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Direito ·
História
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Flávia Lages de Castro HISTÓRIA do Direito Geral e Brasil wwwlumenjuriscombr EDITORES João de Almeida João Luiz da Silva Almeida Adriano Pilatti Alexandre Freitas Câmara Alexandre Morais da Rosa Aury Lopes Jr Cezar Roberto Bitencourt Cristiano Chaves de Farias Carlos Eduardo Adriano Japiassú Cláudio Carneiro Cristiano Rodrigues Elpídio Donizetti Emerson Garcia Fauzi Hassan Choukr Felippe Borring Rocha CONSELHO EDITORIAL Firly Nascimento Filho Frederico Price Grechi Geraldo L M Prado Gustavo Sénéchal de Goffredo Helena Elias Pinto Jean Carlos Fernandes João Carlos Souto João Marcelo de Lima Assafim José dos Santos Carvalho Filho Lúcio Antônio Chamon Junior Luis Carlos Alcoforado Manoel Messias Peixinho Marcellus Polastri Lima Marco Aurélio Bezerra de Melo Marcos Chut Marcos Juruena Villela Souto Mônica Gusmão Nelson Rosenvald Nilo Batista Paulo de Bessa Antunes Paulo Rangel Rodrigo Klippel Salo de Carvalho Sérgio André Rocha Sidney Guerra Rio de Janeiro Centro Rua da Assembléia 10 Loja GH CEP 20011000 Centro Rio de Janeiro RJ Tel 21 25312199 Fax 22421148 Barra Avenida das Américas 4200 Loja E Universidade Estácio de Sá Campus Tom Jobim CEP 22630011 Barra da Tijuca Rio de Janeiro RJ Tel 21 24322548 31501980 São Paulo Rua Correia Vasques 48 CEP 04038010 Vila Clementino São Paulo SP Telefax 11 59080240 50817772 Brasília SCLS quadra 402 bloco D Loja 09 CEP 70236540 Asa Sul Brasília DF Tel 6132258569 Minas Gerais Rua Araguari 359 sala 53 CEP 30190110 Barro Preto Belo Horizonte MG Tel 31 32926371 Bahia Rua Dr José Peroba 349 Sls 505506 CEP 41770235 Costa Azul Salvador BA Tel 71 33413646 Rio Grande do Sul Rua Padre Chagas 66 loja 06 Moinhos de Vento Porto Alegre RS CEP 90570080 Tel 51 32110700 Espírito Santo Rua Constante Sodré 322 Térreo CEP 29055420 Santa Lúcia Vitória ES Tel 27 32358628 32251659 Álvaro Mayrink da Costa Amilton Bueno de Carvalho Andreya Mendes de Almeida Scherer Navarro Antonio Carlos Martins Soares Artur de Brito Gueiros Souza Caio de Oliveira Lima CONSELHO CONSULTIVO Cesar Flores Firly Nascimento Filho Flávia Lages de Castro Francisco de Assis M Tavares Gisele Cittadino Humberto Dalla Bernardina de Pinho João Theotonio Mendes de Almeida Jr Ricardo Máximo Gomes Ferraz Sergio Demoro Hamilton Társis Nametala Sarlo Jorge Victor Gameiro Drummond Para minha mãe FLÁVIA LAGES DE CASTRO Mestre em História Social HISTÓRIA DO DIREITO GERAL E BRASIL 8a edição EDITORA LUMEN JURIS Rio de Janeiro 2010 Copyright 2010 by Flávia Lages de Castro Categoria História do Direito Produção Editorial Livraria e Editora Lumen Juris Ltda A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra É proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio ou processo inclusive quanto às características gráficas eou editoriais A violação de direitos autorais constitui crime Código Penal art 184 e e Lei no 10695 de 1o072003 sujeitandose à busca e apreensão e indenizações diversas Lei no 961098 Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda Impresso no Brasil Printed in Brazil Prefácio Foi com grande prazer que recebemos o convite da Professora Flávia Lages para prefaciar seu livro História do Direito Geral e Brasil Sabemos que sua escolha não foi como poderia parecer a priori por sermos historiadoras e tampouco por nosso conhecimento do Direito Romano Temos certeza de que a amizade nasceu entre nós no Mestrado em História da USS quando fomos professoras e sua Orientadora foi responsável pela gentileza de Flávia Naquela ocasião a autora iniciava sua caminhada na difícil arte de escrever quando defendeu com brilhantismo sua Dissertação de Mestrado e redigiu seu primeiro trabalho como historiadora Nossa alegria foi enorme ao vêla continuar seu caminho escrevendo este livro onde procura defender verdades incontestes nem sempre compreendidas pela comunidade acadêmica Referimo nos à importância que muitas vezes não é concedida ao conhecimento histórico por especialistas de algumas áreas das Ciências Sociais Flávia ao conseguir desenvolver de forma sintética assunto tão abrangente e complexo mostrou sua inclinação para Pesquisa Cien tífica revelando que a defesa de sua Dissertação não foi somente uma exigência para conclusão do Curso de Mestrado em História Social A História do Direito é condição sine qua non para que os futuros advogados possam melhor conhecer as estruturas as conjunturas e o contexto que levaram os legisladores a elaborarem as normas do Direito A leitura de sua obra é importante não só para os estudantes que desejam conhecer a história do Direito mas também para os profissio nais e o público em geral A escrita do livro de Flávia não se reduz a uma narrativa histórico linear fragmentada em migalhas É um trabalho que incentiva o leitor à pesquisa e à reflexão crítica Seu estilo é objetivo despojado elegante e de agradável leitura embora sua narrativa pouco convencional reflita sua personalidade sua formação e um profundo conhecimento da Metodologia Científica No decorrer da leitura de seu Texto sentese sua constante preo cupação em realizar ensaios reflexivos acerca do Direito dos diferentes povos inclusive especificamente a trajetória brasileira no campo de sua análise Seu livro constitui um amplo painel sobre o Direito de diferentes Civilizações compreendidas sob o ponto de vista político econômico e cultural Em decorrência desse fato podemos considerá lo ao mesmo tempo analítico sintético e polêmico Não é por apresentar uma visão de conjunto sobre a história do Direito que deve ser considerado genérico ou apenas como um simples Manual Embora esse tipo de abordagem possa conduzir a gene ralizações isso não acontece com Flávia porque seu Texto não perde de vista a reflexão Seu mérito repousa justamente na contundência com que a autora procura a reflexão e não no fato de revisar ocorrências passadas O livro da autora trata de forma sintética de aspectos importantes da evolução jurídica mas não o faz de forma linear e cronológica porque analisa critica e interpreta os fatos Nele a história do Direito é vista em um viés pouco explorado em obras similares porque contém informação reflexão e fundamentação Como especialista em História Romana dentre tantos pontos que consideramos fundamentais e absolutamente indispensáveis analisa dos por Flávia Lages e que podem ser considerados polêmicos comen taremos especificamente aqueles que se referem ao Direito Romano A autora ao afirmar a grande importância do Direito Romano na atualidade para os advogados e juristas é profundamente pertinente Não é possível que se ignore o legado do Direito Romano para o pensamento jurídico ocidental nem sua importância para o Direito Civil em seu ordenamento jurídico A Lei das Doze Tábuas também não foi esquecida pela autora Como deixar de lembrar a Lei que assinalou a passagem do direito oral para o direito escrito a primeira compilação do Direito Romano que serviria de base ao Direito Público de Roma até a época do Imperador Juliano O simples fato de admitir a igualdade de todos os cidadãos ro manos perante a Lei e a soberania do povo faz da Lei das Doze Tábuas um documento de grande relevância para conhecimento da história do Direito O Corpus Iuris Civilis codificação do Direito feita na época de Jus tiniano teve influência significativa nos Códigos Modernos e permitiu o conhecimento das obras dos grandes jurisconsultos romanos É difícil avaliarmos o valor de nosso débito intelectual para com Roma no que se refere ao legado do Direito Romano pois os romanos fundaram desenvolveram e sistematizaram a jurisprudência no mundo Todas essas premissas lembradas por Flávia corroboram a defesa de sua propositura a necessidade do estudo do Direito Romano Gostaríamos de continuar analisando toda a Síntese elaborada pela autora mas certamente não terminaríamos a redação deste Prefácio Não podemos porém finalizar esta Introdução sem deixar de enfatizar um dos pontos mais relevantes do trabalho de Flávia Lages A autora conseguiu redigir uma obra geral sobre a História do Direito baseada em uma pesquisa profunda e acurada de Fontes Primárias o que torna a leitura do seu Texto indispensável para todos os estudiosos do Direito Convidamos o leitor a percorrer a História do Direito Geral e Bra sil de Flávia Lages e a olhar com admiração o excelente trabalho empreendido pela jovem e talentosa historiadora Marilda Corrêa Ciribelli Doutora em História pela USP Pósdoutora em História Social pela UFRJ INTRODUÇÃO HISTÓRIA E HISTÓRIA DO DIREITO O que é História O que é História do Direito Quais pontos His tória e Direito têm em comum Qual o objetivo do estudo de História do Direito Ao responder a essas perguntas estaremos mais aptos a compreender de fato a História do Direito dos Povos e das Culturas que estudaremos a seguir Essa necessidade do conhecimento do objeto antes de uma aná lise de seus pontos é a base para a compreensão global do objeto de estudo de qualquer ciência 1 História Quando se pensa em História a palavra passado logo nos vem à mente O passado seria história Todo o passado Tudo no passado Uma bela frase pode iniciar nosso raciocínio A história é a memória da humanidade mas não é suficiente recordar para ser historiador1 Sem dúvida o tempo é a dimensão do trabalho do historiador mas analisemos é possível história das baleias não parece menos estranho história da caça às baleias A história das baleias não é possível porque as baleias não transformam não se transformam A transformação é a essência da História e somente o ser humano pode executar tal tarefa Por isso a História da caça às baleias parece soar menos estranho aos nossos ouvidos Quem caça é o homem e essa atitude que hoje em dia é um tanto estúpida mudou no tempo 1 EHRARDE e PALMADE apud CHAUNU Pierre A história como ciência social Rio de Janeiro Zahar 1976 p 23 Podese então chegar à primeira conclusão acerca da História seu objeto é o homem isto é o estudo da História concentrase no Ser Humano e a sucessão temporal de seus atos2 O Ser Humano estudando o ser humano qual o objetivo Por que isso nos é tão caro Por que é tão importante mesmo para pessoas comuns Paul Veyne apresenta dois motivos Primeiramente o fato de pertencermos a um grupo nacional familiar pode fazer com que o passado desse grupo tenha um atrativo parti cular para nós a segunda razão é a curiosidade seja anedótica ou acompanhada de uma exi gência da inteligibilidade3 2 Direito A palavra Direito bem como ele próprio no sentido amplo da Ciência do Direito vem dos Romanos antigos e é a soma da palavra DIS muito RECTUM reto justo certo ou seja Direito em sua origem significa o que é muito justo o que tem justiça Entendese em sentido comum o Direito como sendo o conjunto de normas para a aplicação da justiça e a minimização de conflitos de uma dada sociedade4 Essas normas essas regras essa sociedade não são possíveis sem o Homem porque é o Ser Humano quem faz o Direito e é para ele que o Direito é feito Essa dependência do fator humano é exteriorizada por Vicente Ráo da seguinte maneira O direito pressupõe necessariamente a exis tência daquele ser e daquela atividade Tanto va le dizer que pressupõe a coexistência social que é o próprio homem5 2 BLOCH Marc Introdução à história Sintra EuropaAmérica 19 CARR E H Que é história Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 BESSELAAR J V D Introdução aos estudos históricos 3 ed São Paulo Herder 1970 3 VEYNE Paul Como se escreve a história Foucault revoluciona a história 4 ed Brasília Universidade de Brasília 1998 p 69 4 Não se pretende aqui oferecer a melhor definição de Direito mas só o suficiente para uma análise que possibilite a compreensão de História do Direito 5 RÁO Vicente O direito e a vida dos direitos 5 ed São Paulo 1999 p 51 O Jurisconsulto romano Ulpiano nos dá uma lição do que é o Direito indicando os tipos de direito e definindoos Vale a pena en cerrar essa definição com a lição dedicada aos estudantes de Direito desse mestre da Antiguidade Os que se vão dedicar ao estudo do Direito devem começar por saber donde vem a palavra ius Na verdade provem de iustitia pois re tomando uma elegante definição de Celso o direito é a arte do bom e do eqüitativo 1 Pelo que há quem nos chame de sacerdotes Na ver dade cultivamos a justiça e utilizando o conheci mento do bom e do eqüitativo separamos o justo do injusto distinguimos o lícito do ilícito 2 Há duas partes neste estudo o direito público que diz respeito ao estado das coisas de Roma e o privado relativo à utilidade os particulares pois certas utilidades são públicas e outras privadas O direito público consiste nas normas relativas às coisas sagradas aos sacerdotes e magistra dos O direito privado é tripartido é de fato coli gido de preceitos naturais ou das gentes ou civis6 3 História do Direito Já foi possível perceber que História e Direito têm algo em comum o Homem Assim partindo do Ser Humano é necessário salientar al guns pontos primordiais O Homem é naturalmente produtor de Cultura Não somente aqui lo que chamam comumente de cultura como saber sobre autores clás 6 ULPIANO Digesta de Justiniano Líber Primus I DE IUSTITIA ET IURI Iuri operam daturi prius nosse oportet unde nomen iuris decendat Est autem a iustitia appelatum nam ut eleganter Celsus definit ius est ars boni et aequi 1 Cujus mérito quis nos sacerdotes appellet Justitiam nanque collimus et boni et aequi notitiam profitemur aequum ab iníquo separantes licitum ab illicitum discernentes 2 Hujus sutdii duae sunt positiones publicum jus est quod ad statum rei romane spectat privatum quod a singulori utilitatem sunt enim quaedam publice utilia quaedam privatim Publicum jus in sacris in sacerdotibus in magistratibus consistit Privatum jus tripertitum est collectum etenim est ex naturabilus praeceptibus aut gentium aut civilibus sicos vinhos caros e literatos mas a Cultura no sentido correto da palavra Entendese por Cultura o processo pelo qual o homem acumula as experiências que vai sendo capaz de realizar discerne entre elas fixa as de efeito favorável e como resultado da ação exercida converte em idéias as imagens e lembranças 7 Isto é tudo o que o homem produz faz parte da cultura do homem A cultura é temporal histórica Ela depende do momento em que determinado indivíduo ou comunidade estão vivendo para ter as características que a definem Assim como afirma o velho professor Bloch baseandose em um ditado árabe O Homem se parece mais com seu tempo que com seus país8 Podese concluir portanto que sendo o Direito uma produção humana ele também é cultura e é produto do tempo histórico no qual a sociedade que o produziu ou produz está inserida Plagiando o ditado árabe poderíamos afirmar que o direito se parece com a necessidade histórica da sociedade que o produziu é portanto uma produção cultural e um reflexo das exigências dessa sociedade Conforme as belas palavras de Jayme de Altavila Os direitos dos povos equivalem precisamente ao seu tempo e se explicam no espaço de sua gestação Absurdos dogmáticos lúcidos e li berais foram todavia os anseios as conquistas e os baluartes de milhões de seres que para eles levantariam as mãos em gesto de súplica ou de enternecido reconhecimento9 4 Objetivos do Estudo de História do Direito A História do Direito é primordial para o estudante de Direito na me dida em que o auxilia na compreensão das conexões que existem entre 7 PINTO V apud ARANHA M L de A Martins M H P Filosofando introdução à filosofia São Paulo Moderna 1986 8 BLOCH Marc Op cit p 36 9 ALTAVILA Jayme de Origem do direito dos povos 7 ed São Paulo Ícone 1989 p 16 a sociedade suas características e o direito que produziu treinandoo para uma melhor visualização e entendimento do próprio direito A História em si tem muito deste objetivo ela é nas palavras de Collingwood para autoconhecimento não somente pessoal ou social mas também no exercício de tarefas profissionais Conhecerse a si mesmo significa saber o que se pode fazer E como ninguém sabe o que pode antes de tentar a única indicação para aquilo que o homem pode fazer é aquilo que já fez O valor da história está então em ensinarnos o que o homem tem feito e deste modo o que o homem é10 Portanto o valor do estudo da História do Direito não está em ensinarnos não somente o que o direito tem feito mas o que o direito é Tendo isso em mente podemos avançar neste estudo buscando compreender não somente as regras de povos que viveram no passado mas sua ligação com a sociedade que a produziu para assim e somente assim entender o nosso Direito 5 Este Livro O Principal objetivo deste livro é dar ao leitor um espectro geral da História do Direito a partir da compreensão da sociedade que envolveu a elaboração das leis Tomando por pressuposto lógico que não são as leis que formam uma sociedade mas que estas históricas em si são feitas a partir do que uma sociedade pensa ou deseja de si Para que isso pudesse ser feito dada a abrangência do tema fo ram escolhidos cronologicamente alguns povos e respectivas legis lações que pudessem contribuir para a compreensão da ligação entre o povo e suas leis eou para o entendimento da legislação brasileira e sua história Tomando por base fontes secundárias de história e Direito bem como fontes primárias relativas às leis propriamente ditas analisamos pormenorizadamente sempre que possível a conexão sociolegal exis tente 10 COLLINGWOOD R G A idéia de história Lisboa Presença 1972 p 17 Assim podemos pensar de fato em uma História do Direito Não com um olhar descritivo sobre leis do passado que parecem ter surgido do nada mas a partir do caráter intenção e noções de moral e objetivos dos povos que acharam por bem escrever suas normas CAPÍTULO I O DIREITO DOS POVOS SEM ESCRITA Embora algumas vezes as pessoas confundam Direito e Lei escri ta se partirmos do pressuposto de que um conjunto de regras ou nor mas que regulamentam uma sociedade pode ser chamado ainda que humildemente de direito todas as comunidades humanas que existem ou existiram no mundo indiferentemente de quaisquer características que tenham produziram ou produzem seu Direito Só podemos estudar História e portanto História do Direito a par tir do advento da escrita que varia no tempo de povo para povo antes disso chamamos de Préhistória A Préhistória do direito é um longo caminho de evolução jurídica que povos percorreram e apesar de podermos supor que foi uma es trada bastante rica temos a dificuldade pela falta da escrita de ter acesso a ela Essa riqueza pode ser comprovada pelo fato de as sociedades ao se utilizarem pela primeira vez da escrita e do direito escrito já terem instituições que dependem muito de conceitos jurídicos como casa mento poder paternal ou maternal propriedade contratos ainda que verbais hierarquia no poder público etc As origens do Direito situamse na formação das sociedades e isso remonta a épocas muito anteriores à escrita e o que se mostra mais interessante neste estudo especificamente é que dependendo do povo de que tratamos essa época ainda é hoje Povos sem escrita ou ágrafos a negação grafos escrita não têm um tempo determinado Podem ser os homens da caverna de 3000 aC ou os índios brasileiros até a chegada de Cabral ou até mesmo as tribos da floresta Amazônica que ainda hoje não entraram em contato com o homem branco Diante dessa multiplicidade de povos e tempos podemos somente comentar algumas características gerais desses grupos Em geral não têm grande desenvolvimento tecnológico e somente uma minoria tem agricultura São em sua maior parte caçadorescoletores e como tais seminômades ou nômades Os povos ágrafos que possuem agricultura são sedentários e todos eles sem exceção baseiam seu dia a dia em uma religiosidade profunda Pela quantidade desses direitos e a sua diversidade buscamos então como introdução ao estudo de História do Direito apontar ca racterísticas e fontes do direito comuns que auxiliam na compreensão de um todo tão distinto 1 Características Gerais dos Direitos dos Povos Ágrafos11 São Abstratos como são direitos não escritos a possibilidade de abstração fica limitada As regras devem ser decoradas e passadas de pessoa para pessoa da forma mais clara possível São Numerosos cada comunidade tem seu próprio costume e vive isolada no espaço e muitas vezes no tempo Os raros con tatos entre grupos vizinhos que porventura vivem no mesmo tempo e dividem o mesmo espaço têm como objetivo a guerra São Relativamente Diversificados essa distância no tempo e no espaço faz com que cada comunidade produza mais disse melhanças do que semelhanças em seus direitos São Impregnados de Religiosidade como a maior parte dos fenômenos são explicados por esses povos através da religião a regra jurídica não foge a esse contexto Na maior parte das vezes a distinção entre regra religiosa e regra jurídica tornase impossível São Direitos em Nascimento a diferença entre o que é jurídico e o que não é muito difícil Essa distinção só se torna possível quando o direito passa do comportamento inconsciente deri vado de puro reflexo ao comportamento consciente fruto de reflexão 2 Fontes dos Direitos dos Povos Ágrafos 11 Neste ponto seguiremos de perto os apontamentos de GILISSEN J Introdução históri ca ao direito 2 ed Lisboa Calouste Gulbekian 1995 p 31 e ss Entendemos como fontes de direito tudo aquilo que é utilizado como base ou inspiração para a feitura de regras ou códigos Os povos ágrafos basicamente utilizam os Costumes como fonte de suas normas ou seja o que é tradicional no viver e conviver de sua comunidade tornase regra a ser seguida12 Entretanto o costume não é a única fonte do direito desses povos Nos grupos sociais onde se pode distinguir pessoas que detêm algum tipo de poder estes impõem regras de comportamento dando ordens que acabam tendo caráter geral e permanente O precedente também é utilizado como fonte As pessoas que julgam chefes ou anciãos tendem a voluntária ou involuntariamente aplicar soluções já utilizadas anteriormente 3 Transmissão das Regras Muitos grupos utilizam o procedimento de em intervalos regu lares de tempo terem suas regras enunciadas a todos pelo chefe ou chefes ou anciãos Outras formas são os Provérbios e Adágios que de sempenham papel decisivo na tarefa de fazer conhecer as normas da comunidade 12 O costume em maior ou menor grau é fonte de todo Direito Uma sociedade por mais avançada tecnologicamente que seja não pode descartar sua tradição e sua moral como base de suas normas CAPÍTULO II AS PRIMEIRAS LEIS ESCRITAS E O CÓDIGO DE HAMMURABI 1 O Crescente Fértil e as Primeiras Leis Escritas Há um lugar no mundo em que quase tudo que consideramos civilizado nasceu o Crescente Fértil onde hoje está o Iraque uma parte do Irã e parte de seus vizinhos Esse lugar tem este nome por causa da fertilidade que os rios Tigre e Eufrates dão a uma região que é semelhante a uma lua crescente de cabeça para baixo Nessa região o homem primeiro dividiu as horas os minutos e os segundos em sessenta fez tijolos e erigiu grandes construções com eles criou para a felicidade dos olhos e da alma a jardinagem inven tou o Estado e o Governo fez as primeiras escolas inventou a cerveja Mas a mais grandiosa invenção dessa gente da Mesopotâmia foi passar para uma superfície símbolos que expressavam ideias a isso chamamos de escrita13 O tipo de escrita que inventaram foi a cunei forme14 Não se pode estranhar portanto que tenham sido essas pessoas as primeiras a terem leis escritas Temse notícia de um chefe da cidade de Lagas de nome Urukagina no terceiro milênio antes de Cristo ser apresentado pelos textos de época como um grande legislador e reformador Bouzon informa contudo que as inscrições de Urukagina não transmitem leis ou normas legais mas medidas sociais adotadas para coibir abusos e corrigir injustiças vigentes15 O corpo de leis mais antigo que se conhece é o de UrNammu fundador da terceira dinastia de Ur 21112094 aC do qual chegou até 13 Mesopotâmia entre rios foi o nome dado pelos gregos à região entre os rios Tigre e Eufrates 14 Cuneiforme sistema de escrita sem dúvida o mais antigo conhecido o cuneiforme do latim cuneus cunha e forma forma foi inventado pelos sumerianos seguramente des de o 4o milênio O termo cuneiforme caracteriza o aspecto anguloso dos símbolos im pressos em argila úmida ou raramente em pedra AZEVEDO A C do A Dicionário de nomes termos e conceitos históricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 119 15 BOUZON E O Código de Hammurabi 6 ed Petrópolis Vozes 1998 p 22 nós somente dois fragmentos de um tablete de argila Em 1948 outras leis foram identificadas também na mesma região são as leis de Eshunna No final de 1901 e início de 1902 dC uma expedição arqueológica francesa encontrou uma estela ou pedra de diorito negro de 225 m de altura contendo um conjunto de leis com 282 artigos postos de ma neira organizada ao qual chamamos hoje de Código de Hammurabi por ter sido feita a mando do Rei Hammurabi que reinou na Babilônia entre 1792 e 1750 aC16 2 Algumas Considerações Sobre as Leis Anteriores a Hammurabi Antes de tratarmos especificamente do Código de Hammurabi é interessante que nos detenhamos ainda que rapidamente nas ca racterísticas gerais das leis escritas anteriores a Hammurabi Tanto UrNammu quanto Eshunna foram reis de CidadesEstado no Crescente Fértil e dão nome às primeiras leis escritas que conhe cemos a influência que UrNammu rei sumeriano exerceu sobre as leis de Eshunna é tão grande quanto a que essas duas legislações provocaram no Código de Hammurabi A questão da justiça aliás era importantíssima já para os sumerianos dessa forma explica Kramer A lei e a justiça eram conceitos fundamentais da antiga Suméria que impregnavam a vida social e econômica sumeriana tanto na teoria como na prática No decurso do século passado séc XIX dC os arqueólogos revelaram à luz do dia mi lhares de tabuinhas de argila representando toda espécie de documentos de ordem jurídica con tratos atos testamentos notas promissórias re cibos acórdãos dos tribunais Entre os sumérios o estudante mais adiantado consagrava uma grande parte de seu tempo ao estudo das leis e exercitavase regularmente na prática de uma terminologia altamente especializada bem como 16 A pedra ou Estela pode ser vista hoje em dia no Museu do Louvre em Paris na transcrição dos códigos legais e dos julga mentos que tinham formado jurisprudência17 O direito privado sumeriano reconhecia alguma independência em relação ao marido O divórcio era realizado através de decisão judicial e poderia favorecer a qualquer dos cônjuges O repúdio da mulher acarretava uma indenização pecuniária e somente era permitido pelos motivos indicados pela lei O adultério era um delito porém sem consequências se havia o perdão do marido O filho que renegasse seu pai poderia ou ter a mão cortada ou ser vendido como escravo A esposa era responsável pelas dívidas do marido As leis penais dos sumerianos muitas vezes substituíam o Prin cípio da Pena de Talião que será explicado a seguir por multas ou por indenizações legais 3 A Babilônia de Hammurabi Embora a Babilônia mais famosa seja a do rei Nabucodonosor séc V aC por causa da participação dele na História dos Hebreus contada na Bíblia a História da Babilônia remonta o segundo milênio da era PréCristã quando um grupo nômade arcadiano fixouse em uma localidade chamada Babila ou Bab Ilim Babilônia ou Babel porta de deus às margens do rio Eufrates O xeque desse grupo arcadiano Sumuabum 18941881 aC co meçou a expansão territorial da babilônia mas foi seu sucessor Sumu lael 18801845 aC que com vitórias sucessivas sobre os vizinhos consolidou a independência da cidade Os reis posteriores incorporaram a cultura suméria e somaramna à cultura arcádica entretanto em termos de expansão territorial somente em 1792 aC com a ascensão ao poder de Hammurabi a Babi lônia cresceu em poder Esse rei com imensa habilidade em política de alianças mais que dobrou o território que seu pai havia deixado O rei Hammurabi construiu um grande império que abrangia os territórios dominados anteriormente pela dinastia de Agadé do mar Imferior e do Elam até a Síria e o litoral do Mediterrâneo Ele assumiu os títulos de rei de Sumer rei de Acad rei das Quatro Regiões rei do 17 KRAMER apud GIORDANI M C História da antiguidade oriental 11 ed Petrópolis Vozes 2001 p 138 Universo e o mais interessante Pai de Amurru Amurru significa Ocidente Hammurabi não foi apenas um grande conquistador e um ex celente estrategista foi antes de mais nada um exímio administrador Conforme afirma Emanuel Bouzon Seus trabalhos de regulagem do curso do Eufrates e a construção e conservação de canais para a irrigação e para navegação incrementaram enormemente a produção agrícola e o comércio Em sua política externa Hammurabi preocupou se sempre em reconstruir as cidades vencidas e em reedificar e ornamentar ricamente os templos dos deuses locais 18 Em seu território existiam vários povos diferentes de línguas raças culturas diversas Para exercer seu poder eram necessários me canismos de unificação em meio a tanta heterogeneidade Hammurabi utilizouse de três elementos para empreender essa unificação a lín gua a religião e o direito O acádio tornouse língua oficial o panteão de deuses fixouse O Código de Hammurabi foi feito utilizandose de toda a legislação pre cedente Este teve uma penetração e uma utilização surpreendente e sem paralelos na história mil anos depois de sua redação era aplicado ainda na Babilônia e em Nínive por exemplo Hammurabi não apenas ordenou a feitura do Código Para uma melhor utilização do Direito como ferramenta de controle também reorganizou a Justiça em moldes muito próximos aos que hoje utili zamos O poder judiciário na Caldéia anterior ao reina do de Hammurabi era exercido nos templos pelos sacerdotes em nome dos deuses Na Babilônia desde o início da I dinastia começaram a ser or ganizados à imitação do que já existia em Sumer tribunais civis dependentes diretamente do so berano Hammurabi conferiu à justiça real supre macia sobre a justiça sacerdotal deulhe unifor 18 BOUZON E Op cit p 20 midade de organização e regulamentou cuidado samente o processamento das ações compreen dendo nessa regulamentação a propositura o recebimento ou não pelo juiz a instrução com pletada pelo depoimento de testemunhas e diligências in loco e finalmente a sentença Foi estabelecida então uma organização judiciária que incluía até o ministério público e um direito processual19 Após a morte de Hammurabi a dinastia mantevese por aproxi madamente 150 anos mas em 1594 os Hititas invadiram e incendiaram a Babilônia abandonandoa em seguida A queda da dinastia de Hammurabi fez ascender os Cassitas que iniciaram um novo período da História da Babilônia 4 Sociedade e Economia da Babilônia Hammurabiana A Sociedade da Babilônia da época de Hammurabi é dividida conforme indica o próprio Código em três camadas sociais Os awilum o homem livre com todos os direitos de cidadão Este é o maior grupo da sociedade hammurabiana e compreen dia tanto ricos quanto pobres desde que fossem livres Os muskênum são uma camada que ainda suscita muita dúvida por parte dos estudiosos Parecem ter sido uma camada intermediária entre os awilum e os escravos formada por fun cionários públicos com direitos e deveres específicos Os escravos eram a minoria da população geralmente prisio neiros de guerras20 A economia era basicamente agrícola e a maior parte das terras era de propriedade do Palácio ou seja do governo Mas havia comércio e este era bastante forte principalmente o externo conforme mostra o 19 GIORDANI M C História da Antiguidade Op cit p 155 20 O Código de Hammurabi dá o nome de wardum para escravos e amtum para escravas próprio Código que afirma existirem inclusive banqueiros que finan ciavam as expedições O pequeno comércio varejista estava nas mãos de mulheres as taberneiras que vendiam não somente bebidas mas também gêneros de primeira necessidade O veículo de pagamento que hoje denominamos moeda era a cevada ou a prata Assim indicanos o Código de Hammurabi Se uma taberneira não aceitou cevada como preço da cerveja mas aceitou prata em peso grande ou diminuiu o equivalente de cerveja em relação ao curso da cevada comprovarão isso contra a taberneira e a lançarão na água21 41 Questões Acerca dos Escravos À medida que utilizaremos amplamente principalmente na An tiguidade a noção de escravidão fazse necessário empenharnos em entender o que significa a Instituição Escravidão Faremos isso levando em conta a Escravidão como um todo não somente na Babilônia que é o tema deste Capítulo Definir escravidão não é somente considerar que todo aquele que trabalha sem nada receber é escravo muitos de nós seríamos até mes mo os honrados voluntários que existiram e existem no mundo colo cados nessa posição que não é verdadeira no caso deles Escravo é propriedade bem alienável ou seja algo que pode ser comprado vendido alugado dado eliminado Escravo é portanto coisa Na Antiguidade não era condição imperiosa ser de outra raça para tornarse escravo De fato a escravidão originavase de guerras quan do o indivíduo era após a derrota de seu grupo pego pelos vencedo res de dívidas quando o indivíduo penhorava o próprio corpo ou de um membro da família como garantia de pagamento e não o fazia ou por nascimento Assim define o Dicionário de Nomes Termos e Conceitos Históricos Instituição secular caracterizada pela situação de indivíduo juridicamente considerado um obje 21 108 to do qual outra pessoa pode dispor livremente exercendo direitos de propriedade A escravidão conheceu extraordinária difusão no mundo anti go originandose de modo geral da guerra ce leiro inesgotável das dívidas e da heredita riedade 22 O filósofo Aristóteles explica a escravidão desta forma A produção precisa de instrumentos dos quais uns são inanimados e outros animados Todos os trabalhadores são instrumentos animados neces sários porque os instrumentos inanimados não se movem espontaneamente as lançadeiras não tecem panos por si próprias O escravo instru mento vivo como todo trabalhador constitui ademais uma propriedade viva A noção de pro priedade implica a de sujeição a alguém fora dela 23 5 Alguns Pontos do Código de Hammurabi a A Pena de Talião O Princípio da Pena ou Lei de Talião é um dos mais utilizados por todos os povos antigos É apontado por alguns como sendo a primeira forma que as sociedades encontraram para estabelecer as penas para seus delitos Esse princípio que é exemplificado na Bíblia com a frase olho por olho dente por dente não é uma lei mas uma ideia que indica que a pena para o delito é equivalente ao dano causado neste Assim sendo ninguém sofre pena de talião mas baseado nesse princípio sofre como pena o mesmo sofrimento que impôs ao cometer o crime 22 AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Dicionário de nomes termos e conceitos his tóricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 157 23 ARISTÓTELES apud GORENDER Jacob O escravismo colonial São Paulo Ática 1988 p 46 O Código de Hammurabi utiliza muito esse princípio no tocante a danos físicos chegando a aplicálo radicalmente mesmo quando para conseguir a equivalência penaliza outras pessoas que não o culpado Se um awilum destruiu o olho de um outro awilum destruirão seu olho24 Se um construtor edificou uma casa para um awilum mas não reforçou seu trabalho e a casa que construiu caiu e causou a morte do dono da casa esse construtor será morto25 Se causou a morte do filho do dono da casa matarão o filho desse construtor26 O Princípio da Pena de Talião não contava quando os danos físicos eram aplicados a escravos à medida que estes podem ser definidos como bens alienáveis o dano contra um bem deve ter ressarcimento material b Falso Testemunho O falso testemunho é tratado com severidade pelos povos antigos porque provas materiais eram mais difíceis assim sendo contavam na maior parte dos processos somente com testemunhas O Código separa uma causa de morte de uma causa que envolve pagamento Nesta última o ônus do falso testemunho é o pagamento da pena do processo Em outros casos a sanção para falso testemunho é a Pena de Morte Se um awilum apresentouse em um processo com testemunho falso e não pode comprovar o que disse se esse processo é um processo capi tal esse awilum será morto27 24 196 25 229 26 230 27 03 Se se apresentou com um testemunho falso em causa de cevada ou prata ele carregará a pena desse processo 28 c Roubo e Receptação O Código Hammurabiano penaliza tanto o que roubou ou furtou quanto o que recebeu a mercadoria roubada Se um awilum cometeu um assalto e foi preso esse awilum será morto29 Se um awilum roubou um bem de propriedade de um deus ou do palácio esse awilum será morto e aquele que recebeu de sua mão o objeto roubado será morto30 d Estupro O estupro sem pena alguma para a vítima era previsto nesse Código somente para virgens casadas como na legislação mosaica ou seja mulheres que embora tenham o contrato de casamento fir mado ainda não coabitavam com os maridos Se um awilum amarrou a esposa de um outro awilum que ainda não conheceu um homem e mora na casa de seu pai dormiu em seu seio e o surpreenderam esse awilum será morto mas a mulher será libertada31 e Família O sistema familiar da Babilônia Hammurabiana era patriarcal e o casamento monogâmico embora fosse admitido o concubinato Essa aparente discrepância era resolvida pelo fato de uma concubina jamais 28 04 29 22 30 06 31 130 ter o status ou os mesmos direitos de esposa O casamento legítimo era somente válido se houvesse contrato Se um awilum tomou uma esposa e não redigiu o seu contrato essa mulher não é esposa32 Havia também a possibilidade de casamentos entre as camadas sociais e o Código não somente admitia isso como regulamentava a herança dos filhos nascidos desse tipo de casamento Se um escravo do palácio ou um escravo de um muskênum tomou por esposa a filha de um awilum e ela lhe gerou filhos o dono do escravo não poderá reivindicar para a escravidão os filhos da filha de um awilum33 O casamento era no que chamamos hoje regime de comunhão de bens Se depois que a mulher entrou na casa de um awilum recaiu sobre eles uma dívida ambos deverão pagar ao mercador34 f Escravos Havia duas maneiras básicas de se tornar escravo não somente na Babilônia mas também na Antiguidade como um todo Como prisioneiro de guerra ou por não conseguir pagar dívidas e assim ter que entregarse a si mesmo a esposa ou aos filhos mas Hammurabi assim como os Hebreus posteriormente vai limitar o tempo dessa escravidão por dívida Se uma dívida pesa sobre um awilum e ele vendeu sua esposa seu filho ou sua filha ou os entregou em serviço pela dívida durante três anos trabalharão na casa de seu comprador ou 32 128 33 175 34 152 daquele que os têm em sujeição no quarto ano será concedida sua libertação 35 Uma escrava tomada como concubina por seu senhor ou dada por sua senhora ao marido tinha uma situação bastante interessante se desse a este filhos que ele reconhecesse Ela não mais poderia ser vendida conforme atesta o artigo 146 do referido Código g Divórcio O marido podia repudiar a mulher nos casos de recusa ou negligência em seus deveres de esposa e donadecasa Qualquer dos dois cônjuges podia repudiar o outro por má con duta mas nesse caso a mulher para repudiar o homem deveria ter uma conduta ilibada Se uma mulher tomou aversão a seu esposo e disselhe Tu não terás relações comigo seu caso será examinado em seu distrito Se ela se guarda e não tem falta e seu marido é um saidor e a despreza muito essa mulher não tem culpa ela tomará seu dote e irá para casa de seu pai36 h Adultério Somente a mulher cometia crime de adultério o homem era no máximo cúmplice Dessa forma se um homem saísse com uma mulher casada ela seria acusada de adultério e ele de cúmplice de adultério e se a mulher fosse solteira não comprometida não havia crime nem cumplicidade mesmo porque este é um povo que admite concubinato Quando pegos os adúlteros pagavam com a vida entretanto o Código prevê o perdão do marido Se a esposa de um awilum for surpreendida dormindo com um outro homem eles os amarrarão e os lançarão nágua Se o esposo 35 117 36 142 deixar viver sua esposa o rei também deixará viver seu servo37 i Adoção Essa sociedade foi bastante humana no tocante à adoção veja Se uma criança fosse adotada logo após seu nascimento não poderia mais ser reclamada Se a criança fosse adotada para aprender um ofício e o ensi namento estivesse sendo feito ela não poderia ser reclamada Caso esse ensino não estivesse sendo feito o adotado deveria voltar à casa paterna Se a criança ao ser adotada já tivesse mais idade e reclamasse por seus pais tinha que ser devolvida Em outros casos se o adotado renegasse sua adoção seria severamente punido Se o casal após adotar tivesse filhos e desejasse romper o con trato de adoção o adotado teria direito a uma parte do patri mônio deles a título de indenização38 j Herança No caso da divisão da herança a sociedade hammurabiana não previa a primogenitura ou seja os bens não ficavam somente com o filho mais velho entretanto este poderia na hora da partilha ser o primeiro a escolher sua parte A tendência era sempre dividir em partes iguais indiferentemente de quem era a mãe da criança bastava o reconhecimento do pai Se a primeira esposa de um awilum lhe gerou filhos e a sua escrava lhe gerou filhos se o pai durante a sua vida disse aos filhos que a escrava lhe gerou Vós sois meus filhos e os contou com os filhos da primeira esposa depois que o pai morrer os filhos da primeira esposa e os filhos da escrava dividirão em partes iguais os bens da casa 37 129 38 185ss paterna mas o herdeiro filho da primeira esposa escolherá entre as partes e tomará para si39 Estavam excluídas da herança as filhas já casadas pois estas já haviam recebido o dote As filhas solteiras quando casassem recebe riam seu dote das mãos dos irmãos40 Mas os filhos mesmo reconhecidos ou frutos de casamento podiam ser deserdados mas para isso deveria haver um exame por parte dos juízes Se um awilum resolveu deserdar seu filho e disse aos juízes Eu quero deserdar meu filho os juízes examinarão a questão Se o filho não come teu falta suficientemente grave para excluílo da herança o pai não poderá deserdar seu filho41 k Processo As leis babilônicas dessa época permitem e preveem a mistura do sagrado e do profano no julgamento embora a justiça leiga tenha tido maior importância que a sacerdotal à época de Hammurabi Um juiz podia ser um leigo um sacerdote e até forças da natureza como neste caso onde quem julga é o rio Se um awilum lançou contra um outro awilum uma acusação de feitiçaria mas não pôde comprovar aquele contra quem foi lançada a acusação de feitiçaria irá ao rio e mergulhará no rio Se o rio purificar aquele awilum e ele sair ile so aquele que lançou sobre ele a acusação de feitiçaria será morto e o que mergulhou no rio tomará para si a casa de seu acusador42 O juiz leigo não poderia contudo alterar seu julgamento após o encerramento do processo 39 170 40 183 e 184 41 168 42 02 Se um juiz fez um julgamento tomou uma de cisão fez exarar um documento selado e depois alterou o seu julgamento comprovarão contra esse juiz a alteração do julgamento que fez ele pagará então doze vezes a quantia reclamada nesse processo e na assembléia fáloão levan tarse do seu trono de juiz Ele não voltará a sentarse com os juízes em um processo43 l Trabalho O Código de Hammurabi aborda leis sobre trabalho Ele por exemplo prevê e pune o erro médico44 Se um médico fez em um awilum uma operação difícil com um escapelo de bronze e causou a morte do awilum ou abriu o nakkaptum de um awilum com um escapelo de bronze e destruiu o olho do awilum eles cortarão a sua mão45 Ao mesmo tempo esse Código é o primeiro que conhecemos indicar não somente o pagamento que um médico deve ter mas tam bém o pagamento de inúmeros profissionais como lavradores pastores tijoleiros alfaiates carpinteiros etc46 m Defesa do Consumidor Na Babilônia de Hammurabi havia leis que protegiam os cidadãos do mau prestador de serviços pelo menos em alguns casos podese atestar essa ideia já no parágrafo 108 o que trata da taberneira citado anteriormente 43 05 44 Se o erro médico foi cometido em um escravo o ressarcimento é material 45 218 46 Embora muitas partes desses parágrafos tenham sido apagadas pelo tempo podemos conferir essa lista de honorários e pagamentos nos parágrafos 215 a 217 257 261 271 273 e 274 Se um pedreiro contruiu uma casa para um awilum e não executou o trabalho adequada mente e o muro ameaça cair esse pedreiro deverá reforçar o muro às suas custas47 Se um barqueiro calafetou um barco para um awilum e não executou o seu trabalho com cui dado e naquele mesmo ano esse barco adernou ou sofreu avaria o barqueiro desmontará esse barco reforçáloá com seus próprios recursos e entregará o barco reforçado ao proprietário do barco48 47 233 48 235 CAPÍTULO III DIREITO HEBRAICO 1 Introdução Os Hebreus são um povo de origem semita que vivia na Meso potâmia entre os rios Tigre e Eufrates no Crescente Fértil no final do segundo milênio aC Por essa época iniciaram um deslocamento que terminou por volta do século XVIII aC na região da Palestina A Palestina pode ser dividida em várias regiões uma de planície costeira ao longo do Mediterrâneo uma de picos elevados no centro e outra o curioso vale do Jordão que fica quase totalmente abaixo do nível do mar A terra dos Hebreus tem portanto o mar Mediterrâneo de um lado o deserto de outro e o mais importante a qualidade de ter sido o local de passagem entre a África e a Ásia isto é o Egito e a Mesopo tâmia Os Hebreus como a maioria dos povos da região eram agri cultores pastores Viviam do pastoreio de ovelhas e principalmente cabras do plantio de uvas trigo e outros produtos Mas havia nesse povo um diferencial que na Antiguidade era único eram Monoteístas mono um théos deus Essa característica marca toda a história desse povo bem como toda e qualquer produção cultural que tenham realizado A História dessas pessoas pode ser acompanhada pela Bíblia mais especificamente pelo Antigo Testamento que reúne a Torá ou a Lei os Profetas e os Escritos O Novo Testamento inclui a história e os ensinamentos de parte dos Hebreus que acreditaram que Jesus é o Messias que o Antigo previa Eles acreditavam em um só Deus que por vontade própria havia se revelado a um Patriarca Abraão e a partir desse momento iniciou um relacionamento entre Ele e os que chamavam de Povo Escolhido Este era seu diferencial os únicos da face da terra com um Deus iniciando a história do monoteísmo que hoje é dominante no mundo49 49 Gen 12 1ss Esse relacionamento é de tal modo intrincado que não se pode compreender esse povo sem vislumbrar a interferência de Deus em suas vidas Para eles Deus escolhia os líderes Deus escolhia o lugar onde ficariam Deus dava fartura ou não Deus dependendo de seu merecimento dava a vitória ou a derrota na guerra Não é de estranhar portanto que para esse povo a lei tenha sido inspirada por Deus e ir contra ela seria o equivalente a ir contra Deus Então o leigo e o divino interagem de tal modo que pecado e crime se confundem o direito é imutável somente Deus pode modificálo Os rabinos chefes religiosos podem até interpretálo para adaptálo à evolução social entretanto nunca podem modificálo 2 A Sociedade e a Vida Econômica Os hebreus a princípio se dividiam em tribos de acordo com os números de filhos de Jacó 12 essas tribos se subdividiam em famílias e toda a organização política e social girava em torno deste status quo Das doze tribos onze cuidavam basicamente da agricultura e do pastoreio a décima segunda não tinha terras era a tribo dos levitas que tinham funções sacerdotais ou melhor dizendo de auxiliares dos sacerdotes que descendiam de Aarão Havia também outras duas camadas sociais a dos escravos e a dos estrangeiros Os primeiros podiam ser distintos entre os escravos hebreus provavelmente tomados como escravos pelo nãopagamento de uma dívida e estrangeiros Ambos tinham tantos direitos que mui tos autores confessam hesitar em chamálos de escravos pois embora tenham as principais características eram cercados de muitas con siderações inclusive direitos A ambos assistiam certos direitos assegurados quer pela própria legislação mosaica quer pelo costume Assim por exemplo entre os direitos do escravo estrangeiro salvaguardados pela tradição judaica podemos enumerar casarse com uma escrava possuir bens converterse ao judaísmo receber liberdade em determinadas circunstâncias50 50 GIORDANI M C História da antiguidade oriental 11 ed Petrópolis Vozes 2001 p 233 Os estrangeiros livres não gozavam do mesmo direito dos hebreus Dois tipos de estrangeiros eram distintos os que tinham alguma ligação com alguma tribo de Israel e portanto desfrutavam de alguns direitos e os que não tinham quaisquer ligações não tendo direito algum Após os quarenta anos no deserto depois de se libertarem da escravidão no Egito ao chegarem à Terra Prometida os Israelitas pas saram de somente pastores como eram antes pelo seu nomadismo a agricultorespastores Entretanto se por séculos essas atividades agro pastoris foram o cerne da economia dessa sociedade a indústria tam bém conheceu um certo desenvolvimento principalmente aquela que utilizava o cobre como matériaprima O comércio atingiu seu auge no período de Davi e Salomão e sempre foi presente na vida desse povo visto que a região que habitam é uma verdadeira encruzilhada nas rotas da Mesopotâmia Egito Mar Vermelho e do deserto 3 A Lei Mosaica Por volta de 1800 aC fortes secas obrigaram os Hebreus a saírem da Palestina em direção ao Egito Nessa época um povo chamado Hicsos tentava conquistar as planícies do Nilo não se sabe se os He breus enfrentaram ou se aliaram aos hicsos sabemos entretanto que em 1580 aC depois da expulsão destes os Hebreus passaram a ser perseguidos no Egito passando a pagar pesados impostos e chegando até mesmo à escravidão51 Moisés lideraria esse povo aproximadamente em 1250 aC de volta à Palestina em um episódio chamado êxodo ou fuga Conta a Bíblia que Moisés teria sido criado por uma princesa egípcia que o havia encontrado em uma cesta boiando no rio e que após chegar à idade adulta teria tomado consciência de suas raízes hebraicas e depois de um exílio teria voltado ao Egito para liderar a libertação dos Hebreus Antes de chegarem à Palestina segundo a Bíblia os Hebreus teriam passado quarenta anos no deserto e aí teriam forjado sob a liderança de Moisés toda a base de sua civilização inclusive suas leis 51 A Bíblia conta a história da ida para o Egito a partir da história de José que teria sido vendido pelos seus irmãos como escravo indo parar no Egito chegando a alto funcionário do faraó cf Gen Capítulos de 37 a 50 Acreditam alguns que a Torá que contém a lei dos Hebreus foi criada pelo próprio Moisés e embora esse dado esteja um tanto desa creditado hoje em dia continuamos denominando a legislação de Mosaica mesmo porque provavelmente foi após a saída do Egito que este povo começou a estruturar as bases de seu direito A base moral da Legislação Mosaica pode ser encontrada nos Dez Mandamentos que teriam sido escritos pessoalmente por Deus no Monte Sinai como forma de Aliança entre Ele e o Povo Escolhido A Torá também chamada Pentateuco é formada pelos cinco primeiros livros da Bíblia o Gênesis o Êxodo o Levítico o Números e o Deuteronômio Em toda a Torá encontramos leis entretanto há no último livro uma reunião maior de leis repetindo inclusive alguns preceitos vistos nos outros livros mesmo porque é esta a intenção do Deuteronômio que significa segunda lei a simplicidade se reflete poderosamente na lei mosaica cuja virtude principal reside no fato de ter transformado num verdadeiro código as normas não escritas da primitiva sociedade de nômades52 A maioria dos autores afirma não ser a lei de Moisés uma legislação que distinga entre direito sacro e profano apontadoa como um direito religioso Isso é fato entretanto apenas definir esse direito dessa forma simplifica uma visão que pode ser ampliada e pode auxiliarnos na compreensão dessa sociedade e sua relação com a lei e a religião Se analisarmos o povo hebreu poderemos constatar como já afir mado anteriormente que é um povo que traz em tudo o fator religioso e isso se dá principalmente porque sua religião e a essência desta o monoteísmo foi durante muitos séculos exclusividade do povo israe lita Dessa forma ao se tentar definir os hebreus passaremos obrigato riamente e em primeiro lugar pela questão religiosa Assim a religião não é somente uma das características dos israe litas mas pode ser indicada como a característica aquela que dá ali cerce e é o ponto de convergência de toda uma sociedade Tanto foi as sim que praticamente todas as vezes que esse povo descuidouse da religião problemas sociais e políticos aconteceram Eles obviamente explicavam tais coincidências como uma vingança ou desaprovação 52 RÁO V Op cit p 173 da divindade entretanto qualquer que fosse a característica primor dial de um povo se fosse desdenhada desuniria a sociedade trans formandoa em alvo fácil para problemas internos ou externos 4 A Formação do Direito Hebraico da Legislação Mosaica aos dias de hoje A tradição indica Moisés como autor do Pentateuco portanto autor do Deuteronômio das chamadas Leis Mosaicas Essa obra deverá ter então a idade de seu criador e deve ser datada no século XIII aC Mas os anos de 586 aC e os seguintes foram primordiais também para a formação de uma legislação extramosaica Em 586 aC após um cerco que durou mais de um ano o rei da Ba bilônia Nabucodonosor conquistou o reino dos hebreus e estes foram levados em número pequeno mas significativo visto que repre sentavam a elite social e religiosa da nação para a Babilônia como escravos Esse cativeiro foi o ponto de partida para a formação de um direito hebraico novo oral visto que ao entrarem em contato com diversas culturas diferentes e fortes notadamente persas gregos e romanos os hebreus sentiram a necessidade de afirmar sua cultura ao mesmo tempo que procuraram adaptála dentro dos parâmetros das influên cias que estavam recebendo Esse processo iniciado na Babilônia somente terminaria 900 anos mais tarde A lei oral Torah Chebal Pé atuava ao lado da escrita isto é mosaica Tora Chebikhtav Esta continuou a ser considerada séculos afora a lei suprema infalível sacrossanta Prevalecia sem pre mesmo depois da codificação da lei oral em qualquer conflito que se verificasse entre as duas A lei oral formada pelo Sofrim escritores An chei Haknesset Hagdolah os homens da Grande Assembléia e Tanaim sábios teve sempre um caráter subsidiário53 53 RÁO V Op cit p 174 A primeira codificação do direito oral foi chamada de Michná repetição e foi feita pelo último dos Tanaim em 192 dC Essa codifica ção se divide em seis partes nas quais a primeira a terceira e a quarta constituem segundo poderíamos comparar hoje o corpo de Direito Civil A primeira trata de leis rurais e propriedade imobiliária a terceira ocupase do direito matrimonial e do divórcio a quarta trata de obrigações civis usura danos à propriedade sucessão organização dos tribunais processo etc Para guardar a fidelidade à Legislação Mosaica no uso da codifica ção nova os séculos seguintes produziram discussões interpretações e aprofundamentos do texto da Michná que deram origem às Guemaras que juntamente com a Michná e a própria Torá constituem o Talmud que significa estudo que é o verdadeiro corpo da Legislação Hebraica Entretanto com a elaboração do Talmud não se encerrou a história do direito judaico ela continuou durante todos os séculos subse quentes apesar de os judeus estarem dispersos pelo mundo Hoje após o estabelecimento do Estado de Israel o Parlamento Israelita chamado Knesset é o poder legislativo na concepção moderna do termo 5 Algumas Leis do Deuteronômio a Justiça A Legislação Hebraica é bastante rigorosa na questão da justiça prevendo inclusive a obrigatoriedade da imparcialidade no julga mento Ao mesmo tempo ordenei a vossos juízes Ouvi reis vossos irmãos para fazerdes justiça entre um homem e seu irmão ou o estrangeiro que mora com ele Não façais acepção de pessoa no julga mento ouvireis de igual modo o pequeno e o grande 54 Para a operacionalização da justiça fica estabelecido que cada cidade terá obrigatoriamente que contar com juízes e que estes não 54 Deuteronômio 1 1617 Bíblia de Jerusalém São Paulo Paulinas 1985 grifo nosso poderão corromperse A Legislação Mosaica explica essa aversão ao suborno mostrando a lógica incompatibilidade entre o que é justo e a corrupção Estabelecerás juízes e escribas em cada uma das cidades que Iahweh teu Deus vai dar para as tuas tribos Eles julgarão o povo com sentenças justas Não perverterás o direito não farás acepção de pessoas no julgamento e nem aceita rás suborno pois o suborno cega os olhos dos sábios e falseia a causa dos justos55 b Processo A questão da justiça ou melhor de não cometer injustiças é muito cara aos Hebreus mesmo porque ter o sangue de um justo nas mãos é um pecado gravíssimo para eles Nesse sentido esse povo se difere um pouco de outros já que praticamente não admite julgamento sem investigação ou julgamento por forças naturais ou deuses No exemplo a seguir partese da possibilidade do cometimento de um crime considerado extremamente grave o de uma cidade adorar a outros deuses e é prevista uma punição pesada mas não sem antes ficar provado através de acurada investigação Caso ouças dizer que numa das cidades que Iaweh teu Deus te dará para aí morar homens vagabundos procedentes do teu meio seduziram os habitantes de tua cidade dizendo Vamos servir a outros deuses que não conhecestes de verás investigar fazendo uma pesquisa e inter rogando cuidadosamente Caso seja verdade se o fato for constatado se esta abominação foi pra ticada em teu meio deverás então passar a fio de espada os habitantes daquela cidade56 c Pena de Talião É a Bíblia que primeiro descreve o Princípio da Pena de Talião embora o uso fosse mais antigo 55 Deut 16 1819 56 Deut 13 1316 grifo nosso Conferir também Deut 17 25 Que teu olho não tenha piedade Vida por vida olho por olho dente por dente mão por mão pé por pé57 Entretanto embora esse princípio fosse utilizado entre os He breus o era de maneira mais amena que entre outros povos porque outros princípios limitavam sua aplicação como veremos a seguir d Individualidade das Penas Os pais não serão mortos no lugar dos filhos nem os filhos em lugar dos pais Cada um será executado por seu próprio crime58 Esse princípio que individualiza as penas minimiza a ação do Princípio da Pena de Talião entre os Hebreus fazendo com que aplica ções da Pena de Talião como no caso visto no capítulo anterior em Hammurabi que o filho do construtor morre por causa da casa que o pai fez e que ao cair matou o filho do dono da casa não sejam possíveis Depois dos Hebreus e um pouco os romanos praticamente só no século XVIII dC vamos encontrar de novo a aplicação de tão valoroso e lógico princípio e Lapidação Lapidação é o nome que se dá a pena mais comum do Antigo Testamento É a morte por apedrejamento Para os israelitas morreriam dessa forma os idólatras Deut 17 57 os feiticeiros Lev 20 27 os filhos rebeldes Deut 21 1821 e as adúlteras f Cidades de Refúgio A preocupação dessa legislação com a justiça chega ao ponto de prever e obrigar o estabelecimento de cidades de refúgio ou asilo onde pessoas com problemas poderiam se refugiar para que fosse feita a justiça com calma e não no calor de fortes emoções 57 Deut 1921 58 Deut 25 16 Quando Iahweh teu Deus houver eliminado as nações e as conquistares e estiveres moran do em suas cidades e casas separarás três cida des no meio da terra cuja posse Iahweh teu Deus te dará Estabelecerás o caminho medirás as distâncias e dividirás em três partes o território isto para que nela se refugie o homicida59 A utilidade dessas cidades pode ser mais bem compreendida em conjunto com o próximo ponto g Homicídio Involuntário e Homicídio Essa legislação prevê como de resto todas as outras o homicídio e na Antiguidade o Princípio da Pena de Talião era utilizado como base na penalização desse delito Entretanto os Hebreus não permitem a penalização do que cometeu homicídio sem querer Não se deve uti lizar o termo culposo para um povo que não concebia negligência imperícia ou imprudência como causas de homicídios ou danos Este é o caso do homicida que poderá se refugiar lá para se manter vivo aquele que matar seu pró ximo involuntariamente sem têlo odiado antes por exemplo alguém vai com seu próximo cortar lenha impelindo com força o machado para cortar a árvore o ferro escapa do cabo atinge o compa nheiro e o mata ele poderá então se refugiar nu ma daquelas cidades ficando com a vida salva para que o vingador do sangue enfurecido não persiga o homicida e o alcance porque o caminho é longo tirandolhe a vida sem motivo sufi ciente pois antes não era inimigo do outro60 Contudo se alguém é inimigo de seu próximo e lhe arma uma cilada levantandose e ferindoo mortalmente e a seguir se refugia numa daque las cidades os anciãos da sua cidade enviarão 59 Deut 19 13 60 Deut 19 46 pessoas para tirálo e entregálo ao vingador de sangue para que seja morto61 h Testemunhas A prova testemunhal era primordial na Antiguidade e os Hebreus têm um preceito legal que até hoje pode ser visto inclusive em nossa legislação Uma única testemunha não é suficiente contra alguém em qualquer caso de iniqüidade ou de pecado que haja cometido A causa será esta belecida pelo depoimento pessoal de duas ou três testemunhas62 Com tamanha importância dada à prova testemunhal as penas para falso testemunho eram pesadas geralmente sendo que na Legis lação Mosaica a pena para falso testemunho é equivalente à pena que o acusado teria se fosse condenado Princípio da Pena de Talião Quando uma falsa testemunha se levantar con tra alguém as duas partes em litígio se apre sentarão diante de Iahweh diante dos sacerdo tes e dos juízes que estiverem em função na queles dias Os juízes investigarão cuidado samente Se a testemunha for uma testemunha falsa e tiver caluniado seu irmão então vós a tratareis conforme ela própria maquinava tratar o seu próximo63 i Matrimônio É interessante notar que não há em hebraico uma palavra que seja sinônimo de matrimônio no Antigo Testamento falta o conceito que hoje temos Este não era de direito religioso ou civil mas era um assunto puramente particular entre duas famílias64 61 Deut 19 11 12 62 Deut 19 15 63 Deut 19 1619 Notese que a questão da investigação é reforçada 64 BORN A Van Den Dicionário enciclopédico da Bíblia Petrópolis Vozes 1971 p 958 j Adultério Embora nessa sociedade como na de Hammurabi o peso maior do crime de adultério esteja sobre a mulher casada há um certo puritanis mo nesse povo que leva o peso do crime também para o homem Se um homem for pego em flagrante deitado com uma mulher casada ambos serão mortos o ho mem que se deitou com a mulher e a mulher65 k Divórcio Todos os povos da Antiguidade preveem divórcio Este só co meçou a ser proibido a partir do cristianismo Na Legislação Mosaica entretanto somente os homens podem divorciarse às mulheres não cabe a iniciativa Mesmo assim teria que haver algo vergonhoso o que pode ser interpretado de várias maneiras na esposa para que o esposo pudesse repudiála Quando um homem tiver tomado uma mulher e consumado o matrimônio mas este logo depois não encontra mais graça a seus olhos porque viu nela algo de inconveniente ele lhe escreverá então uma ata de divórcio e a entregará dei xandoa sair de sua casa em liberdade66 l Concubinato No Deuteronômio o concubinato é considerado como algo normal somente o Levítico 18 18 e ss ordenava que as duas esposa e con cubina não fossem irmãs Se alguém tiver duas mulheres e ambas lhe tiverem dado filhos 67 65 Deut 22 22 66 Deut 24 1 67 Deut 22 15s m Estupro O estupro sem pena para a vítima é previsto nessa legislação em bora somente em um caso específico o de a mulher ter sido violentada em um lugar onde poderia ter gritado sem que ninguém a ouvisse Se houver uma jovem virgem prometida a um homem e um homem a encontra na cidade e se deita com ela trarei ambos à porta da cidade e os apedrejareis até que morram a jovem por não ter gritado por socorro na cidade e o homem por ter abusado da mulher de seu próximo Contudo se o homem encontrou a jovem prometida no campo violentoua e deitouse com ela morrerá somente o homem que se deitou com ela nada farás à jovem porque ela não tem pecado que mereça a morte Ele a encontrou no campo e a jovem prometida pode ter gritado sem que houvesse quem a salvasse68 n Herança e Primogenitura O primogênito era beneficiado em detrimento dos outros filhos homens já que mulheres tinham direito apenas ao dote Esse bene fício era garantido mesmo que o primogênito tivesse como mãe uma das mulheres do pai que este não gostasse Se alguém tiver duas mulheres amando uma e não gostando da outra e ambas lhe tiverem dado filhos se o primogênito for da mulher da qual ele não gosta este homem quando for repartir a herança entre seus filhos não poderá tratar o filho da mulher que ele ama como se fosse o mais velho em detrimento do filho da mulher que ele não gosta mas que é o verdadeiro primogênito Reconhecerá como primogênito o filho da mulher da qual ele não gosta dandolhe porção dupla de tudo quanto possuir pois ele é a primícia da sua 68 Deut 22 2327 Não era previsto nenhum tipo de coação física ou moral para justificar o fato da moça estuprada na cidade não ter gritado virilidade e o direito de primogenitura lhe per tence69 o Defloração O caso aplicase à mulher virgem não comprometida Se um homem encontra uma jovem virgem que não está prometida e a agarra e se deita com ela e é pego em flagrante o homem que se deitou com ela dará ao pai da jovem cinqüenta ciclos de prata 570 gr de prata aproximadamente e ela ficará sendo sua mulher uma vez que abusou dela Ele não poderá mandála embora durante toda a sua vida70 p Escravos Em Israel os prisioneiros de guerra não israelitas eram vendidos como escravos Deut 21 10 ou podiam ser comprados em Tiro Gaza ou Aço o tráfico de escravos estava principalmente nas mãos dos Fenícios Era proibida a compra de escravos israelitas por israelitas embora um israelita pudesse se vender provavelmente para pagamento de dívida como escravo A lei indicava que essa escravidão não poderia ser eterna Quando um dos teus irmãos hebreu ou hebréia for vendido a ti ele te servirá por seis anos No sétimo ano tu o deixarás ir em liberdade não o despeças de mãos vazias carregalhe o ombro com presentes do produto do teu rebanho da tua eira e do teu lagar71 Essa indicação de que o escravo deveria receber algo ao deixar a casa do senhor pode parecer para alguns como uma forma de pa gamento pelos seis anos de serviços prestados mas não o é Escravo é coisa 69 Deut 22 1517 70 Deut 22 2829 71 Deut 15 1214 Esse estabelecimento de uma ajuda para o recém exescravo parece ser uma forma de possibilitar que a lei seja de fato cumprida visto que sem isso o escravo sem ter para onde ir e como sobreviver deixaria se escravizar pelo resto da vida Aliás esta é uma opção do escravo Mas se ele escravo diz não quero deixarte se ele te ama e à tua casa e está bem contigo tomarás então uma sovela e lhe furarás a orelha contra a porta e ele ficará sendo teu servo para sempre O mesmo farás com tua serva72 q Caridade Entre os hebreus a caridade é prevista em lei mesmo porque se trata de um povo que se pauta e tem sua identificação enquanto sociedade na questão religiosa Quando houver um pobre em teu meio que seja um só dos teus irmãos numa só de tuas cidades não endurecerás teu coração nem fecharás a mão para com este teu irmão pobre pelo contrá rio abrelhe a mão emprestando o que lhe falta na medida da sua necessidade73 r Governo Geralmente quando se trata de uma religião revelada ou seja quando a própria divindade se mostra para os fiéis por livre vontade a interferência da divindade no diaadia do povo é muito grande Nesse caso o dos Hebreus quem institui o governo é Deus por tanto o rei não pode sentirse muito acima dos demais mortais Quando tiveres entrado na terra que Iahweh teu Deus te dará tomado posse dela e nela habitares e disseres Quero estabelecer sobre mim um rei como todas as nações que me rodeiam deverás 72 Deut 15 1617 73 Deut 15 78 estabelecer sobre ti um rei que tenha sido es colhido por Iahweh teu Deus é um dos teus irmãos que estabelecerás como rei sobre ti Não poderás nomear um estrangeiro que não seja teu irmão74 De fato os reis de Israel costumavam segundo a tradição bíblica ser escolhidos por Profetas a mando segundo a crença israelita de Deus Assim foi com o primeiro rei Saul consagrado pelo profeta Samuel segundo lhe ordenara Deus assim foi com Davi que embora nem parente de Saul fosse foi escolhido mesmo no caso de Salomão este não era o primogênito de Davi e foi rei sucedendo o pai75 s Fraude Comercial e Juros A Legislação hebraica proíbe a utilização de pesos e medidas diversos bem como o empréstimo a juros entre israelitas Não terás na bolsa dois tipos de peso um pesado e outro leve Não terás em tua casa dois tipos de medida uma grande e outra pequena76 Não emprestes a teu irmão com juros quer se trate de empréstimo de dinheiro quer de víveres ou de qualquer outra coisa sobre a qual é cos tume exigir um juro Poderás fazer um emprésti mo com juros ao estrangeiro contudo empres tarás sem juros ao teu irmão 77 t Fauna e Flora Há uma preocupação que poderíamos chamar de um tanto pre servacionista em algumas leis do deuteronômio Quando tiveres que sitiar uma cidade durante muito tempo antes de atacála e tomála não de 74 Deut 17 1415 75 Cf I e II Samuel e I e II Reis 76 Deut 25 1314 77 Deut 23 2021 ves abater suas árvores a golpes de machado ali mentarteás dela sem cortálas 78 Se pelo caminho encontras um ninho de pás saros numa árvore ou no chão com filhotes ou ovos e a mãe sobre os filhotes ou sobre os ovos não tomarás a mãe que está sobre os filhotes deves primeiro deixar a mãe partir em liberdade depois pegarás os filhotes para que tudo corra bem a ti e prolongues os teus dias79 78 Deut 20 19 79 Deut 22 67 CAPÍTULO IV O CÓDIGO DE MANU 1 Introdução Entender o Código de Manu somente lendoo é uma tarefa impos sível mesmo para o mais sábio dos ocidentais Esse Código mais niti damente e mais profundamente que qualquer outro da Antiguidade é parte inexorável da constituição histórica social e principalmente religiosa desse povo Portanto entender o Código de Manu é antes de tudo buscar a compreensão dessa sociedade e sua estrutura e de sua religião 2 Contexto Histórico As condições geográficas da Índia um relativo isolamento marcaram muito sua formação na Antiguidade Contrariamente ao Egi to e à Mesopotâmia a Índia é caracterizada por sua diversidade e pela complexidade das suas condições naturais80 A Índia fica na Ásia Meridional e tem duas zonas principais o Sul e o Norte O Sul ocupa a Península do Decão a segunda zona encontra se no continente Essa região está isolada por um lado pelo Himalaia a mais alta cadeia de montanhas do mundo e por outro pelos mares dificultando muito a comunicação com outros povos Por volta de 2500 aC os dravidianos já dominavam técnicas de cultivo na Península Indiana inclusive a do arroz que posteriormente se difundiu por toda a Ásia No segundo milênio antes de Cristo vindos do interior do conti nente os arianos invadiram o norte e tomaram a península Eles já dominavam o ferro e eram bons guerreiros principalmente excelentes cavaleiros 80 DIAKOV V KOVALEV S dir História da Antigüidade A sociedade primitiva do Orien te Lisboa Estampa 1976 p 317 e ss Da soma da civilização dravidiana e dos invasores arianos nasceu a civilização hindu que possuiu características que se perpetuam até hoje na sociedade indiana 3 Sociedade A sociedade Hindu é dividida em Castas e mesmo hoje depois da influência de outros povos outras religiões nas regiões onde o hinduismo permanece a estrutura de castas persiste inalterada O sistema de castas não admite mudanças ao menos em vida o nascimento determina a casta que o indivíduo pertencerá por toda a sua existência Portanto nascer em uma casta significa crescer nela casarse com alguém dessa mesma casta ter filhos somente dessa casta e morrer pertencendo a ela A mistura de castas é vista como algo hediondo não passível sequer de qualquer consideração mesmo porque para os Hindus essa divisão foi feita na criação do mundo quando dos membros superiores do deus Brahma saíram as castas superiores e dos membros inferiores a castas inferiores81 As castas eram quatro e quem não pertencia a nenhuma delas era considerado resto Brâmanes a casta superior considerada a mais pura física e principalmente espiritualmente Tinham funções como administradores médicos líderes espirituais etc Aos Brâmanes era devida obediência indiferentemente da condição de tal Brâmane Art 733 Instruído ou ignorante um Brâmane é uma divindade poderosa do mesmo modo que o fogo consagrado ou não consagrado é uma poderosa divindade Ksatryas eram a casta dos guerreiros 81 Para ilustrar essa afirmação podemos ler no Código de Manu Art 594o O filho que um Brâmane engendra por luxúria se unindo a uma mulher de classe servil ainda que gozando da vida é como um cadáver eis porque é chamado cadáver vivo Varsyas a casta dos comerciantes É interessante ressaltar que essa divisão por castas não dependia de riqueza Os brâmanes eram muito ricos mas um varsya também poderia sêlo mas mesmo assim era considerado inferior aos ksatryas que por sua vez eram inferiores aos brâmanes Sudras a casta inferior82 Eram a mão de obra da Índia pedrei ros agricultores empregados em geral Estavam em condição servil ou seja embora não fossem escravos estavam obrigados a trabalhar para as outras castas principalmente a dos brâ manes Art 410 Mas que ele o brâmane obrigue um Sudra comprado ou não a cumprir as funções servis porque ele foi criado para o serviço de Brâmane pelo ser existente por si mesmo Art 411 Um Sudra ainda que liberto por seu senhor não é livre do estado de servidão porque este estado lhe sendo natural quem poderia dele isentálo O resto era chamado Chandalas ou párias que não eram consi derados casta na prática não eram considerados nem gente Eram classificados como os mais impuros cabendo a eles as tarefas também consideradas demasiado impuras para que um membro de uma casta as executasse Eles eram os sapateiros os limpafossas os curtidores etc Ou seja exerciam funções que lidavam com restos humanos ou de animais Os reis em geral saíam da casta dos Ksatryas isso porque eram antes de qualquer coisa chefes guerreiros Entretanto os brâmanes podiam mais que o rei como provam estes artigos do Código Art 35 Quando um homem vem dizer com ver dade esse tesouro me pertence e quando ele prova o que alega o tesouro tendo sido achado quer por esse homem quer por outro o rei deve 82 Inferior em todos os sentidos podendo até mesmo ser considerada uma praga Art 22o O país habitado por um grande número de Sudras freqüentado por ateus e desprovido de Brâmanes é logo destruído pelas devastações da fome e das moléstias ter dele a sexta ou a duodécima parte segundo a qualidade desse homem Art 37 Quando o Brâmane instruído vem a des cobrir um tesouro outrora enterrado ele pode tomálo integralmente porque ele é senhor de tudo que existe Art 38 Mas quando o rei acha um tesouro anti gamente depositado na terra e que não tem dono que ele dê a metade dele aos Brâmanes e deixe entrar a outra metade em seu tesouro 4 Religião Para os Hindus antes das influências budistas e posteriormente cristãs a religião era o Vedismo que vem de Veda e significa a soma de todo conhecimento É a religião que antecede o Bramanismo que dominou a Índia posteriormente e sobrevive até hoje juntamente às religiões importadas O Vedismo apoiase na crença na reencarnação e através desta os Hindus puderam basear e firmar sua estrutura social e sua legis lação Para eles o reencarnar em uma situação boa ou ruim na próxima vida dependia intimamente de ser bom ou não na vida presente Essa ideia permeia tudo dos hindus da Índia antiga da sociedade à religião da economia à divisão por castas Como afirmado anteriormente essa divisão não possibilitava mistura nem a mudança de uma casta para outra Esse deslocamento entre castas só era possível ao indivíduo com a sua morte e con sequente reencarnação Se uma pessoa fosse boa durante sua vida poderia vir em uma casta melhor em sua próxima encarnação se fosse ruim viria em uma casta inferior Essa certeza dava à forma da sociedade um molde que não po deria ser facilmente rompido visto que se um indivíduo estava em uma situação precária por ser de uma casta inferior isso se devia ex clusivamente à responsabilidade dele próprio e de sua conduta na vida anterior da mesma maneira não havia como se rebelar contra as pessoas das castas superiores à medida que estas fizeram efetiva mente por merecer em suas vidas passadas Além da divisão social o próprio Código de Manu apoiavase nessa crença Ser bom ou ruim implicava diretamente respeitar ou não o Código Art 750 Uma obediência cega às ordens dos Brâmanes versados no conhecimento dos Livros Santos donos de casa e afamados pela sua virtude é o principal dever de um Sudra e ele dá felicidade depois da morte Art 751 Um Sudra puro de espírito e de corpo submetido às vontades das classes superiores doce em sua linguagem isento de arrogância e se ligando principalmente aos Brâmanes obtém um nascimento mais elevado 5 Alguns Pontos do Código de Manu a Testemunhas A questão das testemunhas para esse Código é tratada com o mais intenso cuidado Uma testemunha não pode de maneira alguma ficar calada pois isso é considerado equivalente a um falso teste munho Art 13 É preciso ou não vir ao Tribunal ou falar segundo a verdade o homem que nada diz ou profere uma mentira é igualmente culpado As testemunhas devem ser admitidas dentro de parâmetros muito estreitos Art 49 Devemse escolher como testemunhas para as causas em todas as classes homens dignos de confiança conhecendo todos os seus deveres isentos de cobiça e rejeitar aqueles cujo caráter é o oposto a isso Entretanto a rejeição a testemunhas não ficava restrita a homens cujo caráter fosse duvidoso Uma série de tipos de pessoas de profissionais de indivíduos com certas condições emocionais também não podia testemunhar Art 50 Não se devem admitir nem aqueles que um interesse pecuniário domina nem amigos nem criados nem inimigos nem homens cuja má fé seja conhecida nem doentes nem homens culpados de um crime Art 51 Não se pode tomar para testemunha nem o rei nem um artista de baixa classe como um cozinheiro nem um ator nem um hábil teólogo nem um estudante nem um ascético afastado de todas as relações mundanas Art 52 Nem um homem inteiramente depen dente nem um homem mal afamado nem o que exerce um ofício cruel nem o que se entrega a ocupações proibidas nem um velho nem uma criança nem um homem só nem um homem pertencente a uma classe misturada nem aquele cujos órgãos estão enfraquecidos Art 53 Nem um infeliz desanimado pelo pesar nem um ébrio nem um louco nem um sofrendo fome ou sede nem fatigado em excesso nem o que está apaixonado de amor ou em cólera ou um ladrão Algumas pessoas podiam ser tomadas como testemunhas apesar de não serem consideradas ideais e somente poderem ser usadas em casos excepcionais e em condições predeterminadas Art 54 Mulheres devem prestar testemunho para mulheres Dvija da mesma classe para Dvijas Sudras honestos para pessoas da classe servil homens pertencentes às classes mistu radas para os que nasceram nessas classes Mas se se trata de um fato acontecido nos aposentos interiores ou em uma floresta ou de um assassinato aquele quem quer que seja que viu o fato deve dar testemunho entre as duas partes83 Art 55 Em tais circunstâncias na falta de tes temunhas convenientes podese receber o depoimento de uma mulher ou de uma criança de um ancião de um discípulo de um parente de uma escrava ou de um criado No caso de testemunhas mulheres conforme visto anteriormente era somente aceito se o testemunho fosse dado a outra mulher entretanto mesmo assim elas eram consideradas inconvenientes por sua inconstância Art 62 O testemunho isolado de um homem isento de cobiça é admissível em certos casos enquanto que o de um grande número de mulheres ainda que honestas não o é por causa da inconstância do espírito delas como não o é o dos homens que cometeram crimes Mesmo ao se colocar na posição de testemunha a separação e a hierarquização das castas estavam presentes Art 97 Que o juiz faça jurar um Brâmane por sua veracidade um Ksatriya por seus cavalos seus elefantes ou suas armas um Vaisya por suas vacas seu trigo seu ouro um Sudra por todos os crimes E dependendo do caso a testemunha poderia ter que passar por uma prova Art 98 Ou então segundo a gravidade do caso que ele faça tomar o fogo com a mão àquele que ele quer experimentar ou que ele mande mergu lhálo na água ou lhe faça tocar separadamente a 83 Dvija Nascido duas vezes cabeça de cada um de seus filhos e de sua mulher Art 99 Aquele a quem a chama não queima a quem a água não faz sobrenadar ao qual não sobrevém desgraça prontamente deve ser con siderado como verídico em seu juramento b Falso Testemunho O falso testemunho é tratado por esse Código de maneira bastante dura e as penas podem ser em vida ou no pósvida Art 67 Aquele que presta um testemunho falso cai nos laços de Veruna sem poder opor ne nhuma resistência durante cem transmigrações devese por conseguinte dizer só a verdade Art 74 As moradas de tormentos reservadas ao assassino de um Brâmane ao homem que mata uma mulher ou uma criança ao que faz mal ao seu amigo e ao que paga com o mal o bem são igualmente destinadas à testemunha que dá depoimento falso Art 78 Nu e calvo sofrendo fome e sede priva do da vida aquele que tiver prestado falso teste munho será reduzido a mendigar sua subsis tência com uma xícara quebrada na casa de seu inimigo Art 79 Com a cabeça para baixo será precipi tado nos abismos mais tenebrosos do inferno o celerado que interrogado em um inquérito judicial der um depoimento falso Entretanto a mentira diante do juiz caso tenha sido engendrada para salvar a vida de quem cometeu um crime em um momento de alucinação é aceita e recomendada Art 89 Todas as vezes que a declaração da ver dade poderia causar a morte de um Sudra de um Vaisya de um Ksatriya ou de um Brâmane quando se trata de uma falta cometida num momento de alucinação e não de um crime premeditado como roubo arrombamento é preciso dizer uma mentira e nesse caso é preferível à verdade c Casamento Nessa sociedade muitas crianças já nasciam prometidas em casamento e especificamente no caso da mulher não era uma escolha pessoal até mesmo porque na maior parte das vezes elas casavamse ainda muito crianças segundo indica o Código de Manu Art 505 É a um mancebo distinto de exterior agradável e da mesma classe que um pai deve dar sua filha em casamento segundo a lei embora ela não tenha chegado ainda à idade de oito anos em que a devam casar Art 511 Um homem de trinta anos deve desposar uma rapariga de doze que lhe agrade um de vinte e quatro uma de oito se ele acabou antes seu noivado para que o cumprimento de seus deveres de dono da casa não seja retardado que ele se case logo d Divórcio Esse Código admitia divórcio embora não deixe claro que não deve ser feito sem motivos que aquela sociedade considerava importantes E a separação somente poderia ocorrer caso a deficiência fosse da esposa ou seja era o marido quem decidia a separação Art 494 Durante um ano inteiro que o marido suporta a aversão de sua mulher mas depois de um ano se ela continua a odiálo que ele tome o que ela possui em particular lhe dê somente o que subsistir e vestirse e deixe de habitar com ela Art 496 Mas aquela que tem aversão por um marido insensato ou culpado de grandes crimes ou eunuco ou impotente ou atormentado de elefantíase ou de concussão pulmonar não será abandonada nem ser privada de seu bem Art 497 Uma mulher dada aos licores inebrian tes tendo maus costumes sempre em contra dição com seu marido atacada de uma moléstia incurável como a lepra ou de um gênio mau e dissipa seu bem deve ser substituída por outra mulher Defeitos de fertilidade incluindo aí o caso de só ter filhas mu lheres e de mortalidade infantil também poderiam ocasionar a separação84 Art 498 Uma mulher estéril deve ser substituída no oitavo ano aquela cujos filhos têm morrido no décimo aquela que só põe no mundo filhas no undécimo aquela que fala com azedume ime diatamente A mulher considerada virtuosa mesmo que doente não poderia ser rejeitada somente com seu consentimento Art 499 Mas aquela que embora doente é boa e de costumes virtuosos não pode ser substi tuída por outra senão por seu consentimento e não deve jamais ser tratada com desprezo e Mulheres Pelos pontos abordados anteriormente já foi possível perceber que a situação da mulher nesse Código é de subordinação E não obstante vários códigos antigos e modernos colocarem a mulher nessa mesma posição o Código de Manu deixa explícito a situação jurídica da parte feminina da população 84 Hoje em dia a ciência comprovou que é da contribuição genética do homem que se dá a definição do sexo da criança mas antigamente assim como em alguns povos mesmo hoje em dia esta era considerada uma responsabilidade da mulher Art 419 Dia e noite as mulheres devem ser mantidas num estado de dependência por seus protetores e mesmo quando elas têm demasiada inclinação por prazeres inocentes e legítimos devem ser submetidas por aqueles de quem dependem à sua autoridade Art 420 Uma mulher está sob a guarda de seu pai durante a infância sob a guarda de seu ma rido durante a juventude sob a guarda de seus filhos em sua velhice ela não deve jamais se conduzir à sua vontade Essa situação imposta juridicamente decorre da certeza que os hindus carregavam acerca da propensão feminina ao mal Art 422 Devese sobretudo cuidar e garantir as mulheres das más inclinações mesmo as mais fracas se as mulheres não fossem vigiadas elas fariam a desgraça de suas famílias Dessa forma a mulher não tinha direito à propriedade Art 611 Os presentes que ela recebeu depois de seu casamento da família de seu marido ou de sua própria família ou os que seu marido lhes fez por amizade devem pertencer depois de sua mor te a seus filhos mesmo em vida de seu esposo Mesmo as funções diárias da mulher estavam explicitadas no Código Contraditoriamente entre as funções de mãe dona de casa etc estava a obrigação de cuidar da renda da família Art 428 Que o marido designe para função à sua mulher a receita das rendas e despesa a puri ficação dos objetos e do corpo o cumprimento de seu dever a preparação do alimento e a con servação dos utensílios do lar Art 444 Dar à luz filhos criálos quando eles têm vindo ao mundo ocuparse todos os dias dos cuidados domésticos tais são os deveres das mulheres f Adultério e Tentativa de Adultério Este é o fato considerado crime que mais tem artigos específicos no Código de Manu Fidelidade no casamento é exigida por lei Art 518 Que uma fidelidade mútua se mantenha até a morte tal é em suma o principal dever da mulher e do marido E mesmo os que praticam a sedução sem necessariamente come terem adultério ou fazerem as mulheres cometeremno devem ser pu nidos Art 349 Que o rei bane depois de havêlos punidos com mutilações infamantes aqueles que se aprazem em seduzir as mulheres dos outros Essa verdadeira aversão ao adultério é explicada facilmente pelo próprio Código Art 350 Porque é do adultério que nasce no mundo a mistura de classes provém a violação dos deveres destruidora da raça humana que causa a perda do universo Em vista disso o Código discorre detalhes sobre o que seria ou poderia ser considerado adultério Art 353 Aquele que fala à mulher do outro em um lugar de peregrinação em uma floresta ou em um bosque ou na confluência de dois rios isto é em um lugar afastado incorre na pena de adultério Art 354 Ter pequenos cuidados com uma mu lher mandarlhe flores e perfumes gracejar com ela tocar nos seus enfeites ou nas suas vestes sentarse com ela no mesmo leito são considera dos pelos sábios como as provas de um adultério Art 355 Tocar o seio de uma mulher casada ou outras partes do seu corpo de uma maneira indecente deixarse tocar assim por ela são ações resultantes do adultério com consen timento mútuo O estupro foi colocado entre os artigos de adultério e o Código afirma que as mulheres deveriam ser vigiadas para que isso não ocorresse Mas não há nenhuma indicação do que ocorreria com a vítima Art 356 Um Sudra deve sofrer a pena capital por ter feito violência à mulher de um Brâmane e em todas as classes são principalmente as mulheres que devem ser vigiadas continuamente A pena de morte era em geral aplicada para casos de adultério Art 368 Se uma mulher orgulhosa de sua fa mília e de suas qualidades é infiel ao seu esposo que o rei a faça devorar por cães em um lugar bastante freqüentado Art 369 Que ele condene o adúltero seu cúm plice a ser queimado sobre um leito de ferro aquecido ao rubro e que os executores alimentem incessantemente o fogo com lenha até que o perverso seja carbonizado Art 374 Se todos dois varsya e ksatrya co metem adultério com uma Brâmane guardada por seu esposo e dotada de qualidade estimável devem ser punidos como Sudras ou queimados com fogo de ervas de caniço Mas nem sempre a pena capital era a única a ser aplicada No ca so específico de Sudras a pena poderia ser a de castração caso o adul tério fosse cometido com uma mulher das três castas acima da dele Art 371 O Sudra que entretém comércio crimi noso com a mulher das três principais classes guardada em casa ou não guardada será privado do membro culpado e de todo seu patrimônio se ela não era guardada se ela o era ele perderá tudo seus bens e a existência Somente os Brâmanes poderiam ter uma pena mais amena Art 376 Uma tonsura ignominiosa é imposta em lugar da pena capital a um Brâmane adúltero nos casos em que a punição das outras classes seria a morte g Defloração A defloração no Código de Manu era definida como sendo feita sem o uso do órgão sexual e era punida severamente Art 364 O homem que por orgulho macula vio lentamente uma rapariga pelo contato de seu dedo terá dois dedos cortados imediatamente e merece além disso uma multa de seiscentos panas Art 365 Quando a rapariga tem consentido nis so aquele que a poluiu dessa maneira se é da mesma classe não deve ter os dedos cortados mas é preciso fazerlhe pagar duzentos panas de multa para impedilo de reincidir A punição pela defloração feita por outra moça também é dura principalmente se essa defloração for conduzida por uma mulher Art 366 Se uma senhorita macula outra pelo contato do dedo que ela seja condenada a du zentos panas de multa que ela pague ao pai da rapariga o duplo do presente de núpcias e receba dez chicotadas Art 367 Mas uma mulher que atenta da mesma maneira contra o pudor de uma rapariga deve ter imediatamente a cabeça raspada e os dedos cortados segundo as circunstâncias e deve ser levada pelas ruas montada em um burro h Herança A herança teve nesse Código um cuidado bastante especial Era previsto por exemplo que aqueles que por impedimento não podiam cuidar de seus próprios bens recebidos em herança teriam como tutor da mesma o rei Art 27 O bem por herança de um menor sem protetor deve ficar sob a guarda do rei até que ele termine seus estudos ou saia da infância isto é até os seus 16 anos Art 28 A mesma proteção deve ser concedida às mulheres estéreis aquelas que não têm filhos às mulheres sem parentes àquelas que são fiéis a seu esposo ausente às viúvas e às mulheres atingidas por uma moléstia Na morte dos pais a herança ia geralmente para o irmão mais ve lho que ficaria responsável pelos irmãos desde que este não renunciasse a esse direito Art 521 Depois da morte do pai e da mãe que os irmãos se tendo reunido partilhem entre si igualmente os bens de seus pais quando o irmão mais velho renuncia a seu direito eles não são donos de tais bens durante a vida daquelas duas pessoas salvo se o pai mesmo tenha preterido partilhar esses bens Art 522 Mas o mais velho quando ele é emi nentemente virtuoso pode tomar posse do pa trimônio em sua totalidade e os outros irmãos de vem viver sob sua tutela como viviam sob a do pai Essa tendência em beneficiar o mais velho dos filhos se dava ba seada na crença de que o primeiro filho homem nascido dava ao homem a condição de pai e assim sanava sua dívida espiritual com os antepassados Art 523 No momento de nascer o mais velho antes mesmo que a criança tenha recebido os sacramentos um homem se torna pai e paga sua dívida para com seus antepassados o filho mais velho deve ter tudo Esse benefício ao primogênito era somente para as três primeiras castas visto que os Sudras tinham que repartir a herança de maneira igual Art 573 É ordenado a um Sudra desposar uma mulher de sua classe e não outra todos os filhos que nascem dela devem ter partes iguais mesmo quando haja uma centena de filhos O Código indica também como devem ficar os casos de herança nos quais não haja herdeiros descendentes Art 633 Se um filho morre sem filhos e sem mu lher o pai ou a mãe deve herdar de sua fortuna a mãe sendo morta que a mãe do pai ou a avó paterna tomem os bens na falta de irmãos e de sobrinhos i Adoção e Outros Meios Legais de Continuação da Linhagem Como se pode atestar pelo indicado no ponto anterior ter filhos ter herdeiros do sexo masculino era de suma importância nessa sociedade e diante dos parâmetros religiosos que esse povo seguia Dessa forma quando não era possível conceber filhos homens o Código permitia algumas maneiras de conseguilo Uma delas era o acordo com uma filha que propunha que o primeiro filho dela seria considerado filho de seu pai Art 543 Aquele que não tem filho macho pode encarregar sua filha de maneira seguinte de lhe criar um filho dizendo que o filho macho que ela puser no mundo seja meu e cumpra em minha honra a cerimônia fúnebre A impossibilidade de ter filhos também poderia ser remediada de uma forma bastante interessante Com a anuência do marido e algu mas condições especiais inclusive o uso de manteiga líquida o cunhado ou outro parente do marido poderia tomar as vezes de reprodutor Art 475 O irmão mais velho que conhece car nalmente a mulher de seu irmão moço e o irmão moço a de seu mais velho irmão são degradados ainda que tenha sido a isso convidados pelo marido ou por parentes a menos que o ca samento seja estéril Art 476 Quando não se tem filhos a progenitura que se deseja pode ser obtida pela união da esposa convenientemente autorizada com um irmão ou com um outro parente Art 477 Regado de manteiga líquida e guar dando silêncio que o parente encarregado desse ofício se aproximando durante a noite de uma viúva ou de uma mulher sem filhos engendre um só filho mas nunca um segundo Art 479 O objeto dessa comissão uma vez obtida segundo a lei que as duas pessoas o irmão e a cunhada se comportem uma para a outra como pai e nora Art 480 Mas um irmão quer o mais velho quer o mais moço que encarregado de cumprir esse dever não observa a regra prescrita e só pensa em satisfazer seus desejos será degradado nos dois casos se é o mais velho como tendo maculado o leito de sua nora se é o novo o de seu pai espiritual Mas a adoção simples também era admitida Art 585 Quando um homem toma para filho um rapaz da mesma classe que ele que conhece a vantagem da observação das cerimônias fúne bres e o mal resultante de sua omissão e dotado de todas as qualidades estimadas em um filho este filho é chamado filho adotivo j Juros O Código de Manu legisla sobre juros inclusive impondo diferen ças entre a possibilidade de cobrança para as diferentes castas Art 140 Que ele receba dois por cento de juro por mês porém nunca mais de um Brâmane três de um Ksatriya quatro de um Vaisya e cinco de um Sudra segundo a ordem direta das classes Impõe também limites nos juros que podem ser cobrados depen dendo da circunstância Art 149 O juro de uma soma emprestada rece bida de uma só vez e não por mês ou por dia não deve ultrapassar o duplo da dívida isto é não deve subir além do capital que se reembolsa ao mesmo tempo e para grãos fruta lã ou crina animais de carga emprestados para serem pagos em objetos do mesmo valor o juro deve ser no máximo bastante elevado para quintuplicar a dívida k Contratos Os contratos nesse Código são vedados a pessoas que consideram sem a capacidade para tal Art 161 Todo contrato feito por uma pessoa ébria ou louca ou doente ou inteiramente depen dente por um menor por um velho ou por uma pessoa que não tem autorização é de nenhum efeito l Limites de Propriedade Em uma sociedade tão numerosa em termos populacionais a questão de terras era sempre uma preocupação Então esse conjunto de leis indica como deve acontecer a decisão sobre contendas envolvendo a questão de terras Art 242 Quando se levanta uma contestação sobre limites entre duas aldeias que o rei escolha os meses de maio e junho para determinar os limites sendo então mais fáceis de distinguir porque o ardor do sol tem dessecado inteira mente a erva Para delimitação de limites de propriedade havia um ritual que deveria ser seguido Art 253 Que esses homens pondo terra sobre suas cabeças conduzindo grinaldas de flores vermelhas e vestimentas vermelhas depois de haverem jurado pela recompensa futura de suas boas ações fixem exatamente o limite m Fraude Muitas leis antigas não abordam a questão da fraude ou apenas o fazem sem prever sanção alguma O Código de Manu prevê esse delito e prevê multa para ele Art 397 Aquele que frauda os direitos que ven de ou compra em hora indevida ou que dá falsa avaliação de suas mercadorias deve sofrer uma multa de oito vezes o valor dos objetos n Fraude Quanto à Casta a que Pertence Como dito anteriormente a rigidez das castas não permitia nenhuma noção de igualdade mesmo que física Dessa forma estar ao lado de um membro de uma casta superior poderia ser muito doloroso para um indivíduo de uma casta inferior que se atrevesse a tal coisa Art 278 Um homem de baixa classe que resolve tomar lugar ao lado de um de classe mais elevada deve ser marcado debaixo do quadril e banido ou então deve ordenar o rei que lhe façam um talho sobre as nádegas o Injúrias No tocante à injúria sua definição pode ser muito ampla no Códi go de Manu Pode tratarse de somente palavras injuriosas ou até mes mo de um indivíduo fazer necessidades vitais sobre outro Dessa forma no caso desse Código podemos definir injúria como qualquer ofensa que não fere fisicamente o outro As penas e multas variam também de acordo com a posição tanto do ofendido quanto do ofensor bem como da gravidade da ofensa Art 264 Um Ksatriya por ter injuriado um Brâ mane merece uma multa de cem panas um Vaisya uma multa de cento e cinqüenta ou du zentos um Sudra uma pena corporal Art 265 Um Brâmane será sujeito à multa de cinqüenta panas por ter ultrajado um homem da classe militar de vinte e cinco por um homem de classe comercial de doze por um Sudra Art 266 Por ter injuriado um homem da mesma classe que ele um Dvija será condenado a doze panas de multa por juízos infamantes a pena em geral deve ser dobrada85 As penas podem também ser físicas Art 267 Um homem da última classe que insulta um Dvija por invectivas afrontosas merece ter a língua cortada porque ele foi produzido pela parte inferior de Brama 85 Dvija Nascido duas vezes Através da prática de ritos iniciatórios o jovem confiado a um guru após intenso ritual ingressava em uma nova vida conquistando sua personali dade espiritual plena passava a ser chamado de dvija nascido novamente Art 268 Se ele os designa por seus nomes e por suas classes de uma maneira ultrajante um estilete de ferro de dez dedos de comprimento será enterrado fervendo em sua boca Art 269 Que o rei lhe faça derramar óleo fer vendo na boca e na orelha se ele tiver a impru dência de dar conselhos aos brâmanes relativa mente ao seu dever E extremamente violentas no caso do ofendido ser um brâmane e o ofensor um indivíduo de uma casta mais baixa Art 279 Se ele encara com insolência sobre um Brâmane que o rei lhe faça mutilar os dois lábios se ele urina sobre um Brâmane a uretra se ele larga um peido na presença deste o ânus p Ofensas Físicas As ofensas físicas seguem o Princípio da Pena de Talião de forma muito próxima e às vezes extrapolamno na medida que consideram não somente que o culpado deve ser ferido à mesma forma que feriu mas também deve ter mutilado o órgão usado para ferir o outro indife rentemente do tipo de ferimento que causou Art 276 De qualquer membro que se sirva um homem de baixo nascimento para ferir um superior esse membro deve ser mutilado Art 277 Se ele levantou a mão ou um bastão sobre o superior deve ter a mão cortada se em um movimento de cólera lhe deu um pontapé que seu pé seja cortado Art 280 Se ele o pega pelos cabelos pelos pés pela barba pelo pescoço ou pelos testículos que o rei lhe faça cortar as duas mãos sem hesitar q Furto e Roubo O Código explicita a diferença entre os dois delitos Art 329 A ação de tirar uma coisa com violência à vista do proprietário é um roubo em sua ausência é furto do mesmo modo que o que se nega ter recebido r Homicídio e Autodefesa No Código de Manu há a possibilidade de não haver pena nem culpa no caso de homicídio em legítima defesa Mesmo que a vítima seja um Brâmane Art 347 Um homem deve matar sem hesitação a quem se atire sobre ele para assassinálo se não tem nenhum meio de escapar quando mesmo fosse seu direito ou uma criança ou um ancião ou ainda um Brâmane muito versado na Escritura Santa Art 348 Matar um homem que faz uma tentativa de assassinato em público ou em particular não faz ninguém culpado de assassinato é o furor nas presas do furor CAPÍTULO V GRÉCIA 1 Introdução Grécia não indica um nome de um país ou de uma unidade política na Antiguidade Antes de tudo por suas condições geográficas e eco nômicas Grécia na Antiguidade significava uma região Nas palavras de Rostovtzeff A organização política da Grécia era ditada pe las condições geográficas e econômicas A natu reza a dividira em pequenas unidades econô micas e era incapaz de criar grandes sistemas políticos Cada vale era independente As melhores regiões do país especialmente seus férteis vales estão abertas para o mar e vedadas a terra Eles estão mais em contato com os vizinhos separados pelo mar do que com os que a terra aproxima86 Quando se fala em Grécia podese também falar até certo ponto de uma unidade cultural com deuses dialetos e alguns hábitos em comum Portanto compreender esta não unidade que era a Grécia significa buscar a compreensão do que seja uma CidadeEstado A cidade não tinha o significado que hoje tem cidade era a asso ciação religiosa e política das famílias e das tribos87 Era na cidade que o coração e a vida se centravam e o território era somente um apêndice O Estado ateniense por exemplo compreendia todos os indivíduos livres que viviam em Atenas e mais todos aqueles que viviam nos territórios da Ática região a que pertencia Atenas88 86 ROSTOVTZEFF M História da Grécia 3 ed Rio de Janeiro Guanabara 1986 p 53 e ss 87 COULANGES F A cidade antiga São Paulo Hemus 1975 p 106 88 FOWLER W W The city State os the greeks and romans Londres Macmillan 1916 p 8 Comum a todas as CidadesEstado gregas era a crença inde pendente dos regimes políticos a que se submetiam de que na Cida deEstado Governavam não os homens mas as leis A legitimidade da lei consuetudinária nómos lei ou pátrios politéia constituição ancestral para os gregos decorria da antiguidade venerável que lhe era atribuída em forma histórica ou com maior freqüência miticamente89 Nos séculos VIII e VII aC as cidades gregas conheceram um grande desenvolvimento urbano Este não se deu de forma igual mas explicavase pelo grande crescimento populacional do período somado a uma retomada do progresso tecnológico artesanal e comercial Esse progresso gerou a queda das monarquias e o início de turbulências sociais que acabaram por produzir legislações e famosos legisladores Entre eles podemos citar Zaleuco de Locros Carondas de Catânia Licurgo de Esparta Drácon e Sólon de Atenas Destes so mente os dois últimos têm comprovada existência histórica90 São numerosas as CidadesEstado gregas são numerosos seus legisladores e em momentos históricos diferentes elas sobressaíram se individualmente Entretanto duas cidades apresentamse como as mais intrigantes no tocante ao Direito Esparta e Atenas Destas duas a partir dos séculos VIII e VII aC ocuparemonos de forma mais atenta 2 Esparta Esta foi uma das primeiras CidadesEstado a surgir na Grécia fun dada no século IX aC por invasores dórios nas margens do rio Eurotas na Planície da Lacônia O nome da cidade deriva de uma planta da região A partir do século VII aC Esparta inicia um processo que vai culminar em um quase total refreamento de qualquer tipo de evo lução Esse processo é indicado pelos próprios habitantes de 89 CARDOSO C F S A cidade estado antiga São Paulo Ática 1985 p 12 90 PETIT P História Antiga São Paulo Difusão Européia do Livro 1964 p 80 e ss Esparta como sendo obra de um legislador não necessariamente histórico Licurgo A evolução foi completamente detida e toda a energia da raça consagrouse à manutenção des tas instituições arcaicas que enrijecendose ainda mais acabaram por esclerosarse Embora os Antigos tenham todos afirmado e admitido sem discussão que as leis eram devidas a sabedoria do legislador Licurgo tão ilustre quan to desconhecido pensase atualmente que esta atribuição de patrono servia para disfarçar a obra de poderosas famílias desejosas de perpetuar o estado de coisas que mais lhe dava proveitos91 21 Sociedade Esparta apresentava três camadas sociais Os Espartíatas eram os dórios guerreiros que recebiam educa ção militar especial Os Periecos eram os aqueus tinham boas condições materiais de vida mas nenhum direito político Os Hilotas eram escravos de propriedade do Estado não ti nham proteção da lei e sua condição humana era uma das mais insuportáveis de todo o mundo antigo92 Embora possamos à primeira vista subentender que os espartía tas estariam com uma situação de tal forma privilegiada nessa socie dade que a vida deles era tranquila o formato extremamente mili tarista da sociedade e da ideologia desse Estado fazia com que não 91 Ibidem p 88 92 Periodicamente os mais vigorosos dentre eles eram assassinados Os espartanos mais prudentes e inteligentes eram mandados como agentes secretos do governo aparecen do onde eram menos esperados e matando os hilotas indesejáveis sem julgamento A posição dos hilotas não era ruim seu tributo de produção aos seus senhores era estrita mente definido e não era oneroso ROSTOVTZEFF M Op cit 95 obstante não precisassem calejar suas mãos pela sobrevivência diária em um arado seu cotidiano não era de nenhuma maneira sereno É então que a sociedade adquire seus traços definitivos hilotas servos do Estado e periecos sem direitos políticos são dominados pelos espartanos de raça pura pouco numerosos desde o começo 10000 guerreiros aliviados de qual quer preocupação material que se consagram desde os sete até os sessenta anos ao treina mento militar casamse patrioticamente aos 30 mas dormem no quartel até os 40 pagando com esta servidão militar a grandeza de serem os melhores infantes do mundo e a austera alegria do dever cumprido93 Para uma melhor compreensão do papel do espartíata na mentalidade militarista deste estado convém descrever sua educação que mesmo hoje é indicada como um adjetivo significando rigidez extrema a educação espartana94 Desde a primeira infância o espartíata era educado para viver para o Estado Um bebê se julgado saudável por uma comissão espe cial de anciãos estava imediatamente sob supervisão pública As crianças que não eram aprovadas por esse julgamento eram enjeitadas pelo governo e acabavam morrendo ou sendo acolhidas por algum hilota de bom coração Até os sete anos a criança recebia cuidados de sua mãe e de amas especiais do governo Aos sete os meninos eram afastados de suas famílias e ingressavam em um grupo militar comandado por um jovem espartíata onde marchavam faziam muita ginástica e aprendiam alguma coisa de música e leitura Dos doze aos dezessete anos esses meninos deviam ir para o campo onde deveriam sustentarse somente com seu próprio esforço Esses garotos comiam alimentos preparados por eles mesmos e suas camas nada mais eram que uma forragem de palha que eles próprios recolhiam nas margens do rio Eurotas Constantemente participavam de competições militares e de ginástica 93 PETIT P Op cit p 88 e ss 94 Cf ROSTOVTZEFF M Op cit p 95 Com o intuito de desenvolver a independência desses meninos eles eram incentivados a roubar principalmente alimentos Entretanto se malsucedido o garoto era surrado impiedosamente O detalhe era que a surra não era dada por ele ter roubado mas por ter sido pego Aos dezessete anos o rapaz passava pela Kriptia que consistia em esconderse pelo campo munido de punhais e à noite degolar quantos escravos conseguisse apanhar Quem passasse por essa prova tornavase adulto e recebia um lote de terra ia viver então no quartel recebendo uma refeição por dia ao cair da tarde Os espartíatas não podiam casarse até os trinta anos poderiam apenas coabitar A partir dessa idade podiam participar da Assem bleia se casar e deixar o cabelo crescer Aos sessenta aposentavam se do exército e podiam tomar parte do Conselho de Anciãos As meninas recebiam praticamente o mesmo treinamento físico dos meninos para que pudessem ser boas mães de espartíatas Elas tinham mais liberdade que as mulheres de outras CidadesEstado da Antiguidade Podiam receber herança e podiam enriquecer com o co mércio atividade vedada totalmente aos homens 22 Economia A economia de Esparta também se transformou a partir do século VII aC Surgiu uma vasta propriedade estatal no lugar das antigas propriedades coletivas Essa grande propriedade era dividida prova velmente em 8000 a 9000 lotes chamados cleros Distribuídas entre os guerreiros dórios as terras não podiam ser cedidas ou vendidas O Estado detinha a posse legal e o cidadão es partíata o usufruto Para o trabalho nessas terras o Estado empres tava seis escravos por lote já que estes eram também propriedade dele Os periecos se dedicavam à agricultura e mais esparsamente à criação de pequenos animais ao artesanato à mineração de ferro e ao comércio Eles tinham a propriedade de suas terras mas estas eram sempre as da periferia não necessariamente as melhores Era mesmo na economia uma cidade diferente e embora de monstrado de maneira um tanto romântica mostranos Xenofonte as bases econômicas antienriquecimento atribuídas a Licurgo Eis ainda as regras pelas quais Licurgo opôs Esparta aos outros gregos Nas outras cidades sabese todos se esforçam por ganhar tanto dinheiro quanto possível Um trabalha a terra o outro arma um navio um outro pratica o grande comércio outros ainda vivem dos ofícios arte sanais Mas Esparta proibiu aos homens livres o dedicaremse a uma atividade lucrativa e pres creveulhes não ter por dignas deles senão as actividades pelas quais as cidades se constituem e permanecem livres E com efeito por que se procuraria a riqueza em um país onde o legislador fixou até a contribuição de cada um dos produtos necessários à vida e à repartição igualitária a fim de impedir a aspiração à riqueza e às doçuras a que ela conduz Também não é para ter bons mantos que é necessário enriquecer é a beleza do corpo não a sumptuosidade das roupas que é seu ornamento Também não precisam amontoar dinheiro para despender em largueza com seus comensais pois o legislador deu melhor renome ao esforço físico que se realiza para ajudar os companheiros do que às despesas ecfetuadas com eles mostrou que as primeiras são o acto da alma as segundas da riqueza Eis ainda como ele impediu que enriquecessem injustamente Primeiramente instituiu uma moeda tal que dez minas não poderiam penetrar numa casa sem o conhecimento dos senhores e dos domésticos pelo seu grande tamanho e peso uma tal so ma teria a necessidade de um grande espaço e de uma carroça para transportar Para mais o ouro e a prata são objeto de buscas e se se des cobre algum em qualquer lado o seu possuidor é castigado Por que se esforçaria pois al guém para ganhar dinheiro onde a sua posse arranja mais aborrecimento que o seu uso prazeres95 95 XENOFONTE apud AUSTIN Michel et alli Economia e sociedade na Grécia antiga Lisboa 70 1986 p 63 23 Política Após o século em questão a política espartana também se tornou extremamente conservadora O poder passou a ser monopolizado exclusivamente pela Gerúsia ou Conselho de Anciãos esta era com posta por vinte e oito Gerontes cidadãos acima dos sessenta anos que tinham cargo vitalício e eram escolhidos por aclamação na As sembleia composta exclusivamente por espartíatas que era somente um órgão consultivo visto que decidia por aplauso A Gerúsia escolhia sob a ovação da Assembleia o poder exe cutivo os Éforos cinco magistrados com mandato de um ano que ti nham por função cuidar da educação das crianças espartíatas que era dever do Estado fiscalizar a vida pública e julgar os processos civis 24 Cultura e Ideologia Claramente pelo acima exposto fica claro que Esparta do século VIII ao século IV aC tinha uma característica cultural marcante e absoluta o militarismo levado às últimas consequências A esse militarismo somavase um esforço contundente e eficaz como prova a sua história de manutenção do seu modo de vida do status quo Eles foram plenamente vitoriosos nesse campo gerando por séculos a sociedade provavelmente mais imóvel da história Para explicar essa imobilidade é necessário entender três caracte rísticas dos espartanos largamente incentivadas pelo Estado a xeno fobia a xenelasia e o laconismo A xenofobia é a aversão desconfiança temor ou antipatia por pessoas estranhas ou por tudo que venha de outro lugar Dessa forma os espartanos de antemão rejeitavam quaisquer ideias ou influências estrangeiras Xenelasia é o banimento ou impedimento de estadia de estran geiros Assim os espartanos não entravam em contato com ideias estranhas ao seu meio O Laconismo existe quando se fala somente o mínimo neces sário e mesmo assim utilizandose do menor número de palavras possível Esta é a característica que mais proporcionalmente pode causar um refreamento nas mudanças de uma sociedade visto que se levado ao extremo diminui inclusive a atividade intelectual e criativa 3 Atenas Atenas localizase na Península da Ática e estendese pelo mar na direção Leste Ela é separada do resto da Grécia por montanhas muito altas porém de fácil acesso Sua situação geográfica protegeua das invasões principalmente de Dórios e facilitoulhe a vida política à me dida que Nessa região as condições eram favoráveis à união de considerável território em torno de um centro político Ela forma uma só unidade geográ fica da qual a saída mais conveniente para o mar é formada pelos dois portos de Atenas 96 No século VIII aC a economia de Atenas era ainda basicamente rural Entretanto as atividades artesanais e comerciais já cresciam e ultrapassavam os limites da região Com o desenvolvimento comercial os georgoi agricultores que possuíam terras pouco férteis junto às montanhas se viram cada vez mais em situação difícil porque com a importação de cereais e algu mas crises climáticas a concorrência os aniquilava gerando um endividamento com os eupátridas que além de monopolizar o poder monopolizavam também as melhores terras possuindoas em latifún dios cultivados por rendeiros ou escravos Esse endividamento gerava não somente a perda de terras mas também caso houvesse a penhora do próprio corpo a escravidão por dívida Para piorar a situação outros que não se tornavam escravos iam para as cidades engrossar a camada dos desvalidos Os eupátridas monopolizavam o poder tanto quando ainda existia um rei chamado Basileu quanto quando posteriormente eles pas saram a governar sozinhos formando uma Oligarquia97 Com o passar do tempo essa situação de empobrecimento dos georgoi aumentou e somouse à insatisfação de comerciantes e arte 96 ROSTOVTZEFF M Op cit p 98 97 Oligarquia Termo que na Grécia antiga designava governo de uma minoria aristo crática Os governos oligárquicos de oligoi pequeno grupo caracterizavamse pela presença de conselhos políticos restritos e limitados em número escolhidos por sua posição social AZEVEDO A C do Amaral Dicionário de nomes termos e conceitos históricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 289 sãos que se tornavam cada vez mais ricos e desejavam participar da vida política A oligarquia estava então entre dois problemas novos ricos dese josos de participar do governo que lhes era vedado e pobres exigindo o fim da escravidão por dívida e a repartição das grandes proprie dades Os insatisfeitos formaram o Partido Popular e o governo oligár quico ficou do outro lado com o Partido Aristocrático A crise era grave porque a aristocracia não tinha mais o monopólio de armas Com a introdução de armas mais baratas os pobres puderam armarse também participar do exército e porque não exigir também maior participação política No meio dessa luta entre os dois partidos um aristocrata de nome Cílon em 623 aC tentou tomar sem sucesso o poder à força e como a resposta do Partido Popular foi imediata a oligarquia se viu obrigada a lhes oferecer para acalmálos reformas 31 Drácon Surgiram os legisladores os primeiros a redigirem as leis em Atenas o primeiro em 621 aC de nome Drácon é famoso até hoje pela severidade de suas leis tanto que mesmo nos dias atuais a pala vra draconiano significa nos dicionários referente a ou o severo e duro código de leis a ele Drácon atribuído Que ou o que é excessiva mente rigoroso ou drástico98 Essa severidade pode ser compreendida pelo fato de Drácon ser um eupátrida e como tal ele Conservava todos os sentimentos da sua casta e era instruído no direito religioso Não parece ter feito outra coisa mais do que passar a escrito os antigos costumes sem nada alterar Sua primeira lei é esta devemos honrar os deuses e os heróis e oferecerlhes sacrifícios anuais sem nos afastar mos dos ritos seguidos pelos antepassados99 98 HOUAISS Antonio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 99 COULANGES Foustel A cidade antiga São Paulo Hemus 1975 p 250 Em não tendo criado nenhuma novidade Drácon reproduziu o direito antigo ditado por uma religião implacável que via em todo erro uma ofensa às divindades e em toda ofensa às divindades um crime odioso Assim quase todos os crimes eram passíveis de pena de morte 32 Sólon Embora as leis de Drácon tenham reconhecido uma existência legal aos cidadãos e indicado o caminho da responsabilidade indivi dual ele não atingiu e provavelmente nem era sua intenção o problema econômicosocial e consequentemente o problema político Dessa forma ao cabo de poucos anos o Partido Popular voltou a exigir reformas Em 594 aC foi indicado um novo legislador de nome Sólon Este tinha a vantagem de ser aristocrata de nascimento e comerciante de profissão Era como comerciante que Sólon pensava e foi assim que legislou Podese afirmar que as leis de Sólon correspondem a uma grande revolução social A eunomia igualdade de todos perante a lei está presente em todos os artigos que ele escreveu assim não há distinção entre eupátridas e nãoeupátridas A reforma de Sólon atingiu toda a estrutura do Estado Ateniense no que diz respeito à economia sociedade e política 321 Economia Sem dúvida a legislação de Sólon preparou Atenas para ser uma potência econômicocomercial Em todos os sentidos ele indicava um incentivo ao desenvolvimento comercial e industrial que fariam de Atenas a principal e mais poderosa CidadeEstado da região Como forma de ajudar a produção interna e consequentemente o comércio Sólon incentivou a ida de artesãos estrangeiros para Atenas Dessa forma a produção tornavase local o que não somente barateava o custo dos produtos como também a médio e longo prazos poderia fazer da cidade uma exportadora Para melhorar e simplificar as transações comerciais o legislador dotou Atenas de um padrão monetário fixo e incentivou a exploração de minas de prata Dessa maneira Atenas teria uma melhor e maior circulação monetária Ainda no intuito de simplificar o comércio Sólon instituiu um sistema de pesos e medidas único 322 Sociedade Para minimizar os efeitos da crise política Sólon concedeu anistia geral estando perdoados de crimes políticos todos que tivessem come tido um Nesse mesmo sentido suavizou a legislação draconiana bus cando apaziguar os ânimos exaltados da cidade Ele limitou o direito de herança dos primogênitos que anterior mente eram herdeiros universais É importante salientar que embora todos os filhos após Sólon recebessem herança somente os filhos e nunca as filhas tinham esse direito Se houvesse somente uma mulher como herdeira ainda assim esta não receberia nada um parente próximo seria o herdeiro100 Sólon introduziu também o testamento na legislação ateniense sendo a mulher sempre impossibilitada de testar Para atingir objetiva e definitivamente o problema principal que gerava a revolta do povo o legislador decretou a seisachteia que consistia na suspensão dos marcos de hipoteca na devolução das terras aos antigos proprietários e principalmente na proibição da escravidão por dívidas em Atenas 323 Política Sólon pensava através da economia e não poderia ser diferente quando fez leis relativas ao comando do Estado ateniense No comando efetivo ficariam aqueles com mais riquezas e abaixo deles com menos poder e sucessivamente os que tivessem menos dinheiro 100 COULANGES F Op cit p 251s CAPÍTULO VI ROMA E O DIREITO ROMANO 1 Introdução A História de Roma é a história de todos nós História que per passa todo o ocidente e nos faz oriundos dos mesmos pais Latinos antes de tudo Isso com todos os defeitos e qualidades que possam ser atribuídos à latinidade Isso com todas as formas dos seres humanos iguais a nós que conquistaram o mundo inteiro de então O que há de mais interessante na História de Roma na atua lidade é que ela é tão desconhecida quanto mal interpretada Há mui tos que pensam que os romanos eram apenas broncos violentos com ânsia de conquistas e há muitos que nem sequer sabem que em nos sa genética cultural há tanta romanidade que nem podemos enumerar Somos romanos até quando falamos nossa língua é filha do latim somos romanos na nossa noção urbana somos romanos em nossa lite ratura somos romanos mesmo quando temos uma noção de patrio tismo Somos romanos política e administrativamente Mas principal mente somos romanos quando falamos em Direito quando fundamos nossa sociedade em um Estado de Direito Direito esse sistematizado pelos romanos antigos A História desse povo pode até passar despercebida para a maioria dos mortais mesmo para nós latinos Mas é imperdoável que estudantes de Direito advogados e até mesmo os autointitulados juris tas da atualidade considerem Roma como mera curiosidade de erudição ou simplesmente não a considerem Tomando as palavras de Von Ihering A importância do Direito Romano para o mundo atual não consiste só em ter sido por um momento a fonte ou origem do direito esse valor foi só passageiro Sua autoridade reside na pro funda revolução interna na transformação com pleta que causou em todo nosso pensamento jurídico e em ter chegado a ser como o Cristianismo um elemento da Civilização Mo derna101 Em um sentido mais objetivo a importância do estudo do Direito Romano fazse óbvia quando comparamos o Direito Romano com nosso Direito Civil Nada menos que oitenta por cento dos artigos de nos so Código foram confeccionados baseandose direta ou indiretamente nas fontes jurídicas romanas102 Ao iniciarmos este capítulo sobre Roma é necessário salientar algumas características básicas desse povo A primeira e mais visível é o fato de que quando tratamos de Roma tudo é superlativo enorme Roma conquistou toda a volta do Mediterrâneo e não sem razão chamava esse mar de mare nostrum nosso mar Roma conquistou a Europa praticamente toda tendo como fronteira a parte norte da Grã Bretanha e a Alemanha Roma a cidade chegou a ter mais de um milhão de habitantes por volta do século I dC A segunda característica é que os romanos tinham uma visão bastante altiva de si mesmos consideravamse destinados a serem ca put mundi a cabeça do mundo Sua vaidade se traduzia em buscarem entrar para a história da cidade tornaremse eternos através da história 2 História de Roma Divisão Política Iniciaremos o estudo do Direito Romano pelo aspecto da evolução política à medida que utilizaremos conceitos e nomes que somente poderão ser entendidos após uma ambientação preliminar Esta so mente se dá através de um estudo ainda que superficial das Insti tuições Políticas dos diferentes momentos da História de Roma A história da urbs se divide em Realeza da fundação de Roma até 510 aC República de 510 aC até o ano de 27 aC e Império de 27 aC até a morte de Justiniano em 566 dC Este último pode ainda ser subdividido entre Alto de 27 aC até 284 dC e Baixo Império de 284 101 VON IEHRING apud GIORDANI Mario Curtis História de Roma Ptrópolis Vozes 1968 p 254 102 LOBO Abelardo S da C Curso de direito romano Rio de Janeiro Álvaro Pinto 1931 p 7 e ss dC até a morte de Justiniano essa subdivisão baseiase no abso lutismo do imperador que era menor no primeiro e incondicional no segundo 21 A Realeza e suas Instituições Políticas A fundação de Roma com os míticos gêmeos Rômulo e Remo é datada de 753 aC Nos séculos seguintes Roma como as outras Cida desEstado da região era governada por um rei A realeza em Roma era vitalícia porém eletiva e principalmente não hereditária As assembleias chamadas Comícios Curiatos escolhiam o rei cujo nome havia sido proposto pelo Senado e investiamno no Imperium poder total que abrangia os âmbitos civil militar religioso e judiciário Esse soberano era o juiz supremo não havendo apelação contra suas sentenças Senatus vem da palavra senis que quer dizer ancião No final da realeza o senado era composto por trezentos membros que eram con selheiros do rei Durante esse período o Senado não tinha poder aconselhava quando solicitado mas o rei não era obrigado a seguir seus conselhos Já os Comícios Curiatos eram reuniões de todos os homens considerados como povo ou seja os patrícios e os clientes ficando de fora os plebeus e os escravos 22 A República e Suas Instituições Políticas Quando da fundação da República Res Publicae coisa do povo os romanos decidiram pulverizar o poder executivo para as mãos de muitos com mandatos curtos um ano na maior parte dos casos assim evitando que alguém pudesse ter um poder exacerbado nas mãos Somente o Senado permanecia vitalício entretanto sua função primordial durante esse período foi a de cuidar de questões externas Contudo devido à temporariedade do mandato dos cargos executivos da política republicana frente à vitaliciedade do senado acabava possuindo uma autoridade permanente tornandose o centro do Go verno Estes que detinham o poder executivo em Roma Republicana eram chamados Magistrados e cada qual tinha sua função específi ca103 Eles eram divididos entre os Magistrados Ordinários e os Ex traordinários Os Ordinários que mais nos interessam neste estudo Cônsules Pretores Edis Questores eram permanentes e eram eleitos anualmente Os Extraordinários como os censores eram temporários e somente eram escolhidos quando havia necessidade Os candidatos à determinada magistratura tinham que obedecer a determinadas condições Primeiramente deveriam ser cidadãos ple nos optimo iure e dependendo do cargo almejado já terem exercido outras atividades públicas do cursus honorum O Cursus Honorum ou caminho de Honra era uma escala de car gos que deviam ser alcançados sucessivamente a saber primeiro de viase alcançar a questura e depois a edilidade a pretura e o con sulado104 No século I aC ficou estabelecida uma idade mínima para o desempenho de cada uma dessas magistraturas 31 anos para a questura 37 anos para a edilidade 40 anos para a pretura e 43 anos para o consulado Cônsules Eram sempre em número de dois Com poderes equivalentes princípio da colegialidade Eles comandavam o exército presidiam o senado e os Comícios representavam a cidade em cerimônias religio sas e em questões administrativas eles eram os superintendentes dos funcionários Era costume os cônsules repartirem entre si os poderes cada qual reservando para si uma esfera de ação ou exercendo as esferas alternadamente No caso do comando na batalha eles alternavamse a cada dia na chefia suprema do exército e se houvesse mais de um palco de operações eles se distribuíam por acordo ou sorteio 103 Notese que a palavra magistrado hoje em dia tem apenas a conotação de membro do judiciário sendo que na maioria das vezes é utilizada quase exclusivamente para juízes Esse termo é em Roma utilizado de forma muito mais abrangente e não exclusivamente para aqueles que cuidam da justiça mesmo porque fazse necessário lembrar a divisão do Estado em 3 poderes é moderna 104 No início do século II aC o cursus honorum foi regulado e revisado por Sila e ficou com a sequência apresentada Pretores São os magistrados mais importantes para nosso estudo porque sua atuação era relativa à Justiça Eram dois tipos o Pretor Urbano que cuidava de questões envol vendo apenas romanos na cidade e o Pretor Peregrino que cuidava de questões de justiça no campo e aquelas envolvendo estrangeiros É importante salientar que não há hoje em dia equivalência pos sível quando se trata das funções do Pretor Este cuidava da adminis tração da Justiça mas não era juiz Tratava da primeira fase do proces so entre particulares verificando as alegações das partes e fixando os limites da disputa judicial Feito isso o Pretor remetia o caso a um Juiz particular para que este julgasse o caso A partir da Lei Aebutia séc II aC que modificou o processo os pretores tiveram aumentado mais ainda seus poderes discricionários visto que a partir de então eles podiam fixar os limites da contenda e dar instruções ao juiz particular em como este deveria proceder Edis Os edis tinham função de cuidar fisicamente da cidade ou seja cuidavam das provisões da cidade velavam pela segurança pública e pelo tráfego urbano vigiavam aumentos abusivos de preços e a exati dão dos pesos e medidas do mercado cuidavam da conservação de edifícios e monumentos públicos da pavimentação da cidade orga nizavam e promoviam os famosos jogos públicos Questores Durante a República esses magistrados cuidavam principalmen te das questões da fazenda Custodiavam o tesouro público cobravam os devedores e os denunciavam à justiça seguiam generais e gover nadores como tesoureiros Censores Embora não fizesse parte do Cursus Honorum era um cargo cobi çado como um dos mais respeitados da República e geralmente só era ocupado por cidadãos respeitadíssimos e que já tivessem ocupado o cargo de Cônsul Eram eleitos de cinco em cinco anos em número de dois mas cada um só permanecia no cargo por no máximo dezoito meses Os censores eram responsáveis pelo Censo recenseamento que era realizado de cinco em cinco anos Por turno de tribos os cidadãos se apresenta vam com seus bens móveis diante da repartição dos censores villa publica instalada no Campo de Marte para fazerem a declaração fassio do estado civil relações de serviço e riqueza perante os censores os notáveis das tribos e outras pessoas de confiança As mulheres os filhos e clientes eram representados pelo chefe da família Comissários do censo eram enviados aos exércitos que se encontravam em campanha105 Também e principalmente eles eram responsáveis pelo Regimen Morum o policiamento dos costumes Eles podiam devassar a vida de um indivíduo e maus exemplos luxos filosofias não condizentes com o que era considerado romano eram denunciados por eles nas As sembleias Públicas Caso um acusado pelo censor tivesse sua culpa comprovada poderia inclusive perder por algum tempo seus direitos políticos 23 O Império e Suas Instituições Políticas Durante o Império a figura principal do governo romano era obviamente o Imperador Esse nome Imperator significava que o princeps primeiro homem de Roma possuía o imperium em todos os aspectos o civil o militar e o judiciário Nesse período as magistraturas republicanas subsistem mas não têm mais a força e importância anterior O Consulado por exemplo continua existindo até Justiniano entretanto é um cargo apenas honorífico O Senado continua existindo entretanto com cada dia atribuições mais limitadas Por outro lado teve sua competência ampliada nos terrenos legislativo eleitoral e judicial já que podia conforme a 105 BLOCH apud GIORDANI Mario Curtis História de Roma Petrópolis Vozes 1968 p 93 vontade dos senadores conhecer qualquer delito principalmente atentado contra o Estado ou a pessoa do Imperador 24 As Mudanças em Roma Após as Conquistas Como visto dividimos tradicionalmente a História Romana em três partes todas elas políticas Vale a pena destacar principalmente para um entendimento panorâmico mais eficaz da História desse povo que há também uma outra forma de dividirmos o caminho dos romanos É preciso apenas que pensemos que Roma começou como uma pequena cidade do Lácio e tornouse a capital do Mundo Conhecido Era uma cidade de agricultores que se tornaram os donos do mundo A conclusão é clara os romanos antes das grandes conquis tas eram muito mais tradicionais que os romanos de depois destas estes eram mais cosmopolitas mais voltados para o mundo e abertos a mudanças 3 O Direito Romano 31 Definição e Características O Direito Romano é uma criação típica deste povo o que eles cria ram nos deu a possibilidade de hoje estarmos habitando países que se intitulam Estados de Direito Como um todo o Direito Romano é o conjunto de normas vigentes em Roma da Fundação século VIII aC até Justiniano no século VI dC Para os romanos a definição de Direito passava por seus man damentos que são viver honestamente não lesar ninguém e dar a ca da um o que é seu iuris praecepta sunt haec honete vivere alterum non ladere suum cuique tribuere106 Esse direito foi fruto de séculos de trabalho e bom senso antes de tudo O pragmatismo romano encontrou no Direito um centro ines gotável para desenvolverse dentro dos parâmetros que eles mesmos consideravam como essenciais Um simples olhar a um manual de Direito Roma no revelanos seu espírito proteção do indivíduo 106 Digesto 1110 autonomia da família prestígio e poder do pater familias valorização da palavra empenhada etc107 32 Periodização do Direito Romano Podemos identificar três períodos ou fases de evolução do Direito Romano Essas fases são distintas entre si e cada uma tem caracte rísticas próprias Essa divisão de certa forma didática ajudanos a compreender panoramicamente o Direito Romano São estes os três períodos o Período Arcaico ou PréClássico o Período Clássico e o Período PósClássico 321 Período Arcaico Esse período vai da Fundação de Roma no século VIII aC até o século II aC Neste o Direito caracterizase pelo formalismo pela rigidez pela ritualidade Mesmo porque o Estado Romano somente depois de algum tempo tornouse mais presente no diaadia da cidade O Estado tinha funções limitadas a questões essenciais para sua sobrevivência guerra puni ção dos delitos mais graves e naturalmente a observância das regras religiosas108 A família era o centro de tudo mesmo do Direito Os cidadãos romanos eram vistos como membros de uma unidade familiar antes mesmo do que como indivíduos Mesmo a segurança dos cidadãos dependia muito mais do grupo a que pertenciam do que do Estado109 O mais importante marco desse período é a Lei das XII Tábuas feita em 451 e 450 aC como resposta a uma das revoltas da Plebe Romana110 Essa legislação foi uma codificação de regras costumeiras 107 GIORDANI Op cit p 256 108 MARKY Thomas Curso elementar de direito romano 8 ed São Paulo Saraiva 1995 p 6 109 Ibidem p 06 110 A plebe romana lutou durante séculos por igualdade civil e política com os Patrícios e obteve vitórias importantes como a Lei das XII Tábuas a Lei Licínia Sextia no século IV aC que proibia escravidão por dívidas o Tribunato da Plebe entre outras e mesmo entrando rapidamente em desuso foi chamada durante toda a História de Roma como a fonte de todo direito fons omnis publici privatique iuris Esse direito primitivo intimamente ligado às regras religiosas fixado e promulgado pela publicação das XII Tábuas já representava um avanço na sua época mas com o passar do tempo e pela mudança de condições tornouse antiqua do superado e impeditivo de ulterior progresso Mesmo assim o tradicionalismo dos romanos fez com que esse direito arcaico nunca fosse considerado como revogado o próprio Justiniano 10 séculos depois fala dele com respeito111 322 Período Clássico Esse período do século II aC até o século III dC foi o auge do Direito Romano e mais especificamente foi o auge do desenvolvimento do Direito Romano O Poder do Estado foi centralizado e dois persona gens pretores e jurisconsultos adquirindo maior poder de modificar as regras existentes puderam revolucionar constantemente o Direito Jurisconsultos e Pretores e suas atividades serão vistas mais pro fundamente quando tratarmos das Fontes do Direito Romano 323 Período PósClássico Nesse período do século III até o século VI dC o Direito Romano não teve grandes inovações viviase do legado da fase áurea entretanto para acompanhar as novas situações o Direito vulgarizou se e sentiuse a necessidade de fixarse definitivamente as regras por meio de uma codificação que a princípio era muito mal vista pelos romanos112 Houve algumas tentativas nesse período de codificação do Direito vigente porém estas eram feitas de forma restrita Como exemplos po demos indicar o Codex Gregorianus o Codex Hermogenianus o Codex 111 MARKY T Op cit p 06 112 Depois da Lei das XII Tábuas do século V aC nenhuma codificação foi empreendida pelos romanos por não considerarem uma codificação necessária Theodosianus Somente após a queda do Império no Ocidente Justinia no Imperador do Oriente conseguiu empreender tal feito A Codificação Justinianeia chamada de Corpus Iuris Civilis é considerada conclusiva mesmo porque praticamente todos os códigos modernos trazem a marca dessa obra113 O Corpus Iuris Civilis é com posto por quatro obras o Codex o Digesto chamado também de Pandectas as Institutas e as Novelas O Codex foi completado em 529 e reúne a coleção completa das Constituições Imperiais veremos seu significado a seguir o Digesto de 530 é a seleção das obras dos Jurisconsultos as Institutas são um manual de Direito para estudantes e as Novelas são a publicação das leis do próprio Justiniano114 33 Fontes do Direito Romano O Direito Romano até por sua extensão no que diz respeito ao tempo que existiu e foi trabalhado tem muitas fontes Algumas são gerais independentes de época outras são mais específicas a um período da História de Roma 331 Costume A forma mais espontânea e mais antiga de constituição do direito é o Costume Os romanos chamavamno de consuetudo e mais fre quentemente de mores Este não pode ser entendido apenas como fon te específica do Direito mas entre os romanos pode ser visto também como adjetivos obrigatórios ao bom romano Nesse sentido muitos pontos do Mos Maiorum podem ser vistos na História do Direito Romano até mesmo como itens de degradação ou exaltação de um indivíduo em julgamento Os Romanos tinham como suporte fundamental e modelo do seu viver comum a tradição no 113 Corpus Iuris Civilis foi o nome dado à codificação de Justiniano por Dionísio Godofredo no fim do século XVI dC 114 No que diz respeito ao Digesto os codificadores tiveram autorização para alterar os textos escolhidos com o fim de harmonizálos com os novos princípios Essas alterações tiveram o nome de Emblemata Trinoniani Triboniano era o nome do jurista que fez a seleção para o Digesto e hoje são chamadas de Interpolações sentido de observância dos costumes dos ante passados mos maiorum115 A título de exemplo podemos citar a Fides muito usada no Direito e que tem como sentido o cumprimento de um juramento que compro mete ambas as partes na observância de um pacto A fides qualidade imprescindível do bom romano existe no Direito no mínimo desde a Lei das XII Tábuas A Pietas era o item do Mores Maiorum que justificava o poder do Pater famílias visto que ela se define como um sentimento de obriga ção para com aqueles a quem o homem está ligado seja pelo sangue pela política seja através do dever para com os deuses a pátria e a família116 Gravitas era uma das qualidades mais utilizadas para a defesa de um indivíduo no tribunal Era usada no sentido de indicar que um homem era sério compenetrado Foi nesse sentido que Cícero utilizou o termo para defender Plâncio e posteriormente para defender um cidadão chamado Murena acusado por Catão o Censor de ser dan çarino e portanto ofender os bons costumes117 Outras qualidades que podemos apontar são a Dignitas que é relacionada com dignidade e com o exercício de cargos públicos a Honor reconhecimento público de mérito e a Gloria usada na Defe sa de Sestio como só sendo possível a homens de bem porque somente estes podem alcançar tal reconhecimento 332 Leis e Plebiscitos Para o Direito Romano a palavra Lex tem significado mais amplo do que se tem modernamente Para eles a lex indica uma deliberação de vontade com efeitos obrigatórios Dessa forma falase para uma cláusula de um contrato em Leges Privatae leis privadas para referir se ao estatuto de uma cidade os romanos falavam em Lex Colegii e para deliberações dos órgãos do Estado com o mesmo sentido moder no os romanos aplicavam o termo Lex Publica118 115 PEREIRA Maria Helena da Rocha Estudos de História da Cultura Clássica Lisboa Calouste Gulbekian 19 p 345 116 Ibidem p 329 e ss 117 Ibidem p 342343 118 Leges é plural de lex No período republicano há duas espécies de leis dependendo de onde se origina a Lex Rogata e a Lex Data A Lex Data era a lei pro veniente do senado ou de algum magistrado As Leges Rogatae eram as leis votadas pelos cidadãos romanos populus romanus reunidos em Comícios e eram propostas pelos ma gistrados e somente entravam em vigor após a ratificação pelo Senado Caso essa aprovação fosse feita somente pelos Plebeus parte da sociedade romana nos Plebiscitos eram válidas a princípio somente para os próprios plebeus porém após a lei Hortênsia de 286 aC as decisões do Plebiscito tinham força de lei para a sociedade como um todo 333 Edito dos Magistrados Conforme visto no subcapítulo referente às Instituições Políticas havia um cargo na República que era responsável diretamente pela Justiça os Pretores Estes ao iniciar seu mandato publicavam os Edicta para tornar pública a maneira pela qual administrariam a justiça durante seu ano119 Da etimologia da palavra e dicere se deve deduzir que em sua origem tais comunicações eram orais mas o edito era transcrito a tinta em tábuas pintadas de branco donde o nome de album com letras pretas e cabeçalhos vermelhos rubricae e afixado no forum onde pudesse facilmente de plano ser lido120 Com os Editos os Pretores acabavam criando novas normas e estas acabavam por estratificarse visto que os Pretores que entravam utilizavamse largamente das experiências bemsucedidas dos Editos dos Pretores anteriores Esses Editos eram chamados Edictum Tralacium e eram diferenciados dos Editos que continham inovações propostas pelo Pretor chamados Edictum Repentinum 119 A Lex Cornelia de 67 aC estabeleceu que os Pretores não podiam afastarse de seus editos durante o mandato 120 CORREIA A SCIACIA G Manual de direito romano Rio de Janeiro Livros Cadernos 19 p 25 O resultado dessas experiências foi um corpo estratificado de regras aceitas e copiadas pelos pretores que se sucediam e que finalmente por volta de 130 aC foram codificadas pelo Juris ta Sálvio Juliano por ordem do Imperador Adriano121 Esse direito pretoriano chamado Ius Honorarium nunca foi equiparado ao Ius Civile mesmo porque a regra pela qual o pretor não podia criar direito embora não usada na prática sempre esteve em vigor praetor ius facere non potest Dessa forma um interessante con trasenso esteve sempre presente no Direito Romano principalmente no período clássico o Ius Honorarium sempre foi considerado diferente e até mesmo inferior ao Ius Civile mesmo quando na prática o substituiu122 334 Jurisconsultos No princípio da História romana somente os sacerdotes conhe ciam as normas jurídicas e somente eles as interpretavam A partir do fim do século IV aC esse monopólio sacerdotal passou a não mais existir e peritos leigos apareceram eram os Jurisconsultos Os Jurisconsultos principalmente no período clássico do Direito Romano foram personagens da mais profunda importância para o desenvolvimento do Direito Sua principal característica e qualidade era o estudo profundo e sistemático e consequentemente o respeito advindo dessa sabedoria Eles eram considerados como pertencentes a uma aristocracia intelectual distinção essa devida aos seus dotes de inteligência e aos seus conhecimentos técnicos123 A atividade desses homens também chamados Prudentes consistia em indicar as formas dos atos processuais aos magistrados e às partes eles não atuavam em juízo essa indicação tinha o nome de 121 MARKY T Op cit p 7 122 Ius honorárium díctur quod ab honoré praetoris vénerat Chamase direito honorário porque emana ele da magistratura honor do pretor Pompônio Dig 12210 123 MARKY T Op cit p 8 agere Eles também auxiliavam na elaboração e escrita de instrumen tos jurídicos que em vista do formalismo exigido necessitava de par ticular competência isso era chamado cavere Era ainda da parte do Jurisconsulto a obrigação do respondere que consistia em emitir pare ceres jurídicos sobre questões a pedido de particulares e magistrados Até pelo menos o fim da República a atividade dos Jurisconsultos não era utilizada como fonte do direito tinha apenas valor para o caso específico apresentado a ele Entretanto a partir do século I aC com Augusto seus pareceres passaram a ter força de lei mesmo porque os Jurisconsultos passaram a responder ex autoritate principis ou seja com a mesma autoridade do Príncipe A jurisprudência passou então como fonte do direito a ser um dos elementos mais importantes para o desenvolvimento profundo pelo qual o Direito Romano passou Nas palavras de um grande Juris consulto romano Iuris prudentia est divinarum atque humanarum rerum notitia iusti atque iniústi scientia Ju risprudência é o conhecimento das instituições divinas e humanas a ciência do justo e do injusto124 É interessante salientar que apesar da força desses homens este não era um meio objetivo de enriquecimento pois a atividade de Juris consulto era exercida gratuitamente em nome da fama da vaidade e do destaque social Para alguns juristas era mesmo até uma forma de arte O Jurisconsulto Celso definiu o ser Jurista Scire leges non est verba earum tenere sed vim ac potestatem Ser jurisconsulto não é conhecer as palavras da lei mas seu espírito e poder125 335 SenatusConsultos Senatusconsultos eram deliberações do senado mediante pro posta dos magistrados estas somente passam a ser fonte de lei após o Principado século I aC portanto somente após esse período os senatusconsultos podem ser considerados fonte do direito 124 Ulpiano Dig 11102 125 Celso Dig 137 No período anterior isto é durante a República o Senado não le gislava entretanto indiretamente influenciava o Direito à medida que aconselhava os magistrados para que seguissem determinadas prescrições na administração da justiça Quando no Império os Imperadores passaram a centralizar mais fortemente o poder os senatusconsultos passaram a ser somente um formalismo que era desejado pelo Imperador quando este queria fazer valer uma decisão que era impopular para dessa forma livrarse do ônus político 336 Constituições Imperiais A partir do segundo século depois de Cristo depois do Impe rador Adriano as decisões dos Imperadores passaram a ser fontes do Direito Paulatinamente durante o Império conforme o poder centra lizavase cada vez mais o Imperador passou a substituir as outras fon tes do Direito para culminar como a única fonte As providências legislativas do Imperador eram chamadas constitutiones ou placita e podiam ser na forma de edicta mandata decreta ou rescripta Edicta deliberações de ordem geral Caso não sejam revogadas pelos seus sucessores a edicta tem duração indefinida Mandata instruções dadas pelo imperador aos funcionários imperiais e aos governadores de província na qualidade de che fe supremo Seu caráter é portanto administrativo exercendo algumas vezes influência sobre o direito privado Decreta são decisões do Imperador proferidas em um processo no exercício do supremo poder jurisdicional que este possuía jurisdictio O Princeps decidia em primeira instância ou em grau de apelação Os decretos eram aplicados e estendidos pelos juristas a casos semelhantes126 Rescripta são respostas solicitadas ao Imperador a respeito de casos jurídicos a ele submetidos pelos magistrados ou por particulares 126 Os juristas imperiais consideravam legislativa a própria vontade do Imperador Quod príncipi plácuit legis habet vigorem O que agrada ao príncipe tem força de lei Ulpiano Dig 121 pref O título Princeps significava primeiro homem de Roma 34 Divisão do Direito Romano Os romanos consideravam várias divisões de seu direito para tanto baseavamse na História na origem da norma na aplicação ou no sujeito a quem era destinada a norma A principal diferença entre os Direitos ius era entre o Ius Cilvile e o Ius Gentium Ius Civile também conhecido como ius quiritium é o direito próprio do cidadão romano e exclusivo deste Ius Gentium é o direito universal aplicável a todos os homens livres inclusive os estrangeiros Para o Jurista Gaio e para Ul piano era um direito baseado na razão natural naturalis ratio127 Ius Gentium est quo gentes humanae untuntur Direito das gentes é o que a razão natural estabeleceu entre os homens128 341 Divisão Baseada na Origem Baseandose na fonte do Direito os romanos diferenciavam o Ius Civile o Ius Honorarium e o Ius Extraordinarium Ius Civile era o Direito tradicional que provinha do costume das leis dos plebiscitos e na época imperial dos senatus consultos e das Constituições Imperiais Ius Honorarium era o Direito elaborado e introduzido pelos pretores Ius Extraordinarium era derivado da atividade jurisdicional do Imperador na época do Império O Imperador e seus funcioná rios tomando conhecimento das controvérsias cognitio de forma diferente da ordem natural dos juízos extra ordinem originaram todo um conjunto de normas129 127 Era considerado como tendo sido constituído pelo Ius Naturale Direito Natural Este seria natural e não uma criação arbitrária do homem Considerase naturalis o que decorre das qualidades físicas dos homens ou das coisas como também o que corresponde a uma ordem normal de interesses humanos e por isso mesmo não exige justificações CORREIA Alexandre SCIACIA Gaetano Op cit p 19 128 Ulpiano Digesto 1114 129 CORREIA Alexandre SCIACIA Gaetano Op cit p 18 342 Divisão Baseada na Aplicabilidade Essa distinção se faz baseada em de que forma as regras podem ou não ser aplicadas Distinguese então entre Ius Cogens e Ius Dispo sitivum Ius Cogens é a regra absoluta Sua aplicação não depende da vontade das partes interessadas É o caso do Direito Público ius publicum privatorum pactis mutari non potest o direito público não pode ser alterado por acordo entre particulares130 Ius Dispositivum esse Direito admitia a expressão da vontade dos particulares as regras podiam ser modificadas ou postas de lado de acordo com o desejo das partes 343 Divisão Baseada no Sujeito Dependendo da regra se esta era aplicável a todos ou somente a alguns os romanos distinguiam o Ius Commune do Ius Singulare Ius Commune é o conjunto de regras que regem de modo geral uma série de casos normais É a regra que se opõe à exceção Ius Singulare são as regras que valem somente para uma ca tegoria de pessoas grupos ou situações específicas É im portante salientar que o Ius Singulare não é uma determinação particular válida somente a uma pessoa Essa situação era chamada no Direito Romano de Privilegium e não tinha o peso do Ius Singulare 35 Capacidade Jurídica de Gozo Capacidade jurídica de gozo chamada também de ca pacidade de direito é a aptidão do indivíduo para ser sujeito de direitos e obrigações Hoje em dia na maioria dos países do mun do todos têm capacidade de direito mas em Roma não era da mesma forma Havia uma série de precondições para que o homem tivesse capacidade jurídica de gozo Para ter completa capacidade de direito era necessário que a pessoa fosse livre status libertatis tivesse 130 Digesto 21438 cidadania romana status civitatis e fosse independente do pátrio poder de alguém status familiae 351 Status Libertatis Para ter capacidade Jurídica o indivíduo tinha que ser livre Escra vos não tinham direitos nem privados nem públicos eram apenas objeto de relações jurídicas O indivíduo podia ou nascer escravo ou tornarse escravo Nesse último caso a pessoa tornavase escrava por aprisionamento em guer ra por disposições penais ou até a Lei Licínia Sextia século IV aC poderia tornarse escrava pelo nãopagamento de uma dívida Pelo Ius Civile antigo eram muitos os crimes pelos quais o indi víduo poderia pagar com a escravidão como por exemplo se o cidadão não aceitasse o recrutamento ou fugisse da obrigação do censo Nascia escravo o filho de escrava a situação do pai não era levada em conta Segundo o Direito clássico nascia escravo o filho cuja mãe fosse escrava na ocasião do parto mas na época pósclássica partin do do princípio de que o nascituro era considerado nascido o filho nas ceria livre caso a mãe houvesse sido livre em qualquer momento da gestação Escravos eram coisas res e como tal não possuíam personalida de estando sujeitos ao poder de seu senhor dominica potestas esse poder em sentido jurídico tinha caráter absoluto Podemos comparar a dominica potestas ao di reito de propriedade em seu tríplice aspecto de ius fruendi direito de perceber os frutos e os produtos da coisa o filho da mulher escrava era um produto de ius utendi direito de utilizarse da coisa e de ius abutendi direito de dispor ou não dispor de alienar etc131 O escravo não podia contrair matrimônio legítimo e todos os bens adquiridos por ele pertenciam a princípio ao senhor quodcumque per servum adquiritur id domino adquiritur tudo o que adquiriu pelo escravo é do dono132 Entretanto era costume entre os romanos prin 131 GIORDANI M C História de Roma Op cit p 197 132 Gaio Inst 1 52 cipalmente para escravos urbanos permitir ao escravo ter um pe culium ou seja ter a posse de alguns bens pelos quais poderiam desenvolver algum comércio ou serviço133 Da mesma forma que uma pessoa poderia tornarse escrava ela também poderia deixar de sêlo através da manumissão manumissio ou datio libertatis Esta era bastante comum em Roma não só porque com a possibilidade da liberdade o escravo produzia mais mas também porque a vaidade romana gostava muito de cortejos fúnebres acompanhados pelos escravos manumitidos pelo defunto A princípio eram apenas três as fórmulas jurídicas de libertação de um escravo o censu o escravo era inscrito com a permissão do dono no registro censitário do censor a vindicta processo judicial no qual se discutia a liberdade do escravo testamento o escravo era libertado em testamento essa forma já era reconhecida na Lei das XII Tábuas O pretor reconhecia outras formas de libertação a feita perante testemunhas manumissio inter amicos fazendose sentar o escravo à mesa per mesa por escrito per epistulam ou mesmo somente colocando o chapéu na cabeça do escravo per pileum O escravo libertado chamado liberto não tinha os mesmos direitos das pessoas que nunca estiveram na condição de escravos estes eram chamados de ingênuos seus direitos políticos eram limitados e no campo do direito privado o liberto encontravase na dependência do exdono Ingenui sunt qui liberi nati sunt libertini qui ex iusta servitute manumissi sunt São ingênuos os que nasceram livres libertos os que foram submetidos a uma escravidão legal e depois alforriados134 352 Status Civitatis A cidadania romana era condição imprescindível para a capa cidade jurídica plena Os nãocidadãos nascer em Roma não era garantia de cidadania e os estrangeiros podiam ter propriedade fazer testamento por exemplo mas pelas regras de sua cidade de origem 133 Era o caso de alguns escravos instruídos que eram professores 134 Gaio Inst 1 4 e 5 Somente os inimigos vencidos peregrini dediticii cujo direito e inde pendência não tivessem sido reconhecidos pelos romanos estariam privados do uso de seu direito de origem Era cidadão aquele que nascia de casamento válido pelo ius civile ou se a mãe fosse de família cidadã Podiam tornarse cidadãos os indivíduos ou povos que recebessem a cidadania por lei ou por vontade do imperador A cidadania podia ser perdida através da Capitis Deminutio que era a diminuição ou perda dos direitos de cidadão Civili ratione capitis deminutio morti coaequatur no Direto Civil a perda da cidadania se equipara à morte135 353 Status Familiae Atualmente a situação do sujeito perante a família não tem gran de valor no que diz respeito à sua capacidade de direito em Roma era de suma importância essa posição pois o status familiae determinava a capacidade Este princípio característico levanos ao tempo em que as relações jurídicas intercorriam não entre indivíduos mas entre grupos familiares gentes e portanto se referiam inteiramente ao chefe de cada família136 Para uma completa capacidade jurídica de gozo era preciso que o indivíduo fosse independente do pátrio poder patria potestas Dentro da organização familiar romana eram distintos dois tipos de pessoas os sui iuris totalmente independentes sem um pater familias e os alieni iuris pessoas sujeitas ao poder de um pater familias A independência do pátrio poder não tinha necessariamente relação com idade ou com o fato de se ter paternidade Um recémnas cido por exemplo se não tivesse ascendente masculino era indepen dente do pátrio poder Em outro extremo um ancião com o pai ainda vivo e que nunca tivesse sido emancipado era alien iuris 135 Gaio Inst 3 153 136 CORREIA Alexandre SCIACIA Gaetano Op cit p 45 Os alien iuris não eram totalmente incapazes juridicamente No que diz respeito aos direitos públicos tinham plena capacidade po diam votar e ser votados para as magistraturas ius sufragii e ius ho norum podiam participar do exército No tocante aos direitos priva dos podiam casarse ius conubii desde que obtivessem o consen timento de seu pater familias No campo patrimonial tudo o que o alien iuris adquiria o fazia para o pater familias ao contrário das obrigações assumidas pelo alien iuris pelas quais o pater familias somente respondia em casos ex cepcionais O indivíduo podia sair da condição de alien iuris caso perdesse seu ascendente masculino direto por morte ou fosse emancipado Poderia também sendo sui iuris tornarse alien iuris por adoção 354 Causas Restritivas da Capacidade Jurídica de Gozo Como visto anteriormente a capacidade de direito não era uma garantia vitalícia Poderia ser perdida ou obtida A perda poderia ser capitis deminutio maxima no caso de perda total da cidadania e portanto de todos os direitos quando um indivíduo tornavase es cravo por exemplo poderia ser também captio deminutio media quando o sujeito era desterrado e tornavase um peregrinus um sempátria e por fim poderia ser captio deminutio minima no caso de a pessoa mudar seu status familiar por emancipação adrogação ou adoção Todos os casos considerados nos pontos acima são exclusivos do sexo masculino visto que à mulher não era permitida plena capacida de Elas não tinham direitos públicos e sofriam restrições no âmbito do direito privado também Como veremos mais adiante elas não tinham direito ao pátrio poder nem à tutela e tampouco podiam participar de atos solenes na qualidade de testemunhas A capacidade jurídica poderia ser restrita também por pena lidades impostas em consequência de atos ilícitos ou por questões religiosas que causavam impedimentos nos campos matrimoniais testamentários e hereditariedade 36 Direito de Família O sentido de família em Roma deve ser visto na sua multiplicidade no tempo e no ensejo em que a palavra é utilizada Em Direito Romano a palavra família pode ser aplicada tanto às coisas quanto às pessoas137 Aplicada às coisas tem o sentido de indicar o conjunto de um patrimônio como por exemplo na expressão dimidium familiae que significa metade do patrimônio ou na expressão família rústica que indica os escravos rurais Aplicada somente às pessoas ou à soma de pessoas e coisas família significa para os romanos todos e tudo sob o poder do pater familias A família relativamente a pessoas pressupõe parentesco e este em Roma poderia ter dois sentidos um estritamente jurídico chamado agnatio outro basicamente biológico ascendência comum a cogna tio O parentesco jurídico englobava todos sob o poder de um mesmo pater familias portanto este só era transmitido pela linha paterna pois somente homens poderiam ser pater familias Por isso a agnatio era chamada também de cognatio virilis Durante a evolução do Direito Romano esses dois sentidos de pa rentesco foram colocados muitas vezes em contraposição o que gerou juridicamente a prevalência cada vez mais acentuada do princípio do parentesco consanguíneo em detrimento da agnação 361 O Pátrio Poder A História do Direito Romano muito tem a ver com o Pátrio Poder patria potestas exclusivo do pater familias Como uma balança quan to maior era o poder do pater familias menor era o poder do Estado e conforme o tempo passou essa balança tendeu a dar a vitória ao Estado em detrimento do pater familias Durante praticamente toda a História do Direito Romano o poder do pater familias era absoluto de vida e morte sobre todos sob sua chefia Seus filhos recémnascidos podiam por sua vontade ser deixados para morrer ou em qualquer idade ser vendidos O poder do pater familias englobava vários poderes a patria potestas sobre os filhos a manus sobre a esposa a dominica potes tas sobre os escravos e o mancipium sobre pessoas livres alien iuris que passaram de um pater familias a outro pela venda por exemplo O pátrio poder implicava em termos patrimoniais o direito amplo do pater familias Como as pessoas sujeitas ao poder dele não tinham 137 Etimologicamente a palavra família tem origem em famulus que é relativo a escravo plena capacidade jurídica de gozo toda e qualquer coisa adquirida o era para o pater familias Por outro lado se o alien iuris cometesse algum delito o pater familias poderia ressarcir o dano ou entregar o filho para ser penalizado A principal fonte do pátrio poder era o nascimento do filho em casamento legítimo In potestate nostra sunt liberi nostri quos ex iustis nuptiis procreavimus Sob o nosso poder estão nossos filhos procriados em um matrimônio legítimo138 A filiação legítima era presumida se o parto acontecesse no mínimo cento e oitenta dias da data em que o matrimônio fosse contraído ou no máximo trezentos dias após a sua dissolução Entretanto o reconhecimento da criança nascida em casamentos juridicamente reconhecidos dependia do pai embora sem esse reco nhecimento paterno a paternidade pudesse ser definida juridicamente através de uma ação especial Os filhos fora do casamento e não reconhecidos não estavam sob o pátrio poder Outra forma de aquisição do pátrio poder era a adoção que comentaremos especificamente adiante O pátrio poder poderia ser extinto pela morte do pater familias a morte alien iuris a perda de cidadania ou liberdade do pater familias o que era equiparado à morte a adoção por outro do alien iuris a eman cipação do filho alien iuris ou o casamento cum manu da filha 362 O Casamento O casamento em uma sociedade que se baseia tão fortemente mesmo em sentido jurídico na família é da mais profunda importân cia Por isso nas Novelas de Justiniano lemos nihil in rebus mortalium perinde venerandum est atque matrimonium Nada é tão venerável nas instituições humanas como o matrimônio139 Iustae Nuptiae ou Iustum Matrimonium eram termos usados para definir o casamento legítimo juridicamente reconhecido pelo ius civile Para que o casamento fosse legítimo era necessário o conúbio que pela definição de Ulpiano Conubium est uxoris iure ducendade facultas Conubium habent cives romani cum civibus 138 Instituta 1 9 pr 139 Novellae 140 in praefatione romanis cum latinis autem aut pregrini ita si concessim sit Cum servis nullum est conubium Conúbio é a faculdade de casarse legalmente Os cidadãos romanos têm conúbio com os cidadãos romanos com os latinos e os estrangeiros quan do lhes foi permitido Não há conúbio entre escravos140 Os romanos distinguiam duas espécies de casamento o casa mento cum manu e o casamento sine manu No casamento cum manu a mulher saía da dependência do seu próprio pater familias para entrar na dependência do marido e do pater familias da família do marido Para que essa transferência ocorresse era suposto um ato chamado conventio in manu ou aquisição da manus do poder do marido sobre a mulher Havia três formas de a manus ser estabelecida com a confarreatio formalidade de cunho religioso muito utilizada na antiguidade da História romana a coemptio venda formal da noiva ao noivo pelo pater familias desta e o usus era baseado no princípio de poder absoluto por posse prolongada e se dava quando o casal convivia maritalmente por mais de um ano O poder da manus entretanto podia ser evitado se a mulher se ausentasse de casa por três noites seguidas durante o curso do ano O casamento sine manu foi o que prevaleceu na Roma após as conquistas territoriais Ele não oferecia a possibilidade de sujeição da mulher ao marido e esta podia continuar sob o poder de seu próprio pater familias conservando portanto os direitos sucessórios de sua família de origem mas era mais condizente com o que se pensava acerca do que era o matrimônio O Historiador Pierre Grimal nos dá uma explicação para tal ocorrência A criação de um casamento sem manus tão importante na evolução dos costumes romanos é atribuída pela tradição aos decênvirus que em meados do século V aC redigiram as leis das XII Tábuas talvez seja até mais antiga tendo os decênvirus se limitado a incluir em seu código um estado de fato Muito provavelmente esse regime 140 Ulpiano Régulaae 5 35 d foi estabelecido para responder a situações prá ticas que dificultavam a manutenção da auto ridade marital em todo o seu rigor Ao que parece a autorização para realizar casamentos legítimos entre patrícios e plebeus oficialmente concedida pela Lex Canuleia em 445 aC tem relação com o abrandamento do velho matrimônio patriarcal É de imaginar que o pai de uma jovem patrícia se recusasse a transmitir sua autoridade ao marido plebeu que ela pudesse ser levada a esposar e que não era seu igual pelo menos aos olhos dos deuses141 Para os romanos o matrimônio era antes de tudo um ato consen sual de contínua convivência Era um fato res facti e não uma res iuri um estado de direito Nesse sentido os juristas romanos afirmavam Coitus matrimonium non facit sed maritalis affectio Não é a cópula em si mas o afeto ma rital que constitui o matrimônio142 Matrimonium inter invitos non contrahitur Não se contrai matrimônio entre quem não deu consenso143 Essa noção de consentimento no início da história romana e pos teriormente para o que diz respeito ao primeiro casamento da moça era bastante limitado para ela Conforme a Digesta de Justiniano indica A moça que não se opõe explicitamente à von tade do pai é considerada concorde Só se permite que uma jovem tenha opinião diferente daquela que de seu pai quando este escolhe para seu noivo um homem indigno ou portador de alguma tara144 141 GRIMAL P O amor em Roma São Paulo Martins Fontes 1991 p 74 e ss 142 Ulpiano Dig 2413213 143 Celso Dig 23 2 22 144 Digesto apud GRIMAL P Op cit p 91 A questão que vale a pena levantar é como uma menina poderia obter informações sobre seu noivo ou como teria forças para desafiar o pai mesmo seu noivo sendo um contumaz apreciador de contatos moralmente discutíveis O casamento era permitido para rapazes a partir dos quatorze anos e para moças a partir dos doze mas o noivado poderia ocorrer antes dessa idade e não raramente no caso das meninas havia a consumação pela coabitação com o noivo mesmo antes do casamento Para designar a jovem que em função da idade não podia ser considerada legalmente casada mas fisicamente já era esposa os juristas usam perífrases como in domum deducta aquela que foi conduzida à casa ou loco nuptae aquela que tem posição e função de esposa145 A justificativa para tal ação que nós hoje consideraríamos pedofilia e condenaríamos com veemência não é menos nobre que o ato Plutarco escrevendo sobre a vida de Numa afirma que seu herói é louvável por ter autorizado os romanos a esposarem meninas de doze anos ou até menos porque assim ele afirma a noiva traz a maior pureza possível no corpo e no caráter e dessa maneira as mulheres ficariam moldadas aos seus esposos146 Havia uma série de impedimentos para o casamento entre as quais podemos listar a loucura a consanguinidade em linha reta sem restrições e na linha colateral até o terceiro grau o parentesco adotivo a diferença de camadas sociais libertos e ingênuos ou qualquer um com uma mulher infame por exemplo condição de soldado em campanha ser tutor e pupila o fato de já ser casadoa O último impedimento apontado impõe juridicamente a monoga mia para o casamento romano mas de fato essa monogamia era rela tiva visto que não era rara a presença de concubinas dentro de casa e o adultério era somente mal visto e criminoso para a esposa Nas pala vras do Censor Catão Se surpreendesses sua mulher em adultério poderias matála sem julgamento e impunemen 145 GRIMAL P Op cit p 95 146 Ibidem passim te mas se cometesses adultério ela não ousaria tocarte nem com a ponta do dedo e aliás não teria tal direito147 363 O Divórcio O casamento na História de Roma jamais foi indissolúvel Mesmo porque se um povo considera que o matrimônio baseiase no con sentimento ainda que relativo a indissolubilidade deste é inimaginá vel Somente na época dos Imperadores cristãos foram introduzidas limitações ao divórcio mas sem nunca abolilo Já o Direito Romano arcaico previa o divórcio Ele era praticado através de formas solenes a diffarreatio e a remantipatio No casa mento sine manu essa dissolução era ainda mais fácil Podia ocorrer através do divortium comuni consensu se houvesse acordo entre as partes ou por repudium no caso de vontade unilateral No início da História romana o divórcio somente podia ocorrer por vontade do marido mesmo assim se ele convocasse o Tribunal Familiar e portanto tivesse algo contra a esposa Esta por sua vez somente descasavase no caso de perda da cidadania do esposo é importante notar que não era nesse caso divórcio mas sim dissolução do casamento Com o passar do tempo as justificativas dadas ao Tribunal Familiar eram cada vez mais tolas e passou a ser possível o divórcio sem qual quer motivo O casamento sine manu deu às mulheres a mesma possi bilidade O historiador Carcopino muitas vezes um tanto moralista lamenta a possibilidade de múltiplos divórcios entre os romanos indicando que muitas vezes eles eram ocasionados por interesse Na época de Cícero o divórcio pelo con sentimento dos cônjuges ou pela vontade de um só tornouse moeda corrente das relações familiares Já velho Sila casouse pela quinta vez com uma jovem divorciada Valéria meia irmã do orador Hortênsio Duas vezes viúvo Pompeu divorciouse duas vezes antes da primeira e depois da segunda de Antistia cuja mãe havia pedido para obter o favor do pretor do qual 147 CATÃO apud GRIMAL P Op cit p 117 dependia a posse de sua imensa fortuna paterna mas cujas amizades ameaçavam prejudicarlhe a carreira política e de Múcia cuja conduta deixara a desejar durante a longa ausência do marido em campanhas alémmar Viúvo de Cornélia César repudiou Pompéia a quem esposara após a morte de Cina pela simples razão de que embora inocente a mulher de César não deveria ser sus peita O virtuoso Catão o jovem separouse de Márcia e não se envergonhou de esposála nova mente quando a fortuna que ela possuía somou se a de Hortênsio com quem Márcia entrementes casarase e do qual era viúva 148 364 O Dote O Dote é uma instituição que até poucos séculos atrás era primor dial para a realização de um casamento149 Ele pode ser definido como o conjunto de bens que a noiva por si mesma ou através de outros traz para o marido para sustentar o ônus do matrimônio Esses bens são dados ao marido para que este os administre e conforme o Direito Romano evoluiu quando da dissolução do casamen to este deveria ser devolvido São modos de constituição do dote a dotis datio efetiva entrega de bens ao marido a dotis dictio promessa de entrega a dotis pro missio consta de uma stipulatio em virtude da qual o constituinte do dote se obriga a transferir os bens posteriormente substituiu a dotis dictio 365 A Adoção A adoção em Roma era corriqueira e bastante aceita pela socie dade aliás esta era considerada uma forma de imitar a natureza no tocante à procriação Adoptio est legitimus actus naturam imitans qui liberos nobis quaerimus A adoção é um ato legal que imita a natureza com o qual podemos adotar filhos como seus150 148 CARCOPINO J Roma no apogeu do Império São Paulo Cia das LetrasCírculo do Livro 1990 p 121 149 Em algumas sociedades atuais o dote ainda é pressuposto para o casamento 150 Instituta 1 11 Para a adoção em Roma havia duas formas a adrogatio e a adoptio A adrogatio era a adoção de um pater familias por outro le vando obviamente todos os seus dependentes e seu patrimônio a adoptio era a adoção de um indivíduo sui iuris Para a adoção não havia limite de idade mas exigiase que o adotante fosse mais velho que o adotado Adoptio naturam imitatur et pro monstro est ut maior sit filius quam pater A adoção imita a natureza seria monstruoso que o filho fosse mais velho que o pai151 Às mulheres era proibido adotar a não ser quando perdiam seus próprios filhos e obtinham permissão especial para isso Feminae adoptare non possunt quia nec natu rales liberos in sua potestate habent sed ex indul géntia principis in solatium liberorum amissorum possunt As mulheres não podem adotar pois tampouco têm sob seu poder os filhos naturais todavia por indulgência do príncipe e para con solo dos filhos perdidos o podem152 37 Tutela e Curatela Tanto a tutela quanto a curatela têm por finalidade dar meios para que uma pessoa sem condições de fazêlo sozinha possa ter os seus bens cuidados Dessa forma podemos afirmar que ambas têm relação com o problema de capacidade para a prática de atos jurídicos153 A tutela existia pela incapacidade por idade ou sexo e visava proteger os interesses da família A curatela visava cuidar de interes ses patrimoniais em casos excepcionais de incapacidade como loucura prodigalidade etc 371 Tutela Podiam ficar sob tutela os impúberes e as mulheres sui iuris O tutor podia ser um parente agnatício próximo tutela legitima ou ser nomeado por testamento tutela testamentária ou ainda ser nomeado pelo pretor tutor dativus Uma mulher não poderia ser tutora a não ser em casos excepcionais 151 Instituta 1 11 4 152 Instituta 1 11 10 153 MARKY T Op cit p 168 Feminae tutores dari non possunt quia id munus masculorum est nisi a principe filiorum tutelam specialiter postulant As mulheres não podem se tornar tutoras porque essa é uma prerrogativa dos varões a não ser que solicitem especialmen te ao príncipe a tutela dos filhos154 Exceto o tutor nomeado por testamento os outros eram obrigados a aceitar o cargo a não ser que provassem idade avançada ter vários filhos exercer cargos públicos Seu dever é explicitado de forma sim ples e direta Tutoris praecipuum officium est ne indefesum pupíllum relinquat O primeiro dever do tutor é não deixar o pupilo indefeso155 A incumbência do tutor era administrar o patrimônio do pupilo e essa administração deveria ser feita de maneira correta sempre visan do ao interesse da pessoa sob tutela Em caso de prejuízo ocasionado por ações do tutor qualquer pessoa poderia denunciálo e se con denado seria penalizado com a infâmia Lege rata non habetur auctoritas dolo malo facta A autoridade do tutor se exercida com dolo não se considera ratificada por lei156 A tutela de impúberes e de mulheres era diferente enquanto a mulher poderia administrar seus próprios bens ficando o tutor como um assistente no caso de impúberes toda a administração ficava por conta do tutor que deveria prestar contas de seus atos Officio tutoris incumbit etiam rationes actus sui confecere et pupillo reddere É tam bém dever do tutor prestar contas de sua administração dos bens do pupilo157 372 Curatela A curatela tem por principal objetivo a proteção do patrimônio do indivíduo cuja capacidade está deteriorada e não é impúbere ou mulher O curador tinha por função ou representar o curatelado absolu tamente incapaz ou assistir relativamente o curatelado dandolhe quando convinha consentimento para a prática de atos jurídicos As espécies de curatela distinguiamse baseadas no tipo de incapacidade do indivíduo Havia a cura furiosi que era a curatela do 154 Nerácio Dig 26 1 18 155 Marcelo Dig 26 7 30 156 Terêncio Clemente Dig 23 3 61 157 Ulpiano Dig 27 3 1 3 indivíduo mentalmente prejudicado Se houvesse um parente agnado próximo este seria o curador caso contrário o pretor nomeava um Ha via também a cura prodigi que era a curatela dada ao indivíduo que comprovadamente esbanjava seus bens dessa forma o pródigo ficaria com sua capacidade de ação limitada e seu patrimônio estaria defen dido Em casos excepcionais havia ainda a cura minorum que era a curatela solicitada por menores de 25 anos para abrandar as dúvidas daqueles que receavam contratar com eles por causa da pouca idade 38 Sucessão Intimamente ligada a todas as questões que envolvem a família sua perpetuação e seu patrimônio está a sucessão A princípio em Roma somente o sucessor do pater familias tinha direito porém com as mudanças estruturais pelas quais passaram não somente a família romana mas a sociedade como um todo essa questão tornouse mais complexa Os romanos utilizavam a expressão succedere in ius para designar a transmissão de todos os direitos e obrigações do defunto a uma outra pessoa seu sucessor usavam a palavra hereditas para indicar o pro cesso dessa passagem e seu objeto geralmente o patrimônio e heredis para indicar herdeiro Hereditas nihil aliud est quam successio in uni versum ius quod defunctus habuerit a herança não é senão a su cessão na universalidade do direito que o falecido possuía158 Os sucessores naturais eram os filhos estes eram considerados mesmo durante a vida de seu pai como quase donos Dessa forma durante o período clássico não se considerava que os filhos herdassem os bens mas a plena administração dos mesmos Eram filhos os nascidos em justas bodas e após a morte do pai a título sucessório Post decem menses mortis natus non admittetur ad legitiman hereditatem o nascido dez meses após a morte não é admitido à legitima herança159 Eram herdeiros como os filhos biológi cos os adotados Qui adoptatur iisdem fit agnatus quibus pater ipsius fuit et legitmam eorum hereditatem habebit vel ipsi eius quem é adotado se torna herdeiro dos mesmos de quem foi seu pai e terá a herança legítima deles ou eles a dele160 158 Juliano Dig 50 17 62 159 Ulpiano Dig 38 16 3 11 160 Ulpiano Dig 38 16 2 3 381 Herança O usufruto a posse o uso algumas relações obrigacionais como mandato por exemplo não eram considerados transmissíveis bem como obrigações delituais já que in poenam heres non succedit o herdeiro não herda a pena161 Os demais direitos e obrigações cons tituíam o patrimônio transmissível Através de um balanço entre o que o defunto devia e o que tinha determinavase a herança que obviamente poderia ser somente dívi da chamada damnosa hereditas No caso de pluralidade de herdeiros cada um sucedia ao de cujus no patrimônio todo sendo os direitos e obrigações de cada herdeiro limitados apenas pelo concurso dos demais cabendo a todos alíquotas ideais sem divisão real concursu partes fiunt162 382 Testamento Para os romanos o testamento era a expressão de uma vontade unilateral Um documento no qual o testador indica seu sucessor ou seus sucessores Até a morte do testador este era revogável poste riore testamento quod iure perfectum est supérius rúmpitur com o testamento posterior que se faz legalmente se anula o anterior163 Para fazer um testamento era necessária a testamenti factio activa isto é a capacidade jurídica para testar Não tinham capacidade de fazer testamento os alien iuris por não terem patrimônio próprio os latini juniani que morriam como escravos e seu patrimônio era auto maticamente do patrono os intestabiles que tiveram essa punição por negaremse a depor como testemunhas os incapazes como os loucos os impúberes os pródigos As mulheres no início da História Romana também não podiam testar mas essa limitação desapareceu no Direito Clássico Ser herdeiro também era uma questão de capacidade jurídica A principal condição era ser cidadão romano livre e não ser intestabiles 161 Marcelo Dig 39 1 22 162 MARKY T Op cit p 175 163 Instituta 2 17 2 Havia dois tipos de testamento o testamentum publicum que era feito publicamente ou perante o comício reunido para esse fim duas vezes por ano e era chamado testamentum calatis comitiis ou perante o exército e o testamentum privatum no qual o testador passava seu patrimônio a uma pessoa de sua confiança para que esta o transferisse à pessoa designada pelo testador essa fórmula transformouse e a pessoa de confiança passou a ser testemunha apenas junto com outras seis já que sete testemunhas era o número exigido para a validade de um testamento Mais tarde costumavase redigir documento es crito do testamento assinado por sete testemu nhas que se chamava tabulae testamenti septi signis signatae a que se juntava ainda a forma lidade oral porque a validade do testamento decorria exclusivamente desta parte oral sendo as tabulae apenas elementos de prova do conteúdo verbalmente enunciado no testamento 164 Testamentos podiam ser considerados nulos ineficazes ou ainda podiam ser revogados O testamento nulo era aquele que era feito por um testador sem capacidade para tal ou aquele feito sem alguma formalidade exigida ou ainda quando o testador desrespeitava os direitos de seus descendentes O testamento tornavase ineficaz quando o testador após a feitura do testamento perdia sua capacidade de testar quando os herdeiros não aceitavam a herança ou quando o testamento fosse revogado Para ser revogado o testamento deveria estar danificado perdido destruído voluntariamente pelo testador ou quando o testador fizesse posteriormente outro 39 Posse e Propriedade Posse e propriedade podem ser diferenciadas pelo fato de se ter poder jurídico ou poder apenas de fato sobre a coisa Quando há so mente posse a coisa está sob o poder da pessoa mas esta não tem 164 MARKY T Op cit p 182 poder jurídico total sobre ela No caso da propriedade o indivíduo tem poder jurídico inclusive de compra venda aluguel etc Para os romanos poderia se gerar propriedade de várias formas inclusive através da posse A tomada de posse de uma coisa que não estivesse sob o domínio de ninguém animais selvagens coisas abandonadas bens de inimigos de Roma geraria a propriedade isso era chamado occupatio Poderia se adquirir também a propriedade por transferência da mesma por usucapião por compra por herança etc 310 Delitos No início da História de Roma não havia limites para a represália quando um indivíduo cometia um crime Era de livre vontade do ofen dido a vingança embora atenuando esse fato houvesse outro não tinham os romanos a nítida distinção entre punição e ressarcimento Para os romanos o crime era definido em uma só palavra noxae Noxae appellatione omne delictum continetur Na palavra noxa está compreendido todo tipo de delito Noxa prejuízo dano delito crime165 E para eles não poderia um indivíduo pagar pelo crime de outro Peccata suos teneant auctores Os crimes só atingem aqueles que o cometeram166 Bem como consideravam que o fato de uma pessoa calar não significava necessariamente uma confissão de culpa Qui tacet non utique fetetur sed tamen verum est eum non negare Quem cala nem sempre confessa Contudo certo é que não nega167 Previam também a legítima defesa Quod quisque ad tutelam corporis sui fecerit id iure fecisse existimatur O que cada um fez para proteger o próprio corpo julgase que haja feito com todo direito168 Portanto fica bastante clara a noção acentuada de justiça dos romanos Para ratificar esse objetivo pode ser citada uma frase de Ulpiano que dizia Satius est impunitum relinqui facinus nocentis quam innocentem damnari Mais vale deixar impune o culpado que condenar o inocente169 Com o fortalecimento do Estado foram estabelecidas condições para o exercício da vingança Esta somente poderia ser efetuada se o 165 Gaio Dig 50 16 238 3 166 Códex 9 47 22 167 Paulo Dig 50 17 142 168 Florentino Dig 1 1 3 169 Ulpiano Dig 48 19 5 pr criminoso fosse pego em flagrante e mesmo assim os limites da represália foram limitados ou eram baseadas no Princípio da Pena de Talião ou a uma compensação pecuniária Quanto ao processo e sua evolução na História romana descreve Mirabete Em Roma a separação entre delicta publica cri mes contra a segurança da cidade parricidium etc e delicta privata infrações menos graves determinava também a distinção dos órgãos competentes para julgamento Quanto aos últi mos os Estado era o árbitro para solucionar litígio entre as partes decidindo de acordo com as provas por elas apresentadas Com o passar dos anos porém o processo penal privado foi abandonado quase totalmente No processo penal público ao contrário ocorreu a evolução Da ausência de qualquer limitação ao poder de julgar existente no começo da monarquia em que nenhuma garantia era dada ao acusado cognitio passouse com a Lex Valeria de Provocatione ao provocatio ad populum em que o condenado podia recorrer da condenação para o povo reu nido Já na República surgiu a justiça centurial em que as centúrias integradas por patrícios e plebeus administraram a justiça penal em um procedimento oral e público e excepcionalmente o julgamento pelo senado que a podia delegar aos questores Já no último século da República surgiu nova forma de procedimento a accusatio ficando a administração da justiça a cargo de um tribunal popular composto inicialmente por senadores e depois por cidadãos No Império a accusatio foi pouco a pouco cedendo lugar a outra forma de procedimento a cognitio extra ordinem processo penal extraordinário a cargo no início do senado depois ao imperador e finalmente outorgado ao praefectus urbis Os poderes do magistrado diz Mazini foram invadindo a esfera de atribuições já reservadas ao acusador privado a tal extremo que em determinada época se reuniam no mesmo órgão do estado magistrado as funções que hoje competem ao Ministério Público e ao Juiz Fezse introduzir então a tortura do réu e mesmo de testemunhas que depusessem falsamente e a prisão preventiva Podese apontar tal procedimento como a base primordial do chamado Sistema Inquisitivo170 3101 Causalidade Causalidade é o nexo subjetivo que liga o delito ao seu autor e manifestase de duas formas dolo ou culpa Os romanos levavam em consideração a intenção conforme podese atestar na Lex Numae Se alguém matou um homem com prévia intenção é homicida O Jurisconsulto Numa indicava que Se alguém matou um homem imprudentemente aos agnados do morto será oferecido em compen sação um carneiro perante a assembléia Tomando essa máxima de Numa e a Lex Numae podese concluir que diferenciavam dolo e culpa Além de um delito poder ser doloso intencional os romanos indicavam que poderia ainda ser pior poderia se cometer um delito com fraus que significa falta consciente de respeito à lei Essa graduação do delito baseado na intenção pode ser vista no Digesto que indica O divino Adriano decidiu em um rescriptum que aquele que matou um homem se não o fez com intenção de matar pode ser absolvido E aquele que não matou um homem mas feriu com intenção de matar deve ser condenado como homicida e segundo os casos deve ser determinado isto se tomou a espada na mão e nele golpeou incontestavelmente o fez com intenção de matar mas se em uma rixa feriu com uma chave ou marmita embora tenha golpeado com instrumento de ferro não o fez contudo com a intenção de matar Deduzse que deve ser mitigada a pena daquele que numa rixa cometeu um homicídio mais por causalidade que por vontade 3102 Imputabilidade Imputabilidade é a aptidão do indivíduo para praticar atos com discernimento No Direito Romano não há uma definição doutrinária 170 MIRABETE J F Processo Penal 13 ed São Paulo Atlas 2002 p 34 completa mas eles indicam que se preocuparam em pensar mini mamente o tema Os impúberes eram considerados dependendo do caso como sendo semiimputáveis porque embora não lhes fossem atribuídas as penas mais severas o ressarcimento era sempre exigido No Digesto lemos Os impúberes não sejam torturados costumam somente ser assustados e ser batidos com uma correia ou vara De qualquer maneira a pena de morte nunca era aplicada a uma criança Os mentalmente incapacitados eram subdividos em categorias os furiosis e os demens Os primeiros seriam os doentes agitados mas com intervalos de lucidez os demens seriam aqueles constantemente em privação do uso total de sua capacidade mental totalmente débil e portanto sem exercer qualquer tipo de possibilidade de perigo para a sociedade No caso dos demens não lhes era atribuída imputabilidade no caso de crimes e os furiosis somente em crimes violentos ou de roubo Estes não eram segundo acreditavam os romanos capazes de crimes de inteligência como falsificações por exemplo Os furiosis quando come tiam um delito ou tinham a possibilidade de fazêlo eram acorren tados A ignorância da lei não gerava imputabilidade mas a ignorância do fato sim Por exemplo uma mulher que se casasse novamente cren do que o marido anterior estivesse morto e este não estivesse não poderia ser acusada de adultério 3103 Extinção da Punibilidade A Pena era extinta se o culpado cumprisse a pena por exemplo um advogado que recebesse como pena a impossibilidade de advogar poderia voltar a fazêlo depois do tempo estipulado se obtivesse o perdão se recebesse a abotio que consistia em extinguir temporaria mente a ação penal em curso por ocasião de alguma solenidade a ação poderia ser retomada após findo o prazo se o crime prescre vesse para o homicídio não havia prescrição e por morte do que cometeu o delito 3104 Codelinquência Os romanos previam a colaboração para cometer crimes e a punia da mesma forma que era punido o que cometeu o delito 3105 Retroatividade da Lei Penal O que hoje é inconcebível para os romanos não o era Era comum que crimes pudessem receber pena mesmo que a lei fosse posterior ao ato 3106 Alguns Delitos Havia distinção entre delitos públicos como traição perduellio homicídio parricidium e incêndio e delitos privados que eram o furto o roubo o dano injustamente causado a injúria o dolo a coação o quase delictus171 Ulpiano afirmava Hoc iure utimur ut quidquid omnino per vim Fiat aut in vis publicae aut in vis privatae crimen incidat Nós usamos este princípio em direito tudo aquilo que se faz com violência cai ou no delito de violência pública ou no de violência privada172 Furto entendido como apropriação da coisa alheia sem uso de violência No início do Direito Romano tinha como pena a possi bilidade de o ladrão pego em flagrante ser punido fisicamente ser morto ou reduzido à condição de escravo Mais tarde o furto passou a gerar direito de o ofendido exigir uma multa pecuniária que poderia ser o dobro o triplo ou o quádruplo do valor da coisa furtada Roubo pela definição do jurisconsulto Paulo Fur est qui dolo malo rem alienam contrectat Ladrão é aquele que se apropria dolosamente da coisa alheia173 Para a pena seguiase a mesma tendência de cobrar do ladrão a título de pena uma multa cujo montante poderia ser até o quádruplo do valor da coisa rou bada Dano quando causado injustamente era cobrado do indivíduo que cometeu o delito que esse reparasse o que causou No 171 O empréstimo de dinheiro a juros era considerado delito mas houve controvérsia se este delito era privado ou público A Lex Genucia de 342 aC considerava delito público a Lex Márcia de Fenore de 104 aC considerava delito privado 172 Ulpiano Dig 50 17 152 173 Paulo Sententiae 2 31 1 cálculo do valor do dano no período clássico ao invés de um valor objetivo calculavase o dano efetivo material damnum emergens e a perda do lucro advinda do dano lucrus cessans Injúria Iniuriam accipiemus damunum culpa datum etiam ab eo qui nocere noluit Consideramos injúria o prejuízo causado por culpa ainda que não houvesse intenção de prejudicar174 No período clássico por meio de uma ação chamada actio iniuria rum o ofendido poderia pedir indenização pela ofensa sofrida Dolo o pretor Aquilio Galo introduziu essa inovação no Direito Romano O dolo é apontado como sendo todo comportamento desonesto com a finalidade de induzir um indivíduo a erro A parte lesada poderia entrar com uma actio dolo contra o ofensor para obter ressarcimento do dano sofrido O dolo era conside rado um delito bastante grave Dolus omnimodo puniatur O dolo deve ser punido por todos os meios175 Coação é o ato de um indivíduo compelir outro a práticas de atos jurídicos mediante violência Esta pode ser física também chamada absoluta ou moral chamada compulsiva O ofendido teria como ação penal uma actio quod metus causa contra o autor da violência Quase Delictus pode ser definido como quase delito ou como um delito que foi ocasionado de forma culposa ou seja sem inten ção mas que poderia ter sido evitado Eram agrupados em effusum et deiectum atirar objetos de um edifício sobre a via pública positum et suspensum colocar objeto pendurado em um edifício com a possibilidade de cair e causar dano exercitor navis aut caupónae et stabuli responsabilidade de proprietários de navios hospedarias e estábulos em relação às coisas dos clientes e si iudex litem suam fecerit se o juiz julgou mal o processo176 311 O Estudo do Direito e os Advogados em Roma Quando se trata de educação em Roma é necessário salientar que antes das influências dos povos conquistados todo o ensino fosse ele básico ou superior era basicamente per exemplo ou seja o in 174 Ulpiano Dig 9 2 5 1 175 Nerácio Dig 44 4 11 10 176 VALLE Gabriel Dicionário de expressões jurídicas latimportuguês 2 ed Campinas Capola 2002 p 305 divíduo era educado seguindo o exemplo de seu pai ou de um tutor por ele indicado O método do ensino do Direito a princípio era também essen cialmente prático Era chamado de respondere audire os jovens assis tiam às consultas que o mestre dava a seus clientes e às minuciosas explicações que este lhes administravam sobre cada caso Com o passar do tempo principalmente a partir do primeiro século antes de Cristo o ensino prático do Direito passou a ser complemen tado por um ensino sistematizado Segundo Marrou Utilizando todos os recursos da lógica grega o Direito Romano se esforça desde então por se apresentar aos iniciantes sob a forma de um cor po de doutrina de um sistema constituído por um conjunto de princípios de divisões e classifica ções apoiadas sobre uma terminologia e em definições precisas177 Quanto mais cresceram a influência e o poder no tocante ao Direito principalmente dos Jurisconsultos mais o estudo do Direito adquiriu maior importância e maior atenção da sociedade e do Estado Os escritórios dos Jurisconsultos eram ao mesmo tempo lugares de consultas jurídicas e escolas públicas de Direito Essas escolas situa vamse geralmente perto dos templos para que se pudesse aproveitar os recursos das bibliotecas que eram anexas aos templos Não se pode com isso confundir o iurisconsultus e o orator Ambos eram advogados mas um era especialista no Direito e a ele cabia estudar o aspecto jurídico das controvérsias e o outro era o que estava em juízo lutando pelo seu cliente Ser advogado em Roma era quase uma tendência natural visto que os romanos durante todo o longo período republicano pelo menos tinham um imenso apreço pela oratória que consideravam como arte e como algo a ser cultivado e admirado Os maiores vultos da política republicana foram também campeões da vida forense Em ambas as funções a oratória era ferramenta primordial Afirmava Ulpiano Melius est sensum magis quam verba amplecti O melhor é aterse ao sentido das palavras que ao escrito178 177 MARROU apud Giordani M C História de Roma p 268 178 Ulpiano Dig 34 4 3 9 Esse casamento entre a advocacia seu exercício e a política eram bastante intensos na Roma Republicana visto que a Lex Cincia de 304 aC proibia o recebimento de honorários ao menos oficialmente o apoio eleitoral advindo através de uma boa carreira no fórum era uma excelente recompensa Com o Império a carreira política perdeu sua importância e logo em seu início o Imperador Cláudio séc I dC permitiu os honorários advocatícios mas dentro de limites pecuniários Portanto somente após Cláudio podemos considerar a advocacia em Roma como uma profissão A popularidade dos advogados em Roma era tanta quanto os próprios litígios que reuniam uma multidão tão ávida de diversão quanto aquela que frequentava o circo Durante duzentos e trinta dias por ano para as instâncias civis em todo o tempo para os pro cessos criminais a urbs se consumia com a febre judiciária que se apoderava não só dos litigantes ou dos acusados mas também de seus advo gados e da multidão de curiosos imobilizados durante horas à volta dos tribunais pela avidez do escândalo ou pelo gosto das controvérsias oratórias179 179 CARCOPINO J Op cit p 225 CAPÍTULO VII A EUROPA MEDIEVAL 1 Introdução A Idade Média é o período histórico da Europa que se estendeu do século V dC até o século XV ou seja da queda do Império Romano do Ocidente em 476 até a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 Esses mil anos não foram uniformes podemos vislumbrar pelo menos dois momentos específicos a título de estudo a Alta Idade Média do século V ao século IX e a Baixa Idade Média do século IX ao XV A Alta Idade Média é um período de desconstrução e construção Por isso mesmo ele é cheio de vieses e detalhes Nesse tempo da história europeia os homens tiveram que conviver com o fim do mundo que conheciam o mundo romano e ao mesmo tempo com a construção de um novo mundo agora tendo como elementos as culturas germânicas e a Igreja Católica Esse período iniciase com a queda de Roma e a invasão de tribos germânicas no território do Império Os povos germânicos tinham hábitos bastante diferentes dos romanos Eles se vestiam de peles de animais e tecidos grosseiros habitavam moradias rústicas visto que eram seminômades mudavamse sempre que as pastagens ra reavam Além da agricultura e do pastoreio os germânicos caçavam pescavam mas sua economia era basicamente de trocas O sistema produtivo combinava a propriedade coletiva e a propriedade indi vidual e principalmente a guerra era primordial para a economia desses povos Algumas tribos germânicas ao invadirem o Império Romano for maram reinos outras simplesmente espalharamse pelo território180 Aos poucos as invasões alteraram a dinâmica social não somente dos germânicos mas dos romanos também Os camponeses livres foram 180 Dentre os reinos formados por germânicos no território romano podemos citar os Vândalos no norte da África os Ostrogodos na Península Itálica os Visigodos na Península Ibérica os AngloSaxões na atual Inglaterra e os Francos na atual França perdendo sua independência e submeteramse à autoridade da elite que nascia uma elite formada por chefes guerreiros e grupos armados Isso pode ser explicado pelo fato de os guerreiros terem detido a propriedade das terras e sem a posse destas os camponeses se viram obrigados a se submeter a eles A Baixa Idade Média é o período no qual superados os momentos de integração dos dois mundos que se encontraram no início da Idade Média o mundo romano e o germânico o que se considera medieval consolidouse e ao mesmo tempo começou a se transformar para daí a alguns séculos pôr fim ao medievo Nesse período medieval encontramos a consolidação da institui ção considerada como símbolo da Idade Média o feudalismo do qual trataremos adiante bem como podemos começar a vislumbrar as modificações que acabaram por apresentarse como o nascedouro da Idade Moderna o renascimento do comércio das cidades das uni versidades das grandes catedrais etc A sociedade medieval que começou a tomar forma na Alta Idade Média estava já consolidada no período seguinte e era simples sua divisão de um lado homens livres com o poder das armas ou da Igreja de outro os servos Portanto podese afirmar que a Idade Média conheceu basicamente três tipos de homens os que guerreavam os que oravam e os que trabalhavam Quanto aos servos é necessário reafirmar que estes não eram livres não eram escravos tampouco Servos eram nãolivres não porque pertencessem a alguém ou porque fossem um bem alienável porque se assim fosse eles seriam escravos mas porque estavam presos à terra e se essa mudasse de mãos por qualquer motivo os servos daquela terra teriam um outro senhor Eles não poderiam via de regra mudar de feudo quando achassem pertinente 2 Sistema Feudal 21 Características Feudalismo é uma palavra muitas vezes carregada de um peso negativo que não é justo Muitos ao ouvila lembramse de atraso ou qualquer outro termo que possa ser empregado pejorativamente Outros apenas têm uma sensação desagradável lembrando que tem algo a ver com terra e que nunca conseguiram compreender direito esse conceito na escola181 Antes de qualquer explicação é preciso entender que feudalismo é um sistema que não pode ser minimizado ou considerado apenas em parte Esse sistema apoiase no Direito e dele não pode se afastar mas envolve meio de vida força fé interesses terra divisão social e tudo quanto o ser humano é capaz de criar Dentre todas essas questões que envolvem esse termo uma palavra é primordial para seu entendimento sobrevivência Quase tudo no Sistema Feudal tem algo a ver com a questão da sobrevivência Seja a luta pela sobrevivência usando armas seja a sobrevivência básica da alimentação e aí se encontra a semente do feudalismo Tomemos uma definição de feudalismo Podese entender por feudalidade um tipo de sociedade baseado numa organização muito particular entre os homens laços de dependência de homem para homem estabelecendo uma hie rarquia entre os indivíduos Um homem o vas salo confiase a outro homem que escolhe para seu amo e que aceita esta entrega voluntária O vassalo deve ao amo fidelidade conselho e ajuda militar e material O amo o senhor deve a seu vassalo fidelidade proteção sustento O sustento pode ser assegurado de diversas maneiras Ge ralmente fazse através da concessão ao vassalo duma terra benefício ou feudo182 Um homem livre tornase vassalo de um outro homem livre servos só estão presentes nessa situação à medida que se um feudo é dado ao vassalo os servos que são daquele feudo mudam de senhor Qual o motivo de um homem querer vassalos Qual o motivo de um homem desejar estar sob o senhorio de alguém A resposta é sobrevivência 181 A palavra feudalismo em alemão Lehnwesen ou Feudalimus em inglês feudalism em holandês leenstelsel prestase a muitas confusões Desde a Revolução Francesa em que juntamente com o fanatismo serviu de espantalho tem sido muitas vezes usada fora do seu sentido próprio GANSHOF F L Que é o feudalismo 2 ed Lisboa Europa América 1968 p 09 182 FOURQUIN G Senhorio e feudalidade na Idade Média Lisboa 70 1987 p 11 Um indivíduo na Idade Média por mais terras que tivesse neces sitava defendêlas e por conseguinte a si mesmo e a sua família Essa defesa somente poderia ocorrer através das armas era essa a lin guagem básica do período medieval Contratar capangas para essa defesa estava um tanto fora de questão visto que era difícil conseguir como pagar Logo para sobreviver este indivíduo deveria oferecer algo que interessasse a quem pudesse ajudálo a defenderse e a suas terras Esse algo era um meio de obtenção de sobrevivência básica alimento que somente poderia ocorrer através da posse de terras Isso ocorria com pequenos médios e até grandes proprietários de terra desde que o interesse assim recomendasse Sobreviver não era somente defenderse era também ter capacidade de atacar conquistar mais terras para em um círculo vicioso ter mais feudos a doar para vassalos e ter maior exército para conquistar mais terras etc É o caso de alguns reis carolíngios Para poderem dispor de guerreiros numerosos bem armados inteiramente dedicados Pepino II e sobretudo Carlos Martel multiplicaram o nú mero dos seus vassalos Distribuíramlhes terras a fim de os porem em condições de poderem obter além do sustento a que tinham direito um equipamento completo de guerra 183 Essas necessidades abrandadas pelo caminho escolhido o feuda lismo não nasceram da noite para o dia foram transformações que acabaram por eliminar gradativamente os poderes mais centralizados e pulverizálos de tal forma que a característica que mais chama a atenção no feudalismo é a fragmentação do poder 22 Contrato FeudoVassálico O próprio feudalismo baseiase em uma questão de direito em um contrato pois a concessão de um feudo era feita através de um pelo qual o senhor e o vassalo contraíam obrigações recíprocas Para contratar eram necessários alguns ritos e formalidades que deveriam ser cumpridos por ambos os lados 183 GANSHOFF F L Op cit p 29 Este é um contrato pessoal entre um homem que será o Vassalo e outro homem que será o senhor por isso através dos rituais ambos em público fazem promessas recíprocas dentro de um cerimonial Essas cerimônias tinham o nome de Investidura Fé e Homenagem A homenagem é um ato de autoentrega no qual o vassalo coloca se nas mãos do senhor e para que isso seja eficaz ele precisa expres sar verbalmente esse desejo Isso se faz através de um ritual no qual Sem armas o homem de cabeça descoberta na maioria dos casos de joelhos coloca suas mãos juntas nas do senhor que fecha as suas sobre as do vassalo Este ato material consistindo em um contato físico é rito indispensável numa civiliza ção em que os sistemas jurídicos foram primeiro pouco evoluídos e em que pelo menos no século XI a escrita ocupava um lugar ainda restrito184 Nesse contrato era necessário também que se obtivesse da parte do vassalo o juramento de fidelidade razão da concessão de um feudo para ele Esse juramento chamavase Fé e seguiase imediatamente a homenagem O novo vassalo com a mão sobre o Evangelho ou uma relíquia jurava fidelidade ao novo senhor e muitas vezes chegava inclusive a enumerar todos os aspectos sob os quais a fé deveria ser guardada A Investidura era a entrega do benefício do feudo ao vassalo Geralmente o senhor entregavalhe um objeto como símbolo do feudo outorgado Esse benefício dado ao vassalo quase sempre era sinônimo de uma porção de terra porém poderia também ser um castelo sem terras em volta uma portagem uma magistratura etc185 221 Os Efeitos do Contrato FeudoVassálico Primeiramente esse contrato gerava o poder do senhor sobre o vassalo bem como uma obrigação de fidelidade entendida como o dever de nunca prejudicar o subordinado obrigação de proteção e de sustento186 Esse sustento poderia ser feito diretamente ou seja o 184 FOURQUIN G Op cit p 112 185 Ibidem p 128 186 Por todos os meios inclusive violência o senhor deverá proporcionar ao seu homem o gozo tranqüilo do feudo concedido Deve também fazerlhe a boa justiça e ajudálo com seus conselhos Ibidem p 120 senhor poderia tomar o vassalo e sua família sob seu próprio teto ou poderia como era mais comum conceder ao vassalo um feudo Em contrapartida o vassalo devia a seu senhor a fidelidade absterse de atos hostis ou perigosos contra o senhor o auxilium ajuda militar e material nem sempre de caráter pecuniário que na maioria das vezes apresentavase sob a forma de auxílio militar de homens e armamentos ou com o consilium obrigação de auxiliar ao senhor com conselhos sempre que este convocava O consilium era muito importante no que diz respeito à justiça visto que regra geral o vassalo era convocado para participar com outros vassalos do mesmo senhor da Corte ou cúria que era uma assembleia deliberativa presidida pelo senhor que tinha como principal atribuição julgar causas submetidas a esse Conselho Discutiam tam bém outros assuntos unindo então atribuições políticas e de tribunal Um vassalo poderia ter seus próprios vassalos mas estes não estavam diretamente ligados ao senhor de seu senhor não eram portanto obrigados a nada no que diz respeito a este Entretanto era usual recorrer ao senhor do senhor quando alguma causa se interpunha entre um vassalo e seu amo 222 O Fim do Contrato FeudoVassálico Inicialmente o contrato não poderia ser rompido pois com o en volvimento de uma visão religiosa profunda na Idade Média os con tratos vistos como resultado de um juramento eram sagrados e portanto eternos ou melhor existiam até que a morte de um dos contratantes impossibilitasse o contrato Entretanto na prática nem sempre isso ocorria muitas vezes o contrato era quebrado pela força ou pelos interesses de uma das partes com a retomada do feudo ou a sua posse definitiva Isso entretanto não era considerado legal na acepção atual da palavra Não obstante a eternidade do contrato era prevista uma forma de rompimento do contrato em quase todos os lugares da Europa se fosse da parte do vassalo e se este devolvesse o feudo A renúncia do feudo se fazia com a devolução ao senhor do objeto que servira de símbolo do recebimento do benefício no momento do contrato Havia contudo alguns casos em que o contrato feudovassálico poderia ser quebrado sem que houvesse nenhum tipo de ilegalidade no ato e sem necessariamente a devolução do feudo por parte do vassalo Essas situações geralmente eram decorrentes de algo ilegítimo que a outra parte fizera por isso o rompimento unilateral do contrato geralmente era visto como uma sanção Era o caso de uma das duas partes do contrato não cumprir com suas obrigações ou de uma delas ser excomungada pela Igreja já que nenhum cristão podia ter relações com um excomungado Como tudo relativo a contratos na Idade Média era feito mediante ritual o rompimento do contrato feudovassálico não era exceção Quando um vassalo justa ou injustamente desejava deixar claro o rompimento unilateral do contrato ele o fazia de acordo com o desafio que poderia ser simplesmente atirar uma flexa ou uma luva em direção ao senhor não para acertálo Por outro lado se o senhor desejasse romper unilateralmente o contrato poderia fazêlo com o mesmo ritual entretanto os costumes estabeleciam que isso não deveria ser feito sem o conselho de sua Corte O senhor poderia também retomar o feudo temporariamente saisi mentum se quisesse apenas advertir o vassalo ou poderia tomálo definitivamente 223 Os Direitos de Uso e Propriedade no Contrato Feudo Vassálico A questão da propriedade do feudo na Idade Média é no mínimo estranha aos olhos da atualidade visto que pensamos propriedade como algo que permite àquele que a possui poderes extremamente amplos sobre ela No caso medieval propriedade e posse se confundem sobremaneira e o poder sobre a terra é tão restrito na prática quanto maior for em teoria Gashoff afirma não poder ser discutível o direito de propriedade do senhor sobre a terra que concede em benefício a menos que ele próprio a tenha em benefício e portanto a tenha recebido das mãos de outro senhor187 Contudo o direito de dispor da terra foi cada vez mais sendo restringido ao senhor em detrimento do vassalo Sem dúvida que nunca foi direito do senhor retirar um benefício que tinha concedido a um vassalo não culpado de faltar a seus deveres sem lhe propor uma compensação188 187 GASHOFF F L Op cit p 66 188 Ibidem idem Então podemos supor com uma certa precisão que o feudo como benefício embora propriedade do senhor e em usufruto do vassalo não era um bem alienável por nenhuma das partes muito embora pudesse em parte ou no todo tornarse um benefício a ser dado a um homem livre que se tornaria vassalo do vassalo do proprietário Essa limitação do poder do proprietário após a doação do usufruto do benefício é mais clara ainda se for analisada pelo ponto de vista da hereditariedade Era quase impossível para um senhor mudar o status quo deixado por seu predecessor os vassalos do predecessor eram herdados bem como as suas promessas A rigor o contrato feudovassálico excluía a hereditariedade do usufruto do benefício visto que este tinha caráter profundamente pessoal Contudo na prática geralmente o que ocorria era que o filho do vassalo tornavase herdeiro também de sua vassalagem precisando apenas ir até o senhor do seu pai para fazer por si o ritual do contrato e pagar uma taxa Se o herdeiro fosse menor o senhor cuidava de seus interesses até sua maioridade ou seja até esse poder fazer seu juramento Aliás aconteceu ao conceder um benefício ao um vassalo garantir o senhor ao filho daquele que depois de seu pai receberia o mesmo benefício189 Como essa questão da herança passada do vassalo a seu filho poderia ocorrer também com uma filha se não houvesse tido meninos e como as mulheres estavam completamente excluídas da sucessão feudal seus maridos poderiam tornarse herdeiros do benefício Não era incomum portanto que senhores procurassem interferir no casa mento das filhas de seus vassalos para garantir alianças mais inte ressantes 23 As Relações FeudoVassálicas e a Justiça A concessão de um feudo não era necessariamente em todos os sentidos uma concessão ampla no que diz respeito à justiça Esta era mais uma das questões controversas do feudalismo 189 Ibidem p 70 No dia a dia para o servo comum na maior parte da Europa quem mandava e portanto fazia as regras era o senhor daquele feudo entretanto como este estava subordinado a um senhor era vassalo dele tinha obrigações para com este e contra ele não poderia ir A doação do benefício se feita junto aos direitos de natureza pública como o de cunhar moedas e fazer justiça deixava claro a quem pertencia o direito de justiça naquele feudo contudo na maior parte das vezes o senhor continuava nominalmente a deter a jurisdição em toda a sua propriedade incluindo aí os feudos que tinham sido dados em benefício Essa jurisdição do senhor com o passar do tempo passou a ser exercida em conjunto ao Conselho de Vassalos que já tratamos an teriormente Não obstante estes conselhos havia também principal mente nas cidades no fim da Idade Média cortes que decidiam sobre questões criminais 3 Os Direitos da Idade Média Como a Idade Média nasceu da união do que restou do Império Romano mais os povos germânicos que invadiram a Europa romana mais a Igreja Católica que sobreviveu à queda do Império e se fortaleceu durante o período medieval o Direito na Idade Média não poderia ser composto por outros elementos que não os descritos acima Assim compondo o Direito Medieval como um todo podem ser vistos os Direitos romano germânico e canônico relativo à Igreja 31 Direito Germânico Como visto anteriormente os povos que invadiram o Império Romano eram originários da região da Germânia e viviam de forma bastante simples em cidades ou aldeias Eram extremamente ligados à terra e a este estilo de vida dava o tom de todas as suas realizações Eram povos que em sua absoluta maioria não utilizavam a escrita e seu direito era consequentemente oral e muito influenciado por esta oralidade Na descrição de Pierre Richè Para os Germanos não existem nem Estado nem cidades do tipo romano mas comunidades tribo clã sippe e família que são as estruturas da sua vida política e social A tribo comunidade de família e da aldeia é dirigida por uma aristocracia de nascimento ou de valor na guerra que possui a maior parte da terra 190 A principal instituição desses povos é a família baseada no poder absoluto mund do pai que compartilha com a sua única esposa que deve ser sempre exemplo de pureza e tradição familiar Os filhos até serem armados e as filhas até o casamento vivem no seio da família ocupados nos trabalhos domésticos ou na cultura da terra O jovem ao ser armado é considerado maior de idade porém a família continua juridicamente responsável por ele É ela que se responsabiliza por seus erros paga suas dívidas e o vinga191 O direito dos povos germânicos era basicamente consuetudinário até por não serem escritos e como o termo germânico engloba uma série de povos com costumes semelhantes porém não iguais é forçoso falar em direitos germânicos pois cada tribo tinha sua própria tradição Em alguns casos eles eram minuciosos no que diz respeito às penas A organização judicial é geralmente caracterizada pelo Wergeld de que várias leis de vários povos romanogermânicos nos dão uma medida Tomando como exemplo a lei visigótica No direito visigótico o assassino e a sua família pagarão 300 soldos de ouro pela morte de um homem de 20 a 50 anos 100 soldos se a vítima tem mais de 65 anos cálculo muito prático num povo de guerreiros Por vezes a minúcia da legislação não deixa de nos espantar192 Quando esses povos invadiram o Império Romano algumas tribos estabeleceramse como reinos e algumas delas para um melhor con trole da população romana conquistada portanto diferente e acos tumada com direito escrito perceberam a necessidade de confeccionar um direito escrito Outros reinos optaram por manter a qualquer custo seus costumes e portanto a sua legislação Estes são chamados de Direitos das Monarquias Germânicas É o início do Direito Medieval a entrada do elemento germânico na feitura do direito deste período 190 RICHÈ Pierre As invasões bárbaras Sintra EuropaAmérica 19 p 15 191 Ibidem p 16 192 Ibidem p 80 A maior parte das tribos germânicas mesmo escrevendo suas leis não vai procurar impôlas aos romanos o burgúndio será julgado segundo a tradição burgúndia o visigodo segundo sua legislação o romano pela Lex Romana e assim por diante Isso é chamado Perso nalidade das Leis cada qual leva consigo para onde quer que vá ou qualquer que seja o soberano o estatuto jurídico de sua tribo de origem193 311 O Reino Vândalo Depois de se fixarem no Norte da África os vândalos tomaram Cartago e posteriormente a Córsega a Sardenha e parte da Sicília Chegaram inclusive em 455 a saquear Roma Por causa de diver gências políticas e religiosas o reino vândalo decaiu e eles acabaram conquistados por Bizantinos em 534 e 535 O domínio bizantino durou pouco porque os árabes tomaram o Norte da África logo depois Entretanto em 477 dC os Vândalos em seu auge já eram se nhores do Norte da África atual Tunísia e uma parte da Argélia Uma característica interessante desse povo é que conseguiu fazer coexistir as duas sociedades dos germânicos e dos romanos concomitan temente A minoria vândala de aproximadamente 80000 pessoas buscou não se misturar com os romanos principalmente por razões militares e religiosas Casamentos mistos eram proibidos e toda conversão ao catolicismo também Conservaram também as suas leis e seus cos tumes Em contrapartida os vândalos mantiveram intacta a organização administrativa da África Romana Estabeleceram grandes domínios mas mantiveram os que cultivavam no mesmo lugar Deixaram para os romanos a administração inclusive aumento de impostos e o julgamento das causas O rei é obrigatoriamente vândalo entretanto ele utiliza na sua corte romanos que redigem leis em latim e o ajudam na administração194 193 Hoje em dia utilizase mais comumente o Princípio da Territorialidade das Leis que indica que estando em um determinado território o indivíduo indiferentemente de sua origem está sujeito às leis daquele território Aplicase a lei brasileira sem prejuízo de convenções tratados e regras de Direito Internacional ao crime cometido no Território Nacional Código Penal Brasileiro artigo 5o 194 Ibidem p 93 312 O Reino Ostrogodo Em 493 os ostrogodos estabeleceramse na Península Itálica A invasão teve apoio dos Bizantinos que desejavam expulsar da região os hérulos tribo responsável pela queda do último imperador de Roma Por causa da educação do rei Teodorico a legislação romana foi conservada quase que na íntegra Teodorico foi educado em Bizâncio chamado anteriormente de Império Romano do Oriente e por isso ele se esmerou em manter a administração romana e sua legislação Porém por causa de divergências religiosas entre os ostrogodos que eram arianos e os romanos que eram cristãos Teodorico proibiu casamentos entre eles embora tenha procurado durante todo o seu reinado conciliar os dois povos Teodorico formou uma confederação com outros povos germânicos para conter os bizantinos mas a tentativa fracassou e a península foi tomada por Bizâncio com ajuda da tribo germânica dos Lombardos Em 553 o reino chegou ao fim 313 O Reino Visigodo Instalados na Península Ibérica os visigodos por terem se fundido com a população local viram seu reino durar mais do que a maioria O Estado visigótico só será abalado no século VIII com a invasão árabe e mesmo assim muitas de suas instituições inclusive no campo do direito serão utilizadas até séculos mais tarde Até meados do século VII HispanoRomanos e Visigodos têm uma dupla legislação Eles se baseiam na Personalidade das leis e suas legislações ainda que escritas tomam o mesmo caminho É o caso da mais antiga compilação visigótica o Código de Eurico que foi promulgado pelo rei Eurico por volta do ano de 470 Em 506 o rei Alarico II manda redigir a lei que foi chamada de Lex Romana Visigothorum ou como preferia o rei Breviário de Alarico Essa legislação tinha por objetivo restaurar o direito romano imperial mas manteve a Personalidade das Leis Esta somente foi suprimida em 654 pelo rei Recesvindo que suprimindo a Personalidade promulgou um código unificador o Liber Judiciorum em doze livros inspirados no Direito Romano 314 O Reino dos Burgúndios Godenbaldo 474516 rei dos Burgúndios dominou o centro da Europa parte do que hoje é a França Sua legislação a Lex Romana Burgundiorum é considerada uma compilação de leis extremamente romanizada principalmente no tocante às regras de direito civil e de processo 315 O Reino dos Francos Este foi um dos reinos mais duradouros e poderosos da Alta Idade Média O modelo administrativo que implantaram durante séculos serviu de base para o próprio feudalismo O desenvolvimento da vassalidade e a conces são de benefícios aos vassalos eram provenientes de uma política seguida pelos Carolíngios que pensavam dessa maneira reforçar sua auto ridade própria engrandecer o poder da monar quia franca Foram mesmo mais longe incorpo raram as relações feudovassálicas no próprio quadro das instituições do estado195 Eles habitavam até o século V às margens do rio Reno atual mente território da França quando então começaram a ocupar a Gália pelo Norte na condição de aliados dos romanos A primeira dinastia franca chamada dinastia dos Merovíngios descendentes do rei Meroveu conquistou vastos territórios e durou aproximadamente três séculos Eles foram sucedidos pela dinastia Carolíngia descendente de Carlos Magno que durando mais dois séculos aumentou ainda mais o território franco e principalmente sua influência política na Europa Em termos legislativos o período Carolíngio foi muito mais legi ferante que o período anterior Entre 744 e 884 por exemplo podem ser contados mais de duzentos textos legislativos196 Essas leis eram 195 GANSHOFF F L Op cit p 75 196 GILINSSEN J Introdução histórica ao direito 2 ed Lisboa Calouste Gulbekian 1995 p 180 chamadas Edicta Decreta ou Constitutiones ou comumente de capitu lares cujo termo vem de capitula que quer dizer artigo As capitulares tinham geralmente caráter administrativo Exis tiam dois tipos de capitulares as Capitulares eclesiásticas organi zação da Igreja e de Instituições eclesiásticas e as Capitulares Laicas Dentre estas últimas havia as Capitularia Legibus Addenda eram textos a serem aplicados nas mesmas condições das leges ou leis as Capitularia Missorum que continham instruções destinadas aos funcionários reais ou imperiais quando em viagens a serviço e as Capitularia Per se Scribenda que continham disposições de caráter administrativo ao lado de medidas administrativas Havia na Monarquia Franca tribunais ordinários que funcionavam em cada pagus ou condado Esses tribunais chamados mallum poderiam existir no condado em quantidades muito elevadas e eram compostos por homens livres e presidido por um conde estes eram assistidos por pessoas com um título bastante sugestivo os legem dicere dizer o direito 32 O Direito Canônico Direito Canônico é o nome dado ao Direito da Igreja Católica e é chamado canônico por causa da palavra cânon que em grego significa regra197 Esse direito foi importantíssimo durante a Idade Média muito por causa da própria importância da Igreja muito por ser escrito O fato de ser escrito dava a esse direito primazia em muitos locais da Europa visto que a oralidade imperava em um período de analfabetos O caráter universal da Igreja e o domínio quase absoluto no campo religioso que esta conseguiu entre os séculos VIII e XV deram a esse direito um caráter unitário que nenhuma instituição poderia oferecer nesse período Aumentando ainda mais a importância desse direito para a Idade Média o Direito Canônico foi o responsável exclusivo durante vários séculos pelo domínio do direito privado tanto para religiosos quanto 197 O Direito Canônico existe até hoje A Igreja Católica de tempos em tempos faz um novo Código de Direito Canônico adaptandoo às novas necessidades que surgem entretanto hoje a influência desse direito no direito laico é mínima visto que com Estados montados e centralizados o Direito Canônico é utilizado somente em questões eclesiásticas para leigos Os tribunais eclesiásticos eram o local de solução de casamentos e divórcios por exemplo O fato de ser escrito era por si uma vantagem mas esse direito foi também estudado comentado Foi objeto de trabalhos doutrinais e des sa forma chegou inclusive a influenciar direitos dos nossos dias198 Embora possa ser apontado como um direito religioso a Igreja sempre admitiu inclusive na escrita dos sucessivos Códigos de Direito Canônicos a dualidade entre direito religioso e direito laico As fontes do Direito Canônico são o ius divinum conjunto de regras que podem ser extraídas da Bíblia dos escritos dos doutores da Igreja e da doutrina patrística a própria legislação canônica formada pelas decisões dos Concílios e dos escritos dos papas chamados decretais os costumes e os princípios recebidos do Direito Romano199 Em 313 o Imperador Constantino permitiu às partes submeterem se voluntariamente à jurisdição do bispo de sua região dando então à decisão episcopal o mesmo valor de uma decisão de um julgamento laico Posteriormente foi dado aos clérigos padres bispos etc o privilégio de foro que indicava que estes somente poderiam ser julga dos qualquer matéria que fosse pelos tribunais da Igreja No período Carolíngio em virtude de uma crescente confusão entre o temporal e o espiritual a Igreja acabou sendo a única a julgar quaisquer assuntos relativos aos sacramentos incluídos aí as questões relativas ao casamento a legitimidade dos filhos divórcio rapto nulidade de casamentos etc Conforme o poder laico enfraquecia pelo declínio do poder real por causa do feudalismo a jurisdição eclesiástica aumentava seu poder jurisdicional mesmo relativamente a leigos Assim após o século X além de poder julgar os padres e religiosos os tribunais eclesiásticos passaram a ter jurisdição sobre questões envolvendo os Cruzados o corpo docente e discente de Universidades que foram até o século XVI instituições eclesiásticas e as chamadas miserabiles personas viúvas e órfãos quando pediam a proteção da Igreja As outras pessoas poderiam ser julgadas pelos tribunais eclesiásticos em caso de infrações contra a religião como heresias 198 Não somente existe hoje um Código de Direito Canônico como também várias leis em matéria de direito privado são inspiradas neste direito 199 Os costumes para serem utilizados como fonte do direito canônico tinham que obedecer a determinadas regras ser seguido a pelo menos 30 anos não ofender a razão ser con forme o direito divino aos decretos e ao ensino autorizado GILINSSEN op cit p 145 simonias sacrilégios apostasias feitiçarias etc adultério usura empréstimo a juros testamento juramentos não cumpridos e matéria acerca de família O processo eclesiástico ao contrário do laico era escrito No cível o queixoso devia entregar o seu pedido por escrito libellus a um oficial que convocava o réu Em presença das duas partes o oficial lia o libellus o réu podia opor exceções depois do exame destas o contrato judiciário ficava fixado pela litis contestatio As partes submetiam seguidamente as provas das suas asserções ao juiz na falta de prova suficiente o juiz podia ordenar um juramento litisdeci sório200 Na área penal o processo estava atrelado à queixa à acusação Até os séculos XII e XIII era baseado em um tipo de prova chamado irracional visto que não pode ser explicado pela razão Nesse sistema de provas irracionais recorrese a uma divindade por exemplo para obter justiça na Idade Média recorriase aos ordálios Estes poderiam ser unilaterais ou bilaterais dependendo se uma parte ou as duas partes do processo tomavam parte da consulta No período medieval pelo menos até o século XIII utilizavamse as provas de ferro em brasa ou de água fervente que se cria que o inocente não se feriria Outro método era o indivíduo ser mergulhado de pés e mãos atadas em água fria e a resposta adviria da mesma forma Uma outra forma de provar por ordálios era a chamada prova do cadáver que consistia em fazer o acusado tocar o defunto sem que este sangrasse Se o