadores equivalente a 191 empresas foi responsável por 61 do montante doado Nas eleições de 2012 as pessoas jurídicas doaram quase 95 do montante total Esses dados revelam que as campanhas eleitorais milionárias brasileiras são financiadas por um universo pequeno de empresas sendo que muitas doaram para candidato da situação e também da oposição mostrando inexistir perfil ideológico somente interesses de cooptação Por isso no voto do relator Ministro Fux consta a interessante pergunta É salutar à luz dos princípios democrático e republicano a manutenção de um modelo como esse que permite a captura do político pelos titulares do poder econômico De fato a CF88 não contém tratamento explícito quanto ao financiamento de campanhas eleitorais mas há outros dispositivos gerais decorrentes do Estado Democrático brasileiro que impedem as doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais De acordo com o voto do relator Ministro Fux autorizar que pessoas jurídicas participem da vida política seria em primeiro lugar contrário à essência do próprio regime democrático Ao final do julgamento por maioria declarouse inconstitucional doação às campanhas eleitorais feita por pessoas jurídicas por ofensa à igualdade à soberania popular pessoa jurídica não vota ao princípio democrático e republicano da CF88 entre outros Houve consequentemente veto presidencial às disposições da nova Lei n 13165 de 29 de setembro de 2015 Lei da Reforma Eleitoral que continuavam a prever doações eleitorais de pessoas jurídicas A minirreforma eleitoral de 2017 Leis ns 144872017 e 144882017 criaram o Fundo Especial de Financiamento de Campanha FEFC que é um i fundo público constituído por dotações orçamentárias da União e ii dividido entre os partidos políticos levandose em consideração as bancadas de cada partido na Câmara dos Deputados e no Senado Federal entre outros critérios Limite mínimo de 30 do fundo partidário para financiamento da campanha eleitoral de mulheres candidatas O STF decidiu em 2018 que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais deve ser feita na proporção das candidaturas de cada sexo respeitado o patamar mínimo de 30 de candidatas mulheres para os cargos proporcionais conforme previsto no art 10 3º da Lei 95041997 Lei das Eleições a chamada cota feminina estudada acima na análise das ações afirmativas preconizadas pela Convenção da ONU pela Eliminação de Toda Forma de Discriminação contra as Mulheres531 Foi considerado inconstitucional por ofensa à igualdade o limite de 15 do fundo partidário para financiamento da campanha eleitoral de mulheres previsto no art 9º da Lei 131652015 O STF decidiu ainda que é inconstitucional a fixação de prazo para esta regra agora adaptada para 30 no mínimo do fundo partidário para as candidatas como determinava a citada lei e que a distribuição de recursos não discriminatória deve perdurar enquanto for justificada a necessidade de composição mínima das candidaturas femininas STF ADI 5617 rel Min Edson Fachin j 1532018 P DJe de 3102018 Em 1995 foi aprovada a Lei n 9096 que consagrou a natureza de pessoa jurídica de direito privado dos partidos políticos revogando a Lei n 568271 Lei Orgânica dos Partidos Políticos que estabelecia a natureza de pessoa jurídica de direito público sem autonomia com seus atos internos sujeitos à disciplina legal rígida A criação de partidos políticos foi facilitada de acordo com o previsto nos arts 7º 8º e 9º da Lei n 909695 1ª etapa Fundação A proposta de criação de novo partido deve contar com a ao menos 101 eleitores com domicílio eleitoral em no mínimo um terço dos Estados b programa e o estatuto do partido c eleição na forma do Estatuto apresentado dos dirigentes nacionais provisórios Será permitida a publicação no Diário Oficial da União 2ª etapa Registro Civil Deve ser feito o registro do partido no Cartório de Registro de Pessoa Jurídica do Distrito Federal 3ª etapa Apoiamento A Comissão Provisória responsável pela formação do novo partido informa aos Tribunais Regionais Eleitorais os nomes dos responsáveis pela coleta de assinaturas do chamado apoiamento Com sua assinatura o eleitor não filiado apresenta sua concordância com a criação do novo partido mas isso não acarreta filiação ou sequer aceitação do programa O novo partido deve coletar assinaturas na soma de pelo menos 05 dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados não computados os votos em branco e os nulos distribuídos por um terço ou mais dos Estados com um mínimo de 01 do eleitorado que haja votado em cada um deles 1º do art 7º da Lei n 909695 alterado pela Lei n 131072015 Na atualidade isso significa quase 500 mil votos distribuídos como se viu anteriormente De acordo com a prática do autor que foi Procurador Regional Eleitoral do Estado de São Paulo 2012 2016 o apoiamento por parte de eleitores não filiados a novos partidos é a fase na qual a Justiça Eleitoral tem precária condição de aferir a autenticidade das assinaturas coletadas 532 4ª etapa Formação estadual Após a obtenção do apoiamento o partido constitui na forma de seu estatuto órgãos de direção municipais e regional designando os seus dirigentes e registrando no Tribunal Regional Eleitoral respectivo 5ª etapa Formação nacional e definitiva Caso obtenha a constituição em pelo menos um terço dos Estados o Presidente do partido solicitará o registro do estatuto partidário e do respectivo órgão de direção nacional perante o Tribunal Superior Eleitoral Com o registro partidário perante o TSE o partido agora pode participar do processo eleitoral obter recursos do fundo partidário ter acesso à propaganda partidária gratuita no rádio e na televisão bem como ter direito exclusivo à denominação número da urna eletrônica sigla e símbolos 484 OS PRINCIPAIS INSTITUTOS DA DEMOCRACIA DIRETA UTILIZADOS NO BRASIL De acordo com o art 14 da CF88 a soberania popular é exercida mediante plebiscito referendo e iniciativa popular Assim a regra no Brasil é a democracia representativa aceitandose excepcionalmente institutos da democracia direta como os plebiscitos arts 14 I 18 3º e 4º referendos art 14 II e iniciativa popular de leis arts 14 III 27 4º 28 XIII e 61 2º O plebiscito e o referendo consistem em consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância de natureza constitucional legislativa ou administrativa art 2º da Lei n 970998 bem como nas matérias do art 18 3º da CF88 incorporação subdivisão ou desmembramento dos Estados Nos Estadosmembros no Distrito Federal e nos Municípios o plebiscito e o referendo são regulados pela Constituição Estadual e pela Lei Orgânica O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo sob análise popular cabendo ao eleitor pelo voto aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido Já o referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo sob análise popular cumprindo ao eleitor a respectiva ratificação ou rejeição Em ambos os casos plebiscito e referendo a iniciativa de convocação é exclusiva do Congresso Nacional por intermédio de decreto legislativo art 49 XV da CF Porém nesse caso há ainda a dificuldade adicional do quórum qualificado de um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado para a iniciativa do projeto de decreto legislativo art 3º da Lei n 970998 Assim não há a possibilidade de convocação por meio de i ato do Presidente da República ou especialmente por meio de ii autoconvocação por coleta de número mínimo de manifestações de eleitores o que esvazia tais institutos já que estes dependem justamente da autorização de ente Congresso Nacional que terá seus poderes legislativos impactados pela manifestação popular Desde 1988 esses institutos foram utilizados no plano nacional somente em duas ocasiões no plebiscito de 1993 e no referendo de 2005 No plebiscito de 1993 os eleitores foram chamados a escolher entre monarquia ou república e entre parlamentarismo ou presidencialismo redundando na vitória da forma de governo republicano e no sistema de governo presidencialista Em 2005 os eleitores rejeitaram o art 35 do Estatuto do Desarmamento Lei n 108262003 que proibiria a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional Foi apresentada a seguinte pergunta o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil tendo vencido o não A iniciativa popular é também instituto de democracia direta e consiste no poder de apresentação direta de projetos de lei pelos eleitores A CF88 prevê que a iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por no mínimo 1 do eleitorado nacional distribuído pelo menos por cinco Estados com não menos de 03 dos eleitores de cada um deles Atualmente são necessárias 1473023 assinaturas de acordo com os dados das eleições de 2018 há 147302357 eleitores no Brasil 533 Apesar dos mais de 30 anos da promulgação da CF88 não foi criada estrutura no Congresso Nacional para conferir as assinaturas em cada projeto Adotouse então fórmula alternativa que foi utilizada em todos os casos de iniciativa popular o projeto de lei de iniciativa popular é assinado também por deputados federais suprindose a ausência de conferência O caso da Lei da Ficha Limpa Lei Complementar n 1352010 é exemplar Foram obtidas mais de 1 milhão e 600 mil assinaturas mas não houve conferência O protocolo no projeto na Câmara foi feito por meio de apoio de deputados de vários partidos A iniciativa popular então é denominação utilizada pela doutrina em face da mobilização social mas tecnicamente o projeto foi de iniciativa de deputados Em 2017 esse paradoxo de ser um projeto difundido como sendo de iniciativa popular com enorme mobilização social mas ao mesmo tempo ser autuado na Câmara dos Deputados como sendo de iniciativa de deputados foi questionado no Supremo Tribunal Federal Tratou se do caso do projeto de iniciativa popular conhecido como 10 medidas contra a corrupção que contou com mais de dois milhões de assinaturas de eleitores mas que foi autuado como sendo de iniciativa de deputados Após houve a adição de emendas e substitutivo que se distanciaram da intenção original dispondo inclusive de crimes de abuso de autoridade de magistrados e membros do ministério público Há diferenças substanciais entre o projeto de lei iniciativa popular e um projeto de lei de iniciativa de deputados de acordo com o próprio Regimento da Câmara dos Deputados i não podem ser discutidos e votados nas Comissões ii a sessão plenária da Câmara deve ser transformada em Comissão Geral sob a direção do Presidente para a discussão do projeto de lei de iniciativa popular com a presença de orador para defendêlo iii as proposições de iniciativa popular não são arquivadas ao final da legislatura e iv não cabem emendas e substitutivos que desfigurem a proposta original Assim o Min Fux deferiu medida liminar em mandado de segurança para determinar o retorno do projeto à Câmara dos Deputados sua autuação como projeto de iniciativa popular bem como a observância do rito correlato previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputado STF Mandado de Segurança n 34530DF Decisão de 14122016 485 OS DIREITOS POLÍTICOS EM ESPÉCIE O DIREITO AO SUFRÁGIO 4851 Noções gerais O direito ao sufrágio consiste no direito de votar sufrágio ativo jus suffragii e ser votado em eleições sufrágio passivo jus honorum bem como votar em plebiscitos e referendos Esse direito é individual possuindo dimensão coletiva de concretização do regime democrático Por isso alguns Estados estabelecem ser também um dever impondo a obrigatoriedade do voto 534 No Brasil há o direitoobrigação do sufrágio ativo o art 14 1º dispõe que o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para a os analfabetos b os maiores de 70 anos e c os maiores de 16 e menores de 18 anos Por sua vez o Código Eleitoral determina que o eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 dias após a realização da eleição incorrerá em multa atualmente de R 351 por turno O eleitor faltoso que não votou justificou ou pagou a multa não poderá exercer determinados direitos até a regularização de sua situação tais como o direito de acesso a cargo público obtenção de passaporte renovação de matrícula em estabelecimento de ensino oficial obtenção de empréstimos em bancos oficiais participação em concorrência pública ou se for servidor público não receberá seus vencimentos Em 2004 o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que o voto passou a ser facultativo às pessoas cuja deficiência torne impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais 535 O voto é o instrumento para o exercício do direito de sufrágio ativo e é personalíssimo ou seja não se admite o voto por procuração Já o escrutínio é o modo pelo qual o voto é exercido podendo ser público ou secreto O art 14 caput da CF estabelece que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto escrutínio com valor igual para todos além de ter previsto o art 60 4º II o voto universal característica do sufrágio e periódico No mesmo sentido o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos exige o voto secreto e igualitário art 25 Em resumo no Brasil o voto é direto secreto escrutínio universal periódico livre personalíssimo igualitário Buscase assim zelar pela igualdade dos eleitores nenhum voto terá peso diferente pela liberdade e autenticidade de sua vontade o voto deve ser secreto e direto e ainda assegurar igualdade de oportunidades o voto deve ser periódico evitando a eternização do poder Excepcionalmente admitese no Brasil o afastamento do sigilo do voto nos casos em que o eleitor pessoa com deficiência necessitar de auxílio humano para manifestar sua vontade na urna eletrônica tal auxiliar que pode inclusive digitar os números na urna não pode estar a serviço da Justiça Eleitoral de partido coligação ou candidato TSE Res 2181904 Nas eleições de 2014 foi debatida a conduta do eleitor de tirar foto do seu momento de voto na urna eletrônica os chamados selfies o que poderia ferir o sigilo do voto Tal conduta é ilícito administrativo regulado no art 91 da Lei n 950497 Lei das Eleições mas não há sanção flagrante omissão da lei Do ponto de vista criminal o art 312 do Código Eleitoral prevê o crime de violar ou tentar violar o sigilo do voto mas esse tipo penal exige a intenção de atentar contra a liberdade do voto do eleitor e só seria invocável caso houvesse a intenção por meio da foto de colaborar com corrupção eleitoral ou outra fraude O mero uso recreativo da selfie então não constitui crime De acordo com a CF88 e os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil em especial o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos o direito ao sufrágio é universal ou seja todos os indivíduos possuem o direito ao sufrágio ressalvadas eventuais restrições legítimas O sufrágio restrito é aquele que é limitado a determinado grupo de indivíduos por razões ilegítimas não relacionadas à autodeterminação popular como por exemplo renda sufrágio censitário gênero proibição do voto feminino por exemplo ou até mesmo capacidade sufrágio capacitário Assim o direito ao sufrágio universal não significa ausência de restrição ao direito de votar e ser votado mas simplesmente que tais restrições são legítimas em uma sociedade democrática que deve buscar preservar outros direitos como liberdade igualdade boa governança entre outros Assim por exemplo é possível restringir o direito de votar pela idade uma vez que a liberdade de escolha pode não estar plenamente amadurecida Ou ainda restringir o direito de ser votado sufrágio passivo em caso de vedação à reeleição para zelar pela igualdade de oportunidades E como veremos no caso da Lei da Ficha Limpa restringir o direito a ser votado de determinado indivíduo ficha suja para preservação do direito à boa governança Por sua vez é possível classificar os institutos relativos aos direitos políticos de acordo com sua função de permitir a participação ou negar a participação política os direitos políticos positivos consistem no conjunto de preceitos que assegura o direito de votar ou ser votado como a alistabilidade e as condições de elegibilidade Os direitos políticos negativos constituemse no conjunto de impedimentos definitivos ou temporários ao direito de ser votado como as inelegibilidades como veremos a seguir 4852 Capacidade eleitoral ativa a alistabilidade O direito de votar exige para o seu exercício que o indivíduo realize o alistamento eleitoral Possuir então a alistabilidade capacidade de se alistar é exigência prévia para o exercício do direito ao sufrágio ativo O alistamento eleitoral consiste em um procedimento administrativo instaurado por requerimento do eleitor não existe alistamento ex officio pelo qual o solicitante busca a inscrição no corpo de eleitores do Brasil adquirindo após seu deferimento a condição de cidadão Assim o ato de se alistar é pressuposto para o exercício da cidadania Sua consequência imediata é possibilitar o direito ao sufrágio ativo mas é também uma das condições para o sufrágio passivo direito a ser votado A CF88 diferencia três espécies de alistamento a o alistamento obrigatório b o alistamento facultativo e c o alistamento vedado ou proibido O alistamento é obrigatório para os maiores de 18 anos e menores de 70 anos Assim todo nacional que se encontrar nessa faixa etária deve requerer seu alistamento eleitoral Por sua vez o alistamento é facultativo para os analfabetos os maiores de 70 anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos Finalmente o alistamento é proibido para os estrangeiros e durante o período do serviço militar obrigatório os conscritos Na proibição do alistamento a estrangeiros não se inclui obviamente o caso dos portugueses no gozo do estatuto da igualdade como já visto acima Os conscritos são aqueles que prestam o serviço militar obrigatório às Forças Armadas ou seja não atinge os policiais militares dos Estados sendo o alistamento militar realizado por todo brasileiro do sexo masculino no período de 1º de janeiro ao último dia útil do mês de junho do ano em que completar 18 anos Com a CF88 o jovem maior de 16 anos e menor de 18 anos pode já ter realizado o alistamento eleitoral que será mantido apenas seu direito de voto será suspenso O alistamento eleitoral deve ser feito no domicílio eleitoral do interessado que é lugar de residência ou moradia do requerente e verificado ter o alistando mais de uma considerarse á domicílio qualquer delas art 42 parágrafo único do Código Eleitoral O Tribunal Superior Eleitoral tem interpretação ampla do domicílio eleitoral bastando a demonstração de vínculos políticos sociais afetivos patrimoniais ou de negócios Ac do TSE de 842014 no REsp 8551 de 522013 no AgRAI 7286 e de 16112000 no ARESP 18124 Por fim cabe esclarecer como é feito o alistamento eleitoral nos seguintes casos especiais Incapaz A incapacidade absoluta impede o alistamento pois tal condição suspende os direitos políticos art 15 II da CF88 A incapacidade relativa art 4º do CC não afeta os direitos políticos podendo o interessado realizar o alistamento Pessoa com deficiência O Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 1314615 dispõe expressamente que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa art 6º O art 3º II do Código Civil que tratava da incapacidade civil absoluta da pessoa com deficiência foi revogado pela Lei n 1314615 o que permite o alistamento eleitoral da pessoa com deficiência Indígena Todo membro de comunidade indígena pode alistarse e participar do processo eleitoral Brasileiro no exterior De acordo com o art 225 do Código Eleitoral os brasileiros no exterior podem participar da eleição de presidente e vicepresidente da República De acordo com a CF88 o alistamento eleitoral é obrigatório O requerimento será apresentado na sede da embaixada ou consulado e remetido ao Cartório Eleitoral do Exterior situado em Brasília Obviamente caso o brasileiro já tenha se alistado no Brasil antes de se mudar para o exterior deverá transferir seu domicílio eleitoral para que possa votar na seção especial instalada na sede da embaixada ou consulado geral criadas se houver um mínimo de 30 eleitores inscritos 4853 A capacidade eleitoral passiva a elegibilidade O direito de ser votado sufrágio passivo jus honorum possui requisitos constitucionais e legais que podem ser resumidos em dois blocos i as condições de elegibilidade e ii as hipóteses de inelegibilidade A elegibilidade consiste na conformação ou adequação do indivíduo ao regime jurídico estabelecido para o processo eleitoral 536 Para o exercício da plena capacidade eleitoral passiva é necessário que determinada pessoa possua as condições de elegibilidade previstas no art 14 3º da CF88 e ainda não incida em nenhuma hipótese de inelegibilidade constitucional ou legal Inicialmente as condições de elegibilidade consistem em requisitos positivos que determinado eleitor deve possuir para que possa validamente ser candidato A CF88 estabelece em seu art 14 3º seis condições de elegibilidade relacionadas a seguir I a nacionalidade brasileira A exigência da nacionalidade brasileira ou da quase nacionalidade dos portugueses Estatuto da Igualdade será aferida no momento do alistamento eleitoral II o pleno exercício dos direitos políticos Os direitos políticos consistem no direito de participar da formação da vontade do poder e podem ser i suspensos ou ii perdidos como veremos abaixo III o alistamento eleitoral Para ser candidato é necessário que o indivíduo seja como pressuposto lógico eleitor Sem o alistamento o indivíduo não exerce direitos políticos o que já consta como condição de elegibilidade item II acima IV o domicílio eleitoral na circunscrição De acordo com a organização federal brasileira a circunscrição eleitoral consiste no agregado territorial no qual são realizadas eleições para o preenchimento dos cargos eletivos No caso dos cargos de presidente e vicepresidente da República a circunscrição é o país para os cargos eletivos de governador vicegovernador deputado estadual deputado federal senador a circunscrição é o Estadomembro e finalmente para os cargos de vereador prefeito e viceprefeito o respectivo Município art 86 do Código Eleitoral Para concorrer às eleições o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo i prazo de seis meses e ii estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo art 9º da Lei n 950497 alterado pela Lei n 134882017 V a filiação partidária A democracia brasileira é uma democracia partidária não permitindo candidaturas avulsas sem filiação prévia a um partido O candidato deve estar ainda filiado ao respectivo partido há pelo menos seis meses antes do pleito art 9º da Lei n 950497 alterado pela Lei n 134882017 Determinados agentes públicos por estarem proibidos de desenvolver atividade partidária não estão obrigados a cumprir tal prazo prévio de filiação tais como os magistrados membros do Ministério Público e membros dos Tribunais de Contas que devem se filiar até 6 meses antes do pleito prazo idêntico ao da desincompatibilização VI a idade mínima A idade mínima progressiva para ser eleito a determinados cargos eletivos é tida como requisito compatível com a complexidade das funções a serem desempenhadas No Brasil a idade mínima é a 35 anos para Presidente e Vice Presidente da República e Senador b 30 anos para Governador e ViceGovernador de Estado e do Distrito Federal c 21 anos para Deputado Federal Deputado Estadual ou Distrital Prefeito VicePrefeito e juiz de paz d 18 anos para Vereador A idade mínima será aferida na data da posse e não na data do registro da candidatura salvo quando fixada em 18 anos hipótese em que será aferida na datalimite para o pedido de registro segundo o art 11 2º da Lei n 950497 alterado pela Lei n 1316515 As condições de elegibilidade serão aferidas no momento do registro da candidatura bem como na situação que existirá na data das eleições casos do período para a filiação partidária e fixação do domicílio e na data da posse caso da idade mínima 4854 A capacidade eleitoral passiva as inelegibilidades constitucionais e infraconstitucionais As inelegibilidades consistem em vedações constitucionais ou legais ao direito de ser votado atingindo qualquer cargo inelegibilidade absoluta ou limitandose a impedir o acesso a um cargo eletivo em especial inelegibilidade relativa No plano constitucional são inelegibilidades absolutas as previstas no art 14 4º da CF88 que afetam i os inalistáveis e ii os analfabetos Quanto aos inalistáveis José Jairo Gomes aponta a falta de técnica da Constituição pois o alistamento é precondição para o exercício da cidadania 537 Na melhor das hipóteses a CF88 reiterou a importância do exercício dos direitos políticos para que determinado indivíduo possa ser eleito No que tange ao analfabetismo este deve ser interpretado restritivamente só atingindo aquele que efetivamente não possui nenhuma compreensão da leitura e escrita no idioma Quanto à inelegibilidade relativa que atinge somente o direito de se candidatar a determinado cargo eletivo a CF88 estabeleceu as seguintes hipóteses Por motivos funcionais Com a aprovação da Emenda da Reeleição EC 1697 foi permitida a reeleição para um único período subsequente do Presidente da República dos Governadores de Estado e do Distrito Federal dos Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos Para concorrerem a outros cargos contudo devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito O defeito maior da reeleição é não ter sido exigida a desincompatibilização do candidato que disputará no cargo sua própria sucessão aproveitando assim de exposição permanente na mídia entre outras vantagens Por motivos de casamento parentesco ou afinidade De acordo com o art 14 7º da CF88 são inelegíveis no território de jurisdição do titular o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins até o segundo grau ou por adoção do Presidente da República de Governador de Estado ou Território do Distrito Federal de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição O TSE já decidiu que essa inelegibilidade atinge inclusive a família homoafetiva REsp 24564PA julgamento de 1º102004 Militar O militar alistável é elegível atendidas as seguintes condições I se contar menos de dez anos de serviço deverá afastarse da atividade II se contar mais de dez anos de serviço será agregado pela autoridade superior e se eleito passará automaticamente no ato da diplomação para a inatividade As inelegibilidades infraconstitucionais ou legais foram genericamente reguladas no art 14 9º da CF88 ao prever a edição de lei complementar para tratar de outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação a fim de proteger i a probidade administrativa ii a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato e iii a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função cargo ou emprego na administração direta ou indireta Houve então o mandamento constitucional de restrição ao direito ao sufrágio passivo para proteger os seguintes valores 1 probidade administrativa 2 moralidade de acordo com a vida pregressa do candidato 3 igualdade entre os candidatos e liberdade do eleitor combate ao abuso de poder econômico e político o uso da máquina pública Em 1990 foi editada a Lei Complementar n 64 conhecida como Lei das Inelegibilidades que trouxe inelegibilidades absolutas para todo e qualquer cargo art 1º I a a q e relativas para determinados cargos art 1º II a VII As inelegibilidades relativas são em geral funcionais pois exigem a desincompatibilização do titular de cargo em um determinado prazo antes das eleições para preservar a igualdade 538 Já as inelegibilidades absolutas visam proteger os valores constitucionais citados no art 14 9º além de direitos que lhes são dependentes Apesar da LC n 64 ser de 1990 sua aplicação contudo foi diminuta pois várias de suas hipóteses dependiam do trânsito em julgado de condenações pretéritas do candidato que poderia assim manter distante a inelegibilidade bastando utilizar recursos sucessivos mesmo que meramente protelatórios Por isso a sociedade civil realizou esforço hercúleo e apresentou um projeto de lei de iniciativa popular com aproximadamente 1 milhão e seiscentas mil assinaturas que redundou na Lei Complementar n 135 de 2010 a chamada Lei da Ficha Limpa A Lei da Ficha Limpa introduziu as seguintes alterações na Lei Complementar n 6490 539 1 ampliou o prazo de inelegibilidade para 8 anos 2 dispensou a exigência de trânsito em julgado de decisões judiciais bastando decisão proferida por órgão colegiado nas hipóteses previstas 3 aumentou o rol de crimes comuns que acarreta inelegibilidade 4 incluiu como novas hipóteses de inelegibilidade i as infrações decorrentes do exercício de mandato renúncia para escapar de procedimento ii as condenações por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito iii as infrações de cunho éticoprofissional que acarretem exclusão do exercício da profissão iv e a demissão do serviço público em processo administrativo ou judicial v a fraude no desfazimento de vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade vi realização de doações eleitorais tidas por ilegais vii a aposentadoria determinada aos magistrados e aos membros do Ministério Público por decisão sancionatória ou ainda que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar viii os que forem condenados por corrupção eleitoral por captação ilícita de sufrágio por doação captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais 5 alterou a hipótese de inelegibilidade por rejeição de contas estipulando que são inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa e por decisão irrecorrível do órgão competente salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário 6 conferiu tratamento prioritário aos processos de desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade até que sejam julgados ressalvados os de habeas corpus e mandado de segurança art 26B 7 determinou que a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Estadual sejam auxiliados pelas polícias judiciárias órgãos da receita federal estadual e municipal tribunais e órgãos de contas Banco Central do Brasil e o Conselho de Controle de Atividade Financeira com prioridade sobre as suas atribuições regulares art 26B 2º 8 afastou a necessidade de comprovação da potencialidade dos ilícitos praticados por candidatos ou terceiros bastando o exame da gravidade das circunstâncias que o caracterizam art 22 XVI 9 previu a comunicação imediata ao Ministério Público Estadual e à Justiça Eleitoral nas hipóteses de declaração de inelegibilidade de candidato art 15 parágrafo único Para evitar demasiada compressão no direito de ser eleito há sempre a possibilidade de recurso para suspender a decisão que pode gerar a inelegibilidade Por exemplo eventual decisão irrecorrível de Tribunal de Contas de rejeição de contas que venha a acarretar inelegibilidade pode ser suspensa pelo Poder Judiciário Mesmo a decisão judicial condenatória por órgão colegiado pode ser suspensa cautelarmente pelo Tribunal Superior 540 Assim houve uma ponderação de direitos e no limite todas as situações geradoras de potenciais inelegibilidades podem ser questionadas no Poder Judiciário Os questionamentos à Lei da Ficha Limpa foram levados ao Supremo Tribunal Federal ADC 29 ADC 30 e ADI 4578 rel Min Luiz Fux j 1622012 P DJe de 2962012 que decidiu pela constitucionalidade integral da lei abordando os seguintes aspectos principais A Irretroatividade da lex gravior e a aplicação da Lei da Ficha Limpa a fatos pretéritos Argumento pela inconstitucionalidade a aplicação das novas inelegibilidades a fatos anteriores à edição da Lei da Ficha Limpa de 4 de junho de 2010 ofendem os incisos XXXIX XL e LVII do art 5º da CF88 que estabelecem respectivamente não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu e finalmente ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória Teria sido ferido ainda o princípio da confiança no Estado pois ao praticar o ato o candidato não poderia saber que muitas vezes anos depois este seria considerado uma inelegibilidade Argumento pela constitucionalidade o voto do relator Ministro Luiz Fux apontou para a diferença entre a retroatividade proibida e a retrospectividade permitida retroatividade inautêntica a retroatividade proibida consiste na qualidade de determinada norma possuir eficácia ex tunc gerando efeito sobre situações pretéritas atingindo direitos ou relações jurídicas já constituídas no passado já a retrospectividade permitida consiste na atribuição por norma de efeitos futuros a situações ou relações jurídicas já estabelecidas no presente Assim a LC n 135 só incidiu em pedidos de registro de candidatura posteriores à data de sua vigência no caso um ano após sua edição pelo princípio da anualidade eleitoral art 16 da CF88 o art 16 da Constituição exige que qualquer modificação nas regras do jogo não terá eficácia imediata para o pleito