imputado fosse nobre de muito alto nível um príncipe um conde era permitido que este indicasse algum subor dinado para participar das provas Os ordálios bilaterais poderiam ser provas de batalha com campeões na base da luta de espada ou outra forma ou ainda se colocava os indivíduos em contenda de pé e de braços abertos e o que 200 GILINSSEN J Op cit p 141 Juramento litidecisório exigido suplementarmente para corroborar a prova primeiro não aguentasse mais a posição perdia a questão era chamada de iudicium crucis ou julgamento da cruz201 Os ordálios foram condenados pela Igreja a partir do IV Concílio de Latrão em 1215 mas essas práticas sobreviveram na Europa por muitos séculos A prova do cadáver por exemplo foi usada na Ale manha até o século XVI e as do ferro em brasa até pelo menos o século XIX em algumas regiões como Inglaterra e Rússia No fim da Idade Média utilizouse largamente nos tribunais eclesiásticos e nos leigos da mesma forma o processo inquisitório que trataremos mais adiante 33 O Direito Romano O Direito Romano até por sua complexidade e sua força não poderia deixar de ser utilizado durante a Idade Média e levandose em consideração a diferença profunda entre o Direito Romano e o dos invasores a superposição do direito destes últimos sobre a população romana e romanizada seria impossível Nesse sentido foi largamente aplicado o supracitado Princípio da Personalidade das Leis através da qual o Direito Romano continuou a ser empregado para os romanos e o Direito Germânico para as tribos invasoras202 Contudo nas regiões do Império onde a romanização não foi profunda o Direito Romano pôde ser prontamente descartado ou pouquíssimo utilizado dando lugar ao Direito Germânico Nas áreas muito romanizadas como as Penínsulas Ibérica e Itáli ca o Direito Romano suplantou o Direito Germânico este último aparecendo apenas como elemento de atualização de costumes Dessa forma em maior ou menor grau a Europa Ocidental princi palmente continuou a servirse do Direito Romano diretamente ou como fonte de inspiração para novas legislações Essa utilização de um direito como base para a feitura de outros é chamada de Fenômeno da Recepção Na Europa Oriental Bizâncio o Direito Romano continuou a ser utilizado durante toda a Idade Média mas como do lado ocidental da Europa as invasões produziram fenômenos como os acima vistos pode se considerar que a partir do século XII na Itália e nos séculos seguin 201 Ibidem passim 202 No caso de haver um germânico em disputa judicial contra um romano a lei do réu era a que valia tes em toda a Europa houve um Renascimento do Direito Romano visto que com a Formação das Monarquias Nacionais os recémcentra lizados países necessitavam de legislações escritas e organizadas e dessa forma a possibilidade mais plausível era apoiarse no Direito Romano principalmente no Corpus Iuris Civilis O direito romano ensinado nas universidades era encarado como um direito erudito por opo sição ao direito efetivamente aplicado nas diver sas regiões da Europa Ocidental Não deixou to davia de se impor cada vez mais até finalmente ser reconhecido quase por toda parte como direito supletivo das leis e costumes territoriais e locais A uma fase de infiltração que muitas vezes durou três a quatro séculos do século XII ao XV sucedeuse em vários países o reconhe cimento legal do ius commune o direito romano tal como era ensinado nas univer sidades como supletivo das leis e costumes servia para preencher as lacunas do direito em vigor203 Sabedores do Direito Romano eram os advogados mas estes não eram nada bem vistos na Idade Média Referindose a eles escreveu São Bernardo ao Papa Eugênio III Admirame poderem vossos religiosos ouvidos suportar as discussões dos advogados esses eternos combates de palavras em que a inocência é freqüentemente imolada e o crime favorecido e onde enfim perde a verdade a sua candura Fazei calar essas línguas de víboras que destilam o fel da sátira e o veneno da calúnia fechai esses lá bios impuros dos quais fluem ondas de iniqüi dade204 203 Ibidem p 351 204 São Bernardo apud LINS Ivan A Idade Média Rio de Janeiro Brasílica 1939 p 268 Nesta mesma obra p 269 o autor cita um verso muito conhecido sobre o santo patrono dos advogados Santo Ivo era Bretão e coisa que ao povo espanta advogado sem ser ladrão 4 A Inquisição Um dos temas mais populares do Direito Medieval é a Inquisição muito embora esta não seja exclusivamente medieval já que não so mente existiu até o século XIX como também foi mais forte durante o início da Idade Moderna Durante a Idade Média a Inquisição era o tribunal especial para julgar e condenar os hereges pessoas ou grupos que acreditavam em um catolicismo considerado desviado ou praticavam atos que na quele período em que a superstição reinava eram indicados como bru xaria ou feitiçaria Já na Idade Moderna a formação de muitos dos Estado Absolu tistas devese em grande parte à utilização política do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição nome completo da Inquisição que nas mãos de monarcas ansiosos por concentrar o máximo de poder per seguiram através deste vários opositores e conseguiram unificar seus países em torno de Estados centralizados ora minimizando os efeitos de uma invasão estrangeira no caso da Espanha principalmente ora conseguindo mais financiamento para seus planos no caso da per seguição a judeus banqueiros principalmente ou até mesmo buscando através do Tribunal eliminar quem lhes fizesse oposição Podese indicar exemplos tais como o da famosa Joana DArc Heroína francesa que foi eliminada através de processo do Tribunal do Santo Ofício pelos ingleses e seus aliados franceses como forma de justificar suas vitórias contra a Inglaterra ou ainda dos judeus da Pe nínsula Ibérica Portugal e Espanha que sempre eram mais perse guidos pela Inquisição quanto menos o Estado pudesse honrar seus compromissos com banqueiros de origem semita Aliás quanto mais a história avançava tanto mais absolutistas se tornavam os reis do Ociden te europeu de tal modo que não podiam tolerar outra instância judiciária autônoma a eclesiás tica ao lado da instância judiciária civil esta deveria mais e mais valerse dos tribunais ecle siásticos para implantar os interesses dos mo narcas A prepotência começou com Felipe IV o Belo da França e atingiu o seu auge na Espanha e em Portugal a partir do século XVI o desejo de unificar a população da península ibérica com posta de cristãos judeus e muçulmanos levou os reis daqueles dois países a pedir e obter do Papa a instalação da Inquisição segundo os seus propósitos mediante homens por eles nomeados provocando sérios conflitos na Santa Sé que mais de uma vez se recusou a reconhecer o procedi mento da Inquisição na península ibérica aliás no final da vigência desta instituição já não se dizia Inquisição Eclesiástica mas sim Inquisição Régia205 41 O Tribunal do Santo Ofício e os Tribunais Seculares O processo inquisitorial não era diferente em nada do processo comum da Idade Média e da Idade Moderna estes se misturavam e se influenciavam profundamente É interessante notar que o que moveu Cesare Beccaria que veremos em um capítulo adiante a escrever con tra o processo penal de sua época século XVIII é praticamente idên tico ao que será descrito a seguir e o italiano não criticou o Tribunal Eclesiástico mas os Tribunais laicos Como visto anteriormente no regime feudal a jurisdição pertencia ao senhor da terra e todas as pessoas que viviam sob seu domínio estavam também sob sua jurisdição O chamado sistema acusatório era o que vigorava e o que vigorou durante séculos Nesse sistema o julgamento era meramente um confronto e não estava formada a noção de interesse público no que diz respeito a punir crimes O direito de acusar portanto pertencia somente à parte lesada o indivíduo ou no caso deste ter morrido um membro de sua família e sem que houvesse queixa era impossível instaurar o processo O procedimento era público oral e formalista No dia fixado as partes compareciam pessoal mente perante a assembléia formada pelos seus pares sob a presidência do senhor feudal ou de um seu representante O autor apresentava sua queixa de viva voz através de rígidas fórmulas tradicionais sem cometer nenhuma falha que permitisse ao adversário proclamar nula a de 205 BETTENCOURT Estevão Tavares Apud GONZAGA João Bernardino A Inquisição em seu mundo 2 ed São Paulo Saraiva 1993 p 15 manda Em seguida competia ao acusado res ponder de imediato uma vez que o silêncio equi valia a uma confissão A defesa tinha de consistir em negações exatamente ajustadas aos termos da acusação refutandoa palavra por palavra de verbo ad verbum206 O julgamento era tal qual um duelo de fato acusador e acusado batiamse verbalmente sob juramento de dizer a verdade e com teste munhas se possível e reconheciase a razão daquele que vencesse o embate A explicação para esse procedimento era a de que o mentiroso consciente de sua culpa combateria com menos veemência até porque Deus sabedor de quem era a razão facilitaria a sua derrota Como visto anteriormente também poderia se recorrer aos ordálios No regime feudal o juiz estava na posição de árbitro a ele cabia somente verificar a presença ou não de provas formais concludentes O julgamento era imediato e oral e dele não cabia recurso e se o réu fosse considerado culpado a sanção era geralmente de caráter patrimonial como a perda do feudo por exemplo Não havia qualquer intenção de considerar as pessoas iguais perante a lei isso apesar de esse conceito não poder ser desconhecido para os homens medievais ou pelo menos para os estudiosos da Idade Média visto que conforme pôde ser visto no capítulo sobre a Legislação Mosaica está na Bíblia no livro do Deuteronômio 1 1617 que todos devem ser tratados igualmente diante da Justiça E a Bíblia é com certeza o livro mais conhecido do período medieval A tortura não era aplicada a nobres e penas para plebeus e nobres eram diferenciadas Por exemplo a pena de morte para nobres era mais rápida e se assim podemos considerar mais indolor já que nobres eram decapitados enquanto plebeus morriam enforcados207 O processo penal não era estipulado rigidamente o juiz tinha poderes extremos e advogados tanto de defesa quanto de acusação eram dispensáveis visto que ele tratava diretamente com o acusado 206 GONZAGA J B Op cit p 22 207 Outro exemplo eloquente dessa diferenciação é dado pelas Ordenações Filipinas de 1603 sobre o crime de adultério Mandamos que o homem que dormir com mulher casada e que em fama de casada stiver morra por ello Porém se o adultero for de maior condição que o marido della assi como se o tal adultero fosse fidalgo e o marido Cava lleiro ou Scudeiro não farão as Justiças nelle execução Apud Gonzaga op cit p 27 O réu deveria se defender sozinho a questão era pessoal entre o juiz e o acusado Esse procedimento foi implantado pela Justiça comum em conformidade com a Justiça Eclesiástica geralmente ocorria o contrário que considerava que o réu deveria ser acompanhado por um juiz quase que como um guia espiritual Outra questão muito prejudicial ao réu era a confidencialidade completa com a qual muitas vezes o processo seguia A origem do processo muitas vezes era baseada em acusações secretas todos os atos subsequentes eram mantidos em segredo inclusive as provas As provas eram classificadas pelo valor atribuído a cada tipo Quanto à natureza as provas poderiam ser vocais testemunhos e confissão instrumentais escritos e objetos conjecturais presun ções Quanto à espécie eram distintas as perfeitas e as imperfeitas A prova mais utilizada era a prova testemunhal e nesse sentido foi cuidadosamente regulamentada sendo distinguidas várias categorias de testemunhas Uma só testemunha não bastava assim como não eram válidos os testemunhos de mulheres criminosos pobres em certos casos e para certos juristas e mendigos A testemunha mais válida e mais completa da Idade Média e da Idade Moderna era o próprio réu e sua confissão esta era considerada a rainha das provas a probatio probatissima somente com essa prova era possível comprovar a culpa208 Para alcançar essa tão estimada prova lançavase mão da tortura colocando o réu na situação de seu próprio juiz A resistência do indivíduo era o ponto da balança da justiça A tortura poderia ser utilizada como pena ou como meio de obten ção de prova e era amplamente aceita Não houve voz que conhe çamos na Idade Média ou na Idade Moderna até o Iluminismo que tenha se levantado com veemência contra a tortura As leis se limi tavam a ordenar ou permitir a tortura regulamentando seu uso geral mente apoiandose nos costumes Algumas leis dispunham que o réu somente deveria ser supliciado várias horas após haver in gerido alimentos quando já se achasse portanto enfraquecido Exigiamlhe então primeiro o jura mento de que diria a verdade Em seguida lhe 208 A maioria dos juristas atuais não gosta tanto da prova testemunhal que chamam de prostituta das provas nem confia tanto na confissão que pode ser gerada por medo altruísmo insanidade interesse etc apresentavam os instrumentos que seriam utili zados com explicações sobre o seu funcionamen to Se para evitar o tormento ou no seu desen rolar o paciente confessasse o que lhe era exigido levavamno para outro lugar seguro e confortável onde ele deveria ratificar a confissão Se esta não fosse ratificada voltavase à tortura em dias subseqüentes209 Mas se as provas haviam sido classificadas para diminuir o poder dos juízes o mesmo não ocorria com a interpretação das leis de tal maneira que os juízes eram livres para interpretar a legislação confusa e obscura que eles facilmente poderiam considerar punível ou não um mesmo comportamento As penas eram extremamente variadas O que não era usada era a pena de prisão já que não existiam prédios construídos para tal fim a prisão era utilizada como meio processual não como sanção210 Mas trabalhos forçados eram comuns bem como exílio degredo desterro etc Um outro tipo de pena que não feria fisicamente o condenado era a de morte civil uma das penas mais cruéis e danosas não somente para o apenado como também para todos que o cercavam Esta supri mia todos e quaisquer direitos do indivíduo O condenado tornavase um morto em vida porque todos os direitos eram suspensos desapa reciam os laços jurídicos tanto maritais quanto patriarcais a cidadania e os direitos patrimoniais eram suprimidos abriase o processo de herança para seus sucessores tudo o que o indivíduo conseguisse daí para frente não poderia ser utilizado por ele Outras penas não físicas eram a infâmia as multas e o confisco de bens no qual todo o patrimônio do indivíduo passava para o tesou ro Real colocando na miséria não só o condenado mas também toda a sua família e todos os que dependiam dele Fisicamente as penas poderiam ser tantas quantas a imaginação desejasse211 A mais leve e nem por isso amena era a do pelourinho na qual o apenado era amarrado em praça pública portando um cartaz que revelava seu crime 209 Gonzaga Op cit p 33 210 Instituições prisionais só começaram a surgir a partir do século XVI A primeira foi em Amsterdã em 1595 para homens e logo depois para mulheres 211 Açoites mutilações múltiplas de orelhas olhos dentes membros etc esmagamento de membros A justiça atuava sobre o corpo de alguém por quatro razões Primeiro com o recurso processual da tortura Depois havia o castigo corporal propriamente dito como sanção única ou como providência punitiva acessória preliminar à pena de morte Por fim existiam medidas corporais com finalidade digamos acautelatória212 Penalidades corporais poderiam ser aplicadas como medidas pre ventivas e por isso havia mutilações que serviam para avisar a todos que vissem o indivíduo que ele era um elemento perigoso Queima duras poderiam ser feitas também para indicar o local do crime no qual obviamente era conhecido o histórico do sujeito A pena de morte era utilizada para muitos crimes mas antes de se desejar eliminar o perigo que o indivíduo poderia oferecer à sociedade desejavase a vingança por isso o modo pelo qual a pena era aplicada e o que se fazia antes de permitir a morte do apenado era o ponto alto da sanção Nesse sentido a morte era um alívio mais que um castigo213 Muito utilizado era o atenazamento no qual os carrascos com tenazes arrancavam partes do corpo do condenado cobrindo com piche ou chumbo ou cera para impedir que o sujeito sangrasse demais e morresse As penas de morte utilizadas eram impostas entre outras formas por esquartejamento com os membros amarrados em animais fogo roda forca e decapitação A roda era uma das mais temidas porque o sujeito era amarrado em uma roda e atacado violentamente com porretes na altura dos rins e nos braços e pernas que se quebravam esperando de cabeça para baixo a morte chegar Essa brutalidade do processo e das penas pode ser entendida através de vários fatores que são para nós hoje ainda um tanto incomodamente próximos As penas eram formas de vingança e não formas de inserir o indivíduo novamente na sociedade Os crimes eram tão comuns quanto a morte em batalhas justas Ou não havia o Estado para proteger o cidadão ou este não tinha meios para fazêlo Por fim a pobreza e a ignorância eram tamanhas que não era possível à população entender outros meios de processo e de pena 212 Gonzaga Op cit p 41 213 Nas Ordenações Filipinas havia oitenta tipos de crimes que eram punidos com a morte inclusive o de alcoviteiro CAPÍTULO VIII O ISLÃ 1 Introdução O Direito Muçulmano nascido na Idade Média hoje é a base da vida de cerca de um quinto da humanidade independentemente de suas nacionalidades Isso se dá porque este é um direito que resulta da religião que professam É portanto um direito utilizado largamente na atualidade visto que a religião islâmica cresce em todo mundo e é o meio de unidade de vários países Não há como negar a presença do livro sagrado dos Muçulmanos no dia a dia do mundo atual Khomeiny aparecia nos telejornais afir mando que mulheres deviam se cobrir adúlteros e adúlteras deveriam ser apedrejados ou lapidados no termo mais utilizado homossexuais deveriam ser mortos bebidas alcoólicas dança e escolas mistas deve riam ser proibidas tudo em nome do Alcorão Através de interpretações do livro sagrado dos muçulmanos mu lheres são obrigadas a ter o corpo todo coberto não podem ter sequer identidade civil em alguns países não têm direito algum sobre os filhos e são condenadas à morte mesmo em casos comprovados de estupro Nomes como Osama Bin Laden ecoam como anjos vingadores em nome do Alcorão e da religião muçulmana O Ocidente teme as facções do Islã que consideram inimigo todo aquele que não compartilha de suas ideias o Ocidente treme diante da possibilidade de ver essa inimizade transformarse em atos que podem matar milhares ou até milhões de pessoas temos assistido nos últimos anos ao renascimento do Islã militante que invocando ainda o Alcorão está transformando a vida de muitos países desde o norte da África até o sul da Ásia Em nome dele as bebidas alcoólicas são proibidas em todo o reino da Arábia Saudita Em nome dele um ladrão é açoitado em praça pública no Paquistão Em nome dele milhões de mulheres muçulmanas continuam ou voltam a cobrir o rosto com um véu Em nome dele 40 dos 152 países do mundo formam uma aliança internacional que poderia exercer uma influência decisiva naquela zona explosiva das contendas internacionais onde começará provavelmente a III Guerra Mundial se é que ainda não co meçou214 2 O Ambiente do Surgimento do Islã O Islã surgiu na Arábia no século VII dC especificamente na região situada na junção da Ásia e da África entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Índico Sendo um movimento políticoreligioso ele transpôs rapidamente as fronteiras da Arábia alcançando a Ásia o Norte da África e a Europa pela Península Ibérica Graças à expansão a população islâmica manteve intenso contato com os povos que sucederam o Império Romano como os Germânicos Na Europa espalhou medo através de Guerras Santas através da desconfiança e da ignorância dos Cristãos Muitas vezes contribuiu para a interiorização de populações litorâneas outras interagiu com grupos locais deixando de herança vocabulário hábitos alimentares técnicas agrícolas etc215 Os beduínos como eram chamados os árabes do deserto tinham uma vida bastante difícil permeada por constante ameaça de fome e guerra A região central da Península Arábica é formada por desertos de zonas pedregosas dunas rios secos e oásis que apresentam poços de água em meio à exuberante vegetação São eles que possibilitam a vida nesse local entretanto são temporários Antes de o Islã surgir as tribos viviam tentando garantir a posse destes oásis Quando um poço secava o povo que vivia ao seu redor migrava procurando outro e ao encontrálo tentavam expulsar as tribos que viviam no local Aos vencedores o prêmio era a sobrevivência através da posse do oásis e todos os bens dos vencidos A população de beduínos era extremamente numerosa a poligamia era uma prática comum e embora produzissem tâmaras e 214 CHALLITA Mansour O que você deve saber para aproveitar plenamente a leitura do Alcorão In O Alcorão trad Mansour Challita Rio de Janeiro ACIGI 20 p 16 215 Muitas palavras do português atestam essa afirmação bem como a culinária Ibérica trigos e criassem ovelhas cabras e camelos não era geralmente suficiente para alimentar toda a população As cidades litorâneas ofereciam melhores condições de vida a agricultura era possível e o comércio era desenvolvido No final de cada ano os beduínos realizavam suas compras em Meca ou Yatreb importantes centros comerciais do litoral árabe Meca era uma cidade com forte apelo religioso lá estava o poço sagrado de ZenZen o Vale da Mina o monte Arafat centro de peregrinações noturnas a Caaba Antes do Islã eles eram politeístas seus deuses eram represen tados por ídolos depositados no santuário da cidade de Meca em um templo quase cúbico chamado Caaba que quer dizer cubo em Árabe para lá deveriam ir os beduínos em data fixa no ano para realizar a peregrinação216 Esse edifício de quinze metros de altura dez de comprimento e doze de largura tem suas especificidades que são descritas assim por Jomier Uma pedra preta objeto de veneração estava e está engastada no ângulo leste da Caaba do lado de fora à altura do peito de um homem Há muitas histórias sobre a origem dela mas apesar de tudo esta ainda permanece obscura O con junto da Caaba formava um panteão no qual se havia colocado todo tipo de estátuas e de pedras sagradas Havia até um ícone de Jesus e de Maria segundo certos textos Esse templo era o centro de um culto pagão com adoração de pedras sagradas de divindades estelares etc Todavia um Deus supremo Allah em árabe o Deus criador dominava os outros deuses217 3 A Fundação do Islamismo O Islamismo tem um fundador Mohamad nome que foi apor tuguesado para Maomé Sua vida sua história são a própria essência 216 Quando chegavam a Meca os Beduínos praticavam um cerimonial iam ao Vale da Mina para apedrejar o demônio passavam a noite meditando no Monte Arafat bebiam da água do poço sagrado beijavam a pedra negra que estava na Caaba davam sete voltas em torno desta construção e depois estavam purificados para retornarem a sua vida quotidiana 217 JOMIER Jacques Islamismo história e doutrina 2 ed Petrópolis Vozes 1992 p 15 e ss do Islamismo Ele é até hoje o exemplo a ser seguido o guia do Islã O islamismo em nascimento tem um ambiente a ser compreendido Além dos desertos duas cidades são personagens principais desta natividade Meca e Medina Meca está situada a menos de cem quilômetros do Mar Vermelho a meio caminho entre Aden no Oceano Índico e Gaza no Medi terrâneo Medina está localizada a mais de quatrocentos quilômetros de Meca bem mais longe do mar mas era um oásis que abrigava uma grande comunidade de Judeus Meca era uma cidade de comércio um centro de peregrinações A cada ano no inverno uma caravana de cidadãos de Meca ia procurar em Aden no Oceano Índico mercadorias provenientes da Índia Esses produtos no verão eram redistribuídos através de caravanas para a Síria e o Egito para daí partirem para o sul Mohamad nasceu em Meca no ano de 570 dC Era de uma família de notáveis da cidade que havia perdido sua influência Ele perdeu o pai mesmo antes de nascer e a mãe aos seis anos Cresceu exercendo o comércio empreendendo viagens comerciais e aos vinte e cinco anos casouse com Khadija uma rica viúva de quarenta anos para quem trabalhava como homem de confiança Em 610 aproximadamente Mohamad fez um retiro longo em uma gruta no monte Hira que fica a alguns quilômetros de Meca em pleno deserto e lá teve um sonho ou uma visão segundo algumas tradições Ele viu um ser sobrehumano que lhe dava a ordem de recitar um texto Em nome de Deus Muito Bom e Misericordioso Recita em nome do teu Senhor que criou Que criou o homem de um grumo de sangue coagulado Recita Teu Senhor é Muito Generoso que ensinou graças ao junco para escrever que ensinou ao homem o que este não sabia218 Nos dois ou três anos seguintes nada mais ocorreu No ano de 612 os fenômenos recomeçaram O modo pelo qual ocorriam não está bem claro há textos que descrevem uma visão celeste outros assinalam 218 Ibidem p 19 que Mohamad se encontrava em estado de conturbação fisiológica durante esses momentos Ele ouviria ruídos indistintos até que pouco a pouco a mensagem tornavase clara219 Os muçulmanos consideram essas mensagens como tendo sido ditada pelo Anjo Gabriel e foram reunidas alguns anos após a morte de Mohamad em um livro O Alcorão Começando por pregar aos comerciantes de sua terra natal o profeta passou a ser perseguido o que o fez passar a pregar aos Be duínos que não tinham riquezas a defender A tribo coraixita que era maioria em Meca perseguiu o Profeta intensamente principalmente após a morte de sua esposa e de seu tio que o protegiam Isso gerou sua retirada da cidade e sua ida para Iatreb que hoje chamase Medina Medinat en Nabi isto é cidade do Profeta Essa fuga ficou conhecida como Hégira e marcou o primeiro ano do calendário muçulmano Em Medina Mohamad passou a ter atribuições também políticas e buscou centralizar o poder inclusive através da nova religião que pregava Após algum tempo passou a ensinar também a Guerra Santa contra aqueles que se posicionavam contrariamente ao Islamismo Inicialmente o Profeta voltouse contra os Judeus de Medina contrários à sua religião e liderança e posteriormente atacou os coraixitas de Meca Quando o número de seguidores do Islamismo tornouse grande Mohamad tomou Meca destruiu seus ídolos e transformou a Caaba no centro religioso do Islamismo Mohamad morreu em Medina dez anos após a Hégira ano 632 do nosso calendário Após sua morte muitas disputas aconteceram no seio do mundo islâmico no sentido de apontar ou manter sucessores para a posição de chefia religiosa e política que o Profeta ocupara Seguindo a letra do Alcorão somente os parentes do Profeta poderiam substituílo mas a tradição dizia o contrário Baseados nessa incoerência surgiram duas facções rivais os sunitas e os xiitas Os coraixitas que haviam aderido à religião de Mo hamad juntaramse aos sunitas e passaram a disputar o poder com os parentes do Profeta 219 Ibidem p 20 e ss 4 O Direito dos Muçulmanos O Direito Muçulmano é mais bem titulado como O Direito dos Muçulmanos assim o é porque sendo um direito intrinsecamente religioso ou é atualmente o Direito efetivo de alguns países de religião islâmica ou é base do direito de países islâmicos Numerosos Estados de população Muçulmana continuam a afirmar nas suas leis e muitas vezes nas suas constituições a sua ligação aos prin cípios do Islã A submissão do Estado a estes princípios é assim proclamada pela constituição em Marrocos na Tunísia na Síria na Mauritânia no Irã e no Paquistão no Afeganistão e na Repú blica Árabe do Yêmen os códigos civis do Egito 1948 da Síria 1949 do Iraque 1951 convidam os juízes a preencher as lacunas da lei seguindo os princípios do direito muçulmano a Constitui ção do Irã e as leis da Indonésia prevêem os princípios do direito muçulmano220 Podemos afirmar mais absolutamente do que no caso de qualquer outro direito que este é religioso tendo em vista que não é uma ciência autônoma mas uma das faces da religião221 Além disso a principal sanção compreendida nesse direito é o estado de pecado dessa forma o direito muçulmano preocupase geralmente muito pou co com sanções nas regras que prescreve e pelo mesmo motivo so mente é aplicável aos fiéis É na puberdade que o muçulmano tornase obrigado à lei isso porque considerase que a partir desse período o indivíduo possui o uso da razão É costume preparar as crianças para o momento a partir do qual deverão obedecer a lei islâmica As fontes do direito muçulmano são quatro o Alcorão livro sa grado da religião muçulmana que trataremos amiúde mais a frente a Suna tradição relativa ao profeta sua vida e suas decisões o Idjmâ 220 DAVID Renè Os grandes sistemas do direito contemporâneo 3 ed São Paulo Martins Fontes 1996 p 419 221 GILINSSEN J Op cit p 119 acordo unânime da comunidade e o Qiyâs que é o raciocínio por analogia A Suna é de extrema importância para a religião e para a legis lação islâmica é o conjunto de atos palavras e silêncios comporta mentos do Profeta Mohamad Cada uma das ações do Profeta cons tituem um hadîth estes foram compilados nos séculos VIII e IX Embora o Alcorão seja considerado como O Livro do Islã no que diz respeito ao direito a maioria absoluta dos muçulmanos concorda que ele não é suficiente como legislação que necessita ser precisado mesmo se somado também à Suna Podemos tomar como exemplo o caso do aborto conforme indica Jomier No caso do aborto que é estritamente proibido a partir do momento em que o feto é um ser vivo todo o infanticídio é normalmente proibido co locase a questão de saber quando ocorre a ani mação Como a maioria dos sábios muçulmanos opinam pela animação a partir de 120 dias mui tos doutores da lei permitem o aborto durante os três primeiros meses da gravidez proibindoo por prudência a partir do quarto mês222 Então além do livro sagrado a opinião dos doutores em certa unanimidade chamado Idjmâ também é considerada na formação da Sharîa palavra árabe para lei Se esse acordo é alcançado não mais caberá contestação porque segundo um hadîth de Mohamad A minha comunidade nunca chegará a acordo sobre um erro223 Portanto o Idjmâ é considerado como a interpretação infalível e de finitiva do Alcorão e da Suna Essa doutrina foi construída entre os sé culos VIII e IX do ano 100 ao ano 300 da Hégira no calendário muçul mano O ano de 922 dC 300 da Hégira é apontado pelos Muçulmanos como a data limite da possibilidade de interpretação das fontes da Lei Revelada assim sendo desde então a doutrina é imutável Os sábios desse período aplicaram princípios diferentes dando origem a escolas jurídicas diversas entre esses princípios podemos 222 JOMIER J Op cit p 87 223 GILINSSEN J Op cit p 120 apontar a própria Idjmâ o interesse comum chamado istiçlâh a inter pretação pessoal ray e o qiyâs raciocínio por analogia Durante a Idade Média predominou a escola dos asharitas que partia do pressuposto de que o bem provinha unicamente do belprazer de Deus Atualmente há várias escolas também chamadas ritos que muitas vezes diferem entre si por causa de detalhes mínimos São quatro as escolas que nos dias de hoje podem ser indicadas como principais Escola Hanafita cujo fundador foi Abu Hanîfa morto em 767 Essa escola é encontrada atualmente na Turquia na Índia na China e tem adeptos nos países que historicamente pertence ram ao Império Otomano Esse rito baseiase na razão primor dialmente tendo uma tendência mais liberal na interpretação das fontes Escola Malekita Malik que morreu em 795 foi o fundador dessa escola que está presente na Arábia na África do Norte e Ocidental no Sudão e no Alto Egito Os malekitas insistem no recurso ao princípio da utilidade geral do bem comum Escola Shafiita fundada por AlShafii morto em 855 Esse rito tem forte presença no Baixo Egito na Síria na Arábia Meridio nal Malásia Indonésia e África Oiental Baseandose no recurso da analogia essa escola busca unir a tradição e o consenso não somente dos sábios mas de toda a comunidade muçulmana Escola Hanbalita Ibn Hanbal falecido no ano de 855 fundou essa escola extremamente tradicionalista que se encontra atualmente somente na Arábia 5 O Alcorão O Alcorão o livro sagrado dos Muçulmanos é tratado por eles co mo sendo de autoria divina pois Mohamad teria ouvido do anjo Gabriel as palavras de Alah e transmitido para os Crentes Mas não foi Mohamad quem escreveu o Alcorão ele não sabia ler ou escrever Quando falava seus seguidores retinham suas palavras na memória o que era comum na época ou a escreviam no mais variado tipo de materiais qualquer que estivesse à mão como pele de cabra omoplatas de camelos folhas de tamareiras pergaminhos pedras Após a morte de Mohamad seu sucessor de nome Abu Bakr resolveu encarregar Zaid Ibn Thabet de reunir todos os fragmentos das palavras do Profeta como meio de impedir que estas se perdessem O terceiro sucessor de Mohamad mandou organizar o livro da maneira que chegou até os dias de hoje Os textos foram repartidos em 114 suras ou capítulos subdividos em versículos Cada sura tem um título que não resume o assunto como comumente um título o faz é apenas uma palavra que existe no meio da sura que foi retirada para servir de título Cada sura é como uma preleção As suras e os versículos variam muito em extensão e não sabemos por que não foram organizadas de maneira cronológica e sim por tamanho já que as maiores aparecem primeiro e as menores são deixadas para o fim A mensagem alcorânica pode ser divida de forma simplista em duas partes o corpo de mensagens de Meca 82 suras e o de Medina 28 suras As mensagens de Meca são basicamente religiosas e dizem respeito ao Monoteísmo ao bom trato de convivência entre os crentes e à obediência a Alah Mas quando o Profeta teve que mudarse de Meca para Medina por causa de perseguições e nessa cidade tornou se um líder religioso político e militar isto ficou refletido em suas mensagens Ao emigrar em julho de 622 para Medina oásis situado a oito dias de marcha para o norte de Meca Maomé ratifica o divórcio com o politeísmo mequense Mas além disso a Emigração consti tui mutação fundamental pelo conseqüente rom pimento com a ancestralidade tribal Daí em diante manifestarseá no Islão a propensão a transformarse num quadro social e religioso em que os Crentes estarão submetidos a uma nova lei cujas raízes estarão na revelação alcorânica Nada perde de sua simplicidade sentese porém investido da autoridade de chefe de uma comunidade teocrática que pressionada pelas circunstâncias manifesta suas exigências e carece da definição empírica de regras e de instituições rudimentares 224 224 BLACHÈRE R O Alcorão São Paulo Difusão Européia do Livro 1969 p 44 Excetuandose questões diárias muito interessantes contidas no Alcorão esse documento tem uma mensagem muito simples ele anun cia o juízo final e o que um bom crente deve fazer para evitar as ameaças de fogo eterno Mas mesmo nesse sentido o Alcorão tem dois momentos específicos as mais antigas insistiam em questões relativas à justiça social depois pouco a pouco as ameaças objetivam àqueles que rejeitam a unidade de Deus ou que não aceitam Mohamad como o Profeta e o líder espiritual e político do Islã 51 Alguns Pontos do Alcorão a A infalibilidade do Alcorão Um dos dogmas mais profundos do Islamismo e por conseguinte de seu Livro Sagrado é a infalibilidade deste e do Profeta escolhido por Alah para difundir suas palavras Dessa forma afirma já na segunda sura Este é o livro de que não se pode duvidar um guia para os que temem ao Senhor225 b Justiça e Equidade Em um sentido geral a sociedade muçulmana é igualitária visto que não reconhece sacerdócio Logo para a lei todos devem ser tra tados de maneira igual pois são idênticos na fé Ó vos que credes sede firmes na distribuição da justiça testemunhando por Deus mesmo contra vós mesmos ou contra vosso pai vossa mãe e vossos parentes tratese de um rico ou de um indigente Deus vela sobre todos Não vos deixeis levar pelas paixões e sede justos Se vacilardes ou vos omitirdes Deus o saberá226 c Recompensa daqueles que cumprem a Lei 225 Alcorão II 02 226 Alcorão IV 135 Um dos pilares da fé islâmica é a recompensa espiritual dada àqueles que são fiéis à crença e à punição com o inferno para aqueles chamados infiéis Nesse sentido o Alcorão promete um paraíso muito semelhante ao que provavelmente um crente à época de Mohamad consideraria como uma ótima vida na terra Anuncia aos que crêem e praticam o bem que deles será o Paraíso onde correm os rios cada vez que lhe provarem os frutos exclamarão São iguais aos que comíamos na terra Lá terão es posas puras e lá permanecerão para todo sempre227 d Pena de Talião Para o Alcorão a aplicação do Princípio da Pena de Talião é previs ta inclusive com exemplos Na lei de talião está a proteção de vossas vidas ó homens sensatos E possais temer a Deus228 Como no caso da guerra Se vos atacarem no mês sagrado atacaios nos mês sagrado E que as profanações sejam casti gadas pela pena de talião Aqueles que vos agredirem agredios da mesma forma Porém temei a Deus E lembraivos de que Ele está com os piedosos229 e Homicídio O Princípio da Pena de Talião também deve ser aplicado quando do homicídio entretanto está aberta a possibilidade de perdão Quando há o perdão do homicídio um parente da vítima deve ser indenizado 227 Alcorão II 25 228 Alcorão II 179 229 Alcorão II 194 Ó vós que credes a pena de talião é prescrita contra quem infligir a morte homem livre por ho mem livre escravo por escravo mulher por mulher E aquele que for perdoado pelo irmão da vítima deve comportarse honradamente e indenizálo no maior espírito É um alívio e uma misericórdia a vós proporcionados pelo vosso Senhor Quem depois de agredir será rigorosamente castigado230 f Alimentos Proibidos Na doutrina muçulmana os animais são divididos em puros e impuros Os puros podem sêlo por essência ou por terem sido purificados da mesma forma os impuros que podem ser considerados dessa forma por serem essencialmente impuros ou por não terem sido purificados Assim para os sunitas os cristãos e judeus são impuros porque não se purificam e para os xiitas são impuros em si mesmos Nesse sentido um sunita poderá comer na casa de um judeu ou um cristão desde que os pratos apresentados só contenham alimentos puros já um xiita não comeria na casa de um cristão ou um judeu231 Algumas proibições alimentares específicas em termos de que ani mal pode ser comido são muito semelhantes às do Antigo Testamento co mo a que proíbe a carne de porco Outras são proibidas no Antigo Testa mento como a carne de camelo sendo liberadas para os muçulmanos De um modo geral o sangue e portanto o animal que não foi sangrado ao ser morto o porco as bebidas alcoólicas certos animais incluindo o burro e répteis são considerados impuros e são por conse guinte proibidos Peixes são liberados e qualquer carne sacrificada a qualquer ser que não seja Alah é terminantemente proibida Essas proibições somente podem ser atenuadas pela necessidade Ele vos proíbe somente o animal morto o sangue e a carne de porco e tudo que tenha sido sacrifi cado sob a invocação de um nome que não o Seu Aquele contudo que for forçado pela neces sidade sem desejar transgredir ou se rebelar não pecará Deus é clemente e misericordioso232 230 Alcorão II 178 231 JOMIER J Op cit p 150 232 Alcorão II 173 g Bebidas e Jogos Bebidas e jogos são colocados no mesmo patamar de proibições que alimentos Entretanto no caso dos jogos caso o crente o faça de verá absterse de gastar o necessário para a sua vida e de sua família podendo gastar somente o supérfluo Interrogarteão sobre o vinho e os jogos de azar Responde Neles há culpa grave e alguma utili dade para os homens Mas neles a culpa é maior que a utilidade E perguntarão O que devere mos gastar Responde O supérfluo Assim Deus esclarece Suas revelações Quiçá reflitais233 h Usurpação e suborno Há no Alcorão a previsão e a proibição de suborno a juízes prin cipalmente para através deste apropriarse de bens alheios Não usurpeis os bens uns dos outros por meios ilícitos e não os empregueis para subornar os juí zes e apoderarvos intencional e injustamente de bens alheios234 i Peregrinação e condições A peregrinação é considerada um grande perdão que em sendo bemfeita pode proporcionar a remissão dos pecados Todo muçul mano adulto livre que disponha dos recursos necessários para viagem sem prejudicar a sobrevivência da família tem obrigação de efetuar a peregrinação Essa peregrinação também deve ser feita por muçulma nas desde que sejam acompanhadas E cumpri a peregrinação e a visitação Em caso de impedimento enviai uma oferenda dentro de vossas disponibilidades E não rapeis a cabeça até que a oferenda tenha atingido seu destino Se alguns de vós estiverem doentes ou sofrerem de 233 Alcorão II 219 234 Alcorão II 188 moléstia na cabeça que compensem com jejum esmolas ou oferendas Em tempos de paz quem de vós cumprir a peregrinação e a visitação ao mesmo tempo que faça uma oferenda dentro dos seus recursos Quem não puder fazêlo que jejue durante três dias no decorrer da peregrinação e sete dias após a sua volta ou seja ao todo dez dias Isso para aqueles que não tiverem parentes entre os vizinhos da Mesquita Sagrada E temei a Deus E lembraivos de que Ele é severo no castigo235 Alguns atos são proibidos para a peregrinação Efetuai a peregrinação nos meses determinados Quem a empreender deve absterse da cópula da depravação e das brigas 236 j Casamento Sendo a família a célula elementar da sociedade muçulmana o casamento é a base de sua formação Assim na sociedade muçulmana estar casado é a situação considerada normal para homens e mulheres Há uma tradição que afirma que Mohamad teria dito que o casamento é a metade da religião Tendo em vista que é através do casamento que se obtêm a concessão social para a maternidade e a paternidade ele é essencial principalmente porque é de opinião geral entre os muçulmanos que um homem e principalmente uma mulher só atingem seu apogeu após terem filhos O casamento em si é feito em dois tempos Primeiro se assina um contrato entre o marido e o representante legal da futura mulher o pai ou o parente masculino mais próximo Para a validade do contrato a mulher deve dar seu consenso para isso o silêncio dela é o suficiente O contrato especifica questões materiais o dote principalmente Uma vez assinado os dois cônjuges são considerados casados e a ruptura deste contrato é igualada ao divórcio 235 Alcorão II 196 236 Alcorão II 197 O casamento só se completa após a noite nupcial que é celebrada solenemente e durante a qual o marido e a mulher se isolam para consumar sua união Para atestar a virgindade exigida da esposa que nunca foi casada um pano com sangue derivado do defloramento é mostrado aos convidados com toda pompa e circunstância As famílias interferem diretamente no casamento até porque este não era apenas uma união entre marido e mulher mas também entre duas famílias Na época do harém e da separação entre homens e mulheres esta intervenção era indispensável237 Durante a vida do Profeta havia o casamento temporário chamado muta que significa desfrute Hoje os sunitas consideram esse tipo de casamento ilícito afirmando que Mohamad o proibiu já os xiitas consideram como uma forma de casamento lícito Sendo assim tão importante o casamento foi regulamentado obje tivamente pelo Alcorão sobretudo no tocante a proibições e pessoas proibidas para o casamento Dessa forma são proibidos os casamentos com nãomuçulmanos Não desposeis as idólatras até que se conver tam uma escrava crente é preferível a uma idóla tra mesmo que vos agrade E não deis vossas filhas em casamento a idólatras até que se convertam um escravo crente é preferível a um idólatra mesmo que vos agrade238 Lembrandonos que era necessário regulamentos específicos para os convertidos nômades que tinham tabus sociais um pouco mais frouxos o Alcorão indica proibições que em outras culturas seriam previamente estipuladas por interditos sociais E não vos caseis com as mulheres que foram esposas de vossos pais exceto em casos já con sumados Seria uma abominação uma obsceni dade e um péssimo comportamento239 Estãovos proibidas vossas mães vossas filhas vossas irmãs vossas tias paternas e maternas 237 JOMIER J Op cit p 141 238 Alcorão II 221 239 Alcorão IV 22 vossas sobrinhas vossas madrastas que vos amamentaram vossas irmãs de leite vossas sogras vossas enteadas que estão sob vossa proteção nascidas de mulheres nas quais penetrastes se não tiverdes penetrado nelas não sereis censurados e as mulheres de vossos filhos gerados por vós Estávos proibido também casarvos com duas irmãs exceto em casos já consumados Deus é perdoador e clemente240 O casamento entre adúlteros é permitido entretanto uma pessoa que não cometeu adultério não pode casarse com uma que cometeu Ao adúltero ou adúltera é permitido casarse com uma pessoa não muçulmana O adúltero não poderá casarse senão com uma adúltera ou uma idólatra e adúltera não poderá ser tomada em casamento senão por um adúltero ou um idólatra Tais uniões são vedadas aos crentes241 Há a proibição do casamento com mulheres casadas mas é lícito às mulheres escravas Estas últimas devem ser tratadas com respeito e devem ser procuradas para o casamento não devendo ser tomadas apenas para a satisfação sexual Estãovos proibidas as mulheres casadas exceto as cativas que por direito possuis Tal é a lei de Deus São lícitas para vós todas as outras que não foram mencionadas Podeis procurálas com vossas riquezas para o casamento e não para a libertinagem Às mulheres de que gozastes dai as pensões devidas E não sereis censurados pelo que for livremente convencionado entre vós além das prescrições legais Deus é conhecedor e clemente242 240 Alcorão IV 23 241 Alcorão XXIV 03 242 Alcorão IV 24 Aqueles dentre vós que não têm posses para desposar mulheres crentes e livres deixaios des posar as crentes jovens que legalmente possuis Deus conhece vossa fé Todos vós procedeis uns dos outros Desposaias com a autorização dos seus donos e pagailhes os dotes convencionais como mulheres honradas e não como libertinas ou angariadoras de homens Esse casamento com servas é permitido para quem receia cometer fornicação Contudo melhor para vós seria abster vos Deus é indulgente e misericordioso243 k Poligamia O Alcorão abre a possibilidade de um homem casarse com várias mulheres Entretanto no Islã hoje nos países em que a poligamia é permitida duas condições são impostas primeiro que o número de esposas não ultrapasse quatro e em segundo que o marido trate a todas com equidade sem favorecer a nenhuma Além das esposas também é possível para o homem ter con cubinas principalmente tomando as escravas Há controvérsias atualmente sobre a poligamia e J Jomier indica os principais argumentos favoráveis e contrários a essa prática As razões indicadas para a continuidade da prática são Mohamad e seus primeiros companheiros tinham várias esposas as necessidades se xuais dos varões são mais imperiosas que as da mulher quando uma catástrofe natural ou uma guerra diminui o número de homens so mente a poligamia permite a todas as mulheres casarem a poligamia aberta e franca é melhor que a hipocrisia dos monógamos que praticam o adultério244 desposai quantas mulheres quantas quiser des duas ou três ou quatro Contudo se não pu derdes manter igualmente entre elas então des posais uma só ou limitaivos às cativas que por direito possuis Assim servosá mais fácil evitar as injustiças245 243 Alcorão IV 25 244 JOMIER J Op cit p 145 245 Alcorão IV 03 l Mulheres Sem dúvida o Alcorão foi escrito para os homens e sobre as mulheres Elas são colocadas em uma situação nitidamente inferior ao homem subordinadas aos homens Em termos gerais o casamento é considerado o único objetivo da vida de uma muçulmana todo resto deve ser subordinado a isso As qualidades intelectuais de uma mulher eram subestimadas conforme podemos conferir na afirmação da Sura XLIII 1718 que afirma que a mulher é um ser que cresce entre as ninharias e não é claro na discussão Nesse sentido a mulher é colocada como desfrutável pelo marido estando à mercê da vontade masculina Vossas mulheres são vosso campo a lavrar Lavrai vosso campo quando o desejardes Mas cuidai antes de vossas almas e temei a Deus e lembraivos de que O encontrareis um dia E anuncia as boas novas aos crentes246 O que é utilizado como razão básica para a autoridade do homem sobre a mulher é a superioridade masculina dada por Deus e o fato de que estes são os provedores delas Os homens têm autoridade sobre as mulheres pelo que Deus os fez superiores a elas e porque gastam de suas posses para sustentálas As boas esposas são obedientes e guardam sua virtude na ausência de seu marido conforme Deus estabeleceu Aquelas de quem temeis a rebelião exortaias banias de vossas camas e batei nelas Se vos obedecerem não mais as molestei Deus é elevado e grande247 As mulheres devem manter um pudor completo não devem exibir seu corpo sequer devem olhar as pessoas nos olhos Em público a mulher deve usar um véu 246 Alcorão II 223 247 Alcorão IV 34 O uso do véu atualmente é controverso mesmo entre os países muçulmanos Há países que não exigem nenhum tipo de cobertura para a mulher há outros que exigem um simples véu sobre a cabeça outros impõem que a mulher mostre somente os olhos em público Um comentador do Alcorão no século XV chamado Jalalayn especificava que as mulheres deveriam esconder todo o seu rosto exceto um olho248 E dize às crentes que baixem o olhar e preservem o pudor e não exibam de seus adornos além do que aparece necessariamente E que abaixem seu véu sobre os seios e não exibam seus adornos senão a seus maridos ou pais ou sogros ou filhos ou enteados ou irmãos ou sobrinhos ou damas de companhia ou servas ou criados despojados do apelo sexual ou às crianças que nada sabem da nudez da mulher E que não façam tilintar ao andar os anéis de seus pés com a intenção de revelar suas jóias escondidas E vós todos crentes arrependeivos a Deus Quiçá vençais249 Para o Alcorão a prática de esconderse sobre véus não é obriga tória para mulheres idosas porém é recomendável As mulheres que atingiram a menopausa e não esperam mais o casamento não serão censuradas por tirarem os vestidos externos sem todavia mostrar seus adornos Mas se se abstiverem será melhor para elas Deus ouve tudo e sabe tudo250 E a mulher menstruada é considerada impura e deve ser evitada Interrogarteão sobre a menstruação Respon de É uma mácula Afastaivos das mulheres durante a menstruação E não volteis a elas até que sejam purificadas E então as procurai por 248 JOMIER J Op cit p 136 249 Alcorão XXIV 31 250 Alcorão XXIV 60 onde Deus vos mandou Deus ama os que voltam para Ele arrependidos e mantêmse limpos251 m Adultério O adultério é considerado falta grave no Alcorão Quando tomado o adultério feminino a pena pode ser severíssima Aquelas de vossas mulheres que forem suspei tas de adultério chamai quatro testemunhas dos vossos contra elas Se as testemunhas testemu nharem confinaias então em vossas casas até que a morte as leve ou até que Deus lhes indique um caminho252 Quando se trata de adultério em um sentido geral de homens e mulheres a questão apresenta uma contradição ao mesmo tempo em que há a previsão de perdão para os adúlteros arrependidos Quando dois dentre vós cometerem um adul tério castigaios Mas se se arrependerem e se emendarem deixaios em paz Deus é perdoador e clemente253 Há a imposição de não ter pena deles e aplicar o castigo de qualquer jeito perante as testemunhas A adúltera e o adúltero castigai cada um deles com açoites e não tenhais pena deles na religião de Deus se credes em Deus e no último dia E que um grupo de crentes assista ao castigo254 Se a esposa for uma serva e cometer adultério a pena deve ser 50 menor do que para mulheres livres que cometerem o mesmo delito 251 Alcorão II 222 252 Alcorão IV 15 253 Alcorão IV 16 254 Alcorão XXIV 02 Se depois de casadas as servas incorrerem em adultério sofrerão só a metade do castigo prescrito para as mulheres livres 255 De qualquer forma o adultério é considerado com bastante seriedade e no Alcorão há previsão de meios de evitar a leviandade no que diz respeito a acusar principalmente uma mulher Não somente testemunhas são necessárias em número de quatro como também em não havendo testemunhas o juramento de homens e mulheres sob pena de cometimento de pecado tem o mesmo peso Quanto àqueles que acusarem de adultério as próprias esposas sem apresentarem testemunhas além de si mesmos deixai que cada um teste munhe quatro vezes jurando por Deus que está dizendo a verdade e uma quinta vez conjurando a maldição de Deus sobre si caso estiver men tindo Mas ela não será castigada se jurar quatro vezes por Deus que seu acusador mente e uma quinta vez conjurando a maldição de Deus sobre si mesma caso ele esteja falando a verdade256 Essa seriedade é levada ao ponto de haver pena prevista para o indivíduo que acusa sem testemunhas uma mulher de adultério E aqueles que acusarem de adultério uma mulher honrada sem apresentar quatro testemu nhas castigaios com oitenta açoites e nunca mais lhes aceites testemunho São eles os depra vados exceto os que se arrependem e se emen dam Deus é perdoador e misericordioso257 n Divórcio A palavra árabe que denomina divórcio significa repúdio e mais especificamente mandar embora O homem tem primazia nesse direito e para isso não é necessário que ele preste contas a ninguém 255 Alcorão IV 25 256 Alcorão XXIX 06 09 257 Alcorão XXIV 45 do seu ato embora com isso possa abalar as relações entre as famílias À mulher só cabe ter essa iniciativa se houver no contrato de casamento a explicitação desse direito e se isso for permitido pela escola jurídica predominante do lugar onde vive O Alcorão insiste em regras para esse repúdio mesmo porque o divórcio não é bem visto Um adágio muçulmano afirma o repúdio é a mais odiosa das coisas lícitas Por exemplo é dado um prazo de quatro meses para o divórcio definitivo provavelmente com o intuito de evitar o divórcio e incentivar a reconciliação Aos que juram de não mais tocar suas mulheres é concedido um prazo de quatro meses no fim do qual ou voltam a elas ou elas podem pedir o divórcio Deus é perdoador e compassivo258 Ao repudiar a mulher o objetivo não deve ser prejudicála Por isso ela não deve ser retida além do prazo estipulado Quando vos divorciardes das mulheres esgo tado o seu prazo podereis guardálas conforme os bons costumes ou libertálas conforme os bons costumes Mas não as retenhais para prejudicá las ou agredilas Quem o fizer será iníquo para consigo mesmo 259 Em caso de divórcio assim como de viuvez a mulher deve esperar alguns meses para casarse novamente Isso ocorre para que o novo marido bem como o antigo ou a família deste tenha certeza de que a mulher não está grávida As divorciadas devem observar na abstinência o prazo de três menstruações e não lhes é per mitido ocultar o que Deus tiver criado nas suas entranhas se acreditam em Deus e no último dia Nesse prazo seus maridos terão o direito de reto málas de volta se desejarem a reconciliação As 258 Alcorão II 226 259 Alcorão II 231 mulheres têm direitos correspondentes a suas obrigações mas os homens a superam de um degrau Deus é poderoso e sábio260 Em caso de divórcio se o marido desejar a mulher poderá ser retomada desde que ela ainda esteja livre Mas ao repudiar a mesma mulher por três vezes ele não pode retomála antes que ela se case com outro e se divorcie deste O divórcio revogável é permitido até duas vezes Depois tereis que vos reconciliar com elas conforme os bons costumes ou repudiálas com benevolência E não vos é permitido retomar seja o que for do que lhes tiverdes dado a menos que ambos receiem não poder obedecer às leis de Deus Nesse caso ela querendo sua libertação é lhe permitido pagar algo ao marido e é permitido ao marido aceitálo Tais são os limites de Deus Quem os transgredir estará entre os prevarica dores261 O homem que repudia uma mulher não poderá desposála novamente até que ela se case com outro homem Repudiada por este último os esposos anteriores poderão unirse de novo desde que respeitem a lei de Deus Essa é a lei de Deus que Ele esclarece para os que com preendem262 Há ainda uma reparação traduzida pela libertação de um escravo quando da intenção de retomar a esposa Aqueles que repudiam as esposas dizendolhes Serás doravante tão ilícita para mim quanto as costas de minha mãe cometem um equívoco condenável e um perjúrio Suas esposas não são suas mães Suas mães são aquelas que os ge raram Deus porém é perdoador e clemente E os 260 Alcorão II 228 261 Alcorão II 229 262 Alcorão II 230 que repudiam assim a esposa e depois retiram suas palavras devem libertar um escravo antes de voltar a tocála Sois exortados a assim pro ceder Deus observa o que fazeis Quem não possuir escravos deverá jejuar dois meses con secutivos antes que os dois voltem a tocarse E quem não puder jejuar deverá alimentar sessenta necessitados Isso para que creiais em Deus e em Seu Mensageiro Tais são os limites de Deus Um castigo doloroso espera os descrentes263 Após a separação a guarda dos filhos mais novos até sete anos fica com a mulher se ela for considerada honrada que deve devolver os filhos ao marido após essa idade Se durante o divórcio a mulher estiver grávida o marido deve sustentála até o fim do aleitamento E instalaias onde vós estais instalados de acor do com vossos recursos E não as maltrateis para forçar sua saída Se estiverem grávidas susten taias até que dêem à luz E se amamentarem para vós pagailhes um salário e deliberai juntos conforme os bons costumes Contudo se encon trardes dificuldades mútuas que outra mulher seja encarregada do aleitamento264 Há a preocupação com o sustento da mulher divorciada Na maior parte dos casos a mulher recebe a totalidade de seu dote As divorciadas têm também direito a recursos para uma vida condigna É dever para os homens de bem265 Deverão ser protegidas mesmo as mulheres que são repudiadas antes da consumação do casamento Nesse caso o homem deve pagar à mulher a pensão preestabelecida no contrato ou se não houver nada estabelecido o homem deve não deixar a mulher desamparada 263 Alcorão LVIII 24 264 Alcorão LXV 06 265 Alcorão II 241 Não sereis censurados por repudiardes as esposas que não tocastes e a quem não fixastes uma pensão Mas provedelhes as necessidades segundo os bons costumes o rico conforme seus recursos e o pobre conforme seus recursos É uma obrigação para os homens de bem266 E se vos divorciardes delas sem as terdes tocado mas após fixarlhes uma pensão pagai lhes a metade do que foi convencionado a menos que elas ou o seu tutor o recusem Recusar é realmente mais próprio E não deixeis de vos tratar mutuamente de maneira honrada Deus observa o que fazeis267 o Testamento e Herança O testamento é previsto no Alcorão Está indicado na lei muçul mana que a herança deixada pode ser dividida em duas partes a primeira e mais importante é automaticamente partilhada entre os herdeiros a outra pode ser deixada em testamento Évos prescrito quando algum de vós é visitado pela morte possuindo bens deixar um testemu nho eqüitativo em favor dos pais e dos parentes próximos Tal é o dever dos que temem ao Senhor268 E deve ser levado extremamente a sério não podendo ser mudado por quem o escreve Quem alterar as disposições do testador após as ter ouvido terá que responder por seu crime Deus ouve tudo e sabe tudo269 266 Alcorão II 236 267 Alcorão II 237 268 Alcorão II 180 269 Alcorão II 181 Entretanto se quem escreve o testamento perceber que há uma injustiça pode modificálo Mas quem suspeitando uma injustiça ou um erro da parte do testador harmonizar os inte resses dos herdeiros e os reconciliar não será culpado Deus é clemente e misericordioso270 No caso da primeira parte da herança antes citado a divisão entre os herdeiros deve ser feita conforme indicada pelo Alcorão Filhas recebem menos que filhos mães menos que pais e irmãos mais que a mãe do defunto Eis o que Deus vos prescreve quando morre um de vós deixando bens e filhos o filho varão herdará o dobro da filha e se houver somente filhas receberão dois terços da herança mas se houver uma filha só receberá apenas a metade Morrendo o filho cada um dos pais receberá a sexta parte caso o defunto tenha filhos Se a herança couber exclusivamente aos pais a mãe receberá um terço e o pai dois terços Caso o defunto tiver também irmãos a mãe receberá a sexta parte Tudo isso depois de executados os legados e pagas as dívidas Entre vossos pais e vossos filhos não sabeis quem é mais benéfico para convosco Tal é a lei de Deus Deus é conhecedor e sábio271 As quotas percentuais são estipuladas também para esposos e a família da mulher falecida A vós a metade da herança de vossas esposas se elas não tiverem filhos e a quarta parte em caso contrário depois de executados os legados e pagas as dívidas E a elas um quarto de vossa herança se não tiverdes filho e um oitavo em caso contrário depois de executados os legados e 270 Alcorão II 182 271 Alcorão IV 11 pagas as dívidas E se um homem ou uma mulher não tiverem nem ascendentes nem descen dentes mais deixarem um irmão ou uma irmã a ele ou a ela a sexta parte E se forem mais de um irmão coherdarão a terça parte depois de exe cutados os legados e pagas as dívidas É uma prescrição de Deus Deus é conhecedor e cle mente272 São estabelecidos pelo Alcorão também os percentuais devidos no caso de não haver herdeiros Consultarteão a respeito da herança de um falecido sem ascendente nem descendente Dize Se um homem morrer sem ter filhos mas tendo uma irmã ela herdará a metade da herança E ele herdará todos os bens dela se ela morrer primeiro sem deixar filhos Se houver duas irmãs herdarão os dois terços dos bens deixados Se houver irmãos e irmãs caberá a cada homem o dobro de cada mulher Deus revelavos Suas leis para que não erres Deus está a par de tudo273 p Viúvas As viúvas devem ter proteção após a morte do marido en tretanto para o Alcorão o sustento que deve ser dado à viúva não deve ser vitalício E ela não pode casarse antes de um prazo de quatro meses As viúvas devem respeitar na abstinência um prazo de quatro meses e dez noites após a morte do marido Esgotando o prazo não sereis cen surados pelo modo como elas dispõem de si mesmas conforme os bons costumes Deus observa o que fazeis274 272 Alcorão IV 12 273 Alcorão IV 176 274 Alcorão II 234 E aqueles dentre vós que falecem deixando viúvas devem prover por testamento a sua manutenção durante um ano dentro de vossas próprias casas sem que possam ser expulsas Se contudo elas próprias preferem sair não sereis censurados pela maneira que elas dispuserem de si mesmas Deus é poderoso e sábio275 q Órfãos O Alcorão indica preocupação com os órfãos Acerca deste mundo e do outro E interrogarte ão sobre os órfãos Responde Cuidar deles num espírito de justiça é o melhor Se misturardes seus negócios com os vossos lembraivos de que eles são vossos irmãos Deus distingue o bom do malvado e se Ele quisesse sobrecarregarvosia Deus é poderoso e sábio276 E dai ao órfão o que lhes pertence e não subs tituais o bom pelo ruim E não junteis seus bens aos vossos Cometeríeis grave delito277 r Adoção No caso de adoção o adotivo permanece com o nome dos pais biológicos Dai a vossos filhos adotivos os sobrenomes de seus pais é mais eqüitativo ante Deus Se não conheceis aos pais consideraios então vossos irmãos na religião e vossos aliados Não sereis responsabilizados por vossos enganos mas pelo que vossos corações premeditam Deus permane ce perdoador e misericordioso278 275 Alcorão II 240 276 Alcorão II 220 277 Alcorão IV 02 278 Alcorão XXXIII 05 s Moral Sexual e Celibato A moral sexual alcorânica é rígida inclusive para homens A continência é de praxe antes do casamento e mesmo um homem que não tem dinheiro para casarse deve segundo uma tradição bem arraigada jejuar para não perder o domínio de si Na realidade a sociedade é mais permissiva com relação ao homem mas eles não devem se descuidar totalmente porque está em jogo a honra da família Não sereis censurados por fazer às mulheres propostas de casamento nem por as desejar no segredo de vossas almas Deus sabe que não as podeis esquecer Mas não procureis encontrar vos com elas às escondidas E se o fizerdes dirigilhes palavras honradas E não consumais o casamento antes do prazo prescrito para elas no Livro E lembraivos de que Deus sabe o que há em vossos corações Sede pois prudentes em relação a Ele Deus é clemente e magnânimo279 Entretanto para os muçulmanos o celibato não é bem visto Todos devem sempre que possível se casar E casai os celibatários dentre vós e as pessoas de bem dentre vossos escravos e escravas Se forem pobres Deus os enriquecerá com Sua graça Deus é vasto onisciente280 A moral sexual é rígida suficiente para proibir que as servas sejam prostituídas por seus donos Aqueles a quem faltam recursos para o casa mento devem manterse castos até que Deus os enriqueça de Sua graça Quanto a vossos escra vos que solicitam uma proclamação de libertação concedeilhas se sabes que há bem neles e gratificaios com algo dos bens que Deus vos 279 Alcorão II 235 280 Alcorão XXIV 32 outorgou E na vossa ânsia pelos bens deste mundo não constranjais vossas escravas à pros tituição se preferem a castidade Se forem compelidas Deus lhes perdoará Deus é clemente e misericordioso281 t Difamação e Injúria A difamação é condenada objetivamente com a ameaça do Juízo Final Os que difamam as mulheres honradas reser vadas crentes serão amaldiçoados neste mundo e no outro e receberão um castigo doloroso no dia em que suas próprias línguas e mãos e pernas testemunharem contra eles282 Ó vós que credes que nenhum homem ridicula rize o outro Talvez o ridicularizado seja melhor do que aquele que o ridiculariza E que nenhuma mulher ridicularize outra quem sabe qual delas é a melhor Não vos difameis uns aos outros e não vos injurieis Péssima é a injúria após a fé Os que não se arrependem são eles os agressores283 u Endividamento e Juros O Alcorão assim como o Antigo Testamento proíbe o empréstimo a juros A diferença entre os dois documentos é que enquanto no Antigo Testamento a proibição se restringe ao empréstimo entre israelitas no Alcorão a proibição é geral Os que vivem de juros não se levantarão de seus túmulos como aquele que o demônio esmaga É porque dizem O juro é como o comércio Mas na verdade Deus permitiu o comércio e proibiu o juro Aquele que desistir após receber a exone 281 Alcorão XXIV 33 282 Alcorão XXIV 2324 283 Alcorão XLIX 11 ração do Senhor poderá guardar o que ganhou e disso tratar com Deus Mas os que reincidirem serão os herdeiros do Fogo onde permanecerão para todo o sempre284 Os juros são proibidos mas o empréstimo não Ele deve ser feito depois de efetuarse um contrato escrito com as promessas das partes Ó vós que credes quando contrairdes uma dí vida por prazo determinado registraia e que um escriba anote vossos compromissos E que ne nhum escriba se recuse a fazêlo conforme Deus lhe ensinou Que registre pois as declarações do devedor e que tema a Deus seu Senhor e se guarde de nada omitir Se o devedor for um insen sato ou se for um débil mental ou um ignorante que seu tutor dite por ele com eqüidade Acres centai o testemunho de duas testemunhas dentre vossos homens e na falta de dois homens de um homem e de duas mulheres pois se uma delas se equivocar a outra ajudará E que nenhuma teste munha se recuse quando solicitada Não deixeis por preguiça de registrar a dívida grande ou pequena e seu vencimento Tal procedimento é mais correto diante do Senhor mais eqüitativo para as testemunhas e mais apto a vos poupar dúvidas A menos que se trate de uma operação que executais de mão a mão Nesse caso não sereis censurados por não a registrar Apelai para testemunhas quando negociais E não coajais nem o escriba nem as testemunhas Se o fizerdes cometereis uma abominação E temeis a Deus Ele vos ensina e Ele tem conhecimento de tudosic285 Se não houver possibilidade de realizar um contrato escrito uma caução é exigida 284 Alcorão II 275 285 Alcorão II 282 Se estiverdes viajando e não encontrardes um escriba garantivos com uma caução E se tiverdes confiança um no outro que aquele que recebe a caução a restitua e que tema a Deus seu Senhor E não escondais o testemunho pois quem o fizer peca no seu coração Deus sabe tudo o que fazeis286 E apesar do contrato o Alcorão aconselha que se tenha par cimônia com os devedores que não tenham condições de pagar Dai prazo ao devedor em dificuldade até que se recupere E se puderdes perdoar melhor será para vós Se soubésseis287 v Inviolabilidade de Domicílio O Alcorão indica como proceder no caso de entrada no domicílio dos outros Isso é explicável porque havia a necessidade de regula mentar essa questão que era novidade para os primeiros muçulmanos os nômades do deserto Ó vós que credes não entreis nas casas dos outros sem antes anunciar a vossa presença invocando a paz sobre seus habitantes Assim é melhor para vós Possais lembrarvos Se não encontrardes lá ninguém assim mesmo não entreis até que vos seja dada permissão E se vos for dito Retiraivos então retiraivos É mais correto para vós Deus observa o que fazes288 Mas a previsão da inviolabilidade de domicílio pode ser atenuada caso haja pertences do invasor na casa Não sereis censurados por entrardes em casas inabitadas onde haja objeto que vos pertence 286 Alcorão II 283 287 Alcorão II 280 288 Alcorão XXIV 2728 Deus sabe o que revelais e o que ocultais E Ele vos observa289 w Despojos de Guerra As questões de guerra se relacionam diretamente com as questões dos despojos os bens tomados do inimigo na guerra O Alcorão contém numerosas prescrições sobre essa matéria Os despojos serviriam para os pobres mas sempre um quinto pertenceria ao Profeta Todos os despojos tomados dos habitantes das cidades e destinados por Deus a Seu Mensageiro pertencem a Deus a Seu Mensageiro e seus pa rentes aos órfãos aos necessitados aos viajan tes e não devem permanecer no círculo dos opu lentos dentre vós O que o mensageiro vos con ceder aceitaio o que ele vos proibir abstendevos dele E temei a Deus Ele é duro no castigo290 Os espólios pertencem também aos pobres dentre os emigrantes os quais despojados de suas casas e posses almejam a graça e o bene plácito de Deus e prestam socorro a Deus e a Seu Mensageiro Esses são os homens de lealdade genuína Pertencem também aos que se instala ram antes deles no país e na fé que acolheram com afeto os que emigraram para eles e não lhes invejam as gratificações recebidas ainda que eles mesmos sofram de penúria pois preferemnos a si mesmos E aqueles que vencem a própria avareza são eles os vitoriosos291 x Privilégios do Profeta Mohamad era não somente o líder espiritual mas também o líder político da cidade de Medina e dos Muçulmanos Nesse sentido apa 289 Alcorão XXIV 29 290 Alcorão LIX 07 291 Alcorão LIX 89 recem no Alcorão soluções de situações que seriam exclusivas e pri vadas do Profeta É assim que o Alcorão praticamente chama a atenção das mulheres do Profeta acerca do uso de adornos Ó Profeta dize a tuas esposas Se é a vida terrena que quereis com seus adornos vinde darvosei vossa provisão e libertarvosei com benevolência Mas se for Deus e Seu Mensageiro e a última morada que quereis Deus preparou para as virtuosas dentre vós uma recompensa magnífica Mulheres do Profeta quem dentre vós cometer uma indecência flagrante receberá um castigo dobrado É coisa fácil para Deus E quem dentre vós permanecer submissa a Deus e a Seu Mensageiro e praticar o bem receberá uma re compensa dobrada E para ela preparamos generosas provisões292 As mulheres do Profeta têm prerrogativas que não necessaria mente se traduzem em privilégios Elas são mais visadas portanto devem ser mais contidas que as outras muçulmanas que já deviam ser bastante comedidas Mulheres do Profeta vós não sois como as outras mulheres Se temeis a Deus evitai ser obsequiosas na conversação para não provocar a luxúria dos quem têm a doença no coração Usai palavras discretas e cautelosas Permanecei em vossos lares e não exibais vossos adornos como faziam as pagãs de antanho E observai a oração e pagai o tributo dos pobres e obedecei a Deus e a Seu Mensageiro Deus só quer preservarnos de toda mácula mulheres da casa do Profeta purificarvos E decorai o que for recitado em vossos lares das revelações de Deus e dos ditos dos sábios Deus é amável e onisciente293 292 Alcorão XXXIII 2831 293 Alcorão XXXIII 3234 Mohamad tinha pessoalmente privilégios ele podia ter quantas mulheres desejasse e para ele não havia até certo ponto proibições como havia para os demais muçulmanos Ó Profeta tornamos legais para ti as tuas es posas que dotaste e as escravas que Deus te outorgou e as filhas de teus tios paternos e maternos e de tuas tias paternas e maternas que imigraram contigo e qualquer outra mulher crente que se oferecer ao Profeta e que ele quiser des posar privilégio teu com exclusão dos demais crentes sabemos o que lhes impusemos com relação às suas esposas e escravas para que ninguém possa censurarte Deus é perdoador e misericordioso294 O Alcorão acalma as esposas do Profeta colocando sob a vontade dele procurar suas mulheres conforme sua vontade Podes adiar a companhia de quem quiseres en tre elas e chamar a ti quem quiseres E se pro curares essas que havias desprezado não serás censurado É mais provável que elas estejam assim satisfeitas e não mais se aflijam e que todas estejam felizes com o que lhes concederes Deus sabe o que há em vossos corações Deus é conhecedor e clemente295 Entretanto Mohamad não poderia trocar a revelia de esposas Poderia sim ter quantas escravas desejasse Além dessas as mulheres não serão lícitas para ti nem te será permitido trocar tuas esposas por outra mesmo que sua beleza te agrade com exceção das escravas que possuis Deus observa tudo296 294 Alcorão XXXIII 50 295 Alcorão XXXIII 51 296 Alcorão XXXIII 52 É regulamentada também a visita ao Profeta de tal maneira que Mohamad não se sentisse incomodado E conforme grifado mulheres tocadas pelo Profeta não poderiam nunca mais se deitar com outro homem Ó vós que credes não entreis nos aposentos do Profeta exceto quando convidados para uma refeição e aguardai o momento próprio para en trar Depois da refeição retiraivos sem vos pro longar em conversação familiar De outra forma incomodaríeis o Profeta E ele ficaria constran gido diante de vós mas Deus não fica cons trangido diante da verdade E se pedirdes algum objeto às suas esposas pedio através de uma cortina é mais limpo para vossos corações e para os seus Não vos pertence molestar o Mensageiro de Deus nem desposarlhe as mulheres após ele nunca Seria aos olhos de Deus uma grave ofensa297 297 Alcorão XXXIII 53 grifo nosso CAPÍTULO IX O DIREITO INGLÊS 1 Introdução No final da Idade Média a Europa começou a assistir ao nascimento de Estados centralizados nas mãos de Monarcas Na Inglaterra o caminho foi um tanto diferente nos séculos XI e XII a monarquia inglesa era bastante poderosa e conseguia centralizar o poder e nos séculos seguintes enquanto o resto da Europa via nascer o Poder Central este perdia fôlego no Reino Britânico O Poder na Inglaterra foi disputadíssimo durante pelo menos quatro séculos De um lado monarcas buscando a acumulação de poder de outro nobres e posteriormente burgueses evitando tal acúmulo e acabando por formar um Estado baseado tanto no poder de uma instituição representativa o Parlamento quanto em documentos escritos de lei que sempre se apresentam como meios de limitar o poder do rei Todas as lutas pelo poder entre esses grupos seguiram um padrão bastante peculiar O rei quem quer que fosse para acumular poder precisaria retirálos de alguém a princípio dos nobres Para tanto era preciso convencêlos o que obviamente ficaria bastante complicado se feito educadamente assim o convencimento era feito através das armas O problema era que um rei feudal tinha os nobres como seu exército então para a formação de um exército próprio era preciso dinheiro de impostos pagos pelos nobres que reagiam Logo para entendermos essa parte do Direito inglês chamado Statute Law temos que compreender essas lutas internas para com preendermos o Direito inglês como um todo Common Law e Equity precisamos nos basear na formação do conceito de justiça e na construção da nacionalidade inglesa Não há na Inglaterra códigos escritos como encontramos em outros países apenas em algumas matérias especiais o Direito é apresentado de forma sistemática Essa diferença é explicitada nas palavras de René David A concepção de Direito que os ingleses sus tentam é de fato ao contrário da que prevalece no continente europeu essencialmente jurispru dencial ligada ao contencioso O Direito inglês que foi elaborado pelas Cortes reais apresenta se aos ingleses como o conjunto de regras pro cessuais e materiais que essas Cortes consoli daram e aplicaram tendo em vista a solução dos litígios A regra de Direito inglesa legal rule condicionada historicamente de modo estrito pelo processo não possui o caráter de genera lidade que tem na França uma regra de direito formulada pela doutrina ou pelo legislador As categorias e conceitos no Direito inglês derivam de regras processuais formalistas que as Cortes Reais foram obrigadas a observar até uma época recente a distinção entre direito público e direito privado em particular por esse motivo é desconhecida na Inglaterra298 2 Direito Inglês A História e a Formação do Statute Law299 Até o século V a Inglaterra era em grande parte domínio romano entretanto não houve como em outros lugares dominados por Roma uma romanização ou seja não houve uma transformação da popu lação local de maneira a tomar a cultura romana para si Os romanos eram apenas o exército invasor agiam como tal e eram tratados como tal A miscigenação não foi uma constante Dessa forma o Direito Romano pouco ou nada influenciou o direito dos povos que já habitavam a Bretanha Mesmo as cidades que os romanos fizeram surgir brevemente após sua partida desapareceram A língua latina muito competentemente espalhada por todos os cantos do Império Romano na Bretanha não obteve êxito300 298 DAVID René O direito inglês São Paulo Martins Fontes 2000 p 3 299 É o Direito Estatutário que foi se revelando na História da Inglaterra visando através de estatutos atos ordenanças e editos melhor equacionar o poder inglês e dar outras providências para o funcionamento do Estado e de algumas questões de Justiça que o Common Law e a Equity não suprem 300 RICHÉ Pierre As invasões bárbaras Sintra EuropaAmérica 19 p 103 Quando os Germânicos notadamente Anglos e Saxões invadem a Bretanha a oposição a eles não é melhor do que a que tinham sofrido os romanos mesmo vencidos os Bretões mantêm oposição acirrada contra os invasores germânicos Estes últimos formaram reinos bastante instáveis e sem unificação e guardaram as tradições germânicas inclusive no campo do Direito301 O Direito anglosaxônico ou germânico na Bretanha como prefe rem alguns estudiosos começa quando no final do século VI dC a Inglaterra convertese ao cristianismo Embora muito mal conhecido esse Direito foi redigido e continha uma particularidade ao invés de ser escrito em latim como as leis dos reinos bárbaros do continente europeu seu texto foi confeccionado em língua anglosaxônica Os documentos que chegaram até a atualidade demonstram que como outras leis germânicas as leis anglosaxônicas regulam poucos aspectos Assim conta René David As leis de Aethelbert rei do Kent redigidas em língua anglosaxônica no ano de 600 apenas comportam 90 frases breves As leis do rei dinamarquês Canuto 10171035 quatro séculos mais tarde são mais elaboradas e anunciam já a passagem da era tribal para a feudal O princípio de personalidade das leis dá lugar como na França a uma lei territorial mas embora o país esteja submetido a um único soberano o direito em vigor mantémse um direito estritamente local não há direito comum a toda a Inglaterra antes da conquista Normanda302 Em 1066 vindo da Normandia atualmente França um exército liderado por Guilherme chamado por isso de O Conquistador inva diu a Bretanha e vencendo o herdeiro anglosaxão do trono Haroldo controlou a região Na condição de vassalo do rei da França Guilherme governou a Inglaterra de 1066 a 1087 Com Guilherme veio o feudalismo as relações feudovassálicas que existiam no ducado da Normandia foram introduzidas na In glaterra e ampliadas por seus sucessores de uma forma vertical e mais 301 Como se pode conferir mais amiúde no capítulo acerca do Direito Medieval 302 DAVID René Os grandes sistemas do direito contemporâneo 3 ed São Paulo Martins Fontes 1996 p 284285 completa do que em qualquer outro lugar mas sempre tendo em vista servir os desígnios da realeza Dessa maneira a Inglaterra foi dividida em grandes feudos os Condados Os condes estavam de forma direta e absoluta sob o comando feudal do rei senhor de todos cada feudo era administrado por um funcionário do rei chamado xerife que tinha autoridade sobre os senhores feudais os comerciantes e os camponeses A conquista normanda a princípio não modificou o Direito exis tente ao contrário Guilherme afirmou estar em vigor o Direito anglo saxônico mas trouxe a possibilidade de um centralismo que não existia antes que deu novas feições ao Direito Inglês Nas décadas seguintes a ação dos reis que sucederam Guilherme fortaleceu o poder real chegando a ponto de Henrique II 11541189 primeiro rei da dinastia dos Plantagenetas conseguir impor leis válidas em todo o reino e não somente em seus domínios particulares Henrique II foi um artífice da unificação da Inglaterra e buscou através da lei ter êxito no empreendimento Além de leis comuns a todo o reino ele conseguiu nomear juízes para presidir os tribunais locais e submeteu os clérigos à legislação comum estes então começaram a ser julgados em tribunais do Estado não mais em tribunais eclesiás ticos Esses tribunais do Estado são os que farão paulatinamente a Common Law que veremos no próximo ponto deste Capítulo Seu filho Ricardo I conhecido como Ricardo Coração de Leão o sucedeu mas não conseguiu continuar a obra de concentração de poder Ricardo era homem de armas não de administração Era homem cruel e vivia somente para a guerra Era Ricardo o homem que melhor representava os barões da Idade Média com suas qualidades de bravura indomável mas também com todos os defeitos de um temperamento arrebatado per dulário inacessível à piedade tornandose por isso mesmo o ídolo de seus contemporâneos303 303 LINS Ivan Idade Média Rio de Janeiro Brasílica 1939 p 381 Na mesma página o autor discorre sobre a crueldade de Ricardo I Crueldade sem nome de Ricardo foi fazer degolar os três mil reféns muçulmanos entregues em conseqüência da capitulação do Acre barbaria inaudita perpetrada de sangue frio sem a desculpa do ardor da refrega e tanto mais chocante quanto ao adoecer Ricardo lhe enviara Saladino líder muçul mano sorvetes e frutas para o seu restabelecimento A esses rasgos de generosidade o rei de Inglaterra respondeu com uma carnificina Em oposição o irmão de Ricardo de nome João cognominado João SemTerra por não ter recebido em herança nenhum bem imóvel de seu pai tinha ânsias de poder e tentaria se possível e se subisse ao trono continuar a aprofundar a obra centralizadora de Henrique II A oportunidade para João surgiu quando Ricardo Coração de Leão foi para as Cruzadas e assumiu o trono como Príncipe Regente Ele opôsse frontalmente aos nobres e acabou por angariar uma inimizade que lhe sairia cara mesmo quando posteriormente tornouse rei de fato com a morte de Ricardo na guerra contra a França João sempre foi visto como um usurpador e aliado a uma política externa desastrosa que fez com que a Inglaterra perdesse grande parte dos feudos que possuía na França também tornou suas relações com o papado melindrosas por não acatar a nomeação de um bispo Ele buscou criar impostos e aumentar os já existentes com vistas a fazer frente aos nobres que se colocavam em oposição a ele Como resposta os nobres e o clero reuniramse e redigiram um documento intitulado Magna Charta Libertatum que foi outorgado em 1215 pelo pressionado rei João Esse documento tinha como objetivo principal manter o rei João ou quem quer que fosse longe da ânsia de arrancar poder dos nobres e visando isso acabou por indicar uma defesa de liberdade que não tinha sido vista até então É sem dúvida um documento feudal busca salvaguardar benefí cios de Senhores Feudais mas mais amplamente acaba por converter a Inglaterra em um todo eliminando a fragmentação tão característica do feudalismo Podemos tomar como exemplo dessa formação de país o artigo 43 da Magna Carta Haverá em todo o Reino uma mesma medida pa ra o vinho e a cerveja assim como para os cereais grãos Esta medida será a que atualmente se emprega em Londres Todos os panos se ajus tarão a uma mesma medida em largura que será de duas varas Os pesos serão também os mesmos para todo o Reino A montagem da Justiça foi também uma preocupação da Magna Carta que em vários artigos indicou quais tribunais e com qual periodicidade deviam se reunir mais ainda esse documento indicou uma preocupação com uma retidão na justiça quando afirmou no artigo 49 Não venderemos nem recusaremos nem dilata remos a quem quer que seja a administração da justiça Essa preocupação com a justiça explicase principalmente pelas perseguições que os nobres sofreram por terem feito frente às vontades de João SemTerra assim na Magna Carta vários são os artigos que buscam limitar o poder dos funcionários do rei Podemos tomar como exemplo dentre muitos com o mesmo objetivo o artigo 62 Ficará proibido ao sheriff oprimir e vexar a quem quer que seja contentandose com os direitos que os sheriffs costumavam exercer em tempo de nosso ascendente o Rei Henrique Mas a garantia de liberdades ampliavase até alcançar o direito de ir e vir Para o futuro poderão todos entrar e sair do Reino com toda a garantia salvante a fidelidade devida exceto todavia em tempo de guerra e quanto seja estritamente necessário para o bem comum de nosso Reino excetuandose além disto os prisioneiros e proscritos segundo as leis do país os povos que se achem em guerra conosco e os comerciantes de uma Nação ini miga conforme o que deixamos dito304 Esse direito de ir e vir era corroborado a uma proteção jurídica que a maioria dos autores considera ser o início da ideia de habeas corpus Essa proteção indicava que o indivíduo somente poderia ser privado de seus bens ou preso sem um julgamento assim afirma a Magna Carta Ninguém poderá ser detido preso ou despojado dos seus bens costumes e liberdades senão em 304 Artigo 52 virtude de julgamento de seus Pares segundo as leis do país305 Esse mesmo artigo indica claramente a necessidade de julga mento pelos pares ou seja pessoas iguais ao réu o que é colocado como a cristalização legalizada do sistema de julgamento por júri que já havia existido não muito objetivamente no Direito Romano e que existia na Inglaterra desde antes do reinado do pai de João SemTerra Desde Roma havia o hábito de em casos de cobranças de tributos se perguntar às pessoas importantes da localidade sua opinião era a iquisitio Esse mesmo processo foi transferido para o Direito germânico Já no reinado de Henrique II o sistema de inquisitio antes de caráter meramente administrativo passou a ser usado também em demandas entre particulares na área cível A partir do período do rei Henrique surgiram duas instituições judiciárias o assize e a jurata o primeiro dizia respeito a demandas entre proprietários a segunda a questões envolvendo o curso de um julgamento que não dissesse respeito a proprietários A jurata acabou por absorver o assize306 O que a Magna Carta fez portanto foi indicar em uma legislação importante que um julgamento com júri seria ne cessário para diminuir ou acabar com a liberdade de um indivíduo307 Há ainda nesse documento inglês uma indicação clara de proporcionalidade entre delito e pena e uma preocupação bastante interessante que visa evitar que penas pecuniárias acabem por falir o indivíduo e não permitam mais a sua subsistência Um possuidor de bens livres não poderá ser condenado a penas pecuniárias por faltas leves mas pelas graves e não obstante isso a multa guardará proporção com o delito sem que em nenhum caso o prive dos meios de subsistência Esta disposição é aplicável por completo aos mercadores aos quais se reservará alguma parte de seus bens para continuar seu comércio Do mesmo modo um aldeão ou qualquer vassalo nosso não poderá ser condenado à pena pecuniá 305 Artigo 48 306 NASCIMENTO Walter Vieira do Lições de história do direito 10 ed Rio de Janeiro Forense 1998 passim 307 Esse indivíduo ao menos a princípio deveria ser um homem livre não um servo ria senão debaixo de idênticas condições quer dizer que se lhe não poderá privar dos instru mentos necessários a seu trabalho Não se imporá nenhuma multa se o delito não estiver comprovado com prévio juramento de doze vizi nhos honrados e cuja boa reputação seja no tória308 A Magna Carta acabou também por dar um grande poder ao Conselho de Nobres também chamado de Grande Conselho ou Conse lho do Reino que existia desde a conquista Normanda Pelo documento legal impostos contribuições etc somente poderiam ser criados e cobrados com o consentimento deste conselho Não se estabelecerá em nosso Reino auxílio nem contribuição alguma contra os posseiros de terras enfeudadas sem o consentimento do nosso comum Conselho do Reino a não ser que se destinem ao resgate de nossa pessoa ou para armar cavaleiros a nosso filho primogênito consignação para casar uma só vez a nossa filha primogênita e mesmo nestes casos o imposto ou auxílio terá de ser moderado309 Esse Conselho do Reino a partir de 1265 passou a ser chamado de Parlamento Nele passaram a ser decididas todas as mais importantes questões do reino inclusive declarações de guerra e paz Seu poder aumentou tanto que em determinados momentos da história da Inglaterra substituiu reis e efetivamente comandou o país sozinho A partir de 1350 o Parlamento Inglês passou a ter as feições que até hoje guarda composto por duas câmaras a Câmara dos Lordes de prelados e Barões e a Câmara dos Comuns de Cavaleiros e Bur gueses Nos séculos seguintes os reis tiveram por hábito mais obriga tório do que por opção pessoal jurar obediência à Magna Carta Esta somente passou a ser esquecida ainda que por um período após a Guerra das Duas Rosas 14551485 que colocou no poder a Dinastia 308 Artigos 25 e 26 309 Artigo 14 Tudor e conseguiu concentrar o poder e alavancar a economia mercantil do país Entre os reis da Dinastia Tudor Henrique VII teve papel preponde rante pois como fundador da Igreja Anglicana conseguiu desligar o país do poder papal e concentrar as terras da Igreja Católica nas mãos da Inglaterra Sua filha Elizabeth I conseguiu fazer chegar ao auge o absolutismo na Inglaterra principalmente porque implantou uma política mercantilista extremamente bemsucedida Entretanto o poder real na Inglaterra vivia uma situação diferente dos países do continente europeu pois havia o Parlamento Apesar do absolutismo dos Tudor o Parlamento continuava a ser convocado fosse com vistas a evitar conflitos fosse para manter as aparências Com a morte de Elizabeth foi entronado seu filho Jaime I que iniciou um conflito com o Parlamento que iria acabar em mais de quatro décadas de atritos e guerras Ele defendia a implementação de um absolutismo nos moldes franceses baseado na concepção do Direito Divino não permitindo nenhum questionamento às suas decisões Ao criar e aumentar impostos Jaime I enfrentou a resistência do Parlamento e acabou por fechálo por sete anos A morte de Jaime I não acabou com os problemas seu filho Carlos I radicalizou ainda mais a política do pai Em 1628 o Parlamento buscando uma saída não violenta talvez não estivesse preparado para uma reação mais enérgica confeccio nou um documento legal com vistas a lembrar Carlos de suas atribui ções e de seus limites Era a Petição de Direitos que embora seja até hoje considerado um documento legal sequer foi considerado pelo rei que como retaliação deixou de convocar o Parlamento por onze anos O texto da Petição de Direitos é como um resumo em forma de lembrete das leis inglesas até aquele momento conforme podemos conferir Os lordes espirituais e temporais e os comuns reunidos em parlamento humildemente lembram ao rei nosso soberano e senhor que uma lei feita no reinado do rei Eduardo I vulgarmente cha mada Statutum de tallagio non concedendo declarou e estabeleceu que nenhuma derrama ou tributo tallage or aid seria lançada ou cobrada neste reino pelo rei ou seus herdeiros sem o consentimento dos arcebispos bispos condes barões cavaleiros burgueses e outros homens livres do povo deste reino que por autoridade do Parlamento reunido no vigésimo quinto ano do reinado do rei Eduardo III foi decretado e esta belecido que daí em diante ninguém poderia ser compelido a fazer nenhum empréstimo ao rei con tra a sua vontade porque tal empréstimo ofen deria a razão e as franquias do país que outras leis do reino vieram preceituar que ninguém po dia ser sujeito ao tributo ou imposto chamado be nevolence ou a qualquer outro tributo semelhan te que os nossos súditos herdaram das leis atrás mencionadas e de outras boas leis e provisões statutes deste reino a liberdade de não serem obrigados a contribuir para qualquer taxa der ramo tributo ou qualquer outro imposto que não tenha sido autorizado por todos através do Par lamento E considerando também que na carta designada por Magna Carta das Liberdades de Inglaterra se decretou e estabeleceu que nenhum homem livre podia ser detido ou preso ou privado dos seus bens das suas liberdades e franquias ou posto fora da lei e exilado ou de qualquer modo molestado a não ser por virtude de sentença legal dos seus pares ou da lei do país E considerando também que foi decretado e estabelecido por autoridade do Parlamento no vigésimo oitavo ano do reinado do rei Eduardo III que ninguém fosse qual fosse a sua categoria ou condição podia ser expulso das suas terras ou da sua morada nem detido preso deserdado ou morto sem que lhe fosse dada a possibilidade de se defender em processo jurídico regular due process of law E considerando que ultimamente grandes con tingentes de soldados e marinheiros têm sido destacados para diversos condados do reino cujos habitantes têm sido obrigados contra von tade a acolhêlos e a aboletálos nas suas casas com ofensa das leis e costumes e para grande queixa e vexame do povo E considerando também que o Parlamento decretou e ordenou no vigésimo quinto ano do reinado do rei Eduardo III que ninguém podia ser condenado à morte ou à mutilação sem obser vância das formas da Magna Carta e do direito do país e que nos termos da mesma Magna Carta e de outras leis e provisões do vosso reino ninguém pode ser condenado à morte senão em virtude de leis estabelecidas neste vosso reino ou de costumes do mesmo reino ou de atos do Parlamento e que nenhum transgressor seja qual for a sua classe pode subtrairse aos processos normais e às penas infligidas pelas leis e provisões deste vosso reino e considerando que todavia nos últimos tempos diversos diplomas com o Grande Selo de Vossa Majestade têm in vestido certos comissários de poder e autoridade para no interior do país aplicarem a lei marcial contra soldados e marinheiros e outras pessoas que a estes se tenham associado na prática de assassinatos roubos felonias motins ou quais quer crimes e transgressões e para sumaria mente os julgar condenar e executar quando culpados segundo as formas da lei marcial e os usos dos exércitos em tempo de guerra E a pretexto disto alguns dos súditos de Vossa Majestade têm sido punidos por estes comis sários com a morte quando é certo que se eles tivessem merecido a morte em harmonia com as leis e provisões do país também deveriam ter sido julgados e executados de acordo com estas mesmas leis e provisões e não de qualquer outro modo Por todas estas razões os lordes espirituais e temporais e os comuns humildemente imploram a Vossa Majestade que a partir de agora ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto sem o consentimento de todos manifestado por ato do Parlamento e que nin guém seja chamado a responder ou prestar jura mento ou a executar algum serviço ou encarcerado ou de uma forma ou de outra molestado ou inquietado por causa destes tributos ou da recusa em os pagar e que nenhum homem livre fique sob prisão ou detido por qualquer das formas acima indicadas e que Vossa Majestade haja por bem retirar os soldados e marinheiros e que para futuro o vosso povo não volte a ser sobrecarregado e que as comissões para aplicação da lei marcial sejam revogadas e anuladas e que doravante ninguém mais possa ser incumbido de outras comissões semelhantes a fim de nenhum súdito de Vossa Majestade sofrer ou ser morto contrariamente às leis e franquias do país Tudo isto rogam os lordes espirituais e temporais e os comuns a Vossa majestade como seus direitos e liberdades em conformidade com as leis e provisões deste reino assim como rogam a Vossa Majestade que se digne declarar que as sentenças ações e processos em detrimento do vosso povo não terão conseqüências para futuro nem servirão de exemplo e que ainda Vossa Majestade graciosamente haja por bem declarar para alívio e segurança adicionais do vosso povo que é vossa régia intenção e vontade que a respeito das coisas aqui tratadas todos os vossos oficiais e ministros servirão Vossa Majestade de acordo com as leis e a prosperidade deste reino A revolta explodiu em 1637 tendo por estopim a tentativa de intervenção do rei Carlos I na Igreja Presbiteriana da Escócia visando impor o culto anglicano A luta com os escoceses durou três anos e para combatêlos Carlos I foi obrigado a convocar o Parlamento pois esta era a única maneira de obter mais recursos O grupo de parlamentares de oposição ao rei aproveitouse da situação e tentou impor novamente a Petição de Direitos Carlos I tentou fechar o Parlamento que foi protegido pelos parlamentares e pela população de Londres era a Revolução Puritana que iniciava um processo que culminaria com o fortalecimento do parlamentarismo como sistema de governo e o enfraquecimento do poder real ao ponto de tornarse como é ainda hoje meramente figurativo Essa luta acabou dando à Inglaterra um período republicano sob o governo de Oliver Cromwell um membro da pequena nobreza puri tana As leis do período de Cromwell tinham como objetivo principal o fortalecimento econômico da burguesia e da gentry nobreza com interesses burgueses Após a morte de Cromwell a monarquia foi restaurada e também acabaram ressurgindo os problemas entre o rei e o Parlamento No reinado de Carlos II com o objetivo de minimizar os danos causados por antagonismos que geravam violências e prisões indevidas foi redigido o Habbeas Corpus Act em 1679 Habeas Corpus é o instituto jurídico que visa atualmente dar uma garantia individual ao direito de locomoção consubstanciada por uma ordem dada pelo Juiz ou por um Tribunal ao coator com vistas a fazer cessar a ameaça ou coação de liberdade310 A história do Habeas Corpus se inicia no Direito Romano e passa por esses documentos do Statute Law da Inglaterra primeiramente na Magna Carta de 1215 quando afirma que ninguém pode ser preso ou despojado de seus bens senão após julgamento por seus pares e é coroada nesse Ato do Habeas Corpus de 1679311 René David descreve a origem do Habeas Corpus no Direito Inglês O paradoxo é que o procedimento de habeas corpus tinha em sua origem outro objeto Não visava garantir a liberdade dos cidadãos mas sim reforçar a autoridade real diante dos senho res Vinculado à prerrogativa real o procedi mento de habeas corpus não poderia jamais ser instaurado contra medidas de detenção decre tadas em nome do rei por mais arbitrárias que essas medidas pudessem ser312 310 MORAES Alexandre Direito constitucional 8 ed São Paulo Atlas 2000 p 130 311 O instituto do habeas corpus tem sua origem remota no Direito Romano pelo qual todo cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por meio de uma ação privilegiada que se chamava interdictum de libero homine exhibendo Ocorre porém que a noção de liberdade da antiguidade e mesmo da Idade Média em nada se assemelhava com os ideais modernos de igualdade pois como salientado por Pontes de Miranda naquela época os próprios magistrados obrigavam homens livres a prestar lhes serviços MORAES Alexandre Op cit p 129 312 DAVID René O direito op cit p 78 Esse documento protegia os que acusados de algum delito fos sem privados de sua liberdade não eram incluídos os presos sob quaisquer outras acusações Somente um documento posterior datado de 1816 contemplou os que fossem presos sob outras acusações O documento de 1679 indicava que A reclamação ou requerimento escrito de algum indivíduo ou a favor de algum indivíduo detido ou acusado da prática de um crime exceto tratando se de traição ou felonia assim declarada no man dato respectivo ou de cumplicidade ou de sus peita de cumplicidade no passado em qualquer traição ou felonia também declarada no manda to e salvo o caso de formação de culpa ou incri minação em processo legal o lordechanceler ou em tempo de férias algum juiz dos tribunais superiores depois de terem visto cópia do man dato ou o certificado de que a cópia foi recusada concederão providência de habeas corpus exceto se o próprio indivíduo tiver negligenciado por dois períodos em pedir a sua libertação em benefício do preso a qual será imediatamente executória perante o mesmo lordechanceler ou o juiz e se afiançável o indivíduo será solto du rante a execução da providência upon the return comprometendose a comparecer e a responder à acusação no tribunal competente A concessão do habeas corpus era definitiva visto que Quem tiver obtido providência de habeas corpus não poderá voltar a ser capturado pelo mesmo fato sob pena de multa de 500 libras ao infrator Apesar de minimizar as prisões advindas dos antagonismos políticos o Ato do Habeas Corpus não foi uma solução Nem a morte de Carlos II que apenas transferiu os problemas para o reinado de seu irmão Jaime II Diante do impasse político os parlamentares tramaram a queda do rei e ofereceram o trono ao genro dele Guilherme de Orange que inaugurou a era do Parlamentarismo de fato na Inglaterra tão bem ilustrada na frase o rei reina mas não governa Em 1689 foi redigido um documento que laureou esse poder do Parlamento o Bill of Rights Já os seus dois primeiros artigos indicam uma mudança que só será vista no resto da Europa no século seguinte o rei não está acima da lei portanto ninguém pode estar A redação é a seguinte Que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para suspender as leis ou seu cumprimento Que do mesmo modo é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para dispensar as leis ou o seu cumprimento como anteriormente se tem verificado por meio de uma usurpação notória Mais uma vez um documento legal indica como sendo prerrogativa exclusiva do Parlamento quaisquer questões envolvendo impostos Que é ilegal toda cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do Parlamento sob pretexto de prerrogativa ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio313 O Bill of Rights também dá ao Parlamento a exclusividade no controle do exército o que dificulta qualquer intenção de um rei de formar exército próprio para aumentar o seu poder Que o ato de levantar e manter dentro do país um exército em tempo de paz é contrário a lei se não proceder autorização do Parlamento314 O Parlamento passa também a ser o único a ter poder de legislar Que é indispensável convocar com freqüência os Parlamentos para satisfazer os agravos assim como para corrigir afirmar e conservar as leis315 313 Artigo 4o 314 Artigo 6o 315 Artigo 13 O documento afirma também a independência do Parlamento no tocante à eleição de seus membros Que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento Essa liberdade não deve ser confundida com uma eleição onde todos podem votar pois ainda no século XIX o movimento operário reivindicava o sufrágio universal e na virada para o século XX as mulheres inglesas faziam passeatas para adquirirem o direito de voto O Bill of Rights ainda com vistas a uma maior independência do Parlamento indica que os seus membros teriam imunidade parla mentar em seus discursos Que os discursos pronunciados nos debates do Parlamento não devem ser examinados senão por ele mesmo e não em outro Tribunal ou sítio algum316 Por fim tal documento impõe a moderação para fianças penas e impostos Que não se exigirão fianças exorbitantes im postos excessivos nem se imporão penas demasiado deveras317 3 A Divisão do Direito Inglês Além do Statute Law o Direito inglês conta ainda com a Common Law e a Equity não havendo formalmente como já afirmado uma distinção entre direito público e privado Não há também códigos como os nossos que possam indicar outro tipo de divisão que não entre esses supracitados O Direito inglês é obra das cortes reais Cortes de Common Law e Cortes de Equity que o criaram de precedente em precedente buscando em cada caso a solução que era razoável consagrar318 316 Artigo 9o 317 Artigo 10 318 DAVID René O direito op cit p 12 É portanto um direito forjado por precedentes e não por legis lações estabelecidas por legisladores especificamente Esse proce dimento poderia ser prejudicial ao direito de um país pois se respei tados demasiadamente o direito não evoluiria se pouco respeitado o precedente a legislação poderia tornarse um caos que a impediria de cumprir seu papel319 René David explica como os ingleses conseguiram e conseguem com um direito baseado em precedentes evitar tanto uma quanto outra armadilha A obrigação de seguir os precedentes pode ser proclamada com vigor mas de fato combinase com a possibilidade de estabelecer distinções O juiz seguramente levará em conta em sua de cisão decisões judiciárias anteriormente toma das nunca dirá que algumas dessas decisões tomadas por jurisdições de nível superior ou simplesmente igual a sua foram mal proferidas Mas serlheá possível com freqüência conside rando as circunstâncias dos diversos casos descobrir na lide que lhe foi submetida um elemento particular que não existia ou que não fora considerado nos casos precedentes e que se não lhe permite descartar a regra precedente estabelecida pelo menos lhe possibilita precisa la completála reformulála de maneira que dê ao litígio a solução razoável que ele quer320 A Common Law nasce como a lei comum a todos os ingleses em oposição aos direitos locais feudais Seu aparecimento a partir do século XIII será obra exclusiva dos Tribunais Reais de Justiça também conhecidos pelo nome do local onde inicialmente se estabelecem Tribunais de Westminster 319 A distinção entre a jurisprudência que usamos em países cujo direito é basicamente romano e nos países anglosaxões é indicada por Vicente Ráo É profunda portanto a diferença que separa o valor da jurisprudência inglesa do valor da jurisprudência nos demais países porque enquanto aquela se transforma em direito normativo esta possui exclusivamente o caráter de elemento interpretativo da lei escrita RÁO Vicente O direito e a vida dos direitos 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 132 320 DAVID René O direito op cit p 14 Já a Equity nasceu da necessidade criada pela própria limitação da Common Law quando após um período de grande desenvolvimen to se estagnou não totalmente mas a ponto de não conseguir suprir a questão mais cara para a Justiça inglesa a questão da razoabilidade Portanto ambos são direitos formados pela análise caso a caso fixados em um respeito relativo aos precedentes Então o que os di ferencia A princípio a Equity eram as regras de jurisdição especial for madas no Tribunal de Chancelaria através de recursos de casos não bem solucionados nos Tribunais Reais de Justiça Entretanto a partir da segunda metade do século XIX pelos Judicatures Acts as distin ções entre os tribunais e suas atribuições foram formalmente abo lidas321 Vicente Ráo explicita a diferença entre Statute Law Common Law e a Equity É lícito afirmar em conseqüência que a common law formalmente se apresenta como um direito jurisprudencial mas substancialmente e por sua origem corresponde a um direito costumeiro con sagrado e perpetuado pela jurisprudência Dentro desse regime a lei statute law constitui em relação ao direito comum e em certo sentido um direito especial que só disciplina restrita mente as matérias que contempla e só em rela ção a estas matérias prevalece afastandose da common law que é o direito geral A equity caracterizouse de início não só como um meio de atenuar as regras do direito comum e do direito estatutário senão também como modo de evitar a sua imobilidade tendendo pois a facultar a evolução do direito322 321 DAVID René Os grandes op cit passim 322 RÁO Vicente Op cit p 134 CAPÍTULO X DA MONARQUIA ABSOLUTA AO ILUMINISMO 1 O Absolutismo Monárquico O Processo histórico que desenvolveu o Antigo Regime marcado pelo capitalismo comercial política mercantilista sistema colonial e Absolutismo Monárquico foi longo e tem suas origens na Idade Média quando começam a renascer o comércio o monetarismo e a busca por centralização política É necessário destacar também que embora a centralização tenha modificado a estrutura fragmentada de poder feudal não é uma ruptu ra completa com esse modelo É antes de tudo uma continuidade uma mudança para manutenção Segundo Perry Anderson Essencialmente o absolutismo era apenas isto um aparelho de dominação feudal recolocado e reforçado destinado a sujeitar as massas cam ponesas à sua posição social tradicional em outras palavras o Estado Absolutista nunca foi um árbitro entre a aristocracia e a burguesia e menos ainda instrumento da burguesia nascente contra a aristocracia ele era a nova carapaça política de uma nobreza atemorizada323 Para exercer o poder os séculos posteriores a esse início de centralização demonstraram que era necessário suprir várias necessidades da formação de um Estado Para a formação deste e seu efetivo controle era preciso obter uma força de coerção para tanto faziase necessário ter exército próprio e permanente nesse sentido o exército medieval não mais servia Para obter e manter um exército próprio e permanente o rei deve ria buscar conseguir meios econômicos Logo primordial se tornou 323 ANDERSON Perry Linhagens do Estado Absolutista 2 ed São Paulo Brasiliense 1989 p 18 tributar os súditos de forma a conseguir ter um fluxo de dinheiro suficiente para essa força de coerção e para o pagamento de uma burocracia já que sem ela ficava impossível tributar Por fim era impossível centralizar o poder sem centralizar também a Justiça e racionalizar a burocracia Mesmo Hammurabi rei da Babilônia do século XVIII aC sabia que este era um caminho seguro para a centralização324 No caso do Estado Moderno muitos processos concomitantes auxi liaram nesse sentido Um deles foi o Renascimento do Direito Romano ocasionado principalmente pelo surgimento de Universidades e por conseguinte de juristas com a formação no Direito Romano Até porque segundo Anderson Os Estados Absolutistas ocidentais fundamen tavam seus novos objetivos em precedentes clássicos o direito romano era a mais poderosa arma intelectual disponível para o seu programa característico de integração territorial e centra lismo administrativo325 O melhor exemplo histórico de Absolutismo na mais profunda acepção da palavra que encontramos é o da França do século XVII que é chamada não sem razão de A França de Luis XIV que não somente afirmou que o Estado era ele como entrou para História com o humilde apelido de Rei Sol já que tudo girava em torno dele Para uma melhor compreensão do Estado Absolutista das críticas a este e das Revoluções resultantes analisemos rapidamente o reinado do Sol 11 A França de Luis XIV Luis XIV governou a França por mais de meio século 1661 a 1715 e seu reinado foi um exemplo de centralização de poder embora não possamos afirmar o mesmo em termos de prosperidade do país Quando Luis XIV morreu a França embora tivesse alguns bolsões de prosperidade estava arruinada e sua população tinha 10 a menos que antes de seu reinado 324 Conferir no Capítulo As Primeiras Leis Escritas e o Código de Hammurabi neste livro 325 ANDERSON Perry Op cit p 27 Tamanha centralização era justificada por teorias que buscavam explicar o Absolutismo ou mesmo foram utilizadas por este mesmo quando somente tentavam justificar a necessidade do Estado Um dos pioneiros dessas teorias acerca do Absolutismo foi o italiano Nicolau Maquiavel 14691527 que em sua obra O Príncipe ensinava o governante a conquistar o poder e mantêlo Maquiavel é bastante discutido até hoje porque a maioria das pessoas o considera imoral porque para ele os fins justificam os meios assim o governante para manterse no poder pode e deve mentir matar cometer outros crimes fraudar em suma pode qualquer coisa O Inglês Thomas Hobbes 15881679 buscou entender como e por que o Estado se formou dessa forma ele acabou justificando o poder centralizado nas mãos de um só No seu livro Leviatã argumenta que antes do surgimento do Estado os homens embora livres e até por isso mesmo estavam em permanente estado de guerra a isso Hobbes chamou de Estado de Natureza Para evitar a destruição total para sobreviver os homens teriam feito um pacto um acordo através do qual um deles passaria a governar evitando a desordem e a matança indiscriminada entre eles O poder do rei seria então resultado deste pacto Nas palavras do próprio Thomas Hobbes A única maneira de instituir um tal poder co mum capaz de defendêlos das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns contra os outros garantindolhes assim uma segurança sufi ciente para que mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra possam alimentarse e viver satisfeitos é conferir toda sua força e poder a um homem ou a uma assembléia de homens que possa reduzir suas diversas von tades por pluralidade de votos a uma só vontade 326 Com relação à lei Hobbes considera que ela tem como fonte a vontade do rei porque esta reuniria todas as vontades Ele chega ao ponto de excluir os costumes como fonte Para ele a lei é o comando 326 HOBBES Thomas Leviatã São Paulo Nova Cultural 1988 p 200 de uma pessoa cuja decisão constitui uma razão suficiente para obe decerlhe327 A teoria mais utilizada pelos monarcas absolutistas e seus seguidores para justificar tamanho poder foi dada pelo Bispo Jacques Bossuet autor de Política Extraída da Sagrada Escritura Nessa obra afirma que a autoridade do rei é sagrada pois emana de Deus A partir dessa afirmação popularizouse a ideia de que o rei é rei porque Deus quis e se é da Vontade Divina não deve haver nenhum tipo de discussão acerca do assunto porque seria no mínimo um pecado Na França essa Teoria permeou a mentalidade do povo por séculos nas palavras de Jacques Corvisier Na consciência coletiva os reis sagrados un gidos pelo Senhor dotados de poder de curar as escrófulas não são completamente leigos A sagração é o casamento que contratam com a França esposa mística e a mais privilegiada escreve Le Bret Aliás Luis XIV fez a distinção entre sua pessoa e o Estado Teria dito O Estado sou eu mas declarou em seu leito de morte Eu me vou mas o Estado permanecerá sempre Admitese que o rei não tem a propriedade mas a soberania do Estado Enfim os contemporâneos consideravam como o mistério da monarquia o fato de Deus conceder ao rei a graça especial de pôr a vontade real em conformidade com o bem público Serão precisos todo o século XVIII abu sos e o despertar de idéias de controle da monarquia para que os franceses mudem de opinião328 Luis XIV governou praticamente sozinho dissolveu o Conselho de Estado e recrutou alguns ministros dentre os burgueses Buscou amainar o descontentamento dos nobres que ficaram em seu governo quase sem função prática formando uma corte que chegou a ter seis mil pessoas no Palácio de Versailles construído por ele para esse fim 327 HOBBES apud MACEDO Silvio de História do pensamento jurídico 2 ed Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1997 p 66 328 CORVISIER J História moderna 3 ed São Paulo Difel 1983 p 278 A organização social durante o reinado de Luis XIV era baseada totalmente na distinção social essa distinção era visível nos lugares que cada pessoa podia tomar nas igrejas nas cerimônias etc A desi gualdade deveria ser tão aparente quanto possível e até mesmo os tecidos eram destinados exclusivamente a determinadas ordens Nesse sentido a seda era exclusiva dos nobres a casimira aos bur gueses a sarja o algodão e o linho aos artesãos independentemente da riqueza de cada indivíduo329 No dia a dia no âmbito da polícia e da justiça o absolutismo do Rei Sol apareceu também de forma clara Antes da Reforma da Justiça de Luis XIV os privilégios nesse setor eram tantos que os tribunais esta vam se sobrepondo e as prerrogativas principalmente do clero impe diam a centralização do poder de justiça nas mãos de quem quer que fosse O Conselho de Reforma da Justiça que nas reuniões contava muito com a presença do rei terminou sua tarefa com a Ordenação Civil de 1667 que somada com Ordenação Criminal de 1670 formou o Código Luis Todos os tribunais foram reunidos ao do rei e concomitantemente foi criado o cargo de tenente da Polícia que acabou por reunir quase todas as polícias de Paris esse cargo posteriormente passou a se chamar a ser o de TenenteGeneral de Polícia passando então a ser responsável pelo julgamento em última instância os mendigos vagabundos vadios etc em caso de flagrante delito Essa reforma não conseguiu acabar e provavelmente esta nem era objetivamente a intenção como parece ter sido a centralização com os privilégios de foro Assim afirma Wilhelm Assim é que os oficiais do exército e suas famílias dependiam para os casos de honra do Tribunal dos Marechais de França os padres em determinados casos apelavam ao Tribunal da Provisória em Roma para os financistas em certas circunstâncias apenas o Conselho das Finanças era competente Atores e atrizes do teatro do rei escapavam à justiça regular do 329 Os nobres poderiam ser de espada ou sangue se nobres de ascendência nobre ou togados se burgueses que adquiriam o título de nobreza Estes últimos eram geralmente objeto de escárnio tanto de nobres de espada quanto de burgueses soberano e podiam ser mandados para a prisão do FortlEvêque por meio de ordens régias por simples decisão do primeiro gentilhomem da Câmara a quem estavam subordinados Por fim os diretores do Hospital Geral tiveram desde a fundação da entidade em 1656 todos os poderes de justiça e polícia tanto dentro como fora sobre os mendigos e miseráveis podendo encerrálos em seus diversos estabelecimentos Michel Foucault observa com razão que o Hospi tal Geral é um estranho poder que o rei estabe lece entre a polícia e a justiça nos limites da lei a terceira ordem da repressão As ordens régias enfim que emanavam somente do rei permitiam encarcerar sem julgamento e sem limite previsto de tempo muitos culpados ou presumidos como tal Elas serão usadas em larga escala durante o reinado330 Embora não houvesse pena de prisão as prisões francesas da época viviam superlotadas o tenente civil e o tenente general podiam mandar prender imediatamente autores de quaisquer infrações mesmo as sem gravidade Estes deveriam ser julgados nos dias poste riores entretanto muitas vezes ficavam presos por longos períodos sem julgamento As prisões eram também efetuadas por ordem do rei chamadas ordens régias mas era necessária outra ordem régia para a soltura e como não havia prazo de detenção nestas ordens o prisioneiro poderia ficar preso por um longo período As condições dos prisioneiros eram abomináveis eles eram mal alimentados visto que sobreviviam de coletas de donativos feitas em seu benefício Os que deveriam tomar conta dessa situação não o faziam porque nas palavras ainda de Wilhelm O governador da prisão havia na verdade arren dado seu ofício recebia uma soma fixa por pri sioneiro e era encarregado de lhe oferecer roupas e alimentação bem como de pagar os carcereiros 330 WILHELM Jacques Paris no tempo do rei sol São Paulo Companhia das Letras 1988 p 236 s Mas estes na verdade não recebiam nada dele e empregavam os procedimentos mais atrozes para arrancar algum dinheiro aos prisioneiros Como a pensão paga pelo rei era de apenas quatro soldos por dia sem levar em conta as eventuais altas dos preços os infelizes ficavam reduzidos à ajuda de seus próximos ou à caridade pública Tudo podia ser comprado mas não se conseguia nada sem pagar Os próprios escrivãos só deixavam os libertados saírem contra moeda sonante As con dições de higiene eram assustadoras Os magis trados encarregados de inspensionar as pensões não iam lá331 2 O Iluminismo e as Críticas ao Estado Absolutista No século XVIII uma parte da intelectualidade da Europa reagiu ao Absolutismo Monárquico e tudo o que o acompanhava Essa reação teve o nome de Iluminismo ou Época das Luzes O Iluminismo pode ser definido a priori como um Movimento inte lectual que tinha por característica uma confiança absoluta no pro gresso e principalmente na razão que desafiou em seu século e por sua atualidade às vezes continua desafiando a autoridade e incentivou o livre pensamento como meio de alcançar o objetivo principal dos iluministas a felicidade humana Essa confiança absoluta no progresso podia ser sentida nos avan ços científicos e tecnológicos Os astrônomos conseguiram nessa época determinar a distância da Terra à Lua a forma de nosso planeta aperfeiçoaram o telescópio e descobriram um novo planeta Urano e novos satélites de Saturno Os físicos inventaram o termômetro de mercúrio e estudaram os fenômenos elétricos Inventaram o condensador a pilha e outros cien tistas criaram uma nova ciência a Química A botânica a geologia a cartografia também tiveram impulso Tudo parecia concorrer para um avanço infinito do que era possível o homem descobrir e fazer332 331 Ibidem p 250 332 CHASSOT Attico A ciência através dos tempos São Paulo Moderna 1994 passim Esses homens iluministas não criaram suas ideias muitas delas brilhantes do nada De fato eles são herdeiros do Renascimento e principalmente da Revolução Científica do século XVII333 O movimento de uma forma geral é conhecido como Ilustração e pode ser visto sob vários ângulos Do ponto de vista político os Iluministas partindo do individualismo propunham uma cidadania centrada na liberdade e na defesa burguesa da Propriedade A cidadania defendida pelos filósofos do Iluminismo partia das concepções da Antiguidade Clássica334 afirmando que a resposta para o porquê do indivíduo renunciar a certos direitos em nome da vida social era uma criação artificial através de um pacto social um contrato335 Os iluministas buscaram pensar em termos de cidadania não somente a posição do povo mas também como deveriam ser os gover nantes no exercício do poder do Estado Nesse sentido a vida social é entendida como uma sociedade ou seja uma associação voluntária de homens livres que regulam segundo sua própria razão e em função do próprio interesse o seu convívio Deve ser a lei a organizadora do poder nessa sociedade encarnado agora no Estado Fixando diante de todos e para todos direitos que a força do Estado deve assegurar Por isso a cidadania já não poderá significar aqui o mesmo que para o mundo antigo e medieval e mesmo a isonomia da Antiguidade clássica se revestirá de outro sentido Ela ainda significa a igualdade diante da lei mas agora se aplica a 333 FALCON Francisco J C Iluminismo 3 ed São Paulo Ática 1991 p 06 Sobre os séculos anteriores ao Iluminismo podemos apontar alguns pensadores que muito objetivamente formaram a base intelectual desses homens Durante o século XVII o desenvolvimento de várias noções sobre a ciência e seus métodos racionais sustentou várias reflexões e questionamentos René Descartes 15961650 filósofo e matemático francês foi o precursor do racionalismo Para ele o princípio científico inicial estava baseado na dúvida metódica Bacon 15611626 filósofo e cientista inglês considerava que a verdadeira finalidade da ciência era a de contribuir para o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida do homem Locke 16321704 filósofo inglês foi muito importante para o desenvolvimento das ideias políticas porque questionava o poder inato de origem divina e dava os primeiros passos em direção à ideia de contrato social 334 Segundo o filósofo grego Aristóteles um homem só pode ser realmente bom quando pode utilizar livremente sua faculdade de julgar para realizar escolhas sobretudo éticas 335 Como Hobbes um século antes do Iluminismo todos os homens sem exceção como fundamento da cidadania já que é a base sobre a qual serão fixados os outros direitos que regularão a pos sibilidade de expressão social da diferença entre os homens336 A igualdade como um direito natural só seria realizada segundo o pensamento Iluminista quando reconhecida como um direito positivo garantido por um corpo de leis e pela força do Estado Essas leis deveriam ser feitas pelos cidadãos ou seus representantes porque só através da vontade do povo como fundamento da Nação poderia conferir legitimidade ao poder político337 O Estado para atingir esses objetivos e para ser representante real dos cidadãos que compõem a Nação não poderia seguir o modelo do Antigo Regime pautado no Absolutismo Monárquico A proposta ilu minista de Montesquieu para esse problema é a ideia mais difundida desses filósofos na atualidade os três poderes Segundo o próprio Montesquieu Há em cada Estado três espécies de poderes o poder Legislativo o poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o Executivo Judiciário das que dependem do direito civil Pelo primeiro o príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab roga as que são feitas Pelo segundo faz a paz ou a guerra envia ou recebe embaixadas estabelece a segurança previne as invasões Pelo terceiro pune os crimes ou julga as querelas dos indiví duos Chamaremos este último o poder de julgar e o outro simplesmente o poder Executivo do Estado Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder Legislativo está reunido ao poder Executivo não existe liberdade pois pode 336 QUIRINO Célia Galvão MONTES Maria Lúcia Constituições brasileiras e cidadania São Paulo Ática 1987 p 24 337 Essa ideia pode ser vista claramente nas Declarações da Revolução Francesa e nas Constituições Modernas que sempre afirmam que todo poder emana do povo se temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executálas tiranicamente Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder Legislativo e do Executivo Se estiver ligado ao poder Legis lativo o poder sobre a vida e a liberdade dos ci dadãos seria arbitrário pois o juiz seria legis lador Se estivesse ligado ao poder Executivo o juiz poderia ter a força de um opressor338 Montesquieu baseavase na ideia de contrato social de Rousseau para a viabilização do Estado nesse sentido a ideia de Representação era primordial Não seria possível um Estado não ser absolutista sem que este fosse produto representativo da Vontade Nacional 339 Os iluministas foram grandes pregadores da Liberdade Individual e defenderam a propriedade com igual vigor Eles também pregavam a igualdade mas esta para eles não era manifesta através de uma igualdade total inclusive de bens materiais Para eles os homens mesmo os mais pobres seriam livres e iguais simplesmente se pudes sem escolher para quem trabalhar Assim o trabalho seria equiparado a um bem como o capitalismo o faz até hoje Eles afirmaram Todos os camponeses não serão ricos e não é preciso que o sejam Carecemos de homens que tenham seus braços e boa vontade Mas até estes homens que parecem o rebotalho da sorte participarão da felicidade dos outros Serão livres para vender seu trabalho a quem quiser pagálos melhor A liberdade será sua propriedade A esperança certa de um justo salário os susten tará Com alegria educarão sua família em seus ofícios laboriosos e úteis Essa classe de homens 338 MONTESQUIEU Do espírito das leis São Paulo Abril Cultural 1985 p 148 e ss 339 Por isso as teorias constitucionais modernas vão além de Montesquieu e colocam o Legislativo em um patamar de importância vital para o estabelecimento dos Estados Nacionais Modernos Isso decorre do fato de que pelo intermédio do Legislativo no dia a dia os representantes do povo em um Parlamento ou Congresso Nacional elaboram leis ordinárias que moldam o Estado e acabam por representar a soberania da Nação tão desprezível aos olhos dos poderosos cons titui o principal celeiro de soldados Assim do cetro à foice e ao cajado tudo se anima tudo prospera tudo ganha força nova graças a uma única mola340 Outros Iluministas como Rousseau defendiam a democracia como realização do Contrato Social manifestada pelo voto que dessa forma daria a verdadeira soberania ao povo Os governos representantes desses eleitores o povo deveriam refletir sempre a vontade destes341 Sobre o contratualismo e a teoria de Rousseau afirma Miguel Reale Na pena de Rousseau o contrato social é uma idéia que não se põe como pressuposto lógico de filósofo mas como arma de reformador político Daí a necessidade que ele sente de argumentar dando vistos de historicidade ao que é apenas conjetural pintando o estado natural primevo e o contrato social segundo o que psicologicamen te estava mais de acordo com as aspirações e as necessidades coletivas de sua época342 Rousseau explicava a soberania do Estado e tudo mais através do Contrato social nesse sentido também encontrava a explicação para a lei Essa explicação foi a base da teoria de Cesare Beccaria que ve remos no ponto a seguir portanto vale a pena vermos a explicação de Chevalier sobre as ideias de Rousseau acerca das leis A Lei a seus olhos participa verdadeira mente do caráter sagrado tem por ela religioso 340 VOLTAIRE DIDEROT Voltaire e Diderot São Paulo Nova Cultural 1988 p 188 341 Há ainda os Philosophes falidos ou os Rousseau de sarjeta que muito embora não tenham logrado sucesso na vida muito contribuíram para a popularização dos ideais iluministas Pelas obras desses homens que com menos compromisso que os Iluministas renomados podiam atacar a tudo e a todos tanto quanto quisessem e por causa do tom informal se expressavam através de livretos panfletos edições de baixa qualidade traduzido muitas vezes pelo humor pornografia sensacionalismo ou drama de suas obras eles conseguiram alcançar pessoas de várias camadas sociais principalmente aquela maioria que não teria o menor interesse em entender a linguagem rebuscada do nobre Montesquieu 342 REALE Miguel Horizontes do direito e da história 3 ed São Paulo Saraiva 2002 p 132 respeito Só à lei se devem a justiça e a liberdade Só ela permitiu subjugar os indivíduos para tornálos livres encadearlhes a vontade com a sua própria autorização fazer valer o seu consentimento contra a sua recusa343 3 Cesare Beccaria No mesmo diapasão dos Iluministas e fazendo parte desse grupo estava um rapaz italiano advogado de formação Cesare Beccaria posteriormente o Marquês de Bonesana um homem que acabou por traduzir para o mundo jurídico o que os pensadores da época so nhavam para o mundo Dessa forma não é possível pensar em Estado de Direito que nos é tão caro hoje em dia sem os Iluministas sem Beccaria bem como não é possível pensar nem o direito penal moder no nem a noção de direitos individuais sem sentir a presença constante desse italiano ao mesmo tempo idealista e objetivamente realista Ele nasceu em Milão em 1738 e teve uma educação jesuítica Obteve seu diploma em Jurisprudência mas nunca se desligou da base que os estudos com os jesuítas a filosofia e a literatura per meavam seu pensamento e suas atitudes Ao que consta além dos estudos e das ideias iluministas muito influenciou esse italiano a temporada passada nas masmorras patro cinada por seu pai que não queria que ele casasse com uma deter minada senhorita 344 Aos 25 anos de idade escreveu a obra que o tornaria um homem a ser admirado por todos os que concordam com a Justiça o livro Dos Delitos e das Penas Nele o jovem fez o que os Iluministas como ele faziam traduziu a realidade que não concordava e através da razão buscou soluções práticas são estas as bases do direito penal moderno Ele buscou a partir da concepção do Pacto Social saídas para as injustiças patentes do sistema penal de sua época Esse 343 CHEVALIER JeanJacques As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias 5 ed Rio de Janeiro Agir 1990 p 171 344 Conferir a Nota introdutória intitulada Sobre Beccaria da tradução de Cretella Junior e Agnes Cretella do Livro Dos Delitos e das Penas editado pela Revista dos Tribunais sistema era o mesmo desde a Idade Média praticamente não ten do mudado Os juízes tinham poderes absolutos a legislação não era clara o grande objetivo do processo era fazer o réu confessar porque era considerado um bom termo O que se fazia para chegar a esse fim era mero detalhe A igualdade de todos perante a lei era ideia morta do Deuteronômio na Bíblia a pena era muitas vezes mais contagiosa que determinadas doenças Todo o sistema funcionava partindo do pressuposto de que o indivíduo desde que acusado era culpado e o pobre sujeito culpado ou não massacrado pela tortura não tinha como provar a sua inocência Conforme Ricardo Campa A obra de Beccaria está impregnada de uma nova consciência jurídica mais do que um rigoroso princípio explicativo da lógica da não violência O chamado Estado de direito não re solve por si só os problemas relativos à autodeter minação individual e à inviolabilidade da pessoa física por parte de alguma autoridade se não for possível justificar proporcionalmente tal prin cípio como o interesse do Estado em salva guardar a integridade física e moral dos seus súditos com o objetivo de garantir à comunida de rousseaunianamente falando a mais ampla e a mais articulada participação possível Do conjunto combinado das contribuições indivi duais a comunidade tira historicamente vanta gens que a perseguição elimina ou não consente nem mesmo que sejam dissimuladas no pacto social345 O que o italiano ousou fazer foi traduzir através da lógica muitas vezes desconcertante outras ainda inocentes o cerne do que consi derava justiça que no final acabou contaminando o Ocidente e tornouse a base do que chamamos hoje Direitos Individuais 345 CAMPA Riccardo Prefacio In BECCARIA C Dos delitos e das penas Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro B Contessa São Paulo Martins Fontes 1998 p 17 31 As Ideias de Cesare Beccaria a Sobre a Lei e as Penas em Geral Cesare Beccaria era adepto das ideias Iluministas de Pacto Social comungava com aqueles que consideravam que o homem teria sido a princípio obrigado a abrir mão de uma parte de sua liberdade a fim de não sucumbir sob sua própria brutalidade Seguindo esse raciocínio considerava que as leis deveriam ser pactos entre homens livres embora pensasse também que a seu tempo as leis não passassem de instrumentos das paixões de uns poucos346 Sobre a questão do Pacto social em Beccaria Campa afirma A doutrina pactual do Estado à qual adere Beccaria baseiase no pressuposto de que o indivíduo prefere à plena mas virtual liberdade natural a liberdade política que é aquela parte da liberdade natural garantida pelo consenso de todos os membros da comunidade social A ordenação pactual habilita cada cidadão a de sempenhar o papel de ator político e lhe confere direitos e deveres que podem ser continuamente negociados isto é legitimados através de debate ideológico e de consenso347 Leis e penas seriam fruto da necessidade do próprio convívio social que foi efetivado e tornado realidade através de um pacto Assim Beccaria considerava que as penas somente deveriam existir por necessidade e ainda que estas deveriam ter por medida o dano provocado pelo ato delituoso à Nação e não a intenção ou mesmo a sede de vingança da vítima ou de seus parentes348 A finalidade das penas deveria ser portanto a proteção da sociedade e não a desforra o desagravo bem como deveria visar desencorajar outros de cometerem delitos 346 BECCARIA C Dos delitos e das penas Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro B Contessa São Paulo Martins Fontes 1998 p 39 347 CAMPA R Prefacio IN BECCARIA C Op cit p 12 348 Ibidem p 53 O fim pois é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo É pois necessário escolher penas e modos de infligilas que guardadas as proporções causem a impressão mais eficaz e duradoura nos espíritos dos homens e menos penosa na pessoa do réu349 As penas deveriam ser proporcionais aos delitos um crime mais ofensivo à sociedade deveria ter maior pena que um que cause menor dano Beccaria é objetivo deve haver pois uma proporção entre os delitos e as penas Damásio explica esse princípio que é aplicado até os dias de hoje da seguinte forma Chamado também princípio da proibição de excesso determina que a pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato Significa que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor Daí dizerse que a culpabilidade é a medida da pena350 A justificativa do pensador italiano para essa questão de proporção é bastante interessante Se o prazer e a dor são a força motora dos seres sensíveis se entre os motivos que impelem os homens às ações mais sublimes foram colocados pelo Legislador invisível o prêmio e o castigo a distribuição desigual destes produzirá a contra dição tanto menos evidente quanto mais é comum de que as penas punem os delitos que fizeram nascer Se uma pena igual é destinada a dois delitos que ofendem desigualmente a socie dade os homens não encontrarão um obstáculo forte o suficiente para não cometer um delito maior se dele resultar uma vantagem maior351 349 Ibidem p 62 350 JESUS Damásio E Direito Penal 23 ed Vol 1 São Paulo Saraiva 1999 p 11 351 BECCARIA C Op cit p 52 Comungando das ideias de Montesquieu o italiano Beccaria considera prudente para uma maior proximidade com o objetivo que é a Justiça haver a separação entre poderes instruindo ser vital que somente legisladores façam leis e nelas é primordial que haja a previsão da pena dessa forma crime e pena somente devem existir caso haja previsão legal anterior É o que hoje é chamado de Princípio da Legalidade ou Princípio da Anterioridade da Lei352 Ele afirma só as leis podem decretar as penas dos delitos e esta autoridade só pode residir no legislador que representa toda a sociedade unida por um contrato social 353 Indo contra a legislação de quase toda a Europa que considerava um crime de maior monta cometer um ato delituoso contra um bem nascido Beccaria afirmou Outros avaliam os delitos mais pela dignidade da pessoa ofendida que por sua importância em relação ao bem público Se fosse essa a verda deira medida dos delitos uma irreverência para com o Ser dos seres deveria punirse mais seve ramente do que assassínio de um monarca dado que a superioridade da natureza divina compen saria infinitamente a diferença da ofensa354 Outro princípio interessante coroado pelo Italiano é aquele que podemos chamar de O Princípio do Princípio de Justiça que é o da Igualdade Beccaria considera baseado nas diferenças sociais de sua época A quem disser que a pena aplicada ao nobre e ao plebeu não é realmente a mesma em virtude da diversidade da educação e da infâmia que se derrama sobre uma e ilustre família responderei 352 No Brasil a Constituição Federal de 1988 no artigo 5o inciso XXXIX afirma Não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal O mesmo texto pode ser visto no Código Penal Brasileiro em seu artigo 1o 353 BECCARIA C Op cit p 45 354 Ibidem p 53 que não se medem as penas pela sensibilidade do réu mas sim pelo dano público tanto maior quanto é ocasionado pelo mais favorecido que a igualdade das penas só pode ser intrínseca dife rindo realmente em cada indivíduo e a infâmia de uma família inocente pode ser cancelada pelo soberano com demonstrações públicas de bene volência355 Ainda sobre as penas afirma ser necessário que os juízes e em um sentido mais estrito ninguém a não ser quem legisla não possam interpretálas mas aponta como pior que a interpretação os males causados pela obscuridade das leis b Sobre as Penas Cruéis e a Pena de Morte Como para Beccaria a pena deveria antes de tudo ser pensada por sua utilidade sendo somente aplicável aquelas cujo proveito a sociedade poderia usufruir a crueldade das penas impostas em sua época levou o pensador a indicar um caminho oposto ao em uso Para ele penas cruéis não eram garantia de alcançar os objetivos de leis e penas que foram indicados anteriormente356 Para o iluminista Um dos maiores freios aos delitos não é a crueldade das penas mas sua infalibilidade e em conseqüência a vigilância dos magistrados e a severidade de um juiz inexorável a qual para ser uma virtude útil deve vir acompanhada de uma legislação suave A certeza de um castigo mes mo moderado causará sempre a impressão mais intensa que o temor de outro mais severo aliado à esperança de impunidade pois os males mes 355 Ibidem p 83 A Constituição Federal de 1988 afirma em seu artigo 5o caput Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza 356 A Constituição Federal Brasileira de 1988 indica em seu artigo 5o inciso XLVII alínea e que não haverá penas cruéis embora o nosso sistema carcerário não possa ser adjetivado de outra forma mo os menores se são inevitáveis sempre es pantam o espírito humano enquanto a espe rança dom celestial que freqüentemente tudo supre em nós afasta a idéia de males piores principalmente quando a impunidade concedida amiúde pela venalidade e pela fraqueza fortalece a esperança357 Beccaria acrescenta que a crueldade das penas leva a duas consequências a primeira é que penas cruéis levam a impossibilidade de se ter a proporção entre delitos e penas o que pode acarretar os danos já indicados a segunda é que penas cruéis servem de espe táculo público e como tal são passageiros levando portanto a um esquecimento mais rápido o que não ocorreria caso houvesse um sistema de penas358 A infalibilidade da pena indicada pela citação anterior também é entendida por Beccaria como devendo ser algo o mais imediato possível Para o autor a pena deve ser aplicada o mais rápido possível para que a justiça e a utilidade sejam alcançadas Coroando todo um raciocínio de utilidade e proteção da Nação Beccaria condena veementemente a pena de morte indicando com impetuosidade Se no entanto eu demonstrar que a morte não é nem útil nem necessária terei vencido a causa da humanidade359 Ainda baseado na teoria do Pacto questiona Qual será o direito que os homens se reservam de trucidar seus semelhantes Mas quem será o homem que queira deixar a outros o arbí trio de matálo Como pode haver no menor sacrifício da liberdade de cada um o do bem maior de todos a vida E se assim fosse como se coaduna tal princípio com o do outro de que o homem não pode matarse Não deveria ele ter esse direito se pôde atribuílo a outrem ou à sociedade inteira360 357 BECCARIA C Op cit p 92 358 Ibidem p 93 359 Ibidem p 95 360 Ibidem p 94 No pensamento do iluminista só existem dois motivos que podem dar à morte uma característica de necessidade se o indivíduo mesmo privado de sua liberdade for uma ameaça à segurança nacional ou se a existência do sujeito puder levar a uma revolução perigosa para a forma de governo estabelecida361 Em contrapartida defende a prisão perpétua mesmo porque para Beccaria Para que uma pena seja justa só deve ter aque les graus de intensidade que bastem para dissuadir os homens dos delitos ora não há nin guém que refletindo a respeito possa escolher a perda total e perpétua da própria liberdade por mais vantajoso que um delito possa ser assim a intensidade da pena de escravidão perpétua substituindo a pena de morte contém o que bas ta para dissuadir o espírito mais determi nado362 c Do Processo Em sua época como em anteriores como vimos em outros capí tulos Cesare Beccaria e seus contemporâneos conviviam com Pro cessos Penais duros cruéis e estúpidos Esses processos eram cerca dos de derramamento de sangue dores e injustiça Em seu livro o italiano colocase contra a tortura no processo como meio de obtenção de prova leiase confissão Para ele isso é estéril não somente pela falta de humanidade de tal ato como também porque este é o meio seguro de absolver os celerados vigorosos e de condenar os inocentes fracos363 Com uma certa dramaticidade ele defende a nãoutilização da tortura 361 Ibidem p 94 362 Ibidem p 97 363 O art 5o da Constituição Federal prevê que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante inc III bem como que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura por eles respondendo os mandantes os executores e os que podendo evitálos se omitirem MORAES Alexandre de Direito Constitucional 8 ed São Paulo Atlas 2000 p 69 A lei que ordena a tortura é uma lei que diz Homens resisti à dor e se a natureza criou em vós um inextinguível amorpróprio se ela vos deu o direito inalienável de vos defenderdes desperto em vós o sentimento contrário o ódio heróico de vós mesmos e ordeno que sejais vossos próprios acusadores e que digais a verdade ainda que vos dilacerem os músculos e vos quebrem os ossos364 O uso de meios violentos para a obtenção da confissão do réu é injusto também na visão de Beccaria porque parte de um pressuposto que fere de morte um princípio de justiça humanidade e proteção individual que se não utilizado inverte de forma imoral o papel da Justiça e do Processo Esse princípio é aquele chamado In Dubio Pro Reo que indica que o indivíduo somente pode ser considerado culpado após ser provada a sua culpa e após ser condenado365 No século XVIII e durante toda a Idade Moderna e Média o prin cípio usual era o In Dubio Pro Societate ou seja em havendo qualquer possibilidade de o réu ser culpado este deveria ser condenado como forma de proteção à sociedade Para a condenação de um indivíduo de forma justa e conservando o princípio da presunção de inocência Beccaria indica os tipos de prova e analisaos de forma a apontar quais seriam as provas eficazes para uma condenação baseada no princípio de justiça366 364 BECCARIA C Op cit p 75 365 Este princípio não é utilizado de forma absoluta no Direito Penal brasileiro conforme os argumentos de Mirabete Como conseqüência direta do princípio do devido processo legal instalouse na doutrina e nas legislaçoes e denominado princípio da presunção de inocência Nesses termos haveria uma presunção de inocência do acusado da prática de uma infração penal até que uma sentença condenatória irrecorrível o declarasse culpado De tempos para cá entretanto passouse a questionar tal princípio que levado às ultimas conseqüências não permitiria qualquer medida coativa contra o acusado nem mesmo a prisão provisória ou o próprio processo Por que admitirse um processo penal contra alguém presumidamente inocente Além disso se o princípio trata de uma presunção absoluta iuris et de iuri a sentença irrecorrível não a pode eliminar se trata de uma presunção relativa iuris tantum seria ela destruída pelas provas colhidas durante a instrução criminal antes da própria decisão definitiva MIRABETE Julio Fabbrini Processo Penal 13 ed São Paulo Atlas 2002 p 41 366 Ainda em Mirabete podemos ver uma das tipologias de prova aplicadas hoje Inúmeras têm sido as classificações de prova oferecidas pela doutrina e em alguns países pela lei Quanto ao objeto a prova pode ser direta quando por si demonstrar o fato quando dá a certeza deles por testemunhas documentos etc ou indireta quando comprovado um outro fato se permite concluir o alegado diante de sua alegação com o primeiro co As provas podem ser boas para os objetivos que Beccaria propõe quando estas independem uma das outras e podem ser ruins quando há indícios que somente se provam entre si Assim são classificadas as provas em Dos Delitos e das Penas Podemse distinguir as provas de um crime em perfeitas e imperfeitas Chamo perfeitas as que excluem a possibilidade de alguém não ser culpa do chamo imperfeitas as que não a excluem Das primeiras é suficiente uma só para a condenação das outras são necessárias tantas quantas bas tem para formar uma prova perfeita vale dizer que se com cada uma delas em particular é possível que alguém não seja culpado diante de sua união no mesmo caso é impossível que não o seja Notese que as provas imperfeitas pelas quais o réu pode justificarse e não o faça a contento se tornam perfeitas367 Prova testemunhal considerada por alguns até hoje como primordial e para outros como a prostituta das provas é para Beccaria um ponto importante que deve constar objetivamente na legislação368 Para ele como no Deuteronômio da Bíblia e em quase todas as legislações atuais uma só testemunha não é suficiente369 Além disso para o iluminista o importante é a questão da credibilidade da testemunha Em suas palavras mo na hipótese de um álibi em que a presença comprovada do acusado em lugar diverso do crime permite concluir que não praticou o ilícito Em razão de seu efeito ou valor a prova pode ser plena completa convincente exigida por exemplo para a condenação ou não plena uma probabilidade de procedência da alegação suficiente para medidas preliminares como arresto seqüestro prisão preventiva apreensão etc Ibidem p 258 367 BECCARIA C Op cit p 65 368 Lembra porém E Magalhães Noronha que máxime no processo penal é o testemunho a prova por excelência já que o crime é um fato é um trecho da vida e conseqüen temente é em regra percebido por outro MIRABETE J F Op cit p 305 369 não vigora no nosso direito o brocado testis unus testis nullus Uma só teste munha faz prova bastante para a decisão quando seu depoimento se harmoniza com o mais que se apurar no processo Ibidem p 306 Todo homem razoável isto é que tenha um certo nexo nas suas idéias e cujas sensações sejam conformes às dos outros homens pode ser teste munha A verdadeira medida da sua credibili dade é tãosomente o seu interesse em dizer ou não a verdade razão por que resulta frívolo o argumento da fraqueza das mulheres 370 Assim ele não somente considera que diferenças de nível social não são indicativos de credibilidade o que era comum bem como contrasta argumentos utilizados até muito pouco tempo atrás de que mulheres não seriam testemunhas confiáveis371 A credibilidade da testemunha é para o italiano ao contrário da ideia corrente mesmo hoje inversamente proporcional ao impacto do crime dessa forma a credibilidade de uma testemunha tornase tão sensivelmente menor quanto mais cresce a atrocidade do delito372 Beccaria considera ainda que a lei deve ser clara não pode ser uma ciência que limita o julgamento principalmente o julgamento feito por jurados Ele explica que É utilíssima a lei que faz cada homem ser julgado pelos seus pares pois onde entra em jogo a liberdade e a sorte de um cidadão devem calarse os sentimentos inspirados pela desigualdade Mas quando o delito for uma ofensa a um terceiro então metade dos juízes deverão ser pares do réu metade pares do ofendido É ainda conforme a justiça que o réu possa excluir até certo ponto os jurados que lhe são suspeitos 373 370 BECCARIA C Op cit p 62 371 Jayme de Altavila cita um professor argentino da década de quarenta do século XX que afirma O sexo é outro fator A mulher depõe mais sob o influxo dos sentimentos e paixões do que o homem Sua psique tornase mais irritável por seus estados patológicos normais Sua emoção aumenta em estado de gravidez e além do mais é facilmente sugestionável LEVENE Ricardo Apud ALTAVILA Jayme de Origem do direito dos povos 5 ed São Paulo Ícone 1989 p 70 É interessante salientar que pensamentos como estes que aparecem muitas vezes em nossa cultura esquecem de analisar as guerras que as mulheres não fizeram as brigas de rua que não são provocadas por mulheres e muitos males que são causados pela emoção que é Humana indiferentemente de gênero e por isso é boa se bem conduzida 372 BECCARIA C Op cit p 63 373 Ibidem p 66 Portanto para melhor busca do objetivo que é o ser justo Beccaria adverte que as acusações não devem ser secretas ou seja Que os julgamentos sejam públicos e públicas as provas do delito para que a opinião que é tal vez o único cimento da sociedade ponha um freio à força das paixões para que o povo diga não somos escravos e somos protegidos 374 d Como Prevenir os Delitos Nesse ponto de seu livro Beccaria demonstra que era de fato um pensador não um daqueles alheios à realidade mas um iluminista que como tal buscava soluções racionais que poderiam ser aplicadas independentemente do lugar A premissa da qual parte é a prevenção Assim ele explica É melhor prevenir os delitos do que punilos É este o escopo principal de toda boa legislação que é a arte de conduzir os homens ao máximo de felicidade ou ao mínimo de infelicidade possível conforme todos os cálculos dos bens e dos males da vida375 Com uma visão muito profunda da humanidade o iluminista adverte entretanto que não se previne delitos fazendo uma enorme quantidade de leis não se consegue evitar o delito proibindo tudo que possa levar um indivíduo a cometêlo porque se isso fosse feito seria segundo ele necessário privar o homem do uso dos sentidos376 Para impedir tal estado de coisas ele aconselha Quereis prevenir os delitos Fazei com que as leis sejam claras simples e que toda a força da nação se concentre em defendêlas e nenhuma parte dela seja empregada para destruílas Fazei com que as leis favoreçam menos as classes dos 374 Ibidem p 66 375 Ibidem p 130 376 Ibidem p 131 homens que os próprios homens Fazei com que os homens as temam e temam só a elas O temor das leis é salutar mas o temor de homem a ho mem é fatal e fecundo em delitos377 Uma outra questão importante para o italiano no que diz respeito à prevenção de delitos estava concentrada nos magistrados nas pessoas encarregadas de julgar a população Beccaria afirmou Outro meio de prevenir os delitos é o de inte ressar o colégio executor das leis antes pela observância delas do que pela corrupção Quanto maior o número dos membros que compõem tal colégio menor é o perigo de usurpação das leis porque a venalidade é mais difícil entre os mem bros que se observam uns aos outros 378 Finalmente demonstrando que havia analisado todos os pontos que cercavam suas dúvidas acerca de como prevenir delitos Beccaria não somente aconselhou a dar prêmios para a virtude como também advertiu que nada seria profícuo sem incentivar a ciência e dar ao povo educação esta seria segundo ele o meio mais seguro e mais difícil para prevenir os delitos379 Quando o italiano escreveu sobre essas soluções e quando lemos estas linhas sabemos por que ele é considerado revolucionário mas não entendemos por que depois de tantos séculos essas ideias não foram aplicadas ainda em muitos países 4 Outros Pensadores Criminalistas do Iluminismo Beccaria foi sem dúvida o maior pensador do direito criminal do Iluminismo influenciou a muitos Mas as ideias iluministas não tinham fronteiras e embora os principais iluministas como Montesquieu Rousseau e o próprio Beccaria tenham marcado presença nas ideias de vários homens de sua época e das seguintes outros também pensaram acerca do Direito Penal Analisemos rapidamente alguns deles 377 Ibidem p 131 378 Ibidem p 135 379 Ibidem p 136 JeanPaul Marát 17431793 francês foi atuante na Revolução Francesa escreveu O Plano de Legislação Criminal Plan de Législacion Criminelle no qual critica as consequências injustas do contrato social Para ele os indivíduos que não obtêm da sociedade mais do que desvantagens não estão obrigados à lei As propostas de seu livro são instrução dos pobres e distribuição das terras da Igreja leis justas claras e precisas medidas preventivas para os delitos penas que corrijam o culpado se não for possível as penas devem reterse em favor da sociedade não haver pena de morte um rei não deve ter o direito de matar seus súditos a pena deve surgir da mesma natureza dos delitos Karl F Hommel 17221781 alemão escreveu Recompensa e Pena Conforme as Leis Turcas Ele é o tradutor de Beccaria para o alemão concorda com a maioria das ideias do italiano As principais ideias originais de Hommel são importância das causas sociais do delito supressão e toda dependência teocrática do direito penal diminuição e proporcionalidade entre penas e delitos limitação da pena de morte Manuel de Lardizabal Y Uribe 17391820 mexicano radicado na Espanha publicou Discurso Sobre as Penas Para ele as penas se fundam no contrato social mas o fundamento da legalidade não está no contrato mas na prevenção Ele acrescenta que as leis pressupõem a superioridade de quem a aplica e devem perseguir a utilidade pública de prevenção e melhoramento do delinquente Edward Livingstone 17641836 americano Ele considerava a lei como uma ciência governada por certos princípios Partici pou do processo legislativo de Columbia e os pilares funda mentais de sua legislação foram a abolição da pena de morte e o sistema penitenciário Este último segundo Livingstone deve atuar mais na alma que no corpo para isso o indivíduo que pratica um delito deve ser aprisionado para que sinta a privação de liberdade deve estar em estado de solidão para que reflita trabalhe para prevenir a ociosidade e seja instruído AntoineJosephMichel Servan 17391807 francês Ideias muito próximas às de Beccaria No pensamento de Servan encontramos a distinção entre crime e delito o primeiro seria produto de atos contra as leis naturais o segundo contra a sociedade política A natureza do delito seria para ele o dano público ou social nunca o dano particular A pena deve reparar o dano corrigir e conter no futuro tanto o culpado quanto a quem quiser imitálo Pascoal José de Mello Freire dos Reis 17381789 português Foi muito influenciado por Beccaria e Montesquieu Para Reis a finalidade da pena deve ser corrigir o apenado fazer o melhor aos outros separar os maus dos bons para que estes últimos vivam mais tranquilos380 380 ASÚA L Jiménez de Tratado de derecho penal 4 ed Buenos Aires Losada 1971 passim CAPÍTULO XI AS REVOLUÇÕES ESTADOS UNIDOS E FRANÇA NO SÉCULO XVIII 1 A Independência dos EUA 11 Introdução O rompimento dos laços coloniais efetuados pela Independência dos Estados Unidos da América do Norte foi um marco para todo o ocidente Essa ruptura marcaria profundamente o processo de fim do Antigo Regime Muitos indicam essa independência como sendo uma Revolução e em muitos sentidos foi de fato Muitas coisas eram novas inclusive um país nascido de um processo de colonização um Estado Republicano sem reis e majestades uma democracia representativa que deveria garantir que a vontade da maioria prevalecesse nesse Estado A formação do Estado norteamericano pode ser vista como dife renciada desde os primórdios da colonização das 13 Colônias maneira que era chamada a colônia inglesa na América Mas não devemos considerar que essa diferença residia no fato de que a Inglaterra dese java fazer uma colônia de povoamento em oposição aos outros Estados colonizadores europeus que faziam colônias de exploração Toda colônia existia por definição para dar lucros à metrópole independentemente da maneira que esse lucro se realizaria O ideal era que a colônia tivesse como produzir mercadorias complementares às mercadorias produzidas pela metrópole assim ela poderia comprar da metrópole e vender para esta dentro do Pacto colonial que obrigava a colônia a somente comercializar com sua metrópole potencializando lucros No caso das 13 Colônias havia uma divisão de potencial de explo ração e essa divisão não era humana mas sim é gerada pelo clima As colônias mais ao norte tinham clima muito parecido com a Europa não podendo portanto ser usadas como fonte de produtos complemen tares as do sul tinham todas as características para uma exploração colonial e assim ocorreu Nas Colônias do Norte existiam pequenas propriedades e a maior parte da mão de obra utilizada era livre Somente madeira apetrechos de pesca e navais atraíam o interesse europeu Já as do Sul eram baseadas no sistema que ficou conhecido como plantation isso significa que eram colônias com latifúndios grandes extensões de terra com um só proprietário monocultores que plantavam basi camente um só produto exportadores a produção era realizada com vistas exclusivamente para a exportação escravocratas Mas se a colônia tinha por objetivo dar lucros à Metrópole por que colonizar o Norte das 13 Colônias O lucro advindo dessa coloni zação era político Por muito tempo as Colônias do Norte foram para deiro final de grupos e pessoas não desejadas eou insatisfeitas com a política ou religião na Inglaterra As 13 Colônias do Norte eram portanto uma excelente válvula de escape que minimizavam as pressões políticas na Metrópole As Colônias do Norte não por falta de legislação impeditiva mas por total descumprimento ou condições de efetividade tinham um desenvolvimento comercial que ultrapassava os limites da Colônia Inglesa Esse fato somado ao tipo de colono que foi para lá fez com que a população da chamada Nova Inglaterra tivesse características peculiares que demonstravam uma tendência muito forte à indepen dência Isso pode ser visto na Declaração assinada pelos primeiros colonos Nós cujos nomes se seguem que pela glória de Deus o desenvolvimento da fé cristã e a honra de nossa pátria empreendemos estabelecer a pri meira colônia nestas margens afastadas convi mos Por este meio por consentimento mútuo e solene e perante Deus formarnos em corpo de sociedade política com o fim de nos governarmos e de trabalhar pela consecução de nossos obje tivos e em virtude deste contrato concordamos em promulgar leis atos ordenações e em insti tuir segundo a necessidade magistrados aos quais prometemos obediência e submissão381 381 TOCQUEVILLE apud BRUCKBERGER RL A república americana Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1960 p 27 Bruckberger sustenta a tese de que em tendo sido uma colonização basicamente de puritanos essa gente e suas características principais teriam dado esse tom de independência desde o início Pois para ele Não faziam qualquer distinção entre liberdade metafísica e liberdade política Se Deus tinha criado o homem livre era um escândalo e sacri légio uma ofensa a Deus negar essa liberdade aos homens em qualquer setor inclusive o políti co É com efeito nesse plano místico e prático da liberdade política que estão a descoberta e a glória dos puritanos É esse essencialmente o conteúdo de sua utopia é a grande revelação original que trouxeram ao mundo e sobre a qual ainda hoje a América se baseia382 A partir do século XVIII o comércio das 13 Colônias chegou a tal ponto que passou a concorrer com o comércio inglês e indubitavel mente era o último papel reservado a uma colônia Essa concorrência gerou atritos que engendraram uma necessidade na Metrópole de colocar a colônia no seu devido lugar ou seja como economia subordinada com vistas a dar lucros à Metrópole Além desses atritos a Inglaterra havia saído de uma guerra com a França a Guerra dos Sete Anos 17561763 e embora vitoriosa teve enormes gastos com a campanha militar e desejava que a colônia contribuísse para cobrir esse problema orçamentário Taxas foram aumentadas como a do açúcar Sugar Act de 1764 e a do selo Stamp Act de 1765 que exigia que todos os documentos fossem selados bem como jornais baralhos etc A renda obtida no pagamento desses selos iria para o governo inglês Essas medidas além de visarem cobrir despesas eram também uma forma de retalia ção contra os colonos que na Guerra dos Sete Anos ajudaram os Franceses A reação dos colonos foi imediata já em 1765 reuniramse em No va Iorque Congresso da Lei do Selo e decidiram boicotar o comércio inglês Os comerciantes ingleses então pressionaram o Parlamento e a lei do Selo foi revogada e a taxa do açúcar reduzida 382 BRUCKBERGER R L Op cit p 32 O autor afirma que os puritanos não se achavam acima da lei mas consideravam ser um direito dado por Deus a participação em sua elaboração Outras tentativas inglesas foram engendradas e todas tiveram respostas rápidas e seguras a crise eclodiu em 1773 com a Lei do Chá Tea Act que dava monopólio desse comércio à Companhia das Índias Orientais383 A companhia ficaria responsável pelo transporte do chá diretamente das Índias para a América Além do prejuízo óbvio para os colonos norteamericanos quem poderia garantir que tal atitude não se estendesse a outros produtos No porto de Boston comerciantes mal disfarçados de índios des truíram a carga de três navios carregados de chá e a Inglaterra reagiu com as Leis Intoleráveis o que derivou uma nova reação dos colonos Todos esses problemas afetavam diretamente os colonos do Norte mas os outros agricultores não tinham grandes prejuízos com essas taxas A crise criada pela Inglaterra com os fazendeiros foi outra Até 1763 a Inglaterra incentivava a ocupação de terras situadas a Oeste como forma de combater as pretensões territoriais de Espanha e França Com o fim da Guerra dos Sete anos o governo inglês ficou com o Canadá o vale do rio Ohio e a margem esquerda do rio Mississipi além de várias ilhas nas Antilhas e a Flórida que pertencia à Espanha que apoiou a França na guerra Com todo esse território a Inglaterra inverteu sua política e proibiu que as terras a oeste das 13 Colônias fosse ocupada Essas leis acabavam por decretar a falência tanto dos colonos pioneiros que comumente vendiam suas terras para pagar dívidas e avançavam mais a oeste quanto dos grandes proprietários das 13 Colônias do Sul que só conseguiam saldar dívidas com comerciantes ingleses ocupando novas terras Mas a questão não era puramente econômica era apenas um estopim Como explicar uma Metrópole como a Inglaterra que fazia revoluções contra reis e bradava igualdade ainda que relativa que afirmava como no Bill of Rights que nem o rei deveria estar acima da lei subordinar a colônia deste jeito Como explicar aos colonos liderados por inteligências banhadas no Iluminismo que a liberdade da Inglaterra não era aplicável aos colonos Os ingleses da América sentiamse ingleses e não consideravam suportável serem tratados de outro modo Talvez como desculpa para 383 Antes da Lei do Chá houve a Lei do Aquartelamento 1765 que obrigava os norte americanos a contribuir com alojamento víveres e transportes para tropas inglesas e os Atos Townshend que exigiam o pagamento de impostos pelos colonos sobre chá vidro papel zarcão etc Todos estes foram revogados após boicotes e pressões dos colonos não pagarem impostos talvez por ideologia e um orgulho imenso os norteamericanos ligavam de maneira indiscriminada seus direitos políticos e o fisco Não poderia haver impostos sem a representação no Parlamento Inglês Era simples se não eram cidadãos que pudessem participar ativamente das decisões não poderiam ser cidadãos obri gados a contribuir com elas O sentimento antiinglês foi sem dúvida potencializado por todos esses problemas econômicos mas a revolução que os norte americanos produziram nasceu do pensamento dos primeiros colonos puritanos e também como um somatório de homens educados na ideologia Iluminista Mas a ideologia puritana foi sem dúvida a base Essa afirmação pode ser atestada por uma entrevista com um combatente da Guerra de Independência Capitão Preston por que o senhor foi à batalha de Concord em 19 de abril de 1775384 Curvado sob o peso dos anos ergueuse o ancião virouse para mim e indagou Por que fui Sim respondi os livros dizem que vocês ho mens da Revolução pegaram em armas contra uma opressão intolerável Que opressões foram essas Nunca as senti O senhor não se sentiu oprimido pelo Stamp Act Nunca vi esses selos Sempre pensei que o governador Bernard os tinha metido no castelo William Tenho a certeza absoluta de que nunca paguei um peni por qualquer desses selos E o imposto do chá 384 1775 18 de abril Soldados da guarnição de Boston são enviados à aldeia de Concord onde alguns patriotas estão reunidos com dois de seus chefes Samuel Adams e John Hancok A marcha dos soldados é interrompida em Lexington por uns 50 patriotas armados Travase um combate oito patriotas morrem Os soldados conseguem chegar a Concord mas lá são recebidos por um fogo cerrado São obrigados a dar meia volta sem terem cumprido a sua missão A caminho são perseguidos sem descanso pelos patrio tas agora também conhecidos como rebeldes No total de 2500 homens os ingleses perderam 247 a décima parte de seu efetivo A guerra ou mais exatamente a revolução começou GODECHOT J A Revolução Francesa cronologia comentada Rio de Janeiro Nova Fronteira 1989 p 38 O imposto do chá Nunca bebi uma gota desse líquido Os rapazes lançaramno ao mar Suponho que pelo menos tenha lido HARRINGTON ou SYDNEY e LOCKE sobre os princípios eternos de liberdade Não conheço Nós líamos a Bíblia o catecismo os hinos e os salmos de Watt e o Almanaque Enfim que houve Qual foi a sua idéia quando decidiu lutar Jovem a nossa idéia quando nos lançamos con tra esses casacasvermelhas era que nos gover návamos a nós próprios e sempre achamos isso Eles achavam que não tínhamos esse direito385 Então alguns líderes eram intelectuais e outros eram puritanos pragmáticos que objetivavam manter a crença no autogoverno E o povo Participou deste movimento Segundo Aptheker os mais simples do povo costumavam participar de discussões públicas Isso para desespero da elite norteamericana e asco dos ingleses Em 1774 um ministro religioso da Carolina do Sul ousou pregar um sermão declarando que mecânicos e caipiras não tinham o direito de se manifestar sobre política ou sobre aquilo que reis lordes e legisladores haviam feito É escusado dizer que este viuse logo sem sua congregação e um jornal colonial elogiou sua demissão com as seguintes palavras os representantes espirituais devem aprender que os mecânicos e os caipiras tratados de maneira infame são os verdadeiros e absolutos senhores reis lordes legisladores e pastores386 12 O Início do Processo de Independência e a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia A resposta mais contundente às Leis Intoleráveis foi a reunião de representantes dos colonos no Primeiro Congresso Continental de 385 Ibidem p 51 386 APTHEKER H Uma nova história dos Estados Unidos a revolução americana Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1969 p 45 Filadélfia que aconteceu em setembro de 1774 A princípio essa reunião não tinha caráter separatista por isso o Congresso enviou uma petição ao Parlamento inglês e ao rei solicitando a revogação das leis por causa da igualdade de direitos entre ingleses e norteamericanos No ano seguinte conflitos provocaram a morte de alguns colonos estes acabaram por se organizar militarmente Ao mesmo tempo reuniuse o Segundo Congresso Continental de Filadélfia agora claramente favorável à independência A Virgínia tomou a frente nesse processo e declarouse indepen dente antes de todos os outros Estados Como forma de deixar claros sua independência e seus ideais os representantes do povo da Virgínia redigiram um documento chamado Declaração de Direitos do Bom Po vo da Virgínia que sem dúvida representam um marco para a Liber dade Individual como conceito sendo o primeiro documento escrito com valor jurídico a coroar muitos dos ideais iluministas Vejamos alguns de seus pontos Primeiramente os representantes do povo da Virgínia buscaram definir o que era para eles fundamental e irrevogável A isso eles chamaram direito natural Que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos dos quais quando entram em estado de sociedade não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança387 O segundo artigo inicia com uma ideia que em tese e não na prática é tão antiga quanto a Lei das XII Tábuas de que o poder deve vir do povo mas a Declaração da Virgínia acrescenta elementos do pensamento Iluminista principalmente quando indica a represen tatividade e as responsabilidades388 387 Artigo 1o 388 Na Tábua 11a Da Lei das XII Tábuas consta que Que a última vontade do povo tenha força de lei Embora esta questão muitas vezes não tenha sido levada a sério é necessário salientar que os romanos consideravam em tese ao menos a força do povo Que todo poder é inerente ao povo e conse quentemente dele procede que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e em qualquer momento perante ele responsáveis O artigo terceiro indica a responsabilidade do Governo e aponta a possibilidade de revolta contra um governo não adequado a estas responsabilidades Dessa forma a Declaração subordina o Governo ao povo Que o governo é instituído ou deveria sêlo para proveito comum proteção e segurança do povo nação ou comunidade que de todas as formas e modos de governo esta é a melhor a mais capaz de produzir maior felicidade e segu rança e a que está mais eficazmente assegurada contra o perigo de um mau governo e que se um governo se mostra inadequado ou é contrário a tais princípios a maioria da comunidade tem o direito indiscutível inalienável e irrevogável de reformálo alterálo ou abolilo da maneira consi derada mais condizente com o bem público O quarto artigo iguala a todos proibindo privilégios e nega a possibilidade de hereditariedade nos cargos públicos Que nenhum homem ou grupo de homens tem direito a receber emolumentos ou privilégios exclusivos ou especiais da comunidade senão apenas relativamente a serviços públicos presta dos os quais não podendo ser transmitidos fazem com que tampouco sejam hereditários os cargos de magistrado de legislador ou de juiz O artigo quinto inicia com a indicação de utilização plena das ideias de Montesquieu acerca do poder tripartite e completase obri gando que os representantes sejam eleitos periodicamente o que de monstra o intuito democrático em termos de Democracia Represen tativa dessa Declaração Que os poderes legislativo executivo e judiciário do Estado devem estar separados e que os membros dos dois primeiros poderes devem estar conscientes dos encargos impostos ao povo deles participar e absterse de imporlhes medi das opressoras que em períodos determinados devem voltar à sua condição particular ao corpo social de onde procedem e suas vagas se preencham mediante eleições periódicas certas e regulares nas quais possam voltar a se eleger todos ou parte dos antigos membros dos men cionados poderes segundo disponham as leis No próximo artigo é assinalado que as eleições devem ser livres e que todos os homens com capacidade podem participar Isso elimina a exclusão por renda comum nos sufrágios da Inglaterra mas não acrescenta como sufragistas nem mulheres nem escravos O mesmo artigo salienta que os impostos somente podem ser cobrados sob duas condições a primeira diz respeito à necessidade a segunda à aprovação pelos representantes eleitos Que as eleições de representantes do povo em assembléia devem ser livres e que todos os homens que dêem provas suficientes de interesse permanente pela comunidade e de vinculação com esta tenham o direito de sufrágio e não possam ser submetidos à tributação nem priva dos de sua propriedade por razões de utilidade pública sem seu consentimento ou o de seus representantes assim eleitos nem estejam obrigados por lei alguma à que da mesma forma não hajam consentido para o bem público Ainda no mesmo sentido de deixar claro os poderes dos representantes eleitos segue o artigo sétimo Que toda faculdade de suspender as leis ou a execução destas por qualquer autoridade sem consentimento dos representantes do povo é prejudicial aos direitos deste e não deve exercerse Os próximos três artigos demonstram claramente a influência do Iluminista Beccaria no ideário destes que redigiram a Declaração No caso da escolha do número de jurados doze nesse contexto a ver com os doze apóstolos e toda a tradição cristã na qual essa nação se formou Que em todo processo criminal incluídos na queles em que se pede a pena capital o acusado tem direito de saber a causa e a natureza da acusação ser acareado com seus acusadores e testemunhas pedir provas em seu favor e a ser julgado rapidamente por um júri imparcial de doze homens de sua comunidade sem o con sentimento unânime dos quais não se poderá considerálo culpado tampouco podese obrigá lo a testemunhar contra si próprio e que ninguém seja privado de sua liberdade salvo por mandado legal do país ou por julgamento de seus pares Não serão exigidas fianças ou multas excessivas nem infligirseão castigos cruéis ou inusitados Que os autos judiciais gerais em que se mande a um funcionário ou oficial de justiça o registro de lugares suspeitos sem provas da prática de um fato ou a detenção de uma pessoa ou pessoas sem identificálas pelo nome ou cujo delito não seja claramente especificado e não se demonstre com provas são cruéis e opressores e não devem ser concedidos O julgamento por um corpo de jurados não é como no Brasil so mente para casos de crimes contra a vida A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia semeia a ideia que será corrente em todos os Estados da América do Norte de que os jurados devem ser utilizados também em outros casos incluídos os de litígio acerca da propriedade Que em litígios referentes à propriedade e em pleitos entre particulares o antigo julgamento por júri de doze membros é preferível a qualquer outro devendo ser tido por sagrado A liberdade de imprensa é também contemplada nesta declaração Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade não podendo ser restringi da jamais a não ser por governos despóticos389 Bem como a liberdade religiosa Entretanto se atentarmos para o artigo 16 poderemos constatar que embora a escolha da religião seja livre o modelo a ser seguido é o cristão monoteísta Que a religião ou os deveres que temos para com o nosso Criador e a maneira de cumprilos so mente podem regerse pela razão e pela convicção não pela força ou pela violência consequentemente todos os homens têm igual direito ao livre exercício da religião de acordo com o que dita sua consciência e que é dever recíproco de todos praticar a paciência o amor e a caridade cristã para com o próximo 13 A Declaração de Independência A 4 de julho de 1776 delegados de todos os territórios reunidos na Filadélfia promulgaram a Declaração de Independência que foi redigida por Thomas Jefferson Essa declaração é um corolário do ideal anteriormente mencionado de autogoverno levado para a América do Norte pelos puritanos e do Iluminismo a Declaração da Independência é a maior expressão do grande Iluminismo prenhe de um humanismo ilimitado refletindo a idéia de abandono de manjar no céu em troca de leite e pão na terra Participava do comitê de redação Benjamin Franklin que personificava com Voltai re o Iluminismo e acreditava que é impossível imaginar a que alturas poderá alcançar num mi 389 Artigo 12 lhar de anos o poder do homem sobre a matéria Franklin confiava no progresso na capacidade do homem de desenvolver seus conhecimentos não apenas da natureza mas de si próprio e lamen tava haver nascido tão cedo390 A questão do autogoverno é demonstrada na Declaração de inde pendência já em seu primeiro parágrafo Quando no curso dos acontecimentos humanos se torna necessário para um povo dissolver o vínculo político que o mantinha ligado a outro e assumir entre as potências da terra a situação separada e igual a que as leis da natureza e o Deus da natureza lhe dão direito um decoroso respeito às opiniões da humanidade exige que ele declare as causas que o impelem à sepa ração Quando um povo se sente no direito de dissolver o vínculo polí tico que o mantinha ligado a outro é porque considera que o autogoverno ou autodeterminação é ponto pacífico em sua vida Com muitas falhas a Declaração de Independência é um do cumento que indica o caminho da democracia não a que seria ideal mas a que era possível para as cabeças dominantes do século XVIII Assim é que ficaram independentes os americanos mas não todos Particularmente interessante nesse sentido é o fato de a Decla ração falar de igualdade liberdade e da busca da felicidade enquanto ameríndios e 600000 escravos americanos aproximadamente es cravos perpétuos que transmitiam seus status a toda a sua geração por intermédio da linha materna eram mantidos no trabalho sob a chi bata Sem dúvida um dos fatos mais dolorosos e mais reveladores do caráter da história americana é o de o próprio autor da Declaração de Independência haver sido um proprietário de escravos391 O caso da nãoinclusão das mulheres poderia passar como sendo mais um dos momentos na história que as mulheres subordinadas se quer puderam exprimir seus desejos Mas este já não era mais o caso 390 APTHEKER op cit p 113 391 Ibidem passim A esposa de Jonh Adams um dos pais da Independência norte americana debateu embora em vão com o marido Foi por isso que a mulher de John Adams Abi gail escreveulhe não posso dizer que o acho muito generoso para com as damas pois en quanto proclama a paz e a boa vontade entre os homens emancipando todas as nações insiste em manter um poder absoluto sobre as mulheres Pouco tempo depois em 1778 essa mulher for midável declarava lamento essa educação frí vola estreita e convencional que se dá às mu lheres de meu país Poucos eram os homens na América que concordavam com isso mas havia exceções Entre esses homens encontravamse James Wilson e o William White ambos da Pen silvânia que criticavam a subordinação da mu lher e negavam sua inferioridade mental E isso por volta de 1768392 14 A Constituição NorteAmericana Após a Declaração de Independência e ainda em meio aos com bates para defendêla os representantes dos territórios viramse dian te de um dilema como manter a união das antigas 13 Colônias sem ferir o princípio de autodeterminação que tanto contribuiu para que essa luta saísse vitoriosa No mesmo dia em que o Congresso na Filadélfia nomeou a comissão para redigir a Declaração de Independência outra foi criada para buscar estabelecer as bases da união definitiva dos Estados Unidos bem como determinar sua forma de governo Em 1777 ficou pronto um documento intitulado Artigos de Confe deração Articles of Confederation que estabelecia a união dos Esta dos sob bases muito frágeis O governo federal não teria Poder Exe cutivo e Corte Suprema para interpretação de leis ao menos Haveria apenas uma Câmara de Representantes mas sua composição era feita sem levar em conta o tamanho ou a composição dos Estados 392 Ibidem p 117 Esse documento retirava ainda do Congresso que até o momento era quem governava a nação o direito de instituir taxas e impostos de tal forma que se tornou impossível manter e pagar as dívidas da Con federação Essa situação tornavase mais grave na medida em que com estas bases precárias vários Estados da Confederação não aderiram ao documento e empréstimos em países estrangeiros tornavamse muito difíceis ou eram efetuados com condições extremamente desfavoráveis mesmo porque a Confederação não tinha muitas garantias de estabilidade para oferecer Para tentar resolver esse problema a Assembleia do Estado da Virgínia convocou uma Convenção a reunirse na cidade de Annapolis com o objetivo de emendar os Artigos de Confederação os pontos que consideravam importantes Entretanto somente cinco Estados aten deram à convocação assim foi decidido fazer outra convocação para uma reunião na Filadélfia após um ano Depois de tudo isso foi apenas um homem o representante de Nova York Alexander Hamilton quem convocou o Congresso Constitucional A Constituição elaborada pela Convenção da Filadélfia foi fina lizada em 1787 e consistia originariamente de um preâmbulo e sete artigos e assim foi aprovada pela maioria de trinta e nove dos cin quenta e cinco delegados que representavam os doze Estados o Estado de Rhode Island não compareceu Todos os Estados acabaram por ratificála A Constituição determina a divisão dos poderes em três Exe cutivo Legislativo e Judiciário O legislativo é bicameral ou seja tem duas câmaras a Câmara dos deputados chamada Casa dos Repre sentantes House of Representatives e o Senado Os deputados devem ser eleitos de dois em dois anos devendo ter idade mínima de vinte e cinco anos e ser cidadão a sete O número de representantes é proporcional ao número de habitantes de cada Estado O número de Representantes assim como im postos diretos serão fixados para os diversos Estados que fizerem parte da União segundo o número de habitantes assim determinado o nú mero total de pessoas livres incluídas as pessoas em estado de servidão por tempo determinado e excluídos os índios não taxados somarseão três quintos da população restante O recenseamento será feito dentro de três anos depois da primeira sessão do Congresso dos Estados Unidos e em seguida decenalmente de acordo com as leis que se adotarem O número de Representantes não excederá de um por 30000 pessoas mas cada Estado terá no mínimo um representante Enquanto não se fizer o recenseamento o Estado de New Hampshire terão direito de eleger três representantes Massachussetts oito Rhode Island e Providence Plantations um Connecticut cinco New York seis New Jersey quatro Pennsylvania oito Delaware um Maryland seis Virginia dez North Carolina cinco South Carolina cinco e Geórgia três393 Os senadores que necessariamente têm que ter 30 anos e ser cidadãos há nove anos no mínimo em número de dois para cada Estado são eleitos por seis anos mas a cada dois anos um terço das vagas no senado devem ser colocadas à disposição para eleições Foi dessa forma que iniciaram o estabelecimento desse procedimento Logo após a reunião decorrente da primeira elei ção os Senadores dividirseão em três grupos iguais ou aproximadamente iguais Decorridos dois anos ficarão vagas as cadeiras dos Sena dores do primeiro grupo as do segundo grupo findos quatro anos e as do terceiro terminados seis anos de modo a fazer bianualmente a eleição de um terço do Senado Se ocorrerem vagas em virtude de renúncia ou qualquer outra causa durante o recesso da Assembléia estadual o Executivo estadual poderá fazer nomeações provisórias até a reunião seguinte da Assembléia que então preencherá as vagas O funcionamento das duas casas ocorre da seguinte maneira geralmente uma proposição é a um ou mais deputados que a trans formam em projeto de lei e a apresentam à assembleia Depois de 393 Artigo I seção 2 3o formalmente apresentado o projeto segue para uma das comissões especializadas que argúem de sua constitucionalidade e oportunidade Aprovado pela comissão vai a plenário onde é discutido recebe ou não emendas é aprovado ou rejeitado Se aprovado passa ao Senado onde passa pelos mesmos caminhos Chegando ao fim com aprovação é levado ao Presidente da República que pode transformálo em lei ou devolvêlo ao Congresso Todo projeto de lei aprovado pela Câmara dos Representantes e pelo Senado deverá antes de se tornar lei ser remetido ao Presidente dos Estados Unidos Se o aprovar ele o assinará se não o devolverá acompanhado de suas objeções à Câmara em que teve origem esta então fará constar em atas objeções do Presidente e subme terá o projeto a nova discussão Se o projeto for mantido por maioria de dois terços dos membros dessa Câmara será enviado com as objeções à outra Câmara a qual também o discutirá nova mente Se obtiver dois terços dos votos dessa Câmara será considerado lei Em ambas as Câmaras os votos serão indicados pelo SIM ou NÃO consignandose no livro de atas das respectivas Câmaras os nomes dos membros que votaram a favor ou contra o projeto de lei Todo projeto que não for devolvido pelo Presidente no prazo de seis dias a contar da data de seu rece bimento excetuandose os domingos será con siderado lei tal como se ele o tivesse assinado a menos que o Congresso suspendendo os tra balhos torne impossível a devolução do projeto caso em que este não passará a ser lei394 Além da elaboração de leis são atribuições do Congresso ame ricano segundo a Constituição Será da competência do Congresso Lançar e arrecadar taxas direitos impostos e tributos pa gar dívidas e prover a defesa comum e o bem 394 Artigo I seção 7 1o estar geral dos Estados Unidos mas todos os direitos impostos e tributos serão uniformes em todos os Estados Unidos Levantar empréstimos sobre o crédito dos Esta dos Unidos Regular o comércio com as nações estrangeiras entre os diversos estados e com as tribos indí genas Estabelecer uma norma uniforme de naturaliza ção e leis uniformes de falência para todo o país Cunhar moeda e regular o seu valor bem como o das moedas estrangeiras e estabelecer o padrão de pesos e medidas Tomar providências para a punição dos falsifica dores de títulos públicos e da moeda corrente dos Estados Unidos Estabelecer agências e estradas para o serviço postal Promover o progresso da ciência e das artes úteis garantindo por tempo limitado aos autores e inventores o direito exclusivo aos seus escritos ou descobertas Criar tribunais inferiores à Suprema Corte Definir e punir atos de pirataria e delitos cometidos em altomar e as infrações ao direito das gentes Declarar guerra expedir cartas de corso e esta belecer regras para apresamentos em terra e no mar Organizar e manter exércitos vedada porém a concessão de crédito para este fim por período de mais de dois anos Organizar e manter uma marinha de guerra Regulamentar a administração e disciplina das forças de terra e mar Regular a mobilização da guarda nacional milí cia para garantir o cumprimento das leis da União reprimir insurreições e repelir invasões Promover a organização armamento e treina mento da guarda nacional bem como a admi nistração de parte dessa guarda que for empre gada no serviço dos Estados Unidos reservando se aos Estados a nomeação dos oficiais e a obri gação de instruir a milícia de acordo com a disci plina estabelecida pelo Congresso Exercer o poder legiferante exclusivo no distrito não excedente a dez milhas quadradas que cedido por determinados Estados e aceito pelo Congresso se torne a sede do Governo dos Esta dos Unidos e exercer o mesmo poder todas as áreas adquiridas com o consentimento da Assem bléia do Estado em que estiverem situadas para a construção de fortificações armazéns estalei ros e outros edifícios necessários e Elaborar todas as leis necessárias e apropriadas ao exercício dos poderes acima especificados e dos demais que a presente Constituição confere ao Governo dos Estados Unidos ou aos seus Departamentos e funcionários395 O Executivo é composto pelo Presidente e o VicePresidente e seu mandato é de quatro anos A eleição não é completamente direta porque nem todos os eleitores votam diretamente para presidente Cada Estado nomeará de acordo com as regras estabelecidas por sua Legislatura um número de eleitores igual ao número total de Senadores e Deputados a que tem direito no Congresso toda via nenhum Senador Deputado ou pessoa que ocupe um cargo federal remunerado ou honorífico poderá ser nomeado eleitor 396 Para concorrer à presidência o indivíduo deve ser americano nato e ter no mínimo 35 anos de idade Como todos os ocupantes de cargos eletivos ele receberá por isso sem contudo poder receber nada além do pagamento fixado em lei É o presidente o chefe das forças armadas e pode concluir tratados desde que tal ato tenha sido previamente aprovado por dois terços dos senadores Ao Poder Judiciário cabe fiscalizar a execução das leis e punir culpados por transgressões Ele é composto por uma Suprema Corte e 395 Artigo I seção 8 118 396 Artigo II seção 1 2o por tribunais inferiores A Suprema Corte pode dependendo do caso exercer jurisdição originária em outros casos é recursal A competência do Poder Judiciário se estenderá a todos os casos de aplicação da Lei e da Eqüi dade ocorridos sob a presente Constituição as leis dos Estados Unidos e os tratados concluídos ou que se concluírem sob sua autoridade a todos os casos que afetem os embaixadores outros mi nistros e cônsules a todas as questões do almi rantado e de jurisdição marítima às controvérsias em que os Estados Unidos sejam parte as controvérsias entre dois ou mais Estados entre um Estado e cidadãos de outro Estado entre cidadãos de diferentes Estados entre cidadãos do mesmo Estado reivindicando terras em virtude de concessões feitas por outros Estados enfim entre um Estado ou os seus cidadãos e potências cidadãos ou súditos estrangeiros Em todas as questões relativas a embaixadores outros ministros e cônsules e naquelas em que se achar envolvido um Estado a Suprema Corte exercerá jurisdição originária Nos demais casos supracitados a Suprema Corte terá jurisdição em grau de recurso pronunciandose tanto sobre os fatos como sobre o direito observando as exce ções e normas que o Congresso estabelecer397 Os crimes excetuandose os processos de impeachment processo de afastamento do ocupante do poder executivo por motivos legais têm constitucionalmente o julgamento por júri e os Estados têm a obrigação de entregar os acusados em outra unidade da Federação Em contrapartida o cidadão americano tem todos os direitos e deveres do cidadão de um Estado específico estando em seu território 15 A Equity e a Common Law nos Estados Unidos Embora filiado ao Direito inglês o sistema norteamericano tem uma diferença substancial isto é a organização política e constitu 397 Artigo II seção 2 1o 2o cional exerce acentuada influência sobre o direito o que não ocorre no Direito Inglês398 Os Estados Unidos têm sua Equity e sua Common Law mas ambos estão subordinados ao entendimento federalista encontrado na Constituição Conforme afirma Vicente Ráo O requisito fundamental que sob pena de ina plicabilidade aos casos em espécie se exige da constitucionalidade das leis dos atos executivos e administrativos das soluções da common law e da equity restringe não só a competência do juiz como a do legislador e a do poder executivo na elaboração das novas normas obriga tórias399 A escala hierárquica das normas obrigatórias nos Estados Unidos é estabelecida em ordem decrescente da força de sua obrigatoriedade inclusive no sentido territorial Constituição Federal Leis e Atos Fede rais Constituições Estaduais e Atos Estaduais e por último leis e atos municipais400 Entretanto a Common Law não é totalmente descartada a tradi ção mantevese de tal maneira que os Estados obtiveram a atribuição da competência para declarar esse direito por via judicial ou promulgá lo por via legislativa Já a Equity como na Inglaterra aos poucos tornouse um corpo específico de direito positivo com conteúdo próprio As matérias disciplinadas por ela são patrimônio trusts hipotecas na parte que não incide o direito comum cessão de direitos proteção de direitos e bens de incapazes administração de bens do espólio nas sucessões subrogação pessoal casos de caducidade de direitos e de penas convencionais casos fortuitos401 398 O Artigo VI 2o da Constituição NorteAmericana afirma Esta Constituição e as leis complementares e todos os tratados já celebrados ou por celebrar sob a autoridade dos Estados Unidos constituirão a lei suprema do país os juízes de todos os Estados serão sujeitos a ela ficando sem efeito qualquer disposição em contrário na Constituição ou nas leis de qualquer dos Estados 399 RÁO V O direito e a vida dos direitos 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 137 400 Ibidem p 137 401 Ibidem p 138 e ss 2 A Revolução Francesa 21 Introdução As revoluções na Inglaterra no século XVII demonstraram ao mun do um novo caminho entretanto esse caminho era trilhado pelo pragmatismo sem ideologia dominante profunda No século seguinte de um lado e outro do Atlântico a Ideologia Iluminista era coroada pelos revolucionários de Estados Unidos e França Há uma velha discussão entre os historiadores sobre a impor tância do movimento revolucionário francês diante do ineditismo anterior dos norteamericanos Outros ainda dizem ser a Revolução Francesa apenas mais uma parte do movimento atlântico ocidental que depois de atingir a Inglaterra e a Irlanda teria percorrido a Holanda a Bélgica a Itália indo desembocar na França em 1789 Nada disso importa se levarmos em conta a identidade única que teve a revolução na França menor importância ainda tem se pen sarmos no impacto que tal revolução como nenhuma outra ofereceu ao mundo ocidental O ocidente seria outro após a Revolução Francesa não somente em termos políticos como também no direito O ideário constitucionalista que impregnou as várias fases da Revolução foi exportado para todo o ocidente a ponto de não mais mesmo depois da Restauração na França e no resto da Europa não ser mais concebível um país sem uma Constituição 22 Conjuntura PolíticoEconômica PréRevolucionária Às vésperas da Revolução Francesa o país ainda era agrário mais de 85 da população vivia no campo O capitalismo já estava presente e crescia a olhos vistos nessa sociedade mas a organização social era baseada em estamentos como na Idade Média A sociedade era dividida em três estados No primeiro estava o clero alto clero como bispos e abades e baixo clero padres e vigários o segundo estado era composto pela nobreza que por sua vez se subdividia em três subgrupos a nobreza palaciana que vivia das pensões do rei e usufruía de cargos públicos a nobreza provincial que vivia no campo e a nobreza de toga que era composta por pessoas oriundas da burguesia que por muito dinheiro haviam comprado cargos e títulos de nobreza O terceiro estado que açambarcava 98 da população era for mado por inúmeros subgrupos mais ou menos divididos como classes sociais baseados no poder econômico Havia a alta burguesia composta por banqueiros empresários e financistas havia a média burguesia formada por profissionais liberais como professores médicos etc havia a pequena burguesia onde se encontravam os pequenos lojistas etc Sob todos eles havia um enorme grupo hete rogêneo formado por artesãos aprendizes empregados e a enorme massa rural Nem o primeiro nem o segundo estados pagavam impostos ou contribuições somente o terceiro mas somente o clero e a nobreza viviam à custa do dinheiro público advindo destes impostos Portanto não é de estranhar que a principal reivindicação do terceiro estado fosse a igualdade civil e por consequência igualdade política Entretanto a monarquia absolutista repousavase sobre os estamentos os privilégios e a nãoparticipação da maioria nas decisões políticas A estranha contabilidade francesa que fazia que a maioria absoluta pagasse por privilégios caríssimos de uma minoria que se achava merecedora de tal adulação acabou por tornar a economia francesa um caos Para se ter uma ideia só os gastos da corte que vivia no Palácio de Versalhes representavam 10 das despesas de toda a França Como a máquina do Estado era ineficiente os cobradores de impostos eram particulares que exploravam ao máximo quem pagava impostos O déficit no orçamento era imenso e a dívida externa fran cesa era o dobro de todo dinheiro em circulação na França Piorando a situação financeira a indústria sofreu um sério revés com a entrada na Europa de produtos ingleses de baixo custo por causa da Revolução Industrial que ocorria naquele país Uma seca em 1787 diminuiu a produção de alimentos os preços subiram o povo passava sérias dificuldades e mesmo sem poder gastar o Governo Francês apoiou a independência norteamericana o que lhe custou quase a metade de sua dívida externa e soldados voltando da América com estranhas ideias Para tentar achar um caminho para vencer a crise o governo convocou representantes do Clero da nobreza e da alta burguesia era a Assembleia dos Notáveis de 1787 A proposta era o aumento dos impostos territoriais o que foi recusado com veemência pelos nobres O rei Luis XVI nomeou então um novo ministro e convocou a Assembleia dos Estados Gerais que não era convocada desde 1614 O terceiro estado contava com 578 deputados contra 270 da no breza e 291 do clero e embora maioria nominal o terceiro estado per deria todas as votações que eram feitas por estado e não por deputado Com a recusa do terceiro estado em aceitar esse sistema de votação os representantes desse estamento proclamaramse Assembleia Nacional e sob a oposição acirrada do rei receberam adeptos do Iluminismo que eram também representantes dos outros dois estados 23 A Assembleia Constituinte e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão Em 9 de julho de 1789 a Assembleia Nacional tornouse Assem bleia Constituinte sob o juramento dos deputados de somente se dispersarem após dar à França uma Constituição A pujança da mu dança também já alcançava o povo que tomava a Bastilha tempos depois A revolução inicia seu caráter popular não é possível mais inventar uma saída sem contar com o povo que está nas ruas No dia 26 de agosto é aprovada a Declaração dos Direitos do Ho mem e do Cidadão que Luis XVI recusase a aprovar gerando uma maior reação popular Cai na mão do povo o maior símbolo da mo narquia absoluta francesa o Palácio de Versalhes Mas essas reações esta necessidade de tomar para si a respon sabilidade da mudança inclusive no sentido de legislar para que a transformação seja firme foi algo que nasceu com a crise na reunião dos Estados Gerais O povo tinha ao menos uma mínima compreensão da extensão de uma Declaração de Princípios Segundo Jean Starobinsky essa tendência popular à participação é bem anterior até mesmo à convocação da Assembleia dos Estados Gerais O Iluminismo havia transposto as rodas de intelectuais autores populares misturavam romance e ideologia iluminista e eram con sumidos pelo povo principalmente das cidades402 Todo o século se havia fixado como tarefa re montar aos princípios e formulálos com clareza A linguagem dos princípios estava constituída bem antes de 1789 e a aproximação da reunião dos Estados Gerais multiplicara os escritos teóricos cada um mais peremptório que o outro 402 Um dos mais famosos escritores populares da época foi Restif de La Bretone Todos os parisienses brincam de Sólon tutti soloneggiano i Parigini escreve divertidamente Alfieri em sua epístola de 29 de abril de 1789 a André Chénier No instante do naufrágio da mo narquia tradicional quem quer que tenha uma pena se faz legislador A luz branca do primeiro momento revolucionário talvez não seja senão o torvelinho de todas as cores do espectro dos prin cípios no espaço afinal conquistado pela liber dade403 A necessidade de uma Declaração de Direitos para aqueles que a confeccionaram residia no fato de que a ignorância ou a nãoaplicação de direitos seria a causa dos males de uma sociedade Assim é afirmado no preâmbulo da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão Os representantes do povo francês reunidos em Assembléia Nacional tendo em vista que a ignorância o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos resolveram declarar solenemente os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem a fim de que esta declaração sempre presente em todos os membros do corpo social lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a institui ção política sejam por isso mais respeitados a fim de que as reivindicações dos cidadãos doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral O Iluminismo somado às necessidades de igualdade que essa sociedade tinha gerou um interessante primeiro artigo 403 STAROBINSKY Jean 1789 os emblemas da razão Rio de Janeiro Companhia das Letras 1988 p 4445 Art 1o Os homens nascem e são livres e iguais em direitos As distinções sociais só podem fundamentarse na utilidade comum A Declaração invoca também a fonte de poder e o objetivo de governos levando em consideração o que os revolucionários consi deravam como direitos naturais Art 2o A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescri tíveis do homem Esses direitos são a liberdade a prosperidade a segurança e a resistência à opressão Art 3o O princípio de toda a soberania reside essencialmente na nação Nenhuma operação nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente Define a lei e seus objetivos Art 4o A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos Estes limites apenas podem ser deter minados pela lei Art 5o A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constran gido a fazer o que ela não ordene Art 6o A lei é a expressão da vontade geral Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou através de mandatários para a sua formação Ela deve ser a mesma para todos seja para proteger seja para punir Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades lugares e empregos públicos segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos E demonstra que as ideias do italiano Cesare Beccaria encon traram bom porto Assim podemos constatar na Declaração dos Direi tos do Homem e do Cidadão o princípio da legalidade Art 7o Ninguém pode ser acusado preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas Os que solicitam expedem executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente caso contrário tornase culpado de resistência O princípio da necessidade das leis Art 8o A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei esta belecida e promulgada antes do delito e legal mente aplicada O In Dubio Pro Reo Art 9o Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e se se julgar indispen sável prendêlo todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei Há também nesse documento uma indicação clara no sentido da liberdade de opinião Art 10 Ninguém pode ser molestado por suas opiniões incluindo opiniões religiosas desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei Art 11 A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do ho mem todo cidadão pode portanto falar escrever imprimir livremente respondendo todavia pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei A Declaração explicita a necessidade de impostos por causa da manutenção de uma força pública e de uma administração capaz de manter os direitos do cidadão Mas toma o cuidado de impor regras para que isso seja feito de forma aberta Art 12 A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública esta força é pois instituída para fruição por todos e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada Art 13 Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispen sável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades Art 14 Todos os cidadãos têm direito de veri ficar por si ou pelos seus representantes da ne cessidade da contribuição pública de consentila livremente de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição a coleta a cobrança e a du ração Art 15 A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração 24 A Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã É muito famosa a Declaração que acabamos de analisar Mas alguns paradoxos se pensarmos no papel de pelo menos metade da população da França revolucionária as mulheres devem ser compreendidos explicitados Não porque foi o início de uma luta no Ocidente por direitos in dividuais aí devendo por uma questão de lógica e não de opinião incluir as mulheres mas simplesmente porque no seio da Revolução Francesa mulheres se ergueram e exigiram direitos o que não havia acontecido de maneira tão impressionante em outros momentos históricos As mulheres tiveram papel preponderante na Revolução foram às ruas lutaram ombro a ombro com os homens revolucionários entretan to mesmo no documento mais genérico uma declaração de princípios que é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão elas são colocadas em uma situação muito estranha Se os homens vistos enquanto humanidade nascem livres e iguais em direitos como distin guir de pronto homens e mulheres Como compreender que mulheres não obtivessem direitos mínimos Conforme afirma Michelle Perrot Essa exclusão das mulheres pouco condiz com a Declaração dos direitos do homem que proclama a igualdade entre todos os indivíduos As mu lheres não seriam indivíduos A questão é em baraçosa muitos pensadores como Condorcet por exemplo pressentiramna Única justifica tiva argumentar sobre a diferença dos sexos404 De fato a bela França berço da Revolução que atingiu todo o Ocidente sempre colocou os direitos das mulheres em segundo plano As francesas só puderam exercer o direito de voto questão básica para uma cidadania em uma democracia representativa a partir de 1944 A França foi a penúltima a dar esse passo só faltava a Grécia na Europa A justificativa para o posicionamento da mulher nessa nova ordem era a mesma utilizada há muito era idêntica à utilizada por muitos pensadores nos séculos seguintes a mulher pertencia à esfera privada não podendo tomar parte da esfera pública que era de uso exclusivo de homens Mulheres e crianças ambas incapazes É preciso voltar a Sieyès o organizador do su frágio em 1789 que distinguia entre cidadãos passivos e ativos Todos têm direito à proteção de sua pessoa de sua propriedade de sua liber dade etc Mas nem todos têm direito a tomar par te ativa na formação dos poderes públicos nem 404 PERROT Michelle Os excluídos da história operários mulheres prisioneiros Rio de Janeiro Paz e Terra 1988 p 177 todos são cidadãos ativos As mulheres pelo menos no estado atual as crianças os estran geiros aqueles que em nada contribuírem para a sustentação do estabelecimento público não de vem influir ativamente na coisa pública Sieyès estabelece uma ruptura entre sociedade civil e política e fortalece a ação pública A exclusão das mulheres é particularmente severa pois li gada ao sexo ela não pode ser modificada como a idade a nacionalidade ou o nível de riqueza Assim como as crianças as mulheres foram feitas para ser protegidas405 As francesas revolucionárias buscaram a igualdade lutaram e reclamaram por ela mas isto estava fora de questão já que segundo o relatório do deputado André Amar de 30 de outubro de 1793 em nome da Comissão de Segurança Geral ele sustentava que as mulheres não deveriam sair da família para imiscuirse nos assuntos de governo e isso porque As funções privadas a que as mulheres são des tinadas pela própria natureza são inerentes à or dem geral da sociedade essa ordem social é resultado da diferença que existe entre o homem e a mulher Cada sexo é chamado para um tipo de ocupação que lhe é própria sua ação é circuns crita dentro deste âmbito que não pode transpor enquanto a natureza que pôs estes limites ao homem governa imperiosamente e não tolera lei alguma406 Essa resposta do deputado revolucionário francês e outras que seguem a mesma linha da natureza justificando a nãoinclusão das mulheres em direitos que eles mesmos consideravam básicos é uma resposta às mulheres que buscavam organizarse para pressionar os chefes da Revolução e às mulheres como Olympe de Gouges que acabaram por produzir textos que embora por força das circunstân 405 PERROT Michelle Mulheres públicas São Paulo Unesp 1998 p 120 406 AMAR André apud GROPPI Ângela A raízes de um problema In BONACCHI Ga briella GROPPI Ângela Orgs O dilema da cidadania direitos e deveres das mulheres São Paulo Unesp 1995 p 14 cias não tivessem valor legal eram verdadeiras Declarações de Princí pios que visavam buscar a inclusão feminina407 Em 1791 como resultado das decepções geradas nas revolucio nárias pelo caráter masculino que tomava a visão de direitos e cidadania da Revolução Olympe de Gouges redigiu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã Essa declaração um marco qualita tivo na história das Ideias de Igualdade foi baseada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e busca um caráter includente tanto de homens quanto de mulheres É significativa a análise de Ute Gehard sobre a Declaração A Declaração dos direitos da mulher e da cidadã redigida em 1791 por Olympe de Gouges é o do cumento de História do Direito significativa mente ausente de todos os compêndios que contesta sistematicamente a restrição masculina do conceito de igualdade A história da sua eli minação ou da sua transmissão apenas fragmen tária assim como sua recepção até agora insuficiente são provas evidentes do acúmulo de resistências contra a equiparação dos direitos das mulheres O texto completo mostra porém toda importância desse testemunho único da afirmação dos direitos femininos Ao Ler a De claração dos direitos da mulher de 1791 alguém poderia tomála à primeira vista por um plágio ou no mínimo por uma cópia não muito original destinada exclusivamente a esclarecer aquilo que a Declaração dos direitos do homem queria significar mas que infelizmente nem sempre foi compreendido que os direitos do indivíduo rei vindicam validade e conseqüências para a posi ção jurídica de homens e mulheres408 407 Em 1792 na Inglaterra Mary Wollstonecraft escrevia um livro Reinvindicações de Direitos das Mulheres que na mesma direção das revolucionárias francesas buscava indicar a ilogicidade da exclusão das mulheres Aqui no Brasil esse tema chegou com muita amenidade no período do Império quando Nizia Floresta fazendo uma tradução livre e menos aguerrida de Wollstonecraft escraveu Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens 408 GERHARD Ute Sobre a liberdade igualdade e dignidade das mulheres o direito dife rentede Olympe de Gouges In BONACCHI Gabriella GROPPI Ângela Orgs O dile ma da cidadania direitos e deveres das mulheres São Paulo Unesp 1995 p 52 No preâmbulo da Declaração Olympe de Gouges indaga a dife rença pergunta por que é possível diferenciar o que não é diferente mas cooperativo em outros campos Homem sabes ser justo É uma mulher que te pergunta não quererás tolherlhe esse direito Di zeme quem te deu o soberano poder de oprimir o meu sexo A tua força As tuas capacidades Observa o Criador na sua sabedoria percorre a natureza em toda a sua grandeza da qual pareces querer aproximarte dáme se puderes um exemplo desse domínio tirânico Considera os animais consulta os elementos estuda os vegetais lança enfim um olhar sobre todas as modificações da matéria organizada e rendete à evidência quando te ofereço os meios para isso procura escava e distingue se puderes os sexos na administração da natureza Em toda parte tu os encontrarás amalgamados e cooperantes no conjunto harmonioso desta obraprima imortal Só o homem fez dessa exceção um princípio409 Parece ser uma dúvida coerente se analisarmos o momento his tórico por que passavam aquelas pessoas homens e mulheres comuns derrubaram juntos a monarquia tão poderosa como justificar a luta contra a tirania e colocar uma parte significativa da população por causa de seu gênero em situação parecida ou pior do que a que se encontravam todos antes da Revolução Como compreender diferenças dentro de uma filosofia questionadora e racional como o Iluminismo É com base nessa experiência histórica que de Gouges convoca as mulheres no posfácio da Declaração Mulher acorda o sino da razão se faz ouvir em todo o universo reconhece os teus direitos O potente império da natureza não está rodeado de preconceitos de fanatismos de superstições e mentiras A luz da verdade dissipou todas as 409 Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã In BONACCHI Gabriella GROPPI Ângela Orgs O dilema da cidadania direitos e deveres das mulheres São Paulo Unesp 1995 p 301312 nuvens da estupidez e da usurpação O homem escravo multiplicou suas forças recorrendo às tuas para romper cadeias Uma vez livre tornou se injusto para com a sua companheira410 Assim ela trabalhará em sua Declaração de maneira a colocar lado a lado homens e mulheres mudando a redação da Declaração original Nos artigos I e II podemos constatar que ela colocou com clareza mulheres e homens em igualdade e destacadamente no segundo artigo indica ser um direito a resistência à opressão que podemos concluir como sendo um direito aplicável inclusive no caso de opressão entre os sexos Art I A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem As distinções sociais só po dem ser baseadas no interesse comum Art II O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescri tíveis da mulher e do homem esses direitos são a liberdade a propriedade a segurança e sobre tudo a resistência a opressão O Artigo terceiro é bastante significativo visto que a autora dessa declaração indica com clareza que a nação é forjada pela união dos sexos princípio basilar de todas as suas reivindicações Art III O Princípio de toda soberania reside essencialmente na nação que é a união da mulher e do homem nenhum organismo nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não provenha expressamente deles Nos artigos IV e V ela não se refere à lei como foi feito na Decla ração dos Direitos do Homem e do Cidadão essa lei até então vi gente não é expressão da vontade geral visto não estarem compondo essa vontade as mulheres também assim ela recorre a expressões como leis da natureza e da razão e leis sábias e divinas colocando 410 Ibidem p 307 as acima das leis dos homens reclamando a validade destas como sendo anteriores aos atos humanos Art IV A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros assim o único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher isto é a perpétua tirania do homem deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão Art V As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações nocivas à sociedade tudo aquilo que não é proibido pelas leis sábias e divinas não pode ser impedido e ninguém pode ser constran gido a fazer aquilo que elas não ordenam Os artigos VI VII VIII e IX demonstram toda a igualdade exigida por Olympe de Gouges e essa igualdade referese tanto à feitura da lei quanto à sua aplicação não estando excluídas aí as penas indicadas legalmente Art VI A lei deve ser expressão da vontade geral todas as cidadãs e cidadãos devem con correr pessoalmente ou com seus representantes para a sua formação ela deve ser igual para todos Todas as cidadãs e cidadãos sendo iguais aos olhos da lei devem ser igualmente admitidos a todas as dignidades postos e empregos pú blicos segundo as suas capacidades e sem outra distinção a não ser suas virtudes e seus talentos Art VII Dela não se exclui nenhuma mulher esta é acusada presa e detida nos casos esta belecidos pela lei As mulheres obedecem como os homens essa lei rigorosa Art VIII A lei só deve estabelecer penas estri tamente e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada às mulheres Art IX Sobre qualquer mulher declarada culpa da a lei exerce todo o seu rigor Esse último artigo é bastante interessante no que diz respeito à busca de igualdade visto que Olympe de Gouges exige igualdade de fato independentemente das perdas As mulheres antes durante e depois da Revolução eram tratadas como incapazes inclusive no tocante às leis penais desta forma elas na maior parte dos casos conseguiam tratamento diferenciado A igualdade da autora da Declaração vai além no artigo XIII ela declara a igualdade de homens e mulheres no tocante inclusive à taxação Art XIII Para manutenção da força pública e para as despesas de administração as contri buições da mulher e do homem serão iguais ela participa de todos os trabalhos ingratos de todas as fadigas deve então participar também da distribuição dos postos dos empregos dos cargos das dignidades e da indústria Com relação à liberdade de expressão Olympe de Gouges não somente inclui a mulher como agente expressivo de opiniões como também indica nas suas Declarações que a liberdade de expressão da mulher deve ir além dos preconceitos sociais Para ela a livre comu nicação por parte da mulher asseguraria a legitimidade dos filhos Art X Ninguém deve ser molestado por suas opiniões mesmo de princípio a mulher tem o di reito de subir ao patíbulo deve ter também o de subir ao pódio desde que as suas manifestações não perturbem a ordem pública estabelecida pela lei Art XI A livre comunicação de pensamentos e de opiniões é um dos direitos mais preciosos da mulher já que essa liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos Toda cidadã pode então dizer livremente sou a mãe de um filho seu sem que um preconceito bárbaro a force a esconder a verdade sob pena de responder pelo abuso dessa liberdade nos casos estabelecidos pela lei 25 As Constituições Revolucionárias A França revolucionária conheceu mais de uma constituição cada qual com sua característica cada uma sendo produto do momento histórico ou melhor da fase da Revolução que o país se encontrava Conforme Marcello Cerqueira Diferentemente da Revolução Americana em que a Constituição traduziu a vontade revolucio nária em uma ordem constitucional estável as contradições no interior do movimento que culminou com a derrubada do Ancien Regime não permitiram que a Revolução Francesa se expres sasse através de um modelo constitucional defi nitivo As constituições foram produzidas adota das suspensas aplicadas e violadas 411 Analisar essas Constituições é perceber que embora possamos montar um arcabouço comum as leis são redigidas de forma a atender à ideologia do grupo que se encontra no poder Isso é bastante claro na Revolução Francesa porque em curto espaço de tempo muitos grupos alternaramse no comando do país Inicialmente a Revolução apresentase como uma mudança não muito radical com vistas principalmente a subordinar o rei à lei e a instituir uma maior igualdade entre as pessoas Nesse sentido podemos ler na Constituição de 1791 a primeira da Revolução da fase chamada Monarquia Constitucional Todos os cidadãos são admissíveis aos cargos e empregos sem outra distinção senão aquela decorrente das suas virtudes e das suas apti dões412 411 CERQUEIRA Marcello A constituição na história origem reforma Rio de Janeiro Revan 1993 p 72 412 Título I art 1o Todas as contribuições serão igualmente repar tidas entre todos os cidadãos proporcionalmente aos seus recursos413 Não existe na França autoridade superior à da lei O rei reina por ela e não pode exigir obe diência senão em nome da lei414 Esse período marcado pela tentativa de manutenção da realeza foi se desfazendo conforme o próprio rei não admitia nenhuma perda de poder chegando inclusive a tentar fugir da França para preparar um exército para acabar com a Revolução e conforme as divisões internas dos revolucionários indicavam uma luta interna que iria marcar as outras fases da Revolução Com o início da Guerra contrarrevolucionária de outros países europeus contra a França a Assembleia não conseguiu conter a insatisfação do povo que acabou apoiando a Convenção Nacional que eleita por sufrágio universal masculino substituiu a Assembleia A Convenção condenou o rei à morte e proclamou a República A Convenção buscou reinventar a França um novo calendário uma nova Constituição Como o país estivesse de fato em perigo por causa da coligação de quase toda a Europa Ocidental contra a França a Convenção instituiu um Tribunal para julgar os contrarrevolucio nários a guilhotina foi usada em larga escala e o período ficou conhecido como o do Terror A Constituição de 1795 é curta e indica apenas a condição do momento da França ou seja uma República indicando também as divisões administrativas na França nas Colônias Essa Constituição preocupase de fato com a questão da eleição assunto ao qual dedica grande parte de seus artigos 26 Era Napoleônica e o Código Civil Com a chegada de Napoleão ao poder muitos historiadores consi deram como estando terminada a Revolução Francesa Entretanto foi neste período que os ideais burgueses da Revolução mais se espalha ram pela Europa que paulatinamente caiu sob o domínio Napoleônico 413 Título I art 2o 414 Capítulo II art 3o A fase mais popular havia acabado Napoleão Bonaparte visava restituir uma espécie de monarquia tendo como centro a si mesmo mas quem o colocou e o manteve no pode foram burgueses principalmente representantes da alta burguesia que sem abdicar de conquistas conseguidas com o início da Revolução não considerava interessante manter o governo de tal forma que poderia parar nas mãos de qualquer um que não fosse de sua conveniência Em 1799 a França apresentava problemas enormes comércio e indústria estavam arruinados caminhos portos e estradas destruídas o serviço público desorganizado a guerra civil parecia eminente Para suplantar esses problemas o setor que representava a burguesia in dustrial aliouse a Bonaparte general de destaque do exército francês herói do povo derrubando o Diretório e instaurando o regime do Consulado Uma nova Constituição foi feita no final de 1799 sendo aprovada por plebiscito com mais de 3 milhões de votos A França permanecia uma República o Poder Legislativo passou a ser composto por quatro Assembleias o Conselho de Estado que preparava as leis o Tribunal que as discutia o Corpo Legislativo que as votava e o Senado que era responsável por sua execução O Poder Executivo era comandado por três cônsules nomeados pelo Senado com mandatos de 10 anos O primeirocônsul concentrava a maior parte dos poderes a ele cabia propor e publicar leis nomear ministros funcionários juízes Esse cargo era de Napoleão Bonaparte este ignorava sempre que considerava necessário a constituição Em 1802 Bonaparte recebeu o título de cônsul vitalício e em termos gerais foi um bom administrador reorganizou e centralizou a administração criou um corpo de funcionários para a arrecadação de impostos fundou o Banco da França dando exclusividade a este na emissão de papelmoeda conseguiu melhorar muito a situação econômica do país Mas ele não sabia governar sem ser general isto é ele comandava sozinho sem ter discussões sobre suas ordens Assim em 1804 em nome da salvação da República ele se nomeou Imperador Um Imperador para salvar a República O artigo 1o da nova Constituição afirmava O Governo da República é confiado ao Imperador Napoleão deu à França um conjunto de códigos de 1804 a 1810 foram promulgados um Código Civil um Código de Processo Civil um Código Comercial um Código Penal um Código de Processo Penal e um Código de Instrução Criminal A maior parte deles mantémse em grande parte em vigor até hoje na França e na Bélgica Código é a compilação sistemática de leis normas e regula mentos ou qualquer conjunto de disposições de regulamentos legais aplicáveis em diversos tipos de atividades415 A partir da segunda metade do século XVIII os códigos passaram a ser exclusivamente legislativos e com o passar do tempo tenderam a ser específicos a um ramo do Direito O termo Codex é de origem romana e os Códigos de Teodósio e Justiniano são os exemplos mais antigos da utilização da expressão416 Na Idade Média a palavra código é utilizada exclusivamente para a legislação romana as outras leis utilizam termos como corpus rechtsbuch etc417 A necessidade de codificação surgiu desde o início da Revolução Francesa e após algumas tentativas a obra de codificação napoleônica coroou os esforços A obra que o próprio Napoleão considerava como sendo a mais importante de sua carreira como estadista foi o Código Civil Esse Código foi inspirado no Direito Romano nas Ordenações Reais e no Direito Revolucionário e sua importância pode ser atestada no fato de que dezenas de códigos civis do mundo inspiraramse nele O Código representou uma reforma e uma codificação detalhadas das leis civis francesas No Antigo Regime portanto antes da Revolução Francesa mais de quatrocentos códigos estavam em vigor nas várias localidades da França Além do que os revolucionários haviam já editado mais de 14000 leis decretos etc A legislação precisava de um rumo precisava ser codificada arrumada e por duas vezes durante fases anteriores da Revolução tentaram codificar as leis civis mas foi em vão Em 1801 uma comissão de peritos terminou o esboço do Código Civil mas este somente foi publicado em 1804 Napoleão pessoal mente empenhouse para que o trabalho chegasse a termo e para que os especialistas não mudassem o norte que ele dava Das 87 reuniões 415 HOUAISS Antonio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 416 Os códigos mais antigos como o de Hammurabi por exemplo receberam esse nome em virtude da semelhança e muito provavelmente por não haver outro termo simplificado que pudesse exprimir sua definição 417 GILLINSSEN J Introdução histórica ao direito 2 ed Lisboa Calouste Goubekian 1995 p 449 que fizeram para a discussão e feitura do Código Napoleão estava presente em 37 O Código Civil chamado Napoleônico com justeza representa a mistura que o próprio Napoleão conseguiu empreender no governo francês o liberalismo e o conservadorismo Entretanto fazse neces sário destacar que as principais conquistas da Revolução igualdade perante a lei liberdade religiosa e abolição dos resquícios feudais foram consolidados dentro do Código Apesar de avanços liberais profundos o Código Napoleônico era um código de proteção à propriedade burguesa dos cerca de 2000 artigos que possui 7 dizem respeito ao trabalho e 800 à propriedade privada Os sindicatos e as greves são proibidas mas a associação de empregadores permitida Em uma disputa judicial sobre salários é o testemunho do patrão e não dos empregados que deve ser levado em conta418 Vejamos também alguns pontos do Código Civil de Napoleão no tocante à família O Código reforçou o poder patriarcal dando ao pai poder maior sobre os filhos como se pode atestar nos artigos 371 372 e 373 Uma criança de qualquer idade deve honra e respeito a sua mãe e a seu pai Ela permanece sujeita a seu controle até a maioridade ou a emancipação O pai sozinho exercita este controle durante o casamento419 O pai poderia se considerasse necessário deter o filho por um mês ou se este tivesse mais de dezesseis anos mandar detêlo por seis meses Um pai que tenha insatisfações aflitivas com a conduta de seu filho deve ter os meios de corrigilo 418 HUBERMAN Leo História da riqueza do homem 21 ed Rio de Janeiro LTC 19 p 151 419 Livro I das pessoas Título IX do pátrio poder Se a criança não completou dezesseis anos o pai poderá confinálo por um período que não poderá exceder a um mês Da idade de dezesseis anos completos até a maioridade ou emancipação o pai terá apenas o poder de requerer o confinamento de seu filho durante seis meses 420 O poder patriarcal é estendido também à esposa