em curso STF RE 633703 rel Min Gilmar Mendes j 233 2011 Plenário DJe de 18112011 com repercussão geral Assim para o STF não há direito adquirido a regime jurídico e não houve nenhuma violação à expectativas legítimas de manutenção do regime anterior das inelegibilidades uma vez que a própria CF no seu art 14 9º alertava a todos que o jus honorum direito de ser eleito deveria observar os valores da probidade moralidade e igualdade A LC n 135 somente alterou o regime jurídico das inelegibilidades Em 2018 foi vencedora a tese da aplicação da Lei da Ficha Limpa a condenações transitadas em julgado antes da entrada em vigor da citada lei o que leva à incidência do novo prazo de 8 anos de inelegibilidade tendo sido fixada a seguinte tese de repercussão geral a condenação por abuso do poder econômico ou político em ação de investigação judicial eleitoral transitada em julgado ex vi do artigo 22 inciso XIV da Lei Complementar 6490 em sua redação primitiva 2 é apta a atrair a incidência da inelegibilidade do artigo 1º inciso I alínea d na redação dada pela Lei Complementar 1352010 aplicandose a todos os processos de registros de candidatura em trâmite RE n 929670DF rel orig Min Ricardo Lewandowski red p o ac Min Luiz Fux j 1º32018 B Presunção de inocência Argumentos a favor da inconstitucionalidade a Lei da Ficha Limpa ao dispensar o trânsito em julgado das condenações que geram inelegibilidades violou a presunção de inocência prevista no art 5º LVII da CF88 ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória Eventual recurso que venha anos depois absolver o interessado demonstraria a intensa injustiça que essa restrição precoce do jus honorum pode gerar Argumentos a favor da constitucionalidade o comando do art 5º LVII presunção de inocência não proíbe todo e qualquer efeito de decisão condenatória fruto de órgão colegiado por isso permitese a prisão processual a decretação de indisponibilidade de bens etc Além disso o art 15 III da CF já permitia a suspensão de direitos políticos pelo trânsito em julgado de sentença penal condenatória o que esvaziaria de sentido exigir o mesmo trânsito em julgado na hipótese do art 14 9º Assim a inelegibilidade por ser uma condição objetiva cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos pode decorrer de decisões não definitivas sob pena de esvaziar o conteúdo do disposto no art 14 9º da CF88 C Proporcionalidade O Ministro relator Luiz Fux fez acurado teste de proporcionalidade da Lei da Ficha Limpa considerando os seguintes subprincípios i adequação as inelegibilidades são aptas à consecução dos fins consagrados nos princípios elencados no art 14 9º da Constituição haja vista o seu alto grau moralizador voto do Relator ii necessidade ou exigibilidade por esse subprincípio a restrição deve ser a menos gravosa possível Nesse sentido o legislador foi cuidadoso ao exigir requisitos qualificados para a constatação de inelegibilidades no caso de condenação judicial não definitiva exigiuse decisão de órgão colegiado no caso de decisões administrativas possibilitase a suspensão de inelegibilidade em caráter liminar pelo juízo de 1º grau meramente não cabe inelegibilidade por crime culposo ou de menor potencial ofensivo além disso em última análise há a possibilidade de suspensão cautelar da inelegibilidade por nova decisão judicial colegiada iii proporcionalidade em sentido estrito para o Ministro Luiz Fux a compressão ao direito de ser eleito foi proporcional sendo os benefícios socialmente desejados à democracia claramente superiores à limitação ao jus honorum ADC 29 ADC 30 e ADI 4578 rel Min Luiz Fux j 1622012 P DJe de 2962012 4855 Direito à boa governança e o controle de convencionalidade da Lei da Ficha Limpa o caso Lula As inelegibilidades infraconstitucionais ou de base legal têm fundamentos associados à defesa de direitos humanos o direito à boa governança nos casos de inelegibilidade pautada na defesa da probidade moralidade e vida pregressa e os direitos à igualdade e liberdade de convicção política no caso do combate ao abuso do poder econômico ou o abuso do poder político O direito à boa governança right to good governance ou right to good administration é fruto do intenso debate no seio da Organização das Nações Unidas em especial no Conselho de Direitos Humanos e no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre o vínculo entre a corrupção e as violações de direitos humanos Em discurso de março de 2013 a Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU Navi Pillay destacou que corrupção mata Let us be clear Corruption kills 541 No âmbito do Conselho de Direitos Humanos foram aprovadas a Resolução n 6805 e a Resolução n 711 sobre o papel da boa governança na proteção e promoção de direitos humanos bem como a Resolução n 239 sobre o impacto negativo da corrupção no gozo dos direitos humanos Essas sucessivas resoluções colocaram na agenda onusiana a abordagem de direitos humanos no combate à corrupção 542 No plano regional a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 em 2007 foi alterada e incluída como anexo ao Tratado de Lisboa estabeleceu em seu art 41 543 o direito à boa administração como um dos direitos essenciais a serem protegidos no seio da União O direito à boa governança consiste na exigência de um agir governamental baseado na transparência responsabilização do governante igualdade legalidade não discriminação e participação Como o regime jurídico dos direitos humanos contempla a indivisibilidade e a interdependência o direito à boa governança relacionase com o i direito à informação ii direito à igualdade evitando que a administração seja corrompida para beneficiar alguns v legalidade iv liberdade de expressão aceitandose as críticas e v direito ao sufrágio passivo evitando que aqueles envolvidos em práticas contrárias ao direito à boa governança possam retornar ao poder Essa relação do direito à boa governança com o direito político do sufrágio passivo direito de ser votado é o fundamento em uma abordagem de direitos humanos do regime jurídico gravoso de várias das inelegibilidades infraconstitucionais da Lei da Ficha Limpa A limitabilidade dos direitos humanos aplicase também aos direitos políticos fazendo nascer a preferência ao direito à boa governança e a compressão ao direito ao sufrágio passivo evitando que aquele envolvido em práticas contrárias ao bom agir público possa candidatarse por um período Essa limitação por um período determinado do direito a ser votado impede o estímulo a novas violações do direito à boa governança Por sua vez diversos órgãos da Organização das Nações Unidas como o Conselho de Direitos Humanos e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos incluíram o vetting depuração ou lustração como um instrumento adequado às políticas públicas de consolidação democrática evitando que aqueles cuja conduta pretérita não tenha sido condizente com a democracia possam continuar nos postos públicos 544 Assim a exigência de vida pregressa a preocupação com a probidade e moralidade bem como com o abuso do poder econômico e político correspondem a uma exigência de defesa da democracia O direito à boa governança é em síntese a explicitação do direito à democracia material ou substancial não basta apenas a existência de democracia formal mas é indispensável que as decisões sejam adequadas e não corrompidas Por sua vez pela teoria do duplo controle adotada neste livro 545 toda norma ou decisão local sobre direitos humanos deve ser analisada pelo controle de constitucionalidade e também pelo controle de convencionalidade No caso da Lei da Ficha Limpa o controle de constitucionalidade foi esgotado tendo sido decidida a constitucionalidade integral da lei conforme visto anteriormente Quanto ao controle de convencionalidade da Lei da Ficha Limpa houve discussões que se amparam especialmente na interpretação do alcance do art 232 da Convenção Americana de Direitos Humanos que prevê que a lei nacional pode regular os direitos políticos exclusivamente por motivo de idade nacionalidade residência idioma instrução capacidade civil ou mental ou condenação por juiz competente em processo penal 546 No caso López Mendoza vs Venezuela a Corte IDH em sentença de 1º de setembro de 2011 já comentado nesta obra decidiu que direito a ser eleito foi violado em virtude das sanções que impediam o exercício de funções públicas terem sido impostas por um órgão administrativo e não por uma condenação por um juiz competente em um processo penal conforme dispõe o artigo 232 da Convenção parágrafo 107 da sentença Já o voto concorrente concordando mas com fundamentação distinta do Juiz Diego García Sayán exPresidente da Corte IDH propõe a necessidade de i interpretação sistemática e ii evolutiva do art 232 da Convenção Apontou Sayán que os termos exclusivamente e processo penal foram incluídos sem maiores debates a pedido da Delegação brasileira nos trabalhos preparatórios da redação da Convenção em 1969 Por outro lado há diversos marcos nacionais e internacionais que não possuem a mesma rigidez o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos art 25 limitase a proibir restrições indevidas a Convenção Europeia de Direitos Humanos art 3º do Protocolo n 1 determina somente a necessidade de realização de eleições livres Também mencionou Sayán acertadamente que as Convenções das Nações Unidas e Interamericana contra a Corrupção exigem dos Estados o combate à corrupção tanto pelos mecanismos penais quanto pelos não penais Assim na sua visão a interpretação teleológica do art 232 impõe que o termo exclusivamente não acarreta a fixação de uma lista taxativa de causas de inelegibilidade assim como a expressão processo penal não pode excluir processos cíveis Agregou também que é crucial que o órgão que imponha a restrição aos direitos políticos seja uma autoridade judicial em sentido amplo isto é com as garantias da magistratura parágrafos 14 a 17 do seu voto A Lei da Ficha Limpa na maior parte de suas hipóteses atende ao voto do Juiz Sayán da Corte IDH no Caso Lopez Mendoza não há discriminação à oposição política e o acesso à justiça para suspender a inelegibilidade é sempre garantido Por sua vez no Caso Castañeda Gutman a Corte Interamericana de Direitos Humanos apontou que a Convenção Americana de Direitos Humanos não estabeleceu um único sistema eleitoral bem como um único formato de exercício dos direitos a votar e ser votado 547 Assim não é possível entender que por exemplo o direito a ser votado só possa ser afastado pelo trânsito em julgado da condenação criminal Em 2018 o Comitê de Direitos Humanos por meio de relatores especiais adotou medida provisória pedindo ao Brasil que permitisse a candidatura do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva mesmo preso até que seus recursos criminais transitassem em julgado Essa determinação do Comitê colide com a inelegibilidade embasada na Lei da Ficha Limpa fruto de condenação criminal determinada por órgão colegiado O Tribunal Superior Eleitoral considerou o candidato Lula inelegível em face da existência de condenação criminal determinada por órgão colegiado por crime listado no rol daqueles que geram inelegibilidade Por maioria vencido o Min Edson Fachin o TSE não acatou a medida provisória do Comitê de Direitos Humanos com base nos seguintes argumentos do Min Barroso relator 1 o Primeiro Protocolo Facultativo do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos PIDCP embora ratificado pelo Brasil não o obriga internamente pela ausência da edição do decreto de promulgação 2 não houve o esgotamento dos recursos internos o que fere a subsidiariedade da jurisdição internacional 3 a Lei da Ficha Limpa contém restrições fundadas ao direito a ser votado o que não contraria o disposto no art 25 do PIDCP sendo então compatível com o citado tratado 4 o Comitê de Direitos Humanos é um órgão administrativo composto de peritos independentes Por não ser um órgão judicial internacional suas deliberações são mera recomendações 5 o Brasil é um Estado Democrático de Direito que assegura os direitos de todos 6 a deliberação do Comitê de Direitos Humanos gera o chamado perigo na demora reverso ou seja caso seja permitida a participação do peticionário nas eleições presidenciais a decisão final do Comitê seria emitida meses após eventual posse no cargo de presidente da república Caso o Comitê não acolhesse a pretensão do peticionário haveria dano irreparável às demais candidaturas Tribunal Superior Eleitoral Registro de Candidatura 11532 n 06009035020186000000 rel Min Roberto Barroso por maioria j 31 de agosto de 2018 Para o Min Fachin contudo o Primeiro Protocolo ao ser válido internacionalmente vincula o Brasil também no plano interno Assim a candidatura deveria ser provisoriamente aceita até a deliberação final do Comitê Em que pese a força vinculante da decisão do Comitê de Direitos Humanos entendo serem convencionais as restrições trazidas pela Lei da Ficha Limpa inclusive a que considera inelegível um candidato condenado criminalmente por determinados crimes a partir da condenação por órgão judicial colegiado Conforme já mencionado os precedentes da Corte IDH possibilitam restrições ao direito a ser votado devendo ser assegurado ao candidato que questione a sua inelegibilidade no Poder Judiciário O direito à boa governança e à democracia substancial exigem que o direito a ser eleito jus honorum seja restringido desde que observadas as estritas condições que a Lei da Ficha Limpa possui o que inclui o acesso ao Poder Judiciário para suspender a eventual inelegibilidade de qualquer origem criminal cível ou administrativa imposta Cumprese o disposto no art 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que prevê que todo cidadão terá o direito de ser votado sem restrições infundadas o que é o caso da Lei da Ficha Limpa em linhas gerais 486 PERDA E SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS A Constituição estabelece condicionamentos à perda e suspensão dos direitos políticos bem como estabelece proibição à cassação A cassação dos direitos políticos consiste na perda desses direitos por ato arbitrário do Poder Público sem que se assegure o acesso à justiça e o devido processo legal como ocorreu no Brasil durante a ditadura militar que já no Ato Institucional n 1 de 9 de abril de 1964 previu a cassação de mandatos legislativos Já a suspensão dos direitos políticos é a interrupção temporária do gozo dos direitos políticos por prazo determinado Finalmente a perda ou privação dos direitos políticos é o afastamento do gozo dos direitos políticos por prazo indeterminado A diferença então entre os institutos da suspensão e perda é o prazo pois mesmo na perda é possível a recuperação posterior dos direitos políticos Quanto à suspensão de direitos humanos a CF88 previu no art 15 três hipóteses Incapacidade civil absoluta São absolutamente incapazes aqueles que não podem exercer pessoalmente os atos da vida civil Em 2015 o art 114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência Lei n 1314615 revogou os incisos II incapacidade absoluta por enfermidade ou deficiência e III incapacidade por falta de expressão da vontade restando somente a incapacidade absoluta do menor de 16 anos Além disso o Estatuto dispõe expressamente que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa art 6º Assim não há mais indivíduo maior de 16 anos absolutamente incapaz no Brasil É caso de suspensão de direitos políticos pois ao se completar 16 anos desaparece a causa suspensiva Contudo como alerta Gomes é impróprio chamar de suspensão pois esta pressupõe o gozo anterior dos direitos políticos o que não ocorre para os menores de 16 anos Tratase então de impedimento ou suspensão imprópria dos direitos políticos 548 Condenação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos A suspensão dos direitos políticos pela ocorrência de condenação criminal transitada em julgado foi introduzida já na Constituição de 1824 art 8º somente para os condenados à pena de prisão ou degredo enquanto durarem seus efeitos e de acordo com o teor do art 15 III da CF88 este dispositivo atual é tido como autoaplicável e decorre automaticamente da sentença penal não é necessário que seja prevista expressamente no corpo da sentença A suspensão dos direitos políticos somente termina com o cumprimento da sentença ou caso ela seja declarada extinta abarcando inclusive o cumprimento da sentença em liberdade livramento condicional por exemplo ou penas substitutivas da pena privativa de liberdade restritivas de direitos por exemplo STF RE 601182 rel para acórdão Min Alexandre de Moraes com repercussão geral j 85 2019 A reaquisição dos direitos políticos é imediata não dependendo de reabilitação ou prova da reparação dos danos Súmula 9 do Tribunal Superior Eleitoral Não abarca obviamente qualquer espécie de condenação ou prisão antes do trânsito em julgado sendo constitucional o voto do preso provisório Também não atinge a transação penal ou a suspensão condicional do processo Lei n 909995 pois nesses dois casos não há condenação criminal transitada em julgado Em 2019 o STF decidiu que a suspensão de direitos políticos prevista no art 15 III da CF88 aplicase também às hipóteses de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral A suspensão de direitos políticos prevista no artigo 15 inciso III da Constituição Federal aplicase no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos STF RE 601182 rel p o acórdão Min Alexandre de Moraes j 852019 DJ 2102019 Crítica à suspensão de direitos políticos como consequência da condenação criminal transitada em julgado A desproporcionalidade da medida é evidente porque é aplicada sem distinção para crimes dolosos culposos de menor potencial ofensivo e até mesmo para contravenções bem como todo tipo de sanção penal inclusive penas restritivas de direito José Jairo Gomes defende que esse preceito ainda atinge a sentença absolutória imprópria aquela que impõe medida de segurança que ostenta natureza condenatória 549 Esse tipo de preceito aumenta a exclusão e a invisibilidade eleitoral dos presos Por isso a Corte Europeia de Direitos Humanos já possui jurisprudência consolidada exigindo que tal restrição aos direitos políticos dos presos definitivos não seja genericamente prevista e seja adequada e proporcional à gravidade do delito Nessa linha a Corte EDH no Caso Hirst 2005 contra o Reino Unido entendeu que a vedação geral de voto ao preso violou a Convenção EDH Em 2010 no Caso Greens e MT vs Reino Unido diante das demandas repetitivas foi aplicado o procedimento de julgamento piloto 550 com a fixação do prazo para apresentação de projetos para reforma da lei eleitoral britânica Em 2015 no Caso McHugh e outros foi feita a reunião de 1015 demandas e a Corte novamente condenou o Reino Unido constatada a demora na adequação da legislação interna Improbidade administrativa nos termos do art 37 4º De acordo com o art 37 4º da CF88 os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos a perda da função pública a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário na forma e gradação previstas em lei sem prejuízo da ação penal cabível Conforme a dicção legal a condenação em ação de improbidade administrativa é caso de suspensão de direitos políticos Diferentemente do enunciado draconiano da condenação criminal que não precisa de expressa previsão na sentença a suspensão tem que estar prevista pela sentença judicial uma vez que a CF88 menciona a gradação prevista em lei O art 12 da Lei n 842992 prevê a suspensão dos direitos políticos por até dez anos Por sua vez o art 20 da mesma lei exige o trânsito em julgado da ação de improbidade para que a suspensão dos direitos políticos possa ser implementada com a comunicação ao Juízo Eleitoral Após o transcurso do prazo determinado na sentença de improbidade os direitos políticos do réu são restabelecidos Quanto à perda de direitos políticos a CF88 previu no art 15 duas hipóteses Cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado Prevê o art 12 4º I da CF88 que será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial em virtude de atividade nociva ao interesse nacional A ação é promovida pelo Ministério Público Federal LC n 7593 art 6º IX perante juízo federal comum CF88 art 109 X A CF88 exige que haja o trânsito em julgado da sentença declaratória de cancelamento da naturalização Para readquirir os direitos políticos é necessária a rescisão do julgado Quanto à interpretação do sentido de atividade nociva ao interesse nacional remeto o leitor ao tópico específico no item 47 sobre Direito à nacionalidade Recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa nos termos do art 5º VIII O art 5º VIII da CF88 já comentado prevê que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusar se a cumprir prestação alternativa fixada em lei Caso então determinado indivíduo i recuse cumprir obrigação a todos imposta por objeção de consciência e sucessivamente ii não realize a prestação alternativa existente Pode ter seus direitos políticos reestabelecidos caso cumpra a obrigação É hipótese de perda de direitos políticos porque não há prazo predeterminado para seu término como ocorre na suspensão 551 Caso o Estado brasileiro seja inerte e não implemente a prestação alternativa não cabe imposição da perda dos direitos políticos uma vez que o cidadão não pode ser prejudicado pela omissão estatal Há ainda hipótese de perda dos direitos políticos não prevista no rol do art 15 a perda da nacionalidade brasileira primária ou derivada pela aquisição de outra sem que se incidam as exceções de polipatria admitida outorga de nacionalidade originária estrangeira e naturalização para exercício de direitos civis conforme dispõe o art 12 4º II a e b da CF88 A perda ou suspensão dos direitos políticos implica em uma série de restrições ao indivíduo na sua participação cidadã a saber i cancelamento do alistamento e exclusão do corpo de eleitores ii cancelamento da filiação partidária Lei n 909695 art 22 II iii perda do mandato eletivo art 55 IV 3º da CF88 iv óbice para investidura em cargo ou função pública CF art 37 I combinado com diversos dispositivos da CF88 por exemplo composição do STF e as diversas leis administrativas como a Lei n 811290 esfera federal art 5º II e III v ausência de legitimidade para propor ação popular vi impedimento para votar e ser votado art 14 3º II vii não pode subscrever iniciativa popular de projeto de lei viii ser escolhido juiz de paz art 98 II da CF88 ix representar como cidadão irregularidade ao Tribunal de Contas da União art 74 2º x exercer cargo em entidade sindical art 530 V da CLT 552 Na hipótese especial da perda do mandato eletivo pela condenação criminal transitada em julgado caso de suspensão de direitos políticos não há ainda jurisprudência pacificada sobre a temática estando em trâmite a ADPF 511 pela qual a Mesa da Câmara dos Deputados sustenta que o art 55 VI e 2º da Constituição atribuiu à Casa Legislativa a decisão sobre a perda do mandato de parlamentar condenado criminalmente sem prever qualquer exceção a essa regra ADPF 511 rel Min Roberto Barroso em trâmite em outubro de 2019 A perda do mandato por condenação criminal não seria automática no tocante aos senadores e deputados federais dependeria de um juízo político do plenário da casa parlamentar respectiva art 55 2º Essa regra especial também seria aplicável aos deputados estaduais e distritais de acordo com a equiparação feita pelos arts 27 1º e 32 3º Até o momento setembro de 2019 há duas posições sobre a temática A primeira adota exceção à regra do art art 55 VI e 2º perda do mandato condicionada ao juízo político da Casa respectiva determinando a perda automática do mandato caso a condenação tenha imposto o i cumprimento de pena em regime fechado e ii não for viável durante o mandato o trabalho externo do parlamentar antes de consumada sua ausência a 13 das sessões ordinárias da Casa Legislativa de que faça parte art 55 III da CF88 553 Nesse sentido mencionese a decisão nos autos da Ação Penal n 694 proferida pela 1ª Turma do STF STF AP 694MT rel Min Rosa Weber j 252017 Info 863 A segunda posição defende a supremacia do juízo político da Casa respectiva que deve determinar ou não a perda do mandato Caberia ao STF somente comunicar a condenação à respectiva Caso do Congresso Nacional STF AP 565 rel Min Cármen Lúcia j 882013 Plenário DJe de 2352014 e ainda na 2ª Turma AP 572 rel Min Gilmar Mendes j 1111 2014 Os demais mandatos eletivos vereador e os ocupantes da cúpula do Poder Executivo prefeito viceprefeito governador vicegovernador presidente da República e vicepresidente da República seguem a regra geral de perda do mandato por decorrência automática da sentença penal condenatória transitada em julgado pois o pleno exercício dos direitos políticos é condição de elegibilidade art 14 3º da CF88 487 A SEGURANÇA DA URNA ELETRÔNICA E O DIREITO AO VOTO SEGURO No Brasil o escrutínio é secreto e feito de modo eletrônico desde as eleições municipais de 1996 O objetivo da informatização do escrutínio é afastar a mão humana da apuração 554 por intermédio da votação em urna eletrônica que propicia segurança e celeridade na apuração dos votos consagrando o direito ao voto seguro Quase vinte anos depois nas eleições de 2014 votaram 141 milhões de eleitores em 530 mil urnas eletrônicas espalhadas pelos locais de votação Em 2009 foi editada a Lei n 12034 que previa no art 5º o voto impresso no processo de votação eletrônico contendo número de identificação associado à identificação digital do eleitor O ProcuradorGeral da República questionou a constitucionalidade dessa regra tendo decidido o STF que tal voto impresso vulnera o segredo do voto garantia constitucional expressa A garantia da inviolabilidade do voto impõe a necessidade de se assegurar ser impessoal o voto para garantia da liberdade de manifestação evitandose coação sobre o eleitor A manutenção da urna em aberto põe em risco a segurança do sistema possibilitando fraudes o que não se harmoniza com as normas constitucionais de garantia do eleitor ADI 4543 rel Min Cármen Lúcia j 6112014 Plenário DJe de 13102014 Em 2018 o STF considerou inconstitucional em definitivo a reintrodução do voto impresso ADI 5889DF rel orig Min Gilmar Mendes rel p o ac Min Alexandre de Moraes j 662018 Para a Ministra Cármen Lúcia a inviolabilidade do voto do eleitor e o segredo do seu voto supõem a impossibilidade de se ter no exercício do voto ou no próprio voto qualquer forma de identificação pessoal Assim a liberdade de manifestação política do cidadão pelo voto impede qualquer forma de manipulação ou coação no ato de votar ADI 4543 rel Min Cármen Lúcia j 6112014 Plenário DJe de 13102014 Nesse mesmo voto da Ministra Cármen Lúcia consta o resumo dos mecanismos de segurança da urna eletrônica o que é indispensável para a liberdade de manifestação dos eleitores A Assinatura Digital Consiste em técnica criptográfica que busca garantir que o programa de computador da urna não foi modificado de forma intencional ou não perdeu suas características originais por falha na gravação ou leitura Ademais com a assinatura digital temse a garantia da autenticidade do programa gerado pelo Tribunal Superior Eleitoral voto da Min Cármen Lúcia ADI 4543 B Resumo Digital Tratase de técnica criptográfica pela qual todos os votos são armazenados digitalmente da forma como foram escolhidos pelo eleitor resguardando o sigilo do voto Com o Registro Digital de Voto RDV é possível recontar os votos de forma automatizada sem comprometer o segredo dos votos nem a credibilidade do processo eletrônico de votação A comparação do Boletim de Urna BU com o RDV possibilita a auditoria Nos termos da legislação eleitoral vigente os interessados podem auditar o sistema eletrônico de votação antes durante e depois das eleições voto da Min Cármen Lúcia ADI 4543 C Votação paralela É o último mecanismo de segurança No dia anterior às eleições há um sorteio realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral em cada Estadomembro para a escolha aleatória de urnas eletrônicas já distribuídas e armazenadas nos locais de votação As urnas escolhidas são retiradas inclusive por transporte aéreo se necessário e são instaladas em local com câmeras de filmagem no Estado de São Paulo já foram utilizadas por exemplo as dependências da Câmara Municipal da Capital No dia da eleição ocorre uma votação paralela com a digitação nas urnas sorteadas do conteúdo de cédulas já preenchidas por convidados por exemplo estudantes da rede pública As câmeras filmam a digitação Ao final verificase se os votos das cédulas impressas geram os mesmos resultados dos votos digitados na urna eletrônica Tudo é auditado e com a presença de juiz eleitoral membro do Ministério Público Eleitoral OAB e representantes de partidos Se o resultado dos votos impressos for o mesmo do da urna eletrônica aleatoriamente escolhida fica legitimada a sua segurança Por outro lado no seio das discussões sobre a segurança da urna eletrônica o Ministro Gilmar Mendes recordou que a votação eletrônica pura sem a contraprova do voto impresso é questionada por exemplo o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha entendeu que o princípio da publicidade da eleição art 38 da Lei Fundamental de Bonn impede a adoção do sistema puro pois este não possibilita uma verificação facilmente entendida pelo público como por exemplo a antiga recontagem dos votos impressos Contudo o Ministro Gilmar Mendes votou contra a reintrodução do voto impresso pela Lei n 120342009 uma vez que entendeu que o modelo brasileiro permite a auditoria e a verificação a posteriori como visto acima o resumo digital voto do Min Gilmar Mendes Plenário ADI 4543MC rel Min Cármen Lúcia j 19102011 49 Direitos sexuais e reprodutivos 491 A PROTEÇÃO DOS DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS Os direitos sexuais consistem no conjunto de direitos relacionados com o exercício e a vivência sexual dos seres humanos o que abarca o direito à livre orientação sexual e implica no reconhecimento da igualdade e liberdade das mais diversas práticas sexuais existentes São os direitos sexuais oriundos i do direito à igualdade ii do respeito à integridade física e psíquica e iii à liberdade e autonomia da pessoa que geram em seu conjunto a necessidade de proteção da diversidade Os direitos sexuais abrangem O direito a serviços de saúde sexual que garantam privacidade confidencialidade e atendimento de qualidade sem discriminação O direito à informação e à educação sexual O direito à escolha tanto do parceiro quanto sobre ter ou não relação sexual independentemente da reprodução O direito de viver plenamente a sexualidade e identidade de gênero sem sofrer discriminação temor ou qualquer forma de violência O direito de viver a sexualidade sem sofrer discriminação temor ou qualquer forma de violência O direito de expressar livremente sua orientação sexual e identidade de gênero sem sofrer discriminação temor ou qualquer forma de violência O direito à prática de sexo com segurança para prevenção da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis DST Já os direitos reprodutivos consistem no conjunto de direitos relacionados ao exercício da capacidade reprodutiva do ser humano Os direitos reprodutivos abrangem O direito de escolha de forma livre e informada sobre ter ou não ter filhos sobre o intervalo entre eles sobre o número de filhos e em que momento de suas vidas O direito de acesso a receber informações e o acesso a meios métodos e técnicas para ter ou não ter filhos O direito de exercer a reprodução sem sofrer discriminação temor ou violência Há complementaridade entre ambas as categorias que reforçam a autodeterminação do ser humano no tocante à sexualidade e reprodução Apesar da interrelação entre direitos reprodutivos e sexuais é necessária a diferenciação os direitos sexuais são mais amplos e não estão sempre identificados com a reprodução humana nem todo ato sexual visa procriação e sim com a vida com prazer merecendo atenção apropriada A construção da proteção também é distinta a luta pelos direitos reprodutivos está associada ao movimento feminista de seus questionamentos sobre padrões sociais de maternidade e reprodução No caso dos direitos sexuais somamse ainda a contribuição do movimento LGBTI lésbicas gays bissexuais trans e intersex Os direitos sexuais e reprodutivos possuem i dimensão positiva que trata da esfera de autonomia dos seus titulares e ii dimensão negativa que se refere às vedações de violência e discriminação com base na sexualidade orientação sexual e identidade de gênero A proteção desses direitos pode ser feita de modo i direto por intermédio de normas que regulem a temática ou ii de modo indireto por intermédio da interpretação ampliativa de direitos genericamente reconhecidos como por exemplo o