Pessoas casadas devem umas as outras fide lidade socorro e assistência O marido deve proteção à esposa e a esposa obediência ao marido A esposa é obrigada a viver com seu marido e seguilo para qualquer lugar que ele julgue con veniente morar o marido é obrigado a receber a esposa e fornecer a ela tudo o que é necessário à sobrevivência de acordo com seus meios e condição social A esposa não pode processar em seu próprio nome sem a autoridade de seu marido 421 O divórcio é admitido no Código Civil de Napoleão e o adultério pode figurar entre as suas causas entretanto o adultério feminino é causa de fato o masculino só pode ser causa quando o marido leva a concubina para dentro de sua residência O marido pode demandar divórcio por causa de adultério da esposa A esposa pode demandar divórcio por causa do adultério do marido quando este leva sua con 420 Livro I das pessoas Título IX do pátrio poder Artigos 375 376 377 421 Livro I das pessoas Título V do casamento Capítulo VI dos respectivos direitos e deveres de pessoas casadas Artigos 212 213 214 215 cubina para dentro da residência dos es posos422 Outras causas como desejo mútuo atitudes constrangedoras condenação de um dos esposos por crimes difamatórios etc podiam ser apontadas e a esposa poderia solicitar uma pensão alimentícia423 Uma lei de 1793 igualava o direito dos filhos do casamento e de fora dele os redatores do Código foram contrários a essa igualdade No Código são diferenciados filhos legítimos e ilegítimos também cha mados de filhos naturais Os primeiros são automaticamente consi derados se dentro de prazos determinados foram concebidos dentro do casamento sem haver prova do adultério da esposa Nem mesmo a impotência do marido pode ser alegada para desconsiderar um filho nestas condições No caso de filhos concebidos fora do casamento sua legitimação só poderia ocorrer com o casamento de seus pais e caso o pai já fosse casado poderia reconhecer o filho concebido fora do matrimônio mas este não teria os mesmos direitos de um filho legítimo Crianças nascidas fora do matrimônio como fruto de intercurso incestuoso ou de adultério podem ser legitimadas pelo subseqüente casa mento de seu pai e sua mãe 424 Uma criança natural reconhecida não pode reclamar direitos de uma criança legítima 425 A adoção é outro caso interessante no Código Napoleônico era um instituto legalizado mas com tantos entraves teria sido mais simples proibir O adotante deveria ter pelo menos cinquenta anos e quinze a mais que o adotado o adotante não poderia ter herdeiros e o adotado deveria ser menor de idade426 422 Livro I das pessoas Título VI do divórcio Capítulo I das causas do divórcio Artigos 229 230 423 Livro I das pessoas Título VI do divórcio Capítulo II do divórcio com causas determinadas Seção II 424 Livro I das pessoas Título VII da paternidade e filiação Capítulo III das crianças naturais Seção I da legitimação de crianças naturais Artigo 331 425 Livro I das pessoas Título VIII da paternidade e filiação Capítulo III das crianças naturais Seção II do reconhecimento de crianças naturais Artigo 338 426 Livro I das Pessoas Título VII da adoção CAPÍTULO XII AS LEIS PORTUGUESAS 1 Os Primeiros Habitantes e a Romanização Quando Roma tomou a Península Ibérica muitos povos já haviam habitado o lugar Celtas Iberos Tartéssios Cartagineses Fenícios Gre gos e os Celtiberos destacandose entre estes os Lusitanos que habi tavam o norte e o centro do que hoje é Portugal Estes mantiveram mes mo depois da romanização traços básicos de sua cultura que formaram uma das bases para a elaboração social da sociedade portuguesa427 Os lusitanos formavam pequenos estados que poderiam ser chamados aristocráticos em cidades Estas possuíam um chefe que exercia poderes políticos religiosos e judiciais sobre os habitantes428 Os romanos ao chegarem na península sofreram resistência inclusive dos lusitanos entretanto após incursões mais fortes por parte do exército romano eles acabaram por sucumbir A partir desse momento no século II aC os lusitanos embora ainda tentassem inicialmente revoltarse absorveram a cultura dos invasores No final do primeiro século aC foi feita uma reforma adminis trativa por Roma estas reformas dividiam a Península em três provín cias O atual território português encontravase na província chamada Tarraconense até o rio Douro e nos limites de outra chamada Lusitânia Com a reforma instalouse também a administração da justiça que existia baseada em uma subdivisão das províncias ou seja para fins judiciais cada província estava dividida em unidades menores chamadas conventus cada um estava responsável por administrar a justiça em seu território429 Em cada província a jurisdição máxima era exer cida pelo governador auxiliado por um conselho 427 O fenômeno conhecido como romanização vai além da conquista territorial Ele acon tecia quando os romanos integravamse à cultura local e passavam a influenciála profundamente 428 CAETANO Marcello História do direito português 3 ed Lisboa Verbo 1992 p 58 e ss 429 MARQUES H De Oliveira apud PAULA Jônatas Luiz Moreira de História do direito processual brasileiro das origens lusas à Escola Crítica do Processo São Paulo Manole 2002 p 26 assessor em que deviam figurar conhecedores do direito romano e das tradições jurídicas locais o desempenho das funções jurisdicionais se reali zava pelo governador de modo estável na capital provincial de onde tinha fixada a sua residência porque também atuava periodicamente de modo itinerante e de ordinário mediante delegados nas cidades judiciais do território provincial Os magistrados locais tinham jurisdição nas contro vérsias que não excederiam de uma determinada quantia econômica que variava segundo o or denamento de cada município e em alguns casos não eram competentes em razão da matéria em geral as localidades tinham autonomia jurisdicio nal dentro dos limites estabelecidos pela legis lação romana as sentenças pronunciadas nos juízos locais poderiam ser recorridas por apelação ante o governador430 A romanização foi coroada em 212 dC com a Constituição Antoniana que concedeu cidadania romana a todos os habitantes do império Isto significava na prática que todos os que habitavam em território romano ou conquistado por Roma teriam acesso a direitos e deveres contemplados pelas leis romanas Com essa igualdade outras consequências podem ser vistas como por exemplo o surgimento de uma grande demanda de pessoas necessitadas de conhecimentos acerca do direito romano e o problema com a duplicidade de ordenamentos jurídicos que coexistiam nas Províncias já que como havia antes de 212 leis romanas para romanos e leis aplicáveis a não romanos e essa divisão não acabaria subitamente431 A partir do início do século V dC os Germânicos começaram a penetrar também na Península Ibérica Alanos Vândalos e Suevos instalaramse até que outra tribo a dos Visigodos com um acordo com os romanos os expulsou e tomou a península O direito visigótico passa a dominar a região432 430 PARICIO Javier apud PAULA Jônatas Luiz Moreira de op cit p 75 e ss 431 PAULA Jônatas Luiz Moreira de Op cit p 75 432 Para um maior aprofundamento nesse tema conferir capítulo acerca do Direito Medieval 2 Os Muçulmanos na Península Nos últimos anos de vida de Maomé apenas parte da Península Arábica estava conquistada pelos muçulmanos após a sua morte foi formado um Estado teocrático militar governado por Califas chefes políticoreligiosos que lideraram um movimento expansionista que acrescentou territórios ao Império árabe com uma velocidade jamais vista Muitos fatores influenciaram essa expansão necessidade de ter ras férteis explosão demográfica o interesse na ampliação das atividades comerciais conversão de outros povos e a Jihad a guerra santa o dever do muçulmano de combater os infiéis Outros elementos auxiliaram na rapidez com que essa expansão se realizou a fraqueza dos Impérios Bizantino e Persa e a descentralização de poder do norte da África e a fragmentação da Europa Medieval A expansão iniciouse com a conquista de territórios persas e bizantinos em 634 Após várias vitórias na Ásia ocidental e no norte da África os muçulmanos alcançaram em 711 o estreito entre a Europa e a África chamado hoje em dia de Estreito de Gibraltar talvez por causa do nome do líder da invasão Gilbral Tarik Conquistaram a Península Ibérica mas foram derrotados em sua expansão em direção ao território dos francos Em seguida derrotados em Bizâncio acabaram por estabelecerse nos territórios conquistados sem buscar uma maior expansão Na Península Ibérica os muçulmanos ou mouros como eram conhecidos por lá permaneceram até o século XV influenciando sobremaneira a cultura da região onde hoje estão Portugal e Espanha Essa influência só não foi maior por causa da política de tolerância dos muçulmanos Estes mantinham a estrutura dos locais conquis tados mudando apenas seus nomes ou denominações buscavam também respeitar as instituições existentes inclusive no tocante ao direito assim o direito muçulmano se personalizava em razão do credo da pessoa ao contrário do direito visigótico que utilizava a raça do indivíduo Mas isso gerou situações interessantes porque em relação aos muçulmanos havia tolerância religio sa jurídica portanto o que representou em alguns territórios ou condados uma relativa autonomia administrativa e judiciária com apli cação do Código Visigótico do Direito Canônico e a conservação dos próprios juízes totalmente diferenciados dos árabes Portanto pouca aplica ção do direito muçulmano na Lusitânia433 3 O Nascimento de Portugal Nos séculos IX e X somente o norte da Península Ibérica escapava ao domínio árabe mas a partir do século XI com a formação dos reinos cristãos de Castela Aragão Navarra e Leão a luta pela expulsão dos muçulmanos iniciariaseia efetivamente Muitos nobres de outras regiões iam lutar ao lado dos cristãos da península pela expulsão daqueles que chamavam infiéis os cristãos consideravamse em uma Cruzada Santa No reinado de Afonso IV de Leão dois nobres franceses receberam do rei como recompensa por importantes serviços prestados na Guerra de Reconquista suas duas filhas em casamento e feudos Um destes feudos era o Condado Por tucalense que com tendências separatistas conseguiu em 1139 formar um reino com dinastia própria a de Borgonha e com o reconhe cimento da Igreja Como condado ou como reino independente Portugal não parou a luta pela expulsão dos muçulmanos progressivamente conquistou os territórios ocupados consolidando seus limites com a incorporação da região de Algarve Portugal nasceu com uma espada na mão é o que diz um velho ditado lusitano e é fato As guerras chamadas de Reconquista mar caram toda a organização do Estado Português Como havia uma exi gência permanente de constante mobilização militar a figura do chefe do exército foi reforçada facilitando a centralização em torno do rei Assim o Estado Português nascia como que naturalmente visto que para expulsar os muçulmanos era necessário conquistarlhes as terras mas não no modelo feudal a terra conquistada não trazia delegação de poder hereditário a propriedade da terra não significava soberania as instituições municipais eram fortes e hierarquicamente dispostas sob o rei não sob um nobre local o soberano era o supremo juiz as leis eram para todos 433 PAULA J L M de Op cit p 100 E finalmente para manter um exército era necessário renda e esta somente poderia advir de impostos que eram cobrados em nível nacional por uma burocracia muito organizada Por isso Portugal é o primeiro a tornarse um Estado no sentido moderno do termo Um dos momentos mais importantes do início da história portuguesa foi o reinado de D Diniz entre 1279 e 1325 porque a formação da Nação Portuguesa deveuse muito aos atos deste monarca que unificou a língua em todo território impondo o português nos documentos públicos que antes eram escritos em latim e a fundação de Universidades Esse mesmo monarca fez valer em Portugal um documento legal que já vigorava na Espanha a Lei das Sete Partidas Esta era uma exposição jurídica de caráter enciclopédico inspirado basicamente no direito romano e no direito canônico que tinha em vistas suplantar os costumes e o chamado direito velho434 O direito velho que sobreviveu ainda por algum tempo depois de D Diniz e que era alvo dos que pretendiam eliminálo tendo como via uma maior centralização do direito era caracterizado pela brutalidade nos preceitos jurídicos como o arrasamento de aldeias inteiras como punição para crimes bem como pelas leis dos primeiros monarcas que não chegaram a gerar um corpo legislativo unitário Esse direito antigo tem também como propriedade a utilização da Justiça Privada e da vingança435 O direito muçulmano cuja influência se fez sentir pela ocupação na península trouxe segundo Marcello Caetano uma onda de insti tuições consagradas pelo Alcorão entre elas a vindicta privada que acabou por atrasar a inserção da ideia de Direito Público no Direito Português sendo portanto compreensível que nos primeiros tempos da história do direito luso tenha coexistido justiça pública aplicada por concelhos senhores juízes e pelo rei e a justiça privada exercida pelos parentes ou grupo da vítima436 434 Ibidem p 127 435 A vingança é uma reação a um ato que se considera injusto reação essa tida pela própria vontade do autor já a Justiça Privada é a vingança institucionalizada já que após um julgamento é dado a um indivíduo ou a um grupo o direito de agir contra o que foi condenado pelo crime 436 CAETANO Marcello Op cit p 248 Como exemplo dessas verdadeiras guerras pri vadas geradas por sentimentos de vingança podemos citar as Assuadas que eram bandos que fidalgos convocavam para retribuir ofensas recebidas A princípio Afonso III as proibiu prevendo como pena o degredo a expulsão do país porém de nada adian Assim o início da história codificada do direito português é o início da luta contra o direito privado que existia em detrimento do direito público Este passou a ser formado baseado no renascimento do direito romano que foi propiciado pelas universidades que surgiam e pela utilização do direito canônico como direito subsidiário e como fonte de aprendizado do modo de feitura de códigos e leis Tendo essas questões em vista foi ainda no reinado de D Diniz que o serviço judiciário foi reestruturado com a criação do cargo de juiz em que este teria competência para julgar questões entre os cidadãos e os oficiais régios com jurisdição na cidade juízes alvazis dos avençais e com judeus que estivessem sob proteção real chamados juízes dos judeus já os juízes que tinham por competência tutorias e o julgamento acerca de inventários de menores órfãos eram chamados de Juízes dos Órfãos437 Esse monarca também aumentou o número de almotacés que a princípio eram inspetores encarregados da exata aplicação dos pesos e medidas e da taxação e distribuição dos gêneros alimentícios introduziu o cargo de Procurador do Concelho que tinha a atribuição de cuidar dos interesses públicos o que faz com que alguns autores considerem este como sendo o gérmen do Ministério Público e dimi nuiu sobremaneira o poder dos senhores de terra principalmente no tocante à aplicação do direito visto que ele eliminou a possibilidade desses julgarem recursos ou apelações das sentenças dos territórios onde não era exercida a jurisdição senhorial essas decisões era examinadas pela Corte438 4 A Era das Ordenações439 41 As Ordenações Afonsinas Essa legislação a primeira compilação de fato com características eminentemente portuguesas nasceu com esse intuito mesmo ser tou Somente após quase um século quando acrescentaram à proibição a pena de multa de 1000 libras a perda de terras e o exílio à Assuada deixou de ser praticada 437 Ibidem passim 438 Ibidem p 324 439 Ordenações atos emanados do poder executivo através dos quais na Península Ibé rica medieval eram promulgadas normas decisões e outras medidas destinadas a re portuguesa diferenciarse da legislação espanhola Esse sentimento cresceu em Portugal principalmente durante e depois da Revolução de Avis uma questão políticodinástica que tomou ares de emancipação dinástica entre Castela e Portugal criando ou renovando um senti mento nacional que a Ordenação veio reforçar A Revolução de Avis foi resultado de uma crise econômica do século XIV somada a uma crise dinástica ou seja o rei D Fernando havia morrido sem deixar herdeiros homens e sua filha era casada com o rei de Castela que se interessava muitíssimo em anexar Portugal a seus domínios A nobreza sairia ganhando com essa anexação já que o rei de Castela beneficiava os donos de terra a burguesia mercantil sairia enfraquecida e o povo tenderia a ter mais problemas porque com o reforço no poder dos nobres estes poderiam proibir o êxodo rural fenômeno que crescia em Portugal Com o maior poder de sustentação de uma guerra a burguesia conseguiu colocar no poder o irmão bastardo de D Fernando que em 1385 foi oficialmente coroado com o nome de D João I As Ordenações Afonsinas começaram a ser feitas no reinado de D João I que ascendeu ao trono nessa Revolução e colocou a dinastia de Avis por cerca de dois séculos no trono Português Junto com essa dinastia ascendeu ao poder o grupo mercantil urbano cujos interesses tornaramse os objetivos nacionais Entretanto por vários problemas inclusive dinásticos novamente o trabalho só foi concluído em 1446 portanto quase cinquenta anos depois de seu início Um dos objetivos da Revolução de Avis era defender a inde pendência portuguesa fortalecendo o poder real Um Estado forte era interessante à burguesia pois o apoio do Estado era primordial para a promoção do comércio e da navegação Esses objetivos transparecem nas Ordenações Afonsinas Outro alvo da feitura das Ordenações era diminuir ou acabar com as várias e muitas vezes concorrentes leis dispersas pelo reino Assim afirma o proêmio do Livro I das Ordenações Afonsinas gulamentar os mais diferentes assuntos Por outro lado o termo pode também significar coletâneas de preceitos ou códigos oficiais referentes predominantemente ao direito português e espanhol Em Portugal são especialmente importantes as Ordenações Afonsinas as Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Dicionário de nomes termos e conceitos históricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 291 No tempo que o mui alto e mui excelente Príncipe ElRei D João de gloriosa memória pela graça de Deus reinou em estes reinos foi requerido algumas vezes em cortes pelo fidalgos e povos dos ditos reinos que por bom regimento deles mandasse prover as leis e ordenações feitas pelos reis que ante ele foram e acharia que pela multiplicação delas se recreciam continuada mente muitas dúvidas e contendas em tal guisa que os julgadores dos feitos eram postos em tão grande trabalho que gravemente e com grão difi culdade os podiam diretamente desembargar 440 As Ordenações Afonsinas são divididas em cinco livros o primeiro é relativo aos regimentos dos cargos públicos régios e municipais compreendendo o governo a justiça a fazenda e o exército o segundo é sobre Direito Eclesiástico jurisdição e privilégios dos donatários as prerrogativas da nobreza e o estatuto dos judeus e dos mouros o terceiro livro diz respeito ao processo civil o quarto é de direito civil englobando o direito das obrigações e contratos o direito das coisas o direito de família e sucessões o quinto e último livro aborda o direito penal e o processo penal Essa legislação foi feita sob a técnica da Compilação ou seja a transcrição na íntegra das fontes já existentes seguida da declaração de termos que confirmavam alteravam ou eliminavam estas fontes Foram fontes as leis gerais as resoluções régias as petições as dúvi das apresentadas em Corte as concórdias as concordatas as bulas Somente o Livro I utilizouse de um outro estilo o decretório ou legis lativo que é a formulação direta das normas sem apoiarse em ne nhuma fonte441 A Estrutura Judiciária colocada pelas Ordenações Afonsinas con tava com Magistrados Singulares e Tribunais Colegiados de segundo e terceiro graus de jurisdição além de magistrados com funções específicas postos acima dos Tribunais Colegiados Os Magistrados Singulares eram 440 CAETANO Marcello Apud PIERANGELI José Henrique Códigos Penais do Brasil 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 p 51 441 COSTA Mario Julio de Almeida História do direito português 3 ed Coimbra Alme dina 1996 p 276 e ss Os Juízes Ordinários estes não eram bacharéis em direito eram eleitos pelos homensbons da Câmara Municipal442 Os Juízes de Fora bacharéis em direito nomeados pelo rei podiam substituir os juízes ordinários Os Juízes de Órfãos sua competência era o julgamento de cau sas referentes aos interesses de menores inventários e tutorias Os Juízes de Vintena eram os juízes de paz nas localidades com até vinte famílias Os Almotacéis que passaram a ter por função a apreciação de litígios sobre servidão urbana e crimes praticados por funcio nários corruptos Os Juízes de Sesmaria cuja função era o julgamento de ques tões envolvendo terras Os Juízes Alvazis dos Avençais e dos Judeus que tinham por obrigação dirimir questões havidas entre funcionários régios e entre judeus443 Os Tribunais Colegiados Segundo Grau de Jurisdição eram assim compostos Desembargo do Paço tinha por objetivo apreciar questões cíveis relativas à liberdade do indivíduo tais como graça perdão indulto privilégios etc Conselho da Fazenda a sua função precípua era a de solucionar litígios acerca de arrecadação de tributos Mesa da Consciência e Ordem responsável pela apreciação dos recursos dos demais juízes444 O Tribunal Colegiado 3o grau de jurisdição era a Casa de Suplicação que era a terceira e última instância da justiça portuguesa com competência delimitada 442 HomensBons termo empregado na Península Ibérica particularmente em Portugal durante a Idade Média para caracterizar homens que se faziam notar pela sua respeitabilidade riqueza e honradez dentro de cada aldeia ou povoado Originalmente herdeiros de proprietários os homensbons passaram a designar a burguesia de modo geral Os cargos municipais na sua quase totalidade eram monopolizados por esses personagens que decidiam sobre a maioria das questões judiciárias e administrativas Eram os homensbons que compunham os conselhos e as assembléias do município AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Op cit p 210 443 PAULA J L M de Op cit p 146 444 Ibidem p 147 Era do rei o mais alto cargo da Justiça visto que ele era o Governador da Casa da Justiça na corte que era o mais alto e principal Ofício da Justiça Seu papel era a distribuição dos Desembargadores definição dos dias de trabalho destes e do Juiz dos feitos do Procurador do Corregedor da Corte e dos Ouvidores O Juiz dos Feitos era o responsável por realizar audiências nos Tribunais de Relação ou nas Mesas de Consciência o Corregedor da Corte que acompanhava a corte por onde esta fosse era competente para conhecer questões de pessoas menos afortunadas se esse optassem pela demanda perante o Corregedor este também exa minava as contas dos Concelhos Albergarias Juízes de Órfãos etc bem como Também era deferido ao Corregedor da Corte a expedição de cartas para prisão de malfeitores acusados de delitos ou já considerados culpados bem como de petições e de agravos interpostos contra as cartas e contra os juízes corregedores Cabia também a expedição de cartas de livra mento de crimes seja para órgãos judiciais do primeiro como para o segundo grau de jurisdição e as respectivas petições e agravos Por fim determinavase ao Corregedor da Corte uma série de atividades administrativas relativas à Corte445 Os Ouvidores eram os responsáveis pelo conhecimento de todos os feitos penais que estivessem em apelação assim como no âmbito dos Tribunais de Relação a distribuição de audiências Tinha também atribuições administrativas para a condução dos serviços forenses446 As Ordenações Afonsinas têm muita influência do direito Canô nico muitas vezes inclusive temse a utilização da palavra pecado como sinônimo da palavra crime Isso gera mais que uma simples confusão de termos uma consequência imediata não importa somente a materialidade do crime mas também a intenção do acusado porque como pecado é assim que se mede a culpa do indivíduo e é através 445 Ibidem p 147 e ss 446 Ibidem p 148 dessa aferição de intenção que se pode graduar a pena se assim for possível dentro da lei Dentro da mentalidade da época vêse também que essa legislação não trabalha com uma proporcionalidade entre crime e pena para os legisladores do período a lei servia para incutir o medo con forme o grau de temor gerado pela pena Nesse sentido existiam vários delitos de várias espécies que eram passíveis de punição idêntica a pena de morte Podese citar como exemplo o crime de feitiçaria o crime de trato ilícito entre cristão e moura ou judia vários tipos de furto etc A igualdade a equidade ou qualquer palavra desse tipo que possa levar na direção de não diferenciação de pessoas não podem ser vistas na Ordenação Afonsina visto que no tocante às penas sempre fidalgos e pessoas comuns são diferenciadas assim por exemplo se um homem fosse pego em flagrante com a mulher de outro poderia ser morto pelo esposo traído entretanto se o adúltero fosse cavaleiro ou fidalgo ele não poderia ser morto447 42 As Ordenações Manuelinas Quando da feitura da parte final das Ordenações Afonsinas Portugal já havia se lançado na Expansão Marítima mas esta ainda que comandada pela burguesia carregava um caráter de Cruzada com um peso maior na conquista de terras e conversão de não cristãos a ideologia dos nobres perpassava pela mentalidade portuguesa Conforme Portugal avançava no Périplo Africano o caráter de Cruzada era suplantado paulatinamente pelos lucros advindos do empreendi mento assim a Expansão Marítima era cada vez mais Expansão Marí timoComercial Isso não poderia deixar de afetar a vida como um todo da nação portuguesa que não deixou de produzir leis extravagantes em grande quantidade mesmo depois da Ordenação Afonsina ser promulgada como forma de unificação do direito Além disso com mudanças tão grandes ocorrendo na sociedade portuguesa leis caíam em desuso mais rapidamente do que era normal em tempos anteriores As Grandes Navegações e os avanços tecnológicos e filosóficos do período também faziam mudar a mentalidade as coisas tinham que ser 447 PIERANGELLI José Henrique Códigos penais do Brasil 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 p 53 mais velozes o mundo era maior que o Mediterrâneo e o contato era um pouco mais fácil Como não querer dar mais agilidade também à legis lação O estilo em que foi escrita a Ordenação Afonsina era rebuscado e com uma linguagem muito mais próxima do Castelhano que os Portugueses agora gostariam de ter Além disso o alemão Johan Gutemberg em 1450 havia inventado a prensa de tipos móveis e com isso a legislação não somente poderia ser mais conhecida como também poderia alcançar mais gente cumprindo um dos papéis que o Estado Moderno lhe conferiu o de auxiliar a centralização do poder Assim em 1505 cinquenta e nove anos após a promulgação da Ordenação Afonsina D Manuel chamado o Venturoso mandou revi sála e a revisão acabou por gerar uma nova Ordenação a Ordenação Manuelina de 1521 A Ordenação Manuelina é diferente da Afonsina porque foi feita em estilo decretório ou seja a redação é em decretos como se fossem todas normas novas independentemente de serem e muitas vezes o eram novas formas de leis vigentes Em contrapartida as duas ordenações assemelhamse porque partem do pressuposto que quando algo não está previsto deve ser consultado o direito romano ou seja ambas mantêm o direito romano como subsidiário Outro ponto de semelhança é a estrutura e divisão dos cinco livros entretanto como era de se esperar a Ordenação Manuelina trata de maneira mais específica as questões de direito marítimo de contratos e de mercadores chegando inclusive a legislar acerca dos mercadores estrangeiros Essa normatização acerca de mercadores não lusos é um bom exemplo da influência dos mercadores locais visto que sua tendência era a proteção destes últimos obrigando os estrangeiros a somente venderem no atacado e em grandes quantidades Mandamos que os Mercadores e quaisquer pes soas de fora de Nossos Reinos que panos ou outras mercadorias trouxerem a qualquer lugar de Nossos Reinos que os vendam em grosso con vem saber os panos a balas e a peças e não a côvados nem a varas retalhados 448 No tocante a questões penais muito pouca coisa mudou de uma ordenação para a outra Os fidalgos continuavam tendo vantagens 448 Livro IV título 2 quando penalizados em detrimento dos plebeus o crime Lesa Majes tade continuava sendo considerado o pior dos delitos a pena de morte continuava sendo largamente aplicada bem como os tormentos como meio de obter confissão e como pena Podemos destacar alguns delitos que reúnem características exemplares do direito penal da época como por exemplo um não crime um homicídio que poderia ser inclusive duplo que não acar retaria pena para o ou os culpados Este era o caso do assassinato de mulher adúltera e de seu amante pelo marido e quem ele chamasse para ajudar desde que não fossem inimigos da mulher449 Achando algum homem casado sua mulher em adultério licitamente poderá matar assim a ela como aquele que se achar com ela em adultério salvo se o marido fosse plebeu e o adúltero fosse fidalgo de solar ou Nosso Desembargador ou pessoa de maior qualidade Porém quando algum matasse alguma das sobreditas pessoas achando o com sua mulher em pecado de adultério não morrerá por isso mas será degredado pelo tempo que aos Julgadores bem parecer segundo a pessoa que matar não passando de três anos450 O exemplo supra demonstra que o adultério feminino era um crime tão odioso que tornava lícito o homicídio O próximo exemplo da Ordenação Manuelina deixa claro que ainda não havia a diferenciação entre crime e pecado e que alguns pecados eram tão graves para essa sociedade que a pena não fazia distinção de pessoas além de ser aplicada também para a descendência do indivíduo que cometeu o delito neste caso a pena seria a de morte em vida considerada uma das mais cruéis criadas pelo ser humano a Pena de Infâmia Reunindo todas essas características podemos tomar o caso da sodomia 449 O homicídio o dano físico ou mesmo tirar a arma na Corte eram crimes punidos de maneira severa por esta ordenação excetuandose o caso de assassinato de adúlteros a pena era de morte e dependendo da qualidade da pessoa poderia ser também de dez anos de degredo na ilha de São Thomé 450 Livro V título 16 O degredo fazer o indivíduo ir para uma colônia ou determinado lugar foi largamente utilizado como pena nas Ordenações e em várias leis portuguesas Infelizmente para tristeza de nosso amor à pátria o pior degredo era aquele feito no Brasil assim provam as leis que indicam que os delitos considerados como sendo os piores dão ao degredado a pena de ser enviado para cá Qualquer pessoa de qualquer qualidade que seja que pecado de sodomia por qualquer guisa fizer seja queimado e feito por fogo em pó por tal que jamais nunca do seu corpo e sepultura possa ser havida memória e todos os seus bens sejam confiscados pela Coroa de Nossos Reinos posto que tenha ascendentes ou descendentes e mais pelo mesmo caso seus filhos e descenden tes ficarão inábeis e infames assim propria mente como os daqueles que cometem o crime da lesa Majestade contra seu rei e senhor451 É dada a D Manuel o Venturoso a qualidade de ter exigido com maior ímpeto a formação acadêmica de direito para aqueles que trabalhavam com a Justiça em seu reinado os Juízes de Fora eram obrigatoriamente advogados formados mas apesar disso ou por causa disso dirão os críticos a fama dos operadores do direito não era das melhores Assim a Ordenação Manuelina legisla acerca de advogados e Procuradores que advogam para ambas as partes Livro V título 55 e tenta evitar o suborno daqueles que aplicam o direito Defendemos a todos os Julgadores e Desembar gadores e assim a quaisquer outros oficiais as sim da Justiça como da Nossa Fazenda e bem assim da Nossa Casa de qualquer sorte ou qua lidade que seja e assim também os da gover nança das Cidades Villas e Lugares e outros quaisquer que sejam que não recebam para si nem para um filho seu nem pessoa que debaixo de seu poder esteja nenhuma dádiva nem presentes de nenhuma pessoa que seja 452 Com o passar do tempo novas leis foram sendo elaboradas umas alteravam dispositivos da Ordenação outras os revogava parcialmen te outras ainda somente esclareciam o texto Essas mudanças produ ziam uma dispersão que obviamente dificultava o trabalho dos operadores do direito e da população em geral Somado a isso houve a 451 Livro V título 12 452 Livro V título 56 reforma da Universidade de Coimbra em 1537 o que gerou um afã legislativo muito grande Tendo em vista a menoridade do herdeiro do trono D Sebastião seu regente D Henrique incumbiu Duarte Nunes Leão de compilar as leis posteriores o que foi feito sendo aprovado em 1569 Alguns autores denominam essa legislação de Compilação de D Duarte Nunes Leão outros a chamam de Código Sebastiânico 43 As Ordenações Filipinas453 D Sebastião que assumiu o trono aos quatorze anos em 1571 foi criado por Jesuítas e era um adolescente com uma tipicidade perigosa para um monarca absolutista ele desejava ser herói e em certa medi da por alguns séculos o foi para muitos Seu mito chegou a influenciar a Guerra de Canudos embora para a história talvez ele tenha entrado como um tolo Em 1578 ele saiu de Portugal à frente de um exército de 18000 ho mens para tentar fazer o que considerava seu destino combater os infiéis no caso os muçulmanos e disseminar a fé cristã D Sebastião perdeu a batalha de AlcácerQuibir no norte da África e seu corpo nunca foi encontrado O problema era que ele não tinha filhos o que abriu uma séria crise dinástica Quando um monarca não tem herdeiros diretos em linha des cendente são procurados outros parentes e o homem mais próximo em parentesco pode assumir o trono Assim foi no caso de Portugal D Henrique tioavô de D Sebastião ascendeu ao trono mas veio a falecer sem herdeiros visto que embora não seja impeditivo ele era Cardeal Assim extinguiuse a dinastia de Avis e dessa forma abriuse uma crise dinástica porque não havia herdeiros diretos Vários candidatos apresentaramse para a sucessão o mais forte foi o rei de Espanha Filipe II neto de D Manuel e supremo chefe de uma das maiores forças militares da época Por esse último motivo todos os pretendentes ao trono português perderam suas possibilida des e Filipe tornouse ao mesmo tempo rei da Espanha e de Portugal é a chamada União Ibérica Essa união dos dois países poderia gerar o fim de Portugal como nação independente entretanto os portugueses impuseram algumas 453 Por sua importância histórica pelo vasto período que vigeu buscaremos um maior detalhamento desse documento legal condições no sentido de salvaguardar seus próprios interesses o que resultou em uma separação relativa de Portugal e impediu a união com pleta entre os dois países Em 1581 as Cortes Portuguesas apresentaram exigências ao no vo rei que as aceitou dando origem ao Juramento de Tomar Por esse juramento Filipe II permitiria que o comércio colonial de Portugal fosse feito por navios portugueses comandados por portugueses as auto ridades espanholas não poderiam se imiscuir nos assuntos coloniais portugueses No campo administrativo os portugueses continuariam a ocupar os cargos as leis e costumes de Portugal seriam respeitados e seria mantida a língua portuguesa como língua oficial Foi no reinado de Filipe II que foi promulgada a Ordenação Filipi na em 1603 o mais duradouro documento jurídico tanto da história de Portugal quanto do Brasil454 Jônatas Luiz de Paula indica três motivos para a feitura desse documento legislativo desejo de centralização do poder real desejo dos juristas de impor o direito romano e a tendência de repelir a influência canônica que pelas leis de D Sebastião havia sido admitida455 A Ordenação Filipina segue a técnica da compilação revisando também um pouco das normas contidas na Ordenação Manuelina que foi uma de suas principais fontes ao lado da compilação de Duarte Nunes Leão ou Código Sebastiânico Inovações de fato foram pou cas o caráter português da legislação foi preservado por isso podese afirmar que antes de tudo essa Ordenação é a reforma da anterior mais do que uma nova mesmo na composição e assuntos dos livros é seguido o exemplos das ordenações anteriores A estrutura judiciária da Ordenação Filipina é um pouco mais com plexa que a das anteriores e já que esta esteve em vigor em Portugal e no Brasil por tanto tempo é interessante observar as bases desta estrutura A quantidade de juízes singulares aumentou e proliferaram as funções específicas de cada um os Tribunais Colegiados de segundo e terceiro graus de jurisdição também seguiram o mesmo caminho456 Os Juízes Singulares eram 454 A respeito da Ordenação Filipina e o Brasil trataremos no capítulo pertinente 455 PAULA J L M de Op cit p 166 456 Acerca deste assunto por sua síntese didática seguiremos de perto PAULA J L M de Op cit p 167171 O Juiz das Casas da Índia Mina Guiné Brasil e Armazéns que eram responsáveis pelas questões ultramarinas relativas à arre cadação fiscal De suas decisões cabiam recursos aos Desem bargadores dos Agravos da Casa de Suplicação O Ouvidor da Alfândega da cidade de Lisboa tinha competên cia para apreciar feitos cíveis entre mercadores bem como ques tões cíveis e criminais que envolvessem funcionários de postos importantes O Chanceler das Sentenças que era o responsável pelo selo das sentenças e cartas expedidas por alguns outros juízes singu lares O Corregedor da Comarca era quem deveria vigiar os membros da Justiça exercendo a correição na comarca podendo ser auxi liado por tabeliães do local com o objetivo de apurar as culpas querelas e estados destas pessoas Apreciava também os agra vos de instrumento e cartas testemunháveis provenientes da correição os recursos de agravo versando sobre a incompetên cia de juízo ou sobre nulidade notória da decisão Eventual mente poderia substituir os juízes de fora e também conhecer das suspeições arguidas em relação a juízes ordinários e de fora Se uma causa tivesse como uma das partes juízes alcai des fidalgos tabeliães abades e priores ele teria competência para conhecer O Ouvidor da Comarca que exercia as mesmas funções do Cor regedor e contra seus atos caberia agravo para o Corregedor O Ouvidor era nomeado por Carta Régia e exercia seu mandato por três anos O Juiz Ordinário era o indivíduo anualmente eleito entre os homensbons nas Câmaras Municipais e tinham competência para causas cíveis criminais e competência subsidiária das causas atinentes ao juiz de órfãos Suas decisões somente po deriam ser impugnadas através de julgamento de recurso na Relação respectiva do município de sua alçada O Juiz de Fora substituíam os juízes ordinários nas causas cíveis cujo valor não ultrapassasse mil réis nos bens móveis e nas localidade de até 200 casas bem como como tinham a competência para causas de bens móveis com valor de até 600 réis e bens imóveis até 400 réis O Juiz de Vintena existia nas localidades com 20 a 50 casas e afastadas de uma cidade ou vila em uma ou mais léguas Era eleito entre os homensbons e tinha competência para apre ciar querelas de até 100 réis Não eram de sua competência as questões criminais entretanto poderia decretar prisões e enviar o feito para o juiz ordinário O Almotacés com competência para julgar as coimas multas impostas aos proprietários de animais que pastam em lugar in devido e despachava nos recursos de agravo e apelação para fins de seu processamento e tinha competência para as causas relativas a servidão urbana e crimes praticados por funcionários públicos O Juiz de Órfãos apreciava questões relativas aos interesses de menores inventários e tutorias O Juiz de Sesmaria era escolhido pela Mesa do Desembargo do Paço ou pelos governadores sua função era apreciar demandas acerca de medição e demarcação de sesmarias O Inquiridor sua função era a de inquirir as testemunhas No segundo grau de jurisdição a responsabilidade era da Casa de Suplicação e do Tribunal de Relação cada qual cuidava dos recur sos de uma parte do país A Casa de Suplicação era composta pelos Desembargadores do Paço pelo Conselho da Coroa e Fazenda pela Mesa de Consciência e Ordem e pelo Chanceler da Suplicação os corregedores e ouvidores também exerciam funções nos tribunais de segundo grau O terceiro grau de jurisdição era exercido pela Casa da Supli cação presidida pelo Regedor e composta pelo Chanceler Mor e pelos Desembargadores da Casa da Suplicação O Regedor tinha por prin cipal responsabilidade conduzir as atividades judiciais dos desembar gadores das mesas sendo reservado a ele o voto de desempate em qualquer decisão O Chanceler Mor inspecionava os documentos públi cos e extrajudiciais e era o responsável pelo juramento e tomada de posse dos cargos dos oficiais do Império A função recursal era de responsabilidade dos Desembargadores que divididos em grupos de dez apreciavam agravos e apelações A Ordenação Filipina indica quais são os casos em que o processo deve ser recebido e dessa forma realiza um resumo de crimes Os casos em que se deve e pode receber que rela são os seguintes quando for querelado de algum que sendo Cristão ora antes fosse Judeu ou Mouro ora nascesse Cristão se tornou depois a fazer Judeu ou Mouro ou de outra seita que a renegou ou pesou ou por outra maneira pôs in devidamente a boca em Nosso Senhor ou nos Santos457 que é feiticeiro sorteiro adivinha dor458 que cometeu crime de Lesa Majestade que lhe roubador de estradas que matou alguém ou dormiu com mulher de Ordem cometeu pe cado de incesto forçou alguma mulher é sodo mitigo459 alcoviteiro falsário pôs fogo em pães ou em vinhas ou em outras coisas que é ladrão de cem réis ou daí para cima que feriu seu pai ou mãe fez assuada quebrantou cadeia saltou por cima do muro estando a Cidade ou Villa cercada ou guardada ou sendo Carcereiro lhe fugiram presos fez moeda falsa ou a despendeu acinte ou cerceou a verdadeira disse testemu nho falso ou fez dizer que casou ou dormiu com criada daquele com que vive ou casou com duas mulheres sendo ambas vivas ou mulher que ca sou com dois maridos sendo ambos vivos ou sendo nosso Oficial dormiu com mulher que perante ele requeria que sendo Infiel dormiu com alguma Cristã ou Cristão que dormiu com algu ma Infiel que é barregueiro casado barregã de homem casado barregueiro cortesão barregã de homem cortesão460 que é mancebo de Clérigo461 457 Os Mouros e Judeus eram segregados com objetividade por essa legislação Os Mouros e os Judeus que em nossos Reinos andarem com nossa licença assim livres como cativos trarão sinal para que sejam conhecidos convém a saber os Judeus carapuça ou chapéu amarelo e os Mouros uma lua de pano vermelho de quatro dedos cosida no ombro direito na capa e no pelote Livro V título 94 458 Sorteiro aquele que tira a sorte De fato tal Ordenação tem leis contra adivinhos feiticeiros etc bem como proíbe terminantemente Ciganos de entrarem no Reino Livro V título 69 459 Sodomitigo sodomita aquele que atua sexualmente com outro homem Essa ordenação condena tão rigorosamente tal ato quanto as outras a diferença é que a condenação também é dada a mulheres que fazem sexo com outras mulheres Livro V título 13 460 Barregice situação de quem vive maritalmente sem ser casado 461 Mancebo aquele que vive em mancebia em concubinato amásio ou de outro Religioso ou é rufião462 que sendo degradado não cumpriu o degredo que ajudou a fugir Cativos levou coisas defesas463 para terras de Infiéis sem nossa licença ou foi ou mandou resgatar à cidade de São Jorge da Mina ou as partes e mares de Guiné que arrancou arma na Corte ou em Procissão ou na Igreja que tirou com besta ou espingarda posto que não ferisse que resistiu ou desobedeceu à Justiça fez cár cere privado tolheu algum preso à Justiça que sendo preso fugiu da Cadeia sendo Julgador deu preso sob fiança antes de sentença final de que não haja apelação nem agravo ou se disser que cometeu algum caso no qual é posta certa pena de açoites ou de degredo temporário para fora de certo lugar ou daí para cima por alguma nossa Ordenação a quem o tal caso cometer porque nestes cada um do povo pode querelar não sendo inimigo464 O julgamento pela Ordenação Filipina deve ser o mais célere possível deve ser evitada a anulação ou qualquer meio que prejudique a sentença se a verdade for sabida Assim afirma esse documento Para que abreviem as demandas com guarda do direito e justiça das partes mandamos que os Julgadores julguem e determinem os feitos se gundo a verdade que pelos processos for prova da e sabida ou pela confissão da parte não julgando mais do pedido pelo autor posto que o processo seja mal ordenado ou errado ou falte nele alguma solenidade que para boa ordem e substância do juízo se requeira 465 462 Rufião aquele que se mete em brigas por causa de mulheres de baixa reputação 463 Coisas Defesas objetos que estavam por lei defendidos protegidos como ouro prata moedas panos de lã burel almafega lã panos de linho ou de estopa liteiro linho em rama mel cera e cévo Livro V título 112 464 Livro V título 117 465 Livro III título 63 Entretanto o resultado final do julgamento poderia ser feito à custa de provas mais seguras do cometimento do crime como é o caso do exemplo apresentado abaixo Por quanto alguns Mercadores quebram de seus tratos levantadose com mercadorias que lhe foram fiadas ou dinheiro que tomaram a câmbio e se abstêm e escondem suas fazendas de ma neira que delas não se pode ter notícia e outros põe créditos em cabeça alheia e para alegarem perdas fazem carregações fingidas Querendo Nós prover como os tais enganos e roubos e outros semelhantes se não façam ordenamos e mandamos que estes acusados sejam havi dos por públicos ladrões roubadores e casti gados com as mesmas penas que por nossas Ordenações e Direito Civil os ladrões públicos se castigam e percam a nobreza e liberdades que tiverem para não haverem pena vil E quando por falta de prova ou por outro algum respeito jurídico nos sobreditos se não puder executar a pena ordinária serão condenados em degredo para galés e outra partes segundo o engano ou malícia em que forem compreen didos e não poderão mais em sua vida usar o Oficio de Mercador para o qual os havemos habilitados466 Embora em Portugal também tenha se utilizado os Ordálios como meio de prova desde muito cedo predominou a ideia de que o tribunal deveria procurar a verdade dos fatos através da inquirição direta ou da audiência de testemunhas467 A Ordenação Filipina indica quais testemunhas não devem ser utilizadas dessa forma não podem teste munhar pais mães avós avôs filhos netos bisnetos irmãos escra vos judeus mouros assim como 466 Livro V título 66 A pena para furto era a de morte a da tentativa de furto degredo para sempre no Brasil Livro V título 60 A pena para roubo era a morte também Livro V título 61 467 Ordálios conforme visto no capítulo acerca do Direito Medieval eram formas de buscar provas a favor ou contra o réu utilizando meios não ortodoxos como por exemplo fazer o indivíduo segurar um ferro em brasa se este o queimasse ele seria considerado culpado O desasisado que está livre sem memória e por tal geralmente havido não pode ser tes temunha nem será perguntado em qualquer caso que seja Os menores de quatorze anos não podem testemunhar em nenhum feito 468 O falso testemunho nos casos que envolvessem pena de morte era punido com a morte e todos os bens do que desse falso testemunho iriam para a Coroa da mesma forma pagariam os que induzissem ou corrompessem alguma testemunha Se o processo não envolvesse pena de morte o destino do mentiroso era o Brasil E se for em outros crimes que não sejam de morte e assim nos cíveis será degredado para sempre para o Brasil e perderá sua fazenda se descendentes ou ascendentes legítimos não tiver469 De fato depois da morte que era a pena mais utilizada nos crimes indicados nessa Ordenação o degredo para o Brasil estava em segundo lugar no grau de penalidades mesmo o degredo para outros lugares e açoites eram aplicados para crimes considerados mais leves Se algum degredado for achado fora do lugar pa ra onde foi degredado sem mostrar certidão pú blica para que se possa saber que tem cumprido o degredo seja logo preso e o tempo que ainda lhe ficar por servir posto que para sempre fosse degredado se era degredado para o Couto de CastroMirim sejalhe mudado e o vá cumprir e servir na África E se era para África vão cumprir ao Brasil E o que era degredado para o Brasil se por tempo dobreselhe o degredo que tiver por cumprir E se era para sempre morra por isso não cumprindo o dito degredo E fugindo do navio em que estiver embarcando para ser levado para o Brasil para sempre morra por isso470 468 Livro III título 56 469 Livro V título 54 470 Livro V título 143 A pena de morte poderia ser executada de quatro formas a con siderada pior era a morte cruel quando o indivíduo era morto através de dolorosos suplícios Mas o mais indicado pela ordenação era o vivicombúrio isto é o ato de queimar o indivíduo vivo era o caso do crime de incesto Qualquer homem que dormir com sua filha ou com qualquer outra sua descendente ou com sua mãe ou outra sua ascedente sejam queimados e ela também e ambos sejam feitos pó471 Outra forma era a morte atroz que acrescentava além da pena capital alguma outra pena como o confisco dos bens a queima do cadáver o esquartejamento do mesmo ou mesmo a proscrição de sua memória472 Podese destacar como exemplo desse tipo de pena a que se refere a escrituras falsas Os Tabeliães ou Escrivãos que fizerem escri turas ou atos falsos mandamos que morram morte natural e percam todos seus bens para a Coroa de nossos Reinos473 A morte natural a que se refere o texto acima não é aquela que entendemos nos dias de hoje a lei não previa que se esperasse que naturalmente a pessoa morresse Quando a Ordenação Filipina indica que o indivíduo deve morrer de morte natural indica outro tipo de pena de morte a morte simples que era executada mediante degolação ou enforcamento Neste último caso só eram enforcadas as pessoas de mais baixa camada social visto que esse tipo de morte era considerada como infame O último tipo de pena de morte é considerada a mais cruel de todas elas a morte civil o indivíduo mesmo vivo não tem direito algum vive como se não mais vivesse Em alguns casos o culpado do delito era morto no caso morte cruel e seus filhos teriam como herança a morte civil 471 Livro V título 17 472 PIERANGELLI José Henrique Op cit p 57 473 Livro V título 53 A Ordenação Filipina mantém a diferenciação entre as pessoas em muitos casos indicase dois tipos de pena uma para pessoas co muns e outra para os que chamam gente de maior qualidade E o homem a que for provado que tirou alguma freira de algum Mosteiro ou que ela pelo seu mando e indução se foi a certo lugar donde assim a levar e se for com ela se for peão morra por isso E se for de maior qualidade pague cem cruzados para o Mosteiro e mais será degredado para sempre para o Brasil474 Os tormentos por exemplo eram considerados demasiadamente vergonhosos para serem aplicados em pessoas de maior qualidade incluídos aí políticos e pessoas formadas em Universidades475 Havia porém alguns crimes tidos como muito graves que não haveria diferença entre pessoas E os Fidalgos Cavaleiros Doutores em Cânones ou em Leis ou Medicina feitos em Universidade por exame Juízes e Vereadores de alguma Cidade não serão metidos a tormento mas em lugar dele lhes será dada outra pena que seja em arbítrio do Julgador salvo em crime de Lesa Majestade aleivosia falsidade moeda falsa testemunho falso feitiçaria sodomia alcovitaria furto porque segundo Direito nestes casos não gozam de privilégio de Fidalguia Cavalaria ou Doutorado mas serão atormentados e punidos como cada um outro do povo476 De uma certa forma os menores também eram protegidos 474 Livro V título 15 475 Talvez tenhamos aí uma semente da ideia de prisão especial e foro especial que tanto é discutida hoje em dia 476 Livro V título 133 Os tormentos aí citados como pena somente o eram quando se tratava de açoitamento ou morte cruel Entretanto os tormentos são indicados no mesmo título como forma de obtenção de confissão Quando algum homem ou mulher que passar de vinte anos cometer qualquer delito darse lheá a pena total que lhe seria dada se de vinte e cinco anos passasse E se for de idade de dezessete anos até vinte ficará em arbítrio dos Julgadores darlhe a pena total ou diminuíla E neste caso olhará o Julgador o modo com que o delito foi cometido e as circunstâncias dele e a pessoa do menor e se o achar em tanta malícia que lhe pareça que merece total pena darlheá posto que seja de morte natural E parecendolhe que a não merece poderá diminuir segundo a qualidade ou simplicidade com que achar que o delito foi cometido E quando o delinqüente for menor de dezessete anos cumpridos posto que o delito mereça morte natural em nenhum caso lhe será dada mas ficará em arbítrio do Julgador dar lhe outra menor pena 477 5 O Período Pombalino Enquanto em alguns países o Iluminismo agiu como elemento perturbador da ordem estabelecida em outros foi utilizado para reforçar o absolutismo e assim o foi com Portugal O rei D José II 17141777 nomeou como secretário de Estado o homem que reformaria o Estado Português dando mais estabilidade a este e modernizandoo era Sebastião José de Carvalho e Melo o Marquês de Pombal Todas as reformas do Marquês tinham como objetivo último o fortalecimento do Estado visando reforçar o absolutismo e assim ele agiu mesmo em detrimento da burguesia de uma parte da nobreza e do clero Politicamente sua tônica foi a centralização administrativa levada a extremos do ponto de vista econômico ele buscou restaurar a eco nomia portuguesa que há muito apresentava problemas princi palmente por causa da dependência para com a Inglaterra No mesmo sentido ele agiu no âmbito do direito não é de estranhar portanto que 477 Livro V título 135 sua obra legislativa tivesse forte caráter publicista e visasse fortalecer o poder real Em um primeiro momento ele elaborou uma série de documentos legais com vistas a fortalecer a justiça criminal como o Alvará de 28 de Julho de 1751 que punia a todos incluindo nobres que auxiliassem na fuga de criminosos Ele criou ainda a Intendência Geral de Polícia em 1760 com o intuito de criar um temor reverencial contra o povo em favor do funcionário régio no cumprimento de suas obrigações a fim de evitar que o mesmo sofresse injúria ofensas ou até ameaça se não desistisse do seu dever478 O Marquês de Pombal legislou bastante também para proteger a economia portuguesa assim vemos leis que dão o monopólio de vinhos e vinagres à Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro a rigorosidade aplicada contra contrabandistas etc A obra de Pombal que talvez chame mais a atenção na História do direito foi a que modernizou a ordem jurídica portuguesa Essa moder nização deuse de dois modos primeiro houve a edição da Lei da Boa Razão de 18 de Agosto de 1769 que reformulava a estrutura jurídica do direito subsidiário esclarecendo aspectos das novidades fixando deferência pelas leis pátrias e pelos estilos da corte cuja autoridade exclusiva com petia aos assentos da Casa de Suplicação fixando regras para a validade do costume ser conforme à boa razão não contrariar a lei ter mais de cem anos de existência nos casos omissos isto é ausente o direito e costume pátrios recorrerseia ao direito subsidiário mas o direito romano somente seria aplicado se fosse conforme à boa razão recta ratio jurisnatu ralista isto é desde que correspondesse aos princípios do direito natural ou do direito das gentes 479 478 PAULA J L M Op cit p 190 Essa preocupação já é encontrada na Ordenação Filipina no Livro V títulos 49 e 50 479 Ibidem p 191 O segundo modo foi a reforma dos Estatutos das Universidades esta foi feita após o estudo de uma Comissão o que gerou a Carta de Lei de 28 de Agosto de 1772 que introduziu as cadeiras de Direito Natural História do Direito Romano e do Direito Pátrio Direito Público Universal e Direito das Gentes O estudo do direito pátrio era o que ensinaria a interpretação e a execução das leis um marco para a época480 6 As Constituições Portuguesas Portugal iniciou seu caminho constitucional um tanto tortuoso é verdade depois da situação gerada pela invasão da França Napoleônica e da transferência da Família Real Portuguesa para o Brasil Desde a transferência da Corte Portugal vivia uma situação única estranha e sem precedentes Em 1808 sofreu a invasão francesa e depois da expulsão dos franceses passou a viver sob o poder direto da Inglaterra até a Revolução do Porto de 1820 Portugal foi governado por Lord Beresford Somente essa situação já seria o bastante para gerar desconten tamentos profundos entre os portugueses Entretanto havia mais pro blemas Portugal havia se habituado ao parasitismo colonial e após a elevação de fato e de direito do Brasil à condição de Reino Unido nada menos que nove décimos de todo comércio externo português acabou ou saiu de suas mãos para as mãos da Inglaterra Os Portugueses insatisfeitos fizeram uma revolução em 1820 e formaram um governo a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino que já em dezembro do mesmo ano mandou fazer uma eleição de deputados para as Cortes Extraordinárias Constituintes convo cadas para Lisboa O primeiro passo das Cortes foi o de aprovar o projeto de Bases da Constituição Portuguesa em Março de 1821 Os constituintes parecem ter querido apresentar os princípios que norteariam a substituição da antiga legislação pelo inspirados nos ideais iluministas da Revolução Francesa novo pacto social indicando a base da Constituição que seria feita 480 Ibidem p 192 Esse documento é dividido em duas seções Na primeira foi feita uma Declaração de Direitos seguindo os moldes norteamericanos e franceses na segunda eles preocuparamse em estabelecer as bases políticas do novo Estado português Sobre essas bases foi elaborado o projeto de Constituição que após muitos debates foi promulgado em 23 de setembro de 1822 e em outubro do mesmo ano foi jurada por D João VI Tem como fontes a Constituição Espanhola de 1812 e inspirase na Constituição Francesa de 1791 e na de 1795 assim encontramos ideais iluministas como a soberania nacional a separação de poderes e a liberdade política Este é o mais antigo texto constitucional de Portugal e é consi derado por muitos como sendo tecnicamente muito bem elaborado entretanto seus avanços políticos e sua técnica não foram suficientes para fazer com que fosse colocada em prática Em novembro de 1822 as potências da Santa Aliança reunião de países que visava refazer conforme seus interesses a Europa após Napoleão resolveram intervir na Espanha e acabaram por invadir esse país e restaurar a monarquia absolutista Animados com esses fatos portugueses contrários a qualquer limitação do poder real inclusive opositores de qualquer constituição promoveram uma revolta que ficou conhecida como Vila Francada liderada pelo Infante D Miguel irmão de D Pedro I do Brasil que revogou a constituição e restaurou o absolutismo Com a morte de D João VI uma crise iniciouse visto que o her deiro de fato seria D Pedro que era imperador do Brasil mas existiam muitos que defendiam a coroação de D Miguel pois temiam que D Pedro não desejasse residir em Portugal fazendo com que a admi nistração de Portugal fosse para o Rio de Janeiro Como solução e ainda para tentar aliviar animosidades e desconfianças no Brasil D Pedro abdicou do trono português em favor de sua filha de sete anos Maria da Glória que deveria como condição para a abdicação casarse com o tio D Miguel e que em Portugal uma nova Carta Constitucional fosse jurada A nova carta a Constituição de 1826 chamada por muitos de Carta Constitucional simplesmente foi feita no modelo que já havia sido aplicado no Brasil uma dádiva de D Pedro ao povo português Aliás sua principal fonte foi a Constituição brasileira de 1824 dessa forma podemos ver o Poder Moderador também nessa Constituição481 481 Sobre o Poder Moderador veremos mais amiúde quando tratarmos de Brasil Império Após o juramento por todos ela entrou em vigor Entretanto a hostilidade a esse documento legal vinha de vários setores inclusive dos militares que iniciaram uma revolta Nesse clima D Miguel aclamouse rei e em 1828 a Carta foi anulada e iniciouse um período de guerra civil que somente iria terminar em 1834 com a derrota de D Miguel para D Pedro que abdicara no Brasil e com a morte daquele A Carta Constitucional voltou a vigorar Uma revolta chamada Setembrista obrigou D Maria II a retornar com a Constituição de 1822 ao mesmo tempo em que uma nova Cons tituição era elaborada As Cortes Gerais Constituintes reuniramse pela primeira vez em janeiro de 1837 e no decurso de seus trabalhos golpes de Estado foram tentados e revoltas armadas agitaram o país Entretanto o governo conseguiu manterse e em abril de 1838 Portugal tinha uma nova Constituição O princípio da tripartição de poderes foi reinstalado assim como o bicameralismo das Cortes Outras características dessa Constituição foram o veto absoluto do rei e a descentralização administrativa Se compararmos esta com as outras constituições portuguesas podemos considerar que ela tomava uma posição intermediária entre o radica lismo da Constituição de 1822 e a unilateralidade da Constituição Outorgada de 1826 Em 1842 um golpe de Estado restaurou a Carta Constitucional de 1826 que permaneceu até 1910 ano da Proclamação da República em Portugal com revisões em 1852 1885 e 1896 A República foi proclamada em 5 de outubro de 1910 no mesmo dia organizouse um governo provisório que estabeleceu as regras para as eleições para deputados constituintes A Assembleia Constituinte reuniuse a partir de abril de 1911 sendo promulgada a Constituição em agosto do mesmo ano As principais fontes desse texto constitucional são a Constituição Republicana brasileira de 1891 e a Constituição de 1822 Exerceu tam bém considerável influência no texto constitucional de 1911 o programa do Partido Republicano Português A Constituição veio a ser revista pela primeira vez em 1916 Já em 1915 durante a breve ditadura de Pimenta de Castro havia sido sus pensa Porém em 1917 em virtude da revolta militar de 5 de Dezembro Sidónio Pais tentou buscar uma forma mais perdurável à legalidade constitucional fazendo publicar autoritariamente o Decreto no 3997 que veio instituir uma orientação presidencialista antiparlamentar e acentuadamente autocrática Mas em seguida à morte do Ditador 14121918 o Congresso repôs em vigor a Constituição de 1911 Por su cessivas leis de 1919 1920 e 1921 a Constituição foi sujeita a altera ções sendo as mais importantes o direito concedido ao presidente da República de dissolver as Câmaras a regulamentação escrita dos poderes do Governo durante o período de dissolução do Congresso a aprovação das bases da reforma da administração ultramarina no sentido duma larga autonomia Em 28 de Maio de 1826 deuse nova revolta militar que instituiu outra vez a ditadura O Decreto de 9 de junho de 1926 dissolveu o Con gresso da República altura em que cessou de fato a vigência da Constituição de 1911 que somente veio a ser substituída pelo texto constitucional que entrou em vigor em 11 de abril de 1933 A atual Constituição de Portugal foi promulgada em 1976 após a reinstalação da democracia CAPÍTULO XIII BRASIL COLÔNIA 1 Sem Fé sem Lei sem Rei Os habitantes originais do território que hoje é o Brasil eram múltiplos em tribos etnias línguas Havia aqueles que trabalhavam melhor o solo e tinham a necessidade de fazer artefatos de barro mais elaborados como a cultura marajoara havia aqueles que viviam na costa podendo se dar ao luxo de plantar mandioca e às vezes milho mas não guardálos Eles viviam em comunidades caracterizadas pela inexistência da propriedade privada somente alguns artefatos poderiam de fato ser considerados como sendo de propriedade de uma família ou de um indivíduo como uma arma por exemplo O caráter comunitário da pro dução implicava em uma economia que buscava assegurar estrita mente o que era para consumo a maior parte das tribos não tinha excedentes e se porventura houvesse de vez em quando excedentes aí haveria troca com outras tribos ligadas por consanguinidade Das várias línguas a mais utilizada era o tupi que não tinha a pronúncia da letra F da letra L ou da letra R o que foi utilizado pelos portugueses como uma forma de depreciação do índio porque em se partindo de uma comparação com os europeus da época como os índios não eram cristãos não tinham fé como não legislavam não tinham lei como não tinham um chefe supremo não tinham rei Porque se não tem F é porque não têm coisa alguma que adorem nem os nascidos entre cris tãos e doutrinados pelos padres da Companhia tem fé em Deus Nosso Senhor nem têm verdade nem lealdade a nenhuma pessoa que lhes faça bem E se não têm L na sua pronunciação é porque não têm lei alguma que guardar nem preceitos para se governarem e cada um faz a lei a seu modo e ao som da sua vontade sem haver entre eles leis com que se governem nem têm leis uns com os outros E se não têm R na sua pronunciação é porque não têm rei que os go vernem e a quem obedeçam 482 Para europeus já acostumados com a centralização política de uma monarquia absoluta era estranho não identificar alguém nas tribos com poder que pudesse ser colocado acima dos demais De fato cada maloca era comandada por um chefe e havia o chefe da aldeia mas o poder deste último não era muito maior que os dos chefes das malocas Esse chefe também chamado de Principal tinha como obrigação que o diferenciava dos outros o fato de ir à frente na guerra não no sentido figurado de dar ordens e de dar presentes aos visitantes Quanto às leis de fato eles não as tinham não no modelo europeu que contava com códigos nem sempre organizados e com autoridades supremas que impunham a lei Mesmo Anchieta estranhava o fato de eles serem por vezes desobedientes afirmando que muitas vezes os índios recalcitravam e que os filhos obedeciam aos pais quando lhes parecia interessante O estudo antropológico moderno um pouco mais distante dos preconceitos dos séculos passados observa que essa tal desobediên cia se dá por um fator que para muitos hoje é uma utopia para o futuro o respeito à vontade individual Se por um lado a tribo toda contribuía para o sustento de todos por outro ninguém obrigava ninguém a nada O total respeito dos índios à vontade do indi víduo contra qualquer necessidade ou pressão da sociedade com exceção de uma persuasão gentil foi também interpretado pelos europeus como prova de sua animalidade porque a submissão à autoridade paterna do Estado e da Igreja era considerada característica fundamental da civilização483 As grandes decisões eram tomadas pelo grupo de homens que se reunia por horas no centro da aldeia para discutir o que era valorizado era o poder de persuasão Assim os europeus não conseguiram 482 SOUZA Gabriel Soares apud MESGRAVIS Laima PINSKI Carla B O Brasil que os europeus encontraram 2 ed São Paulo Contexto 2002 p 51 483 Ibidem p 49 As crianças não sofriam castigos físicos a educação era pelo exemplo qualquer tentativa dos jesuítas em tentar obrigar as crianças a fazer algo por meio de repreensões severas gritos e pancadas gerava uma reação indignada dos pais identificar uma liderança forte porque ela não cabia em um modelo como este Léry um viajante da época da colônia criticava a atitude dos europeus que menosprezavam o que consideravam a primitividade dos índios É coisa incrível e de envergadura os que con sideram as leis divinas e humanas como simples meios de satisfazer sua índole corrupta que os selvagens guiados apenas pelo seu natural vivem com tanta paz e sossego484 Mas havia regras elas não eram escritas porque os índios do território que Portugal tomou posse não tinham escrita Eram regras variáveis de tribo para tribo mas algumas questões eram comuns A divisão do trabalho era feita através de critérios sexuais ou etários homens caçavam guerreavam e preparavam o terreno para o plantio as mulheres cuidavam da agricultura do preparo de alimentos da feitura de cestas e objetos485 Para alimentação havia algumas proibições embora os índios não tenham domesticado animais utilizáveis em trabalhos agrícolas os animais domésticos se tornavam tabus alimentares Assim eles não comiam por exemplo as galinhas brancas e os porcos domésticos embora comessem os porcos do mato486 O casamento era preferencialmente realizado na forma avuncular ou seja matrimônio do tio materno com a sobrinha e era através destes que eram acertadas as alianças A obtenção de esposas fora dos arranjos preestabelecidos era possível porém o noivo era obrigado à prestação de serviços aos pais tios e irmãos da noiva antes e depois do casamento487 Antes do casamento em muitas tribos não havia a concepção de virgindade entretanto depois de realizado a fidelidade da mulher era mais cobrada que a do homem Casarse era tão simples quanto divorciarse após declaração de ambas as partes estava feito 484 Léry apud MESGRAVIS op cit p 52 485 Elas plantavam milho batatadoce e mandioca 486 MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Orgs Brasil história texto e Consulta Colônia São Paulo Hucitec 1991 v 1 p 63 487 HOLANDA Sergio Buarque de História geral da civilização brasileira a época colo nial Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 v 1 p 77 A poligamia era permitida e o homem com mais de uma esposa tinha seu prestígio reforçado Uma das esposas era eleita a predileta podendo inclusive passar a substituir as demais no papel sexual488 Mas a poliandria também existia em algumas tribos isto é para algumas comunidades principalmente as matrilineares havia a possibilidade de uma mulher ter vários maridos489 Todas essas relações eram reguladas pelo parentesco que podia ser matrilinear em que são considerados parentes apenas os de linha materna o patrilinear são parentes os do lado do pai somente e o bilateral o parentesco existindo de ambos os lados 2 Os Tratados Antes do Brasil e Limites de Terras Muito antes da tomada de posse por Cabral o território brasileiro já era alvo de disputa por parte de Espanha e Portugal daí podermos considerar que os primeiros documentos com valor jurídico relativos ao que chamamos hoje de Brasil são anteriores à própria existência jurídica do Brasil Alguns autores como Walter Vieira do Nascimento indicam a Bula Inter Coetera de 1493 e o Tratado de Tordesilhas de 1494 como sendo os documentos que trazem a posição de primeiros documentos jurídicos que afetaram o que é hoje o Brasil mas eles são o segundo e o terceiro490 Mesmo antes da viagem de Colombo houve um Tratado celebrado entre Portugal e Espanha em 6 de março de 1480 o Tratado de Toledo que dava a Portugal a exclusividade de águas e terras ao sul das Canárias Embora possamos discutir nesse e em outros tratados a validade ou moralidade dos mesmos ao sul das Canárias o Brasil está até hoje A viagem de Colombo veio a estremecer o relacionamento entre as duas Coroas Ibéricas e fez com que o rei português da época D João II fundamentado no diploma de 1480 procurasse garantir seus direitos através de uma demonstração de força Ele mandou aprontar uma armada como era chamado um conjunto de navios de guerra para 488 Ibidem p 78 489 MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Op cit p 64 490 NASCIMENTO Walter Vieira do Lições de história do direito 13 ed Rio de Janeiro Forense 2001 p 191 enviar às ilhas visitadas por Colombo porque considerava que estas lhe pertenciam Para se defenderem Isabel e Fernando os Reis Católicos da Espa nha buscaram apoio no papa Em 4 de maio de 1493 o Papa Alexandre VI expediu a Bula Inter Coetera que lhe dava domínio exclusivo de todas as ilhas e terras firmes já descobertas ou que se viessem a descobrir situadas a ocidente de uma linha meridiana traçada de polo a polo que passasse cem léguas a oeste de qualquer das ilhas dos Açores e Cabo Verde contanto que estas ilhas e terras não fossem possuídas por algum príncipe cristão antes do Natal de 1492491 Embora a demarcação da bula papal tenha salvaguardado as rotas portuguesas do Atlântico Sul ou seja o caminho marítimo para as Índias ainda assim não era interessante para Portugal por isso D João II recusouse a aceitar a Bula Inter Coetera e pressionou a Espanha que recém saíra da guerra contra os Mouros e receava entrar em outra guerra para que um arranjo fosse feito Ultimouse em Tordesilhas em 7 de junho de 1494 o acordo que deu fim a longas negociações entre as duas coroas Conforme a principal cláusula do diploma as duas monarquias estabeleciam o meridiano traçado a 370 léguas a oeste das Ilhas Cabo Verde tudo o que estivesse a oeste seria espanhol a leste de Portugal O Tratado de Tordesilhas foi feito com total consciência do que Portugal desejava todo o Atlântico Sul estava sob o domínio portu guês o caminho para as Índias era exclusivamente dos lusitanos as terras que ou eles tinham certeza que existiam ou tinham uma forte presunção de existência mesmo que não fossem totalmente interes santes aumentariam o patrimônio português E como foi feito antes de certezas completas o Tratado foi pensado para não funcionar Não se indicou porém no diploma de Torde silhas o sítio de Cabo Verde que se tomaria para a medição da contagem das 370 léguas apesar de os pontos extremos do arquipélago distarem entre si 20 a 40 graus de longitude Dirseia que os plenipotenciários lusocastelhanos pole mistas de Tordesilhas jamais acreditaram no 491 DIAS Manuel Nunes Expansão européia e descobrimento do Brasil In MOTA Carlos Guilherme Org Brasil em perspectiva 4 ed São Paulo Difusão Européia do Livro 1973 p 23 exato cumprimento do ajuste entre as duas Coroas litigantes 492 3 O Antigo Sistema Colonial e os Primeiros Documentos Jurídicos na Colônia O Brasil dos primeiros tempos não era em nada interessante para Portugal neste primeiro momento interessavam mais a Portugal as Índias Orientais e seus imensos e garantidos lucros Isto se explica pelo fato de que os lusitanos comerciantes exemplares se interessavam apenas por lugares que eram habitados por povos que conhecessem o sistema de trocas e produzissem excedentes e este não era o caso dos índios da América portuguesa O Brasil era uma colônia e no Antigo Sistema Colonial a Colônia existe para dar lucros para desenvolver a Metrópole tanto é assim que a colônia deve ser um local de consumo dos produtos metropolitanos e os índios no Brasil não eram um mercado considerável e de fornecimento do que a Metrópole considerava interessante O que havia de interessante era a árvore que servia para a ex tração de tintas para panos miniaturas e manuscritos o paubrasil conhecido pelos índios como Ibirapitanga ibirá pau pita vermelho O procedimento para a extração do paubrasil foi o mesmo que se havia empregado na exploração de produtos africanos e asiá ticos a árvore era considerada um produto estancado ou seja só o consentimento real dava o direito de exploração Assim foram expe didos os primeiros documentos com valor jurídico aqueles que davam mediante pagamento prévio de uma soma a indivíduos o direito de extrair por um tempo determinado a madeira No reinado de D João III 15211557 a expansão portuguesa chegou ao seu limite e Portugal começou a sentir as dificuldades de manter o imenso império colonial que passara a possuir Concomi tantemente embora os portugueses detivessem o comércio das especiarias a manutenção deste domínio não era das mais fáceis tarefas a reação muçulmana ainda se fazia presente eles lançaramse em uma Guerra Santa contra os Cristãos Portugueses com o claro objetivo de retomar o domínio do comércio 492 Ibidem p 28 E a ameaça não vinha somente dos muçulmanos outros povos inclusive os espanhóis buscavam novas rotas no oriente e ocidente O processo de centralização política em outros países promoveu um novo equilíbrio de forças na Europa e à medida que países se formavam centralizando o poder eles lançavamse em busca de mercados colônias que pudessem embasar a economia mercantil que estava em voga naquele momento Dessa forma ao mesmo tempo em que os lucros com o comércio oriental começavam a declinar embora perma necessem imensos a soberania portuguesa em territórios como o Brasil era ameaçada por nações como a França e a Inglaterra que buscavam os lugares onde Portugal e Espanha não tinham ainda tomado posse negando o Tratado de Tordesilhas493 Criavase portanto uma necessidade para Portugal de tomar posse de suas terras na América para não perdêlas O interesse entretanto somente cresceu com a descoberta na América espanhola de imensas minas de prata e ouro levando os portugueses a considerar que deveria haver também jazidas no lado leste do meridiano de Tordesilhas O problema era que Portugal não tinha condições financeiras e humanas para empreender uma posse em um território tão vasto quanto era o Brasil A solução encontrada foi uma espécie de privati zação da colonização as Capitanias Hereditárias esse sistema já havia logrado sucesso nas ilhas do norte da África Por este pedaços de terra eram doados em usufruto hereditário e os donatários maneira que eram chamados aqueles que recebiam uma Capitania ficariam responsáveis pelos investimentos de colonização Os indivíduos escolhidos para donatários recebiam as Cartas de Doação que indicavam a condição de posse de sua capitania Recebiam também os forais que indicavam seus direitos recebimento de taxas distribuição de terras nomeação de autoridades administrativas e juízes e deveres todas as despesas da colonização e ajuda a povoa dores Eles tinham o privilégio de exercer a justiça mas isto não era arbitrário nem exerciam o poder judicial e legislativo de forma isolada eram obrigados a seguir as leis do Reino e as Cartas Forais que deli mitavam suas funções Os forais eram importantes documentos 493 Essas nações baseavam suas pretensões no princípio do uti possidetis isto é cada país ficaria com os territórios que conseguisse tomar posse de fato Francisco I 15151547 da França chegou a argumentar a soberania de Portugal e Espanha exigindo o testamento de Adão e Eva que doava terras aos dois países jurídicos tendo em vista que delimitavam e indicavam poderes e deveres buscando sua definição podese compreender melhor a natu reza deste documento jurídico Nome dado em Portugal aos documentos atra vés dos quais a monarquia concedia a uma pes soa determinada terra e onde estavam contidas as normas que regeriam as relações entre quem recebia e quem doava Entre os preceitos estipu lados nos forais avultam os seguintes liberdade e garantia das pessoas e bens da terra impostos sanções para delitos e contravenções imunida des formas de detenções Os forais constituem uma espécie importante das chamadas cartas de privilégio e sua dimensões variam muito 494 Cabia aos donatários nomear seu Ouvidor para exercer a juris dição civil e criminal Houve casos em que Ouvidores nomeados por do natários foram os verdadeiros colonizadores visto que alguns dona tários preferiam enviar seus ouvidores e manterse em Portugal495 As Capitanias Hereditárias enquanto sistema de colonização foram um fracasso considerável somente duas a de Pernambuco e São Vicente conseguiram obter êxito montando um esquema produtivo baseado em fortuna própria e ajuda financeira de grupos mercantis estrangeiros O fracasso das outras capitanias deveuse principal mente ao desinteresse dos indivíduos que receberam as capitanias geralmente nobres e mercadores que não arriscariam sua fortuna em um empreendimento extremamente arriscado e os altos custos para a efetivação da posse 4 O Município o GovernoGeral e a Montagem de um Aparato Jurídico na Colônia Com o fracasso do sistema de Capitanias ficou patente que era in viável colonizar somente com capital privado mesmo assim em alguns 494 AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Dicionário de nomes termos e conceitos histó ricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 179 495 PAULA Jônatas Luiz Moreira de História do direito processual brasileiro das origens lusas à escola crítica do processo São Paulo Manole 2002 pontos da colônia foram lançadas as bases para a ocupação efetiva da terra fazendo surgir ainda que a princípio de forma dispersa aldeias povoados vilas e cidades Foram transladados para a colônia os princípios de administração local através do Município com organização e atribuições políticas administrativas e judiciárias semelhantes às da metrópole seguindo a legislação metropolitana496 Ao mesmo tempo em que se iniciava a transposição do modelo municipal português para o Brasil Portugal concluiu que era necessá ria uma maior atuação do Governo Metropolitano na colônia com vistas a produzir o resultado que o sistema de capitanias não conseguiu alcançar A criação do GovernoGeral em 1548 e sua posterior implantação no ano seguinte demonstram essa mudança de rumo Enquanto com as Capitanias Hereditárias os donatários recebiam poderes soberanos os Governadores estariam ao mesmo tempo sujeitos diretamente ao poder metropolitano e sujeitando a colônia a esse controle Em primeiro lugar acima do governador vigi lante ativo e estorvante lá se encontrava o go verno central da metrópole O governador ficava por isso em regra adstrito a normas muito precisas e rigorosas traçadas com minúcias até extravagantes e na feitura das quais era pre viamente ou pouco ouvido Além disso devia o governador prestar contas pormenorizadas da sua gestão sobretudo a seu termo 497 O GovernoGeral foi instituído mediante um Regimento que clara mente buscava superar os obstáculos encontrados com o sistema ante 496 Conferir capítulo acerca das ordenações portuguesas e estrutura judiciária municipal de Portugal 497 PRADO JÚNIOR Caio Prado Formação do Brasil contemporâneo colônia São Paulo Brasiliense Publifolha 2000 p 316 Na página seguinte o autor explica o porquê desse controle tão rígido Todas essas limitações da autoridade do governador são conseqüência do sistema geral da administração portuguesa restrição de poderes estreito controle fiscalização opressiva das atividades funcionais Sistema que não é ditado por um espírito superior de ordem e método mas reflexo da atividade de desconfiança generalizada que o governo central assume com relação a todos os seus agentes com presunção mal disfarçada de desleixo incapacidade desonestidade mesmo em todos eles rior Por esse documento cabia ao GovernadorGeral coordenar a defesa da terra contra ataques instalando fortes conservandoos construindo navios armando colonos O Regimento exigia também que o Gover nador desse sesmarias facilitasse o estabelecimento de engenhos de cana montasse expedições de exploração da terra e protegesse os interesses metropolitanos no que dizia respeito ao estanco do pau brasil e aos impostos O Regimento ainda estabelecia que o Governador fizesse aliança com os índios e desse auxílio em sua catequese evitando sua escravi zação e doandolhes terras com vistas a integrar essas populações no sistema produtivo colonial Essa parte do documento deve ser ana lisada com mais atenção porque à primeira vista parece erroneamente que os Portugueses se interessaram pelos índios e por sua liberdade da maneira mais altruísta possível A questão da não escravização do indígena é muitas vezes justifi cada com uma obra primorosa de marketing se é que podemos assim chamar dos jesuítas que interessados em ter os índios livres para a catequese não desejavam que estes fossem escravizados Um famoso jesuíta do período colonial Padre Antônio Vieira dizia serem os índios preguiçosos e pouco afeitos ao trabalho braçal É interessante que nas reduções jesuíticas os índios não pareciam ser nem preguiçosos nem inábeis para montar toda uma estrutura física e agrícola dentro dos interesses dos religiosos Paralelamente ao interesse dessa ordem que até o período Pom balino tinha grande influência no governo português o índio não era interessante como escravo por dois motivos básicos primeiro e mais importante a escravidão indígena não atendia ao principal pressuposto da relação metrópolecolônia isto é a colônia deveria sua existência para dar lucros à metrópole e enquanto a escravidão negra necessitava do comércio ultramarino que dava lucros exorbitantes a Portugal a escravidão indígena era local e não envolvia necessariamente lucros diretos à Metrópole e aos mercadores metropolitanos O segundo motivo era o interesse e até certo ponto necessidade de Portugal de tornar os índios parte da obra de colonização Isso gerou problemas que duraram muito isso porque os interesses de metrópole e colônia eram antagônicos no que diz respeito ao índio Conforme afirma Caio Prado Júnior O índio foi o problema mais complexo que a co lonização teve que enfrentar Tornouse tal pe lo objetivo que se teve em vista aproveitar o indígena na obra de colonização Aqui no Brasil tratouse desde o início de aproveitar o índio não apenas para obtenção dele pelo tráfico mercantil de produtos nativos ou simplesmente como aliado mas sim como elemento participan te da colonização Os colonos viam nele um traba lhador aproveitável a metrópole um povoador para a área imensa que tinha de ocupar muito além da sua capacidade demográfica498 Como auxiliares dos Governadores foram instituídos ainda três cargos cada qual com Regimento próprio o Provedor Mor da Fazenda que cuidava de organizar a cobrança de impostos e prover cargos o CapitãoMor da Costa com atribuições de defesa e o OuvidorMor com função jurídica administrativa499 Este último situavase como a maior autoridade da justiça na colônia entretanto conforme afirma Caio Prado Júnior não podemos contar com uma divisão de poderes tão bem caracterizada quanto vemos hoje nas sociedades modernas portanto muitas vezes as atribuições poderiam se confundir ou sobrepor dependendo exclusivamente da personalidade ou interesses daqueles que compunham o GovernoGeral500 A princípio o OuvidorMor era independente mas poucos meses após a implantação do GovernoGeral a função do Ouvidor vinculouse ao Governador que passou a ter com o auxílio do Ouvidor as seguintes atribuições judiciárias examinar conflitos de jurisdição em grau de recurso de apelação ou agravo limitar o excesso de jurisdição dos donatários emitir alvarás para soltura dos culpados em crimes para busca aos carcereiros para fazerem fintas nas obras públicas dos Conselhos para seguir apelação e agravo sem que houvesse embargo ou falta de preparo para entrega de fazenda a ausentes para possibi 498 Ibidem p 86 e ss 499 Embora já houvesse na colônia cargos que estivessem em uma posição que indica ríamos como sendo o poder judiciário somente com a instalação do GovernoGeral e a chegada do primeiro OuvidorMor o desembargador Pero Borges deuse o início da implantação da estrutura judiciária Entretanto o desenvolvimento de tal estrutura só aconteceu depois com a Ordenação Filipina 500 Ibidem p 307 e ss litar realizar prova de direito comum em contratos ou alvarás de fiança vigiar fiscalizar e punir os donatários que tenham agido por força ou extorsão pública ou criado obstáculos à atividade judiciária guardar provisão da Mesa da Consciência e Ordens sobre dinheiro de pessoas já falecidas cativos e ausentes501 Mas havia questões que somente eram da alçada do Ouvidor e outras que somente poderiam ser efetivadas com a anuência do Gover nadorMor e do Ouvidor assim Ao governador geral não cabia por exemplo anistiar ou castigar os réus ou imiscuirse de qualquer forma em atribuições da competência do ouvidor Este conhecia a ação nova dos casos crimes e tinha alçada até morte natural pena de morte inclusive nos escravos gentios e peões cristãos livres Nos casos porém em que segun do o direito cabia pena de morte inclusive nas pessoas das ditas qualidades procederia nos feitos a final e os despacharia com o governador sem apelação nem agravo sendo ambos confor mes nos votos Caso discordassem deveriam mandar os autos com os réus ao corregedor da corte Nas pessoas de maior qualidade teria alçada o mesmo ouvidor até cinco anos de degredo excluindose de qualquer modo de sua ação as pessoas eclesiásticas502 Essas atribuições bem posicionadas no papel não eram tão res peitadas na prática mesmo porque a colonização portuguesa no Brasil cometeu um erro crasso que levaria a outros erros ainda maiores os portugueses transpuseram para a colônia o modelo idêntico ao que era utilizado em Portugal menos no tocante à cobrança de impostos essa legislação foi cuidada profundamente e colocada em prática levando em conta as especificidades da colônia mas somente neste caso se tomava tal cuidado E se somente levarmos em consideração uma 501 PAULA Jônatas Luiz Moreira de Op cit p 213 502 Apud PAULA J L M de Op cit p 214 Sobre a diferença de penas para pessoas de níveis diferentes e sobre a pena de morte que era chamada morte natural conferir capítulo sobre o Direito Português parca comparação de tamanho entre os dois territórios veremos a impossibilidade de essa cópia fiel dar muito certo Caio Prado Júnior aponta um exemplo do erro português na colo nização brasileira e seu prejuízo para a administração da justiça no Brasil Lembremos aqui o caso mais flagrante e de todos talvez o de efeitos mais nefastos daquela norma de copiar servilmente aqui sistemas do Reino Foi o de centralizar o poder e concentrar as autoridades reunilas todas nas capitais e sedes deixando o resto do território praticamente desgovernado e a centenas de léguas muitas vezes da autoridade mais próxima Naturalmente a extensão do país a dispersão do povoamento a deficiência de recursos tornavam difícil a solução do problema de fazer chegar a administração numa forma eficiente a todos os recantos de tão vasto território Vejase por exemplo o que se dá com as relações do Rio de janeiro e da Bahia que contava cada qual para mais de 30 pessoas entre desembargadores e funcionários todos largamente remunerados enquanto na maior parte da colônia a administração e justiça não tinham autoridade alguma presente ou acessível ou então se entregavam nos melhores dos casos à incompetência de leigos como eram os juízes ordinários 503 Nas vilas nos municípios havia toda uma série de cargos que chamaríamos pela falta de denominação melhor de jurídicos que eram ocupados almotacés juiz ordinário etc mas a jurisdição destes era tão imensa que tornava humanamente impossível cobrir todo território que se deveria A organização portuguesa transposta para o Brasil indicava como solução para esse problema a prática das Correições e das Visitações ou seja excursões administrativas que deveriam ser feitas pelas autoridades em todos os recantos de sua jurisdição O problema é que essas práticas raramente aconteciam quando acon 503 PRADO JÚNIOR C P Op cit p 312 teciam era por uma excepcionalidade ou com vistas à fiscalização supervisão geral ou audiência de recursos sendo a tarefa de fiscalizar a mais objetivada nestas visitas Mas mesmo os ocupantes desses cargos não tinham apenas funções que hoje denominaríamos como sendo atributos da justiça Não nos deixemos por isso iludir entre outros casos com a designação que trazem os cargos administrativos da colônia e que se empregam hoje numa acepção diferente e mais restrita Particularmente a de juiz O juiz colonial seja o de fora o ordinário o almotacé ou o vintenário ou de vintena tem não só as funções de nossos juízes modernos julgando dando sentença resolvendo litígios entre as partes desavindas mas também os dos nossos simples agentes administrativos executam medidas de adminis tração providenciam a realização de disposições legais E isto sem distinguir absolutamente na prática a duplicidade duplicidade para nós das funções que estão exercendo504 Mesmo diante dessa sobreposição de poderes sob a nossa visão atual podemos indicar através do estudo de Jônatas L M de Paula uma visão panorâmica da estrutura judiciária do Brasil colônia principalmente depois da Ordenação Filipina Ouvidor além das funções administrativas cabialhe conhecer e julgar por ação nova ou por avocação a seu juízo os processos cíveis e criminais em que fossem partes interessadas juízes alcaides procuradores tabeliães fidalgos abades priores ou pessoas gradas suspeições de juízes e as causas em que este se desse por impedido as causas da competência dos juízes de fora das cidades e vilas situadas a duas léguas ou menos da sede da comarca agravos dos juízes ordinários e de fora e as apelações dos juízes ordinários nas causas que não excedessem sua alçada 504 Ibidem p 322 e ss Juiz Ordinário ou da Terra eleito entre os homens bons ho mens considerados de maior valor tinha como função pro cessar e julgar processos cíveis e criminais onde não houvesse juiz de órfão deveria exercer também as atribuições deste processar e julgar sem recurso juntamente com os vereadores as injúrias verbais ou singularmente mas com recurso quando o caso tratasse de fidalgo ou cavaleiro julgar as apelações e agravos das decisões dos almotacéis Juiz de Vintena eleito anualmente pela câmara de vereadores na base de um juiz para cada 20 habitantes distante uma légua pelo menos da sede cabialhe julgar em processo verbal sem apelação nem agravo as questões de pequena monta excluin dose as relativas a bens imóveis e infrações a posturas muni cipais Almotacéis em número de dois para cada município competia lhes questões sobre servidões urbanas e nunciações de obras novas Juiz de Fora era nomeado pelo poder central e substituía o juiz ordinário nas causas cíveis cujo valor não ultrapassasse mil réis nos bens móveis e nas localidade de até 200 casas bem como tinha a competência para causas de bens móveis com valor de até 600 réis e bens imóveis até 400 réis Juiz de Órfãos eleitos ou nomeados se o município possuísse mais de 400 vizinhos e cabialhe processar e julgar inventários partilhas causas decorrentes deles ou em que fosse parte deles menores ou incapazes assim como as causas envolvendo tutela e curatela Para o segundo e terceiro graus de jurisdição o órgão máximo era a Casa de Suplicação com sede em Lisboa Outros eram o Desembargo do Paço a Casa do Porto a Mesa de Consciência e Ordens o Conselho Ultramarino a Junta de Comércio o Conselho do Almirantado o Tribu nal da Junta dos Três Estados o Régio Tribunal ou Fazenda e o Tribunal do Santo Ofício505 505 PAULA J L M Op cit p 216s 5 O Direito sob o Domínio Holandês no Nordeste Brasileiro Os Países Baixos nome que se dava aos países que hoje chama mos de Bélgica e Holanda eram no século XVI uma possessão espa nhola próspera economicamente e de religião calvinista Também por esse mesmo período mais objetivamente entre 1580 e 1640 Portugal também estava sob o domínio espanhol sob o comando do rei Felipe II506 Felipe II era um rei católico que defendia a Inquisição e mantinha uma política externa extremamente belicosa e por conseguinte muito dispendiosa Unindo a questão da incompatibilidade religiosa e a necessidade sempre crescente de afluxo de dinheiro o rei Felipe adotou uma postura extorsiva no tocante aos impostos cobrados dos flamengos que se rebelaram e fundaram um novo país na Europa a República das Províncias Unidas Esse país já nascia como a maior potência comercial do mundo possuindo uma frota de navios mercantes maior que a soma dos navios de todos os outros países Os flamengos eram os distribuidores dos produtos coloniais na Europa e financiadores de empresas nas colônias Esse último caso aplicase à empresa açucareira do nordeste brasileiro porque o açúcar produzido no Brasil era refinado e distribuído pela Holanda Para se ter uma ideia os lucros advindos somente da refinação alcançavam a terça parte do valor bruto do produto O nascimento da República das Províncias Unidas não ocorreu de forma pacífica Durante toda a segunda metade do século XVI eles lutaram contra Felipe II pela independência Essa luta que Felipe II chamava de rebelião gerou a proibição tácita do rei da Espanha e de Portugal dos holandeses comercializarem com quaisquer de suas possessões incluindose a região do açúcar no Brasil Assim os holandeses partiram para a conquista das regiões produtoras dos produtos que distribuíam conquistando a Ilha Maurícia em 1598 as Molucas em 1609 pontos da África Ocidental em 1612 o Senegal em 1617 a Indonésia em 1619 o Cabo Verde e a Costa do Ouro em 1624 Neste mesmo ano eles invadiram a Bahia mas em menos de 506 Conferir capítulo de Portugal acerca da Ordenação Filipina um ano foram expulsos por tropas especialmente enviadas da Península Ibérica para esse fim O fracasso da primeira tentativa de invasão ao território brasileiro não desanimou a Companhia das Índias Ocidentais órgão holandês que detinha um monopólio dado pelo governo da República das Províncias Unidas do comércio da África e da América Eles tentaram novamente só que não mais na Bahia mas em Pernambuco e o fizeram com preparo e força formidáveis507 Com a conquista de quatro importantes capitanias pelos holan deses a de Pernambuco Itamaracá Paraíba e Rio Grande do Norte iniciouse o período conhecido como Brasil Holandês A Espanha envolvida na Guerra dos Trinta Anos com a França não mais poderia ameaçar ao proprietários na colônia restava resistir inutilmente contra os holandeses ou acomodarse a eles Esta última foi a opção escolhida até o momento em que os portugueses retomaram a soberania de seu país e os holandeses aqui resolveram ser de fato os dominadores exigindo pagamentos que antes eram relevados Os holandeses no nordeste brasileiro adaptaram a estrutura jurí dicoadministrativa seguindo o modelo das instituições políticas holan desas Foram instalados os Conselhos de Escabinos em substituição às Câmaras Municipais estes Conselhos eram presididos pelo escolteto sempre um holandês que acumulava várias funções principalmente as de polícia e o chamaríamos hoje de promotoria pública A legislação da Holanda desse período bem como a legislação que os holandeses impuseram na região brasileira que dominaram é pouco conhecida por isso ao menos no tocante às leis penais seguiremos de perto as indicações de José Henrique Pierangeli508 Havia a pena de morte para alguns delitos principalmente relacio nados com qualquer possibilidade de insurreição contra os holandeses entre esses delitos podemos citar 1 Agasalhar ou tratar com algum soldado que viesse acorrer à campanha ou a outra qualquer pessoa que da Bahia viesse 2 Não declarar aos holandeses as pessoas que haviam recebido 507 67 navios 7 mil homens 1170 canhões MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Op cit p 170 508 PIERANGELI José Henrique Códigos Penais do Brasil evolução histórica 2 ed Revista dos Tribunais 2001 p 6264 cartas da Bahia ou tinham tratado com soldados e pessoas referidas no texto anterior 3 Ser ousado e ter em sua casa alguma arma ofensiva de qualquer qualidade ou condição 4 Não atender à ordem de expulsão ou não regressar a outras localidades para as quais houvessem si do convocados pelos poderes da Nova Holanda 5 Sublevação 6 Reunirse e agir em grupo para roubar ou matar509 A pena de morte era executada de várias maneiras como enforcamento morte pela espada pela fogueira entrega aos índios esquartejamento com o condenado ainda vivo Essas execuções poderiam de fato ser muitíssimo cruéis As execuções muitas vezes eram realizadas mediante requintes de barbárie Negase ao condenado o direito de confessar cortavase suas mãos antes do enforcamento Ainda como sinal de barbárie muitas vezes expunham na forca os corpos de pessoas que haviam morrido antes da pena ser executada ou mesmo antes de haverem pago as próprias dívidassic510 Outras penas um pouco menos severas eram aplicadas para extorsão jogos de azar incesto e adultério Para este último a mulher que fosse pega com outro que não o marido seria colocada no pe lourinho e chicoteada publicamente Eram considerados delitos também não plantar o número de covas de mandioca ordenado por lei pena ser considerado inimigo do Es tado e multa vender carne ou matar gado sem licença pena açoites casarse ou amigarse com índios pena deportação realização por padre católico de casamento sem a observância das determinações do governo holandês pena deportação escarnecer o judeu cristão de outra denominação ou blasfemar pena multa prisão e por vezes mutilação da língua 509 Ibidem p 63 510 Ibidem p 64 6 A Legislação Específica da Região das Minas A descoberta do ouro no Brasil não ocorreu ao menos de todo por acaso Há muito os colonos principalmente os de São Paulo organi zavam Bandeiras com o objetivo principal de capturar índios para vender como escravos e secundariamente procurar metais preciosos Mas essas bandeiras estavam em declínio Ao mesmo tempo o século XVIII significou para Portugal o início da dependência para com a Inglaterra e o aumento da crise econômica com a perda de grande parte de seu império ultramarino e a queda dos preços do açúcar por causa da concorrência Os preços na Europa estavam elevados as minas na América espanhola se esgotavam ou reduziam sua produção Encontrar metais preciosos seria a única maneira de salvar Portugal ou pelo menos assim a Coroa Portuguesa imaginava Só no final do século encontraram jazidas importantes e provo caram uma grande mudança na colônia e na metrópole O aumento populacional na região das minas esvaziava outros pontos da colônia e outros tantos da metrópole a ponto de Portugal ter que tomar medidas restritivas à emigração de portugueses O grande afluxo de pessoas gerava uma falência permanente no setor de produção de alimentos e como Portugal não conseguiria ter alimentos suficientes para si e para a região mineradora da colônia fazia vistas grossas à afronta ao Pacto Colonial que possibilitava o comércio interno na colônia511 À medida que as jazidas foram sendo encontradas em maior número e a produção aurífera aumentava o governo metropolitano interessavase cada vez mais em controlar essa atividade Por isso há toda uma legislação específica para esse setor no período dentre outros podemos citar o Código Mineiro de 1603 e 1618 e o Regimento de 1702 O Código Mineiro estabelecia que todos os súditos do rei podiam extrair livremente o ouro desde que reservassem para a Real Fazenda a quinta parte do produto Autorizava a criação de Casas de Fundição para onde deveria ser levado todo metal extraído para ser fundido em barras depois de deduzida a parte do imposto512 Demarcava as terras 511 Esse mercado interno criado no Brasil por causa dessas dificuldades é uma das explicações mais indicadas para o fato do país não ter se fragmentado como ocorreu na América Espanhola Lá não poderia e não houve na mesma intensidade que no Brasil um comércio interno 512 O processo das Casas de Fundição era o seguinte todo ouro extraído em pó ou pepita era levado para esses locais para se tornarem barras após a dedução do quinto com o selo real Somente assim poderiam de forma lícita circular pela colônia e para fora dela chamadas minerais Criava o cargo de provedor específico para a região aurífera ele seria o responsável pela fiscalização das jazidas e a cobrança do quinto o regimento de 1618 ampliou os poderes deste provedor no tocante à cobrança de impostos O Regimento de 1702 é considerado o regimento mais importante porque alterou substancialmente os códigos anteriores e traçou as linhas básicas do sistema que persistiu até o fim do período colonial Foi por esse documento que a metrópole criou na região das Minas uma administração subordinada diretamente à Coroa portuguesa e completamente desligada do GovernoGeral da colônia513 O regimento criou então um governo especial para as zonas auríferas a Intendência das Minas que estava vinculada somente a Lisboa As atribuições dessa Intendência eram amplas policiamento da mineração fiscalização e direção das explorações cobrança de impostos e juridicamente funcionava como o tribunal de primeira e última instância nas questões relativas às suas atribuições Outra modificação efetuada pelo Regimento foi a substituição do Provedor criado pelo Código Mineiro por um Superintendente com atribuições jurídicas mais extensas Ele seria um homem conhecedor da legislação para defender os interesses da Metrópole ou seja ele não precisava conhecer rigorosamente nada de mineração ele só precisava ser eficiente no sistema de cobrança do quinto O sistema de arrecadação de impostos era o que mais importava para a metrópole assim a Coroa sempre buscava meios de aper feiçoarse com o objetivo de não perder de maneira alguma os lucros advindos com a mineração não importando o quão oneroso poderia ser para a população Como o ouro em pó nãoquintado portanto que não havia pagado imposto circulava ainda que ilegalmente pela colônia Portugal resolveu tomar medidas de policiamento Em 1700 foram nomeados por decreto régio Provedores e Escrivães que seriam responsáveis pela fis calização do pagamento dos quintos e para tentar evitar a circulação de ouro ilegal foram criados centros de inspeção policiados coloca dos nas saídas das regiões mineiras estes eram Chamados Registros Um Regimento de 1702 reforçava essas medidas além de esta belecer que o pagamento dos quintos também poderia ser feito nos 513 WISSENBACH Maria Cristina Cortez Regras e práticas da extração mineral In MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Op cit p 238 próprios Registros durante transações comerciais Esse sistema de arrecadação perdurou até 1710 quando houve uma tentativa de se cobrar o imposto sobre o número de escravos em exercício efetivo nas minas essa forma de arrecadação durou muito pouco várias foram as revoltas que proporcionou Em 1713 a Junta da Fazenda de Vila Rica propôs que se subs tituísse o quinto por uma quantia anual fixa era o chamado sistema de fintas mas a Coroa em 1735 criou um sistema mais eficiente e mais cruel ainda do ponto de vista dos colonos a Taxa de Capitação dos Escravos e o Censo das Indústrias que reunia a ideia do sistema de 1710 cobrança per capita de escravos utilizados incluindo escravos não utilizados na mineração e cobrando de pessoas livres que mineiravam e todos da região das minas da mesma maneira Em 1751 a Coroa voltou atrás novamente abolindo o sistema de 1735 fazendo implantar o sistema de quotas anuais entretanto haveria um mínimo a ser pago muito alto e portanto muito difícil de cumprir o que levaria à Derrama que existia há muito e pode ser definida como Imposto cobrado pela coroa portuguesa às capitanias do Brasil e arrecadado entre os seus habitantes No século XVIII a capitania de Minas Gerais deveria pagar anualmente o imposto do quinto do ouro extraído num total de cem arrobas o mais importante dos tributos reco lhidos pela monarquia portuguesa Com a pro gressiva decadência na arrecadação cada habitante teria que entrar com uma cota para completar o total exigido Essa cobrança em arrobas de ouro extorsiva e excessiva é o que se chama derrama determinada com freqüência quando a arrecadação normal do quinto não dava para cobrir o montante do imposto A derrama em 1789 na capitania de Minas Gerais tem sido mencionada como origem da chamada Conju ração Mineira514 514 AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Dicionário de nomes termos e conceitos históricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 129 CAPÍTULO XIV BRASIL REINO 1 Introdução Quando o século XIX inaugurouse na Europa o velho continente estava abarrotado de problemas e conflitos Napoleão tomava tantos territórios quanto a alta burguesia francesa que o apoiava desejasse para atingir seus objetivos Estes eram bastante simples como a produção francesa era fraca em comparação com a inglesa a única maneira de obter e manter mercados era através do domínio político eou territorial Desde 1805 quando a esquadra inglesa derrotou as forças navais francoespanholas em Trafalgar além de se reforçar a ideia de que a Inglaterra por mar era imbatível esta utilizou sua superioridade marí tima e impôs o Bloqueio Marítimo da França atingindo também todos os aliados de Napoleão Baseados na dominância política do continente garantida pela força bélica napoleônica os burgueses franceses embora mais frágeis que os ingleses responderam a esse bloqueio naval com o Bloqueio Continental que estabelecido pelo Decreto de Berlim em 1806 e de Milão em 1807 impunha um bloqueio comercial à Inglaterra515 Esse bloqueio tinha dois objetivos básicos o primeiro era confor me já indicado limitar ou impedir a concorrência forte dos produtos ingleses que eram mais baratos que quaisquer produtos do mundo visto que a Inglaterra já estava em plena Revolução Industrial produzindo mais em menos tempo portanto mais barato A segunda era o enfraquecimento da economia inglesa o que em médio prazo poderia dar à França mais chances de derrotar a Inglaterra Desde o Tratado de Amiens em 1802 Portugal conseguiu manter ao menos por algum tempo a neutralidade no conflito anglofrancês Mas a relatividade da dita neutralidade portuguesa era tanta quanto era a dependência real de Portugal para com a Inglaterra 515 ALBUQUERQUE Manuel Mauricio de Pequena história da formação social brasileira 4 ed Rio de janeiro Graal 1986 p 251 Portugal mesmo no século XIX mantinha o mesmo perfil socioeconômico que havia sido sua glória no século XVI um Estado baseado em uma aristocracia parasitária com estamentos quase feudais sem muita ou nenhuma noção de proteção da nação que colocava seus próprios interesses e seu conforto acima de qualquer coisa inclusive e principalmente de seu país A economia portuguesa era extremamente dependente das colônias não somente como mercados consumidores de produtos que não entrariam em qualquer mercado que não fosse obrigado pelo pacto colonial a comprar como também dependiam das colônias até para suprir a limitação da produção interna de víveres A Inglaterra desde o fim da União Ibérica século XVII portanto trouxe Portugal sua fragilidade e suas interessantes colônias para sua órbita o que gerou uma dependência econômica crescente subor dinando lusitanos a ingleses O marco maior dessa subordinação econômica foi o Tratado de Methuen de 1703 que deu a mercadorias britânicas privilégios de circulação em Portugal mesmo em detrimento de um possível desenvolvimento de uma indústria portuguesa Esses laços de dependência fortaleceramse ainda mais no decorrer do século XVIII por causa da crise da produção aurífera no Brasil Colônia e a Revolução Industrial na Inglaterra Nessa conjuntura a neutralidade portuguesa diante da rivalidade anglonapoleônica era impossível Em 1807 já estando assegurada a aliança com a Espanha o governo francês enviou uma nota a Lisboa em que exigia que ingleses fossem expulsos de Portugal e seus bens fossem confiscados Havia no governo português quem visse nesse ultimatum um excelente caminho para minimizar a dependência com a Inglaterra mas havia outros que advogavam a causa de Londres principalmente pela pressão do embaixador inglês em Portugal Em 22 de outubro de 1807 pressionado pela dependência econô mica o governo português assinou a Convenção Secreta de Londres que impôs entre outras coisas a transferência da Monarquia Portuguesa para o Brasil a ampliação das forças navais inglesas com unidades portuguesas bases militares em colônias de Portugal um porto livre em Santa Catarina no Brasil com vistas ao mercado da América Espanhola pela dominação do Rio da Prata516 516 Ibidem p 253 Embora Portugal tentasse também negociar paralelamente com a França a assinatura do Tratado de Fontainebleau em 27 de outubro de 1807 encerrou qualquer possibilidade visto que através deste França e Espanha dividiam o território português e seus domínios entre si A única possibilidade de sobrevivência da monarquia portuguesa parecia estar nas mãos da Inglaterra e isso passaria necessariamente pela transferência da Corte para o Brasil A ideia de transferir a Corte para o Brasil não era nova nem per tencia à Inglaterra pois desde a crise dinástica que resultou na União Ibérica havia a ideia da transmigração para o Brasil O próprio fundador da dinastia Bragança D João IV tinha a ideia de usar o Brasil como refúgio caso fracassassem seus planos de restaurar o trono português 2 A Corte Portuguesa no Brasil e a Subordinação à Inglaterra 21 A Chegada da Corte e a Abertura dos Portos À época da transferência da Corte para o Brasil era Regente D João que seria após a morte de sua mãe chamado D João VI Sua posição de regente deviase ao fato de que seu irmão mais velho D José havia morrido e a rainha apresentava sinais de insanidade mental Inaugurouse um novo momento na história do Brasil dizem alguns que o Brasil de D João foi a antessala do Brasil independente Sem dúvida só o fato de D João transferirse para essa colônia e Portugal se encontrar sob domínio estrangeiro impossibilitava a manutenção do Pacto Colonial sendo portanto impossível manterse o status colonial que o território carregava até então Para que seja efetiva a condição de colônia ao menos até o início do século XIX era necessário manter o Pacto Colonial que se baseava na exclusividade da Metrópole a colônia somente poderia comercia lizar em compra e venda para sua metrópole Assim O sistema de colonização que a política econô mica mercantilista visa desenvolver tem em mira os mesmos fins mais gerais do mercantilismo e a eles se subordina Por isso a primeira preocupa ção dos Estados Colonizadores será de resguar dar a área de seu império colonial face às demais potências a administração se fará a partir da metrópole e a preocupação fiscal dominará todo o mecanismo administrativo Mas a medula do sistema seu elemento definidor reside no mono pólio do comércio colonial Em torno da preser vação desse privilégio assumido inteiramente pelo Estado ou reservado à classe mercantil da metrópole ou parte dela é que gira toda a política do sistema colonial E aqui reaparece o caráter de exploração mercantil que a colonização incorpo rou da expansão comercial da qual foi um desdobramento517 Qualquer que fosse a intenção do Príncipe Regente ao chegar ao Brasil com certeza não era de libertar o Brasil mas só não havia como manter o regime colonial a Metrópole não mais existia porque estava invadida e o governo metropolitano estava dentro da colônia Assim sendo a primeira providência do regente ao chegar deveria ser liberar o comércio do Brasil para outros lugares que não a metrópole que por ora era inexistente caso contrário toda a economia brasileira estaria paralisada E dessa forma foi feito com o documento que hoje é chamado Abertura dos Portos às Nações Amigas518 Já no início do documento D João faz referência ao problema de paralisação do comércio que foi destacado no parágrafo anterior e continua indicando a solução a liberação do comércio do Brasil que a partir desse momento e até por causa dele não mais poderia ser chamado de colônia embora não houvesse preocupação imediata de indicálo de outra forma O documento conta ainda com a indicação de um imposto geral sobre produtos importados de 24 sobre o seu valor Esta foi uma das formas que o governo português no Brasil encontrou de conseguir 517 NOVAIS Fernando A O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial In MOTA Carlos Guilherme Org Brasil em perspectiva 4 ed São Paulo Difusão Européia do Livro 1973 p 51 518 Alguns preferem sempre acrescentar a esse título o subtítulo leiase Inglaterra mas afinal quem mais seria As outras nações ou estavam sob o domínio da França ou não tinham condições de comercializar com o Brasil como poderia e o fez a Inglaterra É claro que a Abertura dos Portos significou naquele momento a sobrevivência da indústria in glesa que desde 1806 via seus estoques acumularemse e seus prejuízos avolumaremse recursos Há que se salientar que esse diploma legal indica que a abertura para outros países seria provisória Conde da Ponte do meu Conselho governador e capitãogeneral da Capitania da Bahia amigo Eu o prínciperegente vos envio muito saudar como àquele que amo Atendendo à representação que fizestes subir à minha real presença sobre se achar interrompido e suspenso o comércio desta capitania com gra ve prejuízo dos meus vassalos e da minha real fazenda em razão das críticas e públicas cir cunstâncias da Europa e querendo dar sobre este importante objeto alguma providência pronta e capaz de melhorar o progresso de tais danos Sou servido ordenar interina e provisoria mente enquanto não consolido um sistema geral que efetivamente regule semelhantes matérias o seguinte Primo Que sejam admissíveis nas alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros fazendas e mer cadorias transportadas ou em navios estran geiros das potências que se conservam em paz e harmonia com a minha real coroa ou em navios dos meus vassalos pagando por entrada vinte e quatro por cento a saber vinte de direitos gros sos e quatro do donativo já estabelecido regu landose a cobrança destes direitos pelas pautas ou aforamentos por que até o presente se regulam cada uma das ditas alfândegas ficando os vinhos águas ardentes e azeites doces que se denominam molhados pagando o dobro dos direitos que até agora nelas satisfaziam Secundo Que não só os meus vassalos mas também os sobreditos estrangeiros possam exportar para os portos que bem lhes parecer a benefício do comércio e agricultura que tanto desejo promover todos e quaisquer gêneros e produções coloniais à exceção do paubrasil ou outros notoriamente estancados pagando por saída os mesmos direitos já estabelecidos nas respectivas capitanias ficando entretanto como em suspenso e sem vigor todas as leis cartas régias ou outras ordens que até aqui proibiam neste Estado do Brasil o recíproco comércio e navegação entre os meus vassalos e estrangeiros O que tudo assim fareis executar com o zelo e atividade que de vós espero Escrita na Bahia aos 28 de janeiro de 1808 Príncipe Para além do significado de fim da era Colonial esse documento resultou em um grande desenvolvimento do comércio interno e externo brasileiro a tal ponto das cidades se desenvolverem e a balança co mercial brasileira com Portugal que antes era deficitária e devia sêlo dentro do pacto colonial tornarse extremamente favorável ao Brasil 22 A Liberação de Manufaturas O Brasil desde 1785 estava proibido de manufaturas isso se devia ao fato de que a produção no Brasil de produtos manufaturados embora pequena demais poderia vir a gerar uma concorrência não aos produtos portugueses visto que a indústria portuguesa era incipiente e totalmente contida pela concorrência com produtos britânicos mas poderia gerar prejuízo aos comerciantes portugueses que monopolizavam o comércio para o Brasil de produtos comprados em outros países O Alvará de 5 de janeiro de 1785 afirmava Eu a rainha faço saber aos que este alvará virem Que sendome presente o grande número de fábricas e manufaturas que de alguns anos por esta parte se têm difundido em diferentes capi tanias do Brasil com grave prejuízo da cultura e da lavoura e da exploração de terras minerais daquele vasto continente porque havendo nele uma grande e conhecida falta de população é evidente que quanto mais se multiplicar o nú mero dos fabricantes mais diminuirá o dos cultivadores e menos braços haverá que se pos sam empregar no descobrimento e rompimento de uma grande parte daqueles extensos domí nios que ainda se acha inculta e desconhecida Nem as sesmarias que formam outra con siderável parte desses mesmos domínios pode rão prosperar nem florescer por falta do benefício da cultura não obstante ser esta a essencia líssima condição com que foram dadas aos proprietários delas E até nas terras minerais ficará cessando de todo como já tem conside ravelmente diminuído a extração de ouro e diamantes tudo procedido da falta de braços que devendose empregar nestes úteis e vantajosos trabalhos ao contrário os deixam e abandonam ocupandose de outros totalmente diferentes como são as referidas fábricas e manufaturas E consistindo a verdadeira e sólida riqueza nos frutos e produções da terra os quais somente se conseguem por meio de colonos e cultivadores e não de artistas e fabricantes E sendo além disso as produções do Brasil as que fazem todo fundo e base não só das permutações mercantis mas da navegação e comércio entre meus leais vassalos habitantes destes reinos e daqueles domínios que devo animar sustentar em benefício comum de uns e outros removendo na sua origem os obstáculos que lhes são prejudiciais e nocivos Em consideração de todo o referido hei por bem ordenar que todas as fábricas manufaturas ou teares de galões de tecidos de bordados de ouro e prata de veludos brilhantes cetins tafetás ou qualquer outra espécie de seda de belbuts chitas bombazinas fustões ou de qualquer outra fazenda de linho branca ou de cores e de panos droguetes baetas ou de qualquer outra espécie de tecido de lã ou que os ditos tecidos sejam fabricados de um só dos referidos gêneros ou misturados e tecidos uns com os outros excetuandose tão somente aqueles ditos teares ou manufaturas em que se tecem ou manufaturam fazendas grossas de algodão que servem para o uso e vestuário de negros para enfardar para empacotar e para outros ministérios semelhantes todas as mais sejam extintas e abolidas por qualquer parte em que se acharem em meus domínios do Brasil debaixo de pena de perdimento em tresdobro do valor de cada uma das ditas manufaturas ou teares e das fazendas que nelas houver e que se acharem existentes dois meses depois da publi cação deste repartindose a dita condenação metade a favor do denunciante se houver e outra metade pelos oficiais que fizerem a diligência e não havendo denunciante tudo pertencerá aos mesmos oficiais Com a transferência da Corte novas necessidades e uma nova mentalidade estavam presentes O Brasil era a partir de então o centro político administrativo do Império Português Dessa forma D João revogou o Alvará de 1785 a partir de outro alvará o Alvará de 1o de abril de 1808 Eu o Príncipe Regente faço saber aos que o presente Alvará virem Que desejando promover e adiantar a riqueza nacional e sendo um dos mananciais dela as Manufaturas e a Indústria que multiplicam e melhoram e dão mais valor aos Gêneros e Produtos da Agricultura e das Artes e aumentam a população dando que fazer a muitos braços e fornecendo meios de subsis tência a muitos dos Meus Vassalos que por falta deles se entregariam aos vícios da ociosidade E convindo remover todos os obstáculos que po dem inutilizar e frustrar tão vantajosos proveitos Sou Servido abolir revogar toda e qualquer proibição que haja a este respeito no Estado do Brasil e nos meus domínios Ultramarinos e Ordenar que daqui em diante seja lícito a qualquer dos Meus Vassalos qualquer que seja o País em que habitem estabelecer todo o gênero de Manufaturas sem excetuar alguma fazendo seus trabalhos em pequeno ou em grande como entenderem que mais lhes convém para o que Hei por bem derrogar o Alvará de cinco de janeiro de mil setecentos oitenta e cinco e quaisquer Leis ou Ordens que o contrário decidam como se delas fizesse expressa e individual menção sem embargo da Lei em contrário Embora possa parecer à primeira vista que com uma liberdade como esta a industrialização no Brasil tenha começado nada poderia estar mais longe da verdade Essa simples decisão jurídica repre sentada por esse alvará não surtiu efeitos consideráveis no que diz respeito à economia brasileira Apesar disso podemos encontrar aqui e ali um pequeno desenvolvimento nos setores têxtil e metalúrgico Neste último o interesse da administração auxilia no incremento desse tipo de indústria visto que são trazidos para o Brasil técnicos alemães especialistas no assunto Mas havia barreiras intransponíveis a um desenvolvimento industrial de fato no Brasil Por um lado o escravismo era um enorme obstáculo não somente do ponto de vista do consumo tendo em vista que escravo não é a priori consumidor mas também porque grande parte do capital existente concentravase na manutenção do sistema agrícola baseado no latifúndio e no escravismo Por outro lado ainda que houvesse capital ainda que fosse aumentado o mercado consumidor nada poderia transpor a maior barreira a concorrência dos produtos ingleses Como concorrer com uma nação que além de produzir mais em menos tempo mais barato ainda tinha portos abertos no Brasil Se nem a França havia con seguido a não ser através de domínio territorial que proibia produtos ingleses como o Brasil seria páreo A conclusão era um tanto óbvia melhor nem tentar 23 A Reorganização do Estado Português no Brasil e a Entrega do Mercado Brasileiro A partir de 11 de março de 1808 iniciouse a montagem do Estado português no Brasil Transplantaramse todos os órgãos do Estado por tuguês os ministérios do Reino da Guerra e Estrangeiros da Marinha e Ultramar o Real Erário que em 1821 passou a ser chamado de Ministério da Fazenda Outros órgãos administrativos e da justiça foram também recriados Conselho de Estado Desembargo do Paço Mesa da Consciência e Ordens Conselho Supremo Militar Essa remontagem do Estado português entretanto fezse à revelia da Colônia sobrepondose a ela de maneira impositiva quase não incorporando os próprios colonos visto que havia a preocupação de absorver toda a nobreza parasitária que contava com milhares de pessoas e havia fugido junto com o Regente Era um governo totalmente fora da realidade social do país O modelo transposto para o Brasil era baseado no espírito tradicional do Antigo Regime que se baseava no monopólio dos postoschave do Estado alijando quase completamente os senhores rurais de qualquer forma de influência nas decisões As entidades e repartições públicas se multiplicavam e man tinhamse distantes das necessidades sociais O velho hábito português imigrou junto com a Família Real e os milhares de parasitas que a acompanharam muito luxo na Corte muita atenção na arrecadação muito déficit na manutenção do Estado Somente uma coisa mudou embora o ônus do crescimento de impostos tenha recaído sobre os brasileiros pelo menos não era preciso leválos para alémmar a viagem dos impostos era menor Com o objetivo de melhor arrecadar e visando ter uma instituição que pudesse servir como tesouro real inclusive emitindo moeda para cobrir gastos crescentes é que foi criado em 12 de outubro de 1808 o Banco do Brasil através de alvará Eu o Principe Regente faço saber aos que este meu Alvará com força de lei virem que atten dendo a não permitirem as actuaes circuns tâncias do Estado que o meu Real Erario possa realisar os fundos de que depende a manutenção da Monarchia e o bem comum dos meus fiéis vassalios sem as delongas que as differentes partes em que se acham fazem necessárias para a sua effectiva entrada e que os bilhetes dos direitos das Alfandegas tendo certos prazos nos seus pagamentos ainda que sejam de um crédito estabelecido não são proprios para o pagamento de soldos ordenados juros e pensões que cons tituem os alimentos do corpo politico do Estado os quaes devem ser pagos nos seus vencimentos em moeda corrente e aos obstaculos que a falta de gyro dos signos representativos dos valores poem ao commercio devem quanto antes ser removidos animando e promovendo as tran saçoes mercantis dos negociantes desta e das mais praças dos meus dominios e senhorios com as estrangeiras sou servido ordenar que nesta Capital se estabeleça um Banco Publico que na fôrma dos Estatutos que com esta baixam assignados por D Fernando José de Portugal do meu Conselho de Estado Ministro Assistente ao Despacho do Gabinete Presidente do Real Erario e Secretario de Estado dos Negocios do Brasil ponha em acção os computes estagnados assim em generos comerciais como em especies cunhadas promova a industria nacional pelo gyro e combinação dos capitães isolados e facilite juntamente os meios e os recursos de que as minhas rendas reaes e as publicas necessitarem para ocorrer às despezas do Estado E querendo auxiliar um estabelecimento tão util e necessário ao bem commum e particular dos Povos que o Omnipotente confiou do meu zelo e paternal cuidado determino que os saques dos fundos do meu Real Erario e as vendas dos ge neros privativos dos contractos e administrações da minha Real Fazenda como são os diamantes pão Brazil o marfim e a urzelia se façam pela intervenção do referido Banco Nacional ven cendo sobre o seu liquido produto a comissão de dous por cento além do premio do rebate dos escriptos da Alfandega que em virtude do meu Real Decreto de 5 de Setembro do corrente armo fui servido mandar praticar pelo Erario Régio para ocorrer ao effectivo pagamento das des pezas de trato sucessivo da minha Corôa que devem ser feitas em especies metallicas E attendendo à utilidade que provém ao Estado e ao commercio do manejo seguro dos cabedaes e fundos do referido Banco ordeno que logo que elle principar as suas operaçõens se haja por extincto o Cofre de Deposito que havia nesta Cidade a cargo da Camara della e determino que no sobredito Banco se faça todo e qualquer de posito judicial ou extrajudicial de prata ouro joias e dinheiros e que o competente conhe cimento de receita passado pelo Secretário da Junta do Banco e assignado pelo Administrador da competente caixa tenha em Juizo e fóra delle todo o valor e o credito de effectivo e real deposito para se seguirem os termos que por minhas Leis se não devem praticar sem aquela clausula solemnidade ou certeza recebendo o sobredito Banco o mesmo premio que no referido deposito da Cidade se descontava à partes E outrossim sou servido mandar que os empréstimos a juro da Lei que pelo cofre de Orphãos e administrações das Ordens Terceiras e Irmandades se faziam até agora a pessoas particulares da publicação des te meu Alvará em diante se façam unicamente ao referido Banco que deverá pagar à vista nos prazos convencionados os capitães e nas épocas costumadas os juros competentes debaixo de hipotheca dos fundos da sua caixa de reserva distratando desde logo aqueles cofres as sommas que tiverem em mãos particulares ao referido juro para entrarem immediatamente com elias no sobredito Banco Publico debaixo das mesmas condições Em todos os pagamentos que se fizerem à minha Real Fazenda serão contemplados e recebidos como dinheiro os bilhetes do dito Banco Publico pagaveis ao portador ou mostrador à vista e da mesma forma se distribuirão pelo Erario Régio nos pagamentos das despezas do Estado e ordeno que os Membros da Junta do Banco e os Directores delle sejam contemplados pelos seus serviços com as remunerações estabelecidas para os Ministros e Officiaes da minha Real Fazenda e Administração da Justiça e gozem de todos os privilégios concedidos aos Deputados da Real junta do Commercio Embora possa parecer que tal banco tenha sido criado com o objetivo de inaugurar uma instituição creditícia dos setores produtivos da sociedade com o intuito de desenvolver a mesma sociedade de fato o Banco do Brasil nasceu para ser um instrumento de finanças do Tesouro Real O governo pôde a partir de então emitir moeda e custear o que fosse necessário para o governo de D João mesmo que fosse para cobrir rombos causados pela já instalada corrupção Para sustentar uma instituição que era usada como fonte de recursos na categoria de inesgotável foram criados dois impostos o que recaía sobre cada negociante livreiro e boticário sobre lojas de ouro prata estanho e artigos de cobre de 12800 e a taxa suntuária cobrada sobre cada carruagem de quatro rodas que atingisse o preço de 12000 ou 10000 Navios lojas de mercadorias etc também pagavam impostos Mas apesar da distância entre a Corte e a sociedade colonial as transformações administrativas acabaram por dar ao Brasil um centro aglutinador que não existia anteriormente E se isso ocorreu no nível político as atitudes normativas do governo português no Brasil lança riam o centro econômico deste último para bem longe para a Inglaterra Assim vêse no período reinol no Brasil a passagem da herança de dependência econômica de Portugal para o seu território na América principalmente através do Tratado de Aliança e Amizade de 1810 e o Tratado de Comércio e Navegação do mesmo ano Por este último ficava claro que a dominância inglesa no Brasil poderia suplantar até mesmo o secular controle econômico dos anglos sobre os lusitanos Mercadorias inglesas pagariam menos impostos para entrar no Brasil mesmo em comparação com produtos portu gueses Nesse sentido os produtos ingleses pagariam 15 ad valorem os portugueses 16 e os produtos que não fossem nem ingleses nem portugueses pagariam 24 sobre seu valor Todos os Gêneros Mercadorias e Artigos quaisquer que sejam da Produção Manufatura Indústria ou Invenção dos Domínios e Vassalos de Sua Majestade Britânica serão admitidos em todos e em cada um dos Portos e Domínios de Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal tanto na Europa como na América África Ásia quer sejam consignados a Vassalos Britânicos quer a Portugueses pagando geral e unicamente Direi tos de Quinze por cento 519 Não se tratava de uma grande novidade estava implícito desde o início o apoio inglês à vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil que esta deveria ser uma das formas de pagamento Mesmo o ministério que D João montou em terras brasileiras era composto por 519 Tratado de Comércio e Navegação de 19 de fevereiro de 1810 Artigo XV homens claramente ligados aos interesses ingleses que defendiam o tratado salientando que este tinha caráter de reciprocidade Entre tanto não havia como concorrer com os ingleses portanto a reci procidade ficava somente no papel Obviamente a princípio essa baixa taxação de produtos ingleses fez com que o custo de vida no Brasil ficasse um pouco menos oneroso entretanto em curto prazo não só praticamente entregou o comércio do Brasil aos ingleses como também trouxe prejuízo ao Brasil no tocante ao comércio com outros países Era o fim do colonialismo da Idade Moderna e o início do Imperialismo em que os ingleses foram mestres Mas D João sobre uma fina fronteira entre interesses ingleses e portugueses acabou vacilando todo o tempo de seu reinado no Brasil entre legislar em um sentido liberal para o comércio ou legislar mantendo toda uma estrutura basicamente colonial Embora possamos afirmar principalmente depois dos Tratados de 1810 que os ingleses ganharam o Brasil não podemos deixar de indicar que os portugueses reagiram a isso e D João teve que estabelecerse no meiotermo Já na Abertura dos Portos é possível ver a ambiguidade já que se afirma o caráter provisório da medida e excluemse o paubrasil e outros gêneros estancados Posteriormente principalmente após 1810 vários decretos foram baixados com o intuito de proteger ou ao menos tentar proteger o comércio português Um decreto de 13 de maio de 1810 dispensou de direitos de entra da nos portos do Brasil mercadorias chinesas diretamente importadas que pertencessem a vassalos portugueses Em 18 de outubro do mesmo ano ficava estabelecido que mercadorias inglesas importadas por portugueses pagassem 15 também O alvará de 13 de julho de 1811 favorecia as manufaturas portuguesas importadas no Brasil e um decreto de 21 de janeiro de 1813 declarava as mercadorias e manu faturas nacionais isentas de direitos de importação520 Entre o liberalismo e o monopolismo mercantilista ficaram as leis de D João para a economia brasileira Essa ambiguidade gerou atritos que se refletiram na época da independência do Brasil Adotar em toda a extensão os princípios do libe ralismo econômico significaria destruir as próprias 520 COSTA Emilia Viotti da Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil In MOTA Carlos Guilherme Org Brasil em perspectiva 4 ed São Paulo Difusão Euro péia do Livro 1973 p 77 bases sobre as quais se apoiava a Coroa Manter intacto o sistema colonial era impossível nas novas condições Daí as contradições de sua política eco nômica Os inúmeros conflitos decorrentes acentua ram e tornaram mais claras aos olhos dos colonos e dos agentes da metrópole as divergências de in teresses existentes entre eles provocando reações opostas os colonos perceberam as vantagens de ampliar cada vez mais a liberdade enquanto os metropolitanos convenciamse da necessidade de restringilas A oposição entre os dois grupos manifestarseia claramente quando deputados brasileiros e portugueses se defrontaram nas Cortes portuguesas de 1821521 24 A Justiça no Período Joanino A estrutura judiciária também foi transposta para o Brasil uma modernização poderia gerar brechas de poder que seriam perigosos e desnecessários em um momento tão delicado Somente Pombal havia tentado uma mudança um pouco mais radical depois dele nenhuma grande transformação estrutural foi levada a efeito522 A primeira providência tomada foi no sentido de uma Justiça Militar que deveria cuidar inclusive de questões relativas às armadas e armadores Esta foi providenciada através da instalação do Conselho Supremo Militar e de Justiça constituído por dois conselhos relati vamente independentes o militar e o de justiça Ao Conselho Supremo Militar caberia todos os Negocios em que em Lisboa enten dião os Conselhos de Guerra do Almirantado e do Ultramar na parte Militar sómente e todos os mais que Eu Houver por bem encarregarlhe e poderá o mesmo Conselho consultarMe tudo quanto julgar conveniente para melhor Economia e Disciplina do Meu exército e Marinha 523 521 Ibidem p 79 522 Conferir o Capítulo referente à Colônia 523 Regimento do Conselho Supremo Militar e de Justiça dado no Rio de Janeiro em 01041808 Já o Conselho de Justiça ficaria responsável pelo conhecimento e decisão dos processos criminais cujos réus tivessem direito a foro militar e também deveria ser submetido ao Conselho de Justiça todos os Conselhos de Guerra que se for marem nos Corpos Militares desta Capitanía e de todas as mais do Brazil a excepção do Pará e Ma ranhão e dos Dominios Ultramarinos pela gran de distancia e dificuldade da navegação para esta Capital excepcionalmente reunindose nas quintas feiras quando para este fim for avisado e requerido pelo Juiz Relator do mesmo Conselho para julgar em ultima Instancia da validade das prezas feitas por Embarcações de Guerra da Armada Real ou por Armadores Portuguezes524 No tocante a tribunais superiores o governo do Regente fundiu os dois principais Tribunais Portugueses ao invés de um Desembargo do Paço e uma Mesa da Consciência foi instituído a Meza do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens isto sem acabar com os tribunais já existentes em Portugal O tribunal no Brasil era composto de um presidente e de desembargadores nomeados pelo regente depois rei e deputados da Meza da Consciência que se reuniriam todas as manhãs de dias úteis Não havia nenhuma utilidade em fechar a Casa da Suplicação de Lisboa Embora esse tribunal tivesse acompanhado tradicionalmente a pessoa do monarca havia já alguns séculos que não era presidido por ele funcionando em verdade sob um regedor De fato esse tribunal em Lisboa acabou por se transformar em uma Corte de Justiça profis sionalizada onde se julgava conforme as leis e que não se diferenciava essencialmente a não ser nas dimensões e na proximidade com a Coroa das outras Relações do Reino Assim sem levar em conta o seu valor simbólico como expressão da sobrevivência das instituições fechála seria como fechar a Relação do Porto ou a da Bahia Deixaria uma região da maior importância desprovida do seu tribunal Mas não se compreendia uma Corte sem uma Casa de Suplicação e a Corte estava no Rio de Janeiro 524 Ibidem Mas o Rio de Janeiro já tinha uma Relação e simplesmente im plantar uma Casa de Suplicação acabaria por sobrepor funções Dessa forma criouse por alvará em 10 de maio de 1808 a Casa de Suplicação elevando a hierarquia da Relação do Rio de Janeiro e completando seus quadros com magistrados e outros que a nova condição exigia A composição da Casa é descrita pelo alvará Eu o Príncipe Regente faço saber aos que o pre sente Alvará com força de lei virem que tomando em consideração o muito que interessa o estado e o bem comum e particular dos meus leais vas salos em que a administração da Justiça não tenha embaraços que a retardem e estorvem e se faça com a prontidão e exatidão que convém e que afiança a segurança pessoal e dos sagrados direitos de propriedade que muito desejo manter como a mais segura base da sociedade civil e exigindo as atuais circunstâncias novas provi dências não só por estar interrompida a comu nicação com Portugal e ser por isto impraticável seguiremse os Agravos Ordinários e Apelações que até aqui se interpunham para a Casa da Suplicação de Lisboa vindo a ficar os pleitos sem decisão última com manifesto detrimento dos litigantes e do público que muito interessam em que não haja incerteza de domínios e se findem os pleitos quanto antes como também por me achar residindo nesta cidade que deve por isso ser considerada a minha Corte atual querendo providenciar de um modo seguro estes incon venientes e os que podem recrescer para o futuro em benefício do aumento e prosperidade da causa pública sou servido determinar o seguinte I A relação desta cidade se denominará Casa da Suplicação do Brasil e será considerada como Superior Tribunal de Justiça para se findarem ali todos os pleitos em última instância por maior que seja o seu valor sem que das últimas sentenças proferidas em qualquer das Mesas da sobredita Casa se possa interpor outro recurso que não seja o das revistas nos termos restritos do que se acha disposto nas minhas ordenações leis e mais disposições e terão os Ministros a mesma alçada que têm os da Casa da Suplicação de Lisboa II Todos os Agravos Ordinários e Apelações do Pará Maranhão Ilhas dos Açores e Madeira e da Relação da Bahia que se conservará no estado em que se acha e se considerará como imediata à desta cidade os quais se interpunham para a Casa da Suplicação de Lisboa serão daqui em diante interpostos para a do Brasil e nela se decidirão finalmente pela mesma forma que o eram até agora segundo as determinações das minhas ordenações e mais disposições régias III Todos aqueles pleitos em que houve inter posição de Agravos ou Apelações que se não remeteram e todos os que sendo remetidos não tiveram ainda final decisão serão julgados na Casa da Suplicação do Brasil uns pelos próprios autos e outros pelos traslados que ficarão pela maneira com que o seriam na de Lisboa por juízes da Casa que o não foram nas primeiras sentenças E os Embargos que na execução se tiverem mandado remeter se decidiram pelos mesmos juízes que ordenaram a remessa sem atenção ao despacho que a decretara a fim de haverem final decisão como cumpre ao bem público IV A Casa da Suplicação do Brasil se comporá além do Regedor que eu houver por bem nomear do Chanceler da Casa de oito Desembargadores dos Agravos de um Corregedor do Crime da Corte e Casa de um Juiz dos Feitos da Coroa e Fazenda de um Procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda de um Corregedor do Cível da Corte de um Juiz da Chancelaria de um Ouvidor do Crime de um Promotor da Justiça e de mais seis Extravagantes V Governarseão todos pelo Regimento da Casa da Suplicação segundo é conteúdo nos Títulos respectivos das Ordenações do Reino leis decretos e assentos guardandose na ordem e forma do despacho o mesmo que ali se praticava E guardarseá também quanto está determinado no Regimento de 13 de outubro de 1751 dado para a Relação desta cidade em tudo que não for revogado por este Alvará e não for incompatível com a nova ordem de coisas VI Os lugares dos Ministros da Casa não serão mais como até agora eram os da Relação desta cidade contemplados de igual graduação antes haverá a mesma distinção que há na de Lisboa para serem promovidos aos mais distintos e graduados os Ministros que forem de maior graduação os despachos que a tinham e tiverem maior antiguidade préstimo e serviços VII Atendendo a que nem a multiplicidade dos negócios o exige nem cumpre aumentar o número dos magistrados tendo além disso mostrado a experiência fazerse sem dificuldade e inconvenientes servirão todos os Ministros de Adjuntos uns dos outros como for necessário no despacho do Expediente e entrarão também nas serventias dos lugares vagos ou impedidos quando não hajam para isso Extravagantes por ocupados em outras serventias VIII O Chanceler desta Casa sêloá somente sem que sirva como até agora fazia o da Relação desta Cidade em alguns casos de ChancelerMor do Reino que fui servido criar Na sua falta e impedimento servirá o Desembargador mais antigo da Casa a quem se remeterão os selos IX Tendo mostrado a experiência que da decisão de ser cumulativa a jurisdição dos magistrados criminais no conhecimento por devassa dos delitos cometidos nesta cidade e 15 léguas ao redor se tem seguido a pronta indagação dos autores deles sem disputas de jurisdição sempre odiosas hei por bem que o mesmo se continue a praticar regulandose pela prevenção excetua dos os casos do VI do Regimento de 13 de outubro de 1751 que devem ser privativos da jurisdição do Corregedor do Crime da Corte da Casa X O distrito da Casa da Suplicação do Brasil bem como o termo da Jurisdição dos Ministros dela será o mesmo que era até agora o da Relação desta cidade na forma dos X e XI do Regimento dela XI Terão de ordenado o Chanceler um conto e trezentos mil réis e todos os mais Ministros que tiverem Ofício na Casa um conto e cem mil reis e Procurador da Coroa e Fazenda além do orde nado que lhe competir segundo a graduação em que estiver quinhentos mil reis os extravagantes novecentos mil reis que é o mesmo que até agora percebem a título de ordenado e propinas os Desembargadores da Relação desta cidade E terão outrossim as mesmas assinaturas nos feitos que até agora levavam por serem as mes mas que competem aos Ministros da Casa da Suplicação XII Os Oficiais desta Casa serão os mesmos que até agora serviam na Relação desta cidade e observarão no cumprimento dos seus ofícios o que lhes é determinado no Regimento de 13 de outubro de 1751 nos títulos XI e XII XIII Não podendo bastar para o expediente das Varas do Crime e do Cível um só Escrivão que para adiante será ainda de maior concorrência hei por bem criar mais um Escrivão para cada uma delas entre os quais haverá a competente distribuição E este se cumprirá como nele se contém Pelo que mando à Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens ao Governador da Relação da Bahia aos Governadores e CapitãesGenerais e todos os Ministros de Justiça e mais pessoas a quem pertencer o conhecimento e execução deste Alvará que o cumpram e guardem e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nele se contém não obstante quaisquer leis alvarás de cretos regimentos ou ordens em contrário por que todas e todos hei por bem derrogar para este efeito somente como se deles fizesse expressa e individual menção ficando aliás sempre em seu vigor E este valerá como carta passada pela Chancelaria ainda que por ela não há de passar e que o seu efeito haja de durar mais de um ano sem embargo das ordenações em contrário registrandose em todos os lugares onde se cos tumam registrar semelhantes alvarás Dado no Palácio do Rio de Janeiro 10 de maio de 1808525 Em 10 de maio de 1808 também foi criado o cargo de Intendente Geral de Polícia com jurisdição sobre juízes criminais que poderiam recorrer a ele porque detinha o poder de prender e soltar presos para investigações Na semana anterior da criação do cargo de Intendente o Brasil tomou por herança pelas mãos e pena de D João uma das mais estranhas anomalias jurídicas que se tem conhecimento na Idade Moderna e Idade Contemporânea o Juiz Conservador da Nação Britânica Essa anomalia era um Juiz escolhido pelos ingleses residentes e somente ele poderia julgálos Apesar de o Juiz dever ser lusobrasi leiro e as leis que este devesse cumprir serem as lusitanas o fato de ele ser escolhido e ser exclusivo dava obviamente vantagens aos estrangeiros em terras brasileiras O primeiro documento em terras brasileiras que instala o Juiz Conservador é o Alvará de 4 de maio de 1808 Eu o Príncipe Regente faço saber aos que este Alvará virem que tendo consideração à repre sentação que me fez o Cônsul da Nação Ingleza hei por bem crear nesta Cidade um Juiz Conser vador para que processe e sentencie ele as causas que pertencerem à mesma Nação na forma que praticava o Juiz Conservador que havia em Lisboa Essa estranha modalidade de justiça descaradamente privile giada e absurda no tocante à soberania e territorialidade ratificada pelo Tratado de 1810 em seu artigo 10 prometia compensação desta Concessão e de fazer guardar a mais estrita e escrupulosa 525 Alvará de 10 de maio de 1808 que criou a Casa de Suplicação observação das leis protetoras de portugueses e estrangeiros em geral nos domínios britânicos Assim afirmava o Tratado com atenção aos nossos grifos Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal desejando proteger e facilitar nos seus domínios o Comércio dos Vassalos da Grande Bretanha assim como as Suas relações e comunicações com os Seus próprios Vassalos há por bem conceder lhes o Privilégio de Nomearem e terem Magistra dos Especiais para obrarem em seu favor como Juízes Conservadores naqueles Portos e Cidades dos Seus Domínios em que houverem Tribunais de Justiça ou possam ser estabelecidos para o futuro Estes Juízes julgarão e decidirão todas as Cousas que forem levadas perante eles pelos Vassalos Britânicos do mesmo modo que se praticara antigamente e a sua Autoridade e Sentenças serão respeitadas E declarase serem reconhecidas e renovadas pelo presente Tratado as Leis Decretos e Costumes de Portugal relativos à Jurisdição do Juiz Conservador Eles serão escolhidos pela pluralidade de votos dos Vassalos Britânicos que residirem ou comer ciarem no Porto ou Lugar em que a Jurisdição do Juiz Conservador for estabelecida e a Escolha assim feita será transmitida ao Embaixador ou Ministro de Sua Majestade Britânica residente na Corte de Portugal para ser por ele apresentado a Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal a fim de obter o Consentimento e Confirmação de Sua Alteza Real e no caso de não a obter as Partes Interessadas procederão a uma nova Eleição até que se obtenha a Real Aprovação do Príncipe Regente Mas a compensação que só existiria de fato se houvesse a criação do Juiz Conservador da Nação Portuguesa com sede na Inglaterra nunca veio conforme afirma Roberto Macedo Era o mesmo que nada prometer mencionavase uma condição implícita cuja inobservância cons tituiria desdouro para a coroa britânica O próprio Artigo 10 frisava que todos gozavam do Bene fício pela reconhecida Eqüidade da Jurispru dência Britânica e pela Singular Escelência da Sua Constituição526 Mas conforme se pode auferir no próprio Alvará que cria tal Juiz no Brasil esta não era uma situação nova Por mais estranho que pareça essa anomalia já vinha de séculos Em 1450 o rei Afonso V criou por Carta Régia o Juiz Conservador da Nação Britânica em Portugal527 Essa situação persistiu no Brasil até pelo menos o Segundo Reinado 25 A Elevação do Brasil à Condição de Reino Unido Era interessante a condição do Brasil depois da transmigração da Família Real portuguesa não se podia mais afirmar que o Brasil era colônia mas não tinha havido a preocupação de dizer o que era o país Com certeza não era independente mas então como qualificar Somente após sete anos nesta condição de seiláoquê jurídico que o governo de D João decidiu tomar providências e definir a condição jurídica do que apenas era chamado oficialmente de Sede do Governo Mas por que tanta demora Por que não definir de imediato Por que manter tudo provisório mesmo no primeiro ato que abriu os Portos brasileiros A resposta é simples elevar o Brasil a reino seria colocálo como igual a Portugal seria darlhe um status jurídico que não poderia ser retirado seria assinar um papel que afirmaria que o Brasil jamais poderia voltar à condição de colônia528 Mas não havia muito como evitar o Brasil não era colônia desde 1808 e daqui saíam as decisões que interferiam em todos os domínios 526 MACEDO Roberto História administrativa do Brasil Brasil sede da monarquia Brasil Reino 2 ed Brasília Unb Centro de Formação do Servidor Público 1983 p 66 527 Em 1645 Filipe IV de Espanha conferiu privilégios entre os quais o Juiz Conservador em 1647 a Carta de Privilégios foi confirmada em 1654 o Tratado de Paz e Aliança assinado em Westminster entre o rei D João IV de Portugal e Oliver Cromwell contendo em suas disposições a manutenção do cargo de Juiz Conservador da Nação Inglesa 528 Embora os portugueses das Cortes da Revolução do Porto não tenham concordado muito com isso e tenham tentado de todo modo gerando o rompimento político com Portugal portugueses mesmo no território da antiga metrópole Era necessário tornar essa situação de fato em uma situação de direito Todas as nações da Europa já designavam o Brasil como Reino isto pode ser atestado pelo Ato Final do Congresso de Viena celebrado entre Áustria França GrãBretanha Portugal Prússia Rússia e Suécia e assinado em Viena em 9 de junho de 1815 Art CV As Potências reconhecendo a justiça das reclamações formadas por Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal e do Brasil Art CVI A fim de remover as dificuldades que obstaram a que Sua Alteza Real o Príncipe Regente do Reino de Portugal e do Brasil Art CVII Sua Alteza Real o Príncipe Regente do Reino de Portugal e do Brasil 529 O que faltava era o aval legal da Lei Portuguesa Isso foi feito pela Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 que acrescentava ainda Algarves ao conjunto de Reinos Unidos D João por graça de Deus prínciperegente de Portugal e dos Algarves etc Faço saber aos que a presente carta de lei virem que tendo constantemente em meu real ânimo os mais vivos desejos de fazer prosperar os estados que a providência divina confiou ao meu sobe rano regime e dando ao mesmo tempo a im portância devida à vastidão e localidade dos meus domínios da América à cópia e variedade dos preciosos elementos de riqueza que eles em si contêm e outrossim reconhecendo quanto seja vantajosa aos meus fiéis vassalos em geral uma perfeita união e identidade entre os meus reinos de Portugal e dos Algarves e os meus domínios do Brasil erigindo estes àquela graduação e cate goria política que pelos sobreditos predicados lhes deve competir e na qual os ditos meus do mínios já foram considerados pelos plenipoten 529 Apud MACEDO Roberto Op cit p 108 e ss ciários das potências que formaram o Congresso de Viena assim no tratado de aliança concluído ao 8 de abril do corrente ano como no tratado final do mesmo Congresso sou portanto servido e me apraz ordenar o seguinte 1 Que desde a publicação desta carta de lei o estado do Brasil seja elevado à dignidade pree minência e denominação de reino do Brasil 2 Que os meus reinos de Portugal Algarves e Brasil formem dora em diante um só e único reino debaixo do título Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves 3 Que aos títulos inerentes à coroa de Portugal e de que até agora hei feito uso se substitua em todos os diplomas cartas de leis alvarás pro visões e atos públicos o novo título de Príncipe Regente do Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves daquém e dalémmar em África de Guiné e da Conquista Navegação e Comércio de Etiópia Arábia Pérsia e da índia etc E esta se cumprirá como nela se contém Dada no palácio do Rio de Janeiro aos 16 de dezembro de 1815 O príncipe com guarda Marquês de Aquiar CAPÍTULO XV BRASIL IMPÉRIO 1 A Independência do Brasil e a Constituinte de 1823 Grandes heróis grandes momentos épicos pais de ideias li bertárias e pais da independência outros povos tiveram a opor tunidade de possuir de fato os brasileiros no episódio da Inde pendência foram privados de tudo isso Um belo homem bem vestido que sobre o cavalo erguia sua poderosa espada e arrancava pela força de sua autoridade as cadeias que prendiam o Brasil a Portugal é uma invenção romântica do século XIX que não conseguia ver os fatos sem tornálos heroicos A ideia de independência a princípio pertencia somente aos cha mados até por isso radicais O que os elementos da elite mais próxi mos do poder pleiteavam era a continuidade da união com Portugal guardadas as liberdades conseguidas com a condição de Reino Unido A 23 de maio de 1822 pouco menos de quatro meses antes da Independência o Senado da Câmara do Rio de Janeiro solicitava a convocação de uma assembéia geral das províncias do Brasil com o objetivo de deliberar sobre as justas con dições com que o Brasil deve permanecer unido a Portugal e examinar a Constituição que se fizer nas Cortes Gerais de Lisboa para ver se é no seu todo aplicável ao Brasil estabelecer as emendas e alterações com que a mesma Constituição deve ser recebida e jurada no Brasil Na mesma representação era dito que a mesma assembléia trataria de comunicarse por escrito com as Cortes de Lisboa a fim de manter a união com Portugal que o Brasil desejava conservar530 530 COSTA Emilia Viotti da Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil In MOTA Carlos Guilherme Org Brasil em perspectiva 4 ed São Paulo Difusão Euro péia do Livro 1973 p 103 Mesmo aqueles a quem é dada a paternidade ou o patronato da Independência não tinham isto em mente As atas do Conselho de Estado que era composto entre outros por José Bonifácio de Andrada e Silva e Gonçalves Ledo indicam que muito pouco tempo antes do Grito do Ipiranga foi redigido uma solicitação ao príncipe D Pedro para uma convocação da Assembleia Geral dos Representantes da Província do Brasil onde se afirma que o Brasil não desejava atentar contra os direitos de Portugal mas não era possível deixar que Portugal atentasse contra os seus Outras afirmações interessantes do mesmo documento são O Brasil quer ter o mesmo Rei mas não quer Senhores nos Deputados do Congresso de Lisboa O Brasil quer Independência mas firmada a União bem entendida com Portugal quer enfim apresentar duas grandes famílias regidas pelas suas leis particulares presas por seus interesses obedientes ao mesmo chefe531 O problema central que desencadeou todo o processo de independência não foi portanto ideológico Os pais da independência do Brasil se viram entre duas possibilidades que não lhes agradava obedecer às Cortes Portuguesas e aceitar a volta do Brasil à condição de Colônia o que era economicamente muito desinteressante ou deixar que os chamados radicais continuassem a insuflar o povo contra as Cortes para conseguir uma independência com características democráticas e republicanas Enquanto as Cortes discutiam projetos claramente recoloniza dores a opinião pública no Brasil através de jornais panfletos e discursos públicos mostrava toda a sua indignação Eram projetos e decretos como este Artigo 1o O comércio entre os reinos de Por tugal Brasil e Algarves será considerado como de províncias do mesmo continente Artigo 2o É permitido unicamente a navios de construção portuguesa fazer o comércio de 531 Apud COSTA Emilia Viotti Op cit p 104 porto a porto em todas as possessões portugue sas 532 Nessa questão envolvendo os radicais estaria também a expli cação do por que a elite brasileira aceitou ser comandada por um monarca e não se lançou imediatamente para tomar o poder A monar quia uma continuidade da dinastia portuguesa no Brasil seria a garantia de manutenção do status quo baseado no sistema que persistia desde a Colônia latifúndio monocultor exportador escra vocrata Quando a partir da Lei Áurea a monarquia já não garantia mais esse estado de coisas o apoio a ela esvaiuse e veio a República A convocação da Constituinte em 3 de junho de 1822 portanto três meses antes do episódio às margens do Ipiranga foi uma das medidas tomadas contra as tentativas de recolonização das Cortes Portuguesas mas foi somente em 3 de maio de 1823 que se deu a abertura da Constituinte era preciso segundo o governo preparar terreno para o início dos trabalhos Essa preparação se deu através de um extermínio de possibi lidades de oposição primeiro fazendo com que as eleições fossem restritas a um grupo pequeno visto que teria direito de voto para a Constituinte todo cidadão casado ou solteiro sendo emancipado ou seja que não fosse filho de família no sentido romano e tendo mais de 20 anos Estavam excluídos os religiosos regulares os estrangeiros não naturalizados os criminosos e os que viviam de salário ou soldadas de qualquer modo à exceção dos caixeiros de casas comerciais os criados da Casa Real que não fossem de galão branco e os administradores de fazendas e fábricas533 Além dessa exclusão maciça de grande parte da população José Bonifácio e D Pedro por trás dele determinaram antes da eleição uma verdadeira caça às bruxas através de uma verdadeira escalada de repressão e violência Uma primeira medida é a criação de dois cargos de ajudantes do intendente geral de polícia da capital com atribuições exclusivas para vigiar 532 MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Orgs Brasil histó ria texto e Consulta Império São Paulo Hucitec 1991 v 2 p 150 533 A exclusão dos escravos estava implícita no fato de não serem considerados indivíduos e por não serem considerados brasileiros pessoas suspeitas e ajuntamentos cercar casas e clubes e prender os denunciados portaria de 10 de abril a essa decisão seguese a de mandar a repartição dos correios reter cartas e papéis considerados suspeitos aviso de 18 de julho e a de autorizar o intendente geral de polícia a ex pulsar da cidade os que pudessem tramar contra a ordem pública e inclusive fixarlhes o local de residência portaria de 18 de julho534 Mesmo membros do Conselho de Estado como Ledo por exem plo que tinham ideologicamente uma tendência mais democrática foram condenados ao degredo A imprensa não escapou desta limpeza Por decreto fica instituída a censura à imprensa no país535 Havendose ponderado na minha real presença que mandando eu convocar uma Assembléia Ge ral Constituinte e Legislativa para o Reino do Brasil cumpriame necessariamente e pela Su prema Lei da salvação pública evitar que ou pela imprensa ou verbalmente ou de outra qualquer maneira propaguem e publiquem os inimigos da ordem da tranqüilidade e da união doutrinas incendiárias e subversivas princípios desorgani zadores e dissociáveis que promovendo a anar quia e a licença ataquem e destruam o sistema que os povos deste grande e riquíssimo Reino e procurando ligar a bondade a justiça e a salva ção pública sem ofender a liberdade bem enten dida da imprensa que desejo sustentar o conser var e que tantos bens tem feito à causa sagrada da liberdade brasílica e fazer aplicáveis em casos tais e quanto for compatível com as atuais circunstâncias aquelas instituições liberais adotadas pelas nações cultas hei por bem e com o parecer do meu Conselho de Estado determinar provisoriamente o seguinte 534 MONTEIRO Hamilton M Brasil Império 3 ed São Paulo Ática 1994 p 12 535 Não que isso fosse novidade por todo o período colonial vários livros foram proibidos de entrar no território O Corregedor do Crime da Corte e Casa que por este nomeio Juiz de Direito nas causas de abuso de liberdade de imprensa e nas províncias que tiverem Relação o Ouvidor do Crime e o de Co marca nas que a não tiverem nomeará nos casos ocorrentes a requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda que será o Promotor e Fiscal de tais delitos vinte o quatro cidadãos escolhidos dentre os homens bons honrados inteligentes e patriotas os quais serão juízes de fato para co nhecerem da criminalidade dos escritos abusivos Os réus poderão recusar destes vinte e quatro nomeados dezesseis os oito restantes porém procederão no exame conhecimento e averigua ção do fato como se precede nos conselhos mili tares de investigação e acomodandose sempre às formas mais liberais e admitindose o réu à justa defesa que é de razão necessidade e uso Determinada a existência de culpa o Juiz imporá a pena E porquanto as leis antigas a semelhante respeito são muito duras e impróprias das idéias liberais dos tempos em que vivemos os Juízes de Direito regularseão para essa imposição pelos arts 12 e 13 do título segundo do Decreto das Cortes de Lisboa de 4 de junho de 1821 que mando nesta única parte aplicar ao Brasil Os réus só poderão apelar do julgado para a minha real clemência E para que o Procurador da Coroa e Fazenda te nha conhecimento dos delitos da imprensa serão todas as tipografias obrigadas a mandarlhe um exemplar de todos os papéis que se imprimirem Todos os escritos deverão ser assinados pelos escritores para sua responsabilidade e os edito res ou impressores que imprimirem e publicarem papéis anônimos são responsáveis por eles Os autores porém de pasquins proclamações incendiárias e outros papéis não impressos serão processados e punidos na forma prescrita pelo rigor das leis antigas536 536 Decreto do Príncipe Regente de 18 de junho de 1822 Dessa forma os jornais que eram os principais meios de propa gação de ideias no Brasil daqueles tempos foram fechados ou calados ficando somente os que apoiavam indubitavelmente o governo de D Pedro A todas essas medidas duras D Pedro na abertura da cons tituinte justifica da seguinte forma Bem custoso seguramente me tem sido que o Brasil até agora não gozasse de representação nacional e verme eu por força de circunstâncias obrigado a tomar algumas medidas legislativas elas nunca parecerão que foram tomadas por ambição de legislar arrogando um poder em o qual somente devo ter parte mas sim que foram tomadas para salvar o Brasil visto que a assem bléia quanto a umas não estava convocada quanto a outras não estava ainda junta e residiam então de fato e de direito visto a independência total do Brasil de Portugal os três poderes no chefe supremo da Nação muito mais sendo ele seu defensor perpétuo Embora algumas medidas parecessem demasiadamente fortes como o perigo era iminente os inimigos que nos rodeavam imensos e prouvera a Deus que entre nós ainda não existissem tantos cumpria serem proporcionadas537 A Constituinte formada sob o jugo da perseguição estava fadada ou a obedecer subservientemente à vontade do Imperador ou a afrontá la e ser ver o poder imperial fechála Uma Constituinte Consentida é assim que deve ser chamada mesmo antes de sua instalação havia ameaças contra ela José Bonifácio tentava convencer o príncipe de formar um Conselho de Procuradores com poderes apenas consultivos e a outorga de uma Carta Magna de modo a fugir do que ele consi derava ser as desordens de uma Assembléia Constituinte538 A fala de D Pedro I é bem clara no sentido do consentimento ele permitia a Constituinte e aceitava uma constituição desde que fosse 537 Fala do Trono Mensagem do Imperador à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa maio 1823 538 MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Orgs Op cit p 177 digna do Brasil e dele539 A Assembleia Constituinte deveria servir a um propósito do próprio Imperador segundo Raymundo Faoro o de provar que ele desobedecera as Cortes Portuguesas não por desejar reinar de forma absoluta mas para preservar a autoridade régia540 A Constituinte funcionaria não por direito próprio mas enquanto fiel ao sistema monárquico Assim afirmou D Pedro na abertura dos trabalhos constituintes Como Imperador Constitucional e muito espe cialmente como defensor perpetuo deste Império disse ao povo no dia 1o de dezembro do ano próximo passado em que fui coroado e sagrado que com a minha espada defenderia a Pátria a Nação e a Constituição se fosse digna do Brasil e de mim Retifico hoje muito solenemente perante vós esta promessa e espero que me ajudeis a desempenhála fazendo uma Constituição sábia justa adequada e executável ditada pela razão e não pelo capricho que tenha em vista somente a felicidade geral que nunca pode ser grande sem que esta Constituição tenha bases sólidas bases que a sabedoria dos séculos tenha mostra do que são as verdadeiras para darem uma justa liberdade aos povos e toda a força necessária ao poder executivo Uma Constituição em que os três poderes sejam bem divididos de forma que não possam arrogar direitos que lhes não com pitam mas que sejam de tal modo organizados e harmonizados que se lhes torne impossível ainda pelo decurso do tempo fazeremse ini migos e cada vez mais concorram de mãos dadas para a felicidade geral do Estado Afinal uma Constituição que pondo barreiras inacessíveis ao despotismo quer real quer democrático afugente a anarquia e plante a árvore daquela liberdade a cuja sombra deve crescer a união tranqüilidade 539 Essa interessante frase demonstrativa de poder e sanha absolutista sequer é de autoria de D Pedro I foi copiada do preâmbulo da Carta de 4 de junho de 1814 por meio da qual Luis XVIII pretende reatar a tradição monárquica 540 FAORO Raymundo Os donos do poder formação do patronato político brasileiro 9 ed São Paulo Globo 1991 p 282 e independência deste Império que será o assombro do mundo novo e velho541 A fim de preparar o anteprojeto constitucional foram designados seis deputados que formariam uma comissão sendo que esta apresen touo em setembro de 1823 quando começou a ser discutido pela As sembleia Continha 272 artigos muito inspirados nos Iluministas não no tocante à democracia e liberdades burguesas mas principalmente no que dizia respeito à soberania nacional e ao liberalismo econômico O anteprojeto refletia a situação política do momento a presença de tropas portuguesas na Bahia ainda lembrava o perigo da inde pendência ser apenas um episódio Assim propunha a restrição na participação de estrangeiros na vida política nacional Essa preocupa ção tinha em vista fundamentalmente os portugueses Embora já devidamente filtrados de radicais e democratas tiveram a tendência no projeto de constituição de guardar uma parte importante do poder para si e para aqueles que representavam Dessa forma o projeto de Constituição seguia uma tendência classista imoderada na discriminação dos poderes políticos Para afastar a maioria da população o projeto preconizava a elei ção em dois turnos condicionandose a capacidade eleitoral à renda não medida em dinheiro mas com base no preço de uma mercadoria de consumo corrente a farinha de mandioca Essa associação logo deu ao povo do Rio de Janeiro e aos jornais assunto inesgotável para galhofas e a Constituinte foi chamada de Constituinte da Mandioca Os eleitores de primeiro grau deveriam ter renda mínima equiva lente a 150 alqueires de farinha de mandioca eles elegeriam os eleito res de segundo grau que para sêlo deveriam ter renda mínima de 250 alqueires de farinha de mandioca Estes últimos elegeriam deputados e senadores que para se candidatarem a tais cargos deveriam ter renda correspondente a quinhentos e mil alqueires respectivamente Embora José Bonifácio pregasse contra o Pacto Confederativo e a favor da Lealdade Dinástica por acreditar que a unidade do Império só se daria através de um governo forte o anteprojeto valorizava a representação nacional estabelecendo a indissolubilidade da Câmara o veto do imperador aos projetos pela Câmara aprovados seria de 541 Fala do Trono Mensagem do Imperador à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa maio 1823 Grifo nosso caráter apenas suspensivo e a sujeição das forças armadas seria ao Parlamento e não ao Imperador Senado eleito forças armadas fora de seu controle direto e indis solubilidade da Câmara já seriam suficientes para deixar o Imperador contra a Constituinte mas alijálo do poder completamente não dando sequer o veto seria como deixálo como um rei que reina mas não governa o poder seria do Parlamento O antagonismo entre o príncipe e a Constituinte caminhava para um aprofundamento cada vez maior Mas o problema principal estava na não concordância de D Pedro I do veto apenas suspensivo embora moderado o projeto cons titucional feria os brios absolutistas do monarca e de seus aliados 542 A Assembleia é fechada e uma comissão da confiança de D Pedro é nomeada para fazer uma Constituição O imperador justificou o fecha mento da Assembleia Constituinte alegando que esta estava trazendo graves perigos à Nação Brasileiros Uma só vontade nos una Continuemos a salvar a Pátria O vosso Imperador o vosso defensor per pétuo vos ajudará como ontem fez e como sempre tem feito ainda que exponha sua vida Os desatinos de homens alucinados pela soberba e ambição nos iam precipitando no mais honoroso abismo As bases que devemos seguir e sus tentar para nossa felicidade são independência do império integridade do mesmo e sistema constitucional sustentando nós estas três bases sem rivalidades sempre odiosas sejam por que lado encaradas e que são as alavancas como acabastes de ver que poderiam abalar esse co lossal Império nada mais temos que temer Essas verdades são inegáveis vós bem as conheceis pelo vosso juízo e desgraçadamente as leis conhecendo melhor pela anarquia 542 MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Orgs Op cit p 179 Se a Assembléia não fosse dissolvida seria des truída a nossa santa religião e nossas vestes se riam tintas em sangue Está convocada nova As sembléia Quanto antes ela se unirá para trabalhar sobre um projeto de Constituição que em breve vos apresentarei Ficai certos que o vosso Imperador a única ambição que tem é de adquirir cada vez mais glória não só para si mas para vós e para este grande império que será respeitado pelo mundo inteiro As prisões agora feitas serão pelos inimigos do Império consideradas despóticas Não são Vós vedes que são medidas de polícia próprias para evitar a anarquia e poupar as vidas desses desgraçados para que possam gozar ainda tranqüilamente delas e nós de sossego Suas famílias serão protegidas pelo Governo A salvação da Pátria que me está confiada como defensor perpétuo do Brasil e que é a Suprema Lei assim o exige Tende confiança em mim assim como eu a tenho em vós e vereis os nossos inimigos internos e externos suplicarem à nossa indulgência União e mais união brasileiros quem aderiu à nossa sagrada causa quem jurou a Independên cia deste Império é brasileiro543 2 A Constituição Outorgada de 1824 A Comissão nomeada por D Pedro I para elaborar uma Carta Constitucional foi chamada de Conselho de Estado e era composta por seis ministros e mais quatro membros escolhidos pelo Imperador Essa comissão tinha um prazo de quarenta dias para a elaboração da Carta A Constituição foi então outorgada imposta por D Pedro I e apesar de críticas contundentes em todas as províncias acabou por ser assimilada por imposição 543 Proclamação de D Pedro justificando a convocação de uma nova Assembleia 13 de novembro de 1823 21 Alguns Pontos da Constituição de 1824 Não era possível para D Pedro I por mais que desejasse centra lizar de forma absoluta aparente o poder em suas mãos Depois da restauração na Europa depois da retomada de poder pelas monarquias que haviam perdido suas coroas para Napoleão não era mais possível para um rei afirmar que o Estado era ele tampouco basearse na teoria do direito divino Era preciso identificar o governo com uma Monarquia Constitucional e assim o fez a Constituição de 1824 Art 3o O seu governo é monárquico hereditário constitucional e representativo Era preciso deixar participar do poder ao menos uma parte da elite econômica era a isso que os reis chamavam de liberalismo Não era mais possível compreender um país sem uma constituição sem uma separação de poderes ainda que nominal Art 9o A divisão e harmonia dos Poderes políti cos é o princípio conservador dos direitos dos cidadãos e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece A Constituição Imperial indicava uma divisão de poderes como era de se esperar de uma Monarquia que desejava ser Constitucional nos moldes Iluministas entretanto indo além de Montesquieu que apontava serem ideais três poderes o executivo o legislativo e o judiciário a primeira constituição brasileira interpõe um quarto poder o moderador Art 10 Os Poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o Poder Judicial O Poder Moderador é a chave para a compreensão da falácia da independência de poderes no Brasil monárquico Ele é apontado como sendo o meio pelo qual os outros poderes se harmonizariam É um poder privativo do Imperador Art 98 O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegada privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante para que incessan temente vele sobre a manutenção da indepen dência equilíbrio e harmonia dos mais Poderes políticos A ideia de outros poderes além dos três indicados por Montes quieu que acabou sendo parcialmente aplicada na Constituição Outor gada é do suíço Benjamin Constant que indica cinco poderes Até agora têm se distinguido três poderes em tais organizações políticas De minha parte dis tingo cinco de naturezas diferentes numa mo narquia constitucional primeiro o poder real se gundo o poder executivo terceiro o poder re presentativo da continuidade quarto o poder re presentativo da opinião quinto o poder de julgar O poder representativo da continuidade reside numa assembléia hereditária o poder represen tativo da opinião em uma assembléia eleita o poder executivo está confiado aos ministros o poder de julgar aos tribunais Os dois primeiros poderes fazem a lei o terceiro cuida de sua exe cução geral e o quarto julga os casos particulares O poder real está acima destes quatro poderes autoridade ao mesmo tempo superior e inter mediária interessado em manter o equilíbrio e com a máxima preocupação de conserválo544 As ideias do suíço entretanto não foram aplicadas de forma absoluta muito embora muito tenha sido aproveitado dele Por ele estariam separadas a chefia do Estado e a Chefia de Governo e como não era interessante ao Imperador este último acumulava também a chefia do Poder Executivo545 544 CONSTANT Benjamin Princípios políticos constitucionais Rio de Janeiro Liber Juris 1989 p 74 e ss 545 Nas monarquias parlamentaristas de fato é o chefe de Estado responsável pela repre sentação do país o primeiro ministro é o chefe de governo que dirige a política do Estado e é escolhido pelo Parlamento Art 102 O Imperador é o Chefe do Poder Executi vo e o exercita pelos seus ministros de Estado Os ministros de Estado em questão nesse artigo 102 seriam nomeados pelo Imperador acabando com qualquer possibilidade de um real parlamentarismo na monarquia brasileira Art 101 O Imperador exerce o Poder Mode rador 6o Nomeando e demitindo livremente os minis tros de Estado Aos ministros era somente exigido que referendassem o que o Executivo que chefiado pelo Imperador era exercido quase que exclu sivamente por ele mesmo Art 132 Os ministros de Estado referendarão ou assinarão todos os atos do Poder Executivo sem o que não poderão ter execução O Legislativo indicado pelo nome de Assembleia Geral é em uma sinceridade absurda objetivamente apontado na Constituição de D Pedro não como tendo ou sendo um poder por si mas como tendo um poder existente somente por consentimento do Imperador Art 13 O Poder Legislativo é delegado à As sembléia Geral com a sanção do Imperador O Poder Legislativo era composto por Câmara dos Deputados e Senado Este último tinha por característica principal a vitaliciedade e em última instância eram escolhidos pelo Imperador através de listas tríplices Art 40 O Senado é composto de membros vita lícios e será organizado por eleição provincial Art 43 As eleições serão feitas pela mesma ma neira que as dos deputados mas em listas trí plices sobre as quais o Imperador escolherá o terço na totalidade da lista As condições para poder candidatarse a uma vaga no Senado passavam por idade e muito dinheiro Art 45 Para ser senador requerse 1o Que seja cidadão brasileiro e que esteja no gozo dos seus direitos políticos 2o Que tenha a idade de quarenta anos para cima 3o Que seja pessoa de saber capacidade e vir tudes com preferência os que tiverem feito serviços à Pátria 4o Que tenha de rendimento anual por bens indústria comércio ou empregos a soma de oitocentos mil réis Mas para alguns não era preciso candidatura idade mínima de 40 anos nem tampouco ser pessoa de saber bastava ser príncipe Art 46 Os príncipes da Casa Imperial são sena dores por direito e terão assento no Senado logo que chegarem à idade de vinte e cinco anos Os deputados eram eleitos de forma indireta Nessa Constituição havia a indicação de dois tipos de eleitores como no anteprojeto da Constituinte Os de primeiro grau eram chamados paroquiais e os de segundo Provinciais Estavam excluídos as classes trabalhadoras criados de servir exceção primeiros caixeiros das casas de comércio criados da Casa Imperial de maior categoria e administradores de fazendas e fábricas bem como todos que não tivessem renda líquida anual correspondente a 100000 por bem de raiz E se para ser senador como visto acima era necessária uma renda de 800000 para deputado exigiase no mínimo 400000 Art 90 As nomeações dos deputados e sena dores para a Assembléia Geral e dos membros dos Conselhos Gerais das Províncias serão feitas por eleições indiretas elegendo a massa dos cidadãos ativos em assembléias paroquiais os eleitores de província e este os representantes da Nação e província Art 91 Têm voto nestas eleições primárias 1o Os cidadãos brasileiros que estão no gozo de seus direitos políticos 2o Os estrangeiros naturalizados Art 92 São excluídos de votar nas assembléias paroquiais 1o Os menores de vinte e cinco anos nos quais não se compreendem os casados e oficiais mili tares que forem maiores de vinte e um anos os bacharéis formados e clérigos de ordens sacras 2o Os filhosfamília que estiverem na companhia de seus pais salvo se servirem ofícios públicos 3o Os criados de servir em cuja classe não entram os guardalivros e primeiros caixeiros das casas de comércio os criados da Casa Imperial que não forem de galão branco e os adminis tradores das fazendas rurais e fábricas 4o Os religiosos e quaisquer que vivam em comunidade claustral 5o Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis por bens de raiz indústria comércio ou empregos Art 93 Os que não podem votar nas assem bléias primárias de paróquia não podem ser mem bros nem votar na nomeação de alguma auto ridade eletiva nacional ou local Art 94 Podem ser eleitores e votar na eleição dos deputados senadores e membros dos con selhos de província todos os que podem votar na assembléia paroquial Excetuamse 1o Os que não tiverem de renda líquida anual duzentos mil réis por bens de raiz indústria comércio ou emprego 2o Os libertos 3o Os criminosos pronunciados em querela ou devassa Art 95 Todos os que podem ser eleitores são hábeis para serem nomeados deputados Exce tuamse 1o Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda líquida na forma dos arts 92 e 94 2o Os estrangeiros naturalizados 3o Os que não professarem a religião do Es tado Art 96 Os cidadãos brasileiros em qualquer parte que existam são elegíveis em cada distrito eleitoral para deputados ou senadores ainda quando aí não sejam nascidos residentes ou domiciliados Se os deputados eram eleitos alguns podem supor que pelo menos uma parte do Poder Legislativo estava livre da ingerência impe rial mas infelizmente uma independência não era possível nos moldes dessa Constituição Exercendo o Poder Moderador o Imperador podia fechar a Câmara dos Deputados e convocar novas eleições simplesmente alegando como o fez no caso da dissolução da Assembleia Constituinte a necessidade de tal ato para salvação do Estado Art 101 O Imperador exerce o Poder Mode rador 5o Prorrogando ou adiando a Assembléia Geral e dissolvendo a Câmara dos Deputados nos casos em que o exigir a salvação do Estado convocan do imediatamente outra que a substitua O poder do Imperador no âmbito traduzido pela Constituição Outorgada de 1824 não se restringia somente à nomeação de sena dores ou dissolução da Câmara ele tinha por essa Carta Magna o poder de expedir decretos e regulamentos que na prática configuravam o estabelecimento de leis Art 102 O Imperador é o Chefe do Poder Exe cutivo e o exercita pelos seus ministros de Estado São suas principais atribuições 12 Expedir os decretos instruções e regula mentos adequados à boa execução das leis De qualquer forma uma lei só teria valor no Brasil após a sanção objetiva do Imperador e se este simplesmente não se pronunciasse acerca da sanção ou do veto de uma determinada lei seria o mesmo que vetála546 Art 66 O Imperador dará ou negará a sanção em cada decreto dentro de um mês depois que lhe for apresentado Art 67 Se o não fizer dentro do mencionado prazo terá o mesmo efeito como se expressa mente negasse a sanção para serem contadas as legislaturas em que poderá ainda recusar o seu consentimento ou reputarse o decreto obriga tório por haver já negado a sanção nas duas antecedentes legislaturas O Poder Judiciário tampouco escapava de tão pelágica interfe rência embora houvesse a indicação na Constituição de que este era um Poder independente Art 151 O Poder Judicial é independente e será composto de juízes e jurados os quais terão lugar assim no cível como no crime nos casos e pelo modo que os códigos determinarem Os juízes eram nomeados pelo Imperador como chefe do Poder Executivo Art 102 O Imperador é o Chefe do Poder Exe cutivo e o exercita pelos seus ministros de Estado 546 Na Constituição americana e no Código Civil de Napoleão se o executivo no prazo estipulado não se pronunciasse a lei entraria em vigor no Brasil só o aval do Imperador ou a aprovação por três legislaturas seguidas de um mesmo projeto vetado poderia fazer vigorar uma lei São suas principais atribuições 3o Nomear magistrados Hoje em dia algumas garantias institucionais são imprescindíveis para que se considere o Poder Judiciário como independente São elas independência orçamentária vitaliciedade irredutibilidade de subsí dios e inamovibilidade547 O Judiciário de fato independente não deve estar atrelado à dependência de pagamento ou à possibilidade de ver reduzido seus vencimentos pois isso poderia ser utilizado como forma de pressão Nesse item a Constituição de 1824 não é muito clara indica que o Legislativo é quem estabelece ordenados para os empregos públicos artigo 15 inciso 16 sem apontar exatamente se nesses estabelecimen tos de ordenados estão incluídos os juízes Quanto à vitaliciedade a Constituição Imperial não contando oficialmente com aposentadoria decreta a perpetuidade é preciso salientar entretanto que em 1850 por exemplo vários juízes foram aposentados compulsoriamente após terem inocentado traficantes de escravos E ainda caso houvesse uma denúncia e o juiz fosse julgado pelo Imperador e pelo Conselho de Estado ele poderia ser afastado de seu cargo Art 154 O Imperador poderá suspendêlos por queixas contra eles feitas precedendo audiência dos mesmos juízes informação necessária e ouvido o Conselho de Estado Os papéis que lhes são concernentes serão remetidos à relação do respectivo distrito para proceder na forma da lei Art 155 Só por sentença poderão estes juízes perder o lugar Por fim na questão da inamovibilidade ocorre um dos maiores pecados da Constituição de D Pedro I Alexandre Moraes comenta a importância da inamovibilidade para a independência do juiz citando a 547 MORAES Alexandre de Direito Constitucional 8 ed São Paulo Atlas 2000 p 434439 doutrina norteamericana que há muito aponta a necessidade de permanência do magistrado no cargo como forma de minimizar a pressão política que este pudesse vir a sofrer548 A partir de 1824 os juízes podem ser transferidos sempre que se achar necessário Art 153 Os juízes de direito serão perpétuos o que todavia se não entende que não possam ser mudados de uns para outros lugares pelo tempo e maneira que a lei determinar Esse judiciário nem tão independente quanto se desejaria estava assim formado pela Constituição haveria juízes e jurados aos pri meiros caberia a aplicação da lei aos segundos o pronunciamento acerca do fato Art 152 Os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei549 Seria cobrada responsabilidade dos membros do judiciário no tocante a abusos de poder suborno peculato e concussão Art 156 Todos os juízes de direito e os oficiais de justiça são responsáveis pelos abusos de po der e prevaricações que cometerem no exercício de seus empregos esta responsabilidade se fará efetiva por lei regulamentar Art 157 Por suborno peita peculato e concus são haverá contra eles ação popular que poderá ser intentada dentro de ano e dia pelo próprio 548 Ibidem 549 A figura do Tribunal do Júri teve sua origem na Lei de 18 de junho de 1822 sobre os crimes de imprensa tendo sido estendido para os demais crimes com o Código Criminal Apesar da previsão na Constituição de 1824 a instituição do Tribunal do Júri nunca foi estendida para o cível Com o Código de Processo Criminal de 29 de novembro de 1832 ficou consagrada a instituição O Conselho do Júri se desdobrava em Júri da Acusação para decidir sobre a pronúncia do acusado tendo sido abolido esse júri prévio pela Lei no 261 de 1841 e Júri do Julgamento Era presidido por um juiz criminal e composto por jurados eleitos pela Câmara Municipal dentre 60 jurados nas capitais e 30 jurados nas cidades e vilas queixoso ou por qualquer do povo guardada a ordem do processo estabelecida na lei Essa responsabilidade entretanto não era cobrada de quem mais concentrava poder no país Com tanto poder nas mãos do Imperador seria justo imaginar que a Constituição desse a quem ocupasse tal cargo responsabilidade por seus atos mas era o contrário Art 99 A Pessoa do Imperador é inviolável e sagrada ele não está sujeito a responsabilidade alguma Haveria no judiciário Relações como Tribunais de segunda e última instância em todas as províncias Art 158 Para julgar as causas em segunda e última instância haverá nas províncias do Império as relações que forem necessárias para comodidade dos povos Eram previstas a publicidade a possibilidade de arbitragem e a necessidade de tentativa de reconciliação antes do processo Essa reconciliação deveria ser feita por Juízes de Paz eleitos nos municípios Art 159 Nas causas crimes a inquirição das testemunhas e todos os mais atos do processo depois da pronúncia serão públicos desde já Art 160 Nas cíveis e nas penais civilmente in tentadas poderão as partes nomear juízes ár bitros Suas sentenças serão executadas sem re curso se assim o convencionarem as mesmas partes Art 161 Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação não se co meçará processo algum Art 162 Para este fim haverá juízes de paz os quais serão eletivos pelo mesmo tempo e ma neira por que se elegem os vereadores das câmaras Suas atribuições e distrito serão regulados por lei Havia ainda a previsão de um Supremo Tribunal de Justiça em substituição à Mesa da Consciência e Ordens e à Casa de Suplicação Mas este seria apenas responsável pelos recursos de revista que lhe eram oferecidos com base exclusivamente na nulidade manifesta ou injustiça notória Art 163 Na Capital do Império além da relação que deve existir assim como nas demais provín cias haverá também um tribunal com a denomi nação de Supremo Tribunal de Justiça composto de juízes letrados tirados das relações por suas antigüidades e serão condecorados com o título do Conselho Na primeira organização poderão ser empregados neste tribunal os ministros daqueles que se houverem de abolir Art 164 A este tribunal compete 1o Conceder ou denegar revistas nas causas e pela maneira que a lei determinar 2o Conhecer dos delitos e erros de ofício que cometerem os seus ministros os das relações os empregados no corpo diplomático e os presi dentes das províncias 3o Conhecer e decidir sobre os conflitos de juris dição e competência das relações provinciais O papel de interpretação da lei caberia ao Legislativo entretanto como isso não desse certo essa função passou a partir de 1841 para o Conselho de Estado órgão composto por pessoas indicadas pelo Im perador O Supremo Tribunal de Justiça teve suas funções regulamen tadas por lei em 1828 Outros pontos a serem destacados na Constituição de 1824 são aqueles que existiram apenas por existir já que na prática não eram sequer levados em consideração550 Senão como explicar um artigo 550 Alguns autores caem na armadilha preparada por D Pedro I de chamar esta Consti tuição de Liberal este é o caso entre outros de José Henrique Pierangeli op cit p 66 e Jônatas de Paula op cit p 222 Infelizmente o que está escrito se não for colo como o abaixo indicado em um país que ainda tinha em vigor a lei de censura à imprensa de 18 de junho de 1822 Art 179 A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros que tem por base a liberdade a segurança individual e a pro priedade é garantida pela Constituição do Im pério pela maneira seguinte 4o Todos podem comunicar os seus pensamen tos por palavras escritos e publicálos pela imprensa sem dependência de censura contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste direito nos casos e pela forma que a lei determinar A escravidão era a marca da produção e da cultura do Império e mesmo assim D Pedro e seu Conselho decidiram praticamente copiar a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão dos revolucionários franceses Desta forma a lei deve ter utilidade pública art 179 inciso 2o mas o público não engloba a maioria esmagadora da população que é formada por escravos embora a estes não fosse reconhecida a cidadania e por homens livres não proprietários551 Da mesma forma é indicada uma certa liberdade de religião mas a religião oficial aquela que possibilita que o indivíduo tenha registros civis é a católica Isso se dá porque casarse ter registro de nascimento pelo registro de batismo morrer e todas as consequências legais atreladas a esses fatos da vida passavam pelo controle da Igreja não pelo controle civil Além disso a própria religião católica tem seu cado em prática é letra morta como mortos ficam os ideais que porventura estas letras indiquem A democracia era para D Pedro da mesma forma que era para José Bonifácio algo abominável tanto assim o era considerado que Bonifácio dizia combater aqueles que se colocavam debaixo das esfarrapadas bandeiras da suja e caótica democracia apud MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Orgs Op cit p 177 A liberalidade de D Pedro I acabava no momento em que era contrariado 551 Com relação ao artigo 179 inciso 13 que afirma ser a lei igual para todos o comentário possível é infeliz pela própria realidade Se vivemos hoje em um Estado democrático de Direito e não temos como afirmar que tal dispositivo constitucional é posto em prática em sua totalidade quanto mais no século XIX escravocrata e com super cidadãos como o eram os latifundiários poder concentrado nas mãos do Imperador que paga os eclesiásticos e mais dá prévio consentimento à aplicação das bulas papais no Brasil Art 102 O Imperador é o Chefe do Poder Exe cutivo e o exercita pelos seus ministros de Es tado São suas principais atribuições 2o Nomear bispos e prover os benefícios ecle siásticos Com objetivo de ilustrar a tendência iniciada por essa Constitui ção de indicar garantias que não são cumpridas indicase o restante do artigo 179 com comentários Art 179 A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros que tem por base a liberdade a segurança individual e a pro priedade é garantida pela Constituição do Im pério pela maneira seguinte 1o Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa senão em virtude da lei 2o Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública 3o A sua disposição não terá efeito retroativo552 6o Qualquer pode conservarse ou sair do Império como lhe convenha levando consigo os seus bens guardados os regulamentos policiais e salvo o prejuízo de terceiro 7o Todo o cidadão tem em sua casa um asilo inviolável De noite não se poderá entrar nela senão por seu consentimento ou para o defender de incêndio ou inundação e de dia só será fran queada a sua entrada nos casos e pela maneira que a lei determinar553 552 A questão da irretroatividade foi colocada em prática 553 A polícia não respeitava muito esse dispositivo 8o Ninguém poderá ser preso sem culpa forma da exceto nos casos declarados na lei e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entra da na prisão sendo em cidades vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz e nos lugares remotos dentro de um pra zo razoável que a lei marcará atenta à extensão do território o Juiz por uma nota por ele as sinada fará constar ao réu o motivo da prisão os nomes do seu acusador e os das testemunhas havendoas 9o Ainda com culpa formada ninguém será con duzido à prisão ou nela conservado estando já preso se prestar fiança idônea nos casos que a lei a admite e em geral nos crimes que não ti verem maior pena do que a de seis meses de prisão ou desterro para fora da comarca poderá o réu livrarse solto554 10 À exceção de flagrante delito a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade legítima Se esta for arbitrária o juiz que a deu e quem a tiver requerido serão punidos com as penas que a lei determinar O que fica disposto acerca da prisão antes de culpa formada não compreende as ordenanças militares estabelecidas como necessárias à disciplina e recrutamento do Exército nem os casos que não são puramente criminais e em que a lei determina todavia a prisão de alguma pes soa por desobedecer aos mandatos da justiça ou não cumprir alguma obrigação dentro de deter minado prazo 11 Ninguém será sentenciado senão pela auto ridade competente por virtude de lei anterior e na forma por ela prescrita 12 Será mantida a independência do Poder Judi cial Nenhuma autoridade poderá avocar as cau 554 Poucos meses antes da entrada em vigor dessa Constituição alguns constituintes de 23 tiveram suas casas invadidas foram julgados sumariamente e simplesmente expulsos do país por D Pedro I sas pendentes sustálas ou fazer reviver os pro cessos findos 13 A lei será igual para todos quer proteja quer castigue e recompensará em proporção dos me recimentos de cada um 14 Todo o cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis políticos ou militares sem outra di ferença que não seja a dos seus talentos e vir tudes 15 Ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres 16 Ficam abolidos todos os privilégios que não forem essencial e inteiramente ligados aos car gos por utilidade pública555 17 À exceção das causas que por sua natureza pertencem a juízos particulares na conformidade das leis não haverá foro privilegiado nem comissões especiais nas causas cíveis ou crimes 18 Organizarseá quanto antes um código civil e criminal fundado nas sólidas bases da justiça e eqüidade556 19 Desde já ficam abolidos os açoites a tortura a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis557 20 Nenhuma pena passará da pessoa do delin qüente Portanto não haverá em caso algum con fiscação de bens nem a infâmia do réu se trans mitirá aos parentes em qualquer grau que seja558 21 As cadeias serão seguras limpas e bem are jadas havendo diversas casas para separação dos réus conforme suas circunstâncias e natu reza dos seus crimes 555 Em uma sociedade em que exista a Corte a nobreza a colocação desse dispositivo em prática é impossível 556 O Código Criminal conforme será visto adiante foi feito rapidamente o civil levou só quase 100 anos para sair 557 Os escravos não ficaram sabendo 558 Conferir o item acerca dos escravos visto que estes muitas vezes com a aquiescência de juízes eram penalizados no lugar de seus donos 22 É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude Se o bem público legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão será ele previamente indenizado do valor dela A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização559 23 Também fica garantida a dívida pública 24 Nenhum gênero de trabalho de cultura indústria ou comércio pode ser proibido uma vez que não se oponha aos costumes públicos à segurança e saúde dos cidadãos 25 Ficam abolidas as corporações de ofícios seus juízes escrivães e mestres 26 Os inventores terão a propriedade das suas descobertas ou das suas produções A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário ou lhes remunerará em ressarcimento da perda que hajam de sofrer pela vulgarização 27 O segredo das cartas é inviolável A admi nistração do correio fica rigorosamente respon sável por qualquer infração deste artigo 28 Ficam garantidas as recompensas conferidas pelos serviços feitos ao Estado quer civis quer militares assim como o direito adquirido a elas na forma das leis 29 Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticadas no exercício das suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis os seus subalternos 30 Todo o cidadão poderá apresentar por escrito ao Poder Legislativo e ao Executivo reclamações queixas ou petições e até expor qualquer infra ção da Constituição requerendo perante a com petente autoridade a efetiva responsabilidade dos infratores 31 A Constituição também garante os socorros públicos 559 Esse inciso foi usado como escudo inúmeras vezes para a defesa da manutenção da escravidão 32 A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos560 33 Colégios e universidades onde serão ensi nados os elementos das ciências belasletras e artes 3 O Código Criminal de 1830 Desde a proclamação da independência em setembro de 1822 en tendiase a necessidade de regular os vários aspectos da vida nacional A primeira providência foi manter as leis portuguesas de modo a não existir uma brecha legislativa Isso foi feito ainda pela Assembleia Constituinte em outubro de 1823 A Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil decreta Art 1o As ordenações leis regimentos alvarás decretos e resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal e pelas quais o Brasil se governava até o dia 25 de abril de 1821 em que Sua Majestade Fidelíssima atual Rei de Portugal e Algarves se ausentou desta Corte e todas as que foram pro mulgadas daquela data em diante pelo Senhor D Pedro de Alcântara como Regente do Brasil en quanto Reino e como Imperador Constitucional dele desde que se erigiu em Império ficam em inteiro vigor na parte em que não tiverem sido revogadas para por elas se regularem aos ne gócios do interior deste Império enquanto se não organizar um novo Código ou não forem espe cialmente alteradas Art 2o Todos os decretos publicados pelas Cortes de Portugal que vão especificados na tabela junta ficam igualmente valiosos enquanto não forem expressamente revogados Paço da Assem bléia 27 de setembro de 1823 560 Gratuita mas a estrutura não foi montada escolas professores etc Em 1827 o Imperador enfatizou a urgência de se elaborar a codi ficação civil e criminal já no mês seguinte projetos foram apresen tados debatidos e no ano seguinte optouse por criar uma Comissão Bicameral para o estudo do assunto e segundo os próprios compo nentes da comissão levando mais em consideração o dano causado pela demora de uma codificação do que as imperfeições do projeto eles acharam por bem apresentar o resultado de seus trabalhos que foi passado para a Câmara dos Deputados que também por comissão deu a redação definitiva do projeto que aprovado em 1830 entrou em vigor em 8 de janeiro de 1831561 No Código Criminal de 1830 existia a divisão entre as partes geral e especial Seus 313 artigos são distribuídos da seguinte forma em seu corpo I dos crimes e das penas arts 1o a 67 II dos crimes públicos arts 68 a 178 III dos crimes particulares arts 179 a 275 IV dos crimes policiais arts 276 a 313 31 Alguns Pontos do Código Criminal Uma das maiores discussões durante a feitura do Código Criminal residiu na penalização dos crimes A pena de morte foi o centro da dis cussão os deputados e senadores que participaram da Comissão que analisou o projeto chegaram inclusive a colocar a discussão e a con clusão acerca desse tipo de pena no parecer do Projeto No final apesar da docilidade do povo brasileiro e sua ignorância inclusive escolar seria usada como desculpa para impedir a suspensão da pena de morte a commisão desejou supprimir a pena de morte cuja utilidade rarissimamente compensa o horror causado na sua applicação princi palmente no meio de um povo de costumes doces qual o brasileiro porém o estado actual da nossa população em que a educação pri mária não pode ser geral deixa ver hypotheses em que seria indispensável tendo a consolarse desta triste necessidade com a providência da 561 PIERANGELI José Henrique Códigos penais do Brasil 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 p 67 lei que prohibe a execução de tal pena sem o consentimento do Poder Moderador que segu ramente o recusará quando conviér a substi tuição562 A pena de morte era então prevista no primeiro Código brasileiro e não somente prevista como era descrita a sua execução Ao legis lador não escapou sequer a indicação da proibição de pompa no enterro do condenado após a aplicação da pena e do tipo de roupa do condenado no momento da execução Art 38 A pena de morte será dada na forca Art 39 Esta pena depois que se tiver tornado irrevogável a sentença será executada no dia seguinte ao da intimação a qual nunca se fará na véspera de domingo dia santo ou de festa nacional Art 40 O réo com seu vestido ordinário e preso será conduzido pelas ruas mais publicas até a forca acompanhado do juiz criminal do lugar onde estiver com seu Escrivão e da força militar que se requisitar Ao acompanhamento precederá o porteiro lendo em voz alta a sentença que se fôr executar Art 42 Os corpos dos enforcados serão entre gues a seus parentes ou amigos se os pedirem aos juizes que presidirem à execução mas não poderão enterralos com pompa sob pena de prisão por um mez à um anno Apenas a mulher grávida poderia temporariamente escapar do castigo da morte Art 43 Na mulher prenhe não se executará a pena de morte nem mesmo ella será julgada em 562 PIERANGELI J H Op cit p 67 caso de a merecer senão quarenta dias depois do parto Outras penas eram previstas a de Galés a de prisão com trabalho a de prisão simples o banimento a de degredo a de desterro e a maioria delas suspendia os direitos políticos do condenado Art 44 A pena de galés sujeitará os réos a andaram com calceta no pé e corrente de ferro juntos ou separados e a empregarem nos traba lhos publico da província onde tiver sido commettido o delicto à disposição do go verno563 Art 46 A pena de prisão com trabalho obrigará aos réos a occuparemse diariamente no trabalho que lhes fôr destinado dentro do recinto das prisões na conformidade das sentenças e regula mentos policiaes das mesmas prisões Art 46 A pena de prisão simples obrigará aos réos a estarem reclusos nas prisões publicas pelo tempo marcado nas sentenças Art 50 A pena de banimento privará para sempre os réos dos direitos de cidadão brasileiro e os inhibirá perpetuamente de habitar o ter ritório do Império Os banidos que voltarem ao território do Império serão condemnados à prisão perpetua Art 51 A pena de degredo obrigará os réos a residirem no lugar destinado pela sentença sem poderem sahir delle durante o tempo que a mesma lhes marcar A sentença nunca destinará para degredo lugar que se comprehenda dentro da comarca em que morar o offendido 563 Essa pena era comutada para pena de prisão pelo mesmo tempo para mulheres e para menores de 21 anos Art 52 A pena de desterro quando outra de claração não houver obrigará os réos a sahir dos termos dos lugares do delicto e da principal residência do offendido e a não entrar em algum delles durante o tempo marcado na sentença Art 53 Os condemnados às Galés à prisão com trabalho à prisão simples a degredo ou a des terro ficão privados do exercício dos direitos políticos de cidadão brasileiro enquanto durarem os effeitos da condemnação Havia também a pena de multa com a introdução da ideia do dia multa tão utilizada hoje em dia Art 55 A pena de multa obrigará os réos ao pagamento de uma quantia pecuniária que será sempre regulada pelo que os condemnados puderem haver em cada um dia pelos seus bens empregos ou indústria quando a lei especifi cadamente a não designar de outro modo Art 57 Não tendo os condemnados meios para pagar as multas serão condemnados em tanto quanto tempo de prisão com trabalho quanto fôr necessário para ganharem a importância dellas Ainda havia a indicação como pena para casos de delitos no exercício de emprego público a perda do emprego Art 58 A pena de suspensão do emprego privará os réos do exercício dos seus empregos durante o tempo da suspensão no qual não poderão ser empregados em outros salvo sendo de eleição popular Ainda no tocante às penas havia uma garantia constitucional que afirmava não poder haver penas como os açoites a tortura a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis art 179 inciso 19 Essa afirmação constitucional não excluía ninguém aliás nem poderia visto que o inciso 13 do mesmo artigo da Constituição Outorgada decretava que a lei deveria ser igual para todos Todos menos os escravos que eram considerados coisas por um lado e pessoas no caso de delitos Art 60 Se o réo fôr escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés será condemnado à de açoutes e depois de os soffrer será entregue a seu senhor que se obrigará a trazelo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz o designar O número de açoutes será fixado na sentença e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta Devese ressaltar que o Código não imputava pena por não julgar como criminosos nem os menores de quatorze anos nem os loucos de todo gênero e as pessoas que cometeram um crime levados por força ou medo irresistíveis Estes deveriam apenas reparar o mal causado e se fossem menores de 14 anos considerados como tendo discer nimento eram recolhidos a casas de correção artigos 11 12 e 13 Art 10 Também não se julgarão criminosos 1o Os menores de quatorze annos 2o Os loucos de todo o gênero salvo se tiverem lúcidos intervallos e nelles commetterem o crime 3o Os que commetterem crimes violentos por força ou por medo irresistíveis564 O Código Criminal apesar das falhas leva consigo princípios muito importantes de Justiça Sem dúvida Beccaria tem seu papel na cabeça dos homens que fizeram o Código Podese ver por exemplo o valioso Princípio da Legalidade que no Código Criminal somente não foi perfeito por permitir ainda o arbítrio Art 1o Não haverá crime ou delicto palavras synonimas neste Código sem uma lei anterior que o qualifique 564 Talvez aí caiba a legítima defesa Art 33 Nenhum crime será punido com penas que não estejão estabelecidas nas leis nem com mais ou menos daquellas que estiverem de cretadas para punir o crime no gráo maximo médio ou mínimo salvo o caso que aos juízes se permitir arbítrio Há também defeitos graves como a não indicação e qualificação do crime culposo Essa falha somente terá fim em 1871 através de uma lei complementar Art 3o Não haverá criminoso ou delinqüente sem máfé isto é sem conhecimento do mal e intenção de o praticar O Código é bastante rígido com juízes suas funções e suas obrigações tanto no que diz respeito ao recebimento de suborno para dar sentenças quanto no não cumprimento de prazos Art 130 Receber dinheiro ou outro algum do nativo ou aceitar promessas directa ou indi rectamente para praticar ou deixar de praticar algum acto de officio contra ou segundo a lei Penas de perda do emprego com inhabilidade para outro qualquer de multa igual ao tresdobro da peita e de prisão por três a nove mezes A pena de prisão não terá lugar quando o acto em vista do qual se recebeu ou aceitou a peita se não tiver effectuado Art 131 Nas mesmas penas incorrerá o Juiz de Direito de Facto ou Árbitro que por peita der sentença posto que justa seja Se a sentença fôr injusta a prisão será de seis mezes a dous annos e se fôr criminal condemnatória soffrerá o peitado a mesma pena que tiver imposto ao que con demnára menos que a de morte quando o condemnado não tiver soffrido caso em que se imporá ao réo a de prisão perpétua Em todos estes casos a sentença dada por peita será nulla Art 180 Demorar o Juiz o processo do réo preso ou afiançado além dos prazos legaes ou faltar aos actos do seu livramento Pena de suspensão do emprego por um mez a um anno e de prisão por quinze dias a quatro mezes nunca porém por menos tempo que o da prisão do offendidoe de mais a terça parte Art 182 Não dar o Juiz ao preso no prazo mar cado na Constituição a nota por elle assignada que contenha o motivo da prisão e os nomes do acusador e das testemunhas havendoas Pena de prisão por cinco dias a um mez Os crimes sexuais também eram rigidamente punidos no Código Criminal do Império mas essa punição ocorreria de maneira mais contundente se a mulher única vítima possível por essa legislação fosse considerada socialmente como sendo de família no caso de ser prostituta a pena era mais leve Art 222 Ter cópula carnal por meio de violência ou ameaças com qualquer mulher honesta Pena de prisão por três a doze annos e de dotar a offendida Se a violentada for prostituta Pena de prisão por um mez a dous annos565 A defloração seria crime se ocorrido com uma moça menor de dezessete anos e o casamento era a alternativa para a pena Art 219 Deflorar mulher virgem menor de dezasete annos Pena de desterro para fora da comarca em que residir a deflorada por um a três annos e de dotar a esta Seguindose o casamento não terão lugar as penas 565 O artigo 225 afirma que não haverá pena se houver casamento nos dois casos O adultério é considerado crime por esse Código e apresenta uma das situações mais interessantes vistas por nós em códigos antigos Para a mulher adultério era adultério qualquer que fosse a forma para o homem somente era considerado adultério se ele mantivesse uma outra mulher até aqui é semelhante ao que ocorria nas Ordenações entretanto para que a denuncia deste crime valesse era preciso que o cônjuge traído o fizesse e provasse que nunca em nenhum momento consentiu no adultério É um crime que se consentido não se configura mais como tal A mulher tinha como denunciar o marido imediatamente assim que soubesse da existência de uma teúda e manteúda Não se pode esquecer do poder patriarcal que muitas vezes se traduzia em violência e medo nos seios das famílias das mais ricas às mais pobres Art 250 A mulher casada que commeter adul tério será punida com a pena de prisão com trabalho por um a três annos Art 251 O homem casado que tiver concubina teúda e manteúda será punido com as penas do artigo antecedente Art 252 A accusação deste crime não será per mitida a pessoa que não seja marido ou mulher e estes mesmos não terão direito de accusar se em algum tempo tiverem consentido no adul tério Quanto aos crimes contra a propriedade o Código não diferencia furto de roubo usa ambas as expressões inclusive em um só artigo como sinônimos Art 257 Tirar cousa alheia contra a vontade do dono para si ou para outro Art 269 Roubar isto é furtar fazendo vio lêmncia a pessoas ou às coisas Pena de galés por um a oito annos Destacase também que atos religiosos eram também conside rados crimes se praticados em público A Constituição Imperial afirma va ser a religião Católica a oficial do Estado os proventos de religiosos católicos no Brasil saíam dos cofres públicos mas havia em contra partida o inciso 5o do artigo 179 da mesma Constituição que afirmava Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião uma vez que respeite a do Estado e não ofenda a moral pública Mas ofendia a moral pública expressarse religiosamente em público com outro culto que não fosse o católico Art 276 Celebrar em casa ou edifício que tenha alguma forma exterior de templo ou publicamen te em qualquer lugar o culto de outra religião que não seja a do Estado Pena de serem dispersos pelo Juiz de Paz os que estiverem reunidos para o culto da demolição da forma exterior e da multa de dous a doze mil réis que pagará cada um No âmbito da responsabilidade destacase o fato de o legislador imperial ter imposto a responsabilidade sucessiva bem antes de os belgas que levam a fama de terem tido essa ideia o terem feito Isso ocorre nos crimes de imprensa Art 7o Nos delictos de abuso da liberdade de communicar os pensamentos são criminosos e por isso responsáveis 1o O impressor gravador ou lithographo os quaes ficarão isentos de responsabilidade mostrando por escripto obrigação de responsabilidade do editor sendo este pessoa conhecida residente no Brazil que esteja no gozo dos Direito Políticos 2o O editor que se obrigou o qual ficará isento de responsabilidade mostrando a obrigação pela qual o autor se responsabilize tendo este as mes mas qualidades exigidas no editor para escusar o impressou 3o O autor que se obrigou 4o O vendedor 4 O Código de Processo Criminal de 1832 e o Ato Adicional de 1834 Desde a dissolução da Assembleia Constituinte em novembro de 1823 e a consequente implantação do absolutismo disfarçado em Poder Moderador pela Constituição de 1824 que vários setores principal mente da elite brasileira que desejava mais autonomia desconfiavam seriamente de D Pedro I Com a crise econômica advinda da crise do açúcar da falência esperada do Banco do Brasil dos pagamentos para reconhe cimento da independência e do uso do pouco dinheiro existente em uma guerra que ninguém a não ser D Pedro I queria como foi a Guerra da Cisplatina a oposição ao Imperador aprofundouse ainda mais D Pedro I abdicou do trono e como seu sucessor tinha apenas cinco anos de idade para que se cumprisse a Constituição o Império foi governado por uma Regência escolhida entre os membros do Parlamento Art 121 O Imperador é menor até a idade de dezoito anos completos Art 122 Durante a sua menoridade o Império será governado por uma Regência a qual per tencerá ao parente mais chegado do Imperador segundo a ordem da sucessão e que seja maior de vinte e cinco anos Art 123 Se o Imperador não tiver parente al gum que reúna estas qualidades será o Império governado por uma Regência permanente no meada pela Assembléia Geral composta de três membros dos quais o mais velho em idade será o presidente Art 124 Enquanto esta Regência se não eleger governará o Império uma Regência provisional composta dos Ministros de Estado do Império e da Justiça e dos dois conselheiros de Estado mais antigos em exercício presidida pela Imperatriz viúva e na sua falta pelo mais antigo conselheiro de Estado566 41 O Código de Processo Criminal O espírito liberal que havia permeado a Independência e a Assembleia Constituinte havia sido frustrado e a Abdicação marcou a retomada do debate liberal que encontrou sua maior expressão no Código de Processo Criminal que deveria ser feito com urgência visto que o Código Criminal não contemplava o processo O Código de Processo Criminal de 29 de novembro de 1832 deu nova fisionomia aos municípios ao menos nos quase dez anos que esteve em vigor Os municípios foram habilitados a exercer por si mesmos atribuições judiciárias e policiais num renascimento do sistema morto desde o fim do século XVII567 Embora o municipalismo tenha sofrido um revés com a lei de 1o de outubro de 1828 que colocava as câmaras municipais como meros ór gãos administrativos sem poder exercer qualquer jurisdição conten ciosa o Código de Processo deu ao município autonomia reativando o juiz de paz com poderes de amplitude maior do que os traçados pela Constituição reconhecendoo como agente conciliador de litígios e préinstância judicial que sendo eletivo tinha como função primordial aplainar divergências e evitar conflitos artigos 161 e 162 A primeira instância pelo Código de Processo de 1832 dividiuse em três circunscrições o distrito entregue ao Juiz de Paz com tantos inspetores quantos fossem os quarteirões do município o termo que era composto por um corpo de jurados um juiz municipal um escrivão das execuções e os oficiais de justiça a comarca que era composta por um a três juízes de direito dependendo da população da cidade um deles com o cargo de chefe de polícia Os juízes de paz eram eleitos pela população dentro das regras eleitorais da época e propunham os nomes dos inspetores de quar teirão que eram escolhidos pela Câmara Municipal Os juízes munici pais bem como os promotores públicos que serviam no Termo eram nomeados pelos presidentes de província através de lista tríplice para um mandato de três anos Os juízes de direito eram escolhidos entre os bacharéis em direito e eram escolhidos exclusivamente pelo Imperador 566 Constituição de 1824 567 FAORO Raymundo Op cit p 305 Essa estrutura trazia problemas gravíssimos a eleição do juiz de paz o que efetivamente tinha poderes no dia a dia das pessoas era feito levando em conta o desejo dos grandes latifundiários que através deles expunham todo o seu poder que desta forma não tinha riva lidade Nas palavras de Raymundo Faoro O salto era imenso da centralização das Or denações Filipinas à cópia do localismo inglês A polícia dos sertões e do interior tornouse atri buição judiciária e eletiva a autoridade O júri manifestação imediata da população nos termos enfraqueceu de outro lado a supremacia judicial A maré democrática depois de submergir a regência chegava a seu alvo o autogoverno das forças territoriais que faziam as eleições rece bendo a parte do leão na partilha o senhorio da impunidade na sua violência e no seu mando nismo No centro do sistema estava o juiz de paz armado com a truculência de seus servidores os inspetores de quarteirão de triste memória nos anais do crime e da opressão era talvez a ter ceira autoridade depois da regência e dos minis tros A autoridade nomeada pelo imperador o juiz de direito que se colocaria na função de chefe de polícia nas cidades populosas não recebeu atribuições Era menos que um juiz de paz Embaraçado em dar regimento a esse simulacro de autoridade única de sua nomeação publicou o Governo o regulamento de 29 de março de 1833 em verdade ridículo e nem podia deixar de sêlo porque o chefe de polícia único agente do governo ficava reduzido ao simples papel de andador568 Contra todo esse poder dos juízes de paz não se podia fazer muito O Código de Processo havia dado a eles tudo isso Mesmo os promo tores não podiam fazer alguma coisa sua função era muito diferente 568 Ibidem p 306 e ss das que são atribuídas a eles hoje na época eles eram apenas funcio nários da ordem administrativa não da ordem jurídica Não obstante todos esses problemas podemos destacar o sur gimento de um instituto jurídico importantíssimo para a atual noção de justiça o habeas corpus Foi no Código de Processo Criminal de 1832 que ele foi expresso pela primeira vez no artigo 340 Todo cidadão que entender que elle ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento em sua liberdade tem o direito de pedir uma ordem de hábeas corpus em seu favor Em 1841 foi feita uma reforma no Código de Processo Criminal acabando com a descentralização Toda autoridade jurídica e policial passou a ser submetida a uma rígida hierarquia completamente dependente do poder central Mas a questão de cumulatividade das funções de juiz e chefe de polícia somente foi resolvida em 1871 pelo Decreto no 4824 que declarava a incompatibilidade entre o cargo de juiz municipal com o de qualquer autoridade policial artigo 6o 1o e art 7o 42 O Ato Adicional A reforma da Constituição de 1824 estava nos planos dos que derrubaram D Pedro I O problema era decidir que tipo de reforma se pretendia Os Exaltados defendiam o federalismo com autonomia para as províncias Os Moderados desejavam acabar com o Conselho de Estado e a vitaliciedade do Senado Estes últimos conseguiram seu intento negociando com os Exaltados cedendo em parte para eles e dando forma ao último sopro de liberalidade ainda que tosca do período monárquico brasileiro O Ato Adicional promulgado em 6 de agosto de 1834 dava maior importância e deveres aos Conselhos Provinciais que passavam a ser Assembleias Legislativas o poder executivo entretanto continuava a ser exercido conforme determinava a Constituição de 1824 por um presidente nomeado pelo Imperador É esta a marca do Ato uma mistura entre centralização e descen tralização que resulta em ingovernabilidade O que a Assembleia Legislativa Provincial decidisse não poderia ser vetado pelo Presi dente de Província mas a Assembleia não poderia legislar livremente visto que não poderia prejudicar as imposições gerais do Estado art 10 5o O Poder Moderador permaneceu prova máxima de que descentralizar não era de fato o objetivo e apesar do Ato Adicional ter extinto o Conselho de Estado e ter sido retomado assim que D Pedro II subiu ao trono o que este provavelmente pretendia era não uma federação mas um governo central forte tendo em vista a permanência do Poder Moderador que se misturava com uma certa descentralização através de pequenas concessões de poder para as Províncias A permanência da tendência centralizadora se faz presente tam bém na mudança que o Ato efetuou de Regência Trina para Regência Una eleita com os votos de eleitores de segundo grau com mandato de quatro anos Com estas características alguns historiadores costumam chamar esse período de experiência republicana569 43 Outras Leis do Período Imperial Depois do Código Criminal e do Código de Processo outras leis foram promulgadas como a Lei de 4 de setembro de 1850 que cuidou da repressão do crime de tráfico de escravos a Lei de 18 de setembro de 1851 relativa a crimes militares a Lei de 20 de setembro de 1871 que tratava do estelionato e definia os crimes culposos a Lei de agosto de 1875 que dizia respeito ao direto penal internacional a Lei de 15 de outubro de 1886 que versava sobre dano incêndio etc Outro marco história da codificação brasileira foi a promulgação em 1850 do Código Comercial Marco estranho foi a Lei de Terras de 1850 que explica a situação agrária do país até hoje 5 Nascimento da Tradição Jurídica Brasileira O Código Criminal de 1830 e o de Processo de 1832 foram balizas na história jurídica do mundo Sem dúvida muitos daquela época como hoje pasmaram ao ver pontos tão importantes e liberais na legislação de um país que era não somente muito novo como também 569 Esse estado de coisas é interrompido pela ascensão de D Pedro II ao trono em 1840 até aquela época sequer tinha uma escola de fato de formação de advogados Era usual desde o período colonial que os filhos de famílias ricas quaisquer que fossem suas aptidões ou o desejo de seus pais estudassem fora do país Assim nossos primeiros intelectuais com formação acadêmica tinham seus diplomas obtidos na França ou mais comumente em Portugal Depois da Independência e depois dos primeiros grandes Có digos brasileiros entrarem em vigor cursos jurídicos começaram a ser criados no Brasil Os primeiros foram o de Olinda o de Recife e o de São Paulo O curriculum dessas escolas foram aprovados pelo Decreto de 1825 e englobavam programas de direito natural e público análise da Constituição Imperial direito das gentes e diplomacia 1o ano direito público eclesiástico 2o ano direito pátrio civil direito pátrio criminal teoria e prática do processo criminal 3o ano continuação do direito civil direito mercantil e marítimo 4o ano economia política e teoria e prática do processo adotado pelas leis do Império 5o ano570 Nos anos de 1853 e 1854 o curriculum foi ampliado incluiuse o estudo das Institutas de Direito Romano e de Direito Administrativo Pátrio Essas legislações também transformaram as Academias Jurídicas em Faculdades de Direito que concediam o grau de bacharel formado para os que frequentassem com aprovação os cinco anos do curso e davam o título de Doutor a quem defendesse tese Esse último título era indispensável para a prática do magistério571 Um outro marco importante para os advogados brasileiros foi a fundação do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros em 7 de agosto de 1843 na cidade do Rio de Janeiro A estrutura que daria o arcabouço para a valorização da formação jurídica estava começando no Brasil 570 PAULA Jônatas Luiz Moreira de História do direito processual brasileiro das origens lusas à escola crítica do processo São Paulo Manole 2002 p 221 571 Ibidem 6 A Escravidão e a Lei Condições e Abolição Ao se analisar o Brasil e a maior parte de sua história Colônia Rei no e Império portanto de 1500 a 1888 veremos um elemento forma dor da Nação brasileira que sempre é deixado de lado nas análises por mais genéricas que sejam da legislação do País o escravo E embora já tenhamos tocado rapidamente nesse assunto quando discutimos a formação do Brasil Colônia decidimos discutilo de ma neira mais ampla e ao mesmo tempo específica neste subcapítulo inserido na discussão sobre o Império visto que consideramos inte ressante para um panorama mais sólido visualizar o todo das condi ções dos escravos perante a lei e a sociedade às leis abolicionistas572 O trabalho escravo não era desconhecido da sociedade portu guesa medieval Sua fonte eram os muçulmanos capturados durante as Guerras de Reconquista entretanto a partir do início das navegações começaram a afluir para Portugal escravos negros trazidos por nave gadores e posteriormente essa mão de obra tornouse vital para a realização da obra exploratóriocolonizadora portuguesa constituindo um dos principais meios de ganho da política mercantilista de Portugal O escravo é considerado e colocado na posição de mercadoria portanto sujeito a relações de alienação idênticas a qualquer coisa que possa ser de propriedade de alguém O escravo não constitui um bem pessoal vinculado mas é alienável ao arbítrio do proprietário Assim descreve Jacob Gorender pelo direito de propriedade que neles tem pode o senhor alugar escravos emprestálos vendêlos doálos transmitilos por herança ou legado constituílos em penhor ou hipoteca des membrar da nua propriedade o usufruto exercer enfim todos os direitos legítimos de verdadeiro dono ou proprietário Como propriedade está ain da o escravo sujeito a ser seqüestrado embarga do ou arrestado penhorado depositado arrema tado adjudicado correndo sobre ele todos os ter 572 Quando tratamos da escravidão na