direito à igualdade no caso dos direitos sexuais ou mesmo o direito à saúde no caso dos direitos reprodutivos No plano internacional a proteção direta aos direitos sexuais e reprodutivos encontrase incipiente e seu avanço é alvo de resistência A partir do reconhecimento da universalidade dos direitos humanos e com a consolidação da internacionalização dos direitos humanos 555 houve contínuo processo de especificação de direitos para atender as demandas de grupos vulneráveis como as mulheres pessoas com deficiência crianças entre outros grupos que possuem tratados internacionais no âmbito global e regional com recorte voltado às suas necessidades No caso dos direitos sexuais e reprodutivos há resistência dos Estados tanto para a edição de normas vinculantes um tratado internacional sobre a diversidade sexual e direitos reprodutivos por exemplo quanto para normas de soft law A evolução da temática deuse inicialmente no âmbito da luta pelos a direitos das mulheres e no contexto das b discussões sobre a evolução populacional no globo O primeiro diploma normativo internacional específico sobre direitos reprodutivos foi a Proclamação de Teerã fruto da I Conferência Internacional de Direitos Humanos 1968 em cujo item 16 constou que a proteção da família e da criança continua a ser uma preocupação da comunidade internacional Os pais têm o direito humano básico de determinar de forma livre e responsável o número e o espaçamento dos seus filhos Após a Convenção da ONU pela eliminação de toda forma de discriminação contra a mulher 1979 determinou que os Estados Partes devem suprimir a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às relações familiares e em particular com base na igualdade entre homens e mulheres assegurar os mesmos direitos de i decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos ii sobre o intervalo entre os nascimentos e iii a ter acesso à informação à educação e aos meios que lhes permitam exercer esses direitos Notase a ausência da menção expressa à sexualidade ou a direitos reprodutivos Somente na II Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos da ONU 1993 é que os direitos sexuais das mulheres na sua dimensão negativa impedir a violação de tais direitos foram mencionados expressamente a Declaração e Programa de Ação de Viena exigem que os Estados eliminem a violência baseada no sexo da pessoa e todas as formas de assédio e exploração sexual parágrafos 18 e 38 556 Em 1994 a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento CIPD Conferência do Cairo tratou especificamente no seu Programa de Ação da dimensão positiva dos direitos sexuais e reprodutivos no capítulo IV sobre Igualdade dos sexos equidade e empoderamento da mulher no capítulo VII sobre Direitos de reprodução e saúde reprodutiva e no capítulo VIII sobre Saúde Morbidade e Mortalidade entre outros Houve nítida associação entre o direito à saúde previsto no art 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais e os direitos reprodutivos tendo sido definido que a saúde reprodutiva é um estado de completo bemestar físico mental e social e não a simples ausência de doença ou enfermidade em todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo e a suas funções e processos Para a Conferência do Cairo a saúde reprodutiva implica em que uma pessoa possa ter uma i vida sexual segura e satisfatória tenha a ii capacidade de reproduzir e a iii liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes o deve fazer Com isso reconheceuse o direito de homens e mulheres de serem iv informados e de ter acesso a métodos eficientes seguros permissíveis e aceitáveis de planejamento familiar de sua escolha assim como outros métodos de sua escolha de v controle da fecundidade que não sejam contrários à lei e o vi direito de acesso a serviços apropriados de saúde que deem à mulher condições de passar com segurança pela gestação e pelo parto e proporcionem aos casais a melhor chance de ter um filho sadio A interrupção voluntária da gravidez não foi considerada um direito universalmente reconhecido mas sim dependente das escolhas nacionais Constou que nas circunstâncias em que o aborto não contrarie a lei nacional ele deve ser seguro Em todos os casos as mulheres devem ter acesso a serviços de qualidade para o tratamento de complicações resultantes de aborto Cap VIII em especial item 825 Por sua vez a IV Conferência Mundial da Mulher das Nações Unidas Pequim 1995 reiterou o uso da gramática dos direitos humanos para formatar os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres Ficou consagrado que os direitos humanos das mulheres incluem os seus i direitos a ter controle sobre as questões relativas à sua sexualidade inclusive sua saúde sexual e reprodutiva e a ii decidir livremente a respeito dessas questões livres de coerção discriminação e violência A igualdade entre mulheres e homens no tocante às relações sexuais e à reprodução inclusive o pleno respeito à integridade da pessoa humana exige o respeito mútuo o consentimento e a responsabilidade comum pelo comportamento sexual e suas consequências item 96 da Declaração de Pequim Quanto às discussões envolvendo a saúde da mulher e os riscos do aborto ilegal o Comitê pela eliminação de toda forma de discriminação contra a mulher editou a Recomendação n 19 1999 pela qual orienta os Estados a modificar a legislação nacional que imponha sanções às mulheres que realizam abortos 557 Em 2016 o mesmo Comitê sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais editou o Comentário ou Observação Geral n 22 sobre o direito à saúde reprodutiva e sexual referente ao alcance do direito à saúde do art 12 do Pacto tendo decidido que as principais obrigações dos Estados Partes do Pacto no tocante à temática da saúde sexual e reprodutiva são as seguintes i rechaçar ou eliminar qualquer lei política ou prática que criminalize obstrua ou dificulte o acesso aos serviços facilidades bens e informações referentes à saúde sexual e reprodutiva ii adotar e implementar planos nacionais voltados à promoção da saúde sexual e reprodutiva iii assegurar acesso universal e equitativo aos serviços de saúde sexual e reprodutiva em especial às mulheres e a grupos marginalizados iv editar e implementar a proibição legal a práticas danosas e violência baseadas em critério de gênero o que inclui violência sexual e doméstica ao mesmo tempo em que assegura o consentimento livre informado e confidencial sem coerção medo ou discriminação em relação a necessidades reprodutivas e sexuais v prevenir abortos inseguros e prover cuidados pósaborto vi assegurar educação e informação sobre a saúde sexual e reprodutiva sem discriminação vii prover todo material instrumentos e remédios necessários para a saúde reprodutiva e sexual de acordo com a Organização Mundial da Saúde e viii assegurar mecanismos administrativos e judiciais de repressão às violações do direito à saúde sexual e reprodutiva 558 Esse conjunto de normas vinculantes de soft law e decisões internacionais rumam à consolidação da proteção internacional dos direitos sexuais e reprodutivos Esse segmento do Direito Internacional dos Direitos Humanos faz avançar uma temática marcada por discriminação e violência e sua consolidação concretiza o direito à igualdade e não discriminação sem distinção por motivo de sexo orientação sexual ou identidade de gênero No Brasil a Lei n 13363 de 25 de novembro de 2016 assegurou direitos e garantias para a advogada i gestante ii lactante iii adotante ou que der à luz bem como ao advogado que se tornar pai Entre os direitos previstos estão i a preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia à gestante lactante adotante ou que der à luz mediante comprovação de sua condição ii suspensão de prazos processuais quando a advogada adotante ou que der à luz for a única patrona da causa desde que haja notificação por escrito ao cliente 492 DIREITO À LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO O direito à livre orientação sexual consiste no direito ao respeito por parte do Estado e de terceiros da preferência sexual e afetiva de cada um não podendo dela ser gerada nenhuma consequência negativa ou restrição de direitos Nesse sentido os Princípios de Yogyakarta definem orientação sexual como sendo a capacidade de cada indivíduo experimentar atração afetiva emocional ou sexual por pessoas de gênero diferente mesmo gênero ou mais de um gênero As orientações sexuais mais comuns são homossexualidade que consiste na atração emocional afetiva ou sexual por pessoa do mesmo gênero heterossexualidade que consiste na atração emocional afetiva ou sexual por pessoa de gênero diferente bissexualidade atração emocional afetiva ou sexual por pessoas dos dois gêneros assexualidade ausência de atração sexual por pessoas de ambos os gêneros 559 O sexo do ser humano consiste na combinação de informações cromossômicas genitália bem como capacidades reprodutivas e características fisiológicas secundárias que levam à definição de macho e fêmea na espécie A intersexualidade ocorre na variação da anatomia reprodutiva e sexual que não se ajusta com as características típicas que distinguem machos de fêmeas Por sua vez a identidade de gênero consiste na experiência interna individual em relação ao gênero a qual pode corresponder ou não ao sexo atribuído quando do nascimento e que inclui expressões de gênero como o sentimento pessoal do corpo e o modo de vestirse e falar Em relação à identidade de gênero há inicialmente os transgêneros que agrupam aqueles que se identificam com gênero distinto do seu sexo atribuído no nascimento De acordo com o Min Barroso as pessoas transgêneras podem sentir por exemplo que pertencem ao gênero oposto a ambos ou a nenhum dos dois gêneros Os transexuais estão incluídos neste grupo constituindo pessoas que se identificam com o gênero oposto ao seu sexo 560 Já o termo cisgênero agrupa as pessoas cuja identidade de gênero corresponde ao sexo atribuído no nascimento independentemente da orientação sexual 561 Por sua vez a expressão transgêneras agrupa as pessoas que possuem uma identidade de gênero diferente daquela correspondente ao sexo biológico Há transgêneros heterossexuais bissexuais e homossexuais Já as travestis são pessoas que vivenciam papéis de gênero feminino não se reconhecendo como homens ou como mulheres mas como membros de um terceiro gênero ou de um não gênero 562 O acrônimo LGBTI retrata os grupos de pessoas que não estão em conformidade com as noções tidas como tradicionais de papéis de gênero masculino ou feminino correspondendo a sigla às lésbicas aos gays aos bissexuais aos trans e aos intersexuais Essa terminologia é cambiante e evolui ao longo do tempo existindo outras formulações como pessoas assexuadas queers travestis transexuais entre outros Já a expressão de gênero consiste na manifestação externa do gênero de uma pessoa por meio da sua aparência física podendo incluir o modo de vestir penteado uso de artigos cosméticos ou por meio de maneirismos modo de falar padrões de comportamento pessoal comportamento ou interação social nomes ou referências pessoais entre outros Como é fruto da livre opção individual a expressão de gênero de uma pessoa pode ou não corresponder à sua identidade de gênero autopercebida Nesse sentido a pessoa travesti em termos gerais é aquela que manifesta uma expressão de gênero de forma permanente ou transitória por meio do uso de roupas e atitudes do gênero oposto àquele social e culturalmente associado ao sexo atribuído no nascimento com modificação ou não do seu corpo 563 No tocante à proteção do direito à livre orientação sexual e identidade de gênero em que pese não ter sido expresso na Convenção Americana de Direitos Humanos a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos determina que a expressão outra condição social do art 11 da Convenção que trata do direito ao gozo de direitos sem discriminação abarca a orientação sexual e a identidade de gênero 564 Em 2015 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos editou o Relatório sobre a violência contra as pessoas lésbicas gays bissexuais trans e intersex nas Américas no qual entre outras formas de violência constatouse que 11 Estados americanos ainda criminalizavam relações sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo em privado oriundos do Caribe anglosaxão 565 Por sua vez apesar de também não expresso na Constituição de 1988 esse direito é extraído da previsão do art 5º 2º os direitos expressos não excluem outros decorrentes do regime dos princípios e dos tratados de direitos humanos bem como do princípio da dignidade humana art 1º III e da proibição de toda forma de discriminação objetivo fundamental da República art 3º IV promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação Além disso a orientação sexual advém da liberdade de cada um e faz parte das decisões abarcadas pela privacidade não podendo o Estado abrigar preconceitos e punir com base nessa opção íntima negando direitos que somente outra orientação sexual pode exercer Para o Ministro Celso de Mello há um direito constitucional implícito à busca da felicidade que decorre da dignidade da pessoa humana devendo ser eliminados os entraves odiosos à sua consecução Por isso no campo da orientação sexual a união homoafetiva é tida como equiparada à entidade familiar devendo ser adotadas a favor de parceiros homossexuais as mesmas regras incidentes sobre as uniões heterossexuais em especial no Direito Previdenciário e no campo das relações sociais e familiares RE 477554AgR rel Min Celso de Mello j 1682011 2ª T DJe de 2682011 Esse direito à homoafetividade não pode gerar prejuízos ao seu titular Nesse sentido o STF deu ao art 1723 do Código Civil 566 interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar entendida esta como sinônimo perfeito de família Para o relator Min Carlos Britto esse reconhecimento deve ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva ADI 4277 e ADPF 132 rel Min Ayres Britto j 552011 Plenário DJe de 14102011 O reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo compõe o conceito de entidade familiar Nesse sentido o STF decidiu que lei distrital tem de ser interpretada de modo a não restringir o conceito de entidade familiar exclusivamente à união entre homem e mulher STF ADI 5971 rel Min Alexandre de Moraes julgamento em sessão do Plenário Virtual encerrada em 1292019 Essa decisão reforça a posição do STF explicitada na ADI 4277 e na ADPF 132 pela qual foi excluída qualquer interpretação que venha a ser feita sobre o Código Civil que impeça o reconhecimento da união contínua pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família de acordo com as mesmas regras da união estável heteroafetiva A proteção da liberdade de orientação sexual e identidade de gênero é indispensável ao reconhecimento das especificidades de pessoas e grupos de pessoas que sem tal reconhecimento não conseguem usufruir dos demais direitos a todos os demais assegurados Retorna na luta pela igualdade de direitos sexuais o que Arendt denominou direito a ter direitos 567 A luta pelo reconhecimento da diversidade é indispensável para assegurar inclusão de todos na sociedade pois a invisibilidade de suas distinções acarreta discriminação e sentimento de inferiorização diante dos demais Nessa linha de defesa da igualdade na orientação e do direito ao reconhecimento das diferenças fator de inclusão social o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução n 175 de 14 de maio de 2013 pela qual estabeleceu que todos os cartórios devem habilitar ou celebrar o casamento civil entre pessoas de mesmo sexo bem como caso haja pedido dos interessados devem converter as uniões estáveis em casamento entre pessoas do mesmo sexo Por sua vez em 2015 o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas Gays Travestis e Transexuais CNCDLGBT órgão colegiado da Secretaria de Direitos Humanos editou a Resolução n12 pela qual foram estabelecidos parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais nos sistemas e instituições de ensino De acordo com a resolução deve ser garantido pelas instituições e redes de ensino em todos os níveis e modalidades o reconhecimento e adoção do nome social àqueles e àquelas cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identidade de gênero Caso haja distinções quanto ao uso de uniformes e demais elementos de indumentária deve ser facultado o uso de vestimentas conforme a identidade de gênero de cada sujeito e ainda deve ser garantido o uso de banheiros vestiários e demais espaços segregados por gênero quando houver de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito Na jurisprudência citemse as seguintes decisões que concretizam a igualdade e o reconhecimento da diversidade sexual e de gênero i adoção 568 e ii alteração de registro civil de pessoa que realizou a cirurgia de transgenitalização 569 Em 2018 no julgamento da ADI n 4275 o STF reiterou que o direito à igualdade sem discriminações abrange a liberdade de identidade ou expressão de gênero Para o STF a identidade de gênero é fruto do direito à personalidade da pessoa humana e como tal cabe ao Estado apenas o papel de reconhecêla nunca de constituíla A pessoa não deve provar o que é e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo ainda que meramente procedimental Com base nessas assertivas o Plenário por maioria deu interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art 58 da Lei n 60151973 reconhecendo aos transgêneros independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes i o direito à alteração de prenome e ii sexo diretamente no registro civil Vencidos em parte o ministro Marco Aurélio relator que considerou necessário procedimento de jurisdição voluntária em que não há litígio e em menor extensão os ministros Alexandre de Moraes Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes que votaram a favor da exigência de autorização judicial para a alteração ADI n 4275DF rel orig Min Marco Aurélio red p o acórdão Min Edson Fachin j 282 e 1º32018 Outro tema importante diz respeito ao tratamento social não igualitário no tocante à identidade de gênero O respeito à liberdade de identidade de gênero impede que uma pessoa seja tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente pois isso significaria i discriminação em relação aos cisgêneros que não sofrem esse tipo de tratamento e ii ofensa à integridade psíquica da pessoa O STF aprecia recurso extraordinário com repercussão geral no qual aprecia os direitos dos transexuais a serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero inclusive na utilização de banheiros de acesso público STF RE 845779SC rel Min Roberto Barroso em trâmite em outubro de 2019 com repercussão geral Em 2016 foi editado o Decreto federal n 87272016 que permite o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta autárquica e fundacional A pessoa travesti ou transexual poderá requerer a qualquer tempo a inclusão de seu nome social em documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação de cadastros de programas de serviços de fichas de formulários de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta autárquica e fundacional Outro ponto importante em relação à igualdade da homoafetividade é a doação de sangue em debate ainda em aberto no STF Para o Ministro Edson Fachin relator a regulamentação do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA que prevê a proibição de doação de sangue por homens que se relacionam sexualmente com outros homens tem como base a concepção equivocada de que a exposição a contágio de doenças é maior nessa hipótese Há discriminação e preconceito gerando estigmatização da pessoa homossexual e realizando discriminação odiosa por orientação sexual Afinal como explicita o voto do Min Fachin basta que se apliquem aos homens que fazem sexo com outros homens eou suas parceiras as mesmas exigências e condicionantes postas aos demais candidatos a doadores de sangue independentemente do gênero ou orientação sexual Para o citado Ministro incide no caso concreto a teoria do impacto desproporcional pela qual uma prática privada ou governamental ainda que não possua intenção discriminatória em sua concepção deve ser proibida se em consequência de sua implementação existirem efeitos nocivos de sua incidência especialmente desproporcional sobre certos grupos sociais No caso a normatividade impugnada ainda que de forma não intencional viola a igualdade ao impedir o ato empático de doar sangue ou condicionar tal ato à proibição de realização de sexo seguro com seu parceiro ou parceira STF ADI 5543 rel Min Edson Fachin voto do Min Fachin em trâmite 50 Direitos dos migrantes 501 ASPECTOS GERAIS O Direito Internacional da Mobilidade Humana consiste no conjunto de normas internacionais que regula os direitos dos indivíduos em i situação de deslocamento transfronteiriço ou ii em permanência temporária ou definitiva em Estado do qual não possuem nacionalidade Abarca as regras gerais que incidem sobre todos os migrantes 570 tanto os imigrantes nacionais de outros Estados ou apátridas que chegam a outro Estado quanto os emigrantes nacionais que deixam o território de um Estado para outro bem como regras especiais sobre apatridia e refúgio e outras formas de acolhimento de pessoas No plano nacional a mobilidade humana também é regulada por meio de normas locais que disciplinam a entrada permanência e saída dos estrangeiros Além da aplicação geral da proteção de direitos humanos aos indivíduos em situação de mobilidade há determinadas previsões específicas de tutela de direitos O marco dessa atenção internacional a pessoas em situação de mobilidade é a Declaração Universal dos Direitos Humanos que estipula que Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra incluindo o seu e o direito de regressar ao seu país art XIII numeral 2 bem como prevê que Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países art XIV numeral 1 Esse direito de saída e ainda o direito ao asilo em sentido amplo consagram a mobilidade internacional cada vez mais presente na era da globalização Não se trata da consagração do jus communicationis tese doutrinária defendida por Francisco de Vitória no séc XV 571 pela qual os indivíduos teriam direito à emigração e à imigração em uma verdadeira circulação mundial Na atualidade o Direito Internacional da Mobilidade Humana não assegura em geral o direito de ingresso em qualquer país do mundo somente o i direito de sair e ii o direito de buscar asilo A exceção a essa regra encontrase no Direito Internacional dos Refugiados que obriga em geral os Estados a acolher o solicitante de refúgio até i a definição de sua situação jurídica de refugiado zelando mesmo que não seja considerado um refugiado ii que não seja devolvido a um Estado no qual sua vida liberdade ou integridade pessoal esteja em risco por motivo odioso em virtude da sua raça da sua religião da sua nacionalidade do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas Quanto a diplomas jurídicos internacionais específicos a mobilidade internacional foi tratada pela Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias 1990 que enfrentou a discriminação e a ofensa a direitos básicos dos trabalhadores migrantes em Estados de acolhida em virtude da vulnerabilidade gerada pelo i tipo de migração em geral indocumentada e ii pelas diferenças socioculturais eventualmente existentes Essa convenção não foi ainda ratificada pelo Brasil e foi analisada acima neste Curso Quanto a diplomas internacionais gerais não específicos cabe assinalar que os direitos previstos nos tratados de direitos humanos já celebrados pelo país são passíveis de serem invocados pelos migrantes como a Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais todos já ratificados pelo Brasil Exemplos dessa interpretação de diplomas gerais para abarcar as situações de mobilidade internacional de pessoas são encontrados na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos 572 e na Corte Europeia de Direitos Humanos em julgamentos envolvendo respectivamente a Convenção Americana de Direitos Humanos e Convenção Europeia de Direitos Humanos 573 Nesse sentido a Corte Interamericana de Direitos Humanos possui vários precedentes na sua jurisdição contenciosa e consultiva que tratam de diversas facetas da mobilidade internacional como os direitos dos trabalhadores migrantes indocumentados 574 direito ao devido processo legal 575 direito à nacionalidade 576 direito à assistência consular 577 direito à igualdade e combate à discriminação contra migrantes 578 direitos dos solicitantes de refúgios 579 inclusive crianças 580 Nesse sentido a Corte IDH na Opinião Consultiva n 18 determinou que os Estados membros da Organização dos Estados Americanos têm o dever de respeitar e garantir os direitos dos trabalhadores migrantes indocumentados independentemente de sua nacionalidade em nome do direito à igualdade e não discriminação com os trabalhadores nacionais Para a Corte IDH o direito à igualdade pertence ao jus cogens o que não depende da ratificação de tratados específicos como a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias Assim a Corte exige que os Estados e os particulares assegurem os i direitos trabalhistas dos migrantes indocumentados sem qualquer espécie de discriminação nas relações de trabalho com os direitos previstos aos trabalhadores regulares observandose os direitos mínimos estabelecidos internacionalmente Nisso é necessário ii proibir o trabalho forçado ou obrigatório bem como iii vedar o trabalho infantil assegurandose o iv direito à associação sindical e o v direito à jornada razoável por exemplo A lógica da Corte é a seguinte o Estado não é obrigado a admitir os migrantes mas caso estes estejam no território sob sua jurisdição não é possível discriminálos não assegurando os mesmos direitos previstos aos demais trabalhadores Além disso a Corte IDH decidiu que os migrantes têm o direito de acesso à justiça para fazer valer seus direitos de forma efetiva e em condições de igualdade como qualquer jurisdicionado 581 Os estrangeiros indocumentados possuem o i direito à ampla defesa e ii ao devido processo legal mesmo em casos nos quais sejam discutidas a detenção e futura saída compulsória por meio da expulsão ou deportação 582 Assim esses tratados de direitos humanos não garantem o direito de ingresso porém determinam que o Estado deve promover o direito à igualdade aos migrantes independentemente de seu estatuto migratório bem como no dever de assegurar outros direitos como o acesso à justiça e o devido processual 502 HISTÓRICO BRASILEIRO DO TRATAMENTO JURÍDICO AO MIGRANTE No Brasil o antigo Direito dos Estrangeiros hoje denominado Direito da Mobilidade Humana oscilou por três vertentes que influenciaram a normatividade vigente em cada época a a visão tradicional do estrangeiro como elemento estranho à sociedade brasileira e criador de problemas diplomáticos b a visão tradicional do estrangeiro como imigrante apto a ser integrado por meio de normas de imigração e naturalização e c a visão contemporânea quando o regime jurídico do tratamento ao migrante deve ser visto com base na lógica da gramática dos direitos fundada na Constituição de 1988 e nos tratados de direitos humanos 5021 Fase do estrangeiro como inimigo No Brasil Colônia sujeito ao pacto colonial e seu monopólio de comércio o regramento jurídico dos estrangeiros ficou marcado pelos atos de D Manuel inspirados pela intolerância religiosa contra a liberdade de credo de judeus e mouros Todavia com as Ordenações Manuelinas 15211603 o Reino passou a ter um só direito marcado por um espírito pragmático que submetia todas a pessoas inclusive estrangeiros às leis portuguesas Tais leis então vigentes não eram dissonantes à época salientando mesmo que no Reino de Portugal nunca imperou o chamado direito de albinágio 583 nem o direito de represália 584 Havia então uma certa liberalidade mas nunca igualdade Com as Ordenações e Leis do Reino de Portugal de D Felipe 16031867 foi proibida a entrada nas terras do Reino de ciganos armênios árabes persas e mouriscos de Granada Caso o fizessem deveriam ser presos e açoitados com baraço e pregão 585 Tal cenário mudou sensivelmente com a vinda da família real ao Brasil em 1808 A Carta Régia de D João VI decretou a abertura dos portos às nações amigas e o início de um tratamento não discriminatório aos estrangeiros estimulandose a imigração Além disso o então príncipe regente por meio de decreto de 25 de novembro de 1808 possibilitou a concessão de terras aos estrangeiros residentes no Brasil da mesma forma em que segundo as regras da época eram concedidas as sesmarias aos portugueses Após a Independência a Constituição de 1824 foi extremamente zelosa quanto à diferença entre o brasileiro e o estrangeiro com clara mensagem de afirmação da identidade própria do novo Estado No artigo 6º da Carta imperial por exemplo estabeleceuse a definição de brasileiro e o artigo 173 e seguintes que tratava das garantias dos direitos há a menção já no título do capítulo ao termo cidadão brasileiro A desconfiança em face ao estrangeiro era tamanha que o artigo 91 relativo aos direitos políticos diferenciava o cidadão brasileiro do estrangeiro naturalizado que era excluído de altos cargos da administração imperial Nesse sentido o artigo 136 da Constituição proibia aos estrangeiros naturalizados o exercício de cargo de ministro Além disso existiam várias restrições aos estrangeiros expressas em leis infraconstitucionais Entre elas havia a impossibilidade de advogar de requerer habeas corpus de assumir a direção de um colégio entre outros sendo possível a expulsão de estrangeiro dito nocivo por ato de soberania sem que houvesse menção a processo administrativo ou decisão judicial Apesar de tal enfoque discriminatório o artigo 178 item 6 estabeleceu o direito de qualquer pessoa a determinadas garantias e liberdades entre elas a liberdade de religião Contudo essas restrições aos estrangeiros coexistiram por certo período logo após a independência brasileira com tratamento especial vantajoso do chamado juiz conservador inglês O juiz conservador inglês Conservatory Court era escolhido pelos súditos britânicos com nome ao final aprovado pelo Imperador que julgava sobre todas as causas que envolvessem súditos britânicos em solo brasileiro Essa jurisdição especial começou por um tratado com Portugal em 1810 renovado pelo Império em 1827 Esse juiz conservador inserese no âmbito dos chamados tratados desiguais uma vez que é bom lembrar não havia reciprocidade alguma apenas vaga promessa de tratamento equânime aos brasileiros perante cortes britânicas Em 1844 encerrouse tal jurisdição especial 5022 Fase do estrangeiro como imigrante e fator de desenvolvimento A segunda visão do estrangeiro começa a se materializar no Brasil já em sua primeira Constituição republicana que valorizou o estrangeiro como imigrante e fator de desenvolvimento e riqueza Imbuída do ideal de liberdade e abolicionismo a Constituição de 1891 inaugurou a fórmula republicana existente até hoje de assegurar direitos aos brasileiros e estrangeiros residentes no país em seu artigo 72 O parágrafo 10º de tal artigo estabeleceu até o direito de ir e vir do território nacional a todos mesmo sem passaporte o que foi eliminado pela reforma constitucional de 1926 Aliás a tolerância com o estrangeiro já foi sentida no Governo provisório antes mesmo da Constituição A abolição do passaporte foi feita já em 1890 em nome da liberdade individual e também da confessada necessidade de povoar o Brasil como reconhece o considerando do Decreto n 512 de 1890 pelo qual a vastidão territorial está reclamando o concurso migratório de todos os países de origem para o seu povoamento riqueza e progresso Nesse ponto de modo claro ficou registrada uma crítica ao passaporte que seria uma simples inutilidade vexatória pois existiriam outros meios mais eficazes de apreensão dos criminosos foragidos Assim a redação da Constituição foi generosa e estabeleceu claramente o princípio da igualdade no parágrafo 2º do referido artigo 72 586 O estrangeiro foi equiparado ao nacional no que concerne ao uso e gozo dos direitos públicos não políticos e direitos civis Isso sem contar o artigo 78 que usando fórmula existente até hoje estabeleceu que as garantias e direitos expressos na Constituição não excluiriam outras garantias e direitos resultantes da forma de governo e dos princípios constitucionais 5023 Fase do controle e xenofobia Essa visão generosa e igualitária sobre os estrangeiros no Brasil logo cedeu ao medo e desconfiança que foram impulsionados por levas de imigrantes italianos politizados e desejosos de mudanças no Brasil agrário e desigual Em 1921 foi aprovada a chamada Lei dos indesejáveis que vedava a entrada de prostitutas pessoas portadoras de deficiência