Antiguidade tivemos contato com definições in clusive legais do Instituto Escravidão À guisa de aparelhamento conceitual retomaremos essa definição para a partir daí discutirmos o escravo a partir de Portugal e no Brasil mos sem atenção mais do que à propriedade no mesmo constituída573 Ele somente era considerado como bem vinculado quando fizesse tal qual os animais da fazenda parte da hipoteca como acessórios A comparação no caso dos escravos hipotecados junto com as terras com animais é cabível posto que a exemplo dos animais os filhos de escravas nascidos no transcurso da hipoteca também estavam sujeitos à mesma sorte como as crias dos animais574 A escravidão está baseada na norma de perpetuidade ou seja até a morte o indivíduo não perde sua condição a não ser que seja alfor riado por benesse de seu senhor Entretanto mesmo no caso da alforria a mentalidade e a legislação indicavam um caminho de dependência estreita que não poderia se extinguir totalmente mesmo com a liber tação do escravo segundo Sidney Chalhoub A alforria não significava um rompimento brusco dessa política de domínio imaginária pois o negro despreparado para as obrigações de uma pessoa livre devia passar de escravo a homem livre dependente575 Tanto assim o era que a Ordenação Filipina tinha um título no meado Das Doações e Alforria que se podem revogar por causa de ingratidão que afirmava indicando doações e alforrias como sinô nimos e até o eram porque ambos dependem da benevolência de quem dá As doações puras e simplesmente feitas sem alguma condição ou causa passada presente ou futura tanto que são feitas per consentimento dos que as fazem e aceitação daquelles a que são feitas ou do Tabelião ou pessoa que per Direito em seu nome pode aceitar logo são firmes e perfeitas de maneira que em tempo algum não podem ser revogadas Porém aquelles a que fo 573 GORENDER Jacob O escravismo colonial São Paulo Ática 1988 p 67 574 Ibidem p 68 575 CHALHOUB Sidney Visões da liberdade uma história das últimas décadas da escravidão na corte São Paulo Companhia das Letras 1990 p 135 rem feitas forem ingratos contra os que lhas fi zeram com razão podem per elles as ditas doa ções ser revogadas por causa de ingratidão576 Tornarse escravo na época moderna no Brasil ou para o Brasil era possível de duas maneiras a primeira era nascer de mulher es crava Na legislação portuguesa abundaram leis acerca do tema as sim seguindo a lógica da analogia entre escravos e animais domés ticos os filhos de escravos eram considerados frutos da proprie dade577 Aliás no Brasil era costume chamar o filho de escrava de cria e assim o era mesmo na linguagem jurídica como se pode depreender da Lei de 26 de abril de 1864 e seu Regulamento de abril do ano seguinte578 A segunda forma era a captura feita na África Na África negra a escravidão já era praticada mesmo antes do contato com os portugueses entretanto era uma escravidão feita pela guerra onde o indivíduo entrava em um clã em uma condição inferior e com maiores obrigações de trabalho porém sem cunho mercantil A princípio os portugueses embrenhavamse África adentro para capturar nativos para vendêlos como escravos com o passar do tempo essa tarefa foi deixada aos próprios africanos que interessados nos artigos europeus transformaram a atividade de captura em uma atividade prioritária579 As guerras foram intensificadas tribos mais fracas eram objetivamente dizimadas e as leis acerca da escravização penal e por dívidas foram acentuadas É importante afirmar que embora esse estado de coisas tenha modificado sobremaneira os objetivos da escravidão entre africanos eles jamais criaram escravos para venda a norma de não serem ven didos escravos nascidos na casa sobreviveu a toda e qualquer am bição O mesmo não se pode afirmar da escravidão instalada no Brasil A questão familiar na sociedade patriarcal escravocrata que se montou no Brasil era no mínimo ambígua Enquanto os senhores insistiam em ensinar o Cristianismo aos escravos como forma de 576 Livro IV título 63 577 Assim foi no Alvará de 10 de março de 1682 na Lei de 6 de junho de 1755 no Alvará de 16 de março de 1773 578 GORENDER J Op cit p 69 579 Os produtos que os interessavam eram principalmente armas munição panos fer ragens tabaco trigo sal cavalos aguardente açúcar doces e búzios Estes últimos eram utilizados como moeda pelos africanos submetêlos obrigavamnos ao mesmo tempo a contrariar o que aprendiam por causa de sua condição servil Assim o era no tocante ao casamento os senhores preferiam que seus escravos não se casassem pelo contrário ligações passageiras eram preferíveis Esse estado de coisas não passava despercebido para todos José Bonifácio apresentou em sua representação à Assembleia Constituinte de 1823 artigos a esse respeito embora não tenha conseguido converter em lei ou tornar concretas estas ideias O senhor não poderá impedir o casamento de seus escravos com mulheres livres ou com escra vas suas uma vez que aquelas que se obriguem a morar com seus maridos ou estas queiram casar com livre vontade580 O governo fica autorizado a tomar as medidas necessárias para que os senhores de engenho e grandes plantações de cultura tenham pelo menos dois terços de seus escravos casados581 Essa incoerência entre o que se ensinava religiosamente e o que se fazia pela lei e pela ação de fato foi explicada por um viajante já em 1837 O Evangelho ordena expressamente à mulher abandonarás teu pai e tua mãe e seguirás teu esposo Ora de um casal de escravos casados o marido desagrada ao senhor e este quer vendê lo mas não à mulher que fará esta se quiser cumprir o preceito do Evangelho Resistirá A força e os castigos separarão infalivelmente o marido da mulher contra os princípios que lhes inculcaram 582 A legislação depois da segunda metade do século XIX procurou impedir a separação de cônjuges escravos uma lei de 1869 indicava 580 Artigo XX Apud COSTA Emilia Viotti da Da senzala à colônia São Paulo Brasiliense 19 p 290 581 Artigo XXI Ibidem p 291 582 Burlamaque apud COSTA Emilia Viotti da Op cit p 291 essa direção muito embora nem sempre a lei fosse cumprida A Igreja responsável pela legalidade dos casamentos somente às vésperas da Abolição tomou partido nessa questão As Constituições do Arce bispado da Bahia de 1885 que regiam quase todas as dioceses do Império afirmavam no título LXXI Conforme o direito Divino e Humano as escra vas e escravos podem casar com outras pessoas cativas ou livres e seus senhores não podem impedir o matrimônio nem o uso dele em tempo e lugar conveniente nem por esse respeito os podem tratar pior nem vender para outros luga res remotos para onde o outro por ser cativo ou por ter outro justo impedimento não possa seguir e fazendo o contrário pecam mortalmente 583 A ambiguidade dessa sociedade ia a extremos se considerarmos que a família do senhor era para uso externo este geralmente satisfaziase sexualmente com suas escravas e não havia nada nem sequer uma lei ainda que não cumprida que o impedisse disso Aliás a Ordenação Filipina quando trata de estupro de escravas é bem clara e o Código Criminal do Império sequer trata do assunto Todo homem de qualquer stado e condição que seja que forçosamente dormir com qualquer mulher morra por ello Porém quando for com mulher que ganhe dinheiro per seu corpo ou com scrava não se fará execução até nolo fazerem saber e per nosso mandado584 Essa situação leva a outra mais abominável mesmo para os pa drões da época os filhos dos senhores com escravas que eram man tidos em cativeiro pelo seu próprio pai por um parente dele ou eram vendidos isto é pais auferiam lucro com a venda de seus filhos Em vão tentaram alguns incluir na legislação à época da inde pendência um dispositivo que obrigasse o senhor a alforriar a escrava que desse à luz a um filho seu legislar nesse sentido seria confessar publicamente o que eles mesmos diziam ser uma imoralidade 583 Apud COSTA Emilia Viotti da Op cit p 293 584 Livro V título 18 Na década de setenta do século XIX um acórdão chegou a proibir a venda de filhos naturais com escravas o senhor seria obrigado a continuar com ambos como seus escravos585 Trilhando esse caminho não é de estranhar que acontecessem fatos como o de uma mãe tornar se escrava do próprio filho quando este era indicado como herdeiro de seu pai Havia inclusive jurisprudência que evitava a libertação da mãe vejamos um exemplo O jornal A Província de São Paulo de 16 de ja neiro de 1875 transcreve um parecer do procurador geral da Coroa sobre a apelação cível no 67 de Amparo que indagava se deveria ser considerada liberta a escrava mãe daquele que o respectivo senhor em seu testamento reconheceu por seu filho e instituiu herdeiro A escrava Luísa considerada escrava do menor Martinho reque reu nomeação de curador que em juízo promo vesse sua liberdade alegando que sendo mãe do réu herdeiro dos bens do senhor não podia ser escrava do mesmo Juntou documentos certi dões de testamento etc O juiz de Direito julgou improcedente a ação por considerar que o ajun tamento ilícito do senhor com a escrava não era razão suficiente para impetrar a liberdade desta e para fundamentar seu parecer apoiouse na jurisprudência 586 Se no que diz respeito à lei que define a própria situação do escravo este é somente propriedade no tocante à lei penal ele tem uma dúbia situação é pessoa se for agente do crime e coisa se for vítima Dessa forma o escravo poderia responder a um processo caso cometesse algum delito e seu senhor seria indenizado caso o escravo fosse vítima de alguém Essa disparidade tornavase ainda mais evidente se tomarmos em conta a questão do depoimento do escravo que de fato nada valia e muitas vezes o escravo era colocado na situação de réu no lugar de seu senhor ou de seus parentes 585 COSTA Emilia Viotti da Op cit p 295 586 Ibidem p 295 O Código Criminal do Império indica o modo pelo qual as penas deveriam ser aplicadas a escravos Art 60 Se o réo fôr escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés será con demnado da de açoutes e depois de os soffrer será entregue a seu senhor que se obrigará a trazelo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz o designar O numero de açoutes será fixado na sentença e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta Havia uma lei específica contra o escravo que matasse seu senhor era a Lei de 10 de junho de 1835 que condenava o homicida à morte mas o mais comum eram os açoites que podiam chegar a mais de 300 seguidos do uso por tempo determinado pela sentença de ferros no pescoço Entretanto muitas vezes as penas mais pesadas não eram apli cadas não por considerarem algo a favor do escravo mas porque o escravo ao ser penalizado com as galés ou morte daria prejuízo a seu proprietário No posicionamento dos proprietários descrito por um deputado da Assembleia Legislativa de São Paulo em 1885 que se colocava contra a pena das galés a pena deveria ser para o escravo e esse tipo de pena era para o senhor587 Essa benevolência na aplicação da pena que sempre era demonstrada quando o interesse em jogo era o do senhor não aparecia quando o era do escravo As punições mesmo não penais aquelas cujo objetivo era disciplinar tinham requintes de crueldade muito conhecidos por todos e embora houvesse um acórdão da Relação do Rio de Janeiro de 1o de abril de 1879 que decidia que nenhum escravo pudesse dar queixa contra pessoa alguma as denúncias contra maustratos aumentaram junto com o movimento abolicionista Entretanto de um lado a própria legislação aplicava penas cruéis e de outro era quase impossível condenar um senhor mesmo a lei proibindo que este matasse um escravo Alguns juízes tentavam mas eis o que dizia em 1878 um fazendeiro de Barra Mansa sobre o assunto 587 Ibidem p 317 Que os lavradores não estejam sujeitos a ser desmoralizados por autoridades como são os juí zes municipais moços inexperientes e precipi tados que à mais leve queixa de um escravo ou de um ingênuo por ter recebido uma simples e leve correção indispensável a tais indivíduos para manter a disciplina na fazenda fazem vir a sua presença os senhores os repreendem e os deixam desmoralizados 588 As sublevações que cresciam em número conforme crescia o movimento abolicionista geraram um movimento legislativo que visava refrear estas fugas e rebeliões bem como reforçar precauções contra essa situação Assim em quase todas as províncias passou a ser proibido alugar quartos ou casas sem a licença por escrito dos donos bem como o escravo que fosse encontrado em qualquer lugar sem um bilhete do senhor seria recolhido na cadeia pública Os comerciantes eram obrigados a impedir a aglomeração de escravos e era proibida a venda de drogas venenosas pólvoras ou armas aos cativos 61 As Leis Abolicionistas É no pensamento Iluminista do século XVIII que podemos encontrar as primeiras ideias contrárias à escravidão se antes deste movimento a escravidão era vista como um desígnio de Deus depois passou a ser encarada como uma obra do homem e portanto podia ser revogada Antes todos consideravam que a escravidão era uma forma de retirar pessoas da barbárie depois dos Iluministas alguns passaram a achar que estava na escravidão a fonte de muitos males e que ela era a barbárie Paralelo a essas questões filosóficas alimentandose delas e sendo alimentados por elas estava o interesse econômico de alguns países já capitalistas que passava a ditar regras que não incluíam a escravidão aliás abominavamna como um entrave ao seu progresso econômico Um paradoxo que por vezes vemos na história o sistema escra vista que criara condições para o aparecimento do capitalismo 588 Ibidem p 312 industrial oferecendo lucros exorbitantes às Metrópoles deveria deixar de existir porque a indústria trabalhava com uma mão de obra mais eficaz e mais barata a assalariada a massa cativa pareceria um entrave a modernização dos métodos de produção O escravismo como peça fundamental do regime monopolista que em nada interessava às Nações capitalistas deveria ser exterminado Mas os escravistas tinham argumentos a favor do cativeiro para eles a escravidão era benéfica ao negro que seria civilizado e conheceria o Cristianismo Outros argumentavam que era um mal necessário já que confundindo como fazem alguns de nossa elite ainda hoje em dia seus interesses com os interesses da Nação a falta de braços escravos levaria o Brasil ou seja eles à bancarrota Mas a pressão inglesa se fez sentir e a pressão popular também A Inglaterra que até o século XVIII estivera total e irremediavelmente engajada no tráfico e nos lucros advindos da escravidão era no século XIX uma potência que por interesses mais econômicos que huma nitários visceralmente antiescravista Em 1807 o Parlamento inglês aboliu o tráfico de escravos nas colônias britânicas foi a linha de partida para a Inglaterra tornarse a paladina da emancipação dos escravos Já no Tratado de 1810 entre D João e a Inglaterra já analisado por nós havia uma cláusula que obrigava o então Príncipe Regente a proibir o tráfico negreiro em outra alguma parte da Costa da África que não pertença atualmente aos domínios de Sua Alteza Real589 Cinco anos mais tarde em Viena a Inglaterra conseguiu que D João proibisse seus vassalos de comercializar escravos ao norte da linha do Equador foi o Tratado de 1815 Como complemento do Tratado de 1815 veio a Convenção de 1817 que sancionou um novo princípio no direito europeu em tempo de paz haveria o direito de visita e busca em navios mercantes suspeitos de tráfico de escravos O julgamento seria feito por duas comissões mistas uma em solo inglês e outra em territórios portugueses Quando da independência do Brasil a Inglaterra utilizou a necessidade do país em ter o reconhecimento de sua autonomia e conseguiu incluir no acordo uma cláusula que indicava que o tráfico seria extinto três anos após a ratificação de um novo acordo sobre o assunto o que ocorreu em 13 de março de 1827 depois desse período o tráfico seria tratado como pirataria 589 QUEIROZ Suely R Reis de A abolição da escravidão 5 ed São Paulo Brasiliense 198 p 22 Portanto a partir de 1830 seria ilícito o tráfico de escravos e a Inglaterra para garantir essa proibição permaneceu pressionando de tal modo que em 1831 ainda na Regência foi votada a lei de 7 de novembro de 1831 em que o Brasil se comprometeria a eliminar defi nitivamente o comércio de escravos de sua economia Era previsto inclusive que aqueles que trouxessem escravos para o país seriam incursos no artigo 179 do Código Criminal590 Art 179 Reduzir à escravidão a pessoa livre que se achar em posse de sua liberdade Pena de prisão por três a nove annos e de multa cor respondente à terça parte do tempo nunca porém o tempo de prisão será menor do que o do captiveiro injusto e mais uma terça parte Resultado prático dessa lei nunca tantos escravos foram trafica dos para o Brasil quanto depois que promulgaram uma lei que proibia tal ato um aumento de aproximadamente 85 no número de escravos traficados para o Brasil591 Esforços isolados existiram com o fim de coibir o tráfico mas vários recursos eram utilizados para ludibriar a escassa fiscalização uso de bandeiras de outras nações envolvimento de populações praieiras pobres etc Com a desculpa de minimizar o desagradável fato de que a lei não era cumprida muitos cogitaram revogar a lei Interpretando o pensamento dos interesses agrários e do tráfico Bernardo Pereira de Vascon celos proporá em 24 de junho de 1835 uma emen da revogando a lei de 7 de novembro de 1831 Não faltaram representações de câmaras municipais dirigidas ao Parlamento no mesmo sentido A Câmara de Barbacena representava em 26 de junho de 1835 a de Barra Mansa e de Paraíba do Sul redigiam em agosto ofícios do mesmo teor A Assembléia provincial de Minas Gerais solicitou a revogação como medida higienizadora uma vez 590 Além das penas previstas no artigo 179 os traficantes deveriam pagar as despesas para o reenvio dos escravos para qualquer parte da África 591 Emilia Viotti da Costa indica que houve a entrada de 371615 escravos no período de 18401851 Op cit p 70 que o dispositivo legal era reiteradamente violado sob as vistas das autoridades592 Mas a pressão inglesa aumentava Em agosto de 1845 o Parlamen to britânico aprovou a Lei chamada Bill Aberdeen que conferia à Ma rinha inglesa o direito de aprisionar qualquer navio negreiro e dava aos tribunais ingleses do vicealmirantado o direito de julgar os traficantes presos nestas incursões Mesmo a ação inglesa contra o tráfico tendo se tornado mais rude ele continuou um mercador de escravos que conseguisse que a cada um de seus três navios chegasse ao destino já fazia fortuna Paralelamente à ação inglesa já existiam no Brasil muitos que começavam a tomar a causa da abolição para si a maior parte deles era de homens que estudando na Europa conviveram com as ideias iluministas e de modernização econômica já tão comuns no continente europeu Por exemplo José Bonifácio tentou apresentar à Constituinte de 1823 projeto para a extinção da escravidão 611 A Lei Eusébio de Queiroz Em março de 1850 o Primeiro Ministro inglês ameaçou o Brasil de cumprir os tratados firmados nem que fosse à ponta da espada não havia porque duvidar do Ministro Gladstone e embora a chancelaria do império tenha protestado contra tais ameaças baseandose nos sólidos princípios do direito das gentes o país teve que dar uma resposta Com o recrudescimento dessa pressão alguns setores da economia não colocaram empecilhos para resolver definitivamente a questão do tráfico mesmo porque os mais poderosos fazendeiros do Império se consideravam momentaneamente bem abastecidos de escravos Assim a Câmara dos Deputados reformou e emendou em julho de 1850 o projeto do Senado no 133 de 1837 sobre a repressão do tráfico de africanos e acabou por votar e aprovar a Lei no 581 a Lei Eusébio de Queiroz Por essa lei as embarcações brasileiras que fossem encontradas em qualquer parte e as estrangeiras encontradas nos portos en seadas ancoradouros ou mares territoriais do Brasil tendo escravos a 592 COSTA Emilia Viotti da Op cit p 71 bordo ou já os tendo desembarcado seriam apreendidas e consi deradas importadoras de escravos Estariam envolvidos no crime todos inclusive os que dessem ajuda ao desembarque ou aqueles que soubessem e não avisassem as autoridades Art 1o As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte as estrangeiras encontradas nos portos enseadas ancoradouros ou mares territoriais do Brasil tendo a bordo escravos cuja importação eh prohibida por Lei de 7 de no vembro de 1831 ou havendoos desembarcado serão aprehendidas pellas autoridades ou pellos navios de guerra brasileiros e consideradas importadoras de escravos Aquellas que não tiverem escravos a bordo nem os houverem na proximidade desembarcado porém que se encontraram com sinais de se em pregarem no tráfico de escravos serão igual mente aprehendidas e consideradas em tentativa de importação de escravos O caráter humanitário dessa lei esbarra no artigo 6o que afirmava que os escravos apreendidos deveriam às custas do Estado serem reenviados à África entretanto enquanto este envio não fosse feito os apreendidos seriam empregados em trabalhos debaixo da tutela do Governo Embora houvesse expresso no mesmo artigo que de maneira alguma não seriam entregues a particulares não foi o que aconteceu Os africanos embora considerados livres eram entregues a um senhor e prestavam serviço a este por quatorze anos depois destes eram considerados emancipados Essa lei teve efetividade muito porque havia apoio de certos círculos agrários ligados ao Governo muitos senhores endividados com suas fazendas hipotecadas para negreiros viram no cumprimento dessa lei uma forma de escapar das dívidas 612 A Lei do Ventre Livre O fim do tráfico negreiro trouxe consequências econômicas e ideológicas para o país as econômicas podem ser traduzidas como um momento de modernização com a era Mauá e um surto industrial muito ajudado pela Tarifa Alves Branco de 1844593 Várias indústrias tinham surgido na década de 50 e os trilhos da primeira ferrovia brasileira já podiam ser vistos Uma nova pequena elite surgia a conciliação marca da política do segundo reinado era cada vez mais difícil A mudança ideológica foi em muito auxiliada pelo impedimento de importação de escravos visto que com o fim do tráfico a região su deste passou a comprar escravos do norte que falia Essa transferência gerou uma dupla consequência agravou a situação do norte e não re solveu a situação do sul entretanto no norte amadurecia o sentimento abolicionista A política dos que viam esse movimento abolicionista crescer era clara um nada fazer Em 1865 solicitado a levar ao Parlamento a dis cussão da questão servil o Marquês de Olinda então Ministro do Império e Chefe do Gabinete respondia que só uma palavra que deixasse per ceber a idéia de emancipação por mais adornada que fosse abriria a porta a milhares de des graças Não tocar no assunto evitar o debate de tão melindrosa a questão quando isso não fosse possível deixar correr os projetos sem nada fazer para sua aprovação essas eram as estratégias usadas pela maioria dos parlamentares 594 Essa atitude de nada adiantava o movimento abolicionista crescia a condenação da escravidão tornavase cada vez mais lógica Depois da Guerra de Secessão dos Estados Unidos somente o Brasil 593 Desde os tratados de 1810 com a Inglaterra que reduziram os direitos alfandegários a 15 ad valorem e que foram renovados em 1827 por quinze anos a principal fonte de recursos financeiros do Estado brasileiro estava muito restringida essa situação tornou se mais grave ainda com as concessões comerciais feitas a países europeus e aos Estados Unidos por conta do reconhecimento da Independência Paralelo a isso o Brasil até como consequência da dependência adquirida com a Inglaterra desde a estada de D João não tinha quase nenhuma produção interna de sabão a velas tudo era importado o que gerava um déficit na balança comercial muito difícil de resolver Buscando resolver essas questões foi criada a Tarifa Alves Branco que era na verdade um decreto do Ministro da Fazenda Manuel Alves Branco Segundo esse decreto os produtos importados que tivessem similares nacionais pagariam 60 de imposto de importação os que não tivessem similares pagariam 30 594 COSTA Emilia Viotti da A abolição 4 ed São Paulo Global 1988 p 39 como país independente e as colônias espanholas Porto Rico e Cuba mantinham a escravidão O número de associações abolicionistas crescia a grande imprensa discutia a questão Mas a resistência por parte dos fazendeiros era muito forte Para se ter uma ideia em 1867 o então presidente do Conselho de Ministros incluiu ao Parlamento uma proposta que visava acabar com a escravidão totalmente no último dia do século portanto trinta e três anos depois e mesmo com essa previsão tão larga quanto absurda a grita dos fazendeiros representados pelos outros conselheiros foi tamanha que os partidos que se opunham no Parlamento se uniram para rejeitar a proposta O argumento era o mesmo de sempre isto arruinaria a economia do país e daria margem a conflitos sociais de proporções incalculáveis A guerra do Paraguai só veio a aumentar as tensões alguns escra vos foram mandados à guerra pelos senhores que ambicionavam co mendas e títulos outros enviaram escravos no seu lugar ou no de seus filhos Esses atos acabaram por gerar uma incoerência que consistia em fazer lutar pelo país quem era considerado pelo mesmo como coisa o que acabou derivando em um Decreto a 6 de novembro de 1866 que dava liberdade aos escravos designados para o serviço do exército Isso pode não parecer nada hoje em dia visto que poucos escravos ganharam com esse decreto a liberdade mas na época foi de grande repercussão pela primeira vez havia alforria imposta pelo Estado Tal estado de coisas fez aumentar a pressão popular e estrangeira a favor da abolição e acabou colocando a questão abolicionista na ordem do dia Em 12 de maio de 1871 o governo apresentou o projeto que daria liberdade aos filhos das escravas a Lei do Ventre Livre Todo o debate que se seguiu à apresentação desse projeto era centrado na questão de se estar ou não violando o princípio constitucional do direito de propriedade mas o Senador negro Torres Homem político famoso de origens modestas afirmava que a propriedade de escravos era uma monstruosa violação de direito natural O projeto não era unanimidade nem entre os abolicionistas muitos deles consideravamno conservador demais com resultados lentos demais mas este era o ponto em que se apoiavam os defensores do projeto Antes esta do que a emancipação total afirmavam argumentando que esta era uma maneira de fazer acalmar os ânimos dos abolicionistas e ao mesmo tempo fazer a emancipação de uma maneira tão gradual que os fazendeiros teriam anos ou mesmo décadas para se preparar Em 28 de setembro a Lei no 2040 a Lei do Ventre Livre foi apro vada pelas duas casas do Parlamento brasileiro Uma lei emanci pacionista Uma vitória dos abolicionistas Ou uma lei que visava jogar um balde de água fria naqueles que defendiam a abolição desar ticulando o movimento e empurrando o problema para depois Infelizmente as respostas a essas questões são tão desagradáveis quanto uma legislação feita para não funcionar poderia ser ao frustrar os anseios de um povo Analisemos essa lei No artigo primeiro o mais conhecido está escrito Art 1o Os filhos da mulher escrava que nasce rem no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre E o caráter libertário da lei para por aí No primeiro parágrafo desse mesmo artigo já se indica que não serão de fato livres os filhos de escravas que nascerem a partir da data da lei Eles ficarão em poder dos senhores que terão a obrigação de mantêlos até a idade de oito anos Depois dessa idade o proprietário ou entregava a criança ao Estado recebendo a quantia de 600000 como indenização ou ficaria com o liberto tinham a coragem de chamálo assim até os vinte e um anos e até lá o rapaz ou a moça seriam obrigados a trabalhar por seu sustento 1o Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães os quais terão obrigação de criálos e tratálos até a idade de oito anos completos Chegando o filho da escrava a esta idade o senhor da mãe terá a opção ou de receber do Estado a indenização de 600000 ou de utilizarse dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos No primeiro caso o governo receberá o menor e lhe dará des tino em conformidade da presente lei A indeni zação pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6 os quais se considerarão extintos no fim de trinta anos A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e se a não fizer então ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizarse dos serviços do mesmo menor Na opção de serem entregues ao Estado poderíamos supor que a criança estivesse de fato livre mas não se trata disso Art 2o O governo poderá entregar a associações por ele autorizadas os filhos das escravas nas cidos desde a data desta lei que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas ou tirados do poder destes em virtude do Art 1o 6o 1o As ditas associações terão direito aos servi ços gratuitos dos menores até a idade de 21 anos completos e poderão alugar esses serviços A Lei do Ventre Livre foi ineficaz tanto quanto ela nasceu para ser mesmo o pouco que se tinha como vantagens na lei para o escravo era descaradamente burlado pelos senhores muitos meninos e meninas acabaram nascendo com um ano ou mais de idade 613 A Lei dos Sexagenários A Lei do Ventre Livre tinha dado ensejo para debates acalorados e a opinião pública participou destes pela imprensa ou por grupos abolicionistas que proliferavam Os lugares onde se encontravam os abolicionistas era o ponto de convergência de jovens novos políticos profissionais liberais artistas moças casadoiras O abolicionismo passou a ser o assunto do momento uma causa cristã que falava de filantropia Ser abolicionista era ser identificado como moderno favorável ao progresso e à civilização Ao iniciarse a década de oitenta o abolicio nismo ganhava novo ímpeto principalmente nos núcleos urbanos Pessoas levando cartazes em favor da emancipação dos escravos desfilavam pelas ruas das capitais e outros centros urbanos nas várias províncias Por toda parte faziamse coletas em prol da campanha e promoviamse comícios e conferências Alguns chegavam mes mo a incitar os escravos à violência e à rebeldia Improvisavamse tribunas nas praças distri buíamse panfletos apregoando que a escravidão e a propriedade do escravo era um roubo595 A agitação popular chegou ao auge no Ministério Dantas quando este apresentou um projeto de lei para libertação de escravos idosos Estudantes manifestavamse nas capitais jangadeiros em Fortaleza vereadores de algumas câmaras municipais também a multidão apoiava os protestos Os fazendeiros reagiam protestando na Câmara dos Deputados e com petições ao Parlamento contra tamanha agitação abolicionistas das pequenas cidades eram perseguidos O projeto não tinha grandes consequências libertava os pouquís simos escravos que conseguiam chegar a seis décadas de vida homens e mulheres que tinham restrita capacidade de trabalho mas era uma emancipação sem indenização o que poderia abrir portas para o que os senhores mais temiam perder sua fortuna quase toda ela concentrada no capital aplicado em compra de mão de obra escrava O presidente da Câmara antiabolicionista por convicção e interesse renunciou abrindo uma crise parlamentar o Ministério foi dissolvido apesar do apoio da imprensa e dos grupos abolicionistas Novas eleições foram marcadas e apesar do empenho dos abolicio nistas a máquina dos fazendeiros funcionou e eles obtiveram a maioria Um novo ministério foi formado e apresentou o projeto anterior com modificações principalmente no tocante a indenizações Um projeto dito emancipacionista que incluía em seus artigos penas severas a quem protegesse escravo fugido Esse projeto tornouse a Lei no 3270 conhecida como Saraiva Cotegipe ou Lei dos Sexagenários que no seu artigo 3o parágrafo 10o preconizava 10o São libertos os escravos de 60 anos de idade completos antes e depois da data em que entrar em execução esta lei ficando porém obri gados a titulo de indenização pela sua alforria a prestar serviços a seus exsenhores pelo espaço de três anos 595 Ibidem p 63 A indenização estava salvaguardada por três anos de trabalho de quem foi escravizado por toda vida ou então por pagamento em dinheiro 12o É permitida a remissão dos mesmos ser viços mediante o valor não excedente à metade do valor arbitrado para os escravos da classe de 55 a 60 anos de idade Mas o escravo não estaria realmente livre seria obrigação do senhor cuidar dele até sua morte salvo se o juiz decidisse o contrário 13o Todos os libertos maiores de 60 anos preenchido o tempo de serviço de que trata o 10o continuarão em companhia de seus ex senhores que serão obrigados a alimentálos vestilos e tratálos em suas moléstias usu fruindo os serviços compatíveis com as forças deles salvo se preferirem obter em outra parte os meios de subsistência e os Juízes de Órfãos os julgarem capazes de o fazer596 Cuidar de um escravo doente e velho era algo que os senhores quase nunca faziam com ou sem lei e leis já existiam antes da Saraiva Cotegipe nesse sentido como por exemplo a Lei Provincial no 14 artigo 43 que afirmava Todo o senhor que dispondo de meios suficien tes abandonar seus escravos moféticos lepro sos doidos aleijados ou afetados por qualquer moléstia incurável e que consentir em que eles mendiguem sofrerá 300000 de multa e será obrigado a recebêlos com a necessária cautela sustentálos e vestilos597 596 Artigo 3o 597 A lepra era muito comum assim como verminoses que os faziam comer terra tosses febres que por ignorância ou crueldade eram tratadas com a mesma pena para embriaguez isto é os escravos eram obrigados a usar máscaras de zinco E pela Lei dos Sexagenários mesmo aqueles que conseguiam com o juiz a chance de viverem longe de seus senhores não poderiam ir onde desejassem 14o É domicílio obrigado por tempo de cinco anos contados da data da libertação do liberto pelo fundo de emancipação o município onde tiver sido alforriado exceto o das capitais 15o O que se ausentar de seu domicílio será considerado vagabundo e apreendido pela polícia para ser empregado em trabalhos públicos ou colônias agrícolas598 A análise final dessa lei deixaremos a cargo de Emilia Viotti da Costa A Lei dos Sexagenários foi uma tentativa de sesperada daqueles que se apegavam à escra vidão para deter a marcha do progresso Mas era tarde demais O povo tinha arrebatado das mãos da elite a direção do movimento A Abolição se tornara uma causa popular e contava com o apoio não só de amplos setores das camadas populares como também importantes setores das classes mé dias e até mesmo representantes das elites599 614 A Lei Áurea Os abolicionistas cresciam em número o movimento se agigan tava no país mas o golpe de misericórdia veio mesmo dos próprios escravos que com o auxílio dos abolicionistas começaram a aban donar as fazendas causando o caos no trabalho e tornando a situação insustentável O desespero tomou conta dos escravistas que em vão tentaram incluir o exército no combate às fugas e rebeliões A saída era 598 Artigo 3o Mesmo depois dos cinco anos o liberto não poderia sair da província que se encontrava quando da libertação 19o 599 COSTA Emilia Viotti da A abolição op cit p 70 e ss única a abolição muitos fazendeiros que haviam lutado contra a emancipação também viram isto600 Em 13 de maio de 1888 a Princesa Isabel regente na ausência de D Pedro II promulgou a lei que com simplicidade aboliu a escravidão no país A Princesa Imperial Regente em nome de sua Majestade o Imperador o Senhor D Pedro II faz saber a todos os seus súditos do Império que a Assembléia Geral Decretou e Ela sancionou a Lei seguinte Art 1o É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil Art 2o Revogamse as disposições em contrário Manda portanto a todas as autoridades que o conhecimento e execução da referida Lei per tencer que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contem O Secretário de Estado dos Negócios da Agri cultura Comércio e Obras Públicas e Interino dos Negócios Estrangeiros Bacharel Rodrigo Augus to da Silva do Conselho de Sua Majestade o Imperador o faça imprimir publicar e correr Dado no Palácio do Rio de Janeiro em 13 de maio de 1888 67o da Independência e do Império Princesa Imperial Regente Rodrigo A Da Silva 600 Nem todos Cinquenta anos depois da abolição um descendente de fazendeiros afirmava os abolicionistas eram os comunistas de hoje sempre prontos a repartir o alheio CAPÍTULO XVI REPÚBLICA VELHA 1 A Proclamação da República e a Constituição de 1891 A ideia de República não era o objetivo ideológico da maioria da população do Brasil aliás a proclamação pegou a maioria de surpresa e outros tantos foram varridos como adeptos de última hora por não verem outra saída Uma parte da elite considerava que o governo monárquico não mais atendia a seus interesses principalmente depois da abolição Os latifundiários principalmente do Vale do Paraíba paulista desejavam maior apoio do governo em questões que este sendo o monárquico não poderia ajudar pois estava empenhado em manter ao menos em parte a estrutura de outra parte da elite os Barões do Café Outros latifundiários que anteriormente morreriam para defender a Monarquia mostravamse apáticos e decepcionados porque a abolição sem nenhum ressarcimento foi para eles um golpe de morte e falência e antes de tudo uma traição do governo Havia um consenso geral de que não haveria um terceiro reinado a Princesa Isabel era vista com desconfiança principalmente por ser casada com um estrangeiro Mas o Movimento Republicano estava longe de ser popular a maioria da população apoiava o Regime Mo nárquico que havia acabado com a escravidão A proclamação da República foi portanto e de fato sendo re dundante apenas uma proclamação na frase de José Murilo de Carvalho E a proclamação afinal resultou de um motim de soldados com o apoio de grupos políticos da capital601 A República nasceu de um golpe militar O Exército descontente com os sucessivos ministérios tendo tomado consciência de seu poder como único corpo nacional depois da Guerra do Paraguai derrubou o governo com uma parte da classe dominante aplaudindo o feito por 601 CARVALHO José Murilo de Os bestializados o Rio de Janeiro e a República que não foi São Paulo Cia das Letras 1987 p 13 acreditar que caso isto não corresse dessa forma poderseia dar ensejo à participação popular através de uma rebelião O Governo Provisório montado na noite de 15 de novembro de cretou o regime republicano federalista e em sua primeira proclamação o Governo assegura a continuidade da administração pública tanto civil quanto militar bem como da justiça Afirma também que respei tará os direitos individuais e confirma continuar respeitando os acordos e compromissos firmados pelo regime anterior Vêse por esse documento uma preocupação urgente com a continuidade de forma a não criar uma brecha no poder onde grupos pudessem iniciar uma luta ou até uma revolução de fato Concidadãos O povo o Exército e a Armada nacionaes em perfeita comunhão de sentimentos com os nossos concidadãos residentes nas pro víncias acabam de decretar a deposição da di nastia imperial e conseqüentemente a extincção do systema monarquico represen tativo Como resultado imediato desta revolução nacio nal de character essencialmente patriótico acaba de ser instituído um governo provisório cuja principal missão é garantir a ordem publica a liberdade e o direito do cidadão Para comporem este governo enquanto a nação soberana pelos seus órgams competentes não proceder à escolha do governo definitivo foram nomeados pelos chefes do poder executivo os cidadãos abaixo assignados Concidadãos O governo provisório simples agente temporário da soberania nacional é o governo da paz da liberdade da fraternidade e da ordem No uso das atribuições e faculdades extraor dinárias de que se acha investido para a defesa da integridade da pátria e da ordem publica o governo provisório por todos os meios ao seu alcance promete e garante a todos os habitantes do Brasil nacionaes e extrangeiros a segurança da vida e da propriedade o respeito aos direitos individuaes e políticos salvas quanto a estes as limitações exigidas pelo bem da pátria e pela legitima defesa de governo proclamado pelo povo pelo Exército e pela Armada nacionaes Concidadãos As funcções da justiça ordinaria bem como as funcções da administração civil e militar conti nuarão a ser exercidas pelos orgams até aqui existentes com relação aos actos na plenitude dos seus effeitos com relação às pessoas res peitadas as vantagens e os direitos adquiridos por cada funccionario Fica porém abolida desde já a vitaliciedade do Senado e bem assim abolido o Conselho de Es tado Fica dissolvida a Camara dos Deputados Concidadãos O governo provisório reconhece e acata todos os compromissos nacionaes contraidos durante o regimen anterior os tratados subsistentes com as potencias extrangeiras a dívida pública externa e interna os contractos vigentes e mais obrigações legalmente estatuidas Ass Marechal Manuel Deodoro da Fonseca che fe do governo provisório Aristides da Silveira Lo bo ministro do Interior Ruy Barbosa ministro da Fazenda e interinamente da Justiça tenenteco ronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães ministro da Guerra chefe de esquadra Eduardo Wandenkolk ministro da Marinha Quintino Bo cayuva ministro das Relações Exteriores e inte rinamente da Agricultura Commercio e Obras Públicas No mesmo dia foi baixado um decreto que mudava o nome do país para Estados Unidos do Brasil e que instalava o sistema federativo autorizava os estados a elegerem seus constituintes Entretanto en quanto essas providências não fossem tomadas caberia ao Governo Provisório indicar os governadores No mesmo sentido centralizador o mesmo decreto afirmava que teria a tarefa de legislar enquanto não se reunisse uma Assembleia Constituinte da mesma forma que caberia ao Governo Provisório o comando de forças armadas para a defesa do novo regime O Governo Provisório da Republica dos Estados Unidos do Brazil decreta Art 1o Fica proclamada provisoriamente e de cretada como a forma de governo da nação brazileira a Republica Federativa Art 2o As províncias do Brazil reunidas pelo laço da federação ficam constituindo os Estados Unidos do Brazil Art 3o Cada um desses Estados no exercício de sua legítima soberania decretará opportunamen te a sua Constituição definitiva elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos locaes Art 4o Enquanto pelos meios regulares não se proceder à eleição do Congresso Constituinte do Brazil e bem assim à reeleição das legislaturas de cada um dos Estados será regida a nação bra zileira pelo Governo Provisório da Republica e os novos Estados pelos Governos que hajam pro clamado ou na falta destes por governadores delegados do Governo Provisório Art 5o Os governos dos Estados federados ado tarão com urgência todas as providências neces sárias para a manutenção da ordem e da segu rança pública defeza e garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos quer nacionaes quer extrangeiros Art 6o Em qualquer dos Estados onde a ordem pública for perturbada e onde faltem ao governo local meios eficazes para reprimir as desordens e assegurar a paz e tranqüilidade públicas efetua rá o Governo Provisório a intervenção necessária para com o apoio da força publica assegurar o livre exercício dos direitos dos cidadãos e a livre acção das autoridades constituídas Art 7o Sendo a Republica Federativa Brazileira a forma de governo proclamada o Governo Provi sório não reconhece nem reconhecerá nenhum governo local contrário à forma republicana aguardando como lhe cumpre o pronunciamento definitivo do voto da nação livremente expres sado pelo sufrágio popular Art 8o A força pública regular representada pe las três armas do Exército e pela Armada na cional onde existam guarnições ou contingentes nas diversas províncias continuará subordinada exclusivamente dependente do Governo Provi sório da Republica podendo os governos locaes pelos meios ao seu alcance decretar a organisa ção de uma guarda civica destinada ao policia mento do território de cada um dos novos Estados Art 9o Ficam egualmente subordinadas ao Go verno Provisório da Republica todas as repar tições civis e militares até aqui subordinadas ao governo central da nação brazileira Art 10 O território do Município Neutro fica pro visoriamente à administração imediata do Go verno Provisório da República e a cidade do Rio de Janeiro constituída também provisoriamente séde do poder federal Art 11 Ficam encarregados da execução deste decreto na parte que a cada um pertença os secretários de Estado das diversas repartições ou ministérios do actual Governo provisório Era trocando em miúdos o decreto que faltava para completar um quadro muito claro o de uma ditadura militar Uma ditadura na medida em que não havia nenhum órgão legislativo funcionando desde que a Câmara foi fechada e a Constituição de 1824 deixava de viger Essa Ditadura Provisória estava apoiada a princípio na força do Exército e não se deparava com significativos movimentos de oposição mas mesmo assim para neutralizar qualquer fantasma possível ou imaginário houve a imposição de medidas duras de censura A Família Real foi banida por decreto e vários indivíduos suspeitos foram presos de fato as prisões cautelares foram muitas O ato mais forte dessa ditadura foi a criação da Comissão Militar de Sindicâncias e Julgamentos um tribunal de exceção com direito inclusive de decretar pena de morte No artigo primeiro de tal ato o governo apresentava de maneira ambígua os que considerava criminosos e passíveis de serem punidos com a pena para sedição Os indivíduos que conspirarem contra a Repú blica e o seu governo que aconselharem ou pro moverem por palavras escritas ou atos a revolta civil e a indisciplina militar que tentarem o su borno ou a aliciação de qualquer gênero sobre soldados e oficiais contra seus deveres para com os superiores e a forma republicana que divulga rem nas fileiras do Exército e da Armada noções falsas e subversivas tendentes a indispôlos com a República que usarem de embriaguez para in subordinar os ânimos dos soldados serão julga dos militarmente por uma comissão militar no meada pelo ministro da Guerra e punidos com as penas de sedição602 Essa forma de redação favorecia inclusive a abertura de processos contra a imprensa que durante a vigência desse ato preferiu deixar de comentar os atos do Governo Mesmo assim muitos foram condenados à morte603 No dia 22 de junho de 1890 depois de muitas pressões Deodoro decidiu convocar as eleições para a Assembleia Constituinte que deveria legitimar o governo republicano Um conjunto de decretos datados de fevereiro e junho de 1890 disciplinaram a qualificação dos eleitores a votação e a apuração entretanto o cerne dessa matéria quem poderia ou não ser eleitor já havia sido regulamentado no decreto no 6 de 19 de novembro de 1889 De um modo geral não há mudanças com relação ao sistema adotado desde a reforma eleitoral do Império Foram considerados eleitores todos os cidadãos brasileiros no uso dos seus direitos civis e po líticos que soubessem ler e escrever Desta forma mantevese a proibição quanto aos anal fabetos introduzida na lei de 1881 A qualificação eleitoral seria feita por uma junta composta pelo juiz de paz pelo subdelegado e por um cidadão 602 Ato de Criação da Comissão Militar de Sindicâncias e Julgamentos apud MONTEIRO Hamilton M Brasil República 3 ed São Paulo Ática 1994 p 27 603 MONTEIRO H M Op cit p 28 nomeado pelo presidente da Câmara ou Inten dência Municipal A mesa que presidiria a vota ção seria a mesma que faria a apuração tão logo aquela terminasse 604 As eleições para a Constituinte não foram portanto represen tativas estimase que pouco mais de uma centena de milhares de pessoas sabiam ler e escrever e às mulheres era vedado o direito de voto Não por omissão delas muitas foram as que participaram com ardor da campanha republicana por anteverem até pela recusa dos republicanos em se posicionarem sobre o assunto para contar justa mente com esse apoio a possibilidade de participação em su frágios605 O poder local como ganhava feições no Império avançava cada vez mais sua ingerência que de mãos dadas com o poder público municipal davam aos grandes fazendeiros a possibilidade de fazer o que bem entendessem Dessa forma foi eleita a Assembleia Consti tuinte mais ligada aos interesses dos grandes latifundiários que aos interesses militares ou ditatoriais de Deodoro embora este último tenha feito de tudo para que isso não ocorresse 604 Ibidem p 29 605 Pode ser citada entre outras a sufragista Josefina Álvares de Azevedo que em sua revista A Família 1888 1897 combatia com uma lógica inexorável a negação por parte dos governantes do direito de cidadania às mulheres que poderia começar através da possibilidade de voto À guisa de exemplo indicaremos um artigo de Josefina intitulado O Direito de Voto Agora mesmo foi agitada esta questão em Minas em vista do requerimento de duas senhoras que pretenderam a inclusão de seus nomes no alistamento da paróquia de Barbacena e que depois de favorável despacho do juiz de direito da comarca não havia lei que as impedisse foram mandadas excluir do alistamento em acórdão da Relação de Ouro Preto Para dar uma idéia nítida das razões fúteis dessa decisão e da singular e absurda doutrina em que se funda transcreverei em seguida os considerandos apresentados Considerando que conquanto pareça à primeira vista que todos devem ter o voto ativo a faculdade eleitoral o direito de intervir no exercício dos poderes delegados a razão e o interesse público não podem deixar de necessariamente admitir as incapacidades resultantes do sexo da menoridade da demência e da ausência das habilitações que convertessem o voto em um perigo social Marquês de São Vicente Dirt Pub vol 1o tit 1o 2o no 252 Estes considerandos encerram doutrina tão insensata que não poderiam prevalecer em um tribunal qualquer se a inteligência dos julgadores não estivera obscurecida pelo preconceito arraigado filho do preconceito secular que nos tem mantido em um estado de dependência afrontosa do critério dos homens em todas as nossas relações sociais Josefina Álvares de Azevedo O direito de voto A Família Rio de Janeiro 14 de dezembro de 1889 p 1 Do Rio de Janeiro partiam para os Estados as listas com os nomes dos candidatos a serem eleitos senadores ou deputados 606 A Constituinte foi por causa disso mais um foco de oposição ao Governo de Deodoro que a Instituição que se deu ao trabalho de ela borar num todo uma Constituição Muito antes de a Assembleia Cons tituinte iniciar seus trabalhos o governo já havia traçado as linhas principais e muitas das secundárias também da Constituição de 1891 O Governo Provisório nomeou uma Comissão de juristas chamada Comissão dos Cinco que a partir de janeiro de 1890 começou a elaborar o projeto constitucional Cada um dos cinco deveria elaborar uma proposta em separado mas dois deles resolveram trabalhar em conjunto e o presidente da Comissão não apresentou projeto algum Restaram três propostas que submetidas em 24 de maio de 1890 à apreciação do Governo passaram a ser revistas pelos Ministros na casa de Rui Barbosa Ele mesmo explica como foram os trabalhos Diariamente me davam S Exas a satisfação de reunirse em minha casa às 2 horas da tarde ali colaboravam todos comigo até às 5 e meia e depois de jantarmos juntos ali mesmo dirigíamo nos reunidos a Itamarati onde eu por delegação de todos os meus colegas presentes funcionava no caráter de seu vogal perante o Chefe do Esta do justificando como intérprete do pensamento deles o nosso projeto constitucional Isso durante 12 ou 15 dias Assim se fez a Constituição607 Dos noventa artigos da Constituição setenta e quatro pertenciam ao projeto de Rui Barbosa intactos ou levemente modificados608 De fato muito pouco foi discutido pelos constituintes acerca da Consti tuição Nas palavras de Agenor de Roure 606 SILVA Hélio apud MENDES Jr Antonio MARANHÃO Ricardo Orgs Brasil história texto e consulta República Velha São Paulo Hucitec 1991 vol 3 p 154 607 BARBOSA Rui Apud FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA Rui Barbosa e a Consti tuição de 1891 Rio de Janeiro Fundação Casa de Rui Barbosa 1985 p 2 608 Ibidem p 2 O desejo de apressar a votação da Constituição para que o país entrasse quanto antes no regime legal levou os constituintes a só discutirem os pontos principais do projeto a organização federativa a discriminação de rendas a unidade do direito a dualidade da magistratura o sistema da eleição presidencial a liberdade religiosa a organização dos Estados e alguns outros tendo havido não poucos requerimentos de rolha para o encerramento do debate 609 11 Alguns Pontos da Constituição de 1891 111 A República Federativa dos Estados Unidos do Brasil Enquanto a Constituição anterior era marcadamente de influência francesa a de 1891 teve grande influição da Constituição NorteAme ricana Não é de estranhar portanto que o Brasil fosse a essa época e constitucionalmente legalizado os Estados Unidos do Brasil uma República Federativa de regime representativo Art 1o A Nação brasileira adota como forma de governo sob o regime representativo a Repúbli ca Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889 e constituise por união perpétua e indis solúvel das suas antigas províncias em Estados Unidos do Brasil610 Era República porque o que se considerava como povo estaria exercendo o poder representativa pois governantes seriam eleitos de forma a representar os interesses do povo e federativa porque os Estados teriam autonomia Art 63 Cada Estado regerseá pela Constitui ção e pelas leis que adotar respeitados os prin cípios constitucionais da União 609 ROURE Agenor de Apud CERQUEIRA Marcello A constituição na história origem e reforma Rio de Janeiro Revan 1993 p 310 610 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891 A divisão de poderes é estabelecida e eliminase o Poder Mode rador ficando apenas os três clássicos poderes Executivo Legislativo e Judiciário Art 15 São órgãos da soberania nacional o Po der Legislativo o Executivo e o Judiciário har mônicos e independentes entre si 112 O Poder Executivo O Executivo seria composto pelo Presidente da República sendo o VicePresidente indicado pela Constituição relativamente ao Poder Executivo como um mero substituto Art 41 Exerce o Poder Executivo o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil como chefe eletivo da Nação 1o Substitui o Presidente no caso de impedi mento e sucedelhe no de fato o VicePresiden te eleito simultaneamente com ele A atribuição efetiva do VicePresidente dada pela Constituição de 1891 é relativa ao Poder Legislativo Ele seria o Presidente do Sena do exclusivamente com voto de qualidade Art 32 O VicePresidente da República será Presidente do Senado onde só terá voto de qua lidade e será substituído nas ausências e impe dimentos pelo vicepresidente da mesma Câmara 113 O Poder Judiciário O Poder Judiciário foi montado nesse início de República baseado no sistema dual dando início à tradição dualista no Brasil Tal sistema é composto pelo Poder Judiciário Federal e pelos poderes judiciários estaduais que acabaram por assim serem organizados até pelo modelo federativo a que se propunha o país e a Constituição611 611 No Império o sistema era baseado na unidade e na centralização Dessa forma separaramse as justiças estaduais da Justiça Federal indicando a atribuição de cada uma delas e em que situações haveria interferência da segunda sobre as primeiras Art 61 As decisões dos juízes ou tribunais dos Estados nas matérias de sua competência porão termo aos processos e às questões salvo quanto a 1 habeas corpus 2 espólio de estrangeiro quando a espécie não estiver prevista em convenção ou tratado Em tais casos haverá recurso voluntário para o Supremo Tribunal Federal Art 62 As justiças dos Estados não podem in tervir em questões submetidas aos tribunais fe derais nem anular alterar ou suspender as suas sentenças ou ordens E reciprocamente a justi ça federal não pode intervir em questões subme tidas aos tribunais dos Estados nem anular alte rar ou suspender as decisões ou ordens destes excetuados os casos expressamente declarados nesta Constituição A Justiça Federal ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal em seu ápice mas deixou em aberto a possibilidade do Congresso criar tantos juízes e tribunais Federais quantos considerassem necessários Art 55 O Poder Judiciário da União terá por ór gão um Supremo Tribunal Federal com sede na Capital da República e tantos juízes e tribunais federais distribuídos pelo país quantos o Con gresso criar O Supremo Tribunal Federal tinha jurisdição ordinária e de recurso bem como a de revisão Assim ao Supremo Tribunal Federal foi deter minada a competência exclusiva para conhecer certos assuntos em instância única não sendo possível os juízes inferiores tratarem destas matérias No máximo eles somente poderiam praticar diligência quando solicitados é a chamada jurisdição ordinária Para outras causas o Supremo Tribunal Federal seria a instância superior que em grau de recurso confirmaria ou reformaria as deci sões a isso se dá o nome de jurisdição de apelação Extraordinaria mente poderia ainda rever sentenças de últimas instâncias proferidas pelas justiças dos estados e os processos findos em matérias crime612 Mais ainda a Constituição de 1891 coloca o Supremo Tribunal co mo o guardião da Constituição bem condizente com o pensamento de Rui Barbosa Art 59 Ao Supremo Tribunal Federal compete 1 processar e julgar originária e privativamente a o Presidente da República nos crimes comuns e os ministros de Estado nos casos do art 52 b os ministros diplomáticos nos crimes comuns e nos de responsabilidade c as causas e conflitos entre a União e os Es tados ou entre estes uns com os outros d os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os Estados e os conflitos dos juízes ou tribunais federais entre si ou entre estes e os dos Estados assim como os dos juízes e tribunais de um Estado com os juízes e os tribunais de outro Estado 2 julgar em grau de recurso as questões resol vidas pelos juízes e tribunais federais assim co mo as de que tratam o presente artigo 1o e o art 60 3 rever os processos findos nos termos do art 81 1o Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal a quando se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratado e leis federais e a decisão do tribunal do Estado for contra ela b quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição ou das leis federais e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses atos ou essas leis impugnadas 612 BARBALHO João Uchoa Cavalcanti Apud ARAÚJO Rosalina Corrêa de Estado e Po der Judiciário no Brasil Rio de Janeiro Lumen Juris 2000 p 143 Art 60 Compete aos juízes ou tribunais fede rais processar e julgar a as causas em que alguma das partes fundar a ação ou a defesa em disposição da Constituição Federal b todas as causas propostas contra o governo da União ou fazenda nacional fundadas em dispo sições da Constituição leis e regulamentos do Poder Executivo ou em contratos celebrados com o mesmo governo c as causas provenientes de compensações rei vindicações indenizações de prejuízos ou quaisquer outras propostas pelo governo da União contra particulares ou viceversa d os litígios entre um Estado e cidadãos de outro ou entre cidadãos de Estados diversos diversi ficando as leis destes e os pleitos entre Estados estrangeiros e ci dadãos brasileiros f as ações movidas por estrangeiros e fundadas quer em contratos com o Governo da União quer em convenções ou tratados da União com outras nações g as questões de direito marítimo e navegação assim no oceano como nos rios e lagos do país h as questões de direito criminal ou civil inter nacional i os crimes políticos Interessante indicar que nos primeiros tempos do Supremo Tribu nal Federal as questões submetidas a este eram acompanhadas pela população que comparecia aos julgamentos aplaudindo ou vaiando as teses defendidas613 Ainda relativamente ao Poder Judiciário a Constituição de 1891 consagra a utilização da Jurisprudência tanto federal quanto estadual indicando explicitamente a necessidade do uso destas Assim afirma o Artigo 59 2o 613 BAJER Paula Processo penal e cidadania Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 p 32 Nos casos em que houver de aplicar leis dos Es tados a justiça federal consultará a jurisprudên cia dos tribunais locais e viceversa as justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos tri bunais federais quando houverem de interpretar leis da União Os crimes militares teriam foro específico com um Supremo Tribu nal Militar Art 77 Os militares de terra e mar terão foro especial nos delitos militares 1o Este foro comporseá de um Supremo Tribunal Militar cujos membros serão vitalícios e dos conselhos necessários para a formação da culpa e julgamento dos crimes 2o A organização e atribuições do Supremo Tribunal Militar serão regulados por lei 114 O Poder Legislativo O Poder Legislativo foi por essa Constituição composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal tendo estes o exercício sob a sanção do Presidente da República Art 16 O Poder Legislativo é exercido pelo Con gresso Nacional com a sanção do Presidente da República 1o O Congresso Nacional compõese de dois ramos a Câmara dos Deputados e o Senado Os membros desse poder teriam imunidade parlamentar ampla não restrita a atos que cometessem no exercício de suas funções incluídos aí crimes comuns O processo contra deputados e senadores passaria então pela aprovação prévia da casa a que este pertencesse Art 20 Os Deputados e os Senadores desde que tiverem recebido diploma até a nova eleição não poderão ser presos nem processados criminal mente sem prévia licença de sua Câmara salvo caso de flagrância em crime inafiançável Neste caso levado o processo até pronúncia exclusive a autoridade processante remeterá os autos à Câmara respectiva para resolver sobre a proce dência da acusação se o acusado não optar pelo julgamento imediato Para se eleger o indivíduo deveria ter algumas precondições co mo tempo de cidadania brasileira e idade mínima para senadores Art 26 São condições de elegibilidade para o Congresso Nacional 1 estar na posse dos direitos de cidadão bra sileiro e ser alistável como eleitor 2 para a Câmara ter mais de quatro anos de cidadão brasileiro e para o Senado mais de seis Art 30 O Senado compõese de cidadãos ele gíveis nos termos do art 26 e maiores de 35 anos em número de três Senadores por Estado e três pelo Distrito Federal eleito pelo mesmo modo por que forem os Deputados Dentre as atribuições do Legislativo estava a de legislar sobre Direito Civil Criminal Comercial e Processual da Justiça Federal art 34 inciso 23 A forma pela qual essas leis seriam feitas levando em conta as duas casas parlamentares e o Presidente da República é explicitada pelo Capítulo V dessa Constituição Art 36 Salvas as exceções do art 29 todos os projetos de lei podem ter origem indistintamente na Câmara ou no Senado sob a iniciativa de qualquer de seus membros Art 37 O projeto de lei adotado numa das câ maras será submetido à outra e esta se o apro var enviáloá ao Poder Executivo que aquies cendo o sancionará e promulgará 1o Se porém o Presidente da República o julgar inconstitucional ou contrário aos interesses da Nação negará sua sanção dentro de dez dias úteis daquele em que recebeu o projeto de volvendoo nesse mesmo prazo à Câmara onde ele se houver iniciado com os motivos da recusa 2o O silêncio do Presidente da República no decêndio importa a sanção e no caso de ser esta negada quanto já estiver encerrado o Congresso o Presidente dará publicidade às suas razões 3o Devolvido o projeto à Câmara iniciadora aí se sujeitará a uma discussão e a votação nominal considerandose aprovado se obtiver dois terços dos sufrágios presentes Neste caso o projeto será remetido à outra Câmara que se o aprovar pelos mesmos trâmites e pela mesma maioria o enviará como lei ao Poder Executivo para a formalidade da promulgação 115 O Sistema Eleitoral Quanto às eleições podese destacar não somente o que a Cons tituição indicava como também é interessante notar algumas pe culiaridades do sistema eleitoral durante a República velha Nesse sentido iniciando a análise pela Constituição de 1891 a en trada no processo eleitoral como eleitor se dava de forma voluntária ou seja não era mais obrigatório o alistamento tampouco era necessário renda mínima porém o eleitor não poderia ser analfabeto em um sentido absoluto como a prática demonstrou visto que saber desenhar o nome era o suficiente para o alistamento eleitoral O eleitor não poderia ser também mendigo nem religioso de ordem religiosa nem praça de pré A idade mínima para o alistamento eleitoral era de 21 anos Art 70 São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei 1o Não podem alistarse eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados 1 os mendigos 2 os analfabetos 3 as praças de pré excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior 4 os religiosos de ordens monásticas compa nhias congregações ou comunidades de qual quer denominação sujeitas a voto de obediência regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade individual 2o São inelegíveis os cidadãos não alistáveis Um aspecto interessante dado pela Constituição à eleição nos municípios foi a autonomia que cada estado tinha em deliberar sobre a matéria Dessa forma houve uma grande variação quanto ao processo eleitoral dos municípios Art 68 Os Estados organizarseão de forma que fique assegurada a autonomia dos municí pios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse Dessa forma do nome do chefe do executivo municipal à forma deste chegar a tal posto a multiplicidade de maneiras foi enorme Nas palavras de Jairo Nicolau Em alguns estados havia eleição para chefe do Executivo o nome variava de acordo com o esta do prefeito intendente superintendente agente do executivo em todos os municípios Em Minas Gerais entre 190330 e no Rio de Janeiro até 1920 o presidente da Câmara era responsável pela função executiva Em alguns Estados Ceará e Paraíba todos os prefeitos eram indicados pelo governador Em outros havia indicação para os prefeitos de capitais estâncias hidrominerais e cidades com obras e serviços de responsabi lidade do estado614 Uma nova lei posterior à Constituição tornou a questão ainda mais caótica do ponto de vista do objetivo de ser eleitor isto é ter independência para decidir quais serão os seus representantes Essa lei elaborada pelo Congresso e promulgada em 1892 estabeleceu novas regras para o alistamento que passou a ser feito em cada município por diversas comissões de cinco eleitores escolhidos pelos membros dos governos municipais Dessa forma a nova lei facilitou o 614 NICOLAU Jairo História do voto no Brasil Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 p 28 controle das facções majoritárias locais sobre o processo de alista mento o que obviamente e infelizmente deu margem a fraudes e manipulações de todas as formas615 As eleições de qualquer nível eram feitas de maneira a facilitar a fraude O candidato não precisava estar cadastrado não precisava pertencer a nenhum partido as cédulas eleitorais não eram oficiais muitas vezes eram utilizadas as cédulas dadas pelos cabos eleitorais ou recortadas de jornais e principalmente o voto não era secreto 116 As Novidades da Constituição de 1891 Essa Constituição previu a mudança da capital federal para o Planalto Central os argumentos para tal empreitada variavam desde uma melhor defesa da capital que estando longe da costa ficaria mais protegida até o de que retirando a capital da República da cidade do Rio de Janeiro conseguirseia afastar a administração pública da balbúrdia do populacho conforme afirmação atribuída ao presidente Campos Sales Art 3o Fica pertencendo à União no planalto central da República uma zona de 14400 quilô metros quadrados que será oportunamente de marcada para nela estabelecerse a futura Capital Federal Previu também o estabelecimento da separação entre Estado e Igreja dando ao menos no papel liberdade de culto ao país Art 72 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabili dade dos direitos concernentes à liberdade à se gurança individual e à propriedade nos termos seguintes 615 Ibidem p 28 A Lei de 1904 mudou a composição das comissões de alistamento mas não eliminou a influência da política local Somente em 1916 o judiciário passou a ter novamente responsabilidade exclusiva pela qualificação dos eleitores nas eleições federais 3o Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto associandose para esse fim e adquirindo bens observadas as disposições do direito comum Essa independência embora pareça uma questão secundária à primeira vista para o cotidiano das pessoas foi extremamente rele vante principalmente quando foi coroada com o parágrafo seguinte do mesmo artigo 72 que instituía o casamento civil Art 72 4o A República só reconhece o casa mento civil cuja celebração será gratuita Até essa Constituição todo controle da vida civil estava obje tivamente sob o controle da Igreja Católica Os registros de nasci mento através dos assentos de batismo eram dados por ela o de casamento e o de morte também No caso específico do casamento havia duas legislações uma civil outra eclesiástica mas somente a última era considerada legítima Quer dizer o Estado brasileiro durante o Im pério seguindo a tradição portuguesa delegava à Igreja Católica a tarefa de organizar todas as etapas da vida dos habitantes do país cabendo a ele legislar sobre as propriedade e heranças delas advindas Para além dos problemas causados por essa ligação perigosa havia também o fato de ela trazer implícita a consideração de que a po pulação brasileira era composta única e exclu sivamente por católicos616 Isso significava em última instância que a união de dois cônjuges não católicos não tinha qualquer valor legal antes do parágrafo 4o do artigo 72 da primeira Constituição republicana deste país617 Isso gerava questões absurdas como problemas acerca dos bens de um casal não católico e indagações que principiavam grandes celeumas 616 GRINBERG Keila Código civil e cidadania Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 p 38 617 Durante o Império houve uma tentativa de regulamentar essas uniões não católicas mas nada foi efetivado como o debate acerca do instituto do casamento ser uma ato civil ou religioso Outro ponto que merece destaque é a constitucionalização do habeas corpus e a indicação de parâmetros um pouco mais claros acerca da legalidade da prisão e do princípio da Ampla Defesa Artigo 72 13 À exceção do flagrante delito a prisão não poderá executarse senão depois de pronúncia do indiciados salvos os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente 14 Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada salvas as exceções especi ficadas em lei nem levado à prisão ou nela de tido se prestar fiança idônea nos casos em que a lei a admitir 15 Ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente em virtude de lei anterior e na forma por ela regulada 16 Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa com todos os recursos e meios essenciais a ela desde a nota de culpa entregue em vinte e quatro horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas 22 Darseá habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder O Princípio da Individualidade das Penas também é coroado no parágrafo 19 do artigo 72 e a Constituição no mesmo artigo dá por encerrada a discussão acerca da pena de morte abolindoa junto às penas de banimento e de galés 20 Fica abolida a pena de galés e a de bani mento judicial 21 Fica igualmente abolida a pena de morte reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra A questão de marcas e patentes também começa a surgir nessa Constituição Art 72 25 Os inventos industriais pertencerão aos seus autores aos quais ficará garantido por lei um privilégio temporário ou será concedido pelo Congresso um prazo razoável quando haja conveniência de vulgarizar o invento 26 Aos autores de obras literárias e artísticas é garantido o direito exclusivo de reproduzilas pe la imprensa ou por qualquer outro processo me cânico Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar 27 A lei assegurará também a propriedade das marcas de fábrica 2 O Código Penal de 1890 Mesmo antes da Proclamação da República havia uma tentativa de reformar o Código Criminal de 1830 que por força da Abolição da Escravatura estava em desacordo com a nova realidade social Nesse sentido uma comissão de deputados a partir de 1888 já estudava uma reforma e acabou por indicar que melhor seria refazer todo o código Com a Proclamação da República o trabalho foi temporariamente interrompido sendo logo retomado por iniciativa de Campos Salles que na época era Ministro da Justiça do Governo Provisório da Repú blica O Governo Provisório já caminhava em direção a mudanças abo lindo as Penas de Galés e reduzindo para trinta anos as penas per pétuas pelo Decreto no 774 de setembro de 1890 No mês seguinte foi implementado o novo Código Penal Talvez pela urgência com que foi feito basicamente três meses talvez por não ter sido discutido com maior amplitude esse Código sofreu as mais duras críticas possíveis desde o momento em que entrou em vigor618 Muitas leis foram feitas na tentativa de suprir as falhas do Código Penal de 1890 e muitas tentativas de reforma também Essas tentativas são tão sequenciais que vale a pena enumerar os anos para que se tenha uma noção buscouse ou cogitouse sem êxito reformas no ano de 1910 1912 1913 e em 1927 houve o Projeto do Desembargador Sá Pereira que embora extremamente elogiado tampouco foi aprovado 21 Alguns Pontos do Código Penal de 1890 O Código Penal define de imediato que segue o Princípio da Legalidade e o Princípio da Territorialidade para os crimes eliminando as interpretações extensivas para a qualificação dos mesmos Art 1o Ninguém poderá ser punido por facto que não tenha sido anteriormente qualificado crime e nem com penas que não estejam previamente estabelecidas A interpretação extensiva por analogia ou paridade não é admissível para qualificar crimes ou applicarlhes penas Art 4o A lei penal é applicada a todos os indi víduos sem distincção de nacionalidade que em território brazileiro praticarem factos criminosos e puníveis Crime e Contravenção foram explicados nesse Código sendo dife renciados um do outro não pelo pressuposto da pena mas apenas por definição podendo inclusive causar alguma confusão tanto relativamente a um quanto a outro principalmente se tomarmos a doutrina atual619 618 Alguns o apontavam como sendo o pior de todos os códigos conhecidos outros di ziam que o Código colocava o legislador republicano em posição vexatória PIERAN GELLI José Henrique Códigos penais do Brasil 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 p 75 619 Não há diferença ontológica de essência entre crime ou delito e contravenção O mesmo fato pode ser considerado crime ou contravenção pelo legislador de acordo com a necessidade da prevenção social Assim um fato que hoje é contravenção pode no fu turo vir a ser definido como crime JESUS Damásio E Direito Penal Parte Geral 23 ed São Paulo Saraiva 1999 p 152 Art 7o Crime é a violação imputável e culposa da lei penal Art 8o Contravenção é o facto voluntário punível que consiste unicamente na violação ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e dos regulamentos As penas a serem aplicadas eram variadas e definidas pelo artigo 43 muitas delas confundemse entre si tendo características extre mamente semelhantes As penas podiam ser de prisão celular que contaria com trabalho obrigatório o banimento que privaria o condenado de seus direitos de cidadão Nesse último caso o indivíduo condenado não poderia habitar o território nacional pelo tempo que indicasse sua pena e caso ele o fizesse a pena seria comutada para reclusão art 46 A reclusão era uma pena que deveria ser cumprida em forta lezas praças de guerra ou estabelecimentos militares conforme indi cava o artigo 47 Já a prisão com trabalho obrigatório seria cumprida ou em estabelecimentos militares ou em prisões agrícolas art 48 Ainda o artigo 43 indicava também como penas a interdicção pela qual o indivíduo ficaria interditado proibido de algumas ações a suspensão e perda de emprego público geralmente aplicado a agen tes públicos que cometiam crimes no exercício de suas funções e a multa Algumas penas poderiam ser aplicadas juntas como o exemplo a seguir Art 141 Incendiar plantações colheitas lenha cortada pastos ou campos de fazenda de cultu ra ou estabelecimentos de criação mattas ou florestas pertencentes a terceiros ou à Nação Penas de prisão cellular por um a três annos e multa de 5 a 20 do damno causado Outra pena indicada era exclusiva para menores de 21 anos Art 49 A pena de prisão disciplinar será cum prida em estabelecimentos industriaes especiaes onde serão recolhidos os menores até a idade de 21 annos Qualquer que fosse a pena entretanto ela jamais poderia ser infamante bem como se tornavam proibidas no Brasil assim como expressara o Decreto de setembro de 1890 citado anteriormente as penas restritivas de liberdade de caráter perpétuo O limite da restrição de liberdade adotado a partir de então no país passou a ser de trinta anos Art 44 Não ha penas infamantes As penas restrictivas da liberdade individual são tempo rárias e não excederão de 30 annos O Código previa a Progressão da Pena bem como livramento condicional Nesse sentido dependendo do comportamento do preso tendo cumprido seis anos da pena prevista e sendo esse tempo no mínimo a metade do tempo destinado na sentença ele poderia ser transferido para um regime considerado um pouco melhor e no caso de bom comportamento nesse outro regime poderia haver o livramento condicional caso faltassem apenas dois anos para ainda cumprir620 O condemnado à prisão cellular por tempo exce dente a seis annos e que houver cumprido me tade da pena mostrando bom comportamento poderá ser transferido para alguma penitenciária agrícola afim de ahi cumprir o restante da pena 1o Si não perseverar no bom comportamento a concessão será revogada e voltará a cumprir a pena no estabelecimento de onde sahiu 2o Si perseverar no bom comportamento de modo a fazer presumir emenda poderá obter livramento condicional comtanto que o restante da pena a cumprir não exceda de dous annos O artigo 27 desse Código define a imputabilidade Este é um dos mais discutidos artigos do Código visto que os parágrafos terceiro e quarto redigidos como o foram abrem a possibilidade de toda a sorte de abusos621 620 Pelo Código Penal usado atualmente haverá progressividade da execução de acordo com o mérito do condenado nos termos do art 33 2o 621 MAGALHÃES NORONHA apud PIERANGELLI José Henrique Op cit p 75 nota de rodapé Art 27 Não são criminosos 1o Os menores de 9 annos completos 2o Os maiores de 9 e menores de 14 se obrarem sem discernimento 3o Os que por imbecilidade nativa ou enfraque cimento senil forem absolutamente incapazes de imputação 4o Os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de intelligencia no acto de commeter o crime 5o Os que forem impellidos a commter o crime por violência physica irresitivel ou ameaças acompanhadas de perigo actual 6o Os que commeterem crime casualmente no exercício ou prática de qualquer aço lícito feito com atenção ordinária 7o Os surdomudos de nascimento que não tiverem recebido educação nem instrucção salvo provandose que obraram com discernimento Entre os crimes arrolados pelo Código Penal de 1890 estão aqueles que impediriam o livre culto de religiões que foi garantido pela Constituição de 1891 Assim Art 185 Ultrajar qualquer confissão religiosa vilipendiando acto ou objecto de seu culto de sacatando ou profanando seus symbolos publi camente Pena de prisão cellular por um a seis mezes Art 186 Impedir por qualquer modo a celebra ção de cerimônias religiosas solemnidades e ritos de qualquer confissão religiosa ou perturbala no exercício do seu culto Pena prisão cellular por dous mezes a um anno Entretanto ao que parece os legisladores não consideravam o espiritismo e algumas de suas práticas como religião Embora haja indicação que o uso de sortilégios para enganar seja crime o que é dotado de lógica o artigo 157 partindo do pressuposto que a magia funciona indica como criminoso o uso desta para despertar ódio e amor curar doenças etc Art 157 Praticar o espiritismo a magia e seus sortilégios usar talismans e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis emfim para fascinar e subjulgar a credulidade publica Pena de prisão cellular por um a seis meses e multa de 100000 a 500000 Um dos artigos mais interessantes desse Código é o de número 166 Na República Velha em que o voto de cabresto e a ordem do Coronel eram sinônimos de política o legislador preocupouse em elaborar um artigo que se tornou hilário por pressão da realidade que o impedia de ser levado de fato a sério Art 166 Solicitar usando promessas ou amea ças votos para certa e determinada pessoa ou para esse fim comprar votos qualquer que seja a eleição a que se proceda Penas de prisão cellular por três mezes a um anno e de privação dos direitos políticos por dois annos O crime de falso testemunho não foi previsto no Código Criminal do Império apesar da legislação anterior a Ordenação Filipina indicá lo definindo como pena o degredo para o Brasil No Código Penal de 1890 há a previsão desse delito sendo que o Código diferencia as penas dependendo em que tipo de causa houve o falso testemunho622 Art 261 Asseverar em juízo como testemunha sob juramento ou affirmação qualquer que seja o estado da causa e a natureza do processo uma falsidade ou negar a verdade no todo ou em parte sobre circumnstancias essenciaes do facto a respeito do qual depuzer 622 No Código de Processo Civil art 415 parágrafo único em vigor atualmente é indicado que o falso testemunho é crime cabendo portanto a mesma sanção prevista no Código Penal em seu artigo 342 Esse mesmo artigo indica que se o indivíduo se arrepender antes da sentença o fato deixará de ser punível 3o 1o Si a causa em que se prestar o depoimento fôr civil Pena de prisão cellular por três mezes a um anno 2o Si a causa fôr criminal e o depoimento para a absolvição do accusado Pena de prisão cellular por seis mezes a dous annos 3o Si para a comndenação Pena de prisão cellular por um a seis annos O crime de estupro ainda era diferenciado para mulheres hones tas e prostitutas Quando a vítima era uma mulher pública a pena era menor do que se a vítima fosse considerada honesta como no código anterior do Império Se bem que em comparação com este a pena do estuprador de prostituta tenha aumentado623 Interessante é notar que tendo em vista os avanços científicos o legislador tenha tido o cuidado de nomear elementos químicos capazes de auxiliar o estupro indicando para a época os mais novos meios de facilitação para o cometimento deste delito Art 268 Estuprar mulher virgem ou não mas honesta Pena de prisão cellular por um a seis annos 1o Si a estuprada for mulher pública ou pros tituta Pena de prisão cellular por seis mezes a dous annos Art 269 Chamase estupro o acto pelo qual o homem abusa com violência de uma mulher seja virgem ou não Por violência entendese não só o emprego da força physica como o de meios que privarem a mulher de suas faculdades psychicas e assim da 623 Segundo Mirabete atualmente sujeito passivo do crime de estupro é a mulher seja ela virgem ou deflorada honesta recatada ou liberada prostituta solteira casada viúva separada divorciada velha ou moça Tratase de proteger o direito individual da mulher no caso a livre disposição do próprio corpo MIRABETE Julio Fabbrini Código penal interpretado 2 ed São Paulo Atlas 2001 p 1431 possibilidade de resistir e defenderse como sejam o hypnotismo o chloroformio o ether e em geral os anesthesicos e narcóticos O adultério tem o mesmo tratamento que no Código Criminal do Império ou seja incorre nesse delito a mulher casada que se deitar simplesmente com outro homem e o marido somente comete tal crime se estiver mantendo outra mulher Ainda como no Código Criminal se houver durante qualquer tempo aquiescência dos cônjuges impede a denúncia 3 O Código Civil de 1916 Desde a Independência do Brasil viase a necessidade de codificar os vários ramos do direito que pudessem normatizar a vida do país Assim o foi tanto que na Constituição de 1824 havia a previsão de elaboração o mais rápido possível de um Código Criminal e um Civil artigo 179 18 O Código Criminal foi feito e bem feito se levarmos em conta os elogios da época e a partir de 1830 estava em vigor Outro Código relativo aos crimes foi elaborado e entrou em vigor no início da República e depois dele outra Constituição e nada de Código Civil O país ainda era subordinado a leis de uma metrópole que não existia mais as Ordenações Filipinas e foram precisos quase cem anos para que isso mudasse Por quê Os Códigos Civis que foram feitos após o Código Civil Napoleôni co portanto os que merecem esse nome tratavam de direitos e de veres de Cidadãos igualandoos todos logo Código Civil são leis para o cidadão no tocante a direitos e obrigações de indivíduos com status e tudo o que advém deste Como definir cidadão em um país com uma maioria esmagadora de escravos como o era no Império Para a elaboração de um Código Civil é necessário antes de tudo haver uma definição clara de quem são os cidadãos e assim que definidos devem contar com a proteção do Código com um todo já que é no mínimo estranho que um indivíduo possa ser parcialmente cidadão Mas a excentricidade do meio cidadão existiu de fato no Brasil sem Código Civil e portanto sem parâmetros de cidadania Durante pelo menos o século XIX havia pessoas que tinham contratos de compra venda aluguel trabalho sem serem consideradas pela lei civil Ordenações Filipinas e Leis extraordinárias plenamente capazes de fazêlo já que exerciam as obrigações mas não dispunham dos direitos correspondentes Menores trabalhavam mas não podiam defenderse em juízo Mulheres casadas geriam fortunas mas não dispunham de livre direito para fazer seus testamentos Protestantes e judeus não podiam ter seus casamentos reconhecidos pelo Estado já que não se casavam na Igreja Católica Escravos urbanos alugavam seus serviços e repartiam os ganhos com seus senhores mas nem por isso deixavam de ser escravos624 Nessa definição de cidadania que poderia levar a uma abran gência não muito interessante para uma maioria da elite brasileira estava o cerne do problema da feitura de um Código Civil no Brasil Uma definição excludente demais não seria aceita pela maioria dos juristas nacionais uma demasiadamente abrangente que pudesse igualar em direitos grandes latifundiários e pessoas do povo não era cabível para muitos políticos Principalmente após a promulgação do Código Comercial na segunda metade do século XIX a questão da necessidade de um Código Civil Brasileiro ficou em uma incômoda evidência Em 1854 o então Ministro da Justiça José Thomaz Nabuco de Araújo solicitou a um renomado advogado da época Augusto Teixeira de Freitas que elaborasse um plano de redação do Código Civil625 Teixeira de Freitas com uma lucidez ímpar argumentou que o melhor seria iniciar qualquer trabalho acerca de Código Civil partindo do que já se tinha Dessa forma ele propôs que se fizesse primeiramente uma compilação sistemática da legislação existente e assim foi feito Terminada a tarefa da compilação Teixeira de Freitas foi convi dado a escrever o Código Civil e depois de ter escrito e publicado o 624 GRINBERG Leila Op cit p 10 625 Teixeira de Freitas era Juiz de Direito advogado reconhecido membro fundador do Instituto dos Advogados Brasileiros advogado do Conselho de Estado aspirante a Jurisconsulto à época Esboço do Código Civil em 1867 abandonou essa empreitada alegando incompatibilidade entre sua concepção jurídica e a do governo A principal incompatibilidade aparentemente estava no fato de o Jurista considerar que fazer um Código Civil sem abranger as relações comerciais seria marcar o Código com um mal de nascença visto que por já existir um Código Comercial o Civil estaria sempre subor dinado a este De 1867 a 1872 o projeto ficou parado até que o próprio Ministro da Justiça Nabuco de Araújo dispôsse a escrever ele mesmo Ele faleceu seis anos depois deixando imensa quantidade de notas e rigorosamente nenhum texto A partir daí até a contratação de Clóvis Beviláqua o redator do Código Civil de 1916 os projetos não passaram de tentativas isoladas ou pueris E se o Presidente da República Campos Sales na década de 90 do século XIX não desejasse que o Código Civil fosse sua marca na história provavelmente teríamos tido que esperar mais A contratação de Beviláqua no governo de Campos Sales foi cerca da de controvérsias e disputas estas acabaram por influenciar um pouco na demora de aprovação do projeto elaborado por ele Beviláqua era da Escola do Recife que adotava uma concepção cientificista do direito ligandoo à biologia às ciências naturais e à antropologia Já seus opositores entre os quais se destacava o já muitíssimo famoso advogado Rui Barbosa eram da Academia de Direito de São Paulo marcada pela militância política e pelo exercício do jornalismo No ano de 1990 Clóvis Beviláqua terminou seus trabalhos e pas sou seu projeto para a Câmara dos Deputados que através de uma comissão revisora deveria exprimir um parecer O parecer foi favorável mesmo porque o relator da Comissão da Câmara era também oriundo da Escola do Recife Silvio Romero Entretanto ao chegar ao Senado para que passasse pelo mesmo processo da Câmara dos Deputados discussão e proposição de emen das o processo emperrou Muitos anos sem nenhum avanço a não ser a alegria de ver Rui Barbosa por ciúmes ou por cuidado honrado com a língua pátria discutindo inclusive questões gramaticais de cada ponto mínimo do projeto de Beviláqua A discussão somente foi retomada em 1912 quando a Câmara propôs que o projeto fosse adotado enquanto o Senado não tomasse uma posição Diante de tal desafio político o Senado aprovou o projeto aceitando todas as emendas de Rui Barbosa e este voltou para a Câmara onde foram processados os últimos debates até a aprovação final em 1915 Em 1o de janeiro de 1916 ele foi sancionado e um ano depois o Brasil tinha depois de quase um século de independência seu primeiro Código Civil CAPÍTULO XVII ERA VARGAS 1930 A 1946 1 A Revolução de 1930 e o Governo Provisório Da Proclamação ao início da década de 20 no século XX a República foi a expressão da oligarquia dos grandes fazendeiros São Paulo e Minas Gerais dominavam o cenário político em nível federal com a política do café com leite pela qual ora o presidente era paulista café ora era mineiro leite Com a Primeira Guerra Mundial o Brasil sofreu imediatos e pro fundos revezes visto que a economia do país era totalmente dependente do mercado externo Como o governo estava nas mãos dos agroexportadores estes utilizaram todo o seu poder para continuar apesar de tudo a auferir lucros com suas atividades mesmo que isso significasse prejuízo para a Nação como um todo O Convênio de Taubaté 1906 é um bom exemplo apesar de anterior do que acima foi exposto Por ele o governo compraria todo o estoque de café que não fosse vendido destruindo se fosse o caso e compraria parte da produção de tal maneira que conseguisse com isso uma diminuição da oferta do produto assim este se valorizaria Uma socialização de prejuízos O Brasil pagaria para que os cafei cultores mantivessem e até mesmo aumentassem seus lucros A partir de 1910 e durante a Primeira Grande Guerra somaramse a desvalorização da moeda brasileira dificultando as importações de produtos manufaturados mais os grandes lucros auferidos com a política do café e a crise nesse setor aumentada pela Guerra para ini ciar um crescimento industrial no país Ao capital nacional acrescen touse capital estrangeiro com a vinda de subsidiárias de indústrias que posteriormente seriam chamadas de multinacionais No caso dos produtos manufaturados cada dia menos o país era dependente do mercado externo uma boa parcela dos produtos manu faturados do consumo do dia a dia dos brasileiros nacionalizavase Os brasileiros se não for muito estética essa afirmação nacionalizavam se também a Semana de Arte Moderna de 1922 indicava este caminho uma valorização do nacional em detrimento do que vinha de fora Tenentes exigiam mudanças626 os novos empresários não viam com muita satisfação a hegemonia dos latifundiários e uma nova força vista como um novo e forte problema surgia junto com a industria lização o operariado A industrialização gera algumas consequências diretas como o crescimento da urbanização surgimento desse novo tipo de trabalha dores e o que mais incomodava as elites urbanas e rurais com a industrialização vem toda uma série de ideologias que justificam e em basam a luta do operariado por dias melhores o anarquismo o comu nismo o socialismo Todos girando em torno de uma possibilidade de organização de operários que seria impensável até aquele momento para trabalhadores rurais o sindicalismo Com tudo isso o Brasil estava diferente mas nem seus governan tes nem suas políticas acompanhavam ainda que para controle efetivo essas mudanças Trabalhadores urbanos que porventura reivindicas sem algo eram tratados como bandidos a questão operária era de fato caso de polícia Desde a Proclamação da República o país era guiado como se fosse uma imensa fazenda e os coronéis que administravam esse latifúndio não sabiam o que fazer com esses novos elementos e suas necessidades específicas No bojo dessa crise política e ideológica a Crise de 1929 gerada pelo Crack da Bolsa de Nova Iorque aprofundou o problema econômi co acabando com a base artificial em que se vinha mantendo a lucrati vidade dos grandes cafeicultores e a solução no Brasil foi encontrada depois de uma cisão na oligarquia que deu origem à Revolução de 1930 Na sucessão de 1930 o presidente Washington Luis que era paulista não indicou como seu sucessor um mineiro e isso tinha grande importância por causa da política do café com leite principalmente porque a indicação do presidente era por meios obscuros garantia de vitória Assim descreve o brasilianista Thomas Skidmore 626 Tenentismo movimento militar brasileiro que através de várias rebeliões desenca deadas no período de 1922 a 1930 pretendeu derrubar pelas armas três governos e os sistemas políticos que os sustentavam Entre os objetivos que impulsionaram os jovens militares a essas revoltas estava o desejo de implantação de medidas que consideravam necessárias para moralizar o país tais como o voto secreto o ensino público obrigatório a seriedade administrativa e principalmente a derrubada das oligarquias que há anos faziam presidentes de acordo com seus interesses Recentemente autores têm chamado atenção para um fator novo que teria contribuído fortemente para a eclosão do tenentismo o caráter corporativo do exército a convicção que os militares tinham de sua importância e do papel que estavam destinados e mesmo intimados a representar AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Op cit p 375 Pela Constituição de 1891 a presidência era o grande prêmio da política nacional Já que o pre sidente estava constitucionalmente impedido de suceder a si mesmo era fatal que houvesse gran de agitação política de quatro em quatro anos à medida que a liderança situacionista procurava acordo entre os líderes das principais máquinas políticas estaduais para a indicação de um su cessor Uma vez acertada a indicação de vez que os governos estaduais tinham poder para dirigir as eleições e não hesitavam em manipular os re sultados para enquadrálos em seus arranjos pré eleitorais627 O candidato situacionista ganhou como era de se esperar mas como dessa vez havia uma candidatura de oposição de parte dessa elite insatisfeita os resultados foram questionados Os que duvidavam da lisura da eleição já haviam se utilizado suficientemente da cor rupção da máquina eleitoral para saber que nenhuma eleição na República até então havia sido correta De fato a eleição na República Velha era uma piada de mau gosto Ninguém tem certeza de ser alistado eleitor ninguém tem certeza de votar se porventura for alistado ninguém tem certeza do que contém o voto se porventura votou ninguém tem certeza que esse voto mesmo depois de contado seja respeitado na apuração da apuração no chamado terceiro escrutínio que é arbitrária e descara damente exercido pelo déspota substantivo ou pelos déspotas adjetivos conforme o caso for da representação nacional ou das locais628 O inconformismo dos opositores poderia ter amainado com o tem po mas um acontecimento precipitou o movimento que veio a ser co nhecido como Revolução o assassinato de um dos líderes da oposição 627 SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio Vargas a Castelo Branco 7 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1982 p 21 e ss 628 BRASIL Assis político gaúcho da República Velha Apud NICOLAU Jairo História do voto no Brasil Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 p 35 o paraibano João Pessoa O presidente da República Washington Luis cada dia mais isolado não pôde se defender sendo deposto Getúlio Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório e pelo Decreto no 19398 do mês de novembro ficaram definidas as atribuições do novo gover no poderes discricionários em toda a sua plenitude a dissolução do Congresso Nacional e das Casas Legislativas estaduais e municipais e a suspensão das garantias constitucionais Afirmava o artigo primeiro desse decreto O Governo Provisório exercerá discricionaria mente em toda a sua plenitude as funções e atri buições não só o Poder Executivo como também do Poder Legislativo até que eleita a Assembléia Constituinte estabeleça esta reorganização cons titucional do país 11 A Organização das Cortes de Apelação do Distrito Federal e a Criação da Ordem dos Advogados Brasileiros Durante o Governo Provisório que provisoriamente durou o tempo de um mandato muitas coisas foram feitas no âmbito do Direito no país Pelo Decreto no 19408 organizouse a corte de apelações do Distrito Federal Foram criadas seis câmaras compostas por vinte e dois desembargadores e no que tange à justificativa dessa reorganização muito próxima da Revolução está dito em seu preâmbulo Atendendo à necessidade de prover ao melhor funcionamento da Justiça local do Distrito Fede ral fazendo eqüitativa distribuição dos feitos normalizando o desempenho dos cargos judiciá rios diminuindo os ônus aos litigantes em busca do ideal da justiça gratuita prestigiando a classe dos advogados e enquanto não se faz a definitiva reorganização da Justiça decreta Art 1o A Corte de Apelação do Distrito Federal constituída de vinte e dois desembargadores se compõe de seis Câmaras sendo a primeira e a segunda criminais a terceira e a quarta cíveis e a quinta e a sexta de agravos cada uma com três membros e presididas pelos vicepresidentes originários da Corte Art 2o A corte de Apelação será presidida por um presidente as Câmaras criminais pelo pri meiro vicepresidente as cíveis pelo segundo e as de agravo pelo terceiro Art 3o O presidente os vicepresidentes e os membros das Câmaras serão eleitos pela Corte de Apelação sendo aqueles pelo prazo de dois anos proibidas as reeleições Art 4o As atribuições da Corte de Apelação e das Câmaras são as definidas na legislação vi gente distribuídos os processos alternada e obrigatoriamente a cada câmara na esfera das suas atribuições criminal cível e de agravos Parágrafo único Os feitos serão processados e julgados de acordo com a legislação vigente apli cado aos julgamentos criminais o disposto no art 1169 e parágrafos do decreto no 16752 de 31 de dezembro de 1924 sendo sempre julgados em sessão secreta os recursos criminais do Ministé rio Público nos processos de crimes inafiançáveis de réu solto Por esse mesmo decreto criase a Ordem dos Advogados Brasilei ros com o objetivo principal de disciplinar e selecionar os advogados Art 17 Fica criada a Ordem dos Advogados Bra sileiros órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros com a colaboração dos Institutos dos Estados e aprovados pelo Go verno 12 O Código Eleitoral de 1932 Para a Nação como um todo e para o seu futuro o mais importante nesse período foi a promulgação do Código Eleitoral de 1932 pelo Decreto no 21076 pelo qual se instituiu a Justiça Eleitoral Poucos meses depois foram instalados o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais Mas o que mais interessava à época e mesmo hoje em dia se não fosse fato é que o Decreto instituiu o voto secreto e possibilitou o voto feminino629 Jairo Nicolau descreve o sistema adotado para a instituição do sigilo de voto O sigilo de voto foi aperfeiçoado com duas medidas A primeira era a obrigatoriedade do uso de sobrecarta envelope oficial no qual os eleitores deveriam inserir a cédula eleitoral Assim evitavase a prática comum na Primeira República de os partidos utilizarem envelopes de cores tamanhos e formatos diferentes para controlar o voto dos eleitores A segunda medida foi a introdução de um lugar indevassável cuja porta ou cortina deviam estar fechadas onde o eleitor pudesse colocar a cédula na sobrecarta oficial630 Instituiu também o voto a partir dos dezoito anos e a repre sentação classista nos órgãos legislativos que discutiremos mais adiante Outro aspecto inovador do Código Eleitoral foi a exigência de registro prévio dos candidatos antes do pleito Partidos aliança de partidos ou grupos de pelo menos cem eleitores tinham que registrar no Tribunal Regional Eleitoral a lista de candidatos pelo menos cinco dias antes da eleição O Código permitiu que o alistamento fosse feito de duas maneiras por iniciativa do cidadão como já acontecia na República Velha ou exofficio Nesse caso os chefes das repartições públicas e empresas eram obrigados a inscrever seus subordinados631 2 A Constituição de 1934 O quanto foi possível Vargas governou provisoriamente evitan do convocar uma Constituinte Em 1932 por terem perdido a hegemo 629 O Brasil foi o segundo país da América Latina a dar direito de voto às mulheres o primeiro foi o Equador em 1929 A Argentina só abriu esta possibilidade de cidadania em 1947 no mesmo ano a Venezuela o México em 1953 E mesmo países considerados como centros de democracia e modernidade demoraram vergonhosamente mais a conceder à metade de sua população um direito básico A França só o fez em 1944 a Itália e o Japão em 1946 a Suíça em 1971 e Portugal em 1974 630 NICOLAU Jairo Op cit p 38 e ss 631 Ibidem p 38 nia política e sob a desculpa de uma legalidade e da necessidade de uma Constituição o estado de São Paulo iniciou uma guerra civil contra o governo federal chamada Revolta Constitucionalista de 1932 Em 5 de abril de 1933 foi convocada uma Assembleia Constituinte sendo as eleições baseadas no novo código eleitoral realizadas no mês seguinte Em novembro do mesmo ano a Assembleia foi instalada e os trabalhos se iniciaram A composição da Assembleia Constituinte de 1933 representou o ressurgimento das antigas oligarquias estaduais mas ao lado destas estavam também os representantes classistas eleitos pelos sindicatos profissionais Os sindicatos patronais e de empregados após o Có digo Eleitoral de 1932 elegiam deputados que teriam as mesmas prerrogativas dos demais parlamentares No caso específico da Assembleia Constituinte de 1933 ficou estipulado pelo Decreto no 22653 de abril de 1933 que seriam quarenta deputados constituintes classistas vinte representantes de empregadores e vinte de empregados Estes somente seriam eleitos por sindicatos reconhecidos pelo governo ou seja aqueles cujas características estivessem afinadas com o ideal do governo de Vargas A eleição foi feita de forma centralizada por meio de delegados previamente escolhidos pelos sindicatos632 O Decreto indica Art 1o Tomarão parte na Assembléia Constituin te com os mesmos direitos e regalias que compe tirem aos demais do seus membros quarenta re presentantes de associações profissionais tocan do vinte aos empregados e vinte aos empregado res nestes incluídos três por parte das profissões liberais e naqueles dois por parte dos funcioná rios públicos Art 2o Os representantes das associações profis sionais de que trata o artigo anterior respeitadas as condições de capacidade estabelecidas pela legislação eleitoral em vigor serão escolhidos por eleição que se realizará nesta Capital em data 632 Para Pontes de Miranda ainda era muito cedo para tentar uma representatividade como esta Ele propunha a constituição de uma câmara sindical em paralelo a outra de representação clássica advogando uma solução intermediária entre a liberal clássica e a fascista LIMONGI Dante Braz O projeto político de Pontes de Miranda Rio de Janeiro Renovar 1998 p 121 e ss hora e local previamente anunciados e sob a presidência do Ministro do Trabalho Indústria e Comércio de cujas deliberações poderá haver recurso interposto pelos interessados para o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral no prazo máximo de cinco dias da data da apuração Art 3o Só terão direito de voto na eleição deter minada no art 1o os sindicatos que houverem si do reconhecidos pelo Ministério do Trabalho Indústria e Comércio até o dia 20 de maio de 1933 e as associações de profissões liberais e de funcionários públicos que estiverem organizadas legalmente até a mesma data Art 6o Os sindicatos reconhecidos de acordo com a legislação em vigor e as associações legais das profissões liberais e dos funcionários públicos elegerão em sua sede até o dia 30 de maio de 1933 à razão de um por sindicato ou associação os delegados que deverão escolher como pres crevem os artigos anteriores os respectivos representantes na Assembléia Constituinte 21 Características Gerais do Estado Brasileiro A nova Constituição foi publicada no Diário Oficial em 16 de julho de 1934 Nela estavam preservados o federalismo o presidencialismo e o regime representativo Art 1o A Nação brasileira constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil mantém como forma de governo sob o regime representativo a República Federativa proclamada em 15 de novembro de 1889 Art 12 A União não intervirá em negócios pe culiares aos Estados salvo I para manter a integridade nacional II para repelir invasão estrangeira ou de um Estado em outro III para pôr termo à guerra civil IV para garantir o livre exercício de qualquer dos poderes públicos estaduais V para assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas letras a a h do art 7o no I e a execução das leis federais VI para reorganizar as finanças do Estado que sem motivo de força maior suspender por mais de dois anos consecutivos o serviço da sua dívida fundada VII para a execução de ordens e decisões dos juízes e tribunais federais A autonomia estadual entretanto foi ferida de morte por essa mesma Constituição que a consagrou visto que nas Disposições Tran sitórias e finais há a possibilidade de permanecer a intervenção da União nos Estados mesmo após a Constituição desde que o Gover nador não seja confirmado pelo Presidente da República Art 176 O mandato dos atuais governadores dos Estados uma vez confirmado pelo Presidente da República dentro de trinta dias da data desta Constituição se entende prorrogado para o pri meiro período de governo a ser fixado nas Cons tituições estaduais Esse período se contará da data desta Constituição não podendo em caso al gum exceder o aqui fixado ao Presidente da República Parágrafo único O Presidente da República de cretará a intervenção nos Estados cujos gover nadores não tiveram o seu mandato confirmado A intervenção durará até a posse dos governa dores eleitos que terminarão o primeiro período de governo fixado nas Constituições estaduais 22 A Competência para a Elaboração de Legislação A Constituição de 1891 com relação a leis de Processo Penal e Ci vil descentralizou totalmente a elaboração desses instrumentos Cada estado poderia ter seus próprios códigos de processo entretanto nem todos prepararam suas leis permaneceram cumprindo os Códigos de Processo do Império A Constituição de 1934 embora reconhecesse o federalismo bus cou não exagerar no caso da elaboração de legislação visto que não havia dado certo a tentativa anterior Dessa forma somente a União poderia legislar conforme indica o artigo 5o Art 5o Compete privativamente à União XIX legislar sobre a direito penal comercial civil aéreo e proces sual registros públicos e juntas comerciais b divisão judiciária da União do Distrito Federal e dos Territórios e organização dos juízos e tribu nais respectivos Nas Disposições Transitórias estava indicado que seriam for madas comissões para a elaboração dessa legislação Art 11 O Governo uma vez promulgada esta Constituição nomeará uma comissão de três ju ristas sendo dois ministros da Corte Suprema e um advogado para ouvidas as congregações das faculdades de Direito as cortes de apelação dos Estados e os institutos de advogados organizar dentro em três meses um projeto de Código de Processo Civil e Comercial e outra para elaborar um projeto de Código do Processo Penal 1o O Poder Legislativo deverá uma vez apre sentados esses projetos discutilos e votálos imediatamente 2o Enquanto não forem decretados esses có digos continuarão em vigor nos respectivos ter ritórios os dos Estados Aos estados restava competência para legislar complementar mente sem ferir alguns princípios Art 7o Compete privativamente aos Estados I decretar a Constituição e as leis por que se devam reger respeitados os seguintes princípios a forma republicana representativa b independência e coordenação de poderes c temporariedade das funções eletivas limitada aos mesmos prazos dos cargos federais corres pondentes e proibida a reeleição de governa dores e prefeitos para o período imediato d autonomia de municípios e garantias do Poder Judiciário e do Ministério Público locais f prestação de contas da administração g possibilidade de reforma constitucional e competência do Poder Legislativo para decre tála h representação das profissões II prover a expensas próprias às necessidades da sua administração devendo porém a União prestar socorros ao Estado que em caso de ca lamidade pública os solicitar III elaborar leis supletivas ou complementares da legislação federal nos termos do art 5o 3o Parágrafo único Podem os Estados mediante acordo com o Governo da União incumbir funcio nários federais de executar leis e serviços esta duais e atos ou decisões das suas autoridades 23 Municípios Os municípios deveriam ter resguardada a sua autonomia isto é reforçado pelo artigo 13 que traz também uma contradição a esse princípio de autonomia visto que ao mesmo tempo em que a eletividade de prefeitos municipais fica resguardada esta não é para todos os municípios os prefeitos de Capitais e Estâncias Hidrominerais podem ser nomeados Ainda sobre a questão dos municípios o parágrafo quarto do artigo 13 indica sem maiores proteções à autonomia municipal que a intervenção do Estado pode ocorrer no caso de não pagamento das prefeituras das dívidas para com os estados Art 13 Os municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse e especialmente I a eletividade do prefeito e dos vereadores da Câmara Municipal podendo aquele ser eleito por esta II a decretação dos seus impostos e taxas e a arrecadação e aplicação das suas rendas III a organização dos serviços de sua com petência 1o O prefeito poderá ser de nomeação do go verno do Estado no município da Capital e nas estâncias hidrominerais 3o É facultado ao Estado a criação de um órgão de assistência técnica à administração municipal e fiscalização das suas finanças 4o Também lhe é permitido intervir nos muni cípios a fim de lhes regularizar as finanças quando se verificar impontualidade nos serviços de empréstimos garantidos pelo Estado ou falta de pagamento da sua dívida fundada por dois anos consecutivos observadas naquilo em que forem aplicáveis as normas do art 12 24 Poder Executivo Federal No âmbito federal o Poder Executivo apresenta uma novidade em comparação a Constituição de 1891 e a maioria das subsequentes não há vicepresidência Art 51 O Poder Executivo é exercido pelo Pre sidente da República A escolha do Presidente da República seria feita conforme consagra o parágrafo 1o do artigo 51 por sufrágio direto 1o A eleição presidencial farseá em todo o território da República por sufrágio universal di reto secreto e maioria de votos cento e vinte dias antes do término do quadriênio ou sessenta dias depois de aberta a vaga se esta ocorrer dentro dos dois primeiros anos Entretanto a ingerência pessoal de Vargas e daqueles que esta vam ao seu lado é evidente nos trabalhos da Assembleia O diário do presidente mostra a tranquilidade com que ele lida com as manobras políticas para permanecer no poder Desde o início dos trabalhos constituintes ele sabia que sem pressa não iria deixar a presidência Ele afirma em 21 de novembro de 1933 Continuam na Câmara as démarches para elegerme presidente Aconselho a não se apres sarem 633 E assim o foi Vargas permaneceria no poder eleito pela Assembleia conforme afirma o artigo primeiro das Disposições Transitórias da Constituição de 1934 Art 1o Promulgada esta Constituição a Assem bléia Nacional Constituinte elegerá no dia ime diato o Presidente da República para o primeiro quadriênio constitucional 1o Essa eleição farseá por escrutínio secreto e será em primeira votação por maioria absoluta de votos e se nenhum dos votados a obtiver por maioria relativa no segundo turno 2o Para essa eleição não haverá incompati bilidades 3o O Presidente eleito prestará compromisso perante a Assembléia dentro de quinze dias da eleição e exercerá o mandato até 3 de maio de 1938 Para tudo há justificativa a qualidade dessa pode ser discutível mas ela existe Nesse caso os Constituintes explicaram o fato de terem sido os primeiros a descumprir a constituição que eles mesmos elaboraram afirmando ser melhor manter Vargas porque era conhecido A Assembléia Nacional Constituinte sufragando o nome do Sr Getúlio Vargas para o exercício da suprema magistratura da República no primeiro período presidencial não fez mais do que obedecer à lógica A prática de quaisquer instituições políticas mesmo quando elaboradas com a preocupação de tornar seu funcionamento 633 VARGAS Getúlio Diário São Paulo Siciliano Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1995 p 248 v 1 o mais independente possível do fator pessoal representado pela mentalidade e pelo caráter dos estadistas colocados nos postos de suprema direção fica sempre adstrita a esses elementos imponderáveis que decorrem da personalidade dos homens de governo 634 25 Poder Legislativo Federal O Legislativo mantinhase dividido em Câmara dos Deputados e Senado no caso da Câmara estaria estabelecida a continuidade da re presentação classista Art 23 A Câmara dos Deputados compõese de representantes do povo eleitos mediante sistema proporcional e sufrágio universal igual e direto e de representantes eleitos pelas organizações profissionais na forma que a lei indicar 1o O número de Deputados será fixado por lei os do povo proporcionalmente à população de cada Estado e do Distrito Federal não podendo exceder de um por 150 mil habitantes até o má ximo de vinte e deste limite para cima de um por 250 mil habitantes os das profissões em total equivalente a um quinto da representação popu lar Os Territórios elegerão dois Deputados 3o Os Deputados das profissões serão eleitos na forma da lei ordinária por sufrágio indireto das associações profissionais compreendidas para esse efeito com os grupos afins respectivos nas quatro divisões seguintes lavoura e pecuária indústria comércio e transportes profissões libe rais e funcionários públicos 4o O total dos Deputados das três primeiras ca tegorias será no mínimo de seis sétimos da re presentação profissional distribuídos igualmente entre elas dividindose cada uma em círculos Flávia Lages de Castro 634 Diário Oficial da União de 17071934 apud CAMPANHOLE Adriano CAMPANHOLE Hilton Lobo Constituições do Brasil 6 ed São Paulo Atlas 1983 p 562 correspondentes ao número de Deputados que lhe caiba dividido por dois a fim de garantir a re presentação igual de empregados e de emprega dores O número de círculos da quarta categoria corresponderá ao dos seus Deputados Permanece como na Constituição de 1891 a imunidade parlamen tar chegando ao caso de mesmo com prisão em flagrante o presidente da Câmara ter que autorizar a formação de culpa mesmo para crimes comuns Art 31 Os Deputados são invioláveis por suas opiniões palavras e votos no exercício das fun ções do mandato Art 32 Os Deputados desde que tiverem recebido diploma até a expedição dos diplomas para a legislatura subseqüente não poderão ser processados criminalmente nem presos sem licença da Câmara salvo caso de flagrância em crime inafiançável Esta imunidade é extensiva ao suplente imediato do Deputado em exercício 1o A prisão em flagrante de crime inafiançável será logo comunicada ao Presidente da Câmara dos Deputados com a remessa do auto e dos depoimentos tomados para que ela resolva sobre a sua legitimidade de conveniência e autorize ou não a formação da culpa Ao Senado Federal é dado a incumbência de zelar pela Constitui ção e coordenar os Poderes Art 88 Ao Senado Federal nos termos dos arts 90 91 e 92 incumbe promover a coordenação dos poderes federais entre si manter a continuidade administrativa velar pela Constituição colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos da sua competência Art 89 O Senado Federal comporseá de dois representantes de cada Estado e do Distrito Federal eleitos mediante sufrágio universal igual e direto por oito anos dentre brasileiros natos alistados eleitores e maiores de 35 anos Nesse sentido caberia ao Senado não somente aprovar a nomeação de magistrados colaborar na feitura de leis mas também suspender leis declaradas inconstitucionais pelos tribunais Art 90 São atribuições privativas do Senado Federal a aprovar mediante voto secreto as nomeações de magistrados nos casos previstos na Cons tituição as dos ministros do Tribunal de Contas a do ProcuradorGeral da República bem como as designações dos chefes de missões diplomáticas no exterior b autorizar a intervenção federal nos Estados no caso do art 12 no III e os empréstimos externos dos Estados do Distrito Federal e dos municípios c iniciar os projetos de lei a que se refere o art 41 3o d suspender exceto nos casos de intervenção decretada a concentração de força federal nos Estados quando as necessidades de ordem pú blica não a justifiquem Art 91 Compete ao Senado Federal II examinar em confronto com as respectivas leis os regulamentos expedidos pelo Poder Exe cutivo e suspender a execução dos dispositivos ilegais III propor ao Poder Executivo mediante recla mação fundamentada dos interessados a revogação de atos das autoridades adminis trativas quando praticados contra a lei ou eivados de abuso de poder IV suspender a execução no todo ou em parte de qualquer lei ou ato deliberação ou regula mento quando hajam sido declarados inconstitu cionais pelo Poder Judiciário VII rever os projetos de código e de conso lidação de leis que devam ser aprovados em globo pela Câmara dos Deputados 26 Poder Judiciário A Constituição de 1934 estabeleceu como órgãos do Poder Ju diciário Art 63 São órgãos do Poder Judiciário a a Corte Suprema b os juízes e tribunais federais c os juízes e tribunais militares d os juízes e tribunais eleitorais Com garantias que resguardam a autonomia do judiciário Art 64 Salvas as restrições expressas na Cons tituição os juízes gozarão das garantias seguintes a vitaliciedade não podendo perder o cargo senão em virtude de sentença judiciária exo neração a pedido ou aposentadoria a qual será compulsória aos 75 anos de idade ou por motivo de invalidez comprovada e facultativa em razão de serviços públicos prestados por mais de trinta anos e definidos em lei b inamovibilidade salvo remoção a pedido por promoção aceita ou pelo voto de dois terços dos juízes efetivos do tribunal superior competente em virtude de interesse público c irredutibilidade de vencimentos os quais ficam todavia sujeitos aos impostos gerais Parágrafo único A vitaliciedade não se esten derá aos juízes criados por lei federal com funções limitadas ao preparo dos processos e à substituição de juízes julgadores Foi criada a Corte Suprema em substituição ao Supremo Tribunal Federal Art 73 A Corte Suprema com sede na Capital da República e jurisdição em todo o território nacional compõese de onze ministros Art 74 Os ministros da Corte Suprema serão nomeados pelo Presidente da República com aprovação do Senado Federal dentre brasileiros natos de notável saber jurídico e reputação ilibada alistados eleitores não devendo ter salvo os magistrados menos de 35 nem mais de 65 anos de idade Essa Corte seria responsável por uma das grandes inovações da Constituição de 1934 a ação direta de inconstitucionalidade Art 79 É criado um tribunal cuja denominação e organização a lei estabelecerá composto de juízes nomeados pelo Presidente da República na forma e com os requisitos determinados no art 74 Parágrafo único Competirá a esse tribunal nos termos que a lei estabelecer julgar privativa e definitivamente salvo recurso voluntário para a Corte Suprema nas espécies que envolverem matéria constitucional Art 96 Quando a Corte Suprema declarar in constitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental o ProcuradorGeral da República comunicará a decisão ao Senado Federal para os fins do art 91 no IV e bem assim à autoridade legislativa ou executiva de que tenha emanado a lei ou o ato Mas esta não era uma atribuição exclusiva da Corte Suprema O controle de constitucionalidade poderia também ser exercido pelo Presidente da República Art 45 Quando o Presidente da República julgar um projeto de lei no todo ou em parte inconstitucional ou contrário aos interesses na cionais o vetará total ou parcialmente dentro de dez dias úteis a contar daquele em que o receber devolvendo nesse prazo e com os motivos do veto o projeto ou a parte vetada à Câmara dos Deputados O Ministério Público foi organizado e seus membros pela Carta de 34 obteriam o cargo por meio de concurso público Art 95 O Ministério Público será organizado na União no Distrito Federal e nos Territórios por lei federal e nos Estados pelas leis locais 3o Os membros do Ministério Público criados por lei federal e que sirvam nos juízos comuns serão nomeados mediante concurso e só perde rão os cargos nos termos da lei por sentença judiciária ou processo administrativo no qual lhes será assegurada ampla defesa A Justiça Eleitoral ficou estabelecida no artigo 82 Art 82 A Justiça Eleitoral terá por órgãos o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral na Capital da República um Tribunal Regional na capital de cada Estado na do Território do Acre e no Distrito Federal e juízes singulares nas sedes e com as atribuições que a lei designar além das juntas especiais admitidas no art 83 3o 27 Conselhos Técnicos A Era Vargas é o momento na história do Brasil em que o Corpora tivismo toma forma e fôlego Por essa ideologia que será explicada mais amiúde na última parte deste capítulo as questões importantes deve riam ser tratadas por técnicos afastados ao menos teoricamente de questões políticas Nesse sentido a Constituição de 1934 cria os Conselhos Técnicos Art 103 Cada ministério será assistido por um ou mais conselhos técnicos coordenados segun do a natureza dos seus trabalhos em conselhos gerais como órgãos consultivos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal 1o A lei ordinária regulará a composição o fun cionamento e a competência dos conselhos técnicos e dos conselhos gerais 2o Metade pelo menos de cada conselho será composta de pessoas especializadas estranhas aos quadros do funcionalismo do respectivo ministério 3o Os membros dos conselhos técnicos não per ceberão vencimentos pelo desempenho do cargo podendo porém vencer uma diária pelas ses sões a que comparecerem 4o É vedado a qualquer ministro tomar delibe ração em matéria da sua competência exclusiva contra o parecer unânime do respectivo con selho 28 O Voto e o Sistema Eleitoral A Constituição confirmou o Código Eleitoral de 1932 possibili tando o voto para maiores de 18 anos de ambos os sexos excluindo os analfabetos as praças os mendigos os que estivessem afastados de seus direitos políticos O documento indica ainda a obrigatoriedade do alistamento para todos os maiores de 18 anos do sexo masculino mas estende essa obrigatoriedade somente às mulheres que exercessem funções públicas remuneradas Art 108 São eleitores os brasileiros de um ou de outro sexo maiores de 18 anos que se alistarem na forma da lei Parágrafo único Não se podem alistar eleitores a os que não saibam ler e escrever b as praças de prêt salvo os sargentos do Exér cito e da Armada e das forças auxiliares do Exérci to bem como os alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial c os mendigos d os que estiverem temporária ou definitivamen te privados dos direitos políticos Art 109 O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres quando estas exerçam função pública remunerada sob as sanções e salvas às exceções que a lei de terminar 29 Garantias Individuais O artigo 113 da Constituição de 1934 descreve Direitos e Garantias Individuais Entre os pontos que merecem destaque estão a manu tenção do habeas corpus a proibição de foro privilegiado o mandado de segurança e com mais interesse em termos de garantias individuais em um país de pessoas sem condições financeiras estão os incisos 24 e 32 que iniciam ao menos em tese um caminho para a igualdade de fato na justiça que ainda não foi mesmo hoje totalmente coroada por Defensorias Públicas em plena capacidade em todos os estados no sentido de gratuidade635 Art 113 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabili dade dos direitos concernentes à liberdade à subsistência à segurança individual e à proprie dade nos termos seguintes 23 Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade por ilegalidade ou abuso de poder Nas transgressões disciplinares não cabe o habeas corpus 24 A lei assegurará aos acusados ampla defesa com os meios e recursos essenciais a esta 25 Não haverá foro privilegiado nem tribunais de exceção admitemse porém juízos especiais em razão da natureza das causas 26 Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente em virtude de lei anterior ao fato e na forma por ela pres crita 27 A lei penal só retroagirá quando beneficiar o réu 635 Nesse mesmo artigo há o inciso 36 que toca profundamente a autora deste livro já que afirma que Nenhum imposto gravará diretamente a profissão de escritor jornalista ou professor 28 Nenhuma pena passará da pessoa do delin qüente 29 Não haverá pena de banimento morte con fisco ou de caráter perpétuo ressalvadas quanto à pena de morte as disposições da legislação militar em tempo de guerra com país estran geiro 32 A União e os Estados concederão aos neces sitados assistência judiciária criando para esse efeito órgãos especiais e assegurando a isenção de emolumentos custas taxas e selos 33 Darseá mandado de segurança para a de fesa de direito certo e incontestável ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucio nal ou ilegal de qualquer autoridade O processo será o mesmo do habeas corpus devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público in teressada O mandado não prejudica as ações petitórias competentes 210 Trabalho Um dos principais motivos da queda da República Velha foi a mudança de parte dos trabalhadores brasileiros que tornandose ope rários urbanos exigiam muito mais que os rurais A Constituição de 1934 coroou as leis trabalhistas já existentes no sentido de darlhes força de lei constitucional mas apesar de representar um grande avanço não é possível deixar de notar que os trabalhadores rurais ainda a maioria do país não obtiveram nada apenas uma promessa constitucional no parágrafo 4o Art 121 A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho na cidade e nos campos tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País 1o A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade sexo nacionalidade ou estado civil b saláriomínimo capaz de satisfazer conforme as condições de cada região às necessidades normais do trabalhador c trabalho diário não excedente de oito horas reduzíveis mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei d proibição de trabalho a menores de 14 anos de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres a menores de 18 anos e a mulheres e repouso hebdomadário de preferência aos domingos f férias anuais remuneradas g indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa h assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante assegurado a esta descanso antes e depois do parto sem prejuízo do salário e do emprego e instituição de previdência mediante contribuição igual da União do empregador e do empregado a favor da velhice da invalidez da maternidade e nos casos de acidentes do traba lho ou de morte i regulamentação do exercício de todas as profissões j reconhecimento das convenções coletivas de trabalho 2o Para o efeito deste artigo não há distinção entre o trabalho manual e o trabalho intelectual ou técnico nem entre os profissionais respectivos 3o Os serviços de amparo à maternidade e à in fância os referentes ao lar e ao trabalho feminino assim como a fiscalização e a orientação res pectivas serão incumbidos de preferência a mulheres habilitadas 4o O trabalho agrícola será objeto de regula mentação especial em que se atenderá quanto possível ao disposto neste artigo Procurarseá fixar o homem no campo cuidar da sua educação rural e assegurar ao trabalhador nacional a preferência na colonização e aproveitamento das terras públicas 211 A Justiça do Trabalho Desde 1932 havia Comissões Mistas de Conciliação e Juntas de Conciliação de Julgamento que serão objeto de análise no último pon to deste capítulo que tinham por objetivo principal evitar os conflitos considerados extremamente danosos pelos políticos da época A Constituição de 1934 criou algo como um arremedo de outro nome das Juntas de Conciliação e chamou de Justiça do Trabalho Nas palavras de Rosalina Corrêa de Araújo esta justiça originariamente administrativa não foi contemplada com as prerrogativas e as garantias atribuídas aos órgãos do poder judiciário Na verdade apesar de lhe ter sido atribuída a denominação de justiça era uma préjustiça 636 Sequer estava a justiça do trabalho no capítulo do judiciário O método a ser utilizado por esta era jurisdicional mas nada mais tinha de justiça de fato E com isso apesar de legislar sobre o trabalho os legisladores tiraram do judiciário a competência para julgar casos acerca do que eles chamavam à época de legislação social Art 122 Para dirimir questões entre emprega dores e empregados regidas pela legislação so cial fica instituída a Justiça do Trabalho à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I Parágrafo único A constituição dos Tribunais do Trabalho e das Comissões de Conciliação obede cerá sempre ao princípio da eleição de seus mem bros metade pelas associações representativas dos empregados e metade pelas dos emprega dores sendo o presidente de livre nomeação do Governo escolhido dentre pessoas de experiên cia e notória capacidade moral e intelectual 212 Nacionalismo O período entre guerras foi para muitos países inclusive o Brasil uma época de encontro O país se tornava cada vez mais nacionalista 636 ARAÚJO Rosalina Corrêa O Estado e o Poder Judiciário no Brasil Rio de Janeiro Lumen Juris 2000 p 239 e como no mundo daquela época muitas vezes radicalmente nacio nalista Tanto assim o foi que a política de imigrações na década de 30 sofreu restrições proibiuse o ensino de línguas estrangeiras e a con centração de não brasileiros em uma mesma região Preconizouse a estatização de empresas estrangeiras e nacionais e no caso da Constituição de 1934 proibiuse que estrangeiros admi nistrassem ou possuíssem órgãos da mídia companhias marítimas e até mesmo impediuse que estrangeiros exercessem funções de profissionais liberais no país Art 131 É vedada a propriedade de empresas jornalísticas políticas ou noticiosas a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros Estes e as pessoas jurídicas não podem ser acio nistas das sociedades anônimas proprietárias de tais empresas A responsabilidade principal e de orientação intelectual ou administrativa da im prensa política ou noticiosa só por brasileiros na tos pode ser exercida A lei orgânica de imprensa estabelecerá regras relativas ao trabalho dos re datores operários e demais empregados asse gurandolhes estabilidade férias e aposen tadoria Art 132 Os proprietários armadores e coman dantes de navios nacionais bem como os tripu lantes na proporção de dois terços pelo menos devem ser brasileiros natos reservandose também a estes a praticagem das barras portos rios e lagos Art 133 Excetuados quantos exerçam legitima mente profissões liberais na data da Consti tuição e os casos de reciprocidade internacional admitidos em lei somente poderão exercêlas os brasileiros natos e os naturalizados que tenham prestado serviço militar ao Brasil não sendo per mitida exceto aos brasileiros natos a revalidação de diplomas profissionais expedidos por insti tutos estrangeiros de ensino Art 136 As empresas concessionárias ou os contratantes sob qualquer título de serviços pú blicos federais estaduais ou municipais deverão a constituir as suas administrações com maioria de diretores brasileiros residentes no Brasil ou delegar poderes de gerência exclusivamente a brasileiros b conferir quando estrangeiras poderes de re presentação a brasileiros em maioria com facul dade de substabelecimento exclusivamente a nacionais 213 Educação A Constituição de 1824 como visto no capítulo sobre o Império afirmava sem explicações ou indicações de como se faria que o ensino primário era dever do Estado A Constituição seguinte a primeira da República sequer tocou no assunto Nesta na de 34 a educação é tratada pela primeira vez ao menos no papel como algo que exige responsabilidade e aplicação da União dos Estados e Municípios Essa bondade que não necessariamente se traduziu de imediato em uma efetiva democratização do ensino básico no país não podemos contar com isso hoje pode ser explicada pelo fato de o Brasil estar passando por mudanças que necessitavam de uma maior escolaridade da mão de obra Lavradores não precisam saber nada que a escola formal pode lhes dar para auferir lucros ao seu patrão operários necessitam de um pouco mais de escolaridade formal nem que seja para não estragar as máquinas Já no artigo 5o a União toma para si a responsabilidade de traçar as diretrizes da educação nacional Mais adiante no artigo 149 há a afirmação lapidar de que a educação é direito de todos e dever da família e dos poderes públicos Art 149 A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes pú blicos cumprindo a estes proporcionála a bra sileiros e a estrangeiros domiciliados no País de modo que possibilite eficiente fatores da vida moral e econômica da Nação e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana Mas a Constituição indica também a competência específica da União Art 150 Compete à União a fixar o plano nacional de educação com preensivo do ensino de todos os graus e ramos comuns e especializados e coordenar e fiscalizar a sua execução em todo o território do País b determinar as condições de reconhecimento oficial dos estabelecimentos de ensino secun dário e complementar deste e dos institutos de ensino superior exercendo sobre eles a neces sária fiscalização c organizar e manter nos Territórios sistemas educativos apropriados aos mesmos d manter no Distrito Federal ensino secundário e complementar deste superior e universitário e exercer ação supletiva onde se faça neces sária por deficiência de iniciativa ou de recursos e estimular a obra educativa em todo o País por meio de estudos inquéritos demonstrações e subvenções Parágrafo único O plano nacional de educação constante de lei federal nos termos dos arts 5o item XIV e 39 no 8 letras a e e só se poderá renovar em prazos determinados e obedecerá às seguintes normas a ensino primário integral gratuito e de fre qüência obrigatória extensivo a adultos b tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário a fim de o tornar mais acessível c liberdade de ensino em todos os graus e ra mos observadas as prescrições da legislação federal e da estadual d ensino nos estabelecimentos particulares ministrados no idioma pátrio salvo o de línguas estrangeiras e limitação da matrícula à capacidade didática do estabelecimento e seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento ou por proces sos objetivos apropriados à finalidade de curso Indicando também o que é primordial de onde sairiam os re cursos para aplicação plena desses indicativos constitucionais Art 156 A União e os municípios aplicarão nunca menos de dez por cento e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manu tenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos Parágrafo único Para a realização do ensino nas zonas rurais a União reservará no mínimo vinte por cento das quotas destinadas à educação no respectivo orçamento anual Art 157 A União os Estados e o Distrito Federal reservarão uma parte dos seus patrimônios territoriais para a formação dos respectivos fundos de educação 1o As sobras das dotações orçamentárias acrescidas das doações percentagens sobre o produto de vendas de terras públicas taxas especiais e outros recursos financeiros constitui rão na União nos Estados e nos municípios es ses fundos especiais que serão aplicados ex clusivamente em obras educativas determinadas em lei 2o Parte dos mesmos fundos se aplicará em auxílio a alunos necessitados mediante forne cimento gratuito de material escolar bolsas de estudo assistência alimentar dentária e médica e para vilegiaturas637 Essa responsabilidade é dividida com as empresas que na previ são constitucional ao menos deveriam cuidar para a diminuição do analfabetismo Art 139 Toda empresa industrial ou agrícola fora dos centros escolares e onde trabalharem mais de cinqüenta pessoas perfazendo estas e os 637 Vilegiaturas recreios ou férias seus filhos pelo menos dez analfabetos será obrigada a lhes proporcionar ensino primário gratuito 214 Assistência do Estado e Casamento O Estado passou a ter mais responsabilidades pela Constituição de 1934 O assistencialismo baseado na afirmação da valorização da família é visto em vários artigos que indicam desde a responsabilidade da União Estados e Municípios para com os desvalidos e famílias de prole numerosa até a gratuidade do casamento Art 138 Incumbe à União aos Estados e aos municípios nos termos das leis respectivas a assegurar amparo aos desvalidos criando serviços especializados e animando os serviços sociais cuja orientação procurarão coordenar b estimular a educação eugênica c amparar a maternidade e a infância d socorrer as famílias de prole numerosa e proteger a juventude contra toda exploração bem como contra o abandono físico moral e intelectual f adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a mortalidade e a mor bidade infantis e de higiene social que impeçam a propagação das doenças transmissíveis g cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais Art 141 É obrigatório em todo o território na cional o amparo à maternidade e à infância para o que a União os Estados e os municípios destinarão um por cento das respectivas rendas tributárias Art 144 A família constituída pelo casamento indissolúvel está sob a proteção especial do Es tado Parágrafo único A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação do casamento ha vendo sempre recurso ex officio com efeito suspensivo No caso do casamento destacase a imposição de prova de sani dade física e mental para a efetivação do mesmo a previsão de des quite e a igualdade no caso de impostos para a herança de filhos naturais e legítimos Art 145 A lei regulará a apresentação pelos nu bentes de prova de sanidade física e mental ten do em atenção as condições regionais do País Art 146 O casamento será civil e gratuita a sua celebração O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa cujo rito não con trarie a ordem pública ou os bons costumes pro duzirá todavia os mesmos efeitos que o casa mento civil desde que perante a autoridade civil na habilitação dos nubentes na verificação dos impedimentos e no processo da oposição sejam observadas as disposições de lei civil e seja ele inscrito no registro civil O registro será gratuito e obrigatório A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento Parágrafo único Será também gratuita a habili tação para o casamento inclusive os documentos necessários quando o requisitarem os juízes criminais ou de menores nos casos de sua competência em favor de pessoas necessitadas Art 147 O reconhecimento dos filhos naturais será isento de quaisquer selos ou emolumentos e a herança que lhes caiba ficará sujeita a impostos iguais aos que recaíam sobre a dos filhos legítimos 215 A Mudança da Capital Como nas outras Constituições permanece a indicação de transferência da capital da Nação para um ponto central do país Assim indica o artigo 4o das Disposições Transitórias Art 4o Será transferida a Capital da União para um ponto central do Brasil O Presidente da República logo que esta Constituição entrar em vigor nomeará uma comissão que sob instruções do Governo procederá a estudos de várias localidades adequadas à instalação da Capital Concluídos tais estudos serão presentes à Câmara dos Deputados que escolherá o local e tomará sem perda de tempo as providências necessárias à mudança Efetuada esta o atual Distrito Federal passará a constituir um Estado 3 A Constituição de 1937 e a Ditadura Estadonovista 31 Antecedentes Depois da Constituição de 1934 o movimento tenentista des provido de ideologia coerente se esfacelou em seu lugar surgiram ten dências paralelas àquelas que começavam a se apresentar antagônicas na Europa PósGuerra o fascismo e o comunismo No Brasil comunistas e fascistas tentaram tomar o poder entre os anos de 1935 e 1936 sem êxito e sem fôlego Mas sua presença e sua possível embora não provável ameaça serviram sobremaneira aos intentos de Getúlio Vargas Para combater os revoltosos e aproveitandose da existência não muito ameaçadora destes Vargas decretou Estado de Sítio Todos os movimentos dos comunistas eram monitorados por Vargas através de informantes mas muitos deles não foram evitados para que existisse a possibilidade de criar pânico através de uma ameaça comunista que de fato não existia Isso ocorria porque o mandato presidencial que havia sido dado a Getúlio Vargas pelos constituintes de 33 expiraria em 1937 e a cam panha presidencial já havia começado Em uma tranquilidade beirando o absurdo Vargas articulou a candidatura de seu sucessor ao mesmo tempo em que com o Chefe do EstadoMaior General Góis Monteiro e do Ministro da Guerra General Dutra montava um golpe para perma necer no poder O Congresso Nacional sentindo as manobras de Vargas impedeo de renovar o Estado de Sítio Para forçar a situação surge em um passe de mágica um documento que continha um plano supostamente comunista que tinha por objetivo o assassinato de personalidades a fim de tomar o poder Era o Plano Cohen Parte desse documento forjado chegou a ser divulgada na imprensa para que ficasse claro que o país estaria em perigo e que Vargas e somente ele seria capaz de salvar o país de ameaça tão nefasta O Plano Cohen foi forjado nas dependências do EstadoMaior e sua redação demonstra um cuidado muito especial em causar o maior pavor possível na população Eis alguns trechos 1 2 Além disso é necessário criar nos meios revolucionários os reflexos necessários para a violência útil e completa em oposição à violência inútil e insuficiente A violência deve ser pla nificada deixando de lado qualquer sentimen talismo não só favorável aparentemente ao ideal revolucionário como também à piedade comum isso significa que certos indivíduos por exemplo devem ser eliminados só pelo fato de serem contrários à nossa revolução Especialmente no que se refere às Forças Ar madas quartéis ou navios é necessário no plano de ação descer ao detalhe mínimo cada oficial suspeito à revolução deverá ter um homem encarregado de sua eliminação eliminação essa que será feita sob pena de morte do encarregado na hora aprazada XVI Diretrizes para a ação prática 2 Técnica da greve moderna A técnica da greve moderna é baseada nos seguintes princípios d Sua execução deverá ser levada a efeito com o máximo de violência e instantaneidade 3o O comitê dos incêndios O comitê dos incêndios tem como missão fazer propagar incêndios em ponto desencontrados da cidade em uma ação tecnicamente combinada e dirigida a fim de além de aumentar a confusão necessária ao movimento dividir o Corpo de Bombeiros e outros contingentes militares que os governos das cidades serão obrigados a utilizar para acudir aos focos de incêndios ateados Esse comitê que será de um por cidade ao máximo de dois por grande cidade terá os seus subcomitês em cada bairro subcomitês que terão perfei tamente articuladas as suas tropas de execução Essas tropas serão constituídas por um número bem restrito de homens e estes dispostos e resolutos e dotados de material próprio para agir com rapidez estopas líquidos incendiários granadas incendiárias e serão transportadas em automóveis rápidos O comitê central organizará o plano de incêndios tendo em conta a seguinte regra a em cada rua principal do bairro deverá ser ateado fogo a um prédio no mínimo b sempre que possível de preferência uma re partição pública federal estadual ou municipal existente em rua que não seja guardada por policial c na falta de qualquer destes prédios escolher qualquer edifício particular de preferência sem pre o maior e o mais importante 4 Ação das massas civis b nos bairros elegantes e plutocratas as mas sas deverão ser conduzidas aos saques e às de predações nada poupando para aumentar cada vez mais a sua excitação que deve ser mesmo conduzida a um sentido nitidamente sexual a fim de atraílas com facilidade convencidas de que todo aquele luxo que as rodeia prédios elegan tes carros de luxo mulheres etc constituem um insulto à sua sordidez e falta de conforto e que chegou a hora de tudo aquilo lhes pertencer sem que haja o fantasma do Estado para lhe tomar conta c as delegacias prisões xadrezes etc serão abertos e soltos todos os presos sem distinção de sua qualidade XVII Ação militar A cada batalhão do Exército deverá ser assinada uma missão a cumprir desde que a mesma uni dade vitoriosos os nossos esteja libertada sairá ao cumprimento dessa missão A missão mais comum será a de ataque às unidades onde ainda não conseguimos o controle de preferência sempre a mais próxima O conjunto de metralhadoras com a missão acima descrita constitui o que denominamos plano de fogo fixo O sistema para a realização é baseado no seguinte a o alcance das metralhadoras portáteis tipo policial e com precisão até seiscentos metros b desde que uma arma semelhante atire pelo eixo de uma rua toda essa rua estará barrada pelo fogo c tomase a carta cadastral da cidade onde se vai operar assinalase na mesma com um traço vermelho os edifícios e quartéis que querem bar rar verificase então em que pontos devem ser colocadas as armas para atirando segundo o eixo da rua ou das ruas barrar inteiramente a saída ou entrada do edifício dessa maneira ficam deter minadas as quadras nas quais se vão escolher os edifícios para a colocação das armas XVIII Os reféns No plano de violências deverão figurar como já foi dito atrás os homens a serem eliminados e o pessoal encarregado dessa missão Todavia tão importantes quanto esses serão os reféns que em caso de fracasso parcial servirão para colocar em xeque as autoridades Serão reféns os ministros de Estado presidente do Supremo Tribunal e os presidentes da Câmara e Senado bem como nas demais cidades duas ou três autoridades ou pessoas gradas A técnica para a colheita de reféns será a seguinte os raptos de verão ser executados em pleno dia nas próprias residências que serão invadidas por grupos de 3 a 5 homens dispostos e bem armados e munidos de narcóticos violentos clorofórmio éter em pas tas de algodão empapadas e serão transporta das para pontos secretos e inatingíveis com a absoluta segurança Em caso de fracasso pro ceder ao fuzilamento dos reféns No dia 10 de novembro de 1937 sob o argumento da necessidade de se colocar fim às agitações Vargas decretou o fechamento do Congresso e anunciou uma nova constituição A gravidade da situação está na consciência de todos os brasileiros Era necessário e urgente optar pela continuação deste estado de coisas ou pela continuação do Brasil Entre a existência nacional e a situação de caos de irresponsabili dade e desordem em que nos encontrávamos não podia haver meio termo ou contemporização Quando as competições políticas ameaçam degenerar em guerra civil é sinal que o regime constitucional perdeu o seu valor prático subsistindo apenas como abstração A tanto havia chegado o país A complicada máquina de que dispunha para governarse não funcionava Não existiam órgãos apropriados através dos quais pudesse exprimir os pronunciamentos da sua inteligência e os decretos da sua vontade Restauremos a Nação na sua autoridade e liberdade de ação na sua autoridade dandolhe os instrumentos de poder real e efetivo com que possa sobreporse às influências desagregado ras internas ou externas na sua liberdade abrin do o plenário do julgamento nacional sobre os meios e os fins do Governo e deixandoa construir livremente a sua história e o seu destino A Constituição já estava pronta tendo sido elaborada por Francisco Campos que viria a ser o Ministro da Justiça no Estado Novo nome dado à Ditadura de Vargas pelo menos desde o dia 7 de novembro Assim descreve Vargas em seu diário nesse dia Recebi o deputado João Neves os ministros do trabalho Fazenda Guerra e Exterior o sena dor Macedo Soares e por fim o dr Francisco Campos que trouxe já prontos o projeto da nova Constituição e a proclamação a ser lida redigida por ele de acordo com o esboço que fiz e as notas que lhe forneci 638 No início de dezembro todos os partidos são extintos por decreto Começava um período terrível na história política e legal do país Em uma ditadura a legalidade e a justiça são supérfluos Nas palavras de Afonso Arinos de Melo Franco O regime insta lado a 10 de novembro era por suas origens e seus fins incompatível com partidos políticos A imprensa dirigida a propaganda oficial do rádio a opinião ortodoxa dos magnatas do Estado Novo manifestavam se unânimes em atribuir às disputas partidárias uma porção de relevo nas desgraças nacionais639 Portanto decretouse o fim dos partidos O Presidente da República usando da atribuição que lhe confere o art 180 da Constituição de 1937 Considerando que ao promulgarse a Constitui ção em vigor se teve em vista além de outros objetivos instituir um regime de paz social e de ação política construtiva Considerando que o sistema eleitoral então vi gente inadequado às condições da vida nacional e baseado em artificiosas combinações de caráter jurídico e formal fomentava a proliferação de par tidos com o fito único e exclusivo de dar às can didaturas e cargos eletivos aparência de legi timidade Considerando que a multiplicidade de arregi mentações partidárias com objetivos meramente 638 VARGAS Getúlio Op cit p 82 v 2 639 FRANCO Afonso Arinos de Melo História e teoria dos partido políticos no Brasil 3 ed São Paulo AlfaÔmega 1980 p 74 eleitorais ao invés de atuar como fator de es clarecimento e disciplina da opinião serviu para criar uma atmosfera de excitação e desassossego permanentes nocivos à tranqüilidade pública e sem correspondência nos reais sentimentos do povo brasileiro Considerando além disso que os partidos polí ticos até então existentes não possuíam conteúdo programático nacional ou esposavam ideologias e doutrinas contrárias aos postulados do novo regime pretendendo a transformação radical da ordem social alterando a estrutura e ameaçando as tradições do povo brasileiro em desacordo com as circunstâncias reais da sociedade política e civil Considerando que o novo regime fundado em nome da Nação para atender às suas aspirações e necessidades deve estar em contato direto com o povo sobreposto às lutas partidárias de qual quer ordem independendo da consulta de agru pamentos partidos ou organizações ostensiva ou disfarçadamente destinados à conquista do poder público Decreta Art 1o Ficam dissolvidos nesta data todos os partidos políticos 1o São considerados partidos políticos para os efeitos desta lei todas as arregimentações par tidárias registradas nos extintos Tribunal Supe rior e Tribunais Regionais da Justiça Eleitoral as sim como as que embora não registradas em 10 de novembro do corrente ano já tivessem re querido o seu registro 2o São igualmente atingidas pela medida cons tante deste artigo as milícias cívicas e organi zações auxiliares dos partidos políticos sejam quais forem os seus fins e denominações Art 2o E vedado o uso de uniformes estandartes distintivos e outros símbolos dos partidos políti cos e organizações auxiliares compreendidos no art 1o Art 3o Fica proibida até a promulgação da lei eleitoral a organização de partidos políticos seja qual for a forma de que se revista a sua cons tituição ainda que de sociedades civis destina das ostensivamente a outros fins uma vez se verifique haver na organização o propósito pró ximo ou remoto de transformála em instrumento de propaganda de idéias políticas Art 4o Aos partidos políticos compreendidos no art 1o é permitido continuarem a existir como so ciedade civil para fins culturais beneficentes ou desportivos desde que o não façam com a mes ma denominação com que se registraram como partidos políticos Art 6o As contravenções a esta lei serão punidas com pena de prisão de dois a quatro meses e multa de cinco a dez contos de réis O julgamento será da competência do Tribunal de Segurança Nacional e o processo a ser organiza do no regimento interno do mesmo Tribunal seguirá o rito sumaríssimo 640 32 A Constituição de 1937 A instauração do Estado Novo e da caracterização de uma dita dura baseada em uma Constituição que não necessariamente foi cumprida apesar de dar meios supranecessários para a centralização do poder nas mãos de Vargas pode parecer estranho mas é justificável pela ideologia da época que fez com que até Pontes de Miranda em um primeiro momento tenha considerado o golpe e a Constituição co mo legítimos como uma retomada de poder por parte do presidente641 No Estado Novo construiuse o mito da nação e do povo buscando tornar o país uma nação integrada eliminando os entraves regionais Identificando nação e povo como um corpo unido ao ditador passava se a imagem de que finalmente o povo havia tomado o poder 640 O Tribunal de Segurança Nacional será analisado mais adiante 641 LIMONGI Dante Braz Op cit p 125 A Constituição de 1937 também chamada de Polaca por sua identificação com a Carta Polonesa de 1935 sofreu também influência da Constituição portuguesa de 1933 da italiana fascista Carta Del Lavoro e da Castilhista de 1891 Em uma visão geral dessa Constituição podemos afirmar que tem uma característica que se destaca Sua redação é extremamente direta chegando inclusive a unir vários princípios em um só artigo Podemos considerar o exemplo dos seguintes artigos Art 1o O Brasil é uma República O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bemestar da sua honra da sua independência e da sua prosperidade Art 8o A cada Estado caberá organizar os ser viços do seu peculiar interesse e custeálos com seus próprios recursos Parágrafo único O Estado que por três anos consecutivos não arrecadar receita suficiente à manutenção dos seus serviços será transformado em território até o restabelecimento de sua capacidade financeira Seu tamanho também é menor que a de 1934 e se seguirmos à risca suas próprias palavras foi uma Constituição provisória sempre não entrando em pleno vigor visto que pelo artigo 187 ela deveria ser aprovada em um plebiscito que jamais aconteceu 321 A Justificativa da Constituição Como uma Constituição imposta feita sob encomenda e outor gada no dia e através de um golpe de Estado esta teve a necessidade de um preâmbulo que não tem razão de ser em Constituições legítimas e democráticas elaboradas por Assembleia Constituinte Como que para eliminar o incômodo de impor algo que jamais deveria sêlo Vargas e os que estavam ao seu lado assim justificaram essa nova Constituição Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários que uma notória propaganda dema gógica procura desnaturar em luta de classes e da extremação de conflitos ideológicos ten dentes pelo seu desenvolvimento natural a resolverse em termos de violência colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil Atendendo ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista que se torna diaadia mais extensa e mais profunda exigindo remédios de caráter radical e permanente Atendendo a que sob as instituições anteriores não dispunha o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz da segurança e do bemestar do povo Com o apoio das Forças Armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas Resolve assegurar à Nação a sua unidade o respeito a sua honra e a sua independência e ao povo brasileiro sob um regime de paz política e social as condições necessárias à sua segurança ao seu bemestar e à sua prosperidade 322 Uma Constituição de Ditadura Todo Poder ao Executivo Federal Para a Constituição de 1937 embora houvesse a afirmação que o poder emanaria do povo este era representado exclusivamente pelo Presidente da República que é descrito como a autoridade suprema do Estado Há que se destacar também que nessa Constituição não há separação de Poderes Art 73 O Presidente da República autoridade suprema do Estado coordena a atividade dos órgãos representativos de grau superior dirige a política interna e externa promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do País Esse Presidente obviamente Getúlio Vargas manterseia no poder conforme o artigo 175 até que fosse realizado o plebiscito que nunca ocorreu Art 175 O primeiro período presidencial come çará na data desta Constituição O atual Presi dente da República tem renovado o seu mandato até a realização do plebiscito a que se refere o artigo 187 terminando o período presidencial fixado no art 80 se o resultado do plebiscito for favorável à Constituição O Executivo Federal interferia diretamente nos estados mediante escolha e nomeação de interventores Art 9o O Governo Federal intervirá nos Estados mediante a nomeação pelo Presidente da Repú blica de um interventor que assumirá no Estado as funções que pela sua Constituição competi rem ao Poder Executivo ou as que de acordo com as conveniências e necessidades de cada caso lhes forem atribuídas pelo Presidente da Re pública E pelas Disposições Transitórias essa intervenção iniciavase imediatamente Art 176 O mandato dos atuais governadores dos Estados uma vez confirmado pelo Presidente da República dentro de trinta dias da data desta Constituição se entende prorrogado para o pri meiro período de governo a ser fixado nas Cons tituições estaduais Esse período se contará da data desta Constituição não podendo em caso al gum exceder o aqui fixado ao Presidente da República Parágrafo único O Presidente da República de cretará a intervenção nos Estados cujos gover nadores não tiveram o seu mandato confirmado A intervenção durará até a posse dos governa dores eleitos que terminarão o primeiro período de governo fixado nas Constituições estaduais O Poder Legislativo também ficaria nas mãos do Presidente visto que em havendo Congresso este poderia autorizar o presidente a governar por decretoslei Art 12 O Presidente da República pode ser autorizado pelo Parlamento a expedir decretos lei mediante as condições e nos limites fixados pelo ato de autorização Art 13 O Presidente da República nos períodos de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos Deputados poderá se o exigirem as necessidades do Estado expedir decretoslei sobre as matérias de competência legislativa da União excetuadas as seguintes a modificações à Constituição b legislação eleitoral c orçamento d impostos e instituição de monopólios f moeda g empréstimos públicos h alienação e oneração de bens imóveis da União Parágrafo único Os decretoslei para serem ex pedidos dependem de parecer do Conselho de Economia Nacional nas matérias da sua com petência consultiva Entretanto levando em consideração o plebiscito que nunca acon teceu o Legislativo federal estadual e municipal durante a Dita dura Varguista jamais existiu porque assim indicava o artigo 178 das Disposições Transitórias da Constituição de 1937 Art 178 São dissolvidos nesta data a Câmara dos Deputados o Senado Federal as Assem bléias Legislativas dos Estados e as Câmaras municipais As eleições ao Parlamento Nacional serão marcadas pelo Presidente da República depois de realizado o plebiscito a que se refere o art 187 Mas caso tivesse existido seria interessante A Constituição pre via uma Câmara de Deputados mas não um Senado Este último seria substituído por um Conselho Federal composto por representantes do Estado escolhidos pelas Assembleias Legislativas Estaduais sob o veto do governador nomeado e mais dez pessoas indicadas pelo Presidente da República Art 50 O Conselho Federal compõese de re presentantes dos Estados e dez membros nomea dos pelo Presidente da República A duração do mandato é de seis anos Parágrafo único Cada Estado pela sua Assem bléia Legislativa elegerá um representante O governador do Estado terá o direito de vetar o nome escolhido pela Assembléia em caso de veto o nome vetado só se terá por escolhido definitivamente se confirmada a eleição por dois terços de votos da totalidade dos membros da Assembléia Art 55 Compete ainda ao Conselho Federal a aprovar nomeações de ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas dos representantes diplomáticos exceto os enviados em missão extraordinária Assim o Poder Legislativo seria composto pela Câmara pelo Con selho e para uma ingerência mais objetiva pelo próprio Presidente Art 38 O Poder Legislativo é exercido pelo Par lamento Nacional com a colaboração do Conse lho da Economia Nacional e do Presidente da República daquele mediante parecer nas maté rias da sua competência consultiva e deste pela iniciativa e sanção dos projetos de lei e promul gação dos decretoslei autorizados nesta Consti tuição 1o O Parlamento Nacional compõese de duas Câmaras a Câmara dos Deputados e o Conselho Federal Portanto no âmbito federal e estadual o controle estava nas mãos do Presidente Da mesma forma no município já que os prefeitos eram indicados pelos governadores nomeados pelo Presidente Art 27 O prefeito será de livre nomeação do go vernador do Estado 323 O Conselho da Economia Nacional Tendo por base o corporativismo642 sob inspiração do regime fascista italiano e da já citada Carta Del Lavoro a Constituição de 1937 criou o Conselho da Economia Nacional composto por representantes da produção indicados por associações profissionais e sindicatos reconhecidos com representação paritária de empregados sob a presidência de um ministro O Conselho tinha por função oferecer uma acessória técnica objetivando o desejo corporativista de colaboração das classes através da racionalização da economia e da promoção do desenvolvimento técnico Dessa forma a economia também teria interferência direta e constante do Estado Art 61 São atribuições do Conselho da Eco nomia Nacional a promover a organização corporativa da eco nomia nacional b estabelecer normas relativas à assistência prestada pelas associações sindicatos ou insti tutos c editar normas reguladoras dos contratos cole tivos de trabalho entre os sindicatos da mesma categoria da produção ou entre associações representativas de duas ou mais categorias d emitir parecer sobre todos os projetos de ini ciativa do Governo ou de qualquer das Câmaras que interessem diretamente à produção nacional e organizar por iniciativa própria ou proposta do Governo inquérito sobre as condições do tra balho da agricultura da indústria do comércio dos transportes e do crédito com o fim de 642 Conferir a última parte deste Capítulo incrementar coordenar e aperfeiçoar a produção nacional f preparar as bases para a fundação de institutos de pesquisa que atendendo à diversidade das condições econômicas geográficas e sociais do País tenham por objeto I racionalizar a organização e administração da agricultura e da indústria II estudar os problemas do crédito da distri buição e da venda e os relativos à organização do trabalho g emitir parecer sobre todas as questões rela tivas à organização e reconhecimento dos sin dicatos ou associações profissionais h propor ao Governo a criação de corporações de categorias 324 O Poder Judiciário O Supremo Tribunal Federal voltou a ter esse nome entretanto suas atribuições ficaram maculadas pela própria conjuntura de ditadura Do mesmo modo todo o judiciário brasileiro O poder do Presidente da República implicava inclusive na quase impossibilidade do Supremo Tribunal Federal com seus integrantes escolhidos pelo chefe da Nação julgar inconstitucionalidade de lei advinda deste Art 96 Só por maioria absoluta de votos da tota lidade dos seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade da lei ou de ato do Presidente da República Parágrafo único No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que ao juízo do Presidente da República seja necessária ao bem estar do povo à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta poderá o Presidente da República submetêla novamente ao exame do Parlamento se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras ficará sem efeito a decisão do Tribunal 325 Voto Um país sem partido com o poder concentrado de forma objetiva nas mãos de um presidente nunca eleito manteve na Constituição de 1937 as características anteriores para o eleitor Estas somente foram aplicadas nas eleições para vereadores mesmo assim com exceções Art 117 São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo maiores de dezoito anos que se alistarem na forma da lei Parágrafo único Não podem alistarse eleitores a os analfabetos b os militares em serviço ativo c os mendigos d os que estiverem privados temporária ou defi nitivamente dos direitos políticos 326 Os Direitos e Garantias Individuais Esse capítulo da Constituição de 1937 é muito interessante até pelo tanto que não foi cumprido e se o fosse o país teria nesse perío do mantido o Estado de Direito e não passado por uma Ditadura Art 122 A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade à segurança individual e à proprie dade nos termos seguintes 1 Todos são iguais perante a lei 2 Todos os brasileiros gozam do direito de livre circulação em todo o território nacional podendo fixarse em qualquer dos seus pontos aí adquirir imóveis e exercer livremente a sua atividade 3 Os cargos públicos são igualmente acessíveis a todos os brasileiros observadas as condições de capacidade prescritas nas leis e regulamentos 4 Todos indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto asso ciandose para esse fim e adquirindo bens observadas as disposições do direito comum as exigências da ordem pública e dos bons cos tumes 5 Os cemitérios terão caráter secular adminis trados pela autoridade municipal 6 A inviolabilidade do domicílio e de correspon dência salvas as exceções expressas em lei 7 O direito de representação ou petição perante as autoridades em defesa de direitos ou do interesse geral 8 A liberdade de escolha de profissão ou do gê nero de trabalho indústria ou comércio obser vadas as condições de capacidade e as restrições impostas pelo bem público nos termos da lei 9 A liberdade de associação desde que os seus fins não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes 10 Todos têm direito de reunirse pacificamente e sem armas As reuniões a céu aberto podem ser submetidas à formalidade de declaração poden do ser interditadas em caso de perigo imediato para a segurança pública 11 À exceção de flagrante delito a prisão não poderá efetuarse senão depois de pronúncia do indiciado salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade compe tente Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada senão pela autoridade com petente em virtude de lei na forma por ela regulada a instrução criminal será contraditória asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa 12 Nenhum brasileiro poderá ser extraditado por governo estrangeiro643 Nesse artigo referente a Garantias Individuais há os casos em que seriam aplicadas as penas de morte Se bem que em uma ditadura é mais simples desaparecer com a pessoa que processála Artigo 122 13 Não haverá penas corpóreas perpétuas As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova 643 A filha de um brasileiro Carlos Prestes ainda na barriga de sua mãe foi enviada a um campo de concentração nazista não se aplicam aos fatos anteriores Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra a lei poderá prescrever a pena de morte para os seguintes crimes a tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro b tentar com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de caráter inter nacional contra a unidade da Nação procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania c tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional desde que para reprimilo se torne necessário proceder a operações de guerra d tentar com auxílio ou subsídio de Estado es trangeiro ou organização de caráter interna cional a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição e tentar subverter por meios violentos a ordem política e social com o fim de apoderarse do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social f o homicídio cometido por motivo fútil ou com extremos de perversidade E já não fossem suficientes esses motivos para aplicarse a pena de morte o governo ditatorial de Vargas acrescentou sem retirar ne nhum algumas situações a mais nas quais se poderia aplicar a pena capital Esse acréscimo foi efetivado pela Lei Institucional no 1 de 16 de maio de 1938 que incluía além dos constitucionalmente indicados mais os delitos f a insurreição armada contra os poderes do Estado assim considerada ainda que as armas se encontrem em depósito g praticar atos destinados a provocar a guerra civil se esta sobrevém em virtude deles h atentar contra a segurança do Estado prati cando devastação saque incêndio depredação ou quaisquer atos destinados a suscitar terror i atentar contra a vida a incolumidade ou a li berdade do Presidente da República O mesmo artigo 122 lembrando que intitulado de Direito e Garantias Individuais indicava o poder do Estado sobre a mídia Posteriormente Vargas criou o Departamento de Imprensa e Pro paganda DIP com o intuito de não somente censurar a imprensa como também guiar jornais rádios e apresentações de teatro no sentido de somente apresentarem fatos positivos do governo 15 Todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento oralmente por escrito impresso ou por imagens mediante as condições e nos limites prescritos em lei A lei pode prescrever a com o fim de garantir a paz a ordem e a segurança pública a censura prévia da imprensa do teatro do cinematógrafo da radiodifusão facultando à autoridade competente proibir a circulação a difusão ou a representação b medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes assim as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude c providências destinadas à proteção do interesse público bemestar do povo e segurança do Estado A imprensa regularseá por lei especial de acordo com os seguintes princípios a a imprensa exerce uma função de caráter público b nenhum jornal pode recusar a inserção de comunicados do Governo nas dimensões taxa das em lei c é assegurado a todo cidadão o direito de fazer inserir gratuitamente nos jornais que o infama rem ou injuriarem resposta defesa ou retificação d é proibido o anonimato e a responsabilidade se tornará efetiva por pena de prisão contra o diretor responsável e pena pecuniária aplicada à empresa f as máquinas caracteres e outros objetos tipo gráficos utilizados na impressão do jornal cons tituem garantia do pagamento da multa repa ração ou indenização e das despesas com o processo nas condenações pronunciadas por delito de imprensa excluídos os privilégios eventuais derivados do contrato de trabalho da empresa jornalística com os seus empregados A garantia poderá ser substituída por uma caução depositada no princípio de cada ano e arbitrada pela autoridade competente de acordo com a natureza a importância e a circulação do jornal O artigo seguinte sob o mesmo título coroa a excêntrica forma de dar garantias e direitos aos indivíduos Por este todos os direitos assegurados no artigo anterior estão condicionados ao bem público à paz e todas essas palavras que têm sentido obscuro quando pro feridas com intenções ainda menos claras Art 123 A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e direitos resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público as necessidades da defesa do bem estar da paz e da ordem coletiva bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição 327 Educação e Família Enquanto a Constituição anterior dava ao Estado a obrigação direta para com a educação esta indica ser a responsabilidade da família entrando o Estado como colaborador Mas no interesse do as sistencialismo do governo populista mantémse a obrigação do governo em colaborar com as famílias numerosas Art 124 A família constituída pelo casamento indissolúvel está sob a proteção especial do Es tado Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção dos seus encargos Art 125 A educação integral da prole é o pri meiro dever e o direito natural dos pais O Estado não será estranho a esse dever colaborando de maneira principal ou subsidiária para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular Art 127 A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado que tomará todas as medidas destinadas a assegurarlhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvi mento das suas faculdades O abandono moral intelectual ou físico da in fância e a juventude importará falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação e cria ao Estado o dever de provêlas de conforto e dos cuidados indispensáveis à sua preservação física e moral Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole Em termos de novidade no tocante à família está a igualdade dada a filhos legítimos e naturais mas sem indicar os meios pelos quais isso seria feito já que o Código Civil de 1916 em vigor não os tratava de maneira igual Art 126 Aos filhos naturais facilitandolhes o recolhimento a lei assegurará igualdade com os legítimos extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a estes incumbem aos pais São incluídos também em currículo obrigatório para escolas primárias a educação física o ensino chamado cívico e o de trabalho Esses elementos curriculares são apresentados também em todos os países de características fascistas Art 131 A educação física o ensino cívico e o de trabalhos normais serão obrigatórios em todas as escolas primárias normais e secundárias não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que satisfaça aquela exigência 328 Trabalho Foram mantidas as leis relativas ao trabalho Esse ponto não foi maculado pela ditadura mesmo porque esta se aproveitava da mani pulação das massas trabalhadoras urbanas para permanecer no poder Entretanto os sindicatos foram cada vez mais subordinados aos interesses e ao controle do Estado Depois de instaurado o Estado Novo e sua Constituição o trabalho de controle dos sindicatos chegou a seu auge com a instituição do Imposto Sindical um dia de trabalho por ano a ser cobrado compulsoriamente de todo trabalhador Esse imposto era recolhido pelo Ministério do Trabalho que o redistribuía conforme sua vontade ou seja quanto mais um sindicato era subserviente maior a quantia que recebia Art 138 A associação profissional ou sindical é livre Somente porém o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de re presentação legal dos que participarem da categoria de produção para que foi constituído e de defenderlhes os direitos perante o Estado e as outras associações profissionais estipular con tratos coletivos de trabalhos obrigatórios para todos os seus associados imporlhes contribui ções e exercer em relação a eles funções delegadas de poder público A Justiça do Trabalho também se manteve sob controle Não era considerada como parte do Judiciário era apenas como na Cons tituição de 34 uma junta de conciliação Art 139 Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados re guladas na legislação social é instituída a justiça do trabalho que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência ao recrutamento e às prerrogativas da justiça comum 33 O Código Penal de 1940 e o Código de Processo de 1941 Após a instalação do Estado Novo o Ministro da Justiça o autor da Constituição de 1937 Francisco Campos incumbiu Alcântara Machado de elaborar um projeto de Código Penal O que estava em uso era um Consolidação das Leis Penais elaborada em 1932 O Projeto definitivo foi entregue em abril de 1940 ao todo com 390 artigos mas não foi transformado em lei porque passou antes pela revisão de uma comissão que modificou muitos de seus pontos Assim o Código Penal de 1940 que foi sancionado pelo Decreto no 2848 de 7 de dezembro entrando em vigor no dia 1o de janeiro de 1942 acabou resultando de uma mistura entre o Projeto de Alcântara Machado e da Comissão644 Na análise dos doutrinadores atuais baseados na exposição de motivos do próprio texto o Código Penal de 1940 acabou por se apresentar como uma superposição do pensamento neoclássico e o positivismo E segundo Aníbal Bruno esse Código teria se filiado à corrente de política criminal Uma legislação que ao lado da concepção obje tiva do crime acolhe a sua concepção sintomá tica conduzindo ao dualismo culpabilidadepena perigosidade criminalmedida de segurança mas fazendo sentirse no Código um sopro salutar de realismo com consideração em mais de um ponto de personalidade do criminoso que não é abstração mas uma realidade naturalsocial645 A maior diferença em termos de dispositivos legais em se com parando esse Código ao do Império até a Consolidação de 1932 é a inexistência de crimes políticos indicados em seus artigos Isso ocorreu 644 Faziam parte dessa Comissão Vieira Braga Nelson Hungria Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra 645 BRUNO Aníbal Apud PIERANGELLI José Henrique Códigos penais do Brasil 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 p 81 porque desde 1935 esses atos considerados delituosos passaram a ter legislação própria Os grandes avanços ocorridos com o Código Penal de 1940 e o de Processo Penal podem causar estranheza por terem sido elaborados em uma época de ditadura entretanto como será analisado no próximo ponto deste capítulo eram dois países um legal e outro minimamente extralegal O Código de Processo Penal data de 1941 portanto tendo sido feito também no período ditatorial varguista Decreto no 3669 porém mesmo antes deste várias modificações importantes no processo fo ram feitas como por exemplo o Decreto no 167 de 5 de janeiro de 1938 que limitou a atuação do Tribunal do Júri a casos envolvendo crimes como o infanticídio induzimento ou auxílio ao suicídio duelo com morte latrocínio e homicídio646 A título de ilustração podemos ainda demonstrar com as palavras de Paula Bajer outras modificações importantes no Processo Penal efetivadas posteriormente a sua elaboração A lei no 5346 de 1967 terminou com a prisão preventiva obrigatória prevista no artigo 312 do Código de Processo para crimes aos quais era cominada pena de reclusão igual ou superior a dez anos Em 1973 a Lei Fleury assim chamada porque beneficiou o delegado Sérgio Paranhos Fleury permitindo que aguardasse julgamento em liberdade abrandou para todos as regras sobre a liberdade antes da sentença Finalmente em 1977 já em início de abertura mas ainda em plena ditadura a lei no 641677 criou muitas pos sibilidades de liberação de acusados ou suspei tos da prática de crime antes da sentença647 34 A Polícia a Justiça e Outras Instituições da Era Vargas O Estado Novo foi uma ditadura como toda ditadura que há e houve Um poder executivo com centralização absoluta um poder de subordinar cidadãos com a força das armas e de contingentes policiais e militares 646 O aborto que hoje também é julgado por Tribunal do Júri não foi indicado à época 647 BAJER Paula Processo penal e cidadania Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 p 41 Mas o Estado Novo não foi senão uma continuidade do desenrolar histórico que havia se iniciado com a tomada o poder em 1930 Censura é característica de que regimes ditatoriais Nos quinze anos de governo Vargas de 1930 a 1945 nunca houve um só dia que não houvesse a possibilidade palpável de censura648 Presos políticos Havia muitos nas cadeias mesmo antes de novembro de 37649 O que o início do Estado Novo possibilitou foi uma guinada mais forte e mais aberta para a centralização política administrativa econômica demonstrando com mais obviedade uma aproximação ideológica com o fascismo no que diz respeito ao culto ao líder e a tendência ao totalitarismo Dessa forma o Estado inaugurado pelos que fizeram a Revolução de 30 desde o início via no poder de polícia a face mais violenta e pública de um regime autoritário um caráter administrativo para a sociedade como um todo Assim esse instrumento não poderia ser utilizado dentro das limitações legais Esse embate entre legalidade e ilegalidade o fazer e o legislar sobre o que está já sendo feito foi uma constante nos quinze anos do Governo Vargas Era um conflito interminável entre polícia e Justiça Por isso este Estado procurava se sobrepor à lei para tornar efetivo o que ela na Justiça não pre vira para a boa ordem comum O direito porém tenderia a se realizar tanto quanto possível atra vés da lei e o conflito entre a polícia e a Justiça se operava porque a polícia precisava do arbítrio e a Justiça lançava normas Mas a Justiça é lenta e a polícia mobilíssima daí aquela precisar do auxílio desta650 648 A censura poderia acontecer inclusive por questões consideradas hoje fúteis O exemplo que será citado é de fevereiro de 1937 portanto anterior à instalação da ditadura estadonovista Diz o diário de Getúlio Vargas no dia 2 de fevereiro de 1937 O jogo de football entre argentinos e brasileiros em Buenos Aires transmitido por informantes exaltados deu lugar a algumas explosões inconvenientes entre elas uma edição do jornal A Nota muito agressiva à nação Argentina Embora apreendida a edição sempre circulam alguns números VAGAS Getúlio Op cit p 18 v 2 649 No dia 7 de junho de 1937 Vargas escreve em seu diário que foram soltos trezentos e tantos presos na qualidade de presos políticos para bem impressionar a opinião conforme desejava o novo ministro da justiça José Carlos Macedo Soares Na verdade tratavase de simples batedores de carteira e punguistas VARGAS Getúlio Op cit p 52 v 2 650 CANCELLI Elizabeth O mundo da violência a polícia da era Vargas Brasília Universidade de Brasília 1993 p 23 A extralegalidade e a ilegalidade andavam juntas ou no má ximo uma precedia imediatamente a outra Segundo Elizabeth Can celli era próprio do terror e da polícia a implementação de um estado dual com facetas em uma o Estado normativo estava representado pelas atividades do governo que transcorriam legalmente em outra representada pelo círculo de poder e pela polícia onde a lei não existia651 A mesma autora afirma com lógica que a Decadência da Escola Clássica e o crescimento da influência da Escola Positivista a Escola de Criminologia auxiliou e sustentou os atos policiais652 Através de seus três principais representantes Beccaria Betham e Von Feuerbach os clássicos postulavam que a condições socialmente determinadas condu zem ao comportamento desviado razão pela qual todo o indivíduo pode apresentar um compor tamento desviado b por isso não é o indivíduo ou o ator do crime o objeto das reflexões teóricas mas o fato c o interesse se dirige para a relação da so ciedade e do indivíduo através da ação depois da qual apareceu o comportamento desviado Ao contrário da Escola Clássica a Escola Positiva que indica que a o interesse se orienta para o ator ou para o indivíduo do crime e seu comportamento ao mesmo tempo que tenta explicar as causas deste comportamento b criminosos e não criminosos se diferenciam fundamentalmente Esta diferença consiste nas condições biológicoantropológicas c estes fatores biológicoantropológicos determi nam o comportamento individual Segundo o en 651 Ibidem p 27 652 Em certa medida em análise simplista podemos concordar com a autora acrescentando que mesmo hoje o discurso e a base ideológica do poder de polícia permanecem inal terados foque teórico esta determinação pode ser total ou parcial e mínima d por recursos aos métodos das ciências natu rais o exame dos indivíduos está orientado empí rica e positivamente enquanto a Escola Clássica está orientada filosoficamente653 Portanto era sobre o indivíduo que se devia agir repressivamente não sobre o crime propriamente dito A ação policial dirigiase para o sujeito do crime visto que não mais eram as manifestações criminosas de um indivíduo que incomodavam a sociedade mas aquele ser humano criminoso Somado a tudo isso se levarmos em conta que não era a essa época o Poder Judiciário ou a Sociedade Civil inexistente quem con trolava a polícia mas sim o Estado crimes independentemente de serem políticos ou comuns extremamente ofensivos à sociedade ou somente a um elemento próximo do Poder ou ainda simples casos de mendicância eram tratados com a mesma brutalidade e sem o amparo da lei Com as mesmas características existiam as prisões no Brasil Estas tinham por função não a ressocialização antes funcionavam como campos de segregação para a ação do regime e da polícia Nesses locais a lei não existia Mas a Justiça ainda estava pelo menos antes do advento da Carta Ditatorial de 1937 como um poder independente e até demais para o gosto dos poderosos que controlavam o Executivo no Brasil Para que essa independência não atrapalhasse o controle tão al mejado foi criado em 12 de setembro de 1936 o Tribunal de Segurança Nacional Esse Tribunal tinha por objetivo claro manter o governo no poder através dos atos policiais de terror preenchendo assim uma lacuna na estratégia totalitária de poder As sessões do Tribunal podiam ou não ser públicas dependia ex clusivamente da decisão deste mas mesmo sendo públicas somente o réu o seu advogado e outras pessoas que o presidente do Tribunal autorizasse poderiam entrar Depois de receber o inquérito o presidente devia remetêlo ao procurador e designar um juiz para o julgamento O réu tinha que se apresentar em 12 horas Caso o indiciado não estivesse sob custódia 653 Ibidem p 27 e ss uma simples nota pregada na sede do Tribunal era considerada suficiente Em 24 horas eram apresentadas as acusações formais ao acusado o julgamento e a sentença não demoravam mais que outras 24 horas Assim não havia garantia nenhuma para o réu ou seja não era garantida a sua presença nem tampouco a viabilidade da convocação de testemunhas O julgamento também seguia a mesma linha depois da apresentação de evidências acusação e defesa tinham 15 minutos cada uma o acusado não podia apresentar mais de duas testemunhas e cada uma tinha no máximo 5 minutos Não havia apelação ou recurso mas as roupas utilizadas pelos juízes e o aparato do Tribunal eram exibidos com toda pompa para impressionar qualquer um que ali entrasse E ali dez mil pessoas foram julgadas metade condenada654 4 O Movimento Operário Da Década de 20 à CLT Nossos avós costumam usar uma expressão um tanto ilógica e bastante ambígua para referirse as Leis Trabalhistas da Era Vargas eles dizem em meio a conversa que Vargas foi um grande homem que ele deu aos trabalhadores suas maiores conquistas trabalhistas Como alguém pode dar algo a alguém que foi conquistado por este mesmo alguém Como se conquistou aquilo que foi dado A Era Vargas foi incoerente nesse sentido e em muitos outros mas incoerência não significa incompetência Seus objetivos foram alcan çados no bom e no mau sentido Mas para que haja uma compreensão especificamente das leis trabalhistas da Era Vargas que culminam com a formulação da CLT Consolidação das Leis do Trabalho em 1943 Decreto no 5452 é necessário entender que a luta dos operários a busca de melhoria de vida por grande parte da população urbana iniciouse muito antes de Vargas chegar ao poder Na República Velha questões sociais aí incluídos os problemas entre capital e mão de obra eram consideradas casos de polícia não somente porque era com a violência policial que se tratava manifes tações e greves mas como e principalmente porque ideologicamente 654 As Condenações do Tribunal não atingiram apenas crimes políticos um farmacêutico de Jundiaí de nome Luiz Caetano foi condenado a seis meses de prisão e 2000000 de multa por ter vendido remédios a preços exorbitantes Ibidem p 107 não se compreendia ou não se desejava compreender que era possível legal e moral a luta do operariado por melhores condições de trabalho e vida655 A impossibilidade de luta pelos trabalhadores residia na ideologia do Liberalismo Clássico que propugnava que o Estado não deveria jamais intervir em assuntos privados assim um contrato de trabalho era assunto privado porque só interessava ao empregado e ao traba lhador No mesmo sentido o contrato seria a expressão de igualdade entre as partes não sendo concebido uma diferença de forças entre o capital e o trabalho Assim uma greve seria uma quebra unilateral de contrato que geraria desigualdade entre as partes Da mesma forma seria absurdo uma legislação especial do trabalho porque feriria a ortodoxia do Liberalismo Clássico que não concebe a interferência do Estado em assuntos privados nem para regulamentálos656 Essas premissas do Liberalismo foram defendidas a todo custo até que se tornou mais interessante descartála Mas mesmo nesse período em que não se aceitava a luta operária como algo cabível e democrático ela ocorreu Greves gerais pela jornada de oito horas paralisaram a produção nas pedreiras de São Paulo entre 1918 e 1919 os trabalhadores de oficinas ainda na cidade de São Paulo paralisaram suas atividades por quase três meses pela admissão de delegados sindicais nos locais de trabalho657 Os patrões não se defendiam apenas colocandose atrás da polícia eles que consideravam as greves como o mais espúrio dos meios que um trabalhador poderia usar para atingir seus objetivos muitas vezes faziam o Lockout ou como resposta às greves ou sem provocação dos empregados658 655 A violência com que eram tratadas as manifestações populares provocavam prisões feridos e mortos os sindicatos eram invadidos depredados e fechados militantes estrangeiros eram expulsos do país até por força da lei como as Leis Adolfo Gordo de 1907 e 1921 e mesmo os não estrangeiros eram deportados para os mais longínquos lugares do país 656 Se por um lado essa teoria atendia ao interesse dos patrões atendia também por motivos ideologicamente distintos aos interesses dos operários filiados à corrente anarquista 657 MUNAKATA Kazumi A legislação trabalhista no Brasil São Paulo Brasiliense 1981 p 18 658 Lockout fechamento de fábricas pelos patrões com o objetivo de forçar os trabalhadores a aceitarem determinações como redução do salário por exemplo Entretanto por causa das tão temidas agitações populares a mentalidade gradativamente foi mudando de um extremo a outro Da não intervenção do Estado na Economia para uma intervenção maciça porém em sentidos opostos para os dois lados em disputa Os empresários desejavam uma intervenção que eles consideravam técnica e os trabalhadores não anarquistas viam na intervenção do governo um caminho para alcançar seus objetivos Isso ocorreu principalmente após a I Guerra Mundial e da Revolu ção Russa que abriram caminho para a formação da Organização Internacional do Trabalho a OIT em 1919 que tinha por pressuposto básico não a defesa do trabalhador mas buscar soluções para que primeiramente não ocorresse em outros países o que havia acontecido na Rússia onde a miséria gerou uma Revolução Social sem prece dentes na história Em segundo lugar para buscar um equilíbrio internacional no comércio mundial porque já que era inevitável fazer leis trabalhistas para evitar o perigo vermelho deverseia atentar para que elas não fossem feitas somente em alguns países tornando a produção nestes mais cara e por isso prejudicandolhes o comércio e a competição internacional Assim se expressaram aqueles que fundaram a OIT no preâmbulo da constituição desse organismo Considerando que existem condições de tra balho que implicam para grande número de indivíduos em miséria e privações e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais e considerando que é urgente melhorar estas condições Considerando que a não adoção por qualquer nação dum regime de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios A partir de 1918 começase a ver no Brasil iniciativas do governo Federal no sentido de intervir ou ao menos regulamentar a questão do trabalho no país Nesse mesmo ano por exemplo foi criado o Departamento Nacional do Trabalho que resultou sem efeito porque a Constituição de 1891 consolidava o federalismo inclusive dando exclusividade aos estados para que estes legislassem sobre questões trabalhistas659 Ainda no ano de 1918 dando a clara indicação que a questão social deveria ser encaminhada como uma questão jurídica o Estado cria mesmo sem o aval da Constituição a Comissão de Legislação Social que tinha por objetivo elaborar sistematicamente uma legislação acerca do trabalho A atividade parlamentar de fato aumentou e o primeiro fruto desta foi o Decreto no 3724 de 1919 reformado em 1923 que tratava de acidentes de trabalho Os trâmites dessa Lei no Congresso são simbólicos no que diz respeito à ideologia liberal que ainda permanecia presente apesar de abalada pela necessidade criada pelo perigo vermelho Os patrões chegaram através do Centro Industrial do Brasil CIB a encomendar um estudo sobre acidentes de trabalho que concluiu entre outras coisas que se os acidentes ocorrem isto não se deve à negligência dos patrões mas ao risco profissio nal inerente a qualquer trabalho Em segundo lugar tratase de impedir a participação operária na fiscalização e controle dos acidentes A solução é a delegação dos problemas decorrentes de acidentes de trabalho às companhias segu radoras660 O decreto foi aprovado conforme queriam os patrões e mais com um cunho tecnicista que beirou a inutilidade caindo no mínimo no mau gosto os procedimentos legais em caso de acidente de trabalho continham uma insólita tabela de cálculo de indenizações que dispunham de um lado descrito a parte do corpo lesado e de outro a porcentagem correspondente em caso de sua incapacidade A morbidez e o tecnicismo impediram de ver o trabalhador acidentado como um ser humano tratandoo como uma peça de açougue No ano de 1923 houve a experiência com aposentaria tentada pelo governo em sua empresa ferroviária No mesmo ano com o objetivo de 659 Em 1926 essa questão foi resolvida quando da reforma da Constituição que no que se refere ao trabalho deu a competência de legislar exclusivamente ao Congresso Nacional 660 MUNAKATA Kazumi Op cit p 35 efetivar os compromissos do Tratado de Versalhes que partiam dos pressupostos do perigo vermelho citado anteriormente o governo criou o CNT Conselho Nacional do Trabalho que teoricamente seria um órgão técnico que por estudos científicos e objetivos buscaria dar respaldo aos legisladores na feitura de leis acerca do trabalho Entretanto a atuação desse órgão foi pífia Seu primeiro embate a questão das férias anuais objetivo de luta de muitos trabalhadores organizados das cidades brasileiras mostrou que demonstrou a inope rância do órgão mesmo quando se fazia necessária sua interferência para ao menos cumprir a lei O prazo para o início da efetividade da lei de férias foi tantas vezes e tão indefinidamente prorrogado pelo órgão que este virou piada na boca do povo661 Quando Getúlio Vargas assume o Poder em 1930 a situação come ça a mudar um pouco A maioria dos empresários brasileiros vê não sem tristeza que não é possível manter uma massa crescente de trabalhadores urbanos sem alguma garantia legal isso porque a nega tiva constante gerou um aumento do volume de greves e agitações nas cidades o que remetia ao medo das massas Eles então buscaram alternativas ao liberalismo que lhes era tão caro e no bojo disso procuraram encontrar maneiras de ainda levar alguma vantagem no sentido da promoção da industrialização Assim descreve Munakata Todas essas propostas de ruptura com o liberalismo visam não apenas promover a indus trialização mas também neutralizar o cres cimento da pressão da classe operária através de uma solução institucional à questão social Se são necessárias as leis reguladoras do trabalho que estas sejam instituídas segundo um plano racional científico e não através de pressões políticas advindas seja da agitação operária seja dos políticos com objetivos escusos Se as leis trabalhistas são inevitáveis que a aplicação 661 As empresas com melhor acesso ao órgão conseguiam empurrar o prazo do início da efetividade da lei discutindo coisas do tipo qual trabalhador de fato está inserido na lei de férias Eles não estão nomeados A lei de férias é um abuso contra a liberdade do empregado de querer trabalhar O empregado intelectualmente inferior usará suas férias para o ócio e para o vício dandolhes as férias estaríamos incentivando os maus hábitos destas seja controlada não pelo movimento ope rário e os sindicatos mas por um Estado tecnicamente aparelhado para essa função inclusive absorvendo e controlando os próprios sindicatos662 E exatamente assim ocorreu Getulio Vargas no poder implemen tou o Corporativismo inexoravelmente na alma e no corpo do Estado e das relações trabalhistas absorvendo totalmente os sindicatos de tal forma que estes eram apenas extensões do Governo Getulista O Corporativismo é uma doutrina ou sistema baseada no espírito associativo das atividades profissionais Como estas forma riam um corpo não poderia haver por esse pensamento nenhum tipo de conflito e dissensão para isso se buscava o equilíbrio entre as forças geralmente através de um maior poder para quem as controla visando tornar secundários os interesses individuais663 Através do Corporativismo entendiase que os choques os conflitos sociais seriam antinaturais anomalias a serem combatidas e que os interesses conflitantes em uma sociedade existiriam como produto da ausência de leis Dessa forma a luta de classes não se daria pelo antagonismo entre estas gerada pelo capitalismo mas por erro jurídico traduzido por um liberalismo que não era capaz de refrear o que consideravam paixões Assim a classe não passaria de transposição do egoísmo do indivíduo liberal para o nível de grupo que necessitava ser refreado Vargas ao implementar o Corporativismo no Brasil temperouo com um sentimento de nacionalismo que desde a década de vinte pelo menos vinha sendo construído no país Assim a necessidade corpora tivista de legislação para imposição de moral foi inaugurada na prática através do Decreto no 19433 que criou o Ministério do Traba lho que seria o aparelho estatal baseado em instrumentos teóricos técnicos e racionais capaz de redefinir ou fazer Leis Trabalhistas O Ministério do Trabalho foi formado tendo como composição vários órgãos compostos por técnicos especialistas Dessa forma den 662 MUNAKATA Kazumi Op cit p 64 663 O Corporativismo teria nascido na Idade Média e renascido em 1891 ano em que o Papa Leão XIII promulgou a Encíclica Rerum Novarum Um dos teóricos mais renomados desse sistema Emile Durkeim descreveu sua teoria no livro Divisão do Trabalho Social Foi entretanto na Itália Fascista que o modelo corporativista alcançou a sua maior concretização no mundo moderno tre os muitos os que mais são importantes na análise de questões trabalhistas podemos citar o Conselho Nacional do Trabalho reformado em 1934 pelo Decreto no 14784 que contava com um conselho de representantes de patrões e empregados e com uma forte influência do Estado cabendo a CNT o controle do sistema previdenciário Outro órgão importante no projeto do governo era o Departamento Nacional do Trabalho criado pelos Decretos nos 19667 e 19671A em fevereiro de 1931 Este era encarregado de todas as questões relativas à execução fiscalização e cumprimento da legislação trabalhista Dentro desse órgão são cunhadas as Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento que passam a funcionar praticamente como órgãos da futura Justiça do Trabalho O objetivo principal dessas Comissões era cumprir os ditames Corporativistas isto é cuidar da supressão de choques entre patrões e empregados promovendo a conciliação As Comissões Mistas são compostas por três representantes patronais e três dos trabalhadores presididas por uma pessoa indicada pelo Ministro do Trabalho A convocação é feita por qualquer parte litigante e a sessão é secreta só podendo participar os representantes o presidente da Comissão e as partes interessadas Advogados não são permitidos e isso é justificado à época sob a alegação de que estes seriam muito intransigentes e que só dificultavam a conciliação Caso esta última não acontecesse o presidente da Comissão proporia às partes levar a questão a um juízo arbitral ou ao Ministério do Trabalho que nomearia uma comissão especial para examinar o caso Para resolver não coletivamente mas individualmente os conflitos resultantes das relações de trabalho são criadas as Juntas de Conci liação e Julgamento em 1932 Decreto no 22132 As juntas são formadas por um representante dos patrões e por um dos empregados presididos por um indivíduo nomeado pelo Ministro do Trabalho Os procedimentos de suas sessões são semelhantes aos das Comissões Mistas a diferença é que os litigantes podem ser acompanhados de testemunhas e as Juntas tinham faculdade de julgar As Juntas eram instância única porém às penalidades por ela impostas cabiam recursos ao DNT e às Inspetorias Regionais do Trabalho O DNT cunhou uma série de leis trabalhistas com o intuito explícito de eliminar conflitos presentes e futuros Era claro e esta era a mensagem que o trabalhador não precisava lutar por mais nada tudo seria dado e ainda que não fosse o ideal estaria revestido de uma aura científica de análise e estudo de técnicos altamente competentes Assim ocorreu com a questão das oito horas diárias reivindicada por todos os trabalhadores O DNT não consolidou o Princípio da Jornada de oito horas Dentro da teoria Corporativista examinou profissão por profissão dissolvendo a unidade dos trabalhadores na luta pela jornada de oito horas e dando por fim as mesmas oito horas para cada uma das profissões Da mesma forma aconteceu com o descanso remunerado mínimo de 24 horas a cada seis dias de trabalho a previsão de descanso e refeição durante a jornada de trabalho as horas extras etc Feitas em um todo foram as leis que regulamentavam o trabalho das mulheres Decreto no 21417A e o trabalho de menores Decreto no 22042 Mas estes não representavam em 1932 quando da criação dessas leis uma força capaz de organizar os trabalhadores como um todo em torno de suas reivindicações No caso do trabalho feminino foi consagrado o Princípio desobedecido historicamente neste país de igualdade de remu neração bem como foi proibido o trabalho insalubre e noturno A lei chegou a estabelecer o peso máximo que uma mulher poderia carregar no trabalho e estabeleceu uma série de medidas de proteção à maternidade A lei acerca do trabalho de menores era de fato uma reforma do antigo Código de Menores e proibia o trabalho de menores de 14 anos indicava os locais e as condições em que o menor não poderia trabalhar e determinava os documentos para a sua admissão A questão da duração do trabalho que encontrava resistência por parte dos industriais foi simplesmente remetida à legislação comum oito horas diárias 48 horas semanais A resistência dos patrões portanto não está eliminada com o implemento do Corporativismo ela somente se faz de maneira menos aberta os bastidores são o palco principal para eles Um exemplo desse trabalho nos bastidores pode ser visto na reforma da lei de acidentes de trabalho de 1934 Decreto no 24637 a resistência foi tamanha por parte dos patrões que a sua regula mentação não foi possível nos moldes que se pretendia Regulamentou se em 1935 Decreto no 85 nos termos aceitáveis aos industriais A Lei de Férias é ainda mais pontual nessa questão de resistência e obtenção de vitórias por parte dos empregadores Em 1931 mesmo a lei tendo já instituído as férias estas foram suspensas com exceção daquelas referentes ao ano anterior e o prazo para o cumprimento da lei foi exaustivamente prorrogado até 1933 A Lei de Férias acabou sendo reformada no modelo mais inte ressante para os patrões Os Decretos nos 23103 de 1933 e no 23768 de 1934 reafirmaram o direito às férias anuais de 15 dias porém os empregados do comércio só poderiam gozar as férias em dois períodos nunca inferiores a sete dias e os da indústria poderiam fazêlo de uma só vez ou parceladamente em períodos não inferiores a cinco dias e a época de concessão seria de livre escolha do estabelecimento Talvez devêssemos chamar por simpatia ou galhofa esses decretos não de Lei de Férias mas Lei de Folgas Esses decretos que regulamentavam as férias traziam em seu bojo uma armadilha muito interessante ao Corporativismo Como atra vés deste era interessante o controle dos trabalhadores a sindica lização em sindicatos que se tornavam cada vez mais corporativistas e menos combativos era interessante Assim só poderiam ter férias os trabalhadores associados a sindicatos obviamente reconhecidos pelo Ministério do Trabalho Essa armadilha também é encontrada na criação da Carteira Profissional Decretos nos 21175 e 22035 um documento imprescindí vel para a sindicalização para o gozo de férias para apresentação de queixas nas Juntas de Conciliação para a obtenção de empréstimos e tudo o mais que teria direito um trabalhador A carteira somente seria expedida para trabalhadores sindicalizados e estes somente poderiam estar em um sindicato com a carteira Esse documento que os go vernos das décadas de 60 e 70 tanto buscaram valorizar inclusive através de propagandas foi visto a princípio e de fato o era como um instrumento de controle e dominação A Constituição de 1934 ratifica essa posição Corporativista e a Constituição de 1937 dá mais condições para que ela seja colocada em prática na plenitude possível do Brasil Isso acontece porque com o Estado Novo o controle dos Sindicatos é total a subordinação da sociedade é impressionante e assim se torna mais fácil legislar para tentar minimizar ou acabar com as paixões geradas pelo individualismo Com o Estado Novo a vida social e política assumem definitivamente caráter público sendo incorporadas como parte integrante do Estado efetivandose a publicização do privado CAPÍTULO XVIII BRASIL DE 1946 À DITADURA MILITAR 1 O Fim do Estado Novo e a Constituição de 1946 A partir de 1942 quando a posição do Brasil na II Guerra Mundial se definiu em favor das potências liberais o que acabou por fazer com que o país se engajasse no conflito contra os regimes totalitários as contradições nascidas com essa tomada de posição repercutiram no cenário político interno Como explicar um Estado com tantas ca racterísticas fascistas que envia seus cidadãos para lutar e morrer contra o fascismo em defesa dos ideais antiautoritários Mas somente essa contradição não poderia explicar a queda do Estado Novo Em 1943 esgotarase o prazo que o Estado impusera para a Legitimação da Constituição de 1937 por meio de um plebiscito e muitos exigiam uma maior participação política e a volta do país a uma situação mais legalizada O próprio Vargas havia se comprometido a redemocratizar o país quando acabasse a guerra mas como muitas de suas promessas haviam sido remetidas ao esquecimento em 1945 quando a Guerra terminou as agitações pela redemocratização iniciaramse Com as pressões Getúlio Vargas começou a abrir um pouco a política brasileira permitiu partidos políticos fundando um o PTB Partido Trabalhista Brasileiro que mobilizava a burocracia sindical fiel a ele e ajudando a fundar outro o PSD Partido Social Democrata e concedeu ainda anistia política Entretanto o Presidente manobrava para se manter no poder Como a Constituinte somente poderia reunirse após a eleição presi dencial marcada para dezembro de 1945 trabalhistas e comunistas com ideologia antiimperialista lançaram a campanha conhecida como queremismo queremos Getúlio Com o tempo o grito dos que apoiavam Getúlio Vargas mudou passaram de queremos Getúlio para Constituinte com Getúlio desejando portanto a continuidade de Vargas no poder e começando a Constituinte antes da eleição presidencial Mesmo diante de toda força popular os opositores de Vargas acabaram por engendrar um golpe de Estado Em 29 de outubro de 1945 Getúlio foi obrigado a abandonar o poder transmitindoo ao judiciário Estava encerrado o Estado Novo ao menos em tese De 1946 em diante a marca de Vargas permaneceria indelével na política e na sociedade brasileira O movimento operário que retomou seu vigor no princípio de 1946 mantevese apartidário e os políticos mesmo após o suicídio de Getúlio em 54 alinhavamse entre os que eram varguistas e o que eram antivarguistas 11 A Constituição de 1946 Um pouco mais de um mês depois da deposição de Vargas pelos militares em 2 de dezembro de 1945 foi realizada a eleição para presidente abrindo caminho para a feitura da nova Constituição em 1946 A Ordem dos Advogados do Brasil chegou a indicar uma lista de estudiosos em legislação para a elaboração de um anteprojeto a tentativa tinha por objetivo substituir a estrutura autocrática imposta em 1937664 Mas ao contrário das anteriores a Constituição de 1946 não foi precedida de uma comissão especial nomeada pelo Executivo Em setembro de 1946 foi aprovada a versão final da nova Consti tuição do Brasil cuja base foi a Constituição de 1934 contendo todos os receios que acompanham um país que acabou de sair de uma ditadura e um alinhamento cada vez mais evidente com os Estados Unidos que após a II Guerra tornaramse o líder do bloco capitalista da Guerra Fria665 111 O Poder Executivo Foi mantido o presidencialismo na Constituição de 1946 entre tanto a definição de Poder Executivo mudou Enquanto a Constituição de 1934 não previa VicePresidente esta o fazia mas o vice não era por definição elemento de composição do Executivo 664 SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo 7 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1982 p 91 665 Essa inserção do Brasil na Guerra Fria alinhado aos EUA tornouse oficial após o Tratado de Assistência Mútua assinado pelos dois países em 1947 e pela IX Conferência Interamericana realizada em Bogotá no qual o Brasil associouse ao sistema de segurança do hemisfério ocidental atlântico Art 78 O Poder Executivo é exercido pelo Presi dente da República O VicePresidente da República seria o substituto do Presidente Art 79 Substitui o Presidente em caso de impe dimento e sucedelhe no de vaga o VicePresi dente da República As eleições para Presidente e VicePresidente da República pas saram a ser feitas simultaneamente mas em pleitos independentes Isso significava que se poderia votar em um indivíduo para presidente e em outro para vice sem que os dois pertencessem à mesma chapa Mas o primeiro Vicepresidente seria eleito pelos próprios Constituintes Art 1o A Assembléia Constituinte elegerá no dia que se seguir ao da promulgação deste Ato o VicePresidente da República para o primeiro período constitucional 1o Essa eleição para a qual não haverá ine legibilidades farseá por escrutínio secreto e em primeiro turno por maioria absoluta de votos ou em segundo turno por maioria relativa Uma questão envolvendo a vicepresidência também causa estranheza para o modelo atual O Vice era também o Presidente do Senado Federal portanto do Congresso Isso poderia ser uma ingerência do Executivo no Legislativo mas conforme afirmado ante riormente o VicePresidente não fazia parte do Poder Executivo Art 61 O VicePresidente da República exercerá as funções de Presidente do Senado Federal onde só terá voto de qualidade Mas de fato o controle do Legislativo sobre o Executivo é que tinha aumentado Embora a nomeação de ministros ainda ficasse por conta do Presidente da República estes deveriam comparecer com pulsoriamente ao Congresso quando convocados para interpelações e esclarecimentos Art 54 Os ministros de Estado são obrigados a comparecer perante a Câmara dos Deputados o Senado Federal ou qualquer das suas comissões quando uma ou outra câmara os convocar para pessoalmente prestar informações acerca de assunto previamente determinado 112 O Poder Legislativo O Poder Legislativo voltou a ser composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado que havia sido extinto pela Constituição de 1937 O mandato dos Deputados seria de quatro anos e o número de cadeiras na Câmara por estado seria fixado posteriormente por lei Art 56 A Câmara dos Deputados compõese de representantes do povo eleitos segundo o sistema de representação proporcional pelos Estados pelo Distrito Federal e pelos Territórios Art 57 Cada legislatura durará quatro anos Art 58 O número de Deputados será fixado por lei em proporção que não exceda um para cada cento e cinqüenta mil habitantes até vinte Deputados e além desse limite um para cada duzentos e cinqüenta mil habitantes O Senado composto por pessoas de no mínimo trinta e cinco anos teria três representantes de cada Estado Art 60 O Senado Federal compõese de repre sentantes dos Estados e do Distrito Federal eleitos segundo o princípio majoritário 1o Cada Estado e bem assim o Distrito Federal elegerá três Senadores 2o O mandato de Senador será de oito anos 3o A representação de cada Estado e a do Distrito Federal renovarseão de quatro em quatro anos alternadamente por um e por dois terços A função dos Senadores incluía aprovar membros indicados do Judiciário Art 63 Também compete privativamente ao Senado Federal I aprovar mediante voto secreto a escolha de magistrados nos casos estabelecidos por esta Constituição do ProcuradorGeral da República dos ministros do Tribunal de Contas do prefeito do Distrito Federal dos membros do Conselho Nacional de Economia e dos chefes de missão diplomática de caráter permanente Bem como suspender decretos e leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal Art 64 Incumbe ao Senado Federal suspender a execução no todo ou em parte de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão defi nitiva do Supremo Tribunal Federal Uma inovação relativa ao Legislativo foi a possibilidade de serem criadas Comissões Parlamentares de Inquérito Art 53 A Câmara dos Deputados e o Senado Federal criarão comissões de inquérito sobre fato determinado sempre que o requerer um terço dos seus membros Parágrafo único Na organização dessas comis sões se observará o critério estabelecido no parágrafo único do art 40666 Parece ter sido também a Constituição de 1946 a primeira a indicar vencimentos extras a Deputados e Senadores por comparecimento em Plenário os chamados jetons 666 Art 40 A cada uma das câmaras compete dispor em regimento interno sobre sua or ganização polícia criação e provimento de cargos Parágrafo único Na constituição das comissões assegurarseá tanto quanto possível a representação proporcional dos partidos nacionais que participem da respectiva câmara Art 47 Os Deputados e Senadores vencerão anualmente subsídio igual e terão igual ajuda de custo 1o O subsídio será dividido em duas partes uma fixa que se pagará no decurso de um ano e outra variável correspondente ao comparecimento Indica também a mesma Constituição que membros do Legis lativo podem exercer cargos do Executivo sem contudo ter que abrir mão do mandato Art 51 O Deputado ou Senador investido na função de ministro de Estado interventor federal ou secretário de Estado não perde o mandato 113 O Poder Judiciário Essa Constituição restaurou a autonomia do Poder Judiciário afiançando novamente a independência desse poder e as garantias clássicas aos magistrados como no artigo 95 que indica que os juízes contam com a vitaliciedade a inamovibilidade a irredutibilidade dos vencimentos etc A autonomia do Poder Judiciário foi retomada também porque se durante o Estado Novo os Tribunais Federais e Estaduais não podiam eleger seus próprios órgãos de direção a presidência e a vicepresi dência do Supremo Tribunal Federal eram ocupadas por pessoas indi cadas por Vargas por exemplo a Constituição de 1946 deu nova mente aos membros do judiciário o poder de eleger seus dirigentes e estabelecer os parâmetros de sua organização interna Art 97 Compete aos tribunais I eleger seus presidentes e demais órgãos de direção II elaborar seus regimentos internos e organizar os serviços auxiliares provendolhes os cargos na forma da lei e bem assim propor ao Poder Legislativo competente a criação ou extinção de cargos e a fixação dos respectivos vencimentos III conceder licença e férias nos termos da lei aos seus membros e aos juízes e serventuários que lhes forem imediatamente subordinados O Poder Judiciário pela Constituição de 1946 ficou estruturado da forma como indica o artigo 94 Art 94 O Poder Judiciário é exercido pelos se guintes órgãos I Supremo Tribunal Federal II Tribunal Federal de Recursos III juízes e tribunais militares IV juízes e tribunais eleitorais V juízes e tribunais do trabalho Assim o Supremo Tribunal Federal seria composto a princípio por onze ministros indicados pelo Presidente da República e referendados pelo Senado Federal arts 98 e 99 Ao Supremo caberia conforme explicita o artigo 101 Art 101 Ao Supremo Tribunal Federal compete I processar e julgar originariamente a o Presidente da República nos crimes comuns b os seus próprios ministros e o ProcuradorGeral da República nos crimes comuns c os ministros de Estado os juízes dos tribunais superiores federais os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios os ministros do Tribunal de Contas e os chefes de missão diplomática em caráter permanente assim nos crimes comuns como nos de responsabilidade ressalvado quanto aos ministros de Estado o disposto no final do art 92 d os litígios entre Estados estrangeiros e a União os Estados o Distrito Federal ou os muni cípios e as causas e conflitos entre a União e os Estados ou entre estes f os conflitos de jurisdição entre juízes ou tribu nais federais de Justiças diversas entre quais quer juízes ou tribunais federais e os dos Estados e entre juízes ou tribunais de Estados diferentes inclusive os do Distrito Federal e os dos Terri tórios g a extradição dos criminosos requisitada por Estados estrangeiros e a homologação das sen tenças estrangeiras h o habeas corpus quando o coator ou paciente for tribunal funcionário ou autoridade cujos atos estejam diretamente sujeitos à jurisdição do Supremo Tribunal Federal quando se tratar de crime sujeito a essa mesma jurisdição em única instância e quando houver perigo de se con sumar a violência antes que outro juiz ou tribunal possa conhecer do pedido i os mandados de segurança contra ato do Pre sidente da República da Mesa da Câmara ou do Senado e do Presidente do próprio Supremo Tri bunal Federal j a execução das sentenças nas causas da sua competência originária sendo facultada a delegação de atos processuais a juiz inferior ou a outro tribunal k as ações rescisórias de seus acórdãos II julgar em recurso ordinário a os mandados de segurança e os habeas corpus decididos em última instância pelos tribunais locais ou federais quando denegatória a decisão b as causas decididas por juízes locais fundadas em tratado ou contrato da União com Estado es trangeiro assim como as em que forem partes um Estado estrangeiro e pessoa domiciliada no País c os crimes políticos III julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes a quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal b quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada c quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato d quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada for diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal IV rever em benefício dos condenados as suas decisões criminais em processos findos O Tribunal Federal de Recursos conforme comenta a professora Rosalina Corrêa de Araújo teria sido criado em um momento em que o Supremo estaria com uma excessiva carga de trabalho ocasionada pelos encargos atribuídos a ele pelas Constituições anteriores Dessa forma ainda segundo a mesma autora pretendiase através do novo tribunal limitar as competências do Supremo Tribunal Federal restringindo os casos de cabimento de Recurso Extraordinário e buscando transferir as matérias que o tornavam segunda instância especialmente aquelas referentes aos interesses da Fazenda Nacional para os tribunais estaduais ou para as câmaras especiais667 Assim esse Tribunal ficou estabelecido na Constituição de 1946 Art 103 O Tribunal Federal de Recursos com sede na Capital Federal comporseá de nove juízes nomeados pelo Presidente da República depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal sendo dois terços entre magistrados e um terço entre advogados e membros do Minis tério Público com os requisitos do art 99 As atribuições desse Tribunal foram explicitadas no artigo seguinte Art 104 Compete ao Tribunal Federal de Re cursos I processar e julgar originariamente a as ações rescisórias de seus acórdãos b os mandados de segurança quando a auto ridade coatora for ministro de Estado o próprio tribunal ou o seu Presidente II julgar em grau de recurso 667 ARAUJO Rosalina Corrêa Estado e Poder Judiciário no Brasil Rio de Janeiro Lumen Juris 2000 p 304 a as causas decididas em primeira instância quando a União for interessada como autora ré assistente ou opoente exceto as de falência ou quando se tratar de crimes praticados em detri mento de bens serviços ou interesses da União ressalvada a competência da Justiça Eleitoral e a da Justiça Militar b as decisões de juízes locais denegatórias de habeas corpus e as proferidas em mandados de segurança se federal a autoridade apontada como coautora III rever em benefício dos condenados as suas decisões criminais em processos findos O Tribunal de Recursos diferentemente de Tribunais Federais clássicos que existem somente em uma localidade geralmente a capital do país poderia existir em diferentes localidades se aprovados pelo Supremo Tribunal Federal Art 105 A lei poderá criar em diferentes regiões do País outros Tribunais Federais de Recursos mediante proposta do próprio tribunal e aprovação do Supremo Tribunal Federal fixando lhes sede e jurisdição territorial e observados os preceitos dos arts 103 e 104 A Constituição de 1946 estabeleceu de maneira muito objetiva o Controle de Constitucionalidade explicitando a supremacia do Poder Judiciário para o tratamento da matéria e indicando os papéis de Judi ciário e Legislativo no Controle de Constitucionalidade O Poder Ju diciário trataria de votar a inconstitucionalidade da matéria e o Senado deveria suspender a lei ou decreto declarado inconstitucional Art 200 Só pelo voto da maioria absoluta dos seus membros poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do poder público Art 64 Incumbe ao Senado Federal suspender a execução no todo ou em parte de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definiti va do Supremo Tribunal Federal A inconstitucionalidade poderia inclusive levar a intervenção dos Estados artigo 7o e nesse caso a suspensão da lei ou ato declarado inconstitucional estaria sob a responsabilidade do Congresso Nacional artigo 13 Durante a vigência da Constituição de 1946 outras leis regularam a matéria Nas palavras de Paulo Bonavides duas importantes leis disciplinaram a matéria de constitucionalidade relativa ao con trole estabelecido no parágrafo único do art 8o de salvaguarda dos princípios básicos do no VII do art 7o Essas leis foram a no 2271 de 22 de julho de 1954 e a no 4377 de 1o de junho de 1964 A primeira delas resultou na criação de um novo instrumento processual a saber a chamada ação direta de declaração de inconstitucionalidade verdadeiro ponto de partida para a nova forma de controle o da via de ação que se acrescentava à já existente via incidental ou de exceção Acon tece porém que o novo caminho aberto à veri ficação judiciária da constitucionalidade das leis era deveras apertado não abrangendo senão atos vinculados à hipótese de intervenção federal 668 Os Crimes Políticos que antes da Constituição de 1937 eram ge ralmente tratados pelos códigos penais passaram a ser responsabi lidade da Justiça Criminal A Constituição de 1946 repetiu a anterior nesse ponto Crimes chamados de Crimes Contra a Segurança Nacional mantiveram a Justiça Militar como órgão do judiciário para o julga mento destes Art 108 À Justiça Militar compete processar e julgar nos crimes militares definidos em lei os 668 BONAVIDES Paulo Direito constitucional 5 ed Rio de Janeiro Forense 1980 p 260 militares e as pessoas que lhes são asseme lhadas 1o Esse foro especial poderá estenderse aos civis nos casos expressos em lei para a repres são de crimes contra a segurança externa do País ou as instituições militares A Justiça Eleitoral que na Constituição de 1937 havia sido ex cluída do Poder Judiciário retornou a este em 1946 porém como em 1934 a Constituição de 1946 não previu também a Justiça Eleitoral com composição ou um corpo próprio de juízes Os juízes seriam aprovei tados de forma que durante um tempo teriam a outorga jurisdicional plena para funções eleitorais669 Já a Justiça do Trabalho finalmente após ser citada como o nome de Justiça sem ser integrada ao Poder Judiciário nas Constituições de 34 e 37 passou a partir da Constituição de 1946 a integrála na categoria de Justiça Federal Especializada670 Assim estruturavase Art 122 Os órgãos da Justiça do Trabalho são os seguintes I Tribunal Superior do Trabalho II Tribunais Regionais do Trabalho III juntas ou juízes de conciliação e julgamento E suas atribuições passaram a estar mais claras conforme se pode atestar pelo artigo 123 que indica que seu papel não é somente de conciliação mas de julgamento Art 123 Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais con trovérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial 114 Ministério Público O Ministério público foi previsto na Constituição de 1946 para as Justiças e os Estados conforme pode ser visto nos artigos seguintes 669 ARAUJO R C Op cit p 317 670 Ibidem p 323 Art 125 A lei organizará o Ministério Público da União junto à Justiça comum à Militar à Eleitoral e à do Trabalho Art 126 O Ministério Público Federal tem por chefe o ProcuradorGeral da República O Pro curador nomeado pelo Presidente da República depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal dentre cidadãos com os requisitos indi cados no art 99 é demissível ad nutum Parágrafo único A União será representada em juízo pelos procuradores da República podendo a lei cometer esse encargo nas comarcas do interior ao Ministério Público local Art 127 Os membros do Ministério Público da União do Distrito Federal e dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais da carreira me diante concurso Após dois anos de exercício não poderão ser demitidos senão por sentença judiciária ou mediante processo administrativo em que se lhes faculte ampla defesa nem remo vidos a não ser mediante representação moti vada do chefe do Ministério Público com funda mento em conveniência do serviço Art 128 Nos Estados o Ministério Público será também organizado em carreira observados os preceitos do artigo anterior e mais o princípio de promoção de entrância a entrância 115 Estados e Municípios Os estados retomaram a autonomia perdida com a Revolução de 1930 assim sendo a intervenção federal somente poderia se dar em casos extremos como os citados no artigo abaixo ou no caso de inconstitucionalidade já discutido anteriormente Art 7o O Governo Federal não intervirá nos Es tados salvo para I manter a integridade nacional II repelir invasão estrangeira ou a de um Estado em outro III pôr termo a guerra civil IV garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes estaduais V assegurar a execução de ordem ou decisão judiciária VI reorganizar as finanças do Estado que sem motivo de força maior suspender por mais de dois anos consecutivos o serviço da sua dívida externa fundada VII assegurar a observância dos seguintes princípios a forma republicana representativa b independência e harmonia dos Poderes c temporariedade das funções eletivas limitada a duração destas à das funções federais cor respondentes d proibição da reeleição de governadores e prefeitos para o período imediato e autonomia municipal f prestação de contas da administração g garantias do Poder Judiciário A independência do município também é vista nesse texto constitucional Continuavam sendo nomeados pelos governadores os prefeitos de capitais e de estâncias hidrominerais e mais tornando a questão mais aberta e passível de modificações os constituintes indicaram que seriam nomeados também os prefeitos de cidade que fossem consideradas pelo Conselho de Segurança Nacional como áreas de importância para a segurança do país Art 28 A autonomia dos municípios será asse gurada I pela eleição do prefeito e dos vereadores II pela administração própria no que concerne ao seu peculiar interesse e especialmente a à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação das suas rendas b à organização dos serviços públicos locais 1o Poderão ser nomeados pelos governadores dos Estados ou dos Territórios os prefeitos das capitais bem como os dos municípios onde houver estâncias hidrominerais naturais quando beneficiadas pelo Estado ou pela União 2o Serão nomeados pelos governadores dos Estados ou dos Territórios os prefeitos dos municípios que a lei federal mediante parecer do Conselho de Segurança Nacional declarar bases ou portos militares de excepcional importância para a defesa externa do País 116 Os Direitos A Constituição de 1946 confirmou o direito de voto para alfabe tizados maiores de 18 anos e a obrigatoriedade de alistamento de voto para homens e mulheres Art 131 São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos que se alistarem na forma da lei Art 132 Não podem alistarse eleitores I os analfabetos II os que não saibam exprimirse na língua nacional III os que estejam privados temporária ou definitivamente dos direitos políticos Parágrafo único Também não podem alistarse eleitores as praças de pré salvo os aspirantesa oficial os suboficiais os subtenentes os sargen tos e os alunos das escolas militares de ensino superior Art 133 O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos salvo as exceções previstas em lei Art 134 O sufrágio é universal e direto o voto é secreto e fica assegurada a representação proporcional dos partidos políticos nacionais na forma que a lei estabelecer Quatro anos após a entrada em vigor da Constituição de 1946 foi promulgado o novo Código Eleitoral 1950 este acabou com o alista mento ex officio Daí em diante o alistamento ocorreria somente por iniciativa do eleitor e este era obrigado a fazêlo se estivesse dentro dos parâmetros constitucionais para tal671 No tocante aos Direitos Individuais esta é uma das Constituições mais interessantes por sua época pelas palavras utilizadas e principalmente por terem alguns de seus contemporâneos chamadoa de A Liberal Sua liberalidade foi tão rasa quanto poderia ser em um período que foi marcado pelo surgimento da Guerra Fria dos Blocos Comunista e Capitalista a consequente bipolarização do mundo e a lembrança muito recente de uma Guerra Mundial A Liberal não tocou no assunto sindicatos a não ser para afirmar que estes deveriam estar conforme a lei art 159 e embora tenha mantido todas as garantias trabalhistas dadas por Vargas era necessário manter o controle nada magnânimo do período da ditadura varguista quanto ao maior problema rural brasileiro a excessiva concentração de terras nas mãos de poucos nem sempre dispostos a fazer algo com elas a Constituição de 46 no máximo indicou a isenção de imposto territorial para propriedades rurais de até 20 hectares pertencentes a um indivíduo ou a uma família art 15 inciso VI 1o Quanto aos Direitos Individuais a Constituição de 1946 retomou muitas garantias e tornou constitucionais outras porém sempre havia restrições relativas a partidos ou manifestações contrárias ao regime democrático o empastelamento de jornais e fechamento de sindi catos não eram considerados antidemocráticos É interessante lembrar que com o alinhamento do Brasil ao Bloco Capitalista capitaneado pelos Estados Unidos na Guerra Fria os outros o Bloco Comunista era considerado antidemocrático por definição Assim afirmava o artigo 141 13 da Constituição de 1946 13 É vedada a organização o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação cujo programa ou ação contrarie o regime democrático baseado na pluralidade dos 671 No mesmo Código Eleitoral foi modificada a fórmula para a distribuição de cadeiras entre os partidos nas eleições para a Câmara dos Deputados Esse sistema continua em vigor até hoje só tendo sido ligeiramente modificado em 1998 quando os votos em branco deixaram de ser contabilizados no cálculo do quociente eleitoral NICOLAU Jair História do voto no Brasil Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 p 48 partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem Outros parágrafos do mesmo artigo indicam garantias que foram deixadas de lado no período da ditadura militar e em certos casos até antes Art 141 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi lidade dos direitos concernentes à vida à liber dade à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes 1o Todos são iguais perante a lei 2o Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei 3o A lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada 4o A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito indi vidual 5o É livre a manifestação do pensamento sem que dependa de censura salvo quanto a espe táculos e diversões públicas respondendo cada um nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer Não é permitido o anonimato É assegurado o direito de resposta A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do poder público Não será porém tolerada propaganda de guerra de processos violentos para subverter a ordem política e social ou de preconceitos de raça ou de classe 6o É inviolável o sigilo da correspondência 7o É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil 8o Por motivo de convicção religiosa filosófica ou política ninguém será privado de nenhum dos seus direitos salvo se a invocar para se eximir de obrigação encargo ou serviço impostos pela lei aos brasileiros em geral ou recusar os que ela estabelecer em substituição daqueles deveres a fim de atender escusa de consciência 11 Todos podem reunirse sem armas não in tervindo a polícia senão para assegurar a ordem pública Com este intuito poderá a polícia de signar o local para a reunião contanto que assim procedendo não a frustre ou impossibilite 12 É garantida a liberdade de associação para fins lícitos Nenhuma associação poderá ser compulsoriamente dissolvida senão em virtude de sentença judiciária 13 É vedada a organização o registro ou o fun cionamento de qualquer partido político ou asso ciação cujo programa ou ação contrarie o regime democrático baseado na pluralidade dos parti dos e na garantia dos direitos fundamentais do homem 15 A casa é o asilo inviolável do indivíduo Ninguém poderá nela penetrar à noite sem con sentimento do morador a não ser para acudir a vítimas de crime ou desastre nem durante o dia fora dos casos e pela forma que a lei estabelecer 20 Ninguém será preso senão em flagrante de lito ou por ordem escrita da autoridade compe tente nos casos expressos em lei 21 Ninguém será levado à prisão ou nela detido se prestar fiança permitida em lei 22 A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao juiz compe tente que a relaxará se não for legal e nos casos previstos em lei promoverá a responsabilidade da autoridade coatora 23 Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Nas transgressões disciplinares não cabe o habeas corpus 24 Para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus concederseá mandado de segurança seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder 25 É assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essenciais a ela desde a nota de culpa que assinada pela auto ridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas será entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas A instrução criminal será contraditória 26 Não haverá foro privilegiado nem juízes e tribunais de exceção 27 Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente e na forma de lei anterior 28 É mantida a instituição do júri com a orga nização que lhe der a lei contanto que seja sem pre ímpar o número dos seus membros e garan tido o sigilo das votações a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos Será obriga toriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida 29 A lei penal regulará a individualização da pena e só retroagirá quando beneficiar o réu 30 Nenhuma pena passará da pessoa do de linqüente 2 A Ditadura Militar 21 Antecedentes A ditadura de Vargas desarticulou o movimento operário que havia obtido alguma visibilidade desde o início do século e após 1945 o Estado passou a buscar uma cada vez maior consolidação da es trutura oficial do sindicalismo no Brasil entretanto nos primeiros anos do Governo Dutra que substituiu o Estado Novo a paralisia do movi mento se quebrou e os trabalhadores viram na conjuntura democrática uma possibilidade de resolução de seus problemas salariais e de sobrevivência672 Nos primeiros anos após a queda da ditadura houve muitas greves e a resposta de Dutra foi violenta chegando 143 sindicatos a ficarem sob intervenção O direito de greve assegurado pelo artigo 158 da Constituição de 1946 acabou sendo restringido por um decreto ante rior o de número 9070 de 1945 como se uma lei ou decreto pudesse superar uma Constituição Essa situação do Governo Dutra estendeuse durante todo o período de 1945 a 1964 com um breve intervalo quando Vargas assu miu o poder pelo voto em 51 Isso porque Vargas apoiouse nos ope rários e em uma política nacionalista Essa tendência acabou gerando toda a crise que deu origem ao seu suicídio em 1954 No campo econômico as décadas de 40 e 50 foram favoráveis na medida em que os Estados Unidos por razões estratégicas haviam procurado sustentar os preços dos produtos latinoamericanos no mercado internacional e somado a isso o Brasil havia saído da II Guerra Mundial com um bom saldo na balança comercial O Capital estrangeiro pressionava cada vez mais a entrada no país e os industriais mesmo os brasileiros passaram a exigir maior participação da iniciativa privada na economia brasileira O capita lismo brasileiro integravase no sistema econômico mundial sob a hegemonia dos Estados Unidos O processo de industrialização com capital nacional e estran geiro acabou por se concentrar no CentroSul do país levando a um imenso e descontrolado crescimento das cidades nessas regiões Com a urbanização acelerada problemas cresciam na mesma proporção desemprego urbano favelização aumento da criminalidade e uma maior possibilidade de participação dessa crescente massa urbana nas decisões do país673 O deslocamento do eixo econômico do rural para o setor urbano industrial fazia com que a importância política das classes médias e do operariado crescesse em igual intensidade Cada vez mais as cidades como o Rio de Janeiro São Paulo e Belo Horizonte figuravam como áreas de grande expressão eleitoral Se a Constituição de 1946 havia 672 O saláriomínimo estava congelado desde 1943 a legislação trabalhista incluindo aí a CLT não estavam sendo cumpridas 673 RODRIGUES Marly A década de 50 populismo e metas desenvolvimentistas no Brasil 4 ed São Paulo Ática 2001 passim mantido o voto somente para alfabetizados era nesses lugares que eles mais se concentravam Esse contingente urbano conforme tomava ciência ainda que parcial de seu poder de voto exigia não somente maior participação política mas maiores direitos sociais como saúde e educação e aumento das possibilidades de emprego e consumo674 Essa emergência das massas urbanas no jogo político já havia sido percebida por Getúlio Var gas Entretanto a continuidade da manipu lação das aspirações populares iniciada por Getúlio na década anterior deveria se adaptar a uma situação política nova Com a redemocrati zação seria necessário considerar a resposta do eleitorado às decisões e atitudes tomadas E ainda seria preciso continuar e cada vez mais a desenvolver estratégias visando conquistar o eleitorado prevendo suas expectativas Firmava se as bases da democracia populista no país A partir de então firmouse a figura do político populista Esses líderes políticos regionais ou de expressão nacional como Jânio Quadros estiveram presentes no cenário político brasileiro até o advento da ditadura militar em 1964675 O período de 1945 a 1964 chamado por alguns de experiência democrática foi portanto uma fornalha prestes a explodir De um lado o operariado urbano desejoso de maior participação e melhorias de vida junto com eles uma massa crescente de despossuídos que ocupavam os morros e periferias das cidades de outro lado a elite acostumada a não ter muitos problemas para impor sua vontade no meio a classe média urbana nova e extremamente ansiosa em parecerse em consumo e pensamento com os da classe alta Em suma um barril social de pólvora Esse período não foi democrático de forma absoluta como poderia parecer ao passar os olhos pela Constituição de 1946 Em menos de 674 BERCITO Sonia de Deus Rodrigues O Brasil na década de 40 autoritarismo e democracia São Paulo Ática 1999 p 79 e ss 675 Ibidem p 81 vinte anos não levando em conta o golpe que derrubou Getúlio Vargas em 1945 os militares intervieram na política de forma abrupta pelo menos duas vezes uma para garantir a eleição de Juscelino Kubistchek e outra para derrubar João Goulart inaugurando a Ditadura Militar O movimento militar de 1964 não nasceu da noite para o dia não foi tampouco o produto de uma preocupação momentânea dos militares com os destinos da nação foi sim antes de tudo o momento culminante e o desfecho de uma longa crise gerada pelas instabi lidades institucionais que subsistiram no país desde 1930 Os destinos do Brasil estavam incorporados aos interesses inter nacionais e nacionais Esses interesses não tinham por objetivo o engrandecimento da Nação por via democrática mas um enquadra mento do país a qualquer custo para que a elite nacional aliada a interesses internacionais econômicos e estratégicos não tivesse que abrir mão desses interesses Bons exemplos disso são o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais e a nova mentalidade de Segurança Nacional importada por nossos militares dos Estados Unidos Desde a posse de João Goulart a liderança da elite brasileira aliada às multinacionais passou à ação golpista e um de seus instrumentos foi o IPES Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais que tinha duas faces a primeira pública apresentavase como um movi mento de homens de negócio que buscavam contribuir para o debate sobre o país a outra coordenava uma sofisticada e multifacética campanha política ideológica e militar contra o governo constitucional de Goulart676 Pela nova mentalidade militar incorporada amplamente pelas altas patentes da chamada Sourbonne Brasileira a Academia Militar das Agulhas Negras o inimigo a quem as forças armadas deveriam combater não era mais o estrangeiro eram os indivíduos e os grupos que com alcunha comunista677 pudessem pôr em risco a ordem no país E agitação e motivos para esta não faltavam nas vésperas do golpe de abril de 1964 o país vivia um momento econômico muito grave conforme descreve Elio Gaspari 676 PAES Maria Helena Simões A década de 60 rebeldia contestação e repressão política 4 ed São Paulo Ática 2001 p 41 677 Esse termo foi utilizado de maneira tão ampla que poderia ser sinônimo de qualquer um que não concordasse com a política instituída Os investimentos estrangeiros haviam caído à metade A inflação fora de 50 em 1962 para 75 no ano seguinte Os primeiros meses de 1964 projetavam uma taxa anual de 140 a maior do século Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra a economia registrara uma contração na renda per capita dos brasileiros As greves dupli caram de 154 em 1962 para 302 em 63 O gover no gastava demais e arrecadava de menos acumulando um déficit de 504 bilhões de cruzei ros equivalente a um terço total das despesas Num país onde a tradição dava aos ministros da Fazenda uma média de vinte meses de perma nência no cargo Goulart dera pouco mais de seis meses a seus cinco ministros678 Se havia agitação deverseia acabar com ela A visão de uma grande parte da elite e da classe média era simplista a esse ponto Não importava se a agitação era apenas fruto de uma causa Ora só uma visão ingênua do processo político permite aceitar a agitação como decorrente de atos de vontade Para essa visão no entanto a turbulência da vida política era devida a tais atos havia agitação porque havia agitadores Detidos os agitadores a agitação cessaria o País entraria na normalidade e tudo se resolveria do melhor modo pelos processos mais convenientes É claro que a agitação constituía mero sintoma estava para a crise como a febre está para a infecção Como sintoma a agitação tomada isoladamente era irrelevante Suprimila não era de forma algu ma suprimir a crise Inflação greves turbulência militar alarmavam seriamente áreas bem defini das da sociedade brasileira Reduzir tais sinto mas suprimilos se possível representava um ideal para tais áreas Era possível reduzir algu mas suprimir outras empregando um remédio 678 GASPARI Elio A ditadura envergonhada São Paulo Companhia das Letras 2002 p 48 forte já conhecido de experiências anteriores o golpe militar679 E assim foi feito entre 31 de março e primeiro de abril de 1964 O país dobrou o cabo da democracia em direção a uma ditadura que tor narseia cada vez mais fechada mais violenta e disposta a não reco nhecer a linha divisória entre a legalidade e a ilegalidade 22 O Ato Institucional o número 1 João Goulart foi deposto por uma Revolta Militar Sua fuga não se deveu a uma ação da elite política civil sequer haviam sido tentados procedimentos de impeachment680 e nos dias consecutivos à fuga do Presidente houve uma série de manobras para tentar buscar saídas para a crise e alguns a tratavam como mais uma da série que se inaugurara em 1954 A Constituição determinava que uma eleição deveria ser convo cada para dentro de trinta dias se a presidência e a vicepresidência estivessem vagas e era este o caso Enquanto alguns políticos civis discutiam que caminhos tomar e a quem escolher para suceder Goulart neste momento de crise nos bastidores os militares pressionavam para que o legislativo fosse limpo dos elementos considerados inacei táveis Seis dias depois do golpe os ministros militares obtiveram o que queriam e a legislação exigida por eles daria amplos poderes para expurgar o funcionalismo civil e revogar os mandatos das legislaturas federais e estaduais Mas mesmo com esse consentimento os minis tros militares decidiram simplesmente deixar de tomar conhecimento do ato de emergência e publicaram com a autoridade que tinham assumido arbitrariamente como Supremo Comando Revolucionário um Ato Institucional O Ato Institucional a princípio não tinha número porque pelo menos aparentemente deveria ser o único Sua elaboração teve a parti cipação de Francisco Campos o mesmo autor da Constituição Dita torial de 1937 ou seja o Ato tinha a paternidade de um especialista em antidemocracia 679 SODRÉ Nelson Werneck Vida e morte da ditadura 20 anos de autoritarismo no Brasil Petrópolis Vozes 1984 p 57 680 Afastamento do Chefe do Executivo por votação do Legislativo Alguns autores como Nelson Werneck Sodré consideram o Ato Institucional número um importante até porque a ditadura teria começado por ele e não pelo golpe de Estado É interessante notar a propósito que a ditadura militar não se instala aqui com a conquista do poder por forças armadas Ela se instala com o chamado AI1 A partir daí realmente começa a ficar claro que se trata de uma nova ordem da institucionalização de um novo tipo de poder O espanto diante disso raiando pela incredulidade foi um pouco ingênuo como a surpresa diante da ocupação do aparelho de Estado e a passagem ao aparelho militar das decisões importantes e até a doutrinação política assim imposta ao país como se este fosse a partir daí área submetida à ocupação militar e ao silêncio político681 O AI1 como ficou conhecido porque vieram tantos outros quantos foram necessários para tornar a ditadura uma redundância em si iniciou uma época em que era necessário para a justificação de atos reinventar palavras legislar além da constitucionalidade Dessa forma o Ato começa justificando e dando um novo sentido à palavra revolução682 É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma perspectiva sobre o seu futuro O que houve e continuará a haver neste momento não só no 681 SODRÉ N W Op cit p 90 682 Pelo dicionário Revolução tem por significado ato ou efeito de revolucionar de realizar ou sofrer uma mudança sensível por analogia grande transformação mudança sensí vel etc Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Em suma para que seja con siderado revolução seus efeitos devem denotar mudança de fato com profundidade e era justamente a manutenção do status quo que havia levado os militares ao golpe em 64 Elio Gaspari discorrendo sobre esta formação de novas palavras afirma A violência política percorreu um ciclo no regime brasileiro Introduziu palavras no léxico cotidiano tais como cassar eufemismos no vocabulário político como a expressão maus tratos para designar pura e simplesmente tortura siglas do direito constitucional como AI abreviatura dos dezessete atos institucionais baixados na desordem legiferante nascida com a a noção segundo a qual a Revolução legitima a si própria GASPARI Elio Op cit p 141 espírito e no comportamento das classes arma das como na opinião pública nacional é uma autêntica revolução A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo mas o inte resse e a vontade da Nação Segue o texto justificando a legitimação do Golpe Militar esta belecendo Poderes Constituintes àqueles que se autointitulavam re volucionários Os Atos Institucionais estariam a partir desse mo mento acima do poder legislador de uma Constituição e assim estiveram por duas décadas a partir do AI1 por força das armas A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte Este se manifesta pela elei ção popular ou pela revolução Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Cons tituinte Assim a revolução vitoriosa como o Po der Constituinte se legitima por si mesma Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo Nela se contém a força normativa inerente ao Poder Constituinte Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limi tada pela normatividade anterior à sua vitória Os chefes da revolução vitoriosa graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte de que o Povo é o único titular Mas era necessário deixar claro que havia um culpado para toda essa situação O culpado era extraído diretamente da Ideologia de Se gurança Nacional descrita anteriormente os elementos que desejavam mudanças e que por isso recebiam o rótulo de comunistas ou bolcheviques O presente Ato Institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa representada pelos Comandos em Chefe das três Armas que respondem no momento pela realização dos objetivos revolucionários cuja frustração estão decididas a impedir Os processos constitucio nais não funcionaram para destituir o governo que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País Os militares tomavam para si e exclusivamente para si o poder de legislar afirmando categoricamente que sua legitimidade não vinha do Congresso Nacional legal e constitucionalmente institucionalizado Mas mantinham como prova segundo eles de não intenção de radi calização a Constituição de 1946 até porque podiam modificála sempre que desejassem não era um incômodo Destituído pela revolução só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuirlhe os poderes ou os instru mentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do País Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário decidimos manter a Constituição de 1946 limitandonos a modificá la apenas na parte relativa aos poderes do Presidente da República a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas Para reduzir ainda mais os ple nos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa resolvemos igualmente manter o Con gresso Nacional com as reservas relativas aos seus poderes constantes do presente Ato Institucional Fica assim bem claro que a revolução não pro cura legitimarse através do Congresso Este é que recebe deste Ato Institucional resultante do exercício do Poder Constituinte inerente a todas as revoluções a sua legitimação Em nome da revolução vitoriosa e no intuito de consolidar a sua vitória de maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um governo capaz de atender aos anseios do povo brasileiro o Comando Supremo da Revolu ção representado pelos ComandantesemChefe do Exército da Marinha e da Aeronáutica resolve editar o seguinte Art 1o São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respectivas Emendas com as modificações constantes deste Ato As modificações citadas no artigo primeiro já se fazem sentir no artigo seguinte O tom dado é que todos os atos permitidos por esse instrumento eram provisórios como provisória deveria segundo a propaganda ser a intervenção militar no país A eleição para presidente e vice seria feita pelo Congresso obvia mente já começando a ficar livre dos elementos purulentos e com praticamente uma só chapa Art 2o A eleição do Presidente e do VicePre sidente da República cujos mandatos terminarão em trinta e um 31 de janeiro de 1966 será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional dentro de dois 2 dias a contar deste Ato em sessão pública e votação nominal O Estado de Sítio poderia ser decretado pelo Presidente eleito indiretamente Art 6o O Presidente da República em qualquer dos casos previstos na Constituição poderá de cretar o estado de sítio ou prorrogálo pelo prazo máximo de trinta 30 dias o seu ato será subme tido ao Congresso Nacional acompanhado de justificação dentro de quarenta e oito 48 horas Garantias Constitucionais ou Legais ficam suspensas e perdem assim todo o sentido que a palavra garantia lhe dava Art 7o Ficam suspensas por seis 6 meses as garantias constitucionais ou legais de vitalicie dade e estabilidade Os artigos 8o e 10 davam ao Poder Executivo encarnado a princí pio em Castello Branco competência para cassar mandatos e abrir inquéritos contra os opositores Art 8o Os inquéritos e processos visando à apu ração da responsabilidade pela prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de atos de guerra revolucio nária poderão ser instaurados individual ou coletivamente Art 10 No interesse da paz e da honra nacional e sem as limitações previstas na Constituição os ComandantesemChefe que editam o presente Ato poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de dez 10 anos e cassar mandatos legislativos federais estaduais e municipais excluída a apreciação judicial desses atos Tudo isso em letra inanimada em um papel parece ser apenas mais um momento da História do país no qual a democracia sofria um duro golpe mas a vida continuava Entretanto estas palavras colo cadas em prática mesmo antes de sua vigência nos dão números bastante expressivos da repressão política que se iniciou em primeiro de abril de 64 Segundo a embaixada norteamericana bem informada até por seu papel ativo no golpe nas semanas seguintes à deposição de João Goulart mais de 5 mil pessoas foram presas Entre 1964 e 1966 cerca de dois mil funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsoriamente Trezentas e oitenta e seis pessoas tiveram seus mandatos cassados eou viram seus direitos políticos serem suspensos por dez anos683 Nem os próprios militares escaparam dessa limpeza inicial que afetou milhares de famílias brasileiras Quatrocentos e vinte um oficiais foram punidos com uma prática a muito abandonada no direito mundial a chamada morte civil Nesta o sujeito é considerado morto em vida e no caso desses militares os familiares chegaram a receber pensão como se de fato mortos eles estivessem Mais duas centenas 683 GASPARI Elio Op cit p 130s conseguiram escapar dessa morte passando para a reserva silen ciosamente entre eles 24 dos 91 generais que o Brasil tinha684 Sete em cada dez confederações de trabalhadores e sindicatos tiveram suas diretorias depostas Por volta de dez mil pessoas foram expurgadas dessas instituições Pelo menos duas dezenas de pessoas morreram em 1964 como resultado direto do golpe Todos sem exceção sofreram esses abusos sem nenhum direito nem o mais elementar direito de defesa A tortura que comentam ser algo que existiu somente nos períodos mais duros da repressão ou seja depois do AI5 do final de 1968 foi uma constante desde o início da ditadura685 Elio Gaspari descreve o caso de um famoso comunista de 64 anos que foi amarrado na traseira de um jipe do exército e foi puxado pelos bairros do Recife como um troféu a cena foi televisionada686 Mas não foram somente comunistas que sofreram desde o início com as torturas os militares mesmo de altas patentes se tivessem tomado posição contrária ao grupo que estava no poder poderiam sofrer tanto quanto qualquer preso político Nunca na história do Brasil os militares haviam desrespeitado tanto a si A tortura não era mais somente um acontecimento ocorrido por acaso no calor da hora Não era mais uma forma de vingança ideológica contra o opositor Era sim um meio de interrogatório usual e constante Tudo era feito em nome do combate à corrupção e à subversão A esta última todos os meios empregados foram considerados poucos o combate à corrupção logo foi relegado a segundo plano O instru mento deste combate eram os IPMs Inquéritos Policiais Militares que resultaram entre 1964 e 1966 processos judiciais contra mais de 2000 pessoas Com o tempo o número de IPMs relativas à corrupção diminuiu e à subversão aumentou 23 O Ato Institucional no 2 No início da Ditadura não eram poucos os políticos de expressão que ainda confiavam na volta rápida à normalidade democrática 684 Ibidem p 131 685 O General Leônidas Pires Gonçalves por exemplo falou sobre o assunto nestes termos admito que houve tortura na repressão da década de 70 mas ela não estava prevista nos regulamentos militares sic CONTREIRAS Hélio Militares confissões 3 ed Rio de Janeiro Mauad 1998 p 73 686 GASPARI Elio Op cit p 132 mas suas esperanças foram terminando conforme pessoas como Juscelino Kubitschek foram também cassados Iniciavase a vitória da linha dura uma parte do jovem oficialato do exército que defendia o que chamavam de pureza dos ideais revolucionários e em nome disso estavam dispostos a eliminar qual quer vestígio do regime deposto bem como qualquer oposição que surgisse porque comungavam da ideologia que estes eram os inimigos do Brasil Mas como em termos de propaganda ao menos o Brasil estava do lado dos que eram democratas ou seja os capitalistas e o país era contra os ditadores antidemocratas comunistas alguma aparência de democracia devia restar e assim foi até o final da ditadura nos anos oitenta um arremedo controlado de participação Haveria então eleições para governadores em 1965 A popularidade do regime militar enfrentaria pela primeira vez um grande teste principalmente em estadoschave como a Guanabara e Minas Gerais Entendido como mais uma vitória da linha dura Castelo Branco tratou de dar mais garantias ao teste fazendo aprovar duas medidas a Lei de Inelegibilidade e o Estatuto dos Partidos Políticos A Lei de Inelegibilidade barrava a candidatura de quaisquer ex ministros de João Goulart e o Estatuto dos Partidos Políticos que se destinava a ser a superestrutura para uma reorganização geral da atividade política no Brasil que a médio e longo prazos impediria a existência de pequenos partidos687 E tudo isso não foi suficiente já que a oposição nos estados considerados importantes ou obteve vitória ou esteve muito perto disso A reação dos militares da linha dura foi imediata e veemente Eles passaram a pressionar o Presidente Castelo Branco para que as eleições fossem anuladas e inclusive que os vencedores fossem investigados pelo Tribunal Militar Todas essas pressões resultaram no Ato Institucional número 2 AI2 de 27 de outubro de 1965 que acabou por restaurar muitos dos poderes especiais que tinham expirado com o primeiro Ato e investiu os revolucionários de poder constituinte permanente Para isso os militares no poder se explicaram da forma que se vê no preâmbulo do AI2 687 SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio Vargas a Castelo Branco 9 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1982 p 376 Não se disse que a revolução foi mas que é e continuará Assim o seu Poder Constituinte não se exauriu tanto é ele próprio do processo revolucionário que tem de ser dinâmico para atingir os seus objetivos Acentuouse por isso no esquema daqueles conceitos traduzindo uma realidade incontestável de Direito Público o poder institucionalizante de que a revolução é dotada para fazer vingar os princípios em nome dos quais a Nação se levantou contra a situação anterior A autolimitação que a revolução se impôs no Ato institucional de 9 de abril de 1964 não significa portanto que tendo poderes para limitarse se tenha negado a si mesma por essa limitação ou se tenha despojado da carga de poder que lhe é inerente como movimento Por isso se declarou textualmente que os processos constitucionais não funcionaram para destituir o Governo que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País mas se acrescentou desde logo que destituído pela revolução só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo Governo e atribuirlhe os poderes ou os instru mentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do poder no exclusivo interesse do País A revolução está viva e não retrocede Tem pro movido reformas e vai continuar a empreendêlas insistindo patrioticamente em seus propósitos de recuperação econômica financeira política e moral do Brasil Para isto precisa de tranqüi lidade Agitadores de vários matizes e elementos da situação eliminada teimam entretanto em se valer do fato de haver ela reduzido a curto tempo o seu período de indispensável restrição a certas garantias constitucionais e já ameaçam e desafiam a própria ordem revolucionária precisa mente no momento em que esta atenta aos pro blemas administrativos procura colocar o povo na prática e na disciplina do exercício democrá tico Democracia supõe liberdade mas não exclui responsabilidade nem importa em licença para contrariar a própria vocação política da Nação Não se pode desconstituir a revolução implan tada para restabelecer a paz promover o bem estar do povo e preservar a honra nacional Segundo Rosalina Corrêa de Araújo com grande propriedade o AI2 foi uma das mais fortes ações políticas que atuaram sobre as Constituições Brasileiras especialmente sobre o Poder Judiciário688 Isso se deveu principalmente porque a Justiça sendo composta por membros concursados oriundos do seio da sociedade civil tem por objetivo a manutenção da lei e do Estado de Direito e isso com certeza não era o que interessava aos militares no poder A lei lhes era interessante enquanto não atrapalhasse seus objetivos o Estado de Direito era nesse momento da história do país o Estado dos Militares assim sendo quem deveria ditar o Direito eram eles Isso explica também o considerando que abre o AI2 CON SIDERANDO que o Poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco não apenas para institucionalizála mas para assegurar a continuidade da obra a que se propôs Portanto por força das armas e da repressão políticosocial os militares brasileiros inauguraram na história do mundo PósRevolução Francesa um documento de lei que tinha mais força que uma Constituição serviria inclusive para emendála sem a participação de nenhum representante do povo E isso por si é inconstitucional ilegal e estranho à hierarquia legal de um Estado de Direito o que causava problemas na justiça para o governo Era portanto imprescindível intervir nessa justiça Isso foi feito emendandose os artigos 94 98 103 e 105 da Constituição de 1946 O artigo 98 foi modificado porque se aumentou o número de Ministros do Supremo Tribunal Federal Art 98 O Supremo Tribunal Federal com sede na Capital da República e jurisdição em todo o território nacional comporseá de dezesseis Ministros Parágrafo único O Tribunal funcionará em Ple nário e dividido em três Turmas de cinco Minis tros cada uma 688 ARAÚJO Rosalina Corrêa Op cit p 336 Isso se explica pelo fato de os Ministros do Supremo à época terem sido escolhidos pelos presidentes civis enquanto o Estado de Direito existia de fato no país portanto o controle sobre estes Ministros era difícil Aumentandose o número de Ministros de 11 para dezesseis os cinco novos escolhidos o seriam dentro dos interesses dos militares no poder dessa forma estava garantido o domínio do Regime sobre o Supremo Tribunal Federal O mesmo foi feito com relação ao Tribunal Federal de Recursos Art 103 O Tribunal Federal de Recursos com sede na Capital Federal comporseá de treze Juízes nomeados pelo Presidente da República depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal oito entre magistrados e cinco entre advogados e membros do Ministério Público todos com os requisitos do art 99 Parágrafo único O Tribunal poderá dividirse em Câmaras ou Turmas Tendo o controle dos órgãos máximos do Judiciário brasileiro o AI 2 passou ainda para o domínio do Tribunal Militar o julgamento de crimes contra a segurança nacional ou seja contra a segurança dos que estavam no governo o que pode ser traduzido como qualquer ato contra o Regime Art 7o O Superior Tribunal Militar comporseá de quinze Juízes vitalícios com a denominação de Ministros nomeados pelo Presidente da Repú blica dos quais quatro escolhidos dentre os Generais efetivos do Exército três dentre os Oficiais Generais efetivos da Armada três dentre os Oficiais Generais efetivos da Aeronáutica e cinco civis Art 8o O 1o do art 108 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação 1o Esse foro especial poderá estenderse aos civis nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares 1o Competem à Justiça Militar na forma da legislação processual o processo e julgamento dos crimes previstos na Lei no 1802 de 5 de janeiro de 1963 2o A competência da Justiça Militar nos crimes referidos no parágrafo anterior com as penas aos mesmos atribuídas prevalecerá sobre qualquer outra estabelecida em leis ordinárias ainda que tais crimes tenham igual definição nestas leis 3o Compete originariamente ao Superior Tri bunal Militar processar e julgar os Governadores de Estado e seus Secretários nos crimes referido no 1o e aos Conselhos de Justiça nos demais casos E por fim o judiciário já não mais tinha competência para julgar os atos praticados em nome da Revolução Art 19 Ficam excluídos da apreciação judicial I os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo federal com funda mento no Ato Institucional de 9 de abril de 1964 no presente Ato Institucional e nos atos com plementares deste II as resoluções das Assembléias Legislativas e Câmara de Vereadores que hajam cassado man datos eletivos ou declarado o impedimento de Governadores Deputados Prefeitos ou Vereado res a partir de 31 de março de 1964 até a promul gação deste Ato No campo político o Presidente e o VicePresidente da República seriam eleitos de maneira indireta por Colégio Eleitoral isso quer dizer que o Congresso Nacional já obviamente livre de opositores de fato iria escolher o presidente e o vice Tendo em vista que o mesmo Ato só permitia dois candidatos o do governo estaria garantido Art 9o A eleição do Presidente e do VicePresi dente da República será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em sessão pública e votação nominal 1o Os Partidos inscreverão os candidatos até 5 dias antes do pleito e em caso de morte ou im pedimento insuperável de qualquer deles pode rão substituílos até 24 horas antes da eleição 2o Se não for obtido o quorum na primeira vota ção repetirseão os escrutínios até que seja atingido eliminandose sucessivamente do rol dos candidatos o que obtiver menor número de votos 3o Limitados a dois os candidatos a eleição se dará mesmo por maioria simples Assim surgiram os dois partidos da ditadura o MDB Movimento Democrático Brasileiro uma oposição light visto que os opositores que de fato incomodavam o governo eram cassados e a ARENA Aliança Renovadora Nacional que apoiava o governo689 Art 18 Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros Parágrafo único Para a organização dos novos Partidos são mantidas as exigências da Lei no 4740 de 15 de julho de 1965 e suas modifi cações As cassações voltaram a ser feitas pelo Presidente e o Estado de Sítio também pode ser instituído por ele As garantias que depois de terem sido suspensas uma vez já não garantiam muita coisa foram suspensas novamente Art 14 Ficam suspensas as garantias consti tucionais ou legais de vitaliciedade inamovibili dade e estabilidade bem como a de exercício em funções por tempo certo 689 Com o Ato Suplementar no 4 de novembro de 1965 criaramse regras para a formação de novos partidos A exigência era de um mínimo de 120 deputados e 20 senadores o que daria para formar três mas os que formaram a ARENA apressaramse em conseguir 250 deputados para não somente ter a maioria como impedir um terceiro partido que geraria negociações O MDB depois da fim do Regime Militar tornouse o PMDB e a ARENA se dividiu em PFL e PDS Este último se transformou posteriormente em PPB e agora chamase PP Parágrafo único Ouvido o Conselho de Segurança Nacional os titulares dessas garantias poderão ser demitidos removidos ou dispensados ou ainda com os vencimentos e as vantagens pro porcionais ao tempo de serviço postos em dis ponibilidade aposentados transferidos para a reserva ou reformados desde que demonstrem incompatibilidade com os objetivos da Revo lução690 Art 15 No interesse de preservar e consolidar a Revolução o Presidente da República ouvido o Conselho de Segurança Nacional e sem as limi tações previstas na Constituição poderá suspen der os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 dez anos e cassar mandatos legislativos federais estaduais e municipais Levando em consideração que os suplentes a substituir os políticos cassados podiam também gerar problemas o AI2 resolveu a questão No parágrafo único do artigo 15 lemos Parágrafo único Aos membros dos Legislativos federal estaduais e municipais que tiverem seus mandatos cassados não serão dados substitutos determinandose o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos Mas as cassações implicavam com o AI2 em algo mais que sim ples afastamento do cargo político geravam inclusive uma mordaça impedindo o cassado de se pronunciar sobre questões políticas e po diam até provocar liberdade vigiada e suspensão do direito de ir e vir Art 16 A suspensão de direitos políticos com base neste Ato e no art 10 e seu parágrafo único do Ato institucional de 9 de abril de 1964 além do disposto no art 337 do Código Eleitoral e no art 6o da Lei Orgânica dos Partidos Políticos acarreta simultaneamente 690 Obviamente aí estão incluídos juízes I a cessação de privilégio de foro por prerro gativa de função II a suspensão do direito de votar e de ser vo tado nas eleições sindicais III a proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de natureza política IV a aplicação quando necessária à preserva ção da ordem política e social das seguintes medidas de segurança a liberdade vigiada b proibição de freqüentar determinados lugares c domicílio determinado A independência dos Estados também foi afetada pelo AI2 que previa intervenção do Governo Federal inclusive para evitar a chamada subversão da ordem Essa intervenção deveria ser submetida à aprovação do Congresso mas essa aprovação não poderia gerar prejuízos à sua execução Art 17 Além dos casos previstos na Constituição federal o Presidente da República poderá decre tar e fazer cumprir a intervenção federal nos Estados por prazo determinado I para assegurar a execução da lei federal II para prevenir ou reprimir a subversão da ordem Parágrafo único A intervenção decretada nos ter mos deste artigo será sem prejuízo da sua execução submetida à aprovação do Congresso Nacional O Executivo controlava então o Judiciário e poderia cassar man datos no legislativo Mas para este último o Regime se reservava o direito de decretar recesso e legislar em lugar Art 30 O Presidente da República poderá baixar atos complementares do presente bem como de cretosleis sobre matéria de segurança nacional Art 31 A decretação do recesso do Congresso Nacional das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar do Presidente da República em estado de sítio ou fora dele Parágrafo único Decretado o recesso parla mentar o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar mediante decretosleis em todas as matérias previstas na Constituição e na Lei Orgânica 24 O Ato Institucional no 3 Em 1966 haveria eleições para governadores e prefeitos e a linha dura não queria mais arriscar Os opositores ganhavam cada dia mais simpatizantes porque ficava mais claro conforme o tempo passava que a ditadura viera para ficar Em contrapartida as eleições cada vez tinham menos importância política efetiva governadores eram expurgados o Congresso fechado por longos períodos deputados senadores deputados federais eram cassados A eleição não passava de um arremedo de farsa para que houvesse a impressão longínqua de normalidade democrática Tendo que manter a mentira eleitoral mas não suportando a ofensa de ver rechaçada nas urnas aquilo que chamavam de Revo lução a tendência foi controlar o máximo possível o processo eleitoral de forma que mesmo a farsa ocorresse sob controle Por isso o Ato Institucional no 3 AI3 que tornou a eleição para o Governo dos Estado indireta como a do Presidente O Colégio eleitoral do Governador seria formado pela Assembleia Legislativa de seu respectivo Estado Art 1o A eleição de Governador e ViceGover nador dos Estados farseá pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa em sessão pública e votação nominal A eleição seria por chapa ou seja governador e vicegovernador eleitos simultaneamente com votos que valiam para os dois nos cargos a que se candidatavam pela chapa Art 2o O VicePresidente da República e o Vice Governador de Estado considerarseão eleitos em virtude da eleição do Presidente e do Gover nador com os quais forem inscritos como can didatos Os prefeitos de capitais seriam então indicados por esses governadores Art 4o Respeitados os mandatos em vigor serão nomeados pelos Governadores de Estado os Prefeitos dos Municípios das Capitais mediante prévio assentimento da Assembléia Legislativa ao nome proposto 25 Ato Institucional no 4 e a Constituição de 1967 A Constituição de 1946 com três Atos Institucionais revolvendo sua estrutura não podia mais ser considerada como uma Constituição de fato era um arremedo que valia enquanto não incomodava os que estavam no poder e à medida que um Ato Institucional não versasse sobre o assunto Decidiuse então fazer uma nova Constituição incorporando nesta os Atos Institucionais e Lei de Imprensa que instituiu a censura prévia e o controle total dos meios de comunicação pelo governo e a Lei de Segurança Nacional de fevereiro de 1967 O Ato Institucional no 4 nada mais foi do que a convocação do Congresso Nacional fechado pelo executivo fazia tempo para votar a Constituição A nova Constituição foi feita no decorrer de 1966 por uma equipe de quatro constitucionalistas nomeados pelo presidente Levy Carneiro Temístocles Cavalcanto Orozimbo Nonato e Miguel Seabra Fagundes Esse anteprojeto foi revisto de um ponto de vista mais autoritário pelo então Ministro da justiça Carlos Medeiros da Silva Apresentado ao Congresso foi aprovado sem qualquer alteração apesar de ter havido debates capitaneados por nomes do peso de Afonso Arinos de Melo Franco e apesar da imensa quantidade de emendas propostas A Constituição de 1967 era nada mais que a de 1946 extraídos os pontos democráticos demais e incluídos os Atos Institucionais Nesse sentido o Executivo ganhou muito poder inclusive para apurar crimes contra a segurança nacional a ordem política e social etc Art 8o Compete à União c a apuração de infrações penais contra a segurança nacional a ordem política e social ou em detrimento de bens serviços e interesses da União assim como de outras infrações cuja prá tica tenha repercussão interestadual e exija repressão uniforme segundo se dispuser em lei d a censura de diversões públicas O Poder Executivo também interfere na questão legislativa sempre que considerar necessário e em matérias de segurança pública ou matéria financeira Art 58 O Presidente da República em casos de urgência ou de interesse público relevante e desde que não resulte aumento de despesa poderá expedir decretos com força de lei sobre as seguintes matérias I segurança nacional II finanças públicas Parágrafo único Publicado o texto que terá vi gência imediata o Congresso Nacional o aprovará ou rejeitará dentro de sessenta dias não podendo emendálo se nesse prazo não houver deliberação o texto será tido como aprovado A composição desse Executivo se daria como indicado no AI2 através de eleição por Colégio Eleitoral Art 76 O Presidente será eleito pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral em sessão pública e mediante votação nominal 1o O Colégio Eleitoral será composto dos mem bros do Congresso Nacional e de Delegados indicados pelas Assembléias Legislativas dos Estados 2o Cada Assembléia indicará três Delegados e mais um por quinhentos mil eleitores inscritos no Estado não podendo nenhuma representação ter menos de quatro Delegados E o Presidente teria muitos poderes Art 83 Compete privativamente ao Presidente I a iniciativa do processo legislativo na forma e nos casos previstos nesta Constituição II sancionar promulgar e fazer publicar as leis expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução III vetar projetos de lei IV nomear e exonerar os Ministros de Estado o Prefeito do Distrito Federal e os Governadores dos Territórios V aprovar a nomeação dos Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional art 16 1o letra b XIV decretar o estado de sítio XV decretar e executar a intervenção federal A intervenção federal poderia ocorrer até ao nível municipal mesmo porque além dos prefeitos de capitais os prefeitos de cidades consideradas como áreas de segurança nacional também seriam nomeados art 16 1o Serão nomeados pelo Governador com prévia aprovação a da Assembléia Legislativa os Prefeitos das Capitais dos Estados e dos Municípios conside rados estâncias hidrominerais em lei estadual b do Presidente da República os Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional por lei de iniciativa do Poder Exe cutivo Nessa Constituição aparece também dando a ela força consti tucional a Lei de Segurança Nacional Essa lei visava a defesa contra o tipo de guerra interna que muito preocupava os militares antico munistas no Brasil Novas penalidades eram previstas para os respon sáveis por guerras psicológicas ou para os promotores de greves todos eram considerados inimigos que procuravam desestabilizar o governo que sempre era confundido com o país Era uma lei devastadora para Flávia Lages de Castro os direitos civis A Constituição reproduzia o artigo 1o da Lei de Se gurança Nacional Art 89 Toda pessoa natural ou jurídica é res ponsável pela segurança nacional nos limites definidos em lei Com relação à Justiça permaneceu o que tinha sido indicado pelos Atos Institucionais 1 e 2 ou seja o Supremo com dezesseis ministros e a Justiça Militar responsável pelo julgamento de crimes contra a segurança nacional No capítulo sobre Direitos Individuais é que a farsa toma um vulto que beira o exótico Mantémse a redação de direitos de um Estado de Direito de fato com algumas exceções Mas a realidade tornava essas palavras uma brincadeira de mau gosto Art 150 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a invio labilidade dos direitos concernentes à vida à liberdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes 1o Todos são iguais perante a lei sem distinção de sexo raça trabalho credo religioso e con vicções políticas O preconceito de raça será punido pela lei 2o Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei 3o A lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada 4o A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito indi vidual 8o É livre a manifestação de pensamento de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura salvo quanto a espetáculos de diversões públicas responden do cada um nos termos da lei pelos abusos que cometer É assegurado o direito de resposta A publicação de livros jornais e periódicos inde pende de licença da autoridade Não será porém tolerada a propaganda de guerra de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe 9o São invioláveis a correspondência e o sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas 10 A casa é o asilo inviolável do indivíduo Ninguém pode penetrar nela à noite sem consentimento do morador a não ser em caso de crime ou desastre nem durante o dia fora dos casos e na forma que a lei estabelecer 12 Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente A lei disporá sobre a prestação de fiança A prisão ou detenção de qualquer pessoa será Imediatamente comunicada ao Juiz com petente que a relaxará se não for legal 13 Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente A lei regulará a individualização da pena 14 Impõese a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário 15 A lei assegurará aos acusados ampla defe sa com os recursos a ela Inerentes Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de exceção 16 A instrução criminal será contraditória observada a lei anterior quanto ao crime e à pena salvo quando agravar a situação do réu 20 Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Nas transgressões disciplinares não caberá habeas corpus 21 Concederseá mandado de segurança para proteger direito individual liquido e certo não amparado por habeas corpus seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder 27 Todos podem reunirse sem armas não intervindo a autoridade senão para manter a ordem A lei poderá determinar os casos em que será necessária a comunicação prévia à autorida de bem como a designação por esta do local da reunião 28 É garantida a liberdade de associação Nenhuma associação poderá ser dissolvida senão em virtude de decisão judicial O parágrafo primeiro do artigo 150 já demonstra que este era um artigo que o Regime não levaria a sério não havia igualdade para pessoas que acreditavam em outros modelos políticos que não o que o Regime Militar impunha Acerca da falácia dos parágrafos 9o e 10 vale lembrar que o país contava com um órgão de Investigação de subversivos ou seja antagonistas políticos de toda espécie o SNI Serviço Nacional de Informação O SNI nasceu com uma dotação orçamentária enorme e tinha por objetivo ser uma CIA voltada para dentro691 O próprio criador do órgão afirmou em 1984 que a inviolabilidade de qualquer coisa não era problema para o SNI Se havia censura de telefones Havia Nós enganchávamos os telefones a partir de uma base montada no prédio do Ministério do Exército no Rio de Janeiro Primeiro você tem que gravar o que é simples pois as máquinas só rodam quando o telefone é retirado do gancho Depois é preciso tirar o que está na fita e coloca lo no papel É o que se chama degravar Isso dá um trabalho danado Depois você tem que analisar o que dá ainda mais trabalho692 A própria Constituição de 1967 alertava no mesmo capítulo sobre Direitos Individuais do perigo de se abusar desses direitos A previ 691 O SNI foi criado pela Lei no 4341 de 13 de junho de 1964 692 GOLBERY apud GASPARI Elio Op cit p 164 são constitucional para tal abuso era a pena de perda de direitos políticos Art 151 Aquele que abusar dos direitos in dividuais previstos nos 8o 23 27 e 28 do artigo anterior e dos direitos políticos para atentar contra a ordem democrática ou praticar a cor rupção incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos declarada pelo Supremo Tribunal Federal mediante representação do ProcuradorGeral da República sem prejuízo da ação civil ou penal cabível assegurada ao paciente a mais ampla defesa Parágrafo único Quando se tratar de titular de mandato eletivo federal o processo dependerá de licença da respectiva Câmara nos termos do art 34 3o 26 O Ato Institucional no 5 A destruição da vida política pelo governo Castelo Branco não passou despercebida para muitos setores da sociedade brasileira As tentativas de reação pelas urnas se apresentavam limitadas pela interferência do Regime no processo e não havia muitas formas de expressão de descontentamento possíveis Costa e Silva segundo presidente do Regime teve que enfrentar uma enorme onda de protestos em todo país Antigos líderes políti cos anteriormente inimigos se uniram em uma oposição extrapar lamentar chamada Frente Ampla Greves de trabalhadores incomo dados com o eterno congelamento do saláriomínimo e passeatas do movimento estudantil marcavam o momento político brasileiro O Movimento Estudantil ganhou força na década de sessenta principalmente por estranho que pareça como reação a ações do Governo Militar A tentativa de Castelo Branco de reorganizar o sistema de ensino superior que punha em pauta a cobrança do ensino ministrado pelas universidades públicas uniu os estudantes em torno de uma causa única e segundo a opinião de Elio Gaspari que compartilhamos a colocação da UNE União Nacional dos Estudantes e de todos os órgãos do Movimento Estudantil na ilegalidade deram a oportunidade para que estes se encontrassem definitivamente com outros movimentos Em junho de 1964 Castelo enviara ao Congresso uma mensagem propondo a extinção da UNE e das demais organizações estudantis Com essa providência o regime dirigido por uma geração de oficiais que na década de 20 freqüentara as academias militares em estado de semirebeldia pretendia a tarefa impossível de despolitizar as universidades Seu efeito imediato foi uma ini bição temporária da esquerda acadêmica O efei to profundo foi bem outro Colocouse gradativa mente o movimento estudantil na clandestinida de juntandoos aos partidos comunistas ao ra dicalismo brizolista e sobretudo às centenas de sargentos e suboficiais que haviam sido expulsos das Forças Armadas693 Os militares expulsos das Forças Armadas por não compartilha rem plenamente dos interesses e pensamentos dos que controlavam o governo também tinham partido para a oposição No caso deles pau latinamente e principalmente depois do AI5 essa oposição tomou o rumo da guerrilha compartilhada por outros O recurso às armas era o que se podia esperar de pessoas treinadas para lidar com o mundo desta forma Uma parte da Igreja Católica notadamente aqueles que come çavam a se alinhar com o pensamento que tomou o nome de Teologia da Libertação passou a apoiar os protestos contra a Ditadura Militar Mas a direita também se mobilizava movimentos como o CCC Comando de Caça aos Comunistas e o Movimento Anticomunista se tornaram os mais conhecidos Outros grupos com característica de imposição de terror também se organizaram nas sombras Com a oposição crescendo os militares chamados linha dura chegaram ao desespero Para pessoas que consideraram em 1965 uma derrota afrontosa e uma oposição inimaginável a perda nas urnas do Governo de dois Estados para partidos nãoalinhados com seus inte resses marchas protestos e outras formas de demonstração de des contentamento eram um absurdo completo Nesse ambiente o que os militares linhadura necessitavam era apenas uma desculpa e ela foi dada por inocência ou opinião pelo 693 GASPARI Elio Op cit p 226 deputado Marcio Moreira Alves do MDB quando recomendou em discurso na Câmara que o povo não comparecesse às festividades do 7 de setembro em sinal de protesto Ele também propôs a Operação Lysistrata nome da personagem da Comédia Grega de Aristófanes que acabou com uma guerra fazendo greve sexual que levaria as mulheres brasileiras a boicotarem seus maridos até que a repressão acabasse A população achou muita graça da proposta mas os militares tinham a desculpa que precisavam694 No dia 13 de dezembro de 1968 foi convocado o Conselho de Segurança Nacional para que este fosse informado do novo Ato Institucional a ser proclamado Em uma mesma noite foi anunciado ao país um Ato Institucional que transformava uma ditadura em um Regime pior ainda e um Ato Suplementar o de número 38 que punha o Congresso em recesso por tempo indeterminado O Ato Institucional no 5 o AI5 na sua Introdução já indica que a legislação anterior a legalidade mesmo que torta baseada nas ingerências já realizadas nas leis brasileiras não estava sendo considerada suficiente por aqueles que detinham o poder no país Considerando no entanto que atos nitidamente subversivos oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais comprovam que os instru mentos jurídicos que a Revolução vitoriosa outor gou à Nação para sua defesa desenvolvimento e bemestar de seu povo estão servindo de meios para combatêla e destruíla Considerando que assim se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustra dos os ideais superiores da Revolução preser vando a ordem a segurança e tranqüilidade o desenvolvimento econômico e cultural e a har monia política e social do país comprometidos por processos subversivos e de guerra revolu cionária 694 Delfin Neto afirmou em entrevista em 1988 Naquela época do AI5 havia muita tensão mas no fundo era tudo teatro Havia passeatas havia descontentamento militar mas havia sobretudo teatro Era um teatro para levar ao Ato O discurso de Marcito não teve importância nenhuma O que se preparava era uma ditadura mesmo Tudo era feito para levar àquilo GASPARI Elio Op cit p 339 Todo o poder em um grau jamais vivido no Brasil que já havia sido comandado por Imperadores foi dado ao indivíduo que ocupasse a Presidência Era ele quem teria o domínio sobre os Legislativos federal estaduais e municipais Era sua a decisão destes permane cerem abertos ou estarem em recesso Em não havendo Legislativo o Executivo correspondente tomaria para si o poder de legislar Art 2o O Presidente da República poderá decre tar o recesso do Congresso Nacional das Assem bléias Legislativas e das Câmaras de Ve readores por Ato Complementar em estado de sítio ou fora dele só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República 1o Decretado o recesso parlamentar o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias o exercer as atri buições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios Seu poder não seria restrito ao legislativo O Poder Executivo de Estados e Municípios também estariam sob seu poder visto que ele poderia se achasse por bem intervir em Estados e Municípios Art 3o O Presidente da República no interesse nacional poderá decretar a intervenção nos Esta dos e Municípios sem as limitações previstas na Constituição Parágrafo único Os interventores nos Estado e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam respectiva mente aos Governadores ou Prefeitos e gozarão das prerrogativas vencimentos e vantagens fixados em lei A ingerência poderia se dar também através da cassação de mandatos Art 4o No interesse de preservar a Revolução o Presidente da República ouvido o Conselho de Segurança Nacional e sem as limitações previs tas na Constituição poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos efetivos federais es taduais e municipais Parágrafo único Aos Mem bros dos Legislativos federal estaduais e munici pais que tiverem seus mandatos cassados não serão dados substitutos determinandose o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos A suspensão de Direitos Políticos que antes poderia gerar alguns efeitos a partir do AI5 certamente gerava Art 5o A suspensão dos direitos políticos com base neste Ato importa simultaneamente em I cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função II suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais III proibição de atividades ou manifestações sobre assunto de natureza política IV aplicação quando necessá ria das seguintes medidas de segurança a li berdade vigiada b proibição de freqüentar de terminados lugares c domicílio determinado O Judiciário foi outro alvo Art 6o Ficam suspensas as garantias constitu cionais ou legais de vitaliciedade inamovibili dade e estabilidade bem como a de exercício em funções por prazo certo 1o O Presidente da República poderá mediante decreto demitir remover aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo assim como empregados de autarquias empresas públicas ou sociedades de economia mista e demitir transferir para a re serva ou reformar militares ou membros das Polí cias Militares Assegurados quando for o caso os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço E de fato em janeiro de 1969 três ministros do Supremo Tribunal Federal foram forçados a se aposentar o presidente do Supremo acabou renunciando em protesto Um sexto Ato Institucional foi feito e o número de magistrados do STF caiu de 16 para 11 e os delitos contra a segurança nacional que anteriormente poderiam ser julgados por Tribunais militares ou civis foram para a jurisdição dos Tribunais Militares E mesmo estes não escaparam da fúria da linha dura O governo decretou a aposentadoria de um General ministro do Supremo Tribunal Militar por considerar que ele era complacente demais com os réus O Estado de Sítio ficava a cargo do Presidente que sequer precisava dar qualquer satisfação sobre sua decretação É importante lembrar que a decretação de Estado de Sítio gera uma suspensão automática das garantias constitucionais Art 7o O Presidente da República em qualquer dos casos previstos na Constituição poderá decretar o estado de sítio e prorrogálo fixando o respectivo prazo Mesmo a questão da propriedade estava livre do poder presidencial O AI5 dava ao presidente a possibilidade de decretar confisco de bens Art 8o O Presidente da República poderá após investigação decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido ilicitamente no exercício de cargo ou função pública inclusive de autarquias empresas públicas e sociedades de economia mista sem prejuízo das sanções penais cabíveis Parágrafo único Provada a legitimidade da aquisição dos bens farseá sua restituição E o mais grave ficou gravado no artigo 10 a suspensão do habeas corpus para crimes políticos que não tinham uma definição muito clara Se o habeas corpus é um remédio constitucional que tem por objetivo salvaguardar o indivíduo de ilegalidades na prisão os cidadãos bra sileiros ficaram à mercê de qualquer tipo de coação do Estado695 695 É uma garantia individual ao direito de locomoção consubstanciada em uma ordem dada pelo Juiz ou Tribunal ao coator fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção em sentido amplo o direito do indivíduo de ir vir e ficar MORAES Alexandre Direito constitucional 8 ed São Paulo Atlas 2000 p 130 Art 10 Fica suspensa a garantia de habeas cor pus nos casos de crimes políticos contra a segu rança nacional a ordem econômica e social e economia popular Para completar o quadro de possibilidades de repressão à margem de qualquer legalidade três meses depois da edição do AI5 ficou es tabelecido que os encarregados dos Inquéritos Policiais podiam prender qualquer indivíduo por sessenta dias dos quais dez em regime de incomunicabilidade Tempo mais que suficiente para que a tortura que já era usual e especializada acontecesse de maneira mais faci litada696 As opiniões acerca do AI5 mesmo entre militares nunca foram muito coerentes Helio Contreiras reuniu em um livro depoimentos de militares de altas patentes e importância na época que indicam quase que um mesmo raciocínio a ditadura deveria ter acabado com o primeiro presidente Castelo Branco e o AI5 foi um erro um exagero O Brigadeiro Oswaldo Terra de Faria assim se pronunciou acerca do assunto O mais grave erro do período militar foi sem dúvida a decretação do AI5 Não deveríamos ter adotado um ato de força que anulou os direitos dos cidadãos e as instituições e ainda por tempo indeterminado697 O Almirante Julio de Sá Bierrenbach militar da linha dura até a década de setenta quando constatou no Supremo Tribunal Militar que havia tortura opinou 696 A especialização em tortura no Brasil chegou a tal ponto que o país exportou esse know how para vários países da América Latina e África No gulag brasileiro havia três tipos de especialistas os torturadores que aplicavam choques elétricos espancamentos quase afogamentos na combinação certa para arrancarem confissões os analistas que recebiam informações sobre a última sessão de tortura e as comparavam às vezes por computador com dados anteriores para indicarem o que mais a vítima poderia saber e os médicos que examinavam o estado físico das vítimas para informarem até que ponto resistiriam às novas torturas se continuassem de boca fechada SKIDMORE T Brasil de Castelo Op cit p 258 697 Apud CONTREIRAS Hélio Militares confissões 3 ed Rio de Janeiro Mauad 1998 p 93 Mas depois tentaram perpetuaro regime en quanto o AI5 se tornou um recurso exagerado contra a crise de 1968 A suspensão do Habeas Corpus foi um erro e a Lei de Segurança Nacional decretolei 89869 seria radical demais pois tinha verdadeiros absurdos Confesso que fiz uma avaliação errada do que se passava no Brasil em 1964 Pelas informações que recebia imagi nava que 50 dos problemas do país eram cau sados pelo confronto ideológico com o comu nismo e os outros 50 pela corrupção Depois constatei que 95 dos problemas eram causados pela corrupção que não foi controlada nem durante o regime nem depois dele698 O único que destoa nesses depoimentos é o General Newton Cruz considerado um dos homens mais duros do regime e um de seus defensores perpétuos Para ele o AI5 não deveria ter existido mas não porque era em si um excesso ou um absurdo contra a cidadania mas porque havia meios e dispositivos legais suficientes para se fazer o que se fez As razões do AI5 se tornam também historica mente insustentáveis até porque já havia em de zembro de 1968 dispositivos legais que o torna vam desnecessário Mas quanto ao SNI se admito que houve desvios éticos considero en tretanto que voltaria a atuar em órgão seme lhante àquele porque a lei que o criou não previa escuta telefônica Lideranças políticas como Antonio Carlos Magalhães ajudaram a sustentar o regime Nós devemos muito a ele699 27 Outras Leis do Regime Militar e a Emenda Constitucional no 1 de 1969 O Regime Militar depois do AI5 legiferou com afinco como que para legalizar seus atos Mais 11 Atos Institucionais foram decretados 698 Apud CONTREIRAS Hélio Op cit p 85 e ss 699 Apud CONTREIRAS Hélio Op cit p 95 depois do AI5 alguns contendo questões imediatas relativas à administração outros como o AI13 possibilitavam o banimento de cidadãos brasileiros considerados indesejados Art 1o O Poder Executivo poderá mediante pro posta dos Ministros de Estado da Justiça da Marinha de Guerra do Exército ou da Aero náutica Militar banir do território nacional o brasileiro que comprovadamente se tornar inconveniente nocivo ou perigoso à segurança nacional Parágrafo único Enquanto perdurar o banimento ficam suspensos o processo ou a execução da pena a que porventura esteja respondendo ou condenado o banido assim como a prescrição da ação ou da condenação E já que a porta para toda possibilidade de repressão estava aberta foi baixado ainda em 69 o AI14 que possibilitava a Pena de Morte Art 1o O 11 do art 150 da Constituição do Brasil passa a vigorar com a seguinte redação Art 150 11 Não haverá pena de morte de prisão perpétua de banimento ou confisco salvo nos casos de Guerra Externa Psicológica Adversa ou Revolucionária ou Subversiva nos termos que a lei determinar Houve também uma renovação da Lei de Segurança Nacional que inspirada no AI5 tornava a questão de segurança da nação totalmente incompatível com qualquer noção de cidadania e direitos advindos desta Um dos alvos prediletos dos militares entretanto foram os estu dantes e sua crença atemporal de mudança que causa um atrevimento que chega às raias da inocência O Governo interferiu nas matérias a serem ministradas nos colégios praticamente banindo como Napoleão o fez em sua época a História e a Filosofia Os militares impuseram uma nova cadeira obrigatória a Educação Moral e Cívica que tinha por escopo todo um sentimento cívico prémoldado e uma visão moralista de mundo700 O Regime chegou a baixar um DecretoLei número 477 de 26 de fevereiro de 1969 que continha como um Código Penal para delitos cometidos por professores e alunos de instituições de ensino públicas e particulares Para tentar continuar a falácia democrática era necessário minimamente reestruturar a Constituição de 1967 que tinha sido atropelada pelo AI5 e por uma grande quantidade de DecretosLei e outras legislações O VicePresidente à época Pedro Aleixo foi encarregado de fazer o esboço inicial do que se pretendia ser uma nova constituição Esse esboço foi submetido a eminentes constitucionalistas dispostos a fazer vistas grossas aos arremedos e restrições ao Estado de Direito que os militares impunham mas por questões de incapacidade física do presidente e porque os militares desejavam à frente do governo alguém mais duro o esboço de Pedro Aleixo foi engavetado Com Médici o Brasil viveu seus anos mais sombrios Com ele a Constituição de 1967 recebeu a Emenda número 1 que a título de propaganda foi chamada de Constituição de 1969 Mas não era uma Constituição Nova era composta por longos blocos não revistos da Constituição de 1967 e de alterações básicas que aumentavam ainda mais o Poder do Executivo fortalecendo a Lei de Segurança Nacional A Emenda previa a diminuição de represen tação na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas Estaduais O alcance das imunidades parlamentares era reduzido na prática não existia desde muito tempo 700 A lei que definia o programa de Moral e cívica tinha por introdução os objetivos da matéria que seriam defender os princípios democráticos pela preservação do espírito religioso da dignidade do ser humano e do amor à liberdade com responsabilidade sob a inspiração de Deus sic CAPÍTULO XIX A REDEMOCRATIZAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 1 O Fim do Regime Militar A partir de 1978 no último ano do Presidente General Ernesto Geisel forças populares e democráticas começaram a ressurgir pelo país O início se deu com as greves dos metalúrgicos de São Paulo nas quais cem mil operários cruzaram os braços exigindo melhores salá rios Apesar de a legislação trabalhista proibir greves e ser extrema mente opressiva apesar de os líderes terem sido presos este foi o primeiro sinal que o país viu de uma resistência No período da presidência de Geisel várias mortes na prisão de opositores do governo jornalistas operários repercutiram muito negativamente na opinião pública Parecia que uma parte cada vez maior da população não estava mais disposta a suportar a repressão Com o governo do General João Batista Figueiredo as esperanças acenderamse a palavra Abertura que indicava naquela época uma redemocratização entrava novamente em voga Mas o general que adorava equitação apenas substituiu o AI5 pelas salvaguardas pelos estados de emergência com o mesmo efeito do Ato Institu cional Mas o governo militar não tinha muitas saídas poderia protelar mas não evitar a redemocratização A crescente impopularidade do regime aumentava o perigo de organização popular e além disso como o modelo econômico implantado pela ditadura estava derivando em crescentes déficits principalmente após a crise do petróleo do início da década de 70 a crise econômica e consequentemente social que iria emergir violenta mais cedo ou mais tarde indicava que os que construíram o problema iam desejar passálo para outros no caso os civis Nos últimos meses de 1983 teve início em todo o país uma campanha pelas eleições diretas para presidente intitulada Diretas Já e o movimento chegou ao auge em abril de 1984 quando a emenda Dante de Oliveira como ficou conhecida a proposta de emenda constitucional para restabelecer as eleições diretas foi votada701 Para intimidar os parlamentares que iriam votar a emenda o governo decretou medidas de emergência no Distrito Federal nomeando o General Newton Cruz para executálas Em clima de medo os governistas derrotaram a emenda Canalizouse então a energia oposicionista para tentar conseguir eleger indiretamente por Colégio Eleitoral um presidente civil Reunido o Colégio Eleitoral a vitória foi da oposição mas esta não conseguiu seu intento O presidente eleito adoeceu e morreu e seu vice assumiu José Sarney o primeiro presidente civil depois de duas décadas de ditadura havia sido da ARENA partido que compartilhou o poder com os militares O país voltou suas esperanças para uma nova Constituição 2 A Constituinte de 1987 A sociedade brasileira encarou de várias maneiras diferentes a feitura de uma nova Constituição Sem dúvida esperavase que a de mocracia saísse vitoriosa depois de anos de mordaça para maior parte do povo a constituição era a esperança de aumentar sua participação política econômica e social Para os partidos de esquerda era o momento de se remover o entulho autoritário ou seja uma série de leis e atos da ditadura que limitavam o exercício da cidadania Para aqueles que comungaram do Regime Militar era o momento de se fazer simplesmente uma reforma jurídica curta e eficiente Sob uma inflação galopante e imensa os trabalhos constituintes se iniciaram em fevereiro de 1987 e pela primeira vez na história do país a Constituinte aceitava propostas encaminhadas pela população as emendas populares702 Mas a Assembleia Nacional Constituinte não foi capaz de fortalecer vínculos partidários nem de se colocar independente de fato do Poder Executivo Desde a sua instalação a pressão do Presidente se fazia presente principalmente através da legislação ditatorial que ainda existia 701 O Rio de Janeiro e São Paulo na campanha pelas diretas tiveram a participação de mais de um milhão de pessoas em cada 702 Petições encaminhadas por pelo menos três organizações da sociedade civil com pelo menos 30000 assinaturas Em sua essência a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 demonstrava a heterogeneidade das forças sociais e a fragilidade dos elos entre sociedade e partidos políticos à exceção do Partido dos Trabalhadores que por sua origem tinha possibilidade de estabelecer essa ligação703 Para uma noção geral a Constituição hoje em vigor foi feita por pessoas que não refletiam a heterogeneidade do Brasil Trinta e dois por cento dos congressistas eram ligados a interesses industriais e apenas 3 eram profissionais de nível médio Os interesses do capital chegavam a atingir 4225 do total de participantes e os interesses trabalhistas somente 1215704 Os latifundiários também estavam presentes e organizados Com uma agressiva campanha a UDR União Democrática Ruralista con seguiu através de lobbies praticamente tudo o que desejava Nessa Constituinte todas as vitórias mais democráticas foram conseguidas apenas porque se estabelecia uma Reforma Constitucio nal em 1993 e porque muitos dos avanços angariados pela esquerda tiveram uma redação final de tal maneira colocados que não tem uso senão com legislação complementar que nem sequer é lembrada Os maiores articuladores desses impedimentos inteligentes formavam o Centrão grupo de direita historicamente aliados de empresários e do Regime Militar que disputaram cada vírgula da ver são final para que não houvesse possibilidade de uma vitória efetiva dos interesses da esquerda 3 Características Gerais da Constituição de 1988 A Constituição de 1988 tem uma característica que a faz alvo de críticas muitos elementos estabelecidos em seus parágrafos e incisos poderiam ter sido definidos em legislação comum Isso significa que aqueles que criticam a forma pela qual a Constituição de 1988 foi feita reclamam que ela é por demasiado pesada repleta de casuísmos o que gera um entrave visto que qualquer mudança por mínima que seja exige uma emenda constitucional algo bastante difícil e trabalhoso 703 MENDONÇA Sonia Regina de FONTES Virginia Maria História do Brasil recente 1964 1992 4 ed São Paulo Ática 2001 p 90 704 Ibidem p 90 Por outro lado o caráter enciclopédico da Constituição derivava do medo do retorno ao arbítrio ainda muito recente na memória nacional705 A Lei Maior parecia ser o lugar mais protegido que as conquistas democráticas poderiam ficar Na Constituição de 1988 chamada de Constituição Cidadã os Direitos Individuais Clássicos são assegurados O artigo quinto é um exemplo desses princípios como a liberdade de expressão art 5o inciso IX reunião art 5o inciso XVI privacidade art 5o inciso X inviolabilidade de domicílio art 5o inciso XI inviolabilidade de correspondência art 5o inciso XII A Constituição também estabeleceu uma série de garantias trabalhistas que agora envolviam tanto o trabalhador urbano quanto o rural inclusive por exemplo a universalização do direito de greve agora incluídos os funcionários públicos art 9o a jornada de trabalho de 44 horas semanais art 7o inciso XIII a irredutibilidade do salário art 7o inciso VI a participação nos lucros art 7o inciso XI o salário família art 7o inciso XII a licença maternidade estendida a 120 dias art 7o inciso XVIII a controversa licença paternidade art 7o inciso XIX A questão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço no caso de demissão sem justa causa foi uma das partes da Constituição que gerou efeito mais imediato e relativamente negativo aos trabalhadores A multa para demissão sem justa causa foi estabelecida no artigo 7o inciso III em 40 sobre o montante depositado na conta do traba lhador Isso acabou gerando um aumento da contratação informal e da terceirização O Judiciário voltou a ter independência Título IV Capítulo III com autonomia funcional administrativa e financeira bem como as garantias de vitaliciedade inamovibilidade irredutibilidade O Legis lativo Título IV Capítulo I também tomou de volta sua independência inclusive aumentando o espectro de possibilidades de seu poder 705 SILVA Francisco Carlos Teixeira Brasil em direção ao século XXI In LINHARES Maria Yedda org História geral do Brasil 6 ed Rio de Janeiro Campus 1990 p 344 Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE Manuel Mauricio de Pequena história da formação social brasileira 4 ed Rio de Janeiro Graal 1986 ALGRANTI Leila Mezan D João os bastidores da independência 2 ed São Paulo Ática 1993 ALTAVILA Jayme de Origem do direito dos povos 5 ed São Paulo Ícone 1989 ALVES José Carlos Moreira Direito romano 13 ed Rio de Janeiro Forense 2002 2 v ANDERSON Perry Linhagens do 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Conquistas Romanas no Mediterrâneo Expansão Muçulmana Crescente Fértil Expansão Portuguesa Capitanias Hereditárias
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Flávia Lages de Castro HISTÓRIA do Direito Geral e Brasil wwwlumenjuriscombr EDITORES João de Almeida João Luiz da Silva Almeida Adriano Pilatti Alexandre Freitas Câmara Alexandre Morais da Rosa Aury Lopes Jr Cezar Roberto Bitencourt Cristiano Chaves de Farias Carlos Eduardo Adriano Japiassú Cláudio Carneiro Cristiano Rodrigues Elpídio Donizetti Emerson Garcia Fauzi Hassan Choukr Felippe Borring Rocha CONSELHO EDITORIAL Firly Nascimento Filho Frederico Price Grechi Geraldo L M Prado Gustavo Sénéchal de Goffredo Helena Elias Pinto Jean Carlos Fernandes João Carlos Souto João Marcelo de Lima Assafim José dos Santos Carvalho Filho Lúcio Antônio Chamon Junior Luis Carlos Alcoforado Manoel Messias Peixinho Marcellus Polastri Lima Marco Aurélio Bezerra de Melo Marcos Chut Marcos Juruena Villela Souto Mônica Gusmão Nelson Rosenvald Nilo Batista Paulo de Bessa Antunes Paulo Rangel Rodrigo Klippel Salo de Carvalho Sérgio André Rocha Sidney Guerra Rio de Janeiro Centro Rua da Assembléia 10 Loja GH CEP 20011000 Centro Rio de Janeiro RJ Tel 21 25312199 Fax 22421148 Barra Avenida das Américas 4200 Loja E Universidade Estácio de Sá Campus Tom Jobim CEP 22630011 Barra da Tijuca Rio de Janeiro RJ Tel 21 24322548 31501980 São Paulo Rua Correia Vasques 48 CEP 04038010 Vila Clementino São Paulo SP Telefax 11 59080240 50817772 Brasília SCLS quadra 402 bloco D Loja 09 CEP 70236540 Asa Sul Brasília DF Tel 6132258569 Minas Gerais Rua Araguari 359 sala 53 CEP 30190110 Barro Preto Belo Horizonte MG Tel 31 32926371 Bahia Rua Dr José Peroba 349 Sls 505506 CEP 41770235 Costa Azul Salvador BA Tel 71 33413646 Rio Grande do Sul Rua Padre Chagas 66 loja 06 Moinhos de Vento Porto Alegre RS CEP 90570080 Tel 51 32110700 Espírito Santo Rua Constante Sodré 322 Térreo CEP 29055420 Santa Lúcia Vitória ES Tel 27 32358628 32251659 Álvaro Mayrink da Costa Amilton Bueno de Carvalho Andreya Mendes de Almeida Scherer Navarro Antonio Carlos Martins Soares Artur de Brito Gueiros Souza Caio de Oliveira Lima CONSELHO CONSULTIVO Cesar Flores Firly Nascimento Filho Flávia Lages de Castro Francisco de Assis M Tavares Gisele Cittadino Humberto Dalla Bernardina de Pinho João Theotonio Mendes de Almeida Jr Ricardo Máximo Gomes Ferraz Sergio Demoro Hamilton Társis Nametala Sarlo Jorge Victor Gameiro Drummond Para minha mãe FLÁVIA LAGES DE CASTRO Mestre em História Social HISTÓRIA DO DIREITO GERAL E BRASIL 8a edição EDITORA LUMEN JURIS Rio de Janeiro 2010 Copyright 2010 by Flávia Lages de Castro Categoria História do Direito Produção Editorial Livraria e Editora Lumen Juris Ltda A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra É proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio ou processo inclusive quanto às características gráficas eou editoriais A violação de direitos autorais constitui crime Código Penal art 184 e e Lei no 10695 de 1o072003 sujeitandose à busca e apreensão e indenizações diversas Lei no 961098 Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda Impresso no Brasil Printed in Brazil Prefácio Foi com grande prazer que recebemos o convite da Professora Flávia Lages para prefaciar seu livro História do Direito Geral e Brasil Sabemos que sua escolha não foi como poderia parecer a priori por sermos historiadoras e tampouco por nosso conhecimento do Direito Romano Temos certeza de que a amizade nasceu entre nós no Mestrado em História da USS quando fomos professoras e sua Orientadora foi responsável pela gentileza de Flávia Naquela ocasião a autora iniciava sua caminhada na difícil arte de escrever quando defendeu com brilhantismo sua Dissertação de Mestrado e redigiu seu primeiro trabalho como historiadora Nossa alegria foi enorme ao vêla continuar seu caminho escrevendo este livro onde procura defender verdades incontestes nem sempre compreendidas pela comunidade acadêmica Referimo nos à importância que muitas vezes não é concedida ao conhecimento histórico por especialistas de algumas áreas das Ciências Sociais Flávia ao conseguir desenvolver de forma sintética assunto tão abrangente e complexo mostrou sua inclinação para Pesquisa Cien tífica revelando que a defesa de sua Dissertação não foi somente uma exigência para conclusão do Curso de Mestrado em História Social A História do Direito é condição sine qua non para que os futuros advogados possam melhor conhecer as estruturas as conjunturas e o contexto que levaram os legisladores a elaborarem as normas do Direito A leitura de sua obra é importante não só para os estudantes que desejam conhecer a história do Direito mas também para os profissio nais e o público em geral A escrita do livro de Flávia não se reduz a uma narrativa histórico linear fragmentada em migalhas É um trabalho que incentiva o leitor à pesquisa e à reflexão crítica Seu estilo é objetivo despojado elegante e de agradável leitura embora sua narrativa pouco convencional reflita sua personalidade sua formação e um profundo conhecimento da Metodologia Científica No decorrer da leitura de seu Texto sentese sua constante preo cupação em realizar ensaios reflexivos acerca do Direito dos diferentes povos inclusive especificamente a trajetória brasileira no campo de sua análise Seu livro constitui um amplo painel sobre o Direito de diferentes Civilizações compreendidas sob o ponto de vista político econômico e cultural Em decorrência desse fato podemos considerá lo ao mesmo tempo analítico sintético e polêmico Não é por apresentar uma visão de conjunto sobre a história do Direito que deve ser considerado genérico ou apenas como um simples Manual Embora esse tipo de abordagem possa conduzir a gene ralizações isso não acontece com Flávia porque seu Texto não perde de vista a reflexão Seu mérito repousa justamente na contundência com que a autora procura a reflexão e não no fato de revisar ocorrências passadas O livro da autora trata de forma sintética de aspectos importantes da evolução jurídica mas não o faz de forma linear e cronológica porque analisa critica e interpreta os fatos Nele a história do Direito é vista em um viés pouco explorado em obras similares porque contém informação reflexão e fundamentação Como especialista em História Romana dentre tantos pontos que consideramos fundamentais e absolutamente indispensáveis analisa dos por Flávia Lages e que podem ser considerados polêmicos comen taremos especificamente aqueles que se referem ao Direito Romano A autora ao afirmar a grande importância do Direito Romano na atualidade para os advogados e juristas é profundamente pertinente Não é possível que se ignore o legado do Direito Romano para o pensamento jurídico ocidental nem sua importância para o Direito Civil em seu ordenamento jurídico A Lei das Doze Tábuas também não foi esquecida pela autora Como deixar de lembrar a Lei que assinalou a passagem do direito oral para o direito escrito a primeira compilação do Direito Romano que serviria de base ao Direito Público de Roma até a época do Imperador Juliano O simples fato de admitir a igualdade de todos os cidadãos ro manos perante a Lei e a soberania do povo faz da Lei das Doze Tábuas um documento de grande relevância para conhecimento da história do Direito O Corpus Iuris Civilis codificação do Direito feita na época de Jus tiniano teve influência significativa nos Códigos Modernos e permitiu o conhecimento das obras dos grandes jurisconsultos romanos É difícil avaliarmos o valor de nosso débito intelectual para com Roma no que se refere ao legado do Direito Romano pois os romanos fundaram desenvolveram e sistematizaram a jurisprudência no mundo Todas essas premissas lembradas por Flávia corroboram a defesa de sua propositura a necessidade do estudo do Direito Romano Gostaríamos de continuar analisando toda a Síntese elaborada pela autora mas certamente não terminaríamos a redação deste Prefácio Não podemos porém finalizar esta Introdução sem deixar de enfatizar um dos pontos mais relevantes do trabalho de Flávia Lages A autora conseguiu redigir uma obra geral sobre a História do Direito baseada em uma pesquisa profunda e acurada de Fontes Primárias o que torna a leitura do seu Texto indispensável para todos os estudiosos do Direito Convidamos o leitor a percorrer a História do Direito Geral e Bra sil de Flávia Lages e a olhar com admiração o excelente trabalho empreendido pela jovem e talentosa historiadora Marilda Corrêa Ciribelli Doutora em História pela USP Pósdoutora em História Social pela UFRJ INTRODUÇÃO HISTÓRIA E HISTÓRIA DO DIREITO O que é História O que é História do Direito Quais pontos His tória e Direito têm em comum Qual o objetivo do estudo de História do Direito Ao responder a essas perguntas estaremos mais aptos a compreender de fato a História do Direito dos Povos e das Culturas que estudaremos a seguir Essa necessidade do conhecimento do objeto antes de uma aná lise de seus pontos é a base para a compreensão global do objeto de estudo de qualquer ciência 1 História Quando se pensa em História a palavra passado logo nos vem à mente O passado seria história Todo o passado Tudo no passado Uma bela frase pode iniciar nosso raciocínio A história é a memória da humanidade mas não é suficiente recordar para ser historiador1 Sem dúvida o tempo é a dimensão do trabalho do historiador mas analisemos é possível história das baleias não parece menos estranho história da caça às baleias A história das baleias não é possível porque as baleias não transformam não se transformam A transformação é a essência da História e somente o ser humano pode executar tal tarefa Por isso a História da caça às baleias parece soar menos estranho aos nossos ouvidos Quem caça é o homem e essa atitude que hoje em dia é um tanto estúpida mudou no tempo 1 EHRARDE e PALMADE apud CHAUNU Pierre A história como ciência social Rio de Janeiro Zahar 1976 p 23 Podese então chegar à primeira conclusão acerca da História seu objeto é o homem isto é o estudo da História concentrase no Ser Humano e a sucessão temporal de seus atos2 O Ser Humano estudando o ser humano qual o objetivo Por que isso nos é tão caro Por que é tão importante mesmo para pessoas comuns Paul Veyne apresenta dois motivos Primeiramente o fato de pertencermos a um grupo nacional familiar pode fazer com que o passado desse grupo tenha um atrativo parti cular para nós a segunda razão é a curiosidade seja anedótica ou acompanhada de uma exi gência da inteligibilidade3 2 Direito A palavra Direito bem como ele próprio no sentido amplo da Ciência do Direito vem dos Romanos antigos e é a soma da palavra DIS muito RECTUM reto justo certo ou seja Direito em sua origem significa o que é muito justo o que tem justiça Entendese em sentido comum o Direito como sendo o conjunto de normas para a aplicação da justiça e a minimização de conflitos de uma dada sociedade4 Essas normas essas regras essa sociedade não são possíveis sem o Homem porque é o Ser Humano quem faz o Direito e é para ele que o Direito é feito Essa dependência do fator humano é exteriorizada por Vicente Ráo da seguinte maneira O direito pressupõe necessariamente a exis tência daquele ser e daquela atividade Tanto va le dizer que pressupõe a coexistência social que é o próprio homem5 2 BLOCH Marc Introdução à história Sintra EuropaAmérica 19 CARR E H Que é história Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 BESSELAAR J V D Introdução aos estudos históricos 3 ed São Paulo Herder 1970 3 VEYNE Paul Como se escreve a história Foucault revoluciona a história 4 ed Brasília Universidade de Brasília 1998 p 69 4 Não se pretende aqui oferecer a melhor definição de Direito mas só o suficiente para uma análise que possibilite a compreensão de História do Direito 5 RÁO Vicente O direito e a vida dos direitos 5 ed São Paulo 1999 p 51 O Jurisconsulto romano Ulpiano nos dá uma lição do que é o Direito indicando os tipos de direito e definindoos Vale a pena en cerrar essa definição com a lição dedicada aos estudantes de Direito desse mestre da Antiguidade Os que se vão dedicar ao estudo do Direito devem começar por saber donde vem a palavra ius Na verdade provem de iustitia pois re tomando uma elegante definição de Celso o direito é a arte do bom e do eqüitativo 1 Pelo que há quem nos chame de sacerdotes Na ver dade cultivamos a justiça e utilizando o conheci mento do bom e do eqüitativo separamos o justo do injusto distinguimos o lícito do ilícito 2 Há duas partes neste estudo o direito público que diz respeito ao estado das coisas de Roma e o privado relativo à utilidade os particulares pois certas utilidades são públicas e outras privadas O direito público consiste nas normas relativas às coisas sagradas aos sacerdotes e magistra dos O direito privado é tripartido é de fato coli gido de preceitos naturais ou das gentes ou civis6 3 História do Direito Já foi possível perceber que História e Direito têm algo em comum o Homem Assim partindo do Ser Humano é necessário salientar al guns pontos primordiais O Homem é naturalmente produtor de Cultura Não somente aqui lo que chamam comumente de cultura como saber sobre autores clás 6 ULPIANO Digesta de Justiniano Líber Primus I DE IUSTITIA ET IURI Iuri operam daturi prius nosse oportet unde nomen iuris decendat Est autem a iustitia appelatum nam ut eleganter Celsus definit ius est ars boni et aequi 1 Cujus mérito quis nos sacerdotes appellet Justitiam nanque collimus et boni et aequi notitiam profitemur aequum ab iníquo separantes licitum ab illicitum discernentes 2 Hujus sutdii duae sunt positiones publicum jus est quod ad statum rei romane spectat privatum quod a singulori utilitatem sunt enim quaedam publice utilia quaedam privatim Publicum jus in sacris in sacerdotibus in magistratibus consistit Privatum jus tripertitum est collectum etenim est ex naturabilus praeceptibus aut gentium aut civilibus sicos vinhos caros e literatos mas a Cultura no sentido correto da palavra Entendese por Cultura o processo pelo qual o homem acumula as experiências que vai sendo capaz de realizar discerne entre elas fixa as de efeito favorável e como resultado da ação exercida converte em idéias as imagens e lembranças 7 Isto é tudo o que o homem produz faz parte da cultura do homem A cultura é temporal histórica Ela depende do momento em que determinado indivíduo ou comunidade estão vivendo para ter as características que a definem Assim como afirma o velho professor Bloch baseandose em um ditado árabe O Homem se parece mais com seu tempo que com seus país8 Podese concluir portanto que sendo o Direito uma produção humana ele também é cultura e é produto do tempo histórico no qual a sociedade que o produziu ou produz está inserida Plagiando o ditado árabe poderíamos afirmar que o direito se parece com a necessidade histórica da sociedade que o produziu é portanto uma produção cultural e um reflexo das exigências dessa sociedade Conforme as belas palavras de Jayme de Altavila Os direitos dos povos equivalem precisamente ao seu tempo e se explicam no espaço de sua gestação Absurdos dogmáticos lúcidos e li berais foram todavia os anseios as conquistas e os baluartes de milhões de seres que para eles levantariam as mãos em gesto de súplica ou de enternecido reconhecimento9 4 Objetivos do Estudo de História do Direito A História do Direito é primordial para o estudante de Direito na me dida em que o auxilia na compreensão das conexões que existem entre 7 PINTO V apud ARANHA M L de A Martins M H P Filosofando introdução à filosofia São Paulo Moderna 1986 8 BLOCH Marc Op cit p 36 9 ALTAVILA Jayme de Origem do direito dos povos 7 ed São Paulo Ícone 1989 p 16 a sociedade suas características e o direito que produziu treinandoo para uma melhor visualização e entendimento do próprio direito A História em si tem muito deste objetivo ela é nas palavras de Collingwood para autoconhecimento não somente pessoal ou social mas também no exercício de tarefas profissionais Conhecerse a si mesmo significa saber o que se pode fazer E como ninguém sabe o que pode antes de tentar a única indicação para aquilo que o homem pode fazer é aquilo que já fez O valor da história está então em ensinarnos o que o homem tem feito e deste modo o que o homem é10 Portanto o valor do estudo da História do Direito não está em ensinarnos não somente o que o direito tem feito mas o que o direito é Tendo isso em mente podemos avançar neste estudo buscando compreender não somente as regras de povos que viveram no passado mas sua ligação com a sociedade que a produziu para assim e somente assim entender o nosso Direito 5 Este Livro O Principal objetivo deste livro é dar ao leitor um espectro geral da História do Direito a partir da compreensão da sociedade que envolveu a elaboração das leis Tomando por pressuposto lógico que não são as leis que formam uma sociedade mas que estas históricas em si são feitas a partir do que uma sociedade pensa ou deseja de si Para que isso pudesse ser feito dada a abrangência do tema fo ram escolhidos cronologicamente alguns povos e respectivas legis lações que pudessem contribuir para a compreensão da ligação entre o povo e suas leis eou para o entendimento da legislação brasileira e sua história Tomando por base fontes secundárias de história e Direito bem como fontes primárias relativas às leis propriamente ditas analisamos pormenorizadamente sempre que possível a conexão sociolegal exis tente 10 COLLINGWOOD R G A idéia de história Lisboa Presença 1972 p 17 Assim podemos pensar de fato em uma História do Direito Não com um olhar descritivo sobre leis do passado que parecem ter surgido do nada mas a partir do caráter intenção e noções de moral e objetivos dos povos que acharam por bem escrever suas normas CAPÍTULO I O DIREITO DOS POVOS SEM ESCRITA Embora algumas vezes as pessoas confundam Direito e Lei escri ta se partirmos do pressuposto de que um conjunto de regras ou nor mas que regulamentam uma sociedade pode ser chamado ainda que humildemente de direito todas as comunidades humanas que existem ou existiram no mundo indiferentemente de quaisquer características que tenham produziram ou produzem seu Direito Só podemos estudar História e portanto História do Direito a par tir do advento da escrita que varia no tempo de povo para povo antes disso chamamos de Préhistória A Préhistória do direito é um longo caminho de evolução jurídica que povos percorreram e apesar de podermos supor que foi uma es trada bastante rica temos a dificuldade pela falta da escrita de ter acesso a ela Essa riqueza pode ser comprovada pelo fato de as sociedades ao se utilizarem pela primeira vez da escrita e do direito escrito já terem instituições que dependem muito de conceitos jurídicos como casa mento poder paternal ou maternal propriedade contratos ainda que verbais hierarquia no poder público etc As origens do Direito situamse na formação das sociedades e isso remonta a épocas muito anteriores à escrita e o que se mostra mais interessante neste estudo especificamente é que dependendo do povo de que tratamos essa época ainda é hoje Povos sem escrita ou ágrafos a negação grafos escrita não têm um tempo determinado Podem ser os homens da caverna de 3000 aC ou os índios brasileiros até a chegada de Cabral ou até mesmo as tribos da floresta Amazônica que ainda hoje não entraram em contato com o homem branco Diante dessa multiplicidade de povos e tempos podemos somente comentar algumas características gerais desses grupos Em geral não têm grande desenvolvimento tecnológico e somente uma minoria tem agricultura São em sua maior parte caçadorescoletores e como tais seminômades ou nômades Os povos ágrafos que possuem agricultura são sedentários e todos eles sem exceção baseiam seu dia a dia em uma religiosidade profunda Pela quantidade desses direitos e a sua diversidade buscamos então como introdução ao estudo de História do Direito apontar ca racterísticas e fontes do direito comuns que auxiliam na compreensão de um todo tão distinto 1 Características Gerais dos Direitos dos Povos Ágrafos11 São Abstratos como são direitos não escritos a possibilidade de abstração fica limitada As regras devem ser decoradas e passadas de pessoa para pessoa da forma mais clara possível São Numerosos cada comunidade tem seu próprio costume e vive isolada no espaço e muitas vezes no tempo Os raros con tatos entre grupos vizinhos que porventura vivem no mesmo tempo e dividem o mesmo espaço têm como objetivo a guerra São Relativamente Diversificados essa distância no tempo e no espaço faz com que cada comunidade produza mais disse melhanças do que semelhanças em seus direitos São Impregnados de Religiosidade como a maior parte dos fenômenos são explicados por esses povos através da religião a regra jurídica não foge a esse contexto Na maior parte das vezes a distinção entre regra religiosa e regra jurídica tornase impossível São Direitos em Nascimento a diferença entre o que é jurídico e o que não é muito difícil Essa distinção só se torna possível quando o direito passa do comportamento inconsciente deri vado de puro reflexo ao comportamento consciente fruto de reflexão 2 Fontes dos Direitos dos Povos Ágrafos 11 Neste ponto seguiremos de perto os apontamentos de GILISSEN J Introdução históri ca ao direito 2 ed Lisboa Calouste Gulbekian 1995 p 31 e ss Entendemos como fontes de direito tudo aquilo que é utilizado como base ou inspiração para a feitura de regras ou códigos Os povos ágrafos basicamente utilizam os Costumes como fonte de suas normas ou seja o que é tradicional no viver e conviver de sua comunidade tornase regra a ser seguida12 Entretanto o costume não é a única fonte do direito desses povos Nos grupos sociais onde se pode distinguir pessoas que detêm algum tipo de poder estes impõem regras de comportamento dando ordens que acabam tendo caráter geral e permanente O precedente também é utilizado como fonte As pessoas que julgam chefes ou anciãos tendem a voluntária ou involuntariamente aplicar soluções já utilizadas anteriormente 3 Transmissão das Regras Muitos grupos utilizam o procedimento de em intervalos regu lares de tempo terem suas regras enunciadas a todos pelo chefe ou chefes ou anciãos Outras formas são os Provérbios e Adágios que de sempenham papel decisivo na tarefa de fazer conhecer as normas da comunidade 12 O costume em maior ou menor grau é fonte de todo Direito Uma sociedade por mais avançada tecnologicamente que seja não pode descartar sua tradição e sua moral como base de suas normas CAPÍTULO II AS PRIMEIRAS LEIS ESCRITAS E O CÓDIGO DE HAMMURABI 1 O Crescente Fértil e as Primeiras Leis Escritas Há um lugar no mundo em que quase tudo que consideramos civilizado nasceu o Crescente Fértil onde hoje está o Iraque uma parte do Irã e parte de seus vizinhos Esse lugar tem este nome por causa da fertilidade que os rios Tigre e Eufrates dão a uma região que é semelhante a uma lua crescente de cabeça para baixo Nessa região o homem primeiro dividiu as horas os minutos e os segundos em sessenta fez tijolos e erigiu grandes construções com eles criou para a felicidade dos olhos e da alma a jardinagem inven tou o Estado e o Governo fez as primeiras escolas inventou a cerveja Mas a mais grandiosa invenção dessa gente da Mesopotâmia foi passar para uma superfície símbolos que expressavam ideias a isso chamamos de escrita13 O tipo de escrita que inventaram foi a cunei forme14 Não se pode estranhar portanto que tenham sido essas pessoas as primeiras a terem leis escritas Temse notícia de um chefe da cidade de Lagas de nome Urukagina no terceiro milênio antes de Cristo ser apresentado pelos textos de época como um grande legislador e reformador Bouzon informa contudo que as inscrições de Urukagina não transmitem leis ou normas legais mas medidas sociais adotadas para coibir abusos e corrigir injustiças vigentes15 O corpo de leis mais antigo que se conhece é o de UrNammu fundador da terceira dinastia de Ur 21112094 aC do qual chegou até 13 Mesopotâmia entre rios foi o nome dado pelos gregos à região entre os rios Tigre e Eufrates 14 Cuneiforme sistema de escrita sem dúvida o mais antigo conhecido o cuneiforme do latim cuneus cunha e forma forma foi inventado pelos sumerianos seguramente des de o 4o milênio O termo cuneiforme caracteriza o aspecto anguloso dos símbolos im pressos em argila úmida ou raramente em pedra AZEVEDO A C do A Dicionário de nomes termos e conceitos históricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 119 15 BOUZON E O Código de Hammurabi 6 ed Petrópolis Vozes 1998 p 22 nós somente dois fragmentos de um tablete de argila Em 1948 outras leis foram identificadas também na mesma região são as leis de Eshunna No final de 1901 e início de 1902 dC uma expedição arqueológica francesa encontrou uma estela ou pedra de diorito negro de 225 m de altura contendo um conjunto de leis com 282 artigos postos de ma neira organizada ao qual chamamos hoje de Código de Hammurabi por ter sido feita a mando do Rei Hammurabi que reinou na Babilônia entre 1792 e 1750 aC16 2 Algumas Considerações Sobre as Leis Anteriores a Hammurabi Antes de tratarmos especificamente do Código de Hammurabi é interessante que nos detenhamos ainda que rapidamente nas ca racterísticas gerais das leis escritas anteriores a Hammurabi Tanto UrNammu quanto Eshunna foram reis de CidadesEstado no Crescente Fértil e dão nome às primeiras leis escritas que conhe cemos a influência que UrNammu rei sumeriano exerceu sobre as leis de Eshunna é tão grande quanto a que essas duas legislações provocaram no Código de Hammurabi A questão da justiça aliás era importantíssima já para os sumerianos dessa forma explica Kramer A lei e a justiça eram conceitos fundamentais da antiga Suméria que impregnavam a vida social e econômica sumeriana tanto na teoria como na prática No decurso do século passado séc XIX dC os arqueólogos revelaram à luz do dia mi lhares de tabuinhas de argila representando toda espécie de documentos de ordem jurídica con tratos atos testamentos notas promissórias re cibos acórdãos dos tribunais Entre os sumérios o estudante mais adiantado consagrava uma grande parte de seu tempo ao estudo das leis e exercitavase regularmente na prática de uma terminologia altamente especializada bem como 16 A pedra ou Estela pode ser vista hoje em dia no Museu do Louvre em Paris na transcrição dos códigos legais e dos julga mentos que tinham formado jurisprudência17 O direito privado sumeriano reconhecia alguma independência em relação ao marido O divórcio era realizado através de decisão judicial e poderia favorecer a qualquer dos cônjuges O repúdio da mulher acarretava uma indenização pecuniária e somente era permitido pelos motivos indicados pela lei O adultério era um delito porém sem consequências se havia o perdão do marido O filho que renegasse seu pai poderia ou ter a mão cortada ou ser vendido como escravo A esposa era responsável pelas dívidas do marido As leis penais dos sumerianos muitas vezes substituíam o Prin cípio da Pena de Talião que será explicado a seguir por multas ou por indenizações legais 3 A Babilônia de Hammurabi Embora a Babilônia mais famosa seja a do rei Nabucodonosor séc V aC por causa da participação dele na História dos Hebreus contada na Bíblia a História da Babilônia remonta o segundo milênio da era PréCristã quando um grupo nômade arcadiano fixouse em uma localidade chamada Babila ou Bab Ilim Babilônia ou Babel porta de deus às margens do rio Eufrates O xeque desse grupo arcadiano Sumuabum 18941881 aC co meçou a expansão territorial da babilônia mas foi seu sucessor Sumu lael 18801845 aC que com vitórias sucessivas sobre os vizinhos consolidou a independência da cidade Os reis posteriores incorporaram a cultura suméria e somaramna à cultura arcádica entretanto em termos de expansão territorial somente em 1792 aC com a ascensão ao poder de Hammurabi a Babi lônia cresceu em poder Esse rei com imensa habilidade em política de alianças mais que dobrou o território que seu pai havia deixado O rei Hammurabi construiu um grande império que abrangia os territórios dominados anteriormente pela dinastia de Agadé do mar Imferior e do Elam até a Síria e o litoral do Mediterrâneo Ele assumiu os títulos de rei de Sumer rei de Acad rei das Quatro Regiões rei do 17 KRAMER apud GIORDANI M C História da antiguidade oriental 11 ed Petrópolis Vozes 2001 p 138 Universo e o mais interessante Pai de Amurru Amurru significa Ocidente Hammurabi não foi apenas um grande conquistador e um ex celente estrategista foi antes de mais nada um exímio administrador Conforme afirma Emanuel Bouzon Seus trabalhos de regulagem do curso do Eufrates e a construção e conservação de canais para a irrigação e para navegação incrementaram enormemente a produção agrícola e o comércio Em sua política externa Hammurabi preocupou se sempre em reconstruir as cidades vencidas e em reedificar e ornamentar ricamente os templos dos deuses locais 18 Em seu território existiam vários povos diferentes de línguas raças culturas diversas Para exercer seu poder eram necessários me canismos de unificação em meio a tanta heterogeneidade Hammurabi utilizouse de três elementos para empreender essa unificação a lín gua a religião e o direito O acádio tornouse língua oficial o panteão de deuses fixouse O Código de Hammurabi foi feito utilizandose de toda a legislação pre cedente Este teve uma penetração e uma utilização surpreendente e sem paralelos na história mil anos depois de sua redação era aplicado ainda na Babilônia e em Nínive por exemplo Hammurabi não apenas ordenou a feitura do Código Para uma melhor utilização do Direito como ferramenta de controle também reorganizou a Justiça em moldes muito próximos aos que hoje utili zamos O poder judiciário na Caldéia anterior ao reina do de Hammurabi era exercido nos templos pelos sacerdotes em nome dos deuses Na Babilônia desde o início da I dinastia começaram a ser or ganizados à imitação do que já existia em Sumer tribunais civis dependentes diretamente do so berano Hammurabi conferiu à justiça real supre macia sobre a justiça sacerdotal deulhe unifor 18 BOUZON E Op cit p 20 midade de organização e regulamentou cuidado samente o processamento das ações compreen dendo nessa regulamentação a propositura o recebimento ou não pelo juiz a instrução com pletada pelo depoimento de testemunhas e diligências in loco e finalmente a sentença Foi estabelecida então uma organização judiciária que incluía até o ministério público e um direito processual19 Após a morte de Hammurabi a dinastia mantevese por aproxi madamente 150 anos mas em 1594 os Hititas invadiram e incendiaram a Babilônia abandonandoa em seguida A queda da dinastia de Hammurabi fez ascender os Cassitas que iniciaram um novo período da História da Babilônia 4 Sociedade e Economia da Babilônia Hammurabiana A Sociedade da Babilônia da época de Hammurabi é dividida conforme indica o próprio Código em três camadas sociais Os awilum o homem livre com todos os direitos de cidadão Este é o maior grupo da sociedade hammurabiana e compreen dia tanto ricos quanto pobres desde que fossem livres Os muskênum são uma camada que ainda suscita muita dúvida por parte dos estudiosos Parecem ter sido uma camada intermediária entre os awilum e os escravos formada por fun cionários públicos com direitos e deveres específicos Os escravos eram a minoria da população geralmente prisio neiros de guerras20 A economia era basicamente agrícola e a maior parte das terras era de propriedade do Palácio ou seja do governo Mas havia comércio e este era bastante forte principalmente o externo conforme mostra o 19 GIORDANI M C História da Antiguidade Op cit p 155 20 O Código de Hammurabi dá o nome de wardum para escravos e amtum para escravas próprio Código que afirma existirem inclusive banqueiros que finan ciavam as expedições O pequeno comércio varejista estava nas mãos de mulheres as taberneiras que vendiam não somente bebidas mas também gêneros de primeira necessidade O veículo de pagamento que hoje denominamos moeda era a cevada ou a prata Assim indicanos o Código de Hammurabi Se uma taberneira não aceitou cevada como preço da cerveja mas aceitou prata em peso grande ou diminuiu o equivalente de cerveja em relação ao curso da cevada comprovarão isso contra a taberneira e a lançarão na água21 41 Questões Acerca dos Escravos À medida que utilizaremos amplamente principalmente na An tiguidade a noção de escravidão fazse necessário empenharnos em entender o que significa a Instituição Escravidão Faremos isso levando em conta a Escravidão como um todo não somente na Babilônia que é o tema deste Capítulo Definir escravidão não é somente considerar que todo aquele que trabalha sem nada receber é escravo muitos de nós seríamos até mes mo os honrados voluntários que existiram e existem no mundo colo cados nessa posição que não é verdadeira no caso deles Escravo é propriedade bem alienável ou seja algo que pode ser comprado vendido alugado dado eliminado Escravo é portanto coisa Na Antiguidade não era condição imperiosa ser de outra raça para tornarse escravo De fato a escravidão originavase de guerras quan do o indivíduo era após a derrota de seu grupo pego pelos vencedo res de dívidas quando o indivíduo penhorava o próprio corpo ou de um membro da família como garantia de pagamento e não o fazia ou por nascimento Assim define o Dicionário de Nomes Termos e Conceitos Históricos Instituição secular caracterizada pela situação de indivíduo juridicamente considerado um obje 21 108 to do qual outra pessoa pode dispor livremente exercendo direitos de propriedade A escravidão conheceu extraordinária difusão no mundo anti go originandose de modo geral da guerra ce leiro inesgotável das dívidas e da heredita riedade 22 O filósofo Aristóteles explica a escravidão desta forma A produção precisa de instrumentos dos quais uns são inanimados e outros animados Todos os trabalhadores são instrumentos animados neces sários porque os instrumentos inanimados não se movem espontaneamente as lançadeiras não tecem panos por si próprias O escravo instru mento vivo como todo trabalhador constitui ademais uma propriedade viva A noção de pro priedade implica a de sujeição a alguém fora dela 23 5 Alguns Pontos do Código de Hammurabi a A Pena de Talião O Princípio da Pena ou Lei de Talião é um dos mais utilizados por todos os povos antigos É apontado por alguns como sendo a primeira forma que as sociedades encontraram para estabelecer as penas para seus delitos Esse princípio que é exemplificado na Bíblia com a frase olho por olho dente por dente não é uma lei mas uma ideia que indica que a pena para o delito é equivalente ao dano causado neste Assim sendo ninguém sofre pena de talião mas baseado nesse princípio sofre como pena o mesmo sofrimento que impôs ao cometer o crime 22 AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Dicionário de nomes termos e conceitos his tóricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 157 23 ARISTÓTELES apud GORENDER Jacob O escravismo colonial São Paulo Ática 1988 p 46 O Código de Hammurabi utiliza muito esse princípio no tocante a danos físicos chegando a aplicálo radicalmente mesmo quando para conseguir a equivalência penaliza outras pessoas que não o culpado Se um awilum destruiu o olho de um outro awilum destruirão seu olho24 Se um construtor edificou uma casa para um awilum mas não reforçou seu trabalho e a casa que construiu caiu e causou a morte do dono da casa esse construtor será morto25 Se causou a morte do filho do dono da casa matarão o filho desse construtor26 O Princípio da Pena de Talião não contava quando os danos físicos eram aplicados a escravos à medida que estes podem ser definidos como bens alienáveis o dano contra um bem deve ter ressarcimento material b Falso Testemunho O falso testemunho é tratado com severidade pelos povos antigos porque provas materiais eram mais difíceis assim sendo contavam na maior parte dos processos somente com testemunhas O Código separa uma causa de morte de uma causa que envolve pagamento Nesta última o ônus do falso testemunho é o pagamento da pena do processo Em outros casos a sanção para falso testemunho é a Pena de Morte Se um awilum apresentouse em um processo com testemunho falso e não pode comprovar o que disse se esse processo é um processo capi tal esse awilum será morto27 24 196 25 229 26 230 27 03 Se se apresentou com um testemunho falso em causa de cevada ou prata ele carregará a pena desse processo 28 c Roubo e Receptação O Código Hammurabiano penaliza tanto o que roubou ou furtou quanto o que recebeu a mercadoria roubada Se um awilum cometeu um assalto e foi preso esse awilum será morto29 Se um awilum roubou um bem de propriedade de um deus ou do palácio esse awilum será morto e aquele que recebeu de sua mão o objeto roubado será morto30 d Estupro O estupro sem pena alguma para a vítima era previsto nesse Código somente para virgens casadas como na legislação mosaica ou seja mulheres que embora tenham o contrato de casamento fir mado ainda não coabitavam com os maridos Se um awilum amarrou a esposa de um outro awilum que ainda não conheceu um homem e mora na casa de seu pai dormiu em seu seio e o surpreenderam esse awilum será morto mas a mulher será libertada31 e Família O sistema familiar da Babilônia Hammurabiana era patriarcal e o casamento monogâmico embora fosse admitido o concubinato Essa aparente discrepância era resolvida pelo fato de uma concubina jamais 28 04 29 22 30 06 31 130 ter o status ou os mesmos direitos de esposa O casamento legítimo era somente válido se houvesse contrato Se um awilum tomou uma esposa e não redigiu o seu contrato essa mulher não é esposa32 Havia também a possibilidade de casamentos entre as camadas sociais e o Código não somente admitia isso como regulamentava a herança dos filhos nascidos desse tipo de casamento Se um escravo do palácio ou um escravo de um muskênum tomou por esposa a filha de um awilum e ela lhe gerou filhos o dono do escravo não poderá reivindicar para a escravidão os filhos da filha de um awilum33 O casamento era no que chamamos hoje regime de comunhão de bens Se depois que a mulher entrou na casa de um awilum recaiu sobre eles uma dívida ambos deverão pagar ao mercador34 f Escravos Havia duas maneiras básicas de se tornar escravo não somente na Babilônia mas também na Antiguidade como um todo Como prisioneiro de guerra ou por não conseguir pagar dívidas e assim ter que entregarse a si mesmo a esposa ou aos filhos mas Hammurabi assim como os Hebreus posteriormente vai limitar o tempo dessa escravidão por dívida Se uma dívida pesa sobre um awilum e ele vendeu sua esposa seu filho ou sua filha ou os entregou em serviço pela dívida durante três anos trabalharão na casa de seu comprador ou 32 128 33 175 34 152 daquele que os têm em sujeição no quarto ano será concedida sua libertação 35 Uma escrava tomada como concubina por seu senhor ou dada por sua senhora ao marido tinha uma situação bastante interessante se desse a este filhos que ele reconhecesse Ela não mais poderia ser vendida conforme atesta o artigo 146 do referido Código g Divórcio O marido podia repudiar a mulher nos casos de recusa ou negligência em seus deveres de esposa e donadecasa Qualquer dos dois cônjuges podia repudiar o outro por má con duta mas nesse caso a mulher para repudiar o homem deveria ter uma conduta ilibada Se uma mulher tomou aversão a seu esposo e disselhe Tu não terás relações comigo seu caso será examinado em seu distrito Se ela se guarda e não tem falta e seu marido é um saidor e a despreza muito essa mulher não tem culpa ela tomará seu dote e irá para casa de seu pai36 h Adultério Somente a mulher cometia crime de adultério o homem era no máximo cúmplice Dessa forma se um homem saísse com uma mulher casada ela seria acusada de adultério e ele de cúmplice de adultério e se a mulher fosse solteira não comprometida não havia crime nem cumplicidade mesmo porque este é um povo que admite concubinato Quando pegos os adúlteros pagavam com a vida entretanto o Código prevê o perdão do marido Se a esposa de um awilum for surpreendida dormindo com um outro homem eles os amarrarão e os lançarão nágua Se o esposo 35 117 36 142 deixar viver sua esposa o rei também deixará viver seu servo37 i Adoção Essa sociedade foi bastante humana no tocante à adoção veja Se uma criança fosse adotada logo após seu nascimento não poderia mais ser reclamada Se a criança fosse adotada para aprender um ofício e o ensi namento estivesse sendo feito ela não poderia ser reclamada Caso esse ensino não estivesse sendo feito o adotado deveria voltar à casa paterna Se a criança ao ser adotada já tivesse mais idade e reclamasse por seus pais tinha que ser devolvida Em outros casos se o adotado renegasse sua adoção seria severamente punido Se o casal após adotar tivesse filhos e desejasse romper o con trato de adoção o adotado teria direito a uma parte do patri mônio deles a título de indenização38 j Herança No caso da divisão da herança a sociedade hammurabiana não previa a primogenitura ou seja os bens não ficavam somente com o filho mais velho entretanto este poderia na hora da partilha ser o primeiro a escolher sua parte A tendência era sempre dividir em partes iguais indiferentemente de quem era a mãe da criança bastava o reconhecimento do pai Se a primeira esposa de um awilum lhe gerou filhos e a sua escrava lhe gerou filhos se o pai durante a sua vida disse aos filhos que a escrava lhe gerou Vós sois meus filhos e os contou com os filhos da primeira esposa depois que o pai morrer os filhos da primeira esposa e os filhos da escrava dividirão em partes iguais os bens da casa 37 129 38 185ss paterna mas o herdeiro filho da primeira esposa escolherá entre as partes e tomará para si39 Estavam excluídas da herança as filhas já casadas pois estas já haviam recebido o dote As filhas solteiras quando casassem recebe riam seu dote das mãos dos irmãos40 Mas os filhos mesmo reconhecidos ou frutos de casamento podiam ser deserdados mas para isso deveria haver um exame por parte dos juízes Se um awilum resolveu deserdar seu filho e disse aos juízes Eu quero deserdar meu filho os juízes examinarão a questão Se o filho não come teu falta suficientemente grave para excluílo da herança o pai não poderá deserdar seu filho41 k Processo As leis babilônicas dessa época permitem e preveem a mistura do sagrado e do profano no julgamento embora a justiça leiga tenha tido maior importância que a sacerdotal à época de Hammurabi Um juiz podia ser um leigo um sacerdote e até forças da natureza como neste caso onde quem julga é o rio Se um awilum lançou contra um outro awilum uma acusação de feitiçaria mas não pôde comprovar aquele contra quem foi lançada a acusação de feitiçaria irá ao rio e mergulhará no rio Se o rio purificar aquele awilum e ele sair ile so aquele que lançou sobre ele a acusação de feitiçaria será morto e o que mergulhou no rio tomará para si a casa de seu acusador42 O juiz leigo não poderia contudo alterar seu julgamento após o encerramento do processo 39 170 40 183 e 184 41 168 42 02 Se um juiz fez um julgamento tomou uma de cisão fez exarar um documento selado e depois alterou o seu julgamento comprovarão contra esse juiz a alteração do julgamento que fez ele pagará então doze vezes a quantia reclamada nesse processo e na assembléia fáloão levan tarse do seu trono de juiz Ele não voltará a sentarse com os juízes em um processo43 l Trabalho O Código de Hammurabi aborda leis sobre trabalho Ele por exemplo prevê e pune o erro médico44 Se um médico fez em um awilum uma operação difícil com um escapelo de bronze e causou a morte do awilum ou abriu o nakkaptum de um awilum com um escapelo de bronze e destruiu o olho do awilum eles cortarão a sua mão45 Ao mesmo tempo esse Código é o primeiro que conhecemos indicar não somente o pagamento que um médico deve ter mas tam bém o pagamento de inúmeros profissionais como lavradores pastores tijoleiros alfaiates carpinteiros etc46 m Defesa do Consumidor Na Babilônia de Hammurabi havia leis que protegiam os cidadãos do mau prestador de serviços pelo menos em alguns casos podese atestar essa ideia já no parágrafo 108 o que trata da taberneira citado anteriormente 43 05 44 Se o erro médico foi cometido em um escravo o ressarcimento é material 45 218 46 Embora muitas partes desses parágrafos tenham sido apagadas pelo tempo podemos conferir essa lista de honorários e pagamentos nos parágrafos 215 a 217 257 261 271 273 e 274 Se um pedreiro contruiu uma casa para um awilum e não executou o trabalho adequada mente e o muro ameaça cair esse pedreiro deverá reforçar o muro às suas custas47 Se um barqueiro calafetou um barco para um awilum e não executou o seu trabalho com cui dado e naquele mesmo ano esse barco adernou ou sofreu avaria o barqueiro desmontará esse barco reforçáloá com seus próprios recursos e entregará o barco reforçado ao proprietário do barco48 47 233 48 235 CAPÍTULO III DIREITO HEBRAICO 1 Introdução Os Hebreus são um povo de origem semita que vivia na Meso potâmia entre os rios Tigre e Eufrates no Crescente Fértil no final do segundo milênio aC Por essa época iniciaram um deslocamento que terminou por volta do século XVIII aC na região da Palestina A Palestina pode ser dividida em várias regiões uma de planície costeira ao longo do Mediterrâneo uma de picos elevados no centro e outra o curioso vale do Jordão que fica quase totalmente abaixo do nível do mar A terra dos Hebreus tem portanto o mar Mediterrâneo de um lado o deserto de outro e o mais importante a qualidade de ter sido o local de passagem entre a África e a Ásia isto é o Egito e a Mesopo tâmia Os Hebreus como a maioria dos povos da região eram agri cultores pastores Viviam do pastoreio de ovelhas e principalmente cabras do plantio de uvas trigo e outros produtos Mas havia nesse povo um diferencial que na Antiguidade era único eram Monoteístas mono um théos deus Essa característica marca toda a história desse povo bem como toda e qualquer produção cultural que tenham realizado A História dessas pessoas pode ser acompanhada pela Bíblia mais especificamente pelo Antigo Testamento que reúne a Torá ou a Lei os Profetas e os Escritos O Novo Testamento inclui a história e os ensinamentos de parte dos Hebreus que acreditaram que Jesus é o Messias que o Antigo previa Eles acreditavam em um só Deus que por vontade própria havia se revelado a um Patriarca Abraão e a partir desse momento iniciou um relacionamento entre Ele e os que chamavam de Povo Escolhido Este era seu diferencial os únicos da face da terra com um Deus iniciando a história do monoteísmo que hoje é dominante no mundo49 49 Gen 12 1ss Esse relacionamento é de tal modo intrincado que não se pode compreender esse povo sem vislumbrar a interferência de Deus em suas vidas Para eles Deus escolhia os líderes Deus escolhia o lugar onde ficariam Deus dava fartura ou não Deus dependendo de seu merecimento dava a vitória ou a derrota na guerra Não é de estranhar portanto que para esse povo a lei tenha sido inspirada por Deus e ir contra ela seria o equivalente a ir contra Deus Então o leigo e o divino interagem de tal modo que pecado e crime se confundem o direito é imutável somente Deus pode modificálo Os rabinos chefes religiosos podem até interpretálo para adaptálo à evolução social entretanto nunca podem modificálo 2 A Sociedade e a Vida Econômica Os hebreus a princípio se dividiam em tribos de acordo com os números de filhos de Jacó 12 essas tribos se subdividiam em famílias e toda a organização política e social girava em torno deste status quo Das doze tribos onze cuidavam basicamente da agricultura e do pastoreio a décima segunda não tinha terras era a tribo dos levitas que tinham funções sacerdotais ou melhor dizendo de auxiliares dos sacerdotes que descendiam de Aarão Havia também outras duas camadas sociais a dos escravos e a dos estrangeiros Os primeiros podiam ser distintos entre os escravos hebreus provavelmente tomados como escravos pelo nãopagamento de uma dívida e estrangeiros Ambos tinham tantos direitos que mui tos autores confessam hesitar em chamálos de escravos pois embora tenham as principais características eram cercados de muitas con siderações inclusive direitos A ambos assistiam certos direitos assegurados quer pela própria legislação mosaica quer pelo costume Assim por exemplo entre os direitos do escravo estrangeiro salvaguardados pela tradição judaica podemos enumerar casarse com uma escrava possuir bens converterse ao judaísmo receber liberdade em determinadas circunstâncias50 50 GIORDANI M C História da antiguidade oriental 11 ed Petrópolis Vozes 2001 p 233 Os estrangeiros livres não gozavam do mesmo direito dos hebreus Dois tipos de estrangeiros eram distintos os que tinham alguma ligação com alguma tribo de Israel e portanto desfrutavam de alguns direitos e os que não tinham quaisquer ligações não tendo direito algum Após os quarenta anos no deserto depois de se libertarem da escravidão no Egito ao chegarem à Terra Prometida os Israelitas pas saram de somente pastores como eram antes pelo seu nomadismo a agricultorespastores Entretanto se por séculos essas atividades agro pastoris foram o cerne da economia dessa sociedade a indústria tam bém conheceu um certo desenvolvimento principalmente aquela que utilizava o cobre como matériaprima O comércio atingiu seu auge no período de Davi e Salomão e sempre foi presente na vida desse povo visto que a região que habitam é uma verdadeira encruzilhada nas rotas da Mesopotâmia Egito Mar Vermelho e do deserto 3 A Lei Mosaica Por volta de 1800 aC fortes secas obrigaram os Hebreus a saírem da Palestina em direção ao Egito Nessa época um povo chamado Hicsos tentava conquistar as planícies do Nilo não se sabe se os He breus enfrentaram ou se aliaram aos hicsos sabemos entretanto que em 1580 aC depois da expulsão destes os Hebreus passaram a ser perseguidos no Egito passando a pagar pesados impostos e chegando até mesmo à escravidão51 Moisés lideraria esse povo aproximadamente em 1250 aC de volta à Palestina em um episódio chamado êxodo ou fuga Conta a Bíblia que Moisés teria sido criado por uma princesa egípcia que o havia encontrado em uma cesta boiando no rio e que após chegar à idade adulta teria tomado consciência de suas raízes hebraicas e depois de um exílio teria voltado ao Egito para liderar a libertação dos Hebreus Antes de chegarem à Palestina segundo a Bíblia os Hebreus teriam passado quarenta anos no deserto e aí teriam forjado sob a liderança de Moisés toda a base de sua civilização inclusive suas leis 51 A Bíblia conta a história da ida para o Egito a partir da história de José que teria sido vendido pelos seus irmãos como escravo indo parar no Egito chegando a alto funcionário do faraó cf Gen Capítulos de 37 a 50 Acreditam alguns que a Torá que contém a lei dos Hebreus foi criada pelo próprio Moisés e embora esse dado esteja um tanto desa creditado hoje em dia continuamos denominando a legislação de Mosaica mesmo porque provavelmente foi após a saída do Egito que este povo começou a estruturar as bases de seu direito A base moral da Legislação Mosaica pode ser encontrada nos Dez Mandamentos que teriam sido escritos pessoalmente por Deus no Monte Sinai como forma de Aliança entre Ele e o Povo Escolhido A Torá também chamada Pentateuco é formada pelos cinco primeiros livros da Bíblia o Gênesis o Êxodo o Levítico o Números e o Deuteronômio Em toda a Torá encontramos leis entretanto há no último livro uma reunião maior de leis repetindo inclusive alguns preceitos vistos nos outros livros mesmo porque é esta a intenção do Deuteronômio que significa segunda lei a simplicidade se reflete poderosamente na lei mosaica cuja virtude principal reside no fato de ter transformado num verdadeiro código as normas não escritas da primitiva sociedade de nômades52 A maioria dos autores afirma não ser a lei de Moisés uma legislação que distinga entre direito sacro e profano apontadoa como um direito religioso Isso é fato entretanto apenas definir esse direito dessa forma simplifica uma visão que pode ser ampliada e pode auxiliarnos na compreensão dessa sociedade e sua relação com a lei e a religião Se analisarmos o povo hebreu poderemos constatar como já afir mado anteriormente que é um povo que traz em tudo o fator religioso e isso se dá principalmente porque sua religião e a essência desta o monoteísmo foi durante muitos séculos exclusividade do povo israe lita Dessa forma ao se tentar definir os hebreus passaremos obrigato riamente e em primeiro lugar pela questão religiosa Assim a religião não é somente uma das características dos israe litas mas pode ser indicada como a característica aquela que dá ali cerce e é o ponto de convergência de toda uma sociedade Tanto foi as sim que praticamente todas as vezes que esse povo descuidouse da religião problemas sociais e políticos aconteceram Eles obviamente explicavam tais coincidências como uma vingança ou desaprovação 52 RÁO V Op cit p 173 da divindade entretanto qualquer que fosse a característica primor dial de um povo se fosse desdenhada desuniria a sociedade trans formandoa em alvo fácil para problemas internos ou externos 4 A Formação do Direito Hebraico da Legislação Mosaica aos dias de hoje A tradição indica Moisés como autor do Pentateuco portanto autor do Deuteronômio das chamadas Leis Mosaicas Essa obra deverá ter então a idade de seu criador e deve ser datada no século XIII aC Mas os anos de 586 aC e os seguintes foram primordiais também para a formação de uma legislação extramosaica Em 586 aC após um cerco que durou mais de um ano o rei da Ba bilônia Nabucodonosor conquistou o reino dos hebreus e estes foram levados em número pequeno mas significativo visto que repre sentavam a elite social e religiosa da nação para a Babilônia como escravos Esse cativeiro foi o ponto de partida para a formação de um direito hebraico novo oral visto que ao entrarem em contato com diversas culturas diferentes e fortes notadamente persas gregos e romanos os hebreus sentiram a necessidade de afirmar sua cultura ao mesmo tempo que procuraram adaptála dentro dos parâmetros das influên cias que estavam recebendo Esse processo iniciado na Babilônia somente terminaria 900 anos mais tarde A lei oral Torah Chebal Pé atuava ao lado da escrita isto é mosaica Tora Chebikhtav Esta continuou a ser considerada séculos afora a lei suprema infalível sacrossanta Prevalecia sem pre mesmo depois da codificação da lei oral em qualquer conflito que se verificasse entre as duas A lei oral formada pelo Sofrim escritores An chei Haknesset Hagdolah os homens da Grande Assembléia e Tanaim sábios teve sempre um caráter subsidiário53 53 RÁO V Op cit p 174 A primeira codificação do direito oral foi chamada de Michná repetição e foi feita pelo último dos Tanaim em 192 dC Essa codifica ção se divide em seis partes nas quais a primeira a terceira e a quarta constituem segundo poderíamos comparar hoje o corpo de Direito Civil A primeira trata de leis rurais e propriedade imobiliária a terceira ocupase do direito matrimonial e do divórcio a quarta trata de obrigações civis usura danos à propriedade sucessão organização dos tribunais processo etc Para guardar a fidelidade à Legislação Mosaica no uso da codifica ção nova os séculos seguintes produziram discussões interpretações e aprofundamentos do texto da Michná que deram origem às Guemaras que juntamente com a Michná e a própria Torá constituem o Talmud que significa estudo que é o verdadeiro corpo da Legislação Hebraica Entretanto com a elaboração do Talmud não se encerrou a história do direito judaico ela continuou durante todos os séculos subse quentes apesar de os judeus estarem dispersos pelo mundo Hoje após o estabelecimento do Estado de Israel o Parlamento Israelita chamado Knesset é o poder legislativo na concepção moderna do termo 5 Algumas Leis do Deuteronômio a Justiça A Legislação Hebraica é bastante rigorosa na questão da justiça prevendo inclusive a obrigatoriedade da imparcialidade no julga mento Ao mesmo tempo ordenei a vossos juízes Ouvi reis vossos irmãos para fazerdes justiça entre um homem e seu irmão ou o estrangeiro que mora com ele Não façais acepção de pessoa no julga mento ouvireis de igual modo o pequeno e o grande 54 Para a operacionalização da justiça fica estabelecido que cada cidade terá obrigatoriamente que contar com juízes e que estes não 54 Deuteronômio 1 1617 Bíblia de Jerusalém São Paulo Paulinas 1985 grifo nosso poderão corromperse A Legislação Mosaica explica essa aversão ao suborno mostrando a lógica incompatibilidade entre o que é justo e a corrupção Estabelecerás juízes e escribas em cada uma das cidades que Iahweh teu Deus vai dar para as tuas tribos Eles julgarão o povo com sentenças justas Não perverterás o direito não farás acepção de pessoas no julgamento e nem aceita rás suborno pois o suborno cega os olhos dos sábios e falseia a causa dos justos55 b Processo A questão da justiça ou melhor de não cometer injustiças é muito cara aos Hebreus mesmo porque ter o sangue de um justo nas mãos é um pecado gravíssimo para eles Nesse sentido esse povo se difere um pouco de outros já que praticamente não admite julgamento sem investigação ou julgamento por forças naturais ou deuses No exemplo a seguir partese da possibilidade do cometimento de um crime considerado extremamente grave o de uma cidade adorar a outros deuses e é prevista uma punição pesada mas não sem antes ficar provado através de acurada investigação Caso ouças dizer que numa das cidades que Iaweh teu Deus te dará para aí morar homens vagabundos procedentes do teu meio seduziram os habitantes de tua cidade dizendo Vamos servir a outros deuses que não conhecestes de verás investigar fazendo uma pesquisa e inter rogando cuidadosamente Caso seja verdade se o fato for constatado se esta abominação foi pra ticada em teu meio deverás então passar a fio de espada os habitantes daquela cidade56 c Pena de Talião É a Bíblia que primeiro descreve o Princípio da Pena de Talião embora o uso fosse mais antigo 55 Deut 16 1819 56 Deut 13 1316 grifo nosso Conferir também Deut 17 25 Que teu olho não tenha piedade Vida por vida olho por olho dente por dente mão por mão pé por pé57 Entretanto embora esse princípio fosse utilizado entre os He breus o era de maneira mais amena que entre outros povos porque outros princípios limitavam sua aplicação como veremos a seguir d Individualidade das Penas Os pais não serão mortos no lugar dos filhos nem os filhos em lugar dos pais Cada um será executado por seu próprio crime58 Esse princípio que individualiza as penas minimiza a ação do Princípio da Pena de Talião entre os Hebreus fazendo com que aplica ções da Pena de Talião como no caso visto no capítulo anterior em Hammurabi que o filho do construtor morre por causa da casa que o pai fez e que ao cair matou o filho do dono da casa não sejam possíveis Depois dos Hebreus e um pouco os romanos praticamente só no século XVIII dC vamos encontrar de novo a aplicação de tão valoroso e lógico princípio e Lapidação Lapidação é o nome que se dá a pena mais comum do Antigo Testamento É a morte por apedrejamento Para os israelitas morreriam dessa forma os idólatras Deut 17 57 os feiticeiros Lev 20 27 os filhos rebeldes Deut 21 1821 e as adúlteras f Cidades de Refúgio A preocupação dessa legislação com a justiça chega ao ponto de prever e obrigar o estabelecimento de cidades de refúgio ou asilo onde pessoas com problemas poderiam se refugiar para que fosse feita a justiça com calma e não no calor de fortes emoções 57 Deut 1921 58 Deut 25 16 Quando Iahweh teu Deus houver eliminado as nações e as conquistares e estiveres moran do em suas cidades e casas separarás três cida des no meio da terra cuja posse Iahweh teu Deus te dará Estabelecerás o caminho medirás as distâncias e dividirás em três partes o território isto para que nela se refugie o homicida59 A utilidade dessas cidades pode ser mais bem compreendida em conjunto com o próximo ponto g Homicídio Involuntário e Homicídio Essa legislação prevê como de resto todas as outras o homicídio e na Antiguidade o Princípio da Pena de Talião era utilizado como base na penalização desse delito Entretanto os Hebreus não permitem a penalização do que cometeu homicídio sem querer Não se deve uti lizar o termo culposo para um povo que não concebia negligência imperícia ou imprudência como causas de homicídios ou danos Este é o caso do homicida que poderá se refugiar lá para se manter vivo aquele que matar seu pró ximo involuntariamente sem têlo odiado antes por exemplo alguém vai com seu próximo cortar lenha impelindo com força o machado para cortar a árvore o ferro escapa do cabo atinge o compa nheiro e o mata ele poderá então se refugiar nu ma daquelas cidades ficando com a vida salva para que o vingador do sangue enfurecido não persiga o homicida e o alcance porque o caminho é longo tirandolhe a vida sem motivo sufi ciente pois antes não era inimigo do outro60 Contudo se alguém é inimigo de seu próximo e lhe arma uma cilada levantandose e ferindoo mortalmente e a seguir se refugia numa daque las cidades os anciãos da sua cidade enviarão 59 Deut 19 13 60 Deut 19 46 pessoas para tirálo e entregálo ao vingador de sangue para que seja morto61 h Testemunhas A prova testemunhal era primordial na Antiguidade e os Hebreus têm um preceito legal que até hoje pode ser visto inclusive em nossa legislação Uma única testemunha não é suficiente contra alguém em qualquer caso de iniqüidade ou de pecado que haja cometido A causa será esta belecida pelo depoimento pessoal de duas ou três testemunhas62 Com tamanha importância dada à prova testemunhal as penas para falso testemunho eram pesadas geralmente sendo que na Legis lação Mosaica a pena para falso testemunho é equivalente à pena que o acusado teria se fosse condenado Princípio da Pena de Talião Quando uma falsa testemunha se levantar con tra alguém as duas partes em litígio se apre sentarão diante de Iahweh diante dos sacerdo tes e dos juízes que estiverem em função na queles dias Os juízes investigarão cuidado samente Se a testemunha for uma testemunha falsa e tiver caluniado seu irmão então vós a tratareis conforme ela própria maquinava tratar o seu próximo63 i Matrimônio É interessante notar que não há em hebraico uma palavra que seja sinônimo de matrimônio no Antigo Testamento falta o conceito que hoje temos Este não era de direito religioso ou civil mas era um assunto puramente particular entre duas famílias64 61 Deut 19 11 12 62 Deut 19 15 63 Deut 19 1619 Notese que a questão da investigação é reforçada 64 BORN A Van Den Dicionário enciclopédico da Bíblia Petrópolis Vozes 1971 p 958 j Adultério Embora nessa sociedade como na de Hammurabi o peso maior do crime de adultério esteja sobre a mulher casada há um certo puritanis mo nesse povo que leva o peso do crime também para o homem Se um homem for pego em flagrante deitado com uma mulher casada ambos serão mortos o ho mem que se deitou com a mulher e a mulher65 k Divórcio Todos os povos da Antiguidade preveem divórcio Este só co meçou a ser proibido a partir do cristianismo Na Legislação Mosaica entretanto somente os homens podem divorciarse às mulheres não cabe a iniciativa Mesmo assim teria que haver algo vergonhoso o que pode ser interpretado de várias maneiras na esposa para que o esposo pudesse repudiála Quando um homem tiver tomado uma mulher e consumado o matrimônio mas este logo depois não encontra mais graça a seus olhos porque viu nela algo de inconveniente ele lhe escreverá então uma ata de divórcio e a entregará dei xandoa sair de sua casa em liberdade66 l Concubinato No Deuteronômio o concubinato é considerado como algo normal somente o Levítico 18 18 e ss ordenava que as duas esposa e con cubina não fossem irmãs Se alguém tiver duas mulheres e ambas lhe tiverem dado filhos 67 65 Deut 22 22 66 Deut 24 1 67 Deut 22 15s m Estupro O estupro sem pena para a vítima é previsto nessa legislação em bora somente em um caso específico o de a mulher ter sido violentada em um lugar onde poderia ter gritado sem que ninguém a ouvisse Se houver uma jovem virgem prometida a um homem e um homem a encontra na cidade e se deita com ela trarei ambos à porta da cidade e os apedrejareis até que morram a jovem por não ter gritado por socorro na cidade e o homem por ter abusado da mulher de seu próximo Contudo se o homem encontrou a jovem prometida no campo violentoua e deitouse com ela morrerá somente o homem que se deitou com ela nada farás à jovem porque ela não tem pecado que mereça a morte Ele a encontrou no campo e a jovem prometida pode ter gritado sem que houvesse quem a salvasse68 n Herança e Primogenitura O primogênito era beneficiado em detrimento dos outros filhos homens já que mulheres tinham direito apenas ao dote Esse bene fício era garantido mesmo que o primogênito tivesse como mãe uma das mulheres do pai que este não gostasse Se alguém tiver duas mulheres amando uma e não gostando da outra e ambas lhe tiverem dado filhos se o primogênito for da mulher da qual ele não gosta este homem quando for repartir a herança entre seus filhos não poderá tratar o filho da mulher que ele ama como se fosse o mais velho em detrimento do filho da mulher que ele não gosta mas que é o verdadeiro primogênito Reconhecerá como primogênito o filho da mulher da qual ele não gosta dandolhe porção dupla de tudo quanto possuir pois ele é a primícia da sua 68 Deut 22 2327 Não era previsto nenhum tipo de coação física ou moral para justificar o fato da moça estuprada na cidade não ter gritado virilidade e o direito de primogenitura lhe per tence69 o Defloração O caso aplicase à mulher virgem não comprometida Se um homem encontra uma jovem virgem que não está prometida e a agarra e se deita com ela e é pego em flagrante o homem que se deitou com ela dará ao pai da jovem cinqüenta ciclos de prata 570 gr de prata aproximadamente e ela ficará sendo sua mulher uma vez que abusou dela Ele não poderá mandála embora durante toda a sua vida70 p Escravos Em Israel os prisioneiros de guerra não israelitas eram vendidos como escravos Deut 21 10 ou podiam ser comprados em Tiro Gaza ou Aço o tráfico de escravos estava principalmente nas mãos dos Fenícios Era proibida a compra de escravos israelitas por israelitas embora um israelita pudesse se vender provavelmente para pagamento de dívida como escravo A lei indicava que essa escravidão não poderia ser eterna Quando um dos teus irmãos hebreu ou hebréia for vendido a ti ele te servirá por seis anos No sétimo ano tu o deixarás ir em liberdade não o despeças de mãos vazias carregalhe o ombro com presentes do produto do teu rebanho da tua eira e do teu lagar71 Essa indicação de que o escravo deveria receber algo ao deixar a casa do senhor pode parecer para alguns como uma forma de pa gamento pelos seis anos de serviços prestados mas não o é Escravo é coisa 69 Deut 22 1517 70 Deut 22 2829 71 Deut 15 1214 Esse estabelecimento de uma ajuda para o recém exescravo parece ser uma forma de possibilitar que a lei seja de fato cumprida visto que sem isso o escravo sem ter para onde ir e como sobreviver deixaria se escravizar pelo resto da vida Aliás esta é uma opção do escravo Mas se ele escravo diz não quero deixarte se ele te ama e à tua casa e está bem contigo tomarás então uma sovela e lhe furarás a orelha contra a porta e ele ficará sendo teu servo para sempre O mesmo farás com tua serva72 q Caridade Entre os hebreus a caridade é prevista em lei mesmo porque se trata de um povo que se pauta e tem sua identificação enquanto sociedade na questão religiosa Quando houver um pobre em teu meio que seja um só dos teus irmãos numa só de tuas cidades não endurecerás teu coração nem fecharás a mão para com este teu irmão pobre pelo contrá rio abrelhe a mão emprestando o que lhe falta na medida da sua necessidade73 r Governo Geralmente quando se trata de uma religião revelada ou seja quando a própria divindade se mostra para os fiéis por livre vontade a interferência da divindade no diaadia do povo é muito grande Nesse caso o dos Hebreus quem institui o governo é Deus por tanto o rei não pode sentirse muito acima dos demais mortais Quando tiveres entrado na terra que Iahweh teu Deus te dará tomado posse dela e nela habitares e disseres Quero estabelecer sobre mim um rei como todas as nações que me rodeiam deverás 72 Deut 15 1617 73 Deut 15 78 estabelecer sobre ti um rei que tenha sido es colhido por Iahweh teu Deus é um dos teus irmãos que estabelecerás como rei sobre ti Não poderás nomear um estrangeiro que não seja teu irmão74 De fato os reis de Israel costumavam segundo a tradição bíblica ser escolhidos por Profetas a mando segundo a crença israelita de Deus Assim foi com o primeiro rei Saul consagrado pelo profeta Samuel segundo lhe ordenara Deus assim foi com Davi que embora nem parente de Saul fosse foi escolhido mesmo no caso de Salomão este não era o primogênito de Davi e foi rei sucedendo o pai75 s Fraude Comercial e Juros A Legislação hebraica proíbe a utilização de pesos e medidas diversos bem como o empréstimo a juros entre israelitas Não terás na bolsa dois tipos de peso um pesado e outro leve Não terás em tua casa dois tipos de medida uma grande e outra pequena76 Não emprestes a teu irmão com juros quer se trate de empréstimo de dinheiro quer de víveres ou de qualquer outra coisa sobre a qual é cos tume exigir um juro Poderás fazer um emprésti mo com juros ao estrangeiro contudo empres tarás sem juros ao teu irmão 77 t Fauna e Flora Há uma preocupação que poderíamos chamar de um tanto pre servacionista em algumas leis do deuteronômio Quando tiveres que sitiar uma cidade durante muito tempo antes de atacála e tomála não de 74 Deut 17 1415 75 Cf I e II Samuel e I e II Reis 76 Deut 25 1314 77 Deut 23 2021 ves abater suas árvores a golpes de machado ali mentarteás dela sem cortálas 78 Se pelo caminho encontras um ninho de pás saros numa árvore ou no chão com filhotes ou ovos e a mãe sobre os filhotes ou sobre os ovos não tomarás a mãe que está sobre os filhotes deves primeiro deixar a mãe partir em liberdade depois pegarás os filhotes para que tudo corra bem a ti e prolongues os teus dias79 78 Deut 20 19 79 Deut 22 67 CAPÍTULO IV O CÓDIGO DE MANU 1 Introdução Entender o Código de Manu somente lendoo é uma tarefa impos sível mesmo para o mais sábio dos ocidentais Esse Código mais niti damente e mais profundamente que qualquer outro da Antiguidade é parte inexorável da constituição histórica social e principalmente religiosa desse povo Portanto entender o Código de Manu é antes de tudo buscar a compreensão dessa sociedade e sua estrutura e de sua religião 2 Contexto Histórico As condições geográficas da Índia um relativo isolamento marcaram muito sua formação na Antiguidade Contrariamente ao Egi to e à Mesopotâmia a Índia é caracterizada por sua diversidade e pela complexidade das suas condições naturais80 A Índia fica na Ásia Meridional e tem duas zonas principais o Sul e o Norte O Sul ocupa a Península do Decão a segunda zona encontra se no continente Essa região está isolada por um lado pelo Himalaia a mais alta cadeia de montanhas do mundo e por outro pelos mares dificultando muito a comunicação com outros povos Por volta de 2500 aC os dravidianos já dominavam técnicas de cultivo na Península Indiana inclusive a do arroz que posteriormente se difundiu por toda a Ásia No segundo milênio antes de Cristo vindos do interior do conti nente os arianos invadiram o norte e tomaram a península Eles já dominavam o ferro e eram bons guerreiros principalmente excelentes cavaleiros 80 DIAKOV V KOVALEV S dir História da Antigüidade A sociedade primitiva do Orien te Lisboa Estampa 1976 p 317 e ss Da soma da civilização dravidiana e dos invasores arianos nasceu a civilização hindu que possuiu características que se perpetuam até hoje na sociedade indiana 3 Sociedade A sociedade Hindu é dividida em Castas e mesmo hoje depois da influência de outros povos outras religiões nas regiões onde o hinduismo permanece a estrutura de castas persiste inalterada O sistema de castas não admite mudanças ao menos em vida o nascimento determina a casta que o indivíduo pertencerá por toda a sua existência Portanto nascer em uma casta significa crescer nela casarse com alguém dessa mesma casta ter filhos somente dessa casta e morrer pertencendo a ela A mistura de castas é vista como algo hediondo não passível sequer de qualquer consideração mesmo porque para os Hindus essa divisão foi feita na criação do mundo quando dos membros superiores do deus Brahma saíram as castas superiores e dos membros inferiores a castas inferiores81 As castas eram quatro e quem não pertencia a nenhuma delas era considerado resto Brâmanes a casta superior considerada a mais pura física e principalmente espiritualmente Tinham funções como administradores médicos líderes espirituais etc Aos Brâmanes era devida obediência indiferentemente da condição de tal Brâmane Art 733 Instruído ou ignorante um Brâmane é uma divindade poderosa do mesmo modo que o fogo consagrado ou não consagrado é uma poderosa divindade Ksatryas eram a casta dos guerreiros 81 Para ilustrar essa afirmação podemos ler no Código de Manu Art 594o O filho que um Brâmane engendra por luxúria se unindo a uma mulher de classe servil ainda que gozando da vida é como um cadáver eis porque é chamado cadáver vivo Varsyas a casta dos comerciantes É interessante ressaltar que essa divisão por castas não dependia de riqueza Os brâmanes eram muito ricos mas um varsya também poderia sêlo mas mesmo assim era considerado inferior aos ksatryas que por sua vez eram inferiores aos brâmanes Sudras a casta inferior82 Eram a mão de obra da Índia pedrei ros agricultores empregados em geral Estavam em condição servil ou seja embora não fossem escravos estavam obrigados a trabalhar para as outras castas principalmente a dos brâ manes Art 410 Mas que ele o brâmane obrigue um Sudra comprado ou não a cumprir as funções servis porque ele foi criado para o serviço de Brâmane pelo ser existente por si mesmo Art 411 Um Sudra ainda que liberto por seu senhor não é livre do estado de servidão porque este estado lhe sendo natural quem poderia dele isentálo O resto era chamado Chandalas ou párias que não eram consi derados casta na prática não eram considerados nem gente Eram classificados como os mais impuros cabendo a eles as tarefas também consideradas demasiado impuras para que um membro de uma casta as executasse Eles eram os sapateiros os limpafossas os curtidores etc Ou seja exerciam funções que lidavam com restos humanos ou de animais Os reis em geral saíam da casta dos Ksatryas isso porque eram antes de qualquer coisa chefes guerreiros Entretanto os brâmanes podiam mais que o rei como provam estes artigos do Código Art 35 Quando um homem vem dizer com ver dade esse tesouro me pertence e quando ele prova o que alega o tesouro tendo sido achado quer por esse homem quer por outro o rei deve 82 Inferior em todos os sentidos podendo até mesmo ser considerada uma praga Art 22o O país habitado por um grande número de Sudras freqüentado por ateus e desprovido de Brâmanes é logo destruído pelas devastações da fome e das moléstias ter dele a sexta ou a duodécima parte segundo a qualidade desse homem Art 37 Quando o Brâmane instruído vem a des cobrir um tesouro outrora enterrado ele pode tomálo integralmente porque ele é senhor de tudo que existe Art 38 Mas quando o rei acha um tesouro anti gamente depositado na terra e que não tem dono que ele dê a metade dele aos Brâmanes e deixe entrar a outra metade em seu tesouro 4 Religião Para os Hindus antes das influências budistas e posteriormente cristãs a religião era o Vedismo que vem de Veda e significa a soma de todo conhecimento É a religião que antecede o Bramanismo que dominou a Índia posteriormente e sobrevive até hoje juntamente às religiões importadas O Vedismo apoiase na crença na reencarnação e através desta os Hindus puderam basear e firmar sua estrutura social e sua legis lação Para eles o reencarnar em uma situação boa ou ruim na próxima vida dependia intimamente de ser bom ou não na vida presente Essa ideia permeia tudo dos hindus da Índia antiga da sociedade à religião da economia à divisão por castas Como afirmado anteriormente essa divisão não possibilitava mistura nem a mudança de uma casta para outra Esse deslocamento entre castas só era possível ao indivíduo com a sua morte e con sequente reencarnação Se uma pessoa fosse boa durante sua vida poderia vir em uma casta melhor em sua próxima encarnação se fosse ruim viria em uma casta inferior Essa certeza dava à forma da sociedade um molde que não po deria ser facilmente rompido visto que se um indivíduo estava em uma situação precária por ser de uma casta inferior isso se devia ex clusivamente à responsabilidade dele próprio e de sua conduta na vida anterior da mesma maneira não havia como se rebelar contra as pessoas das castas superiores à medida que estas fizeram efetiva mente por merecer em suas vidas passadas Além da divisão social o próprio Código de Manu apoiavase nessa crença Ser bom ou ruim implicava diretamente respeitar ou não o Código Art 750 Uma obediência cega às ordens dos Brâmanes versados no conhecimento dos Livros Santos donos de casa e afamados pela sua virtude é o principal dever de um Sudra e ele dá felicidade depois da morte Art 751 Um Sudra puro de espírito e de corpo submetido às vontades das classes superiores doce em sua linguagem isento de arrogância e se ligando principalmente aos Brâmanes obtém um nascimento mais elevado 5 Alguns Pontos do Código de Manu a Testemunhas A questão das testemunhas para esse Código é tratada com o mais intenso cuidado Uma testemunha não pode de maneira alguma ficar calada pois isso é considerado equivalente a um falso teste munho Art 13 É preciso ou não vir ao Tribunal ou falar segundo a verdade o homem que nada diz ou profere uma mentira é igualmente culpado As testemunhas devem ser admitidas dentro de parâmetros muito estreitos Art 49 Devemse escolher como testemunhas para as causas em todas as classes homens dignos de confiança conhecendo todos os seus deveres isentos de cobiça e rejeitar aqueles cujo caráter é o oposto a isso Entretanto a rejeição a testemunhas não ficava restrita a homens cujo caráter fosse duvidoso Uma série de tipos de pessoas de profissionais de indivíduos com certas condições emocionais também não podia testemunhar Art 50 Não se devem admitir nem aqueles que um interesse pecuniário domina nem amigos nem criados nem inimigos nem homens cuja má fé seja conhecida nem doentes nem homens culpados de um crime Art 51 Não se pode tomar para testemunha nem o rei nem um artista de baixa classe como um cozinheiro nem um ator nem um hábil teólogo nem um estudante nem um ascético afastado de todas as relações mundanas Art 52 Nem um homem inteiramente depen dente nem um homem mal afamado nem o que exerce um ofício cruel nem o que se entrega a ocupações proibidas nem um velho nem uma criança nem um homem só nem um homem pertencente a uma classe misturada nem aquele cujos órgãos estão enfraquecidos Art 53 Nem um infeliz desanimado pelo pesar nem um ébrio nem um louco nem um sofrendo fome ou sede nem fatigado em excesso nem o que está apaixonado de amor ou em cólera ou um ladrão Algumas pessoas podiam ser tomadas como testemunhas apesar de não serem consideradas ideais e somente poderem ser usadas em casos excepcionais e em condições predeterminadas Art 54 Mulheres devem prestar testemunho para mulheres Dvija da mesma classe para Dvijas Sudras honestos para pessoas da classe servil homens pertencentes às classes mistu radas para os que nasceram nessas classes Mas se se trata de um fato acontecido nos aposentos interiores ou em uma floresta ou de um assassinato aquele quem quer que seja que viu o fato deve dar testemunho entre as duas partes83 Art 55 Em tais circunstâncias na falta de tes temunhas convenientes podese receber o depoimento de uma mulher ou de uma criança de um ancião de um discípulo de um parente de uma escrava ou de um criado No caso de testemunhas mulheres conforme visto anteriormente era somente aceito se o testemunho fosse dado a outra mulher entretanto mesmo assim elas eram consideradas inconvenientes por sua inconstância Art 62 O testemunho isolado de um homem isento de cobiça é admissível em certos casos enquanto que o de um grande número de mulheres ainda que honestas não o é por causa da inconstância do espírito delas como não o é o dos homens que cometeram crimes Mesmo ao se colocar na posição de testemunha a separação e a hierarquização das castas estavam presentes Art 97 Que o juiz faça jurar um Brâmane por sua veracidade um Ksatriya por seus cavalos seus elefantes ou suas armas um Vaisya por suas vacas seu trigo seu ouro um Sudra por todos os crimes E dependendo do caso a testemunha poderia ter que passar por uma prova Art 98 Ou então segundo a gravidade do caso que ele faça tomar o fogo com a mão àquele que ele quer experimentar ou que ele mande mergu lhálo na água ou lhe faça tocar separadamente a 83 Dvija Nascido duas vezes cabeça de cada um de seus filhos e de sua mulher Art 99 Aquele a quem a chama não queima a quem a água não faz sobrenadar ao qual não sobrevém desgraça prontamente deve ser con siderado como verídico em seu juramento b Falso Testemunho O falso testemunho é tratado por esse Código de maneira bastante dura e as penas podem ser em vida ou no pósvida Art 67 Aquele que presta um testemunho falso cai nos laços de Veruna sem poder opor ne nhuma resistência durante cem transmigrações devese por conseguinte dizer só a verdade Art 74 As moradas de tormentos reservadas ao assassino de um Brâmane ao homem que mata uma mulher ou uma criança ao que faz mal ao seu amigo e ao que paga com o mal o bem são igualmente destinadas à testemunha que dá depoimento falso Art 78 Nu e calvo sofrendo fome e sede priva do da vida aquele que tiver prestado falso teste munho será reduzido a mendigar sua subsis tência com uma xícara quebrada na casa de seu inimigo Art 79 Com a cabeça para baixo será precipi tado nos abismos mais tenebrosos do inferno o celerado que interrogado em um inquérito judicial der um depoimento falso Entretanto a mentira diante do juiz caso tenha sido engendrada para salvar a vida de quem cometeu um crime em um momento de alucinação é aceita e recomendada Art 89 Todas as vezes que a declaração da ver dade poderia causar a morte de um Sudra de um Vaisya de um Ksatriya ou de um Brâmane quando se trata de uma falta cometida num momento de alucinação e não de um crime premeditado como roubo arrombamento é preciso dizer uma mentira e nesse caso é preferível à verdade c Casamento Nessa sociedade muitas crianças já nasciam prometidas em casamento e especificamente no caso da mulher não era uma escolha pessoal até mesmo porque na maior parte das vezes elas casavamse ainda muito crianças segundo indica o Código de Manu Art 505 É a um mancebo distinto de exterior agradável e da mesma classe que um pai deve dar sua filha em casamento segundo a lei embora ela não tenha chegado ainda à idade de oito anos em que a devam casar Art 511 Um homem de trinta anos deve desposar uma rapariga de doze que lhe agrade um de vinte e quatro uma de oito se ele acabou antes seu noivado para que o cumprimento de seus deveres de dono da casa não seja retardado que ele se case logo d Divórcio Esse Código admitia divórcio embora não deixe claro que não deve ser feito sem motivos que aquela sociedade considerava importantes E a separação somente poderia ocorrer caso a deficiência fosse da esposa ou seja era o marido quem decidia a separação Art 494 Durante um ano inteiro que o marido suporta a aversão de sua mulher mas depois de um ano se ela continua a odiálo que ele tome o que ela possui em particular lhe dê somente o que subsistir e vestirse e deixe de habitar com ela Art 496 Mas aquela que tem aversão por um marido insensato ou culpado de grandes crimes ou eunuco ou impotente ou atormentado de elefantíase ou de concussão pulmonar não será abandonada nem ser privada de seu bem Art 497 Uma mulher dada aos licores inebrian tes tendo maus costumes sempre em contra dição com seu marido atacada de uma moléstia incurável como a lepra ou de um gênio mau e dissipa seu bem deve ser substituída por outra mulher Defeitos de fertilidade incluindo aí o caso de só ter filhas mu lheres e de mortalidade infantil também poderiam ocasionar a separação84 Art 498 Uma mulher estéril deve ser substituída no oitavo ano aquela cujos filhos têm morrido no décimo aquela que só põe no mundo filhas no undécimo aquela que fala com azedume ime diatamente A mulher considerada virtuosa mesmo que doente não poderia ser rejeitada somente com seu consentimento Art 499 Mas aquela que embora doente é boa e de costumes virtuosos não pode ser substi tuída por outra senão por seu consentimento e não deve jamais ser tratada com desprezo e Mulheres Pelos pontos abordados anteriormente já foi possível perceber que a situação da mulher nesse Código é de subordinação E não obstante vários códigos antigos e modernos colocarem a mulher nessa mesma posição o Código de Manu deixa explícito a situação jurídica da parte feminina da população 84 Hoje em dia a ciência comprovou que é da contribuição genética do homem que se dá a definição do sexo da criança mas antigamente assim como em alguns povos mesmo hoje em dia esta era considerada uma responsabilidade da mulher Art 419 Dia e noite as mulheres devem ser mantidas num estado de dependência por seus protetores e mesmo quando elas têm demasiada inclinação por prazeres inocentes e legítimos devem ser submetidas por aqueles de quem dependem à sua autoridade Art 420 Uma mulher está sob a guarda de seu pai durante a infância sob a guarda de seu ma rido durante a juventude sob a guarda de seus filhos em sua velhice ela não deve jamais se conduzir à sua vontade Essa situação imposta juridicamente decorre da certeza que os hindus carregavam acerca da propensão feminina ao mal Art 422 Devese sobretudo cuidar e garantir as mulheres das más inclinações mesmo as mais fracas se as mulheres não fossem vigiadas elas fariam a desgraça de suas famílias Dessa forma a mulher não tinha direito à propriedade Art 611 Os presentes que ela recebeu depois de seu casamento da família de seu marido ou de sua própria família ou os que seu marido lhes fez por amizade devem pertencer depois de sua mor te a seus filhos mesmo em vida de seu esposo Mesmo as funções diárias da mulher estavam explicitadas no Código Contraditoriamente entre as funções de mãe dona de casa etc estava a obrigação de cuidar da renda da família Art 428 Que o marido designe para função à sua mulher a receita das rendas e despesa a puri ficação dos objetos e do corpo o cumprimento de seu dever a preparação do alimento e a con servação dos utensílios do lar Art 444 Dar à luz filhos criálos quando eles têm vindo ao mundo ocuparse todos os dias dos cuidados domésticos tais são os deveres das mulheres f Adultério e Tentativa de Adultério Este é o fato considerado crime que mais tem artigos específicos no Código de Manu Fidelidade no casamento é exigida por lei Art 518 Que uma fidelidade mútua se mantenha até a morte tal é em suma o principal dever da mulher e do marido E mesmo os que praticam a sedução sem necessariamente come terem adultério ou fazerem as mulheres cometeremno devem ser pu nidos Art 349 Que o rei bane depois de havêlos punidos com mutilações infamantes aqueles que se aprazem em seduzir as mulheres dos outros Essa verdadeira aversão ao adultério é explicada facilmente pelo próprio Código Art 350 Porque é do adultério que nasce no mundo a mistura de classes provém a violação dos deveres destruidora da raça humana que causa a perda do universo Em vista disso o Código discorre detalhes sobre o que seria ou poderia ser considerado adultério Art 353 Aquele que fala à mulher do outro em um lugar de peregrinação em uma floresta ou em um bosque ou na confluência de dois rios isto é em um lugar afastado incorre na pena de adultério Art 354 Ter pequenos cuidados com uma mu lher mandarlhe flores e perfumes gracejar com ela tocar nos seus enfeites ou nas suas vestes sentarse com ela no mesmo leito são considera dos pelos sábios como as provas de um adultério Art 355 Tocar o seio de uma mulher casada ou outras partes do seu corpo de uma maneira indecente deixarse tocar assim por ela são ações resultantes do adultério com consen timento mútuo O estupro foi colocado entre os artigos de adultério e o Código afirma que as mulheres deveriam ser vigiadas para que isso não ocorresse Mas não há nenhuma indicação do que ocorreria com a vítima Art 356 Um Sudra deve sofrer a pena capital por ter feito violência à mulher de um Brâmane e em todas as classes são principalmente as mulheres que devem ser vigiadas continuamente A pena de morte era em geral aplicada para casos de adultério Art 368 Se uma mulher orgulhosa de sua fa mília e de suas qualidades é infiel ao seu esposo que o rei a faça devorar por cães em um lugar bastante freqüentado Art 369 Que ele condene o adúltero seu cúm plice a ser queimado sobre um leito de ferro aquecido ao rubro e que os executores alimentem incessantemente o fogo com lenha até que o perverso seja carbonizado Art 374 Se todos dois varsya e ksatrya co metem adultério com uma Brâmane guardada por seu esposo e dotada de qualidade estimável devem ser punidos como Sudras ou queimados com fogo de ervas de caniço Mas nem sempre a pena capital era a única a ser aplicada No ca so específico de Sudras a pena poderia ser a de castração caso o adul tério fosse cometido com uma mulher das três castas acima da dele Art 371 O Sudra que entretém comércio crimi noso com a mulher das três principais classes guardada em casa ou não guardada será privado do membro culpado e de todo seu patrimônio se ela não era guardada se ela o era ele perderá tudo seus bens e a existência Somente os Brâmanes poderiam ter uma pena mais amena Art 376 Uma tonsura ignominiosa é imposta em lugar da pena capital a um Brâmane adúltero nos casos em que a punição das outras classes seria a morte g Defloração A defloração no Código de Manu era definida como sendo feita sem o uso do órgão sexual e era punida severamente Art 364 O homem que por orgulho macula vio lentamente uma rapariga pelo contato de seu dedo terá dois dedos cortados imediatamente e merece além disso uma multa de seiscentos panas Art 365 Quando a rapariga tem consentido nis so aquele que a poluiu dessa maneira se é da mesma classe não deve ter os dedos cortados mas é preciso fazerlhe pagar duzentos panas de multa para impedilo de reincidir A punição pela defloração feita por outra moça também é dura principalmente se essa defloração for conduzida por uma mulher Art 366 Se uma senhorita macula outra pelo contato do dedo que ela seja condenada a du zentos panas de multa que ela pague ao pai da rapariga o duplo do presente de núpcias e receba dez chicotadas Art 367 Mas uma mulher que atenta da mesma maneira contra o pudor de uma rapariga deve ter imediatamente a cabeça raspada e os dedos cortados segundo as circunstâncias e deve ser levada pelas ruas montada em um burro h Herança A herança teve nesse Código um cuidado bastante especial Era previsto por exemplo que aqueles que por impedimento não podiam cuidar de seus próprios bens recebidos em herança teriam como tutor da mesma o rei Art 27 O bem por herança de um menor sem protetor deve ficar sob a guarda do rei até que ele termine seus estudos ou saia da infância isto é até os seus 16 anos Art 28 A mesma proteção deve ser concedida às mulheres estéreis aquelas que não têm filhos às mulheres sem parentes àquelas que são fiéis a seu esposo ausente às viúvas e às mulheres atingidas por uma moléstia Na morte dos pais a herança ia geralmente para o irmão mais ve lho que ficaria responsável pelos irmãos desde que este não renunciasse a esse direito Art 521 Depois da morte do pai e da mãe que os irmãos se tendo reunido partilhem entre si igualmente os bens de seus pais quando o irmão mais velho renuncia a seu direito eles não são donos de tais bens durante a vida daquelas duas pessoas salvo se o pai mesmo tenha preterido partilhar esses bens Art 522 Mas o mais velho quando ele é emi nentemente virtuoso pode tomar posse do pa trimônio em sua totalidade e os outros irmãos de vem viver sob sua tutela como viviam sob a do pai Essa tendência em beneficiar o mais velho dos filhos se dava ba seada na crença de que o primeiro filho homem nascido dava ao homem a condição de pai e assim sanava sua dívida espiritual com os antepassados Art 523 No momento de nascer o mais velho antes mesmo que a criança tenha recebido os sacramentos um homem se torna pai e paga sua dívida para com seus antepassados o filho mais velho deve ter tudo Esse benefício ao primogênito era somente para as três primeiras castas visto que os Sudras tinham que repartir a herança de maneira igual Art 573 É ordenado a um Sudra desposar uma mulher de sua classe e não outra todos os filhos que nascem dela devem ter partes iguais mesmo quando haja uma centena de filhos O Código indica também como devem ficar os casos de herança nos quais não haja herdeiros descendentes Art 633 Se um filho morre sem filhos e sem mu lher o pai ou a mãe deve herdar de sua fortuna a mãe sendo morta que a mãe do pai ou a avó paterna tomem os bens na falta de irmãos e de sobrinhos i Adoção e Outros Meios Legais de Continuação da Linhagem Como se pode atestar pelo indicado no ponto anterior ter filhos ter herdeiros do sexo masculino era de suma importância nessa sociedade e diante dos parâmetros religiosos que esse povo seguia Dessa forma quando não era possível conceber filhos homens o Código permitia algumas maneiras de conseguilo Uma delas era o acordo com uma filha que propunha que o primeiro filho dela seria considerado filho de seu pai Art 543 Aquele que não tem filho macho pode encarregar sua filha de maneira seguinte de lhe criar um filho dizendo que o filho macho que ela puser no mundo seja meu e cumpra em minha honra a cerimônia fúnebre A impossibilidade de ter filhos também poderia ser remediada de uma forma bastante interessante Com a anuência do marido e algu mas condições especiais inclusive o uso de manteiga líquida o cunhado ou outro parente do marido poderia tomar as vezes de reprodutor Art 475 O irmão mais velho que conhece car nalmente a mulher de seu irmão moço e o irmão moço a de seu mais velho irmão são degradados ainda que tenha sido a isso convidados pelo marido ou por parentes a menos que o ca samento seja estéril Art 476 Quando não se tem filhos a progenitura que se deseja pode ser obtida pela união da esposa convenientemente autorizada com um irmão ou com um outro parente Art 477 Regado de manteiga líquida e guar dando silêncio que o parente encarregado desse ofício se aproximando durante a noite de uma viúva ou de uma mulher sem filhos engendre um só filho mas nunca um segundo Art 479 O objeto dessa comissão uma vez obtida segundo a lei que as duas pessoas o irmão e a cunhada se comportem uma para a outra como pai e nora Art 480 Mas um irmão quer o mais velho quer o mais moço que encarregado de cumprir esse dever não observa a regra prescrita e só pensa em satisfazer seus desejos será degradado nos dois casos se é o mais velho como tendo maculado o leito de sua nora se é o novo o de seu pai espiritual Mas a adoção simples também era admitida Art 585 Quando um homem toma para filho um rapaz da mesma classe que ele que conhece a vantagem da observação das cerimônias fúne bres e o mal resultante de sua omissão e dotado de todas as qualidades estimadas em um filho este filho é chamado filho adotivo j Juros O Código de Manu legisla sobre juros inclusive impondo diferen ças entre a possibilidade de cobrança para as diferentes castas Art 140 Que ele receba dois por cento de juro por mês porém nunca mais de um Brâmane três de um Ksatriya quatro de um Vaisya e cinco de um Sudra segundo a ordem direta das classes Impõe também limites nos juros que podem ser cobrados depen dendo da circunstância Art 149 O juro de uma soma emprestada rece bida de uma só vez e não por mês ou por dia não deve ultrapassar o duplo da dívida isto é não deve subir além do capital que se reembolsa ao mesmo tempo e para grãos fruta lã ou crina animais de carga emprestados para serem pagos em objetos do mesmo valor o juro deve ser no máximo bastante elevado para quintuplicar a dívida k Contratos Os contratos nesse Código são vedados a pessoas que consideram sem a capacidade para tal Art 161 Todo contrato feito por uma pessoa ébria ou louca ou doente ou inteiramente depen dente por um menor por um velho ou por uma pessoa que não tem autorização é de nenhum efeito l Limites de Propriedade Em uma sociedade tão numerosa em termos populacionais a questão de terras era sempre uma preocupação Então esse conjunto de leis indica como deve acontecer a decisão sobre contendas envolvendo a questão de terras Art 242 Quando se levanta uma contestação sobre limites entre duas aldeias que o rei escolha os meses de maio e junho para determinar os limites sendo então mais fáceis de distinguir porque o ardor do sol tem dessecado inteira mente a erva Para delimitação de limites de propriedade havia um ritual que deveria ser seguido Art 253 Que esses homens pondo terra sobre suas cabeças conduzindo grinaldas de flores vermelhas e vestimentas vermelhas depois de haverem jurado pela recompensa futura de suas boas ações fixem exatamente o limite m Fraude Muitas leis antigas não abordam a questão da fraude ou apenas o fazem sem prever sanção alguma O Código de Manu prevê esse delito e prevê multa para ele Art 397 Aquele que frauda os direitos que ven de ou compra em hora indevida ou que dá falsa avaliação de suas mercadorias deve sofrer uma multa de oito vezes o valor dos objetos n Fraude Quanto à Casta a que Pertence Como dito anteriormente a rigidez das castas não permitia nenhuma noção de igualdade mesmo que física Dessa forma estar ao lado de um membro de uma casta superior poderia ser muito doloroso para um indivíduo de uma casta inferior que se atrevesse a tal coisa Art 278 Um homem de baixa classe que resolve tomar lugar ao lado de um de classe mais elevada deve ser marcado debaixo do quadril e banido ou então deve ordenar o rei que lhe façam um talho sobre as nádegas o Injúrias No tocante à injúria sua definição pode ser muito ampla no Códi go de Manu Pode tratarse de somente palavras injuriosas ou até mes mo de um indivíduo fazer necessidades vitais sobre outro Dessa forma no caso desse Código podemos definir injúria como qualquer ofensa que não fere fisicamente o outro As penas e multas variam também de acordo com a posição tanto do ofendido quanto do ofensor bem como da gravidade da ofensa Art 264 Um Ksatriya por ter injuriado um Brâ mane merece uma multa de cem panas um Vaisya uma multa de cento e cinqüenta ou du zentos um Sudra uma pena corporal Art 265 Um Brâmane será sujeito à multa de cinqüenta panas por ter ultrajado um homem da classe militar de vinte e cinco por um homem de classe comercial de doze por um Sudra Art 266 Por ter injuriado um homem da mesma classe que ele um Dvija será condenado a doze panas de multa por juízos infamantes a pena em geral deve ser dobrada85 As penas podem também ser físicas Art 267 Um homem da última classe que insulta um Dvija por invectivas afrontosas merece ter a língua cortada porque ele foi produzido pela parte inferior de Brama 85 Dvija Nascido duas vezes Através da prática de ritos iniciatórios o jovem confiado a um guru após intenso ritual ingressava em uma nova vida conquistando sua personali dade espiritual plena passava a ser chamado de dvija nascido novamente Art 268 Se ele os designa por seus nomes e por suas classes de uma maneira ultrajante um estilete de ferro de dez dedos de comprimento será enterrado fervendo em sua boca Art 269 Que o rei lhe faça derramar óleo fer vendo na boca e na orelha se ele tiver a impru dência de dar conselhos aos brâmanes relativa mente ao seu dever E extremamente violentas no caso do ofendido ser um brâmane e o ofensor um indivíduo de uma casta mais baixa Art 279 Se ele encara com insolência sobre um Brâmane que o rei lhe faça mutilar os dois lábios se ele urina sobre um Brâmane a uretra se ele larga um peido na presença deste o ânus p Ofensas Físicas As ofensas físicas seguem o Princípio da Pena de Talião de forma muito próxima e às vezes extrapolamno na medida que consideram não somente que o culpado deve ser ferido à mesma forma que feriu mas também deve ter mutilado o órgão usado para ferir o outro indife rentemente do tipo de ferimento que causou Art 276 De qualquer membro que se sirva um homem de baixo nascimento para ferir um superior esse membro deve ser mutilado Art 277 Se ele levantou a mão ou um bastão sobre o superior deve ter a mão cortada se em um movimento de cólera lhe deu um pontapé que seu pé seja cortado Art 280 Se ele o pega pelos cabelos pelos pés pela barba pelo pescoço ou pelos testículos que o rei lhe faça cortar as duas mãos sem hesitar q Furto e Roubo O Código explicita a diferença entre os dois delitos Art 329 A ação de tirar uma coisa com violência à vista do proprietário é um roubo em sua ausência é furto do mesmo modo que o que se nega ter recebido r Homicídio e Autodefesa No Código de Manu há a possibilidade de não haver pena nem culpa no caso de homicídio em legítima defesa Mesmo que a vítima seja um Brâmane Art 347 Um homem deve matar sem hesitação a quem se atire sobre ele para assassinálo se não tem nenhum meio de escapar quando mesmo fosse seu direito ou uma criança ou um ancião ou ainda um Brâmane muito versado na Escritura Santa Art 348 Matar um homem que faz uma tentativa de assassinato em público ou em particular não faz ninguém culpado de assassinato é o furor nas presas do furor CAPÍTULO V GRÉCIA 1 Introdução Grécia não indica um nome de um país ou de uma unidade política na Antiguidade Antes de tudo por suas condições geográficas e eco nômicas Grécia na Antiguidade significava uma região Nas palavras de Rostovtzeff A organização política da Grécia era ditada pe las condições geográficas e econômicas A natu reza a dividira em pequenas unidades econô micas e era incapaz de criar grandes sistemas políticos Cada vale era independente As melhores regiões do país especialmente seus férteis vales estão abertas para o mar e vedadas a terra Eles estão mais em contato com os vizinhos separados pelo mar do que com os que a terra aproxima86 Quando se fala em Grécia podese também falar até certo ponto de uma unidade cultural com deuses dialetos e alguns hábitos em comum Portanto compreender esta não unidade que era a Grécia significa buscar a compreensão do que seja uma CidadeEstado A cidade não tinha o significado que hoje tem cidade era a asso ciação religiosa e política das famílias e das tribos87 Era na cidade que o coração e a vida se centravam e o território era somente um apêndice O Estado ateniense por exemplo compreendia todos os indivíduos livres que viviam em Atenas e mais todos aqueles que viviam nos territórios da Ática região a que pertencia Atenas88 86 ROSTOVTZEFF M História da Grécia 3 ed Rio de Janeiro Guanabara 1986 p 53 e ss 87 COULANGES F A cidade antiga São Paulo Hemus 1975 p 106 88 FOWLER W W The city State os the greeks and romans Londres Macmillan 1916 p 8 Comum a todas as CidadesEstado gregas era a crença inde pendente dos regimes políticos a que se submetiam de que na Cida deEstado Governavam não os homens mas as leis A legitimidade da lei consuetudinária nómos lei ou pátrios politéia constituição ancestral para os gregos decorria da antiguidade venerável que lhe era atribuída em forma histórica ou com maior freqüência miticamente89 Nos séculos VIII e VII aC as cidades gregas conheceram um grande desenvolvimento urbano Este não se deu de forma igual mas explicavase pelo grande crescimento populacional do período somado a uma retomada do progresso tecnológico artesanal e comercial Esse progresso gerou a queda das monarquias e o início de turbulências sociais que acabaram por produzir legislações e famosos legisladores Entre eles podemos citar Zaleuco de Locros Carondas de Catânia Licurgo de Esparta Drácon e Sólon de Atenas Destes so mente os dois últimos têm comprovada existência histórica90 São numerosas as CidadesEstado gregas são numerosos seus legisladores e em momentos históricos diferentes elas sobressaíram se individualmente Entretanto duas cidades apresentamse como as mais intrigantes no tocante ao Direito Esparta e Atenas Destas duas a partir dos séculos VIII e VII aC ocuparemonos de forma mais atenta 2 Esparta Esta foi uma das primeiras CidadesEstado a surgir na Grécia fun dada no século IX aC por invasores dórios nas margens do rio Eurotas na Planície da Lacônia O nome da cidade deriva de uma planta da região A partir do século VII aC Esparta inicia um processo que vai culminar em um quase total refreamento de qualquer tipo de evo lução Esse processo é indicado pelos próprios habitantes de 89 CARDOSO C F S A cidade estado antiga São Paulo Ática 1985 p 12 90 PETIT P História Antiga São Paulo Difusão Européia do Livro 1964 p 80 e ss Esparta como sendo obra de um legislador não necessariamente histórico Licurgo A evolução foi completamente detida e toda a energia da raça consagrouse à manutenção des tas instituições arcaicas que enrijecendose ainda mais acabaram por esclerosarse Embora os Antigos tenham todos afirmado e admitido sem discussão que as leis eram devidas a sabedoria do legislador Licurgo tão ilustre quan to desconhecido pensase atualmente que esta atribuição de patrono servia para disfarçar a obra de poderosas famílias desejosas de perpetuar o estado de coisas que mais lhe dava proveitos91 21 Sociedade Esparta apresentava três camadas sociais Os Espartíatas eram os dórios guerreiros que recebiam educa ção militar especial Os Periecos eram os aqueus tinham boas condições materiais de vida mas nenhum direito político Os Hilotas eram escravos de propriedade do Estado não ti nham proteção da lei e sua condição humana era uma das mais insuportáveis de todo o mundo antigo92 Embora possamos à primeira vista subentender que os espartía tas estariam com uma situação de tal forma privilegiada nessa socie dade que a vida deles era tranquila o formato extremamente mili tarista da sociedade e da ideologia desse Estado fazia com que não 91 Ibidem p 88 92 Periodicamente os mais vigorosos dentre eles eram assassinados Os espartanos mais prudentes e inteligentes eram mandados como agentes secretos do governo aparecen do onde eram menos esperados e matando os hilotas indesejáveis sem julgamento A posição dos hilotas não era ruim seu tributo de produção aos seus senhores era estrita mente definido e não era oneroso ROSTOVTZEFF M Op cit 95 obstante não precisassem calejar suas mãos pela sobrevivência diária em um arado seu cotidiano não era de nenhuma maneira sereno É então que a sociedade adquire seus traços definitivos hilotas servos do Estado e periecos sem direitos políticos são dominados pelos espartanos de raça pura pouco numerosos desde o começo 10000 guerreiros aliviados de qual quer preocupação material que se consagram desde os sete até os sessenta anos ao treina mento militar casamse patrioticamente aos 30 mas dormem no quartel até os 40 pagando com esta servidão militar a grandeza de serem os melhores infantes do mundo e a austera alegria do dever cumprido93 Para uma melhor compreensão do papel do espartíata na mentalidade militarista deste estado convém descrever sua educação que mesmo hoje é indicada como um adjetivo significando rigidez extrema a educação espartana94 Desde a primeira infância o espartíata era educado para viver para o Estado Um bebê se julgado saudável por uma comissão espe cial de anciãos estava imediatamente sob supervisão pública As crianças que não eram aprovadas por esse julgamento eram enjeitadas pelo governo e acabavam morrendo ou sendo acolhidas por algum hilota de bom coração Até os sete anos a criança recebia cuidados de sua mãe e de amas especiais do governo Aos sete os meninos eram afastados de suas famílias e ingressavam em um grupo militar comandado por um jovem espartíata onde marchavam faziam muita ginástica e aprendiam alguma coisa de música e leitura Dos doze aos dezessete anos esses meninos deviam ir para o campo onde deveriam sustentarse somente com seu próprio esforço Esses garotos comiam alimentos preparados por eles mesmos e suas camas nada mais eram que uma forragem de palha que eles próprios recolhiam nas margens do rio Eurotas Constantemente participavam de competições militares e de ginástica 93 PETIT P Op cit p 88 e ss 94 Cf ROSTOVTZEFF M Op cit p 95 Com o intuito de desenvolver a independência desses meninos eles eram incentivados a roubar principalmente alimentos Entretanto se malsucedido o garoto era surrado impiedosamente O detalhe era que a surra não era dada por ele ter roubado mas por ter sido pego Aos dezessete anos o rapaz passava pela Kriptia que consistia em esconderse pelo campo munido de punhais e à noite degolar quantos escravos conseguisse apanhar Quem passasse por essa prova tornavase adulto e recebia um lote de terra ia viver então no quartel recebendo uma refeição por dia ao cair da tarde Os espartíatas não podiam casarse até os trinta anos poderiam apenas coabitar A partir dessa idade podiam participar da Assem bleia se casar e deixar o cabelo crescer Aos sessenta aposentavam se do exército e podiam tomar parte do Conselho de Anciãos As meninas recebiam praticamente o mesmo treinamento físico dos meninos para que pudessem ser boas mães de espartíatas Elas tinham mais liberdade que as mulheres de outras CidadesEstado da Antiguidade Podiam receber herança e podiam enriquecer com o co mércio atividade vedada totalmente aos homens 22 Economia A economia de Esparta também se transformou a partir do século VII aC Surgiu uma vasta propriedade estatal no lugar das antigas propriedades coletivas Essa grande propriedade era dividida prova velmente em 8000 a 9000 lotes chamados cleros Distribuídas entre os guerreiros dórios as terras não podiam ser cedidas ou vendidas O Estado detinha a posse legal e o cidadão es partíata o usufruto Para o trabalho nessas terras o Estado empres tava seis escravos por lote já que estes eram também propriedade dele Os periecos se dedicavam à agricultura e mais esparsamente à criação de pequenos animais ao artesanato à mineração de ferro e ao comércio Eles tinham a propriedade de suas terras mas estas eram sempre as da periferia não necessariamente as melhores Era mesmo na economia uma cidade diferente e embora de monstrado de maneira um tanto romântica mostranos Xenofonte as bases econômicas antienriquecimento atribuídas a Licurgo Eis ainda as regras pelas quais Licurgo opôs Esparta aos outros gregos Nas outras cidades sabese todos se esforçam por ganhar tanto dinheiro quanto possível Um trabalha a terra o outro arma um navio um outro pratica o grande comércio outros ainda vivem dos ofícios arte sanais Mas Esparta proibiu aos homens livres o dedicaremse a uma atividade lucrativa e pres creveulhes não ter por dignas deles senão as actividades pelas quais as cidades se constituem e permanecem livres E com efeito por que se procuraria a riqueza em um país onde o legislador fixou até a contribuição de cada um dos produtos necessários à vida e à repartição igualitária a fim de impedir a aspiração à riqueza e às doçuras a que ela conduz Também não é para ter bons mantos que é necessário enriquecer é a beleza do corpo não a sumptuosidade das roupas que é seu ornamento Também não precisam amontoar dinheiro para despender em largueza com seus comensais pois o legislador deu melhor renome ao esforço físico que se realiza para ajudar os companheiros do que às despesas ecfetuadas com eles mostrou que as primeiras são o acto da alma as segundas da riqueza Eis ainda como ele impediu que enriquecessem injustamente Primeiramente instituiu uma moeda tal que dez minas não poderiam penetrar numa casa sem o conhecimento dos senhores e dos domésticos pelo seu grande tamanho e peso uma tal so ma teria a necessidade de um grande espaço e de uma carroça para transportar Para mais o ouro e a prata são objeto de buscas e se se des cobre algum em qualquer lado o seu possuidor é castigado Por que se esforçaria pois al guém para ganhar dinheiro onde a sua posse arranja mais aborrecimento que o seu uso prazeres95 95 XENOFONTE apud AUSTIN Michel et alli Economia e sociedade na Grécia antiga Lisboa 70 1986 p 63 23 Política Após o século em questão a política espartana também se tornou extremamente conservadora O poder passou a ser monopolizado exclusivamente pela Gerúsia ou Conselho de Anciãos esta era com posta por vinte e oito Gerontes cidadãos acima dos sessenta anos que tinham cargo vitalício e eram escolhidos por aclamação na As sembleia composta exclusivamente por espartíatas que era somente um órgão consultivo visto que decidia por aplauso A Gerúsia escolhia sob a ovação da Assembleia o poder exe cutivo os Éforos cinco magistrados com mandato de um ano que ti nham por função cuidar da educação das crianças espartíatas que era dever do Estado fiscalizar a vida pública e julgar os processos civis 24 Cultura e Ideologia Claramente pelo acima exposto fica claro que Esparta do século VIII ao século IV aC tinha uma característica cultural marcante e absoluta o militarismo levado às últimas consequências A esse militarismo somavase um esforço contundente e eficaz como prova a sua história de manutenção do seu modo de vida do status quo Eles foram plenamente vitoriosos nesse campo gerando por séculos a sociedade provavelmente mais imóvel da história Para explicar essa imobilidade é necessário entender três caracte rísticas dos espartanos largamente incentivadas pelo Estado a xeno fobia a xenelasia e o laconismo A xenofobia é a aversão desconfiança temor ou antipatia por pessoas estranhas ou por tudo que venha de outro lugar Dessa forma os espartanos de antemão rejeitavam quaisquer ideias ou influências estrangeiras Xenelasia é o banimento ou impedimento de estadia de estran geiros Assim os espartanos não entravam em contato com ideias estranhas ao seu meio O Laconismo existe quando se fala somente o mínimo neces sário e mesmo assim utilizandose do menor número de palavras possível Esta é a característica que mais proporcionalmente pode causar um refreamento nas mudanças de uma sociedade visto que se levado ao extremo diminui inclusive a atividade intelectual e criativa 3 Atenas Atenas localizase na Península da Ática e estendese pelo mar na direção Leste Ela é separada do resto da Grécia por montanhas muito altas porém de fácil acesso Sua situação geográfica protegeua das invasões principalmente de Dórios e facilitoulhe a vida política à me dida que Nessa região as condições eram favoráveis à união de considerável território em torno de um centro político Ela forma uma só unidade geográ fica da qual a saída mais conveniente para o mar é formada pelos dois portos de Atenas 96 No século VIII aC a economia de Atenas era ainda basicamente rural Entretanto as atividades artesanais e comerciais já cresciam e ultrapassavam os limites da região Com o desenvolvimento comercial os georgoi agricultores que possuíam terras pouco férteis junto às montanhas se viram cada vez mais em situação difícil porque com a importação de cereais e algu mas crises climáticas a concorrência os aniquilava gerando um endividamento com os eupátridas que além de monopolizar o poder monopolizavam também as melhores terras possuindoas em latifún dios cultivados por rendeiros ou escravos Esse endividamento gerava não somente a perda de terras mas também caso houvesse a penhora do próprio corpo a escravidão por dívida Para piorar a situação outros que não se tornavam escravos iam para as cidades engrossar a camada dos desvalidos Os eupátridas monopolizavam o poder tanto quando ainda existia um rei chamado Basileu quanto quando posteriormente eles pas saram a governar sozinhos formando uma Oligarquia97 Com o passar do tempo essa situação de empobrecimento dos georgoi aumentou e somouse à insatisfação de comerciantes e arte 96 ROSTOVTZEFF M Op cit p 98 97 Oligarquia Termo que na Grécia antiga designava governo de uma minoria aristo crática Os governos oligárquicos de oligoi pequeno grupo caracterizavamse pela presença de conselhos políticos restritos e limitados em número escolhidos por sua posição social AZEVEDO A C do Amaral Dicionário de nomes termos e conceitos históricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 289 sãos que se tornavam cada vez mais ricos e desejavam participar da vida política A oligarquia estava então entre dois problemas novos ricos dese josos de participar do governo que lhes era vedado e pobres exigindo o fim da escravidão por dívida e a repartição das grandes proprie dades Os insatisfeitos formaram o Partido Popular e o governo oligár quico ficou do outro lado com o Partido Aristocrático A crise era grave porque a aristocracia não tinha mais o monopólio de armas Com a introdução de armas mais baratas os pobres puderam armarse também participar do exército e porque não exigir também maior participação política No meio dessa luta entre os dois partidos um aristocrata de nome Cílon em 623 aC tentou tomar sem sucesso o poder à força e como a resposta do Partido Popular foi imediata a oligarquia se viu obrigada a lhes oferecer para acalmálos reformas 31 Drácon Surgiram os legisladores os primeiros a redigirem as leis em Atenas o primeiro em 621 aC de nome Drácon é famoso até hoje pela severidade de suas leis tanto que mesmo nos dias atuais a pala vra draconiano significa nos dicionários referente a ou o severo e duro código de leis a ele Drácon atribuído Que ou o que é excessiva mente rigoroso ou drástico98 Essa severidade pode ser compreendida pelo fato de Drácon ser um eupátrida e como tal ele Conservava todos os sentimentos da sua casta e era instruído no direito religioso Não parece ter feito outra coisa mais do que passar a escrito os antigos costumes sem nada alterar Sua primeira lei é esta devemos honrar os deuses e os heróis e oferecerlhes sacrifícios anuais sem nos afastar mos dos ritos seguidos pelos antepassados99 98 HOUAISS Antonio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 99 COULANGES Foustel A cidade antiga São Paulo Hemus 1975 p 250 Em não tendo criado nenhuma novidade Drácon reproduziu o direito antigo ditado por uma religião implacável que via em todo erro uma ofensa às divindades e em toda ofensa às divindades um crime odioso Assim quase todos os crimes eram passíveis de pena de morte 32 Sólon Embora as leis de Drácon tenham reconhecido uma existência legal aos cidadãos e indicado o caminho da responsabilidade indivi dual ele não atingiu e provavelmente nem era sua intenção o problema econômicosocial e consequentemente o problema político Dessa forma ao cabo de poucos anos o Partido Popular voltou a exigir reformas Em 594 aC foi indicado um novo legislador de nome Sólon Este tinha a vantagem de ser aristocrata de nascimento e comerciante de profissão Era como comerciante que Sólon pensava e foi assim que legislou Podese afirmar que as leis de Sólon correspondem a uma grande revolução social A eunomia igualdade de todos perante a lei está presente em todos os artigos que ele escreveu assim não há distinção entre eupátridas e nãoeupátridas A reforma de Sólon atingiu toda a estrutura do Estado Ateniense no que diz respeito à economia sociedade e política 321 Economia Sem dúvida a legislação de Sólon preparou Atenas para ser uma potência econômicocomercial Em todos os sentidos ele indicava um incentivo ao desenvolvimento comercial e industrial que fariam de Atenas a principal e mais poderosa CidadeEstado da região Como forma de ajudar a produção interna e consequentemente o comércio Sólon incentivou a ida de artesãos estrangeiros para Atenas Dessa forma a produção tornavase local o que não somente barateava o custo dos produtos como também a médio e longo prazos poderia fazer da cidade uma exportadora Para melhorar e simplificar as transações comerciais o legislador dotou Atenas de um padrão monetário fixo e incentivou a exploração de minas de prata Dessa maneira Atenas teria uma melhor e maior circulação monetária Ainda no intuito de simplificar o comércio Sólon instituiu um sistema de pesos e medidas único 322 Sociedade Para minimizar os efeitos da crise política Sólon concedeu anistia geral estando perdoados de crimes políticos todos que tivessem come tido um Nesse mesmo sentido suavizou a legislação draconiana bus cando apaziguar os ânimos exaltados da cidade Ele limitou o direito de herança dos primogênitos que anterior mente eram herdeiros universais É importante salientar que embora todos os filhos após Sólon recebessem herança somente os filhos e nunca as filhas tinham esse direito Se houvesse somente uma mulher como herdeira ainda assim esta não receberia nada um parente próximo seria o herdeiro100 Sólon introduziu também o testamento na legislação ateniense sendo a mulher sempre impossibilitada de testar Para atingir objetiva e definitivamente o problema principal que gerava a revolta do povo o legislador decretou a seisachteia que consistia na suspensão dos marcos de hipoteca na devolução das terras aos antigos proprietários e principalmente na proibição da escravidão por dívidas em Atenas 323 Política Sólon pensava através da economia e não poderia ser diferente quando fez leis relativas ao comando do Estado ateniense No comando efetivo ficariam aqueles com mais riquezas e abaixo deles com menos poder e sucessivamente os que tivessem menos dinheiro 100 COULANGES F Op cit p 251s CAPÍTULO VI ROMA E O DIREITO ROMANO 1 Introdução A História de Roma é a história de todos nós História que per passa todo o ocidente e nos faz oriundos dos mesmos pais Latinos antes de tudo Isso com todos os defeitos e qualidades que possam ser atribuídos à latinidade Isso com todas as formas dos seres humanos iguais a nós que conquistaram o mundo inteiro de então O que há de mais interessante na História de Roma na atua lidade é que ela é tão desconhecida quanto mal interpretada Há mui tos que pensam que os romanos eram apenas broncos violentos com ânsia de conquistas e há muitos que nem sequer sabem que em nos sa genética cultural há tanta romanidade que nem podemos enumerar Somos romanos até quando falamos nossa língua é filha do latim somos romanos na nossa noção urbana somos romanos em nossa lite ratura somos romanos mesmo quando temos uma noção de patrio tismo Somos romanos política e administrativamente Mas principal mente somos romanos quando falamos em Direito quando fundamos nossa sociedade em um Estado de Direito Direito esse sistematizado pelos romanos antigos A História desse povo pode até passar despercebida para a maioria dos mortais mesmo para nós latinos Mas é imperdoável que estudantes de Direito advogados e até mesmo os autointitulados juris tas da atualidade considerem Roma como mera curiosidade de erudição ou simplesmente não a considerem Tomando as palavras de Von Ihering A importância do Direito Romano para o mundo atual não consiste só em ter sido por um momento a fonte ou origem do direito esse valor foi só passageiro Sua autoridade reside na pro funda revolução interna na transformação com pleta que causou em todo nosso pensamento jurídico e em ter chegado a ser como o Cristianismo um elemento da Civilização Mo derna101 Em um sentido mais objetivo a importância do estudo do Direito Romano fazse óbvia quando comparamos o Direito Romano com nosso Direito Civil Nada menos que oitenta por cento dos artigos de nos so Código foram confeccionados baseandose direta ou indiretamente nas fontes jurídicas romanas102 Ao iniciarmos este capítulo sobre Roma é necessário salientar algumas características básicas desse povo A primeira e mais visível é o fato de que quando tratamos de Roma tudo é superlativo enorme Roma conquistou toda a volta do Mediterrâneo e não sem razão chamava esse mar de mare nostrum nosso mar Roma conquistou a Europa praticamente toda tendo como fronteira a parte norte da Grã Bretanha e a Alemanha Roma a cidade chegou a ter mais de um milhão de habitantes por volta do século I dC A segunda característica é que os romanos tinham uma visão bastante altiva de si mesmos consideravamse destinados a serem ca put mundi a cabeça do mundo Sua vaidade se traduzia em buscarem entrar para a história da cidade tornaremse eternos através da história 2 História de Roma Divisão Política Iniciaremos o estudo do Direito Romano pelo aspecto da evolução política à medida que utilizaremos conceitos e nomes que somente poderão ser entendidos após uma ambientação preliminar Esta so mente se dá através de um estudo ainda que superficial das Insti tuições Políticas dos diferentes momentos da História de Roma A história da urbs se divide em Realeza da fundação de Roma até 510 aC República de 510 aC até o ano de 27 aC e Império de 27 aC até a morte de Justiniano em 566 dC Este último pode ainda ser subdividido entre Alto de 27 aC até 284 dC e Baixo Império de 284 101 VON IEHRING apud GIORDANI Mario Curtis História de Roma Ptrópolis Vozes 1968 p 254 102 LOBO Abelardo S da C Curso de direito romano Rio de Janeiro Álvaro Pinto 1931 p 7 e ss dC até a morte de Justiniano essa subdivisão baseiase no abso lutismo do imperador que era menor no primeiro e incondicional no segundo 21 A Realeza e suas Instituições Políticas A fundação de Roma com os míticos gêmeos Rômulo e Remo é datada de 753 aC Nos séculos seguintes Roma como as outras Cida desEstado da região era governada por um rei A realeza em Roma era vitalícia porém eletiva e principalmente não hereditária As assembleias chamadas Comícios Curiatos escolhiam o rei cujo nome havia sido proposto pelo Senado e investiamno no Imperium poder total que abrangia os âmbitos civil militar religioso e judiciário Esse soberano era o juiz supremo não havendo apelação contra suas sentenças Senatus vem da palavra senis que quer dizer ancião No final da realeza o senado era composto por trezentos membros que eram con selheiros do rei Durante esse período o Senado não tinha poder aconselhava quando solicitado mas o rei não era obrigado a seguir seus conselhos Já os Comícios Curiatos eram reuniões de todos os homens considerados como povo ou seja os patrícios e os clientes ficando de fora os plebeus e os escravos 22 A República e Suas Instituições Políticas Quando da fundação da República Res Publicae coisa do povo os romanos decidiram pulverizar o poder executivo para as mãos de muitos com mandatos curtos um ano na maior parte dos casos assim evitando que alguém pudesse ter um poder exacerbado nas mãos Somente o Senado permanecia vitalício entretanto sua função primordial durante esse período foi a de cuidar de questões externas Contudo devido à temporariedade do mandato dos cargos executivos da política republicana frente à vitaliciedade do senado acabava possuindo uma autoridade permanente tornandose o centro do Go verno Estes que detinham o poder executivo em Roma Republicana eram chamados Magistrados e cada qual tinha sua função específi ca103 Eles eram divididos entre os Magistrados Ordinários e os Ex traordinários Os Ordinários que mais nos interessam neste estudo Cônsules Pretores Edis Questores eram permanentes e eram eleitos anualmente Os Extraordinários como os censores eram temporários e somente eram escolhidos quando havia necessidade Os candidatos à determinada magistratura tinham que obedecer a determinadas condições Primeiramente deveriam ser cidadãos ple nos optimo iure e dependendo do cargo almejado já terem exercido outras atividades públicas do cursus honorum O Cursus Honorum ou caminho de Honra era uma escala de car gos que deviam ser alcançados sucessivamente a saber primeiro de viase alcançar a questura e depois a edilidade a pretura e o con sulado104 No século I aC ficou estabelecida uma idade mínima para o desempenho de cada uma dessas magistraturas 31 anos para a questura 37 anos para a edilidade 40 anos para a pretura e 43 anos para o consulado Cônsules Eram sempre em número de dois Com poderes equivalentes princípio da colegialidade Eles comandavam o exército presidiam o senado e os Comícios representavam a cidade em cerimônias religio sas e em questões administrativas eles eram os superintendentes dos funcionários Era costume os cônsules repartirem entre si os poderes cada qual reservando para si uma esfera de ação ou exercendo as esferas alternadamente No caso do comando na batalha eles alternavamse a cada dia na chefia suprema do exército e se houvesse mais de um palco de operações eles se distribuíam por acordo ou sorteio 103 Notese que a palavra magistrado hoje em dia tem apenas a conotação de membro do judiciário sendo que na maioria das vezes é utilizada quase exclusivamente para juízes Esse termo é em Roma utilizado de forma muito mais abrangente e não exclusivamente para aqueles que cuidam da justiça mesmo porque fazse necessário lembrar a divisão do Estado em 3 poderes é moderna 104 No início do século II aC o cursus honorum foi regulado e revisado por Sila e ficou com a sequência apresentada Pretores São os magistrados mais importantes para nosso estudo porque sua atuação era relativa à Justiça Eram dois tipos o Pretor Urbano que cuidava de questões envol vendo apenas romanos na cidade e o Pretor Peregrino que cuidava de questões de justiça no campo e aquelas envolvendo estrangeiros É importante salientar que não há hoje em dia equivalência pos sível quando se trata das funções do Pretor Este cuidava da adminis tração da Justiça mas não era juiz Tratava da primeira fase do proces so entre particulares verificando as alegações das partes e fixando os limites da disputa judicial Feito isso o Pretor remetia o caso a um Juiz particular para que este julgasse o caso A partir da Lei Aebutia séc II aC que modificou o processo os pretores tiveram aumentado mais ainda seus poderes discricionários visto que a partir de então eles podiam fixar os limites da contenda e dar instruções ao juiz particular em como este deveria proceder Edis Os edis tinham função de cuidar fisicamente da cidade ou seja cuidavam das provisões da cidade velavam pela segurança pública e pelo tráfego urbano vigiavam aumentos abusivos de preços e a exati dão dos pesos e medidas do mercado cuidavam da conservação de edifícios e monumentos públicos da pavimentação da cidade orga nizavam e promoviam os famosos jogos públicos Questores Durante a República esses magistrados cuidavam principalmen te das questões da fazenda Custodiavam o tesouro público cobravam os devedores e os denunciavam à justiça seguiam generais e gover nadores como tesoureiros Censores Embora não fizesse parte do Cursus Honorum era um cargo cobi çado como um dos mais respeitados da República e geralmente só era ocupado por cidadãos respeitadíssimos e que já tivessem ocupado o cargo de Cônsul Eram eleitos de cinco em cinco anos em número de dois mas cada um só permanecia no cargo por no máximo dezoito meses Os censores eram responsáveis pelo Censo recenseamento que era realizado de cinco em cinco anos Por turno de tribos os cidadãos se apresenta vam com seus bens móveis diante da repartição dos censores villa publica instalada no Campo de Marte para fazerem a declaração fassio do estado civil relações de serviço e riqueza perante os censores os notáveis das tribos e outras pessoas de confiança As mulheres os filhos e clientes eram representados pelo chefe da família Comissários do censo eram enviados aos exércitos que se encontravam em campanha105 Também e principalmente eles eram responsáveis pelo Regimen Morum o policiamento dos costumes Eles podiam devassar a vida de um indivíduo e maus exemplos luxos filosofias não condizentes com o que era considerado romano eram denunciados por eles nas As sembleias Públicas Caso um acusado pelo censor tivesse sua culpa comprovada poderia inclusive perder por algum tempo seus direitos políticos 23 O Império e Suas Instituições Políticas Durante o Império a figura principal do governo romano era obviamente o Imperador Esse nome Imperator significava que o princeps primeiro homem de Roma possuía o imperium em todos os aspectos o civil o militar e o judiciário Nesse período as magistraturas republicanas subsistem mas não têm mais a força e importância anterior O Consulado por exemplo continua existindo até Justiniano entretanto é um cargo apenas honorífico O Senado continua existindo entretanto com cada dia atribuições mais limitadas Por outro lado teve sua competência ampliada nos terrenos legislativo eleitoral e judicial já que podia conforme a 105 BLOCH apud GIORDANI Mario Curtis História de Roma Petrópolis Vozes 1968 p 93 vontade dos senadores conhecer qualquer delito principalmente atentado contra o Estado ou a pessoa do Imperador 24 As Mudanças em Roma Após as Conquistas Como visto dividimos tradicionalmente a História Romana em três partes todas elas políticas Vale a pena destacar principalmente para um entendimento panorâmico mais eficaz da História desse povo que há também uma outra forma de dividirmos o caminho dos romanos É preciso apenas que pensemos que Roma começou como uma pequena cidade do Lácio e tornouse a capital do Mundo Conhecido Era uma cidade de agricultores que se tornaram os donos do mundo A conclusão é clara os romanos antes das grandes conquis tas eram muito mais tradicionais que os romanos de depois destas estes eram mais cosmopolitas mais voltados para o mundo e abertos a mudanças 3 O Direito Romano 31 Definição e Características O Direito Romano é uma criação típica deste povo o que eles cria ram nos deu a possibilidade de hoje estarmos habitando países que se intitulam Estados de Direito Como um todo o Direito Romano é o conjunto de normas vigentes em Roma da Fundação século VIII aC até Justiniano no século VI dC Para os romanos a definição de Direito passava por seus man damentos que são viver honestamente não lesar ninguém e dar a ca da um o que é seu iuris praecepta sunt haec honete vivere alterum non ladere suum cuique tribuere106 Esse direito foi fruto de séculos de trabalho e bom senso antes de tudo O pragmatismo romano encontrou no Direito um centro ines gotável para desenvolverse dentro dos parâmetros que eles mesmos consideravam como essenciais Um simples olhar a um manual de Direito Roma no revelanos seu espírito proteção do indivíduo 106 Digesto 1110 autonomia da família prestígio e poder do pater familias valorização da palavra empenhada etc107 32 Periodização do Direito Romano Podemos identificar três períodos ou fases de evolução do Direito Romano Essas fases são distintas entre si e cada uma tem caracte rísticas próprias Essa divisão de certa forma didática ajudanos a compreender panoramicamente o Direito Romano São estes os três períodos o Período Arcaico ou PréClássico o Período Clássico e o Período PósClássico 321 Período Arcaico Esse período vai da Fundação de Roma no século VIII aC até o século II aC Neste o Direito caracterizase pelo formalismo pela rigidez pela ritualidade Mesmo porque o Estado Romano somente depois de algum tempo tornouse mais presente no diaadia da cidade O Estado tinha funções limitadas a questões essenciais para sua sobrevivência guerra puni ção dos delitos mais graves e naturalmente a observância das regras religiosas108 A família era o centro de tudo mesmo do Direito Os cidadãos romanos eram vistos como membros de uma unidade familiar antes mesmo do que como indivíduos Mesmo a segurança dos cidadãos dependia muito mais do grupo a que pertenciam do que do Estado109 O mais importante marco desse período é a Lei das XII Tábuas feita em 451 e 450 aC como resposta a uma das revoltas da Plebe Romana110 Essa legislação foi uma codificação de regras costumeiras 107 GIORDANI Op cit p 256 108 MARKY Thomas Curso elementar de direito romano 8 ed São Paulo Saraiva 1995 p 6 109 Ibidem p 06 110 A plebe romana lutou durante séculos por igualdade civil e política com os Patrícios e obteve vitórias importantes como a Lei das XII Tábuas a Lei Licínia Sextia no século IV aC que proibia escravidão por dívidas o Tribunato da Plebe entre outras e mesmo entrando rapidamente em desuso foi chamada durante toda a História de Roma como a fonte de todo direito fons omnis publici privatique iuris Esse direito primitivo intimamente ligado às regras religiosas fixado e promulgado pela publicação das XII Tábuas já representava um avanço na sua época mas com o passar do tempo e pela mudança de condições tornouse antiqua do superado e impeditivo de ulterior progresso Mesmo assim o tradicionalismo dos romanos fez com que esse direito arcaico nunca fosse considerado como revogado o próprio Justiniano 10 séculos depois fala dele com respeito111 322 Período Clássico Esse período do século II aC até o século III dC foi o auge do Direito Romano e mais especificamente foi o auge do desenvolvimento do Direito Romano O Poder do Estado foi centralizado e dois persona gens pretores e jurisconsultos adquirindo maior poder de modificar as regras existentes puderam revolucionar constantemente o Direito Jurisconsultos e Pretores e suas atividades serão vistas mais pro fundamente quando tratarmos das Fontes do Direito Romano 323 Período PósClássico Nesse período do século III até o século VI dC o Direito Romano não teve grandes inovações viviase do legado da fase áurea entretanto para acompanhar as novas situações o Direito vulgarizou se e sentiuse a necessidade de fixarse definitivamente as regras por meio de uma codificação que a princípio era muito mal vista pelos romanos112 Houve algumas tentativas nesse período de codificação do Direito vigente porém estas eram feitas de forma restrita Como exemplos po demos indicar o Codex Gregorianus o Codex Hermogenianus o Codex 111 MARKY T Op cit p 06 112 Depois da Lei das XII Tábuas do século V aC nenhuma codificação foi empreendida pelos romanos por não considerarem uma codificação necessária Theodosianus Somente após a queda do Império no Ocidente Justinia no Imperador do Oriente conseguiu empreender tal feito A Codificação Justinianeia chamada de Corpus Iuris Civilis é considerada conclusiva mesmo porque praticamente todos os códigos modernos trazem a marca dessa obra113 O Corpus Iuris Civilis é com posto por quatro obras o Codex o Digesto chamado também de Pandectas as Institutas e as Novelas O Codex foi completado em 529 e reúne a coleção completa das Constituições Imperiais veremos seu significado a seguir o Digesto de 530 é a seleção das obras dos Jurisconsultos as Institutas são um manual de Direito para estudantes e as Novelas são a publicação das leis do próprio Justiniano114 33 Fontes do Direito Romano O Direito Romano até por sua extensão no que diz respeito ao tempo que existiu e foi trabalhado tem muitas fontes Algumas são gerais independentes de época outras são mais específicas a um período da História de Roma 331 Costume A forma mais espontânea e mais antiga de constituição do direito é o Costume Os romanos chamavamno de consuetudo e mais fre quentemente de mores Este não pode ser entendido apenas como fon te específica do Direito mas entre os romanos pode ser visto também como adjetivos obrigatórios ao bom romano Nesse sentido muitos pontos do Mos Maiorum podem ser vistos na História do Direito Romano até mesmo como itens de degradação ou exaltação de um indivíduo em julgamento Os Romanos tinham como suporte fundamental e modelo do seu viver comum a tradição no 113 Corpus Iuris Civilis foi o nome dado à codificação de Justiniano por Dionísio Godofredo no fim do século XVI dC 114 No que diz respeito ao Digesto os codificadores tiveram autorização para alterar os textos escolhidos com o fim de harmonizálos com os novos princípios Essas alterações tiveram o nome de Emblemata Trinoniani Triboniano era o nome do jurista que fez a seleção para o Digesto e hoje são chamadas de Interpolações sentido de observância dos costumes dos ante passados mos maiorum115 A título de exemplo podemos citar a Fides muito usada no Direito e que tem como sentido o cumprimento de um juramento que compro mete ambas as partes na observância de um pacto A fides qualidade imprescindível do bom romano existe no Direito no mínimo desde a Lei das XII Tábuas A Pietas era o item do Mores Maiorum que justificava o poder do Pater famílias visto que ela se define como um sentimento de obriga ção para com aqueles a quem o homem está ligado seja pelo sangue pela política seja através do dever para com os deuses a pátria e a família116 Gravitas era uma das qualidades mais utilizadas para a defesa de um indivíduo no tribunal Era usada no sentido de indicar que um homem era sério compenetrado Foi nesse sentido que Cícero utilizou o termo para defender Plâncio e posteriormente para defender um cidadão chamado Murena acusado por Catão o Censor de ser dan çarino e portanto ofender os bons costumes117 Outras qualidades que podemos apontar são a Dignitas que é relacionada com dignidade e com o exercício de cargos públicos a Honor reconhecimento público de mérito e a Gloria usada na Defe sa de Sestio como só sendo possível a homens de bem porque somente estes podem alcançar tal reconhecimento 332 Leis e Plebiscitos Para o Direito Romano a palavra Lex tem significado mais amplo do que se tem modernamente Para eles a lex indica uma deliberação de vontade com efeitos obrigatórios Dessa forma falase para uma cláusula de um contrato em Leges Privatae leis privadas para referir se ao estatuto de uma cidade os romanos falavam em Lex Colegii e para deliberações dos órgãos do Estado com o mesmo sentido moder no os romanos aplicavam o termo Lex Publica118 115 PEREIRA Maria Helena da Rocha Estudos de História da Cultura Clássica Lisboa Calouste Gulbekian 19 p 345 116 Ibidem p 329 e ss 117 Ibidem p 342343 118 Leges é plural de lex No período republicano há duas espécies de leis dependendo de onde se origina a Lex Rogata e a Lex Data A Lex Data era a lei pro veniente do senado ou de algum magistrado As Leges Rogatae eram as leis votadas pelos cidadãos romanos populus romanus reunidos em Comícios e eram propostas pelos ma gistrados e somente entravam em vigor após a ratificação pelo Senado Caso essa aprovação fosse feita somente pelos Plebeus parte da sociedade romana nos Plebiscitos eram válidas a princípio somente para os próprios plebeus porém após a lei Hortênsia de 286 aC as decisões do Plebiscito tinham força de lei para a sociedade como um todo 333 Edito dos Magistrados Conforme visto no subcapítulo referente às Instituições Políticas havia um cargo na República que era responsável diretamente pela Justiça os Pretores Estes ao iniciar seu mandato publicavam os Edicta para tornar pública a maneira pela qual administrariam a justiça durante seu ano119 Da etimologia da palavra e dicere se deve deduzir que em sua origem tais comunicações eram orais mas o edito era transcrito a tinta em tábuas pintadas de branco donde o nome de album com letras pretas e cabeçalhos vermelhos rubricae e afixado no forum onde pudesse facilmente de plano ser lido120 Com os Editos os Pretores acabavam criando novas normas e estas acabavam por estratificarse visto que os Pretores que entravam utilizavamse largamente das experiências bemsucedidas dos Editos dos Pretores anteriores Esses Editos eram chamados Edictum Tralacium e eram diferenciados dos Editos que continham inovações propostas pelo Pretor chamados Edictum Repentinum 119 A Lex Cornelia de 67 aC estabeleceu que os Pretores não podiam afastarse de seus editos durante o mandato 120 CORREIA A SCIACIA G Manual de direito romano Rio de Janeiro Livros Cadernos 19 p 25 O resultado dessas experiências foi um corpo estratificado de regras aceitas e copiadas pelos pretores que se sucediam e que finalmente por volta de 130 aC foram codificadas pelo Juris ta Sálvio Juliano por ordem do Imperador Adriano121 Esse direito pretoriano chamado Ius Honorarium nunca foi equiparado ao Ius Civile mesmo porque a regra pela qual o pretor não podia criar direito embora não usada na prática sempre esteve em vigor praetor ius facere non potest Dessa forma um interessante con trasenso esteve sempre presente no Direito Romano principalmente no período clássico o Ius Honorarium sempre foi considerado diferente e até mesmo inferior ao Ius Civile mesmo quando na prática o substituiu122 334 Jurisconsultos No princípio da História romana somente os sacerdotes conhe ciam as normas jurídicas e somente eles as interpretavam A partir do fim do século IV aC esse monopólio sacerdotal passou a não mais existir e peritos leigos apareceram eram os Jurisconsultos Os Jurisconsultos principalmente no período clássico do Direito Romano foram personagens da mais profunda importância para o desenvolvimento do Direito Sua principal característica e qualidade era o estudo profundo e sistemático e consequentemente o respeito advindo dessa sabedoria Eles eram considerados como pertencentes a uma aristocracia intelectual distinção essa devida aos seus dotes de inteligência e aos seus conhecimentos técnicos123 A atividade desses homens também chamados Prudentes consistia em indicar as formas dos atos processuais aos magistrados e às partes eles não atuavam em juízo essa indicação tinha o nome de 121 MARKY T Op cit p 7 122 Ius honorárium díctur quod ab honoré praetoris vénerat Chamase direito honorário porque emana ele da magistratura honor do pretor Pompônio Dig 12210 123 MARKY T Op cit p 8 agere Eles também auxiliavam na elaboração e escrita de instrumen tos jurídicos que em vista do formalismo exigido necessitava de par ticular competência isso era chamado cavere Era ainda da parte do Jurisconsulto a obrigação do respondere que consistia em emitir pare ceres jurídicos sobre questões a pedido de particulares e magistrados Até pelo menos o fim da República a atividade dos Jurisconsultos não era utilizada como fonte do direito tinha apenas valor para o caso específico apresentado a ele Entretanto a partir do século I aC com Augusto seus pareceres passaram a ter força de lei mesmo porque os Jurisconsultos passaram a responder ex autoritate principis ou seja com a mesma autoridade do Príncipe A jurisprudência passou então como fonte do direito a ser um dos elementos mais importantes para o desenvolvimento profundo pelo qual o Direito Romano passou Nas palavras de um grande Juris consulto romano Iuris prudentia est divinarum atque humanarum rerum notitia iusti atque iniústi scientia Ju risprudência é o conhecimento das instituições divinas e humanas a ciência do justo e do injusto124 É interessante salientar que apesar da força desses homens este não era um meio objetivo de enriquecimento pois a atividade de Juris consulto era exercida gratuitamente em nome da fama da vaidade e do destaque social Para alguns juristas era mesmo até uma forma de arte O Jurisconsulto Celso definiu o ser Jurista Scire