física e mental idosos bem como estabelecia condições para a expulsão de estrangeiros considerados ativistas políticos A Revolução Russa de 1917 e a Grande Depressão de 1929 fizeram que houvesse preocupação quanto ao recebimento de estrangeiros e sua permanência no Brasil tanto por motivos políticos ameaça ideológica quanto econômicos o estrangeiro roubando empregos do nacional O Estado passou a intervir no domínio econômico e o fez em nome do desenvolvimento nacional com surto nacionalista e o aumento da xenofobia Foram criadas por decretos em 1934 restrições à entrada de imigrantes dividindose os imigrantes entre agricultores e não agricultores sendo os primeiros obrigados a tal trabalho sob pena de expulsão por descumprimento de obrigação assumida a chamada imigração dirigida Tal tendência de racismo e xenofobia foi inserida na Constituição de 1934 A entrada do estrangeiro foi pela primeira vez restrita em um texto constitucional que estabeleceu em seu artigo 121 6º que a entrada de imigrantes sofreria as restrições necessárias à garantia da i integração étnica e ii capacidade física e civil do imigrante Ainda dispunha o texto que nenhuma corrente migratória de cada país poderia exceder o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais já fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos Estava constitucionalizado o conceito de cotas de imigração 587 E mais poderia a União proibir a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território nacional bem como estabelecia o artigo 121 7º que a lei deveria regular a assimilação do alienígena 588 Foi estabelecida a competência federal para legislar sobre naturalização entrada e expulsa dos estrangeiros extradição emigração e imigração que de acordo com o artigo 5º XIX g deveria ser regulada e orientada podendo ser proibida totalmente inclusive em relação à procedência Além disso a Constituição de 1934 ampliou o rol de direitos reservados aos nacionais para incluir entre outros o direito de exercício de profissão liberal podendo a lei fixar um número limite de estrangeiros empregados em determinado ramo como proteção ao trabalhador nacional A Constituição de 1937 com suas feições ditatoriais só fez aumentar as restrições Apesar de mencionar ainda o princípio da igualdade de todos o direito à livre circulação era restrito ao nacional pois o artigo 122 item 2 estipulava que a lei deveria dispor sobre a circulação do estrangeiro Além disso a Constituição remeteu à lei a possibilidade de regrar o ingresso e permanência do estrangeiro no Brasil Em tal cenário as leis editadas na época foram sempre rigorosas O Decretolei n 406 de 1938 facultava ao Governo Federal a proibição de entrada de estrangeiros por motivos econômicos sociais ou raciais criando ainda o Conselho de Imigração e Colonização 5024 Fase da segurança nacional Com o fim da ditadura do Estado Novo e a redemocratização a Constituição de 1946 eliminou o sistema de cotas apesar de delegar à lei ordinária o estabelecimento dos requisitos ao ingresso dos estrangeiros e principalmente resgatou o ideal de igualdade e garantia de inviolabilidade dos direitos de todos brasileiros e estrangeiros Esse preceito genérico era acompanhado de restrições tópicas como os vários privilégios de nacionais tal qual a navegação de cabotagem já existente na Constituição de 1891 proprietários armadores e 23 da tripulação de navios brasileiros acionistas de empresas jornalísticas proprietários de faixas de fronteira entre outros As Constituições de 1967 e 1969 trataram do estrangeiro em poucos tópicos com restrições a direitos e determinados cargos Entretanto o fluxo imigratório começou a perder fôlego e o tema passou a não mais figurar na agenda política Em 1980 nos estertores do regime militar houve a edição da Lei n 681580 sem maior análise por parte do Congresso de então aprovação por decurso de prazo e que de modo revelador continuou a reger o tema no Brasil até 2017 quase trinta anos após a edição da CF88 ano no qual foi editada a Lei de Migração Lei n 13445 que revogou expressamente o Estatuto do Estrangeiro 5025 A CF88 e a fase da igualdade e garantia A CF88 em linha com seu fundamento de proteção à dignidade da pessoa humana garantiu expressamente ao brasileiro e ao estrangeiro residente a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade art 5º caput De início a CF88 limitou ao estrangeiro residente a titularidade de direitos fundamentais Ocorre que tal restrição ofende os princípios basilares de um Estado Democrático de Direito art 1º pois permitiria ad terrorem a privação do direito à vida ou integridade física do turista estrangeiro por exemplo Como visto é pacífica na doutrina a extensão da titularidade de direitos fundamentais a todos os estrangeiros Tal extensão justificase de diversos modos i o Estado Democrático de Direito previsto no art 1º da CF88 não admite a privação de direitos com base no critério da não residência que não possui qualquer pertinência com o exercício de tais direitos básicos ii tratar os estrangeiros não residentes como desprovidos de direitos ofende um dos fundamentos da República que é promoção da dignidade humana art 1º inciso III iii o reconhecimento pela CF88 dos direitos decorrentes dos tratados internacionais de direitos humanos art 5º 2º já ratificados pelo Brasil permite deduzir que tais tratados como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ou a Convenção Americana de Direitos Humanos estendem a todos estrangeiros residentes ou não a titularidade dos direitos humanos 589 No Direito Comparado a Constituição portuguesa de 1976 estabelece em seu artigo 15 que os estrangeiros residentes e também os que se encontrem em Portugal gozam dos direitos do cidadão português com exceção dos direitos políticos das funções públicas e dos direitos reservados quer na Constituição ou lei aos nacionais 590 Após 1988 houve várias reformas constitucionais que buscaram amenizar as diferenças de tratamento normativo entre brasileiros e estrangeiros Eliminouse a menção a empresas brasileira de capital nacional alterouse também a exploração de recursos minerais e hidráulicos agora possível também a sociedades organizadas no Brasil e não só a brasileiros como antes levantouse a reserva a brasileiros no setor de navegação EC 7 além de terse permitido a concessão de serviços públicos de relevo a particulares mesmo que estrangeiros e não somente a empresas sob controle acionário estatal Até mesmo o acesso a cargos públicos pode ser facultado a estrangeiros de acordo com o artigo 37 I e no caso das universidades no artigo 207 503 A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO LEI N 134452017 5031 Aspectos gerais da nova lei Foi publicada em 25 de maio de 2017 a nova Lei de Migração Lei n 134452017 que revogou expressamente o Estatuto do Estrangeiro Lei n 681580 e a Lei n 81849 que regulava a aquisição perda e reaquisição da nacionalidade São 125 artigos aprovados em um trâmite com ampla participação da academia sociedade civil e partidos da situação e oposição retratando um consenso pluripartidário em torno do projeto 591 A adoção de um novo marco jurídico regulatório das migrações atende a um pleito antigo e a uma necessidade urgente de revogação do Estatuto do Estrangeiro de 1980 Na era da intensa mobilidade humana internacional surgem i oportunidades para o Brasil se beneficiar da diversidade e do multiculturalismo bem como ii deveres de proteção para impedir a construção jurídica de vulnerabilidades e a superexploração de migrantes em prejuízo à toda sociedade O eixo central da nova lei é a proteção de direitos humanos na temática das migrações intuída já na escolha da epígrafe tratase de uma lei de migração aplicandose ao migrante que vive no Brasil e inclusive ao brasileiro que vive no exterior O reconhecimento da universalidade indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos como princípio de regência da política migratória brasileira art 3º I é decorrência da proteção da dignidade humana vetor axiológico da Constituição art 1º III e dos tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil Ao contrário do agora revogado Estatuto do Estrangeiro adotado na ditadura militar e inspirado na doutrina de segurança nacional a nova lei é fruto da constatação de que negar direitos gerar entraves burocráticos na regularização migratória atuar com arbítrio e sem coerência são condutas que não reduzem o deslocamento de pessoas mas apenas degradam as condições de vida do migrante bem como prejudicam empresas trabalhadores e a sociedade em geral A lei avança ao prever uma série de princípios e diretrizes que conformam a atuação dos órgãos públicos à luz da gramática dos direitos humanos Ao migrante é garantida em condição de igualdade com os nacionais a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade assegurandolhe também os direitos e liberdades civis sociais culturais e econômicos art 4º caput e inciso I Estabelecese com o novo marco legal a regra geral de vedação da discriminação e proibição do arbítrio na entrada permanência e saída compulsória do migrante com várias menções ao direito de ser informado e de obter assistência jurídica integral Essas normas serão valiosos instrumentos para orientar a ação de agentes públicos envolvidos nas questões migratórias e deverão pautar a interpretação do Poder Judiciário quando provocado para coibir abusos e discriminações Por sua vez a Lei não prejudica a aplicação de normas internas e internacionais específicas sobre refugiados asilados agentes e pessoal diplomático ou consular funcionários de organização internacional e seus familiares art 2º da Lei n 134452017 Os refugiados e solicitantes de refúgio continuam a ser regidos pela Lei n 947197 art 121 A lei foi regulamentada pelo Decreto n 9199 de 2017 5032 As principais características Seguem abaixo as principais novidades da Lei 1 Define cinco categorias de migrantes O i imigrante é a pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil o ii emigrante é o brasileiro que se estabelece temporária ou definitivamente no exterior o iii residente fronteiriço é a pessoa nacional de país limítrofe ou apátrida que conserva a sua residência habitual em município fronteiriço de país vizinho o iv visitante é pessoa nacional de outro país ou apátrida que vem ao Brasil para estadas de curta duração sem pretensão de se estabelecer temporária ou definitivamente no território nacional e o v apátrida é pessoa que não seja considerada como nacional por nenhum Estado segundo a sua legislação nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954 ou assim reconhecida pelo Estado brasileiro 2 Estabelece 22 princípios e diretrizes da política migratória brasileira que podem ser divididos da seguinte maneira i princípios gerais de direitos humanos como universalidade indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos repúdio e prevenção à xenofobia ao racismo e a quaisquer formas de discriminação direito à reunião familiar ii princípios referentes a direitos específicos dos migrante como não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional acesso igualitário e livre do migrante a serviços programas e benefícios sociais bens públicos educação assistência jurídica integral pública trabalho moradia serviço bancário e seguridade social inclusão social laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante iii diretrizes de ação governamental nacional como promoção do reconhecimento acadêmico e do exercício profissional no Brasil nos termos da lei não criminalização da migração promoção de entrada regular e de regularização documental do migrante acolhida humanitária desenvolvimento econômico turístico social cultural esportivo científico e tecnológico do Brasil promoção e difusão de direitos liberdades garantias e obrigações do migrante diálogo social na formulação na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do migrante repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas iv diretrizes de ação governamental internacional como fortalecimento da integração econômica política social e cultural dos povos da América Latina mediante constituição de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoas cooperação internacional com Estados de origem de trânsito e de destino de movimentos migratórios a fim de garantir efetiva proteção aos direitos humanos do migrante integração e desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas públicas regionais capazes de garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço migração e desenvolvimento humano no local de origem como direitos inalienáveis de todas as pessoas proteção ao brasileiro no exterior e finalmente a diretriz de observância ao disposto em tratado 3 O rol dos direitos dos migrantes A lei enumera os direitos dos migrantes estipulando ainda que seu exercício será realizado de acordo com CF88 e independentemente da situação migratória sem excluir outros decorrentes dos tratados celebrados pelo Brasil criando os direitos migratórios decorrentes art 4º 1º São assegurados aos migrantes os seguintes direitos i direitos civis e sociais em geral é garantida em condição de igualdade com os nacionais a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade foram assegurados também genericamente direitos e liberdades civis sociais culturais e econômicos ii direitos civis específicos direito à liberdade de circulação em território nacional direito à reunião familiar do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus filhos familiares e dependentes direito de reunião para fins pacíficos direito de associação inclusive sindical para fins lícitos direito de acesso à justiça e à assistência jurídica integral direito de acesso à informação e garantia de confidencialidade quanto aos dados pessoais do migrante nos termos da Lei n 125272011 Lei de Acesso à Informação estudada acima neste Curso direito de sair de permanecer e de reingressar ao território nacional mesmo enquanto pendente pedido de autorização de residência de prorrogação de estada ou de transformação de visto em autorização de residência direito do imigrante de ser informado sobre as garantias que lhe são asseguradas para fins de regularização migratória iii direitos sociais específicos direito de acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social nos termos da lei sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória direito à educação pública vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória garantia de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória direito de transferir recursos decorrentes de sua renda e economias pessoais a outro país observada a legislação aplicável direito a isenção das taxas estipuladas pela Lei de Migração mediante declaração de hipossuficiência econômica na forma de regulamento direito a abertura de conta bancária 4 O visto O visto consiste em ato unilateral pelo qual o Estado manifesta sua predisposição em permitir o ingresso de um estrangeiro no território nacional Tratase de expectativa de direito não gerando o direito adquirido de ingresso Na ótica do Estado o visto não elimina a necessidade de verificação de documentos no desembarque e por isso cada vez mais os Estados buscam acordos de eliminação de vistos Conforme a nova lei os vistos podem ser i de visita ii temporário iii diplomático iv oficial e v de cortesia O visto de visita abrange o visto de turismo de negócios de trânsito não é exigido quando o passageiro não venha a deixar a área de trânsito internacional de atividades artísticas ou desportivas bem como outras hipóteses definidas em regulamento É vedado ao beneficiário de visto de visita exercer atividade remunerada no Brasil podendo contudo receber pagamento do governo de empregador brasileiro ou de entidade privada a título de diária ajuda de custo cachê prólabore ou outras despesas com a viagem bem como concorrer a prêmios em competições desportivas em concursos artísticos ou culturais O visto temporário poderá ser concedido ao imigrante que venha ao Brasil com o intuito de estabelecer residência por tempo determinado e que se enquadre em pelo menos uma das seguintes hipóteses a pesquisa ensino ou extensão acadêmica b tratamento de saúde c acolhida humanitária d estudo e trabalho f fériastrabalho g prática de atividade religiosa ou serviço voluntário h realização de investimento ou de atividade com relevância econômica social científica tecnológica ou cultural i reunião familiar j atividades artísticas ou desportivas com contrato por prazo determinado k o imigrante seja beneficiário de tratado em matéria de vistos e l outras hipóteses definidas em regulamento Outra novidade da Lei de Migração foi a criação do visto temporário para acolhida humanitária que pode ser concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em i situação de grave ou iminente instabilidade institucional de ii conflito armado iii de calamidade de grande proporção de iv desastre ambiental ou de v grave violação de direitos humanos ou de vi direito internacional humanitário ou vi em outras hipóteses na forma de regulamento Além da negativa de visto aos i que não preencherem os requisitos para o tipo específico pleiteado por exemplo visto para atividade desportiva não demonstrada o visto ainda não será concedido a ii menor de 18 anos desacompanhado ou sem autorização de viagem por escrito dos responsáveis legais ou de autoridade competente bem como iii a indivíduo que estiver em determinadas situações de impedimento de ingresso As situações de impedimento de ingresso que impedem a concessão de visto são i expulsão anterior ainda produzindo efeito ii condenação ou mero processo por ato de terrorismo ou ainda por crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão crimes definidos conforme o Estatuto do Tribunal Penal Internacional iii condenação ou mero processo por crime doloso em outro país passível de extradição segundo a lei brasileira iv ter o nome incluído em lista de restrições por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil perante organismo internacional e v ter praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na CF88 Assim as hipóteses de impedimento ao ingresso ver a seguir servem paralelamente para que não se conceda visto Caso seja concedido assim mesmo o agente federal nas fronteiras poderá impedir o ingresso 5 A autorização de residência Após a extinção do antigo visto permanente a lei criou em seu lugar a autorização de residência ao imigrante independentemente de sua situação migratória ou visto de entrada Assim o migrante ingressa no Brasil com o visto temporário de visita ou ainda autorização para o residente fronteiriço podendo solicitar autorização de residência caso cumpra os requisitos previstos no art 30 e regulamento posterior demonstrando a finalidade admitida pela lei que reproduz as hipóteses do visto temporário agregando outras A autorização de permanência aplicase aos imigrantes que têm a finalidade de aqui residirem por motivo pesquisa ensino ou extensão acadêmica tratamento de saúde acolhida humanitária trabalho entre outros bem como para os beneficiários de tratado em matéria de residência e livre circulação caso dos nacionais oriundos de Estados do Mercosul 6 O residente fronteiriço A lei outorgou direitos ao residente fronteiriço que é a pessoa nacional ou apátrida residente em município fronteiriço de país limítrofe ao Brasil Mediante requerimento podese obter autorização para praticar atos da vida civil recebendo documento de residente fronteiriço 7 A proteção do apátrida e da redução da apatridia A lei inova ao estabelecer de modo condizente com as duas Convenções sobre Apatridia 1954 e 1961 ratificadas pelo Brasil e analisadas acima neste Curso o processo de reconhecimento da condição de apátrida que visa determinar se o interessado é considerado nacional pela legislação de algum Estado Após essa determinação o apátrida reconhecido terá i direito de adquirir a nacionalidade derivada brasileira naturalização e ii mesmo que não queira se naturalizar terá autorização de residência em definitivo Aplicamse ao apátrida residente todos os direitos atribuídos ao migrante vistos acima 8 A proteção do asilado Foi previsto na lei que o asilo político constitui ato discricionário do Estado podendo ser diplomático ou territorial e será outorgado como instrumento de proteção à pessoa na forma de regulamento Há duas restrições expressas na lei i não pode ser concedido asilo a quem tenha cometido crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional estudado acima neste Curso e ii a saída do asilado do Brasil sem prévia comunicação implica renúncia ao asilo 9 O impedimento de ingresso A lei regulou o chamado impedimento de ingresso buscando reduzir arbitrariedades dos agentes públicos na admissão de migrantes no território nacional Exigese agora que o impedimento de ingresso seja feito após i entrevista individual e mediante ii ato fundamentado o que já assegura o controle pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário federais para prevenir e punir atos abusivos São motivos elencados na lei para o impedimento I pessoa expulsa anteriormente enquanto os efeitos da expulsão vigorarem ver abaixo o regramento da expulsão II pessoa condenada ou respondendo a processo por crimes de jus cogens a saber ato de terrorismo ou por crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional III condenada ou respondendo a processo em outro país por crime doloso passível de extradição ver o estudo sobre extradição neste Curso segundo a lei brasileira IV que tenha o nome incluído em lista de restrições por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil perante organismo internacional por exemplo a lista de pessoas que não podem viajar do Conselho de Segurança da ONU por suspeita de envolvimento com terrorismo V que apresente documento de viagem que a não seja válido para o Brasil b esteja com o prazo de validade vencido ou c esteja com rasura ou indício de falsificação VI que não apresente documento de viagem ou documento de identidade quando admitido VII cuja razão da viagem não seja condizente com o visto ou com o motivo alegado para a isenção de visto VIII que tenha comprovadamente fraudado documentação ou prestado informação falsa por ocasião da solicitação de visto ou IX que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal Este último motivo é extremamente amplo devendo ser fundamentado e responder por desvio de finalidade o agente público que dele se utilizar somente por razões políticas por exemplo impedir o ingresso de ativista estrangeiro crítico ao governo ou discriminatórias de qualquer natureza Para evitar esses abusos o art 45 parágrafo único estipula que ninguém será impedido de ingressar no País por motivo de raça religião nacionalidade pertinência a grupo social ou opinião política Em 2019 o Ministério da Justiça editou a Portaria n 666 que tratou do impedimento de ingresso da repatriação e da deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal que será analisada abaixo 10 O emigrante De maneira inédita a Lei de Migração trata das políticas públicas e direitos dos emigrantes Quanto aos direitos o emigrante ganhou isenção de direitos de importação e de taxas aduaneiras incidentes sobre os bens novos ou usados que ele trouxer ao Brasil no seu retorno para residência definitiva desde que sejam para uso ou consumo pessoal e profissional Também foi assegurado o direito de assistência ao emigrante pelas representações brasileiras no exterior em caso de ameaça à paz social e à ordem pública por grave ou iminente instabilidade institucional ou de calamidade de grande proporção na natureza Entre as políticas públicas previstas na lei está a promoção de condições de vida digna do brasileiro no exterior por meio entre outros da facilitação do registro consular e da prestação de serviços consulares relativos às áreas de educação saúde trabalho previdência social e cultura 11 A retirada compulsória A retirada compulsória também foi regulamentada com destaque para novas regras sobre os institutos da i repatriação ii deportação e iii expulsão além da previsão para atuação da Defensoria Pública da União nos procedimentos o que inibe atos arbitrários ou discriminatórios como veremos a seguir neste Curso 12 A cooperação jurídica internacional em matéria penal A nova a lei de migração tal qual o Estatuto do Estrangeiro revogado manteve a disciplina de matérias estranhas ao tema do migrante como a cooperação jurídica internacional em suas espécies i extradição vista acima e ii transferência de sentenciados 13 O Registro e identificação civil Foi criado o Registro Nacional Migratório que substitui o antigo Registro Nacional de Estrangeiro art 117 14 A falta de previsão de um órgão administrativo centralizado e específico A Lei de Migração foi originada de projeto de lei do Senador Aloysio Nunes Ferreira não tendo o Poder Executivo encaminhado o anteprojeto de lei elaborado pela Comissão de Especialistas da qual o Autor deste Curso fez parte em 2013 O substitutivo do Senador Ricardo Ferraço incorporou diversos artigos do Anteprojeto mas por não ser um projeto de iniciativa do Presidente da República não houve a possibilidade de se criar a Autoridade Nacional Migratória regrada detalhadamente no Anteprojeto que atuaria como uma agência com participação social eliminandose a fragmentação administrativa existente na qual atua na matéria inclusive a Polícia Federal na qualidade de agente administrativo de migração gerando perda de recursos para sua função típica de Polícia Judiciária da União Por isso a Lei não faz também menção ao Conselho Nacional de Imigração que foi criado pelo Estatuto do Estrangeiro Lei n 681580 art 129 agora revogado cujas resoluções preencheram ao longo das décadas lacunas e atualizaram a aplicação da antiga lei Contudo a Lei n 138442019 previu o Conselho Nacional de Imigração como órgão integrante do Ministério da Justiça e Segurança Pública art 38 VIII Com a extinção do Ministério do Trabalho no governo do Pres Bolsonaro a temática da migração ficou concentrada no Ministério da Justiça e Segurança Pública Obviamente o Ministério das Relações Exteriores pela sua atuação nas relações exteriores do Brasil também tem importante papel na temática migratória 15 Os vetos De se lamentar a grande maioria dos vetos impostos no momento da sanção presidencial em especial o referente à i garantia do direito à livre circulação dos povos indígenas em terras tradicionalmente ocupadas art 1º 2º e o relativo à ii anistia e regularização migratória art 116 Alguns dos vetos podem ser contornados pela via interpretativa tal qual o que eliminou a iii previsão do acesso a serviços públicos de saúde ao visitante que pode ser superado pela previsão constitucional de universalização do direito à saúde Já outros vetos simplesmente não gerarão efeito tal qual aquele que iv eliminou a definição de migrante contida no art 1º 1º I mas manteve ao longo da lei o uso do termo 504 AS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS DE RETIRADA COMPULSÓRIA DO IMIGRANTE 5041 Aspectos gerais A retirada consiste em um conjunto de medidas pelo qual o Brasil determina que estrangeiro imigrante visitante ou apátrida na linguagem da Lei de Migração seja afastado do território nacional Pode ser classificada em dois grupos a retirada compulsória administrativa e a retirada cooperacional A retirada compulsória administrativa é aquela feita pelas autoridades administrativas brasileiras em virtude do desrespeito pelo indivíduo retirado de regras que regulam a entrada e permanência no Brasil Ocorre nas hipóteses de repatriação deportação e expulsão sendo o indivíduo devolvido para seu país de nacionalidade ou de procedência Já a retirada cooperacional é aquela que é feita pelas autoridades brasileiras a pedido ou anuência de Estado estrangeiro ou por organização internacional como o Tribunal Penal Internacional sendo medida de cooperação jurídica internacional em matéria penal Suas espécies tradicionais são a extradição a entrega aos tribunais internacionais penais e a transferência de pessoa condenada 592 Nos casos de deportação ou expulsão o chefe da unidade da Polícia Federal poderá representar perante o juízo federal para que sejam tomadas providências que assegurem a retirada respeitados nos procedimentos judiciais os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal art 48 da Lei n 1344517 Resta saber o conteúdo e o resultado dessa representação pois a lei nada menciona Sob a égide do Estatuto do Estrangeiro consolidou se a prática judicial de decretação de prisão especial natureza cível para fins de retirada compulsória Como a nova lei é omissa e seu conteúdo é informado pela proteção de direitos humanos a representação poderia significar somente a condução coercitiva para o transporte para fora do território nacional já que não é possível a imposição de prisão mesmo que de natureza não criminal sem previsão legal Contudo o art 211 do Decreto n 919917 optou pelo uso analógico do Código de Processo Penal dispondo que o delegado da Polícia Federal poderá representar perante o juízo federal pela i prisão ou ii por outra medida cautelar observado o disposto no CPP De nenhum modo a retirada compulsória de indivíduo pode significar a sua devolução a Estado no qual seu direito à vida à integridade pessoal ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça nacionalidade religião condição social ou de suas opiniões políticas conforme previsto no art 228 da Convenção Americana de Direitos Humanos e ainda no art 3º1 da Convenção da ONU contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes 5042 A repatriação A repatriação consiste em medida administrativa fundamentada de devolução de pessoa em situação de impedimento de ingresso ao país de procedência ou de nacionalidade Era previsto em atos administrativos sem apoio legal da Polícia Federal e agora foi inserida na nova Lei de Migração Seu uso é feito na zona de fronteira quando detectado impedimento pelo agente público à entrada regular no nosso território A repatriação deve ser fundamentada o que permite o seu controle A Polícia Federal como agente administrativo de migração comunicará o ato fundamentado de repatriação à empresa transportadora e à autoridade consular do país de procedência ou de nacionalidade do migrante ou do visitante ou a quem o representa A lei prevê casos de repatriação proibida i não será aplicada medida de repatriação à pessoa em situação de refúgio ou de apatridia de fato ou de direito 593 ii ao menor de 18 anos desacompanhado ou separado de sua família exceto nos casos em que se demonstrar favorável para a garantia de seus direitos ou para a reintegração a sua família de origem iii a quem necessite de acolhimento humanitário iv quando a medida de devolução a um Estado possa apresentar risco à vida à integridade pessoal ou à liberdade da pessoa A Defensoria Pública da União será notificada preferencialmente por via eletrônica no caso da i repatriação proibida ou ii quando a repatriação imediata não seja possível Entendo que essas hipóteses restritas de notificação à Defensoria Pública da União não impedem o exercício de suas atribuições constitucionais de defesa dos vulneráveis podendo a Defensoria atuar em todos os casos de repatriação 5043 A deportação A deportação é medida decorrente de procedimento administrativo que consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional A situação migratória irregular pode ter sido gerada tanto por sua i entrada irregular ou por ii sua permanência irregular São casos tradicionais de deportação a permanência após o esgotamento do prazo do visto ou a realização de atividades não permitidas pelo visto daquele migrante A nova Lei possibilita o saneamento da irregularidade pois a deportação será precedida de notificação pessoal ao deportando da qual constem expressamente as irregularidades verificadas e prazo para a regularização não inferior a 60 dias podendo ser prorrogado por igual período por despacho fundamentado e mediante compromisso de a pessoa manter atualizadas suas informações domiciliares Esses prazos podem ser reduzidos na hipótese de a pessoa em situação irregular ter ainda cometido ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal art 45 IX Outro avanço significativo foi a exigência de que os procedimentos conducentes à deportação devem respeitar o contraditório e a ampla defesa e a garantia de recurso com efeito suspensivo A Defensoria Pública da União deverá ser notificada preferencialmente por meio eletrônico para prestação de assistência ao deportando em todos os procedimentos administrativos de deportação A ausência de manifestação da Defensoria Pública da União desde que prévia e devidamente notificada não impedirá a efetivação da medida de deportação Somente vencido o