leges non est verba earum tenere sed vim ac potestatem Ser jurisconsulto não é conhecer as palavras da lei mas seu espírito e poder125 335 SenatusConsultos Senatusconsultos eram deliberações do senado mediante pro posta dos magistrados estas somente passam a ser fonte de lei após o Principado século I aC portanto somente após esse período os senatusconsultos podem ser considerados fonte do direito 124 Ulpiano Dig 11102 125 Celso Dig 137 No período anterior isto é durante a República o Senado não le gislava entretanto indiretamente influenciava o Direito à medida que aconselhava os magistrados para que seguissem determinadas prescrições na administração da justiça Quando no Império os Imperadores passaram a centralizar mais fortemente o poder os senatusconsultos passaram a ser somente um formalismo que era desejado pelo Imperador quando este queria fazer valer uma decisão que era impopular para dessa forma livrarse do ônus político 336 Constituições Imperiais A partir do segundo século depois de Cristo depois do Impe rador Adriano as decisões dos Imperadores passaram a ser fontes do Direito Paulatinamente durante o Império conforme o poder centra lizavase cada vez mais o Imperador passou a substituir as outras fon tes do Direito para culminar como a única fonte As providências legislativas do Imperador eram chamadas constitutiones ou placita e podiam ser na forma de edicta mandata decreta ou rescripta Edicta deliberações de ordem geral Caso não sejam revogadas pelos seus sucessores a edicta tem duração indefinida Mandata instruções dadas pelo imperador aos funcionários imperiais e aos governadores de província na qualidade de che fe supremo Seu caráter é portanto administrativo exercendo algumas vezes influência sobre o direito privado Decreta são decisões do Imperador proferidas em um processo no exercício do supremo poder jurisdicional que este possuía jurisdictio O Princeps decidia em primeira instância ou em grau de apelação Os decretos eram aplicados e estendidos pelos juristas a casos semelhantes126 Rescripta são respostas solicitadas ao Imperador a respeito de casos jurídicos a ele submetidos pelos magistrados ou por particulares 126 Os juristas imperiais consideravam legislativa a própria vontade do Imperador Quod príncipi plácuit legis habet vigorem O que agrada ao príncipe tem força de lei Ulpiano Dig 121 pref O título Princeps significava primeiro homem de Roma 34 Divisão do Direito Romano Os romanos consideravam várias divisões de seu direito para tanto baseavamse na História na origem da norma na aplicação ou no sujeito a quem era destinada a norma A principal diferença entre os Direitos ius era entre o Ius Cilvile e o Ius Gentium Ius Civile também conhecido como ius quiritium é o direito próprio do cidadão romano e exclusivo deste Ius Gentium é o direito universal aplicável a todos os homens livres inclusive os estrangeiros Para o Jurista Gaio e para Ul piano era um direito baseado na razão natural naturalis ratio127 Ius Gentium est quo gentes humanae untuntur Direito das gentes é o que a razão natural estabeleceu entre os homens128 341 Divisão Baseada na Origem Baseandose na fonte do Direito os romanos diferenciavam o Ius Civile o Ius Honorarium e o Ius Extraordinarium Ius Civile era o Direito tradicional que provinha do costume das leis dos plebiscitos e na época imperial dos senatus consultos e das Constituições Imperiais Ius Honorarium era o Direito elaborado e introduzido pelos pretores Ius Extraordinarium era derivado da atividade jurisdicional do Imperador na época do Império O Imperador e seus funcioná rios tomando conhecimento das controvérsias cognitio de forma diferente da ordem natural dos juízos extra ordinem originaram todo um conjunto de normas129 127 Era considerado como tendo sido constituído pelo Ius Naturale Direito Natural Este seria natural e não uma criação arbitrária do homem Considerase naturalis o que decorre das qualidades físicas dos homens ou das coisas como também o que corresponde a uma ordem normal de interesses humanos e por isso mesmo não exige justificações CORREIA Alexandre SCIACIA Gaetano Op cit p 19 128 Ulpiano Digesto 1114 129 CORREIA Alexandre SCIACIA Gaetano Op cit p 18 342 Divisão Baseada na Aplicabilidade Essa distinção se faz baseada em de que forma as regras podem ou não ser aplicadas Distinguese então entre Ius Cogens e Ius Dispo sitivum Ius Cogens é a regra absoluta Sua aplicação não depende da vontade das partes interessadas É o caso do Direito Público ius publicum privatorum pactis mutari non potest o direito público não pode ser alterado por acordo entre particulares130 Ius Dispositivum esse Direito admitia a expressão da vontade dos particulares as regras podiam ser modificadas ou postas de lado de acordo com o desejo das partes 343 Divisão Baseada no Sujeito Dependendo da regra se esta era aplicável a todos ou somente a alguns os romanos distinguiam o Ius Commune do Ius Singulare Ius Commune é o conjunto de regras que regem de modo geral uma série de casos normais É a regra que se opõe à exceção Ius Singulare são as regras que valem somente para uma ca tegoria de pessoas grupos ou situações específicas É im portante salientar que o Ius Singulare não é uma determinação particular válida somente a uma pessoa Essa situação era chamada no Direito Romano de Privilegium e não tinha o peso do Ius Singulare 35 Capacidade Jurídica de Gozo Capacidade jurídica de gozo chamada também de ca pacidade de direito é a aptidão do indivíduo para ser sujeito de direitos e obrigações Hoje em dia na maioria dos países do mun do todos têm capacidade de direito mas em Roma não era da mesma forma Havia uma série de precondições para que o homem tivesse capacidade jurídica de gozo Para ter completa capacidade de direito era necessário que a pessoa fosse livre status libertatis tivesse 130 Digesto 21438 cidadania romana status civitatis e fosse independente do pátrio poder de alguém status familiae 351 Status Libertatis Para ter capacidade Jurídica o indivíduo tinha que ser livre Escra vos não tinham direitos nem privados nem públicos eram apenas objeto de relações jurídicas O indivíduo podia ou nascer escravo ou tornarse escravo Nesse último caso a pessoa tornavase escrava por aprisionamento em guer ra por disposições penais ou até a Lei Licínia Sextia século IV aC poderia tornarse escrava pelo nãopagamento de uma dívida Pelo Ius Civile antigo eram muitos os crimes pelos quais o indi víduo poderia pagar com a escravidão como por exemplo se o cidadão não aceitasse o recrutamento ou fugisse da obrigação do censo Nascia escravo o filho de escrava a situação do pai não era levada em conta Segundo o Direito clássico nascia escravo o filho cuja mãe fosse escrava na ocasião do parto mas na época pósclássica partin do do princípio de que o nascituro era considerado nascido o filho nas ceria livre caso a mãe houvesse sido livre em qualquer momento da gestação Escravos eram coisas res e como tal não possuíam personalida de estando sujeitos ao poder de seu senhor dominica potestas esse poder em sentido jurídico tinha caráter absoluto Podemos comparar a dominica potestas ao di reito de propriedade em seu tríplice aspecto de ius fruendi direito de perceber os frutos e os produtos da coisa o filho da mulher escrava era um produto de ius utendi direito de utilizarse da coisa e de ius abutendi direito de dispor ou não dispor de alienar etc131 O escravo não podia contrair matrimônio legítimo e todos os bens adquiridos por ele pertenciam a princípio ao senhor quodcumque per servum adquiritur id domino adquiritur tudo o que adquiriu pelo escravo é do dono132 Entretanto era costume entre os romanos prin 131 GIORDANI M C História de Roma Op cit p 197 132 Gaio Inst 1 52 cipalmente para escravos urbanos permitir ao escravo ter um pe culium ou seja ter a posse de alguns bens pelos quais poderiam desenvolver algum comércio ou serviço133 Da mesma forma que uma pessoa poderia tornarse escrava ela também poderia deixar de sêlo através da manumissão manumissio ou datio libertatis Esta era bastante comum em Roma não só porque com a possibilidade da liberdade o escravo produzia mais mas também porque a vaidade romana gostava muito de cortejos fúnebres acompanhados pelos escravos manumitidos pelo defunto A princípio eram apenas três as fórmulas jurídicas de libertação de um escravo o censu o escravo era inscrito com a permissão do dono no registro censitário do censor a vindicta processo judicial no qual se discutia a liberdade do escravo testamento o escravo era libertado em testamento essa forma já era reconhecida na Lei das XII Tábuas O pretor reconhecia outras formas de libertação a feita perante testemunhas manumissio inter amicos fazendose sentar o escravo à mesa per mesa por escrito per epistulam ou mesmo somente colocando o chapéu na cabeça do escravo per pileum O escravo libertado chamado liberto não tinha os mesmos direitos das pessoas que nunca estiveram na condição de escravos estes eram chamados de ingênuos seus direitos políticos eram limitados e no campo do direito privado o liberto encontravase na dependência do exdono Ingenui sunt qui liberi nati sunt libertini qui ex iusta servitute manumissi sunt São ingênuos os que nasceram livres libertos os que foram submetidos a uma escravidão legal e depois alforriados134 352 Status Civitatis A cidadania romana era condição imprescindível para a capa cidade jurídica plena Os nãocidadãos nascer em Roma não era garantia de cidadania e os estrangeiros podiam ter propriedade fazer testamento por exemplo mas pelas regras de sua cidade de origem 133 Era o caso de alguns escravos instruídos que eram professores 134 Gaio Inst 1 4 e 5 Somente os inimigos vencidos peregrini dediticii cujo direito e inde pendência não tivessem sido reconhecidos pelos romanos estariam privados do uso de seu direito de origem Era cidadão aquele que nascia de casamento válido pelo ius civile ou se a mãe fosse de família cidadã Podiam tornarse cidadãos os indivíduos ou povos que recebessem a cidadania por lei ou por vontade do imperador A cidadania podia ser perdida através da Capitis Deminutio que era a diminuição ou perda dos direitos de cidadão Civili ratione capitis deminutio morti coaequatur no Direto Civil a perda da cidadania se equipara à morte135 353 Status Familiae Atualmente a situação do sujeito perante a família não tem gran de valor no que diz respeito à sua capacidade de direito em Roma era de suma importância essa posição pois o status familiae determinava a capacidade Este princípio característico levanos ao tempo em que as relações jurídicas intercorriam não entre indivíduos mas entre grupos familiares gentes e portanto se referiam inteiramente ao chefe de cada família136 Para uma completa capacidade jurídica de gozo era preciso que o indivíduo fosse independente do pátrio poder patria potestas Dentro da organização familiar romana eram distintos dois tipos de pessoas os sui iuris totalmente independentes sem um pater familias e os alieni iuris pessoas sujeitas ao poder de um pater familias A independência do pátrio poder não tinha necessariamente relação com idade ou com o fato de se ter paternidade Um recémnas cido por exemplo se não tivesse ascendente masculino era indepen dente do pátrio poder Em outro extremo um ancião com o pai ainda vivo e que nunca tivesse sido emancipado era alien iuris 135 Gaio Inst 3 153 136 CORREIA Alexandre SCIACIA Gaetano Op cit p 45 Os alien iuris não eram totalmente incapazes juridicamente No que diz respeito aos direitos públicos tinham plena capacidade po diam votar e ser votados para as magistraturas ius sufragii e ius ho norum podiam participar do exército No tocante aos direitos priva dos podiam casarse ius conubii desde que obtivessem o consen timento de seu pater familias No campo patrimonial tudo o que o alien iuris adquiria o fazia para o pater familias ao contrário das obrigações assumidas pelo alien iuris pelas quais o pater familias somente respondia em casos ex cepcionais O indivíduo podia sair da condição de alien iuris caso perdesse seu ascendente masculino direto por morte ou fosse emancipado Poderia também sendo sui iuris tornarse alien iuris por adoção 354 Causas Restritivas da Capacidade Jurídica de Gozo Como visto anteriormente a capacidade de direito não era uma garantia vitalícia Poderia ser perdida ou obtida A perda poderia ser capitis deminutio maxima no caso de perda total da cidadania e portanto de todos os direitos quando um indivíduo tornavase es cravo por exemplo poderia ser também captio deminutio media quando o sujeito era desterrado e tornavase um peregrinus um sempátria e por fim poderia ser captio deminutio minima no caso de a pessoa mudar seu status familiar por emancipação adrogação ou adoção Todos os casos considerados nos pontos acima são exclusivos do sexo masculino visto que à mulher não era permitida plena capacida de Elas não tinham direitos públicos e sofriam restrições no âmbito do direito privado também Como veremos mais adiante elas não tinham direito ao pátrio poder nem à tutela e tampouco podiam participar de atos solenes na qualidade de testemunhas A capacidade jurídica poderia ser restrita também por pena lidades impostas em consequência de atos ilícitos ou por questões religiosas que causavam impedimentos nos campos matrimoniais testamentários e hereditariedade 36 Direito de Família O sentido de família em Roma deve ser visto na sua multiplicidade no tempo e no ensejo em que a palavra é utilizada Em Direito Romano a palavra família pode ser aplicada tanto às coisas quanto às pessoas137 Aplicada às coisas tem o sentido de indicar o conjunto de um patrimônio como por exemplo na expressão dimidium familiae que significa metade do patrimônio ou na expressão família rústica que indica os escravos rurais Aplicada somente às pessoas ou à soma de pessoas e coisas família significa para os romanos todos e tudo sob o poder do pater familias A família relativamente a pessoas pressupõe parentesco e este em Roma poderia ter dois sentidos um estritamente jurídico chamado agnatio outro basicamente biológico ascendência comum a cogna tio O parentesco jurídico englobava todos sob o poder de um mesmo pater familias portanto este só era transmitido pela linha paterna pois somente homens poderiam ser pater familias Por isso a agnatio era chamada também de cognatio virilis Durante a evolução do Direito Romano esses dois sentidos de pa rentesco foram colocados muitas vezes em contraposição o que gerou juridicamente a prevalência cada vez mais acentuada do princípio do parentesco consanguíneo em detrimento da agnação 361 O Pátrio Poder A História do Direito Romano muito tem a ver com o Pátrio Poder patria potestas exclusivo do pater familias Como uma balança quan to maior era o poder do pater familias menor era o poder do Estado e conforme o tempo passou essa balança tendeu a dar a vitória ao Estado em detrimento do pater familias Durante praticamente toda a História do Direito Romano o poder do pater familias era absoluto de vida e morte sobre todos sob sua chefia Seus filhos recémnascidos podiam por sua vontade ser deixados para morrer ou em qualquer idade ser vendidos O poder do pater familias englobava vários poderes a patria potestas sobre os filhos a manus sobre a esposa a dominica potes tas sobre os escravos e o mancipium sobre pessoas livres alien iuris que passaram de um pater familias a outro pela venda por exemplo O pátrio poder implicava em termos patrimoniais o direito amplo do pater familias Como as pessoas sujeitas ao poder dele não tinham 137 Etimologicamente a palavra família tem origem em famulus que é relativo a escravo plena capacidade jurídica de gozo toda e qualquer coisa adquirida o era para o pater familias Por outro lado se o alien iuris cometesse algum delito o pater familias poderia ressarcir o dano ou entregar o filho para ser penalizado A principal fonte do pátrio poder era o nascimento do filho em casamento legítimo In potestate nostra sunt liberi nostri quos ex iustis nuptiis procreavimus Sob o nosso poder estão nossos filhos procriados em um matrimônio legítimo138 A filiação legítima era presumida se o parto acontecesse no mínimo cento e oitenta dias da data em que o matrimônio fosse contraído ou no máximo trezentos dias após a sua dissolução Entretanto o reconhecimento da criança nascida em casamentos juridicamente reconhecidos dependia do pai embora sem esse reco nhecimento paterno a paternidade pudesse ser definida juridicamente através de uma ação especial Os filhos fora do casamento e não reconhecidos não estavam sob o pátrio poder Outra forma de aquisição do pátrio poder era a adoção que comentaremos especificamente adiante O pátrio poder poderia ser extinto pela morte do pater familias a morte alien iuris a perda de cidadania ou liberdade do pater familias o que era equiparado à morte a adoção por outro do alien iuris a eman cipação do filho alien iuris ou o casamento cum manu da filha 362 O Casamento O casamento em uma sociedade que se baseia tão fortemente mesmo em sentido jurídico na família é da mais profunda importân cia Por isso nas Novelas de Justiniano lemos nihil in rebus mortalium perinde venerandum est atque matrimonium Nada é tão venerável nas instituições humanas como o matrimônio139 Iustae Nuptiae ou Iustum Matrimonium eram termos usados para definir o casamento legítimo juridicamente reconhecido pelo ius civile Para que o casamento fosse legítimo era necessário o conúbio que pela definição de Ulpiano Conubium est uxoris iure ducendade facultas Conubium habent cives romani cum civibus 138 Instituta 1 9 pr 139 Novellae 140 in praefatione romanis cum latinis autem aut pregrini ita si concessim sit Cum servis nullum est conubium Conúbio é a faculdade de casarse legalmente Os cidadãos romanos têm conúbio com os cidadãos romanos com os latinos e os estrangeiros quan do lhes foi permitido Não há conúbio entre escravos140 Os romanos distinguiam duas espécies de casamento o casa mento cum manu e o casamento sine manu No casamento cum manu a mulher saía da dependência do seu próprio pater familias para entrar na dependência do marido e do pater familias da família do marido Para que essa transferência ocorresse era suposto um ato chamado conventio in manu ou aquisição da manus do poder do marido sobre a mulher Havia três formas de a manus ser estabelecida com a confarreatio formalidade de cunho religioso muito utilizada na antiguidade da História romana a coemptio venda formal da noiva ao noivo pelo pater familias desta e o usus era baseado no princípio de poder absoluto por posse prolongada e se dava quando o casal convivia maritalmente por mais de um ano O poder da manus entretanto podia ser evitado se a mulher se ausentasse de casa por três noites seguidas durante o curso do ano O casamento sine manu foi o que prevaleceu na Roma após as conquistas territoriais Ele não oferecia a possibilidade de sujeição da mulher ao marido e esta podia continuar sob o poder de seu próprio pater familias conservando portanto os direitos sucessórios de sua família de origem mas era mais condizente com o que se pensava acerca do que era o matrimônio O Historiador Pierre Grimal nos dá uma explicação para tal ocorrência A criação de um casamento sem manus tão importante na evolução dos costumes romanos é atribuída pela tradição aos decênvirus que em meados do século V aC redigiram as leis das XII Tábuas talvez seja até mais antiga tendo os decênvirus se limitado a incluir em seu código um estado de fato Muito provavelmente esse regime 140 Ulpiano Régulaae 5 35 d foi estabelecido para responder a situações prá ticas que dificultavam a manutenção da auto ridade marital em todo o seu rigor Ao que parece a autorização para realizar casamentos legítimos entre patrícios e plebeus oficialmente concedida pela Lex Canuleia em 445 aC tem relação com o abrandamento do velho matrimônio patriarcal É de imaginar que o pai de uma jovem patrícia se recusasse a transmitir sua autoridade ao marido plebeu que ela pudesse ser levada a esposar e que não era seu igual pelo menos aos olhos dos deuses141 Para os romanos o matrimônio era antes de tudo um ato consen sual de contínua convivência Era um fato res facti e não uma res iuri um estado de direito Nesse sentido os juristas romanos afirmavam Coitus matrimonium non facit sed maritalis affectio Não é a cópula em si mas o afeto ma rital que constitui o matrimônio142 Matrimonium inter invitos non contrahitur Não se contrai matrimônio entre quem não deu consenso143 Essa noção de consentimento no início da história romana e pos teriormente para o que diz respeito ao primeiro casamento da moça era bastante limitado para ela Conforme a Digesta de Justiniano indica A moça que não se opõe explicitamente à von tade do pai é considerada concorde Só se permite que uma jovem tenha opinião diferente daquela que de seu pai quando este escolhe para seu noivo um homem indigno ou portador de alguma tara144 141 GRIMAL P O amor em Roma São Paulo Martins Fontes 1991 p 74 e ss 142 Ulpiano Dig 2413213 143 Celso Dig 23 2 22 144 Digesto apud GRIMAL P Op cit p 91 A questão que vale a pena levantar é como uma menina poderia obter informações sobre seu noivo ou como teria forças para desafiar o pai mesmo seu noivo sendo um contumaz apreciador de contatos moralmente discutíveis O casamento era permitido para rapazes a partir dos quatorze anos e para moças a partir dos doze mas o noivado poderia ocorrer antes dessa idade e não raramente no caso das meninas havia a consumação pela coabitação com o noivo mesmo antes do casamento Para designar a jovem que em função da idade não podia ser considerada legalmente casada mas fisicamente já era esposa os juristas usam perífrases como in domum deducta aquela que foi conduzida à casa ou loco nuptae aquela que tem posição e função de esposa145 A justificativa para tal ação que nós hoje consideraríamos pedofilia e condenaríamos com veemência não é menos nobre que o ato Plutarco escrevendo sobre a vida de Numa afirma que seu herói é louvável por ter autorizado os romanos a esposarem meninas de doze anos ou até menos porque assim ele afirma a noiva traz a maior pureza possível no corpo e no caráter e dessa maneira as mulheres ficariam moldadas aos seus esposos146 Havia uma série de impedimentos para o casamento entre as quais podemos listar a loucura a consanguinidade em linha reta sem restrições e na linha colateral até o terceiro grau o parentesco adotivo a diferença de camadas sociais libertos e ingênuos ou qualquer um com uma mulher infame por exemplo condição de soldado em campanha ser tutor e pupila o fato de já ser casadoa O último impedimento apontado impõe juridicamente a monoga mia para o casamento romano mas de fato essa monogamia era rela tiva visto que não era rara a presença de concubinas dentro de casa e o adultério era somente mal visto e criminoso para a esposa Nas pala vras do Censor Catão Se surpreendesses sua mulher em adultério poderias matála sem julgamento e impunemen 145 GRIMAL P Op cit p 95 146 Ibidem passim te mas se cometesses adultério ela não ousaria tocarte nem com a ponta do dedo e aliás não teria tal direito147 363 O Divórcio O casamento na História de Roma jamais foi indissolúvel Mesmo porque se um povo considera que o matrimônio baseiase no con sentimento ainda que relativo a indissolubilidade deste é inimaginá vel Somente na época dos Imperadores cristãos foram introduzidas limitações ao divórcio mas sem nunca abolilo Já o Direito Romano arcaico previa o divórcio Ele era praticado através de formas solenes a diffarreatio e a remantipatio No casa mento sine manu essa dissolução era ainda mais fácil Podia ocorrer através do divortium comuni consensu se houvesse acordo entre as partes ou por repudium no caso de vontade unilateral No início da História romana o divórcio somente podia ocorrer por vontade do marido mesmo assim se ele convocasse o Tribunal Familiar e portanto tivesse algo contra a esposa Esta por sua vez somente descasavase no caso de perda da cidadania do esposo é importante notar que não era nesse caso divórcio mas sim dissolução do casamento Com o passar do tempo as justificativas dadas ao Tribunal Familiar eram cada vez mais tolas e passou a ser possível o divórcio sem qual quer motivo O casamento sine manu deu às mulheres a mesma possi bilidade O historiador Carcopino muitas vezes um tanto moralista lamenta a possibilidade de múltiplos divórcios entre os romanos indicando que muitas vezes eles eram ocasionados por interesse Na época de Cícero o divórcio pelo con sentimento dos cônjuges ou pela vontade de um só tornouse moeda corrente das relações familiares Já velho Sila casouse pela quinta vez com uma jovem divorciada Valéria meia irmã do orador Hortênsio Duas vezes viúvo Pompeu divorciouse duas vezes antes da primeira e depois da segunda de Antistia cuja mãe havia pedido para obter o favor do pretor do qual 147 CATÃO apud GRIMAL P Op cit p 117 dependia a posse de sua imensa fortuna paterna mas cujas amizades ameaçavam prejudicarlhe a carreira política e de Múcia cuja conduta deixara a desejar durante a longa ausência do marido em campanhas alémmar Viúvo de Cornélia César repudiou Pompéia a quem esposara após a morte de Cina pela simples razão de que embora inocente a mulher de César não deveria ser sus peita O virtuoso Catão o jovem separouse de Márcia e não se envergonhou de esposála nova mente quando a fortuna que ela possuía somou se a de Hortênsio com quem Márcia entrementes casarase e do qual era viúva 148 364 O Dote O Dote é uma instituição que até poucos séculos atrás era primor dial para a realização de um casamento149 Ele pode ser definido como o conjunto de bens que a noiva por si mesma ou através de outros traz para o marido para sustentar o ônus do matrimônio Esses bens são dados ao marido para que este os administre e conforme o Direito Romano evoluiu quando da dissolução do casamen to este deveria ser devolvido São modos de constituição do dote a dotis datio efetiva entrega de bens ao marido a dotis dictio promessa de entrega a dotis pro missio consta de uma stipulatio em virtude da qual o constituinte do dote se obriga a transferir os bens posteriormente substituiu a dotis dictio 365 A Adoção A adoção em Roma era corriqueira e bastante aceita pela socie dade aliás esta era considerada uma forma de imitar a natureza no tocante à procriação Adoptio est legitimus actus naturam imitans qui liberos nobis quaerimus A adoção é um ato legal que imita a natureza com o qual podemos adotar filhos como seus150 148 CARCOPINO J Roma no apogeu do Império São Paulo Cia das LetrasCírculo do Livro 1990 p 121 149 Em algumas sociedades atuais o dote ainda é pressuposto para o casamento 150 Instituta 1 11 Para a adoção em Roma havia duas formas a adrogatio e a adoptio A adrogatio era a adoção de um pater familias por outro le vando obviamente todos os seus dependentes e seu patrimônio a adoptio era a adoção de um indivíduo sui iuris Para a adoção não havia limite de idade mas exigiase que o adotante fosse mais velho que o adotado Adoptio naturam imitatur et pro monstro est ut maior sit filius quam pater A adoção imita a natureza seria monstruoso que o filho fosse mais velho que o pai151 Às mulheres era proibido adotar a não ser quando perdiam seus próprios filhos e obtinham permissão especial para isso Feminae adoptare non possunt quia nec natu rales liberos in sua potestate habent sed ex indul géntia principis in solatium liberorum amissorum possunt As mulheres não podem adotar pois tampouco têm sob seu poder os filhos naturais todavia por indulgência do príncipe e para con solo dos filhos perdidos o podem152 37 Tutela e Curatela Tanto a tutela quanto a curatela têm por finalidade dar meios para que uma pessoa sem condições de fazêlo sozinha possa ter os seus bens cuidados Dessa forma podemos afirmar que ambas têm relação com o problema de capacidade para a prática de atos jurídicos153 A tutela existia pela incapacidade por idade ou sexo e visava proteger os interesses da família A curatela visava cuidar de interes ses patrimoniais em casos excepcionais de incapacidade como loucura prodigalidade etc 371 Tutela Podiam ficar sob tutela os impúberes e as mulheres sui iuris O tutor podia ser um parente agnatício próximo tutela legitima ou ser nomeado por testamento tutela testamentária ou ainda ser nomeado pelo pretor tutor dativus Uma mulher não poderia ser tutora a não ser em casos excepcionais 151 Instituta 1 11 4 152 Instituta 1 11 10 153 MARKY T Op cit p 168 Feminae tutores dari non possunt quia id munus masculorum est nisi a principe filiorum tutelam specialiter postulant As mulheres não podem se tornar tutoras porque essa é uma prerrogativa dos varões a não ser que solicitem especialmen te ao príncipe a tutela dos filhos154 Exceto o tutor nomeado por testamento os outros eram obrigados a aceitar o cargo a não ser que provassem idade avançada ter vários filhos exercer cargos públicos Seu dever é explicitado de forma sim ples e direta Tutoris praecipuum officium est ne indefesum pupíllum relinquat O primeiro dever do tutor é não deixar o pupilo indefeso155 A incumbência do tutor era administrar o patrimônio do pupilo e essa administração deveria ser feita de maneira correta sempre visan do ao interesse da pessoa sob tutela Em caso de prejuízo ocasionado por ações do tutor qualquer pessoa poderia denunciálo e se con denado seria penalizado com a infâmia Lege rata non habetur auctoritas dolo malo facta A autoridade do tutor se exercida com dolo não se considera ratificada por lei156 A tutela de impúberes e de mulheres era diferente enquanto a mulher poderia administrar seus próprios bens ficando o tutor como um assistente no caso de impúberes toda a administração ficava por conta do tutor que deveria prestar contas de seus atos Officio tutoris incumbit etiam rationes actus sui confecere et pupillo reddere É tam bém dever do tutor prestar contas de sua administração dos bens do pupilo157 372 Curatela A curatela tem por principal objetivo a proteção do patrimônio do indivíduo cuja capacidade está deteriorada e não é impúbere ou mulher O curador tinha por função ou representar o curatelado absolu tamente incapaz ou assistir relativamente o curatelado dandolhe quando convinha consentimento para a prática de atos jurídicos As espécies de curatela distinguiamse baseadas no tipo de incapacidade do indivíduo Havia a cura furiosi que era a curatela do 154 Nerácio Dig 26 1 18 155 Marcelo Dig 26 7 30 156 Terêncio Clemente Dig 23 3 61 157 Ulpiano Dig 27 3 1 3 indivíduo mentalmente prejudicado Se houvesse um parente agnado próximo este seria o curador caso contrário o pretor nomeava um Ha via também a cura prodigi que era a curatela dada ao indivíduo que comprovadamente esbanjava seus bens dessa forma o pródigo ficaria com sua capacidade de ação limitada e seu patrimônio estaria defen dido Em casos excepcionais havia ainda a cura minorum que era a curatela solicitada por menores de 25 anos para abrandar as dúvidas daqueles que receavam contratar com eles por causa da pouca idade 38 Sucessão Intimamente ligada a todas as questões que envolvem a família sua perpetuação e seu patrimônio está a sucessão A princípio em Roma somente o sucessor do pater familias tinha direito porém com as mudanças estruturais pelas quais passaram não somente a família romana mas a sociedade como um todo essa questão tornouse mais complexa Os romanos utilizavam a expressão succedere in ius para designar a transmissão de todos os direitos e obrigações do defunto a uma outra pessoa seu sucessor usavam a palavra hereditas para indicar o pro cesso dessa passagem e seu objeto geralmente o patrimônio e heredis para indicar herdeiro Hereditas nihil aliud est quam successio in uni versum ius quod defunctus habuerit a herança não é senão a su cessão na universalidade do direito que o falecido possuía158 Os sucessores naturais eram os filhos estes eram considerados mesmo durante a vida de seu pai como quase donos Dessa forma durante o período clássico não se considerava que os filhos herdassem os bens mas a plena administração dos mesmos Eram filhos os nascidos em justas bodas e após a morte do pai a título sucessório Post decem menses mortis natus non admittetur ad legitiman hereditatem o nascido dez meses após a morte não é admitido à legitima herança159 Eram herdeiros como os filhos biológi cos os adotados Qui adoptatur iisdem fit agnatus quibus pater ipsius fuit et legitmam eorum hereditatem habebit vel ipsi eius quem é adotado se torna herdeiro dos mesmos de quem foi seu pai e terá a herança legítima deles ou eles a dele160 158 Juliano Dig 50 17 62 159 Ulpiano Dig 38 16 3 11 160 Ulpiano Dig 38 16 2 3 381 Herança O usufruto a posse o uso algumas relações obrigacionais como mandato por exemplo não eram considerados transmissíveis bem como obrigações delituais já que in poenam heres non succedit o herdeiro não herda a pena161 Os demais direitos e obrigações cons tituíam o patrimônio transmissível Através de um balanço entre o que o defunto devia e o que tinha determinavase a herança que obviamente poderia ser somente dívi da chamada damnosa hereditas No caso de pluralidade de herdeiros cada um sucedia ao de cujus no patrimônio todo sendo os direitos e obrigações de cada herdeiro limitados apenas pelo concurso dos demais cabendo a todos alíquotas ideais sem divisão real concursu partes fiunt162 382 Testamento Para os romanos o testamento era a expressão de uma vontade unilateral Um documento no qual o testador indica seu sucessor ou seus sucessores Até a morte do testador este era revogável poste riore testamento quod iure perfectum est supérius rúmpitur com o testamento posterior que se faz legalmente se anula o anterior163 Para fazer um testamento era necessária a testamenti factio activa isto é a capacidade jurídica para testar Não tinham capacidade de fazer testamento os alien iuris por não terem patrimônio próprio os latini juniani que morriam como escravos e seu patrimônio era auto maticamente do patrono os intestabiles que tiveram essa punição por negaremse a depor como testemunhas os incapazes como os loucos os impúberes os pródigos As mulheres no início da História Romana também não podiam testar mas essa limitação desapareceu no Direito Clássico Ser herdeiro também era uma questão de capacidade jurídica A principal condição era ser cidadão romano livre e não ser intestabiles 161 Marcelo Dig 39 1 22 162 MARKY T Op cit p 175 163 Instituta 2 17 2 Havia dois tipos de testamento o testamentum publicum que era feito publicamente ou perante o comício reunido para esse fim duas vezes por ano e era chamado testamentum calatis comitiis ou perante o exército e o testamentum privatum no qual o testador passava seu patrimônio a uma pessoa de sua confiança para que esta o transferisse à pessoa designada pelo testador essa fórmula transformouse e a pessoa de confiança passou a ser testemunha apenas junto com outras seis já que sete testemunhas era o número exigido para a validade de um testamento Mais tarde costumavase redigir documento es crito do testamento assinado por sete testemu nhas que se chamava tabulae testamenti septi signis signatae a que se juntava ainda a forma lidade oral porque a validade do testamento decorria exclusivamente desta parte oral sendo as tabulae apenas elementos de prova do conteúdo verbalmente enunciado no testamento 164 Testamentos podiam ser considerados nulos ineficazes ou ainda podiam ser revogados O testamento nulo era aquele que era feito por um testador sem capacidade para tal ou aquele feito sem alguma formalidade exigida ou ainda quando o testador desrespeitava os direitos de seus descendentes O testamento tornavase ineficaz quando o testador após a feitura do testamento perdia sua capacidade de testar quando os herdeiros não aceitavam a herança ou quando o testamento fosse revogado Para ser revogado o testamento deveria estar danificado perdido destruído voluntariamente pelo testador ou quando o testador fizesse posteriormente outro 39 Posse e Propriedade Posse e propriedade podem ser diferenciadas pelo fato de se ter poder jurídico ou poder apenas de fato sobre a coisa Quando há so mente posse a coisa está sob o poder da pessoa mas esta não tem 164 MARKY T Op cit p 182 poder jurídico total sobre ela No caso da propriedade o indivíduo tem poder jurídico inclusive de compra venda aluguel etc Para os romanos poderia se gerar propriedade de várias formas inclusive através da posse A tomada de posse de uma coisa que não estivesse sob o domínio de ninguém animais selvagens coisas abandonadas bens de inimigos de Roma geraria a propriedade isso era chamado occupatio Poderia se adquirir também a propriedade por transferência da mesma por usucapião por compra por herança etc 310 Delitos No início da História de Roma não havia limites para a represália quando um indivíduo cometia um crime Era de livre vontade do ofen dido a vingança embora atenuando esse fato houvesse outro não tinham os romanos a nítida distinção entre punição e ressarcimento Para os romanos o crime era definido em uma só palavra noxae Noxae appellatione omne delictum continetur Na palavra noxa está compreendido todo tipo de delito Noxa prejuízo dano delito crime165 E para eles não poderia um indivíduo pagar pelo crime de outro Peccata suos teneant auctores Os crimes só atingem aqueles que o cometeram166 Bem como consideravam que o fato de uma pessoa calar não significava necessariamente uma confissão de culpa Qui tacet non utique fetetur sed tamen verum est eum non negare Quem cala nem sempre confessa Contudo certo é que não nega167 Previam também a legítima defesa Quod quisque ad tutelam corporis sui fecerit id iure fecisse existimatur O que cada um fez para proteger o próprio corpo julgase que haja feito com todo direito168 Portanto fica bastante clara a noção acentuada de justiça dos romanos Para ratificar esse objetivo pode ser citada uma frase de Ulpiano que dizia Satius est impunitum relinqui facinus nocentis quam innocentem damnari Mais vale deixar impune o culpado que condenar o inocente169 Com o fortalecimento do Estado foram estabelecidas condições para o exercício da vingança Esta somente poderia ser efetuada se o 165 Gaio Dig 50 16 238 3 166 Códex 9 47 22 167 Paulo Dig 50 17 142 168 Florentino Dig 1 1 3 169 Ulpiano Dig 48 19 5 pr criminoso fosse pego em flagrante e mesmo assim os limites da represália foram limitados ou eram baseadas no Princípio da Pena de Talião ou a uma compensação pecuniária Quanto ao processo e sua evolução na História romana descreve Mirabete Em Roma a separação entre delicta publica cri mes contra a segurança da cidade parricidium etc e delicta privata infrações menos graves determinava também a distinção dos órgãos competentes para julgamento Quanto aos últi mos os Estado era o árbitro para solucionar litígio entre as partes decidindo de acordo com as provas por elas apresentadas Com o passar dos anos porém o processo penal privado foi abandonado quase totalmente No processo penal público ao contrário ocorreu a evolução Da ausência de qualquer limitação ao poder de julgar existente no começo da monarquia em que nenhuma garantia era dada ao acusado cognitio passouse com a Lex Valeria de Provocatione ao provocatio ad populum em que o condenado podia recorrer da condenação para o povo reu nido Já na República surgiu a justiça centurial em que as centúrias integradas por patrícios e plebeus administraram a justiça penal em um procedimento oral e público e excepcionalmente o julgamento pelo senado que a podia delegar aos questores Já no último século da República surgiu nova forma de procedimento a accusatio ficando a administração da justiça a cargo de um tribunal popular composto inicialmente por senadores e depois por cidadãos No Império a accusatio foi pouco a pouco cedendo lugar a outra forma de procedimento a cognitio extra ordinem processo penal extraordinário a cargo no início do senado depois ao imperador e finalmente outorgado ao praefectus urbis Os poderes do magistrado diz Mazini foram invadindo a esfera de atribuições já reservadas ao acusador privado a tal extremo que em determinada época se reuniam no mesmo órgão do estado magistrado as funções que hoje competem ao Ministério Público e ao Juiz Fezse introduzir então a tortura do réu e mesmo de testemunhas que depusessem falsamente e a prisão preventiva Podese apontar tal procedimento como a base primordial do chamado Sistema Inquisitivo170 3101 Causalidade Causalidade é o nexo subjetivo que liga o delito ao seu autor e manifestase de duas formas dolo ou culpa Os romanos levavam em consideração a intenção conforme podese atestar na Lex Numae Se alguém matou um homem com prévia intenção é homicida O Jurisconsulto Numa indicava que Se alguém matou um homem imprudentemente aos agnados do morto será oferecido em compen sação um carneiro perante a assembléia Tomando essa máxima de Numa e a Lex Numae podese concluir que diferenciavam dolo e culpa Além de um delito poder ser doloso intencional os romanos indicavam que poderia ainda ser pior poderia se cometer um delito com fraus que significa falta consciente de respeito à lei Essa graduação do delito baseado na intenção pode ser vista no Digesto que indica O divino Adriano decidiu em um rescriptum que aquele que matou um homem se não o fez com intenção de matar pode ser absolvido E aquele que não matou um homem mas feriu com intenção de matar deve ser condenado como homicida e segundo os casos deve ser determinado isto se tomou a espada na mão e nele golpeou incontestavelmente o fez com intenção de matar mas se em uma rixa feriu com uma chave ou marmita embora tenha golpeado com instrumento de ferro não o fez contudo com a intenção de matar Deduzse que deve ser mitigada a pena daquele que numa rixa cometeu um homicídio mais por causalidade que por vontade 3102 Imputabilidade Imputabilidade é a aptidão do indivíduo para praticar atos com discernimento No Direito Romano não há uma definição doutrinária 170 MIRABETE J F Processo Penal 13 ed São Paulo Atlas 2002 p 34 completa mas eles indicam que se preocuparam em pensar mini mamente o tema Os impúberes eram considerados dependendo do caso como sendo semiimputáveis porque embora não lhes fossem atribuídas as penas mais severas o ressarcimento era sempre exigido No Digesto lemos Os impúberes não sejam torturados costumam somente ser assustados e ser batidos com uma correia ou vara De qualquer maneira a pena de morte nunca era aplicada a uma criança Os mentalmente incapacitados eram subdividos em categorias os furiosis e os demens Os primeiros seriam os doentes agitados mas com intervalos de lucidez os demens seriam aqueles constantemente em privação do uso total de sua capacidade mental totalmente débil e portanto sem exercer qualquer tipo de possibilidade de perigo para a sociedade No caso dos demens não lhes era atribuída imputabilidade no caso de crimes e os furiosis somente em crimes violentos ou de roubo Estes não eram segundo acreditavam os romanos capazes de crimes de inteligência como falsificações por exemplo Os furiosis quando come tiam um delito ou tinham a possibilidade de fazêlo eram acorren tados A ignorância da lei não gerava imputabilidade mas a ignorância do fato sim Por exemplo uma mulher que se casasse novamente cren do que o marido anterior estivesse morto e este não estivesse não poderia ser acusada de adultério 3103 Extinção da Punibilidade A Pena era extinta se o culpado cumprisse a pena por exemplo um advogado que recebesse como pena a impossibilidade de advogar poderia voltar a fazêlo depois do tempo estipulado se obtivesse o perdão se recebesse a abotio que consistia em extinguir temporaria mente a ação penal em curso por ocasião de alguma solenidade a ação poderia ser retomada após findo o prazo se o crime prescre vesse para o homicídio não havia prescrição e por morte do que cometeu o delito 3104 Codelinquência Os romanos previam a colaboração para cometer crimes e a punia da mesma forma que era punido o que cometeu o delito 3105 Retroatividade da Lei Penal O que hoje é inconcebível para os romanos não o era Era comum que crimes pudessem receber pena mesmo que a lei fosse posterior ao ato 3106 Alguns Delitos Havia distinção entre delitos públicos como traição perduellio homicídio parricidium e incêndio e delitos privados que eram o furto o roubo o dano injustamente causado a injúria o dolo a coação o quase delictus171 Ulpiano afirmava Hoc iure utimur ut quidquid omnino per vim Fiat aut in vis publicae aut in vis privatae crimen incidat Nós usamos este princípio em direito tudo aquilo que se faz com violência cai ou no delito de violência pública ou no de violência privada172 Furto entendido como apropriação da coisa alheia sem uso de violência No início do Direito Romano tinha como pena a possi bilidade de o ladrão pego em flagrante ser punido fisicamente ser morto ou reduzido à condição de escravo Mais tarde o furto passou a gerar direito de o ofendido exigir uma multa pecuniária que poderia ser o dobro o triplo ou o quádruplo do valor da coisa furtada Roubo pela definição do jurisconsulto Paulo Fur est qui dolo malo rem alienam contrectat Ladrão é aquele que se apropria dolosamente da coisa alheia173 Para a pena seguiase a mesma tendência de cobrar do ladrão a título de pena uma multa cujo montante poderia ser até o quádruplo do valor da coisa rou bada Dano quando causado injustamente era cobrado do indivíduo que cometeu o delito que esse reparasse o que causou No 171 O empréstimo de dinheiro a juros era considerado delito mas houve controvérsia se este delito era privado ou público A Lex Genucia de 342 aC considerava delito público a Lex Márcia de Fenore de 104 aC considerava delito privado 172 Ulpiano Dig 50 17 152 173 Paulo Sententiae 2 31 1 cálculo do valor do dano no período clássico ao invés de um valor objetivo calculavase o dano efetivo material damnum emergens e a perda do lucro advinda do dano lucrus cessans Injúria Iniuriam accipiemus damunum culpa datum etiam ab eo qui nocere noluit Consideramos injúria o prejuízo causado por culpa ainda que não houvesse intenção de prejudicar174 No período clássico por meio de uma ação chamada actio iniuria rum o ofendido poderia pedir indenização pela ofensa sofrida Dolo o pretor Aquilio Galo introduziu essa inovação no Direito Romano O dolo é apontado como sendo todo comportamento desonesto com a finalidade de induzir um indivíduo a erro A parte lesada poderia entrar com uma actio dolo contra o ofensor para obter ressarcimento do dano sofrido O dolo era conside rado um delito bastante grave Dolus omnimodo puniatur O dolo deve ser punido por todos os meios175 Coação é o ato de um indivíduo compelir outro a práticas de atos jurídicos mediante violência Esta pode ser física também chamada absoluta ou moral chamada compulsiva O ofendido teria como ação penal uma actio quod metus causa contra o autor da violência Quase Delictus pode ser definido como quase delito ou como um delito que foi ocasionado de forma culposa ou seja sem inten ção mas que poderia ter sido evitado Eram agrupados em effusum et deiectum atirar objetos de um edifício sobre a via pública positum et suspensum colocar objeto pendurado em um edifício com a possibilidade de cair e causar dano exercitor navis aut caupónae et stabuli responsabilidade de proprietários de navios hospedarias e estábulos em relação às coisas dos clientes e si iudex litem suam fecerit se o juiz julgou mal o processo176 311 O Estudo do Direito e os Advogados em Roma Quando se trata de educação em Roma é necessário salientar que antes das influências dos povos conquistados todo o ensino fosse ele básico ou superior era basicamente per exemplo ou seja o in 174 Ulpiano Dig 9 2 5 1 175 Nerácio Dig 44 4 11 10 176 VALLE Gabriel Dicionário de expressões jurídicas latimportuguês 2 ed Campinas Capola 2002 p 305 divíduo era educado seguindo o exemplo de seu pai ou de um tutor por ele indicado O método do ensino do Direito a princípio era também essen cialmente prático Era chamado de respondere audire os jovens assis tiam às consultas que o mestre dava a seus clientes e às minuciosas explicações que este lhes administravam sobre cada caso Com o passar do tempo principalmente a partir do primeiro século antes de Cristo o ensino prático do Direito passou a ser complemen tado por um ensino sistematizado Segundo Marrou Utilizando todos os recursos da lógica grega o Direito Romano se esforça desde então por se apresentar aos iniciantes sob a forma de um cor po de doutrina de um sistema constituído por um conjunto de princípios de divisões e classifica ções apoiadas sobre uma terminologia e em definições precisas177 Quanto mais cresceram a influência e o poder no tocante ao Direito principalmente dos Jurisconsultos mais o estudo do Direito adquiriu maior importância e maior atenção da sociedade e do Estado Os escritórios dos Jurisconsultos eram ao mesmo tempo lugares de consultas jurídicas e escolas públicas de Direito Essas escolas situa vamse geralmente perto dos templos para que se pudesse aproveitar os recursos das bibliotecas que eram anexas aos templos Não se pode com isso confundir o iurisconsultus e o orator Ambos eram advogados mas um era especialista no Direito e a ele cabia estudar o aspecto jurídico das controvérsias e o outro era o que estava em juízo lutando pelo seu cliente Ser advogado em Roma era quase uma tendência natural visto que os romanos durante todo o longo período republicano pelo menos tinham um imenso apreço pela oratória que consideravam como arte e como algo a ser cultivado e admirado Os maiores vultos da política republicana foram também campeões da vida forense Em ambas as funções a oratória era ferramenta primordial Afirmava Ulpiano Melius est sensum magis quam verba amplecti O melhor é aterse ao sentido das palavras que ao escrito178 177 MARROU apud Giordani M C História de Roma p 268 178 Ulpiano Dig 34 4 3 9 Esse casamento entre a advocacia seu exercício e a política eram bastante intensos na Roma Republicana visto que a Lex Cincia de 304 aC proibia o recebimento de honorários ao menos oficialmente o apoio eleitoral advindo através de uma boa carreira no fórum era uma excelente recompensa Com o Império a carreira política perdeu sua importância e logo em seu início o Imperador Cláudio séc I dC permitiu os honorários advocatícios mas dentro de limites pecuniários Portanto somente após Cláudio podemos considerar a advocacia em Roma como uma profissão A popularidade dos advogados em Roma era tanta quanto os próprios litígios que reuniam uma multidão tão ávida de diversão quanto aquela que frequentava o circo Durante duzentos e trinta dias por ano para as instâncias civis em todo o tempo para os pro cessos criminais a urbs se consumia com a febre judiciária que se apoderava não só dos litigantes ou dos acusados mas também de seus advo gados e da multidão de curiosos imobilizados durante horas à volta dos tribunais pela avidez do escândalo ou pelo gosto das controvérsias oratórias179 179 CARCOPINO J Op cit p 225 CAPÍTULO VII A EUROPA MEDIEVAL 1 Introdução A Idade Média é o período histórico da Europa que se estendeu do século V dC até o século XV ou seja da queda do Império Romano do Ocidente em 476 até a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 Esses mil anos não foram uniformes podemos vislumbrar pelo menos dois momentos específicos a título de estudo a Alta Idade Média do século V ao século IX e a Baixa Idade Média do século IX ao XV A Alta Idade Média é um período de desconstrução e construção Por isso mesmo ele é cheio de vieses e detalhes Nesse tempo da história europeia os homens tiveram que conviver com o fim do mundo que conheciam o mundo romano e ao mesmo tempo com a construção de um novo mundo agora tendo como elementos as culturas germânicas e a Igreja Católica Esse período iniciase com a queda de Roma e a invasão de tribos germânicas no território do Império Os povos germânicos tinham hábitos bastante diferentes dos romanos Eles se vestiam de peles de animais e tecidos grosseiros habitavam moradias rústicas visto que eram seminômades mudavamse sempre que as pastagens ra reavam Além da agricultura e do pastoreio os germânicos caçavam pescavam mas sua economia era basicamente de trocas O sistema produtivo combinava a propriedade coletiva e a propriedade indi vidual e principalmente a guerra era primordial para a economia desses povos Algumas tribos germânicas ao invadirem o Império Romano for maram reinos outras simplesmente espalharamse pelo território180 Aos poucos as invasões alteraram a dinâmica social não somente dos germânicos mas dos romanos também Os camponeses livres foram 180 Dentre os reinos formados por germânicos no território romano podemos citar os Vândalos no norte da África os Ostrogodos na Península Itálica os Visigodos na Península Ibérica os AngloSaxões na atual Inglaterra e os Francos na atual França perdendo sua independência e submeteramse à autoridade da elite que nascia uma elite formada por chefes guerreiros e grupos armados Isso pode ser explicado pelo fato de os guerreiros terem detido a propriedade das terras e sem a posse destas os camponeses se viram obrigados a se submeter a eles A Baixa Idade Média é o período no qual superados os momentos de integração dos dois mundos que se encontraram no início da Idade Média o mundo romano e o germânico o que se considera medieval consolidouse e ao mesmo tempo começou a se transformar para daí a alguns séculos pôr fim ao medievo Nesse período medieval encontramos a consolidação da institui ção considerada como símbolo da Idade Média o feudalismo do qual trataremos adiante bem como podemos começar a vislumbrar as modificações que acabaram por apresentarse como o nascedouro da Idade Moderna o renascimento do comércio das cidades das uni versidades das grandes catedrais etc A sociedade medieval que começou a tomar forma na Alta Idade Média estava já consolidada no período seguinte e era simples sua divisão de um lado homens livres com o poder das armas ou da Igreja de outro os servos Portanto podese afirmar que a Idade Média conheceu basicamente três tipos de homens os que guerreavam os que oravam e os que trabalhavam Quanto aos servos é necessário reafirmar que estes não eram livres não eram escravos tampouco Servos eram nãolivres não porque pertencessem a alguém ou porque fossem um bem alienável porque se assim fosse eles seriam escravos mas porque estavam presos à terra e se essa mudasse de mãos por qualquer motivo os servos daquela terra teriam um outro senhor Eles não poderiam via de regra mudar de feudo quando achassem pertinente 2 Sistema Feudal 21 Características Feudalismo é uma palavra muitas vezes carregada de um peso negativo que não é justo Muitos ao ouvila lembramse de atraso ou qualquer outro termo que possa ser empregado pejorativamente Outros apenas têm uma sensação desagradável lembrando que tem algo a ver com terra e que nunca conseguiram compreender direito esse conceito na escola181 Antes de qualquer explicação é preciso entender que feudalismo é um sistema que não pode ser minimizado ou considerado apenas em parte Esse sistema apoiase no Direito e dele não pode se afastar mas envolve meio de vida força fé interesses terra divisão social e tudo quanto o ser humano é capaz de criar Dentre todas essas questões que envolvem esse termo uma palavra é primordial para seu entendimento sobrevivência Quase tudo no Sistema Feudal tem algo a ver com a questão da sobrevivência Seja a luta pela sobrevivência usando armas seja a sobrevivência básica da alimentação e aí se encontra a semente do feudalismo Tomemos uma definição de feudalismo Podese entender por feudalidade um tipo de sociedade baseado numa organização muito particular entre os homens laços de dependência de homem para homem estabelecendo uma hie rarquia entre os indivíduos Um homem o vas salo confiase a outro homem que escolhe para seu amo e que aceita esta entrega voluntária O vassalo deve ao amo fidelidade conselho e ajuda militar e material O amo o senhor deve a seu vassalo fidelidade proteção sustento O sustento pode ser assegurado de diversas maneiras Ge ralmente fazse através da concessão ao vassalo duma terra benefício ou feudo182 Um homem livre tornase vassalo de um outro homem livre servos só estão presentes nessa situação à medida que se um feudo é dado ao vassalo os servos que são daquele feudo mudam de senhor Qual o motivo de um homem querer vassalos Qual o motivo de um homem desejar estar sob o senhorio de alguém A resposta é sobrevivência 181 A palavra feudalismo em alemão Lehnwesen ou Feudalimus em inglês feudalism em holandês leenstelsel prestase a muitas confusões Desde a Revolução Francesa em que juntamente com o fanatismo serviu de espantalho tem sido muitas vezes usada fora do seu sentido próprio GANSHOF F L Que é o feudalismo 2 ed Lisboa Europa América 1968 p 09 182 FOURQUIN G Senhorio e feudalidade na Idade Média Lisboa 70 1987 p 11 Um indivíduo na Idade Média por mais terras que tivesse neces sitava defendêlas e por conseguinte a si mesmo e a sua família Essa defesa somente poderia ocorrer através das armas era essa a lin guagem básica do período medieval Contratar capangas para essa defesa estava um tanto fora de questão visto que era difícil conseguir como pagar Logo para sobreviver este indivíduo deveria oferecer algo que interessasse a quem pudesse ajudálo a defenderse e a suas terras Esse algo era um meio de obtenção de sobrevivência básica alimento que somente poderia ocorrer através da posse de terras Isso ocorria com pequenos médios e até grandes proprietários de terra desde que o interesse assim recomendasse Sobreviver não era somente defenderse era também ter capacidade de atacar conquistar mais terras para em um círculo vicioso ter mais feudos a doar para vassalos e ter maior exército para conquistar mais terras etc É o caso de alguns reis carolíngios Para poderem dispor de guerreiros numerosos bem armados inteiramente dedicados Pepino II e sobretudo Carlos Martel multiplicaram o nú mero dos seus vassalos Distribuíramlhes terras a fim de os porem em condições de poderem obter além do sustento a que tinham direito um equipamento completo de guerra 183 Essas necessidades abrandadas pelo caminho escolhido o feuda lismo não nasceram da noite para o dia foram transformações que acabaram por eliminar gradativamente os poderes mais centralizados e pulverizálos de tal forma que a característica que mais chama a atenção no feudalismo é a fragmentação do poder 22 Contrato FeudoVassálico O próprio feudalismo baseiase em uma questão de direito em um contrato pois a concessão de um feudo era feita através de um pelo qual o senhor e o vassalo contraíam obrigações recíprocas Para contratar eram necessários alguns ritos e formalidades que deveriam ser cumpridos por ambos os lados 183 GANSHOFF F L Op cit p 29 Este é um contrato pessoal entre um homem que será o Vassalo e outro homem que será o senhor por isso através dos rituais ambos em público fazem promessas recíprocas dentro de um cerimonial Essas cerimônias tinham o nome de Investidura Fé e Homenagem A homenagem é um ato de autoentrega no qual o vassalo coloca se nas mãos do senhor e para que isso seja eficaz ele precisa expres sar verbalmente esse desejo Isso se faz através de um ritual no qual Sem armas o homem de cabeça descoberta na maioria dos casos de joelhos coloca suas mãos juntas nas do senhor que fecha as suas sobre as do vassalo Este ato material consistindo em um contato físico é rito indispensável numa civiliza ção em que os sistemas jurídicos foram primeiro pouco evoluídos e em que pelo menos no século XI a escrita ocupava um lugar ainda restrito184 Nesse contrato era necessário também que se obtivesse da parte do vassalo o juramento de fidelidade razão da concessão de um feudo para ele Esse juramento chamavase Fé e seguiase imediatamente a homenagem O novo vassalo com a mão sobre o Evangelho ou uma relíquia jurava fidelidade ao novo senhor e muitas vezes chegava inclusive a enumerar todos os aspectos sob os quais a fé deveria ser guardada A Investidura era a entrega do benefício do feudo ao vassalo Geralmente o senhor entregavalhe um objeto como símbolo do feudo outorgado Esse benefício dado ao vassalo quase sempre era sinônimo de uma porção de terra porém poderia também ser um castelo sem terras em volta uma portagem uma magistratura etc185 221 Os Efeitos do Contrato FeudoVassálico Primeiramente esse contrato gerava o poder do senhor sobre o vassalo bem como uma obrigação de fidelidade entendida como o dever de nunca prejudicar o subordinado obrigação de proteção e de sustento186 Esse sustento poderia ser feito diretamente ou seja o 184 FOURQUIN G Op cit p 112 185 Ibidem p 128 186 Por todos os meios inclusive violência o senhor deverá proporcionar ao seu homem o gozo tranqüilo do feudo concedido Deve também fazerlhe a boa justiça e ajudálo com seus conselhos Ibidem p 120 senhor poderia tomar o vassalo e sua família sob seu próprio teto ou poderia como era mais comum conceder ao vassalo um feudo Em contrapartida o vassalo devia a seu senhor a fidelidade absterse de atos hostis ou perigosos contra o senhor o auxilium ajuda militar e material nem sempre de caráter pecuniário que na maioria das vezes apresentavase sob a forma de auxílio militar de homens e armamentos ou com o consilium obrigação de auxiliar ao senhor com conselhos sempre que este convocava O consilium era muito importante no que diz respeito à justiça visto que regra geral o vassalo era convocado para participar com outros vassalos do mesmo senhor da Corte ou cúria que era uma assembleia deliberativa presidida pelo senhor que tinha como principal atribuição julgar causas submetidas a esse Conselho Discutiam tam bém outros assuntos unindo então atribuições políticas e de tribunal Um vassalo poderia ter seus próprios vassalos mas estes não estavam diretamente ligados ao senhor de seu senhor não eram portanto obrigados a nada no que diz respeito a este Entretanto era usual recorrer ao senhor do senhor quando alguma causa se interpunha entre um vassalo e seu amo 222 O Fim do Contrato FeudoVassálico Inicialmente o contrato não poderia ser rompido pois com o en volvimento de uma visão religiosa profunda na Idade Média os con tratos vistos como resultado de um juramento eram sagrados e portanto eternos ou melhor existiam até que a morte de um dos contratantes impossibilitasse o contrato Entretanto na prática nem sempre isso ocorria muitas vezes o contrato era quebrado pela força ou pelos interesses de uma das partes com a retomada do feudo ou a sua posse definitiva Isso entretanto não era considerado legal na acepção atual da palavra Não obstante a eternidade do contrato era prevista uma forma de rompimento do contrato em quase todos os lugares da Europa se fosse da parte do vassalo e se este devolvesse o feudo A renúncia do feudo se fazia com a devolução ao senhor do objeto que servira de símbolo do recebimento do benefício no momento do contrato Havia contudo alguns casos em que o contrato feudovassálico poderia ser quebrado sem que houvesse nenhum tipo de ilegalidade no ato e sem necessariamente a devolução do feudo por parte do vassalo Essas situações geralmente eram decorrentes de algo ilegítimo que a outra parte fizera por isso o rompimento unilateral do contrato geralmente era visto como uma sanção Era o caso de uma das duas partes do contrato não cumprir com suas obrigações ou de uma delas ser excomungada pela Igreja já que nenhum cristão podia ter relações com um excomungado Como tudo relativo a contratos na Idade Média era feito mediante ritual o rompimento do contrato feudovassálico não era exceção Quando um vassalo justa ou injustamente desejava deixar claro o rompimento unilateral do contrato ele o fazia de acordo com o desafio que poderia ser simplesmente atirar uma flexa ou uma luva em direção ao senhor não para acertálo Por outro lado se o senhor desejasse romper unilateralmente o contrato poderia fazêlo com o mesmo ritual entretanto os costumes estabeleciam que isso não deveria ser feito sem o conselho de sua Corte O senhor poderia também retomar o feudo temporariamente saisi mentum se quisesse apenas advertir o vassalo ou poderia tomálo definitivamente 223 Os Direitos de Uso e Propriedade no Contrato Feudo Vassálico A questão da propriedade do feudo na Idade Média é no mínimo estranha aos olhos da atualidade visto que pensamos propriedade como algo que permite àquele que a possui poderes extremamente amplos sobre ela No caso medieval propriedade e posse se confundem sobremaneira e o poder sobre a terra é tão restrito na prática quanto maior for em teoria Gashoff afirma não poder ser discutível o direito de propriedade do senhor sobre a terra que concede em benefício a menos que ele próprio a tenha em benefício e portanto a tenha recebido das mãos de outro senhor187 Contudo o direito de dispor da terra foi cada vez mais sendo restringido ao senhor em detrimento do vassalo Sem dúvida que nunca foi direito do senhor retirar um benefício que tinha concedido a um vassalo não culpado de faltar a seus deveres sem lhe propor uma compensação188 187 GASHOFF F L Op cit p 66 188 Ibidem idem Então podemos supor com uma certa precisão que o feudo como benefício embora propriedade do senhor e em usufruto do vassalo não era um bem alienável por nenhuma das partes muito embora pudesse em parte ou no todo tornarse um benefício a ser dado a um homem livre que se tornaria vassalo do vassalo do proprietário Essa limitação do poder do proprietário após a doação do usufruto do benefício é mais clara ainda se for analisada pelo ponto de vista da hereditariedade Era quase impossível para um senhor mudar o status quo deixado por seu predecessor os vassalos do predecessor eram herdados bem como as suas promessas A rigor o contrato feudovassálico excluía a hereditariedade do usufruto do benefício visto que este tinha caráter profundamente pessoal Contudo na prática geralmente o que ocorria era que o filho do vassalo tornavase herdeiro também de sua vassalagem precisando apenas ir até o senhor do seu pai para fazer por si o ritual do contrato e pagar uma taxa Se o herdeiro fosse menor o senhor cuidava de seus interesses até sua maioridade ou seja até esse poder fazer seu juramento Aliás aconteceu ao conceder um benefício ao um vassalo garantir o senhor ao filho daquele que depois de seu pai receberia o mesmo benefício189 Como essa questão da herança passada do vassalo a seu filho poderia ocorrer também com uma filha se não houvesse tido meninos e como as mulheres estavam completamente excluídas da sucessão feudal seus maridos poderiam tornarse herdeiros do benefício Não era incomum portanto que senhores procurassem interferir no casa mento das filhas de seus vassalos para garantir alianças mais inte ressantes 23 As Relações FeudoVassálicas e a Justiça A concessão de um feudo não era necessariamente em todos os sentidos uma concessão ampla no que diz respeito à justiça Esta era mais uma das questões controversas do feudalismo 189 Ibidem p 70 No dia a dia para o servo comum na maior parte da Europa quem mandava e portanto fazia as regras era o senhor daquele feudo entretanto como este estava subordinado a um senhor era vassalo dele tinha obrigações para com este e contra ele não poderia ir A doação do benefício se feita junto aos direitos de natureza pública como o de cunhar moedas e fazer justiça deixava claro a quem pertencia o direito de justiça naquele feudo contudo na maior parte das vezes o senhor continuava nominalmente a deter a jurisdição em toda a sua propriedade incluindo aí os feudos que tinham sido dados em benefício Essa jurisdição do senhor com o passar do tempo passou a ser exercida em conjunto ao Conselho de Vassalos que já tratamos an teriormente Não obstante estes conselhos havia também principal mente nas cidades no fim da Idade Média cortes que decidiam sobre questões criminais 3 Os Direitos da Idade Média Como a Idade Média nasceu da união do que restou do Império Romano mais os povos germânicos que invadiram a Europa romana mais a Igreja Católica que sobreviveu à queda do Império e se fortaleceu durante o período medieval o Direito na Idade Média não poderia ser composto por outros elementos que não os descritos acima Assim compondo o Direito Medieval como um todo podem ser vistos os Direitos romano germânico e canônico relativo à Igreja 31 Direito Germânico Como visto anteriormente os povos que invadiram o Império Romano eram originários da região da Germânia e viviam de forma bastante simples em cidades ou aldeias Eram extremamente ligados à terra e a este estilo de vida dava o tom de todas as suas realizações Eram povos que em sua absoluta maioria não utilizavam a escrita e seu direito era consequentemente oral e muito influenciado por esta oralidade Na descrição de Pierre Richè Para os Germanos não existem nem Estado nem cidades do tipo romano mas comunidades tribo clã sippe e família que são as estruturas da sua vida política e social A tribo comunidade de família e da aldeia é dirigida por uma aristocracia de nascimento ou de valor na guerra que possui a maior parte da terra 190 A principal instituição desses povos é a família baseada no poder absoluto mund do pai que compartilha com a sua única esposa que deve ser sempre exemplo de pureza e tradição familiar Os filhos até serem armados e as filhas até o casamento vivem no seio da família ocupados nos trabalhos domésticos ou na cultura da terra O jovem ao ser armado é considerado maior de idade porém a família continua juridicamente responsável por ele É ela que se responsabiliza por seus erros paga suas dívidas e o vinga191 O direito dos povos germânicos era basicamente consuetudinário até por não serem escritos e como o termo germânico engloba uma série de povos com costumes semelhantes porém não iguais é forçoso falar em direitos germânicos pois cada tribo tinha sua própria tradição Em alguns casos eles eram minuciosos no que diz respeito às penas A organização judicial é geralmente caracterizada pelo Wergeld de que várias leis de vários povos romanogermânicos nos dão uma medida Tomando como exemplo a lei visigótica No direito visigótico o assassino e a sua família pagarão 300 soldos de ouro pela morte de um homem de 20 a 50 anos 100 soldos se a vítima tem mais de 65 anos cálculo muito prático num povo de guerreiros Por vezes a minúcia da legislação não deixa de nos espantar192 Quando esses povos invadiram o Império Romano algumas tribos estabeleceramse como reinos e algumas delas para um melhor con trole da população romana conquistada portanto diferente e acos tumada com direito escrito perceberam a necessidade de confeccionar um direito escrito Outros reinos optaram por manter a qualquer custo seus costumes e portanto a sua legislação Estes são chamados de Direitos das Monarquias Germânicas É o início do Direito Medieval a entrada do elemento germânico na feitura do direito deste período 190 RICHÈ Pierre As invasões bárbaras Sintra EuropaAmérica 19 p 15 191 Ibidem p 16 192 Ibidem p 80 A maior parte das tribos germânicas mesmo escrevendo suas leis não vai procurar impôlas aos romanos o burgúndio será julgado segundo a tradição burgúndia o visigodo segundo sua legislação o romano pela Lex Romana e assim por diante Isso é chamado Perso nalidade das Leis cada qual leva consigo para onde quer que vá ou qualquer que seja o soberano o estatuto jurídico de sua tribo de origem193 311 O Reino Vândalo Depois de se fixarem no Norte da África os vândalos tomaram Cartago e posteriormente a Córsega a Sardenha e parte da Sicília Chegaram inclusive em 455 a saquear Roma Por causa de diver gências políticas e religiosas o reino vândalo decaiu e eles acabaram conquistados por Bizantinos em 534 e 535 O domínio bizantino durou pouco porque os árabes tomaram o Norte da África logo depois Entretanto em 477 dC os Vândalos em seu auge já eram se nhores do Norte da África atual Tunísia e uma parte da Argélia Uma característica interessante desse povo é que conseguiu fazer coexistir as duas sociedades dos germânicos e dos romanos concomitan temente A minoria vândala de aproximadamente 80000 pessoas buscou não se misturar com os romanos principalmente por razões militares e religiosas Casamentos mistos eram proibidos e toda conversão ao catolicismo também Conservaram também as suas leis e seus cos tumes Em contrapartida os vândalos mantiveram intacta a organização administrativa da África Romana Estabeleceram grandes domínios mas mantiveram os que cultivavam no mesmo lugar Deixaram para os romanos a administração inclusive aumento de impostos e o julgamento das causas O rei é obrigatoriamente vândalo entretanto ele utiliza na sua corte romanos que redigem leis em latim e o ajudam na administração194 193 Hoje em dia utilizase mais comumente o Princípio da Territorialidade das Leis que indica que estando em um determinado território o indivíduo indiferentemente de sua origem está sujeito às leis daquele território Aplicase a lei brasileira sem prejuízo de convenções tratados e regras de Direito Internacional ao crime cometido no Território Nacional Código Penal Brasileiro artigo 5o 194 Ibidem p 93 312 O Reino Ostrogodo Em 493 os ostrogodos estabeleceramse na Península Itálica A invasão teve apoio dos Bizantinos que desejavam expulsar da região os hérulos tribo responsável pela queda do último imperador de Roma Por causa da educação do rei Teodorico a legislação romana foi conservada quase que na íntegra Teodorico foi educado em Bizâncio chamado anteriormente de Império Romano do Oriente e por isso ele se esmerou em manter a administração romana e sua legislação Porém por causa de divergências religiosas entre os ostrogodos que eram arianos e os romanos que eram cristãos Teodorico proibiu casamentos entre eles embora tenha procurado durante todo o seu reinado conciliar os dois povos Teodorico formou uma confederação com outros povos germânicos para conter os bizantinos mas a tentativa fracassou e a península foi tomada por Bizâncio com ajuda da tribo germânica dos Lombardos Em 553 o reino chegou ao fim 313 O Reino Visigodo Instalados na Península Ibérica os visigodos por terem se fundido com a população local viram seu reino durar mais do que a maioria O Estado visigótico só será abalado no século VIII com a invasão árabe e mesmo assim muitas de suas instituições inclusive no campo do direito serão utilizadas até séculos mais tarde Até meados do século VII HispanoRomanos e Visigodos têm uma dupla legislação Eles se baseiam na Personalidade das leis e suas legislações ainda que escritas tomam o mesmo caminho É o caso da mais antiga compilação visigótica o Código de Eurico que foi promulgado pelo rei Eurico por volta do ano de 470 Em 506 o rei Alarico II manda redigir a lei que foi chamada de Lex Romana Visigothorum ou como preferia o rei Breviário de Alarico Essa legislação tinha por objetivo restaurar o direito romano imperial mas manteve a Personalidade das Leis Esta somente foi suprimida em 654 pelo rei Recesvindo que suprimindo a Personalidade promulgou um código unificador o Liber Judiciorum em doze livros inspirados no Direito Romano 314 O Reino dos Burgúndios Godenbaldo 474516 rei dos Burgúndios dominou o centro da Europa parte do que hoje é a França Sua legislação a Lex Romana Burgundiorum é considerada uma compilação de leis extremamente romanizada principalmente no tocante às regras de direito civil e de processo 315 O Reino dos Francos Este foi um dos reinos mais duradouros e poderosos da Alta Idade Média O modelo administrativo que implantaram durante séculos serviu de base para o próprio feudalismo O desenvolvimento da vassalidade e a conces são de benefícios aos vassalos eram provenientes de uma política seguida pelos Carolíngios que pensavam dessa maneira reforçar sua auto ridade própria engrandecer o poder da monar quia franca Foram mesmo mais longe incorpo raram as relações feudovassálicas no próprio quadro das instituições do estado195 Eles habitavam até o século V às margens do rio Reno atual mente território da França quando então começaram a ocupar a Gália pelo Norte na condição de aliados dos romanos A primeira dinastia franca chamada dinastia dos Merovíngios descendentes do rei Meroveu conquistou vastos territórios e durou aproximadamente três séculos Eles foram sucedidos pela dinastia Carolíngia descendente de Carlos Magno que durando mais dois séculos aumentou ainda mais o território franco e principalmente sua influência política na Europa Em termos legislativos o período Carolíngio foi muito mais legi ferante que o período anterior Entre 744 e 884 por exemplo podem ser contados mais de duzentos textos legislativos196 Essas leis eram 195 GANSHOFF F L Op cit p 75 196 GILINSSEN J Introdução histórica ao direito 2 ed Lisboa Calouste Gulbekian 1995 p 180 chamadas Edicta Decreta ou Constitutiones ou comumente de capitu lares cujo termo vem de capitula que quer dizer artigo As capitulares tinham geralmente caráter administrativo Exis tiam dois tipos de capitulares as Capitulares eclesiásticas organi zação da Igreja e de Instituições eclesiásticas e as Capitulares Laicas Dentre estas últimas havia as Capitularia Legibus Addenda eram textos a serem aplicados nas mesmas condições das leges ou leis as Capitularia Missorum que continham instruções destinadas aos funcionários reais ou imperiais quando em viagens a serviço e as Capitularia Per se Scribenda que continham disposições de caráter administrativo ao lado de medidas administrativas Havia na Monarquia Franca tribunais ordinários que funcionavam em cada pagus ou condado Esses tribunais chamados mallum poderiam existir no condado em quantidades muito elevadas e eram compostos por homens livres e presidido por um conde estes eram assistidos por pessoas com um título bastante sugestivo os legem dicere dizer o direito 32 O Direito Canônico Direito Canônico é o nome dado ao Direito da Igreja Católica e é chamado canônico por causa da palavra cânon que em grego significa regra197 Esse direito foi importantíssimo durante a Idade Média muito por causa da própria importância da Igreja muito por ser escrito O fato de ser escrito dava a esse direito primazia em muitos locais da Europa visto que a oralidade imperava em um período de analfabetos O caráter universal da Igreja e o domínio quase absoluto no campo religioso que esta conseguiu entre os séculos VIII e XV deram a esse direito um caráter unitário que nenhuma instituição poderia oferecer nesse período Aumentando ainda mais a importância desse direito para a Idade Média o Direito Canônico foi o responsável exclusivo durante vários séculos pelo domínio do direito privado tanto para religiosos quanto 197 O Direito Canônico existe até hoje A Igreja Católica de tempos em tempos faz um novo Código de Direito Canônico adaptandoo às novas necessidades que surgem entretanto hoje a influência desse direito no direito laico é mínima visto que com Estados montados e centralizados o Direito Canônico é utilizado somente em questões eclesiásticas para leigos Os tribunais eclesiásticos eram o local de solução de casamentos e divórcios por exemplo O fato de ser escrito era por si uma vantagem mas esse direito foi também estudado comentado Foi objeto de trabalhos doutrinais e des sa forma chegou inclusive a influenciar direitos dos nossos dias198 Embora possa ser apontado como um direito religioso a Igreja sempre admitiu inclusive na escrita dos sucessivos Códigos de Direito Canônicos a dualidade entre direito religioso e direito laico As fontes do Direito Canônico são o ius divinum conjunto de regras que podem ser extraídas da Bíblia dos escritos dos doutores da Igreja e da doutrina patrística a própria legislação canônica formada pelas decisões dos Concílios e dos escritos dos papas chamados decretais os costumes e os princípios recebidos do Direito Romano199 Em 313 o Imperador Constantino permitiu às partes submeterem se voluntariamente à jurisdição do bispo de sua região dando então à decisão episcopal o mesmo valor de uma decisão de um julgamento laico Posteriormente foi dado aos clérigos padres bispos etc o privilégio de foro que indicava que estes somente poderiam ser julga dos qualquer matéria que fosse pelos tribunais da Igreja No período Carolíngio em virtude de uma crescente confusão entre o temporal e o espiritual a Igreja acabou sendo a única a julgar quaisquer assuntos relativos aos sacramentos incluídos aí as questões relativas ao casamento a legitimidade dos filhos divórcio rapto nulidade de casamentos etc Conforme o poder laico enfraquecia pelo declínio do poder real por causa do feudalismo a jurisdição eclesiástica aumentava seu poder jurisdicional mesmo relativamente a leigos Assim após o século X além de poder julgar os padres e religiosos os tribunais eclesiásticos passaram a ter jurisdição sobre questões envolvendo os Cruzados o corpo docente e discente de Universidades que foram até o século XVI instituições eclesiásticas e as chamadas miserabiles personas viúvas e órfãos quando pediam a proteção da Igreja As outras pessoas poderiam ser julgadas pelos tribunais eclesiásticos em caso de infrações contra a religião como heresias 198 Não somente existe hoje um Código de Direito Canônico como também várias leis em matéria de direito privado são inspiradas neste direito 199 Os costumes para serem utilizados como fonte do direito canônico tinham que obedecer a determinadas regras ser seguido a pelo menos 30 anos não ofender a razão ser con forme o direito divino aos decretos e ao ensino autorizado GILINSSEN op cit p 145 simonias sacrilégios apostasias feitiçarias etc adultério usura empréstimo a juros testamento juramentos não cumpridos e matéria acerca de família O processo eclesiástico ao contrário do laico era escrito No cível o queixoso devia entregar o seu pedido por escrito libellus a um oficial que convocava o réu Em presença das duas partes o oficial lia o libellus o réu podia opor exceções depois do exame destas o contrato judiciário ficava fixado pela litis contestatio As partes submetiam seguidamente as provas das suas asserções ao juiz na falta de prova suficiente o juiz podia ordenar um juramento litisdeci sório200 Na área penal o processo estava atrelado à queixa à acusação Até os séculos XII e XIII era baseado em um tipo de prova chamado irracional visto que não pode ser explicado pela razão Nesse sistema de provas irracionais recorrese a uma divindade por exemplo para obter justiça na Idade Média recorriase aos ordálios Estes poderiam ser unilaterais ou bilaterais dependendo se uma parte ou as duas partes do processo tomavam parte da consulta No período medieval pelo menos até o século XIII utilizavamse as provas de ferro em brasa ou de água fervente que se cria que o inocente não se feriria Outro método era o indivíduo ser mergulhado de pés e mãos atadas em água fria e a resposta adviria da mesma forma Uma outra forma de provar por ordálios era a chamada prova do cadáver que consistia em fazer o acusado tocar o defunto sem que este sangrasse Se o imputado fosse nobre de muito alto nível um príncipe um conde era permitido que este indicasse algum subor dinado para participar das provas Os ordálios bilaterais poderiam ser provas de batalha com campeões na base da luta de espada ou outra forma ou ainda se colocava os indivíduos em contenda de pé e de braços abertos e o que 200 GILINSSEN J Op cit p 141 Juramento litidecisório exigido suplementarmente para corroborar a prova primeiro não aguentasse mais a posição perdia a questão era chamada de iudicium crucis ou julgamento da cruz201 Os ordálios foram condenados pela Igreja a partir do IV Concílio de Latrão em 1215 mas essas práticas sobreviveram na Europa por muitos séculos A prova do cadáver por exemplo foi usada na Ale manha até o século XVI e as do ferro em brasa até pelo menos o século XIX em algumas regiões como Inglaterra e Rússia No fim da Idade Média utilizouse largamente nos tribunais eclesiásticos e nos leigos da mesma forma o processo inquisitório que trataremos mais adiante 33 O Direito Romano O Direito Romano até por sua complexidade e sua força não poderia deixar de ser utilizado durante a Idade Média e levandose em consideração a diferença profunda entre o Direito Romano e o dos invasores a superposição do direito destes últimos sobre a população romana e romanizada seria impossível Nesse sentido foi largamente aplicado o supracitado Princípio da Personalidade das Leis através da qual o Direito Romano continuou a ser empregado para os romanos e o Direito Germânico para as tribos invasoras202 Contudo nas regiões do Império onde a romanização não foi profunda o Direito Romano pôde ser prontamente descartado ou pouquíssimo utilizado dando lugar ao Direito Germânico Nas áreas muito romanizadas como as Penínsulas Ibérica e Itáli ca o Direito Romano suplantou o Direito Germânico este último aparecendo apenas como elemento de atualização de costumes Dessa forma em maior ou menor grau a Europa Ocidental princi palmente continuou a servirse do Direito Romano diretamente ou como fonte de inspiração para novas legislações Essa utilização de um direito como base para a feitura de outros é chamada de Fenômeno da Recepção Na Europa Oriental Bizâncio o Direito Romano continuou a ser utilizado durante toda a Idade Média mas como do lado ocidental da Europa as invasões produziram fenômenos como os acima vistos pode se considerar que a partir do século XII na Itália e nos séculos seguin 201 Ibidem passim 202 No caso de haver um germânico em disputa judicial contra um romano a lei do réu era a que valia tes em toda a Europa houve um Renascimento do Direito Romano visto que com a Formação das Monarquias Nacionais os recémcentra lizados países necessitavam de legislações escritas e organizadas e dessa forma a possibilidade mais plausível era apoiarse no Direito Romano principalmente no Corpus Iuris Civilis O direito romano ensinado nas universidades era encarado como um direito erudito por opo sição ao direito efetivamente aplicado nas diver sas regiões da Europa Ocidental Não deixou to davia de se impor cada vez mais até finalmente ser reconhecido quase por toda parte como direito supletivo das leis e costumes territoriais e locais A uma fase de infiltração que muitas vezes durou três a quatro séculos do século XII ao XV sucedeuse em vários países o reconhe cimento legal do ius commune o direito romano tal como era ensinado nas univer sidades como supletivo das leis e costumes servia para preencher as lacunas do direito em vigor203 Sabedores do Direito Romano eram os advogados mas estes não eram nada bem vistos na Idade Média Referindose a eles escreveu São Bernardo ao Papa Eugênio III Admirame poderem vossos religiosos ouvidos suportar as discussões dos advogados esses eternos combates de palavras em que a inocência é freqüentemente imolada e o crime favorecido e onde enfim perde a verdade a sua candura Fazei calar essas línguas de víboras que destilam o fel da sátira e o veneno da calúnia fechai esses lá bios impuros dos quais fluem ondas de iniqüi dade204 203 Ibidem p 351 204 São Bernardo apud LINS Ivan A Idade Média Rio de Janeiro Brasílica 1939 p 268 Nesta mesma obra p 269 o autor cita um verso muito conhecido sobre o santo patrono dos advogados Santo Ivo era Bretão e coisa que ao povo espanta advogado sem ser ladrão 4 A Inquisição Um dos temas mais populares do Direito Medieval é a Inquisição muito embora esta não seja exclusivamente medieval já que não so mente existiu até o século XIX como também foi mais forte durante o início da Idade Moderna Durante a Idade Média a Inquisição era o tribunal especial para julgar e condenar os hereges pessoas ou grupos que acreditavam em um catolicismo considerado desviado ou praticavam atos que na quele período em que a superstição reinava eram indicados como bru xaria ou feitiçaria Já na Idade Moderna a formação de muitos dos Estado Absolu tistas devese em grande parte à utilização política do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição nome completo da Inquisição que nas mãos de monarcas ansiosos por concentrar o máximo de poder per seguiram através deste vários opositores e conseguiram unificar seus países em torno de Estados centralizados ora minimizando os efeitos de uma invasão estrangeira no caso da Espanha principalmente ora conseguindo mais financiamento para seus planos no caso da per seguição a judeus banqueiros principalmente ou até mesmo buscando através do Tribunal eliminar quem lhes fizesse oposição Podese indicar exemplos tais como o da famosa Joana DArc Heroína francesa que foi eliminada através de processo do Tribunal do Santo Ofício pelos ingleses e seus aliados franceses como forma de justificar suas vitórias contra a Inglaterra ou ainda dos judeus da Pe nínsula Ibérica Portugal e Espanha que sempre eram mais perse guidos pela Inquisição quanto menos o Estado pudesse honrar seus compromissos com banqueiros de origem semita Aliás quanto mais a história avançava tanto mais absolutistas se tornavam os reis do Ociden te europeu de tal modo que não podiam tolerar outra instância judiciária autônoma a eclesiás tica ao lado da instância judiciária civil esta deveria mais e mais valerse dos tribunais ecle siásticos para implantar os interesses dos mo narcas A prepotência começou com Felipe IV o Belo da França e atingiu o seu auge na Espanha e em Portugal a partir do século XVI o desejo de unificar a população da península ibérica com posta de cristãos judeus e muçulmanos levou os reis daqueles dois países a pedir e obter do Papa a instalação da Inquisição segundo os seus propósitos mediante homens por eles nomeados provocando sérios conflitos na Santa Sé que mais de uma vez se recusou a reconhecer o procedi mento da Inquisição na península ibérica aliás no final da vigência desta instituição já não se dizia Inquisição Eclesiástica mas sim Inquisição Régia205 41 O Tribunal do Santo Ofício e os Tribunais Seculares O processo inquisitorial não era diferente em nada do processo comum da Idade Média e da Idade Moderna estes se misturavam e se influenciavam profundamente É interessante notar que o que moveu Cesare Beccaria que veremos em um capítulo adiante a escrever con tra o processo penal de sua época século XVIII é praticamente idên tico ao que será descrito a seguir e o italiano não criticou o Tribunal Eclesiástico mas os Tribunais laicos Como visto anteriormente no regime feudal a jurisdição pertencia ao senhor da terra e todas as pessoas que viviam sob seu domínio estavam também sob sua jurisdição O chamado sistema acusatório era o que vigorava e o que vigorou durante séculos Nesse sistema o julgamento era meramente um confronto e não estava formada a noção de interesse público no que diz respeito a punir crimes O direito de acusar portanto pertencia somente à parte lesada o indivíduo ou no caso deste ter morrido um membro de sua família e sem que houvesse queixa era impossível instaurar o processo O procedimento era público oral e formalista No dia fixado as partes compareciam pessoal mente perante a assembléia formada pelos seus pares sob a presidência do senhor feudal ou de um seu representante O autor apresentava sua queixa de viva voz através de rígidas fórmulas tradicionais sem cometer nenhuma falha que permitisse ao adversário proclamar nula a de 205 BETTENCOURT Estevão Tavares Apud GONZAGA João Bernardino A Inquisição em seu mundo 2 ed São Paulo Saraiva 1993 p 15 manda Em seguida competia ao acusado res ponder de imediato uma vez que o silêncio equi valia a uma confissão A defesa tinha de consistir em negações exatamente ajustadas aos termos da acusação refutandoa palavra por palavra de verbo ad verbum206 O julgamento era tal qual um duelo de fato acusador e acusado batiamse verbalmente sob juramento de dizer a verdade e com teste munhas se possível e reconheciase a razão daquele que vencesse o embate A explicação para esse procedimento era a de que o mentiroso consciente de sua culpa combateria com menos veemência até porque Deus sabedor de quem era a razão facilitaria a sua derrota Como visto anteriormente também poderia se recorrer aos ordálios No regime feudal o juiz estava na posição de árbitro a ele cabia somente verificar a presença ou não de provas formais concludentes O julgamento era imediato e oral e dele não cabia recurso e se o réu fosse considerado culpado a sanção era geralmente de caráter patrimonial como a perda do feudo por exemplo Não havia qualquer intenção de considerar as pessoas iguais perante a lei isso apesar de esse conceito não poder ser desconhecido para os homens medievais ou pelo menos para os estudiosos da Idade Média visto que conforme pôde ser visto no capítulo sobre a Legislação Mosaica está na Bíblia no livro do Deuteronômio 1 1617 que todos devem ser tratados igualmente diante da Justiça E a Bíblia é com certeza o livro mais conhecido do período medieval A tortura não era aplicada a nobres e penas para plebeus e nobres eram diferenciadas Por exemplo a pena de morte para nobres era mais rápida e se assim podemos considerar mais indolor já que nobres eram decapitados enquanto plebeus morriam enforcados207 O processo penal não era estipulado rigidamente o juiz tinha poderes extremos e advogados tanto de defesa quanto de acusação eram dispensáveis visto que ele tratava diretamente com o acusado 206 GONZAGA J B Op cit p 22 207 Outro exemplo eloquente dessa diferenciação é dado pelas Ordenações Filipinas de 1603 sobre o crime de adultério Mandamos que o homem que dormir com mulher casada e que em fama de casada stiver morra por ello Porém se o adultero for de maior condição que o marido della assi como se o tal adultero fosse fidalgo e o marido Cava lleiro ou Scudeiro não farão as Justiças nelle execução Apud Gonzaga op cit p 27 O réu deveria se defender sozinho a questão era pessoal entre o juiz e o acusado Esse procedimento foi implantado pela Justiça comum em conformidade com a Justiça Eclesiástica geralmente ocorria o contrário que considerava que o réu deveria ser acompanhado por um juiz quase que como um guia espiritual Outra questão muito prejudicial ao réu era a confidencialidade completa com a qual muitas vezes o processo seguia A origem do processo muitas vezes era baseada em acusações secretas todos os atos subsequentes eram mantidos em segredo inclusive as provas As provas eram classificadas pelo valor atribuído a cada tipo Quanto à natureza as provas poderiam ser vocais testemunhos e confissão instrumentais escritos e objetos conjecturais presun ções Quanto à espécie eram distintas as perfeitas e as imperfeitas A prova mais utilizada era a prova testemunhal e nesse sentido foi cuidadosamente regulamentada sendo distinguidas várias categorias de testemunhas Uma só testemunha não bastava assim como não eram válidos os testemunhos de mulheres criminosos pobres em certos casos e para certos juristas e mendigos A testemunha mais válida e mais completa da Idade Média e da Idade Moderna era o próprio réu e sua confissão esta era considerada a rainha das provas a probatio probatissima somente com essa prova era possível comprovar a culpa208 Para alcançar essa tão estimada prova lançavase mão da tortura colocando o réu na situação de seu próprio juiz A resistência do indivíduo era o ponto da balança da justiça A tortura poderia ser utilizada como pena ou como meio de obten ção de prova e era amplamente aceita Não houve voz que conhe çamos na Idade Média ou na Idade Moderna até o Iluminismo que tenha se levantado com veemência contra a tortura As leis se limi tavam a ordenar ou permitir a tortura regulamentando seu uso geral mente apoiandose nos costumes Algumas leis dispunham que o réu somente deveria ser supliciado várias horas após haver in gerido alimentos quando já se achasse portanto enfraquecido Exigiamlhe então primeiro o jura mento de que diria a verdade Em seguida lhe 208 A maioria dos juristas atuais não gosta tanto da prova testemunhal que chamam de prostituta das provas nem confia tanto na confissão que pode ser gerada por medo altruísmo insanidade interesse etc apresentavam os instrumentos que seriam utili zados com explicações sobre o seu funcionamen to Se para evitar o tormento ou no seu desen rolar o paciente confessasse o que lhe era exigido levavamno para outro lugar seguro e confortável onde ele deveria ratificar a confissão Se esta não fosse ratificada voltavase à tortura em dias subseqüentes209 Mas se as provas haviam sido classificadas para diminuir o poder dos juízes o mesmo não ocorria com a interpretação das leis de tal maneira que os juízes eram livres para interpretar a legislação confusa e obscura que eles facilmente poderiam considerar punível ou não um mesmo comportamento As penas eram extremamente variadas O que não era usada era a pena de prisão já que não existiam prédios construídos para tal fim a prisão era utilizada como meio processual não como sanção210 Mas trabalhos forçados eram comuns bem como exílio degredo desterro etc Um outro tipo de pena que não feria fisicamente o condenado era a de morte civil uma das penas mais cruéis e danosas não somente para o apenado como também para todos que o cercavam Esta supri mia todos e quaisquer direitos do indivíduo O condenado tornavase um morto em vida porque todos os direitos eram suspensos desapa reciam os laços jurídicos tanto maritais quanto patriarcais a cidadania e os direitos patrimoniais eram suprimidos abriase o processo de herança para seus sucessores tudo o que o indivíduo conseguisse daí para frente não poderia ser utilizado por ele Outras penas não físicas eram a infâmia as multas e o confisco de bens no qual todo o patrimônio do indivíduo passava para o tesou ro Real colocando na miséria não só o condenado mas também toda a sua família e todos os que dependiam dele Fisicamente as penas poderiam ser tantas quantas a imaginação desejasse211 A mais leve e nem por isso amena era a do pelourinho na qual o apenado era amarrado em praça pública portando um cartaz que revelava seu crime 209 Gonzaga Op cit p 33 210 Instituições prisionais só começaram a surgir a partir do século XVI A primeira foi em Amsterdã em 1595 para homens e logo depois para mulheres 211 Açoites mutilações múltiplas de orelhas olhos dentes membros etc esmagamento de membros A justiça atuava sobre o corpo de alguém por quatro razões Primeiro com o recurso processual da tortura Depois havia o castigo corporal propriamente dito como sanção única ou como providência punitiva acessória preliminar à pena de morte Por fim existiam medidas corporais com finalidade digamos acautelatória212 Penalidades corporais poderiam ser aplicadas como medidas pre ventivas e por isso havia mutilações que serviam para avisar a todos que vissem o indivíduo que ele era um elemento perigoso Queima duras poderiam ser feitas também para indicar o local do crime no qual obviamente era conhecido o histórico do sujeito A pena de morte era utilizada para muitos crimes mas antes de se desejar eliminar o perigo que o indivíduo poderia oferecer à sociedade desejavase a vingança por isso o modo pelo qual a pena era aplicada e o que se fazia antes de permitir a morte do apenado era o ponto alto da sanção Nesse sentido a morte era um alívio mais que um castigo213 Muito utilizado era o atenazamento no qual os carrascos com tenazes arrancavam partes do corpo do condenado cobrindo com piche ou chumbo ou cera para impedir que o sujeito sangrasse demais e morresse As penas de morte utilizadas eram impostas entre outras formas por esquartejamento com os membros amarrados em animais fogo roda forca e decapitação A roda era uma das mais temidas porque o sujeito era amarrado em uma roda e atacado violentamente com porretes na altura dos rins e nos braços e pernas que se quebravam esperando de cabeça para baixo a morte chegar Essa brutalidade do processo e das penas pode ser entendida através de vários fatores que são para nós hoje ainda um tanto incomodamente próximos As penas eram formas de vingança e não formas de inserir o indivíduo novamente na sociedade Os crimes eram tão comuns quanto a morte em batalhas justas Ou não havia o Estado para proteger o cidadão ou este não tinha meios para fazêlo Por fim a pobreza e a ignorância eram tamanhas que não era possível à população entender outros meios de processo e de pena 212 Gonzaga Op cit p 41 213 Nas Ordenações Filipinas havia oitenta tipos de crimes que eram punidos com a morte inclusive o de alcoviteiro CAPÍTULO VIII O ISLÃ 1 Introdução O Direito Muçulmano nascido na Idade Média hoje é a base da vida de cerca de um quinto da humanidade independentemente de suas nacionalidades Isso se dá porque este é um direito que resulta da religião que professam É portanto um direito utilizado largamente na atualidade visto que a religião islâmica cresce em todo mundo e é o meio de unidade de vários países Não há como negar a presença do livro sagrado dos Muçulmanos no dia a dia do mundo atual Khomeiny aparecia nos telejornais afir mando que mulheres deviam se cobrir adúlteros e adúlteras deveriam ser apedrejados ou lapidados no termo mais utilizado homossexuais deveriam ser mortos bebidas alcoólicas dança e escolas mistas deve riam ser proibidas tudo em nome do Alcorão Através de interpretações do livro sagrado dos muçulmanos mu lheres são obrigadas a ter o corpo todo coberto não podem ter sequer identidade civil em alguns países não têm direito algum sobre os filhos e são condenadas à morte mesmo em casos comprovados de estupro Nomes como Osama Bin Laden ecoam como anjos vingadores em nome do Alcorão e da religião muçulmana O Ocidente teme as facções do Islã que consideram inimigo todo aquele que não compartilha de suas ideias o Ocidente treme diante da possibilidade de ver essa inimizade transformarse em atos que podem matar milhares ou até milhões de pessoas temos assistido nos últimos anos ao renascimento do Islã militante que invocando ainda o Alcorão está transformando a vida de muitos países desde o norte da África até o sul da Ásia Em nome dele as bebidas alcoólicas são proibidas em todo o reino da Arábia Saudita Em nome dele um ladrão é açoitado em praça pública no Paquistão Em nome dele milhões de mulheres muçulmanas continuam ou voltam a cobrir o rosto com um véu Em nome dele 40 dos 152 países do mundo formam uma aliança internacional que poderia exercer uma influência decisiva naquela zona explosiva das contendas internacionais onde começará provavelmente a III Guerra Mundial se é que ainda não co meçou214 2 O Ambiente do Surgimento do Islã O Islã surgiu na Arábia no século VII dC especificamente na região situada na junção da Ásia e da África entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Índico Sendo um movimento políticoreligioso ele transpôs rapidamente as fronteiras da Arábia alcançando a Ásia o Norte da África e a Europa pela Península Ibérica Graças à expansão a população islâmica manteve intenso contato com os povos que sucederam o Império Romano como os Germânicos Na Europa espalhou medo através de Guerras Santas através da desconfiança e da ignorância dos Cristãos Muitas vezes contribuiu para a interiorização de populações litorâneas outras interagiu com grupos locais deixando de herança vocabulário hábitos alimentares técnicas agrícolas etc215 Os beduínos como eram chamados os árabes do deserto tinham uma vida bastante difícil permeada por constante ameaça de fome e guerra A região central da Península Arábica é formada por desertos de zonas pedregosas dunas rios secos e oásis que apresentam poços de água em meio à exuberante vegetação São eles que possibilitam a vida nesse local entretanto são temporários Antes de o Islã surgir as tribos viviam tentando garantir a posse destes oásis Quando um poço secava o povo que vivia ao seu redor migrava procurando outro e ao encontrálo tentavam expulsar as tribos que viviam no local Aos vencedores o prêmio era a sobrevivência através da posse do oásis e todos os bens dos vencidos A população de beduínos era extremamente numerosa a poligamia era uma prática comum e embora produzissem tâmaras e 214 CHALLITA Mansour O que você deve saber para aproveitar plenamente a leitura do Alcorão In O Alcorão trad Mansour Challita Rio de Janeiro ACIGI 20 p 16 215 Muitas palavras do português atestam essa afirmação bem como a culinária Ibérica trigos e criassem ovelhas cabras e camelos não era geralmente suficiente para alimentar toda a população As cidades litorâneas ofereciam melhores condições de vida a agricultura era possível e o comércio era desenvolvido No final de cada ano os beduínos realizavam suas compras em Meca ou Yatreb importantes centros comerciais do litoral árabe Meca era uma cidade com forte apelo religioso lá estava o poço sagrado de ZenZen o Vale da Mina o monte Arafat centro de peregrinações noturnas a Caaba Antes do Islã eles eram politeístas seus deuses eram represen tados por ídolos depositados no santuário da cidade de Meca em um templo quase cúbico chamado Caaba que quer dizer cubo em Árabe para lá deveriam ir os beduínos em data fixa no ano para realizar a peregrinação216 Esse edifício de quinze metros de altura dez de comprimento e doze de largura tem suas especificidades que são descritas assim por Jomier Uma pedra preta objeto de veneração estava e está engastada no ângulo leste da Caaba do lado de fora à altura do peito de um homem Há muitas histórias sobre a origem dela mas apesar de tudo esta ainda permanece obscura O con junto da Caaba formava um panteão no qual se havia colocado todo tipo de estátuas e de pedras sagradas Havia até um ícone de Jesus e de Maria segundo certos textos Esse templo era o centro de um culto pagão com adoração de pedras sagradas de divindades estelares etc Todavia um Deus supremo Allah em árabe o Deus criador dominava os outros deuses217 3 A Fundação do Islamismo O Islamismo tem um fundador Mohamad nome que foi apor tuguesado para Maomé Sua vida sua história são a própria essência 216 Quando chegavam a Meca os Beduínos praticavam um cerimonial iam ao Vale da Mina para apedrejar o demônio passavam a noite meditando no Monte Arafat bebiam da água do poço sagrado beijavam a pedra negra que estava na Caaba davam sete voltas em torno desta construção e depois estavam purificados para retornarem a sua vida quotidiana 217 JOMIER Jacques Islamismo história e doutrina 2 ed Petrópolis Vozes 1992 p 15 e ss do Islamismo Ele é até hoje o exemplo a ser seguido o guia do Islã O islamismo em nascimento tem um ambiente a ser compreendido Além dos desertos duas cidades são personagens principais desta natividade Meca e Medina Meca está situada a menos de cem quilômetros do Mar Vermelho a meio caminho entre Aden no Oceano Índico e Gaza no Medi terrâneo Medina está localizada a mais de quatrocentos quilômetros de Meca bem mais longe do mar mas era um oásis que abrigava uma grande comunidade de Judeus Meca era uma cidade de comércio um centro de peregrinações A cada ano no inverno uma caravana de cidadãos de Meca ia procurar em Aden no Oceano Índico mercadorias provenientes da Índia Esses produtos no verão eram redistribuídos através de caravanas para a Síria e o Egito para daí partirem para o sul Mohamad nasceu em Meca no ano de 570 dC Era de uma família de notáveis da cidade que havia perdido sua influência Ele perdeu o pai mesmo antes de nascer e a mãe aos seis anos Cresceu exercendo o comércio empreendendo viagens comerciais e aos vinte e cinco anos casouse com Khadija uma rica viúva de quarenta anos para quem trabalhava como homem de confiança Em 610 aproximadamente Mohamad fez um retiro longo em uma gruta no monte Hira que fica a alguns quilômetros de Meca em pleno deserto e lá teve um sonho ou uma visão segundo algumas tradições Ele viu um ser sobrehumano que lhe dava a ordem de recitar um texto Em nome de Deus Muito Bom e Misericordioso Recita em nome do teu Senhor que criou Que criou o homem de um grumo de sangue coagulado Recita Teu Senhor é Muito Generoso que ensinou graças ao junco para escrever que ensinou ao homem o que este não sabia218 Nos dois ou três anos seguintes nada mais ocorreu No ano de 612 os fenômenos recomeçaram O modo pelo qual ocorriam não está bem claro há textos que descrevem uma visão celeste outros assinalam 218 Ibidem p 19 que Mohamad se encontrava em estado de conturbação fisiológica durante esses momentos Ele ouviria ruídos indistintos até que pouco a pouco a mensagem tornavase clara219 Os muçulmanos consideram essas mensagens como tendo sido ditada pelo Anjo Gabriel e foram reunidas alguns anos após a morte de Mohamad em um livro O Alcorão Começando por pregar aos comerciantes de sua terra natal o profeta passou a ser perseguido o que o fez passar a pregar aos Be duínos que não tinham riquezas a defender A tribo coraixita que era maioria em Meca perseguiu o Profeta intensamente principalmente após a morte de sua esposa e de seu tio que o protegiam Isso gerou sua retirada da cidade e sua ida para Iatreb que hoje chamase Medina Medinat en Nabi isto é cidade do Profeta Essa fuga ficou conhecida como Hégira e marcou o primeiro ano do calendário muçulmano Em Medina Mohamad passou a ter atribuições também políticas e buscou centralizar o poder inclusive através da nova religião que pregava Após algum tempo passou a ensinar também a Guerra Santa contra aqueles que se posicionavam contrariamente ao Islamismo Inicialmente o Profeta voltouse contra os Judeus de Medina contrários à sua religião e liderança e posteriormente atacou os coraixitas de Meca Quando o número de seguidores do Islamismo tornouse grande Mohamad tomou Meca destruiu seus ídolos e transformou a Caaba no centro religioso do Islamismo Mohamad morreu em Medina dez anos após a Hégira ano 632 do nosso calendário Após sua morte muitas disputas aconteceram no seio do mundo islâmico no sentido de apontar ou manter sucessores para a posição de chefia religiosa e política que o Profeta ocupara Seguindo a letra do Alcorão somente os parentes do Profeta poderiam substituílo mas a tradição dizia o contrário Baseados nessa incoerência surgiram duas facções rivais os sunitas e os xiitas Os coraixitas que haviam aderido à religião de Mo hamad juntaramse aos sunitas e passaram a disputar o poder com os parentes do Profeta 219 Ibidem p 20 e ss 4 O Direito dos Muçulmanos O Direito Muçulmano é mais bem titulado como O Direito dos Muçulmanos assim o é porque sendo um direito intrinsecamente religioso ou é atualmente o Direito efetivo de alguns países de religião islâmica ou é base do direito de países islâmicos Numerosos Estados de população Muçulmana continuam a afirmar nas suas leis e muitas vezes nas suas constituições a sua ligação aos prin cípios do Islã A submissão do Estado a estes princípios é assim proclamada pela constituição em Marrocos na Tunísia na Síria na Mauritânia no Irã e no Paquistão no Afeganistão e na Repú blica Árabe do Yêmen os códigos civis do Egito 1948 da Síria 1949 do Iraque 1951 convidam os juízes a preencher as lacunas da lei seguindo os princípios do direito muçulmano a Constitui ção do Irã e as leis da Indonésia prevêem os princípios do direito muçulmano220 Podemos afirmar mais absolutamente do que no caso de qualquer outro direito que este é religioso tendo em vista que não é uma ciência autônoma mas uma das faces da religião221 Além disso a principal sanção compreendida nesse direito é o estado de pecado dessa forma o direito muçulmano preocupase geralmente muito pou co com sanções nas regras que prescreve e pelo mesmo motivo so mente é aplicável aos fiéis É na puberdade que o muçulmano tornase obrigado à lei isso porque considerase que a partir desse período o indivíduo possui o uso da razão É costume preparar as crianças para o momento a partir do qual deverão obedecer a lei islâmica As fontes do direito muçulmano são quatro o Alcorão livro sa grado da religião muçulmana que trataremos amiúde mais a frente a Suna tradição relativa ao profeta sua vida e suas decisões o Idjmâ 220 DAVID Renè Os grandes sistemas do direito contemporâneo 3 ed São Paulo Martins Fontes 1996 p 419 221 GILINSSEN J Op cit p 119 acordo unânime da comunidade e o Qiyâs que é o raciocínio por analogia A Suna é de extrema importância para a religião e para a legis lação islâmica é o conjunto de atos palavras e silêncios comporta mentos do Profeta Mohamad Cada uma das ações do Profeta cons tituem um hadîth estes foram compilados nos séculos VIII e IX Embora o Alcorão seja considerado como O Livro do Islã no que diz respeito ao direito a maioria absoluta dos muçulmanos concorda que ele não é suficiente como legislação que necessita ser precisado mesmo se somado também à Suna Podemos tomar como exemplo o caso do aborto conforme indica Jomier No caso do aborto que é estritamente proibido a partir do momento em que o feto é um ser vivo todo o infanticídio é normalmente proibido co locase a questão de saber quando ocorre a ani mação Como a maioria dos sábios muçulmanos opinam pela animação a partir de 120 dias mui tos doutores da lei permitem o aborto durante os três primeiros meses da gravidez proibindoo por prudência a partir do quarto mês222 Então além do livro sagrado a opinião dos doutores em certa unanimidade chamado Idjmâ também é considerada na formação da Sharîa palavra árabe para lei Se esse acordo é alcançado não mais caberá contestação porque segundo um hadîth de Mohamad A minha comunidade nunca chegará a acordo sobre um erro223 Portanto o Idjmâ é considerado como a interpretação infalível e de finitiva do Alcorão e da Suna Essa doutrina foi construída entre os sé culos VIII e IX do ano 100 ao ano 300 da Hégira no calendário muçul mano O ano de 922 dC 300 da Hégira é apontado pelos Muçulmanos como a data limite da possibilidade de interpretação das fontes da Lei Revelada assim sendo desde então a doutrina é imutável Os sábios desse período aplicaram princípios diferentes dando origem a escolas jurídicas diversas entre esses princípios podemos 222 JOMIER J Op cit p 87 223 GILINSSEN J Op cit p 120 apontar a própria Idjmâ o interesse comum chamado istiçlâh a inter pretação pessoal ray e o qiyâs raciocínio por analogia Durante a Idade Média predominou a escola dos asharitas que partia do pressuposto de que o bem provinha unicamente do belprazer de Deus Atualmente há várias escolas também chamadas ritos que muitas vezes diferem entre si por causa de detalhes mínimos São quatro as escolas que nos dias de hoje podem ser indicadas como principais Escola Hanafita cujo fundador foi Abu Hanîfa morto em 767 Essa escola é encontrada atualmente na Turquia na Índia na China e tem adeptos nos países que historicamente pertence ram ao Império Otomano Esse rito baseiase na razão primor dialmente tendo uma tendência mais liberal na interpretação das fontes Escola Malekita Malik que morreu em 795 foi o fundador dessa escola que está presente na Arábia na África do Norte e Ocidental no Sudão e no Alto Egito Os malekitas insistem no recurso ao princípio da utilidade geral do bem comum Escola Shafiita fundada por AlShafii morto em 855 Esse rito tem forte presença no Baixo Egito na Síria na Arábia Meridio nal Malásia Indonésia e África Oiental Baseandose no recurso da analogia essa escola busca unir a tradição e o consenso não somente dos sábios mas de toda a comunidade muçulmana Escola Hanbalita Ibn Hanbal falecido no ano de 855 fundou essa escola extremamente tradicionalista que se encontra atualmente somente na Arábia 5 O Alcorão O Alcorão o livro sagrado dos Muçulmanos é tratado por eles co mo sendo de autoria divina pois Mohamad teria ouvido do anjo Gabriel as palavras de Alah e transmitido para os Crentes Mas não foi Mohamad quem escreveu o Alcorão ele não sabia ler ou escrever Quando falava seus seguidores retinham suas palavras na memória o que era comum na época ou a escreviam no mais variado tipo de materiais qualquer que estivesse à mão como pele de cabra omoplatas de camelos folhas de tamareiras pergaminhos pedras Após a morte de Mohamad seu sucessor de nome Abu Bakr resolveu encarregar Zaid Ibn Thabet de reunir todos os fragmentos das palavras do Profeta como meio de impedir que estas se perdessem O terceiro sucessor de Mohamad mandou organizar o livro da maneira que chegou até os dias de hoje Os textos foram repartidos em 114 suras ou capítulos subdividos em versículos Cada sura tem um título que não resume o assunto como comumente um título o faz é apenas uma palavra que existe no meio da sura que foi retirada para servir de título Cada sura é como uma preleção As suras e os versículos variam muito em extensão e não sabemos por que não foram organizadas de maneira cronológica e sim por tamanho já que as maiores aparecem primeiro e as menores são deixadas para o fim A mensagem alcorânica pode ser divida de forma simplista em duas partes o corpo de mensagens de Meca 82 suras e o de Medina 28 suras As mensagens de Meca são basicamente religiosas e dizem respeito ao Monoteísmo ao bom trato de convivência entre os crentes e à obediência a Alah Mas quando o Profeta teve que mudarse de Meca para Medina por causa de perseguições e nessa cidade tornou se um líder religioso político e militar isto ficou refletido em suas mensagens Ao emigrar em julho de 622 para Medina oásis situado a oito dias de marcha para o norte de Meca Maomé ratifica o divórcio com o politeísmo mequense Mas além disso a Emigração consti tui mutação fundamental pelo conseqüente rom pimento com a ancestralidade tribal Daí em diante manifestarseá no Islão a propensão a transformarse num quadro social e religioso em que os Crentes estarão submetidos a uma nova lei cujas raízes estarão na revelação alcorânica Nada perde de sua simplicidade sentese porém investido da autoridade de chefe de uma comunidade teocrática que pressionada pelas circunstâncias manifesta suas exigências e carece da definição empírica de regras e de instituições rudimentares 224 224 BLACHÈRE R O Alcorão São Paulo Difusão Européia do Livro 1969 p 44 Excetuandose questões diárias muito interessantes contidas no Alcorão esse documento tem uma mensagem muito simples ele anun cia o juízo final e o que um bom crente deve fazer para evitar as ameaças de fogo eterno Mas mesmo nesse sentido o Alcorão tem dois momentos específicos as mais antigas insistiam em questões relativas à justiça social depois pouco a pouco as ameaças objetivam àqueles que rejeitam a unidade de Deus ou que não aceitam Mohamad como o Profeta e o líder espiritual e político do Islã 51 Alguns Pontos do Alcorão a A infalibilidade do Alcorão Um dos dogmas mais profundos do Islamismo e por conseguinte de seu Livro Sagrado é a infalibilidade deste e do Profeta escolhido por Alah para difundir suas palavras Dessa forma afirma já na segunda sura Este é o livro de que não se pode duvidar um guia para os que temem ao Senhor225 b Justiça e Equidade Em um sentido geral a sociedade muçulmana é igualitária visto que não reconhece sacerdócio Logo para a lei todos devem ser tra tados de maneira igual pois são idênticos na fé Ó vos que credes sede firmes na distribuição da justiça testemunhando por Deus mesmo contra vós mesmos ou contra vosso pai vossa mãe e vossos parentes tratese de um rico ou de um indigente Deus vela sobre todos Não vos deixeis levar pelas paixões e sede justos Se vacilardes ou vos omitirdes Deus o saberá226 c Recompensa daqueles que cumprem a Lei 225 Alcorão II 02 226 Alcorão IV 135 Um dos pilares da fé islâmica é a recompensa espiritual dada àqueles que são fiéis à crença e à punição com o inferno para aqueles chamados infiéis Nesse sentido o Alcorão promete um paraíso muito semelhante ao que provavelmente um crente à época de Mohamad consideraria como uma ótima vida na terra Anuncia aos que crêem e praticam o bem que deles será o Paraíso onde correm os rios cada vez que lhe provarem os frutos exclamarão São iguais aos que comíamos na terra Lá terão es posas puras e lá permanecerão para todo sempre227 d Pena de Talião Para o Alcorão a aplicação do Princípio da Pena de Talião é previs ta inclusive com exemplos Na lei de talião está a proteção de vossas vidas ó homens sensatos E possais temer a Deus228 Como no caso da guerra Se vos atacarem no mês sagrado atacaios nos mês sagrado E que as profanações sejam casti gadas pela pena de talião Aqueles que vos agredirem agredios da mesma forma Porém temei a Deus E lembraivos de que Ele está com os piedosos229 e Homicídio O Princípio da Pena de Talião também deve ser aplicado quando do homicídio entretanto está aberta a possibilidade de perdão Quando há o perdão do homicídio um parente da vítima deve ser indenizado 227 Alcorão II 25 228 Alcorão II 179 229 Alcorão II 194 Ó vós que credes a pena de talião é prescrita contra quem infligir a morte homem livre por ho mem livre escravo por escravo mulher por mulher E aquele que for perdoado pelo irmão da vítima deve comportarse honradamente e indenizálo no maior espírito É um alívio e uma misericórdia a vós proporcionados pelo vosso Senhor Quem depois de agredir será rigorosamente castigado230 f Alimentos Proibidos Na doutrina muçulmana os animais são divididos em puros e impuros Os puros podem sêlo por essência ou por terem sido purificados da mesma forma os impuros que podem ser considerados dessa forma por serem essencialmente impuros ou por não terem sido purificados Assim para os sunitas os cristãos e judeus são impuros porque não se purificam e para os xiitas são impuros em si mesmos Nesse sentido um sunita poderá comer na casa de um judeu ou um cristão desde que os pratos apresentados só contenham alimentos puros já um xiita não comeria na casa de um cristão ou um judeu231 Algumas proibições alimentares específicas em termos de que ani mal pode ser comido são muito semelhantes às do Antigo Testamento co mo a que proíbe a carne de porco Outras são proibidas no Antigo Testa mento como a carne de camelo sendo liberadas para os muçulmanos De um modo geral o sangue e portanto o animal que não foi sangrado ao ser morto o porco as bebidas alcoólicas certos animais incluindo o burro e répteis são considerados impuros e são por conse guinte proibidos Peixes são liberados e qualquer carne sacrificada a qualquer ser que não seja Alah é terminantemente proibida Essas proibições somente podem ser atenuadas pela necessidade Ele vos proíbe somente o animal morto o sangue e a carne de porco e tudo que tenha sido sacrifi cado sob a invocação de um nome que não o Seu Aquele contudo que for forçado pela neces sidade sem desejar transgredir ou se rebelar não pecará Deus é clemente e misericordioso232 230 Alcorão II 178 231 JOMIER J Op cit p 150 232 Alcorão II 173 g Bebidas e Jogos Bebidas e jogos são colocados no mesmo patamar de proibições que alimentos Entretanto no caso dos jogos caso o crente o faça de verá absterse de gastar o necessário para a sua vida e de sua família podendo gastar somente o supérfluo Interrogarteão sobre o vinho e os jogos de azar Responde Neles há culpa grave e alguma utili dade para os homens Mas neles a culpa é maior que a utilidade E perguntarão O que devere mos gastar Responde O supérfluo Assim Deus esclarece Suas revelações Quiçá reflitais233 h Usurpação e suborno Há no Alcorão a previsão e a proibição de suborno a juízes prin cipalmente para através deste apropriarse de bens alheios Não usurpeis os bens uns dos outros por meios ilícitos e não os empregueis para subornar os juí zes e apoderarvos intencional e injustamente de bens alheios234 i Peregrinação e condições A peregrinação é considerada um grande perdão que em sendo bemfeita pode proporcionar a remissão dos pecados Todo muçul mano adulto livre que disponha dos recursos necessários para viagem sem prejudicar a sobrevivência da família tem obrigação de efetuar a peregrinação Essa peregrinação também deve ser feita por muçulma nas desde que sejam acompanhadas E cumpri a peregrinação e a visitação Em caso de impedimento enviai uma oferenda dentro de vossas disponibilidades E não rapeis a cabeça até que a oferenda tenha atingido seu destino Se alguns de vós estiverem doentes ou sofrerem de 233 Alcorão II 219 234 Alcorão II 188 moléstia na cabeça que compensem com jejum esmolas ou oferendas Em tempos de paz quem de vós cumprir a peregrinação e a visitação ao mesmo tempo que faça uma oferenda dentro dos seus recursos Quem não puder fazêlo que jejue durante três dias no decorrer da peregrinação e sete dias após a sua volta ou seja ao todo dez dias Isso para aqueles que não tiverem parentes entre os vizinhos da Mesquita Sagrada E temei a Deus E lembraivos de que Ele é severo no castigo235 Alguns atos são proibidos para a peregrinação Efetuai a peregrinação nos meses determinados Quem a empreender deve absterse da cópula da depravação e das brigas 236 j Casamento Sendo a família a célula elementar da sociedade muçulmana o casamento é a base de sua formação Assim na sociedade muçulmana estar casado é a situação considerada normal para homens e mulheres Há uma tradição que afirma que Mohamad teria dito que o casamento é a metade da religião Tendo em vista que é através do casamento que se obtêm a concessão social para a maternidade e a paternidade ele é essencial principalmente porque é de opinião geral entre os muçulmanos que um homem e principalmente uma mulher só atingem seu apogeu após terem filhos O casamento em si é feito em dois tempos Primeiro se assina um contrato entre o marido e o representante legal da futura mulher o pai ou o parente masculino mais próximo Para a validade do contrato a mulher deve dar seu consenso para isso o silêncio dela é o suficiente O contrato especifica questões materiais o dote principalmente Uma vez assinado os dois cônjuges são considerados casados e a ruptura deste contrato é igualada ao divórcio 235 Alcorão II 196 236 Alcorão II 197 O casamento só se completa após a noite nupcial que é celebrada solenemente e durante a qual o marido e a mulher se isolam para consumar sua união Para atestar a virgindade exigida da esposa que nunca foi casada um pano com sangue derivado do defloramento é mostrado aos convidados com toda pompa e circunstância As famílias interferem diretamente no casamento até porque este não era apenas uma união entre marido e mulher mas também entre duas famílias Na época do harém e da separação entre homens e mulheres esta intervenção era indispensável237 Durante a vida do Profeta havia o casamento temporário chamado muta que significa desfrute Hoje os sunitas consideram esse tipo de casamento ilícito afirmando que Mohamad o proibiu já os xiitas consideram como uma forma de casamento lícito Sendo assim tão importante o casamento foi regulamentado obje tivamente pelo Alcorão sobretudo no tocante a proibições e pessoas proibidas para o casamento Dessa forma são proibidos os casamentos com nãomuçulmanos Não desposeis as idólatras até que se conver tam uma escrava crente é preferível a uma idóla tra mesmo que vos agrade E não deis vossas filhas em casamento a idólatras até que se convertam um escravo crente é preferível a um idólatra mesmo que vos agrade238 Lembrandonos que era necessário regulamentos específicos para os convertidos nômades que tinham tabus sociais um pouco mais frouxos o Alcorão indica proibições que em outras culturas seriam previamente estipuladas por interditos sociais E não vos caseis com as mulheres que foram esposas de vossos pais exceto em casos já con sumados Seria uma abominação uma obsceni dade e um péssimo comportamento239 Estãovos proibidas vossas mães vossas filhas vossas irmãs vossas tias paternas e maternas 237 JOMIER J Op cit p 141 238 Alcorão II 221 239 Alcorão IV 22 vossas sobrinhas vossas madrastas que vos amamentaram vossas irmãs de leite vossas sogras vossas enteadas que estão sob vossa proteção nascidas de mulheres nas quais penetrastes se não tiverdes penetrado nelas não sereis censurados e as mulheres de vossos filhos gerados por vós Estávos proibido também casarvos com duas irmãs exceto em casos já consumados Deus é perdoador e clemente240 O casamento entre adúlteros é permitido entretanto uma pessoa que não cometeu adultério não pode casarse com uma que cometeu Ao adúltero ou adúltera é permitido casarse com uma pessoa não muçulmana O adúltero não poderá casarse senão com uma adúltera ou uma idólatra e adúltera não poderá ser tomada em casamento senão por um adúltero ou um idólatra Tais uniões são vedadas aos crentes241 Há a proibição do casamento com mulheres casadas mas é lícito às mulheres escravas Estas últimas devem ser tratadas com respeito e devem ser procuradas para o casamento não devendo ser tomadas apenas para a satisfação sexual Estãovos proibidas as mulheres casadas exceto as cativas que por direito possuis Tal é a lei de Deus São lícitas para vós todas as outras que não foram mencionadas Podeis procurálas com vossas riquezas para o casamento e não para a libertinagem Às mulheres de que gozastes dai as pensões devidas E não sereis censurados pelo que for livremente convencionado entre vós além das prescrições legais Deus é conhecedor e clemente242 240 Alcorão IV 23 241 Alcorão XXIV 03 242 Alcorão IV 24 Aqueles dentre vós que não têm posses para desposar mulheres crentes e livres deixaios des posar as crentes jovens que legalmente possuis Deus conhece vossa fé Todos vós procedeis uns dos outros Desposaias com a autorização dos seus donos e pagailhes os dotes convencionais como mulheres honradas e não como libertinas ou angariadoras de homens Esse casamento com servas é permitido para quem receia cometer fornicação Contudo melhor para vós seria abster vos Deus é indulgente e misericordioso243 k Poligamia O Alcorão abre a possibilidade de um homem casarse com várias mulheres Entretanto no Islã hoje nos países em que a poligamia é permitida duas condições são impostas primeiro que o número de esposas não ultrapasse quatro e em segundo que o marido trate a todas com equidade sem favorecer a nenhuma Além das esposas também é possível para o homem ter con cubinas principalmente tomando as escravas Há controvérsias atualmente sobre a poligamia e J Jomier indica os principais argumentos favoráveis e contrários a essa prática As razões indicadas para a continuidade da prática são Mohamad e seus primeiros companheiros tinham várias esposas as necessidades se xuais dos varões são mais imperiosas que as da mulher quando uma catástrofe natural ou uma guerra diminui o número de homens so mente a poligamia permite a todas as mulheres casarem a poligamia aberta e franca é melhor que a hipocrisia dos monógamos que praticam o adultério244 desposai quantas mulheres quantas quiser des duas ou três ou quatro Contudo se não pu derdes manter igualmente entre elas então des posais uma só ou limitaivos às cativas que por direito possuis Assim servosá mais fácil evitar as injustiças245 243 Alcorão IV 25 244 JOMIER J Op cit p 145 245 Alcorão IV 03 l Mulheres Sem dúvida o Alcorão foi escrito para os homens e sobre as mulheres Elas são colocadas em uma situação nitidamente inferior ao homem subordinadas aos homens Em termos gerais o casamento é considerado o único objetivo da vida de uma muçulmana todo resto deve ser subordinado a isso As qualidades intelectuais de uma mulher eram subestimadas conforme podemos conferir na afirmação da Sura XLIII 1718 que afirma que a mulher é um ser que cresce entre as ninharias e não é claro na discussão Nesse sentido a mulher é colocada como desfrutável pelo marido estando à mercê da vontade masculina Vossas mulheres são vosso campo a lavrar Lavrai vosso campo quando o desejardes Mas cuidai antes de vossas almas e temei a Deus e lembraivos de que O encontrareis um dia E anuncia as boas novas aos crentes246 O que é utilizado como razão básica para a autoridade do homem sobre a mulher é a superioridade masculina dada por Deus e o fato de que estes são os provedores delas Os homens têm autoridade sobre as mulheres pelo que Deus os fez superiores a elas e porque gastam de suas posses para sustentálas As boas esposas são obedientes e guardam sua virtude na ausência de seu marido conforme Deus estabeleceu Aquelas de quem temeis a rebelião exortaias banias de vossas camas e batei nelas Se vos obedecerem não mais as molestei Deus é elevado e grande247 As mulheres devem manter um pudor completo não devem exibir seu corpo sequer devem olhar as pessoas nos olhos Em público a mulher deve usar um véu 246 Alcorão II 223 247 Alcorão IV 34 O uso do véu atualmente é controverso mesmo entre os países muçulmanos Há países que não exigem nenhum tipo de cobertura para a mulher há outros que exigem um simples véu sobre a cabeça outros impõem que a mulher mostre somente os olhos em público Um comentador do Alcorão no século XV chamado Jalalayn especificava que as mulheres deveriam esconder todo o seu rosto exceto um olho248 E dize às crentes que baixem o olhar e preservem o pudor e não exibam de seus adornos além do que aparece necessariamente E que abaixem seu véu sobre os seios e não exibam seus adornos senão a seus maridos ou pais ou sogros ou filhos ou enteados ou irmãos ou sobrinhos ou damas de companhia ou servas ou criados despojados do apelo sexual ou às crianças que nada sabem da nudez da mulher E que não façam tilintar ao andar os anéis de seus pés com a intenção de revelar suas jóias escondidas E vós todos crentes arrependeivos a Deus Quiçá vençais249 Para o Alcorão a prática de esconderse sobre véus não é obriga tória para mulheres idosas porém é recomendável As mulheres que atingiram a menopausa e não esperam mais o casamento não serão censuradas por tirarem os vestidos externos sem todavia mostrar seus adornos Mas se se abstiverem será melhor para elas Deus ouve tudo e sabe tudo250 E a mulher menstruada é considerada impura e deve ser evitada Interrogarteão sobre a menstruação Respon de É uma mácula Afastaivos das mulheres durante a menstruação E não volteis a elas até que sejam purificadas E então as procurai por 248 JOMIER J Op cit p 136 249 Alcorão XXIV 31 250 Alcorão XXIV 60 onde Deus vos mandou Deus ama os que voltam para Ele arrependidos e mantêmse limpos251 m Adultério O adultério é considerado falta grave no Alcorão Quando tomado o adultério feminino a pena pode ser severíssima Aquelas de vossas mulheres que forem suspei tas de adultério chamai quatro testemunhas dos vossos contra elas Se as testemunhas testemu nharem confinaias então em vossas casas até que a morte as leve ou até que Deus lhes indique um caminho252 Quando se trata de adultério em um sentido geral de homens e mulheres a questão apresenta uma contradição ao mesmo tempo em que há a previsão de perdão para os adúlteros arrependidos Quando dois dentre vós cometerem um adul tério castigaios Mas se se arrependerem e se emendarem deixaios em paz Deus é perdoador e clemente253 Há a imposição de não ter pena deles e aplicar o castigo de qualquer jeito perante as testemunhas A adúltera e o adúltero castigai cada um deles com açoites e não tenhais pena deles na religião de Deus se credes em Deus e no último dia E que um grupo de crentes assista ao castigo254 Se a esposa for uma serva e cometer adultério a pena deve ser 50 menor do que para mulheres livres que cometerem o mesmo delito 251 Alcorão II 222 252 Alcorão IV 15 253 Alcorão IV 16 254 Alcorão XXIV 02 Se depois de casadas as servas incorrerem em adultério sofrerão só a metade do castigo prescrito para as mulheres livres 255 De qualquer forma o adultério é considerado com bastante seriedade e no Alcorão há previsão de meios de evitar a leviandade no que diz respeito a acusar principalmente uma mulher Não somente testemunhas são necessárias em número de quatro como também em não havendo testemunhas o juramento de homens e mulheres sob pena de cometimento de pecado tem o mesmo peso Quanto àqueles que acusarem de adultério as próprias esposas sem apresentarem testemunhas além de si mesmos deixai que cada um teste munhe quatro vezes jurando por Deus que está dizendo a verdade e uma quinta vez conjurando a maldição de Deus sobre si caso estiver men tindo Mas ela não será castigada se jurar quatro vezes por Deus que seu acusador mente e uma quinta vez conjurando a maldição de Deus sobre si mesma caso ele esteja falando a verdade256 Essa seriedade é levada ao ponto de haver pena prevista para o indivíduo que acusa sem testemunhas uma mulher de adultério E aqueles que acusarem de adultério uma mulher honrada sem apresentar quatro testemu nhas castigaios com oitenta açoites e nunca mais lhes aceites testemunho São eles os depra vados exceto os que se arrependem e se emen dam Deus é perdoador e misericordioso257 n Divórcio A palavra árabe que denomina divórcio significa repúdio e mais especificamente mandar embora O homem tem primazia nesse direito e para isso não é necessário que ele preste contas a ninguém 255 Alcorão IV 25 256 Alcorão XXIX 06 09 257 Alcorão XXIV 45 do seu ato embora com isso possa abalar as relações entre as famílias À mulher só cabe ter essa iniciativa se houver no contrato de casamento a explicitação desse direito e se isso for permitido pela escola jurídica predominante do lugar onde vive O Alcorão insiste em regras para esse repúdio mesmo porque o divórcio não é bem visto Um adágio muçulmano afirma o repúdio é a mais odiosa das coisas lícitas Por exemplo é dado um prazo de quatro meses para o divórcio definitivo provavelmente com o intuito de evitar o divórcio e incentivar a reconciliação Aos que juram de não mais tocar suas mulheres é concedido um prazo de quatro meses no fim do qual ou voltam a elas ou elas podem pedir o divórcio Deus é perdoador e compassivo258 Ao repudiar a mulher o objetivo não deve ser prejudicála Por isso ela não deve ser retida além do prazo estipulado Quando vos divorciardes das mulheres esgo tado o seu prazo podereis guardálas conforme os bons costumes ou libertálas conforme os bons costumes Mas não as retenhais para prejudicá las ou agredilas Quem o fizer será iníquo para consigo mesmo 259 Em caso de divórcio assim como de viuvez a mulher deve esperar alguns meses para casarse novamente Isso ocorre para que o novo marido bem como o antigo ou a família deste tenha certeza de que a mulher não está grávida As divorciadas devem observar na abstinência o prazo de três menstruações e não lhes é per mitido ocultar o que Deus tiver criado nas suas entranhas se acreditam em Deus e no último dia Nesse prazo seus maridos terão o direito de reto málas de volta se desejarem a reconciliação As 258 Alcorão II 226 259 Alcorão II 231 mulheres têm direitos correspondentes a suas obrigações mas os homens a superam de um degrau Deus é poderoso e sábio260 Em caso de divórcio se o marido desejar a mulher poderá ser retomada desde que ela ainda esteja livre Mas ao repudiar a mesma mulher por três vezes ele não pode retomála antes que ela se case com outro e se divorcie deste O divórcio revogável é permitido até duas vezes Depois tereis que vos reconciliar com elas conforme os bons costumes ou repudiálas com benevolência E não vos é permitido retomar seja o que for do que lhes tiverdes dado a menos que ambos receiem não poder obedecer às leis de Deus Nesse caso ela querendo sua libertação é lhe permitido pagar algo ao marido e é permitido ao marido aceitálo Tais são os limites de Deus Quem os transgredir estará entre os prevarica dores261 O homem que repudia uma mulher não poderá desposála novamente até que ela se case com outro homem Repudiada por este último os esposos anteriores poderão unirse de novo desde que respeitem a lei de Deus Essa é a lei de Deus que Ele esclarece para os que com preendem262 Há ainda uma reparação traduzida pela libertação de um escravo quando da intenção de retomar a esposa Aqueles que repudiam as esposas dizendolhes Serás doravante tão ilícita para mim quanto as costas de minha mãe cometem um equívoco condenável e um perjúrio Suas esposas não são suas mães Suas mães são aquelas que os ge raram Deus porém é perdoador e clemente E os 260 Alcorão II 228 261 Alcorão II 229 262 Alcorão II 230 que repudiam assim a esposa e depois retiram suas palavras devem libertar um escravo antes de voltar a tocála Sois exortados a assim pro ceder Deus observa o que fazeis Quem não possuir escravos deverá jejuar dois meses con secutivos antes que os dois voltem a tocarse E quem não puder jejuar deverá alimentar sessenta necessitados Isso para que creiais em Deus e em Seu Mensageiro Tais são os limites de Deus Um castigo doloroso espera os descrentes263 Após a separação a guarda dos filhos mais novos até sete anos fica com a mulher se ela for considerada honrada que deve devolver os filhos ao marido após essa idade Se durante o divórcio a mulher estiver grávida o marido deve sustentála até o fim do aleitamento E instalaias onde vós estais instalados de acor do com vossos recursos E não as maltrateis para forçar sua saída Se estiverem grávidas susten taias até que dêem à luz E se amamentarem para vós pagailhes um salário e deliberai juntos conforme os bons costumes Contudo se encon trardes dificuldades mútuas que outra mulher seja encarregada do aleitamento264 Há a preocupação com o sustento da mulher divorciada Na maior parte dos casos a mulher recebe a totalidade de seu dote As divorciadas têm também direito a recursos para uma vida condigna É dever para os homens de bem265 Deverão ser protegidas mesmo as mulheres que são repudiadas antes da consumação do casamento Nesse caso o homem deve pagar à mulher a pensão preestabelecida no contrato ou se não houver nada estabelecido o homem deve não deixar a mulher desamparada 263 Alcorão LVIII 24 264 Alcorão LXV 06 265 Alcorão II 241 Não sereis censurados por repudiardes as esposas que não tocastes e a quem não fixastes uma pensão Mas provedelhes as necessidades segundo os bons costumes o rico conforme seus recursos e o pobre conforme seus recursos É uma obrigação para os homens de bem266 E se vos divorciardes delas sem as terdes tocado mas após fixarlhes uma pensão pagai lhes a metade do que foi convencionado a menos que elas ou o seu tutor o recusem Recusar é realmente mais próprio E não deixeis de vos tratar mutuamente de maneira honrada Deus observa o que fazeis267 o Testamento e Herança O testamento é previsto no Alcorão Está indicado na lei muçul mana que a herança deixada pode ser dividida em duas partes a primeira e mais importante é automaticamente partilhada entre os herdeiros a outra pode ser deixada em testamento Évos prescrito quando algum de vós é visitado pela morte possuindo bens deixar um testemu nho eqüitativo em favor dos pais e dos parentes próximos Tal é o dever dos que temem ao Senhor268 E deve ser levado extremamente a sério não podendo ser mudado por quem o escreve Quem alterar as disposições do testador após as ter ouvido terá que responder por seu crime Deus ouve tudo e sabe tudo269 266 Alcorão II 236 267 Alcorão II 237 268 Alcorão II 180 269 Alcorão II 181 Entretanto se quem escreve o testamento perceber que há uma injustiça pode modificálo Mas quem suspeitando uma injustiça ou um erro da parte do testador harmonizar os inte resses dos herdeiros e os reconciliar não será culpado Deus é clemente e misericordioso270 No caso da primeira parte da herança antes citado a divisão entre os herdeiros deve ser feita conforme indicada pelo Alcorão Filhas recebem menos que filhos mães menos que pais e irmãos mais que a mãe do defunto Eis o que Deus vos prescreve quando morre um de vós deixando bens e filhos o filho varão herdará o dobro da filha e se houver somente filhas receberão dois terços da herança mas se houver uma filha só receberá apenas a metade Morrendo o filho cada um dos pais receberá a sexta parte caso o defunto tenha filhos Se a herança couber exclusivamente aos pais a mãe receberá um terço e o pai dois terços Caso o defunto tiver também irmãos a mãe receberá a sexta parte Tudo isso depois de executados os legados e pagas as dívidas Entre vossos pais e vossos filhos não sabeis quem é mais benéfico para convosco Tal é a lei de Deus Deus é conhecedor e sábio271 As quotas percentuais são estipuladas também para esposos e a família da mulher falecida A vós a metade da herança de vossas esposas se elas não tiverem filhos e a quarta parte em caso contrário depois de executados os legados e pagas as dívidas E a elas um quarto de vossa herança se não tiverdes filho e um oitavo em caso contrário depois de executados os legados e 270 Alcorão II 182 271 Alcorão IV 11 pagas as dívidas E se um homem ou uma mulher não tiverem nem ascendentes nem descen dentes mais deixarem um irmão ou uma irmã a ele ou a ela a sexta parte E se forem mais de um irmão coherdarão a terça parte depois de exe cutados os legados e pagas as dívidas É uma prescrição de Deus Deus é conhecedor e cle mente272 São estabelecidos pelo Alcorão também os percentuais devidos no caso de não haver herdeiros Consultarteão a respeito da herança de um falecido sem ascendente nem descendente Dize Se um homem morrer sem ter filhos mas tendo uma irmã ela herdará a metade da herança E ele herdará todos os bens dela se ela morrer primeiro sem deixar filhos Se houver duas irmãs herdarão os dois terços dos bens deixados Se houver irmãos e irmãs caberá a cada homem o dobro de cada mulher Deus revelavos Suas leis para que não erres Deus está a par de tudo273 p Viúvas As viúvas devem ter proteção após a morte do marido en tretanto para o Alcorão o sustento que deve ser dado à viúva não deve ser vitalício E ela não pode casarse antes de um prazo de quatro meses As viúvas devem respeitar na abstinência um prazo de quatro meses e dez noites após a morte do marido Esgotando o prazo não sereis cen surados pelo modo como elas dispõem de si mesmas conforme os bons costumes Deus observa o que fazeis274 272 Alcorão IV 12 273 Alcorão IV 176 274 Alcorão II 234 E aqueles dentre vós que falecem deixando viúvas devem prover por testamento a sua manutenção durante um ano dentro de vossas próprias casas sem que possam ser expulsas Se contudo elas próprias preferem sair não sereis censurados pela maneira que elas dispuserem de si mesmas Deus é poderoso e sábio275 q Órfãos O Alcorão indica preocupação com os órfãos Acerca deste mundo e do outro E interrogarte ão sobre os órfãos Responde Cuidar deles num espírito de justiça é o melhor Se misturardes seus negócios com os vossos lembraivos de que eles são vossos irmãos Deus distingue o bom do malvado e se Ele quisesse sobrecarregarvosia Deus é poderoso e sábio276 E dai ao órfão o que lhes pertence e não subs tituais o bom pelo ruim E não junteis seus bens aos vossos Cometeríeis grave delito277 r Adoção No caso de adoção o adotivo permanece com o nome dos pais biológicos Dai a vossos filhos adotivos os sobrenomes de seus pais é mais eqüitativo ante Deus Se não conheceis aos pais consideraios então vossos irmãos na religião e vossos aliados Não sereis responsabilizados por vossos enganos mas pelo que vossos corações premeditam Deus permane ce perdoador e misericordioso278 275 Alcorão II 240 276 Alcorão II 220 277 Alcorão IV 02 278 Alcorão XXXIII 05 s Moral Sexual e Celibato A moral sexual alcorânica é rígida inclusive para homens A continência é de praxe antes do casamento e mesmo um homem que não tem dinheiro para casarse deve segundo uma tradição bem arraigada jejuar para não perder o domínio de si Na realidade a sociedade é mais permissiva com relação ao homem mas eles não devem se descuidar totalmente porque está em jogo a honra da família Não sereis censurados por fazer às mulheres propostas de casamento nem por as desejar no segredo de vossas almas Deus sabe que não as podeis esquecer Mas não procureis encontrar vos com elas às escondidas E se o fizerdes dirigilhes palavras honradas E não consumais o casamento antes do prazo prescrito para elas no Livro E lembraivos de que Deus sabe o que há em vossos corações Sede pois prudentes em relação a Ele Deus é clemente e magnânimo279 Entretanto para os muçulmanos o celibato não é bem visto Todos devem sempre que possível se casar E casai os celibatários dentre vós e as pessoas de bem dentre vossos escravos e escravas Se forem pobres Deus os enriquecerá com Sua graça Deus é vasto onisciente280 A moral sexual é rígida suficiente para proibir que as servas sejam prostituídas por seus donos Aqueles a quem faltam recursos para o casa mento devem manterse castos até que Deus os enriqueça de Sua graça Quanto a vossos escra vos que solicitam uma proclamação de libertação concedeilhas se sabes que há bem neles e gratificaios com algo dos bens que Deus vos 279 Alcorão II 235 280 Alcorão XXIV 32 outorgou E na vossa ânsia pelos bens deste mundo não constranjais vossas escravas à pros tituição se preferem a castidade Se forem compelidas Deus lhes perdoará Deus é clemente e misericordioso281 t Difamação e Injúria A difamação é condenada objetivamente com a ameaça do Juízo Final Os que difamam as mulheres honradas reser vadas crentes serão amaldiçoados neste mundo e no outro e receberão um castigo doloroso no dia em que suas próprias línguas e mãos e pernas testemunharem contra eles282 Ó vós que credes que nenhum homem ridicula rize o outro Talvez o ridicularizado seja melhor do que aquele que o ridiculariza E que nenhuma mulher ridicularize outra quem sabe qual delas é a melhor Não vos difameis uns aos outros e não vos injurieis Péssima é a injúria após a fé Os que não se arrependem são eles os agressores283 u Endividamento e Juros O Alcorão assim como o Antigo Testamento proíbe o empréstimo a juros A diferença entre os dois documentos é que enquanto no Antigo Testamento a proibição se restringe ao empréstimo entre israelitas no Alcorão a proibição é geral Os que vivem de juros não se levantarão de seus túmulos como aquele que o demônio esmaga É porque dizem O juro é como o comércio Mas na verdade Deus permitiu o comércio e proibiu o juro Aquele que desistir após receber a exone 281 Alcorão XXIV 33 282 Alcorão XXIV 2324 283 Alcorão XLIX 11 ração do Senhor poderá guardar o que ganhou e disso tratar com Deus Mas os que reincidirem serão os herdeiros do Fogo onde permanecerão para todo o sempre284 Os juros são proibidos mas o empréstimo não Ele deve ser feito depois de efetuarse um contrato escrito com as promessas das partes Ó vós que credes quando contrairdes uma dí vida por prazo determinado registraia e que um escriba anote vossos compromissos E que ne nhum escriba se recuse a fazêlo conforme Deus lhe ensinou Que registre pois as declarações do devedor e que tema a Deus seu Senhor e se guarde de nada omitir Se o devedor for um insen sato ou se for um débil mental ou um ignorante que seu tutor dite por ele com eqüidade Acres centai o testemunho de duas testemunhas dentre vossos homens e na falta de dois homens de um homem e de duas mulheres pois se uma delas se equivocar a outra ajudará E que nenhuma teste munha se recuse quando solicitada Não deixeis por preguiça de registrar a dívida grande ou pequena e seu vencimento Tal procedimento é mais correto diante do Senhor mais eqüitativo para as testemunhas e mais apto a vos poupar dúvidas A menos que se trate de uma operação que executais de mão a mão Nesse caso não sereis censurados por não a registrar Apelai para testemunhas quando negociais E não coajais nem o escriba nem as testemunhas Se o fizerdes cometereis uma abominação E temeis a Deus Ele vos ensina e Ele tem conhecimento de tudosic285 Se não houver possibilidade de realizar um contrato escrito uma caução é exigida 284 Alcorão II 275 285 Alcorão II 282 Se estiverdes viajando e não encontrardes um escriba garantivos com uma caução E se tiverdes confiança um no outro que aquele que recebe a caução a restitua e que tema a Deus seu Senhor E não escondais o testemunho pois quem o fizer peca no seu coração Deus sabe tudo o que fazeis286 E apesar do contrato o Alcorão aconselha que se tenha par cimônia com os devedores que não tenham condições de pagar Dai prazo ao devedor em dificuldade até que se recupere E se puderdes perdoar melhor será para vós Se soubésseis287 v Inviolabilidade de Domicílio O Alcorão indica como proceder no caso de entrada no domicílio dos outros Isso é explicável porque havia a necessidade de regula mentar essa questão que era novidade para os primeiros muçulmanos os nômades do deserto Ó vós que credes não entreis nas casas dos outros sem antes anunciar a vossa presença invocando a paz sobre seus habitantes Assim é melhor para vós Possais lembrarvos Se não encontrardes lá ninguém assim mesmo não entreis até que vos seja dada permissão E se vos for dito Retiraivos então retiraivos É mais correto para vós Deus observa o que fazes288 Mas a previsão da inviolabilidade de domicílio pode ser atenuada caso haja pertences do invasor na casa Não sereis censurados por entrardes em casas inabitadas onde haja objeto que vos pertence 286 Alcorão II 283 287 Alcorão II 280 288 Alcorão XXIV 2728 Deus sabe o que revelais e o que ocultais E Ele vos observa289 w Despojos de Guerra As questões de guerra se relacionam diretamente com as questões dos despojos os bens tomados do inimigo na guerra O Alcorão contém numerosas prescrições sobre essa matéria Os despojos serviriam para os pobres mas sempre um quinto pertenceria ao Profeta Todos os despojos tomados dos habitantes das cidades e destinados por Deus a Seu Mensageiro pertencem a Deus a Seu Mensageiro e seus pa rentes aos órfãos aos necessitados aos viajan tes e não devem permanecer no círculo dos opu lentos dentre vós O que o mensageiro vos con ceder aceitaio o que ele vos proibir abstendevos dele E temei a Deus Ele é duro no castigo290 Os espólios pertencem também aos pobres dentre os emigrantes os quais despojados de suas casas e posses almejam a graça e o bene plácito de Deus e prestam socorro a Deus e a Seu Mensageiro Esses são os homens de lealdade genuína Pertencem também aos que se instala ram antes deles no país e na fé que acolheram com afeto os que emigraram para eles e não lhes invejam as gratificações recebidas ainda que eles mesmos sofram de penúria pois preferemnos a si mesmos E aqueles que vencem a própria avareza são eles os vitoriosos291 x Privilégios do Profeta Mohamad era não somente o líder espiritual mas também o líder político da cidade de Medina e dos Muçulmanos Nesse sentido apa 289 Alcorão XXIV 29 290 Alcorão LIX 07 291 Alcorão LIX 89 recem no Alcorão soluções de situações que seriam exclusivas e pri vadas do Profeta É assim que o Alcorão praticamente chama a atenção das mulheres do Profeta acerca do uso de adornos Ó Profeta dize a tuas esposas Se é a vida terrena que quereis com seus adornos vinde darvosei vossa provisão e libertarvosei com benevolência Mas se for Deus e Seu Mensageiro e a última morada que quereis Deus preparou para as virtuosas dentre vós uma recompensa magnífica Mulheres do Profeta quem dentre vós cometer uma indecência flagrante receberá um castigo dobrado É coisa fácil para Deus E quem dentre vós permanecer submissa a Deus e a Seu Mensageiro e praticar o bem receberá uma re compensa dobrada E para ela preparamos generosas provisões292 As mulheres do Profeta têm prerrogativas que não necessaria mente se traduzem em privilégios Elas são mais visadas portanto devem ser mais contidas que as outras muçulmanas que já deviam ser bastante comedidas Mulheres do Profeta vós não sois como as outras mulheres Se temeis a Deus evitai ser obsequiosas na conversação para não provocar a luxúria dos quem têm a doença no coração Usai palavras discretas e cautelosas Permanecei em vossos lares e não exibais vossos adornos como faziam as pagãs de antanho E observai a oração e pagai o tributo dos pobres e obedecei a Deus e a Seu Mensageiro Deus só quer preservarnos de toda mácula mulheres da casa do Profeta purificarvos E decorai o que for recitado em vossos lares das revelações de Deus e dos ditos dos sábios Deus é amável e onisciente293 292 Alcorão XXXIII 2831 293 Alcorão XXXIII 3234 Mohamad tinha pessoalmente privilégios ele podia ter quantas mulheres desejasse e para ele não havia até certo ponto proibições como havia para os demais muçulmanos Ó Profeta tornamos legais para ti as tuas es posas que dotaste e as escravas que Deus te outorgou e as filhas de teus tios paternos e maternos e de tuas tias paternas e maternas que imigraram contigo e qualquer outra mulher crente que se oferecer ao Profeta e que ele quiser des posar privilégio teu com exclusão dos demais crentes sabemos o que lhes impusemos com relação às suas esposas e escravas para que ninguém possa censurarte Deus é perdoador e misericordioso294 O Alcorão acalma as esposas do Profeta colocando sob a vontade dele procurar suas mulheres conforme sua vontade Podes adiar a companhia de quem quiseres en tre elas e chamar a ti quem quiseres E se pro curares essas que havias desprezado não serás censurado É mais provável que elas estejam assim satisfeitas e não mais se aflijam e que todas estejam felizes com o que lhes concederes Deus sabe o que há em vossos corações Deus é conhecedor e clemente295 Entretanto Mohamad não poderia trocar a revelia de esposas Poderia sim ter quantas escravas desejasse Além dessas as mulheres não serão lícitas para ti nem te será permitido trocar tuas esposas por outra mesmo que sua beleza te agrade com exceção das escravas que possuis Deus observa tudo296 294 Alcorão XXXIII 50 295 Alcorão XXXIII 51 296 Alcorão XXXIII 52 É regulamentada também a visita ao Profeta de tal maneira que Mohamad não se sentisse incomodado E conforme grifado mulheres tocadas pelo Profeta não poderiam nunca mais se deitar com outro homem Ó vós que credes não entreis nos aposentos do Profeta exceto quando convidados para uma refeição e aguardai o momento próprio para en trar Depois da refeição retiraivos sem vos pro longar em conversação familiar De outra forma incomodaríeis o Profeta E ele ficaria constran gido diante de vós mas Deus não fica cons trangido diante da verdade E se pedirdes algum objeto às suas esposas pedio através de uma cortina é mais limpo para vossos corações e para os seus Não vos pertence molestar o Mensageiro de Deus nem desposarlhe as mulheres após ele nunca Seria aos olhos de Deus uma grave ofensa297 297 Alcorão XXXIII 53 grifo nosso CAPÍTULO IX O DIREITO INGLÊS 1 Introdução No final da Idade Média a Europa começou a assistir ao nascimento de Estados centralizados nas mãos de Monarcas Na Inglaterra o caminho foi um tanto diferente nos séculos XI e XII a monarquia inglesa era bastante poderosa e conseguia centralizar o poder e nos séculos seguintes enquanto o resto da Europa via nascer o Poder Central este perdia fôlego no Reino Britânico O Poder na Inglaterra foi disputadíssimo durante pelo menos quatro séculos De um lado monarcas buscando a acumulação de poder de outro nobres e posteriormente burgueses evitando tal acúmulo e acabando por formar um Estado baseado tanto no poder de uma instituição representativa o Parlamento quanto em documentos escritos de lei que sempre se apresentam como meios de limitar o poder do rei Todas as lutas pelo poder entre esses grupos seguiram um padrão bastante peculiar O rei quem quer que fosse para acumular poder precisaria retirálos de alguém a princípio dos nobres Para tanto era preciso convencêlos o que obviamente ficaria bastante complicado se feito educadamente assim o convencimento era feito através das armas O problema era que um rei feudal tinha os nobres como seu exército então para a formação de um exército próprio era preciso dinheiro de impostos pagos pelos nobres que reagiam Logo para entendermos essa parte do Direito inglês chamado Statute Law temos que compreender essas lutas internas para com preendermos o Direito inglês como um todo Common Law e Equity precisamos nos basear na formação do conceito de justiça e na construção da nacionalidade inglesa Não há na Inglaterra códigos escritos como encontramos em outros países apenas em algumas matérias especiais o Direito é apresentado de forma sistemática Essa diferença é explicitada nas palavras de René David A concepção de Direito que os ingleses sus tentam é de fato ao contrário da que prevalece no continente europeu essencialmente jurispru dencial ligada ao contencioso O Direito inglês que foi elaborado pelas Cortes reais apresenta se aos ingleses como o conjunto de regras pro cessuais e materiais que essas Cortes consoli daram e aplicaram tendo em vista a solução dos litígios A regra de Direito inglesa legal rule condicionada historicamente de modo estrito pelo processo não possui o caráter de genera lidade que tem na França uma regra de direito formulada pela doutrina ou pelo legislador As categorias e conceitos no Direito inglês derivam de regras processuais formalistas que as Cortes Reais foram obrigadas a observar até uma época recente a distinção entre direito público e direito privado em particular por esse motivo é desconhecida na Inglaterra298 2 Direito Inglês A História e a Formação do Statute Law299 Até o século V a Inglaterra era em grande parte domínio romano entretanto não houve como em outros lugares dominados por Roma uma romanização ou seja não houve uma transformação da popu lação local de maneira a tomar a cultura romana para si Os romanos eram apenas o exército invasor agiam como tal e eram tratados como tal A miscigenação não foi uma constante Dessa forma o Direito Romano pouco ou nada influenciou o direito dos povos que já habitavam a Bretanha Mesmo as cidades que os romanos fizeram surgir brevemente após sua partida desapareceram A língua latina muito competentemente espalhada por todos os cantos do Império Romano na Bretanha não obteve êxito300 298 DAVID René O direito inglês São Paulo Martins Fontes 2000 p 3 299 É o Direito Estatutário que foi se revelando na História da Inglaterra visando através de estatutos atos ordenanças e editos melhor equacionar o poder inglês e dar outras providências para o funcionamento do Estado e de algumas questões de Justiça que o Common Law e a Equity não suprem 300 RICHÉ Pierre As invasões bárbaras Sintra EuropaAmérica 19 p 103 Quando os Germânicos notadamente Anglos e Saxões invadem a Bretanha a oposição a eles não é melhor do que a que tinham sofrido os romanos mesmo vencidos os Bretões mantêm oposição acirrada contra os invasores germânicos Estes últimos formaram reinos bastante instáveis e sem unificação e guardaram as tradições germânicas inclusive no campo do Direito301 O Direito anglosaxônico ou germânico na Bretanha como prefe rem alguns estudiosos começa quando no final do século VI dC a Inglaterra convertese ao cristianismo Embora muito mal conhecido esse Direito foi redigido e continha uma particularidade ao invés de ser escrito em latim como as leis dos reinos bárbaros do continente europeu seu texto foi confeccionado em língua anglosaxônica Os documentos que chegaram até a atualidade demonstram que como outras leis germânicas as leis anglosaxônicas regulam poucos aspectos Assim conta René David As leis de Aethelbert rei do Kent redigidas em língua anglosaxônica no ano de 600 apenas comportam 90 frases breves As leis do rei dinamarquês Canuto 10171035 quatro séculos mais tarde são mais elaboradas e anunciam já a passagem da era tribal para a feudal O princípio de personalidade das leis dá lugar como na França a uma lei territorial mas embora o país esteja submetido a um único soberano o direito em vigor mantémse um direito estritamente local não há direito comum a toda a Inglaterra antes da conquista Normanda302 Em 1066 vindo da Normandia atualmente França um exército liderado por Guilherme chamado por isso de O Conquistador inva diu a Bretanha e vencendo o herdeiro anglosaxão do trono Haroldo controlou a região Na condição de vassalo do rei da França Guilherme governou a Inglaterra de 1066 a 1087 Com Guilherme veio o feudalismo as relações feudovassálicas que existiam no ducado da Normandia foram introduzidas na In glaterra e ampliadas por seus sucessores de uma forma vertical e mais 301 Como se pode conferir mais amiúde no capítulo acerca do Direito Medieval 302 DAVID René Os grandes sistemas do direito contemporâneo 3 ed São Paulo Martins Fontes 1996 p 284285 completa do que em qualquer outro lugar mas sempre tendo em vista servir os desígnios da realeza Dessa maneira a Inglaterra foi dividida em grandes feudos os Condados Os condes estavam de forma direta e absoluta sob o comando feudal do rei senhor de todos cada feudo era administrado por um funcionário do rei chamado xerife que tinha autoridade sobre os senhores feudais os comerciantes e os camponeses A conquista normanda a princípio não modificou o Direito exis tente ao contrário Guilherme afirmou estar em vigor o Direito anglo saxônico mas trouxe a possibilidade de um centralismo que não existia antes que deu novas feições ao Direito Inglês Nas décadas seguintes a ação dos reis que sucederam Guilherme fortaleceu o poder real chegando a ponto de Henrique II 11541189 primeiro rei da dinastia dos Plantagenetas conseguir impor leis válidas em todo o reino e não somente em seus domínios particulares Henrique II foi um artífice da unificação da Inglaterra e buscou através da lei ter êxito no empreendimento Além de leis comuns a todo o reino ele conseguiu nomear juízes para presidir os tribunais locais e submeteu os clérigos à legislação comum estes então começaram a ser julgados em tribunais do Estado não mais em tribunais eclesiás ticos Esses tribunais do Estado são os que farão paulatinamente a Common Law que veremos no próximo ponto deste Capítulo Seu filho Ricardo I conhecido como Ricardo Coração de Leão o sucedeu mas não conseguiu continuar a obra de concentração de poder Ricardo era homem de armas não de administração Era homem cruel e vivia somente para a guerra Era Ricardo o homem que melhor representava os barões da Idade Média com suas qualidades de bravura indomável mas também com todos os defeitos de um temperamento arrebatado per dulário inacessível à piedade tornandose por isso mesmo o ídolo de seus contemporâneos303 303 LINS Ivan Idade Média Rio de Janeiro Brasílica 1939 p 381 Na mesma página o autor discorre sobre a crueldade de Ricardo I Crueldade sem nome de Ricardo foi fazer degolar os três mil reféns muçulmanos entregues em conseqüência da capitulação do Acre barbaria inaudita perpetrada de sangue frio sem a desculpa do ardor da refrega e tanto mais chocante quanto ao adoecer Ricardo lhe enviara Saladino líder muçul mano sorvetes e frutas para o seu restabelecimento A esses rasgos de generosidade o rei de Inglaterra respondeu com uma carnificina Em oposição o irmão de Ricardo de nome João cognominado João SemTerra por não ter recebido em herança nenhum bem imóvel de seu pai tinha ânsias de poder e tentaria se possível e se subisse ao trono continuar a aprofundar a obra centralizadora de Henrique II A oportunidade para João surgiu quando Ricardo Coração de Leão foi para as Cruzadas e assumiu o trono como Príncipe Regente Ele opôsse frontalmente aos nobres e acabou por angariar uma inimizade que lhe sairia cara mesmo quando posteriormente tornouse rei de fato com a morte de Ricardo na guerra contra a França João sempre foi visto como um usurpador e aliado a uma política externa desastrosa que fez com que a Inglaterra perdesse grande parte dos feudos que possuía na França também tornou suas relações com o papado melindrosas por não acatar a nomeação de um bispo Ele buscou criar impostos e aumentar os já existentes com vistas a fazer frente aos nobres que se colocavam em oposição a ele Como resposta os nobres e o clero reuniramse e redigiram um documento intitulado Magna Charta Libertatum que foi outorgado em 1215 pelo pressionado rei João Esse documento tinha como objetivo principal manter o rei João ou quem quer que fosse longe da ânsia de arrancar poder dos nobres e visando isso acabou por indicar uma defesa de liberdade que não tinha sido vista até então É sem dúvida um documento feudal busca salvaguardar benefí cios de Senhores Feudais mas mais amplamente acaba por converter a Inglaterra em um todo eliminando a fragmentação tão característica do feudalismo Podemos tomar como exemplo dessa formação de país o artigo 43 da Magna Carta Haverá em todo o Reino uma mesma medida pa ra o vinho e a cerveja assim como para os cereais grãos Esta medida será a que atualmente se emprega em Londres Todos os panos se ajus tarão a uma mesma medida em largura que será de duas varas Os pesos serão também os mesmos para todo o Reino A montagem da Justiça foi também uma preocupação da Magna Carta que em vários artigos indicou quais tribunais e com qual periodicidade deviam se reunir mais ainda esse documento indicou uma preocupação com uma retidão na justiça quando afirmou no artigo 49 Não venderemos nem recusaremos nem dilata remos a quem quer que seja a administração da justiça Essa preocupação com a justiça explicase principalmente pelas perseguições que os nobres sofreram por terem feito frente às vontades de João SemTerra assim na Magna Carta vários são os artigos que buscam limitar o poder dos funcionários do rei Podemos tomar como exemplo dentre muitos com o mesmo objetivo o artigo 62 Ficará proibido ao sheriff oprimir e vexar a quem quer que seja contentandose com os direitos que os sheriffs costumavam exercer em tempo de nosso ascendente o Rei Henrique Mas a garantia de liberdades ampliavase até alcançar o direito de ir e vir Para o futuro poderão todos entrar e sair do Reino com toda a garantia salvante a fidelidade devida exceto todavia em tempo de guerra e quanto seja estritamente necessário para o bem comum de nosso Reino excetuandose além disto os prisioneiros e proscritos segundo as leis do país os povos que se achem em guerra conosco e os comerciantes de uma Nação ini miga conforme o que deixamos dito304 Esse direito de ir e vir era corroborado a uma proteção jurídica que a maioria dos autores considera ser o início da ideia de habeas corpus Essa proteção indicava que o indivíduo somente poderia ser privado de seus bens ou preso sem um julgamento assim afirma a Magna Carta Ninguém poderá ser detido preso ou despojado dos seus bens costumes e liberdades senão em 304 Artigo 52 virtude de julgamento de seus Pares segundo as leis do país305 Esse mesmo artigo indica claramente a necessidade de julga mento pelos pares ou seja pessoas iguais ao réu o que é colocado como a cristalização legalizada do sistema de julgamento por júri que já havia existido não muito objetivamente no Direito Romano e que existia na Inglaterra desde antes do reinado do pai de João SemTerra Desde Roma havia o hábito de em casos de cobranças de tributos se perguntar às pessoas importantes da localidade sua opinião era a iquisitio Esse mesmo processo foi transferido para o Direito germânico Já no reinado de Henrique II o sistema de inquisitio antes de caráter meramente administrativo passou a ser usado também em demandas entre particulares na área cível A partir do período do rei Henrique surgiram duas instituições judiciárias o assize e a jurata o primeiro dizia respeito a demandas entre proprietários a segunda a questões envolvendo o curso de um julgamento que não dissesse respeito a proprietários A jurata acabou por absorver o assize306 O que a Magna Carta fez portanto foi indicar em uma legislação importante que um julgamento com júri seria ne cessário para diminuir ou acabar com a liberdade de um indivíduo307 Há ainda nesse documento inglês uma indicação clara de proporcionalidade entre delito e pena e uma preocupação bastante interessante que visa evitar que penas pecuniárias acabem por falir o indivíduo e não permitam mais a sua subsistência Um possuidor de bens livres não poderá ser condenado a penas pecuniárias por faltas leves mas pelas graves e não obstante isso a multa guardará proporção com o delito sem que em nenhum caso o prive dos meios de subsistência Esta disposição é aplicável por completo aos mercadores aos quais se reservará alguma parte de seus bens para continuar seu comércio Do mesmo modo um aldeão ou qualquer vassalo nosso não poderá ser condenado à pena pecuniá 305 Artigo 48 306 NASCIMENTO Walter Vieira do Lições de história do direito 10 ed Rio de Janeiro Forense 1998 passim 307 Esse indivíduo ao menos a princípio deveria ser um homem livre não um servo ria senão debaixo de idênticas condições quer dizer que se lhe não poderá privar dos instru mentos necessários a seu trabalho Não se imporá nenhuma multa se o delito não estiver comprovado com prévio juramento de doze vizi nhos honrados e cuja boa reputação seja no tória308 A Magna Carta acabou também por dar um grande poder ao Conselho de Nobres também chamado de Grande Conselho ou Conse lho do Reino que existia desde a conquista Normanda Pelo documento legal impostos contribuições etc somente poderiam ser criados e cobrados com o consentimento deste conselho Não se estabelecerá em nosso Reino auxílio nem contribuição alguma contra os posseiros de terras enfeudadas sem o consentimento do nosso comum Conselho do Reino a não ser que se destinem ao resgate de nossa pessoa ou para armar cavaleiros a nosso filho primogênito consignação para casar uma só vez a nossa filha primogênita e mesmo nestes casos o imposto ou auxílio terá de ser moderado309 Esse Conselho do Reino a partir de 1265 passou a ser chamado de Parlamento Nele passaram a ser decididas todas as mais importantes questões do reino inclusive declarações de guerra e paz Seu poder aumentou tanto que em determinados momentos da história da Inglaterra substituiu reis e efetivamente comandou o país sozinho A partir de 1350 o Parlamento Inglês passou a ter as feições que até hoje guarda composto por duas câmaras a Câmara dos Lordes de prelados e Barões e a Câmara dos Comuns de Cavaleiros e Bur gueses Nos séculos seguintes os reis tiveram por hábito mais obriga tório do que por opção pessoal jurar obediência à Magna Carta Esta somente passou a ser esquecida ainda que por um período após a Guerra das Duas Rosas 14551485 que colocou no poder a Dinastia 308 Artigos 25 e 26 309 Artigo 14 Tudor e conseguiu concentrar o poder e alavancar a economia mercantil do país Entre os reis da Dinastia Tudor Henrique VII teve papel preponde rante pois como fundador da Igreja Anglicana conseguiu desligar o país do poder papal e concentrar as terras da Igreja Católica nas mãos da Inglaterra Sua filha Elizabeth I conseguiu fazer chegar ao auge o absolutismo na Inglaterra principalmente porque implantou uma política mercantilista extremamente bemsucedida Entretanto o poder real na Inglaterra vivia uma situação diferente dos países do continente europeu pois havia o Parlamento Apesar do absolutismo dos Tudor o Parlamento continuava a ser convocado fosse com vistas a evitar conflitos fosse para manter as aparências Com a morte de Elizabeth foi entronado seu filho Jaime I que iniciou um conflito com o Parlamento que iria acabar em mais de quatro décadas de atritos e guerras Ele defendia a implementação de um absolutismo nos moldes franceses baseado na concepção do Direito Divino não permitindo nenhum questionamento às suas decisões Ao criar e aumentar impostos Jaime I enfrentou a resistência do Parlamento e acabou por fechálo por sete anos A morte de Jaime I não acabou com os problemas seu filho Carlos I radicalizou ainda mais a política do pai Em 1628 o Parlamento buscando uma saída não violenta talvez não estivesse preparado para uma reação mais enérgica confeccio nou um documento legal com vistas a lembrar Carlos de suas atribui ções e de seus limites Era a Petição de Direitos que embora seja até hoje considerado um documento legal sequer foi considerado pelo rei que como retaliação deixou de convocar o Parlamento por onze anos O texto da Petição de Direitos é como um resumo em forma de lembrete das leis inglesas até aquele momento conforme podemos conferir Os lordes espirituais e temporais e os comuns reunidos em parlamento humildemente lembram ao rei nosso soberano e senhor que uma lei feita no reinado do rei Eduardo I vulgarmente cha mada Statutum de tallagio non concedendo declarou e estabeleceu que nenhuma derrama ou tributo tallage or aid seria lançada ou cobrada neste reino pelo rei ou seus herdeiros sem o consentimento dos arcebispos bispos condes barões cavaleiros burgueses e outros homens livres do povo deste reino que por autoridade do Parlamento reunido no vigésimo quinto ano do reinado do rei Eduardo III foi decretado e esta belecido que daí em diante ninguém poderia ser compelido a fazer nenhum empréstimo ao rei con tra a sua vontade porque tal empréstimo ofen deria a razão e as franquias do país que outras leis do reino vieram preceituar que ninguém po dia ser sujeito ao tributo ou imposto chamado be nevolence ou a qualquer outro tributo semelhan te que os nossos súditos herdaram das leis atrás mencionadas e de outras boas leis e provisões statutes deste reino a liberdade de não serem obrigados a contribuir para qualquer taxa der ramo tributo ou qualquer outro imposto que não tenha sido autorizado por todos através do Par lamento E considerando também que na carta designada por Magna Carta das Liberdades de Inglaterra se decretou e estabeleceu que nenhum homem livre podia ser detido ou preso ou privado dos seus bens das suas liberdades e franquias ou posto fora da lei e exilado ou de qualquer modo molestado a não ser por virtude de sentença legal dos seus pares ou da lei do país E considerando também que foi decretado e estabelecido por autoridade do Parlamento no vigésimo oitavo ano do reinado do rei Eduardo III que ninguém fosse qual fosse a sua categoria ou condição podia ser expulso das suas terras ou da sua morada nem detido preso deserdado ou morto sem que lhe fosse dada a possibilidade de se defender em processo jurídico regular due process of law E considerando que ultimamente grandes con tingentes de soldados e marinheiros têm sido destacados para diversos condados do reino cujos habitantes têm sido obrigados contra von tade a acolhêlos e a aboletálos nas suas casas com ofensa das leis e costumes e para grande queixa e vexame do povo E considerando também que o Parlamento decretou e ordenou no vigésimo quinto ano do reinado do rei Eduardo III que ninguém podia ser condenado à morte ou à mutilação sem obser vância das formas da Magna Carta e do direito do país e que nos termos da mesma Magna Carta e de outras leis e provisões do vosso reino ninguém pode ser condenado à morte senão em virtude de leis estabelecidas neste vosso reino ou de costumes do mesmo reino ou de atos do Parlamento e que nenhum transgressor seja qual for a sua classe pode subtrairse aos processos normais e às penas infligidas pelas leis e provisões deste vosso reino e considerando que todavia nos últimos tempos diversos diplomas com o Grande Selo de Vossa Majestade têm in vestido certos comissários de poder e autoridade para no interior do país aplicarem a lei marcial contra soldados e marinheiros e outras pessoas que a estes se tenham associado na prática de assassinatos roubos felonias motins ou quais quer crimes e transgressões e para sumaria mente os julgar condenar e executar quando culpados segundo as formas da lei marcial e os usos dos exércitos em tempo de guerra E a pretexto disto alguns dos súditos de Vossa Majestade têm sido punidos por estes comis sários com a morte quando é certo que se eles tivessem merecido a morte em harmonia com as leis e provisões do país também deveriam ter sido julgados e executados de acordo com estas mesmas leis e provisões e não de qualquer outro modo Por todas estas razões os lordes espirituais e temporais e os comuns humildemente imploram a Vossa Majestade que a partir de agora ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto sem o consentimento de todos manifestado por ato do Parlamento e que nin guém seja chamado a responder ou prestar jura mento ou a executar algum serviço ou encarcerado ou de uma forma ou de outra molestado ou inquietado por causa destes tributos ou da recusa em os pagar e que nenhum homem livre fique sob prisão ou detido por qualquer das formas acima indicadas e que Vossa Majestade haja por bem retirar os soldados e marinheiros e que para futuro o vosso povo não volte a ser sobrecarregado e que as comissões para aplicação da lei marcial sejam revogadas e anuladas e que doravante ninguém mais possa ser incumbido de outras comissões semelhantes a fim de nenhum súdito de Vossa Majestade sofrer ou ser morto contrariamente às leis e franquias do país Tudo isto rogam os lordes espirituais e temporais e os comuns a Vossa majestade como seus direitos e liberdades em conformidade com as leis e provisões deste reino assim como rogam a Vossa Majestade que se digne declarar que as sentenças ações e processos em detrimento do vosso povo não terão conseqüências para futuro nem servirão de exemplo e que ainda Vossa Majestade graciosamente haja por bem declarar para alívio e segurança adicionais do vosso povo que é vossa régia intenção e vontade que a respeito das coisas aqui tratadas todos os vossos oficiais e ministros servirão Vossa Majestade de acordo com as leis e a prosperidade deste reino A revolta explodiu em 1637 tendo por estopim a tentativa de intervenção do rei Carlos I na Igreja Presbiteriana da Escócia visando impor o culto anglicano A luta com os escoceses durou três anos e para combatêlos Carlos I foi obrigado a convocar o Parlamento pois esta era a única maneira de obter mais recursos O grupo de parlamentares de oposição ao rei aproveitouse da situação e tentou impor novamente a Petição de Direitos Carlos I tentou fechar o Parlamento que foi protegido pelos parlamentares e pela população de Londres era a Revolução Puritana que iniciava um processo que culminaria com o fortalecimento do parlamentarismo como sistema de governo e o enfraquecimento do poder real ao ponto de tornarse como é ainda hoje meramente figurativo Essa luta acabou dando à Inglaterra um período republicano sob o governo de Oliver Cromwell um membro da pequena nobreza puri tana As leis do período de Cromwell tinham como objetivo principal o fortalecimento econômico da burguesia e da gentry nobreza com interesses burgueses Após a morte de Cromwell a monarquia foi restaurada e também acabaram ressurgindo os problemas entre o rei e o Parlamento No reinado de Carlos II com o objetivo de minimizar os danos causados por antagonismos que geravam violências e prisões indevidas foi redigido o Habbeas Corpus Act em 1679 Habeas Corpus é o instituto jurídico que visa atualmente dar uma garantia individual ao direito de locomoção consubstanciada por uma ordem dada pelo Juiz ou por um Tribunal ao coator com vistas a fazer cessar a ameaça ou coação de liberdade310 A história do Habeas Corpus se inicia no Direito Romano e passa por esses documentos do Statute Law da Inglaterra primeiramente na Magna Carta de 1215 quando afirma que ninguém pode ser preso ou despojado de seus bens senão após julgamento por seus pares e é coroada nesse Ato do Habeas Corpus de 1679311 René David descreve a origem do Habeas Corpus no Direito Inglês O paradoxo é que o procedimento de habeas corpus tinha em sua origem outro objeto Não visava garantir a liberdade dos cidadãos mas sim reforçar a autoridade real diante dos senho res Vinculado à prerrogativa real o procedi mento de habeas corpus não poderia jamais ser instaurado contra medidas de detenção decre tadas em nome do rei por mais arbitrárias que essas medidas pudessem ser312 310 MORAES Alexandre Direito constitucional 8 ed São Paulo Atlas 2000 p 130 311 O instituto do habeas corpus tem sua origem remota no Direito Romano pelo qual todo cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por meio de uma ação privilegiada que se chamava interdictum de libero homine exhibendo Ocorre porém que a noção de liberdade da antiguidade e mesmo da Idade Média em nada se assemelhava com os ideais modernos de igualdade pois como salientado por Pontes de Miranda naquela época os próprios magistrados obrigavam homens livres a prestar lhes serviços MORAES Alexandre Op cit p 129 312 DAVID René O direito op cit p 78 Esse documento protegia os que acusados de algum delito fos sem privados de sua liberdade não eram incluídos os presos sob quaisquer outras acusações Somente um documento posterior datado de 1816 contemplou os que fossem presos sob outras acusações O documento de 1679 indicava que A reclamação ou requerimento escrito de algum indivíduo ou a favor de algum indivíduo detido ou acusado da prática de um crime exceto tratando se de traição ou felonia assim declarada no man dato respectivo ou de cumplicidade ou de sus peita de cumplicidade no passado em qualquer traição ou felonia também declarada no manda to e salvo o caso de formação de culpa ou incri minação em processo legal o lordechanceler ou em tempo de férias algum juiz dos tribunais superiores depois de terem visto cópia do man dato ou o certificado de que a cópia foi recusada concederão providência de habeas corpus exceto se o próprio indivíduo tiver negligenciado por dois períodos em pedir a sua libertação em benefício do preso a qual será imediatamente executória perante o mesmo lordechanceler ou o juiz e se afiançável o indivíduo será solto du rante a execução da providência upon the return comprometendose a comparecer e a responder à acusação no tribunal competente A concessão do habeas corpus era definitiva visto que Quem tiver obtido providência de habeas corpus não poderá voltar a ser capturado pelo mesmo fato sob pena de multa de 500 libras ao infrator Apesar de minimizar as prisões advindas dos antagonismos políticos o Ato do Habeas Corpus não foi uma solução Nem a morte de Carlos II que apenas transferiu os problemas para o reinado de seu irmão Jaime II Diante do impasse político os parlamentares tramaram a queda do rei e ofereceram o trono ao genro dele Guilherme de Orange que inaugurou a era do Parlamentarismo de fato na Inglaterra tão bem ilustrada na frase o rei reina mas não governa Em 1689 foi redigido um documento que laureou esse poder do Parlamento o Bill of Rights Já os seus dois primeiros artigos indicam uma mudança que só será vista no resto da Europa no século seguinte o rei não está acima da lei portanto ninguém pode estar A redação é a seguinte Que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para suspender as leis ou seu cumprimento Que do mesmo modo é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para dispensar as leis ou o seu cumprimento como anteriormente se tem verificado por meio de uma usurpação notória Mais uma vez um documento legal indica como sendo prerrogativa exclusiva do Parlamento quaisquer questões envolvendo impostos Que é ilegal toda cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do Parlamento sob pretexto de prerrogativa ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio313 O Bill of Rights também dá ao Parlamento a exclusividade no controle do exército o que dificulta qualquer intenção de um rei de formar exército próprio para aumentar o seu poder Que o ato de levantar e manter dentro do país um exército em tempo de paz é contrário a lei se não proceder autorização do Parlamento314 O Parlamento passa também a ser o único a ter poder de legislar Que é indispensável convocar com freqüência os Parlamentos para satisfazer os agravos assim como para corrigir afirmar e conservar as leis315 313 Artigo 4o 314 Artigo 6o 315 Artigo 13 O documento afirma também a independência do Parlamento no tocante à eleição de seus membros Que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento Essa liberdade não deve ser confundida com uma eleição onde todos podem votar pois ainda no século XIX o movimento operário reivindicava o sufrágio universal e na virada para o século XX as mulheres inglesas faziam passeatas para adquirirem o direito de voto O Bill of Rights ainda com vistas a uma maior independência do Parlamento indica que os seus membros teriam imunidade parla mentar em seus discursos Que os discursos pronunciados nos debates do Parlamento não devem ser examinados senão por ele mesmo e não em outro Tribunal ou sítio algum316 Por fim tal documento impõe a moderação para fianças penas e impostos Que não se exigirão fianças exorbitantes im postos excessivos nem se imporão penas demasiado deveras317 3 A Divisão do Direito Inglês Além do Statute Law o Direito inglês conta ainda com a Common Law e a Equity não havendo formalmente como já afirmado uma distinção entre direito público e privado Não há também códigos como os nossos que possam indicar outro tipo de divisão que não entre esses supracitados O Direito inglês é obra das cortes reais Cortes de Common Law e Cortes de Equity que o criaram de precedente em precedente buscando em cada caso a solução que era razoável consagrar318 316 Artigo 9o 317 Artigo 10 318 DAVID René O direito op cit p 12 É portanto um direito forjado por precedentes e não por legis lações estabelecidas por legisladores especificamente Esse proce dimento poderia ser prejudicial ao direito de um país pois se respei tados demasiadamente o direito não evoluiria se pouco respeitado o precedente a legislação poderia tornarse um caos que a impediria de cumprir seu papel319 René David explica como os ingleses conseguiram e conseguem com um direito baseado em precedentes evitar tanto uma quanto outra armadilha A obrigação de seguir os precedentes pode ser proclamada com vigor mas de fato combinase com a possibilidade de estabelecer distinções O juiz seguramente levará em conta em sua de cisão decisões judiciárias anteriormente toma das nunca dirá que algumas dessas decisões tomadas por jurisdições de nível superior ou simplesmente igual a sua foram mal proferidas Mas serlheá possível com freqüência conside rando as circunstâncias dos diversos casos descobrir na lide que lhe foi submetida um elemento particular que não existia ou que não fora considerado nos casos precedentes e que se não lhe permite descartar a regra precedente estabelecida pelo menos lhe possibilita precisa la completála reformulála de maneira que dê ao litígio a solução razoável que ele quer320 A Common Law nasce como a lei comum a todos os ingleses em oposição aos direitos locais feudais Seu aparecimento a partir do século XIII será obra exclusiva dos Tribunais Reais de Justiça também conhecidos pelo nome do local onde inicialmente se estabelecem Tribunais de Westminster 319 A distinção entre a jurisprudência que usamos em países cujo direito é basicamente romano e nos países anglosaxões é indicada por Vicente Ráo É profunda portanto a diferença que separa o valor da jurisprudência inglesa do valor da jurisprudência nos demais países porque enquanto aquela se transforma em direito normativo esta possui exclusivamente o caráter de elemento interpretativo da lei escrita RÁO Vicente O direito e a vida dos direitos 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 132 320 DAVID René O direito op cit p 14 Já a Equity nasceu da necessidade criada pela própria limitação da Common Law quando após um período de grande desenvolvimen to se estagnou não totalmente mas a ponto de não conseguir suprir a questão mais cara para a Justiça inglesa a questão da razoabilidade Portanto ambos são direitos formados pela análise caso a caso fixados em um respeito relativo aos precedentes Então o que os di ferencia A princípio a Equity eram as regras de jurisdição especial for madas no Tribunal de Chancelaria através de recursos de casos não bem solucionados nos Tribunais Reais de Justiça Entretanto a partir da segunda metade do século XIX pelos Judicatures Acts as distin ções entre os tribunais e suas atribuições foram formalmente abo lidas321 Vicente Ráo explicita a diferença entre Statute Law Common Law e a Equity É lícito afirmar em conseqüência que a common law formalmente se apresenta como um direito jurisprudencial mas substancialmente e por sua origem corresponde a um direito costumeiro con sagrado e perpetuado pela jurisprudência Dentro desse regime a lei statute law constitui em relação ao direito comum e em certo sentido um direito especial que só disciplina restrita mente as matérias que contempla e só em rela ção a estas matérias prevalece afastandose da common law que é o direito geral A equity caracterizouse de início não só como um meio de atenuar as regras do direito comum e do direito estatutário senão também como modo de evitar a sua imobilidade tendendo pois a facultar a evolução do direito322 321 DAVID René Os grandes op cit passim 322 RÁO Vicente Op cit p 134 CAPÍTULO X DA MONARQUIA ABSOLUTA AO ILUMINISMO 1 O Absolutismo Monárquico O Processo histórico que desenvolveu o Antigo Regime marcado pelo capitalismo comercial política mercantilista sistema colonial e Absolutismo Monárquico foi longo e tem suas origens na Idade Média quando começam a renascer o comércio o monetarismo e a busca por centralização política É necessário destacar também que embora a centralização tenha modificado a estrutura fragmentada de poder feudal não é uma ruptu ra completa com esse modelo É antes de tudo uma continuidade uma mudança para manutenção Segundo Perry Anderson Essencialmente o absolutismo era apenas isto um aparelho de dominação feudal recolocado e reforçado destinado a sujeitar as massas cam ponesas à sua posição social tradicional em outras palavras o Estado Absolutista nunca foi um árbitro entre a aristocracia e a burguesia e menos ainda instrumento da burguesia nascente contra a aristocracia ele era a nova carapaça política de uma nobreza atemorizada323 Para exercer o poder os séculos posteriores a esse início de centralização demonstraram que era necessário suprir várias necessidades da formação de um Estado Para a formação deste e seu efetivo controle era preciso obter uma força de coerção para tanto faziase necessário ter exército próprio e permanente nesse sentido o exército medieval não mais servia Para obter e manter um exército próprio e permanente o rei deve ria buscar conseguir meios econômicos Logo primordial se tornou 323 ANDERSON Perry Linhagens do Estado Absolutista 2 ed São Paulo Brasiliense 1989 p 18 tributar os súditos de forma a conseguir ter um fluxo de dinheiro suficiente para essa força de coerção e para o pagamento de uma burocracia já que sem ela ficava impossível tributar Por fim era impossível centralizar o poder sem centralizar também a Justiça e racionalizar a burocracia Mesmo Hammurabi rei da Babilônia do século XVIII aC sabia que este era um caminho seguro para a centralização324 No caso do Estado Moderno muitos processos concomitantes auxi liaram nesse sentido Um deles foi o Renascimento do Direito Romano ocasionado principalmente pelo surgimento de Universidades e por conseguinte de juristas com a formação no Direito Romano Até porque segundo Anderson Os Estados Absolutistas ocidentais fundamen tavam seus novos objetivos em precedentes clássicos o direito romano era a mais poderosa arma intelectual disponível para o seu programa característico de integração territorial e centra lismo administrativo325 O melhor exemplo histórico de Absolutismo na mais profunda acepção da palavra que encontramos é o da França do século XVII que é chamada não sem razão de A França de Luis XIV que não somente afirmou que o Estado era ele como entrou para História com o humilde apelido de Rei Sol já que tudo girava em torno dele Para uma melhor compreensão do Estado Absolutista das críticas a este e das Revoluções resultantes analisemos rapidamente o reinado do Sol 11 A França de Luis XIV Luis XIV governou a França por mais de meio século 1661 a 1715 e seu reinado foi um exemplo de centralização de poder embora não possamos afirmar o mesmo em termos de prosperidade do país Quando Luis XIV morreu a França embora tivesse alguns bolsões de prosperidade estava arruinada e sua população tinha 10 a menos que antes de seu reinado 324 Conferir no Capítulo As Primeiras Leis Escritas e o Código de Hammurabi neste livro 325 ANDERSON Perry Op cit p 27 Tamanha centralização era justificada por teorias que buscavam explicar o Absolutismo ou mesmo foram utilizadas por este mesmo quando somente tentavam justificar a necessidade do Estado Um dos pioneiros dessas teorias acerca do Absolutismo foi o italiano Nicolau Maquiavel 14691527 que em sua obra O Príncipe ensinava o governante a conquistar o poder e mantêlo Maquiavel é bastante discutido até hoje porque a maioria das pessoas o considera imoral porque para ele os fins justificam os meios assim o governante para manterse no poder pode e deve mentir matar cometer outros crimes fraudar em suma pode qualquer coisa O Inglês Thomas Hobbes 15881679 buscou entender como e por que o Estado se formou dessa forma ele acabou justificando o poder centralizado nas mãos de um só No seu livro Leviatã argumenta que antes do surgimento do Estado os homens embora livres e até por isso mesmo estavam em permanente estado de guerra a isso Hobbes chamou de Estado de Natureza Para evitar a destruição total para sobreviver os homens teriam feito um pacto um acordo através do qual um deles passaria a governar evitando a desordem e a matança indiscriminada entre eles O poder do rei seria então resultado deste pacto Nas palavras do próprio Thomas Hobbes A única maneira de instituir um tal poder co mum capaz de defendêlos das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns contra os outros garantindolhes assim uma segurança sufi ciente para que mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra possam alimentarse e viver satisfeitos é conferir toda sua força e poder a um homem ou a uma assembléia de homens que possa reduzir suas diversas von tades por pluralidade de votos a uma só vontade 326 Com relação à lei Hobbes considera que ela tem como fonte a vontade do rei porque esta reuniria todas as vontades Ele chega ao ponto de excluir os costumes como fonte Para ele a lei é o comando 326 HOBBES Thomas Leviatã São Paulo Nova Cultural 1988 p 200 de uma pessoa cuja decisão constitui uma razão suficiente para obe decerlhe327 A teoria mais utilizada pelos monarcas absolutistas e seus seguidores para justificar tamanho poder foi dada pelo Bispo Jacques Bossuet autor de Política Extraída da Sagrada Escritura Nessa obra afirma que a autoridade do rei é sagrada pois emana de Deus A partir dessa afirmação popularizouse a ideia de que o rei é rei porque Deus quis e se é da Vontade Divina não deve haver nenhum tipo de discussão acerca do assunto porque seria no mínimo um pecado Na França essa Teoria permeou a mentalidade do povo por séculos nas palavras de Jacques Corvisier Na consciência coletiva os reis sagrados un gidos pelo Senhor dotados de poder de curar as escrófulas não são completamente leigos A sagração é o casamento que contratam com a França esposa mística e a mais privilegiada escreve Le Bret Aliás Luis XIV fez a distinção entre sua pessoa e o Estado Teria dito O Estado sou eu mas declarou em seu leito de morte Eu me vou mas o Estado permanecerá sempre Admitese que o rei não tem a propriedade mas a soberania do Estado Enfim os contemporâneos consideravam como o mistério da monarquia o fato de Deus conceder ao rei a graça especial de pôr a vontade real em conformidade com o bem público Serão precisos todo o século XVIII abu sos e o despertar de idéias de controle da monarquia para que os franceses mudem de opinião328 Luis XIV governou praticamente sozinho dissolveu o Conselho de Estado e recrutou alguns ministros dentre os burgueses Buscou amainar o descontentamento dos nobres que ficaram em seu governo quase sem função prática formando uma corte que chegou a ter seis mil pessoas no Palácio de Versailles construído por ele para esse fim 327 HOBBES apud MACEDO Silvio de História do pensamento jurídico 2 ed Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1997 p 66 328 CORVISIER J História moderna 3 ed São Paulo Difel 1983 p 278 A organização social durante o reinado de Luis XIV era baseada totalmente na distinção social essa distinção era visível nos lugares que cada pessoa podia tomar nas igrejas nas cerimônias etc A desi gualdade deveria ser tão aparente quanto possível e até mesmo os tecidos eram destinados exclusivamente a determinadas ordens Nesse sentido a seda era exclusiva dos nobres a casimira aos bur gueses a sarja o algodão e o linho aos artesãos independentemente da riqueza de cada indivíduo329 No dia a dia no âmbito da polícia e da justiça o absolutismo do Rei Sol apareceu também de forma clara Antes da Reforma da Justiça de Luis XIV os privilégios nesse setor eram tantos que os tribunais esta vam se sobrepondo e as prerrogativas principalmente do clero impe diam a centralização do poder de justiça nas mãos de quem quer que fosse O Conselho de Reforma da Justiça que nas reuniões contava muito com a presença do rei terminou sua tarefa com a Ordenação Civil de 1667 que somada com Ordenação Criminal de 1670 formou o Código Luis Todos os tribunais foram reunidos ao do rei e concomitantemente foi criado o cargo de tenente da Polícia que acabou por reunir quase todas as polícias de Paris esse cargo posteriormente passou a se chamar a ser o de TenenteGeneral de Polícia passando então a ser responsável pelo julgamento em última instância os mendigos vagabundos vadios etc em caso de flagrante delito Essa reforma não conseguiu acabar e provavelmente esta nem era objetivamente a intenção como parece ter sido a centralização com os privilégios de foro Assim afirma Wilhelm Assim é que os oficiais do exército e suas famílias dependiam para os casos de honra do Tribunal dos Marechais de França os padres em determinados casos apelavam ao Tribunal da Provisória em Roma para os financistas em certas circunstâncias apenas o Conselho das Finanças era competente Atores e atrizes do teatro do rei escapavam à justiça regular do 329 Os nobres poderiam ser de espada ou sangue se nobres de ascendência nobre ou togados se burgueses que adquiriam o título de nobreza Estes últimos eram geralmente objeto de escárnio tanto de nobres de espada quanto de burgueses soberano e podiam ser mandados para a prisão do FortlEvêque por meio de ordens régias por simples decisão do primeiro gentilhomem da Câmara a quem estavam subordinados Por fim os diretores do Hospital Geral tiveram desde a fundação da entidade em 1656 todos os poderes de justiça e polícia tanto dentro como fora sobre os mendigos e miseráveis podendo encerrálos em seus diversos estabelecimentos Michel Foucault observa com razão que o Hospi tal Geral é um estranho poder que o rei estabe lece entre a polícia e a justiça nos limites da lei a terceira ordem da repressão As ordens régias enfim que emanavam somente do rei permitiam encarcerar sem julgamento e sem limite previsto de tempo muitos culpados ou presumidos como tal Elas serão usadas em larga escala durante o reinado330 Embora não houvesse pena de prisão as prisões francesas da época viviam superlotadas o tenente civil e o tenente general podiam mandar prender imediatamente autores de quaisquer infrações mesmo as sem gravidade Estes deveriam ser julgados nos dias poste riores entretanto muitas vezes ficavam presos por longos períodos sem julgamento As prisões eram também efetuadas por ordem do rei chamadas ordens régias mas era necessária outra ordem régia para a soltura e como não havia prazo de detenção nestas ordens o prisioneiro poderia ficar preso por um longo período As condições dos prisioneiros eram abomináveis eles eram mal alimentados visto que sobreviviam de coletas de donativos feitas em seu benefício Os que deveriam tomar conta dessa situação não o faziam porque nas palavras ainda de Wilhelm O governador da prisão havia na verdade arren dado seu ofício recebia uma soma fixa por pri sioneiro e era encarregado de lhe oferecer roupas e alimentação bem como de pagar os carcereiros 330 WILHELM Jacques Paris no tempo do rei sol São Paulo Companhia das Letras 1988 p 236 s Mas estes na verdade não recebiam nada dele e empregavam os procedimentos mais atrozes para arrancar algum dinheiro aos prisioneiros Como a pensão paga pelo rei era de apenas quatro soldos por dia sem levar em conta as eventuais altas dos preços os infelizes ficavam reduzidos à ajuda de seus próximos ou à caridade pública Tudo podia ser comprado mas não se conseguia nada sem pagar Os próprios escrivãos só deixavam os libertados saírem contra moeda sonante As con dições de higiene eram assustadoras Os magis trados encarregados de inspensionar as pensões não iam lá331 2 O Iluminismo e as Críticas ao Estado Absolutista No século XVIII uma parte da intelectualidade da Europa reagiu ao Absolutismo Monárquico e tudo o que o acompanhava Essa reação teve o nome de Iluminismo ou Época das Luzes O Iluminismo pode ser definido a priori como um Movimento inte lectual que tinha por característica uma confiança absoluta no pro gresso e principalmente na razão que desafiou em seu século e por sua atualidade às vezes continua desafiando a autoridade e incentivou o livre pensamento como meio de alcançar o objetivo principal dos iluministas a felicidade humana Essa confiança absoluta no progresso podia ser sentida nos avan ços científicos e tecnológicos Os astrônomos conseguiram nessa época determinar a distância da Terra à Lua a forma de nosso planeta aperfeiçoaram o telescópio e descobriram um novo planeta Urano e novos satélites de Saturno Os físicos inventaram o termômetro de mercúrio e estudaram os fenômenos elétricos Inventaram o condensador a pilha e outros cien tistas criaram uma nova ciência a Química A botânica a geologia a cartografia também tiveram impulso Tudo parecia concorrer para um avanço infinito do que era possível o homem descobrir e fazer332 331 Ibidem p 250 332 CHASSOT Attico A ciência através dos tempos São Paulo Moderna 1994 passim Esses homens iluministas não criaram suas ideias muitas delas brilhantes do nada De fato eles são herdeiros do Renascimento e principalmente da Revolução Científica do século XVII333 O movimento de uma forma geral é conhecido como Ilustração e pode ser visto sob vários ângulos Do ponto de vista político os Iluministas partindo do individualismo propunham uma cidadania centrada na liberdade e na defesa burguesa da Propriedade A cidadania defendida pelos filósofos do Iluminismo partia das concepções da Antiguidade Clássica334 afirmando que a resposta para o porquê do indivíduo renunciar a certos direitos em nome da vida social era uma criação artificial através de um pacto social um contrato335 Os iluministas buscaram pensar em termos de cidadania não somente a posição do povo mas também como deveriam ser os gover nantes no exercício do poder do Estado Nesse sentido a vida social é entendida como uma sociedade ou seja uma associação voluntária de homens livres que regulam segundo sua própria razão e em função do próprio interesse o seu convívio Deve ser a lei a organizadora do poder nessa sociedade encarnado agora no Estado Fixando diante de todos e para todos direitos que a força do Estado deve assegurar Por isso a cidadania já não poderá significar aqui o mesmo que para o mundo antigo e medieval e mesmo a isonomia da Antiguidade clássica se revestirá de outro sentido Ela ainda significa a igualdade diante da lei mas agora se aplica a 333 FALCON Francisco J C Iluminismo 3 ed São Paulo Ática 1991 p 06 Sobre os séculos anteriores ao Iluminismo podemos apontar alguns pensadores que muito objetivamente formaram a base intelectual desses homens Durante o século XVII o desenvolvimento de várias noções sobre a ciência e seus métodos racionais sustentou várias reflexões e questionamentos René Descartes 15961650 filósofo e matemático francês foi o precursor do racionalismo Para ele o princípio científico inicial estava baseado na dúvida metódica Bacon 15611626 filósofo e cientista inglês considerava que a verdadeira finalidade da ciência era a de contribuir para o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida do homem Locke 16321704 filósofo inglês foi muito importante para o desenvolvimento das ideias políticas porque questionava o poder inato de origem divina e dava os primeiros passos em direção à ideia de contrato social 334 Segundo o filósofo grego Aristóteles um homem só pode ser realmente bom quando pode utilizar livremente sua faculdade de julgar para realizar escolhas sobretudo éticas 335 Como Hobbes um século antes do Iluminismo todos os homens sem exceção como fundamento da cidadania já que é a base sobre a qual serão fixados os outros direitos que regularão a pos sibilidade de expressão social da diferença entre os homens336 A igualdade como um direito natural só seria realizada segundo o pensamento Iluminista quando reconhecida como um direito positivo garantido por um corpo de leis e pela força do Estado Essas leis deveriam ser feitas pelos cidadãos ou seus representantes porque só através da vontade do povo como fundamento da Nação poderia conferir legitimidade ao poder político337 O Estado para atingir esses objetivos e para ser representante real dos cidadãos que compõem a Nação não poderia seguir o modelo do Antigo Regime pautado no Absolutismo Monárquico A proposta ilu minista de Montesquieu para esse problema é a ideia mais difundida desses filósofos na atualidade os três poderes Segundo o próprio Montesquieu Há em cada Estado três espécies de poderes o poder Legislativo o poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o Executivo Judiciário das que dependem do direito civil Pelo primeiro o príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab roga as que são feitas Pelo segundo faz a paz ou a guerra envia ou recebe embaixadas estabelece a segurança previne as invasões Pelo terceiro pune os crimes ou julga as querelas dos indiví duos Chamaremos este último o poder de julgar e o outro simplesmente o poder Executivo do Estado Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder Legislativo está reunido ao poder Executivo não existe liberdade pois pode 336 QUIRINO Célia Galvão MONTES Maria Lúcia Constituições brasileiras e cidadania São Paulo Ática 1987 p 24 337 Essa ideia pode ser vista claramente nas Declarações da Revolução Francesa e nas Constituições Modernas que sempre afirmam que todo poder emana do povo se temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executálas tiranicamente Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder Legislativo e do Executivo Se estiver ligado ao poder Legis lativo o poder sobre a vida e a liberdade dos ci dadãos seria arbitrário pois o juiz seria legis lador Se estivesse ligado ao poder Executivo o juiz poderia ter a força de um opressor338 Montesquieu baseavase na ideia de contrato social de Rousseau para a viabilização do Estado nesse sentido a ideia de Representação era primordial Não seria possível um Estado não ser absolutista sem que este fosse produto representativo da Vontade Nacional 339 Os iluministas foram grandes pregadores da Liberdade Individual e defenderam a propriedade com igual vigor Eles também pregavam a igualdade mas esta para eles não era manifesta através de uma igualdade total inclusive de bens materiais Para eles os homens mesmo os mais pobres seriam livres e iguais simplesmente se pudes sem escolher para quem trabalhar Assim o trabalho seria equiparado a um bem como o capitalismo o faz até hoje Eles afirmaram Todos os camponeses não serão ricos e não é preciso que o sejam Carecemos de homens que tenham seus braços e boa vontade Mas até estes homens que parecem o rebotalho da sorte participarão da felicidade dos outros Serão livres para vender seu trabalho a quem quiser pagálos melhor A liberdade será sua propriedade A esperança certa de um justo salário os susten tará Com alegria educarão sua família em seus ofícios laboriosos e úteis Essa classe de homens 338 MONTESQUIEU Do espírito das leis São Paulo Abril Cultural 1985 p 148 e ss 339 Por isso as teorias constitucionais modernas vão além de Montesquieu e colocam o Legislativo em um patamar de importância vital para o estabelecimento dos Estados Nacionais Modernos Isso decorre do fato de que pelo intermédio do Legislativo no dia a dia os representantes do povo em um Parlamento ou Congresso Nacional elaboram leis ordinárias que moldam o Estado e acabam por representar a soberania da Nação tão desprezível aos olhos dos poderosos cons titui o principal celeiro de soldados Assim do cetro à foice e ao cajado tudo se anima tudo prospera tudo ganha força nova graças a uma única mola340 Outros Iluministas como Rousseau defendiam a democracia como realização do Contrato Social manifestada pelo voto que dessa forma daria a verdadeira soberania ao povo Os governos representantes desses eleitores o povo deveriam refletir sempre a vontade destes341 Sobre o contratualismo e a teoria de Rousseau afirma Miguel Reale Na pena de Rousseau o contrato social é uma idéia que não se põe como pressuposto lógico de filósofo mas como arma de reformador político Daí a necessidade que ele sente de argumentar dando vistos de historicidade ao que é apenas conjetural pintando o estado natural primevo e o contrato social segundo o que psicologicamen te estava mais de acordo com as aspirações e as necessidades coletivas de sua época342 Rousseau explicava a soberania do Estado e tudo mais através do Contrato social nesse sentido também encontrava a explicação para a lei Essa explicação foi a base da teoria de Cesare Beccaria que ve remos no ponto a seguir portanto vale a pena vermos a explicação de Chevalier sobre as ideias de Rousseau acerca das leis A Lei a seus olhos participa verdadeira mente do caráter sagrado tem por ela religioso 340 VOLTAIRE DIDEROT Voltaire e Diderot São Paulo Nova Cultural 1988 p 188 341 Há ainda os Philosophes falidos ou os Rousseau de sarjeta que muito embora não tenham logrado sucesso na vida muito contribuíram para a popularização dos ideais iluministas Pelas obras desses homens que com menos compromisso que os Iluministas renomados podiam atacar a tudo e a todos tanto quanto quisessem e por causa do tom informal se expressavam através de livretos panfletos edições de baixa qualidade traduzido muitas vezes pelo humor pornografia sensacionalismo ou drama de suas obras eles conseguiram alcançar pessoas de várias camadas sociais principalmente aquela maioria que não teria o menor interesse em entender a linguagem rebuscada do nobre Montesquieu 342 REALE Miguel Horizontes do direito e da história 3 ed São Paulo Saraiva 2002 p 132 respeito Só à lei se devem a justiça e a liberdade Só ela permitiu subjugar os indivíduos para tornálos livres encadearlhes a vontade com a sua própria autorização fazer valer o seu consentimento contra a sua recusa343 3 Cesare Beccaria No mesmo diapasão dos Iluministas e fazendo parte desse grupo estava um rapaz italiano advogado de formação Cesare Beccaria posteriormente o Marquês de Bonesana um homem que acabou por traduzir para o mundo jurídico o que os pensadores da época so nhavam para o mundo Dessa forma não é possível pensar em Estado de Direito que nos é tão caro hoje em dia sem os Iluministas sem Beccaria bem como não é possível pensar nem o direito penal moder no nem a noção de direitos individuais sem sentir a presença constante desse italiano ao mesmo tempo idealista e objetivamente realista Ele nasceu em Milão em 1738 e teve uma educação jesuítica Obteve seu diploma em Jurisprudência mas nunca se desligou da base que os estudos com os jesuítas a filosofia e a literatura per meavam seu pensamento e suas atitudes Ao que consta além dos estudos e das ideias iluministas muito influenciou esse italiano a temporada passada nas masmorras patro cinada por seu pai que não queria que ele casasse com uma deter minada senhorita 344 Aos 25 anos de idade escreveu a obra que o tornaria um homem a ser admirado por todos os que concordam com a Justiça o livro Dos Delitos e das Penas Nele o jovem fez o que os Iluministas como ele faziam traduziu a realidade que não concordava e através da razão buscou soluções práticas são estas as bases do direito penal moderno Ele buscou a partir da concepção do Pacto Social saídas para as injustiças patentes do sistema penal de sua época Esse 343 CHEVALIER JeanJacques As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias 5 ed Rio de Janeiro Agir 1990 p 171 344 Conferir a Nota introdutória intitulada Sobre Beccaria da tradução de Cretella Junior e Agnes Cretella do Livro Dos Delitos e das Penas editado pela Revista dos Tribunais sistema era o mesmo desde a Idade Média praticamente não ten do mudado Os juízes tinham poderes absolutos a legislação não era clara o grande objetivo do processo era fazer o réu confessar porque era considerado um bom termo O que se fazia para chegar a esse fim era mero detalhe A igualdade de todos perante a lei era ideia morta do Deuteronômio na Bíblia a pena era muitas vezes mais contagiosa que determinadas doenças Todo o sistema funcionava partindo do pressuposto de que o indivíduo desde que acusado era culpado e o pobre sujeito culpado ou não massacrado pela tortura não tinha como provar a sua inocência Conforme Ricardo Campa A obra de Beccaria está impregnada de uma nova consciência jurídica mais do que um rigoroso princípio explicativo da lógica da não violência O chamado Estado de direito não re solve por si só os problemas relativos à autodeter minação individual e à inviolabilidade da pessoa física por parte de alguma autoridade se não for possível justificar proporcionalmente tal prin cípio como o interesse do Estado em salva guardar a integridade física e moral dos seus súditos com o objetivo de garantir à comunida de rousseaunianamente falando a mais ampla e a mais articulada participação possível Do conjunto combinado das contribuições indivi duais a comunidade tira historicamente vanta gens que a perseguição elimina ou não consente nem mesmo que sejam dissimuladas no pacto social345 O que o italiano ousou fazer foi traduzir através da lógica muitas vezes desconcertante outras ainda inocentes o cerne do que consi derava justiça que no final acabou contaminando o Ocidente e tornouse a base do que chamamos hoje Direitos Individuais 345 CAMPA Riccardo Prefacio In BECCARIA C Dos delitos e das penas Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro B Contessa São Paulo Martins Fontes 1998 p 17 31 As Ideias de Cesare Beccaria a Sobre a Lei e as Penas em Geral Cesare Beccaria era adepto das ideias Iluministas de Pacto Social comungava com aqueles que consideravam que o homem teria sido a princípio obrigado a abrir mão de uma parte de sua liberdade a fim de não sucumbir sob sua própria brutalidade Seguindo esse raciocínio considerava que as leis deveriam ser pactos entre homens livres embora pensasse também que a seu tempo as leis não passassem de instrumentos das paixões de uns poucos346 Sobre a questão do Pacto social em Beccaria Campa afirma A doutrina pactual do Estado à qual adere Beccaria baseiase no pressuposto de que o indivíduo prefere à plena mas virtual liberdade natural a liberdade política que é aquela parte da liberdade natural garantida pelo consenso de todos os membros da comunidade social A ordenação pactual habilita cada cidadão a de sempenhar o papel de ator político e lhe confere direitos e deveres que podem ser continuamente negociados isto é legitimados através de debate ideológico e de consenso347 Leis e penas seriam fruto da necessidade do próprio convívio social que foi efetivado e tornado realidade através de um pacto Assim Beccaria considerava que as penas somente deveriam existir por necessidade e ainda que estas deveriam ter por medida o dano provocado pelo ato delituoso à Nação e não a intenção ou mesmo a sede de vingança da vítima ou de seus parentes348 A finalidade das penas deveria ser portanto a proteção da sociedade e não a desforra o desagravo bem como deveria visar desencorajar outros de cometerem delitos 346 BECCARIA C Dos delitos e das penas Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro B Contessa São Paulo Martins Fontes 1998 p 39 347 CAMPA R Prefacio IN BECCARIA C Op cit p 12 348 Ibidem p 53 O fim pois é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo É pois necessário escolher penas e modos de infligilas que guardadas as proporções causem a impressão mais eficaz e duradoura nos espíritos dos homens e menos penosa na pessoa do réu349 As penas deveriam ser proporcionais aos delitos um crime mais ofensivo à sociedade deveria ter maior pena que um que cause menor dano Beccaria é objetivo deve haver pois uma proporção entre os delitos e as penas Damásio explica esse princípio que é aplicado até os dias de hoje da seguinte forma Chamado também princípio da proibição de excesso determina que a pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do fato Significa que a pena deve ser medida pela culpabilidade do autor Daí dizerse que a culpabilidade é a medida da pena350 A justificativa do pensador italiano para essa questão de proporção é bastante interessante Se o prazer e a dor são a força motora dos seres sensíveis se entre os motivos que impelem os homens às ações mais sublimes foram colocados pelo Legislador invisível o prêmio e o castigo a distribuição desigual destes produzirá a contra dição tanto menos evidente quanto mais é comum de que as penas punem os delitos que fizeram nascer Se uma pena igual é destinada a dois delitos que ofendem desigualmente a socie dade os homens não encontrarão um obstáculo forte o suficiente para não cometer um delito maior se dele resultar uma vantagem maior351 349 Ibidem p 62 350 JESUS Damásio E Direito Penal 23 ed Vol 1 São Paulo Saraiva 1999 p 11 351 BECCARIA C Op cit p 52 Comungando das ideias de Montesquieu o italiano Beccaria considera prudente para uma maior proximidade com o objetivo que é a Justiça haver a separação entre poderes instruindo ser vital que somente legisladores façam leis e nelas é primordial que haja a previsão da pena dessa forma crime e pena somente devem existir caso haja previsão legal anterior É o que hoje é chamado de Princípio da Legalidade ou Princípio da Anterioridade da Lei352 Ele afirma só as leis podem decretar as penas dos delitos e esta autoridade só pode residir no legislador que representa toda a sociedade unida por um contrato social 353 Indo contra a legislação de quase toda a Europa que considerava um crime de maior monta cometer um ato delituoso contra um bem nascido Beccaria afirmou Outros avaliam os delitos mais pela dignidade da pessoa ofendida que por sua importância em relação ao bem público Se fosse essa a verda deira medida dos delitos uma irreverência para com o Ser dos seres deveria punirse mais seve ramente do que assassínio de um monarca dado que a superioridade da natureza divina compen saria infinitamente a diferença da ofensa354 Outro princípio interessante coroado pelo Italiano é aquele que podemos chamar de O Princípio do Princípio de Justiça que é o da Igualdade Beccaria considera baseado nas diferenças sociais de sua época A quem disser que a pena aplicada ao nobre e ao plebeu não é realmente a mesma em virtude da diversidade da educação e da infâmia que se derrama sobre uma e ilustre família responderei 352 No Brasil a Constituição Federal de 1988 no artigo 5o inciso XXXIX afirma Não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal O mesmo texto pode ser visto no Código Penal Brasileiro em seu artigo 1o 353 BECCARIA C Op cit p 45 354 Ibidem p 53 que não se medem as penas pela sensibilidade do réu mas sim pelo dano público tanto maior quanto é ocasionado pelo mais favorecido que a igualdade das penas só pode ser intrínseca dife rindo realmente em cada indivíduo e a infâmia de uma família inocente pode ser cancelada pelo soberano com demonstrações públicas de bene volência355 Ainda sobre as penas afirma ser necessário que os juízes e em um sentido mais estrito ninguém a não ser quem legisla não possam interpretálas mas aponta como pior que a interpretação os males causados pela obscuridade das leis b Sobre as Penas Cruéis e a Pena de Morte Como para Beccaria a pena deveria antes de tudo ser pensada por sua utilidade sendo somente aplicável aquelas cujo proveito a sociedade poderia usufruir a crueldade das penas impostas em sua época levou o pensador a indicar um caminho oposto ao em uso Para ele penas cruéis não eram garantia de alcançar os objetivos de leis e penas que foram indicados anteriormente356 Para o iluminista Um dos maiores freios aos delitos não é a crueldade das penas mas sua infalibilidade e em conseqüência a vigilância dos magistrados e a severidade de um juiz inexorável a qual para ser uma virtude útil deve vir acompanhada de uma legislação suave A certeza de um castigo mes mo moderado causará sempre a impressão mais intensa que o temor de outro mais severo aliado à esperança de impunidade pois os males mes 355 Ibidem p 83 A Constituição Federal de 1988 afirma em seu artigo 5o caput Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza 356 A Constituição Federal Brasileira de 1988 indica em seu artigo 5o inciso XLVII alínea e que não haverá penas cruéis embora o nosso sistema carcerário não possa ser adjetivado de outra forma mo os menores se são inevitáveis sempre es pantam o espírito humano enquanto a espe rança dom celestial que freqüentemente tudo supre em nós afasta a idéia de males piores principalmente quando a impunidade concedida amiúde pela venalidade e pela fraqueza fortalece a esperança357 Beccaria acrescenta que a crueldade das penas leva a duas consequências a primeira é que penas cruéis levam a impossibilidade de se ter a proporção entre delitos e penas o que pode acarretar os danos já indicados a segunda é que penas cruéis servem de espe táculo público e como tal são passageiros levando portanto a um esquecimento mais rápido o que não ocorreria caso houvesse um sistema de penas358 A infalibilidade da pena indicada pela citação anterior também é entendida por Beccaria como devendo ser algo o mais imediato possível Para o autor a pena deve ser aplicada o mais rápido possível para que a justiça e a utilidade sejam alcançadas Coroando todo um raciocínio de utilidade e proteção da Nação Beccaria condena veementemente a pena de morte indicando com impetuosidade Se no entanto eu demonstrar que a morte não é nem útil nem necessária terei vencido a causa da humanidade359 Ainda baseado na teoria do Pacto questiona Qual será o direito que os homens se reservam de trucidar seus semelhantes Mas quem será o homem que queira deixar a outros o arbí trio de matálo Como pode haver no menor sacrifício da liberdade de cada um o do bem maior de todos a vida E se assim fosse como se coaduna tal princípio com o do outro de que o homem não pode matarse Não deveria ele ter esse direito se pôde atribuílo a outrem ou à sociedade inteira360 357 BECCARIA C Op cit p 92 358 Ibidem p 93 359 Ibidem p 95 360 Ibidem p 94 No pensamento do iluminista só existem dois motivos que podem dar à morte uma característica de necessidade se o indivíduo mesmo privado de sua liberdade for uma ameaça à segurança nacional ou se a existência do sujeito puder levar a uma revolução perigosa para a forma de governo estabelecida361 Em contrapartida defende a prisão perpétua mesmo porque para Beccaria Para que uma pena seja justa só deve ter aque les graus de intensidade que bastem para dissuadir os homens dos delitos ora não há nin guém que refletindo a respeito possa escolher a perda total e perpétua da própria liberdade por mais vantajoso que um delito possa ser assim a intensidade da pena de escravidão perpétua substituindo a pena de morte contém o que bas ta para dissuadir o espírito mais determi nado362 c Do Processo Em sua época como em anteriores como vimos em outros capí tulos Cesare Beccaria e seus contemporâneos conviviam com Pro cessos Penais duros cruéis e estúpidos Esses processos eram cerca dos de derramamento de sangue dores e injustiça Em seu livro o italiano colocase contra a tortura no processo como meio de obtenção de prova leiase confissão Para ele isso é estéril não somente pela falta de humanidade de tal ato como também porque este é o meio seguro de absolver os celerados vigorosos e de condenar os inocentes fracos363 Com uma certa dramaticidade ele defende a nãoutilização da tortura 361 Ibidem p 94 362 Ibidem p 97 363 O art 5o da Constituição Federal prevê que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante inc III bem como que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura por eles respondendo os mandantes os executores e os que podendo evitálos se omitirem MORAES Alexandre de Direito Constitucional 8 ed São Paulo Atlas 2000 p 69 A lei que ordena a tortura é uma lei que diz Homens resisti à dor e se a natureza criou em vós um inextinguível amorpróprio se ela vos deu o direito inalienável de vos defenderdes desperto em vós o sentimento contrário o ódio heróico de vós mesmos e ordeno que sejais vossos próprios acusadores e que digais a verdade ainda que vos dilacerem os músculos e vos quebrem os ossos364 O uso de meios violentos para a obtenção da confissão do réu é injusto também na visão de Beccaria porque parte de um pressuposto que fere de morte um princípio de justiça humanidade e proteção individual que se não utilizado inverte de forma imoral o papel da Justiça e do Processo Esse princípio é aquele chamado In Dubio Pro Reo que indica que o indivíduo somente pode ser considerado culpado após ser provada a sua culpa e após ser condenado365 No século XVIII e durante toda a Idade Moderna e Média o prin cípio usual era o In Dubio Pro Societate ou seja em havendo qualquer possibilidade de o réu ser culpado este deveria ser condenado como forma de proteção à sociedade Para a condenação de um indivíduo de forma justa e conservando o princípio da presunção de inocência Beccaria indica os tipos de prova e analisaos de forma a apontar quais seriam as provas eficazes para uma condenação baseada no princípio de justiça366 364 BECCARIA C Op cit p 75 365 Este princípio não é utilizado de forma absoluta no Direito Penal brasileiro conforme os argumentos de Mirabete Como conseqüência direta do princípio do devido processo legal instalouse na doutrina e nas legislaçoes e denominado princípio da presunção de inocência Nesses termos haveria uma presunção de inocência do acusado da prática de uma infração penal até que uma sentença condenatória irrecorrível o declarasse culpado De tempos para cá entretanto