prazo sem que se regularize a situação migratória a deportação poderá ser executada A saída voluntária de pessoa notificada para deixar o País equivale ao cumprimento da notificação de deportação A lei prevê um caso de deportação condicionada à autorização em se tratando de apátrida o procedimento de deportação dependerá de prévia autorização da autoridade competente Ministério da Justiça atualmente Também foi previsto caso de deportação proibida na hipótese da medida configurar extradição não admitida pela legislação brasileira 5044 A expulsão A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional que resulta com seu impedimento de reingresso por prazo determinado O instituto da expulsão sofreu grande alteração com a Lei de Migração deixando de ser utilizado para a saída compulsória de estrangeiro que cometeu ato nocivo aos interesses nacionais tal qual preconizava a revogada Lei n 681580 Essa lei revogada considerava ser passível de expulsão o estrangeiro que de qualquer forma atentasse contra a segurança nacional a ordem política ou social a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular ou cujo procedimento o tornasse nocivo à conveniência e aos interesses nacionais Com a nova lei esses conceitos indeterminados referente a atos nocivos aos interesses nacionais que tanto geraram abusos durante o regime militar deixam de servir como fundamento para a expulsão Agora a expulsão é mais restrita e só ocorrerá em virtude de condenação por crime grave com sentença transitada em julgado Evitase assim a discricionariedade política do Poder Executivo na expulsão o que é salutar em um Estado Democrático de Direito Assim a nova Lei estipula que poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de I crimes de jus cogens a saber crime de genocídio crime contra a humanidade crime de guerra ou crime de agressão nos termos definidos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional já estudado acima neste Curso II crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional Assim é possível que o indivíduo mesmo condenado não seja expulso Há duas consequências da determinação de expulsão do imigrante i sua retirada compulsória do território nacional e ii seu impedimento de reingresso por prazo fixado na medida de expulsão Atendendo à crítica antiga da doutrina quanto à ausência de prazo para o reingresso do estrangeiro expulso que só poderia retornar com a revogação do decreto de expulsão 594 a Lei de Migração definiu que o prazo de vigência da medida de impedimento vinculada aos efeitos da expulsão será proporcional ao prazo total da pena criminal aplicada e nunca será superior ao dobro de seu tempo O processamento da expulsão em caso de crime comum não prejudicará a i progressão de regime o ii cumprimento da pena a iii suspensão condicional do processo a iv comutação da pena ou a v concessão de pena alternativa de vi indulto coletivo ou individual de vii anistia ou de ix quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro Caberá ao Ministério da Justiça atualmente a autoridade competente instaurar procedimento administrativo de expulsão estipulando a duração do impedimento de reingresso bem como a suspensão ou a revogação dos efeitos da expulsão No processo administrativo de expulsão serão garantidos o contraditório e a ampla defesa A Defensoria Pública da União será notificada da instauração de processo de expulsão se não houver defensor constituído Caberá pedido de reconsideração da decisão sobre a expulsão no prazo de 10 dias a contar da notificação pessoal do expulsando A existência de processo de expulsão não impede a saída voluntária do expulsando do País Contudo há restrições à expulsão que não ocorrerá mesmo sendo inicialmente possível quando I a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira II o expulsando a tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela b tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil sem discriminação alguma reconhecido judicial ou legalmente c tiver ingressado no Brasil até os 12 anos de idade residindo desde então no País d for pessoa com mais de 70 anos que resida no País há mais de 10 dez anos considerados a gravidade e o fundamento da expulsão Com isso a nova Lei aumenta os casos de expulsão proibida dirimindo antigas pendências judiciais sobre o cabimento da expulsão quando o expulsando possuía família no Brasil Note se que a lei ao mencionar a expressão sem discriminação alguma abarca também as famílias homoafetivas 505 A PORTARIA N 7702019 E A SAÍDA COMPULSÓRIA DE ESTRANGEIROS POR RAZÕES SÉRIAS DE PRÁTICA DE CRIMES A Portaria n 770 do Ministério da Justiça e Segurança Pública de 11 de outubro de 2019 dispõe sobre o impedimento de ingresso a repatriação e a deportação sumária de i pessoa perigosa ou ii que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal Para os fins da portaria são consideradas pessoas perigosas ou que tenham praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na CF88 aquelas sobre as quais recaem razões sérias que indiquem envolvimento em 1 terrorismo nos termos da Lei n 13260 de 16 de março de 2016 2 grupo criminoso organizado ou associação criminosa armada ou que tenha armas à disposição nos termos da Lei n 12850 de 2 de agosto de 2013 3 tráfico de drogas pessoas ou armas de fogo 4 pornografia ou exploração sexual infantojuvenil Nessas hipóteses a pessoa não poderá ingressar no país ficando sujeita i à repatriação e caso tenha já ingressado ii à deportação sumária A razão séria de envolvimento da pessoa nessas atividades pode ser baseada nas seguintes fontes de informação i difusão ou informação oficial em ação de cooperação internacional ii lista de restrições exaradas por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil perante organismo internacional o que abarca as pessoas sob sanções do Conselho de Segurança da ONU ou Estado estrangeiro iii informação de inteligência proveniente de autoridade brasileira ou estrangeira iv investigação criminal em curso e v sentença penal condenatória A Portaria proíbe é claro o uso de informações que tenham sido geradas por motivo de raça religião nacionalidade pertinência a grupo social ou opinião política Também veda a utilização desse procedimento sumário para aquele perseguido no exterior por crime puramente político O trâmite do procedimento de repatriação por razão séria de envolvimento em crimes não foi regrado na Portaria devendo ser utilizado o já existente visto acima Já o trâmite do procedimento da deportação sumária por razão séria de envolvimento com crimes graves é expedito i a pessoa é notificada pessoalmente a deixar o país em cinco dias ii na ausência de defensor constituído a Defensoria Pública deverá ser notificada preferencialmente por meio eletrônico para manifestação no prazo também de cinco dias iii a ausência de defesa ou manifestação inclusive do defensor não obsta a execução da medida iv da decisão de deportação caberá recurso administrativo com efeito suspensivo no prazo de até cinco dias contado da notificação do deportando ou de seu defensor v caso o deportando esteja regular no Brasil seu prazo de estada poderá reduzido ou mesmo cancelado vi autoridade policial federal poderá representar perante o juízo federal pela prisão ou por outra medida cautelar em qualquer fase do processo de deportação As críticas ao teor da Portaria são em síntese as seguintes i O termo razão séria não pode gerar tamanha restrição de ingresso ou ainda cancelamento da regularidade da estadia O devido processo legal previsto constitucionalmente ou em tratados é violado pois a razão séria dificulta inclusive a defesa e contraditório Não há sequer uma acusação formal que poderia ser refutada por argumentos defensivos Além disso caso houvesse provas de envolvimento nas práticas delitivas graves listadas pela Portaria o Estado informante deveria apontar as medidas processuais adotadas o que poderia inclusive gerar pedido de extradição ii A portaria criou a irregularidade migratória fabricada o estrangeiro pode estar regular no Brasil mas por razões sérias ter sua estadia legítima abruptamente cancelada e com prazo de cinco dias para sair do país Utilizouse o instituto da deportação para ressuscitar o antigo desenho da expulsão da Lei n 681580 retirada do estrangeiro mesmo com estadia regular que teria cometido ato nocivo iii A Lei de Migração em seu art 49 4º estabelece que não será aplicada medida de repatriação à pessoa em situação de refúgio ou de apatridia de fato ou de direito ao menor de 18 dezoito anos desacompanhado ou separado de sua família exceto nos casos em que se demonstrar favorável para a garantia de seus direitos ou para a reintegração a sua família de origem ou a quem necessite de acolhimento humanitário Com base nesse artigo e em face do princípio pro homine está revogado implicitamente o art 7º 2º da Lei n 947497 o qual dispõe que o refugiado considerado perigoso para a segurança do Brasil poderá não ser aceito no território nacional A Portaria n 770 revogou a anterior Portaria n 666 de 25 de julho de 2019 A portaria revogada previa o repatriamento e a deportação sumários a partir de mera suspeita de envolvimento A nova portaria exige aparentemente maior peso para que seja o estrangeiro impedido de ingressar ou mesmo deportado do território nacional Contudo o uso do conceito indeterminado das razões sérias bem como o uso da irregularidade migratória fabricada continuam a viciar o novo texto Em setembro de 2019 a ProcuradoriaGeral da República ajuizou a ADPF 619 impugnando todo o texto da Portaria n 666 506 A DETENÇÃO E O DIREITO À NOTIFICAÇÃO DA ASSISTÊNCIA CONSULAR Todo migrante estrangeiro ao ser detido deve ser notificado do seu direito de receber assistência consular Este direito está previsto no artigo 36 1 b da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 já ratificada e incorporada internamente no Brasil 595 A assistência consular é importante porque busca neutralizar a inegável desigualdade que existe entre o detido nacional e o detido estrangeiro pois este último enfrenta além da carga da prisão as inúmeras barreiras culturais linguísticas e jurídicas oriunda da sua situação migratória Essa notificação do direito de receber assistência consular exige i que seja feita sem tardar without delay no exato momento da detenção e antes de qualquer declaração do detido sob pena de se tornar supérflua no auxílio na superação das desigualdades ii que seja concretizada a vontade do detido de contatar a autoridade consular com a autoridade brasileira adotando as medidas para que o consulado seja acionado aguardandose a chegada do representante consular antes do interrogatório do detido e iii que seja assegurada com privacidade o encontro do detido com sua autoridade consular Em 2015 o STF decidiu que o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares deve incidir em todas as hipóteses de detenção de um estrangeiro no país qualquer que seja a modalidade inclusive prisão cautelar flagrante delito prisão temporária prisão preventiva etc 596 Em 2016 o Conselho Nacional do Ministério Público adotou a Recomendação n 47 a qual recomendou aos membros do Ministério Público que fiscalizem a notificação consular resultante da aplicação do artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 que impõe que as autoridades brasileiras cientifiquem sem tardar a autoridade consular do País a que pertence o estrangeiro sempre que este for preso qualquer que seja a modalidade da prisão Já em 2017 houve a edição da Portaria n 672017 pela qual o Ministro da Justiça determinou às Polícias Federal e Rodoviária Federal que fiscalizem a aplicação do art 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares para que seja feita sem demora a autoridade consular do País a que pertence o estrangeiro sempre que este for preso qualquer que seja a modalidade da prisão No caso de não ter sido feita a notificação ao detido há dois posicionamentos que podem ser adotados Para uma primeira visão a falta de notificação é irregularidade que só contamina os atos posteriores se houver prejuízo pas de nullité sans grief o que só seria demonstrável caso o estrangeiro comprovasse dano à sua defesa Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a ausência de informação do local e da prisão do recorrente à sua família e ao consulado da Romênia ainda que tivessem ocorrido não seriam suficientes por si sós para viciar o auto de prisão em flagrante tendo em vista a ausência de demonstração de prejuízo efetivo à Defesa RHC 27067SP rel Min Jorge Mussi 5ª T j 1632010 publicado no DJe 1242010 Em uma segunda visão a ausência de notificação da assistência consular acarreta violação do devido processo legal penal e consequentemente nulidade dos atos processuais posteriores Essa segunda visão foi adotada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Opinião Consultiva n 1699 51 Direitos dos quilombolas Os quilombolas são membros de comunidade tradicional com identidade costumes e usos próprios composta por descendentes de escravos e que mantém a tradição de união gerada pela resistência à sociedade envolvente que à época da constituição dos quilombos representava a opressão e a perda da liberdade Tendo em vista a importância da terra para a preservação da cultura dessa comunidade o art 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADCT prevê que aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos Tratase do reconhecimento pelo poder constituinte originário da necessidade de assegurar a preservação cultural daquelas comunidades compostas em geral por descendentes de escravos A preservação do território dessas comunidades permite que os seus habitantes os quilombolas possam manter a cultura e identidade étnica próprias forjadas pela resistência à escravidão Sem tais terras tais comunidades tradicionais seriam inevitavelmente integradas à sociedade envolvente gerando a perda da diversidade cultural para toda a sociedade brasileira Por isso o constituinte originário previu o reconhecimento da propriedade definitiva das terras ocupadas mantendose a própria e distintiva identidade coletiva com seus costumes e tradições De acordo com o Decreto 488703 são terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução i física ii social iii econômica e iv cultural Para a medição e demarcação das terras serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos sendo facultado à comunidade interessada apresentar peças técnicas para a instrução procedimental A titulação das terras dos quilombolas além de ser indispensável para a i promoção do direito à diversidade cultural no Brasil também serve para a ii proteção da igualdade material em face da situação de pobreza e discriminação dessas comunidades que sofrem os efeitos deletérios da escravidão ocorrida no passado Ainda se assegura por consequência o iii direito à moradia e com isso a própria união da comunidade e de seus valores próprios Quanto à identificação dos quilombolas utilizase o critério da autoidentificação que deve ser associado também à avaliação antropológica que levará em consideração a i trajetória histórica própria ii as relações territoriais específicas e iii a ancestralidade negra relacionada com a opressão histórica sofrida art 2º do Dec 4488703 Consta ainda do art 13 do Decreto 488703 o direito à indenização aos particulares que possuírem domínio válido sobre os territórios dos remanescentes de quilombo por meio da desapropriação O referido decreto foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal O STF entendeu que o art 68 do ADCT é norma de eficácia plena e aplicabilidade direta apta a produzir todos os seus efeitos no momento em que a CF88 entrou em vigor independentemente de norma integrativa posterior de natureza infraconstitucional Para o STF a Convenção n 169 da OIT mencionada acima consagrou a consciência da própria identidade como critério para delimitar as comunidades tradicionais o que se aplica também aos quilombolas O STF considerou então constitucional a autodefinição da comunidade como quilombola que é atestada por certidão da Fundação Cultural Palmares nos termos do art 2º III da Lei n 766888 Garantese que a comunidade tenha voz e seja ouvida Tratase de ato declaratório que não amplia indevidamente o universo dos quilombolas Além disso o STF realçou a necessidade da satisfação de elemento objetivo para a caracterização da comunidade quilombola que é a reprodução da unidade social que se afirma originada de um quilombo por meio da ocupação continuada do espaço territorial em tela STF ADI n 3239 rel p o ac Min Rosa Weber j 822018 Informativo n 890 Além disso o STF julgou parcialmente procedente ação direta de inconstitucionalidade para aplicar a técnica da interpretação conforme à Constituição sem redução de texto a ao 2º do art 4º da Lei n 119522009 com a finalidade de afastar qualquer entendimento que permita a regularização fundiária em nome de particulares das terras públicas ocupadas por quilombolas e outras comunidades tradicionais da Amazônia Legal STF ADI n 4269 rel Min Edson Fachin j 18102017 Informativo STF n 882 REFERÊNCIAS ABADE Denise Neves Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 Garantias do processo penal acusatório o novo papel do Ministério Público no processo penal de partes Rio de Janeiro Renovar 2005 Processo penal Rio de Janeiro Forense São Paulo Método 2014 AGRA Walber de Moura O entrenchment como condição para a efetivação dos direitos fundamentais In TAVARES André Ramos Coord Justiça constitucional pressupostos teóricos e análises concretas Belo Horizonte Fórum 2007 ALEXY Robert Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 217 I VI p 6779 julset 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Third Generation of Human Rights The Rights of Solidarity Inaugural lecture Tenth Study Session International Institute of Human Rights July 1979 In VASAK K Ed The international dimension of human rights Paris Unesco 1982 v I e II VEDOVATO Luís Renato Direito de ingresso do estrangeiro a circulação das pessoas pelo mundo no cenário globalizado Livro digital São Paulo Atlas 2013 VIEIRA Oscar Vilhena ALMEIDA Eloísa Machado de Advocacia estratégica em direitos humanos a experiência da Conectas Revista Internacional de Direitos Humanos v 8 n 15 p 187 e s dez 2011 VIEIRA DE ANDRADE José Carlos Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 1 ed Coimbra Almedina 1983 Reimp 1987 VILLARES Luiz Fernando Direito e povos indígenas Curitiba Juruá 2009 VILLEY Michel Direito e os direitos humanos São Paulo Martins Fontes 2007 VITORELLI Edilson Estatuto do Índio 2 ed Salvador JusPodivm 2013 O equívoco brasileiro cotas raciais em concursos públicos Revista de Direito Administrativo v 271 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Clóvis Direitos humanos dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje Porto Alegre Imprensa Livre 2005 p 32 5 ARISTÓTELES Ética a Nicômaco Introdução tradução e notas de Antônio de Castro Caeiro São Paulo Atlas 2009 6 VILLEY Michel Direito e os direitos humanos São Paulo Martins Fontes 2007 7 Discurso de 1818 CONSTANT Benjamin Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos Revista Filosofia Política n 2 Porto Alegre LPM 1985 p 925 Disponível em httpcaosmosenetcandidounisinostextosbenjaminpdf Acesso em 9 ago 2019 8 SUESS Paulo Org A conquista espiritual da América espanhola Petrópolis Vozes 1992 p 543 9 CASELLA Paulo Borba Direito internacional no tempo medieval e moderno até Vitoria São Paulo Atlas 2012 em especial p 608 e 619 10 LOCKE John Segundo tratado sobre o governo civil ensaio sobre a origem os limites e os fins verdadeiros do governo civil 1689 Trad Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa Petrópolis RJ Vozes 1994 11 Parágrafo 143 LOCKE John Segundo tratado sobre o governo civil ensaio sobre a origem os limites e os fins verdadeiros do governo civil 1689 Trad Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa Petrópolis RJ Vozes 1994 12 BINETTI Saffo Testoni Iluminismo In BOBBIO Norberto MATEUCCI Nicola PASQUINO Gianfranco Coords Dicionário de política Trad João Ferreira 4 ed Brasília UnB 1992 v 1 p 605611 13 KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes 1785 Trad Antônio Pinto de Carvalho São Paulo Companhia Editora Nacional 1964 14 Conferir em ISHAY Micheline Direitos humanos uma antologia Principais escritos políticos ensaios discursos e documentos desde a Bíblia até o presente Trad Fábio Joly São Paulo EDUSP 2006 em especial p 386 15 LEWANDOWSKI Enrique Ricardo Proteção internacional dos direitos humanos na ordem interna e internacional Rio de Janeiro Forense 1984 16 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 p 58 17 HÄBERLE Peter Hermenêutica constitucional a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1997 18 Ver sobre o controle de constitucionalidade RAMOS Elival da Silva Perspectivas de evolução do controle de constitucionalidade no Brasil São Paulo Saraiva 2009 19 VASAK Karel For the Third Generation of Human Rights The Rights of Solidarity Inaugural lecture Tenth Study Session International Institute of Human Rights July 1979 In VASAK K ed The international dimension of human rights Paris Unesco 1982 v I e II 20 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 4 ed São Paulo Malheiros 1993 FERREIRA FILHO Manoel G Os direitos humanos fundamentais 2 ed São Paulo Saraiva 1998 CANÇADO TRINDADE Antônio Augusto Tratado de direito internacional de direitos humanos Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1999 v II WEIS Carlos Os direitos humanos contemporâneos São Paulo Malheiros 1999 p 38 21 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 25 ed São Paulo Malheiros 2010 22 Por todos ver FALCÓN Y TELLA Fernando Challenges for human rights Leiden Boston Martinus Nijhoff Publishers 2007 em especial p 66 23 Por exemplo nas relações envolvendo crianças pessoas com deficiência trabalhadores consumidores etc Sobre a eficácia diagonal ver CONTRERAS Sérgio Gamonal Procedimiento de tutela y eficacia diagonal de los derechos humanos Revista Laboral Chilena nov 2009 p 7276 24 Häberle Peter Pluralismo y Constitución estudios de la Teoría Constitucional de la sociedad abierta Madrid Tecnos 2002 MENDES Gilmar Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional Brasília v 2 n 13 jun 1999 Disponível em httpsrevistajuridicapresidenciagovbrindexphpsajarticleview1011995 Acesso em 9 ago 2019 JELLINEK Georg Teoría general del Estado Trad da 2ª ed alemã por Fernando de los Rios Buenos Aires Albatros 1970 25 CANOTILHO J J Gomes Direito constitucional e Teoria da Constituição 7 ed Coimbra Almedina 2008 26 SARMENTO Daniel O crucifixo nos tribunais e a laicidade do Estado Revista Eletrônica PRPE Disponível em wwwprpempfmpbrinternetRE20DanielSarmento2pdf Acesso em 9 ago 2019 27 ROTHENBURG Walter Claudius A fundamentalidade dos direitos sociais por uma concepção unitária dos direitos fundamentais Tese de livredocência aprovada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Ribeirão Preto 2019 28 Art 17 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação sem perda do mandato a outro partido que os tenha atingido não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão Incluído pela Emenda Constitucional n 97 de 2017 29 Vide mais sobre direitos políticos e os partidos no item 485 da Parte IV que trata dos Direitos em espécie 30 SILVA José Afonso da Curso de direito constitucional positivo 5 ed São Paulo Malheiros 1989 p 174175 31 Art 170 A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social 32 Corte Europeia de Direitos Humanos Pretty vs RoyaumeUni julgamento de 29 de abril de 2002 Recueil 2002 parágrafo 65 33 KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes São Paulo Abril v XXV 1974 Col Os Pensadores 34 SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 p 60 PEREZ LUÑO Antonio Enrique Derechos humanos Estado de derecho y constitución Madrid Tecnos 2001 35 André Ramos Tavares entende que há uma consubstancialidade parcial entre a dignidade humana e determinados direitos ou seja uma identidade parcial entre o conteúdo da dignidade e o direito em questão TAVARES André Ramos Princípio da consubstancialidade parcial dos direitos fundamentais na dignidade do homem Revista da AJURIS v 32 n 99 set 2005 p 2239 36 BARCELLOS Ana Paula de A eficácia jurídica dos princípios constitucionais o princípio da dignidade da pessoa humana Rio de Janeiro Renovar 2002 em especial p 305 37 BARCELLOS Ana Paula de A eficácia jurídica dos princípios constitucionais o princípio da dignidade da pessoa humana Rio de Janeiro Renovar 2002 em especial p 305 38 MORAES Maria Celina Bodin de Conceito de dignidade humana substrato axiológico e conteúdo normativo In SARLET Ingo Wolfgang Org Constituição direitos fundamentais e direito privado Porto Alegre Livraria do Advogado 2003 39 BARROSO Luís Roberto Aqui lá e em todo lugar a dignidade humana no Direito Contemporâneo e no discurso transnacional RT ano 101 v 919 maio de 2012 p 127196 Conferir também BARROSO Luís Roberto A dignidade humana no direito constitucional contemporâneo a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial Belo Horizonte Editora Fórum 2013 40 MENDES Gilmar COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional 2 ed São Paulo Saraiva 2008 41 SARMENTO Daniel Dignidade da pessoa humana Conteúdo trajetórias e metodologia 2 ed Belo Horizonte Forum 2016 p 86 42 SILVA José Afonso da A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro v 212 p 8994 abrjun 1998 p 92 43 CASELLA Paulo Borba Direito internacional no tempo moderno de Suarez a Grócio São Paulo Atlas 2013 44 VIEIRA DE ANDRADE José Carlos Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976 Coimbra Almedina 1983 p 14 45 LOCKE John Segundo Tratado sobre o governo civil e outros escritos 16891690 Trad Magda Lopes e Marisa lobo da Costa 3 ed PetrópolisRJ Vozes 2001 em especial p 139 Capítulo VIII Do início das sociedades políticas 46 ROUSSEAU Jean Jacques Do contrato social 1762 Trad Mário Pugliesi e Norberto de Paula Lima São Paulo Hemus 1996 47 MARITAIN Jacques Les droits de lhomme et la loi naturel Paris Paul Hartmann Éditeur 1947 FINNIS John Natural law and natural rights Oxford Clarendon Press 1989 48 Nem todos os Ministros compartilham a existência de um direito natural à fuga Para o Min Lewandowski a fuga do réu do distrito da culpa justifica o decreto ou a manutenção da prisão preventiva HC 90967PR rel Min Ricardo Lewandowski j 1892007 49 Nas palavras de Perelman essa concepção do positivismo jurídico soçobra ante os abusos do hitlerismo como toda teoria científica inconciliável com os fatos PERELMAN Chaïm É possível fundamentar os direitos do homem In Ética e o Direito Trad Maria Ermentina G Pereira São Paulo Martins Fontes 1996 p 395 50 COMPARATO Fábio Konder Fundamentos dos direitos humanos Revista Consulex v 48 dez 2000 p 43 51 HART Herbert L A O conceito de direito 2 ed Trad A Ribeiro Mendes Lisboa Fundação C Gulbenkian 1994 p 104 e 142 52 PONTARA Giuliano Utilitarismo In BOBBIO Norberto MANTEUCCI Nicola PASQUINO Gianfranco Coords Dicionário de política 4 ed Trad João Ferreira Brasília UnB 1992 v 2 p 12741284 53 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 2004 54 BOBBIO Norberto A era dos direitos Trad Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Campus 2004 p 30 55 SARMENTO Daniel A ponderação de interesses na Constituição brasileira Rio de Janeiro Lumen Juris 2000 p 5960 56 LAFER Celso A reconstrução dos direitos humanos a contribuição de Hannah Arendt In Estudos Avançados 11 30 1997 p 5565 em especial p 55 57 Utilizando aqui a feliz expressão de Celso Lafer em A reconstrução dos direitos humanos um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt São Paulo Cia das Letras 1988 58 WEIS Carlos Direitos humanos contemporâneos 2 ed 2 tir São Paulo Malheiros 2011 p 162 59 WEIS Carlos Direitos humanos contemporâneos 2 ed 2 tir São Paulo Malheiros 2011 60 Sobre o direito internacional dos refugiados e seu novo paradigma ver MAHLKE Helisane Direito internacional dos refugiados Novo paradigma jurídico Belo Horizonte Arraes 2017 61 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 p 230 62 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 p 232 63 Adotada pela Resolução n 41128 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 4 de dezembro de 1986 64 PIOVESAN Flávia A universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos desafios e perspectivas In BALDI César Augusto Org Direitos humanos na sociedade cosmopolita Rio de Janeiro Renovar 2004 p 55 65 Decisão do Conseil dÉtat de 27 de outubro de 1995 n 136727 Commune de MorsangsurOrge 66 Deliberação em petição individual contra a França n 8541999 de 26 de julho de 2002 67 Mais detalhes do caso ver CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 68 Os dois exemplos foram retirados de NOVAIS Jorge Reis A dignidade da pessoa humana v II Dignidade e inconstitucionalidade Coimbra Almedina 2017 em especial p 119 e 244 69 BARROSO Luís Roberto Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová Dignidade humana liberdade religiosa e escolhas existenciais Disponível em httpwwwluisrobertobarrosocombrwp contentthemesLRBpdftestemunhasdejeovapdf Acesso em 9 ago 2019 em especial p 1719 70 AGRA Walber de Moura O entrenchment como condição para a efetivação dos direitos fundamentais In TAVARES André Ramos Coord Justiça constitucional pressupostos teóricos e análises concretas Belo Horizonte Fórum 2007 71 SARLET Ingo Wolfgang Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso algumas notas sobre o desafio da sobrevivência dos direitos sociais num contexto de crise Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC São Paulo n 4 p 241271 juldez 2004 72 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 em especial p 291 73 Voto do Min Celso de Mello STA 175AgRCE Informativo do STF n 582 abril de 2010 Ver também seu voto vencido na ADI 3105 rel p acórdão Min Cezar Peluso j 1882004 DJ de 1822005 74 Ver a proteção insuficiente ou deficiente dos direitos humanos na Parte I Capítulo III item 74 referente ao Princípio da Proporcionalidade neste Curso 75 Artigo 26 Desenvolvimento progressivo Os Estadospartes comprometemse a adotar as providências tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional especialmente econômica e técnica a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas sociais e sobre educação ciência e cultura constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos reformada pelo Protocolo de Buenos Aires na medida dos recursos disponíveis por via legislativa ou por outros meios apropriados 76 Artigo 2º item 1 Cada Estado Parte do presente Pacto comprometese a adotar medidas tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais principalmente nos planos econômicos e técnicos até o máximo de seus recursos disponíveis que visem assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto incluindo em particular a adoção de medidas legislativas 77 Vide o item 252 sobre os direitos sociais visto acima 78 Corte IDH Caso Lagos del Campo vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2017 Série C n 340 79 Corte IDH Caso Trabalhadores Despedidos de Petroperú y otros vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2017 Série C n 344 80 Corte IDH Caso Poblete Vilches e outros vs Chile Mérito Reparações e Custas Sentença de 8 de março de 2018 Série C n 349 81 Corte IDH Caso San Miguel Sosa e outras vs Venezuela Mérito Reparações e Custas Sentença de 8 de fevereiro de 2018 Série C n 348 82 PEREIRA Jane Reis Gonçalves Interpretação constitucional e direitos fundamentais Rio de Janeiro Renovar 2006 p 37 83 GRAU Eros Ensaio e discurso sobre a interpretaçãoaplicação do direito 5 ed São Paulo Malheiros 2009 p 7475 84 Esse posicionamento foi exposto doutrinariamente em GRAU Eros Ensaio e discurso sobre a interpretaçãoaplicação do direito 5 ed São Paulo Malheiros 2009 p 7475 85 HÄBERLE Peter Hermenêutica constitucional a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1997 86 HÄBERLE Peter Hermenêutica constitucional a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição Trad Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1997 p 1531 87 SARLET Ingo W Direitos fundamentais reforma do Judiciário e tratados internacionais de direitos humanos In CLEVE Clèmerson Merlin SARLET Ingo W PAGLIARINI Alexandre Coutinho orgs Direitos Humanos e Democracia Rio de Janeiro Forense 2007 p 331360 88 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição 5 ed Coimbra Almedina 2002 p 12511253 89 ALEXY Robert Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro n 217 IVI p 6779 julset 1999 90 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Trad Virgílio Afonso da Silva São Paulo Malheiros 2008 91 Exemplo retirado do voto do Juiz Oliver Wendell Holmes Jr em 1919 no