passouse a questionar tal princípio que levado às ultimas conseqüências não permitiria qualquer medida coativa contra o acusado nem mesmo a prisão provisória ou o próprio processo Por que admitirse um processo penal contra alguém presumidamente inocente Além disso se o princípio trata de uma presunção absoluta iuris et de iuri a sentença irrecorrível não a pode eliminar se trata de uma presunção relativa iuris tantum seria ela destruída pelas provas colhidas durante a instrução criminal antes da própria decisão definitiva MIRABETE Julio Fabbrini Processo Penal 13 ed São Paulo Atlas 2002 p 41 366 Ainda em Mirabete podemos ver uma das tipologias de prova aplicadas hoje Inúmeras têm sido as classificações de prova oferecidas pela doutrina e em alguns países pela lei Quanto ao objeto a prova pode ser direta quando por si demonstrar o fato quando dá a certeza deles por testemunhas documentos etc ou indireta quando comprovado um outro fato se permite concluir o alegado diante de sua alegação com o primeiro co As provas podem ser boas para os objetivos que Beccaria propõe quando estas independem uma das outras e podem ser ruins quando há indícios que somente se provam entre si Assim são classificadas as provas em Dos Delitos e das Penas Podemse distinguir as provas de um crime em perfeitas e imperfeitas Chamo perfeitas as que excluem a possibilidade de alguém não ser culpa do chamo imperfeitas as que não a excluem Das primeiras é suficiente uma só para a condenação das outras são necessárias tantas quantas bas tem para formar uma prova perfeita vale dizer que se com cada uma delas em particular é possível que alguém não seja culpado diante de sua união no mesmo caso é impossível que não o seja Notese que as provas imperfeitas pelas quais o réu pode justificarse e não o faça a contento se tornam perfeitas367 Prova testemunhal considerada por alguns até hoje como primordial e para outros como a prostituta das provas é para Beccaria um ponto importante que deve constar objetivamente na legislação368 Para ele como no Deuteronômio da Bíblia e em quase todas as legislações atuais uma só testemunha não é suficiente369 Além disso para o iluminista o importante é a questão da credibilidade da testemunha Em suas palavras mo na hipótese de um álibi em que a presença comprovada do acusado em lugar diverso do crime permite concluir que não praticou o ilícito Em razão de seu efeito ou valor a prova pode ser plena completa convincente exigida por exemplo para a condenação ou não plena uma probabilidade de procedência da alegação suficiente para medidas preliminares como arresto seqüestro prisão preventiva apreensão etc Ibidem p 258 367 BECCARIA C Op cit p 65 368 Lembra porém E Magalhães Noronha que máxime no processo penal é o testemunho a prova por excelência já que o crime é um fato é um trecho da vida e conseqüen temente é em regra percebido por outro MIRABETE J F Op cit p 305 369 não vigora no nosso direito o brocado testis unus testis nullus Uma só teste munha faz prova bastante para a decisão quando seu depoimento se harmoniza com o mais que se apurar no processo Ibidem p 306 Todo homem razoável isto é que tenha um certo nexo nas suas idéias e cujas sensações sejam conformes às dos outros homens pode ser teste munha A verdadeira medida da sua credibili dade é tãosomente o seu interesse em dizer ou não a verdade razão por que resulta frívolo o argumento da fraqueza das mulheres 370 Assim ele não somente considera que diferenças de nível social não são indicativos de credibilidade o que era comum bem como contrasta argumentos utilizados até muito pouco tempo atrás de que mulheres não seriam testemunhas confiáveis371 A credibilidade da testemunha é para o italiano ao contrário da ideia corrente mesmo hoje inversamente proporcional ao impacto do crime dessa forma a credibilidade de uma testemunha tornase tão sensivelmente menor quanto mais cresce a atrocidade do delito372 Beccaria considera ainda que a lei deve ser clara não pode ser uma ciência que limita o julgamento principalmente o julgamento feito por jurados Ele explica que É utilíssima a lei que faz cada homem ser julgado pelos seus pares pois onde entra em jogo a liberdade e a sorte de um cidadão devem calarse os sentimentos inspirados pela desigualdade Mas quando o delito for uma ofensa a um terceiro então metade dos juízes deverão ser pares do réu metade pares do ofendido É ainda conforme a justiça que o réu possa excluir até certo ponto os jurados que lhe são suspeitos 373 370 BECCARIA C Op cit p 62 371 Jayme de Altavila cita um professor argentino da década de quarenta do século XX que afirma O sexo é outro fator A mulher depõe mais sob o influxo dos sentimentos e paixões do que o homem Sua psique tornase mais irritável por seus estados patológicos normais Sua emoção aumenta em estado de gravidez e além do mais é facilmente sugestionável LEVENE Ricardo Apud ALTAVILA Jayme de Origem do direito dos povos 5 ed São Paulo Ícone 1989 p 70 É interessante salientar que pensamentos como estes que aparecem muitas vezes em nossa cultura esquecem de analisar as guerras que as mulheres não fizeram as brigas de rua que não são provocadas por mulheres e muitos males que são causados pela emoção que é Humana indiferentemente de gênero e por isso é boa se bem conduzida 372 BECCARIA C Op cit p 63 373 Ibidem p 66 Portanto para melhor busca do objetivo que é o ser justo Beccaria adverte que as acusações não devem ser secretas ou seja Que os julgamentos sejam públicos e públicas as provas do delito para que a opinião que é tal vez o único cimento da sociedade ponha um freio à força das paixões para que o povo diga não somos escravos e somos protegidos 374 d Como Prevenir os Delitos Nesse ponto de seu livro Beccaria demonstra que era de fato um pensador não um daqueles alheios à realidade mas um iluminista que como tal buscava soluções racionais que poderiam ser aplicadas independentemente do lugar A premissa da qual parte é a prevenção Assim ele explica É melhor prevenir os delitos do que punilos É este o escopo principal de toda boa legislação que é a arte de conduzir os homens ao máximo de felicidade ou ao mínimo de infelicidade possível conforme todos os cálculos dos bens e dos males da vida375 Com uma visão muito profunda da humanidade o iluminista adverte entretanto que não se previne delitos fazendo uma enorme quantidade de leis não se consegue evitar o delito proibindo tudo que possa levar um indivíduo a cometêlo porque se isso fosse feito seria segundo ele necessário privar o homem do uso dos sentidos376 Para impedir tal estado de coisas ele aconselha Quereis prevenir os delitos Fazei com que as leis sejam claras simples e que toda a força da nação se concentre em defendêlas e nenhuma parte dela seja empregada para destruílas Fazei com que as leis favoreçam menos as classes dos 374 Ibidem p 66 375 Ibidem p 130 376 Ibidem p 131 homens que os próprios homens Fazei com que os homens as temam e temam só a elas O temor das leis é salutar mas o temor de homem a ho mem é fatal e fecundo em delitos377 Uma outra questão importante para o italiano no que diz respeito à prevenção de delitos estava concentrada nos magistrados nas pessoas encarregadas de julgar a população Beccaria afirmou Outro meio de prevenir os delitos é o de inte ressar o colégio executor das leis antes pela observância delas do que pela corrupção Quanto maior o número dos membros que compõem tal colégio menor é o perigo de usurpação das leis porque a venalidade é mais difícil entre os mem bros que se observam uns aos outros 378 Finalmente demonstrando que havia analisado todos os pontos que cercavam suas dúvidas acerca de como prevenir delitos Beccaria não somente aconselhou a dar prêmios para a virtude como também advertiu que nada seria profícuo sem incentivar a ciência e dar ao povo educação esta seria segundo ele o meio mais seguro e mais difícil para prevenir os delitos379 Quando o italiano escreveu sobre essas soluções e quando lemos estas linhas sabemos por que ele é considerado revolucionário mas não entendemos por que depois de tantos séculos essas ideias não foram aplicadas ainda em muitos países 4 Outros Pensadores Criminalistas do Iluminismo Beccaria foi sem dúvida o maior pensador do direito criminal do Iluminismo influenciou a muitos Mas as ideias iluministas não tinham fronteiras e embora os principais iluministas como Montesquieu Rousseau e o próprio Beccaria tenham marcado presença nas ideias de vários homens de sua época e das seguintes outros também pensaram acerca do Direito Penal Analisemos rapidamente alguns deles 377 Ibidem p 131 378 Ibidem p 135 379 Ibidem p 136 JeanPaul Marát 17431793 francês foi atuante na Revolução Francesa escreveu O Plano de Legislação Criminal Plan de Législacion Criminelle no qual critica as consequências injustas do contrato social Para ele os indivíduos que não obtêm da sociedade mais do que desvantagens não estão obrigados à lei As propostas de seu livro são instrução dos pobres e distribuição das terras da Igreja leis justas claras e precisas medidas preventivas para os delitos penas que corrijam o culpado se não for possível as penas devem reterse em favor da sociedade não haver pena de morte um rei não deve ter o direito de matar seus súditos a pena deve surgir da mesma natureza dos delitos Karl F Hommel 17221781 alemão escreveu Recompensa e Pena Conforme as Leis Turcas Ele é o tradutor de Beccaria para o alemão concorda com a maioria das ideias do italiano As principais ideias originais de Hommel são importância das causas sociais do delito supressão e toda dependência teocrática do direito penal diminuição e proporcionalidade entre penas e delitos limitação da pena de morte Manuel de Lardizabal Y Uribe 17391820 mexicano radicado na Espanha publicou Discurso Sobre as Penas Para ele as penas se fundam no contrato social mas o fundamento da legalidade não está no contrato mas na prevenção Ele acrescenta que as leis pressupõem a superioridade de quem a aplica e devem perseguir a utilidade pública de prevenção e melhoramento do delinquente Edward Livingstone 17641836 americano Ele considerava a lei como uma ciência governada por certos princípios Partici pou do processo legislativo de Columbia e os pilares funda mentais de sua legislação foram a abolição da pena de morte e o sistema penitenciário Este último segundo Livingstone deve atuar mais na alma que no corpo para isso o indivíduo que pratica um delito deve ser aprisionado para que sinta a privação de liberdade deve estar em estado de solidão para que reflita trabalhe para prevenir a ociosidade e seja instruído AntoineJosephMichel Servan 17391807 francês Ideias muito próximas às de Beccaria No pensamento de Servan encontramos a distinção entre crime e delito o primeiro seria produto de atos contra as leis naturais o segundo contra a sociedade política A natureza do delito seria para ele o dano público ou social nunca o dano particular A pena deve reparar o dano corrigir e conter no futuro tanto o culpado quanto a quem quiser imitálo Pascoal José de Mello Freire dos Reis 17381789 português Foi muito influenciado por Beccaria e Montesquieu Para Reis a finalidade da pena deve ser corrigir o apenado fazer o melhor aos outros separar os maus dos bons para que estes últimos vivam mais tranquilos380 380 ASÚA L Jiménez de Tratado de derecho penal 4 ed Buenos Aires Losada 1971 passim CAPÍTULO XI AS REVOLUÇÕES ESTADOS UNIDOS E FRANÇA NO SÉCULO XVIII 1 A Independência dos EUA 11 Introdução O rompimento dos laços coloniais efetuados pela Independência dos Estados Unidos da América do Norte foi um marco para todo o ocidente Essa ruptura marcaria profundamente o processo de fim do Antigo Regime Muitos indicam essa independência como sendo uma Revolução e em muitos sentidos foi de fato Muitas coisas eram novas inclusive um país nascido de um processo de colonização um Estado Republicano sem reis e majestades uma democracia representativa que deveria garantir que a vontade da maioria prevalecesse nesse Estado A formação do Estado norteamericano pode ser vista como dife renciada desde os primórdios da colonização das 13 Colônias maneira que era chamada a colônia inglesa na América Mas não devemos considerar que essa diferença residia no fato de que a Inglaterra dese java fazer uma colônia de povoamento em oposição aos outros Estados colonizadores europeus que faziam colônias de exploração Toda colônia existia por definição para dar lucros à metrópole independentemente da maneira que esse lucro se realizaria O ideal era que a colônia tivesse como produzir mercadorias complementares às mercadorias produzidas pela metrópole assim ela poderia comprar da metrópole e vender para esta dentro do Pacto colonial que obrigava a colônia a somente comercializar com sua metrópole potencializando lucros No caso das 13 Colônias havia uma divisão de potencial de explo ração e essa divisão não era humana mas sim é gerada pelo clima As colônias mais ao norte tinham clima muito parecido com a Europa não podendo portanto ser usadas como fonte de produtos complemen tares as do sul tinham todas as características para uma exploração colonial e assim ocorreu Nas Colônias do Norte existiam pequenas propriedades e a maior parte da mão de obra utilizada era livre Somente madeira apetrechos de pesca e navais atraíam o interesse europeu Já as do Sul eram baseadas no sistema que ficou conhecido como plantation isso significa que eram colônias com latifúndios grandes extensões de terra com um só proprietário monocultores que plantavam basi camente um só produto exportadores a produção era realizada com vistas exclusivamente para a exportação escravocratas Mas se a colônia tinha por objetivo dar lucros à Metrópole por que colonizar o Norte das 13 Colônias O lucro advindo dessa coloni zação era político Por muito tempo as Colônias do Norte foram para deiro final de grupos e pessoas não desejadas eou insatisfeitas com a política ou religião na Inglaterra As 13 Colônias do Norte eram portanto uma excelente válvula de escape que minimizavam as pressões políticas na Metrópole As Colônias do Norte não por falta de legislação impeditiva mas por total descumprimento ou condições de efetividade tinham um desenvolvimento comercial que ultrapassava os limites da Colônia Inglesa Esse fato somado ao tipo de colono que foi para lá fez com que a população da chamada Nova Inglaterra tivesse características peculiares que demonstravam uma tendência muito forte à indepen dência Isso pode ser visto na Declaração assinada pelos primeiros colonos Nós cujos nomes se seguem que pela glória de Deus o desenvolvimento da fé cristã e a honra de nossa pátria empreendemos estabelecer a pri meira colônia nestas margens afastadas convi mos Por este meio por consentimento mútuo e solene e perante Deus formarnos em corpo de sociedade política com o fim de nos governarmos e de trabalhar pela consecução de nossos obje tivos e em virtude deste contrato concordamos em promulgar leis atos ordenações e em insti tuir segundo a necessidade magistrados aos quais prometemos obediência e submissão381 381 TOCQUEVILLE apud BRUCKBERGER RL A república americana Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1960 p 27 Bruckberger sustenta a tese de que em tendo sido uma colonização basicamente de puritanos essa gente e suas características principais teriam dado esse tom de independência desde o início Pois para ele Não faziam qualquer distinção entre liberdade metafísica e liberdade política Se Deus tinha criado o homem livre era um escândalo e sacri légio uma ofensa a Deus negar essa liberdade aos homens em qualquer setor inclusive o políti co É com efeito nesse plano místico e prático da liberdade política que estão a descoberta e a glória dos puritanos É esse essencialmente o conteúdo de sua utopia é a grande revelação original que trouxeram ao mundo e sobre a qual ainda hoje a América se baseia382 A partir do século XVIII o comércio das 13 Colônias chegou a tal ponto que passou a concorrer com o comércio inglês e indubitavel mente era o último papel reservado a uma colônia Essa concorrência gerou atritos que engendraram uma necessidade na Metrópole de colocar a colônia no seu devido lugar ou seja como economia subordinada com vistas a dar lucros à Metrópole Além desses atritos a Inglaterra havia saído de uma guerra com a França a Guerra dos Sete Anos 17561763 e embora vitoriosa teve enormes gastos com a campanha militar e desejava que a colônia contribuísse para cobrir esse problema orçamentário Taxas foram aumentadas como a do açúcar Sugar Act de 1764 e a do selo Stamp Act de 1765 que exigia que todos os documentos fossem selados bem como jornais baralhos etc A renda obtida no pagamento desses selos iria para o governo inglês Essas medidas além de visarem cobrir despesas eram também uma forma de retalia ção contra os colonos que na Guerra dos Sete Anos ajudaram os Franceses A reação dos colonos foi imediata já em 1765 reuniramse em No va Iorque Congresso da Lei do Selo e decidiram boicotar o comércio inglês Os comerciantes ingleses então pressionaram o Parlamento e a lei do Selo foi revogada e a taxa do açúcar reduzida 382 BRUCKBERGER R L Op cit p 32 O autor afirma que os puritanos não se achavam acima da lei mas consideravam ser um direito dado por Deus a participação em sua elaboração Outras tentativas inglesas foram engendradas e todas tiveram respostas rápidas e seguras a crise eclodiu em 1773 com a Lei do Chá Tea Act que dava monopólio desse comércio à Companhia das Índias Orientais383 A companhia ficaria responsável pelo transporte do chá diretamente das Índias para a América Além do prejuízo óbvio para os colonos norteamericanos quem poderia garantir que tal atitude não se estendesse a outros produtos No porto de Boston comerciantes mal disfarçados de índios des truíram a carga de três navios carregados de chá e a Inglaterra reagiu com as Leis Intoleráveis o que derivou uma nova reação dos colonos Todos esses problemas afetavam diretamente os colonos do Norte mas os outros agricultores não tinham grandes prejuízos com essas taxas A crise criada pela Inglaterra com os fazendeiros foi outra Até 1763 a Inglaterra incentivava a ocupação de terras situadas a Oeste como forma de combater as pretensões territoriais de Espanha e França Com o fim da Guerra dos Sete anos o governo inglês ficou com o Canadá o vale do rio Ohio e a margem esquerda do rio Mississipi além de várias ilhas nas Antilhas e a Flórida que pertencia à Espanha que apoiou a França na guerra Com todo esse território a Inglaterra inverteu sua política e proibiu que as terras a oeste das 13 Colônias fosse ocupada Essas leis acabavam por decretar a falência tanto dos colonos pioneiros que comumente vendiam suas terras para pagar dívidas e avançavam mais a oeste quanto dos grandes proprietários das 13 Colônias do Sul que só conseguiam saldar dívidas com comerciantes ingleses ocupando novas terras Mas a questão não era puramente econômica era apenas um estopim Como explicar uma Metrópole como a Inglaterra que fazia revoluções contra reis e bradava igualdade ainda que relativa que afirmava como no Bill of Rights que nem o rei deveria estar acima da lei subordinar a colônia deste jeito Como explicar aos colonos liderados por inteligências banhadas no Iluminismo que a liberdade da Inglaterra não era aplicável aos colonos Os ingleses da América sentiamse ingleses e não consideravam suportável serem tratados de outro modo Talvez como desculpa para 383 Antes da Lei do Chá houve a Lei do Aquartelamento 1765 que obrigava os norte americanos a contribuir com alojamento víveres e transportes para tropas inglesas e os Atos Townshend que exigiam o pagamento de impostos pelos colonos sobre chá vidro papel zarcão etc Todos estes foram revogados após boicotes e pressões dos colonos não pagarem impostos talvez por ideologia e um orgulho imenso os norteamericanos ligavam de maneira indiscriminada seus direitos políticos e o fisco Não poderia haver impostos sem a representação no Parlamento Inglês Era simples se não eram cidadãos que pudessem participar ativamente das decisões não poderiam ser cidadãos obri gados a contribuir com elas O sentimento antiinglês foi sem dúvida potencializado por todos esses problemas econômicos mas a revolução que os norte americanos produziram nasceu do pensamento dos primeiros colonos puritanos e também como um somatório de homens educados na ideologia Iluminista Mas a ideologia puritana foi sem dúvida a base Essa afirmação pode ser atestada por uma entrevista com um combatente da Guerra de Independência Capitão Preston por que o senhor foi à batalha de Concord em 19 de abril de 1775384 Curvado sob o peso dos anos ergueuse o ancião virouse para mim e indagou Por que fui Sim respondi os livros dizem que vocês ho mens da Revolução pegaram em armas contra uma opressão intolerável Que opressões foram essas Nunca as senti O senhor não se sentiu oprimido pelo Stamp Act Nunca vi esses selos Sempre pensei que o governador Bernard os tinha metido no castelo William Tenho a certeza absoluta de que nunca paguei um peni por qualquer desses selos E o imposto do chá 384 1775 18 de abril Soldados da guarnição de Boston são enviados à aldeia de Concord onde alguns patriotas estão reunidos com dois de seus chefes Samuel Adams e John Hancok A marcha dos soldados é interrompida em Lexington por uns 50 patriotas armados Travase um combate oito patriotas morrem Os soldados conseguem chegar a Concord mas lá são recebidos por um fogo cerrado São obrigados a dar meia volta sem terem cumprido a sua missão A caminho são perseguidos sem descanso pelos patrio tas agora também conhecidos como rebeldes No total de 2500 homens os ingleses perderam 247 a décima parte de seu efetivo A guerra ou mais exatamente a revolução começou GODECHOT J A Revolução Francesa cronologia comentada Rio de Janeiro Nova Fronteira 1989 p 38 O imposto do chá Nunca bebi uma gota desse líquido Os rapazes lançaramno ao mar Suponho que pelo menos tenha lido HARRINGTON ou SYDNEY e LOCKE sobre os princípios eternos de liberdade Não conheço Nós líamos a Bíblia o catecismo os hinos e os salmos de Watt e o Almanaque Enfim que houve Qual foi a sua idéia quando decidiu lutar Jovem a nossa idéia quando nos lançamos con tra esses casacasvermelhas era que nos gover návamos a nós próprios e sempre achamos isso Eles achavam que não tínhamos esse direito385 Então alguns líderes eram intelectuais e outros eram puritanos pragmáticos que objetivavam manter a crença no autogoverno E o povo Participou deste movimento Segundo Aptheker os mais simples do povo costumavam participar de discussões públicas Isso para desespero da elite norteamericana e asco dos ingleses Em 1774 um ministro religioso da Carolina do Sul ousou pregar um sermão declarando que mecânicos e caipiras não tinham o direito de se manifestar sobre política ou sobre aquilo que reis lordes e legisladores haviam feito É escusado dizer que este viuse logo sem sua congregação e um jornal colonial elogiou sua demissão com as seguintes palavras os representantes espirituais devem aprender que os mecânicos e os caipiras tratados de maneira infame são os verdadeiros e absolutos senhores reis lordes legisladores e pastores386 12 O Início do Processo de Independência e a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia A resposta mais contundente às Leis Intoleráveis foi a reunião de representantes dos colonos no Primeiro Congresso Continental de 385 Ibidem p 51 386 APTHEKER H Uma nova história dos Estados Unidos a revolução americana Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1969 p 45 Filadélfia que aconteceu em setembro de 1774 A princípio essa reunião não tinha caráter separatista por isso o Congresso enviou uma petição ao Parlamento inglês e ao rei solicitando a revogação das leis por causa da igualdade de direitos entre ingleses e norteamericanos No ano seguinte conflitos provocaram a morte de alguns colonos estes acabaram por se organizar militarmente Ao mesmo tempo reuniuse o Segundo Congresso Continental de Filadélfia agora claramente favorável à independência A Virgínia tomou a frente nesse processo e declarouse indepen dente antes de todos os outros Estados Como forma de deixar claros sua independência e seus ideais os representantes do povo da Virgínia redigiram um documento chamado Declaração de Direitos do Bom Po vo da Virgínia que sem dúvida representam um marco para a Liber dade Individual como conceito sendo o primeiro documento escrito com valor jurídico a coroar muitos dos ideais iluministas Vejamos alguns de seus pontos Primeiramente os representantes do povo da Virgínia buscaram definir o que era para eles fundamental e irrevogável A isso eles chamaram direito natural Que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos dos quais quando entram em estado de sociedade não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança387 O segundo artigo inicia com uma ideia que em tese e não na prática é tão antiga quanto a Lei das XII Tábuas de que o poder deve vir do povo mas a Declaração da Virgínia acrescenta elementos do pensamento Iluminista principalmente quando indica a represen tatividade e as responsabilidades388 387 Artigo 1o 388 Na Tábua 11a Da Lei das XII Tábuas consta que Que a última vontade do povo tenha força de lei Embora esta questão muitas vezes não tenha sido levada a sério é necessário salientar que os romanos consideravam em tese ao menos a força do povo Que todo poder é inerente ao povo e conse quentemente dele procede que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e em qualquer momento perante ele responsáveis O artigo terceiro indica a responsabilidade do Governo e aponta a possibilidade de revolta contra um governo não adequado a estas responsabilidades Dessa forma a Declaração subordina o Governo ao povo Que o governo é instituído ou deveria sêlo para proveito comum proteção e segurança do povo nação ou comunidade que de todas as formas e modos de governo esta é a melhor a mais capaz de produzir maior felicidade e segu rança e a que está mais eficazmente assegurada contra o perigo de um mau governo e que se um governo se mostra inadequado ou é contrário a tais princípios a maioria da comunidade tem o direito indiscutível inalienável e irrevogável de reformálo alterálo ou abolilo da maneira consi derada mais condizente com o bem público O quarto artigo iguala a todos proibindo privilégios e nega a possibilidade de hereditariedade nos cargos públicos Que nenhum homem ou grupo de homens tem direito a receber emolumentos ou privilégios exclusivos ou especiais da comunidade senão apenas relativamente a serviços públicos presta dos os quais não podendo ser transmitidos fazem com que tampouco sejam hereditários os cargos de magistrado de legislador ou de juiz O artigo quinto inicia com a indicação de utilização plena das ideias de Montesquieu acerca do poder tripartite e completase obri gando que os representantes sejam eleitos periodicamente o que de monstra o intuito democrático em termos de Democracia Represen tativa dessa Declaração Que os poderes legislativo executivo e judiciário do Estado devem estar separados e que os membros dos dois primeiros poderes devem estar conscientes dos encargos impostos ao povo deles participar e absterse de imporlhes medi das opressoras que em períodos determinados devem voltar à sua condição particular ao corpo social de onde procedem e suas vagas se preencham mediante eleições periódicas certas e regulares nas quais possam voltar a se eleger todos ou parte dos antigos membros dos men cionados poderes segundo disponham as leis No próximo artigo é assinalado que as eleições devem ser livres e que todos os homens com capacidade podem participar Isso elimina a exclusão por renda comum nos sufrágios da Inglaterra mas não acrescenta como sufragistas nem mulheres nem escravos O mesmo artigo salienta que os impostos somente podem ser cobrados sob duas condições a primeira diz respeito à necessidade a segunda à aprovação pelos representantes eleitos Que as eleições de representantes do povo em assembléia devem ser livres e que todos os homens que dêem provas suficientes de interesse permanente pela comunidade e de vinculação com esta tenham o direito de sufrágio e não possam ser submetidos à tributação nem priva dos de sua propriedade por razões de utilidade pública sem seu consentimento ou o de seus representantes assim eleitos nem estejam obrigados por lei alguma à que da mesma forma não hajam consentido para o bem público Ainda no mesmo sentido de deixar claro os poderes dos representantes eleitos segue o artigo sétimo Que toda faculdade de suspender as leis ou a execução destas por qualquer autoridade sem consentimento dos representantes do povo é prejudicial aos direitos deste e não deve exercerse Os próximos três artigos demonstram claramente a influência do Iluminista Beccaria no ideário destes que redigiram a Declaração No caso da escolha do número de jurados doze nesse contexto a ver com os doze apóstolos e toda a tradição cristã na qual essa nação se formou Que em todo processo criminal incluídos na queles em que se pede a pena capital o acusado tem direito de saber a causa e a natureza da acusação ser acareado com seus acusadores e testemunhas pedir provas em seu favor e a ser julgado rapidamente por um júri imparcial de doze homens de sua comunidade sem o con sentimento unânime dos quais não se poderá considerálo culpado tampouco podese obrigá lo a testemunhar contra si próprio e que ninguém seja privado de sua liberdade salvo por mandado legal do país ou por julgamento de seus pares Não serão exigidas fianças ou multas excessivas nem infligirseão castigos cruéis ou inusitados Que os autos judiciais gerais em que se mande a um funcionário ou oficial de justiça o registro de lugares suspeitos sem provas da prática de um fato ou a detenção de uma pessoa ou pessoas sem identificálas pelo nome ou cujo delito não seja claramente especificado e não se demonstre com provas são cruéis e opressores e não devem ser concedidos O julgamento por um corpo de jurados não é como no Brasil so mente para casos de crimes contra a vida A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia semeia a ideia que será corrente em todos os Estados da América do Norte de que os jurados devem ser utilizados também em outros casos incluídos os de litígio acerca da propriedade Que em litígios referentes à propriedade e em pleitos entre particulares o antigo julgamento por júri de doze membros é preferível a qualquer outro devendo ser tido por sagrado A liberdade de imprensa é também contemplada nesta declaração Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade não podendo ser restringi da jamais a não ser por governos despóticos389 Bem como a liberdade religiosa Entretanto se atentarmos para o artigo 16 poderemos constatar que embora a escolha da religião seja livre o modelo a ser seguido é o cristão monoteísta Que a religião ou os deveres que temos para com o nosso Criador e a maneira de cumprilos so mente podem regerse pela razão e pela convicção não pela força ou pela violência consequentemente todos os homens têm igual direito ao livre exercício da religião de acordo com o que dita sua consciência e que é dever recíproco de todos praticar a paciência o amor e a caridade cristã para com o próximo 13 A Declaração de Independência A 4 de julho de 1776 delegados de todos os territórios reunidos na Filadélfia promulgaram a Declaração de Independência que foi redigida por Thomas Jefferson Essa declaração é um corolário do ideal anteriormente mencionado de autogoverno levado para a América do Norte pelos puritanos e do Iluminismo a Declaração da Independência é a maior expressão do grande Iluminismo prenhe de um humanismo ilimitado refletindo a idéia de abandono de manjar no céu em troca de leite e pão na terra Participava do comitê de redação Benjamin Franklin que personificava com Voltai re o Iluminismo e acreditava que é impossível imaginar a que alturas poderá alcançar num mi 389 Artigo 12 lhar de anos o poder do homem sobre a matéria Franklin confiava no progresso na capacidade do homem de desenvolver seus conhecimentos não apenas da natureza mas de si próprio e lamen tava haver nascido tão cedo390 A questão do autogoverno é demonstrada na Declaração de inde pendência já em seu primeiro parágrafo Quando no curso dos acontecimentos humanos se torna necessário para um povo dissolver o vínculo político que o mantinha ligado a outro e assumir entre as potências da terra a situação separada e igual a que as leis da natureza e o Deus da natureza lhe dão direito um decoroso respeito às opiniões da humanidade exige que ele declare as causas que o impelem à sepa ração Quando um povo se sente no direito de dissolver o vínculo polí tico que o mantinha ligado a outro é porque considera que o autogoverno ou autodeterminação é ponto pacífico em sua vida Com muitas falhas a Declaração de Independência é um do cumento que indica o caminho da democracia não a que seria ideal mas a que era possível para as cabeças dominantes do século XVIII Assim é que ficaram independentes os americanos mas não todos Particularmente interessante nesse sentido é o fato de a Decla ração falar de igualdade liberdade e da busca da felicidade enquanto ameríndios e 600000 escravos americanos aproximadamente es cravos perpétuos que transmitiam seus status a toda a sua geração por intermédio da linha materna eram mantidos no trabalho sob a chi bata Sem dúvida um dos fatos mais dolorosos e mais reveladores do caráter da história americana é o de o próprio autor da Declaração de Independência haver sido um proprietário de escravos391 O caso da nãoinclusão das mulheres poderia passar como sendo mais um dos momentos na história que as mulheres subordinadas se quer puderam exprimir seus desejos Mas este já não era mais o caso 390 APTHEKER op cit p 113 391 Ibidem passim A esposa de Jonh Adams um dos pais da Independência norte americana debateu embora em vão com o marido Foi por isso que a mulher de John Adams Abi gail escreveulhe não posso dizer que o acho muito generoso para com as damas pois en quanto proclama a paz e a boa vontade entre os homens emancipando todas as nações insiste em manter um poder absoluto sobre as mulheres Pouco tempo depois em 1778 essa mulher for midável declarava lamento essa educação frí vola estreita e convencional que se dá às mu lheres de meu país Poucos eram os homens na América que concordavam com isso mas havia exceções Entre esses homens encontravamse James Wilson e o William White ambos da Pen silvânia que criticavam a subordinação da mu lher e negavam sua inferioridade mental E isso por volta de 1768392 14 A Constituição NorteAmericana Após a Declaração de Independência e ainda em meio aos com bates para defendêla os representantes dos territórios viramse dian te de um dilema como manter a união das antigas 13 Colônias sem ferir o princípio de autodeterminação que tanto contribuiu para que essa luta saísse vitoriosa No mesmo dia em que o Congresso na Filadélfia nomeou a comissão para redigir a Declaração de Independência outra foi criada para buscar estabelecer as bases da união definitiva dos Estados Unidos bem como determinar sua forma de governo Em 1777 ficou pronto um documento intitulado Artigos de Confe deração Articles of Confederation que estabelecia a união dos Esta dos sob bases muito frágeis O governo federal não teria Poder Exe cutivo e Corte Suprema para interpretação de leis ao menos Haveria apenas uma Câmara de Representantes mas sua composição era feita sem levar em conta o tamanho ou a composição dos Estados 392 Ibidem p 117 Esse documento retirava ainda do Congresso que até o momento era quem governava a nação o direito de instituir taxas e impostos de tal forma que se tornou impossível manter e pagar as dívidas da Con federação Essa situação tornavase mais grave na medida em que com estas bases precárias vários Estados da Confederação não aderiram ao documento e empréstimos em países estrangeiros tornavamse muito difíceis ou eram efetuados com condições extremamente desfavoráveis mesmo porque a Confederação não tinha muitas garantias de estabilidade para oferecer Para tentar resolver esse problema a Assembleia do Estado da Virgínia convocou uma Convenção a reunirse na cidade de Annapolis com o objetivo de emendar os Artigos de Confederação os pontos que consideravam importantes Entretanto somente cinco Estados aten deram à convocação assim foi decidido fazer outra convocação para uma reunião na Filadélfia após um ano Depois de tudo isso foi apenas um homem o representante de Nova York Alexander Hamilton quem convocou o Congresso Constitucional A Constituição elaborada pela Convenção da Filadélfia foi fina lizada em 1787 e consistia originariamente de um preâmbulo e sete artigos e assim foi aprovada pela maioria de trinta e nove dos cin quenta e cinco delegados que representavam os doze Estados o Estado de Rhode Island não compareceu Todos os Estados acabaram por ratificála A Constituição determina a divisão dos poderes em três Exe cutivo Legislativo e Judiciário O legislativo é bicameral ou seja tem duas câmaras a Câmara dos deputados chamada Casa dos Repre sentantes House of Representatives e o Senado Os deputados devem ser eleitos de dois em dois anos devendo ter idade mínima de vinte e cinco anos e ser cidadão a sete O número de representantes é proporcional ao número de habitantes de cada Estado O número de Representantes assim como im postos diretos serão fixados para os diversos Estados que fizerem parte da União segundo o número de habitantes assim determinado o nú mero total de pessoas livres incluídas as pessoas em estado de servidão por tempo determinado e excluídos os índios não taxados somarseão três quintos da população restante O recenseamento será feito dentro de três anos depois da primeira sessão do Congresso dos Estados Unidos e em seguida decenalmente de acordo com as leis que se adotarem O número de Representantes não excederá de um por 30000 pessoas mas cada Estado terá no mínimo um representante Enquanto não se fizer o recenseamento o Estado de New Hampshire terão direito de eleger três representantes Massachussetts oito Rhode Island e Providence Plantations um Connecticut cinco New York seis New Jersey quatro Pennsylvania oito Delaware um Maryland seis Virginia dez North Carolina cinco South Carolina cinco e Geórgia três393 Os senadores que necessariamente têm que ter 30 anos e ser cidadãos há nove anos no mínimo em número de dois para cada Estado são eleitos por seis anos mas a cada dois anos um terço das vagas no senado devem ser colocadas à disposição para eleições Foi dessa forma que iniciaram o estabelecimento desse procedimento Logo após a reunião decorrente da primeira elei ção os Senadores dividirseão em três grupos iguais ou aproximadamente iguais Decorridos dois anos ficarão vagas as cadeiras dos Sena dores do primeiro grupo as do segundo grupo findos quatro anos e as do terceiro terminados seis anos de modo a fazer bianualmente a eleição de um terço do Senado Se ocorrerem vagas em virtude de renúncia ou qualquer outra causa durante o recesso da Assembléia estadual o Executivo estadual poderá fazer nomeações provisórias até a reunião seguinte da Assembléia que então preencherá as vagas O funcionamento das duas casas ocorre da seguinte maneira geralmente uma proposição é a um ou mais deputados que a trans formam em projeto de lei e a apresentam à assembleia Depois de 393 Artigo I seção 2 3o formalmente apresentado o projeto segue para uma das comissões especializadas que argúem de sua constitucionalidade e oportunidade Aprovado pela comissão vai a plenário onde é discutido recebe ou não emendas é aprovado ou rejeitado Se aprovado passa ao Senado onde passa pelos mesmos caminhos Chegando ao fim com aprovação é levado ao Presidente da República que pode transformálo em lei ou devolvêlo ao Congresso Todo projeto de lei aprovado pela Câmara dos Representantes e pelo Senado deverá antes de se tornar lei ser remetido ao Presidente dos Estados Unidos Se o aprovar ele o assinará se não o devolverá acompanhado de suas objeções à Câmara em que teve origem esta então fará constar em atas objeções do Presidente e subme terá o projeto a nova discussão Se o projeto for mantido por maioria de dois terços dos membros dessa Câmara será enviado com as objeções à outra Câmara a qual também o discutirá nova mente Se obtiver dois terços dos votos dessa Câmara será considerado lei Em ambas as Câmaras os votos serão indicados pelo SIM ou NÃO consignandose no livro de atas das respectivas Câmaras os nomes dos membros que votaram a favor ou contra o projeto de lei Todo projeto que não for devolvido pelo Presidente no prazo de seis dias a contar da data de seu rece bimento excetuandose os domingos será con siderado lei tal como se ele o tivesse assinado a menos que o Congresso suspendendo os tra balhos torne impossível a devolução do projeto caso em que este não passará a ser lei394 Além da elaboração de leis são atribuições do Congresso ame ricano segundo a Constituição Será da competência do Congresso Lançar e arrecadar taxas direitos impostos e tributos pa gar dívidas e prover a defesa comum e o bem 394 Artigo I seção 7 1o estar geral dos Estados Unidos mas todos os direitos impostos e tributos serão uniformes em todos os Estados Unidos Levantar empréstimos sobre o crédito dos Esta dos Unidos Regular o comércio com as nações estrangeiras entre os diversos estados e com as tribos indí genas Estabelecer uma norma uniforme de naturaliza ção e leis uniformes de falência para todo o país Cunhar moeda e regular o seu valor bem como o das moedas estrangeiras e estabelecer o padrão de pesos e medidas Tomar providências para a punição dos falsifica dores de títulos públicos e da moeda corrente dos Estados Unidos Estabelecer agências e estradas para o serviço postal Promover o progresso da ciência e das artes úteis garantindo por tempo limitado aos autores e inventores o direito exclusivo aos seus escritos ou descobertas Criar tribunais inferiores à Suprema Corte Definir e punir atos de pirataria e delitos cometidos em altomar e as infrações ao direito das gentes Declarar guerra expedir cartas de corso e esta belecer regras para apresamentos em terra e no mar Organizar e manter exércitos vedada porém a concessão de crédito para este fim por período de mais de dois anos Organizar e manter uma marinha de guerra Regulamentar a administração e disciplina das forças de terra e mar Regular a mobilização da guarda nacional milí cia para garantir o cumprimento das leis da União reprimir insurreições e repelir invasões Promover a organização armamento e treina mento da guarda nacional bem como a admi nistração de parte dessa guarda que for empre gada no serviço dos Estados Unidos reservando se aos Estados a nomeação dos oficiais e a obri gação de instruir a milícia de acordo com a disci plina estabelecida pelo Congresso Exercer o poder legiferante exclusivo no distrito não excedente a dez milhas quadradas que cedido por determinados Estados e aceito pelo Congresso se torne a sede do Governo dos Esta dos Unidos e exercer o mesmo poder todas as áreas adquiridas com o consentimento da Assem bléia do Estado em que estiverem situadas para a construção de fortificações armazéns estalei ros e outros edifícios necessários e Elaborar todas as leis necessárias e apropriadas ao exercício dos poderes acima especificados e dos demais que a presente Constituição confere ao Governo dos Estados Unidos ou aos seus Departamentos e funcionários395 O Executivo é composto pelo Presidente e o VicePresidente e seu mandato é de quatro anos A eleição não é completamente direta porque nem todos os eleitores votam diretamente para presidente Cada Estado nomeará de acordo com as regras estabelecidas por sua Legislatura um número de eleitores igual ao número total de Senadores e Deputados a que tem direito no Congresso toda via nenhum Senador Deputado ou pessoa que ocupe um cargo federal remunerado ou honorífico poderá ser nomeado eleitor 396 Para concorrer à presidência o indivíduo deve ser americano nato e ter no mínimo 35 anos de idade Como todos os ocupantes de cargos eletivos ele receberá por isso sem contudo poder receber nada além do pagamento fixado em lei É o presidente o chefe das forças armadas e pode concluir tratados desde que tal ato tenha sido previamente aprovado por dois terços dos senadores Ao Poder Judiciário cabe fiscalizar a execução das leis e punir culpados por transgressões Ele é composto por uma Suprema Corte e 395 Artigo I seção 8 118 396 Artigo II seção 1 2o por tribunais inferiores A Suprema Corte pode dependendo do caso exercer jurisdição originária em outros casos é recursal A competência do Poder Judiciário se estenderá a todos os casos de aplicação da Lei e da Eqüi dade ocorridos sob a presente Constituição as leis dos Estados Unidos e os tratados concluídos ou que se concluírem sob sua autoridade a todos os casos que afetem os embaixadores outros mi nistros e cônsules a todas as questões do almi rantado e de jurisdição marítima às controvérsias em que os Estados Unidos sejam parte as controvérsias entre dois ou mais Estados entre um Estado e cidadãos de outro Estado entre cidadãos de diferentes Estados entre cidadãos do mesmo Estado reivindicando terras em virtude de concessões feitas por outros Estados enfim entre um Estado ou os seus cidadãos e potências cidadãos ou súditos estrangeiros Em todas as questões relativas a embaixadores outros ministros e cônsules e naquelas em que se achar envolvido um Estado a Suprema Corte exercerá jurisdição originária Nos demais casos supracitados a Suprema Corte terá jurisdição em grau de recurso pronunciandose tanto sobre os fatos como sobre o direito observando as exce ções e normas que o Congresso estabelecer397 Os crimes excetuandose os processos de impeachment processo de afastamento do ocupante do poder executivo por motivos legais têm constitucionalmente o julgamento por júri e os Estados têm a obrigação de entregar os acusados em outra unidade da Federação Em contrapartida o cidadão americano tem todos os direitos e deveres do cidadão de um Estado específico estando em seu território 15 A Equity e a Common Law nos Estados Unidos Embora filiado ao Direito inglês o sistema norteamericano tem uma diferença substancial isto é a organização política e constitu 397 Artigo II seção 2 1o 2o cional exerce acentuada influência sobre o direito o que não ocorre no Direito Inglês398 Os Estados Unidos têm sua Equity e sua Common Law mas ambos estão subordinados ao entendimento federalista encontrado na Constituição Conforme afirma Vicente Ráo O requisito fundamental que sob pena de ina plicabilidade aos casos em espécie se exige da constitucionalidade das leis dos atos executivos e administrativos das soluções da common law e da equity restringe não só a competência do juiz como a do legislador e a do poder executivo na elaboração das novas normas obriga tórias399 A escala hierárquica das normas obrigatórias nos Estados Unidos é estabelecida em ordem decrescente da força de sua obrigatoriedade inclusive no sentido territorial Constituição Federal Leis e Atos Fede rais Constituições Estaduais e Atos Estaduais e por último leis e atos municipais400 Entretanto a Common Law não é totalmente descartada a tradi ção mantevese de tal maneira que os Estados obtiveram a atribuição da competência para declarar esse direito por via judicial ou promulgá lo por via legislativa Já a Equity como na Inglaterra aos poucos tornouse um corpo específico de direito positivo com conteúdo próprio As matérias disciplinadas por ela são patrimônio trusts hipotecas na parte que não incide o direito comum cessão de direitos proteção de direitos e bens de incapazes administração de bens do espólio nas sucessões subrogação pessoal casos de caducidade de direitos e de penas convencionais casos fortuitos401 398 O Artigo VI 2o da Constituição NorteAmericana afirma Esta Constituição e as leis complementares e todos os tratados já celebrados ou por celebrar sob a autoridade dos Estados Unidos constituirão a lei suprema do país os juízes de todos os Estados serão sujeitos a ela ficando sem efeito qualquer disposição em contrário na Constituição ou nas leis de qualquer dos Estados 399 RÁO V O direito e a vida dos direitos 5 ed São Paulo Revista dos Tribunais 1999 p 137 400 Ibidem p 137 401 Ibidem p 138 e ss 2 A Revolução Francesa 21 Introdução As revoluções na Inglaterra no século XVII demonstraram ao mun do um novo caminho entretanto esse caminho era trilhado pelo pragmatismo sem ideologia dominante profunda No século seguinte de um lado e outro do Atlântico a Ideologia Iluminista era coroada pelos revolucionários de Estados Unidos e França Há uma velha discussão entre os historiadores sobre a impor tância do movimento revolucionário francês diante do ineditismo anterior dos norteamericanos Outros ainda dizem ser a Revolução Francesa apenas mais uma parte do movimento atlântico ocidental que depois de atingir a Inglaterra e a Irlanda teria percorrido a Holanda a Bélgica a Itália indo desembocar na França em 1789 Nada disso importa se levarmos em conta a identidade única que teve a revolução na França menor importância ainda tem se pen sarmos no impacto que tal revolução como nenhuma outra ofereceu ao mundo ocidental O ocidente seria outro após a Revolução Francesa não somente em termos políticos como também no direito O ideário constitucionalista que impregnou as várias fases da Revolução foi exportado para todo o ocidente a ponto de não mais mesmo depois da Restauração na França e no resto da Europa não ser mais concebível um país sem uma Constituição 22 Conjuntura PolíticoEconômica PréRevolucionária Às vésperas da Revolução Francesa o país ainda era agrário mais de 85 da população vivia no campo O capitalismo já estava presente e crescia a olhos vistos nessa sociedade mas a organização social era baseada em estamentos como na Idade Média A sociedade era dividida em três estados No primeiro estava o clero alto clero como bispos e abades e baixo clero padres e vigários o segundo estado era composto pela nobreza que por sua vez se subdividia em três subgrupos a nobreza palaciana que vivia das pensões do rei e usufruía de cargos públicos a nobreza provincial que vivia no campo e a nobreza de toga que era composta por pessoas oriundas da burguesia que por muito dinheiro haviam comprado cargos e títulos de nobreza O terceiro estado que açambarcava 98 da população era for mado por inúmeros subgrupos mais ou menos divididos como classes sociais baseados no poder econômico Havia a alta burguesia composta por banqueiros empresários e financistas havia a média burguesia formada por profissionais liberais como professores médicos etc havia a pequena burguesia onde se encontravam os pequenos lojistas etc Sob todos eles havia um enorme grupo hete rogêneo formado por artesãos aprendizes empregados e a enorme massa rural Nem o primeiro nem o segundo estados pagavam impostos ou contribuições somente o terceiro mas somente o clero e a nobreza viviam à custa do dinheiro público advindo destes impostos Portanto não é de estranhar que a principal reivindicação do terceiro estado fosse a igualdade civil e por consequência igualdade política Entretanto a monarquia absolutista repousavase sobre os estamentos os privilégios e a nãoparticipação da maioria nas decisões políticas A estranha contabilidade francesa que fazia que a maioria absoluta pagasse por privilégios caríssimos de uma minoria que se achava merecedora de tal adulação acabou por tornar a economia francesa um caos Para se ter uma ideia só os gastos da corte que vivia no Palácio de Versalhes representavam 10 das despesas de toda a França Como a máquina do Estado era ineficiente os cobradores de impostos eram particulares que exploravam ao máximo quem pagava impostos O déficit no orçamento era imenso e a dívida externa fran cesa era o dobro de todo dinheiro em circulação na França Piorando a situação financeira a indústria sofreu um sério revés com a entrada na Europa de produtos ingleses de baixo custo por causa da Revolução Industrial que ocorria naquele país Uma seca em 1787 diminuiu a produção de alimentos os preços subiram o povo passava sérias dificuldades e mesmo sem poder gastar o Governo Francês apoiou a independência norteamericana o que lhe custou quase a metade de sua dívida externa e soldados voltando da América com estranhas ideias Para tentar achar um caminho para vencer a crise o governo convocou representantes do Clero da nobreza e da alta burguesia era a Assembleia dos Notáveis de 1787 A proposta era o aumento dos impostos territoriais o que foi recusado com veemência pelos nobres O rei Luis XVI nomeou então um novo ministro e convocou a Assembleia dos Estados Gerais que não era convocada desde 1614 O terceiro estado contava com 578 deputados contra 270 da no breza e 291 do clero e embora maioria nominal o terceiro estado per deria todas as votações que eram feitas por estado e não por deputado Com a recusa do terceiro estado em aceitar esse sistema de votação os representantes desse estamento proclamaramse Assembleia Nacional e sob a oposição acirrada do rei receberam adeptos do Iluminismo que eram também representantes dos outros dois estados 23 A Assembleia Constituinte e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão Em 9 de julho de 1789 a Assembleia Nacional tornouse Assem bleia Constituinte sob o juramento dos deputados de somente se dispersarem após dar à França uma Constituição A pujança da mu dança também já alcançava o povo que tomava a Bastilha tempos depois A revolução inicia seu caráter popular não é possível mais inventar uma saída sem contar com o povo que está nas ruas No dia 26 de agosto é aprovada a Declaração dos Direitos do Ho mem e do Cidadão que Luis XVI recusase a aprovar gerando uma maior reação popular Cai na mão do povo o maior símbolo da mo narquia absoluta francesa o Palácio de Versalhes Mas essas reações esta necessidade de tomar para si a respon sabilidade da mudança inclusive no sentido de legislar para que a transformação seja firme foi algo que nasceu com a crise na reunião dos Estados Gerais O povo tinha ao menos uma mínima compreensão da extensão de uma Declaração de Princípios Segundo Jean Starobinsky essa tendência popular à participação é bem anterior até mesmo à convocação da Assembleia dos Estados Gerais O Iluminismo havia transposto as rodas de intelectuais autores populares misturavam romance e ideologia iluminista e eram con sumidos pelo povo principalmente das cidades402 Todo o século se havia fixado como tarefa re montar aos princípios e formulálos com clareza A linguagem dos princípios estava constituída bem antes de 1789 e a aproximação da reunião dos Estados Gerais multiplicara os escritos teóricos cada um mais peremptório que o outro 402 Um dos mais famosos escritores populares da época foi Restif de La Bretone Todos os parisienses brincam de Sólon tutti soloneggiano i Parigini escreve divertidamente Alfieri em sua epístola de 29 de abril de 1789 a André Chénier No instante do naufrágio da mo narquia tradicional quem quer que tenha uma pena se faz legislador A luz branca do primeiro momento revolucionário talvez não seja senão o torvelinho de todas as cores do espectro dos prin cípios no espaço afinal conquistado pela liber dade403 A necessidade de uma Declaração de Direitos para aqueles que a confeccionaram residia no fato de que a ignorância ou a nãoaplicação de direitos seria a causa dos males de uma sociedade Assim é afirmado no preâmbulo da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão Os representantes do povo francês reunidos em Assembléia Nacional tendo em vista que a ignorância o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos resolveram declarar solenemente os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem a fim de que esta declaração sempre presente em todos os membros do corpo social lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a institui ção política sejam por isso mais respeitados a fim de que as reivindicações dos cidadãos doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral O Iluminismo somado às necessidades de igualdade que essa sociedade tinha gerou um interessante primeiro artigo 403 STAROBINSKY Jean 1789 os emblemas da razão Rio de Janeiro Companhia das Letras 1988 p 4445 Art 1o Os homens nascem e são livres e iguais em direitos As distinções sociais só podem fundamentarse na utilidade comum A Declaração invoca também a fonte de poder e o objetivo de governos levando em consideração o que os revolucionários consi deravam como direitos naturais Art 2o A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescri tíveis do homem Esses direitos são a liberdade a prosperidade a segurança e a resistência à opressão Art 3o O princípio de toda a soberania reside essencialmente na nação Nenhuma operação nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente Define a lei e seus objetivos Art 4o A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo assim o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos Estes limites apenas podem ser deter minados pela lei Art 5o A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constran gido a fazer o que ela não ordene Art 6o A lei é a expressão da vontade geral Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente ou através de mandatários para a sua formação Ela deve ser a mesma para todos seja para proteger seja para punir Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades lugares e empregos públicos segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos E demonstra que as ideias do italiano Cesare Beccaria encon traram bom porto Assim podemos constatar na Declaração dos Direi tos do Homem e do Cidadão o princípio da legalidade Art 7o Ninguém pode ser acusado preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas Os que solicitam expedem executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente caso contrário tornase culpado de resistência O princípio da necessidade das leis Art 8o A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei esta belecida e promulgada antes do delito e legal mente aplicada O In Dubio Pro Reo Art 9o Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e se se julgar indispen sável prendêlo todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei Há também nesse documento uma indicação clara no sentido da liberdade de opinião Art 10 Ninguém pode ser molestado por suas opiniões incluindo opiniões religiosas desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei Art 11 A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do ho mem todo cidadão pode portanto falar escrever imprimir livremente respondendo todavia pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei A Declaração explicita a necessidade de impostos por causa da manutenção de uma força pública e de uma administração capaz de manter os direitos do cidadão Mas toma o cuidado de impor regras para que isso seja feito de forma aberta Art 12 A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública esta força é pois instituída para fruição por todos e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada Art 13 Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispen sável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades Art 14 Todos os cidadãos têm direito de veri ficar por si ou pelos seus representantes da ne cessidade da contribuição pública de consentila livremente de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição a coleta a cobrança e a du ração Art 15 A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração 24 A Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã É muito famosa a Declaração que acabamos de analisar Mas alguns paradoxos se pensarmos no papel de pelo menos metade da população da França revolucionária as mulheres devem ser compreendidos explicitados Não porque foi o início de uma luta no Ocidente por direitos in dividuais aí devendo por uma questão de lógica e não de opinião incluir as mulheres mas simplesmente porque no seio da Revolução Francesa mulheres se ergueram e exigiram direitos o que não havia acontecido de maneira tão impressionante em outros momentos históricos As mulheres tiveram papel preponderante na Revolução foram às ruas lutaram ombro a ombro com os homens revolucionários entretan to mesmo no documento mais genérico uma declaração de princípios que é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão elas são colocadas em uma situação muito estranha Se os homens vistos enquanto humanidade nascem livres e iguais em direitos como distin guir de pronto homens e mulheres Como compreender que mulheres não obtivessem direitos mínimos Conforme afirma Michelle Perrot Essa exclusão das mulheres pouco condiz com a Declaração dos direitos do homem que proclama a igualdade entre todos os indivíduos As mu lheres não seriam indivíduos A questão é em baraçosa muitos pensadores como Condorcet por exemplo pressentiramna Única justifica tiva argumentar sobre a diferença dos sexos404 De fato a bela França berço da Revolução que atingiu todo o Ocidente sempre colocou os direitos das mulheres em segundo plano As francesas só puderam exercer o direito de voto questão básica para uma cidadania em uma democracia representativa a partir de 1944 A França foi a penúltima a dar esse passo só faltava a Grécia na Europa A justificativa para o posicionamento da mulher nessa nova ordem era a mesma utilizada há muito era idêntica à utilizada por muitos pensadores nos séculos seguintes a mulher pertencia à esfera privada não podendo tomar parte da esfera pública que era de uso exclusivo de homens Mulheres e crianças ambas incapazes É preciso voltar a Sieyès o organizador do su frágio em 1789 que distinguia entre cidadãos passivos e ativos Todos têm direito à proteção de sua pessoa de sua propriedade de sua liber dade etc Mas nem todos têm direito a tomar par te ativa na formação dos poderes públicos nem 404 PERROT Michelle Os excluídos da história operários mulheres prisioneiros Rio de Janeiro Paz e Terra 1988 p 177 todos são cidadãos ativos As mulheres pelo menos no estado atual as crianças os estran geiros aqueles que em nada contribuírem para a sustentação do estabelecimento público não de vem influir ativamente na coisa pública Sieyès estabelece uma ruptura entre sociedade civil e política e fortalece a ação pública A exclusão das mulheres é particularmente severa pois li gada ao sexo ela não pode ser modificada como a idade a nacionalidade ou o nível de riqueza Assim como as crianças as mulheres foram feitas para ser protegidas405 As francesas revolucionárias buscaram a igualdade lutaram e reclamaram por ela mas isto estava fora de questão já que segundo o relatório do deputado André Amar de 30 de outubro de 1793 em nome da Comissão de Segurança Geral ele sustentava que as mulheres não deveriam sair da família para imiscuirse nos assuntos de governo e isso porque As funções privadas a que as mulheres são des tinadas pela própria natureza são inerentes à or dem geral da sociedade essa ordem social é resultado da diferença que existe entre o homem e a mulher Cada sexo é chamado para um tipo de ocupação que lhe é própria sua ação é circuns crita dentro deste âmbito que não pode transpor enquanto a natureza que pôs estes limites ao homem governa imperiosamente e não tolera lei alguma406 Essa resposta do deputado revolucionário francês e outras que seguem a mesma linha da natureza justificando a nãoinclusão das mulheres em direitos que eles mesmos consideravam básicos é uma resposta às mulheres que buscavam organizarse para pressionar os chefes da Revolução e às mulheres como Olympe de Gouges que acabaram por produzir textos que embora por força das circunstân 405 PERROT Michelle Mulheres públicas São Paulo Unesp 1998 p 120 406 AMAR André apud GROPPI Ângela A raízes de um problema In BONACCHI Ga briella GROPPI Ângela Orgs O dilema da cidadania direitos e deveres das mulheres São Paulo Unesp 1995 p 14 cias não tivessem valor legal eram verdadeiras Declarações de Princí pios que visavam buscar a inclusão feminina407 Em 1791 como resultado das decepções geradas nas revolucio nárias pelo caráter masculino que tomava a visão de direitos e cidadania da Revolução Olympe de Gouges redigiu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã Essa declaração um marco qualita tivo na história das Ideias de Igualdade foi baseada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e busca um caráter includente tanto de homens quanto de mulheres É significativa a análise de Ute Gehard sobre a Declaração A Declaração dos direitos da mulher e da cidadã redigida em 1791 por Olympe de Gouges é o do cumento de História do Direito significativa mente ausente de todos os compêndios que contesta sistematicamente a restrição masculina do conceito de igualdade A história da sua eli minação ou da sua transmissão apenas fragmen tária assim como sua recepção até agora insuficiente são provas evidentes do acúmulo de resistências contra a equiparação dos direitos das mulheres O texto completo mostra porém toda importância desse testemunho único da afirmação dos direitos femininos Ao Ler a De claração dos direitos da mulher de 1791 alguém poderia tomála à primeira vista por um plágio ou no mínimo por uma cópia não muito original destinada exclusivamente a esclarecer aquilo que a Declaração dos direitos do homem queria significar mas que infelizmente nem sempre foi compreendido que os direitos do indivíduo rei vindicam validade e conseqüências para a posi ção jurídica de homens e mulheres408 407 Em 1792 na Inglaterra Mary Wollstonecraft escrevia um livro Reinvindicações de Direitos das Mulheres que na mesma direção das revolucionárias francesas buscava indicar a ilogicidade da exclusão das mulheres Aqui no Brasil esse tema chegou com muita amenidade no período do Império quando Nizia Floresta fazendo uma tradução livre e menos aguerrida de Wollstonecraft escraveu Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens 408 GERHARD Ute Sobre a liberdade igualdade e dignidade das mulheres o direito dife rentede Olympe de Gouges In BONACCHI Gabriella GROPPI Ângela Orgs O dile ma da cidadania direitos e deveres das mulheres São Paulo Unesp 1995 p 52 No preâmbulo da Declaração Olympe de Gouges indaga a dife rença pergunta por que é possível diferenciar o que não é diferente mas cooperativo em outros campos Homem sabes ser justo É uma mulher que te pergunta não quererás tolherlhe esse direito Di zeme quem te deu o soberano poder de oprimir o meu sexo A tua força As tuas capacidades Observa o Criador na sua sabedoria percorre a natureza em toda a sua grandeza da qual pareces querer aproximarte dáme se puderes um exemplo desse domínio tirânico Considera os animais consulta os elementos estuda os vegetais lança enfim um olhar sobre todas as modificações da matéria organizada e rendete à evidência quando te ofereço os meios para isso procura escava e distingue se puderes os sexos na administração da natureza Em toda parte tu os encontrarás amalgamados e cooperantes no conjunto harmonioso desta obraprima imortal Só o homem fez dessa exceção um princípio409 Parece ser uma dúvida coerente se analisarmos o momento his tórico por que passavam aquelas pessoas homens e mulheres comuns derrubaram juntos a monarquia tão poderosa como justificar a luta contra a tirania e colocar uma parte significativa da população por causa de seu gênero em situação parecida ou pior do que a que se encontravam todos antes da Revolução Como compreender diferenças dentro de uma filosofia questionadora e racional como o Iluminismo É com base nessa experiência histórica que de Gouges convoca as mulheres no posfácio da Declaração Mulher acorda o sino da razão se faz ouvir em todo o universo reconhece os teus direitos O potente império da natureza não está rodeado de preconceitos de fanatismos de superstições e mentiras A luz da verdade dissipou todas as 409 Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã In BONACCHI Gabriella GROPPI Ângela Orgs O dilema da cidadania direitos e deveres das mulheres São Paulo Unesp 1995 p 301312 nuvens da estupidez e da usurpação O homem escravo multiplicou suas forças recorrendo às tuas para romper cadeias Uma vez livre tornou se injusto para com a sua companheira410 Assim ela trabalhará em sua Declaração de maneira a colocar lado a lado homens e mulheres mudando a redação da Declaração original Nos artigos I e II podemos constatar que ela colocou com clareza mulheres e homens em igualdade e destacadamente no segundo artigo indica ser um direito a resistência à opressão que podemos concluir como sendo um direito aplicável inclusive no caso de opressão entre os sexos Art I A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem As distinções sociais só po dem ser baseadas no interesse comum Art II O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescri tíveis da mulher e do homem esses direitos são a liberdade a propriedade a segurança e sobre tudo a resistência a opressão O Artigo terceiro é bastante significativo visto que a autora dessa declaração indica com clareza que a nação é forjada pela união dos sexos princípio basilar de todas as suas reivindicações Art III O Princípio de toda soberania reside essencialmente na nação que é a união da mulher e do homem nenhum organismo nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não provenha expressamente deles Nos artigos IV e V ela não se refere à lei como foi feito na Decla ração dos Direitos do Homem e do Cidadão essa lei até então vi gente não é expressão da vontade geral visto não estarem compondo essa vontade as mulheres também assim ela recorre a expressões como leis da natureza e da razão e leis sábias e divinas colocando 410 Ibidem p 307 as acima das leis dos homens reclamando a validade destas como sendo anteriores aos atos humanos Art IV A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros assim o único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher isto é a perpétua tirania do homem deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão Art V As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações nocivas à sociedade tudo aquilo que não é proibido pelas leis sábias e divinas não pode ser impedido e ninguém pode ser constran gido a fazer aquilo que elas não ordenam Os artigos VI VII VIII e IX demonstram toda a igualdade exigida por Olympe de Gouges e essa igualdade referese tanto à feitura da lei quanto à sua aplicação não estando excluídas aí as penas indicadas legalmente Art VI A lei deve ser expressão da vontade geral todas as cidadãs e cidadãos devem con correr pessoalmente ou com seus representantes para a sua formação ela deve ser igual para todos Todas as cidadãs e cidadãos sendo iguais aos olhos da lei devem ser igualmente admitidos a todas as dignidades postos e empregos pú blicos segundo as suas capacidades e sem outra distinção a não ser suas virtudes e seus talentos Art VII Dela não se exclui nenhuma mulher esta é acusada presa e detida nos casos esta belecidos pela lei As mulheres obedecem como os homens essa lei rigorosa Art VIII A lei só deve estabelecer penas estri tamente e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada às mulheres Art IX Sobre qualquer mulher declarada culpa da a lei exerce todo o seu rigor Esse último artigo é bastante interessante no que diz respeito à busca de igualdade visto que Olympe de Gouges exige igualdade de fato independentemente das perdas As mulheres antes durante e depois da Revolução eram tratadas como incapazes inclusive no tocante às leis penais desta forma elas na maior parte dos casos conseguiam tratamento diferenciado A igualdade da autora da Declaração vai além no artigo XIII ela declara a igualdade de homens e mulheres no tocante inclusive à taxação Art XIII Para manutenção da força pública e para as despesas de administração as contri buições da mulher e do homem serão iguais ela participa de todos os trabalhos ingratos de todas as fadigas deve então participar também da distribuição dos postos dos empregos dos cargos das dignidades e da indústria Com relação à liberdade de expressão Olympe de Gouges não somente inclui a mulher como agente expressivo de opiniões como também indica nas suas Declarações que a liberdade de expressão da mulher deve ir além dos preconceitos sociais Para ela a livre comu nicação por parte da mulher asseguraria a legitimidade dos filhos Art X Ninguém deve ser molestado por suas opiniões mesmo de princípio a mulher tem o di reito de subir ao patíbulo deve ter também o de subir ao pódio desde que as suas manifestações não perturbem a ordem pública estabelecida pela lei Art XI A livre comunicação de pensamentos e de opiniões é um dos direitos mais preciosos da mulher já que essa liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos Toda cidadã pode então dizer livremente sou a mãe de um filho seu sem que um preconceito bárbaro a force a esconder a verdade sob pena de responder pelo abuso dessa liberdade nos casos estabelecidos pela lei 25 As Constituições Revolucionárias A França revolucionária conheceu mais de uma constituição cada qual com sua característica cada uma sendo produto do momento histórico ou melhor da fase da Revolução que o país se encontrava Conforme Marcello Cerqueira Diferentemente da Revolução Americana em que a Constituição traduziu a vontade revolucio nária em uma ordem constitucional estável as contradições no interior do movimento que culminou com a derrubada do Ancien Regime não permitiram que a Revolução Francesa se expres sasse através de um modelo constitucional defi nitivo As constituições foram produzidas adota das suspensas aplicadas e violadas 411 Analisar essas Constituições é perceber que embora possamos montar um arcabouço comum as leis são redigidas de forma a atender à ideologia do grupo que se encontra no poder Isso é bastante claro na Revolução Francesa porque em curto espaço de tempo muitos grupos alternaramse no comando do país Inicialmente a Revolução apresentase como uma mudança não muito radical com vistas principalmente a subordinar o rei à lei e a instituir uma maior igualdade entre as pessoas Nesse sentido podemos ler na Constituição de 1791 a primeira da Revolução da fase chamada Monarquia Constitucional Todos os cidadãos são admissíveis aos cargos e empregos sem outra distinção senão aquela decorrente das suas virtudes e das suas apti dões412 411 CERQUEIRA Marcello A constituição na história origem reforma Rio de Janeiro Revan 1993 p 72 412 Título I art 1o Todas as contribuições serão igualmente repar tidas entre todos os cidadãos proporcionalmente aos seus recursos413 Não existe na França autoridade superior à da lei O rei reina por ela e não pode exigir obe diência senão em nome da lei414 Esse período marcado pela tentativa de manutenção da realeza foi se desfazendo conforme o próprio rei não admitia nenhuma perda de poder chegando inclusive a tentar fugir da França para preparar um exército para acabar com a Revolução e conforme as divisões internas dos revolucionários indicavam uma luta interna que iria marcar as outras fases da Revolução Com o início da Guerra contrarrevolucionária de outros países europeus contra a França a Assembleia não conseguiu conter a insatisfação do povo que acabou apoiando a Convenção Nacional que eleita por sufrágio universal masculino substituiu a Assembleia A Convenção condenou o rei à morte e proclamou a República A Convenção buscou reinventar a França um novo calendário uma nova Constituição Como o país estivesse de fato em perigo por causa da coligação de quase toda a Europa Ocidental contra a França a Convenção instituiu um Tribunal para julgar os contrarrevolucio nários a guilhotina foi usada em larga escala e o período ficou conhecido como o do Terror A Constituição de 1795 é curta e indica apenas a condição do momento da França ou seja uma República indicando também as divisões administrativas na França nas Colônias Essa Constituição preocupase de fato com a questão da eleição assunto ao qual dedica grande parte de seus artigos 26 Era Napoleônica e o Código Civil Com a chegada de Napoleão ao poder muitos historiadores consi deram como estando terminada a Revolução Francesa Entretanto foi neste período que os ideais burgueses da Revolução mais se espalha ram pela Europa que paulatinamente caiu sob o domínio Napoleônico 413 Título I art 2o 414 Capítulo II art 3o A fase mais popular havia acabado Napoleão Bonaparte visava restituir uma espécie de monarquia tendo como centro a si mesmo mas quem o colocou e o manteve no pode foram burgueses principalmente representantes da alta burguesia que sem abdicar de conquistas conseguidas com o início da Revolução não considerava interessante manter o governo de tal forma que poderia parar nas mãos de qualquer um que não fosse de sua conveniência Em 1799 a França apresentava problemas enormes comércio e indústria estavam arruinados caminhos portos e estradas destruídas o serviço público desorganizado a guerra civil parecia eminente Para suplantar esses problemas o setor que representava a burguesia in dustrial aliouse a Bonaparte general de destaque do exército francês herói do povo derrubando o Diretório e instaurando o regime do Consulado Uma nova Constituição foi feita no final de 1799 sendo aprovada por plebiscito com mais de 3 milhões de votos A França permanecia uma República o Poder Legislativo passou a ser composto por quatro Assembleias o Conselho de Estado que preparava as leis o Tribunal que as discutia o Corpo Legislativo que as votava e o Senado que era responsável por sua execução O Poder Executivo era comandado por três cônsules nomeados pelo Senado com mandatos de 10 anos O primeirocônsul concentrava a maior parte dos poderes a ele cabia propor e publicar leis nomear ministros funcionários juízes Esse cargo era de Napoleão Bonaparte este ignorava sempre que considerava necessário a constituição Em 1802 Bonaparte recebeu o título de cônsul vitalício e em termos gerais foi um bom administrador reorganizou e centralizou a administração criou um corpo de funcionários para a arrecadação de impostos fundou o Banco da França dando exclusividade a este na emissão de papelmoeda conseguiu melhorar muito a situação econômica do país Mas ele não sabia governar sem ser general isto é ele comandava sozinho sem ter discussões sobre suas ordens Assim em 1804 em nome da salvação da República ele se nomeou Imperador Um Imperador para salvar a República O artigo 1o da nova Constituição afirmava O Governo da República é confiado ao Imperador Napoleão deu à França um conjunto de códigos de 1804 a 1810 foram promulgados um Código Civil um Código de Processo Civil um Código Comercial um Código Penal um Código de Processo Penal e um Código de Instrução Criminal A maior parte deles mantémse em grande parte em vigor até hoje na França e na Bélgica Código é a compilação sistemática de leis normas e regula mentos ou qualquer conjunto de disposições de regulamentos legais aplicáveis em diversos tipos de atividades415 A partir da segunda metade do século XVIII os códigos passaram a ser exclusivamente legislativos e com o passar do tempo tenderam a ser específicos a um ramo do Direito O termo Codex é de origem romana e os Códigos de Teodósio e Justiniano são os exemplos mais antigos da utilização da expressão416 Na Idade Média a palavra código é utilizada exclusivamente para a legislação romana as outras leis utilizam termos como corpus rechtsbuch etc417 A necessidade de codificação surgiu desde o início da Revolução Francesa e após algumas tentativas a obra de codificação napoleônica coroou os esforços A obra que o próprio Napoleão considerava como sendo a mais importante de sua carreira como estadista foi o Código Civil Esse Código foi inspirado no Direito Romano nas Ordenações Reais e no Direito Revolucionário e sua importância pode ser atestada no fato de que dezenas de códigos civis do mundo inspiraramse nele O Código representou uma reforma e uma codificação detalhadas das leis civis francesas No Antigo Regime portanto antes da Revolução Francesa mais de quatrocentos códigos estavam em vigor nas várias localidades da França Além do que os revolucionários haviam já editado mais de 14000 leis decretos etc A legislação precisava de um rumo precisava ser codificada arrumada e por duas vezes durante fases anteriores da Revolução tentaram codificar as leis civis mas foi em vão Em 1801 uma comissão de peritos terminou o esboço do Código Civil mas este somente foi publicado em 1804 Napoleão pessoal mente empenhouse para que o trabalho chegasse a termo e para que os especialistas não mudassem o norte que ele dava Das 87 reuniões 415 HOUAISS Antonio Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 416 Os códigos mais antigos como o de Hammurabi por exemplo receberam esse nome em virtude da semelhança e muito provavelmente por não haver outro termo simplificado que pudesse exprimir sua definição 417 GILLINSSEN J Introdução histórica ao direito 2 ed Lisboa Calouste Goubekian 1995 p 449 que fizeram para a discussão e feitura do Código Napoleão estava presente em 37 O Código Civil chamado Napoleônico com justeza representa a mistura que o próprio Napoleão conseguiu empreender no governo francês o liberalismo e o conservadorismo Entretanto fazse neces sário destacar que as principais conquistas da Revolução igualdade perante a lei liberdade religiosa e abolição dos resquícios feudais foram consolidados dentro do Código Apesar de avanços liberais profundos o Código Napoleônico era um código de proteção à propriedade burguesa dos cerca de 2000 artigos que possui 7 dizem respeito ao trabalho e 800 à propriedade privada Os sindicatos e as greves são proibidas mas a associação de empregadores permitida Em uma disputa judicial sobre salários é o testemunho do patrão e não dos empregados que deve ser levado em conta418 Vejamos também alguns pontos do Código Civil de Napoleão no tocante à família O Código reforçou o poder patriarcal dando ao pai poder maior sobre os filhos como se pode atestar nos artigos 371 372 e 373 Uma criança de qualquer idade deve honra e respeito a sua mãe e a seu pai Ela permanece sujeita a seu controle até a maioridade ou a emancipação O pai sozinho exercita este controle durante o casamento419 O pai poderia se considerasse necessário deter o filho por um mês ou se este tivesse mais de dezesseis anos mandar detêlo por seis meses Um pai que tenha insatisfações aflitivas com a conduta de seu filho deve ter os meios de corrigilo 418 HUBERMAN Leo História da riqueza do homem 21 ed Rio de Janeiro LTC 19 p 151 419 Livro I das pessoas Título IX do pátrio poder Se a criança não completou dezesseis anos o pai poderá confinálo por um período que não poderá exceder a um mês Da idade de dezesseis anos completos até a maioridade ou emancipação o pai terá apenas o poder de requerer o confinamento de seu filho durante seis meses 420 O poder patriarcal é estendido também à esposa Pessoas casadas devem umas as outras fide lidade socorro e assistência O marido deve proteção à esposa e a esposa obediência ao marido A esposa é obrigada a viver com seu marido e seguilo para qualquer lugar que ele julgue con veniente morar o marido é obrigado a receber a esposa e fornecer a ela tudo o que é necessário à sobrevivência de acordo com seus meios e condição social A esposa não pode processar em seu próprio nome sem a autoridade de seu marido 421 O divórcio é admitido no Código Civil de Napoleão e o adultério pode figurar entre as suas causas entretanto o adultério feminino é causa de fato o masculino só pode ser causa quando o marido leva a concubina para dentro de sua residência O marido pode demandar divórcio por causa de adultério da esposa A esposa pode demandar divórcio por causa do adultério do marido quando este leva sua con 420 Livro I das pessoas Título IX do pátrio poder Artigos 375 376 377 421 Livro I das pessoas Título V do casamento Capítulo VI dos respectivos direitos e deveres de pessoas casadas Artigos 212 213 214 215 cubina para dentro da residência dos es posos422 Outras causas como desejo mútuo atitudes constrangedoras condenação de um dos esposos por crimes difamatórios etc podiam ser apontadas e a esposa poderia solicitar uma pensão alimentícia423 Uma lei de 1793 igualava o direito dos filhos do casamento e de fora dele os redatores do Código foram contrários a essa igualdade No Código são diferenciados filhos legítimos e ilegítimos também cha mados de filhos naturais Os primeiros são automaticamente consi derados se dentro de prazos determinados foram concebidos dentro do casamento sem haver prova do adultério da esposa Nem mesmo a impotência do marido pode ser alegada para desconsiderar um filho nestas condições No caso de filhos concebidos fora do casamento sua legitimação só poderia ocorrer com o casamento de seus pais e caso o pai já fosse casado poderia reconhecer o filho concebido fora do matrimônio mas este não teria os mesmos direitos de um filho legítimo Crianças nascidas fora do matrimônio como fruto de intercurso incestuoso ou de adultério podem ser legitimadas pelo subseqüente casa mento de seu pai e sua mãe 424 Uma criança natural reconhecida não pode reclamar direitos de uma criança legítima 425 A adoção é outro caso interessante no Código Napoleônico era um instituto legalizado mas com tantos entraves teria sido mais simples proibir O adotante deveria ter pelo menos cinquenta anos e quinze a mais que o adotado o adotante não poderia ter herdeiros e o adotado deveria ser menor de idade426 422 Livro I das pessoas Título VI do divórcio Capítulo I das causas do divórcio Artigos 229 230 423 Livro I das pessoas Título VI do divórcio Capítulo II do divórcio com causas determinadas Seção II 424 Livro I das pessoas Título VII da paternidade e filiação Capítulo III das crianças naturais Seção I da legitimação de crianças naturais Artigo 331 425 Livro I das pessoas Título VIII da paternidade e filiação Capítulo III das crianças naturais Seção II do reconhecimento de crianças naturais Artigo 338 426 Livro I das Pessoas Título VII da adoção CAPÍTULO XII AS LEIS PORTUGUESAS 1 Os Primeiros Habitantes e a Romanização Quando Roma tomou a Península Ibérica muitos povos já haviam habitado o lugar Celtas Iberos Tartéssios Cartagineses Fenícios Gre gos e os Celtiberos destacandose entre estes os Lusitanos que habi tavam o norte e o centro do que hoje é Portugal Estes mantiveram mes mo depois da romanização traços básicos de sua cultura que formaram uma das bases para a elaboração social da sociedade portuguesa427 Os lusitanos formavam pequenos estados que poderiam ser chamados aristocráticos em cidades Estas possuíam um chefe que exercia poderes políticos religiosos e judiciais sobre os habitantes428 Os romanos ao chegarem na península sofreram resistência inclusive dos lusitanos entretanto após incursões mais fortes por parte do exército romano eles acabaram por sucumbir A partir desse momento no século II aC os lusitanos embora ainda tentassem inicialmente revoltarse absorveram a cultura dos invasores No final do primeiro século aC foi feita uma reforma adminis trativa por Roma estas reformas dividiam a Península em três provín cias O atual território português encontravase na província chamada Tarraconense até o rio Douro e nos limites de outra chamada Lusitânia Com a reforma instalouse também a administração da justiça que existia baseada em uma subdivisão das províncias ou seja para fins judiciais cada província estava dividida em unidades menores chamadas conventus cada um estava responsável por administrar a justiça em seu território429 Em cada província a jurisdição máxima era exer cida pelo governador auxiliado por um conselho 427 O fenômeno conhecido como romanização vai além da conquista territorial Ele acon tecia quando os romanos integravamse à cultura local e passavam a influenciála profundamente 428 CAETANO Marcello História do direito português 3 ed Lisboa Verbo 1992 p 58 e ss 429 MARQUES H De Oliveira apud PAULA Jônatas Luiz Moreira de História do direito processual brasileiro das origens lusas à Escola Crítica do Processo São Paulo Manole 2002 p 26 assessor em que deviam figurar conhecedores do direito romano e das tradições jurídicas locais o desempenho das funções jurisdicionais se reali zava pelo governador de modo estável na capital provincial de onde tinha fixada a sua residência porque também atuava periodicamente de modo itinerante e de ordinário mediante delegados nas cidades judiciais do território provincial Os magistrados locais tinham jurisdição nas contro vérsias que não excederiam de uma determinada quantia econômica que variava segundo o or denamento de cada município e em alguns casos não eram competentes em razão da matéria em geral as localidades tinham autonomia jurisdicio nal dentro dos limites estabelecidos pela legis lação romana as sentenças pronunciadas nos juízos locais poderiam ser recorridas por apelação ante o governador430 A romanização foi coroada em 212 dC com a Constituição Antoniana que concedeu cidadania romana a todos os habitantes do império Isto significava na prática que todos os que habitavam em território romano ou conquistado por Roma teriam acesso a direitos e deveres contemplados pelas leis romanas Com essa igualdade outras consequências podem ser vistas como por exemplo o surgimento de uma grande demanda de pessoas necessitadas de conhecimentos acerca do direito romano e o problema com a duplicidade de ordenamentos jurídicos que coexistiam nas Províncias já que como havia antes de 212 leis romanas para romanos e leis aplicáveis a não romanos e essa divisão não acabaria subitamente431 A partir do início do século V dC os Germânicos começaram a penetrar também na Península Ibérica Alanos Vândalos e Suevos instalaramse até que outra tribo a dos Visigodos com um acordo com os romanos os expulsou e tomou a península O direito visigótico passa a dominar a região432 430 PARICIO Javier apud PAULA Jônatas Luiz Moreira de op cit p 75 e ss 431 PAULA Jônatas Luiz Moreira de Op cit p 75 432 Para um maior aprofundamento nesse tema conferir capítulo acerca do Direito Medieval 2 Os Muçulmanos na Península Nos últimos anos de vida de Maomé apenas parte da Península Arábica estava conquistada pelos muçulmanos após a sua morte foi formado um Estado teocrático militar governado por Califas chefes políticoreligiosos que lideraram um movimento expansionista que acrescentou territórios ao Império árabe com uma velocidade jamais vista Muitos fatores influenciaram essa expansão necessidade de ter ras férteis explosão demográfica o interesse na ampliação das atividades comerciais conversão de outros povos e a Jihad a guerra santa o dever do muçulmano de combater os infiéis Outros elementos auxiliaram na rapidez com que essa expansão se realizou a fraqueza dos Impérios Bizantino e Persa e a descentralização de poder do norte da África e a fragmentação da Europa Medieval A expansão iniciouse com a conquista de territórios persas e bizantinos em 634 Após várias vitórias na Ásia ocidental e no norte da África os muçulmanos alcançaram em 711 o estreito entre a Europa e a África chamado hoje em dia de Estreito de Gibraltar talvez por causa do nome do líder da invasão Gilbral Tarik Conquistaram a Península Ibérica mas foram derrotados em sua expansão em direção ao território dos francos Em seguida derrotados em Bizâncio acabaram por estabelecerse nos territórios conquistados sem buscar uma maior expansão Na Península Ibérica os muçulmanos ou mouros como eram conhecidos por lá permaneceram até o século XV influenciando sobremaneira a cultura da região onde hoje estão Portugal e Espanha Essa influência só não foi maior por causa da política de tolerância dos muçulmanos Estes mantinham a estrutura dos locais conquis tados mudando apenas seus nomes ou denominações buscavam também respeitar as instituições existentes inclusive no tocante ao direito assim o direito muçulmano se personalizava em razão do credo da pessoa ao contrário do direito visigótico que utilizava a raça do indivíduo Mas isso gerou situações interessantes porque em relação aos muçulmanos havia tolerância religio sa jurídica portanto o que representou em alguns territórios ou condados uma relativa autonomia administrativa e judiciária com apli cação do Código Visigótico do Direito Canônico e a conservação dos próprios juízes totalmente diferenciados dos árabes Portanto pouca aplica ção do direito muçulmano na Lusitânia433 3 O Nascimento de Portugal Nos séculos IX e X somente o norte da Península Ibérica escapava ao domínio árabe mas a partir do século XI com a formação dos reinos cristãos de Castela Aragão Navarra e Leão a luta pela expulsão dos muçulmanos iniciariaseia efetivamente Muitos nobres de outras regiões iam lutar ao lado dos cristãos da península pela expulsão daqueles que chamavam infiéis os cristãos consideravamse em uma Cruzada Santa No reinado de Afonso IV de Leão dois nobres franceses receberam do rei como recompensa por importantes serviços prestados na Guerra de Reconquista suas duas filhas em casamento e feudos Um destes feudos era o Condado Por tucalense que com tendências separatistas conseguiu em 1139 formar um reino com dinastia própria a de Borgonha e com o reconhe cimento da Igreja Como condado ou como reino independente Portugal não parou a luta pela expulsão dos muçulmanos progressivamente conquistou os territórios ocupados consolidando seus limites com a incorporação da região de Algarve Portugal nasceu com uma espada na mão é o que diz um velho ditado lusitano e é fato As guerras chamadas de Reconquista mar caram toda a organização do Estado Português Como havia uma exi gência permanente de constante mobilização militar a figura do chefe do exército foi reforçada facilitando a centralização em torno do rei Assim o Estado Português nascia como que naturalmente visto que para expulsar os muçulmanos era necessário conquistarlhes as terras mas não no modelo feudal a terra conquistada não trazia delegação de poder hereditário a propriedade da terra não significava soberania as instituições municipais eram fortes e hierarquicamente dispostas sob o rei não sob um nobre local o soberano era o supremo juiz as leis eram para todos 433 PAULA J L M de Op cit p 100 E finalmente para manter um exército era necessário renda e esta somente poderia advir de impostos que eram cobrados em nível nacional por uma burocracia muito organizada Por isso Portugal é o primeiro a tornarse um Estado no sentido moderno do termo Um dos momentos mais importantes do início da história portuguesa foi o reinado de D Diniz entre 1279 e 1325 porque a formação da Nação Portuguesa deveuse muito aos atos deste monarca que unificou a língua em todo território impondo o português nos documentos públicos que antes eram escritos em latim e a fundação de Universidades Esse mesmo monarca fez valer em Portugal um documento legal que já vigorava na Espanha a Lei das Sete Partidas Esta era uma exposição jurídica de caráter enciclopédico inspirado basicamente no direito romano e no direito canônico que tinha em vistas suplantar os costumes e o chamado direito velho434 O direito velho que sobreviveu ainda por algum tempo depois de D Diniz e que era alvo dos que pretendiam eliminálo tendo como via uma maior centralização do direito era caracterizado pela brutalidade nos preceitos jurídicos como o arrasamento de aldeias inteiras como punição para crimes bem como pelas leis dos primeiros monarcas que não chegaram a gerar um corpo legislativo unitário Esse direito antigo tem também como propriedade a utilização da Justiça Privada e da vingança435 O direito muçulmano cuja influência se fez sentir pela ocupação na península trouxe segundo Marcello Caetano uma onda de insti tuições consagradas pelo Alcorão entre elas a vindicta privada que acabou por atrasar a inserção da ideia de Direito Público no Direito Português sendo portanto compreensível que nos primeiros tempos da história do direito luso tenha coexistido justiça pública aplicada por concelhos senhores juízes e pelo rei e a justiça privada exercida pelos parentes ou grupo da vítima436 434 Ibidem p 127 435 A vingança é uma reação a um ato que se considera injusto reação essa tida pela própria vontade do autor já a Justiça Privada é a vingança institucionalizada já que após um julgamento é dado a um indivíduo ou a um grupo o direito de agir contra o que foi condenado pelo crime 436 CAETANO Marcello Op cit p 248 Como exemplo dessas verdadeiras guerras pri vadas geradas por sentimentos de vingança podemos citar as Assuadas que eram bandos que fidalgos convocavam para retribuir ofensas recebidas A princípio Afonso III as proibiu prevendo como pena o degredo a expulsão do país porém de nada adian Assim o início da história codificada do direito português é o início da luta contra o direito privado que existia em detrimento do direito público Este passou a ser formado baseado no renascimento do direito romano que foi propiciado pelas universidades que surgiam e pela utilização do direito canônico como direito subsidiário e como fonte de aprendizado do modo de feitura de códigos e leis Tendo essas questões em vista foi ainda no reinado de D Diniz que o serviço judiciário foi reestruturado com a criação do cargo de juiz em que este teria competência para julgar questões entre os cidadãos e os oficiais régios com jurisdição na cidade juízes alvazis dos avençais e com judeus que estivessem sob proteção real chamados juízes dos judeus já os juízes que tinham por competência tutorias e o julgamento acerca de inventários de menores órfãos eram chamados de Juízes dos Órfãos437 Esse monarca também aumentou o número de almotacés que a princípio eram inspetores encarregados da exata aplicação dos pesos e medidas e da taxação e distribuição dos gêneros alimentícios introduziu o cargo de Procurador do Concelho que tinha a atribuição de cuidar dos interesses públicos o que faz com que alguns autores considerem este como sendo o gérmen do Ministério Público e dimi nuiu sobremaneira o poder dos senhores de terra principalmente no tocante à aplicação do direito visto que ele eliminou a possibilidade desses julgarem recursos ou apelações das sentenças dos territórios onde não era exercida a jurisdição senhorial essas decisões era examinadas pela Corte438 4 A Era das Ordenações439 41 As Ordenações Afonsinas Essa legislação a primeira compilação de fato com características eminentemente portuguesas nasceu com esse intuito mesmo ser tou Somente após quase um século quando acrescentaram à proibição a pena de multa de 1000 libras a perda de terras e o exílio à Assuada deixou de ser praticada 437 Ibidem passim 438 Ibidem p 324 439 Ordenações atos emanados do poder executivo através dos quais na Península Ibé rica medieval eram promulgadas normas decisões e outras medidas destinadas a re portuguesa diferenciarse da legislação espanhola Esse sentimento cresceu em Portugal principalmente durante e depois da Revolução de Avis uma questão políticodinástica que tomou ares de emancipação dinástica entre Castela e Portugal criando ou renovando um senti mento nacional que a Ordenação veio reforçar A Revolução de Avis foi resultado de uma crise econômica do século XIV somada a uma crise dinástica ou seja o rei D Fernando havia morrido sem deixar herdeiros homens e sua filha era casada com o rei de Castela que se interessava muitíssimo em anexar Portugal a seus domínios A nobreza sairia ganhando com essa anexação já que o rei de Castela beneficiava os donos de terra a burguesia mercantil sairia enfraquecida e o povo tenderia a ter mais problemas porque com o reforço no poder dos nobres estes poderiam proibir o êxodo rural fenômeno que crescia em Portugal Com o maior poder de sustentação de uma guerra a burguesia conseguiu colocar no poder o irmão bastardo de D Fernando que em 1385 foi oficialmente coroado com o nome de D João I As Ordenações Afonsinas começaram a ser feitas no reinado de D João I que ascendeu ao trono nessa Revolução e colocou a dinastia de Avis por cerca de dois séculos no trono Português Junto com essa dinastia ascendeu ao poder o grupo mercantil urbano cujos interesses tornaramse os objetivos nacionais Entretanto por vários problemas inclusive dinásticos novamente o trabalho só foi concluído em 1446 portanto quase cinquenta anos depois de seu início Um dos objetivos da Revolução de Avis era defender a inde pendência portuguesa fortalecendo o poder real Um Estado forte era interessante à burguesia pois o apoio do Estado era primordial para a promoção do comércio e da navegação Esses objetivos transparecem nas Ordenações Afonsinas Outro alvo da feitura das Ordenações era diminuir ou acabar com as várias e muitas vezes concorrentes leis dispersas pelo reino Assim afirma o proêmio do Livro I das Ordenações Afonsinas gulamentar os mais diferentes assuntos Por outro lado o termo pode também significar coletâneas de preceitos ou códigos oficiais referentes predominantemente ao direito português e espanhol Em Portugal são especialmente importantes as Ordenações Afonsinas as Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Dicionário de nomes termos e conceitos históricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 291 No tempo que o mui alto e mui excelente Príncipe ElRei D João de gloriosa memória pela graça de Deus reinou em estes reinos foi requerido algumas vezes em cortes pelo fidalgos e povos dos ditos reinos que por bom regimento deles mandasse prover as leis e ordenações feitas pelos reis que ante ele foram e acharia que pela multiplicação delas se recreciam continuada mente muitas dúvidas e contendas em tal guisa que os julgadores dos feitos eram postos em tão grande trabalho que gravemente e com grão difi culdade os podiam diretamente desembargar 440 As Ordenações Afonsinas são divididas em cinco livros o primeiro é relativo aos regimentos dos cargos públicos régios e municipais compreendendo o governo a justiça a fazenda e o exército o segundo é sobre Direito Eclesiástico jurisdição e privilégios dos donatários as prerrogativas da nobreza e o estatuto dos judeus e dos mouros o terceiro livro diz respeito ao processo civil o quarto é de direito civil englobando o direito das obrigações e contratos o direito das coisas o direito de família e sucessões o quinto e último livro aborda o direito penal e o processo penal Essa legislação foi feita sob a técnica da Compilação ou seja a transcrição na íntegra das fontes já existentes seguida da declaração de termos que confirmavam alteravam ou eliminavam estas fontes Foram fontes as leis gerais as resoluções régias as petições as dúvi das apresentadas em Corte as concórdias as concordatas as bulas Somente o Livro I utilizouse de um outro estilo o decretório ou legis lativo que é a formulação direta das normas sem apoiarse em ne nhuma fonte441 A Estrutura Judiciária colocada pelas Ordenações Afonsinas con tava com Magistrados Singulares e Tribunais Colegiados de segundo e terceiro graus de jurisdição além de magistrados com funções específicas postos acima dos Tribunais Colegiados Os Magistrados Singulares eram 440 CAETANO Marcello Apud PIERANGELI José Henrique Códigos Penais do Brasil 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 p 51 441 COSTA Mario Julio de Almeida História do direito português 3 ed Coimbra Alme dina 1996 p 276 e ss Os Juízes Ordinários estes não eram bacharéis em direito eram eleitos pelos homensbons da Câmara Municipal442 Os Juízes de Fora bacharéis em direito nomeados pelo rei podiam substituir os juízes ordinários Os Juízes de Órfãos sua competência era o julgamento de cau sas referentes aos interesses de menores inventários e tutorias Os Juízes de Vintena eram os juízes de paz nas localidades com até vinte famílias Os Almotacéis que passaram a ter por função a apreciação de litígios sobre servidão urbana e crimes praticados por funcio nários corruptos Os Juízes de Sesmaria cuja função era o julgamento de ques tões envolvendo terras Os Juízes Alvazis dos Avençais e dos Judeus que tinham por obrigação dirimir questões havidas entre funcionários régios e entre judeus443 Os Tribunais Colegiados Segundo Grau de Jurisdição eram assim compostos Desembargo do Paço tinha por objetivo apreciar questões cíveis relativas à liberdade do indivíduo tais como graça perdão indulto privilégios etc Conselho da Fazenda a sua função precípua era a de solucionar litígios acerca de arrecadação de tributos Mesa da Consciência e Ordem responsável pela apreciação dos recursos dos demais juízes444 O Tribunal Colegiado 3o grau de jurisdição era a Casa de Suplicação que era a terceira e última instância da justiça portuguesa com competência delimitada 442 HomensBons termo empregado na Península Ibérica particularmente em Portugal durante a Idade Média para caracterizar homens que se faziam notar pela sua respeitabilidade riqueza e honradez dentro de cada aldeia ou povoado Originalmente herdeiros de proprietários os homensbons passaram a designar a burguesia de modo geral Os cargos municipais na sua quase totalidade eram monopolizados por esses personagens que decidiam sobre a maioria das questões judiciárias e administrativas Eram os homensbons que compunham os conselhos e as assembléias do município AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Op cit p 210 443 PAULA J L M de Op cit p 146 444 Ibidem p 147 Era do rei o mais alto cargo da Justiça visto que ele era o Governador da Casa da Justiça na corte que era o mais alto e principal Ofício da Justiça Seu papel era a distribuição dos Desembargadores definição dos dias de trabalho destes e do Juiz dos feitos do Procurador do Corregedor da Corte e dos Ouvidores O Juiz dos Feitos era o responsável por realizar audiências nos Tribunais de Relação ou nas Mesas de Consciência o Corregedor da Corte que acompanhava a corte por onde esta fosse era competente para conhecer questões de pessoas menos afortunadas se esse optassem pela demanda perante o Corregedor este também exa minava as contas dos Concelhos Albergarias Juízes de Órfãos etc bem como Também era deferido ao Corregedor da Corte a expedição de cartas para prisão de malfeitores acusados de delitos ou já considerados culpados bem como de petições e de agravos interpostos contra as cartas e contra os juízes corregedores Cabia também a expedição de cartas de livra mento de crimes seja para órgãos judiciais do primeiro como para o segundo grau de jurisdição e as respectivas petições e agravos Por fim determinavase ao Corregedor da Corte uma série de atividades administrativas relativas à Corte445 Os Ouvidores eram os responsáveis pelo conhecimento de todos os feitos penais que estivessem em apelação assim como no âmbito dos Tribunais de Relação a distribuição de audiências Tinha também atribuições administrativas para a condução dos serviços forenses446 As Ordenações Afonsinas têm muita influência do direito Canô nico muitas vezes inclusive temse a utilização da palavra pecado como sinônimo da palavra crime Isso gera mais que uma simples confusão de termos uma consequência imediata não importa somente a materialidade do crime mas também a intenção do acusado porque como pecado é assim que se mede a culpa do indivíduo e é através 445 Ibidem p 147 e ss 446 Ibidem p 148 dessa aferição de intenção que se pode graduar a pena se assim for possível dentro da lei Dentro da mentalidade da época vêse também que essa legislação não trabalha com uma proporcionalidade entre crime e pena para os legisladores do período a lei servia para incutir o medo con forme o grau de temor gerado pela pena Nesse sentido existiam vários delitos de várias espécies que eram passíveis de punição idêntica a pena de morte Podese citar como exemplo o crime de feitiçaria o crime de trato ilícito entre cristão e moura ou judia vários tipos de furto etc A igualdade a equidade ou qualquer palavra desse tipo que possa levar na direção de não diferenciação de pessoas não podem ser vistas na Ordenação Afonsina visto que no tocante às penas sempre fidalgos e pessoas comuns são diferenciadas assim por exemplo se um homem fosse pego em flagrante com a mulher de outro poderia ser morto pelo esposo traído entretanto se o adúltero fosse cavaleiro ou fidalgo ele não poderia ser morto447 42 As Ordenações Manuelinas Quando da feitura da parte final das Ordenações Afonsinas Portugal já havia se lançado na Expansão Marítima mas esta ainda que comandada pela burguesia carregava um caráter de Cruzada com um peso maior na conquista de terras e conversão de não cristãos a ideologia dos nobres perpassava pela mentalidade portuguesa Conforme Portugal avançava no Périplo Africano o caráter de Cruzada era suplantado paulatinamente pelos lucros advindos do empreendi mento assim a Expansão Marítima era cada vez mais Expansão Marí timoComercial Isso não poderia deixar de afetar a vida como um todo da nação portuguesa que não deixou de produzir leis extravagantes em grande quantidade mesmo depois da Ordenação Afonsina ser promulgada como forma de unificação do direito Além disso com mudanças tão grandes ocorrendo na sociedade portuguesa leis caíam em desuso mais rapidamente do que era normal em tempos anteriores As Grandes Navegações e os avanços tecnológicos e filosóficos do período também faziam mudar a mentalidade as coisas tinham que ser 447 PIERANGELLI José Henrique Códigos penais do Brasil 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 p 53 mais velozes o mundo era maior que o Mediterrâneo e o contato era um pouco mais fácil Como não querer dar mais agilidade também à legis lação O estilo em que foi escrita a Ordenação Afonsina era rebuscado e com uma linguagem muito mais próxima do Castelhano que os Portugueses agora gostariam de ter Além disso o alemão Johan Gutemberg em 1450 havia inventado a prensa de tipos móveis e com isso a legislação não somente poderia ser mais conhecida como também poderia alcançar mais gente cumprindo um dos papéis que o Estado Moderno lhe conferiu o de auxiliar a centralização do poder Assim em 1505 cinquenta e nove anos após a promulgação da Ordenação Afonsina D Manuel chamado o Venturoso mandou revi sála e a revisão acabou por gerar uma nova Ordenação a Ordenação Manuelina de 1521 A Ordenação Manuelina é diferente da Afonsina porque foi feita em estilo decretório ou seja a redação é em decretos como se fossem todas normas novas independentemente de serem e muitas vezes o eram novas formas de leis vigentes Em contrapartida as duas ordenações assemelhamse porque partem do pressuposto que quando algo não está previsto deve ser consultado o direito romano ou seja ambas mantêm o direito romano como subsidiário Outro ponto de semelhança é a estrutura e divisão dos cinco livros entretanto como era de se esperar a Ordenação Manuelina trata de maneira mais específica as questões de direito marítimo de contratos e de mercadores chegando inclusive a legislar acerca dos mercadores estrangeiros Essa normatização acerca de mercadores não lusos é um bom exemplo da influência dos mercadores locais visto que sua tendência era a proteção destes últimos obrigando os estrangeiros a somente venderem no atacado e em grandes quantidades Mandamos que os Mercadores e quaisquer pes soas de fora de Nossos Reinos que panos ou outras mercadorias trouxerem a qualquer lugar de Nossos Reinos que os vendam em grosso con vem saber os panos a balas e a peças e não a côvados nem a varas retalhados 448 No tocante a questões penais muito pouca coisa mudou de uma ordenação para a outra Os fidalgos continuavam tendo vantagens 448 Livro IV título 2 quando penalizados em detrimento dos plebeus o crime Lesa Majes tade continuava sendo considerado o pior dos delitos a pena de morte continuava sendo largamente aplicada bem como os tormentos como meio de obter confissão e como pena Podemos destacar alguns delitos que reúnem características exemplares do direito penal da época como por exemplo um não crime um homicídio que poderia ser inclusive duplo que não acar retaria pena para o ou os culpados Este era o caso do assassinato de mulher adúltera e de seu amante pelo marido e quem ele chamasse para ajudar desde que não fossem inimigos da mulher449 Achando algum homem casado sua mulher em adultério licitamente poderá matar assim a ela como aquele que se achar com ela em adultério salvo se o marido fosse plebeu e o adúltero fosse fidalgo de solar ou Nosso Desembargador ou pessoa de maior qualidade Porém quando algum matasse alguma das sobreditas pessoas achando o com sua mulher em pecado de adultério não morrerá por isso mas será degredado pelo tempo que aos Julgadores bem parecer segundo a pessoa que matar não passando de três anos450 O exemplo supra demonstra que o adultério feminino era um crime tão odioso que tornava lícito o homicídio O próximo exemplo da Ordenação Manuelina deixa claro que ainda não havia a diferenciação entre crime e pecado e que alguns pecados eram tão graves para essa sociedade que a pena não fazia distinção de pessoas além de ser aplicada também para a descendência do indivíduo que cometeu o delito neste caso a pena seria a de morte em vida considerada uma das mais cruéis criadas pelo ser humano a Pena de Infâmia Reunindo todas essas características podemos tomar o caso da sodomia 449 O homicídio o dano físico ou mesmo tirar a arma na Corte eram crimes punidos de maneira severa por esta ordenação excetuandose o caso de assassinato de adúlteros a pena era de morte e dependendo da qualidade da pessoa poderia ser também de dez anos de degredo na ilha de São Thomé 450 Livro V título 16 O degredo fazer o indivíduo ir para uma colônia ou determinado lugar foi largamente utilizado como pena nas Ordenações e em várias leis portuguesas Infelizmente para tristeza de nosso amor à pátria o pior degredo era aquele feito no Brasil assim provam as leis que indicam que os delitos considerados como sendo os piores dão ao degredado a pena de ser enviado para cá Qualquer pessoa de qualquer qualidade que seja que pecado de sodomia por qualquer guisa fizer seja queimado e feito por fogo em pó por tal que jamais nunca do seu corpo e sepultura possa ser havida memória e todos os seus bens sejam confiscados pela Coroa de Nossos Reinos posto que tenha ascendentes ou descendentes e mais pelo mesmo caso seus filhos e descenden tes ficarão inábeis e infames assim propria mente como os daqueles que cometem o crime da lesa Majestade contra seu rei e senhor451 É dada a D Manuel o Venturoso a qualidade de ter exigido com maior ímpeto a formação acadêmica de direito para aqueles que trabalhavam com a Justiça em seu reinado os Juízes de Fora eram obrigatoriamente advogados formados mas apesar disso ou por causa disso dirão os críticos a fama dos operadores do direito não era das melhores Assim a Ordenação Manuelina legisla acerca de advogados e Procuradores que advogam para ambas as partes Livro V título 55 e tenta evitar o suborno daqueles que aplicam o direito Defendemos a todos os Julgadores e Desembar gadores e assim a quaisquer outros oficiais as sim da Justiça como da Nossa Fazenda e bem assim da Nossa Casa de qualquer sorte ou qua lidade que seja e assim também os da gover nança das Cidades Villas e Lugares e outros quaisquer que sejam que não recebam para si nem para um filho seu nem pessoa que debaixo de seu poder esteja nenhuma dádiva nem presentes de nenhuma pessoa que seja 452 Com o passar do tempo novas leis foram sendo elaboradas umas alteravam dispositivos da Ordenação outras os revogava parcialmen te outras ainda somente esclareciam o texto Essas mudanças produ ziam uma dispersão que obviamente dificultava o trabalho dos operadores do direito e da população em geral Somado a isso houve a 451 Livro V título 12 452 Livro V título 56 reforma da Universidade de Coimbra em 1537 o que gerou um afã legislativo muito grande Tendo em vista a menoridade do herdeiro do trono D Sebastião seu regente D Henrique incumbiu Duarte Nunes Leão de compilar as leis posteriores o que foi feito sendo aprovado em 1569 Alguns autores denominam essa legislação de Compilação de D Duarte Nunes Leão outros a chamam de Código Sebastiânico 43 As Ordenações Filipinas453 D Sebastião que assumiu o trono aos quatorze anos em 1571 foi criado por Jesuítas e era um adolescente com uma tipicidade perigosa para um monarca absolutista ele desejava ser herói e em certa medi da por alguns séculos o foi para muitos Seu mito chegou a influenciar a Guerra de Canudos embora para a história talvez ele tenha entrado como um tolo Em 1578 ele saiu de Portugal à frente de um exército de 18000 ho mens para tentar fazer o que considerava seu destino combater os infiéis no caso os muçulmanos e disseminar a fé cristã D Sebastião perdeu a batalha de AlcácerQuibir no norte da África e seu corpo nunca foi encontrado O problema era que ele não tinha filhos o que abriu uma séria crise dinástica Quando um monarca não tem herdeiros diretos em linha des cendente são procurados outros parentes e o homem mais próximo em parentesco pode assumir o trono Assim foi no caso de Portugal D Henrique tioavô de D Sebastião ascendeu ao trono mas veio a falecer sem herdeiros visto que embora não seja impeditivo ele era Cardeal Assim extinguiuse a dinastia de Avis e dessa forma abriuse uma crise dinástica porque não havia herdeiros diretos Vários candidatos apresentaramse para a sucessão o mais forte foi o rei de Espanha Filipe II neto de D Manuel e supremo chefe de uma das maiores forças militares da época Por esse último motivo todos os pretendentes ao trono português perderam suas possibilida des e Filipe tornouse ao mesmo tempo rei da Espanha e de Portugal é a chamada União Ibérica Essa união dos dois países poderia gerar o fim de Portugal como nação independente entretanto os portugueses impuseram algumas 453 Por sua importância histórica pelo vasto período que vigeu buscaremos um maior detalhamento desse documento legal condições no sentido de salvaguardar seus próprios interesses o que resultou em uma separação relativa de Portugal e impediu a união com pleta entre os dois países Em 1581 as Cortes Portuguesas apresentaram exigências ao no vo rei que as aceitou dando origem ao Juramento de Tomar Por esse juramento Filipe II permitiria que o comércio colonial de Portugal fosse feito por navios portugueses comandados por portugueses as auto ridades espanholas não poderiam se imiscuir nos assuntos coloniais portugueses No campo administrativo os portugueses continuariam a ocupar os cargos as leis e costumes de Portugal seriam respeitados e seria mantida a língua portuguesa como língua oficial Foi no reinado de Filipe II que foi promulgada a Ordenação Filipi na em 1603 o mais duradouro documento jurídico tanto da história de Portugal quanto do Brasil454 Jônatas Luiz de Paula indica três motivos para a feitura desse documento legislativo desejo de centralização do poder real desejo dos juristas de impor o direito romano e a tendência de repelir a influência canônica que pelas leis de D Sebastião havia sido admitida455 A Ordenação Filipina segue a técnica da compilação revisando também um pouco das normas contidas na Ordenação Manuelina que foi uma de suas principais fontes ao lado da compilação de Duarte Nunes Leão ou Código Sebastiânico Inovações de fato foram pou cas o caráter português da legislação foi preservado por isso podese afirmar que antes de tudo essa Ordenação é a reforma da anterior mais do que uma nova mesmo na composição e assuntos dos livros é seguido o exemplos das ordenações anteriores A estrutura judiciária da Ordenação Filipina é um pouco mais com plexa que a das anteriores e já que esta esteve em vigor em Portugal e no Brasil por tanto tempo é interessante observar as bases desta estrutura A quantidade de juízes singulares aumentou e proliferaram as funções específicas de cada um os Tribunais Colegiados de segundo e terceiro graus de jurisdição também seguiram o mesmo caminho456 Os Juízes Singulares eram 454 A respeito da Ordenação Filipina e o Brasil trataremos no capítulo pertinente 455 PAULA J L M de Op cit p 166 456 Acerca deste assunto por sua síntese didática seguiremos de perto PAULA J L M de Op cit p 167171 O Juiz das Casas da Índia Mina Guiné Brasil e Armazéns que eram responsáveis pelas questões ultramarinas relativas à arre cadação fiscal De suas decisões cabiam recursos aos Desem bargadores dos Agravos da Casa de Suplicação O Ouvidor da Alfândega da cidade de Lisboa tinha competên cia para apreciar feitos cíveis entre mercadores bem como ques tões cíveis e criminais que envolvessem funcionários de postos importantes O Chanceler das Sentenças que era o responsável pelo selo das sentenças e cartas expedidas por alguns outros juízes singu lares O Corregedor da Comarca era quem deveria vigiar os membros da Justiça exercendo a correição na comarca podendo ser auxi liado por tabeliães do local com o objetivo de apurar as culpas querelas e estados destas pessoas Apreciava também os agra vos de instrumento e cartas testemunháveis provenientes da correição os recursos de agravo versando sobre a incompetên cia de juízo ou sobre nulidade notória da decisão Eventual mente poderia substituir os juízes de fora e também conhecer das suspeições arguidas em relação a juízes ordinários e de fora Se uma causa tivesse como uma das partes juízes alcai des fidalgos tabeliães abades e priores ele teria competência para conhecer O Ouvidor da Comarca que exercia as mesmas funções do Cor regedor e contra seus atos caberia agravo para o Corregedor O Ouvidor era nomeado por Carta Régia e exercia seu mandato por três anos O Juiz Ordinário era o indivíduo anualmente eleito entre os homensbons nas Câmaras Municipais e tinham competência para causas cíveis criminais e competência subsidiária das causas atinentes ao juiz de órfãos Suas decisões somente po deriam ser impugnadas através de julgamento de recurso na Relação respectiva do município de sua alçada O Juiz de Fora substituíam os juízes ordinários nas causas cíveis cujo valor não ultrapassasse mil réis nos bens móveis e nas localidade de até 200 casas bem como como tinham a competência para causas de bens móveis com valor de até 600 réis e bens imóveis até 400 réis O Juiz de Vintena existia nas localidades com 20 a 50 casas e afastadas de uma cidade ou vila em uma ou mais léguas Era eleito entre os homensbons e tinha competência para apre ciar querelas de até 100 réis Não eram de sua competência as questões criminais entretanto poderia decretar prisões e enviar o feito para o juiz ordinário O Almotacés com competência para julgar as coimas multas impostas aos proprietários de animais que pastam em lugar in devido e despachava nos recursos de agravo e apelação para fins de seu processamento e tinha competência para as causas relativas a servidão urbana e crimes praticados por funcionários públicos O Juiz de Órfãos apreciava questões relativas aos interesses de menores inventários e tutorias O Juiz de Sesmaria era escolhido pela Mesa do Desembargo do Paço ou pelos governadores sua função era apreciar demandas acerca de medição e demarcação de sesmarias O Inquiridor sua função era a de inquirir as testemunhas No segundo grau de jurisdição a responsabilidade era da Casa de Suplicação e do Tribunal de Relação cada qual cuidava dos recur sos de uma parte do país A Casa de Suplicação era composta pelos Desembargadores do Paço pelo Conselho da Coroa e Fazenda pela Mesa de Consciência e Ordem e pelo Chanceler da Suplicação os corregedores e ouvidores também exerciam funções nos tribunais de segundo grau O terceiro grau de jurisdição era exercido pela Casa da Supli cação presidida pelo Regedor e composta pelo Chanceler Mor e pelos Desembargadores da Casa da Suplicação O Regedor tinha por prin cipal responsabilidade conduzir as atividades judiciais dos desembar gadores das mesas sendo reservado a ele o voto de desempate em qualquer decisão O Chanceler Mor inspecionava os documentos públi cos e extrajudiciais e era o responsável pelo juramento e tomada de posse dos cargos dos oficiais do Império A função recursal era de responsabilidade dos Desembargadores que divididos em grupos de dez apreciavam agravos e apelações A Ordenação Filipina indica quais são os casos em que o processo deve ser recebido e dessa forma realiza um resumo de crimes Os casos em que se deve e pode receber que rela são os seguintes quando for querelado de algum que sendo Cristão ora antes fosse Judeu ou Mouro ora nascesse Cristão se tornou depois a fazer Judeu ou Mouro ou de outra seita que a renegou ou pesou ou por outra maneira pôs in devidamente a boca em Nosso Senhor ou nos Santos457 que é feiticeiro sorteiro adivinha dor458 que cometeu crime de Lesa Majestade que lhe roubador de estradas que matou alguém ou dormiu com mulher de Ordem cometeu pe cado de incesto forçou alguma mulher é sodo mitigo459 alcoviteiro falsário pôs fogo em pães ou em vinhas ou em outras coisas que é ladrão de cem réis ou daí para cima que feriu seu pai ou mãe fez assuada quebrantou cadeia saltou por cima do muro estando a Cidade ou Villa cercada ou guardada ou sendo Carcereiro lhe fugiram presos fez moeda falsa ou a despendeu acinte ou cerceou a verdadeira disse testemu nho falso ou fez dizer que casou ou dormiu com criada daquele com que vive ou casou com duas mulheres sendo ambas vivas ou mulher que ca sou com dois maridos sendo ambos vivos ou sendo nosso Oficial dormiu com mulher que perante ele requeria que sendo Infiel dormiu com alguma Cristã ou Cristão que dormiu com algu ma Infiel que é barregueiro casado barregã de homem casado barregueiro cortesão barregã de homem cortesão460 que é mancebo de Clérigo461 457 Os Mouros e Judeus eram segregados com objetividade por essa legislação Os Mouros e os Judeus que em nossos Reinos andarem com nossa licença assim livres como cativos trarão sinal para que sejam conhecidos convém a saber os Judeus carapuça ou chapéu amarelo e os Mouros uma lua de pano vermelho de quatro dedos cosida no ombro direito na capa e no pelote Livro V título 94 458 Sorteiro aquele que tira a sorte De fato tal Ordenação tem leis contra adivinhos feiticeiros etc bem como proíbe terminantemente Ciganos de entrarem no Reino Livro V título 69 459 Sodomitigo sodomita aquele que atua sexualmente com outro homem Essa ordenação condena tão rigorosamente tal ato quanto as outras a diferença é que a condenação também é dada a mulheres que fazem sexo com outras mulheres Livro V título 13 460 Barregice situação de quem vive maritalmente sem ser casado 461 Mancebo aquele que vive em mancebia em concubinato amásio ou de outro Religioso ou é rufião462 que sendo degradado não cumpriu o degredo que ajudou a fugir Cativos levou coisas defesas463 para terras de Infiéis sem nossa licença ou foi ou mandou resgatar à cidade de São Jorge da Mina ou as partes e mares de Guiné que arrancou arma na Corte ou em Procissão ou na Igreja que tirou com besta ou espingarda posto que não ferisse que resistiu ou desobedeceu à Justiça fez cár cere privado tolheu algum preso à Justiça que sendo preso fugiu da Cadeia sendo Julgador deu preso sob fiança antes de sentença final de que não haja apelação nem agravo ou se disser que cometeu algum caso no qual é posta certa pena de açoites ou de degredo temporário para fora de certo lugar ou daí para cima por alguma nossa Ordenação a quem o tal caso cometer porque nestes cada um do povo pode querelar não sendo inimigo464 O julgamento pela Ordenação Filipina deve ser o mais célere possível deve ser evitada a anulação ou qualquer meio que prejudique a sentença se a verdade for sabida Assim afirma esse documento Para que abreviem as demandas com guarda do direito e justiça das partes mandamos que os Julgadores julguem e determinem os feitos se gundo a verdade que pelos processos for prova da e sabida ou pela confissão da parte não julgando mais do pedido pelo autor posto que o processo seja mal ordenado ou errado ou falte nele alguma solenidade que para boa ordem e substância do juízo se requeira 465 462 Rufião aquele que se mete em brigas por causa de mulheres de baixa reputação 463 Coisas Defesas objetos que estavam por lei defendidos protegidos como ouro prata moedas panos de lã burel almafega lã panos de linho ou de estopa liteiro linho em rama mel cera e cévo Livro V título 112 464 Livro V título 117 465 Livro III título 63 Entretanto o resultado final do julgamento poderia ser feito à custa de provas mais seguras do cometimento do crime como é o caso do exemplo apresentado abaixo Por quanto alguns Mercadores quebram de seus tratos levantadose com mercadorias que lhe foram fiadas ou dinheiro que tomaram a câmbio e se abstêm e escondem suas fazendas de ma neira que delas não se pode ter notícia e outros põe créditos em cabeça alheia e para alegarem perdas fazem carregações fingidas Querendo Nós prover como os tais enganos e roubos e outros semelhantes se não façam ordenamos e mandamos que estes acusados sejam havi dos por públicos ladrões roubadores e casti gados com as mesmas penas que por nossas Ordenações e Direito Civil os ladrões públicos se castigam e percam a nobreza e liberdades que tiverem para não haverem pena vil E quando por falta de prova ou por outro algum respeito jurídico nos sobreditos se não puder executar a pena ordinária serão condenados em degredo para galés e outra partes segundo o engano ou malícia em que forem compreen didos e não poderão mais em sua vida usar o Oficio de Mercador para o qual os havemos habilitados466 Embora em Portugal também tenha se utilizado os Ordálios como meio de prova desde muito cedo predominou a ideia de que o tribunal deveria procurar a verdade dos fatos através da inquirição direta ou da audiência de testemunhas467 A Ordenação Filipina indica quais testemunhas não devem ser utilizadas dessa forma não podem teste munhar pais mães avós avôs filhos netos bisnetos irmãos escra vos judeus mouros assim como 466 Livro V título 66 A pena para furto era a de morte a da tentativa de furto degredo para sempre no Brasil Livro V título 60 A pena para roubo era a morte também Livro V título 61 467 Ordálios conforme visto no capítulo acerca do Direito Medieval eram formas de buscar provas a favor ou contra o réu utilizando meios não ortodoxos como por exemplo fazer o indivíduo segurar um ferro em brasa se este o queimasse ele seria considerado culpado O desasisado que está livre sem memória e por tal geralmente havido não pode ser tes temunha nem será perguntado em qualquer caso que seja Os menores de quatorze anos não podem testemunhar em nenhum feito 468 O falso testemunho nos casos que envolvessem pena de morte era punido com a morte e todos os bens do que desse falso testemunho iriam para a Coroa da mesma forma pagariam os que induzissem ou corrompessem alguma testemunha Se o processo não envolvesse pena de morte o destino do mentiroso era o Brasil E se for em outros crimes que não sejam de morte e assim nos cíveis será degredado para sempre para o Brasil e perderá sua fazenda se descendentes ou ascendentes legítimos não tiver469 De fato depois da morte que era a pena mais utilizada nos crimes indicados nessa Ordenação o degredo para o Brasil estava em segundo lugar no grau de penalidades mesmo o degredo para outros lugares e açoites eram aplicados para crimes considerados mais leves Se algum degredado for achado fora do lugar pa ra onde foi degredado sem mostrar certidão pú blica para que se possa saber que tem cumprido o degredo seja logo preso e o tempo que ainda lhe ficar por servir posto que para sempre fosse degredado se era degredado para o Couto de CastroMirim sejalhe mudado e o vá cumprir e servir na África E se era para África vão cumprir ao Brasil E o que era degredado para o Brasil se por tempo dobreselhe o degredo que tiver por cumprir E se era para sempre morra por isso não cumprindo o dito degredo E fugindo do navio em que estiver embarcando para ser levado para o Brasil para sempre morra por isso470 468 Livro III título 56 469 Livro V título 54 470 Livro V título 143 A pena de morte poderia ser executada de quatro formas a con siderada pior era a morte cruel quando o indivíduo era morto através de dolorosos suplícios Mas o mais indicado pela ordenação era o vivicombúrio isto é o ato de queimar o indivíduo vivo era o caso do crime de incesto Qualquer homem que dormir com sua filha ou com qualquer outra sua descendente ou com sua mãe ou outra sua ascedente sejam queimados e ela também e ambos sejam feitos pó471 Outra forma era a morte atroz que acrescentava além da pena capital alguma outra pena como o confisco dos bens a queima do cadáver o esquartejamento do mesmo ou mesmo a proscrição de sua memória472 Podese destacar como exemplo desse tipo de pena a que se refere a escrituras falsas Os Tabeliães ou Escrivãos que fizerem escri turas ou atos falsos mandamos que morram morte natural e percam todos seus bens para a Coroa de nossos Reinos473 A morte natural a que se refere o texto acima não é aquela que entendemos nos dias de hoje a lei não previa que se esperasse que naturalmente a pessoa morresse Quando a Ordenação Filipina indica que o indivíduo deve morrer de morte natural indica outro tipo de pena de morte a morte simples que era executada mediante degolação ou enforcamento Neste último caso só eram enforcadas as pessoas de mais baixa camada social visto que esse tipo de morte era considerada como infame O último tipo de pena de morte é considerada a mais cruel de todas elas a morte civil o indivíduo mesmo vivo não tem direito algum vive como se não mais vivesse Em alguns casos o culpado do delito era morto no caso morte cruel e seus filhos teriam como herança a morte civil 471 Livro V título 17 472 PIERANGELLI José Henrique Op cit p 57 473 Livro V título 53 A Ordenação Filipina mantém a diferenciação entre as pessoas em muitos casos indicase dois tipos de pena uma para pessoas co muns e outra para os que chamam gente de maior qualidade E o homem a que for provado que tirou alguma freira de algum Mosteiro ou que ela pelo seu mando e indução se foi a certo lugar donde assim a levar e se for com ela se for peão morra por isso E se for de maior qualidade pague cem cruzados para o Mosteiro e mais será degredado para sempre para o Brasil474 Os tormentos por exemplo eram considerados demasiadamente vergonhosos para serem aplicados em pessoas de maior qualidade incluídos aí políticos e pessoas formadas em Universidades475 Havia porém alguns crimes tidos como muito graves que não haveria diferença entre pessoas E os Fidalgos Cavaleiros Doutores em Cânones ou em Leis ou Medicina feitos em Universidade por exame Juízes e Vereadores de alguma Cidade não serão metidos a tormento mas em lugar dele lhes será dada outra pena que seja em arbítrio do Julgador salvo em crime de Lesa Majestade aleivosia falsidade moeda falsa testemunho falso feitiçaria sodomia alcovitaria furto porque segundo Direito nestes casos não gozam de privilégio de Fidalguia Cavalaria ou Doutorado mas serão atormentados e punidos como cada um outro do povo476 De uma certa forma os menores também eram protegidos 474 Livro V título 15 475 Talvez tenhamos aí uma semente da ideia de prisão especial e foro especial que tanto é discutida hoje em dia 476 Livro V título 133 Os tormentos aí citados como pena somente o eram quando se tratava de açoitamento ou morte cruel Entretanto os tormentos são indicados no mesmo título como forma de obtenção de confissão Quando algum homem ou mulher que passar de vinte anos cometer qualquer delito darse lheá a pena total que lhe seria dada se de vinte e cinco anos passasse E se for de idade de dezessete anos até vinte ficará em arbítrio dos Julgadores darlhe a pena total ou diminuíla E neste caso olhará o Julgador o modo com que o delito foi cometido e as circunstâncias dele e a pessoa do menor e se o achar em tanta malícia que lhe pareça que merece total pena darlheá posto que seja de morte natural E parecendolhe que a não merece poderá diminuir segundo a qualidade ou simplicidade com que achar que o delito foi cometido E quando o delinqüente for menor de dezessete anos cumpridos posto que o delito mereça morte natural em nenhum caso lhe será dada mas ficará em arbítrio do Julgador dar lhe outra menor pena 477 5 O Período Pombalino Enquanto em alguns países o Iluminismo agiu como elemento perturbador da ordem estabelecida em outros foi utilizado para reforçar o absolutismo e assim o foi com Portugal O rei D José II 17141777 nomeou como secretário de Estado o homem que reformaria o Estado Português dando mais estabilidade a este e modernizandoo era Sebastião José de Carvalho e Melo o Marquês de Pombal Todas as reformas do Marquês tinham como objetivo último o fortalecimento do Estado visando reforçar o absolutismo e assim ele agiu mesmo em detrimento da burguesia de uma parte da nobreza e do clero Politicamente sua tônica foi a centralização administrativa levada a extremos do ponto de vista econômico ele buscou restaurar a eco nomia portuguesa que há muito apresentava problemas princi palmente por causa da dependência para com a Inglaterra No mesmo sentido ele agiu no âmbito do direito não é de estranhar portanto que 477 Livro V título 135 sua obra legislativa tivesse forte caráter publicista e visasse fortalecer o poder real Em um primeiro momento ele elaborou uma série de documentos legais com vistas a fortalecer a justiça criminal como o Alvará de 28 de Julho de 1751 que punia a todos incluindo nobres que auxiliassem na fuga de criminosos Ele criou ainda a Intendência Geral de Polícia em 1760 com o intuito de criar um temor reverencial contra o povo em favor do funcionário régio no cumprimento de suas obrigações a fim de evitar que o mesmo sofresse injúria ofensas ou até ameaça se não desistisse do seu dever478 O Marquês de Pombal legislou bastante também para proteger a economia portuguesa assim vemos leis que dão o monopólio de vinhos e vinagres à Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro a rigorosidade aplicada contra contrabandistas etc A obra de Pombal que talvez chame mais a atenção na História do direito foi a que modernizou a ordem jurídica portuguesa Essa moder nização deuse de dois modos primeiro houve a edição da Lei da Boa Razão de 18 de Agosto de 1769 que reformulava a estrutura jurídica do direito subsidiário esclarecendo aspectos das novidades fixando deferência pelas leis pátrias e pelos estilos da corte cuja autoridade exclusiva com petia aos assentos da Casa de Suplicação fixando regras para a validade do costume ser conforme à boa razão não contrariar a lei ter mais de cem anos de existência nos casos omissos isto é ausente o direito e costume pátrios recorrerseia ao direito subsidiário mas o direito romano somente seria aplicado se fosse conforme à boa razão recta ratio jurisnatu ralista isto é desde que correspondesse aos princípios do direito natural ou do direito das gentes 479 478 PAULA J L M Op cit p 190 Essa preocupação já é encontrada na Ordenação Filipina no Livro V títulos 49 e 50 479 Ibidem p 191 O segundo modo foi a reforma dos Estatutos das Universidades esta foi feita após o estudo de uma Comissão o que gerou a Carta de Lei de 28 de Agosto de 1772 que introduziu as cadeiras de Direito Natural História do Direito Romano e do Direito Pátrio Direito Público Universal e Direito das Gentes O estudo do direito pátrio era o que ensinaria a interpretação e a execução das leis um marco para a época480 6 As Constituições Portuguesas Portugal iniciou seu caminho constitucional um tanto tortuoso é verdade depois da situação gerada pela invasão da França Napoleônica e da transferência da Família Real Portuguesa para o Brasil Desde a transferência da Corte Portugal vivia uma situação única estranha e sem precedentes Em 1808 sofreu a invasão francesa e depois da expulsão dos franceses passou a viver sob o poder direto da Inglaterra até a Revolução do Porto de 1820 Portugal foi governado por Lord Beresford Somente essa situação já seria o bastante para gerar desconten tamentos profundos entre os portugueses Entretanto havia mais pro blemas Portugal havia se habituado ao parasitismo colonial e após a elevação de fato e de direito do Brasil à condição de Reino Unido nada menos que nove décimos de todo comércio externo português acabou ou saiu de suas mãos para as mãos da Inglaterra Os Portugueses insatisfeitos fizeram uma revolução em 1820 e formaram um governo a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino que já em dezembro do mesmo ano mandou fazer uma eleição de deputados para as Cortes Extraordinárias Constituintes convo cadas para Lisboa O primeiro passo das Cortes foi o de aprovar o projeto de Bases da Constituição Portuguesa em Março de 1821 Os constituintes parecem ter querido apresentar os princípios que norteariam a substituição da antiga legislação pelo inspirados nos ideais iluministas da Revolução Francesa novo pacto social indicando a base da Constituição que seria feita 480 Ibidem p 192 Esse documento é dividido em duas seções Na primeira foi feita uma Declaração de Direitos seguindo os moldes norteamericanos e franceses na segunda eles preocuparamse em estabelecer as bases políticas do novo Estado português Sobre essas bases foi elaborado o projeto de Constituição que após muitos debates foi promulgado em 23 de setembro de 1822 e em outubro do mesmo ano foi jurada por D João VI Tem como fontes a Constituição Espanhola de 1812 e inspirase na Constituição Francesa de 1791 e na de 1795 assim encontramos ideais iluministas como a soberania nacional a separação de poderes e a liberdade política Este é o mais antigo texto constitucional de Portugal e é consi derado por muitos como sendo tecnicamente muito bem elaborado entretanto seus avanços políticos e sua técnica não foram suficientes para fazer com que fosse colocada em prática Em novembro de 1822 as potências da Santa Aliança reunião de países que visava refazer conforme seus interesses a Europa após Napoleão resolveram intervir na Espanha e acabaram por invadir esse país e restaurar a monarquia absolutista Animados com esses fatos portugueses contrários a qualquer limitação do poder real inclusive opositores de qualquer constituição promoveram uma revolta que ficou conhecida como Vila Francada liderada pelo Infante D Miguel irmão de D Pedro I do Brasil que revogou a constituição e restaurou o absolutismo Com a morte de D João VI uma crise iniciouse visto que o her deiro de fato seria D Pedro que era imperador do Brasil mas existiam muitos que defendiam a coroação de D Miguel pois temiam que D Pedro não desejasse residir em Portugal fazendo com que a admi nistração de Portugal fosse para o Rio de Janeiro Como solução e ainda para tentar aliviar animosidades e desconfianças no Brasil D Pedro abdicou do trono português em favor de sua filha de sete anos Maria da Glória que deveria como condição para a abdicação casarse com o tio D Miguel e que em Portugal uma nova Carta Constitucional fosse jurada A nova carta a Constituição de 1826 chamada por muitos de Carta Constitucional simplesmente foi feita no modelo que já havia sido aplicado no Brasil uma dádiva de D Pedro ao povo português Aliás sua principal fonte foi a Constituição brasileira de 1824 dessa forma podemos ver o Poder Moderador também nessa Constituição481 481 Sobre o Poder Moderador veremos mais amiúde quando tratarmos de Brasil Império Após o juramento por todos ela entrou em vigor Entretanto a hostilidade a esse documento legal vinha de vários setores inclusive dos militares que iniciaram uma revolta Nesse clima D Miguel aclamouse rei e em 1828 a Carta foi anulada e iniciouse um período de guerra civil que somente iria terminar em 1834 com a derrota de D Miguel para D Pedro que abdicara no Brasil e com a morte daquele A Carta Constitucional voltou a vigorar Uma revolta chamada Setembrista obrigou D Maria II a retornar com a Constituição de 1822 ao mesmo tempo em que uma nova Cons tituição era elaborada As Cortes Gerais Constituintes reuniramse pela primeira vez em janeiro de 1837 e no decurso de seus trabalhos golpes de Estado foram tentados e revoltas armadas agitaram o país Entretanto o governo conseguiu manterse e em abril de 1838 Portugal tinha uma nova Constituição O princípio da tripartição de poderes foi reinstalado assim como o bicameralismo das Cortes Outras características dessa Constituição foram o veto absoluto do rei e a descentralização administrativa Se compararmos esta com as outras constituições portuguesas podemos considerar que ela tomava uma posição intermediária entre o radica lismo da Constituição de 1822 e a unilateralidade da Constituição Outorgada de 1826 Em 1842 um golpe de Estado restaurou a Carta Constitucional de 1826 que permaneceu até 1910 ano da Proclamação da República em Portugal com revisões em 1852 1885 e 1896 A República foi proclamada em 5 de outubro de 1910 no mesmo dia organizouse um governo provisório que estabeleceu as regras para as eleições para deputados constituintes A Assembleia Constituinte reuniuse a partir de abril de 1911 sendo promulgada a Constituição em agosto do mesmo ano As principais fontes desse texto constitucional são a Constituição Republicana brasileira de 1891 e a Constituição de 1822 Exerceu tam bém considerável influência no texto constitucional de 1911 o programa do Partido Republicano Português A Constituição veio a ser revista pela primeira vez em 1916 Já em 1915 durante a breve ditadura de Pimenta de Castro havia sido sus pensa Porém em 1917 em virtude da revolta militar de 5 de Dezembro Sidónio Pais tentou buscar uma forma mais perdurável à legalidade constitucional fazendo publicar autoritariamente o Decreto no 3997 que veio instituir uma orientação presidencialista antiparlamentar e acentuadamente autocrática Mas em seguida à morte do Ditador 14121918 o Congresso repôs em vigor a Constituição de 1911 Por su cessivas leis de 1919 1920 e 1921 a Constituição foi sujeita a altera ções sendo as mais importantes o direito concedido ao presidente da República de dissolver as Câmaras a regulamentação escrita dos poderes do Governo durante o período de dissolução do Congresso a aprovação das bases da reforma da administração ultramarina no sentido duma larga autonomia Em 28 de Maio de 1826 deuse nova revolta militar que instituiu outra vez a ditadura O Decreto de 9 de junho de 1926 dissolveu o Con gresso da República altura em que cessou de fato a vigência da Constituição de 1911 que somente veio a ser substituída pelo texto constitucional que entrou em vigor em 11 de abril de 1933 A atual Constituição de Portugal foi promulgada em 1976 após a reinstalação da democracia CAPÍTULO XIII BRASIL COLÔNIA 1 Sem Fé sem Lei sem Rei Os habitantes originais do território que hoje é o Brasil eram múltiplos em tribos etnias línguas Havia aqueles que trabalhavam melhor o solo e tinham a necessidade de fazer artefatos de barro mais elaborados como a cultura marajoara havia aqueles que viviam na costa podendo se dar ao luxo de plantar mandioca e às vezes milho mas não guardálos Eles viviam em comunidades caracterizadas pela inexistência da propriedade privada somente alguns artefatos poderiam de fato ser considerados como sendo de propriedade de uma família ou de um indivíduo como uma arma por exemplo O caráter comunitário da pro dução implicava em uma economia que buscava assegurar estrita mente o que era para consumo a maior parte das tribos não tinha excedentes e se porventura houvesse de vez em quando excedentes aí haveria troca com outras tribos ligadas por consanguinidade Das várias línguas a mais utilizada era o tupi que não tinha a pronúncia da letra F da letra L ou da letra R o que foi utilizado pelos portugueses como uma forma de depreciação do índio porque em se partindo de uma comparação com os europeus da época como os índios não eram cristãos não tinham fé como não legislavam não tinham lei como não tinham um chefe supremo não tinham rei Porque se não tem F é porque não têm coisa alguma que adorem nem os nascidos entre cris tãos e doutrinados pelos padres da Companhia tem fé em Deus Nosso Senhor nem têm verdade nem lealdade a nenhuma pessoa que lhes faça bem E se não têm L na sua pronunciação é porque não têm lei alguma que guardar nem preceitos para se governarem e cada um faz a lei a seu modo e ao som da sua vontade sem haver entre eles leis com que se governem nem têm leis uns com os outros E se não têm R na sua pronunciação é porque não têm rei que os go vernem e a quem obedeçam 482 Para europeus já acostumados com a centralização política de uma monarquia absoluta era estranho não identificar alguém nas tribos com poder que pudesse ser colocado acima dos demais De fato cada maloca era comandada por um chefe e havia o chefe da aldeia mas o poder deste último não era muito maior que os dos chefes das malocas Esse chefe também chamado de Principal tinha como obrigação que o diferenciava dos outros o fato de ir à frente na guerra não no sentido figurado de dar ordens e de dar presentes aos visitantes Quanto às leis de fato eles não as tinham não no modelo europeu que contava com códigos nem sempre organizados e com autoridades supremas que impunham a lei Mesmo Anchieta estranhava o fato de eles serem por vezes desobedientes afirmando que muitas vezes os índios recalcitravam e que os filhos obedeciam aos pais quando lhes parecia interessante O estudo antropológico moderno um pouco mais distante dos preconceitos dos séculos passados observa que essa tal desobediên cia se dá por um fator que para muitos hoje é uma utopia para o futuro o respeito à vontade individual Se por um lado a tribo toda contribuía para o sustento de todos por outro ninguém obrigava ninguém a nada O total respeito dos índios à vontade do indi víduo contra qualquer necessidade ou pressão da sociedade com exceção de uma persuasão gentil foi também interpretado pelos europeus como prova de sua animalidade porque a submissão à autoridade paterna do Estado e da Igreja era considerada característica fundamental da civilização483 As grandes decisões eram tomadas pelo grupo de homens que se reunia por horas no centro da aldeia para discutir o que era valorizado era o poder de persuasão Assim os europeus não conseguiram 482 SOUZA Gabriel Soares apud MESGRAVIS Laima PINSKI Carla B O Brasil que os europeus encontraram 2 ed São Paulo Contexto 2002 p 51 483 Ibidem p 49 As crianças não sofriam castigos físicos a educação era pelo exemplo qualquer tentativa dos jesuítas em tentar obrigar as crianças a fazer algo por meio de repreensões severas gritos e pancadas gerava uma reação indignada dos pais identificar uma liderança forte porque ela não cabia em um modelo como este Léry um viajante da época da colônia criticava a atitude dos europeus que menosprezavam o que consideravam a primitividade dos índios É coisa incrível e de envergadura os que con sideram as leis divinas e humanas como simples meios de satisfazer sua índole corrupta que os selvagens guiados apenas pelo seu natural vivem com tanta paz e sossego484 Mas havia regras elas não eram escritas porque os índios do território que Portugal tomou posse não tinham escrita Eram regras variáveis de tribo para tribo mas algumas questões eram comuns A divisão do trabalho era feita através de critérios sexuais ou etários homens caçavam guerreavam e preparavam o terreno para o plantio as mulheres cuidavam da agricultura do preparo de alimentos da feitura de cestas e objetos485 Para alimentação havia algumas proibições embora os índios não tenham domesticado animais utilizáveis em trabalhos agrícolas os animais domésticos se tornavam tabus alimentares Assim eles não comiam por exemplo as galinhas brancas e os porcos domésticos embora comessem os porcos do mato486 O casamento era preferencialmente realizado na forma avuncular ou seja matrimônio do tio materno com a sobrinha e era através destes que eram acertadas as alianças A obtenção de esposas fora dos arranjos preestabelecidos era possível porém o noivo era obrigado à prestação de serviços aos pais tios e irmãos da noiva antes e depois do casamento487 Antes do casamento em muitas tribos não havia a concepção de virgindade entretanto depois de realizado a fidelidade da mulher era mais cobrada que a do homem Casarse era tão simples quanto divorciarse após declaração de ambas as partes estava feito 484 Léry apud MESGRAVIS op cit p 52 485 Elas plantavam milho batatadoce e mandioca 486 MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Orgs Brasil história texto e Consulta Colônia São Paulo Hucitec 1991 v 1 p 63 487 HOLANDA Sergio Buarque de História geral da civilização brasileira a época colo nial Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 v 1 p 77 A poligamia era permitida e o homem com mais de uma esposa tinha seu prestígio reforçado Uma das esposas era eleita a predileta podendo inclusive passar a substituir as demais no papel sexual488 Mas a poliandria também existia em algumas tribos isto é para algumas comunidades principalmente as matrilineares havia a possibilidade de uma mulher ter vários maridos489 Todas essas relações eram reguladas pelo parentesco que podia ser matrilinear em que são considerados parentes apenas os de linha materna o patrilinear são parentes os do lado do pai somente e o bilateral o parentesco existindo de ambos os lados 2 Os Tratados Antes do Brasil e Limites de Terras Muito antes da tomada de posse por Cabral o território brasileiro já era alvo de disputa por parte de Espanha e Portugal daí podermos considerar que os primeiros documentos com valor jurídico relativos ao que chamamos hoje de Brasil são anteriores à própria existência jurídica do Brasil Alguns autores como Walter Vieira do Nascimento indicam a Bula Inter Coetera de 1493 e o Tratado de Tordesilhas de 1494 como sendo os documentos que trazem a posição de primeiros documentos jurídicos que afetaram o que é hoje o Brasil mas eles são o segundo e o terceiro490 Mesmo antes da viagem de Colombo houve um Tratado celebrado entre Portugal e Espanha em 6 de março de 1480 o Tratado de Toledo que dava a Portugal a exclusividade de águas e terras ao sul das Canárias Embora possamos discutir nesse e em outros tratados a validade ou moralidade dos mesmos ao sul das Canárias o Brasil está até hoje A viagem de Colombo veio a estremecer o relacionamento entre as duas Coroas Ibéricas e fez com que o rei português da época D João II fundamentado no diploma de 1480 procurasse garantir seus direitos através de uma demonstração de força Ele mandou aprontar uma armada como era chamado um conjunto de navios de guerra para 488 Ibidem p 78 489 MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Op cit p 64 490 NASCIMENTO Walter Vieira do Lições de história do direito 13 ed Rio de Janeiro Forense 2001 p 191 enviar às ilhas visitadas por Colombo porque considerava que estas lhe pertenciam Para se defenderem Isabel e Fernando os Reis Católicos da Espa nha buscaram apoio no papa Em 4 de maio de 1493 o Papa Alexandre VI expediu a Bula Inter Coetera que lhe dava domínio exclusivo de todas as ilhas e terras firmes já descobertas ou que se viessem a descobrir situadas a ocidente de uma linha meridiana traçada de polo a polo que passasse cem léguas a oeste de qualquer das ilhas dos Açores e Cabo Verde contanto que estas ilhas e terras não fossem possuídas por algum príncipe cristão antes do Natal de 1492491 Embora a demarcação da bula papal tenha salvaguardado as rotas portuguesas do Atlântico Sul ou seja o caminho marítimo para as Índias ainda assim não era interessante para Portugal por isso D João II recusouse a aceitar a Bula Inter Coetera e pressionou a Espanha que recém saíra da guerra contra os Mouros e receava entrar em outra guerra para que um arranjo fosse feito Ultimouse em Tordesilhas em 7 de junho de 1494 o acordo que deu fim a longas negociações entre as duas coroas Conforme a principal cláusula do diploma as duas monarquias estabeleciam o meridiano traçado a 370 léguas a oeste das Ilhas Cabo Verde tudo o que estivesse a oeste seria espanhol a leste de Portugal O Tratado de Tordesilhas foi feito com total consciência do que Portugal desejava todo o Atlântico Sul estava sob o domínio portu guês o caminho para as Índias era exclusivamente dos lusitanos as terras que ou eles tinham certeza que existiam ou tinham uma forte presunção de existência mesmo que não fossem totalmente interes santes aumentariam o patrimônio português E como foi feito antes de certezas completas o Tratado foi pensado para não funcionar Não se indicou porém no diploma de Torde silhas o sítio de Cabo Verde que se tomaria para a medição da contagem das 370 léguas apesar de os pontos extremos do arquipélago distarem entre si 20 a 40 graus de longitude Dirseia que os plenipotenciários lusocastelhanos pole mistas de Tordesilhas jamais acreditaram no 491 DIAS Manuel Nunes Expansão européia e descobrimento do Brasil In MOTA Carlos Guilherme Org Brasil em perspectiva 4 ed São Paulo Difusão Européia do Livro 1973 p 23 exato cumprimento do ajuste entre as duas Coroas litigantes 492 3 O Antigo Sistema Colonial e os Primeiros Documentos Jurídicos na Colônia O Brasil dos primeiros tempos não era em nada interessante para Portugal neste primeiro momento interessavam mais a Portugal as Índias Orientais e seus imensos e garantidos lucros Isto se explica pelo fato de que os lusitanos comerciantes exemplares se interessavam apenas por lugares que eram habitados por povos que conhecessem o sistema de trocas e produzissem excedentes e este não era o caso dos índios da América portuguesa O Brasil era uma colônia e no Antigo Sistema Colonial a Colônia existe para dar lucros para desenvolver a Metrópole tanto é assim que a colônia deve ser um local de consumo dos produtos metropolitanos e os índios no Brasil não eram um mercado considerável e de fornecimento do que a Metrópole considerava interessante O que havia de interessante era a árvore que servia para a ex tração de tintas para panos miniaturas e manuscritos o paubrasil conhecido pelos índios como Ibirapitanga ibirá pau pita vermelho O procedimento para a extração do paubrasil foi o mesmo que se havia empregado na exploração de produtos africanos e asiá ticos a árvore era considerada um produto estancado ou seja só o consentimento real dava o direito de exploração Assim foram expe didos os primeiros documentos com valor jurídico aqueles que davam mediante pagamento prévio de uma soma a indivíduos o direito de extrair por um tempo determinado a madeira No reinado de D João III 15211557 a expansão portuguesa chegou ao seu limite e Portugal começou a sentir as dificuldades de manter o imenso império colonial que passara a possuir Concomi tantemente embora os portugueses detivessem o comércio das especiarias a manutenção deste domínio não era das mais fáceis tarefas a reação muçulmana ainda se fazia presente eles lançaramse em uma Guerra Santa contra os Cristãos Portugueses com o claro objetivo de retomar o domínio do comércio 492 Ibidem p 28 E a ameaça não vinha somente dos muçulmanos outros povos inclusive os espanhóis buscavam novas rotas no oriente e ocidente O processo de centralização política em outros países promoveu um novo equilíbrio de forças na Europa e à medida que países se formavam centralizando o poder eles lançavamse em busca de mercados colônias que pudessem embasar a economia mercantil que estava em voga naquele momento Dessa forma ao mesmo tempo em que os lucros com o comércio oriental começavam a declinar embora perma necessem imensos a soberania portuguesa em territórios como o Brasil era ameaçada por nações como a França e a Inglaterra que buscavam os lugares onde Portugal e Espanha não tinham ainda tomado posse negando o Tratado de Tordesilhas493 Criavase portanto uma necessidade para Portugal de tomar posse de suas terras na América para não perdêlas O interesse entretanto somente cresceu com a descoberta na América espanhola de imensas minas de prata e ouro levando os portugueses a considerar que deveria haver também jazidas no lado leste do meridiano de Tordesilhas O problema era que Portugal não tinha condições financeiras e humanas para empreender uma posse em um território tão vasto quanto era o Brasil A solução encontrada foi uma espécie de privati zação da colonização as Capitanias Hereditárias esse sistema já havia logrado sucesso nas ilhas do norte da África Por este pedaços de terra eram doados em usufruto hereditário e os donatários maneira que eram chamados aqueles que recebiam uma Capitania ficariam responsáveis pelos investimentos de colonização Os indivíduos escolhidos para donatários recebiam as Cartas de Doação que indicavam a condição de posse de sua capitania Recebiam também os forais que indicavam seus direitos recebimento de taxas distribuição de terras nomeação de autoridades administrativas e juízes e deveres todas as despesas da colonização e ajuda a povoa dores Eles tinham o privilégio de exercer a justiça mas isto não era arbitrário nem exerciam o poder judicial e legislativo de forma isolada eram obrigados a seguir as leis do Reino e as Cartas Forais que deli mitavam suas funções Os forais eram importantes documentos 493 Essas nações baseavam suas pretensões no princípio do uti possidetis isto é cada país ficaria com os territórios que conseguisse tomar posse de fato Francisco I 15151547 da França chegou a argumentar a soberania de Portugal e Espanha exigindo o testamento de Adão e Eva que doava terras aos dois países jurídicos tendo em vista que delimitavam e indicavam poderes e deveres buscando sua definição podese compreender melhor a natu reza deste documento jurídico Nome dado em Portugal aos documentos atra vés dos quais a monarquia concedia a uma pes soa determinada terra e onde estavam contidas as normas que regeriam as relações entre quem recebia e quem doava Entre os preceitos estipu lados nos forais avultam os seguintes liberdade e garantia das pessoas e bens da terra impostos sanções para delitos e contravenções imunida des formas de detenções Os forais constituem uma espécie importante das chamadas cartas de privilégio e sua dimensões variam muito 494 Cabia aos donatários nomear seu Ouvidor para exercer a juris dição civil e criminal Houve casos em que Ouvidores nomeados por do natários foram os verdadeiros colonizadores visto que alguns dona tários preferiam enviar seus ouvidores e manterse em Portugal495 As Capitanias Hereditárias enquanto sistema de colonização foram um fracasso considerável somente duas a de Pernambuco e São Vicente conseguiram obter êxito montando um esquema produtivo baseado em fortuna própria e ajuda financeira de grupos mercantis estrangeiros O fracasso das outras capitanias deveuse principal mente ao desinteresse dos indivíduos que receberam as capitanias geralmente nobres e mercadores que não arriscariam sua fortuna em um empreendimento extremamente arriscado e os altos custos para a efetivação da posse 4 O Município o GovernoGeral e a Montagem de um Aparato Jurídico na Colônia Com o fracasso do sistema de Capitanias ficou patente que era in viável colonizar somente com capital privado mesmo assim em alguns 494 AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Dicionário de nomes termos e conceitos histó ricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 179 495 PAULA Jônatas Luiz Moreira de História do direito processual brasileiro das origens lusas à escola crítica do processo São Paulo Manole 2002 pontos da colônia foram lançadas as bases para a ocupação efetiva da terra fazendo surgir ainda que a princípio de forma dispersa aldeias povoados vilas e cidades Foram transladados para a colônia os princípios de administração local através do Município com organização e atribuições políticas administrativas e judiciárias semelhantes às da metrópole seguindo a legislação metropolitana496 Ao mesmo tempo em que se iniciava a transposição do modelo municipal português para o Brasil Portugal concluiu que era necessá ria uma maior atuação do Governo Metropolitano na colônia com vistas a produzir o resultado que o sistema de capitanias não conseguiu alcançar A criação do GovernoGeral em 1548 e sua posterior implantação no ano seguinte demonstram essa mudança de rumo Enquanto com as Capitanias Hereditárias os donatários recebiam poderes soberanos os Governadores estariam ao mesmo tempo sujeitos diretamente ao poder metropolitano e sujeitando a colônia a esse controle Em primeiro lugar acima do governador vigi lante ativo e estorvante lá se encontrava o go verno central da metrópole O governador ficava por isso em regra adstrito a normas muito precisas e rigorosas traçadas com minúcias até extravagantes e na feitura das quais era pre viamente ou pouco ouvido Além disso devia o governador prestar contas pormenorizadas da sua gestão sobretudo a seu termo 497 O GovernoGeral foi instituído mediante um Regimento que clara mente buscava superar os obstáculos encontrados com o sistema ante 496 Conferir capítulo acerca das ordenações portuguesas e estrutura judiciária municipal de Portugal 497 PRADO JÚNIOR Caio Prado Formação do Brasil contemporâneo colônia São Paulo Brasiliense Publifolha 2000 p 316 Na página seguinte o autor explica o porquê desse controle tão rígido Todas essas limitações da autoridade do governador são conseqüência do sistema geral da administração portuguesa restrição de poderes estreito controle fiscalização opressiva das atividades funcionais Sistema que não é ditado por um espírito superior de ordem e método mas reflexo da atividade de desconfiança generalizada que o governo central assume com relação a todos os seus agentes com presunção mal disfarçada de desleixo incapacidade desonestidade mesmo em todos eles rior Por esse documento cabia ao GovernadorGeral coordenar a defesa da terra contra ataques instalando fortes conservandoos construindo navios armando colonos O Regimento exigia também que o Gover nador desse sesmarias facilitasse o estabelecimento de engenhos de cana montasse expedições de exploração da terra e protegesse os interesses metropolitanos no que dizia respeito ao estanco do pau brasil e aos impostos O Regimento ainda estabelecia que o Governador fizesse aliança com os índios e desse auxílio em sua catequese evitando sua escravi zação e doandolhes terras com vistas a integrar essas populações no sistema produtivo colonial Essa parte do documento deve ser ana lisada com mais atenção porque à primeira vista parece erroneamente que os Portugueses se interessaram pelos índios e por sua liberdade da maneira mais altruísta possível A questão da não escravização do indígena é muitas vezes justifi cada com uma obra primorosa de marketing se é que podemos assim chamar dos jesuítas que interessados em ter os índios livres para a catequese não desejavam que estes fossem escravizados Um famoso jesuíta do período colonial Padre Antônio Vieira dizia serem os índios preguiçosos e pouco afeitos ao trabalho braçal É interessante que nas reduções jesuíticas os índios não pareciam ser nem preguiçosos nem inábeis para montar toda uma estrutura física e agrícola dentro dos interesses dos religiosos Paralelamente ao interesse dessa ordem que até o período Pom balino tinha grande influência no governo português o índio não era interessante como escravo por dois motivos básicos primeiro e mais importante a escravidão indígena não atendia ao principal pressuposto da relação metrópolecolônia isto é a colônia deveria sua existência para dar lucros à metrópole e enquanto a escravidão negra necessitava do comércio ultramarino que dava lucros exorbitantes a Portugal a escravidão indígena era local e não envolvia necessariamente lucros diretos à Metrópole e aos mercadores metropolitanos O segundo motivo era o interesse e até certo ponto necessidade de Portugal de tornar os índios parte da obra de colonização Isso gerou problemas que duraram muito isso porque os interesses de metrópole e colônia eram antagônicos no que diz respeito ao índio Conforme afirma Caio Prado Júnior O índio foi o problema mais complexo que a co lonização teve que enfrentar Tornouse tal pe lo objetivo que se teve em vista aproveitar o indígena na obra de colonização Aqui no Brasil tratouse desde o início de aproveitar o índio não apenas para obtenção dele pelo tráfico mercantil de produtos nativos ou simplesmente como aliado mas sim como elemento participan te da colonização Os colonos viam nele um traba lhador aproveitável a metrópole um povoador para a área imensa que tinha de ocupar muito além da sua capacidade demográfica498 Como auxiliares dos Governadores foram instituídos ainda três cargos cada qual com Regimento próprio o Provedor Mor da Fazenda que cuidava de organizar a cobrança de impostos e prover cargos o CapitãoMor da Costa com atribuições de defesa e o OuvidorMor com função jurídica administrativa499 Este último situavase como a maior autoridade da justiça na colônia entretanto conforme afirma Caio Prado Júnior não podemos contar com uma divisão de poderes tão bem caracterizada quanto vemos hoje nas sociedades modernas portanto muitas vezes as atribuições poderiam se confundir ou sobrepor dependendo exclusivamente da personalidade ou interesses daqueles que compunham o GovernoGeral500 A princípio o OuvidorMor era independente mas poucos meses após a implantação do GovernoGeral a função do Ouvidor vinculouse ao Governador que passou a ter com o auxílio do Ouvidor as seguintes atribuições judiciárias examinar conflitos de jurisdição em grau de recurso de apelação ou agravo limitar o excesso de jurisdição dos donatários emitir alvarás para soltura dos culpados em crimes para busca aos carcereiros para fazerem fintas nas obras públicas dos Conselhos para seguir apelação e agravo sem que houvesse embargo ou falta de preparo para entrega de fazenda a ausentes para possibi 498 Ibidem p 86 e ss 499 Embora já houvesse na colônia cargos que estivessem em uma posição que indica ríamos como sendo o poder judiciário somente com a instalação do GovernoGeral e a chegada do primeiro OuvidorMor o desembargador Pero Borges deuse o início da implantação da estrutura judiciária Entretanto o desenvolvimento de tal estrutura só aconteceu depois com a Ordenação Filipina 500 Ibidem p 307 e ss litar realizar prova de direito comum em contratos ou alvarás de fiança vigiar fiscalizar e punir os donatários que tenham agido por força ou extorsão pública ou criado obstáculos à atividade judiciária guardar provisão da Mesa da Consciência e Ordens sobre dinheiro de pessoas já falecidas cativos e ausentes501 Mas havia questões que somente eram da alçada do Ouvidor e outras que somente poderiam ser efetivadas com a anuência do Gover nadorMor e do Ouvidor assim Ao governador geral não cabia por exemplo anistiar ou castigar os réus ou imiscuirse de qualquer forma em atribuições da competência do ouvidor Este conhecia a ação nova dos casos crimes e tinha alçada até morte natural pena de morte inclusive nos escravos gentios e peões cristãos livres Nos casos porém em que segun do o direito cabia pena de morte inclusive nas pessoas das ditas qualidades procederia nos feitos a final e os despacharia com o governador sem apelação nem agravo sendo ambos confor mes nos votos Caso discordassem deveriam mandar os autos com os réus ao corregedor da corte Nas pessoas de maior qualidade teria alçada o mesmo ouvidor até cinco anos de degredo excluindose de qualquer modo de sua ação as pessoas eclesiásticas502 Essas atribuições bem posicionadas no papel não eram tão res peitadas na prática mesmo porque a colonização portuguesa no Brasil cometeu um erro crasso que levaria a outros erros ainda maiores os portugueses transpuseram para a colônia o modelo idêntico ao que era utilizado em Portugal menos no tocante à cobrança de impostos essa legislação foi cuidada profundamente e colocada em prática levando em conta as especificidades da colônia mas somente neste caso se tomava tal cuidado E se somente levarmos em consideração uma 501 PAULA Jônatas Luiz Moreira de Op cit p 213 502 Apud PAULA J L M de Op cit p 214 Sobre a diferença de penas para pessoas de níveis diferentes e sobre a pena de morte que era chamada morte natural conferir capítulo sobre o Direito Português parca comparação de tamanho entre os dois territórios veremos a impossibilidade de essa cópia fiel dar muito certo Caio Prado Júnior aponta um exemplo do erro português na colo nização brasileira e seu prejuízo para a administração da justiça no Brasil Lembremos aqui o caso mais flagrante e de todos talvez o de efeitos mais nefastos daquela norma de copiar servilmente aqui sistemas do Reino Foi o de centralizar o poder e concentrar as autoridades reunilas todas nas capitais e sedes deixando o resto do território praticamente desgovernado e a centenas de léguas muitas vezes da autoridade mais próxima Naturalmente a extensão do país a dispersão do povoamento a deficiência de recursos tornavam difícil a solução do problema de fazer chegar a administração numa forma eficiente a todos os recantos de tão vasto território Vejase por exemplo o que se dá com as relações do Rio de janeiro e da Bahia que contava cada qual para mais de 30 pessoas entre desembargadores e funcionários todos largamente remunerados enquanto na maior parte da colônia a administração e justiça não tinham autoridade alguma presente ou acessível ou então se entregavam nos melhores dos casos à incompetência de leigos como eram os juízes ordinários 503 Nas vilas nos municípios havia toda uma série de cargos que chamaríamos pela falta de denominação melhor de jurídicos que eram ocupados almotacés juiz ordinário etc mas a jurisdição destes era tão imensa que tornava humanamente impossível cobrir todo território que se deveria A organização portuguesa transposta para o Brasil indicava como solução para esse problema a prática das Correições e das Visitações ou seja excursões administrativas que deveriam ser feitas pelas autoridades em todos os recantos de sua jurisdição O problema é que essas práticas raramente aconteciam quando acon 503 PRADO JÚNIOR C P Op cit p 312 teciam era por uma excepcionalidade ou com vistas à fiscalização supervisão geral ou audiência de recursos sendo a tarefa de fiscalizar a mais objetivada nestas visitas Mas mesmo os ocupantes desses cargos não tinham apenas funções que hoje denominaríamos como sendo atributos da justiça Não nos deixemos por isso iludir entre outros casos com a designação que trazem os cargos administrativos da colônia e que se empregam hoje numa acepção diferente e mais restrita Particularmente a de juiz O juiz colonial seja o de fora o ordinário o almotacé ou o vintenário ou de vintena tem não só as funções de nossos juízes modernos julgando dando sentença resolvendo litígios entre as partes desavindas mas também os dos nossos simples agentes administrativos executam medidas de adminis tração providenciam a realização de disposições legais E isto sem distinguir absolutamente na prática a duplicidade duplicidade para nós das funções que estão exercendo504 Mesmo diante dessa sobreposição de poderes sob a nossa visão atual podemos indicar através do estudo de Jônatas L M de Paula uma visão panorâmica da estrutura judiciária do Brasil colônia principalmente depois da Ordenação Filipina Ouvidor além das funções administrativas cabialhe conhecer e julgar por ação nova ou por avocação a seu juízo os processos cíveis e criminais em que fossem partes interessadas juízes alcaides procuradores tabeliães fidalgos abades priores ou pessoas gradas suspeições de juízes e as causas em que este se desse por impedido as causas da competência dos juízes de fora das cidades e vilas situadas a duas léguas ou menos da sede da comarca agravos dos juízes ordinários e de fora e as apelações dos juízes ordinários nas causas que não excedessem sua alçada 504 Ibidem p 322 e ss Juiz Ordinário ou da Terra eleito entre os homens bons ho mens considerados de maior valor tinha como função pro cessar e julgar processos cíveis e criminais onde não houvesse juiz de órfão deveria exercer também as atribuições deste processar e julgar sem recurso juntamente com os vereadores as injúrias verbais ou singularmente mas com recurso quando o caso tratasse de fidalgo ou cavaleiro julgar as apelações e agravos das decisões dos almotacéis Juiz de Vintena eleito anualmente pela câmara de vereadores na base de um juiz para cada 20 habitantes distante uma légua pelo menos da sede cabialhe julgar em processo verbal sem apelação nem agravo as questões de pequena monta excluin dose as relativas a bens imóveis e infrações a posturas muni cipais Almotacéis em número de dois para cada município competia lhes questões sobre servidões urbanas e nunciações de obras novas Juiz de Fora era nomeado pelo poder central e substituía o juiz ordinário nas causas cíveis cujo valor não ultrapassasse mil réis nos bens móveis e nas localidade de até 200 casas bem como tinha a competência para causas de bens móveis com valor de até 600 réis e bens imóveis até 400 réis Juiz de Órfãos eleitos ou nomeados se o município possuísse mais de 400 vizinhos e cabialhe processar e julgar inventários partilhas causas decorrentes deles ou em que fosse parte deles menores ou incapazes assim como as causas envolvendo tutela e curatela Para o segundo e terceiro graus de jurisdição o órgão máximo era a Casa de Suplicação com sede em Lisboa Outros eram o Desembargo do Paço a Casa do Porto a Mesa de Consciência e Ordens o Conselho Ultramarino a Junta de Comércio o Conselho do Almirantado o Tribu nal da Junta dos Três Estados o Régio Tribunal ou Fazenda e o Tribunal do Santo Ofício505 505 PAULA J L M Op cit p 216s 5 O Direito sob o Domínio Holandês no Nordeste Brasileiro Os Países Baixos nome que se dava aos países que hoje chama mos de Bélgica e Holanda eram no século XVI uma possessão espa nhola próspera economicamente e de religião calvinista Também por esse mesmo período mais objetivamente entre 1580 e 1640 Portugal também estava sob o domínio espanhol sob o comando do rei Felipe II506 Felipe II era um rei católico que defendia a Inquisição e mantinha uma política externa extremamente belicosa e por conseguinte muito dispendiosa Unindo a questão da incompatibilidade religiosa e a necessidade sempre crescente de afluxo de dinheiro o rei Felipe adotou uma postura extorsiva no tocante aos impostos cobrados dos flamengos que se rebelaram e fundaram um novo país na Europa a República das Províncias Unidas Esse país já nascia como a maior potência comercial do mundo possuindo uma frota de navios mercantes maior que a soma dos navios de todos os outros países Os flamengos eram os distribuidores dos produtos coloniais na Europa e financiadores de empresas nas colônias Esse último caso aplicase à empresa açucareira do nordeste brasileiro porque o açúcar produzido no Brasil era refinado e distribuído pela Holanda Para se ter uma ideia os lucros advindos somente da refinação alcançavam a terça parte do valor bruto do produto O nascimento da República das Províncias Unidas não ocorreu de forma pacífica Durante toda a segunda metade do século XVI eles lutaram contra Felipe II pela independência Essa luta que Felipe II chamava de rebelião gerou a proibição tácita do rei da Espanha e de Portugal dos holandeses comercializarem com quaisquer de suas possessões incluindose a região do açúcar no Brasil Assim os holandeses partiram para a conquista das regiões produtoras dos produtos que distribuíam conquistando a Ilha Maurícia em 1598 as Molucas em 1609 pontos da África Ocidental em 1612 o Senegal em 1617 a Indonésia em 1619 o Cabo Verde e a Costa do Ouro em 1624 Neste mesmo ano eles invadiram a Bahia mas em menos de 506 Conferir capítulo de Portugal acerca da Ordenação Filipina um ano foram expulsos por tropas especialmente enviadas da Península Ibérica para esse fim O fracasso da primeira tentativa de invasão ao território brasileiro não desanimou a Companhia das Índias Ocidentais órgão holandês que detinha um monopólio dado pelo governo da República das Províncias Unidas do comércio da África e da América Eles tentaram novamente só que não mais na Bahia mas em Pernambuco e o fizeram com preparo e força formidáveis507 Com a conquista de quatro importantes capitanias pelos holan deses a de Pernambuco Itamaracá Paraíba e Rio Grande do Norte iniciouse o período conhecido como Brasil Holandês A Espanha envolvida na Guerra dos Trinta Anos com a França não mais poderia ameaçar ao proprietários na colônia restava resistir inutilmente contra os holandeses ou acomodarse a eles Esta última foi a opção escolhida até o momento em que os portugueses retomaram a soberania de seu país e os holandeses aqui resolveram ser de fato os dominadores exigindo pagamentos que antes eram relevados Os holandeses no nordeste brasileiro adaptaram a estrutura jurí dicoadministrativa seguindo o modelo das instituições políticas holan desas Foram instalados os Conselhos de Escabinos em substituição às Câmaras Municipais estes Conselhos eram presididos pelo escolteto sempre um holandês que acumulava várias funções principalmente as de polícia e o chamaríamos hoje de promotoria pública A legislação da Holanda desse período bem como a legislação que os holandeses impuseram na região brasileira que dominaram é pouco conhecida por isso ao menos no tocante às leis penais seguiremos de perto as indicações de José Henrique Pierangeli508 Havia a pena de morte para alguns delitos principalmente relacio nados com qualquer possibilidade de insurreição contra os holandeses entre esses delitos podemos citar 1 Agasalhar ou tratar com algum soldado que viesse acorrer à campanha ou a outra qualquer pessoa que da Bahia viesse 2 Não declarar aos holandeses as pessoas que haviam recebido 507 67 navios 7 mil homens 1170 canhões MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Op cit p 170 508 PIERANGELI José Henrique Códigos Penais do Brasil evolução histórica 2 ed Revista dos Tribunais 2001 p 6264 cartas da Bahia ou tinham tratado com soldados e pessoas referidas no texto anterior 3 Ser ousado e ter em sua casa alguma arma ofensiva de qualquer qualidade ou condição 4 Não atender à ordem de expulsão ou não regressar a outras localidades para as quais houvessem si do convocados pelos poderes da Nova Holanda 5 Sublevação 6 Reunirse e agir em grupo para roubar ou matar509 A pena de morte era executada de várias maneiras como enforcamento morte pela espada pela fogueira entrega aos índios esquartejamento com o condenado ainda vivo Essas execuções poderiam de fato ser muitíssimo cruéis As execuções muitas vezes eram realizadas mediante requintes de barbárie Negase ao condenado o direito de confessar cortavase suas mãos antes do enforcamento Ainda como sinal de barbárie muitas vezes expunham na forca os corpos de pessoas que haviam morrido antes da pena ser executada ou mesmo antes de haverem pago as próprias dívidassic510 Outras penas um pouco menos severas eram aplicadas para extorsão jogos de azar incesto e adultério Para este último a mulher que fosse pega com outro que não o marido seria colocada no pe lourinho e chicoteada publicamente Eram considerados delitos também não plantar o número de covas de mandioca ordenado por lei pena ser considerado inimigo do Es tado e multa vender carne ou matar gado sem licença pena açoites casarse ou amigarse com índios pena deportação realização por padre católico de casamento sem a observância das determinações do governo holandês pena deportação escarnecer o judeu cristão de outra denominação ou blasfemar pena multa prisão e por vezes mutilação da língua 509 Ibidem p 63 510 Ibidem p 64 6 A Legislação Específica da Região das Minas A descoberta do ouro no Brasil não ocorreu ao menos de todo por acaso Há muito os colonos principalmente os de São Paulo organi zavam Bandeiras com o objetivo principal de capturar índios para vender como escravos e secundariamente procurar metais preciosos Mas essas bandeiras estavam em declínio Ao mesmo tempo o século XVIII significou para Portugal o início da dependência para com a Inglaterra e o aumento da crise econômica com a perda de grande parte de seu império ultramarino e a queda dos preços do açúcar por causa da concorrência Os preços na Europa estavam elevados as minas na América espanhola se esgotavam ou reduziam sua produção Encontrar metais preciosos seria a única maneira de salvar Portugal ou pelo menos assim a Coroa Portuguesa imaginava Só no final do século encontraram jazidas importantes e provo caram uma grande mudança na colônia e na metrópole O aumento populacional na região das minas esvaziava outros pontos da colônia e outros tantos da metrópole a ponto de Portugal ter que tomar medidas restritivas à emigração de portugueses O grande afluxo de pessoas gerava uma falência permanente no setor de produção de alimentos e como Portugal não conseguiria ter alimentos suficientes para si e para a região mineradora da colônia fazia vistas grossas à afronta ao Pacto Colonial que possibilitava o comércio interno na colônia511 À medida que as jazidas foram sendo encontradas em maior número e a produção aurífera aumentava o governo metropolitano interessavase cada vez mais em controlar essa atividade Por isso há toda uma legislação específica para esse setor no período dentre outros podemos citar o Código Mineiro de 1603 e 1618 e o Regimento de 1702 O Código Mineiro estabelecia que todos os súditos do rei podiam extrair livremente o ouro desde que reservassem para a Real Fazenda a quinta parte do produto Autorizava a criação de Casas de Fundição para onde deveria ser levado todo metal extraído para ser fundido em barras depois de deduzida a parte do imposto512 Demarcava as terras 511 Esse mercado interno criado no Brasil por causa dessas dificuldades é uma das explicações mais indicadas para o fato do país não ter se fragmentado como ocorreu na América Espanhola Lá não poderia e não houve na mesma intensidade que no Brasil um comércio interno 512 O processo das Casas de Fundição era o seguinte todo ouro extraído em pó ou pepita era levado para esses locais para se tornarem barras após a dedução do quinto com o selo real Somente assim poderiam de forma lícita circular pela colônia e para fora dela chamadas minerais Criava o cargo de provedor específico para a região aurífera ele seria o responsável pela fiscalização das jazidas e a cobrança do quinto o regimento de 1618 ampliou os poderes deste provedor no tocante à cobrança de impostos O Regimento de 1702 é considerado o regimento mais importante porque alterou substancialmente os códigos anteriores e traçou as linhas básicas do sistema que persistiu até o fim do período colonial Foi por esse documento que a metrópole criou na região das Minas uma administração subordinada diretamente à Coroa portuguesa e completamente desligada do GovernoGeral da colônia513 O regimento criou então um governo especial para as zonas auríferas a Intendência das Minas que estava vinculada somente a Lisboa As atribuições dessa Intendência eram amplas policiamento da mineração fiscalização e direção das explorações cobrança de impostos e juridicamente funcionava como o tribunal de primeira e última instância nas questões relativas às suas atribuições Outra modificação efetuada pelo Regimento foi a substituição do Provedor criado pelo Código Mineiro por um Superintendente com atribuições jurídicas mais extensas Ele seria um homem conhecedor da legislação para defender os interesses da Metrópole ou seja ele não precisava conhecer rigorosamente nada de mineração ele só precisava ser eficiente no sistema de cobrança do quinto O sistema de arrecadação de impostos era o que mais importava para a metrópole assim a Coroa sempre buscava meios de aper feiçoarse com o objetivo de não perder de maneira alguma os lucros advindos com a mineração não importando o quão oneroso poderia ser para a população Como o ouro em pó nãoquintado portanto que não havia pagado imposto circulava ainda que ilegalmente pela colônia Portugal resolveu tomar medidas de policiamento Em 1700 foram nomeados por decreto régio Provedores e Escrivães que seriam responsáveis pela fis calização do pagamento dos quintos e para tentar evitar a circulação de ouro ilegal foram criados centros de inspeção policiados coloca dos nas saídas das regiões mineiras estes eram Chamados Registros Um Regimento de 1702 reforçava essas medidas além de esta belecer que o pagamento dos quintos também poderia ser feito nos 513 WISSENBACH Maria Cristina Cortez Regras e práticas da extração mineral In MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Op cit p 238 próprios Registros durante transações comerciais Esse sistema de arrecadação perdurou até 1710 quando houve uma tentativa de se cobrar o imposto sobre o número de escravos em exercício efetivo nas minas essa forma de arrecadação durou muito pouco várias foram as revoltas que proporcionou Em 1713 a Junta da Fazenda de Vila Rica propôs que se subs tituísse o quinto por uma quantia anual fixa era o chamado sistema de fintas mas a Coroa em 1735 criou um sistema mais eficiente e mais cruel ainda do ponto de vista dos colonos a Taxa de Capitação dos Escravos e o Censo das Indústrias que reunia a ideia do sistema de 1710 cobrança per capita de escravos utilizados incluindo escravos não utilizados na mineração e cobrando de pessoas livres que mineiravam e todos da região das minas da mesma maneira Em 1751 a Coroa voltou atrás novamente abolindo o sistema de 1735 fazendo implantar o sistema de quotas anuais entretanto haveria um mínimo a ser pago muito alto e portanto muito difícil de cumprir o que levaria à Derrama que existia há muito e pode ser definida como Imposto cobrado pela coroa portuguesa às capitanias do Brasil e arrecadado entre os seus habitantes No século XVIII a capitania de Minas Gerais deveria pagar anualmente o imposto do quinto do ouro extraído num total de cem arrobas o mais importante dos tributos reco lhidos pela monarquia portuguesa Com a pro gressiva decadência na arrecadação cada habitante teria que entrar com uma cota para completar o total exigido Essa cobrança em arrobas de ouro extorsiva e excessiva é o que se chama derrama determinada com freqüência quando a arrecadação normal do quinto não dava para cobrir o montante do imposto A derrama em 1789 na capitania de Minas Gerais tem sido mencionada como origem da chamada Conju ração Mineira514 514 AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Dicionário de nomes termos e conceitos históricos Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 p 129 CAPÍTULO XIV BRASIL REINO 1 Introdução Quando o século XIX inaugurouse na Europa o velho continente estava abarrotado de problemas e conflitos Napoleão tomava tantos territórios quanto a alta burguesia francesa que o apoiava desejasse para atingir seus objetivos Estes eram bastante simples como a produção francesa era fraca em comparação com a inglesa a única maneira de obter e manter mercados era através do domínio político eou territorial Desde 1805 quando a esquadra inglesa derrotou as forças navais francoespanholas em Trafalgar além de se reforçar a ideia de que a Inglaterra por mar era imbatível esta utilizou sua superioridade marí tima e impôs o Bloqueio Marítimo da França atingindo também todos os aliados de Napoleão Baseados na dominância política do continente garantida pela força bélica napoleônica os burgueses franceses embora mais frágeis que os ingleses responderam a esse bloqueio naval com o Bloqueio Continental que estabelecido pelo Decreto de Berlim em 1806 e de Milão em 1807 impunha um bloqueio comercial à Inglaterra515 Esse bloqueio tinha dois objetivos básicos o primeiro era confor me já indicado limitar ou impedir a concorrência forte dos produtos ingleses que eram mais baratos que quaisquer produtos do mundo visto que a Inglaterra já estava em plena Revolução Industrial produzindo mais em menos tempo portanto mais barato A segunda era o enfraquecimento da economia inglesa o que em médio prazo poderia dar à França mais chances de derrotar a Inglaterra Desde o Tratado de Amiens em 1802 Portugal conseguiu manter ao menos por algum tempo a neutralidade no conflito anglofrancês Mas a relatividade da dita neutralidade portuguesa era tanta quanto era a dependência real de Portugal para com a Inglaterra 515 ALBUQUERQUE Manuel Mauricio de Pequena história da formação social brasileira 4 ed Rio de janeiro Graal 1986 p 251 Portugal mesmo no século XIX mantinha o mesmo perfil socioeconômico que havia sido sua glória no século XVI um Estado baseado em uma aristocracia parasitária com estamentos quase feudais sem muita ou nenhuma noção de proteção da nação que colocava seus próprios interesses e seu conforto acima de qualquer coisa inclusive e principalmente de seu país A economia portuguesa era extremamente dependente das colônias não somente como mercados consumidores de produtos que não entrariam em qualquer mercado que não fosse obrigado pelo pacto colonial a comprar como também dependiam das colônias até para suprir a limitação da produção interna de víveres A Inglaterra desde o fim da União Ibérica século XVII portanto trouxe Portugal sua fragilidade e suas interessantes colônias para sua órbita o que gerou uma dependência econômica crescente subor dinando lusitanos a ingleses O marco maior dessa subordinação econômica foi o Tratado de Methuen de 1703 que deu a mercadorias britânicas privilégios de circulação em Portugal mesmo em detrimento de um possível desenvolvimento de uma indústria portuguesa Esses laços de dependência fortaleceramse ainda mais no decorrer do século XVIII por causa da crise da produção aurífera no Brasil Colônia e a Revolução Industrial na Inglaterra Nessa conjuntura a neutralidade portuguesa diante da rivalidade anglonapoleônica era impossível Em 1807 já estando assegurada a aliança com a Espanha o governo francês enviou uma nota a Lisboa em que exigia que ingleses fossem expulsos de Portugal e seus bens fossem confiscados Havia no governo português quem visse nesse ultimatum um excelente caminho para minimizar a dependência com a Inglaterra mas havia outros que advogavam a causa de Londres principalmente pela pressão do embaixador inglês em Portugal Em 22 de outubro de 1807 pressionado pela dependência econô mica o governo português assinou a Convenção Secreta de Londres que impôs entre outras coisas a transferência da Monarquia Portuguesa para o Brasil a ampliação das forças navais inglesas com unidades portuguesas bases militares em colônias de Portugal um porto livre em Santa Catarina no Brasil com vistas ao mercado da América Espanhola pela dominação do Rio da Prata516 516 Ibidem p 253 Embora Portugal tentasse também negociar paralelamente com a França a assinatura do Tratado de Fontainebleau em 27 de outubro de 1807 encerrou qualquer possibilidade visto que através deste França e Espanha dividiam o território português e seus domínios entre si A única possibilidade de sobrevivência da monarquia portuguesa parecia estar nas mãos da Inglaterra e isso passaria necessariamente pela transferência da Corte para o Brasil A ideia de transferir a Corte para o Brasil não era nova nem per tencia à Inglaterra pois desde a crise dinástica que resultou na União Ibérica havia a ideia da transmigração para o Brasil O próprio fundador da dinastia Bragança D João IV tinha a ideia de usar o Brasil como refúgio caso fracassassem seus planos de restaurar o trono português 2 A Corte Portuguesa no Brasil e a Subordinação à Inglaterra 21 A Chegada da Corte e a Abertura dos Portos À época da transferência da Corte para o Brasil era Regente D João que seria após a morte de sua mãe chamado D João VI Sua posição de regente deviase ao fato de que seu irmão mais velho D José havia morrido e a rainha apresentava sinais de insanidade mental Inaugurouse um novo momento na história do Brasil dizem alguns que o Brasil de D João foi a antessala do Brasil independente Sem dúvida só o fato de D João transferirse para essa colônia e Portugal se encontrar sob domínio estrangeiro impossibilitava a manutenção do Pacto Colonial sendo portanto impossível manterse o status colonial que o território carregava até então Para que seja efetiva a condição de colônia ao menos até o início do século XIX era necessário manter o Pacto Colonial que se baseava na exclusividade da Metrópole a colônia somente poderia comercia lizar em compra e venda para sua metrópole Assim O sistema de colonização que a política econô mica mercantilista visa desenvolver tem em mira os mesmos fins mais gerais do mercantilismo e a eles se subordina Por isso a primeira preocupa ção dos Estados Colonizadores será de resguar dar a área de seu império colonial face às demais potências a administração se fará a partir da metrópole e a preocupação fiscal dominará todo o mecanismo administrativo Mas a medula do sistema seu elemento definidor reside no mono pólio do comércio colonial Em torno da preser vação desse privilégio assumido inteiramente pelo Estado ou reservado à classe mercantil da metrópole ou parte dela é que gira toda a política do sistema colonial E aqui reaparece o caráter de exploração mercantil que a colonização incorpo rou da expansão comercial da qual foi um desdobramento517 Qualquer que fosse a intenção do Príncipe Regente ao chegar ao Brasil com certeza não era de libertar o Brasil mas só não havia como manter o regime colonial a Metrópole não mais existia porque estava invadida e o governo metropolitano estava dentro da colônia Assim sendo a primeira providência do regente ao chegar deveria ser liberar o comércio do Brasil para outros lugares que não a metrópole que por ora era inexistente caso contrário toda a economia brasileira estaria paralisada E dessa forma foi feito com o documento que hoje é chamado Abertura dos Portos às Nações Amigas518 Já no início do documento D João faz referência ao problema de paralisação do comércio que foi destacado no parágrafo anterior e continua indicando a solução a liberação do comércio do Brasil que a partir desse momento e até por causa dele não mais poderia ser chamado de colônia embora não houvesse preocupação imediata de indicálo de outra forma O documento conta ainda com a indicação de um imposto geral sobre produtos importados de 24 sobre o seu valor Esta foi uma das formas que o governo português no Brasil encontrou de conseguir 517 NOVAIS Fernando A O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial In MOTA Carlos Guilherme Org Brasil em perspectiva 4 ed São Paulo Difusão Européia do Livro 1973 p 51 518 Alguns preferem sempre acrescentar a esse título o subtítulo leiase Inglaterra mas afinal quem mais seria As outras nações ou estavam sob o domínio da França ou não tinham condições de comercializar com o Brasil como poderia e o fez a Inglaterra É claro que a Abertura dos Portos significou naquele momento a sobrevivência da indústria in glesa que desde 1806 via seus estoques acumularemse e seus prejuízos avolumaremse recursos Há que se salientar que esse diploma legal indica que a abertura para outros países seria provisória Conde da Ponte do meu Conselho governador e capitãogeneral da Capitania da Bahia amigo Eu o prínciperegente vos envio muito saudar como àquele que amo Atendendo à representação que fizestes subir à minha real presença sobre se achar interrompido e suspenso o comércio desta capitania com gra ve prejuízo dos meus vassalos e da minha real fazenda em razão das críticas e públicas cir cunstâncias da Europa e querendo dar sobre este importante objeto alguma providência pronta e capaz de melhorar o progresso de tais danos Sou servido ordenar interina e provisoria mente enquanto não consolido um sistema geral que efetivamente regule semelhantes matérias o seguinte Primo Que sejam admissíveis nas alfândegas do Brasil todos e quaisquer gêneros fazendas e mer cadorias transportadas ou em navios estran geiros das potências que se conservam em paz e harmonia com a minha real coroa ou em navios dos meus vassalos pagando por entrada vinte e quatro por cento a saber vinte de direitos gros sos e quatro do donativo já estabelecido regu landose a cobrança destes direitos pelas pautas ou aforamentos por que até o presente se regulam cada uma das ditas alfândegas ficando os vinhos águas ardentes e azeites doces que se denominam molhados pagando o dobro dos direitos que até agora nelas satisfaziam Secundo Que não só os meus vassalos mas também os sobreditos estrangeiros possam exportar para os portos que bem lhes parecer a benefício do comércio e agricultura que tanto desejo promover todos e quaisquer gêneros e produções coloniais à exceção do paubrasil ou outros notoriamente estancados pagando por saída os mesmos direitos já estabelecidos nas respectivas capitanias ficando entretanto como em suspenso e sem vigor todas as leis cartas régias ou outras ordens que até aqui proibiam neste Estado do Brasil o recíproco comércio e navegação entre os meus vassalos e estrangeiros O que tudo assim fareis executar com o zelo e atividade que de vós espero Escrita na Bahia aos 28 de janeiro de 1808 Príncipe Para além do significado de fim da era Colonial esse documento resultou em um grande desenvolvimento do comércio interno e externo brasileiro a tal ponto das cidades se desenvolverem e a balança co mercial brasileira com Portugal que antes era deficitária e devia sêlo dentro do pacto colonial tornarse extremamente favorável ao Brasil 22 A Liberação de Manufaturas O Brasil desde 1785 estava proibido de manufaturas isso se devia ao fato de que a produção no Brasil de produtos manufaturados embora pequena demais poderia vir a gerar uma concorrência não aos produtos portugueses visto que a indústria portuguesa era incipiente e totalmente contida pela concorrência com produtos britânicos mas poderia gerar prejuízo aos comerciantes portugueses que monopolizavam o comércio para o Brasil de produtos comprados em outros países O Alvará de 5 de janeiro de 1785 afirmava Eu a rainha faço saber aos que este alvará virem Que sendome presente o grande número de fábricas e manufaturas que de alguns anos por esta parte se têm difundido em diferentes capi tanias do Brasil com grave prejuízo da cultura e da lavoura e da exploração de terras minerais daquele vasto continente porque havendo nele uma grande e conhecida falta de população é evidente que quanto mais se multiplicar o nú mero dos fabricantes mais diminuirá o dos cultivadores e menos braços haverá que se pos sam empregar no descobrimento e rompimento de uma grande parte daqueles extensos domí nios que ainda se acha inculta e desconhecida Nem as sesmarias que formam outra con siderável parte desses mesmos domínios pode rão prosperar nem florescer por falta do benefício da cultura não obstante ser esta a essencia líssima condição com que foram dadas aos proprietários delas E até nas terras minerais ficará cessando de todo como já tem conside ravelmente diminuído a extração de ouro e diamantes tudo procedido da falta de braços que devendose empregar nestes úteis e vantajosos trabalhos ao contrário os deixam e abandonam ocupandose de outros totalmente diferentes como são as referidas fábricas e manufaturas E consistindo a verdadeira e sólida riqueza nos frutos e produções da terra os quais somente se conseguem por meio de colonos e cultivadores e não de artistas e fabricantes E sendo além disso as produções do Brasil as que fazem todo fundo e base não só das permutações mercantis mas da navegação e comércio entre meus leais vassalos habitantes destes reinos e daqueles domínios que devo animar sustentar em benefício comum de uns e outros removendo na sua origem os obstáculos que lhes são prejudiciais e nocivos Em consideração de todo o referido hei por bem ordenar que todas as fábricas manufaturas ou teares de galões de tecidos de bordados de ouro e prata de veludos brilhantes cetins tafetás ou qualquer outra espécie de seda de belbuts chitas bombazinas fustões ou de qualquer outra fazenda de linho branca ou de cores e de panos droguetes baetas ou de qualquer outra espécie de tecido de lã ou que os ditos tecidos sejam fabricados de um só dos referidos gêneros ou misturados e tecidos uns com os outros excetuandose tão somente aqueles ditos teares ou manufaturas em que se tecem ou manufaturam fazendas grossas de algodão que servem para o uso e vestuário de negros para enfardar para empacotar e para outros ministérios semelhantes todas as mais sejam extintas e abolidas por qualquer parte em que se acharem em meus domínios do Brasil debaixo de pena de perdimento em tresdobro do valor de cada uma das ditas manufaturas ou teares e das fazendas que nelas houver e que se acharem existentes dois meses depois da publi cação deste repartindose a dita condenação metade a favor do denunciante se houver e outra metade pelos oficiais que fizerem a diligência e não havendo denunciante tudo pertencerá aos mesmos oficiais Com a transferência da Corte novas necessidades e uma nova mentalidade estavam presentes O Brasil era a partir de então o centro político administrativo do Império Português Dessa forma D João revogou o Alvará de 1785 a partir de outro alvará o Alvará de 1o de abril de 1808 Eu o Príncipe Regente faço saber aos que o presente Alvará virem Que desejando promover e adiantar a riqueza nacional e sendo um dos mananciais dela as Manufaturas e a Indústria que multiplicam e melhoram e dão mais valor aos Gêneros e Produtos da Agricultura e das Artes e aumentam a população dando que fazer a muitos braços e fornecendo meios de subsis tência a muitos dos Meus Vassalos que por falta deles se entregariam aos vícios da ociosidade E convindo remover todos os obstáculos que po dem inutilizar e frustrar tão vantajosos proveitos Sou Servido abolir revogar toda e qualquer proibição que haja a este respeito no Estado do Brasil e nos meus domínios Ultramarinos e Ordenar que daqui em diante seja lícito a qualquer dos Meus Vassalos qualquer que seja o País em que habitem estabelecer todo o gênero de Manufaturas sem excetuar alguma fazendo seus trabalhos em pequeno ou em grande como entenderem que mais lhes convém para o que Hei por bem derrogar o Alvará de cinco de janeiro de mil setecentos oitenta e cinco e quaisquer Leis ou Ordens que o contrário decidam como se delas fizesse expressa e individual menção sem embargo da Lei em contrário Embora possa parecer à primeira vista que com uma liberdade como esta a industrialização no Brasil tenha começado nada poderia estar mais longe da verdade Essa simples decisão jurídica repre sentada por esse alvará não surtiu efeitos consideráveis no que diz respeito à economia brasileira Apesar disso podemos encontrar aqui e ali um pequeno desenvolvimento nos setores têxtil e metalúrgico Neste último o interesse da administração auxilia no incremento desse tipo de indústria visto que são trazidos para o Brasil técnicos alemães especialistas no assunto Mas havia barreiras intransponíveis a um desenvolvimento industrial de fato no Brasil Por um lado o escravismo era um enorme obstáculo não somente do ponto de vista do consumo tendo em vista que escravo não é a priori consumidor mas também porque grande parte do capital existente concentravase na manutenção do sistema agrícola baseado no latifúndio e no escravismo Por outro lado ainda que houvesse capital ainda que fosse aumentado o mercado consumidor nada poderia transpor a maior barreira a concorrência dos produtos ingleses Como concorrer com uma nação que além de produzir mais em menos tempo mais barato ainda tinha portos abertos no Brasil Se nem a França havia con seguido a não ser através de domínio territorial que proibia produtos ingleses como o Brasil seria páreo A conclusão era um tanto óbvia melhor nem tentar 23 A Reorganização do Estado Português no Brasil e a Entrega do Mercado Brasileiro A partir de 11 de março de 1808 iniciouse a montagem do Estado português no Brasil Transplantaramse todos os órgãos do Estado por tuguês os ministérios do Reino da Guerra e Estrangeiros da Marinha e Ultramar o Real Erário que em 1821 passou a ser chamado de Ministério da Fazenda Outros órgãos administrativos e da justiça foram também recriados Conselho de Estado Desembargo do Paço Mesa da Consciência e Ordens Conselho Supremo Militar Essa remontagem do Estado português entretanto fezse à revelia da Colônia sobrepondose a ela de maneira impositiva quase não incorporando os próprios colonos visto que havia a preocupação de absorver toda a nobreza parasitária que contava com milhares de pessoas e havia fugido junto com o Regente Era um governo totalmente fora da realidade social do país O modelo transposto para o Brasil era baseado no espírito tradicional do Antigo Regime que se baseava no monopólio dos postoschave do Estado alijando quase completamente os senhores rurais de qualquer forma de influência nas decisões As entidades e repartições públicas se multiplicavam e man tinhamse distantes das necessidades sociais O velho hábito português imigrou junto com a Família Real e os milhares de parasitas que a acompanharam muito luxo na Corte muita atenção na arrecadação muito déficit na manutenção do Estado Somente uma coisa mudou embora o ônus do crescimento de impostos tenha recaído sobre os brasileiros pelo menos não era preciso leválos para alémmar a viagem dos impostos era menor Com o objetivo de melhor arrecadar e visando ter uma instituição que pudesse servir como tesouro real inclusive emitindo moeda para cobrir gastos crescentes é que foi criado em 12 de outubro de 1808 o Banco do Brasil através de alvará Eu o Principe Regente faço saber aos que este meu Alvará com força de lei virem que atten dendo a não permitirem as actuaes circuns tâncias do Estado que o meu Real Erario possa realisar os fundos de que depende a manutenção da Monarchia e o bem comum dos meus fiéis vassalios sem as delongas que as differentes partes em que se acham fazem necessárias para a sua effectiva entrada e que os bilhetes dos direitos das Alfandegas tendo certos prazos nos seus pagamentos ainda que sejam de um crédito estabelecido não são proprios para o pagamento de soldos ordenados juros e pensões que cons tituem os alimentos do corpo politico do Estado os quaes devem ser pagos nos seus vencimentos em moeda corrente e aos obstaculos que a falta de gyro dos signos representativos dos valores poem ao commercio devem quanto antes ser removidos animando e promovendo as tran saçoes mercantis dos negociantes desta e das mais praças dos meus dominios e senhorios com as estrangeiras sou servido ordenar que nesta Capital se estabeleça um Banco Publico que na fôrma dos Estatutos que com esta baixam assignados por D Fernando José de Portugal do meu Conselho de Estado Ministro Assistente ao Despacho do Gabinete Presidente do Real Erario e Secretario de Estado dos Negocios do Brasil ponha em acção os computes estagnados assim em generos comerciais como em especies cunhadas promova a industria nacional pelo gyro e combinação dos capitães isolados e facilite juntamente os meios e os recursos de que as minhas rendas reaes e as publicas necessitarem para ocorrer às despezas do Estado E querendo auxiliar um estabelecimento tão util e necessário ao bem commum e particular dos Povos que o Omnipotente confiou do meu zelo e paternal cuidado determino que os saques dos fundos do meu Real Erario e as vendas dos ge neros privativos dos contractos e administrações da minha Real Fazenda como são os diamantes pão Brazil o marfim e a urzelia se façam pela intervenção do referido Banco Nacional ven cendo sobre o seu liquido produto a comissão de dous por cento além do premio do rebate dos escriptos da Alfandega que em virtude do meu Real Decreto de 5 de Setembro do corrente armo fui servido mandar praticar pelo Erario Régio para ocorrer ao effectivo pagamento das des pezas de trato sucessivo da minha Corôa que devem ser feitas em especies metallicas E attendendo à utilidade que provém ao Estado e ao commercio do manejo seguro dos cabedaes e fundos do referido Banco ordeno que logo que elle principar as suas operaçõens se haja por extincto o Cofre de Deposito que havia nesta Cidade a cargo da Camara della e determino que no sobredito Banco se faça todo e qualquer de posito judicial ou extrajudicial de prata ouro joias e dinheiros e que o competente conhe cimento de receita passado pelo Secretário da Junta do Banco e assignado pelo Administrador da competente caixa tenha em Juizo e fóra delle todo o valor e o credito de effectivo e real deposito para se seguirem os termos que por minhas Leis se não devem praticar sem aquela clausula solemnidade ou certeza recebendo o sobredito Banco o mesmo premio que no referido deposito da Cidade se descontava à partes E outrossim sou servido mandar que os empréstimos a juro da Lei que pelo cofre de Orphãos e administrações das Ordens Terceiras e Irmandades se faziam até agora a pessoas particulares da publicação des te meu Alvará em diante se façam unicamente ao referido Banco que deverá pagar à vista nos prazos convencionados os capitães e nas épocas costumadas os juros competentes debaixo de hipotheca dos fundos da sua caixa de reserva distratando desde logo aqueles cofres as sommas que tiverem em mãos particulares ao referido juro para entrarem immediatamente com elias no sobredito Banco Publico debaixo das mesmas condições Em todos os pagamentos que se fizerem à minha Real Fazenda serão contemplados e recebidos como dinheiro os bilhetes do dito Banco Publico pagaveis ao portador ou mostrador à vista e da mesma forma se distribuirão pelo Erario Régio nos pagamentos das despezas do Estado e ordeno que os Membros da Junta do Banco e os Directores delle sejam contemplados pelos seus serviços com as remunerações estabelecidas para os Ministros e Officiaes da minha Real Fazenda e Administração da Justiça e gozem de todos os privilégios concedidos aos Deputados da Real junta do Commercio Embora possa parecer que tal banco tenha sido criado com o objetivo de inaugurar uma instituição creditícia dos setores produtivos da sociedade com o intuito de desenvolver a mesma sociedade de fato o Banco do Brasil nasceu para ser um instrumento de finanças do Tesouro Real O governo pôde a partir de então emitir moeda e custear o que fosse necessário para o governo de D João mesmo que fosse para cobrir rombos causados pela já instalada corrupção Para sustentar uma instituição que era usada como fonte de recursos na categoria de inesgotável foram criados dois impostos o que recaía sobre cada negociante livreiro e boticário sobre lojas de ouro prata estanho e artigos de cobre de 12800 e a taxa suntuária cobrada sobre cada carruagem de quatro rodas que atingisse o preço de 12000 ou 10000 Navios lojas de mercadorias etc também pagavam impostos Mas apesar da distância entre a Corte e a sociedade colonial as transformações administrativas acabaram por dar ao Brasil um centro aglutinador que não existia anteriormente E se isso ocorreu no nível político as atitudes normativas do governo português no Brasil lança riam o centro econômico deste último para bem longe para a Inglaterra Assim vêse no período reinol no Brasil a passagem da herança de dependência econômica de Portugal para o seu território na América principalmente através do Tratado de Aliança e Amizade de 1810 e o Tratado de Comércio e Navegação do mesmo ano Por este último ficava claro que a dominância inglesa no Brasil poderia suplantar até mesmo o secular controle econômico dos anglos sobre os lusitanos Mercadorias inglesas pagariam menos impostos para entrar no Brasil mesmo em comparação com produtos portu gueses Nesse sentido os produtos ingleses pagariam 15 ad valorem os portugueses 16 e os produtos que não fossem nem ingleses nem portugueses pagariam 24 sobre seu valor Todos os Gêneros Mercadorias e Artigos quaisquer que sejam da Produção Manufatura Indústria ou Invenção dos Domínios e Vassalos de Sua Majestade Britânica serão admitidos em todos e em cada um dos Portos e Domínios de Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal tanto na Europa como na América África Ásia quer sejam consignados a Vassalos Britânicos quer a Portugueses pagando geral e unicamente Direi tos de Quinze por cento 519 Não se tratava de uma grande novidade estava implícito desde o início o apoio inglês à vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil que esta deveria ser uma das formas de pagamento Mesmo o ministério que D João montou em terras brasileiras era composto por 519 Tratado de Comércio e Navegação de 19 de fevereiro de 1810 Artigo XV homens claramente ligados aos interesses ingleses que defendiam o tratado salientando que este tinha caráter de reciprocidade Entre tanto não havia como concorrer com os ingleses portanto a reci procidade ficava somente no papel Obviamente a princípio essa baixa taxação de produtos ingleses fez com que o custo de vida no Brasil ficasse um pouco menos oneroso entretanto em curto prazo não só praticamente entregou o comércio do Brasil aos ingleses como também trouxe prejuízo ao Brasil no tocante ao comércio com outros países Era o fim do colonialismo da Idade Moderna e o início do Imperialismo em que os ingleses foram mestres Mas D João sobre uma fina fronteira entre interesses ingleses e portugueses acabou vacilando todo o tempo de seu reinado no Brasil entre legislar em um sentido liberal para o comércio ou legislar mantendo toda uma estrutura basicamente colonial Embora possamos afirmar principalmente depois dos Tratados de 1810 que os ingleses ganharam o Brasil não podemos deixar de indicar que os portugueses reagiram a isso e D João teve que estabelecerse no meiotermo Já na Abertura dos Portos é possível ver a ambiguidade já que se afirma o caráter provisório da medida e excluemse o paubrasil e outros gêneros estancados Posteriormente principalmente após 1810 vários decretos foram baixados com o intuito de proteger ou ao menos tentar proteger o comércio português Um decreto de 13 de maio de 1810 dispensou de direitos de entra da nos portos do Brasil mercadorias chinesas diretamente importadas que pertencessem a vassalos portugueses Em 18 de outubro do mesmo ano ficava estabelecido que mercadorias inglesas importadas por portugueses pagassem 15 também O alvará de 13 de julho de 1811 favorecia as manufaturas portuguesas importadas no Brasil e um decreto de 21 de janeiro de 1813 declarava as mercadorias e manu faturas nacionais isentas de direitos de importação520 Entre o liberalismo e o monopolismo mercantilista ficaram as leis de D João para a economia brasileira Essa ambiguidade gerou atritos que se refletiram na época da independência do Brasil Adotar em toda a extensão os princípios do libe ralismo econômico significaria destruir as próprias 520 COSTA Emilia Viotti da Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil In MOTA Carlos Guilherme Org Brasil em perspectiva 4 ed São Paulo Difusão Euro péia do Livro 1973 p 77 bases sobre as quais se apoiava a Coroa Manter intacto o sistema colonial era impossível nas novas condições Daí as contradições de sua política eco nômica Os inúmeros conflitos decorrentes acentua ram e tornaram mais claras aos olhos dos colonos e dos agentes da metrópole as divergências de in teresses existentes entre eles provocando reações opostas os colonos perceberam as vantagens de ampliar cada vez mais a liberdade enquanto os metropolitanos convenciamse da necessidade de restringilas A oposição entre os dois grupos manifestarseia claramente quando deputados brasileiros e portugueses se defrontaram nas Cortes portuguesas de 1821521 24 A Justiça no Período Joanino A estrutura judiciária também foi transposta para o Brasil uma modernização poderia gerar brechas de poder que seriam perigosos e desnecessários em um momento tão delicado Somente Pombal havia tentado uma mudança um pouco mais radical depois dele nenhuma grande transformação estrutural foi levada a efeito522 A primeira providência tomada foi no sentido de uma Justiça Militar que deveria cuidar inclusive de questões relativas às armadas e armadores Esta foi providenciada através da instalação do Conselho Supremo Militar e de Justiça constituído por dois conselhos relati vamente independentes o militar e o de justiça Ao Conselho Supremo Militar caberia todos os Negocios em que em Lisboa enten dião os Conselhos de Guerra do Almirantado e do Ultramar na parte Militar sómente e todos os mais que Eu Houver por bem encarregarlhe e poderá o mesmo Conselho consultarMe tudo quanto julgar conveniente para melhor Economia e Disciplina do Meu exército e Marinha 523 521 Ibidem p 79 522 Conferir o Capítulo referente à Colônia 523 Regimento do Conselho Supremo Militar e de Justiça dado no Rio de Janeiro em 01041808 Já o Conselho de Justiça ficaria responsável pelo conhecimento e decisão dos processos criminais cujos réus tivessem direito a foro militar e também deveria ser submetido ao Conselho de Justiça todos os Conselhos de Guerra que se for marem nos Corpos Militares desta Capitanía e de todas as mais do Brazil a excepção do Pará e Ma ranhão e dos Dominios Ultramarinos pela gran de distancia e dificuldade da navegação para esta Capital excepcionalmente reunindose nas quintas feiras quando para este fim for avisado e requerido pelo Juiz Relator do mesmo Conselho para julgar em ultima Instancia da validade das prezas feitas por Embarcações de Guerra da Armada Real ou por Armadores Portuguezes524 No tocante a tribunais superiores o governo do Regente fundiu os dois principais Tribunais Portugueses ao invés de um Desembargo do Paço e uma Mesa da Consciência foi instituído a Meza do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens isto sem acabar com os tribunais já existentes em Portugal O tribunal no Brasil era composto de um presidente e de desembargadores nomeados pelo regente depois rei e deputados da Meza da Consciência que se reuniriam todas as manhãs de dias úteis Não havia nenhuma utilidade em fechar a Casa da Suplicação de Lisboa Embora esse tribunal tivesse acompanhado tradicionalmente a pessoa do monarca havia já alguns séculos que não era presidido por ele funcionando em verdade sob um regedor De fato esse tribunal em Lisboa acabou por se transformar em uma Corte de Justiça profis sionalizada onde se julgava conforme as leis e que não se diferenciava essencialmente a não ser nas dimensões e na proximidade com a Coroa das outras Relações do Reino Assim sem levar em conta o seu valor simbólico como expressão da sobrevivência das instituições fechála seria como fechar a Relação do Porto ou a da Bahia Deixaria uma região da maior importância desprovida do seu tribunal Mas não se compreendia uma Corte sem uma Casa de Suplicação e a Corte estava no Rio de Janeiro 524 Ibidem Mas o Rio de Janeiro já tinha uma Relação e simplesmente im plantar uma Casa de Suplicação acabaria por sobrepor funções Dessa forma criouse por alvará em 10 de maio de 1808 a Casa de Suplicação elevando a hierarquia da Relação do Rio de Janeiro e completando seus quadros com magistrados e outros que a nova condição exigia A composição da Casa é descrita pelo alvará Eu o Príncipe Regente faço saber aos que o pre sente Alvará com força de lei virem que tomando em consideração o muito que interessa o estado e o bem comum e particular dos meus leais vas salos em que a administração da Justiça não tenha embaraços que a retardem e estorvem e se faça com a prontidão e exatidão que convém e que afiança a segurança pessoal e dos sagrados direitos de propriedade que muito desejo manter como a mais segura base da sociedade civil e exigindo as atuais circunstâncias novas provi dências não só por estar interrompida a comu nicação com Portugal e ser por isto impraticável seguiremse os Agravos Ordinários e Apelações que até aqui se interpunham para a Casa da Suplicação de Lisboa vindo a ficar os pleitos sem decisão última com manifesto detrimento dos litigantes e do público que muito interessam em que não haja incerteza de domínios e se findem os pleitos quanto antes como também por me achar residindo nesta cidade que deve por isso ser considerada a minha Corte atual querendo providenciar de um modo seguro estes incon venientes e os que podem recrescer para o futuro em benefício do aumento e prosperidade da causa pública sou servido determinar o seguinte I A relação desta cidade se denominará Casa da Suplicação do Brasil e será considerada como Superior Tribunal de Justiça para se findarem ali todos os pleitos em última instância por maior que seja o seu valor sem que das últimas sentenças proferidas em qualquer das Mesas da sobredita Casa se possa interpor outro recurso que não seja o das revistas nos termos restritos do que se acha disposto nas minhas ordenações leis e mais disposições e terão os Ministros a mesma alçada que têm os da Casa da Suplicação de Lisboa II Todos os Agravos Ordinários e Apelações do Pará Maranhão Ilhas dos Açores e Madeira e da Relação da Bahia que se conservará no estado em que se acha e se considerará como imediata à desta cidade os quais se interpunham para a Casa da Suplicação de Lisboa serão daqui em diante interpostos para a do Brasil e nela se decidirão finalmente pela mesma forma que o eram até agora segundo as determinações das minhas ordenações e mais disposições régias III Todos aqueles pleitos em que houve inter posição de Agravos ou Apelações que se não remeteram e todos os que sendo remetidos não tiveram ainda final decisão serão julgados na Casa da Suplicação do Brasil uns pelos próprios autos e outros pelos traslados que ficarão pela maneira com que o seriam na de Lisboa por juízes da Casa que o não foram nas primeiras sentenças E os Embargos que na execução se tiverem mandado remeter se decidiram pelos mesmos juízes que ordenaram a remessa sem atenção ao despacho que a decretara a fim de haverem final decisão como cumpre ao bem público IV A Casa da Suplicação do Brasil se comporá além do Regedor que eu houver por bem nomear do Chanceler da Casa de oito Desembargadores dos Agravos de um Corregedor do Crime da Corte e Casa de um Juiz dos Feitos da Coroa e Fazenda de um Procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda de um Corregedor do Cível da Corte de um Juiz da Chancelaria de um Ouvidor do Crime de um Promotor da Justiça e de mais seis Extravagantes V Governarseão todos pelo Regimento da Casa da Suplicação segundo é conteúdo nos Títulos respectivos das Ordenações do Reino leis decretos e assentos guardandose na ordem e forma do despacho o mesmo que ali se praticava E guardarseá também quanto está determinado no Regimento de 13 de outubro de 1751 dado para a Relação desta cidade em tudo que não for revogado por este Alvará e não for incompatível com a nova ordem de coisas VI Os lugares dos Ministros da Casa não serão mais como até agora eram os da Relação desta cidade contemplados de igual graduação antes haverá a mesma distinção que há na de Lisboa para serem promovidos aos mais distintos e graduados os Ministros que forem de maior graduação os despachos que a tinham e tiverem maior antiguidade préstimo e serviços VII Atendendo a que nem a multiplicidade dos negócios o exige nem cumpre aumentar o número dos magistrados tendo além disso mostrado a experiência fazerse sem dificuldade e inconvenientes servirão todos os Ministros de Adjuntos uns dos outros como for necessário no despacho do Expediente e entrarão também nas serventias dos lugares vagos ou impedidos quando não hajam para isso Extravagantes por ocupados em outras serventias VIII O Chanceler desta Casa sêloá somente sem que sirva como até agora fazia o da Relação desta Cidade em alguns casos de ChancelerMor do Reino que fui servido criar Na sua falta e impedimento servirá o Desembargador mais antigo da Casa a quem se remeterão os selos IX Tendo mostrado a experiência que da decisão de ser cumulativa a jurisdição dos magistrados criminais no conhecimento por devassa dos delitos cometidos nesta cidade e 15 léguas ao redor se tem seguido a pronta indagação dos autores deles sem disputas de jurisdição sempre odiosas hei por bem que o mesmo se continue a praticar regulandose pela prevenção excetua dos os casos do VI do Regimento de 13 de outubro de 1751 que devem ser privativos da jurisdição do Corregedor do Crime da Corte da Casa X O distrito da Casa da Suplicação do Brasil bem como o termo da Jurisdição dos Ministros dela será o mesmo que era até agora o da Relação desta cidade na forma dos X e XI do Regimento dela XI Terão de ordenado o Chanceler um conto e trezentos mil réis e todos os mais Ministros que tiverem Ofício na Casa um conto e cem mil reis e Procurador da Coroa e Fazenda além do orde nado que lhe competir segundo a graduação em que estiver quinhentos mil reis os extravagantes novecentos mil reis que é o mesmo que até agora percebem a título de ordenado e propinas os Desembargadores da Relação desta cidade E terão outrossim as mesmas assinaturas nos feitos que até agora levavam por serem as mes mas que competem aos Ministros da Casa da Suplicação XII Os Oficiais desta Casa serão os mesmos que até agora serviam na Relação desta cidade e observarão no cumprimento dos seus ofícios o que lhes é determinado no Regimento de 13 de outubro de 1751 nos títulos XI e XII XIII Não podendo bastar para o expediente das Varas do Crime e do Cível um só Escrivão que para adiante será ainda de maior concorrência hei por bem criar mais um Escrivão para cada uma delas entre os quais haverá a competente distribuição E este se cumprirá como nele se contém Pelo que mando à Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens ao Governador da Relação da Bahia aos Governadores e CapitãesGenerais e todos os Ministros de Justiça e mais pessoas a quem pertencer o conhecimento e execução deste Alvará que o cumpram e guardem e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nele se contém não obstante quaisquer leis alvarás de cretos regimentos ou ordens em contrário por que todas e todos hei por bem derrogar para