julgamento Schenck vs United States 249 US 47 52 92 SILVA Virgílio Afonso da O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais Revista de Direito do Estado n 4 p 2351 2006 em especial p 37 93 MÜLLER Friedrich Métodos de trabalho do direito constitucional 2 ed São Paulo Max Limonad 2000 SOUZA NETO Cláudio Pereira Jurisdição constitucional democracia e racionalidade prática Rio de Janeiro Renovar 2002 94 NOVAIS Jorge Reis As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição Coimbra Coimbra Ed 2003 p 320 95 Também denominada pensamento de intervenção e limites NOVAIS Jorge Reis As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição Coimbra Coimbra Ed 2003 p 292 96 SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 em especial p 259 97 Por exemplo utilizam a expressão princípio da proporcionalidade entre outros MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 311 BARROSO Luís Roberto Princípios da razoabilidade e proporcionalidade In SOARES José Ronald Cavalcante Coord Direito constitucional estudos em homenagem a Paulo Bonavides São Paulo LTr 2001 p 319342 em especial p 328 SARLET Ingo W A eficácia dos direitos fundamentais 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 p 394 GUERRA FILHO Willis Santiago Princípio da proporcionalidade e teoria do direito In GRAU Eros Roberto GUERRA FILHO Willis Santiago Orgs Direito constitucional estudos em homenagem a Paulo Bonavides São Paulo Malheiros 2003 LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 15 ed São Paulo Saraiva 2011 p 150 Apoiado pelos precedentes de órgãos internacionais de direitos humanos CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 98 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Trad Virgílio Afonso da Silva São Paulo Malheiros 2008 p 117118 99 SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais São Paulo n 798 p 2350 2002 100 ÁVILA Humberto Bergmann Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos 4 ed rev São Paulo Malheiros 2005 101 Utilizado por TAVARES André Ramos Curso de direito constitucional 5 ed São Paulo Saraiva 2007 p 678 DIMOULIS Dimitri e MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais São Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 177 ROTHENBURG Walter Claudius O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais In Princípios processuais civis na Constituição Coord Olavo de Oliveira Neto e Maria Elizabeth de Castro Lopes Rio de Janeiro Elsevier 2008 p 283319 102 Ver mais detalhes sobre essas questões terminológicas em ÁVILA Humberto Bergmann A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade Revista de Direito Administrativo n 215 p 151179 1999 103 Por exemplo em julgamento de 2009 Por fim não há que se falar em ofensa ao princípio da proporcionalidade pois o ato impugnado revelouse adequado e necessário atingindo sua finalidade de proteção e defesa do consumidor tal qual estabelece o art 5º XXXII da CF de 1988 RMS 23732 voto do rel Min Gilmar Mendes j 17112009 Segunda Turma DJe de 1922010 o grifo não consta do original Ou ainda em julgamento de 2007 exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converterse na prática em determinadas situações em supressão do direito de recorrer constituindose assim em nítida violação ao princípio da proporcionalidade Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art 32 da MP 169941 posteriormente convertida na Lei 105222002 que deu nova redação ao art 33 2º do Decreto 702351972 ADI 1976 rel Min Joaquim Barbosa j 2832007 Plenário DJ de 185 2007 o grifo não consta do original 104 Ver mais em CARVALHO RAMOS André de Direitos humanos na integração econômica Rio de Janeiro Renovar 2008 105 STEINMETZ Wilson Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 106 HECK Luís Afonso O Tribunal Constitucional Federal e o desenvolvimento dos princípios constitucionais Porto Alegre Sergio Antonio Fabris Editor 1996 p 176 107 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 319 108 Na doutrina seguem esse fundamento entre outros MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 e ainda BARROSO Luís Roberto Interpretação e aplicação da Constituição fundamentos de uma dogmática transformadora 5 ed São Paulo Saraiva 2003 LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 15 ed São Paulo Saraiva 2011 p 150 109 DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais São Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 193 110 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 6 ed São Paulo Malheiros 1996 p 395 111 Constituição de 1967 art 150 35 A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota HC 45232 rel Themístocles Cavalcanti j 2121968 DJ de 1761968 p 2228 citado por MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 316 112 ROTHENBURG Walter Claudius O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais In Princípios processuais civis na Constituição Coord Olavo de Oliveira Neto e Maria Elizabeth de Castro Lopes Rio de Janeiro Elsevier 2008 p 283319 113 Para o STF No âmbito da polícia ao contrário do que ocorre com o agente em si não se tem como constitucional a exigência de altura mínima considerados homens e mulheres de um metro e sessenta para a habilitação ao cargo de escrivão cuja natureza é estritamente escriturária muito embora de nível elevado RE 150455 rel Min Marco Aurélio j 15121998 Segunda Turma DJ de 751999 114 Para o STF Razoabilidade da exigência de altura mínima para ingresso na carreira de delegado de polícia dada a natureza do cargo a ser exercido Violação ao princípio da isonomia Inexistência RE 140889 rel p o ac Min Maurício Corrêa j 3052000 Segunda Turma DJ de 15122000 115 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 116 DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria geral dos direitos fundamentais São Paulo Revista dos Tribunais 2007 p 204232 117 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 118 Para Virgílio Afonso da Silva foi Canaris o primeiro a utilizar o termo Untermassverbot SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável Revista dos Tribunais São Paulo n 798 p 2350 2002 em especial p 27 119 FISCHER Douglas Garantismo penal integral e não o garantismo hiperbólico monocular e o princípio da proporcionalidade breves anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais Revista de Doutrina da 4ª Região Porto Alegre n 28 mar 2009 Disponível em httpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrindexhtm httpwwwrevistadoutrinatrf4jusbrartigosedi cao028douglasfischerhtml Último acesso em 9 ago 2019 120 Esse caso redundou no bloqueio por ordem judicial do acesso brasileiro a site mundialmente popular de exibição de vídeos uma vez que o citado vídeo lá era inserido Ver mais sobre o caso em ROTHENBURG Walter Claudius O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais In Princípios processuais civis na Constituição Coord Olavo de Oliveira Neto e Maria Elizabeth de Castro Lopes Rio de Janeiro Elsevier 2008 p 283319 121 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 326 122 Descrição do caso e decisão obtida em MARTINS Leonardo Org Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão Montevidéu Konrad Adenauer Stiftung 2005 p 487 e s 123 BARROSO Luís Roberto Princípios da razoabilidade e proporcionalidade In SOARES José Ronald Cavalcante Coord Direito constitucional estudos em homenagem a Paulo Bonavides São Paulo LTr 2001 p 319342 em especial p 320 e 324325 124 Na doutrina além de Luís Roberto Barroso já citado ver MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 BARROS Suzana de Toledo O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais 2 ed Brasília Brasília Jurídica 2000 125 SILVA Virgílio Afonso da O proporcional e o razoável RT São Paulo v 798 p 2350 2002 126 In verbis em nenhum caso poderá ser afetado o conteúdo essencial de um direito fundamental 127 SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 p 354 128 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 305 129 VIEIRA DE ANDRADE José Carlos Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 Reimp Coimbra Almedina 1987 p 233 e 235236 130 SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia São Paulo Malheiros 2010 em especial p 203 131 SILVA Virgílio Afonso da Direitos fundamentais conteúdo essencial restrições e eficácia São Paulo Malheiros 2010 em especial p 202 132 NOVAIS Jorge Reis As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição Coimbra Coimbra Ed 2003 p 247 133 Conforme consta do voto do Min Gilmar Mendes no HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 179 2003 Plenário DJ de 1932004 Também ver MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocêncio Mártires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 p 297 134 NOVAIS Jorge Reis As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição Coimbra Coimbra Ed 2003 p 359 135 Para competência composição e funcionamento do Comitê de Direitos Humanos conferir Parte II Capítulo V item 3 136 Para funcionamento do Comitê de Direitos Humanos quanto ao peticionamento individual conferir Parte II Capítulo V item 3 137 Informação da Exposição de Motivos do Ministro de Estado das Relações Exteriores que acompanha a Mensagem Presidencial n 924 que submeteu o texto do Protocolo ao Congresso Nacional 138 Para competência composição e funcionamento do Conselho de Direitos Econômicos Sociais e Culturais conferir Parte II Capítulo V item 4 139 Para funcionamento do Comitê de Direitos Humanos conferir Parte II Capítulo V item 3 140 Incorporada internamente pelo Decreto n 58822 de 14 de julho de 1966 141 Incorporada internamente pelo Decreto n 3597 de 12 de setembro de 2000 142 Incorporado internamente pelo Decreto n 849 de 25 de junho de 1993 143 Incorporado internamente pelo Decreto n 4388 de 25 de setembro de 1992 144 Tribunal Internacional Penal da exIugoslávia Caso Prosecutor vs Dragoljub Kunarac Radomir Kovac e Zoran vukovic julgamento do órgão de apelação em 12 de junho de 2002 em especial parágrafo 117 145 Tribunal Internacional Penal da exIugoslávia Caso Prosecutor vs Dragoljub Kunarac Radomir Kovac e Zoran vukovic Sentença de 22 de fevereiro de 2001 em especial parágrafo 542 146 Tribunal Internacional Penal da exIugoslávia Caso Prosecutor vs Dragoljub Kunarac Radomir Kovac e Zoran vukovic Sentença de 22 de fevereiro de 2001 em especial parágrafo 539 147 Corte IDH Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 de outubro de 2016 parágrafo 249 148 Corte IDH Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 de outubro de 2016 parágrafo 362 149 LEMKIN Raphael Axis Rule in Occupied Europe Laws of Occupation Analysis of Government Proposals for Redress Washington Carnegie Endowment for International Peace 1944 em especial p 7995 Capítulo IX Genocide 150 Disponível em httpwwwunorggasearchviewdocaspsymbolARES95I Acesso em 12 ago 2018 151 Yearbook of the International Law Commission 1950 v II parágrafo 97 Ver os sete princípios em httplegalunorgilctextsinstrumentsenglishdraftarticles711950pdf Acesso em 9 ago 2019 152 Em especial no parágrafo 8º Disponível em httpsdocumentsddsnyunorgdocRESOLU TIONGENNR028146IMGNR028146pdf OpenElement Acesso em 9 ago 2019 153 Prosecutor v Dusko Tadić Appeals Chamber julgamento de 2 de outubro de 1995 especialmente parágrafos 140 e 141 154 Corte Interamericana de Direitos Humanos La Cantuta v Peru julgamento de 29 de novembro de 2006 em especial parágrafo 225 155 Corte Interamericana de Direitos Humanos Almonacid Arellano v Chile julgamento de 26 de setembro de 2006 em especial parágrafos 105 e 106 156 Corte Internacional de Justiça Advisory Opinion on Legality of the Use by a State of Nuclear Weapons in Armed Conflict ICJ Report 1996 em especial parágrafo 79 Ver mais em CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 157 Consta do voto do Min Fachin menção ao presente Curso 158 Observese que o Protocolo de Las Leñas firmado entre Brasil Argentina Paraguai e Uruguai prevê essa isenção no âmbito do Mercosul ao estabelecer em seu art 4º que nenhuma caução ou depósito qualquer que seja sua denominação poderá ser imposto em razão da qualidade de cidadão ou residente permanente de outro Estado Parte o que se aplicará também às pessoas jurídicas constituídas autorizadas ou registradas conforme as leis de qualquer dos Estados Partes 159 Sobre o estatuto pessoal no Direito Internacional Privado no Brasil ver CARVALHO RAMOS André de Curso de direito internacional privado São Paulo Saraiva 2018 CARVALHO RAMOS André de e GRAMSTRUP Erik Frederico Comentários à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB São Paulo Saraiva 2016 160 Para competência composição e funcionamento do Comitê cf Parte II Capítulo V item 5 161 Dados disponíveis em httpagenciabrasilebccombrpoliticanoticia201603mulheresre presentam13dasvereadorase12das prefeitasdetodoopais Acesso em 30 jul 2017 162 Para o funcionamento do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação conferir Parte II Capítulo V item 6 163 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Urrutia vs Guatemala sentença de 27 de novembro de 2003 em especial parágrafos 91 e 92 164 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Urrutia vs Guatemala 2003 em especial parágrafo 92 165 Comissão IDH Caso Lizardo Cabrera vs República Dominicana Informe 3596 Caso 10832 deliberação de 19 de fevereiro de 1998 166 Para competência composição e funcionamento do Comitê cf Parte II Capítulo V item 7 167 Após sua extinção em 2016 no pósimpeachment da Presidente Dilma Rousseff o Ministério dos Direitos Humanos foi recriado em 2017 pela Medida Provisória n 768 de 2 de fevereiro de 2017 Atualmente rege a matéria a Medida Provisória n 782 de 31 de maio de 2017 168 Conferir o valor normativo do Protocolo de Istambul em GROSSMAN Claudio The Normative Value of the Istanbul Protocol In KJÆR Susanne KJÆRUM Asger eds Shedding Light on a Dark Practice Using the Istanbul Protocol to Document Torture Copenhagen Denmark International Rehabilitation Council for Torture Victims 2009 169 Conferir ARes70175 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsProfessionalInterestNelsonMandelaRulespdf Último acesso em 9 ago 2019 170 Levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público divulgado em agosto de 2019 Disponível em httpwwwcnmpmpbrportalrelatoriosbisistemaprisionalemnumeros Acesso em 22 ago 2019 171 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Tibi vs Equador sentença de 7 de setembro de 2004 em especial parágrafo 154 172 O Conselho Nacional de Justiça durante a presidência do Min Ricardo Lewandowski publicou versão em português das Regras de Mandela Os termos aqui utilizados são oriundos dessa tradução Disponível em httpwwwcnjjusbrfilesconteudoarquivo20160539ae8bd2085fdbc4a1b02fa6e3944ba2pdf Último acesso em 9 ago 2019 173 A favor da escuta ambiental desde que haja suspeita de prática de crime por parte do advogado no caso possível envolvimento com organização criminosa TRF1 Agravo em Execução Penal 00067753120134014100RO Rel Desa Federal Monica Sifuentes j 239 2014 No STF a matéria é discutida no HC 115114 Rel Ricardo Lewandowski em trâmite 174 A ADI 4162 proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em 2008 não havia sido ainda julgada até 2018 175 Visando promover e incentivar a aplicação das regras para o tratamento das mulheres infratoras pelos poderes Judiciário e Executivo brasileiro o Conselho Nacional de Justiça traduziu as Regras de Bangkok Disponível em httpwwwcnjjusbrfilesconteudoarquivo20160327fa43cd9998bf5b43aa2cb3e0f53c44pdf Acesso em 9 ago 2019 176 O próprio documento ressalva todavia que a despeito de o seu foco ser a mulher e seus filhos algumas das regras que envolvem responsabilidades maternas e paternas serviços médicos e procedimentos de revista aplicamse também aos homens presos e infratores 177 Sobre a transferência de sentenciados e os direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional ver a indispensável obra de ABADE Denise Neves Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 178 Conferir tópico específico sobre o tema no item 10 do Capítulo V da Parte II 179 Disponível em português em httpwwwcriancampprmpbrmodulesconteudoconteudophpconteudo2039 Acesso em 9 ago 2019 180 Ver mais sobre esta decisão histórica do STF no item 44 da Parte IV deste Curso que trata dos direitos das pessoas com deficiência 181 Para competência composição e funcionamento do Comitê para os Direitos da Criança cf Capítulo V da Parte II Mecanismos internacionais de proteção e monitoramento dos direitos humanos competência composição e funcionamento 182 Ressaltese que a Conferência Internacional sobre o Combate à Pornografia Infantil na Internet Viena 1999 determina a criminalização da produção distribuição exportação transmissão importação posse intencional e propaganda de pornografia infantil 183 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 184 Observese que não se deve falar em a Declaração e o Programa de Ação de Viena e sim Declaração e Programa de Ação de Viena Lindgren Alves ressalta O simbolismo político do termo no título de um texto negociado entre 171 Estados que no período contemporâneo póscolonial oficialmente representavam toda a humanidade compensaria sua imprecisão e as dificuldades que os dois substantivos de gêneros distintos impõem à sintaxe de um documento singular sobretudo nas línguas neolatinas ALVES José Augusto Lindgren Relações internacionais e temas sociais a década das conferências Brasília IBRI 2001 p 104 185 Citemse entre outros a Declaração das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência o Programa Mundial de Ação para as Pessoas Portadoras de Deficiência aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas as Normas Uniformes sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas Portadoras de Deficiência a Declaração de Viena e Programa de Ação aprovados pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em 1993 a resolução sobre a situação das pessoas portadoras de deficiência no Hemisfério Americano e finalmente o Compromisso do Panamá com as Pessoas Portadoras de Deficiência no Continente Americano 186 Dados que constam do World Report on disability da OMS Disponível em httpappswhointirisbitstreamhandle1066570670WHONMHVIP1101engpdfjsessionid073D874EA55D6C675019A82629EB19B5 sequence1 Acesso em 9 ago 2019 187 Utilizo aqui a grafia Marraqueche adotada na tradução oficial para o português Decreto Legislativo n 261 publicado no DOU de 2611 2015 em vez de Marraquexe 188 Ver mais sobre o estatuto dos tratados de direitos humanos na Parte III item 34 deste Curso 189 Sobre a regra do teste dos três passos ver BASSO Maristela As exceções e limitações aos direitos do autor e a observância da regra do teste dos três passos threesteptest Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo v 102 jandez 2007 p 493503 190 Ver mais sobre a LBI na Parte IV item 44 deste Curso 191 Vide a posição da PFDC Disponível em httppfdcpgrmpfmpbrinformativosedicoes2016novembroameacaderetrocessosna garantiadelivroacessiveletemadereuniaonapfdc Acesso em 9 ago 2019 192 Art 121 As Partes Contratantes reconhecem que uma Parte Contratante pode implementar em sua legislação nacional outras limitações e exceções ao direito de autor para o proveito dos beneficiários além das previstas por este Tratado tendo em vista a situação econômica dessa Parte Contratante e suas necessidades sociais e culturais em conformidade com os direitos e obrigações internacionais dessa Parte Contratante e no caso de um país de menor desenvolvimento relativo levando em consideração suas necessidades especiais seus direitos e obrigações particulares e suas flexibilidades 193 Art 122 Este Tratado não prejudica outras limitações e exceções para pessoas com deficiência previstas pela legislação nacional 194 CÂMARA DOS DEPUTADOS MSC 6962010 Disponível em httpwwwcamaragovbrpro posicoesWebfichadetramitacao idProposicao489652 Acesso em 10 ago 2019 195 STJ Recurso Especial 1626739RS rel Luís Felipe Salomão acórdão da Quarta Turma j 9 52017 196 RIOS Roger Raupp RESADORI Alice Hertzog Direitos humanos transexualidade e direito dos banheiros Direito Práxis v 6 n 12 2015 p 196227 197 O conteúdo do termo consta de httpswwwconjurcombrdltermocompromissoentresantanderpdf acesso em 22 ago 2019 198 Resolução AHRCRES322 199 Convenção n 107 da OIT sobre as Populações Indígenas e Tribais adotada em Genebra em 26 de junho de 1957 e depois promulgada no Brasil pelo Decreto n 58824 de 14 de julho de 1966 200 Sobre a hierarquia supralegal dos tratados de direitos humanos conferir neste curso o item 34 da Parte III 201 Nesse sentido há o precedente possivelmente inédito da Apelação Criminal n 0090100003020 Rel Des Mauro Campello do Tribunal de Justiça de Roraima acórdão de 18122015 DJe de 1722016 202 Art 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendêlo e preserválo para as presentes e futuras gerações VII proteger a fauna e a flora vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade 203 Art 225 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do 1º deste artigo não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais desde que sejam manifestações culturais conforme o 1º do art 215 desta Constituição Federal registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bemestar dos animais envolvidosNR 204 Ver sobre a dimensão objetiva o Capítulo III item 23 da Parte I Sobre a proteção deficiente ou insuficiente ver o Capítulo III item 744 da Parte I deste Curso 205 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 206 O estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional consta da Res n 3201 da Assembleia Geral da ONU denominada Declaração sobre o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional de 1º de maio de 1974 207 SAUVANTE Karl The negotiations of the United Nations Code of Conduct on Transnational Corporations The Journal of World Investment Trade n16 2015 p 1187 em especial p 13 fazendo referência ao golpe militar contra o Governo Allende no Chile O próprio Presidente Allende em discurso na Assembleia Geral da ONU em 1972 antes do golpe apelou à comunidade internacional para que esta tomasse medidas contra o poder econômico político e ações de corrupção das empresas transnacionais Op cit p 13 208 Ver ECOSOC Decision 2004279 Disponível em httpswwwpactoglobalorgbr10principios Último acesso em 9 ago 2019 209 Ver mais em httpwwwpactoglobalorgbrartigo56Os10principios Último acesso em 9 ago 2019 210 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsIssuesBusinessAHRC1731AEVpdf Último acesso em 9 ago 2019 211 Disponível em httpsdocumentsddsnyunorgdocRESOLUTIONGENG1114471PDFG1114471pdfOpenElement Último acesso em 9 ago 2019 212 Há versão em português elaborada pela organização não governamental atuante na área dos direitos humanos Conectas Disponível em httpwwwconectasorgarquivossiteConectasPrincC3ADpiosOrientadoresRuggiemar20121pdf Acesso em 9 ago 2019 213 Ver a análise crítica do Centro de Direitos Humanos e Empresas HOMA sob a coordenação da Profa Manoela Carneiro Roland da Universidade Federal de Juiz de Fora em httphomacdhecomindexphppt20160629grupodetrabalhodaonusobredireitoshumanos eempresashomadivulgaanalisedorelatoriodavisitaaobrasilelancacampanhapelotratadovincu lante Último acesso em 9 ago 2019 214 Disponível em httpwwwohchrorgENHRBodiesHRCRegularSessionsSession26PagesResDecStataspx Último acesso em 9 ago 2019 215 Conferir na Parte II Capítulo V item 21 deste Curso 216 Constituição da Organização Mundial da Saúde OMSWHO 1946 217 A ADI 4249 foi proposta pela Confederação Nacional do Turismo CNTUR 218 Resolução de Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA 219 ICSID Sigla em inglês Centro Internacional para Resolução de Controvérsias sobre Investimentos do Banco Mundial 220 Decisão pode ser encontrada no site httpswwwiisdorgitn20181018philipmorrisvuruguay 221 Decisão pode ser encontrada no site httpspcacasescomwebsendAttach2190 222 Cf httpwwwplanaltogovbrccivil03DNN2003Dnn9944htm 223 Agradeço ao Professor Luís Renato Vedovato Unicamp pela colaboração na redação deste texto sobre a CQCT 224 CARVALHO RAMOS André de Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos Rio de Janeiro Renovar 2004 225 Disponível em httpwwwoasorgescidhmandatocomposicionasptab3 Acesso em 9 ago 2019 226 São 23 Estados que ratificaram a CADH Argentina Barbados Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Rica Dominica Equador El Salvador Granada Guatemala Haiti Honduras Jamaica México Nicarágua Panamá Paraguai Peru República Dominicana Suriname Uruguai 227 São 12 Estados que ainda não são partes da CADH Antígua e Barbuda Bahamas Belize Canadá Cuba Estados Unidos Guiana São Cristóvão e Névis Saint Kitts and Nevis Santa Lúcia São Vicente e Granadinas Trinidad e Tobago foi parte de 1991 a 1998 Venezuela foi parte de 1977 a 2012 228 Ver na Parte IV sobre os direitos em espécie a implantação tardia no Brasil da audiência de custódia 229 Ver RE 466343 rel Min Cezar Peluso j 3122008 Plenário DJe de 562009 RE 349703 rel Min Carlos Britto j 3 122008 Plenário DJe de 562009 HC 92566 rel Min Marco Aurélio j 3122008 Plenário DJe de 562009 Tais leading cases e outros precedentes deram origem ao enunciado de Súmula Vinculante n 25 do STF É ilícita a prisão civil de depositário infiel qualquer que seja a modalidade do depósito 230 O Autor deste livro à época Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do Estado de São Paulo Ministério Público Federal foi quem propôs a ação civil pública contra a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão de jornalista 231 Em face do teor do art 23 discutese na atualidade a inconvencionalidade da Lei da Ficha Limpa Lei Complementar n 135 que aumentou as hipóteses de inelegibilidade e agravou ainda o quadro normativo das hipóteses já existentes Ver a análise da temática na parte deste livro referente aos direitos em espécie 232 O art 43 dispõe que os Estadospartes obrigamse a proporcionar à Comissão as informações que esta lhes solicitar sobre a maneira pela qual seu direito interno assegura a aplicação efetiva de quaisquer disposições desta Convenção Já a alínea d do art 48 dispõe que a Comissão ao receber uma petição ou comunicação na qual se alegue a violação de qualquer dos direitos consagrados nesta Convenção procederá da seguinte maneira d se o expediente não houver sido arquivado e com o fim de comprovar os fatos a Comissão procederá com conhecimento das partes a um exame do assunto exposto na petição ou comunicação Se for necessário e conveniente a Comissão procederá a uma investigação para cuja eficaz realização solicitará e os Estados interessados lhe proporcionarão todas as facilidades necessárias 233 Para competência composição e funcionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos conferir Capítulo V da Parte II 234 Art 165 do novo CPC 2015 Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar orientar e estimular a autocomposição 235 Disponível em httpwwwoasorgjuridicospanishfirmasa61html Acesso em 9 ago 2019 236 Disponível em httpwwwoasorgjuridicospanishfirmasa65html Acesso em 9 ago 2019 237 Disponível em httpwwwoasorgjuridicospanishfirmasa60html Acesso em 4 ago 2017 238 Ver a posição favorável do STF no que tange à criação de novos tipos criminais sujeitos à imprescritibilidade na Parte IV item 241 deste Curso 239 Artigo 2º Para realizar os princípios em que se baseia e para cumprir com suas obrigações regionais de acordo com a Carta das Nações Unidas a Organização dos Estados Americanos estabelece como propósitos essenciais os seguintes b Promover e consolidar a democracia representativa respeitado o princípio da não intervenção 240 Vide sobre direitos políticos o item 48 da Parte IV 241 Dados disponíveis em httpswwwunorgeneventsolderpersonsdaybackgroundshtml Acesso em 15 ago 2019 242 Vide item 3 da Parte IV sobre o direito à vida 243 Disponível em httpwwwoasorgessladditratadosmultilateralesinteramericanosA 69discriminacionintoleranciafirmasasp Acesso em 27 ago 2018 244 Ver na Parte IV Capítulo 49 deste Curso análise da proteção internacional e nacional dos direitos sexuais e reprodutivos 245 Disponível em httpwwwoasorgessladditratadosmultilateralesinteramericanosA68racismofirmasasp Acesso em 27 ago 2018 246 O Princípio 10 consiste em um dos 27 princípios do documento final aprovado na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992 ECO92 Princípio 10 a melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação no nível apropriado de todos os cidadãos interessados No nível nacional cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular colocando as informações à disposição de todos Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos inclusive no que se refere à compensação e à reparação de danos 247 Em 2005 a Venezuela apresentou pedido de adesão plena ao Mercosul com acolhimento consensual do pleito pela Decisão CMC n 2905 de 8 de dezembro de 2005 O Protocolo de adesão da República bolivariana da Venezuela ao Mercosul foi assinado em 2006 mas a adesão da Venezuela ao Mercosul foi concluída somente em 2012 seis anos de espera ver abaixo a crise do impeachment do Presidente Lugo por meio da Decisão do Conselho Mercado Comum n 272012 Como a própria decisão estabeleceu não houve a necessidade de incorporação de tal decisão CMC por regular aspectos da organização do bloco Íntegra da decisão disponível em httpwwwdesenvolvimentogovbrarquivosdwnl1377717164pdf Acesso em 24 jun 2016 248 Sobre a proteção de direitos humanos na integração econômica ver CARVALHO RAMOS André de Direitos humanos na integração econômica Rio de Janeiro Renovar 2008 249 O Congresso brasileiro aprovou o texto do Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul Bolívia e Chile por meio do Decreto Legislativo n 452 de 14 de novembro de 2001 De acordo com o artigo 10 do Protocolo este entrou em vigor para o Brasil em 17 de janeiro de 2002 O Protocolo foi promulgado no Brasil pelo Decreto n 4210 em 24 de abril de 2002 250 Para maior desenvolvimento ver por todos CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 251 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 252 Disponível em httpwwwohchrorgENHRBodiesSPPagesWelcomepageaspx Acesso em 13 ago 2019 253 Disponível em httpacnudhorgwpcontentuploads201705AHRCWG627L9Brazilpdf Em português httpsnacoesunidasorgwpcontentuploads201708RPUBrasildocxdocxpdf Acesso em 9 ago 2019 254 As informações e documentos sobre o Brasil e os três ciclos estão disponíveis em httpswwwohchrorgENHRBodiesUPRPagesBRindexaspx Acesso em 13 ago 2019 255 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 256 As agências especializadas são organizações internacionais com personalidade jurídica própria e distinta da personalidade jurídica da ONU que possuem objetivos comuns aos da ONU e celebraram acordos de colaboração e coordenação com a ONU Há agências até anteriores à ONU Organização Internacional do Trabalho por exemplo é de 1919 257 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 258 Ver mais detalhes em CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 259 Apenas em 12 de junho de 2003 quase um ano depois houve a internalização do referido ato por meio da edição de Decreto n 47382003 260 Decreto n 4316 de 30 de julho de 2002 261 Decreto n 6949 de 25 de agosto de 2009 262 Decreto n 6085 de 19 de abril de 2007 263 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 264 Comissão Interamericana de Direitos Humanos Casos n 12426 e 12427 ambos de 2001 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 265 Medida cautelar de 16 de dezembro de 2013 266 Conferir em httpwwwoasorgescidhdecisionescautelaresasp Acesso em 24 ago 2018 267 Agradeço a Surrailly Youssef a atualização do presente trecho 268 São os seguintes 20 Estados Partes da Convenção Americana de Direitos Humanos que reconhecem a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte IDH Argentina Barbados Bolívia Brasil Chile Colômbia Costa Rica Equador El Salvador Guatemala Haiti Honduras México Nicarágua Panamá Paraguai Peru República Dominicana Suriname Uruguai Apesar de terem ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos não reconheceram a jurisdição contenciosa da Corte IDH os seguintes Estados Dominica Granada e Jamaica 269 Após a renúncia do Juiz Roberto Caldas em maio de 2018 a Corte IDH decidiu continuar seus trabalhos sem solicitar a nomeação de novo juiz para completar o mandato uma vez que este findaria ao final de 2018 270 Sobre as minúcias da responsabilidade internacional por violação de direitos humanos ver CARVALHO RAMOS André de Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos Rio de Janeiro Renovar 2004 271 ESAP é a sigla para Escrito de solicitudes argumentos y pruebas 272 Ver entre outros Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Amrhein e outros vs Costa Rica sentença de 25 de abril de 2018 parágrafo 148 273 Cf Resoluções de 19 de junho de 2002 29 de agosto de 2002 22 de abril de 2004 7 de julho de 2004 21 de setembro de 2005 2 de maio de 2008 25 de novembro de 2009 274 Referente ao Complexo do Tatuapé Resoluções de 17 de novembro de 2005 4 de julho de 2006 e ainda de 3 de julho de 2007 275 Resoluções de 28 de julho de 2006 e 30 de setembro de 2006 276 Medida Provisória de 22 de maio de 2014 Resoluções de 15 de novembro de 2017 e 28 de novembro de 2018 277 Medida Provisória de 18 de novembro de 2014 Resoluções de 13 fevereiro de 2017 e 14 de março de 2018 278 Resolução de 15 de julho de 2009 279 Resoluções de 25 de fevereiro de 2011 26 de julho de 2011 1º de setembro de 2011 26 de abril de 2012 20 de novembro de 2012 21 de agosto de 2013 29 de janeiro de 2014 26 de setembro de 2014 23 de junho de 2015 e 15 de novembro de 2017 280 Resolução de 13 de fevereiro de 2017 31 de agosto de 2017 e 22 de novembro de 2018 281 Resolução de 13 de fevereiro de 2017 282 Nesses casos o cômputo em dobro deverá ser precedido de exame criminológico com equipe técnica interdisciplinar 283 Resolução de 22 de novembro de 2018 e de 28 de novembro de 2018 284 Agradeço a Surrailly Yousseff e a Raquel da Cruz Lima pela atualização 285 69 foram decisões de interpretação da sentença do caso contencioso 286 A chamada Operação Condor foi uma união de forças das ditaduras da Argentina Uruguai Brasil e Chile para troca de informação tortura perseguição e assassinatos dos opositores 287 Sobre o tema da cooperação jurídica internacional e os direitos humanos ver a obra indispensável de ABADE Denise Neves Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 288 Corte IDH Caso Suárez Peralta vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Voto dissidente do Juiz Ferrer MacGregor Poisot de 21 de maio de 2013 Série C n 261 289 Neste ponto a Corte fez menção aos casos Comunidad Indígena Yakye Axa vs Paraguay 217 e Caso Comunidad Garífuna de Punta Piedra y sus miembros vs Honduras 324 290 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 291 Já ratificada e incorporada internamente no Brasil pelo Decreto n 24271997 Ver mais sobre pessoa jurídica no Direito Internacional Privado no comentário ao artigo 11 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro em CARVALHO RAMOS André de GRAMSTRUP Erik G Comentários à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro São Paulo Saraiva 2016 292 Agradeço a Surrailly Youssef e a Raquel da Cruz Lima pela atualização dos últimos casos contenciosos e consultivos da Corte IDH bem como os novos dados das medidas cautelares e provisórias contra o Brasil 293 Conferir sobre o tema Corte Permanente de Justiça Internacional Parecer Consultivo sobre a Carelia Oriental PCIJ Série B n 5 1923 p 27 Em sentido contrário defendendo uma interpretação generosa e a favor da jurisdição consultiva conferir o voto concorrente do Juiz Cançado Trindade na Opinião Consultiva n 1597 da Corte Interamericana de Direitos Humanos Ver Corte Interamericana de Direitos Humanos Parecer sobre os relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos art 51 Parecer n 1597 de 14 de novembro de 1997 Série A n 15 voto concorrente do Juiz Antônio Augusto Cançado Trindade 294 Sobre a postura distinta da OEA durante a crise do impeachment do Presidente Lugo conferir em MCCOY Jennifer L Challenges for the Collective Defense of Democracy on the Tenth Anniversary of the InterAmerican Democratic Charter In Latin American Policy v 3 n 1 p 3357 Disponível em httpwwwplataformademocraticaorgPublicacoes22343pdf Último acesso em 10 ago 2019 295 A UNASUL também busca a promoção da democracia nos seus Estados Partes O Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo da UNASUL sobre Compromisso com a Democracia assinado na IV Reunião do Conselho de Chefes de Estado da UNASUL realizada em Georgetown Guiana em 26 de novembro de 2010 prevê mecanismo concreto para a proteção defesa e eventual restauração da democracia Tal qual o Protocolo de Ushuaia II há a previsão de adoção de medidas como o fechamento de fronteiras terrestres limitação ou suspensão do comércio tráfego aéreo e marítimo comunicações provimento de energia e outros serviços entre outras medidas contra o Estado no qual houve a ruptura democrática 296 Tribunal Permanente de Revisão Laudo en el procedimiento excepcional de urgencia solicitado por la República del Paraguay en relación con la suspensión de su participación en los órganos del Mercado Común del Sur Mercosur y a la incorporación de Venezuela como miembro pleno Laudo n 012012 de 21 de julho de 2012 Disponível em httpwwwmercosurintinnovaportalfile4401laudo012012ptpdf Último acesso em 9 ago 2019 297 In verbis Art 52 Tais medidas compreenderão desde a suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos dos respectivos processos de integração até a suspensão dos direitos e obrigações resultantes destes processos 298 LEMKIN Raphael Axis Rule in Occupied Europe Laws of Occupation Analysis of Government Proposals for Redress Washington Carnegie Endowment for International Peace 1944 em especial p 7995 Capítulo IX Genocide 299 CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 300 É crime de guerra de natureza ambiental previsto no art 82 e iv Lançar intencionalmente um ataque sabendo que o mesmo causará prejuízos extensos duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa 301 SILVA Virgílio Afonso da Interpretação constitucional e sincretismo metodológico In SILVA Virgílio Afonso da Org Interpretação constitucional São Paulo Malheiros 2005 p 115144 em especial p 123 302 Fique registrado que poderíamos utilizar o termo tratado tão somente e não tratado internacional Porém como a própria Constituição utiliza tratado internacional utilizaremos o termo indistintamente 303 Grifo meu Ratificada e incorporada internamente no Brasil em 2009 304 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 p 311 305 PIOVESAN F Direitos humanos e o direito constitucional internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2006 p 71 306 MELLO Celso A O 2º do art 5º da Constituição Federal In TORRES Ricardo Lobo Teoria dos direitos fundamentais 2 ed Rio de Janeiro Renovar 2001 p 133 em especial p 25 307 CANÇADO TRINDADE A A A interação entre direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos Arquivos do Ministério da Justiça 182 1993 p 2754 308 SILVA José Afonso da Comentário contextual à Constituição 2 ed São Paulo Malheiros 2006 p 179 309 PIOVESAN F Direitos humanos e o direito constitucional internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2006 p 77 310 Ver também a Súmula Vinculante 25 É ilícita a prisão civil de depositário infiel qualquer que seja a modalidade do depósito 311 Para usarmos a feliz expressão de Walter Rothenburg Ver ROTHENBURG Walter Claudius Direitos fundamentais e suas características Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política n 29 outdez 1999 p 5565 em especial p 62 312 STF ADI 595ES rel Celso de Mello 2002 Decisão publicada no DJU de 2622002 Também disponível no Informativo n 258 do STF 313 STF ADI 2649 voto da Ministra Cármen Lúcia 2008 atualizando o entendimento anterior de ausência de força vinculante do Preâmbulo visto na ADI 2076AC de 2002 314 SAGÜES Nestor Pedro El control de convencionalidad en el sistema interamericano y sus antecipos en el ámbito de los derechos económicossociales Concordancias y diferencias con el sistema europeo In BOGDANDY Armin von FIX FIERRO Héctor ANTONIAZZI Mariela Morales MACGREGOR Eduardo Ferrer orgs Construcción y Papel de los Derechos Sociales Fundamentales Hacia un ius constitucionale commune en América Latina Universidad Nacional Autônoma de México Instituto de Investigaciones Jurídicas 2011 Disponível em httpbibliojuridicasunammxlibros7306316pdf Acesso em 15 out 2016 315 Voto concordante do juiz ad hoc Roberto Caldas Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Gomes Lund e outros vs Brasil julgamento de 24112010 316 Decreto n 4316 de 30 de julho de 2002 317 Apenas em 12 de junho de 2003 quase um ano depois houve a internalização do referido ato por meio da edição de Decreto n 47382003 318 Decreto n 6085 de 19 de abril de 2007 319 Decreto n 6949 de 25 de agosto de 2009 320 Decreto Legislativo n 311 publicado no DSF de 17 de junho de 2009 Aprova o texto do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos adotado em Nova Iorque em 16 de dezembro de 1966 e do Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de Morte adotado e proclamado pela Resolução n 44128 de 15 de dezembro de 1989 com a reserva expressa no seu art 2º 321 Sobre a interpretação internacionalista dos tratados em contraposição à interpretação nacionalista que cria os tratados internacionais nacionais ver minha obra Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 322 A posição do Autor deste Curso sobre o Diálogo das Cortes consta do voto do Min Fachin na Extradição n 1362 em trâmite 323 CARVALHO RAMOS André de Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos Rio de Janeiro Renovar 2004 p 192 e s 324 A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados estabelece em seu art 27 que uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado Esta regra não prejudica o artigo 46 Ainda estipula o art 29 que um tratado em geral é aplicável em todo o território de um Estado o que também é válido para os Estados Federais 325 IDC 2DF rel Min Laurita Vaz Terceira Seção j 27102010 DJe de 22112010 326 CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 327 CAZETTA Ubiratan Direitos humanos e federalismo o incidente de deslocamento de competência São Paulo Atlas 2009 328 Esta modificação foi veiculada pela Lei n 13266 publicada no dia 5 de abril de 2016 329 Esta modificação foi veiculada por meio da edição da MPV n 726 publicada no dia 12 de maio de 2016 330 A decisão final de impeachment de Dilma Vilma Rousseff foi tomada no Senado Federal em 31 de agosto de 2016 tendo sido julgada procedente a denúncia por crime de responsabilidade por 61 votos registrandose 20 votos contrários e nenhuma abstenção ficando assim a acusada condenada à perda do cargo de Presidente da República Federativa do Brasil Em votação subsequente o chamado fatiamento o Senado Federal decidiu afastar a pena de inabilitação para o exercício de cargo público em virtude de não se ter obtido nessa votação feita em separado dois terços dos votos constitucionalmente previstos tendose verificado 42 votos favoráveis à aplicação da pena 36 contrários e 3 abstenções O resultado final consta da Resolução n 352016 do Senado Federal de 31 de agosto de 2016 publicada no mesmo dia em edição extraordinária do Diário Oficial da União Atos do Senado Federal 331 De acordo com a Lei n 138442019 332 Por exemplo a autoorganização do Poder Legislativo está prevista nos arts 49 VI e VII art 51 III e IV e ainda nos arts 52 XII e XIII Já no que tange ao Poder Judiciário conferir o art 96 I a e b 333 A redação original era a seguinte Art 84 Compete privativamente ao Presidente da República VI dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal na forma da lei Grifo meu Com a EC 32 foi suprimida a expressão na forma da lei 334 Disponível em httpwwwmpfmpbrpgrdocumentosnotapublicadecreto9759pdfview Acesso em 24 ago 2019 335 Ver na Parte IV item 52 a análise do decreto autônomo e o princípio da legalidade 336 Em vigor na data do fechamento desta edição 337 Art 49 São atribuições do ProcuradorGeral da República como Chefe do Ministério Público Federal XV designar membro do Ministério Público Federal para a funcionar nos órgãos em que a participação da Instituição seja legalmente prevista ouvido o Conselho Superior 338 Disponível em httpswwwmdhgovbrinformacaoaocidadaoparticipacaosocialorgaoscolegiados Acesso em 24 ago 2019 339 Disponível em httpswwwmdhgovbrinformacaoaocidadaoparticipacaosocialorgaoscolegiados Acesso em 24 ago 2019 340 Disponível em httpswwwmdhgovbrinformacaoaocidadaoparticipacaosocialorgaoscolegiados Acesso em 24 ago 2019 341 Cabe salientar que o conflito de atribuição entre membro do Ministério Público Federal e membro do Ministério Público Estadual deve ser dirimido pelo ProcuradorGeral da República e não pelo Conselho Nacional do Ministério Público de acordo com o posicionamento atual do STF Ver entre outras decisões do STF Entendimento superveniente firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal no sentido da incompetência da Corte para apreciar conflitos de atribuição entre ministérios públicos ACO 924PR ACO 1394RN Pet 4706DF e Pet 4863RN Atribuição definida ao PGR ACO 1567 QO rel Min Dias Toffoli j 1782016 P DJe de 1º82017 Contudo em fevereiro de 2019 no julgamento da ACO n 843 o Min Alexandre de Moraes considerando não existir hierarquia entre o Ministério Público da União e os estaduais votou pela modificação da jurisprudência atual devendo a definição sobre a atribuição deve ficar a cargo do Conselho Nacional do Ministério Público CNMP O Min Barroso votou a favor da manutenção da atribuição do PGR O Min Fux pediu vista A ACO 843 proposta em 2009 continua em trâmite outubro de 2019 342 O autor do presente Curso foi o primeiro titular desta Secretaria de Direitos Humanos da PGR 20172019 343 Art 4º São funções institucionais da Defensoria Pública dentre outras VI representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos postulando perante seus órgãos introduzido pela LC n 1322009 344 Nessa linha ver o seguinte precedente do STF Há de se distinguir no processo penal duas formas de atuação do Ministério Público A primeira como dominus litis e outra como custos legis O promotor de justiça agiu como titular da ação penal ao oferecer denúncia e contrarrazões à apelação aviada Já no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e no STJ atuaram o procurador de justiça e o subprocuradorgeral da República como fiscais da lei Não há contraditório a ser assegurado após a manifestação ministerial pois não houve ato de parte e sim do fiscal da lei Não havendo contraditório não há quebra de isonomia quanto aos prazos HC 81436 voto do rel Min Néri da Silveira j 11122001 2ª T DJ de 22 22002 e RHC 107584 rel Min Luiz Fux j 1462011 1ª T DJe de 2892011 345 MARQUES Claudia Lima A pessoa no mercado e a proteção dos vulneráveis no direito privado brasileiro In MENDES Gilmar Ferreira GRUNDMANN Stefan MARQUES Claudia Lima BALDUS Christian e MALHEIROS Manuel Direito privado Constituição e fronteiras Encontros da Associação LusoAlemã de Juristas no Brasil 2 ed São Paulo RT 2014 p 287331 em especial p 317318 346 In verbis Defiro o ingresso como amici curiae do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM o Instituto Terra Trabalho e Cidadania ITTC e a Pastoral Carcerária Nacional bem como de todas as Defensorias Estaduais que vierem a requerer sua admissão nos autos Anotese 347 Ver abaixo no capítulo referente à extradição In verbis Em 1462019 os pedidos de admissão de amici curiae da Defensoria Pública da União DPU do Centro Cultural BrasilTurquia CCBT e da Associação de Direitos Humanos em Rede Conectas Direitos Humanos 348 Dados disponíveis em httpsnhriohchrorgENAboutUsGANHRIAccreditationPagesdefaultaspx Acesso em 24 ago 2019 349 A sessão ocorreu em Genebra Suíça de 14 a 18 de outubro de 2019 350 Ver mais sobre a fundamentação da extensão dos direitos a estrangeiros não residentes na Parte IV item 50 deste Curso Direitos dos migrantes 351 Como será visto em item próprio neste Curso 352 Como já visto a Corte Interamericana de Direitos Humanos na Opinião Consultiva n 22 não aceita que a pessoa jurídica possa ter direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos 353 ROTHENBURG Walter Claudius Direitos fundamentais São Paulo GENMétodo 2014 p 71 354 DIMITRI Dimoulis Vida Direito à In DIMOULIS Dimitri et al Orgs Dicionário brasileiro de direito constitucional São Paulo Saraiva 2007 v 1 p 397399 355 Art 124 Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque Pena detenção de um a três anos Art 126 Provocar aborto com o consentimento da gestante Pena reclusão de um a quatro anos Parágrafo único Aplicase a pena do artigo anterior se a gestante não é maior de quatorze anos ou é alienada ou débil mental ou se o consentimento é obtido mediante fraude grave ameaça ou violência 356 REY MARTÍNEZ Fernando Eutanasia y derechos fundamentales Madrid Centro de Estudios Políticos y Constitucionales 2008 357 Este protocolo entrou em vigor em 11 de julho de 1991 358 Este protocolo entrou em vigor em 1º de julho de 2003 359 Corte Europeia de Direitos Humanos Söering vs Reino Unido julgamento de 7 de julho de 1989 Série A 161 360 Ver mais sobre o caso em ABADE Denise Neves Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 361 Comitê de Direitos Humanos Comentário Geral n 18 de 1989 em especial parágrafo 7º Ver mais sobre os comentários ou observações gerais em CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 362 ROTHENBURG Walter Claudius Igualdade In LEITE George Salomão SARLET Ingo Wolfgang Coords Direitos fundamentais e estado constitucional estudos em homenagem a J J Gomes Canotilho São Paulo Revista dos Tribunais Coimbra Coimbra Ed 2009 p 346371 363 ARISTÓTELES Política 3 ed Brasília Universidade de Brasília 1997 em especial p 97 364 ROTHENBURG Walter Claudius Igualdade In LEITE George Salomão SARLET Ingo Wolfgang Coords Direitos fundamentais e estado constitucional estudos em homenagem a J J Gomes Canotilho São Paulo Revista dos Tribunais Coimbra Coimbra Ed 2009 p 346371 365 RAWLS John Uma teoria da justiça Trad Almiro Pisetta Lenita M R Esteves São Paulo Martins Fontes 1997 p 3 366 BARROSO Luís Roberto e OSÓRIO Aline Rezende Peres Sabe com quem está falando algumas notas sobre o princípio da igualdade no Brasil contemporâneo Direito Práxis v 7 n 13 2016 p 204232 367 BANDEIRA DE MELLO Celso Antônio Conteúdo jurídico do princípio da igualdade 3 ed São Paulo Malheiros 1993 368 GOMES Joaquim B Barbosa Ação afirmativa princípio constitucional da igualdade Rio de Janeiro Renovar 2001 p 24 369 GOMES Joaquim B Barbosa Ação afirmativa princípio constitucional da igualdade Rio de Janeiro Renovar 2001 p 4041 370 IKAWA Daniela Ações afirmativas em universidades Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 371 Vitorelli defende em estudo indispensável à matéria que a Lei n 1299014 é inconstitucional do ponto de vista formal somente emenda constitucional poderia agregar critério diverso do mais apto para a função para preenchimento de vaga no serviço público e do ponto de vista material por violar o princípio da igualdade e da motivação dos atos administrativos eis que a lei não explicita os fatores pelos quais pode entender que houve declaração falsa VITORELLI Edilson O equívoco brasileiro cotas raciais em concursos públicos Revista de Direito Administrativo v 271 p 281315 maio 2016 372 QUIÑONES Paola Pelletier La discriminación estructural en la evolución jurisprudencial de la Corte Interamericana de Direitos Humanos Revista del Instituto Interamericano de Derechos Humanos v 60 2014 p 204215 373 Corte Europeia de Direitos Humanos Caso DH e outros vs República Checa julgamento de 13 de novembro de 2007 374 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Nadege Dorzema et al v República Dominicana sentença de 24 de outubro de 2012 parágrafo 236 Ver também Corte IDH Caso das Pessoas dominicanas e haitianas expulsas v República Dominicana sentença de 28 de agosto de 2014 parágrafos 153169 375 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs Brasil sentença de 20 de outubro de 2016 em especial parágrafo 339 376 Conforme definido pelo Programa de Combate ao Racismo Institucional PRCI hoje vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos Ver em FONSECA Igor Ferraz da Inclusão política e racismo institucional reflexões sobre o programa de combate ao racismo institucional e o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial In Planejamento e Políticas Públicas n 45 juldez 2015 p 329345 em especial p 336 Essa expressão foi utilizada pela primeira vez na obra de Hamilton e Carmichael na qual dividem o racismo em duas categorias o racismo individual aberto e o racismo institucional camuflado CARMICHAEL S HAMILTON C Black power the politics of liberation in America New York Vintage 1967 em especial p 4 377 Adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 661994 e ratificada pelo Brasil em 2711 1995 378 Sexo referese às características biológicas de um ser homem ou mulher Já gênero consiste no conjunto de aspectos sociais culturais políticos relacionados a diferenças percebidas entre os papéis masculinos e femininos em uma sociedade Assim o travesti e o transexual referemse à identidade de gênero de uma determinada pessoa 379 Art 88 Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas 380 Em relação ao art 33 que prevê que varas comuns acumulem as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher enquanto não estiverem estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher não há inconstitucionalidade pela violação da competência dos Estadosmembros Também o art 41 da lei é constitucional não ofendendo o art 98 I da CF que trata dos crimes de menor potencial ofensivo pois o legislador pode considerar que os casos que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher não são crimes de menor potencial ofensivo Nesse sentido cabe lembrar que também os crimes afetos à Justiça Militar não estão sob a incidência da Lei n 909995 art 90A da Lei n 909995 que reza As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar 381 Intervenção oral no julgamento da ADC 19DF rel Min Marco Aurélio j 922012 382 Veja os requisitos do IDC acima neste Curso 383 Sobre o sistema europeu de direitos humanos ver CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 384 Art 20 Salvo se autorizadas ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública a divulgação de escritos a transmissão da palavra ou a publicação a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber se lhe atingirem a honra a boa fama ou a respeitabilidade ou se se destinarem a fins comerciais Parágrafo único Em se tratando de morto ou de ausente são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge os ascendentes ou os descendentes Art 21 A vida privada da pessoa natural é inviolável e o juiz a requerimento do interessado adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma 385 Art 331 Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela Pena detenção de seis meses a dois anos ou multa 386 Voto do Min Ribeiro Dantas STJ REsp n 1640084SP Rel Ministro Ribeiro Dantas 5ª Turma j 15122016 DJe 1º2 2017 387 STJ Habeas Corpus n 379269MS Terceira Seção rel para o acórdão Min Antonio Saldanha Ribeiro julgamento de 24 de maio de 2017 Data de Publicação DJe 3062017 388 Na Terceira Seção votaram a favor da constitucionalidade e convencionalidade do crime de desacato os Ministros Antonio Saldanha Palheiro relator para acórdão Felix Fischer Maria Thereza de Assis Moura Jorge Mussi Rogerio Schietti Cruz e Nefi Cordeiro Votaram vencidos pela invalidade do crime de desacato por ofensa à Convenção Americana de Direitos Humanos os Ministros Reynaldo Soares da Fonseca relator original e Ribeiro Dantas 389 Art 13 Liberdade de pensamento e de expressão 2 O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia mas a responsabilidades ulteriores que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar a o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas b a proteção da segurança nacional da ordem pública ou da saúde ou da moral públicas 390 STF HC 82424 rel p o ac Min Presidente Maurício Corrêa j 1792003 Plenário DJ de 1932004 391 SARMENTO Daniel Livres e iguais estudos de direito constitucional em especial A liberdade de expressão e o problema do hate speech Rio de Janeiro Lumen Juris 2010 392 A frase transcrita nos autos e apontada como prática de discriminação foi eu fui em um quilombo em Eldorado Paulista Olha o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas Não fazem nada Acho que nem para procriador eles servem mais STF Inq 4964DF rel Min Marco Aurélio j 11092018 publicado no DJe de 1º82019 393 Também denominada Lei Caó Art 20 Praticar induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça cor etnia religião ou procedência nacional Ver mais sobre a Lei Caó abaixo na Parte IV item 243 394 Eis os dispositivos impugnados da Lei n 950497 Lei das Eleições com a redação da Lei n 13165 Art 45 Encerrado o prazo para a realização das convenções no ano das eleições é vedado às emissoras de rádio e televisão em sua programação normal e em seu noticiário II usar trucagem montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que de qualquer forma degradem ou ridicularizem candidato partido ou coligação ou produzir ou veicular programa com esse efeito III veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato partido coligação a seus órgãos ou representantes O STF ainda considerou inconstitucional por arrastamento os 4º e 5º do art 45 da Lei n 950497 Lei das Eleições os quais definem os conceitos de trucagem e montagem referenciados nos incisos II e III do citado art 45 395 BARROSO Luís Roberto Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por Testemunhas de Jeová Dignidade humana liberdade religiosa e escolhas existenciais Disponível em httpwwwluisrobertobarrosocombrwp contentthemesLRBpdftestemunhasdejeovapdf Acesso em 9 ago 2019 396 MORAES Alexandre de Direito constitucional 24 ed São Paulo Atlas 2009 p 53 397 WARREN Samuel D BRANDEIS Louis D The right of privacy Harvard Law Review n 5 p 193220 1890 398 No Brasil ver COSTA JR Paulo José da O direito de estar só tutela penal da intimidade 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1995 399 ROTHENBURG Walter Claudius O tempero da proporcionalidade no caldo dos direitos fundamentais In OLIVEIRA NETO Olavo de LOPES Maria Elizabeth de Castro Coords Princípios processuais civis na Constituição Rio de Janeiro Elsevier 2008 p 283319 400 Corte Europeia de Direitos Humanos Von Hannover vs Germany Application n 5932000 julgamento de 2462004 Segundo julgamento Corte Europeia de Direitos Humanos Von Hannover vs Germany n 2 application ns 4066008 and 6064108 j 722012 401 Ver o primeiro caso Lebach em MARTINS Leonardo Org Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão Montevidéu Konrad Adenauer Stiftung 2005 O segundo caso Lebach Lebach II foi julgado em 25 de novembro de 1999 BVerfGE n 1 p 349 1999 402 Tribunal de Grande Instance Seine 14 de outubro de 1965 Mme S c Soc Rome Paris Film confirmado CA Paris 15 de março de 1967 403 Tribunal de Grande Instance Paris 20 de abril de 1983 Mme M c Filipacchi et soc Cogedipresse 404 Ver parágrafo 97 da sentença Tribunal de Justiça da União Europeia C13112 julgamento de 1352014 Disponível em httpcuriaeuropaeujurisdocumentdocumentjsfdocid152065doclangES Acesso em 9 ago 2019 405 Enunciado disponível em httpwwwcjfjusbrCEJCoedijornadascejenunciadosvijornadaAcesso em 9 ago 2019 406 Disponível em httpwwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo346318 Acesso em 9 ago 2019 407 Tendo sido citado o Autor do presente Curso 408 Nessa linha defendendo o uso da tutela inibitória para proteger o direito à privacidade ver ARENHART Sérgio Cruz A tutela inibitória da vida privada São Paulo Revista dos Tribunais 2000 409 MENDES Gilmar Ferreira Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade 3 ed São Paulo Saraiva 2004 em especial p 86 410 Art 10 Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas de informática ou telemática ou quebrar segredo da Justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei Pena reclusão de dois a quatro anos e multa 411 Código de Processo Penal art 303 Nas infrações permanentes entendese o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência 412 Nesse sentido MORAES Alexandre de Direitos humanos fundamentais 9 ed São Paulo Atlas 2011 p 152153 413 Ver abaixo a análise da lei 414 Entre outros citese o art 83 da Lei n 942096 Art 83 A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts 1º e 2º da Lei n 8137 de 27 de dezembro de 1990 e aos crimes contra a Previdência Social previstos nos arts 168A e 337A do Decretolei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final na esfera administrativa sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente 415 Ver a seguir a posição final do STF em 2016 a favor da constitucionalidade da transferência dos dados sujeitos a sigilo bancário para o Fisco sem ordem judicial 416 STF Plenário ADI 2390DF ADI 2386DF ADI 2397DF e ADI 2859DF rel Min Dias Toffoli j 2422016 STF Plenário RE 601314SP rel Min Edson Fachin j 2422016 repercussão geral tendo sido fixada a tese O art 6º da Lei Complementar 10501 não ofende o direito ao sigilo bancário pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos por meio do princípio da capacidade contributiva bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal 417 STF ADI 2390DF rel Min Dias Toffoli j 2422016 ADI 2386DF rel Min Dias Toffoli j 2422016 ADI 2397DF rel Min Dias Toffoli j 2422016 ADI 2859DF rel Min Dias Toffoli j 2422016 418 STRECK Lenio Luiz As interceptações telefônicas e os direitos fundamentais Constituição cidadania violência a Lei 929696 e seus reflexos penais e processuais 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2001 419 MORAES Alexandre de Direitos humanos fundamentais 9 ed São Paulo Atlas 2011 p 164 420 Regulamento UE 2016679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016 relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 9546CE Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados 421 Art 282 6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar art 319 422 Conforme mencionado no voto do Min relator Teori Zavascki decisão de 452016 STF ACO n 4070DF referendo na ação cautelar j 552016 DJe de 21102016 423 Art 260 Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório reconhecimento ou qualquer outro ato que sem ele não possa ser realizado a autoridade poderá mandar conduzilo à sua presença 424 Ernesto Miranda foi preso por suspeita de autoria do crime de estupro Após foi levado para interrogatório e confessou sem assistência de advogado Condenado recorreu à Suprema Corte americana que anulou o julgamento pela violação ao direito de não ser obrigado a se autoincriminar Em um novo julgamento Miranda foi novamente condenado Anos mais tarde Miranda foi assassinado Ironicamente o suspeito de seu assassinato foi advertido sobre seus direitos graças à Miranda Rule 425 As advertências hoje feitas compõem a chamada Miranda Rule No original You have the right to remain silent Anything you say can and will be used against you in a Court of law You have the right to be speak to an attorney and to have an attorney present during any questioning If you cannot afford a lawyer one will be provided for you at government expense 426 Ver em Miranda vs Arizona 384 US 436 1966 427 Redação anterior do art 186 Antes de iniciar o interrogatório o juiz observará ao réu que embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa 428 A Lei n 107922003 deu nova redação ao art 186 do CPP adequandoo ao processo penal de partes O novo art 186 estipula que Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação o acusado será informado pelo juiz antes de iniciar o interrogatório do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas Parágrafo único O silêncio que não importará em confissão não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa 429 Ver abaixo o item específico sobre as medidas compulsórias de saída do estrangeiro 430 Em até 24 vinte e quatro horas após a realização da prisão será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e caso o autuado não informe o nome de seu advogado cópia integral para a Defensoria Pública 431 CANINEU Maria Luisa O direito à audiência de custódia de acordo com o direito internacional Disponível em httpsredejusticacriminalfileswordpresscom201307rjcboletim05audcustodia2013pdf Acesso em 9 ago 2019 432 Ver em especial Corte IDH Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez vs Equador sentença de 21112007 84 433 O Projeto de Lei do Senado n 5542011 altera o 1º do art 306 do Código de Processo Penal para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial após efetivada sua prisão em flagrante 434 Questionouse o Provimento Conjunto n 3 de 2212015 da Presidência e da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 435 Sobre audiência de custódia ver PAIVA Caio Audiência de custódia e o processo penal brasileiro São Paulo Empório do Direito 2015 436 Art 310 Ao receber o auto de prisão em flagrante o juiz deverá fundamentadamente I relaxar a prisão ilegal 437 Art 310 II converter a prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos constantes do art 312 deste Código e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão 438 Art 310 III conceder liberdade provisória com ou sem fiança 439 São medidas cautelares diversas da prisão já vistas detalhadamente neste Curso I comparecimento periódico em juízo II proibição de acesso ou frequência a determinados lugares III proibição de manter contato com pessoa determinada IV proibição de ausentarse da Comarca V recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga VI suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira VII internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça quando os peritos concluírem ser inimputável ou semiimputável art 26 do Código Penal e houver risco de reiteração VIII fiança IX monitoração eletrônica 440 Art 227 É dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade o direito à vida à saúde à alimentação à educação ao lazer à profissionalização à cultura à dignidade ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária além de colocálos a salvo de toda forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão Redação dada Pela Emenda Constitucional n 65 de 2010 441 Art 3º Os Estados Partes se certificarão de que as instituições os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada 442 Art 49 São direitos do adolescente submetido ao cumprimento de medida socioeducativa sem prejuízo de outros previstos em lei II ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa quando o adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima de seu local de residência 443 Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo MS 00589473320128260000 Rel Des Guerrieri Rezende j 129 2012 444 CARVALHO RAMOS André de Curso de direito internacional privado São Paulo Saraiva 2018 CARVALHO RAMOS André de GRAMSTRUP Erik Frederico Comentários à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro LINDB Saraiva São Paulo 2016 445 ZAVASCKI Teori Albino Processo coletivo tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos 4 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2009 446 ABADE Denise Neves Processo penal Rio de Janeiro Forense São Paulo Método 2014 447 Conforme decidido na ADPF 378 Rel para o acórdão Min Roberto Barroso j 17122015 448 Código de Processo Penal Art 78 Na determinação da competência por conexão ou continência serão observadas as seguintes regras IV no concurso entre a jurisdição comum e a especial prevalecerá esta 449 Por todos ver LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 16 ed São Paulo Saraiva 2012 em especial p 850 853 450 BECCARIA Cesare Dos delitos e das penas Trad Paulo M Oliveira Rio de Janeiro Ediouro 1988 451 FELDENS Luciano A Constituição Penal a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais Porto Alegre Livraria do Advogado 2005 p 49 452 Por todos ver GONÇALVES Luiz Carlos dos Santos Mandados expressos de criminalização e a proteção de direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988 Belo Horizonte Fórum 2007 453 O referido autor critica fortemente a dosimetria da pena reclusão 1 a 3 anos comparandoa com a de homicídio culposo detenção 1 a 3 anos JESUS Damásio de Código Penal anotado 20 ed São Paulo Saraiva 2010 p 520 454 Disponível em httpwwwoasorgptcidhdocspdfViolenciaPessoasLGBTIpdf Acesso em 24 ago 2019 455 Tendo expressamente mencionado no seu voto artigo do Autor do presente Curso 456 Ver a indispensável obra de ABADE Denise Neves Direitos fundamentais e cooperação jurídica internacional extradição assistência jurídica execução da pena e transferência de presos São Paulo Saraiva 2013 457 É recomendável que a inserção de temas de cooperação jurídica internacional em matéria criminal em uma Lei de Migração venha a ser temporário até que seja editada uma lei geral de cooperação jurídica internacional no Brasil 458 A autoridade central é um órgão de comunicação especializado entre Estados na temática da cooperação jurídica internacional Em geral pode integrar a estrutura do Ministério Público ou do Ministério da Justiça No Brasil exerce a função de autoridade central para fins de extradição o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional DRCI da Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania DRCISNJ órgão do Ministério da Justiça De acordo com o Decreto n 86682016 compete ao DRCI exercer a função de autoridade central para o trâmite dos pedidos de cooperação jurídica internacional inclusive em assuntos de extradição de transferência de pessoas condenadas e de execução de penas coordenando e instruindo pedidos ativos e passivos art 10 V 459 Por todos GOMES FILHO Antonio Magalhães Direito à prova no processo penal São Paulo Revista dos Tribunais 1997 460 Sobre cooperação jurídica internacional e direitos fundamentais ver ABADE Denise Neves Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 461 A favor da limitação dos poderes instrutórios penais do juiz fundada no princípio acusatório e da presunção da inocência afastando a aplicação da verdade real em um processo penal de partes ver por todos ABADE Denise Neves Garantias do processo penal acusatório o novo papel do Ministério Público no processo penal de partes Rio de Janeiro Renovar 2005 Em que pese ser esta a posição minoritária a qual este Autor se filia já há precedentes que ao menos inicialmente buscam restringir a atuação de ofício do magistrado no processo penal Em 2011 o STJ manteve a anulação de sentença penal condenatória por ter o juiz criminal na ausência do promotor na audiência de oitiva de testemunha inquirindoa diretamente sem observar seu papel de somente realizar perguntas para complementar o arguido pela acusação e defesa art 212 do CPPSTJ REsp 1259482RS 5ª Turma rel Min Marco Aurélio Bellizze j 4102011 462 Contra defendendo os poderes instrutórios de ofício ilimitados do juiz criminal mesmo em desfavor da defesa ver por todos BADARÓ Gustavo Henrique Righi Ivahy Ônus da prova no processo penal São Paulo Revista dos Tribunais 2003 463 Art 637 O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença 464 Questão de ordem no RE 839163DF rel Min Dias Toffoli j 5112014 465 Conferir na Parte II Capítulo V item 131311 deste Curso 466 Sobre a proteção penal dos direitos humanos ver capítulo específico em CARVALHO RAMOS André de Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional 7 ed São Paulo Saraiva 2019 467 Sobre litígio estratégico de direitos humanos ver CARDOSO Evorah Lusci Costa Litígio estratégico e sistema interamericano de direitos humanos Belo Horizonte Fórum 2012 VIEIRA Oscar Vilhena ALMEIDA Eloísa Machado de Advocacia estratégica em direitos humanos a experiência da Conectas Revista Internacional de Direitos Humanos v 8 n 15 p 187 e s dez 2011 468 CARVALHO RAMOS André de Direitos humanos em juízo comentários aos casos contenciosos e consultivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos São Paulo Max Limonad 2001 469 WEICHERT Marlon Justiça transicional São Paulo Estúdio Editores 2015 p 35 470 LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 16 ed São Paulo Saraiva 2012 p 1053 471 Por todos ver MEIRELLES Hely Lopes Mandado de segurança e ações constitucionais atualizado por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes 34 ed São Paulo Malheiros 2012 472 LENZA Pedro Direito constitucional esquematizado 16 ed São Paulo Saraiva 2012 473 São denominados medicamentos órfãos aqueles que em condições regulares do funcionamento do mercado capitalista não atrairiam interesse da indústria farmacêutica privada pois atendem apenas um pequeno número de pacientes 474 WEICHERT Marlon Alberto Saúde e federação na Constituição brasileira Rio de Janeiro Lumen Juris 2004 475 Art 23 É competência comum da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios II cuidar da saúde e assistência pública da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência 476 Art 24 Compete à União aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre V produção e consumo XII previdência social proteção e defesa da saúde Art 30 Compete aos Municípios I legislar sobre assuntos de interesse local Ver precedentes do STF abaixo 477 CF88 Art 208 O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de IV educação infantil em creche e préescola às crianças até 5 cinco anos de idade V acesso aos níveis mais elevados do ensino da pesquisa e da criação artística segundo a capacidade de cada um 478 Sobre o movimento Escola sem partido e sobre a busca da eliminação de doutrinação nas escolas ver a Nota Técnica n 22017 da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão de 15 de março de 2017 Disponível em httppfdcpgrmpfmpbratuacaoeconteudosdeapoiogruposdetrabalhodireitossexuaisereprodutivosatuacaodo gtnotatecnica22017pfdc Acesso em 9 ago 2019 479 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso da Comunidade Yakye Axa vs Paraguai sentença de 17 de junho de 2005 Série C n 125 em especial parágrafo 167 480 Art 251 Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bemestar principalmente quanto à alimentação ao vestuário ao alojamento à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários e tem direito à segurança no desemprego na doença na invalidez na viuvez na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade 481 Art 5º De conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2 Os Estados Partes comprometemse a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas suas formas e a garantir o direito de cada uma à igualdade perante a lei sem distinção de raça de cor ou de origem nacional ou étnica principalmente no gozo dos seguintes direitos e direitos econômicos sociais culturais principalmente iii direito à habitação 482 Artigo 14 2 Os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar em condições de igualdade entre homens e mulheres que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem e em particular as segurarlhesão o direito a h gozar de condições de vida adequadas particularmente nas esferas da habitação dos serviços sanitários da eletricidade e do abastecimento de água do transporte e das comunicações 483 Artigo 27 3 Os Estados Partes de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito e caso necessário proporcionarão assistência material e programas de apoio especialmente no que diz respeito à nutrição ao vestuário e à habitação 484 Disponível em httpsappswhointirisbitstreamhandle106652760019789241550376engpdfua1 Acesso em 17 ago 2019 485 Art 1º da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 486 Art 1º 1 da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência incorporada internamente pelo Decreto n 39562001 Ver ainda a Standard Rules em Normas Uniformes sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas Portadoras de Deficiência da ONU Resolução AG4896 de 20121993 487 Ver em FONSECA Ricardo Tadeu Marques da A ONU e seu Conceito Revolucionário de Pessoa com Deficiência Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região v 6 n 1 janjun 2010 p 121142 488 Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos por três quintos dos votos dos respectivos membros serão equivalentes às emendas constitucionais parágrafo incluído pela EC 45 de 2004 489 FÁVERO Eugênia Augusta Gonzaga Direitos das pessoas com deficiência Garantia da igualdade na diversidade Rio de Janeiro WWA 2004 490 FÁVERO Eugênia Augusta Gonzaga O direito das pessoas com deficiência de acesso à educação In ARAUJO Luis Alberto David org Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência São Paulo Revista dos Tribunais 2006 p 152174 em especial p 161 491 No Brasil ver a luta da sociedade civil pela promoção da dignidade das pessoas com transtorno do espectro autista em httpwwwautismoerealidadeorg 492 População indígena no Brasil Disponível em httppibsocioambientalorgptc012populacaoindigenanobrasil Acesso em 9 ago 2019 493 KAYSER HartmutEmanuel Os direitos dos povos indígenas do Brasil desenvolvimento histórico e estágio atual Trad de Maria da Glória Lacerda Rurack e KlausPeter Rurak Porto Alegre Fundação Procurador Pedro Jorge Associação Nacional dos Procuradores da República Safe 2010 p 27 494 Convenção n 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT aprovada em 1989 e incorporada internamente pelo Decreto n 50512004 495 Para Duprat dessa forma interditase ao legislador ao administrador ao juiz e a qualquer outro ator estranho ao grupo dizer o que este é de fato In PEREIRA Deborah Macedo Duprat de Britto O Estado pluriétnico Disponível em httpwwwmpfmpbratuacaotematicaccr6documentosepublicacoesartigosdocsartigosestadoplurietnicopdfview Acesso em 9 ago 2019 496 VILLARES Luiz Fernando Direito e povos indígenas Curitiba Juruá 2009 p 76 103 e 104 497 Em 17 de fevereiro de 1956 o Território Federal do Guaporé teve seu nome alterado para Território Federal de Rondônia em homenagem a Rondon Em 1981 o território foi transformado em Estado 498 ANJOS FILHO Robério Nunes dos Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas alguns avanços e obstáculos desde a Constituição de 1988 In DANTAS Miguel Calmon CUNHA JÚNIOR Dirley da TAVARES André Ramos et al orgs Desafios do constitucionalismo brasileiro Salvador JusPodivm 2009 p 243295 499 PEREIRA Deborah Macedo Duprat de Britto O Estado pluriétnico Disponível em httpwwwmpfmpbratuacao tematicaccr6documentosepublicacoesartigosdocsartigosesta doplurietnicopdfview Acesso em 9 ago 2019 500 ANJOS FILHO Robério Nunes dos Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas alguns avanços e obstáculos desde a Constituição de 1988 In DANTAS Miguel Calmon CUNHA JÚNIOR Dirley da TAVARES André Ramos et al orgs Desafios do constitucionalismo brasileiro Salvador JusPodivm 2009 p 243295 501 SILVA Paulo Thadeu Gomes da Os direitos dos índios Fundamentalidade paradoxos e colonialidades internas São Paulo Ed Café com Lei 2015 p 213 502 SILVA José Afonso da Curso de direito constitucional positivo 19 ed Malheiros 2001 p 829 503 Ver em SOUZA Oswaldo Braga de Souza com a colaboração de KLEIN Tatiane Decisões recentes ameaçam direitos territoriais indígenas e abrem polêmica no STF 17102014 Disponível em httpswwwsocioambientalorgennode3852 Último acesso em 9 ago 2019 504 Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs Paraguai 2010 Povo Saramaka vs Suriname 2007 Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs Paraguai 2006 Comunidade Moiwana vs Suriname 2005 Comunidade Indígena Yakye Axa vs Paraguai 2005 Comunidade Mayagna Sumo Awas Tingni vs Nicarágua 2001 505 Sobre a temática ver o indispensável estudo de PEGORARI Bruno O choque de jurisdições e o diálogo das togas uma proposta dialógica para o conflito interpretativo entre o STF e a Corte Interamericana em matéria de direito à propriedade coletiva para os povos indígenas In Wagner Menezes Org Direito Internacional em expansão Belo Horizonte Arraes 2016 v VI p 481500 506 SILVA Paulo Thadeu Gomes da Direito indígena direito coletivo e multiculturalismo In SARMENTO Daniel IKAWA Daniela PIOVESAN Flávia coords Igualdade diferença e direitos humanos Rio de Janeiro Lumen Juris 2008 p 559 598 em especial p 591 507 Dados disponíveis em httpwwwunescoorgnewenindigenouspeoples Acesso em 9 ago 2019 508 O relatório da visita ao Brasil encontrase disponível em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs12sessionAHRC1234Add2pdf Acesso em 9 ago 2019 509 Conferir em PEGORARI Bruno O choque de jurisdições e o diálogo das togas uma proposta dialógica para o conflito interpretativo entre o STF e a Corte Interamericana em matéria de direito à propriedade coletiva para os povos indígenas In MENEZES Wagner org Direito Internacional em expansão Belo Horizonte Arraes 2016 v VI p 480500 510 ANJOS FILHO Robério Nunes dos A Constituição de 1988 o Ministério Público Federal e os direitos dos povos indígenas no Brasil In Ministério das Relações Exteriores org Textos do Brasil culturas indígenas Brasília MRE Ministério das Relações Exteriores 2012 v 19 p 142149 511 Art 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição cabendolhe I processar e julgar originariamente f as causas e os conflitos entre a União e os Estados a União e o Distrito Federal ou entre uns e outros inclusive as respectivas entidades da administração indireta 512 Obra indispensável para o estudo do Estatuto do Índio Ver VITORELLI Edilson Estatuto do Índio 2 ed Salvador JusPodivm 2013 em especial p 325 513 ANJOS FILHO Robério Nunes dos Arts 231 e 232 In BONAVIDES Paulo MIRANDA Jorge AGRA Walber de Moura orgs Comentários à Constituição Federal de 1988 São Paulo Forense 2009 p 2426 514 A Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia foi editada em 30 de agosto de 1961 tendo entrado em vigor em 13 de dezembro de 1975 em conformidade com o artigo 18 dois anos após a data do depósito do sexto instrumento de ratificação ou de adesão A ratificação pelo Brasil foi feita em 25 de outubro de 2007 tendo entrado em vigor internacionalmente para o Brasil em 23 de janeiro de 2008 Curiosamente a Convenção foi promulgada internamente pelo Decreto n 8501 somente em 18 de agosto de 2015 O Brasil também já ratificou em 1996 a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas 1954 e a promulgou internamente pelo Decreto n 4246 de 22 de maio de 2002 515 Nesse sentido DOLINGER Jacob Direito internacional privado 10 ed Rio de Janeiro GENMétodo 2012 p 6667 516 Art 112 2º Verificada a qualquer tempo a falsidade ideológica ou material de qualquer dos requisitos exigidos neste artigo ou nos arts 113 e 114 desta Lei será declarado nulo o ato de naturalização sem prejuízo da ação penal cabível pela infração cometida 3º A declaração de nulidade a que se refere o parágrafo anterior processarseá administrativamente no Ministério da Justiça de ofício ou mediante representação fundamentada concedido ao naturalizado para defesa o prazo de quinze dias contados da notificação 517 Consta da ementa do acórdão A naturalizada se utilizou de sua condição de brasileira para abrigar no país em condições subumanas chineses em situação irregular explorando o sofrimento alheio com intuito de lucro atividade esta nociva ao interesse nacional TRF da 3ª Região ApCv 00163489720064036100SP Rel Desa Federal Marli Ferreira j 216 2013 518 Conferir o Parecer ConjurCGDI n 0222010 da Consultoria Jurídica do Ministério das Relações Exteriores de 13 de janeiro de 2010 bem como a Portaria n 3166 de 10 de dezembro de 2012 do Ministro de Estado da Justiça que gerou a perda da nacionalidade de renunciante que havia comprovado ter a nacionalidade norteamericana ou seja sem risco de apatridia 519 TRF2 Apelação Cível n 200550020004119 rel Des Federal Raldênio Bonifacio Costa j 1662009 DJU 1962009 p 305 520 LEVI Luca Regime político In BOBBIO Norberto PASQUINO Gianfranco orgs Dicionário de política 4 ed Trad Carmen Varrialle et al Brasília Ed UnB 1992 p 1081 521 BOBBIO Norberto Democracia In BOBBIO Norberto PASQUINO Gianfranco orgs Dicionário de política 4 ed Trad Carmen Varrialle et al Brasília Ed UnB 1992 p 339 522 Discurso de poucos minutos feito pelo Presidente norteamericano Lincoln em Gettysburg Pennsylvania em novembro de 1863 poucos meses depois da Batalha de Gettysburg que envolveu 160 mil homens e que pavimentou a vitória da União contra os confederados na sangrenta Guerra Civil norteamericana 18611865 No original that government of the people by the people for the people shall not perish from the Earth Abraham Lincoln The Gettysburg Address 523 Nesse sentido conferir a posição da Comissão IDH sobre o golpe de Estado em Honduras de 2009 que redundou na deposição do Presidente eleito Manuel Zelaya em httpwwwcidhorgcountryrephonduras09engChap6htm Acesso em 9 ago 2019 524 Por todos ver BOBBIO Norberto O futuro da democracia Trad Marco Aurélio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 525 Art 80 Em caso de impedimento do Presidente e do VicePresidente ou vacância dos respectivos cargos serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal 526 CAGGIANO Mônica Herman Salem Direito parlamentar e direito eleitoral São Paulo Manole 2004 p 105 527 Ver SARTORI Giovanni Partidos e sistemas partidários Trad Waltensir Dutra Rio de JaneiroBrasília Zahar EditoresEd UnB 1982 528 Sobre os partidos políticos no Império e República Velha ver SILVA Virgílio Afonso da Partidos e reforma política Revista Brasileira de Direito Público 2005 p 919 529 CARVALHO RAMOS André de Defesa do regime democrático e a dissolução de partidos políticos In CLÈVE Clèmerson Merlin SARLET Ingo Wolfgang PAGLIARINI Alexandre Coutinho orgs Direitos humanos e democracia Rio de Janeiro Forense 2007 p 157167 530 Constituição de 1946 Art 141 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida à liberdade a segurança individual e à propriedade nos termos seguintes 13 É vedada a organização o registro ou o funcionamento de qualquer Partido Político ou associação cujo programa ou ação contrarie o regime democrático baseado na pluralidade dos Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem 531 Vide item 14 do Capítulo II da Parte II 532 CARVALHO RAMOS André de O novo e o arcaico nas manifestações da cidadania Revista Consultor Jurídico Disponível em httpwwwconjurcombr2011jul23arcaicomanifesta coescidadaniabrasil Acesso em 9 ago 2019 533 Dados do Tribunal Superior Eleitoral de julho de 2018 Disponível em httpwwwtsejusbreleitorestatisticasde eleitoradoconsultaquantitativo Último acesso em 9 ago 2019 534 Dos 193 Estadosmembros da Organização das Nações Unidas apenas 24 estabelecem o dever de votar sendo 13 deles na América Latina Na União Europeia apenas a Bélgica prevê o voto obrigatório Disponível em httpdireitofolhauolcombruploads29622962839ciavotoobrigatrioxfacultativopdf Acesso em 9 ago 2019 535 ResTSE n 219202004 art 1º parágrafo único Não estará sujeita a sanção a pessoa portadora de deficiência que torne impossível ou demasiadamente oneroso o cumprimento das obrigações eleitorais relativas ao alistamento e ao exercício do voto 536 MALERBI Diva Os direitos políticos de votar e ser votado Estatuto constitucional Breve análise In COSTA WAGNER L G CALMON Petronio orgs Direito eleitoral Estudos em homenagem ao Desembargador Mathias Coltro Brasília Gazeta Jurídica 2014 p 115134 em especial p 127 537 GOMES José Jairo Direito eleitoral 5 ed Belo Horizonte Del Rey 2010 p 150 538 Ver TENORIO Rodrigo Direito eleitoral São Paulo Método 2014 GONÇALVES Luiz Carlos dos Santos Direito eleitoral 2 ed São Paulo Atlas 2012 ALMEIDA Roberto Moreira de Curso de direito eleitoral 6 ed rev ampl e atual JusPodivm 2012 SANSEVERINO Francisco de Assis Vieira Direito eleitoral 4 ed Porto Alegre Verbo Jurídico 2012 539 Por todos ver CAGGIANO Monica Herman org Ficha Limpa Impacto nos tribunais tensões e confrontos São Paulo Thomson ReutersRevista dos Tribunais 2014 540 LC n 6490 Art 26C O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d e h j l e n do inciso I do art 1º poderá em caráter cautelar suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida sob pena de preclusão por ocasião da interposição do recurso 541 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsIssuesDevelopmentGoodGovernanceCorruptionHRCaseAgainstCorruptionpdf Acesso em 9 ago 2019 542 Por todos ver The Human Rights Case against Corruption publicação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos 2013 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsIssuesDevelopmentGoodGovernanceCorruptionHRCaseAgainstCorruptionpdf Acesso em 9 ago 2019 543 Artigo 41 Direito a uma boa administração 1 Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial equitativa e num prazo razoável 2 Este direito compreende nomeadamente o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial a obrigação por parte da administração de fundamentar as suas decisões 3 Todas as pessoas têm direito à reparação por parte da Comunidade dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estadosmembros 4 Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados devendo obter uma resposta na mesma língua 544 Ver em especial Report of the independent expert to update the Set of principles to combat impunity Addendum Updated Set of principles for the protection and promotion of human rights through action to combat impunity UN Commission on Human Rights ECN42005102Add1 de fevereiro de 2005 em especial parágrafo 36 Disponível em httpsdocumentsddsnyunorgdocUNDOCGENG0510900PDFG0510900pdfOpenElement Acesso em 9 ago 2019 United Nations RuleofLaw Tools for PostConflict States Vetting An Operational Handbook United Nations 2006 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsPublicationsRuleoflawVettingenpdf Acesso em 9 ago 2019 Ver mais sobre o vetting em MAYERRIECKH Alexander GREIFF Pablo de eds Justice as Prevention Vetting Public Employees in Transitional Societies Disponível em httpwwwssrcorgpublicationsview57EFEC93284ADE11AFAC 001CC477EC70 Acesso em 9 ago 2019 545 Ver item 9 da Parte III A crise dos tratados internacionais nacionais e a superação do conflito entre decisões sobre direitos humanos a teoria do duplo controle 546 Defendendo a inconvencionalidade da Lei da Ficha Limpa conferir o profundo estudo de Marcelo Peregrino fruto da sua acurada dissertação de Mestrado na qual o Autor deste Curso participou da Banca de Avaliação In FERREIRA Marcelo Ramos Peregrino O controle de convencionalidade da Lei da Ficha Limpa Direitos políticos e inelegibilidades Rio de Janeiro Lumen Juris 2015 547 Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Castañeda Gutman vs México julgamento de 2882013 548 GOMES José Jairo Direito eleitoral 5 ed Belo Horizonte Del Rey 2010 p 11 549 GOMES José Jairo Direito eleitoral 5 ed Belo Horizonte Del Rey 2010 p 14 550 Sobre o procedimento piloto e a Corte EDH ver CARVALHO RAMOS André de Processo internacional de direitos humanos 6 ed São Paulo Saraiva 2019 551 Na linha defendida pelo Curso de que se trata de perda dos direitos políticos ver TAVARES André Ramos Curso de direito constitucional 5 ed São Paulo Saraiva 2007 p 722 MORAES Alexandre de Constituição do Brasil interpretada São Paulo Atlas 2002 p 589 Contra sustentando que se trata de suspensão de direitos políticos ver por todos GOMES José Jairo Direito eleitoral 5 ed Belo Horizonte Del Rey 2010 p 9 552 GOMES José Jairo Direito eleitoral 5 ed Belo Horizonte Del Rey 2010 p 9 553 Art 55 Perderá o mandato o Deputado ou Senador III que deixar de comparecer em cada sessão legislativa à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer salvo licença ou missão por esta autorizada 554 Declaração do Ministro Carlos Velloso do Supremo Tribunal Federal hoje aposentado um dos incentivadores da implementação da urna eletrônica no Brasil Disponível em httpwwwtsejusbrimprensanoticias tse2014Junhoconhecaahistoriadaurnaeletronicabrasileiraquecompleta18anos Acesso em 9 ago 2019 555 Conferir a Parte I Capítulo II item 7 deste Curso 556 Sobre a Declaração e Programa de Ação de Viena conferir a Parte II Capítulo II item 21 deste Curso 557 Item 29 c da Recomendação n 24 Disponível em httpwwwunorgwomenwatchdawcedawrecommendationsrecommhtm Acesso em 9 ago 2019 558 Ver o conteúdo do Comentário Geral n 22 em httpsdocumentsdds nyunorgdocUNDOCGENG1608932PDFG1608932pdfOpenElement Acesso em 9 ago 2019 559 Conferir O Ministério Público e os direitos de LGBT Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão Ministério Público do Estado do Ceará Brasília MPF 2017 p 10 560 STF voto do Min Roberto Barroso Recurso Extraordinário 845779SC em trâmite em outubro de 2019 561 RIOS Roger Raupp RESADORI Alice Hertzog Direitos humanos transexualidade e direito dos banheiros Direito Práxis v 6 n 12 2015 p 196227 562 Conferir O Ministério Público e os direitos de LGBT Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão Ministério Público do Estado do Ceará Brasília MPF 2017 p 1415 563 Definições desta passagem do Curso foram extraídas da Opinião Consultiva n 24 da Corte Interamericana de Direitos Humanos 564 Art 11 Os Estados partes nesta Convenção comprometemse a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição sem discriminação alguma por motivo de raça cor sexo idioma religião opiniões políticas ou de qualquer outra natureza origem nacional ou social posição econômica nascimento ou qualquer outra condição social Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH Caso Karen Atala Riffo e filhas vs Chile Sentença de 24 de fevereiro de 2012 em especial parágrafos 84 85 91 e 93 565 Disponível em httpwwwoasorgescidhinformespdfsviolenciaPersonaslgBtipdf Acesso em 9 ago 2019 566 Art 1723 É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher configurada na convivência pública contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família 567 LAFER Celso A reconstrução dos direitos humanos um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt São Paulo Cia das Letras 1988 568 STF RE 846102 rel Min Cármen Lúcia DJe de 1832015 569 STJ REsp 737993 4ª T rel Min João Otávio de Noronha DJe de 18122009 570 Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos o termo migrante é um termo genérico que abarca tanto o emigrante quanto o imigrante Corte Interamericana de Direitos Humanos Opinião consultiva relativa aos direitos dos migrantes indocumentados OC1803 2003 parágrafo 69 571 Sobre o jus communicationis de Francisco de Vitoria 14801546 conferir VEDOVATO Luís Renato Direito de ingresso do estrangeiro a circulação das pessoas pelo mundo no cenário globalizado Livro digital São Paulo Atlas 2013 p 59 CASELLA Paulo Borba Direito internacional no tempo medieval e moderno até Vitoria São Paulo Atlas 2012 em especial p 619 VEDOVATO Luís Renato Direito de ingresso do estrangeiro a circulação das pessoas pelo mundo no cenário globalizado Livro digital São Paulo Atlas 2013 p 59 572 Entre os casos da Corte IDH ver Caso Vélez Loor Vs Panamá 573 Ver entre outros Corte Europeia de Direitos Humanos Caso Amuur vs França sentença de 25 de junho de 1996 par 42 574 Opinião consultiva relativa aos direitos dos migrantes indocumentados OC1803 2003 575 Conferir o Caso Vélez Loor vs Panamá sentença de 23112010 visto acima neste Curso 576 Conferir o Caso de las Niñas Yean y Bosico vs República Dominicana sentença de 892005 visto acima neste Curso 577 Opinião Consultiva sobre o direito à informação sobre a assistência consular em relação às garantias do devido processo legal OC 1699 1999 visto acima neste Curso 578 Conferir o Caso Nadege Dorzema ou outros vs República Dominicana sentença de 2482012 visto acima neste Curso 579 Opinião consultiva relativa aos direitos dos migrantes indocumentados OC1803 2003 580 Opinião consultiva relativa às crianças migrantes OC21014 2014 visto acima neste Curso 581 Cf Condição Jurídica e Direitos dos Migrantes Indocumentados pars 121 e 122 582 Ver também o Caso Vélez Loor vs Panamá par 143 583 Direitos que o Fisco recebia na sucessão de estrangeiro 584 As chamadas cartas de represálias outorgavam o direito a obter ressarcimento pelo confisco de bens de estrangeiros por dívidas contraídas por seus compatriotas Ver mais em CARVALHO RAMOS André de Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos Humanos Rio de Janeiro Renovar 2004 585 Ordenações Filipinas 1603 Livro V título 69 586 Constituição de 1891 art 72 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes 2º Todos são iguais perante a lei 587 In verbis 6º A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante não podendo porém a corrente imigratória de cada país exceder anualmente o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos 588 In verbis 7º É vedada a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território da União devendo a lei regular a seleção localização e assimilação do alienígena 589 Ver precedentes dessa extensão de direitos aos estrangeiros não residentes na Parte IV item 2 deste Curso 590 Artigo 15º Estrangeiros apátridas cidadãos europeus 1 Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português 2 Exceptuamse do disposto no número anterior os direitos políticos o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses 591 O autor deste Curso foi membro da Comissão de Especialistas nomeada pelo Ministro da Justiça que redigiu anteprojeto de lei de migração parcialmente utilizada nos trabalhos congressuais Portaria n 2162 de 3152013 do Ministro da Justiça 592 Estudamos a extradição e a entrega acima neste Curso Sobre a transferência de pessoa condenada ver ABADE Denise Neves Direitos Fundamentais na cooperação jurídica internacional São Paulo Saraiva 2013 593 Sobre a apatridia de jure e de facto ver a análise das Convenções de Apatridia neste Curso 594 Criticando essa ausência de prazo do decreto de expulsão na vigência do Estatuto do Estrangeiro ver PARDI Luis Vanderlei O regime jurídico da expulsão de estrangeiros no Brasil São Paulo Almedina 2015 595 Incorporada pelo Decreto n 61078 de 26 de julho de 1967 596 STF Prisão Preventiva para Extradição n 726 Decisão monocrática do relator Min Celso de Mello de 27 de maio de 2015