este efeito somente como se deles fizesse expressa e individual menção ficando aliás sempre em seu vigor E este valerá como carta passada pela Chancelaria ainda que por ela não há de passar e que o seu efeito haja de durar mais de um ano sem embargo das ordenações em contrário registrandose em todos os lugares onde se cos tumam registrar semelhantes alvarás Dado no Palácio do Rio de Janeiro 10 de maio de 1808525 Em 10 de maio de 1808 também foi criado o cargo de Intendente Geral de Polícia com jurisdição sobre juízes criminais que poderiam recorrer a ele porque detinha o poder de prender e soltar presos para investigações Na semana anterior da criação do cargo de Intendente o Brasil tomou por herança pelas mãos e pena de D João uma das mais estranhas anomalias jurídicas que se tem conhecimento na Idade Moderna e Idade Contemporânea o Juiz Conservador da Nação Britânica Essa anomalia era um Juiz escolhido pelos ingleses residentes e somente ele poderia julgálos Apesar de o Juiz dever ser lusobrasi leiro e as leis que este devesse cumprir serem as lusitanas o fato de ele ser escolhido e ser exclusivo dava obviamente vantagens aos estrangeiros em terras brasileiras O primeiro documento em terras brasileiras que instala o Juiz Conservador é o Alvará de 4 de maio de 1808 Eu o Príncipe Regente faço saber aos que este Alvará virem que tendo consideração à repre sentação que me fez o Cônsul da Nação Ingleza hei por bem crear nesta Cidade um Juiz Conser vador para que processe e sentencie ele as causas que pertencerem à mesma Nação na forma que praticava o Juiz Conservador que havia em Lisboa Essa estranha modalidade de justiça descaradamente privile giada e absurda no tocante à soberania e territorialidade ratificada pelo Tratado de 1810 em seu artigo 10 prometia compensação desta Concessão e de fazer guardar a mais estrita e escrupulosa 525 Alvará de 10 de maio de 1808 que criou a Casa de Suplicação observação das leis protetoras de portugueses e estrangeiros em geral nos domínios britânicos Assim afirmava o Tratado com atenção aos nossos grifos Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal desejando proteger e facilitar nos seus domínios o Comércio dos Vassalos da Grande Bretanha assim como as Suas relações e comunicações com os Seus próprios Vassalos há por bem conceder lhes o Privilégio de Nomearem e terem Magistra dos Especiais para obrarem em seu favor como Juízes Conservadores naqueles Portos e Cidades dos Seus Domínios em que houverem Tribunais de Justiça ou possam ser estabelecidos para o futuro Estes Juízes julgarão e decidirão todas as Cousas que forem levadas perante eles pelos Vassalos Britânicos do mesmo modo que se praticara antigamente e a sua Autoridade e Sentenças serão respeitadas E declarase serem reconhecidas e renovadas pelo presente Tratado as Leis Decretos e Costumes de Portugal relativos à Jurisdição do Juiz Conservador Eles serão escolhidos pela pluralidade de votos dos Vassalos Britânicos que residirem ou comer ciarem no Porto ou Lugar em que a Jurisdição do Juiz Conservador for estabelecida e a Escolha assim feita será transmitida ao Embaixador ou Ministro de Sua Majestade Britânica residente na Corte de Portugal para ser por ele apresentado a Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal a fim de obter o Consentimento e Confirmação de Sua Alteza Real e no caso de não a obter as Partes Interessadas procederão a uma nova Eleição até que se obtenha a Real Aprovação do Príncipe Regente Mas a compensação que só existiria de fato se houvesse a criação do Juiz Conservador da Nação Portuguesa com sede na Inglaterra nunca veio conforme afirma Roberto Macedo Era o mesmo que nada prometer mencionavase uma condição implícita cuja inobservância cons tituiria desdouro para a coroa britânica O próprio Artigo 10 frisava que todos gozavam do Bene fício pela reconhecida Eqüidade da Jurispru dência Britânica e pela Singular Escelência da Sua Constituição526 Mas conforme se pode auferir no próprio Alvará que cria tal Juiz no Brasil esta não era uma situação nova Por mais estranho que pareça essa anomalia já vinha de séculos Em 1450 o rei Afonso V criou por Carta Régia o Juiz Conservador da Nação Britânica em Portugal527 Essa situação persistiu no Brasil até pelo menos o Segundo Reinado 25 A Elevação do Brasil à Condição de Reino Unido Era interessante a condição do Brasil depois da transmigração da Família Real portuguesa não se podia mais afirmar que o Brasil era colônia mas não tinha havido a preocupação de dizer o que era o país Com certeza não era independente mas então como qualificar Somente após sete anos nesta condição de seiláoquê jurídico que o governo de D João decidiu tomar providências e definir a condição jurídica do que apenas era chamado oficialmente de Sede do Governo Mas por que tanta demora Por que não definir de imediato Por que manter tudo provisório mesmo no primeiro ato que abriu os Portos brasileiros A resposta é simples elevar o Brasil a reino seria colocálo como igual a Portugal seria darlhe um status jurídico que não poderia ser retirado seria assinar um papel que afirmaria que o Brasil jamais poderia voltar à condição de colônia528 Mas não havia muito como evitar o Brasil não era colônia desde 1808 e daqui saíam as decisões que interferiam em todos os domínios 526 MACEDO Roberto História administrativa do Brasil Brasil sede da monarquia Brasil Reino 2 ed Brasília Unb Centro de Formação do Servidor Público 1983 p 66 527 Em 1645 Filipe IV de Espanha conferiu privilégios entre os quais o Juiz Conservador em 1647 a Carta de Privilégios foi confirmada em 1654 o Tratado de Paz e Aliança assinado em Westminster entre o rei D João IV de Portugal e Oliver Cromwell contendo em suas disposições a manutenção do cargo de Juiz Conservador da Nação Inglesa 528 Embora os portugueses das Cortes da Revolução do Porto não tenham concordado muito com isso e tenham tentado de todo modo gerando o rompimento político com Portugal portugueses mesmo no território da antiga metrópole Era necessário tornar essa situação de fato em uma situação de direito Todas as nações da Europa já designavam o Brasil como Reino isto pode ser atestado pelo Ato Final do Congresso de Viena celebrado entre Áustria França GrãBretanha Portugal Prússia Rússia e Suécia e assinado em Viena em 9 de junho de 1815 Art CV As Potências reconhecendo a justiça das reclamações formadas por Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal e do Brasil Art CVI A fim de remover as dificuldades que obstaram a que Sua Alteza Real o Príncipe Regente do Reino de Portugal e do Brasil Art CVII Sua Alteza Real o Príncipe Regente do Reino de Portugal e do Brasil 529 O que faltava era o aval legal da Lei Portuguesa Isso foi feito pela Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 que acrescentava ainda Algarves ao conjunto de Reinos Unidos D João por graça de Deus prínciperegente de Portugal e dos Algarves etc Faço saber aos que a presente carta de lei virem que tendo constantemente em meu real ânimo os mais vivos desejos de fazer prosperar os estados que a providência divina confiou ao meu sobe rano regime e dando ao mesmo tempo a im portância devida à vastidão e localidade dos meus domínios da América à cópia e variedade dos preciosos elementos de riqueza que eles em si contêm e outrossim reconhecendo quanto seja vantajosa aos meus fiéis vassalos em geral uma perfeita união e identidade entre os meus reinos de Portugal e dos Algarves e os meus domínios do Brasil erigindo estes àquela graduação e cate goria política que pelos sobreditos predicados lhes deve competir e na qual os ditos meus do mínios já foram considerados pelos plenipoten 529 Apud MACEDO Roberto Op cit p 108 e ss ciários das potências que formaram o Congresso de Viena assim no tratado de aliança concluído ao 8 de abril do corrente ano como no tratado final do mesmo Congresso sou portanto servido e me apraz ordenar o seguinte 1 Que desde a publicação desta carta de lei o estado do Brasil seja elevado à dignidade pree minência e denominação de reino do Brasil 2 Que os meus reinos de Portugal Algarves e Brasil formem dora em diante um só e único reino debaixo do título Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves 3 Que aos títulos inerentes à coroa de Portugal e de que até agora hei feito uso se substitua em todos os diplomas cartas de leis alvarás pro visões e atos públicos o novo título de Príncipe Regente do Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves daquém e dalémmar em África de Guiné e da Conquista Navegação e Comércio de Etiópia Arábia Pérsia e da índia etc E esta se cumprirá como nela se contém Dada no palácio do Rio de Janeiro aos 16 de dezembro de 1815 O príncipe com guarda Marquês de Aquiar CAPÍTULO XV BRASIL IMPÉRIO 1 A Independência do Brasil e a Constituinte de 1823 Grandes heróis grandes momentos épicos pais de ideias li bertárias e pais da independência outros povos tiveram a opor tunidade de possuir de fato os brasileiros no episódio da Inde pendência foram privados de tudo isso Um belo homem bem vestido que sobre o cavalo erguia sua poderosa espada e arrancava pela força de sua autoridade as cadeias que prendiam o Brasil a Portugal é uma invenção romântica do século XIX que não conseguia ver os fatos sem tornálos heroicos A ideia de independência a princípio pertencia somente aos cha mados até por isso radicais O que os elementos da elite mais próxi mos do poder pleiteavam era a continuidade da união com Portugal guardadas as liberdades conseguidas com a condição de Reino Unido A 23 de maio de 1822 pouco menos de quatro meses antes da Independência o Senado da Câmara do Rio de Janeiro solicitava a convocação de uma assembéia geral das províncias do Brasil com o objetivo de deliberar sobre as justas con dições com que o Brasil deve permanecer unido a Portugal e examinar a Constituição que se fizer nas Cortes Gerais de Lisboa para ver se é no seu todo aplicável ao Brasil estabelecer as emendas e alterações com que a mesma Constituição deve ser recebida e jurada no Brasil Na mesma representação era dito que a mesma assembléia trataria de comunicarse por escrito com as Cortes de Lisboa a fim de manter a união com Portugal que o Brasil desejava conservar530 530 COSTA Emilia Viotti da Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil In MOTA Carlos Guilherme Org Brasil em perspectiva 4 ed São Paulo Difusão Euro péia do Livro 1973 p 103 Mesmo aqueles a quem é dada a paternidade ou o patronato da Independência não tinham isto em mente As atas do Conselho de Estado que era composto entre outros por José Bonifácio de Andrada e Silva e Gonçalves Ledo indicam que muito pouco tempo antes do Grito do Ipiranga foi redigido uma solicitação ao príncipe D Pedro para uma convocação da Assembleia Geral dos Representantes da Província do Brasil onde se afirma que o Brasil não desejava atentar contra os direitos de Portugal mas não era possível deixar que Portugal atentasse contra os seus Outras afirmações interessantes do mesmo documento são O Brasil quer ter o mesmo Rei mas não quer Senhores nos Deputados do Congresso de Lisboa O Brasil quer Independência mas firmada a União bem entendida com Portugal quer enfim apresentar duas grandes famílias regidas pelas suas leis particulares presas por seus interesses obedientes ao mesmo chefe531 O problema central que desencadeou todo o processo de independência não foi portanto ideológico Os pais da independência do Brasil se viram entre duas possibilidades que não lhes agradava obedecer às Cortes Portuguesas e aceitar a volta do Brasil à condição de Colônia o que era economicamente muito desinteressante ou deixar que os chamados radicais continuassem a insuflar o povo contra as Cortes para conseguir uma independência com características democráticas e republicanas Enquanto as Cortes discutiam projetos claramente recoloniza dores a opinião pública no Brasil através de jornais panfletos e discursos públicos mostrava toda a sua indignação Eram projetos e decretos como este Artigo 1o O comércio entre os reinos de Por tugal Brasil e Algarves será considerado como de províncias do mesmo continente Artigo 2o É permitido unicamente a navios de construção portuguesa fazer o comércio de 531 Apud COSTA Emilia Viotti Op cit p 104 porto a porto em todas as possessões portugue sas 532 Nessa questão envolvendo os radicais estaria também a expli cação do por que a elite brasileira aceitou ser comandada por um monarca e não se lançou imediatamente para tomar o poder A monar quia uma continuidade da dinastia portuguesa no Brasil seria a garantia de manutenção do status quo baseado no sistema que persistia desde a Colônia latifúndio monocultor exportador escra vocrata Quando a partir da Lei Áurea a monarquia já não garantia mais esse estado de coisas o apoio a ela esvaiuse e veio a República A convocação da Constituinte em 3 de junho de 1822 portanto três meses antes do episódio às margens do Ipiranga foi uma das medidas tomadas contra as tentativas de recolonização das Cortes Portuguesas mas foi somente em 3 de maio de 1823 que se deu a abertura da Constituinte era preciso segundo o governo preparar terreno para o início dos trabalhos Essa preparação se deu através de um extermínio de possibi lidades de oposição primeiro fazendo com que as eleições fossem restritas a um grupo pequeno visto que teria direito de voto para a Constituinte todo cidadão casado ou solteiro sendo emancipado ou seja que não fosse filho de família no sentido romano e tendo mais de 20 anos Estavam excluídos os religiosos regulares os estrangeiros não naturalizados os criminosos e os que viviam de salário ou soldadas de qualquer modo à exceção dos caixeiros de casas comerciais os criados da Casa Real que não fossem de galão branco e os administradores de fazendas e fábricas533 Além dessa exclusão maciça de grande parte da população José Bonifácio e D Pedro por trás dele determinaram antes da eleição uma verdadeira caça às bruxas através de uma verdadeira escalada de repressão e violência Uma primeira medida é a criação de dois cargos de ajudantes do intendente geral de polícia da capital com atribuições exclusivas para vigiar 532 MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Orgs Brasil histó ria texto e Consulta Império São Paulo Hucitec 1991 v 2 p 150 533 A exclusão dos escravos estava implícita no fato de não serem considerados indivíduos e por não serem considerados brasileiros pessoas suspeitas e ajuntamentos cercar casas e clubes e prender os denunciados portaria de 10 de abril a essa decisão seguese a de mandar a repartição dos correios reter cartas e papéis considerados suspeitos aviso de 18 de julho e a de autorizar o intendente geral de polícia a ex pulsar da cidade os que pudessem tramar contra a ordem pública e inclusive fixarlhes o local de residência portaria de 18 de julho534 Mesmo membros do Conselho de Estado como Ledo por exem plo que tinham ideologicamente uma tendência mais democrática foram condenados ao degredo A imprensa não escapou desta limpeza Por decreto fica instituída a censura à imprensa no país535 Havendose ponderado na minha real presença que mandando eu convocar uma Assembléia Ge ral Constituinte e Legislativa para o Reino do Brasil cumpriame necessariamente e pela Su prema Lei da salvação pública evitar que ou pela imprensa ou verbalmente ou de outra qualquer maneira propaguem e publiquem os inimigos da ordem da tranqüilidade e da união doutrinas incendiárias e subversivas princípios desorgani zadores e dissociáveis que promovendo a anar quia e a licença ataquem e destruam o sistema que os povos deste grande e riquíssimo Reino e procurando ligar a bondade a justiça e a salva ção pública sem ofender a liberdade bem enten dida da imprensa que desejo sustentar o conser var e que tantos bens tem feito à causa sagrada da liberdade brasílica e fazer aplicáveis em casos tais e quanto for compatível com as atuais circunstâncias aquelas instituições liberais adotadas pelas nações cultas hei por bem e com o parecer do meu Conselho de Estado determinar provisoriamente o seguinte 534 MONTEIRO Hamilton M Brasil Império 3 ed São Paulo Ática 1994 p 12 535 Não que isso fosse novidade por todo o período colonial vários livros foram proibidos de entrar no território O Corregedor do Crime da Corte e Casa que por este nomeio Juiz de Direito nas causas de abuso de liberdade de imprensa e nas províncias que tiverem Relação o Ouvidor do Crime e o de Co marca nas que a não tiverem nomeará nos casos ocorrentes a requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda que será o Promotor e Fiscal de tais delitos vinte o quatro cidadãos escolhidos dentre os homens bons honrados inteligentes e patriotas os quais serão juízes de fato para co nhecerem da criminalidade dos escritos abusivos Os réus poderão recusar destes vinte e quatro nomeados dezesseis os oito restantes porém procederão no exame conhecimento e averigua ção do fato como se precede nos conselhos mili tares de investigação e acomodandose sempre às formas mais liberais e admitindose o réu à justa defesa que é de razão necessidade e uso Determinada a existência de culpa o Juiz imporá a pena E porquanto as leis antigas a semelhante respeito são muito duras e impróprias das idéias liberais dos tempos em que vivemos os Juízes de Direito regularseão para essa imposição pelos arts 12 e 13 do título segundo do Decreto das Cortes de Lisboa de 4 de junho de 1821 que mando nesta única parte aplicar ao Brasil Os réus só poderão apelar do julgado para a minha real clemência E para que o Procurador da Coroa e Fazenda te nha conhecimento dos delitos da imprensa serão todas as tipografias obrigadas a mandarlhe um exemplar de todos os papéis que se imprimirem Todos os escritos deverão ser assinados pelos escritores para sua responsabilidade e os edito res ou impressores que imprimirem e publicarem papéis anônimos são responsáveis por eles Os autores porém de pasquins proclamações incendiárias e outros papéis não impressos serão processados e punidos na forma prescrita pelo rigor das leis antigas536 536 Decreto do Príncipe Regente de 18 de junho de 1822 Dessa forma os jornais que eram os principais meios de propa gação de ideias no Brasil daqueles tempos foram fechados ou calados ficando somente os que apoiavam indubitavelmente o governo de D Pedro A todas essas medidas duras D Pedro na abertura da cons tituinte justifica da seguinte forma Bem custoso seguramente me tem sido que o Brasil até agora não gozasse de representação nacional e verme eu por força de circunstâncias obrigado a tomar algumas medidas legislativas elas nunca parecerão que foram tomadas por ambição de legislar arrogando um poder em o qual somente devo ter parte mas sim que foram tomadas para salvar o Brasil visto que a assem bléia quanto a umas não estava convocada quanto a outras não estava ainda junta e residiam então de fato e de direito visto a independência total do Brasil de Portugal os três poderes no chefe supremo da Nação muito mais sendo ele seu defensor perpétuo Embora algumas medidas parecessem demasiadamente fortes como o perigo era iminente os inimigos que nos rodeavam imensos e prouvera a Deus que entre nós ainda não existissem tantos cumpria serem proporcionadas537 A Constituinte formada sob o jugo da perseguição estava fadada ou a obedecer subservientemente à vontade do Imperador ou a afrontá la e ser ver o poder imperial fechála Uma Constituinte Consentida é assim que deve ser chamada mesmo antes de sua instalação havia ameaças contra ela José Bonifácio tentava convencer o príncipe de formar um Conselho de Procuradores com poderes apenas consultivos e a outorga de uma Carta Magna de modo a fugir do que ele consi derava ser as desordens de uma Assembléia Constituinte538 A fala de D Pedro I é bem clara no sentido do consentimento ele permitia a Constituinte e aceitava uma constituição desde que fosse 537 Fala do Trono Mensagem do Imperador à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa maio 1823 538 MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Orgs Op cit p 177 digna do Brasil e dele539 A Assembleia Constituinte deveria servir a um propósito do próprio Imperador segundo Raymundo Faoro o de provar que ele desobedecera as Cortes Portuguesas não por desejar reinar de forma absoluta mas para preservar a autoridade régia540 A Constituinte funcionaria não por direito próprio mas enquanto fiel ao sistema monárquico Assim afirmou D Pedro na abertura dos trabalhos constituintes Como Imperador Constitucional e muito espe cialmente como defensor perpetuo deste Império disse ao povo no dia 1o de dezembro do ano próximo passado em que fui coroado e sagrado que com a minha espada defenderia a Pátria a Nação e a Constituição se fosse digna do Brasil e de mim Retifico hoje muito solenemente perante vós esta promessa e espero que me ajudeis a desempenhála fazendo uma Constituição sábia justa adequada e executável ditada pela razão e não pelo capricho que tenha em vista somente a felicidade geral que nunca pode ser grande sem que esta Constituição tenha bases sólidas bases que a sabedoria dos séculos tenha mostra do que são as verdadeiras para darem uma justa liberdade aos povos e toda a força necessária ao poder executivo Uma Constituição em que os três poderes sejam bem divididos de forma que não possam arrogar direitos que lhes não com pitam mas que sejam de tal modo organizados e harmonizados que se lhes torne impossível ainda pelo decurso do tempo fazeremse ini migos e cada vez mais concorram de mãos dadas para a felicidade geral do Estado Afinal uma Constituição que pondo barreiras inacessíveis ao despotismo quer real quer democrático afugente a anarquia e plante a árvore daquela liberdade a cuja sombra deve crescer a união tranqüilidade 539 Essa interessante frase demonstrativa de poder e sanha absolutista sequer é de autoria de D Pedro I foi copiada do preâmbulo da Carta de 4 de junho de 1814 por meio da qual Luis XVIII pretende reatar a tradição monárquica 540 FAORO Raymundo Os donos do poder formação do patronato político brasileiro 9 ed São Paulo Globo 1991 p 282 e independência deste Império que será o assombro do mundo novo e velho541 A fim de preparar o anteprojeto constitucional foram designados seis deputados que formariam uma comissão sendo que esta apresen touo em setembro de 1823 quando começou a ser discutido pela As sembleia Continha 272 artigos muito inspirados nos Iluministas não no tocante à democracia e liberdades burguesas mas principalmente no que dizia respeito à soberania nacional e ao liberalismo econômico O anteprojeto refletia a situação política do momento a presença de tropas portuguesas na Bahia ainda lembrava o perigo da inde pendência ser apenas um episódio Assim propunha a restrição na participação de estrangeiros na vida política nacional Essa preocupa ção tinha em vista fundamentalmente os portugueses Embora já devidamente filtrados de radicais e democratas tiveram a tendência no projeto de constituição de guardar uma parte importante do poder para si e para aqueles que representavam Dessa forma o projeto de Constituição seguia uma tendência classista imoderada na discriminação dos poderes políticos Para afastar a maioria da população o projeto preconizava a elei ção em dois turnos condicionandose a capacidade eleitoral à renda não medida em dinheiro mas com base no preço de uma mercadoria de consumo corrente a farinha de mandioca Essa associação logo deu ao povo do Rio de Janeiro e aos jornais assunto inesgotável para galhofas e a Constituinte foi chamada de Constituinte da Mandioca Os eleitores de primeiro grau deveriam ter renda mínima equiva lente a 150 alqueires de farinha de mandioca eles elegeriam os eleito res de segundo grau que para sêlo deveriam ter renda mínima de 250 alqueires de farinha de mandioca Estes últimos elegeriam deputados e senadores que para se candidatarem a tais cargos deveriam ter renda correspondente a quinhentos e mil alqueires respectivamente Embora José Bonifácio pregasse contra o Pacto Confederativo e a favor da Lealdade Dinástica por acreditar que a unidade do Império só se daria através de um governo forte o anteprojeto valorizava a representação nacional estabelecendo a indissolubilidade da Câmara o veto do imperador aos projetos pela Câmara aprovados seria de 541 Fala do Trono Mensagem do Imperador à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa maio 1823 Grifo nosso caráter apenas suspensivo e a sujeição das forças armadas seria ao Parlamento e não ao Imperador Senado eleito forças armadas fora de seu controle direto e indis solubilidade da Câmara já seriam suficientes para deixar o Imperador contra a Constituinte mas alijálo do poder completamente não dando sequer o veto seria como deixálo como um rei que reina mas não governa o poder seria do Parlamento O antagonismo entre o príncipe e a Constituinte caminhava para um aprofundamento cada vez maior Mas o problema principal estava na não concordância de D Pedro I do veto apenas suspensivo embora moderado o projeto cons titucional feria os brios absolutistas do monarca e de seus aliados 542 A Assembleia é fechada e uma comissão da confiança de D Pedro é nomeada para fazer uma Constituição O imperador justificou o fecha mento da Assembleia Constituinte alegando que esta estava trazendo graves perigos à Nação Brasileiros Uma só vontade nos una Continuemos a salvar a Pátria O vosso Imperador o vosso defensor per pétuo vos ajudará como ontem fez e como sempre tem feito ainda que exponha sua vida Os desatinos de homens alucinados pela soberba e ambição nos iam precipitando no mais honoroso abismo As bases que devemos seguir e sus tentar para nossa felicidade são independência do império integridade do mesmo e sistema constitucional sustentando nós estas três bases sem rivalidades sempre odiosas sejam por que lado encaradas e que são as alavancas como acabastes de ver que poderiam abalar esse co lossal Império nada mais temos que temer Essas verdades são inegáveis vós bem as conheceis pelo vosso juízo e desgraçadamente as leis conhecendo melhor pela anarquia 542 MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Orgs Op cit p 179 Se a Assembléia não fosse dissolvida seria des truída a nossa santa religião e nossas vestes se riam tintas em sangue Está convocada nova As sembléia Quanto antes ela se unirá para trabalhar sobre um projeto de Constituição que em breve vos apresentarei Ficai certos que o vosso Imperador a única ambição que tem é de adquirir cada vez mais glória não só para si mas para vós e para este grande império que será respeitado pelo mundo inteiro As prisões agora feitas serão pelos inimigos do Império consideradas despóticas Não são Vós vedes que são medidas de polícia próprias para evitar a anarquia e poupar as vidas desses desgraçados para que possam gozar ainda tranqüilamente delas e nós de sossego Suas famílias serão protegidas pelo Governo A salvação da Pátria que me está confiada como defensor perpétuo do Brasil e que é a Suprema Lei assim o exige Tende confiança em mim assim como eu a tenho em vós e vereis os nossos inimigos internos e externos suplicarem à nossa indulgência União e mais união brasileiros quem aderiu à nossa sagrada causa quem jurou a Independên cia deste Império é brasileiro543 2 A Constituição Outorgada de 1824 A Comissão nomeada por D Pedro I para elaborar uma Carta Constitucional foi chamada de Conselho de Estado e era composta por seis ministros e mais quatro membros escolhidos pelo Imperador Essa comissão tinha um prazo de quarenta dias para a elaboração da Carta A Constituição foi então outorgada imposta por D Pedro I e apesar de críticas contundentes em todas as províncias acabou por ser assimilada por imposição 543 Proclamação de D Pedro justificando a convocação de uma nova Assembleia 13 de novembro de 1823 21 Alguns Pontos da Constituição de 1824 Não era possível para D Pedro I por mais que desejasse centra lizar de forma absoluta aparente o poder em suas mãos Depois da restauração na Europa depois da retomada de poder pelas monarquias que haviam perdido suas coroas para Napoleão não era mais possível para um rei afirmar que o Estado era ele tampouco basearse na teoria do direito divino Era preciso identificar o governo com uma Monarquia Constitucional e assim o fez a Constituição de 1824 Art 3o O seu governo é monárquico hereditário constitucional e representativo Era preciso deixar participar do poder ao menos uma parte da elite econômica era a isso que os reis chamavam de liberalismo Não era mais possível compreender um país sem uma constituição sem uma separação de poderes ainda que nominal Art 9o A divisão e harmonia dos Poderes políti cos é o princípio conservador dos direitos dos cidadãos e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece A Constituição Imperial indicava uma divisão de poderes como era de se esperar de uma Monarquia que desejava ser Constitucional nos moldes Iluministas entretanto indo além de Montesquieu que apontava serem ideais três poderes o executivo o legislativo e o judiciário a primeira constituição brasileira interpõe um quarto poder o moderador Art 10 Os Poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o Poder Judicial O Poder Moderador é a chave para a compreensão da falácia da independência de poderes no Brasil monárquico Ele é apontado como sendo o meio pelo qual os outros poderes se harmonizariam É um poder privativo do Imperador Art 98 O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegada privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante para que incessan temente vele sobre a manutenção da indepen dência equilíbrio e harmonia dos mais Poderes políticos A ideia de outros poderes além dos três indicados por Montes quieu que acabou sendo parcialmente aplicada na Constituição Outor gada é do suíço Benjamin Constant que indica cinco poderes Até agora têm se distinguido três poderes em tais organizações políticas De minha parte dis tingo cinco de naturezas diferentes numa mo narquia constitucional primeiro o poder real se gundo o poder executivo terceiro o poder re presentativo da continuidade quarto o poder re presentativo da opinião quinto o poder de julgar O poder representativo da continuidade reside numa assembléia hereditária o poder represen tativo da opinião em uma assembléia eleita o poder executivo está confiado aos ministros o poder de julgar aos tribunais Os dois primeiros poderes fazem a lei o terceiro cuida de sua exe cução geral e o quarto julga os casos particulares O poder real está acima destes quatro poderes autoridade ao mesmo tempo superior e inter mediária interessado em manter o equilíbrio e com a máxima preocupação de conserválo544 As ideias do suíço entretanto não foram aplicadas de forma absoluta muito embora muito tenha sido aproveitado dele Por ele estariam separadas a chefia do Estado e a Chefia de Governo e como não era interessante ao Imperador este último acumulava também a chefia do Poder Executivo545 544 CONSTANT Benjamin Princípios políticos constitucionais Rio de Janeiro Liber Juris 1989 p 74 e ss 545 Nas monarquias parlamentaristas de fato é o chefe de Estado responsável pela repre sentação do país o primeiro ministro é o chefe de governo que dirige a política do Estado e é escolhido pelo Parlamento Art 102 O Imperador é o Chefe do Poder Executi vo e o exercita pelos seus ministros de Estado Os ministros de Estado em questão nesse artigo 102 seriam nomeados pelo Imperador acabando com qualquer possibilidade de um real parlamentarismo na monarquia brasileira Art 101 O Imperador exerce o Poder Mode rador 6o Nomeando e demitindo livremente os minis tros de Estado Aos ministros era somente exigido que referendassem o que o Executivo que chefiado pelo Imperador era exercido quase que exclu sivamente por ele mesmo Art 132 Os ministros de Estado referendarão ou assinarão todos os atos do Poder Executivo sem o que não poderão ter execução O Legislativo indicado pelo nome de Assembleia Geral é em uma sinceridade absurda objetivamente apontado na Constituição de D Pedro não como tendo ou sendo um poder por si mas como tendo um poder existente somente por consentimento do Imperador Art 13 O Poder Legislativo é delegado à As sembléia Geral com a sanção do Imperador O Poder Legislativo era composto por Câmara dos Deputados e Senado Este último tinha por característica principal a vitaliciedade e em última instância eram escolhidos pelo Imperador através de listas tríplices Art 40 O Senado é composto de membros vita lícios e será organizado por eleição provincial Art 43 As eleições serão feitas pela mesma ma neira que as dos deputados mas em listas trí plices sobre as quais o Imperador escolherá o terço na totalidade da lista As condições para poder candidatarse a uma vaga no Senado passavam por idade e muito dinheiro Art 45 Para ser senador requerse 1o Que seja cidadão brasileiro e que esteja no gozo dos seus direitos políticos 2o Que tenha a idade de quarenta anos para cima 3o Que seja pessoa de saber capacidade e vir tudes com preferência os que tiverem feito serviços à Pátria 4o Que tenha de rendimento anual por bens indústria comércio ou empregos a soma de oitocentos mil réis Mas para alguns não era preciso candidatura idade mínima de 40 anos nem tampouco ser pessoa de saber bastava ser príncipe Art 46 Os príncipes da Casa Imperial são sena dores por direito e terão assento no Senado logo que chegarem à idade de vinte e cinco anos Os deputados eram eleitos de forma indireta Nessa Constituição havia a indicação de dois tipos de eleitores como no anteprojeto da Constituinte Os de primeiro grau eram chamados paroquiais e os de segundo Provinciais Estavam excluídos as classes trabalhadoras criados de servir exceção primeiros caixeiros das casas de comércio criados da Casa Imperial de maior categoria e administradores de fazendas e fábricas bem como todos que não tivessem renda líquida anual correspondente a 100000 por bem de raiz E se para ser senador como visto acima era necessária uma renda de 800000 para deputado exigiase no mínimo 400000 Art 90 As nomeações dos deputados e sena dores para a Assembléia Geral e dos membros dos Conselhos Gerais das Províncias serão feitas por eleições indiretas elegendo a massa dos cidadãos ativos em assembléias paroquiais os eleitores de província e este os representantes da Nação e província Art 91 Têm voto nestas eleições primárias 1o Os cidadãos brasileiros que estão no gozo de seus direitos políticos 2o Os estrangeiros naturalizados Art 92 São excluídos de votar nas assembléias paroquiais 1o Os menores de vinte e cinco anos nos quais não se compreendem os casados e oficiais mili tares que forem maiores de vinte e um anos os bacharéis formados e clérigos de ordens sacras 2o Os filhosfamília que estiverem na companhia de seus pais salvo se servirem ofícios públicos 3o Os criados de servir em cuja classe não entram os guardalivros e primeiros caixeiros das casas de comércio os criados da Casa Imperial que não forem de galão branco e os adminis tradores das fazendas rurais e fábricas 4o Os religiosos e quaisquer que vivam em comunidade claustral 5o Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis por bens de raiz indústria comércio ou empregos Art 93 Os que não podem votar nas assem bléias primárias de paróquia não podem ser mem bros nem votar na nomeação de alguma auto ridade eletiva nacional ou local Art 94 Podem ser eleitores e votar na eleição dos deputados senadores e membros dos con selhos de província todos os que podem votar na assembléia paroquial Excetuamse 1o Os que não tiverem de renda líquida anual duzentos mil réis por bens de raiz indústria comércio ou emprego 2o Os libertos 3o Os criminosos pronunciados em querela ou devassa Art 95 Todos os que podem ser eleitores são hábeis para serem nomeados deputados Exce tuamse 1o Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda líquida na forma dos arts 92 e 94 2o Os estrangeiros naturalizados 3o Os que não professarem a religião do Es tado Art 96 Os cidadãos brasileiros em qualquer parte que existam são elegíveis em cada distrito eleitoral para deputados ou senadores ainda quando aí não sejam nascidos residentes ou domiciliados Se os deputados eram eleitos alguns podem supor que pelo menos uma parte do Poder Legislativo estava livre da ingerência impe rial mas infelizmente uma independência não era possível nos moldes dessa Constituição Exercendo o Poder Moderador o Imperador podia fechar a Câmara dos Deputados e convocar novas eleições simplesmente alegando como o fez no caso da dissolução da Assembleia Constituinte a necessidade de tal ato para salvação do Estado Art 101 O Imperador exerce o Poder Mode rador 5o Prorrogando ou adiando a Assembléia Geral e dissolvendo a Câmara dos Deputados nos casos em que o exigir a salvação do Estado convocan do imediatamente outra que a substitua O poder do Imperador no âmbito traduzido pela Constituição Outorgada de 1824 não se restringia somente à nomeação de sena dores ou dissolução da Câmara ele tinha por essa Carta Magna o poder de expedir decretos e regulamentos que na prática configuravam o estabelecimento de leis Art 102 O Imperador é o Chefe do Poder Exe cutivo e o exercita pelos seus ministros de Estado São suas principais atribuições 12 Expedir os decretos instruções e regula mentos adequados à boa execução das leis De qualquer forma uma lei só teria valor no Brasil após a sanção objetiva do Imperador e se este simplesmente não se pronunciasse acerca da sanção ou do veto de uma determinada lei seria o mesmo que vetála546 Art 66 O Imperador dará ou negará a sanção em cada decreto dentro de um mês depois que lhe for apresentado Art 67 Se o não fizer dentro do mencionado prazo terá o mesmo efeito como se expressa mente negasse a sanção para serem contadas as legislaturas em que poderá ainda recusar o seu consentimento ou reputarse o decreto obriga tório por haver já negado a sanção nas duas antecedentes legislaturas O Poder Judiciário tampouco escapava de tão pelágica interfe rência embora houvesse a indicação na Constituição de que este era um Poder independente Art 151 O Poder Judicial é independente e será composto de juízes e jurados os quais terão lugar assim no cível como no crime nos casos e pelo modo que os códigos determinarem Os juízes eram nomeados pelo Imperador como chefe do Poder Executivo Art 102 O Imperador é o Chefe do Poder Exe cutivo e o exercita pelos seus ministros de Estado 546 Na Constituição americana e no Código Civil de Napoleão se o executivo no prazo estipulado não se pronunciasse a lei entraria em vigor no Brasil só o aval do Imperador ou a aprovação por três legislaturas seguidas de um mesmo projeto vetado poderia fazer vigorar uma lei São suas principais atribuições 3o Nomear magistrados Hoje em dia algumas garantias institucionais são imprescindíveis para que se considere o Poder Judiciário como independente São elas independência orçamentária vitaliciedade irredutibilidade de subsí dios e inamovibilidade547 O Judiciário de fato independente não deve estar atrelado à dependência de pagamento ou à possibilidade de ver reduzido seus vencimentos pois isso poderia ser utilizado como forma de pressão Nesse item a Constituição de 1824 não é muito clara indica que o Legislativo é quem estabelece ordenados para os empregos públicos artigo 15 inciso 16 sem apontar exatamente se nesses estabelecimen tos de ordenados estão incluídos os juízes Quanto à vitaliciedade a Constituição Imperial não contando oficialmente com aposentadoria decreta a perpetuidade é preciso salientar entretanto que em 1850 por exemplo vários juízes foram aposentados compulsoriamente após terem inocentado traficantes de escravos E ainda caso houvesse uma denúncia e o juiz fosse julgado pelo Imperador e pelo Conselho de Estado ele poderia ser afastado de seu cargo Art 154 O Imperador poderá suspendêlos por queixas contra eles feitas precedendo audiência dos mesmos juízes informação necessária e ouvido o Conselho de Estado Os papéis que lhes são concernentes serão remetidos à relação do respectivo distrito para proceder na forma da lei Art 155 Só por sentença poderão estes juízes perder o lugar Por fim na questão da inamovibilidade ocorre um dos maiores pecados da Constituição de D Pedro I Alexandre Moraes comenta a importância da inamovibilidade para a independência do juiz citando a 547 MORAES Alexandre de Direito Constitucional 8 ed São Paulo Atlas 2000 p 434439 doutrina norteamericana que há muito aponta a necessidade de permanência do magistrado no cargo como forma de minimizar a pressão política que este pudesse vir a sofrer548 A partir de 1824 os juízes podem ser transferidos sempre que se achar necessário Art 153 Os juízes de direito serão perpétuos o que todavia se não entende que não possam ser mudados de uns para outros lugares pelo tempo e maneira que a lei determinar Esse judiciário nem tão independente quanto se desejaria estava assim formado pela Constituição haveria juízes e jurados aos pri meiros caberia a aplicação da lei aos segundos o pronunciamento acerca do fato Art 152 Os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei549 Seria cobrada responsabilidade dos membros do judiciário no tocante a abusos de poder suborno peculato e concussão Art 156 Todos os juízes de direito e os oficiais de justiça são responsáveis pelos abusos de po der e prevaricações que cometerem no exercício de seus empregos esta responsabilidade se fará efetiva por lei regulamentar Art 157 Por suborno peita peculato e concus são haverá contra eles ação popular que poderá ser intentada dentro de ano e dia pelo próprio 548 Ibidem 549 A figura do Tribunal do Júri teve sua origem na Lei de 18 de junho de 1822 sobre os crimes de imprensa tendo sido estendido para os demais crimes com o Código Criminal Apesar da previsão na Constituição de 1824 a instituição do Tribunal do Júri nunca foi estendida para o cível Com o Código de Processo Criminal de 29 de novembro de 1832 ficou consagrada a instituição O Conselho do Júri se desdobrava em Júri da Acusação para decidir sobre a pronúncia do acusado tendo sido abolido esse júri prévio pela Lei no 261 de 1841 e Júri do Julgamento Era presidido por um juiz criminal e composto por jurados eleitos pela Câmara Municipal dentre 60 jurados nas capitais e 30 jurados nas cidades e vilas queixoso ou por qualquer do povo guardada a ordem do processo estabelecida na lei Essa responsabilidade entretanto não era cobrada de quem mais concentrava poder no país Com tanto poder nas mãos do Imperador seria justo imaginar que a Constituição desse a quem ocupasse tal cargo responsabilidade por seus atos mas era o contrário Art 99 A Pessoa do Imperador é inviolável e sagrada ele não está sujeito a responsabilidade alguma Haveria no judiciário Relações como Tribunais de segunda e última instância em todas as províncias Art 158 Para julgar as causas em segunda e última instância haverá nas províncias do Império as relações que forem necessárias para comodidade dos povos Eram previstas a publicidade a possibilidade de arbitragem e a necessidade de tentativa de reconciliação antes do processo Essa reconciliação deveria ser feita por Juízes de Paz eleitos nos municípios Art 159 Nas causas crimes a inquirição das testemunhas e todos os mais atos do processo depois da pronúncia serão públicos desde já Art 160 Nas cíveis e nas penais civilmente in tentadas poderão as partes nomear juízes ár bitros Suas sentenças serão executadas sem re curso se assim o convencionarem as mesmas partes Art 161 Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação não se co meçará processo algum Art 162 Para este fim haverá juízes de paz os quais serão eletivos pelo mesmo tempo e ma neira por que se elegem os vereadores das câmaras Suas atribuições e distrito serão regulados por lei Havia ainda a previsão de um Supremo Tribunal de Justiça em substituição à Mesa da Consciência e Ordens e à Casa de Suplicação Mas este seria apenas responsável pelos recursos de revista que lhe eram oferecidos com base exclusivamente na nulidade manifesta ou injustiça notória Art 163 Na Capital do Império além da relação que deve existir assim como nas demais provín cias haverá também um tribunal com a denomi nação de Supremo Tribunal de Justiça composto de juízes letrados tirados das relações por suas antigüidades e serão condecorados com o título do Conselho Na primeira organização poderão ser empregados neste tribunal os ministros daqueles que se houverem de abolir Art 164 A este tribunal compete 1o Conceder ou denegar revistas nas causas e pela maneira que a lei determinar 2o Conhecer dos delitos e erros de ofício que cometerem os seus ministros os das relações os empregados no corpo diplomático e os presi dentes das províncias 3o Conhecer e decidir sobre os conflitos de juris dição e competência das relações provinciais O papel de interpretação da lei caberia ao Legislativo entretanto como isso não desse certo essa função passou a partir de 1841 para o Conselho de Estado órgão composto por pessoas indicadas pelo Im perador O Supremo Tribunal de Justiça teve suas funções regulamen tadas por lei em 1828 Outros pontos a serem destacados na Constituição de 1824 são aqueles que existiram apenas por existir já que na prática não eram sequer levados em consideração550 Senão como explicar um artigo 550 Alguns autores caem na armadilha preparada por D Pedro I de chamar esta Consti tuição de Liberal este é o caso entre outros de José Henrique Pierangeli op cit p 66 e Jônatas de Paula op cit p 222 Infelizmente o que está escrito se não for colo como o abaixo indicado em um país que ainda tinha em vigor a lei de censura à imprensa de 18 de junho de 1822 Art 179 A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros que tem por base a liberdade a segurança individual e a pro priedade é garantida pela Constituição do Im pério pela maneira seguinte 4o Todos podem comunicar os seus pensamen tos por palavras escritos e publicálos pela imprensa sem dependência de censura contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste direito nos casos e pela forma que a lei determinar A escravidão era a marca da produção e da cultura do Império e mesmo assim D Pedro e seu Conselho decidiram praticamente copiar a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão dos revolucionários franceses Desta forma a lei deve ter utilidade pública art 179 inciso 2o mas o público não engloba a maioria esmagadora da população que é formada por escravos embora a estes não fosse reconhecida a cidadania e por homens livres não proprietários551 Da mesma forma é indicada uma certa liberdade de religião mas a religião oficial aquela que possibilita que o indivíduo tenha registros civis é a católica Isso se dá porque casarse ter registro de nascimento pelo registro de batismo morrer e todas as consequências legais atreladas a esses fatos da vida passavam pelo controle da Igreja não pelo controle civil Além disso a própria religião católica tem seu cado em prática é letra morta como mortos ficam os ideais que porventura estas letras indiquem A democracia era para D Pedro da mesma forma que era para José Bonifácio algo abominável tanto assim o era considerado que Bonifácio dizia combater aqueles que se colocavam debaixo das esfarrapadas bandeiras da suja e caótica democracia apud MENDES JÚNIOR Antonio RONCARI Luiz MARANHÃO Ricardo Orgs Op cit p 177 A liberalidade de D Pedro I acabava no momento em que era contrariado 551 Com relação ao artigo 179 inciso 13 que afirma ser a lei igual para todos o comentário possível é infeliz pela própria realidade Se vivemos hoje em um Estado democrático de Direito e não temos como afirmar que tal dispositivo constitucional é posto em prática em sua totalidade quanto mais no século XIX escravocrata e com super cidadãos como o eram os latifundiários poder concentrado nas mãos do Imperador que paga os eclesiásticos e mais dá prévio consentimento à aplicação das bulas papais no Brasil Art 102 O Imperador é o Chefe do Poder Exe cutivo e o exercita pelos seus ministros de Es tado São suas principais atribuições 2o Nomear bispos e prover os benefícios ecle siásticos Com objetivo de ilustrar a tendência iniciada por essa Constitui ção de indicar garantias que não são cumpridas indicase o restante do artigo 179 com comentários Art 179 A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros que tem por base a liberdade a segurança individual e a pro priedade é garantida pela Constituição do Im pério pela maneira seguinte 1o Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa senão em virtude da lei 2o Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública 3o A sua disposição não terá efeito retroativo552 6o Qualquer pode conservarse ou sair do Império como lhe convenha levando consigo os seus bens guardados os regulamentos policiais e salvo o prejuízo de terceiro 7o Todo o cidadão tem em sua casa um asilo inviolável De noite não se poderá entrar nela senão por seu consentimento ou para o defender de incêndio ou inundação e de dia só será fran queada a sua entrada nos casos e pela maneira que a lei determinar553 552 A questão da irretroatividade foi colocada em prática 553 A polícia não respeitava muito esse dispositivo 8o Ninguém poderá ser preso sem culpa forma da exceto nos casos declarados na lei e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entra da na prisão sendo em cidades vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz e nos lugares remotos dentro de um pra zo razoável que a lei marcará atenta à extensão do território o Juiz por uma nota por ele as sinada fará constar ao réu o motivo da prisão os nomes do seu acusador e os das testemunhas havendoas 9o Ainda com culpa formada ninguém será con duzido à prisão ou nela conservado estando já preso se prestar fiança idônea nos casos que a lei a admite e em geral nos crimes que não ti verem maior pena do que a de seis meses de prisão ou desterro para fora da comarca poderá o réu livrarse solto554 10 À exceção de flagrante delito a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade legítima Se esta for arbitrária o juiz que a deu e quem a tiver requerido serão punidos com as penas que a lei determinar O que fica disposto acerca da prisão antes de culpa formada não compreende as ordenanças militares estabelecidas como necessárias à disciplina e recrutamento do Exército nem os casos que não são puramente criminais e em que a lei determina todavia a prisão de alguma pes soa por desobedecer aos mandatos da justiça ou não cumprir alguma obrigação dentro de deter minado prazo 11 Ninguém será sentenciado senão pela auto ridade competente por virtude de lei anterior e na forma por ela prescrita 12 Será mantida a independência do Poder Judi cial Nenhuma autoridade poderá avocar as cau 554 Poucos meses antes da entrada em vigor dessa Constituição alguns constituintes de 23 tiveram suas casas invadidas foram julgados sumariamente e simplesmente expulsos do país por D Pedro I sas pendentes sustálas ou fazer reviver os pro cessos findos 13 A lei será igual para todos quer proteja quer castigue e recompensará em proporção dos me recimentos de cada um 14 Todo o cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis políticos ou militares sem outra di ferença que não seja a dos seus talentos e vir tudes 15 Ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres 16 Ficam abolidos todos os privilégios que não forem essencial e inteiramente ligados aos car gos por utilidade pública555 17 À exceção das causas que por sua natureza pertencem a juízos particulares na conformidade das leis não haverá foro privilegiado nem comissões especiais nas causas cíveis ou crimes 18 Organizarseá quanto antes um código civil e criminal fundado nas sólidas bases da justiça e eqüidade556 19 Desde já ficam abolidos os açoites a tortura a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis557 20 Nenhuma pena passará da pessoa do delin qüente Portanto não haverá em caso algum con fiscação de bens nem a infâmia do réu se trans mitirá aos parentes em qualquer grau que seja558 21 As cadeias serão seguras limpas e bem are jadas havendo diversas casas para separação dos réus conforme suas circunstâncias e natu reza dos seus crimes 555 Em uma sociedade em que exista a Corte a nobreza a colocação desse dispositivo em prática é impossível 556 O Código Criminal conforme será visto adiante foi feito rapidamente o civil levou só quase 100 anos para sair 557 Os escravos não ficaram sabendo 558 Conferir o item acerca dos escravos visto que estes muitas vezes com a aquiescência de juízes eram penalizados no lugar de seus donos 22 É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude Se o bem público legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão será ele previamente indenizado do valor dela A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização559 23 Também fica garantida a dívida pública 24 Nenhum gênero de trabalho de cultura indústria ou comércio pode ser proibido uma vez que não se oponha aos costumes públicos à segurança e saúde dos cidadãos 25 Ficam abolidas as corporações de ofícios seus juízes escrivães e mestres 26 Os inventores terão a propriedade das suas descobertas ou das suas produções A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário ou lhes remunerará em ressarcimento da perda que hajam de sofrer pela vulgarização 27 O segredo das cartas é inviolável A admi nistração do correio fica rigorosamente respon sável por qualquer infração deste artigo 28 Ficam garantidas as recompensas conferidas pelos serviços feitos ao Estado quer civis quer militares assim como o direito adquirido a elas na forma das leis 29 Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticadas no exercício das suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis os seus subalternos 30 Todo o cidadão poderá apresentar por escrito ao Poder Legislativo e ao Executivo reclamações queixas ou petições e até expor qualquer infra ção da Constituição requerendo perante a com petente autoridade a efetiva responsabilidade dos infratores 31 A Constituição também garante os socorros públicos 559 Esse inciso foi usado como escudo inúmeras vezes para a defesa da manutenção da escravidão 32 A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos560 33 Colégios e universidades onde serão ensi nados os elementos das ciências belasletras e artes 3 O Código Criminal de 1830 Desde a proclamação da independência em setembro de 1822 en tendiase a necessidade de regular os vários aspectos da vida nacional A primeira providência foi manter as leis portuguesas de modo a não existir uma brecha legislativa Isso foi feito ainda pela Assembleia Constituinte em outubro de 1823 A Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil decreta Art 1o As ordenações leis regimentos alvarás decretos e resoluções promulgadas pelos Reis de Portugal e pelas quais o Brasil se governava até o dia 25 de abril de 1821 em que Sua Majestade Fidelíssima atual Rei de Portugal e Algarves se ausentou desta Corte e todas as que foram pro mulgadas daquela data em diante pelo Senhor D Pedro de Alcântara como Regente do Brasil en quanto Reino e como Imperador Constitucional dele desde que se erigiu em Império ficam em inteiro vigor na parte em que não tiverem sido revogadas para por elas se regularem aos ne gócios do interior deste Império enquanto se não organizar um novo Código ou não forem espe cialmente alteradas Art 2o Todos os decretos publicados pelas Cortes de Portugal que vão especificados na tabela junta ficam igualmente valiosos enquanto não forem expressamente revogados Paço da Assem bléia 27 de setembro de 1823 560 Gratuita mas a estrutura não foi montada escolas professores etc Em 1827 o Imperador enfatizou a urgência de se elaborar a codi ficação civil e criminal já no mês seguinte projetos foram apresen tados debatidos e no ano seguinte optouse por criar uma Comissão Bicameral para o estudo do assunto e segundo os próprios compo nentes da comissão levando mais em consideração o dano causado pela demora de uma codificação do que as imperfeições do projeto eles acharam por bem apresentar o resultado de seus trabalhos que foi passado para a Câmara dos Deputados que também por comissão deu a redação definitiva do projeto que aprovado em 1830 entrou em vigor em 8 de janeiro de 1831561 No Código Criminal de 1830 existia a divisão entre as partes geral e especial Seus 313 artigos são distribuídos da seguinte forma em seu corpo I dos crimes e das penas arts 1o a 67 II dos crimes públicos arts 68 a 178 III dos crimes particulares arts 179 a 275 IV dos crimes policiais arts 276 a 313 31 Alguns Pontos do Código Criminal Uma das maiores discussões durante a feitura do Código Criminal residiu na penalização dos crimes A pena de morte foi o centro da dis cussão os deputados e senadores que participaram da Comissão que analisou o projeto chegaram inclusive a colocar a discussão e a con clusão acerca desse tipo de pena no parecer do Projeto No final apesar da docilidade do povo brasileiro e sua ignorância inclusive escolar seria usada como desculpa para impedir a suspensão da pena de morte a commisão desejou supprimir a pena de morte cuja utilidade rarissimamente compensa o horror causado na sua applicação princi palmente no meio de um povo de costumes doces qual o brasileiro porém o estado actual da nossa população em que a educação pri mária não pode ser geral deixa ver hypotheses em que seria indispensável tendo a consolarse desta triste necessidade com a providência da 561 PIERANGELI José Henrique Códigos penais do Brasil 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 p 67 lei que prohibe a execução de tal pena sem o consentimento do Poder Moderador que segu ramente o recusará quando conviér a substi tuição562 A pena de morte era então prevista no primeiro Código brasileiro e não somente prevista como era descrita a sua execução Ao legis lador não escapou sequer a indicação da proibição de pompa no enterro do condenado após a aplicação da pena e do tipo de roupa do condenado no momento da execução Art 38 A pena de morte será dada na forca Art 39 Esta pena depois que se tiver tornado irrevogável a sentença será executada no dia seguinte ao da intimação a qual nunca se fará na véspera de domingo dia santo ou de festa nacional Art 40 O réo com seu vestido ordinário e preso será conduzido pelas ruas mais publicas até a forca acompanhado do juiz criminal do lugar onde estiver com seu Escrivão e da força militar que se requisitar Ao acompanhamento precederá o porteiro lendo em voz alta a sentença que se fôr executar Art 42 Os corpos dos enforcados serão entre gues a seus parentes ou amigos se os pedirem aos juizes que presidirem à execução mas não poderão enterralos com pompa sob pena de prisão por um mez à um anno Apenas a mulher grávida poderia temporariamente escapar do castigo da morte Art 43 Na mulher prenhe não se executará a pena de morte nem mesmo ella será julgada em 562 PIERANGELI J H Op cit p 67 caso de a merecer senão quarenta dias depois do parto Outras penas eram previstas a de Galés a de prisão com trabalho a de prisão simples o banimento a de degredo a de desterro e a maioria delas suspendia os direitos políticos do condenado Art 44 A pena de galés sujeitará os réos a andaram com calceta no pé e corrente de ferro juntos ou separados e a empregarem nos traba lhos publico da província onde tiver sido commettido o delicto à disposição do go verno563 Art 46 A pena de prisão com trabalho obrigará aos réos a occuparemse diariamente no trabalho que lhes fôr destinado dentro do recinto das prisões na conformidade das sentenças e regula mentos policiaes das mesmas prisões Art 46 A pena de prisão simples obrigará aos réos a estarem reclusos nas prisões publicas pelo tempo marcado nas sentenças Art 50 A pena de banimento privará para sempre os réos dos direitos de cidadão brasileiro e os inhibirá perpetuamente de habitar o ter ritório do Império Os banidos que voltarem ao território do Império serão condemnados à prisão perpetua Art 51 A pena de degredo obrigará os réos a residirem no lugar destinado pela sentença sem poderem sahir delle durante o tempo que a mesma lhes marcar A sentença nunca destinará para degredo lugar que se comprehenda dentro da comarca em que morar o offendido 563 Essa pena era comutada para pena de prisão pelo mesmo tempo para mulheres e para menores de 21 anos Art 52 A pena de desterro quando outra de claração não houver obrigará os réos a sahir dos termos dos lugares do delicto e da principal residência do offendido e a não entrar em algum delles durante o tempo marcado na sentença Art 53 Os condemnados às Galés à prisão com trabalho à prisão simples a degredo ou a des terro ficão privados do exercício dos direitos políticos de cidadão brasileiro enquanto durarem os effeitos da condemnação Havia também a pena de multa com a introdução da ideia do dia multa tão utilizada hoje em dia Art 55 A pena de multa obrigará os réos ao pagamento de uma quantia pecuniária que será sempre regulada pelo que os condemnados puderem haver em cada um dia pelos seus bens empregos ou indústria quando a lei especifi cadamente a não designar de outro modo Art 57 Não tendo os condemnados meios para pagar as multas serão condemnados em tanto quanto tempo de prisão com trabalho quanto fôr necessário para ganharem a importância dellas Ainda havia a indicação como pena para casos de delitos no exercício de emprego público a perda do emprego Art 58 A pena de suspensão do emprego privará os réos do exercício dos seus empregos durante o tempo da suspensão no qual não poderão ser empregados em outros salvo sendo de eleição popular Ainda no tocante às penas havia uma garantia constitucional que afirmava não poder haver penas como os açoites a tortura a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis art 179 inciso 19 Essa afirmação constitucional não excluía ninguém aliás nem poderia visto que o inciso 13 do mesmo artigo da Constituição Outorgada decretava que a lei deveria ser igual para todos Todos menos os escravos que eram considerados coisas por um lado e pessoas no caso de delitos Art 60 Se o réo fôr escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés será condemnado à de açoutes e depois de os soffrer será entregue a seu senhor que se obrigará a trazelo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz o designar O número de açoutes será fixado na sentença e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta Devese ressaltar que o Código não imputava pena por não julgar como criminosos nem os menores de quatorze anos nem os loucos de todo gênero e as pessoas que cometeram um crime levados por força ou medo irresistíveis Estes deveriam apenas reparar o mal causado e se fossem menores de 14 anos considerados como tendo discer nimento eram recolhidos a casas de correção artigos 11 12 e 13 Art 10 Também não se julgarão criminosos 1o Os menores de quatorze annos 2o Os loucos de todo o gênero salvo se tiverem lúcidos intervallos e nelles commetterem o crime 3o Os que commetterem crimes violentos por força ou por medo irresistíveis564 O Código Criminal apesar das falhas leva consigo princípios muito importantes de Justiça Sem dúvida Beccaria tem seu papel na cabeça dos homens que fizeram o Código Podese ver por exemplo o valioso Princípio da Legalidade que no Código Criminal somente não foi perfeito por permitir ainda o arbítrio Art 1o Não haverá crime ou delicto palavras synonimas neste Código sem uma lei anterior que o qualifique 564 Talvez aí caiba a legítima defesa Art 33 Nenhum crime será punido com penas que não estejão estabelecidas nas leis nem com mais ou menos daquellas que estiverem de cretadas para punir o crime no gráo maximo médio ou mínimo salvo o caso que aos juízes se permitir arbítrio Há também defeitos graves como a não indicação e qualificação do crime culposo Essa falha somente terá fim em 1871 através de uma lei complementar Art 3o Não haverá criminoso ou delinqüente sem máfé isto é sem conhecimento do mal e intenção de o praticar O Código é bastante rígido com juízes suas funções e suas obrigações tanto no que diz respeito ao recebimento de suborno para dar sentenças quanto no não cumprimento de prazos Art 130 Receber dinheiro ou outro algum do nativo ou aceitar promessas directa ou indi rectamente para praticar ou deixar de praticar algum acto de officio contra ou segundo a lei Penas de perda do emprego com inhabilidade para outro qualquer de multa igual ao tresdobro da peita e de prisão por três a nove mezes A pena de prisão não terá lugar quando o acto em vista do qual se recebeu ou aceitou a peita se não tiver effectuado Art 131 Nas mesmas penas incorrerá o Juiz de Direito de Facto ou Árbitro que por peita der sentença posto que justa seja Se a sentença fôr injusta a prisão será de seis mezes a dous annos e se fôr criminal condemnatória soffrerá o peitado a mesma pena que tiver imposto ao que con demnára menos que a de morte quando o condemnado não tiver soffrido caso em que se imporá ao réo a de prisão perpétua Em todos estes casos a sentença dada por peita será nulla Art 180 Demorar o Juiz o processo do réo preso ou afiançado além dos prazos legaes ou faltar aos actos do seu livramento Pena de suspensão do emprego por um mez a um anno e de prisão por quinze dias a quatro mezes nunca porém por menos tempo que o da prisão do offendidoe de mais a terça parte Art 182 Não dar o Juiz ao preso no prazo mar cado na Constituição a nota por elle assignada que contenha o motivo da prisão e os nomes do acusador e das testemunhas havendoas Pena de prisão por cinco dias a um mez Os crimes sexuais também eram rigidamente punidos no Código Criminal do Império mas essa punição ocorreria de maneira mais contundente se a mulher única vítima possível por essa legislação fosse considerada socialmente como sendo de família no caso de ser prostituta a pena era mais leve Art 222 Ter cópula carnal por meio de violência ou ameaças com qualquer mulher honesta Pena de prisão por três a doze annos e de dotar a offendida Se a violentada for prostituta Pena de prisão por um mez a dous annos565 A defloração seria crime se ocorrido com uma moça menor de dezessete anos e o casamento era a alternativa para a pena Art 219 Deflorar mulher virgem menor de dezasete annos Pena de desterro para fora da comarca em que residir a deflorada por um a três annos e de dotar a esta Seguindose o casamento não terão lugar as penas 565 O artigo 225 afirma que não haverá pena se houver casamento nos dois casos O adultério é considerado crime por esse Código e apresenta uma das situações mais interessantes vistas por nós em códigos antigos Para a mulher adultério era adultério qualquer que fosse a forma para o homem somente era considerado adultério se ele mantivesse uma outra mulher até aqui é semelhante ao que ocorria nas Ordenações entretanto para que a denuncia deste crime valesse era preciso que o cônjuge traído o fizesse e provasse que nunca em nenhum momento consentiu no adultério É um crime que se consentido não se configura mais como tal A mulher tinha como denunciar o marido imediatamente assim que soubesse da existência de uma teúda e manteúda Não se pode esquecer do poder patriarcal que muitas vezes se traduzia em violência e medo nos seios das famílias das mais ricas às mais pobres Art 250 A mulher casada que commeter adul tério será punida com a pena de prisão com trabalho por um a três annos Art 251 O homem casado que tiver concubina teúda e manteúda será punido com as penas do artigo antecedente Art 252 A accusação deste crime não será per mitida a pessoa que não seja marido ou mulher e estes mesmos não terão direito de accusar se em algum tempo tiverem consentido no adul tério Quanto aos crimes contra a propriedade o Código não diferencia furto de roubo usa ambas as expressões inclusive em um só artigo como sinônimos Art 257 Tirar cousa alheia contra a vontade do dono para si ou para outro Art 269 Roubar isto é furtar fazendo vio lêmncia a pessoas ou às coisas Pena de galés por um a oito annos Destacase também que atos religiosos eram também conside rados crimes se praticados em público A Constituição Imperial afirma va ser a religião Católica a oficial do Estado os proventos de religiosos católicos no Brasil saíam dos cofres públicos mas havia em contra partida o inciso 5o do artigo 179 da mesma Constituição que afirmava Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião uma vez que respeite a do Estado e não ofenda a moral pública Mas ofendia a moral pública expressarse religiosamente em público com outro culto que não fosse o católico Art 276 Celebrar em casa ou edifício que tenha alguma forma exterior de templo ou publicamen te em qualquer lugar o culto de outra religião que não seja a do Estado Pena de serem dispersos pelo Juiz de Paz os que estiverem reunidos para o culto da demolição da forma exterior e da multa de dous a doze mil réis que pagará cada um No âmbito da responsabilidade destacase o fato de o legislador imperial ter imposto a responsabilidade sucessiva bem antes de os belgas que levam a fama de terem tido essa ideia o terem feito Isso ocorre nos crimes de imprensa Art 7o Nos delictos de abuso da liberdade de communicar os pensamentos são criminosos e por isso responsáveis 1o O impressor gravador ou lithographo os quaes ficarão isentos de responsabilidade mostrando por escripto obrigação de responsabilidade do editor sendo este pessoa conhecida residente no Brazil que esteja no gozo dos Direito Políticos 2o O editor que se obrigou o qual ficará isento de responsabilidade mostrando a obrigação pela qual o autor se responsabilize tendo este as mes mas qualidades exigidas no editor para escusar o impressou 3o O autor que se obrigou 4o O vendedor 4 O Código de Processo Criminal de 1832 e o Ato Adicional de 1834 Desde a dissolução da Assembleia Constituinte em novembro de 1823 e a consequente implantação do absolutismo disfarçado em Poder Moderador pela Constituição de 1824 que vários setores principal mente da elite brasileira que desejava mais autonomia desconfiavam seriamente de D Pedro I Com a crise econômica advinda da crise do açúcar da falência esperada do Banco do Brasil dos pagamentos para reconhe cimento da independência e do uso do pouco dinheiro existente em uma guerra que ninguém a não ser D Pedro I queria como foi a Guerra da Cisplatina a oposição ao Imperador aprofundouse ainda mais D Pedro I abdicou do trono e como seu sucessor tinha apenas cinco anos de idade para que se cumprisse a Constituição o Império foi governado por uma Regência escolhida entre os membros do Parlamento Art 121 O Imperador é menor até a idade de dezoito anos completos Art 122 Durante a sua menoridade o Império será governado por uma Regência a qual per tencerá ao parente mais chegado do Imperador segundo a ordem da sucessão e que seja maior de vinte e cinco anos Art 123 Se o Imperador não tiver parente al gum que reúna estas qualidades será o Império governado por uma Regência permanente no meada pela Assembléia Geral composta de três membros dos quais o mais velho em idade será o presidente Art 124 Enquanto esta Regência se não eleger governará o Império uma Regência provisional composta dos Ministros de Estado do Império e da Justiça e dos dois conselheiros de Estado mais antigos em exercício presidida pela Imperatriz viúva e na sua falta pelo mais antigo conselheiro de Estado566 41 O Código de Processo Criminal O espírito liberal que havia permeado a Independência e a Assembleia Constituinte havia sido frustrado e a Abdicação marcou a retomada do debate liberal que encontrou sua maior expressão no Código de Processo Criminal que deveria ser feito com urgência visto que o Código Criminal não contemplava o processo O Código de Processo Criminal de 29 de novembro de 1832 deu nova fisionomia aos municípios ao menos nos quase dez anos que esteve em vigor Os municípios foram habilitados a exercer por si mesmos atribuições judiciárias e policiais num renascimento do sistema morto desde o fim do século XVII567 Embora o municipalismo tenha sofrido um revés com a lei de 1o de outubro de 1828 que colocava as câmaras municipais como meros ór gãos administrativos sem poder exercer qualquer jurisdição conten ciosa o Código de Processo deu ao município autonomia reativando o juiz de paz com poderes de amplitude maior do que os traçados pela Constituição reconhecendoo como agente conciliador de litígios e préinstância judicial que sendo eletivo tinha como função primordial aplainar divergências e evitar conflitos artigos 161 e 162 A primeira instância pelo Código de Processo de 1832 dividiuse em três circunscrições o distrito entregue ao Juiz de Paz com tantos inspetores quantos fossem os quarteirões do município o termo que era composto por um corpo de jurados um juiz municipal um escrivão das execuções e os oficiais de justiça a comarca que era composta por um a três juízes de direito dependendo da população da cidade um deles com o cargo de chefe de polícia Os juízes de paz eram eleitos pela população dentro das regras eleitorais da época e propunham os nomes dos inspetores de quar teirão que eram escolhidos pela Câmara Municipal Os juízes munici pais bem como os promotores públicos que serviam no Termo eram nomeados pelos presidentes de província através de lista tríplice para um mandato de três anos Os juízes de direito eram escolhidos entre os bacharéis em direito e eram escolhidos exclusivamente pelo Imperador 566 Constituição de 1824 567 FAORO Raymundo Op cit p 305 Essa estrutura trazia problemas gravíssimos a eleição do juiz de paz o que efetivamente tinha poderes no dia a dia das pessoas era feito levando em conta o desejo dos grandes latifundiários que através deles expunham todo o seu poder que desta forma não tinha riva lidade Nas palavras de Raymundo Faoro O salto era imenso da centralização das Or denações Filipinas à cópia do localismo inglês A polícia dos sertões e do interior tornouse atri buição judiciária e eletiva a autoridade O júri manifestação imediata da população nos termos enfraqueceu de outro lado a supremacia judicial A maré democrática depois de submergir a regência chegava a seu alvo o autogoverno das forças territoriais que faziam as eleições rece bendo a parte do leão na partilha o senhorio da impunidade na sua violência e no seu mando nismo No centro do sistema estava o juiz de paz armado com a truculência de seus servidores os inspetores de quarteirão de triste memória nos anais do crime e da opressão era talvez a ter ceira autoridade depois da regência e dos minis tros A autoridade nomeada pelo imperador o juiz de direito que se colocaria na função de chefe de polícia nas cidades populosas não recebeu atribuições Era menos que um juiz de paz Embaraçado em dar regimento a esse simulacro de autoridade única de sua nomeação publicou o Governo o regulamento de 29 de março de 1833 em verdade ridículo e nem podia deixar de sêlo porque o chefe de polícia único agente do governo ficava reduzido ao simples papel de andador568 Contra todo esse poder dos juízes de paz não se podia fazer muito O Código de Processo havia dado a eles tudo isso Mesmo os promo tores não podiam fazer alguma coisa sua função era muito diferente 568 Ibidem p 306 e ss das que são atribuídas a eles hoje na época eles eram apenas funcio nários da ordem administrativa não da ordem jurídica Não obstante todos esses problemas podemos destacar o sur gimento de um instituto jurídico importantíssimo para a atual noção de justiça o habeas corpus Foi no Código de Processo Criminal de 1832 que ele foi expresso pela primeira vez no artigo 340 Todo cidadão que entender que elle ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento em sua liberdade tem o direito de pedir uma ordem de hábeas corpus em seu favor Em 1841 foi feita uma reforma no Código de Processo Criminal acabando com a descentralização Toda autoridade jurídica e policial passou a ser submetida a uma rígida hierarquia completamente dependente do poder central Mas a questão de cumulatividade das funções de juiz e chefe de polícia somente foi resolvida em 1871 pelo Decreto no 4824 que declarava a incompatibilidade entre o cargo de juiz municipal com o de qualquer autoridade policial artigo 6o 1o e art 7o 42 O Ato Adicional A reforma da Constituição de 1824 estava nos planos dos que derrubaram D Pedro I O problema era decidir que tipo de reforma se pretendia Os Exaltados defendiam o federalismo com autonomia para as províncias Os Moderados desejavam acabar com o Conselho de Estado e a vitaliciedade do Senado Estes últimos conseguiram seu intento negociando com os Exaltados cedendo em parte para eles e dando forma ao último sopro de liberalidade ainda que tosca do período monárquico brasileiro O Ato Adicional promulgado em 6 de agosto de 1834 dava maior importância e deveres aos Conselhos Provinciais que passavam a ser Assembleias Legislativas o poder executivo entretanto continuava a ser exercido conforme determinava a Constituição de 1824 por um presidente nomeado pelo Imperador É esta a marca do Ato uma mistura entre centralização e descen tralização que resulta em ingovernabilidade O que a Assembleia Legislativa Provincial decidisse não poderia ser vetado pelo Presi dente de Província mas a Assembleia não poderia legislar livremente visto que não poderia prejudicar as imposições gerais do Estado art 10 5o O Poder Moderador permaneceu prova máxima de que descentralizar não era de fato o objetivo e apesar do Ato Adicional ter extinto o Conselho de Estado e ter sido retomado assim que D Pedro II subiu ao trono o que este provavelmente pretendia era não uma federação mas um governo central forte tendo em vista a permanência do Poder Moderador que se misturava com uma certa descentralização através de pequenas concessões de poder para as Províncias A permanência da tendência centralizadora se faz presente tam bém na mudança que o Ato efetuou de Regência Trina para Regência Una eleita com os votos de eleitores de segundo grau com mandato de quatro anos Com estas características alguns historiadores costumam chamar esse período de experiência republicana569 43 Outras Leis do Período Imperial Depois do Código Criminal e do Código de Processo outras leis foram promulgadas como a Lei de 4 de setembro de 1850 que cuidou da repressão do crime de tráfico de escravos a Lei de 18 de setembro de 1851 relativa a crimes militares a Lei de 20 de setembro de 1871 que tratava do estelionato e definia os crimes culposos a Lei de agosto de 1875 que dizia respeito ao direto penal internacional a Lei de 15 de outubro de 1886 que versava sobre dano incêndio etc Outro marco história da codificação brasileira foi a promulgação em 1850 do Código Comercial Marco estranho foi a Lei de Terras de 1850 que explica a situação agrária do país até hoje 5 Nascimento da Tradição Jurídica Brasileira O Código Criminal de 1830 e o de Processo de 1832 foram balizas na história jurídica do mundo Sem dúvida muitos daquela época como hoje pasmaram ao ver pontos tão importantes e liberais na legislação de um país que era não somente muito novo como também 569 Esse estado de coisas é interrompido pela ascensão de D Pedro II ao trono em 1840 até aquela época sequer tinha uma escola de fato de formação de advogados Era usual desde o período colonial que os filhos de famílias ricas quaisquer que fossem suas aptidões ou o desejo de seus pais estudassem fora do país Assim nossos primeiros intelectuais com formação acadêmica tinham seus diplomas obtidos na França ou mais comumente em Portugal Depois da Independência e depois dos primeiros grandes Có digos brasileiros entrarem em vigor cursos jurídicos começaram a ser criados no Brasil Os primeiros foram o de Olinda o de Recife e o de São Paulo O curriculum dessas escolas foram aprovados pelo Decreto de 1825 e englobavam programas de direito natural e público análise da Constituição Imperial direito das gentes e diplomacia 1o ano direito público eclesiástico 2o ano direito pátrio civil direito pátrio criminal teoria e prática do processo criminal 3o ano continuação do direito civil direito mercantil e marítimo 4o ano economia política e teoria e prática do processo adotado pelas leis do Império 5o ano570 Nos anos de 1853 e 1854 o curriculum foi ampliado incluiuse o estudo das Institutas de Direito Romano e de Direito Administrativo Pátrio Essas legislações também transformaram as Academias Jurídicas em Faculdades de Direito que concediam o grau de bacharel formado para os que frequentassem com aprovação os cinco anos do curso e davam o título de Doutor a quem defendesse tese Esse último título era indispensável para a prática do magistério571 Um outro marco importante para os advogados brasileiros foi a fundação do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros em 7 de agosto de 1843 na cidade do Rio de Janeiro A estrutura que daria o arcabouço para a valorização da formação jurídica estava começando no Brasil 570 PAULA Jônatas Luiz Moreira de História do direito processual brasileiro das origens lusas à escola crítica do processo São Paulo Manole 2002 p 221 571 Ibidem 6 A Escravidão e a Lei Condições e Abolição Ao se analisar o Brasil e a maior parte de sua história Colônia Rei no e Império portanto de 1500 a 1888 veremos um elemento forma dor da Nação brasileira que sempre é deixado de lado nas análises por mais genéricas que sejam da legislação do País o escravo E embora já tenhamos tocado rapidamente nesse assunto quando discutimos a formação do Brasil Colônia decidimos discutilo de ma neira mais ampla e ao mesmo tempo específica neste subcapítulo inserido na discussão sobre o Império visto que consideramos inte ressante para um panorama mais sólido visualizar o todo das condi ções dos escravos perante a lei e a sociedade às leis abolicionistas572 O trabalho escravo não era desconhecido da sociedade portu guesa medieval Sua fonte eram os muçulmanos capturados durante as Guerras de Reconquista entretanto a partir do início das navegações começaram a afluir para Portugal escravos negros trazidos por nave gadores e posteriormente essa mão de obra tornouse vital para a realização da obra exploratóriocolonizadora portuguesa constituindo um dos principais meios de ganho da política mercantilista de Portugal O escravo é considerado e colocado na posição de mercadoria portanto sujeito a relações de alienação idênticas a qualquer coisa que possa ser de propriedade de alguém O escravo não constitui um bem pessoal vinculado mas é alienável ao arbítrio do proprietário Assim descreve Jacob Gorender pelo direito de propriedade que neles tem pode o senhor alugar escravos emprestálos vendêlos doálos transmitilos por herança ou legado constituílos em penhor ou hipoteca des membrar da nua propriedade o usufruto exercer enfim todos os direitos legítimos de verdadeiro dono ou proprietário Como propriedade está ain da o escravo sujeito a ser seqüestrado embarga do ou arrestado penhorado depositado arrema tado adjudicado correndo sobre ele todos os ter 572 Quando tratamos da escravidão na Antiguidade tivemos contato com definições in clusive legais do Instituto Escravidão À guisa de aparelhamento conceitual retomaremos essa definição para a partir daí discutirmos o escravo a partir de Portugal e no Brasil mos sem atenção mais do que à propriedade no mesmo constituída573 Ele somente era considerado como bem vinculado quando fizesse tal qual os animais da fazenda parte da hipoteca como acessórios A comparação no caso dos escravos hipotecados junto com as terras com animais é cabível posto que a exemplo dos animais os filhos de escravas nascidos no transcurso da hipoteca também estavam sujeitos à mesma sorte como as crias dos animais574 A escravidão está baseada na norma de perpetuidade ou seja até a morte o indivíduo não perde sua condição a não ser que seja alfor riado por benesse de seu senhor Entretanto mesmo no caso da alforria a mentalidade e a legislação indicavam um caminho de dependência estreita que não poderia se extinguir totalmente mesmo com a liber tação do escravo segundo Sidney Chalhoub A alforria não significava um rompimento brusco dessa política de domínio imaginária pois o negro despreparado para as obrigações de uma pessoa livre devia passar de escravo a homem livre dependente575 Tanto assim o era que a Ordenação Filipina tinha um título no meado Das Doações e Alforria que se podem revogar por causa de ingratidão que afirmava indicando doações e alforrias como sinô nimos e até o eram porque ambos dependem da benevolência de quem dá As doações puras e simplesmente feitas sem alguma condição ou causa passada presente ou futura tanto que são feitas per consentimento dos que as fazem e aceitação daquelles a que são feitas ou do Tabelião ou pessoa que per Direito em seu nome pode aceitar logo são firmes e perfeitas de maneira que em tempo algum não podem ser revogadas Porém aquelles a que fo 573 GORENDER Jacob O escravismo colonial São Paulo Ática 1988 p 67 574 Ibidem p 68 575 CHALHOUB Sidney Visões da liberdade uma história das últimas décadas da escravidão na corte São Paulo Companhia das Letras 1990 p 135 rem feitas forem ingratos contra os que lhas fi zeram com razão podem per elles as ditas doa ções ser revogadas por causa de ingratidão576 Tornarse escravo na época moderna no Brasil ou para o Brasil era possível de duas maneiras a primeira era nascer de mulher es crava Na legislação portuguesa abundaram leis acerca do tema as sim seguindo a lógica da analogia entre escravos e animais domés ticos os filhos de escravos eram considerados frutos da proprie dade577 Aliás no Brasil era costume chamar o filho de escrava de cria e assim o era mesmo na linguagem jurídica como se pode depreender da Lei de 26 de abril de 1864 e seu Regulamento de abril do ano seguinte578 A segunda forma era a captura feita na África Na África negra a escravidão já era praticada mesmo antes do contato com os portugueses entretanto era uma escravidão feita pela guerra onde o indivíduo entrava em um clã em uma condição inferior e com maiores obrigações de trabalho porém sem cunho mercantil A princípio os portugueses embrenhavamse África adentro para capturar nativos para vendêlos como escravos com o passar do tempo essa tarefa foi deixada aos próprios africanos que interessados nos artigos europeus transformaram a atividade de captura em uma atividade prioritária579 As guerras foram intensificadas tribos mais fracas eram objetivamente dizimadas e as leis acerca da escravização penal e por dívidas foram acentuadas É importante afirmar que embora esse estado de coisas tenha modificado sobremaneira os objetivos da escravidão entre africanos eles jamais criaram escravos para venda a norma de não serem ven didos escravos nascidos na casa sobreviveu a toda e qualquer am bição O mesmo não se pode afirmar da escravidão instalada no Brasil A questão familiar na sociedade patriarcal escravocrata que se montou no Brasil era no mínimo ambígua Enquanto os senhores insistiam em ensinar o Cristianismo aos escravos como forma de 576 Livro IV título 63 577 Assim foi no Alvará de 10 de março de 1682 na Lei de 6 de junho de 1755 no Alvará de 16 de março de 1773 578 GORENDER J Op cit p 69 579 Os produtos que os interessavam eram principalmente armas munição panos fer ragens tabaco trigo sal cavalos aguardente açúcar doces e búzios Estes últimos eram utilizados como moeda pelos africanos submetêlos obrigavamnos ao mesmo tempo a contrariar o que aprendiam por causa de sua condição servil Assim o era no tocante ao casamento os senhores preferiam que seus escravos não se casassem pelo contrário ligações passageiras eram preferíveis Esse estado de coisas não passava despercebido para todos José Bonifácio apresentou em sua representação à Assembleia Constituinte de 1823 artigos a esse respeito embora não tenha conseguido converter em lei ou tornar concretas estas ideias O senhor não poderá impedir o casamento de seus escravos com mulheres livres ou com escra vas suas uma vez que aquelas que se obriguem a morar com seus maridos ou estas queiram casar com livre vontade580 O governo fica autorizado a tomar as medidas necessárias para que os senhores de engenho e grandes plantações de cultura tenham pelo menos dois terços de seus escravos casados581 Essa incoerência entre o que se ensinava religiosamente e o que se fazia pela lei e pela ação de fato foi explicada por um viajante já em 1837 O Evangelho ordena expressamente à mulher abandonarás teu pai e tua mãe e seguirás teu esposo Ora de um casal de escravos casados o marido desagrada ao senhor e este quer vendê lo mas não à mulher que fará esta se quiser cumprir o preceito do Evangelho Resistirá A força e os castigos separarão infalivelmente o marido da mulher contra os princípios que lhes inculcaram 582 A legislação depois da segunda metade do século XIX procurou impedir a separação de cônjuges escravos uma lei de 1869 indicava 580 Artigo XX Apud COSTA Emilia Viotti da Da senzala à colônia São Paulo Brasiliense 19 p 290 581 Artigo XXI Ibidem p 291 582 Burlamaque apud COSTA Emilia Viotti da Op cit p 291 essa direção muito embora nem sempre a lei fosse cumprida A Igreja responsável pela legalidade dos casamentos somente às vésperas da Abolição tomou partido nessa questão As Constituições do Arce bispado da Bahia de 1885 que regiam quase todas as dioceses do Império afirmavam no título LXXI Conforme o direito Divino e Humano as escra vas e escravos podem casar com outras pessoas cativas ou livres e seus senhores não podem impedir o matrimônio nem o uso dele em tempo e lugar conveniente nem por esse respeito os podem tratar pior nem vender para outros luga res remotos para onde o outro por ser cativo ou por ter outro justo impedimento não possa seguir e fazendo o contrário pecam mortalmente 583 A ambiguidade dessa sociedade ia a extremos se considerarmos que a família do senhor era para uso externo este geralmente satisfaziase sexualmente com suas escravas e não havia nada nem sequer uma lei ainda que não cumprida que o impedisse disso Aliás a Ordenação Filipina quando trata de estupro de escravas é bem clara e o Código Criminal do Império sequer trata do assunto Todo homem de qualquer stado e condição que seja que forçosamente dormir com qualquer mulher morra por ello Porém quando for com mulher que ganhe dinheiro per seu corpo ou com scrava não se fará execução até nolo fazerem saber e per nosso mandado584 Essa situação leva a outra mais abominável mesmo para os pa drões da época os filhos dos senhores com escravas que eram man tidos em cativeiro pelo seu próprio pai por um parente dele ou eram vendidos isto é pais auferiam lucro com a venda de seus filhos Em vão tentaram alguns incluir na legislação à época da inde pendência um dispositivo que obrigasse o senhor a alforriar a escrava que desse à luz a um filho seu legislar nesse sentido seria confessar publicamente o que eles mesmos diziam ser uma imoralidade 583 Apud COSTA Emilia Viotti da Op cit p 293 584 Livro V título 18 Na década de setenta do século XIX um acórdão chegou a proibir a venda de filhos naturais com escravas o senhor seria obrigado a continuar com ambos como seus escravos585 Trilhando esse caminho não é de estranhar que acontecessem fatos como o de uma mãe tornar se escrava do próprio filho quando este era indicado como herdeiro de seu pai Havia inclusive jurisprudência que evitava a libertação da mãe vejamos um exemplo O jornal A Província de São Paulo de 16 de ja neiro de 1875 transcreve um parecer do procurador geral da Coroa sobre a apelação cível no 67 de Amparo que indagava se deveria ser considerada liberta a escrava mãe daquele que o respectivo senhor em seu testamento reconheceu por seu filho e instituiu herdeiro A escrava Luísa considerada escrava do menor Martinho reque reu nomeação de curador que em juízo promo vesse sua liberdade alegando que sendo mãe do réu herdeiro dos bens do senhor não podia ser escrava do mesmo Juntou documentos certi dões de testamento etc O juiz de Direito julgou improcedente a ação por considerar que o ajun tamento ilícito do senhor com a escrava não era razão suficiente para impetrar a liberdade desta e para fundamentar seu parecer apoiouse na jurisprudência 586 Se no que diz respeito à lei que define a própria situação do escravo este é somente propriedade no tocante à lei penal ele tem uma dúbia situação é pessoa se for agente do crime e coisa se for vítima Dessa forma o escravo poderia responder a um processo caso cometesse algum delito e seu senhor seria indenizado caso o escravo fosse vítima de alguém Essa disparidade tornavase ainda mais evidente se tomarmos em conta a questão do depoimento do escravo que de fato nada valia e muitas vezes o escravo era colocado na situação de réu no lugar de seu senhor ou de seus parentes 585 COSTA Emilia Viotti da Op cit p 295 586 Ibidem p 295 O Código Criminal do Império indica o modo pelo qual as penas deveriam ser aplicadas a escravos Art 60 Se o réo fôr escravo e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés será con demnado da de açoutes e depois de os soffrer será entregue a seu senhor que se obrigará a trazelo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz o designar O numero de açoutes será fixado na sentença e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta Havia uma lei específica contra o escravo que matasse seu senhor era a Lei de 10 de junho de 1835 que condenava o homicida à morte mas o mais comum eram os açoites que podiam chegar a mais de 300 seguidos do uso por tempo determinado pela sentença de ferros no pescoço Entretanto muitas vezes as penas mais pesadas não eram apli cadas não por considerarem algo a favor do escravo mas porque o escravo ao ser penalizado com as galés ou morte daria prejuízo a seu proprietário No posicionamento dos proprietários descrito por um deputado da Assembleia Legislativa de São Paulo em 1885 que se colocava contra a pena das galés a pena deveria ser para o escravo e esse tipo de pena era para o senhor587 Essa benevolência na aplicação da pena que sempre era demonstrada quando o interesse em jogo era o do senhor não aparecia quando o era do escravo As punições mesmo não penais aquelas cujo objetivo era disciplinar tinham requintes de crueldade muito conhecidos por todos e embora houvesse um acórdão da Relação do Rio de Janeiro de 1o de abril de 1879 que decidia que nenhum escravo pudesse dar queixa contra pessoa alguma as denúncias contra maustratos aumentaram junto com o movimento abolicionista Entretanto de um lado a própria legislação aplicava penas cruéis e de outro era quase impossível condenar um senhor mesmo a lei proibindo que este matasse um escravo Alguns juízes tentavam mas eis o que dizia em 1878 um fazendeiro de Barra Mansa sobre o assunto 587 Ibidem p 317 Que os lavradores não estejam sujeitos a ser desmoralizados por autoridades como são os juí zes municipais moços inexperientes e precipi tados que à mais leve queixa de um escravo ou de um ingênuo por ter recebido uma simples e leve correção indispensável a tais indivíduos para manter a disciplina na fazenda fazem vir a sua presença os senhores os repreendem e os deixam desmoralizados 588 As sublevações que cresciam em número conforme crescia o movimento abolicionista geraram um movimento legislativo que visava refrear estas fugas e rebeliões bem como reforçar precauções contra essa situação Assim em quase todas as províncias passou a ser proibido alugar quartos ou casas sem a licença por escrito dos donos bem como o escravo que fosse encontrado em qualquer lugar sem um bilhete do senhor seria recolhido na cadeia pública Os comerciantes eram obrigados a impedir a aglomeração de escravos e era proibida a venda de drogas venenosas pólvoras ou armas aos cativos 61 As Leis Abolicionistas É no pensamento Iluminista do século XVIII que podemos encontrar as primeiras ideias contrárias à escravidão se antes deste movimento a escravidão era vista como um desígnio de Deus depois passou a ser encarada como uma obra do homem e portanto podia ser revogada Antes todos consideravam que a escravidão era uma forma de retirar pessoas da barbárie depois dos Iluministas alguns passaram a achar que estava na escravidão a fonte de muitos males e que ela era a barbárie Paralelo a essas questões filosóficas alimentandose delas e sendo alimentados por elas estava o interesse econômico de alguns países já capitalistas que passava a ditar regras que não incluíam a escravidão aliás abominavamna como um entrave ao seu progresso econômico Um paradoxo que por vezes vemos na história o sistema escra vista que criara condições para o aparecimento do capitalismo 588 Ibidem p 312 industrial oferecendo lucros exorbitantes às Metrópoles deveria deixar de existir porque a indústria trabalhava com uma mão de obra mais eficaz e mais barata a assalariada a massa cativa pareceria um entrave a modernização dos métodos de produção O escravismo como peça fundamental do regime monopolista que em nada interessava às Nações capitalistas deveria ser exterminado Mas os escravistas tinham argumentos a favor do cativeiro para eles a escravidão era benéfica ao negro que seria civilizado e conheceria o Cristianismo Outros argumentavam que era um mal necessário já que confundindo como fazem alguns de nossa elite ainda hoje em dia seus interesses com os interesses da Nação a falta de braços escravos levaria o Brasil ou seja eles à bancarrota Mas a pressão inglesa se fez sentir e a pressão popular também A Inglaterra que até o século XVIII estivera total e irremediavelmente engajada no tráfico e nos lucros advindos da escravidão era no século XIX uma potência que por interesses mais econômicos que huma nitários visceralmente antiescravista Em 1807 o Parlamento inglês aboliu o tráfico de escravos nas colônias britânicas foi a linha de partida para a Inglaterra tornarse a paladina da emancipação dos escravos Já no Tratado de 1810 entre D João e a Inglaterra já analisado por nós havia uma cláusula que obrigava o então Príncipe Regente a proibir o tráfico negreiro em outra alguma parte da Costa da África que não pertença atualmente aos domínios de Sua Alteza Real589 Cinco anos mais tarde em Viena a Inglaterra conseguiu que D João proibisse seus vassalos de comercializar escravos ao norte da linha do Equador foi o Tratado de 1815 Como complemento do Tratado de 1815 veio a Convenção de 1817 que sancionou um novo princípio no direito europeu em tempo de paz haveria o direito de visita e busca em navios mercantes suspeitos de tráfico de escravos O julgamento seria feito por duas comissões mistas uma em solo inglês e outra em territórios portugueses Quando da independência do Brasil a Inglaterra utilizou a necessidade do país em ter o reconhecimento de sua autonomia e conseguiu incluir no acordo uma cláusula que indicava que o tráfico seria extinto três anos após a ratificação de um novo acordo sobre o assunto o que ocorreu em 13 de março de 1827 depois desse período o tráfico seria tratado como pirataria 589 QUEIROZ Suely R Reis de A abolição da escravidão 5 ed São Paulo Brasiliense 198 p 22 Portanto a partir de 1830 seria ilícito o tráfico de escravos e a Inglaterra para garantir essa proibição permaneceu pressionando de tal modo que em 1831 ainda na Regência foi votada a lei de 7 de novembro de 1831 em que o Brasil se comprometeria a eliminar defi nitivamente o comércio de escravos de sua economia Era previsto inclusive que aqueles que trouxessem escravos para o país seriam incursos no artigo 179 do Código Criminal590 Art 179 Reduzir à escravidão a pessoa livre que se achar em posse de sua liberdade Pena de prisão por três a nove annos e de multa cor respondente à terça parte do tempo nunca porém o tempo de prisão será menor do que o do captiveiro injusto e mais uma terça parte Resultado prático dessa lei nunca tantos escravos foram trafica dos para o Brasil quanto depois que promulgaram uma lei que proibia tal ato um aumento de aproximadamente 85 no número de escravos traficados para o Brasil591 Esforços isolados existiram com o fim de coibir o tráfico mas vários recursos eram utilizados para ludibriar a escassa fiscalização uso de bandeiras de outras nações envolvimento de populações praieiras pobres etc Com a desculpa de minimizar o desagradável fato de que a lei não era cumprida muitos cogitaram revogar a lei Interpretando o pensamento dos interesses agrários e do tráfico Bernardo Pereira de Vascon celos proporá em 24 de junho de 1835 uma emen da revogando a lei de 7 de novembro de 1831 Não faltaram representações de câmaras municipais dirigidas ao Parlamento no mesmo sentido A Câmara de Barbacena representava em 26 de junho de 1835 a de Barra Mansa e de Paraíba do Sul redigiam em agosto ofícios do mesmo teor A Assembléia provincial de Minas Gerais solicitou a revogação como medida higienizadora uma vez 590 Além das penas previstas no artigo 179 os traficantes deveriam pagar as despesas para o reenvio dos escravos para qualquer parte da África 591 Emilia Viotti da Costa indica que houve a entrada de 371615 escravos no período de 18401851 Op cit p 70 que o dispositivo legal era reiteradamente violado sob as vistas das autoridades592 Mas a pressão inglesa aumentava Em agosto de 1845 o Parlamen to britânico aprovou a Lei chamada Bill Aberdeen que conferia à Ma rinha inglesa o direito de aprisionar qualquer navio negreiro e dava aos tribunais ingleses do vicealmirantado o direito de julgar os traficantes presos nestas incursões Mesmo a ação inglesa contra o tráfico tendo se tornado mais rude ele continuou um mercador de escravos que conseguisse que a cada um de seus três navios chegasse ao destino já fazia fortuna Paralelamente à ação inglesa já existiam no Brasil muitos que começavam a tomar a causa da abolição para si a maior parte deles era de homens que estudando na Europa conviveram com as ideias iluministas e de modernização econômica já tão comuns no continente europeu Por exemplo José Bonifácio tentou apresentar à Constituinte de 1823 projeto para a extinção da escravidão 611 A Lei Eusébio de Queiroz Em março de 1850 o Primeiro Ministro inglês ameaçou o Brasil de cumprir os tratados firmados nem que fosse à ponta da espada não havia porque duvidar do Ministro Gladstone e embora a chancelaria do império tenha protestado contra tais ameaças baseandose nos sólidos princípios do direito das gentes o país teve que dar uma resposta Com o recrudescimento dessa pressão alguns setores da economia não colocaram empecilhos para resolver definitivamente a questão do tráfico mesmo porque os mais poderosos fazendeiros do Império se consideravam momentaneamente bem abastecidos de escravos Assim a Câmara dos Deputados reformou e emendou em julho de 1850 o projeto do Senado no 133 de 1837 sobre a repressão do tráfico de africanos e acabou por votar e aprovar a Lei no 581 a Lei Eusébio de Queiroz Por essa lei as embarcações brasileiras que fossem encontradas em qualquer parte e as estrangeiras encontradas nos portos en seadas ancoradouros ou mares territoriais do Brasil tendo escravos a 592 COSTA Emilia Viotti da Op cit p 71 bordo ou já os tendo desembarcado seriam apreendidas e consi deradas importadoras de escravos Estariam envolvidos no crime todos inclusive os que dessem ajuda ao desembarque ou aqueles que soubessem e não avisassem as autoridades Art 1o As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte as estrangeiras encontradas nos portos enseadas ancoradouros ou mares territoriais do Brasil tendo a bordo escravos cuja importação eh prohibida por Lei de 7 de no vembro de 1831 ou havendoos desembarcado serão aprehendidas pellas autoridades ou pellos navios de guerra brasileiros e consideradas importadoras de escravos Aquellas que não tiverem escravos a bordo nem os houverem na proximidade desembarcado porém que se encontraram com sinais de se em pregarem no tráfico de escravos serão igual mente aprehendidas e consideradas em tentativa de importação de escravos O caráter humanitário dessa lei esbarra no artigo 6o que afirmava que os escravos apreendidos deveriam às custas do Estado serem reenviados à África entretanto enquanto este envio não fosse feito os apreendidos seriam empregados em trabalhos debaixo da tutela do Governo Embora houvesse expresso no mesmo artigo que de maneira alguma não seriam entregues a particulares não foi o que aconteceu Os africanos embora considerados livres eram entregues a um senhor e prestavam serviço a este por quatorze anos depois destes eram considerados emancipados Essa lei teve efetividade muito porque havia apoio de certos círculos agrários ligados ao Governo muitos senhores endividados com suas fazendas hipotecadas para negreiros viram no cumprimento dessa lei uma forma de escapar das dívidas 612 A Lei do Ventre Livre O fim do tráfico negreiro trouxe consequências econômicas e ideológicas para o país as econômicas podem ser traduzidas como um momento de modernização com a era Mauá e um surto industrial muito ajudado pela Tarifa Alves Branco de 1844593 Várias indústrias tinham surgido na década de 50 e os trilhos da primeira ferrovia brasileira já podiam ser vistos Uma nova pequena elite surgia a conciliação marca da política do segundo reinado era cada vez mais difícil A mudança ideológica foi em muito auxiliada pelo impedimento de importação de escravos visto que com o fim do tráfico a região su deste passou a comprar escravos do norte que falia Essa transferência gerou uma dupla consequência agravou a situação do norte e não re solveu a situação do sul entretanto no norte amadurecia o sentimento abolicionista A política dos que viam esse movimento abolicionista crescer era clara um nada fazer Em 1865 solicitado a levar ao Parlamento a dis cussão da questão servil o Marquês de Olinda então Ministro do Império e Chefe do Gabinete respondia que só uma palavra que deixasse per ceber a idéia de emancipação por mais adornada que fosse abriria a porta a milhares de des graças Não tocar no assunto evitar o debate de tão melindrosa a questão quando isso não fosse possível deixar correr os projetos sem nada fazer para sua aprovação essas eram as estratégias usadas pela maioria dos parlamentares 594 Essa atitude de nada adiantava o movimento abolicionista crescia a condenação da escravidão tornavase cada vez mais lógica Depois da Guerra de Secessão dos Estados Unidos somente o Brasil 593 Desde os tratados de 1810 com a Inglaterra que reduziram os direitos alfandegários a 15 ad valorem e que foram renovados em 1827 por quinze anos a principal fonte de recursos financeiros do Estado brasileiro estava muito restringida essa situação tornou se mais grave ainda com as concessões comerciais feitas a países europeus e aos Estados Unidos por conta do reconhecimento da Independência Paralelo a isso o Brasil até como consequência da dependência adquirida com a Inglaterra desde a estada de D João não tinha quase nenhuma produção interna de sabão a velas tudo era importado o que gerava um déficit na balança comercial muito difícil de resolver Buscando resolver essas questões foi criada a Tarifa Alves Branco que era na verdade um decreto do Ministro da Fazenda Manuel Alves Branco Segundo esse decreto os produtos importados que tivessem similares nacionais pagariam 60 de imposto de importação os que não tivessem similares pagariam 30 594 COSTA Emilia Viotti da A abolição 4 ed São Paulo Global 1988 p 39 como país independente e as colônias espanholas Porto Rico e Cuba mantinham a escravidão O número de associações abolicionistas crescia a grande imprensa discutia a questão Mas a resistência por parte dos fazendeiros era muito forte Para se ter uma ideia em 1867 o então presidente do Conselho de Ministros incluiu ao Parlamento uma proposta que visava acabar com a escravidão totalmente no último dia do século portanto trinta e três anos depois e mesmo com essa previsão tão larga quanto absurda a grita dos fazendeiros representados pelos outros conselheiros foi tamanha que os partidos que se opunham no Parlamento se uniram para rejeitar a proposta O argumento era o mesmo de sempre isto arruinaria a economia do país e daria margem a conflitos sociais de proporções incalculáveis A guerra do Paraguai só veio a aumentar as tensões alguns escra vos foram mandados à guerra pelos senhores que ambicionavam co mendas e títulos outros enviaram escravos no seu lugar ou no de seus filhos Esses atos acabaram por gerar uma incoerência que consistia em fazer lutar pelo país quem era considerado pelo mesmo como coisa o que acabou derivando em um Decreto a 6 de novembro de 1866 que dava liberdade aos escravos designados para o serviço do exército Isso pode não parecer nada hoje em dia visto que poucos escravos ganharam com esse decreto a liberdade mas na época foi de grande repercussão pela primeira vez havia alforria imposta pelo Estado Tal estado de coisas fez aumentar a pressão popular e estrangeira a favor da abolição e acabou colocando a questão abolicionista na ordem do dia Em 12 de maio de 1871 o governo apresentou o projeto que daria liberdade aos filhos das escravas a Lei do Ventre Livre Todo o debate que se seguiu à apresentação desse projeto era centrado na questão de se estar ou não violando o princípio constitucional do direito de propriedade mas o Senador negro Torres Homem político famoso de origens modestas afirmava que a propriedade de escravos era uma monstruosa violação de direito natural O projeto não era unanimidade nem entre os abolicionistas muitos deles consideravamno conservador demais com resultados lentos demais mas este era o ponto em que se apoiavam os defensores do projeto Antes esta do que a emancipação total afirmavam argumentando que esta era uma maneira de fazer acalmar os ânimos dos abolicionistas e ao mesmo tempo fazer a emancipação de uma maneira tão gradual que os fazendeiros teriam anos ou mesmo décadas para se preparar Em 28 de setembro a Lei no 2040 a Lei do Ventre Livre foi apro vada pelas duas casas do Parlamento brasileiro Uma lei emanci pacionista Uma vitória dos abolicionistas Ou uma lei que visava jogar um balde de água fria naqueles que defendiam a abolição desar ticulando o movimento e empurrando o problema para depois Infelizmente as respostas a essas questões são tão desagradáveis quanto uma legislação feita para não funcionar poderia ser ao frustrar os anseios de um povo Analisemos essa lei No artigo primeiro o mais conhecido está escrito Art 1o Os filhos da mulher escrava que nasce rem no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre E o caráter libertário da lei para por aí No primeiro parágrafo desse mesmo artigo já se indica que não serão de fato livres os filhos de escravas que nascerem a partir da data da lei Eles ficarão em poder dos senhores que terão a obrigação de mantêlos até a idade de oito anos Depois dessa idade o proprietário ou entregava a criança ao Estado recebendo a quantia de 600000 como indenização ou ficaria com o liberto tinham a coragem de chamálo assim até os vinte e um anos e até lá o rapaz ou a moça seriam obrigados a trabalhar por seu sustento 1o Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães os quais terão obrigação de criálos e tratálos até a idade de oito anos completos Chegando o filho da escrava a esta idade o senhor da mãe terá a opção ou de receber do Estado a indenização de 600000 ou de utilizarse dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos No primeiro caso o governo receberá o menor e lhe dará des tino em conformidade da presente lei A indeni zação pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6 os quais se considerarão extintos no fim de trinta anos A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e se a não fizer então ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizarse dos serviços do mesmo menor Na opção de serem entregues ao Estado poderíamos supor que a criança estivesse de fato livre mas não se trata disso Art 2o O governo poderá entregar a associações por ele autorizadas os filhos das escravas nas cidos desde a data desta lei que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas ou tirados do poder destes em virtude do Art 1o 6o 1o As ditas associações terão direito aos servi ços gratuitos dos menores até a idade de 21 anos completos e poderão alugar esses serviços A Lei do Ventre Livre foi ineficaz tanto quanto ela nasceu para ser mesmo o pouco que se tinha como vantagens na lei para o escravo era descaradamente burlado pelos senhores muitos meninos e meninas acabaram nascendo com um ano ou mais de idade 613 A Lei dos Sexagenários A Lei do Ventre Livre tinha dado ensejo para debates acalorados e a opinião pública participou destes pela imprensa ou por grupos abolicionistas que proliferavam Os lugares onde se encontravam os abolicionistas era o ponto de convergência de jovens novos políticos profissionais liberais artistas moças casadoiras O abolicionismo passou a ser o assunto do momento uma causa cristã que falava de filantropia Ser abolicionista era ser identificado como moderno favorável ao progresso e à civilização Ao iniciarse a década de oitenta o abolicio nismo ganhava novo ímpeto principalmente nos núcleos urbanos Pessoas levando cartazes em favor da emancipação dos escravos desfilavam pelas ruas das capitais e outros centros urbanos nas várias províncias Por toda parte faziamse coletas em prol da campanha e promoviamse comícios e conferências Alguns chegavam mes mo a incitar os escravos à violência e à rebeldia Improvisavamse tribunas nas praças distri buíamse panfletos apregoando que a escravidão e a propriedade do escravo era um roubo595 A agitação popular chegou ao auge no Ministério Dantas quando este apresentou um projeto de lei para libertação de escravos idosos Estudantes manifestavamse nas capitais jangadeiros em Fortaleza vereadores de algumas câmaras municipais também a multidão apoiava os protestos Os fazendeiros reagiam protestando na Câmara dos Deputados e com petições ao Parlamento contra tamanha agitação abolicionistas das pequenas cidades eram perseguidos O projeto não tinha grandes consequências libertava os pouquís simos escravos que conseguiam chegar a seis décadas de vida homens e mulheres que tinham restrita capacidade de trabalho mas era uma emancipação sem indenização o que poderia abrir portas para o que os senhores mais temiam perder sua fortuna quase toda ela concentrada no capital aplicado em compra de mão de obra escrava O presidente da Câmara antiabolicionista por convicção e interesse renunciou abrindo uma crise parlamentar o Ministério foi dissolvido apesar do apoio da imprensa e dos grupos abolicionistas Novas eleições foram marcadas e apesar do empenho dos abolicio nistas a máquina dos fazendeiros funcionou e eles obtiveram a maioria Um novo ministério foi formado e apresentou o projeto anterior com modificações principalmente no tocante a indenizações Um projeto dito emancipacionista que incluía em seus artigos penas severas a quem protegesse escravo fugido Esse projeto tornouse a Lei no 3270 conhecida como Saraiva Cotegipe ou Lei dos Sexagenários que no seu artigo 3o parágrafo 10o preconizava 10o São libertos os escravos de 60 anos de idade completos antes e depois da data em que entrar em execução esta lei ficando porém obri gados a titulo de indenização pela sua alforria a prestar serviços a seus exsenhores pelo espaço de três anos 595 Ibidem p 63 A indenização estava salvaguardada por três anos de trabalho de quem foi escravizado por toda vida ou então por pagamento em dinheiro 12o É permitida a remissão dos mesmos ser viços mediante o valor não excedente à metade do valor arbitrado para os escravos da classe de 55 a 60 anos de idade Mas o escravo não estaria realmente livre seria obrigação do senhor cuidar dele até sua morte salvo se o juiz decidisse o contrário 13o Todos os libertos maiores de 60 anos preenchido o tempo de serviço de que trata o 10o continuarão em companhia de seus ex senhores que serão obrigados a alimentálos vestilos e tratálos em suas moléstias usu fruindo os serviços compatíveis com as forças deles salvo se preferirem obter em outra parte os meios de subsistência e os Juízes de Órfãos os julgarem capazes de o fazer596 Cuidar de um escravo doente e velho era algo que os senhores quase nunca faziam com ou sem lei e leis já existiam antes da Saraiva Cotegipe nesse sentido como por exemplo a Lei Provincial no 14 artigo 43 que afirmava Todo o senhor que dispondo de meios suficien tes abandonar seus escravos moféticos lepro sos doidos aleijados ou afetados por qualquer moléstia incurável e que consentir em que eles mendiguem sofrerá 300000 de multa e será obrigado a recebêlos com a necessária cautela sustentálos e vestilos597 596 Artigo 3o 597 A lepra era muito comum assim como verminoses que os faziam comer terra tosses febres que por ignorância ou crueldade eram tratadas com a mesma pena para embriaguez isto é os escravos eram obrigados a usar máscaras de zinco E pela Lei dos Sexagenários mesmo aqueles que conseguiam com o juiz a chance de viverem longe de seus senhores não poderiam ir onde desejassem 14o É domicílio obrigado por tempo de cinco anos contados da data da libertação do liberto pelo fundo de emancipação o município onde tiver sido alforriado exceto o das capitais 15o O que se ausentar de seu domicílio será considerado vagabundo e apreendido pela polícia para ser empregado em trabalhos públicos ou colônias agrícolas598 A análise final dessa lei deixaremos a cargo de Emilia Viotti da Costa A Lei dos Sexagenários foi uma tentativa de sesperada daqueles que se apegavam à escra vidão para deter a marcha do progresso Mas era tarde demais O povo tinha arrebatado das mãos da elite a direção do movimento A Abolição se tornara uma causa popular e contava com o apoio não só de amplos setores das camadas populares como também importantes setores das classes mé dias e até mesmo representantes das elites599 614 A Lei Áurea Os abolicionistas cresciam em número o movimento se agigan tava no país mas o golpe de misericórdia veio mesmo dos próprios escravos que com o auxílio dos abolicionistas começaram a aban donar as fazendas causando o caos no trabalho e tornando a situação insustentável O desespero tomou conta dos escravistas que em vão tentaram incluir o exército no combate às fugas e rebeliões A saída era 598 Artigo 3o Mesmo depois dos cinco anos o liberto não poderia sair da província que se encontrava quando da libertação 19o 599 COSTA Emilia Viotti da A abolição op cit p 70 e ss única a abolição muitos fazendeiros que haviam lutado contra a emancipação também viram isto600 Em 13 de maio de 1888 a Princesa Isabel regente na ausência de D Pedro II promulgou a lei que com simplicidade aboliu a escravidão no país A Princesa Imperial Regente em nome de sua Majestade o Imperador o Senhor D Pedro II faz saber a todos os seus súditos do Império que a Assembléia Geral Decretou e Ela sancionou a Lei seguinte Art 1o É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil Art 2o Revogamse as disposições em contrário Manda portanto a todas as autoridades que o conhecimento e execução da referida Lei per tencer que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contem O Secretário de Estado dos Negócios da Agri cultura Comércio e Obras Públicas e Interino dos Negócios Estrangeiros Bacharel Rodrigo Augus to da Silva do Conselho de Sua Majestade o Imperador o faça imprimir publicar e correr Dado no Palácio do Rio de Janeiro em 13 de maio de 1888 67o da Independência e do Império Princesa Imperial Regente Rodrigo A Da Silva 600 Nem todos Cinquenta anos depois da abolição um descendente de fazendeiros afirmava os abolicionistas eram os comunistas de hoje sempre prontos a repartir o alheio CAPÍTULO XVI REPÚBLICA VELHA 1 A Proclamação da República e a Constituição de 1891 A ideia de República não era o objetivo ideológico da maioria da população do Brasil aliás a proclamação pegou a maioria de surpresa e outros tantos foram varridos como adeptos de última hora por não verem outra saída Uma parte da elite considerava que o governo monárquico não mais atendia a seus interesses principalmente depois da abolição Os latifundiários principalmente do Vale do Paraíba paulista desejavam maior apoio do governo em questões que este sendo o monárquico não poderia ajudar pois estava empenhado em manter ao menos em parte a estrutura de outra parte da elite os Barões do Café Outros latifundiários que anteriormente morreriam para defender a Monarquia mostravamse apáticos e decepcionados porque a abolição sem nenhum ressarcimento foi para eles um golpe de morte e falência e antes de tudo uma traição do governo Havia um consenso geral de que não haveria um terceiro reinado a Princesa Isabel era vista com desconfiança principalmente por ser casada com um estrangeiro Mas o Movimento Republicano estava longe de ser popular a maioria da população apoiava o Regime Mo nárquico que havia acabado com a escravidão A proclamação da República foi portanto e de fato sendo re dundante apenas uma proclamação na frase de José Murilo de Carvalho E a proclamação afinal resultou de um motim de soldados com o apoio de grupos políticos da capital601 A República nasceu de um golpe militar O Exército descontente com os sucessivos ministérios tendo tomado consciência de seu poder como único corpo nacional depois da Guerra do Paraguai derrubou o governo com uma parte da classe dominante aplaudindo o feito por 601 CARVALHO José Murilo de Os bestializados o Rio de Janeiro e a República que não foi São Paulo Cia das Letras 1987 p 13 acreditar que caso isto não corresse dessa forma poderseia dar ensejo à participação popular através de uma rebelião O Governo Provisório montado na noite de 15 de novembro de cretou o regime republicano federalista e em sua primeira proclamação o Governo assegura a continuidade da administração pública tanto civil quanto militar bem como da justiça Afirma também que respei tará os direitos individuais e confirma continuar respeitando os acordos e compromissos firmados pelo regime anterior Vêse por esse documento uma preocupação urgente com a continuidade de forma a não criar uma brecha no poder onde grupos pudessem iniciar uma luta ou até uma revolução de fato Concidadãos O povo o Exército e a Armada nacionaes em perfeita comunhão de sentimentos com os nossos concidadãos residentes nas pro víncias acabam de decretar a deposição da di nastia imperial e conseqüentemente a extincção do systema monarquico represen tativo Como resultado imediato desta revolução nacio nal de character essencialmente patriótico acaba de ser instituído um governo provisório cuja principal missão é garantir a ordem publica a liberdade e o direito do cidadão Para comporem este governo enquanto a nação soberana pelos seus órgams competentes não proceder à escolha do governo definitivo foram nomeados pelos chefes do poder executivo os cidadãos abaixo assignados Concidadãos O governo provisório simples agente temporário da soberania nacional é o governo da paz da liberdade da fraternidade e da ordem No uso das atribuições e faculdades extraor dinárias de que se acha investido para a defesa da integridade da pátria e da ordem publica o governo provisório por todos os meios ao seu alcance promete e garante a todos os habitantes do Brasil nacionaes e extrangeiros a segurança da vida e da propriedade o respeito aos direitos individuaes e políticos salvas quanto a estes as limitações exigidas pelo bem da pátria e pela legitima defesa de governo proclamado pelo povo pelo Exército e pela Armada nacionaes Concidadãos As funcções da justiça ordinaria bem como as funcções da administração civil e militar conti nuarão a ser exercidas pelos orgams até aqui existentes com relação aos actos na plenitude dos seus effeitos com relação às pessoas res peitadas as vantagens e os direitos adquiridos por cada funccionario Fica porém abolida desde já a vitaliciedade do Senado e bem assim abolido o Conselho de Es tado Fica dissolvida a Camara dos Deputados Concidadãos O governo provisório reconhece e acata todos os compromissos nacionaes contraidos durante o regimen anterior os tratados subsistentes com as potencias extrangeiras a dívida pública externa e interna os contractos vigentes e mais obrigações legalmente estatuidas Ass Marechal Manuel Deodoro da Fonseca che fe do governo provisório Aristides da Silveira Lo bo ministro do Interior Ruy Barbosa ministro da Fazenda e interinamente da Justiça tenenteco ronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães ministro da Guerra chefe de esquadra Eduardo Wandenkolk ministro da Marinha Quintino Bo cayuva ministro das Relações Exteriores e inte rinamente da Agricultura Commercio e Obras Públicas No mesmo dia foi baixado um decreto que mudava o nome do país para Estados Unidos do Brasil e que instalava o sistema federativo autorizava os estados a elegerem seus constituintes Entretanto en quanto essas providências não fossem tomadas caberia ao Governo Provisório indicar os governadores No mesmo sentido centralizador o mesmo decreto afirmava que teria a tarefa de legislar enquanto não se reunisse uma Assembleia Constituinte da mesma forma que caberia ao Governo Provisório o comando de forças armadas para a defesa do novo regime O Governo Provisório da Republica dos Estados Unidos do Brazil decreta Art 1o Fica proclamada provisoriamente e de cretada como a forma de governo da nação brazileira a Republica Federativa Art 2o As províncias do Brazil reunidas pelo laço da federação ficam constituindo os Estados Unidos do Brazil Art 3o Cada um desses Estados no exercício de sua legítima soberania decretará opportunamen te a sua Constituição definitiva elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos locaes Art 4o Enquanto pelos meios regulares não se proceder à eleição do Congresso Constituinte do Brazil e bem assim à reeleição das legislaturas de cada um dos Estados será regida a nação bra zileira pelo Governo Provisório da Republica e os novos Estados pelos Governos que hajam pro clamado ou na falta destes por governadores delegados do Governo Provisório Art 5o Os governos dos Estados federados ado tarão com urgência todas as providências neces sárias para a manutenção da ordem e da segu rança pública defeza e garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos quer nacionaes quer extrangeiros Art 6o Em qualquer dos Estados onde a ordem pública for perturbada e onde faltem ao governo local meios eficazes para reprimir as desordens e assegurar a paz e tranqüilidade públicas efetua rá o Governo Provisório a intervenção necessária para com o apoio da força publica assegurar o livre exercício dos direitos dos cidadãos e a livre acção das autoridades constituídas Art 7o Sendo a Republica Federativa Brazileira a forma de governo proclamada o Governo Provi sório não reconhece nem reconhecerá nenhum governo local contrário à forma republicana aguardando como lhe cumpre o pronunciamento definitivo do voto da nação livremente expres sado pelo sufrágio popular Art 8o A força pública regular representada pe las três armas do Exército e pela Armada na cional onde existam guarnições ou contingentes nas diversas províncias continuará subordinada exclusivamente dependente do Governo Provi sório da Republica podendo os governos locaes pelos meios ao seu alcance decretar a organisa ção de uma guarda civica destinada ao policia mento do território de cada um dos novos Estados Art 9o Ficam egualmente subordinadas ao Go verno Provisório da Republica todas as repar tições civis e militares até aqui subordinadas ao governo central da nação brazileira Art 10 O território do Município Neutro fica pro visoriamente à administração imediata do Go verno Provisório da República e a cidade do Rio de Janeiro constituída também provisoriamente séde do poder federal Art 11 Ficam encarregados da execução deste decreto na parte que a cada um pertença os secretários de Estado das diversas repartições ou ministérios do actual Governo provisório Era trocando em miúdos o decreto que faltava para completar um quadro muito claro o de uma ditadura militar Uma ditadura na medida em que não havia nenhum órgão legislativo funcionando desde que a Câmara foi fechada e a Constituição de 1824 deixava de viger Essa Ditadura Provisória estava apoiada a princípio na força do Exército e não se deparava com significativos movimentos de oposição mas mesmo assim para neutralizar qualquer fantasma possível ou imaginário houve a imposição de medidas duras de censura A Família Real foi banida por decreto e vários indivíduos suspeitos foram presos de fato as prisões cautelares foram muitas O ato mais forte dessa ditadura foi a criação da Comissão Militar de Sindicâncias e Julgamentos um tribunal de exceção com direito inclusive de decretar pena de morte No artigo primeiro de tal ato o governo apresentava de maneira ambígua os que considerava criminosos e passíveis de serem punidos com a pena para sedição Os indivíduos que conspirarem contra a Repú blica e o seu governo que aconselharem ou pro moverem por palavras escritas ou atos a revolta civil e a indisciplina militar que tentarem o su borno ou a aliciação de qualquer gênero sobre soldados e oficiais contra seus deveres para com os superiores e a forma republicana que divulga rem nas fileiras do Exército e da Armada noções falsas e subversivas tendentes a indispôlos com a República que usarem de embriaguez para in subordinar os ânimos dos soldados serão julga dos militarmente por uma comissão militar no meada pelo ministro da Guerra e punidos com as penas de sedição602 Essa forma de redação favorecia inclusive a abertura de processos contra a imprensa que durante a vigência desse ato preferiu deixar de comentar os atos do Governo Mesmo assim muitos foram condenados à morte603 No dia 22 de junho de 1890 depois de muitas pressões Deodoro decidiu convocar as eleições para a Assembleia Constituinte que deveria legitimar o governo republicano Um conjunto de decretos datados de fevereiro e junho de 1890 disciplinaram a qualificação dos eleitores a votação e a apuração entretanto o cerne dessa matéria quem poderia ou não ser eleitor já havia sido regulamentado no decreto no 6 de 19 de novembro de 1889 De um modo geral não há mudanças com relação ao sistema adotado desde a reforma eleitoral do Império Foram considerados eleitores todos os cidadãos brasileiros no uso dos seus direitos civis e po líticos que soubessem ler e escrever Desta forma mantevese a proibição quanto aos anal fabetos introduzida na lei de 1881 A qualificação eleitoral seria feita por uma junta composta pelo juiz de paz pelo subdelegado e por um cidadão 602 Ato de Criação da Comissão Militar de Sindicâncias e Julgamentos apud MONTEIRO Hamilton M Brasil República 3 ed São Paulo Ática 1994 p 27 603 MONTEIRO H M Op cit p 28 nomeado pelo presidente da Câmara ou Inten dência Municipal A mesa que presidiria a vota ção seria a mesma que faria a apuração tão logo aquela terminasse 604 As eleições para a Constituinte não foram portanto represen tativas estimase que pouco mais de uma centena de milhares de pessoas sabiam ler e escrever e às mulheres era vedado o direito de voto Não por omissão delas muitas foram as que participaram com ardor da campanha republicana por anteverem até pela recusa dos republicanos em se posicionarem sobre o assunto para contar justa mente com esse apoio a possibilidade de participação em su frágios605 O poder local como ganhava feições no Império avançava cada vez mais sua ingerência que de mãos dadas com o poder público municipal davam aos grandes fazendeiros a possibilidade de fazer o que bem entendessem Dessa forma foi eleita a Assembleia Consti tuinte mais ligada aos interesses dos grandes latifundiários que aos interesses militares ou ditatoriais de Deodoro embora este último tenha feito de tudo para que isso não ocorresse 604 Ibidem p 29 605 Pode ser citada entre outras a sufragista Josefina Álvares de Azevedo que em sua revista A Família 1888 1897 combatia com uma lógica inexorável a negação por parte dos governantes do direito de cidadania às mulheres que poderia começar através da possibilidade de voto À guisa de exemplo indicaremos um artigo de Josefina intitulado O Direito de Voto Agora mesmo foi agitada esta questão em Minas em vista do requerimento de duas senhoras que pretenderam a inclusão de seus nomes no alistamento da paróquia de Barbacena e que depois de favorável despacho do juiz de direito da comarca não havia lei que as impedisse foram mandadas excluir do alistamento em acórdão da Relação de Ouro Preto Para dar uma idéia nítida das razões fúteis dessa decisão e da singular e absurda doutrina em que se funda transcreverei em seguida os considerandos apresentados Considerando que conquanto pareça à primeira vista que todos devem ter o voto ativo a faculdade eleitoral o direito de intervir no exercício dos poderes delegados a razão e o interesse público não podem deixar de necessariamente admitir as incapacidades resultantes do sexo da menoridade da demência e da ausência das habilitações que convertessem o voto em um perigo social Marquês de São Vicente Dirt Pub vol 1o tit 1o 2o no 252 Estes considerandos encerram doutrina tão insensata que não poderiam prevalecer em um tribunal qualquer se a inteligência dos julgadores não estivera obscurecida pelo preconceito arraigado filho do preconceito secular que nos tem mantido em um estado de dependência afrontosa do critério dos homens em todas as nossas relações sociais Josefina Álvares de Azevedo O direito de voto A Família Rio de Janeiro 14 de dezembro de 1889 p 1 Do Rio de Janeiro partiam para os Estados as listas com os nomes dos candidatos a serem eleitos senadores ou deputados 606 A Constituinte foi por causa disso mais um foco de oposição ao Governo de Deodoro que a Instituição que se deu ao trabalho de ela borar num todo uma Constituição Muito antes de a Assembleia Cons tituinte iniciar seus trabalhos o governo já havia traçado as linhas principais e muitas das secundárias também da Constituição de 1891 O Governo Provisório nomeou uma Comissão de juristas chamada Comissão dos Cinco que a partir de janeiro de 1890 começou a elaborar o projeto constitucional Cada um dos cinco deveria elaborar uma proposta em separado mas dois deles resolveram trabalhar em conjunto e o presidente da Comissão não apresentou projeto algum Restaram três propostas que submetidas em 24 de maio de 1890 à apreciação do Governo passaram a ser revistas pelos Ministros na casa de Rui Barbosa Ele mesmo explica como foram os trabalhos Diariamente me davam S Exas a satisfação de reunirse em minha casa às 2 horas da tarde ali colaboravam todos comigo até às 5 e meia e depois de jantarmos juntos ali mesmo dirigíamo nos reunidos a Itamarati onde eu por delegação de todos os meus colegas presentes funcionava no caráter de seu vogal perante o Chefe do Esta do justificando como intérprete do pensamento deles o nosso projeto constitucional Isso durante 12 ou 15 dias Assim se fez a Constituição607 Dos noventa artigos da Constituição setenta e quatro pertenciam ao projeto de Rui Barbosa intactos ou levemente modificados608 De fato muito pouco foi discutido pelos constituintes acerca da Consti tuição Nas palavras de Agenor de Roure 606 SILVA Hélio apud MENDES Jr Antonio MARANHÃO Ricardo Orgs Brasil história texto e consulta República Velha São Paulo Hucitec 1991 vol 3 p 154 607 BARBOSA Rui Apud FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA Rui Barbosa e a Consti tuição de 1891 Rio de Janeiro Fundação Casa de Rui Barbosa 1985 p 2 608 Ibidem p 2 O desejo de apressar a votação da Constituição para que o país entrasse quanto antes no regime legal levou os constituintes a só discutirem os pontos principais do projeto a organização federativa a discriminação de rendas a unidade do direito a dualidade da magistratura o sistema da eleição presidencial a liberdade religiosa a organização dos Estados e alguns outros tendo havido não poucos requerimentos de rolha para o encerramento do debate 609 11 Alguns Pontos da Constituição de 1891 111 A República Federativa dos Estados Unidos do Brasil Enquanto a Constituição anterior era marcadamente de influência francesa a de 1891 teve grande influição da Constituição NorteAme ricana Não é de estranhar portanto que o Brasil fosse a essa época e constitucionalmente legalizado os Estados Unidos do Brasil uma República Federativa de regime representativo Art 1o A Nação brasileira adota como forma de governo sob o regime representativo a Repúbli ca Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889 e constituise por união perpétua e indis solúvel das suas antigas províncias em Estados Unidos do Brasil610 Era República porque o que se considerava como povo estaria exercendo o poder representativa pois governantes seriam eleitos de forma a representar os interesses do povo e federativa porque os Estados teriam autonomia Art 63 Cada Estado regerseá pela Constitui ção e pelas leis que adotar respeitados os prin cípios constitucionais da União 609 ROURE Agenor de Apud CERQUEIRA Marcello A constituição na história origem e reforma Rio de Janeiro Revan 1993 p 310 610 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891 A divisão de poderes é estabelecida e eliminase o Poder Mode rador ficando apenas os três clássicos poderes Executivo Legislativo e Judiciário Art 15 São órgãos da soberania nacional o Po der Legislativo o Executivo e o Judiciário har mônicos e independentes entre si 112 O Poder Executivo O Executivo seria composto pelo Presidente da República sendo o VicePresidente indicado pela Constituição relativamente ao Poder Executivo como um mero substituto Art 41 Exerce o Poder Executivo o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil como chefe eletivo da Nação 1o Substitui o Presidente no caso de impedi mento e sucedelhe no de fato o VicePresiden te eleito simultaneamente com ele A atribuição efetiva do VicePresidente dada pela Constituição de 1891 é relativa ao Poder Legislativo Ele seria o Presidente do Sena do exclusivamente com voto de qualidade Art 32 O VicePresidente da República será Presidente do Senado onde só terá voto de qua lidade e será substituído nas ausências e impe dimentos pelo vicepresidente da mesma Câmara 113 O Poder Judiciário O Poder Judiciário foi montado nesse início de República baseado no sistema dual dando início à tradição dualista no Brasil Tal sistema é composto pelo Poder Judiciário Federal e pelos poderes judiciários estaduais que acabaram por assim serem organizados até pelo modelo federativo a que se propunha o país e a Constituição611 611 No Império o sistema era baseado na unidade e na centralização Dessa forma separaramse as justiças estaduais da Justiça Federal indicando a atribuição de cada uma delas e em que situações haveria interferência da segunda sobre as primeiras Art 61 As decisões dos juízes ou tribunais dos Estados nas matérias de sua competência porão termo aos processos e às questões salvo quanto a 1 habeas corpus 2 espólio de estrangeiro quando a espécie não estiver prevista em convenção ou tratado Em tais casos haverá recurso voluntário para o Supremo Tribunal Federal Art 62 As justiças dos Estados não podem in tervir em questões submetidas aos tribunais fe derais nem anular alterar ou suspender as suas sentenças ou ordens E reciprocamente a justi ça federal não pode intervir em questões subme tidas aos tribunais dos Estados nem anular alte rar ou suspender as decisões ou ordens destes excetuados os casos expressamente declarados nesta Constituição A Justiça Federal ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal em seu ápice mas deixou em aberto a possibilidade do Congresso criar tantos juízes e tribunais Federais quantos considerassem necessários Art 55 O Poder Judiciário da União terá por ór gão um Supremo Tribunal Federal com sede na Capital da República e tantos juízes e tribunais federais distribuídos pelo país quantos o Con gresso criar O Supremo Tribunal Federal tinha jurisdição ordinária e de recurso bem como a de revisão Assim ao Supremo Tribunal Federal foi deter minada a competência exclusiva para conhecer certos assuntos em instância única não sendo possível os juízes inferiores tratarem destas matérias No máximo eles somente poderiam praticar diligência quando solicitados é a chamada jurisdição ordinária Para outras causas o Supremo Tribunal Federal seria a instância superior que em grau de recurso confirmaria ou reformaria as deci sões a isso se dá o nome de jurisdição de apelação Extraordinaria mente poderia ainda rever sentenças de últimas instâncias proferidas pelas justiças dos estados e os processos findos em matérias crime612 Mais ainda a Constituição de 1891 coloca o Supremo Tribunal co mo o guardião da Constituição bem condizente com o pensamento de Rui Barbosa Art 59 Ao Supremo Tribunal Federal compete 1 processar e julgar originária e privativamente a o Presidente da República nos crimes comuns e os ministros de Estado nos casos do art 52 b os ministros diplomáticos nos crimes comuns e nos de responsabilidade c as causas e conflitos entre a União e os Es tados ou entre estes uns com os outros d os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os Estados e os conflitos dos juízes ou tribunais federais entre si ou entre estes e os dos Estados assim como os dos juízes e tribunais de um Estado com os juízes e os tribunais de outro Estado 2 julgar em grau de recurso as questões resol vidas pelos juízes e tribunais federais assim co mo as de que tratam o presente artigo 1o e o art 60 3 rever os processos findos nos termos do art 81 1o Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal a quando se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratado e leis federais e a decisão do tribunal do Estado for contra ela b quando se contestar a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição ou das leis federais e a decisão do tribunal do Estado considerar válidos esses atos ou essas leis impugnadas 612 BARBALHO João Uchoa Cavalcanti Apud ARAÚJO Rosalina Corrêa de Estado e Po der Judiciário no Brasil Rio de Janeiro Lumen Juris 2000 p 143 Art 60 Compete aos juízes ou tribunais fede rais processar e julgar a as causas em que alguma das partes fundar a ação ou a defesa em disposição da Constituição Federal b todas as causas propostas contra o governo da União ou fazenda nacional fundadas em dispo sições da Constituição leis e regulamentos do Poder Executivo ou em contratos celebrados com o mesmo governo c as causas provenientes de compensações rei vindicações indenizações de prejuízos ou quaisquer outras propostas pelo governo da União contra particulares ou viceversa d os litígios entre um Estado e cidadãos de outro ou entre cidadãos de Estados diversos diversi ficando as leis destes e os pleitos entre Estados estrangeiros e ci dadãos brasileiros f as ações movidas por estrangeiros e fundadas quer em contratos com o Governo da União quer em convenções ou tratados da União com outras nações g as questões de direito marítimo e navegação assim no oceano como nos rios e lagos do país h as questões de direito criminal ou civil inter nacional i os crimes políticos Interessante indicar que nos primeiros tempos do Supremo Tribu nal Federal as questões submetidas a este eram acompanhadas pela população que comparecia aos julgamentos aplaudindo ou vaiando as teses defendidas613 Ainda relativamente ao Poder Judiciário a Constituição de 1891 consagra a utilização da Jurisprudência tanto federal quanto estadual indicando explicitamente a necessidade do uso destas Assim afirma o Artigo 59 2o 613 BAJER Paula Processo penal e cidadania Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 p 32 Nos casos em que houver de aplicar leis dos Es tados a justiça federal consultará a jurisprudên cia dos tribunais locais e viceversa as justiças dos Estados consultarão a jurisprudência dos tri bunais federais quando houverem de interpretar leis da União Os crimes militares teriam foro específico com um Supremo Tribu nal Militar Art 77 Os militares de terra e mar terão foro especial nos delitos militares 1o Este foro comporseá de um Supremo Tribunal Militar cujos membros serão vitalícios e dos conselhos necessários para a formação da culpa e julgamento dos crimes 2o A organização e atribuições do Supremo Tribunal Militar serão regulados por lei 114 O Poder Legislativo O Poder Legislativo foi por essa Constituição composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal tendo estes o exercício sob a sanção do Presidente da República Art 16 O Poder Legislativo é exercido pelo Con gresso Nacional com a sanção do Presidente da República 1o O Congresso Nacional compõese de dois ramos a Câmara dos Deputados e o Senado Os membros desse poder teriam imunidade parlamentar ampla não restrita a atos que cometessem no exercício de suas funções incluídos aí crimes comuns O processo contra deputados e senadores passaria então pela aprovação prévia da casa a que este pertencesse Art 20 Os Deputados e os Senadores desde que tiverem recebido diploma até a nova eleição não poderão ser presos nem processados criminal mente sem prévia licença de sua Câmara salvo caso de flagrância em crime inafiançável Neste caso levado o processo até pronúncia exclusive a autoridade processante remeterá os autos à Câmara respectiva para resolver sobre a proce dência da acusação se o acusado não optar pelo julgamento imediato Para se eleger o indivíduo deveria ter algumas precondições co mo tempo de cidadania brasileira e idade mínima para senadores Art 26 São condições de elegibilidade para o Congresso Nacional 1 estar na posse dos direitos de cidadão bra sileiro e ser alistável como eleitor 2 para a Câmara ter mais de quatro anos de cidadão brasileiro e para o Senado mais de seis Art 30 O Senado compõese de cidadãos ele gíveis nos termos do art 26 e maiores de 35 anos em número de três Senadores por Estado e três pelo Distrito Federal eleito pelo mesmo modo por que forem os Deputados Dentre as atribuições do Legislativo estava a de legislar sobre Direito Civil Criminal Comercial e Processual da Justiça Federal art 34 inciso 23 A forma pela qual essas leis seriam feitas levando em conta as duas casas parlamentares e o Presidente da República é explicitada pelo Capítulo V dessa Constituição Art 36 Salvas as exceções do art 29 todos os projetos de lei podem ter origem indistintamente na Câmara ou no Senado sob a iniciativa de qualquer de seus membros Art 37 O projeto de lei adotado numa das câ maras será submetido à outra e esta se o apro var enviáloá ao Poder Executivo que aquies cendo o sancionará e promulgará 1o Se porém o Presidente da República o julgar inconstitucional ou contrário aos interesses da Nação negará sua sanção dentro de dez dias úteis daquele em que recebeu o projeto de volvendoo nesse mesmo prazo à Câmara onde ele se houver iniciado com os motivos da recusa 2o O silêncio do Presidente da República no decêndio importa a sanção e no caso de ser esta negada quanto já estiver encerrado o Congresso o Presidente dará publicidade às suas razões 3o Devolvido o projeto à Câmara iniciadora aí se sujeitará a uma discussão e a votação nominal considerandose aprovado se obtiver dois terços dos sufrágios presentes Neste caso o projeto será remetido à outra Câmara que se o aprovar pelos mesmos trâmites e pela mesma maioria o enviará como lei ao Poder Executivo para a formalidade da promulgação 115 O Sistema Eleitoral Quanto às eleições podese destacar não somente o que a Cons tituição indicava como também é interessante notar algumas pe culiaridades do sistema eleitoral durante a República velha Nesse sentido iniciando a análise pela Constituição de 1891 a en trada no processo eleitoral como eleitor se dava de forma voluntária ou seja não era mais obrigatório o alistamento tampouco era necessário renda mínima porém o eleitor não poderia ser analfabeto em um sentido absoluto como a prática demonstrou visto que saber desenhar o nome era o suficiente para o alistamento eleitoral O eleitor não poderia ser também mendigo nem religioso de ordem religiosa nem praça de pré A idade mínima para o alistamento eleitoral era de 21 anos Art 70 São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei 1o Não podem alistarse eleitores para as eleições federais ou para as dos Estados 1 os mendigos 2 os analfabetos 3 as praças de pré excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior 4 os religiosos de ordens monásticas compa nhias congregações ou comunidades de qual quer denominação sujeitas a voto de obediência regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade individual 2o São inelegíveis os cidadãos não alistáveis Um aspecto interessante dado pela Constituição à eleição nos municípios foi a autonomia que cada estado tinha em deliberar sobre a matéria Dessa forma houve uma grande variação quanto ao processo eleitoral dos municípios Art 68 Os Estados organizarseão de forma que fique assegurada a autonomia dos municí pios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse Dessa forma do nome do chefe do executivo municipal à forma deste chegar a tal posto a multiplicidade de maneiras foi enorme Nas palavras de Jairo Nicolau Em alguns estados havia eleição para chefe do Executivo o nome variava de acordo com o esta do prefeito intendente superintendente agente do executivo em todos os municípios Em Minas Gerais entre 190330 e no Rio de Janeiro até 1920 o presidente da Câmara era responsável pela função executiva Em alguns Estados Ceará e Paraíba todos os prefeitos eram indicados pelo governador Em outros havia indicação para os prefeitos de capitais estâncias hidrominerais e cidades com obras e serviços de responsabi lidade do estado614 Uma nova lei posterior à Constituição tornou a questão ainda mais caótica do ponto de vista do objetivo de ser eleitor isto é ter independência para decidir quais serão os seus representantes Essa lei elaborada pelo Congresso e promulgada em 1892 estabeleceu novas regras para o alistamento que passou a ser feito em cada município por diversas comissões de cinco eleitores escolhidos pelos membros dos governos municipais Dessa forma a nova lei facilitou o 614 NICOLAU Jairo História do voto no Brasil Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 p 28 controle das facções majoritárias locais sobre o processo de alista mento o que obviamente e infelizmente deu margem a fraudes e manipulações de todas as formas615 As eleições de qualquer nível eram feitas de maneira a facilitar a fraude O candidato não precisava estar cadastrado não precisava pertencer a nenhum partido as cédulas eleitorais não eram oficiais muitas vezes eram utilizadas as cédulas dadas pelos cabos eleitorais ou recortadas de jornais e principalmente o voto não era secreto 116 As Novidades da Constituição de 1891 Essa Constituição previu a mudança da capital federal para o Planalto Central os argumentos para tal empreitada variavam desde uma melhor defesa da capital que estando longe da costa ficaria mais protegida até o de que retirando a capital da República da cidade do Rio de Janeiro conseguirseia afastar a administração pública da balbúrdia do populacho conforme afirmação atribuída ao presidente Campos Sales Art 3o Fica pertencendo à União no planalto central da República uma zona de 14400 quilô metros quadrados que será oportunamente de marcada para nela estabelecerse a futura Capital Federal Previu também o estabelecimento da separação entre Estado e Igreja dando ao menos no papel liberdade de culto ao país Art 72 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabili dade dos direitos concernentes à liberdade à se gurança individual e à propriedade nos termos seguintes 615 Ibidem p 28 A Lei de 1904 mudou a composição das comissões de alistamento mas não eliminou a influência da política local Somente em 1916 o judiciário passou a ter novamente responsabilidade exclusiva pela qualificação dos eleitores nas eleições federais 3o Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto associandose para esse fim e adquirindo bens observadas as disposições do direito comum Essa independência embora pareça uma questão secundária à primeira vista para o cotidiano das pessoas foi extremamente rele vante principalmente quando foi coroada com o parágrafo seguinte do mesmo artigo 72 que instituía o casamento civil Art 72 4o A República só reconhece o casa mento civil cuja celebração será gratuita Até essa Constituição todo controle da vida civil estava obje tivamente sob o controle da Igreja Católica Os registros de nasci mento através dos assentos de batismo eram dados por ela o de casamento e o de morte também No caso específico do casamento havia duas legislações uma civil outra eclesiástica mas somente a última era considerada legítima Quer dizer o Estado brasileiro durante o Im pério seguindo a tradição portuguesa delegava à Igreja Católica a tarefa de organizar todas as etapas da vida dos habitantes do país cabendo a ele legislar sobre as propriedade e heranças delas advindas Para além dos problemas causados por essa ligação perigosa havia também o fato de ela trazer implícita a consideração de que a po pulação brasileira era composta única e exclu sivamente por católicos616 Isso significava em última instância que a união de dois cônjuges não católicos não tinha qualquer valor legal antes do parágrafo 4o do artigo 72 da primeira Constituição republicana deste país617 Isso gerava questões absurdas como problemas acerca dos bens de um casal não católico e indagações que principiavam grandes celeumas 616 GRINBERG Keila Código civil e cidadania Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 p 38 617 Durante o Império houve uma tentativa de regulamentar essas uniões não católicas mas nada foi efetivado como o debate acerca do instituto do casamento ser uma ato civil ou religioso Outro ponto que merece destaque é a constitucionalização do habeas corpus e a indicação de parâmetros um pouco mais claros acerca da legalidade da prisão e do princípio da Ampla Defesa Artigo 72 13 À exceção do flagrante delito a prisão não poderá executarse senão depois de pronúncia do indiciados salvos os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente 14 Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada salvas as exceções especi ficadas em lei nem levado à prisão ou nela de tido se prestar fiança idônea nos casos em que a lei a admitir 15 Ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente em virtude de lei anterior e na forma por ela regulada 16 Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa com todos os recursos e meios essenciais a ela desde a nota de culpa entregue em vinte e quatro horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas 22 Darseá habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder O Princípio da Individualidade das Penas também é coroado no parágrafo 19 do artigo 72 e a Constituição no mesmo artigo dá por encerrada a discussão acerca da pena de morte abolindoa junto às penas de banimento e de galés 20 Fica abolida a pena de galés e a de bani mento judicial 21 Fica igualmente abolida a pena de morte reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra A questão de marcas e patentes também começa a surgir nessa Constituição Art 72 25 Os inventos industriais pertencerão aos seus autores aos quais ficará garantido por lei um privilégio temporário ou será concedido pelo Congresso um prazo razoável quando haja conveniência de vulgarizar o invento 26 Aos autores de obras literárias e artísticas é garantido o direito exclusivo de reproduzilas pe la imprensa ou por qualquer outro processo me cânico Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar 27 A lei assegurará também a propriedade das marcas de fábrica 2 O Código Penal de 1890 Mesmo antes da Proclamação da República havia uma tentativa de reformar o Código Criminal de 1830 que por força da Abolição da Escravatura estava em desacordo com a nova realidade social Nesse sentido uma comissão de deputados a partir de 1888 já estudava uma reforma e acabou por indicar que melhor seria refazer todo o código Com a Proclamação da República o trabalho foi temporariamente interrompido sendo logo retomado por iniciativa de Campos Salles que na época era Ministro da Justiça do Governo Provisório da Repú blica O Governo Provisório já caminhava em direção a mudanças abo lindo as Penas de Galés e reduzindo para trinta anos as penas per pétuas pelo Decreto no 774 de setembro de 1890 No mês seguinte foi implementado o novo Código Penal Talvez pela urgência com que foi feito basicamente três meses talvez por não ter sido discutido com maior amplitude esse Código sofreu as mais duras críticas possíveis desde o momento em que entrou em vigor618 Muitas leis foram feitas na tentativa de suprir as falhas do Código Penal de 1890 e muitas tentativas de reforma também Essas tentativas são tão sequenciais que vale a pena enumerar os anos para que se tenha uma noção buscouse ou cogitouse sem êxito reformas no ano de 1910 1912 1913 e em 1927 houve o Projeto do Desembargador Sá Pereira que embora extremamente elogiado tampouco foi aprovado 21 Alguns Pontos do Código Penal de 1890 O Código Penal define de imediato que segue o Princípio da Legalidade e o Princípio da Territorialidade para os crimes eliminando as interpretações extensivas para a qualificação dos mesmos Art 1o Ninguém poderá ser punido por facto que não tenha sido anteriormente qualificado crime e nem com penas que não estejam previamente estabelecidas A interpretação extensiva por analogia ou paridade não é admissível para qualificar crimes ou applicarlhes penas Art 4o A lei penal é applicada a todos os indi víduos sem distincção de nacionalidade que em território brazileiro praticarem factos criminosos e puníveis Crime e Contravenção foram explicados nesse Código sendo dife renciados um do outro não pelo pressuposto da pena mas apenas por definição podendo inclusive causar alguma confusão tanto relativamente a um quanto a outro principalmente se tomarmos a doutrina atual619 618 Alguns o apontavam como sendo o pior de todos os códigos conhecidos outros di ziam que o Código colocava o legislador republicano em posição vexatória PIERAN GELLI José Henrique Códigos penais do Brasil 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 p 75 619 Não há diferença ontológica de essência entre crime ou delito e contravenção O mesmo fato pode ser considerado crime ou contravenção pelo legislador de acordo com a necessidade da prevenção social Assim um fato que hoje é contravenção pode no fu turo vir a ser definido como crime JESUS Damásio E Direito Penal Parte Geral 23 ed São Paulo Saraiva 1999 p 152 Art 7o Crime é a violação imputável e culposa da lei penal Art 8o Contravenção é o facto voluntário punível que consiste unicamente na violação ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e dos regulamentos As penas a serem aplicadas eram variadas e definidas pelo artigo 43 muitas delas confundemse entre si tendo características extre mamente semelhantes As penas podiam ser de prisão celular que contaria com trabalho obrigatório o banimento que privaria o condenado de seus direitos de cidadão Nesse último caso o indivíduo condenado não poderia habitar o território nacional pelo tempo que indicasse sua pena e caso ele o fizesse a pena seria comutada para reclusão art 46 A reclusão era uma pena que deveria ser cumprida em forta lezas praças de guerra ou estabelecimentos militares conforme indi cava o artigo 47 Já a prisão com trabalho obrigatório seria cumprida ou em estabelecimentos militares ou em prisões agrícolas art 48 Ainda o artigo 43 indicava também como penas a interdicção pela qual o indivíduo ficaria interditado proibido de algumas ações a suspensão e perda de emprego público geralmente aplicado a agen tes públicos que cometiam crimes no exercício de suas funções e a multa Algumas penas poderiam ser aplicadas juntas como o exemplo a seguir Art 141 Incendiar plantações colheitas lenha cortada pastos ou campos de fazenda de cultu ra ou estabelecimentos de criação mattas ou florestas pertencentes a terceiros ou à Nação Penas de prisão cellular por um a três annos e multa de 5 a 20 do damno causado Outra pena indicada era exclusiva para menores de 21 anos Art 49 A pena de prisão disciplinar será cum prida em estabelecimentos industriaes especiaes onde serão recolhidos os menores até a idade de 21 annos Qualquer que fosse a pena entretanto ela jamais poderia ser infamante bem como se tornavam proibidas no Brasil assim como expressara o Decreto de setembro de 1890 citado anteriormente as penas restritivas de liberdade de caráter perpétuo O limite da restrição de liberdade adotado a partir de então no país passou a ser de trinta anos Art 44 Não ha penas infamantes As penas restrictivas da liberdade individual são tempo rárias e não excederão de 30 annos O Código previa a Progressão da Pena bem como livramento condicional Nesse sentido dependendo do comportamento do preso tendo cumprido seis anos da pena prevista e sendo esse tempo no mínimo a metade do tempo destinado na sentença ele poderia ser transferido para um regime considerado um pouco melhor e no caso de bom comportamento nesse outro regime poderia haver o livramento condicional caso faltassem apenas dois anos para ainda cumprir620 O condemnado à prisão cellular por tempo exce dente a seis annos e que houver cumprido me tade da pena mostrando bom comportamento poderá ser transferido para alguma penitenciária agrícola afim de ahi cumprir o restante da pena 1o Si não perseverar no bom comportamento a concessão será revogada e voltará a cumprir a pena no estabelecimento de onde sahiu 2o Si perseverar no bom comportamento de modo a fazer presumir emenda poderá obter livramento condicional comtanto que o restante da pena a cumprir não exceda de dous annos O artigo 27 desse Código define a imputabilidade Este é um dos mais discutidos artigos do Código visto que os parágrafos terceiro e quarto redigidos como o foram abrem a possibilidade de toda a sorte de abusos621 620 Pelo Código Penal usado atualmente haverá progressividade da execução de acordo com o mérito do condenado nos termos do art 33 2o 621 MAGALHÃES NORONHA apud PIERANGELLI José Henrique Op cit p 75 nota de rodapé Art 27 Não são criminosos 1o Os menores de 9 annos completos 2o Os maiores de 9 e menores de 14 se obrarem sem discernimento 3o Os que por imbecilidade nativa ou enfraque cimento senil forem absolutamente incapazes de imputação 4o Os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de intelligencia no acto de commeter o crime 5o Os que forem impellidos a commter o crime por violência physica irresitivel ou ameaças acompanhadas de perigo actual 6o Os que commeterem crime casualmente no exercício ou prática de qualquer aço lícito feito com atenção ordinária 7o Os surdomudos de nascimento que não tiverem recebido educação nem instrucção salvo provandose que obraram com discernimento Entre os crimes arrolados pelo Código Penal de 1890 estão aqueles que impediriam o livre culto de religiões que foi garantido pela Constituição de 1891 Assim Art 185 Ultrajar qualquer confissão religiosa vilipendiando acto ou objecto de seu culto de sacatando ou profanando seus symbolos publi camente Pena de prisão cellular por um a seis mezes Art 186 Impedir por qualquer modo a celebra ção de cerimônias religiosas solemnidades e ritos de qualquer confissão religiosa ou perturbala no exercício do seu culto Pena prisão cellular por dous mezes a um anno Entretanto ao que parece os legisladores não consideravam o espiritismo e algumas de suas práticas como religião Embora haja indicação que o uso de sortilégios para enganar seja crime o que é dotado de lógica o artigo 157 partindo do pressuposto que a magia funciona indica como criminoso o uso desta para despertar ódio e amor curar doenças etc Art 157 Praticar o espiritismo a magia e seus sortilégios usar talismans e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis emfim para fascinar e subjulgar a credulidade publica Pena de prisão cellular por um a seis meses e multa de 100000 a 500000 Um dos artigos mais interessantes desse Código é o de número 166 Na República Velha em que o voto de cabresto e a ordem do Coronel eram sinônimos de política o legislador preocupouse em elaborar um artigo que se tornou hilário por pressão da realidade que o impedia de ser levado de fato a sério Art 166 Solicitar usando promessas ou amea ças votos para certa e determinada pessoa ou para esse fim comprar votos qualquer que seja a eleição a que se proceda Penas de prisão cellular por três mezes a um anno e de privação dos direitos políticos por dois annos O crime de falso testemunho não foi previsto no Código Criminal do Império apesar da legislação anterior a Ordenação Filipina indicá lo definindo como pena o degredo para o Brasil No Código Penal de 1890 há a previsão desse delito sendo que o Código diferencia as penas dependendo em que tipo de causa houve o falso testemunho622 Art 261 Asseverar em juízo como testemunha sob juramento ou affirmação qualquer que seja o estado da causa e a natureza do processo uma falsidade ou negar a verdade no todo ou em parte sobre circumnstancias essenciaes do facto a respeito do qual depuzer 622 No Código de Processo Civil art 415 parágrafo único em vigor atualmente é indicado que o falso testemunho é crime cabendo portanto a mesma sanção prevista no Código Penal em seu artigo 342 Esse mesmo artigo indica que se o indivíduo se arrepender antes da sentença o fato deixará de ser punível 3o 1o Si a causa em que se prestar o depoimento fôr civil Pena de prisão cellular por três mezes a um anno 2o Si a causa fôr criminal e o depoimento para a absolvição do accusado Pena de prisão cellular por seis mezes a dous annos 3o Si para a comndenação Pena de prisão cellular por um a seis annos O crime de estupro ainda era diferenciado para mulheres hones tas e prostitutas Quando a vítima era uma mulher pública a pena era menor do que se a vítima fosse considerada honesta como no código anterior do Império Se bem que em comparação com este a pena do estuprador de prostituta tenha aumentado623 Interessante é notar que tendo em vista os avanços científicos o legislador tenha tido o cuidado de nomear elementos químicos capazes de auxiliar o estupro indicando para a época os mais novos meios de facilitação para o cometimento deste delito Art 268 Estuprar mulher virgem ou não mas honesta Pena de prisão cellular por um a seis annos 1o Si a estuprada for mulher pública ou pros tituta Pena de prisão cellular por seis mezes a dous annos Art 269 Chamase estupro o acto pelo qual o homem abusa com violência de uma mulher seja virgem ou não Por violência entendese não só o emprego da força physica como o de meios que privarem a mulher de suas faculdades psychicas e assim da 623 Segundo Mirabete atualmente sujeito passivo do crime de estupro é a mulher seja ela virgem ou deflorada honesta recatada ou liberada prostituta solteira casada viúva separada divorciada velha ou moça Tratase de proteger o direito individual da mulher no caso a livre disposição do próprio corpo MIRABETE Julio Fabbrini Código penal interpretado 2 ed São Paulo Atlas 2001 p 1431 possibilidade de resistir e defenderse como sejam o hypnotismo o chloroformio o ether e em geral os anesthesicos e narcóticos O adultério tem o mesmo tratamento que no Código Criminal do Império ou seja incorre nesse delito a mulher casada que se deitar simplesmente com outro homem e o marido somente comete tal crime se estiver mantendo outra mulher Ainda como no Código Criminal se houver durante qualquer tempo aquiescência dos cônjuges impede a denúncia 3 O Código Civil de 1916 Desde a Independência do Brasil viase a necessidade de codificar os vários ramos do direito que pudessem normatizar a vida do país Assim o foi tanto que na Constituição de 1824 havia a previsão de elaboração o mais rápido possível de um Código Criminal e um Civil artigo 179 18 O Código Criminal foi feito e bem feito se levarmos em conta os elogios da época e a partir de 1830 estava em vigor Outro Código relativo aos crimes foi elaborado e entrou em vigor no início da República e depois dele outra Constituição e nada de Código Civil O país ainda era subordinado a leis de uma metrópole que não existia mais as Ordenações Filipinas e foram precisos quase cem anos para que isso mudasse Por quê Os Códigos Civis que foram feitos após o Código Civil Napoleôni co portanto os que merecem esse nome tratavam de direitos e de veres de Cidadãos igualandoos todos logo Código Civil são leis para o cidadão no tocante a direitos e obrigações de indivíduos com status e tudo o que advém deste Como definir cidadão em um país com uma maioria esmagadora de escravos como o era no Império Para a elaboração de um Código Civil é necessário antes de tudo haver uma definição clara de quem são os cidadãos e assim que definidos devem contar com a proteção do Código com um todo já que é no mínimo estranho que um indivíduo possa ser parcialmente cidadão Mas a excentricidade do meio cidadão existiu de fato no Brasil sem Código Civil e portanto sem parâmetros de cidadania Durante pelo menos o século XIX havia pessoas que tinham contratos de compra venda aluguel trabalho sem serem consideradas pela lei civil Ordenações Filipinas e Leis extraordinárias plenamente capazes de fazêlo já que exerciam as obrigações mas não dispunham dos direitos correspondentes Menores trabalhavam mas não podiam defenderse em juízo Mulheres casadas geriam fortunas mas não dispunham de livre direito para fazer seus testamentos Protestantes e judeus não podiam ter seus casamentos reconhecidos pelo Estado já que não se casavam na Igreja Católica Escravos urbanos alugavam seus serviços e repartiam os ganhos com seus senhores mas nem por isso deixavam de ser escravos624 Nessa definição de cidadania que poderia levar a uma abran gência não muito interessante para uma maioria da elite brasileira estava o cerne do problema da feitura de um Código Civil no Brasil Uma definição excludente demais não seria aceita pela maioria dos juristas nacionais uma demasiadamente abrangente que pudesse igualar em direitos grandes latifundiários e pessoas do povo não era cabível para muitos políticos Principalmente após a promulgação do Código Comercial na segunda metade do século XIX a questão da necessidade de um Código Civil Brasileiro ficou em uma incômoda evidência Em 1854 o então Ministro da Justiça José Thomaz Nabuco de Araújo solicitou a um renomado advogado da época Augusto Teixeira de Freitas que elaborasse um plano de redação do Código Civil625 Teixeira de Freitas com uma lucidez ímpar argumentou que o melhor seria iniciar qualquer trabalho acerca de Código Civil partindo do que já se tinha Dessa forma ele propôs que se fizesse primeiramente uma compilação sistemática da legislação existente e assim foi feito Terminada a tarefa da compilação Teixeira de Freitas foi convi dado a escrever o Código Civil e depois de ter escrito e publicado o 624 GRINBERG Leila Op cit p 10 625 Teixeira de Freitas era Juiz de Direito advogado reconhecido membro fundador do Instituto dos Advogados Brasileiros advogado do Conselho de Estado aspirante a Jurisconsulto à época Esboço do Código Civil em 1867 abandonou essa empreitada alegando incompatibilidade entre sua concepção jurídica e a do governo A principal incompatibilidade aparentemente estava no fato de o Jurista considerar que fazer um Código Civil sem abranger as relações comerciais seria marcar o Código com um mal de nascença visto que por já existir um Código Comercial o Civil estaria sempre subor dinado a este De 1867 a 1872 o projeto ficou parado até que o próprio Ministro da Justiça Nabuco de Araújo dispôsse a escrever ele mesmo Ele faleceu seis anos depois deixando imensa quantidade de notas e rigorosamente nenhum texto A partir daí até a contratação de Clóvis Beviláqua o redator do Código Civil de 1916 os projetos não passaram de tentativas isoladas ou pueris E se o Presidente da República Campos Sales na década de 90 do século XIX não desejasse que o Código Civil fosse sua marca na história provavelmente teríamos tido que esperar mais A contratação de Beviláqua no governo de Campos Sales foi cerca da de controvérsias e disputas estas acabaram por influenciar um pouco na demora de aprovação do projeto elaborado por ele Beviláqua era da Escola do Recife que adotava uma concepção cientificista do direito ligandoo à biologia às ciências naturais e à antropologia Já seus opositores entre os quais se destacava o já muitíssimo famoso advogado Rui Barbosa eram da Academia de Direito de São Paulo marcada pela militância política e pelo exercício do jornalismo No ano de 1990 Clóvis Beviláqua terminou seus trabalhos e pas sou seu projeto para a Câmara dos Deputados que através de uma comissão revisora deveria exprimir um parecer O parecer foi favorável mesmo porque o relator da Comissão da Câmara era também oriundo da Escola do Recife Silvio Romero Entretanto ao chegar ao Senado para que passasse pelo mesmo processo da Câmara dos Deputados discussão e proposição de emen das o processo emperrou Muitos anos sem nenhum avanço a não ser a alegria de ver Rui Barbosa por ciúmes ou por cuidado honrado com a língua pátria discutindo inclusive questões gramaticais de cada ponto mínimo do projeto de Beviláqua A discussão somente foi retomada em 1912 quando a Câmara propôs que o projeto fosse adotado enquanto o Senado não tomasse uma posição Diante de tal desafio político o Senado aprovou o projeto aceitando todas as emendas de Rui Barbosa e este voltou para a Câmara onde foram processados os últimos debates até a aprovação final em 1915 Em 1o de janeiro de 1916 ele foi sancionado e um ano depois o Brasil tinha depois de quase um século de independência seu primeiro Código Civil CAPÍTULO XVII ERA VARGAS 1930 A 1946 1 A Revolução de 1930 e o Governo Provisório Da Proclamação ao início da década de 20 no século XX a República foi a expressão da oligarquia dos grandes fazendeiros São Paulo e Minas Gerais dominavam o cenário político em nível federal com a política do café com leite pela qual ora o presidente era paulista café ora era mineiro leite Com a Primeira Guerra Mundial o Brasil sofreu imediatos e pro fundos revezes visto que a economia do país era totalmente dependente do mercado externo Como o governo estava nas mãos dos agroexportadores estes utilizaram todo o seu poder para continuar apesar de tudo a auferir lucros com suas atividades mesmo que isso significasse prejuízo para a Nação como um todo O Convênio de Taubaté 1906 é um bom exemplo apesar de anterior do que acima foi exposto Por ele o governo compraria todo o estoque de café que não fosse vendido destruindo se fosse o caso e compraria parte da produção de tal maneira que conseguisse com isso uma diminuição da oferta do produto assim este se valorizaria Uma socialização de prejuízos O Brasil pagaria para que os cafei cultores mantivessem e até mesmo aumentassem seus lucros A partir de 1910 e durante a Primeira Grande Guerra somaramse a desvalorização da moeda brasileira dificultando as importações de produtos manufaturados mais os grandes lucros auferidos com a política do café e a crise nesse setor aumentada pela Guerra para ini ciar um crescimento industrial no país Ao capital nacional acrescen touse capital estrangeiro com a vinda de subsidiárias de indústrias que posteriormente seriam chamadas de multinacionais No caso dos produtos manufaturados cada dia menos o país era dependente do mercado externo uma boa parcela dos produtos manu faturados do consumo do dia a dia dos brasileiros nacionalizavase Os brasileiros se não for muito estética essa afirmação nacionalizavam se também a Semana de Arte Moderna de 1922 indicava este caminho uma valorização do nacional em detrimento do que vinha de fora Tenentes exigiam mudanças626 os novos empresários não viam com muita satisfação a hegemonia dos latifundiários e uma nova força vista como um novo e forte problema surgia junto com a industria lização o operariado A industrialização gera algumas consequências diretas como o crescimento da urbanização surgimento desse novo tipo de trabalha dores e o que mais incomodava as elites urbanas e rurais com a industrialização vem toda uma série de ideologias que justificam e em basam a luta do operariado por dias melhores o anarquismo o comu nismo o socialismo Todos girando em torno de uma possibilidade de organização de operários que seria impensável até aquele momento para trabalhadores rurais o sindicalismo Com tudo isso o Brasil estava diferente mas nem seus governan tes nem suas políticas acompanhavam ainda que para controle efetivo essas mudanças Trabalhadores urbanos que porventura reivindicas sem algo eram tratados como bandidos a questão operária era de fato caso de polícia Desde a Proclamação da República o país era guiado como se fosse uma imensa fazenda e os coronéis que administravam esse latifúndio não sabiam o que fazer com esses novos elementos e suas necessidades específicas No bojo dessa crise política e ideológica a Crise de 1929 gerada pelo Crack da Bolsa de Nova Iorque aprofundou o problema econômi co acabando com a base artificial em que se vinha mantendo a lucrati vidade dos grandes cafeicultores e a solução no Brasil foi encontrada depois de uma cisão na oligarquia que deu origem à Revolução de 1930 Na sucessão de 1930 o presidente Washington Luis que era paulista não indicou como seu sucessor um mineiro e isso tinha grande importância por causa da política do café com leite principalmente porque a indicação do presidente era por meios obscuros garantia de vitória Assim descreve o brasilianista Thomas Skidmore 626 Tenentismo movimento militar brasileiro que através de várias rebeliões desenca deadas no período de 1922 a 1930 pretendeu derrubar pelas armas três governos e os sistemas políticos que os sustentavam Entre os objetivos que impulsionaram os jovens militares a essas revoltas estava o desejo de implantação de medidas que consideravam necessárias para moralizar o país tais como o voto secreto o ensino público obrigatório a seriedade administrativa e principalmente a derrubada das oligarquias que há anos faziam presidentes de acordo com seus interesses Recentemente autores têm chamado atenção para um fator novo que teria contribuído fortemente para a eclosão do tenentismo o caráter corporativo do exército a convicção que os militares tinham de sua importância e do papel que estavam destinados e mesmo intimados a representar AZEVEDO Antonio Carlos do Amaral Op cit p 375 Pela Constituição de 1891 a presidência era o grande prêmio da política nacional Já que o pre sidente estava constitucionalmente impedido de suceder a si mesmo era fatal que houvesse gran de agitação política de quatro em quatro anos à medida que a liderança situacionista procurava acordo entre os líderes das principais máquinas políticas estaduais para a indicação de um su cessor Uma vez acertada a indicação de vez que os governos estaduais tinham poder para dirigir as eleições e não hesitavam em manipular os re sultados para enquadrálos em seus arranjos pré eleitorais627 O candidato situacionista ganhou como era de se esperar mas como dessa vez havia uma candidatura de oposição de parte dessa elite insatisfeita os resultados foram questionados Os que duvidavam da lisura da eleição já haviam se utilizado suficientemente da cor rupção da máquina eleitoral para saber que nenhuma eleição na República até então havia sido correta De fato a eleição na República Velha era uma piada de mau gosto Ninguém tem certeza de ser alistado eleitor ninguém tem certeza de votar se porventura for alistado ninguém tem certeza do que contém o voto se porventura votou ninguém tem certeza que esse voto mesmo depois de contado seja respeitado na apuração da apuração no chamado terceiro escrutínio que é arbitrária e descara damente exercido pelo déspota substantivo ou pelos déspotas adjetivos conforme o caso for da representação nacional ou das locais628 O inconformismo dos opositores poderia ter amainado com o tem po mas um acontecimento precipitou o movimento que veio a ser co nhecido como Revolução o assassinato de um dos líderes da oposição 627 SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio Vargas a Castelo Branco 7 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1982 p 21 e ss 628 BRASIL Assis político gaúcho da República Velha Apud NICOLAU Jairo História do voto no Brasil Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 p 35 o paraibano João Pessoa O presidente da República Washington Luis cada dia mais isolado não pôde se defender sendo deposto Getúlio Vargas assumiu a chefia do Governo Provisório e pelo Decreto no 19398 do mês de novembro ficaram definidas as atribuições do novo gover no poderes discricionários em toda a sua plenitude a dissolução do Congresso Nacional e das Casas Legislativas estaduais e municipais e a suspensão das garantias constitucionais Afirmava o artigo primeiro desse decreto O Governo Provisório exercerá discricionaria mente em toda a sua plenitude as funções e atri buições não só o Poder Executivo como também do Poder Legislativo até que eleita a Assembléia Constituinte estabeleça esta reorganização cons titucional do país 11 A Organização das Cortes de Apelação do Distrito Federal e a Criação da Ordem dos Advogados Brasileiros Durante o Governo Provisório que provisoriamente durou o tempo de um mandato muitas coisas foram feitas no âmbito do Direito no país Pelo Decreto no 19408 organizouse a corte de apelações do Distrito Federal Foram criadas seis câmaras compostas por vinte e dois desembargadores e no que tange à justificativa dessa reorganização muito próxima da Revolução está dito em seu preâmbulo Atendendo à necessidade de prover ao melhor funcionamento da Justiça local do Distrito Fede ral fazendo eqüitativa distribuição dos feitos normalizando o desempenho dos cargos judiciá rios diminuindo os ônus aos litigantes em busca do ideal da justiça gratuita prestigiando a classe dos advogados e enquanto não se faz a definitiva reorganização da Justiça decreta Art 1o A Corte de Apelação do Distrito Federal constituída de vinte e dois desembargadores se compõe de seis Câmaras sendo a primeira e a segunda criminais a terceira e a quarta cíveis e a quinta e a sexta de agravos cada uma com três membros e presididas pelos vicepresidentes originários da Corte Art 2o A corte de Apelação será presidida por um presidente as Câmaras criminais pelo pri meiro vicepresidente as cíveis pelo segundo e as de agravo pelo terceiro Art 3o O presidente os vicepresidentes e os membros das Câmaras serão eleitos pela Corte de Apelação sendo aqueles pelo prazo de dois anos proibidas as reeleições Art 4o As atribuições da Corte de Apelação e das Câmaras são as definidas na legislação vi gente distribuídos os processos alternada e obrigatoriamente a cada câmara na esfera das suas atribuições criminal cível e de agravos Parágrafo único Os feitos serão processados e julgados de acordo com a legislação vigente apli cado aos julgamentos criminais o disposto no art 1169 e parágrafos do decreto no 16752 de 31 de dezembro de 1924 sendo sempre julgados em sessão secreta os recursos criminais do Ministé rio Público nos processos de crimes inafiançáveis de réu solto Por esse mesmo decreto criase a Ordem dos Advogados Brasilei ros com o objetivo principal de disciplinar e selecionar os advogados Art 17 Fica criada a Ordem dos Advogados Bra sileiros órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros com a colaboração dos Institutos dos Estados e aprovados pelo Go verno 12 O Código Eleitoral de 1932 Para a Nação como um todo e para o seu futuro o mais importante nesse período foi a promulgação do Código Eleitoral de 1932 pelo Decreto no 21076 pelo qual se instituiu a Justiça Eleitoral Poucos meses depois foram instalados o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais Mas o que mais interessava à época e mesmo hoje em dia se não fosse fato é que o Decreto instituiu o voto secreto e possibilitou o voto feminino629 Jairo Nicolau descreve o sistema adotado para a instituição do sigilo de voto O sigilo de voto foi aperfeiçoado com duas medidas A primeira era a obrigatoriedade do uso de sobrecarta envelope oficial no qual os eleitores deveriam inserir a cédula eleitoral Assim evitavase a prática comum na Primeira República de os partidos utilizarem envelopes de cores tamanhos e formatos diferentes para controlar o voto dos eleitores A segunda medida foi a introdução de um lugar indevassável cuja porta ou cortina deviam estar fechadas onde o eleitor pudesse colocar a cédula na sobrecarta oficial630 Instituiu também o voto a partir dos dezoito anos e a repre sentação classista nos órgãos legislativos que discutiremos mais adiante Outro aspecto inovador do Código Eleitoral foi a exigência de registro prévio dos candidatos antes do pleito Partidos aliança de partidos ou grupos de pelo menos cem eleitores tinham que registrar no Tribunal Regional Eleitoral a lista de candidatos pelo menos cinco dias antes da eleição O Código permitiu que o alistamento fosse feito de duas maneiras por iniciativa do cidadão como já acontecia na República Velha ou exofficio Nesse caso os chefes das repartições públicas e empresas eram obrigados a inscrever seus subordinados631 2 A Constituição de 1934 O quanto foi possível Vargas governou provisoriamente evitan do convocar uma Constituinte Em 1932 por terem perdido a hegemo 629 O Brasil foi o segundo país da América Latina a dar direito de voto às mulheres o primeiro foi o Equador em 1929 A Argentina só abriu esta possibilidade de cidadania em 1947 no mesmo ano a Venezuela o México em 1953 E mesmo países considerados como centros de democracia e modernidade demoraram vergonhosamente mais a conceder à metade de sua população um direito básico A França só o fez em 1944 a Itália e o Japão em 1946 a Suíça em 1971 e Portugal em 1974 630 NICOLAU Jairo Op cit p 38 e ss 631 Ibidem p 38 nia política e sob a desculpa de uma legalidade e da necessidade de uma Constituição o estado de São Paulo iniciou uma guerra civil contra o governo federal chamada Revolta Constitucionalista de 1932 Em 5 de abril de 1933 foi convocada uma Assembleia Constituinte sendo as eleições baseadas no novo código eleitoral realizadas no mês seguinte Em novembro do mesmo ano a Assembleia foi instalada e os trabalhos se iniciaram A composição da Assembleia Constituinte de 1933 representou o ressurgimento das antigas oligarquias estaduais mas ao lado destas estavam também os representantes classistas eleitos pelos sindicatos profissionais Os sindicatos patronais e de empregados após o Có digo Eleitoral de 1932 elegiam deputados que teriam as mesmas prerrogativas dos demais parlamentares No caso específico da Assembleia Constituinte de 1933 ficou estipulado pelo Decreto no 22653 de abril de 1933 que seriam quarenta deputados constituintes classistas vinte representantes de empregadores e vinte de empregados Estes somente seriam eleitos por sindicatos reconhecidos pelo governo ou seja aqueles cujas características estivessem afinadas com o ideal do governo de Vargas A eleição foi feita de forma centralizada por meio de delegados previamente escolhidos pelos sindicatos632 O Decreto indica Art 1o Tomarão parte na Assembléia Constituin te com os mesmos direitos e regalias que compe tirem aos demais do seus membros quarenta re presentantes de associações profissionais tocan do vinte aos empregados e vinte aos empregado res nestes incluídos três por parte das profissões liberais e naqueles dois por parte dos funcioná rios públicos Art 2o Os representantes das associações profis sionais de que trata o artigo anterior respeitadas as condições de capacidade estabelecidas pela legislação eleitoral em vigor serão escolhidos por eleição que se realizará nesta Capital em data 632 Para Pontes de Miranda ainda era muito cedo para tentar uma representatividade como esta Ele propunha a constituição de uma câmara sindical em paralelo a outra de representação clássica advogando uma solução intermediária entre a liberal clássica e a fascista LIMONGI Dante Braz O projeto político de Pontes de Miranda Rio de Janeiro Renovar 1998 p 121 e ss hora e local previamente anunciados e sob a presidência do Ministro do Trabalho Indústria e Comércio de cujas deliberações poderá haver recurso interposto pelos interessados para o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral no prazo máximo de cinco dias da data da apuração Art 3o Só terão direito de voto na eleição deter minada no art 1o os sindicatos que houverem si do reconhecidos pelo Ministério do Trabalho Indústria e Comércio até o dia 20 de maio de 1933 e as associações de profissões liberais e de funcionários públicos que estiverem organizadas legalmente até a mesma data Art 6o Os sindicatos reconhecidos de acordo com a legislação em vigor e as associações legais das profissões liberais e dos funcionários públicos elegerão em sua sede até o dia 30 de maio de 1933 à razão de um por sindicato ou associação os delegados que deverão escolher como pres crevem os artigos anteriores os respectivos representantes na Assembléia Constituinte 21 Características Gerais do Estado Brasileiro A nova Constituição foi publicada no Diário Oficial em 16 de julho de 1934 Nela estavam preservados o federalismo o presidencialismo e o regime representativo Art 1o A Nação brasileira constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil mantém como forma de governo sob o regime representativo a República Federativa proclamada em 15 de novembro de 1889 Art 12 A União não intervirá em negócios pe culiares aos Estados salvo I para manter a integridade nacional II para repelir invasão estrangeira ou de um Estado em outro III para pôr termo à guerra civil IV para garantir o livre exercício de qualquer dos poderes públicos estaduais V para assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas letras a a h do art 7o no I e a execução das leis federais VI para reorganizar as finanças do Estado que sem motivo de força maior suspender por mais de dois anos consecutivos o serviço da sua dívida fundada VII para a execução de ordens e decisões dos juízes e tribunais federais A autonomia estadual entretanto foi ferida de morte por essa mesma Constituição que a consagrou visto que nas Disposições Tran sitórias e finais há a possibilidade de permanecer a intervenção da União nos Estados mesmo após a Constituição desde que o Gover nador não seja confirmado pelo Presidente da República Art 176 O mandato dos atuais governadores dos Estados uma vez confirmado pelo Presidente da República dentro de trinta dias da data desta Constituição se entende prorrogado para o pri meiro período de governo a ser fixado nas Cons tituições estaduais Esse período se contará da data desta Constituição não podendo em caso al gum exceder o aqui fixado ao Presidente da República Parágrafo único O Presidente da República de cretará a intervenção nos Estados cujos gover nadores não tiveram o seu mandato confirmado A intervenção durará até a posse dos governa dores eleitos que terminarão o primeiro período de governo fixado nas Constituições estaduais 22 A Competência para a Elaboração de Legislação A Constituição de 1891 com relação a leis de Processo Penal e Ci vil descentralizou totalmente a elaboração desses instrumentos Cada estado poderia ter seus próprios códigos de processo entretanto nem todos prepararam suas leis permaneceram cumprindo os Códigos de Processo do Império A Constituição de 1934 embora reconhecesse o federalismo bus cou não exagerar no caso da elaboração de legislação visto que não havia dado certo a tentativa anterior Dessa forma somente a União poderia legislar conforme indica o artigo 5o Art 5o Compete privativamente à União XIX legislar sobre a direito penal comercial civil aéreo e proces sual registros públicos e juntas comerciais b divisão judiciária da União do Distrito Federal e dos Territórios e organização dos juízos e tribu nais respectivos Nas Disposições Transitórias estava indicado que seriam for madas comissões para a elaboração dessa legislação Art 11 O Governo uma vez promulgada esta Constituição nomeará uma comissão de três ju ristas sendo dois ministros da Corte Suprema e um advogado para ouvidas as congregações das faculdades de Direito as cortes de apelação dos Estados e os institutos de advogados organizar dentro em três meses um projeto de Código de Processo Civil e Comercial e outra para elaborar um projeto de Código do Processo Penal 1o O Poder Legislativo deverá uma vez apre sentados esses projetos discutilos e votálos imediatamente 2o Enquanto não forem decretados esses có digos continuarão em vigor nos respectivos ter ritórios os dos Estados Aos estados restava competência para legislar complementar mente sem ferir alguns princípios Art 7o Compete privativamente aos Estados I decretar a Constituição e as leis por que se devam reger respeitados os seguintes princípios a forma republicana representativa b independência e coordenação de poderes c temporariedade das funções eletivas limitada aos mesmos prazos dos cargos federais corres pondentes e proibida a reeleição de governa dores e prefeitos para o período imediato d autonomia de municípios e garantias do Poder Judiciário e do Ministério Público locais f prestação de contas da administração g possibilidade de reforma constitucional e competência do Poder Legislativo para decre tála h representação das profissões II prover a expensas próprias às necessidades da sua administração devendo porém a União prestar socorros ao Estado que em caso de ca lamidade pública os solicitar III elaborar leis supletivas ou complementares da legislação federal nos termos do art 5o 3o Parágrafo único Podem os Estados mediante acordo com o Governo da União incumbir funcio nários federais de executar leis e serviços esta duais e atos ou decisões das suas autoridades 23 Municípios Os municípios deveriam ter resguardada a sua autonomia isto é reforçado pelo artigo 13 que traz também uma contradição a esse princípio de autonomia visto que ao mesmo tempo em que a eletividade de prefeitos municipais fica resguardada esta não é para todos os municípios os prefeitos de Capitais e Estâncias Hidrominerais podem ser nomeados Ainda sobre a questão dos municípios o parágrafo quarto do artigo 13 indica sem maiores proteções à autonomia municipal que a intervenção do Estado pode ocorrer no caso de não pagamento das prefeituras das dívidas para com os estados Art 13 Os municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse e especialmente I a eletividade do prefeito e dos vereadores da Câmara Municipal podendo aquele ser eleito por esta II a decretação dos seus impostos e taxas e a arrecadação e aplicação das suas rendas III a organização dos serviços de sua com petência 1o O prefeito poderá ser de nomeação do go verno do Estado no município da Capital e nas estâncias hidrominerais 3o É facultado ao Estado a criação de um órgão de assistência técnica à administração municipal e fiscalização das suas finanças 4o Também lhe é permitido intervir nos muni cípios a fim de lhes regularizar as finanças quando se verificar impontualidade nos serviços de empréstimos garantidos pelo Estado ou falta de pagamento da sua dívida fundada por dois anos consecutivos observadas naquilo em que forem aplicáveis as normas do art 12 24 Poder Executivo Federal No âmbito federal o Poder Executivo apresenta uma novidade em comparação a Constituição de 1891 e a maioria das subsequentes não há vicepresidência Art 51 O Poder Executivo é exercido pelo Pre sidente da República A escolha do Presidente da República seria feita conforme consagra o parágrafo 1o do artigo 51 por sufrágio direto 1o A eleição presidencial farseá em todo o território da República por sufrágio universal di reto secreto e maioria de votos cento e vinte dias antes do término do quadriênio ou sessenta dias depois de aberta a vaga se esta ocorrer dentro dos dois primeiros anos Entretanto a ingerência pessoal de Vargas e daqueles que esta vam ao seu lado é evidente nos trabalhos da Assembleia O diário do presidente mostra a tranquilidade com que ele lida com as manobras políticas para permanecer no poder Desde o início dos trabalhos constituintes ele sabia que sem pressa não iria deixar a presidência Ele afirma em 21 de novembro de 1933 Continuam na Câmara as démarches para elegerme presidente Aconselho a não se apres sarem 633 E assim o foi Vargas permaneceria no poder eleito pela Assembleia conforme afirma o artigo primeiro das Disposições Transitórias da Constituição de 1934 Art 1o Promulgada esta Constituição a Assem bléia Nacional Constituinte elegerá no dia ime diato o Presidente da República para o primeiro quadriênio constitucional 1o Essa eleição farseá por escrutínio secreto e será em primeira votação por maioria absoluta de votos e se nenhum dos votados a obtiver por maioria relativa no segundo turno 2o Para essa eleição não haverá incompati bilidades 3o O Presidente eleito prestará compromisso perante a Assembléia dentro de quinze dias da eleição e exercerá o mandato até 3 de maio de 1938 Para tudo há justificativa a qualidade dessa pode ser discutível mas ela existe Nesse caso os Constituintes explicaram o fato de terem sido os primeiros a descumprir a constituição que eles mesmos elaboraram afirmando ser melhor manter Vargas porque era conhecido A Assembléia Nacional Constituinte sufragando o nome do Sr Getúlio Vargas para o exercício da suprema magistratura da República no primeiro período presidencial não fez mais do que obedecer à lógica A prática de quaisquer instituições políticas mesmo quando elaboradas com a preocupação de tornar seu funcionamento 633 VARGAS Getúlio Diário São Paulo Siciliano Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 1995 p 248 v 1 o mais independente possível do fator pessoal representado pela mentalidade e pelo caráter dos estadistas colocados nos postos de suprema direção fica sempre adstrita a esses elementos imponderáveis que decorrem da personalidade dos homens de governo 634 25 Poder Legislativo Federal O Legislativo mantinhase dividido em Câmara dos Deputados e Senado no caso da Câmara estaria estabelecida a continuidade da re presentação classista Art 23 A Câmara dos Deputados compõese de representantes do povo eleitos mediante sistema proporcional e sufrágio universal igual e direto e de representantes eleitos pelas organizações profissionais na forma que a lei indicar 1o O número de Deputados será fixado por lei os do povo proporcionalmente à população de cada Estado e do Distrito Federal não podendo exceder de um por 150 mil habitantes até o má ximo de vinte e deste limite para cima de um por 250 mil habitantes os das profissões em total equivalente a um quinto da representação popu lar Os Territórios elegerão dois Deputados 3o Os Deputados das profissões serão eleitos na forma da lei ordinária por sufrágio indireto das associações profissionais compreendidas para esse efeito com os grupos afins respectivos nas quatro divisões seguintes lavoura e pecuária indústria comércio e transportes profissões libe rais e funcionários públicos 4o O total dos Deputados das três primeiras ca tegorias será no mínimo de seis sétimos da re presentação profissional distribuídos igualmente entre elas dividindose cada uma em círculos Flávia Lages de Castro 634 Diário Oficial da União de 17071934 apud CAMPANHOLE Adriano CAMPANHOLE Hilton Lobo Constituições do Brasil 6 ed São Paulo Atlas 1983 p 562 correspondentes ao número de Deputados que lhe caiba dividido por dois a fim de garantir a re presentação igual de empregados e de emprega dores O número de círculos da quarta categoria corresponderá ao dos seus Deputados Permanece como na Constituição de 1891 a imunidade parlamen tar chegando ao caso de mesmo com prisão em flagrante o presidente da Câmara ter que autorizar a formação de culpa mesmo para crimes comuns Art 31 Os Deputados são invioláveis por suas opiniões palavras e votos no exercício das fun ções do mandato Art 32 Os Deputados desde que tiverem recebido diploma até a expedição dos diplomas para a legislatura subseqüente não poderão ser processados criminalmente nem presos sem licença da Câmara salvo caso de flagrância em crime inafiançável Esta imunidade é extensiva ao suplente imediato do Deputado em exercício 1o A prisão em flagrante de crime inafiançável será logo comunicada ao Presidente da Câmara dos Deputados com a remessa do auto e dos depoimentos tomados para que ela resolva sobre a sua legitimidade de conveniência e autorize ou não a formação da culpa Ao Senado Federal é dado a incumbência de zelar pela Constitui ção e coordenar os Poderes Art 88 Ao Senado Federal nos termos dos arts 90 91 e 92 incumbe promover a coordenação dos poderes federais entre si manter a continuidade administrativa velar pela Constituição colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos da sua competência Art 89 O Senado Federal comporseá de dois representantes de cada Estado e do Distrito Federal eleitos mediante sufrágio universal igual e direto por oito anos dentre brasileiros natos alistados eleitores e maiores de 35 anos Nesse sentido caberia ao Senado não somente aprovar a nomeação de magistrados colaborar na feitura de leis mas também suspender leis declaradas inconstitucionais pelos tribunais Art 90 São atribuições privativas do Senado Federal a aprovar mediante voto secreto as nomeações de magistrados nos casos previstos na Cons tituição as dos ministros do Tribunal de Contas a do ProcuradorGeral da República bem como as designações dos chefes de missões diplomáticas no exterior b autorizar a intervenção federal nos Estados no caso do art 12 no III e os empréstimos externos dos Estados do Distrito Federal e dos municípios c iniciar os projetos de lei a que se refere o art 41 3o d suspender exceto nos casos de intervenção decretada a concentração de força federal nos Estados quando as necessidades de ordem pú blica não a justifiquem Art 91 Compete ao Senado Federal II examinar em confronto com as respectivas leis os regulamentos expedidos pelo Poder Exe cutivo e suspender a execução dos dispositivos ilegais III propor ao Poder Executivo mediante recla mação fundamentada dos interessados a revogação de atos das autoridades adminis trativas quando praticados contra a lei ou eivados de abuso de poder IV suspender a execução no todo ou em parte de qualquer lei ou ato deliberação ou regula mento quando hajam sido declarados inconstitu cionais pelo Poder Judiciário VII rever os projetos de código e de conso lidação de leis que devam ser aprovados em globo pela Câmara dos Deputados 26 Poder Judiciário A Constituição de 1934 estabeleceu como órgãos do Poder Ju diciário Art 63 São órgãos do Poder Judiciário a a Corte Suprema b os juízes e tribunais federais c os juízes e tribunais militares d os juízes e tribunais eleitorais Com garantias que resguardam a autonomia do judiciário Art 64 Salvas as restrições expressas na Cons tituição os juízes gozarão das garantias seguintes a vitaliciedade não podendo perder o cargo senão em virtude de sentença judiciária exo neração a pedido ou aposentadoria a qual será compulsória aos 75 anos de idade ou por motivo de invalidez comprovada e facultativa em razão de serviços públicos prestados por mais de trinta anos e definidos em lei b inamovibilidade salvo remoção a pedido por promoção aceita ou pelo voto de dois terços dos juízes efetivos do tribunal superior competente em virtude de interesse público c irredutibilidade de vencimentos os quais ficam todavia sujeitos aos impostos gerais Parágrafo único A vitaliciedade não se esten derá aos juízes criados por lei federal com funções limitadas ao preparo dos processos e à substituição de juízes julgadores Foi criada a Corte Suprema em substituição ao Supremo Tribunal Federal Art 73 A Corte Suprema com sede na Capital da República e jurisdição em todo o território nacional compõese de onze ministros Art 74 Os ministros da Corte Suprema serão nomeados pelo Presidente da República com aprovação do Senado Federal dentre brasileiros natos de notável saber jurídico e reputação ilibada alistados eleitores não devendo ter salvo os magistrados menos de 35 nem mais de 65 anos de idade Essa Corte seria responsável por uma das grandes inovações da Constituição de 1934 a ação direta de inconstitucionalidade Art 79 É criado um tribunal cuja denominação e organização a lei estabelecerá composto de juízes nomeados pelo Presidente da República na forma e com os requisitos determinados no art 74 Parágrafo único Competirá a esse tribunal nos termos que a lei estabelecer julgar privativa e definitivamente salvo recurso voluntário para a Corte Suprema nas espécies que envolverem matéria constitucional Art 96 Quando a Corte Suprema declarar in constitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental o ProcuradorGeral da República comunicará a decisão ao Senado Federal para os fins do art 91 no IV e bem assim à autoridade legislativa ou executiva de que tenha emanado a lei ou o ato Mas esta não era uma atribuição exclusiva da Corte Suprema O controle de constitucionalidade poderia também ser exercido pelo Presidente da República Art 45 Quando o Presidente da República julgar um projeto de lei no todo ou em parte inconstitucional ou contrário aos interesses na cionais o vetará total ou parcialmente dentro de dez dias úteis a contar daquele em que o receber devolvendo nesse prazo e com os motivos do veto o projeto ou a parte vetada à Câmara dos Deputados O Ministério Público foi organizado e seus membros pela Carta de 34 obteriam o cargo por meio de concurso público Art 95 O Ministério Público será organizado na União no Distrito Federal e nos Territórios por lei federal e nos Estados pelas leis locais 3o Os membros do Ministério Público criados por lei federal e que sirvam nos juízos comuns serão nomeados mediante concurso e só perde rão os cargos nos termos da lei por sentença judiciária ou processo administrativo no qual lhes será assegurada ampla defesa A Justiça Eleitoral ficou estabelecida no artigo 82 Art 82 A Justiça Eleitoral terá por órgãos o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral na Capital da República um Tribunal Regional na capital de cada Estado na do Território do Acre e no Distrito Federal e juízes singulares nas sedes e com as atribuições que a lei designar além das juntas especiais admitidas no art 83 3o 27 Conselhos Técnicos A Era Vargas é o momento na história do Brasil em que o Corpora tivismo toma forma e fôlego Por essa ideologia que será explicada mais amiúde na última parte deste capítulo as questões importantes deve riam ser tratadas por técnicos afastados ao menos teoricamente de questões políticas Nesse sentido a Constituição de 1934 cria os Conselhos Técnicos Art 103 Cada ministério será assistido por um ou mais conselhos técnicos coordenados segun do a natureza dos seus trabalhos em conselhos gerais como órgãos consultivos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal 1o A lei ordinária regulará a composição o fun cionamento e a competência dos conselhos técnicos e dos conselhos gerais 2o Metade pelo menos de cada conselho será composta de pessoas especializadas estranhas aos quadros do funcionalismo do respectivo ministério 3o Os membros dos conselhos técnicos não per ceberão vencimentos pelo desempenho do cargo podendo porém vencer uma diária pelas ses sões a que comparecerem 4o É vedado a qualquer ministro tomar delibe ração em matéria da sua competência exclusiva contra o parecer unânime do respectivo con selho 28 O Voto e o Sistema Eleitoral A Constituição confirmou o Código Eleitoral de 1932 possibili tando o voto para maiores de 18 anos de ambos os sexos excluindo os analfabetos as praças os mendigos os que estivessem afastados de seus direitos políticos O documento indica ainda a obrigatoriedade do alistamento para todos os maiores de 18 anos do sexo masculino mas estende essa obrigatoriedade somente às mulheres que exercessem funções públicas remuneradas Art 108 São eleitores os brasileiros de um ou de outro sexo maiores de 18 anos que se alistarem na forma da lei Parágrafo único Não se podem alistar eleitores a os que não saibam ler e escrever b as praças de prêt salvo os sargentos do Exér cito e da Armada e das forças auxiliares do Exérci to bem como os alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial c os mendigos d os que estiverem temporária ou definitivamen te privados dos direitos políticos Art 109 O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres quando estas exerçam função pública remunerada sob as sanções e salvas às exceções que a lei de terminar 29 Garantias Individuais O artigo 113 da Constituição de 1934 descreve Direitos e Garantias Individuais Entre os pontos que merecem destaque estão a manu tenção do habeas corpus a proibição de foro privilegiado o mandado de segurança e com mais interesse em termos de garantias individuais em um país de pessoas sem condições financeiras estão os incisos 24 e 32 que iniciam ao menos em tese um caminho para a igualdade de fato na justiça que ainda não foi mesmo hoje totalmente coroada por Defensorias Públicas em plena capacidade em todos os estados no sentido de gratuidade635 Art 113 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabili dade dos direitos concernentes à liberdade à subsistência à segurança individual e à proprie dade nos termos seguintes 23 Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade por ilegalidade ou abuso de poder Nas transgressões disciplinares não cabe o habeas corpus 24 A lei assegurará aos acusados ampla defesa com os meios e recursos essenciais a esta 25 Não haverá foro privilegiado nem tribunais de exceção admitemse porém juízos especiais em razão da natureza das causas 26 Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente em virtude de lei anterior ao fato e na forma por ela pres crita 27 A lei penal só retroagirá quando beneficiar o réu 635 Nesse mesmo artigo há o inciso 36 que toca profundamente a autora deste livro já que afirma que Nenhum imposto gravará diretamente a profissão de escritor jornalista ou professor 28 Nenhuma pena passará da pessoa do delin qüente 29 Não haverá pena de banimento morte con fisco ou de caráter perpétuo ressalvadas quanto à pena de morte as disposições da legislação militar em tempo de guerra com país estran geiro 32 A União e os Estados concederão aos neces sitados assistência judiciária criando para esse efeito órgãos especiais e assegurando a isenção de emolumentos custas taxas e selos 33 Darseá mandado de segurança para a de fesa de direito certo e incontestável ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucio nal ou ilegal de qualquer autoridade O processo será o mesmo do habeas corpus devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público in teressada O mandado não prejudica as ações petitórias competentes 210 Trabalho Um dos principais motivos da queda da República Velha foi a mudança de parte dos trabalhadores brasileiros que tornandose ope rários urbanos exigiam muito mais que os rurais A Constituição de 1934 coroou as leis trabalhistas já existentes no sentido de darlhes força de lei constitucional mas apesar de representar um grande avanço não é possível deixar de notar que os trabalhadores rurais ainda a maioria do país não obtiveram nada apenas uma promessa constitucional no parágrafo 4o Art 121 A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho na cidade e nos campos tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País 1o A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade sexo nacionalidade ou estado civil b saláriomínimo capaz de satisfazer conforme as condições de cada região às necessidades normais do trabalhador c trabalho diário não excedente de oito horas reduzíveis mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei d proibição de trabalho a menores de 14 anos de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres a menores de 18 anos e a mulheres e repouso hebdomadário de preferência aos domingos f férias anuais remuneradas g indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa h assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante assegurado a esta descanso antes e depois do parto sem prejuízo do salário e do emprego e instituição de previdência mediante contribuição igual da União do empregador e do empregado a favor da velhice da invalidez da maternidade e nos casos de acidentes do traba lho ou de morte i regulamentação do exercício de todas as profissões j reconhecimento das convenções coletivas de trabalho 2o Para o efeito deste artigo não há distinção entre o trabalho manual e o trabalho intelectual ou técnico nem entre os profissionais respectivos 3o Os serviços de amparo à maternidade e à in fância os referentes ao lar e ao trabalho feminino assim como a fiscalização e a orientação res pectivas serão incumbidos de preferência a mulheres habilitadas 4o O trabalho agrícola será objeto de regula mentação especial em que se atenderá quanto possível ao disposto neste artigo Procurarseá fixar o homem no campo cuidar da sua educação rural e assegurar ao trabalhador nacional a preferência na colonização e aproveitamento das terras públicas 211 A Justiça do Trabalho Desde 1932 havia Comissões Mistas de Conciliação e Juntas de Conciliação de Julgamento que serão objeto de análise no último pon to deste capítulo que tinham por objetivo principal evitar os conflitos considerados extremamente danosos pelos políticos da época A Constituição de 1934 criou algo como um arremedo de outro nome das Juntas de Conciliação e chamou de Justiça do Trabalho Nas palavras de Rosalina Corrêa de Araújo esta justiça originariamente administrativa não foi contemplada com as prerrogativas e as garantias atribuídas aos órgãos do poder judiciário Na verdade apesar de lhe ter sido atribuída a denominação de justiça era uma préjustiça 636 Sequer estava a justiça do trabalho no capítulo do judiciário O método a ser utilizado por esta era jurisdicional mas nada mais tinha de justiça de fato E com isso apesar de legislar sobre o trabalho os legisladores tiraram do judiciário a competência para julgar casos acerca do que eles chamavam à época de legislação social Art 122 Para dirimir questões entre emprega dores e empregados regidas pela legislação so cial fica instituída a Justiça do Trabalho à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I Parágrafo único A constituição dos Tribunais do Trabalho e das Comissões de Conciliação obede cerá sempre ao princípio da eleição de seus mem bros metade pelas associações representativas dos empregados e metade pelas dos emprega dores sendo o presidente de livre nomeação do Governo escolhido dentre pessoas de experiên cia e notória capacidade moral e intelectual 212 Nacionalismo O período entre guerras foi para muitos países inclusive o Brasil uma época de encontro O país se tornava cada vez mais nacionalista 636 ARAÚJO Rosalina Corrêa O Estado e o Poder Judiciário no Brasil Rio de Janeiro Lumen Juris 2000 p 239 e como no mundo daquela época muitas vezes radicalmente nacio nalista Tanto assim o foi que a política de imigrações na década de 30 sofreu restrições proibiuse o ensino de línguas estrangeiras e a con centração de não brasileiros em uma mesma região Preconizouse a estatização de empresas estrangeiras e nacionais e no caso da Constituição de 1934 proibiuse que estrangeiros admi nistrassem ou possuíssem órgãos da mídia companhias marítimas e até mesmo impediuse que estrangeiros exercessem funções de profissionais liberais no país Art 131 É vedada a propriedade de empresas jornalísticas políticas ou noticiosas a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros Estes e as pessoas jurídicas não podem ser acio nistas das sociedades anônimas proprietárias de tais empresas A responsabilidade principal e de orientação intelectual ou administrativa da im prensa política ou noticiosa só por brasileiros na tos pode ser exercida A lei orgânica de imprensa estabelecerá regras relativas ao trabalho dos re datores operários e demais empregados asse gurandolhes estabilidade férias e aposen tadoria Art 132 Os proprietários armadores e coman dantes de navios nacionais bem como os tripu lantes na proporção de dois terços pelo menos devem ser brasileiros natos reservandose também a estes a praticagem das barras portos rios e lagos Art 133 Excetuados quantos exerçam legitima mente profissões liberais na data da Consti tuição e os casos de reciprocidade internacional admitidos em lei somente poderão exercêlas os brasileiros natos e os naturalizados que tenham prestado serviço militar ao Brasil não sendo per mitida exceto aos brasileiros natos a revalidação de diplomas profissionais expedidos por insti tutos estrangeiros de ensino Art 136 As empresas concessionárias ou os contratantes sob qualquer título de serviços pú blicos federais estaduais ou municipais deverão a constituir as suas administrações com maioria de diretores brasileiros residentes no Brasil ou delegar poderes de gerência exclusivamente a brasileiros b conferir quando estrangeiras poderes de re presentação a brasileiros em maioria com facul dade de substabelecimento exclusivamente a nacionais 213 Educação A Constituição de 1824 como visto no capítulo sobre o Império afirmava sem explicações ou indicações de como se faria que o ensino primário era dever do Estado A Constituição seguinte a primeira da República sequer tocou no assunto Nesta na de 34 a educação é tratada pela primeira vez ao menos no papel como algo que exige responsabilidade e aplicação da União dos Estados e Municípios Essa bondade que não necessariamente se traduziu de imediato em uma efetiva democratização do ensino básico no país não podemos contar com isso hoje pode ser explicada pelo fato de o Brasil estar passando por mudanças que necessitavam de uma maior escolaridade da mão de obra Lavradores não precisam saber nada que a escola formal pode lhes dar para auferir lucros ao seu patrão operários necessitam de um pouco mais de escolaridade formal nem que seja para não estragar as máquinas Já no artigo 5o a União toma para si a responsabilidade de traçar as diretrizes da educação nacional Mais adiante no artigo 149 há a afirmação lapidar de que a educação é direito de todos e dever da família e dos poderes públicos Art 149 A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes pú blicos cumprindo a estes proporcionála a bra sileiros e a estrangeiros domiciliados no País de modo que possibilite eficiente fatores da vida moral e econômica da Nação e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana Mas a Constituição indica também a competência específica da União Art 150 Compete à União a fixar o plano nacional de educação com preensivo do ensino de todos os graus e ramos comuns e especializados e coordenar e fiscalizar a sua execução em todo o território do País b determinar as condições de reconhecimento oficial dos estabelecimentos de ensino secun dário e complementar deste e dos institutos de ensino superior exercendo sobre eles a neces sária fiscalização c organizar e manter nos Territórios sistemas educativos apropriados aos mesmos d manter no Distrito Federal ensino secundário e complementar deste superior e universitário e exercer ação supletiva onde se faça neces sária por deficiência de iniciativa ou de recursos e estimular a obra educativa em todo o País por meio de estudos inquéritos demonstrações e subvenções Parágrafo único O plano nacional de educação constante de lei federal nos termos dos arts 5o item XIV e 39 no 8 letras a e e só se poderá renovar em prazos determinados e obedecerá às seguintes normas a ensino primário integral gratuito e de fre qüência obrigatória extensivo a adultos b tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao primário a fim de o tornar mais acessível c liberdade de ensino em todos os graus e ra mos observadas as prescrições da legislação federal e da estadual d ensino nos estabelecimentos particulares ministrados no idioma pátrio salvo o de línguas estrangeiras e limitação da matrícula à capacidade didática do estabelecimento e seleção por meio de provas de inteligência e aproveitamento ou por proces sos objetivos apropriados à finalidade de curso Indicando também o que é primordial de onde sairiam os re cursos para aplicação plena desses indicativos constitucionais Art 156 A União e os municípios aplicarão nunca menos de dez por cento e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manu tenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos Parágrafo único Para a realização do ensino nas zonas rurais a União reservará no mínimo vinte por cento das quotas destinadas à educação no respectivo orçamento anual Art 157 A União os Estados e o Distrito Federal reservarão uma parte dos seus patrimônios territoriais para a formação dos respectivos fundos de educação 1o As sobras das dotações orçamentárias acrescidas das doações percentagens sobre o produto de vendas de terras públicas taxas especiais e outros recursos financeiros constitui rão na União nos Estados e nos municípios es ses fundos especiais que serão aplicados ex clusivamente em obras educativas determinadas em lei 2o Parte dos mesmos fundos se aplicará em auxílio a alunos necessitados mediante forne cimento gratuito de material escolar bolsas de estudo assistência alimentar dentária e médica e para vilegiaturas637 Essa responsabilidade é dividida com as empresas que na previ são constitucional ao menos deveriam cuidar para a diminuição do analfabetismo Art 139 Toda empresa industrial ou agrícola fora dos centros escolares e onde trabalharem mais de cinqüenta pessoas perfazendo estas e os 637 Vilegiaturas recreios ou férias seus filhos pelo menos dez analfabetos será obrigada a lhes proporcionar ensino primário gratuito 214 Assistência do Estado e Casamento O Estado passou a ter mais responsabilidades pela Constituição de 1934 O assistencialismo baseado na afirmação da valorização da família é visto em vários artigos que indicam desde a responsabilidade da União Estados e Municípios para com os desvalidos e famílias de prole numerosa até a gratuidade do casamento Art 138 Incumbe à União aos Estados e aos municípios nos termos das leis respectivas a assegurar amparo aos desvalidos criando serviços especializados e animando os serviços sociais cuja orientação procurarão coordenar b estimular a educação eugênica c amparar a maternidade e a infância d socorrer as famílias de prole numerosa e proteger a juventude contra toda exploração bem como contra o abandono físico moral e intelectual f adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a mortalidade e a mor bidade infantis e de higiene social que impeçam a propagação das doenças transmissíveis g cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais Art 141 É obrigatório em todo o território na cional o amparo à maternidade e à infância para o que a União os Estados e os municípios destinarão um por cento das respectivas rendas tributárias Art 144 A família constituída pelo casamento indissolúvel está sob a proteção especial do Es tado Parágrafo único A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação do casamento ha vendo sempre recurso ex officio com efeito suspensivo No caso do casamento destacase a imposição de prova de sani dade física e mental para a efetivação do mesmo a previsão de des quite e a igualdade no caso de impostos para a herança de filhos naturais e legítimos Art 145 A lei regulará a apresentação pelos nu bentes de prova de sanidade física e mental ten do em atenção as condições regionais do País Art 146 O casamento será civil e gratuita a sua celebração O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa cujo rito não con trarie a ordem pública ou os bons costumes pro duzirá todavia os mesmos efeitos que o casa mento civil desde que perante a autoridade civil na habilitação dos nubentes na verificação dos impedimentos e no processo da oposição sejam observadas as disposições de lei civil e seja ele inscrito no registro civil O registro será gratuito e obrigatório A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento Parágrafo único Será também gratuita a habili tação para o casamento inclusive os documentos necessários quando o requisitarem os juízes criminais ou de menores nos casos de sua competência em favor de pessoas necessitadas Art 147 O reconhecimento dos filhos naturais será isento de quaisquer selos ou emolumentos e a herança que lhes caiba ficará sujeita a impostos iguais aos que recaíam sobre a dos filhos legítimos 215 A Mudança da Capital Como nas outras Constituições permanece a indicação de transferência da capital da Nação para um ponto central do país Assim indica o artigo 4o das Disposições Transitórias Art 4o Será transferida a Capital da União para um ponto central do Brasil O Presidente da República logo que esta Constituição entrar em vigor nomeará uma comissão que sob instruções do Governo procederá a estudos de várias localidades adequadas à instalação da Capital Concluídos tais estudos serão presentes à Câmara dos Deputados que escolherá o local e tomará sem perda de tempo as providências necessárias à mudança Efetuada esta o atual Distrito Federal passará a constituir um Estado 3 A Constituição de 1937 e a Ditadura Estadonovista 31 Antecedentes Depois da Constituição de 1934 o movimento tenentista des provido de ideologia coerente se esfacelou em seu lugar surgiram ten dências paralelas àquelas que começavam a se apresentar antagônicas na Europa PósGuerra o fascismo e o comunismo No Brasil comunistas e fascistas tentaram tomar o poder entre os anos de 1935 e 1936 sem êxito e sem fôlego Mas sua presença e sua possível embora não provável ameaça serviram sobremaneira aos intentos de Getúlio Vargas Para combater os revoltosos e aproveitandose da existência não muito ameaçadora destes Vargas decretou Estado de Sítio Todos os movimentos dos comunistas eram monitorados por Vargas através de informantes mas muitos deles não foram evitados para que existisse a possibilidade de criar pânico através de uma ameaça comunista que de fato não existia Isso ocorria porque o mandato presidencial que havia sido dado a Getúlio Vargas pelos constituintes de 33 expiraria em 1937 e a cam panha presidencial já havia começado Em uma tranquilidade beirando o absurdo Vargas articulou a candidatura de seu sucessor ao mesmo tempo em que com o Chefe do EstadoMaior General Góis Monteiro e do Ministro da Guerra General Dutra montava um golpe para perma necer no poder O Congresso Nacional sentindo as manobras de Vargas impedeo de renovar o Estado de Sítio Para forçar a situação surge em um passe de mágica um documento que continha um plano supostamente comunista que tinha por objetivo o assassinato de personalidades a fim de tomar o poder Era o Plano Cohen Parte desse documento forjado chegou a ser divulgada na imprensa para que ficasse claro que o país estaria em perigo e que Vargas e somente ele seria capaz de salvar o país de ameaça tão nefasta O Plano Cohen foi forjado nas dependências do EstadoMaior e sua redação demonstra um cuidado muito especial em causar o maior pavor possível na população Eis alguns trechos 1 2 Além disso é necessário criar nos meios revolucionários os reflexos necessários para a violência útil e completa em oposição à violência inútil e insuficiente A violência deve ser pla nificada deixando de lado qualquer sentimen talismo não só favorável aparentemente ao ideal revolucionário como também à piedade comum isso significa que certos indivíduos por exemplo devem ser eliminados só pelo fato de serem contrários à nossa revolução Especialmente no que se refere às Forças Ar madas quartéis ou navios é necessário no plano de ação descer ao detalhe mínimo cada oficial suspeito à revolução deverá ter um homem encarregado de sua eliminação eliminação essa que será feita sob pena de morte do encarregado na hora aprazada XVI Diretrizes para a ação prática 2 Técnica da greve moderna A técnica da greve moderna é baseada nos seguintes princípios d Sua execução deverá ser levada a efeito com o máximo de violência e instantaneidade 3o O comitê dos incêndios O comitê dos incêndios tem como missão fazer propagar incêndios em ponto desencontrados da cidade em uma ação tecnicamente combinada e dirigida a fim de além de aumentar a confusão necessária ao movimento dividir o Corpo de Bombeiros e outros contingentes militares que os governos das cidades serão obrigados a utilizar para acudir aos focos de incêndios ateados Esse comitê que será de um por cidade ao máximo de dois por grande cidade terá os seus subcomitês em cada bairro subcomitês que terão perfei tamente articuladas as suas tropas de execução Essas tropas serão constituídas por um número bem restrito de homens e estes dispostos e resolutos e dotados de material próprio para agir com rapidez estopas líquidos incendiários granadas incendiárias e serão transportadas em automóveis rápidos O comitê central organizará o plano de incêndios tendo em conta a seguinte regra a em cada rua principal do bairro deverá ser ateado fogo a um prédio no mínimo b sempre que possível de preferência uma re partição pública federal estadual ou municipal existente em rua que não seja guardada por policial c na falta de qualquer destes prédios escolher qualquer edifício particular de preferência sem pre o maior e o mais importante 4 Ação das massas civis b nos bairros elegantes e plutocratas as mas sas deverão ser conduzidas aos saques e às de predações nada poupando para aumentar cada vez mais a sua excitação que deve ser mesmo conduzida a um sentido nitidamente sexual a fim de atraílas com facilidade convencidas de que todo aquele luxo que as rodeia prédios elegan tes carros de luxo mulheres etc constituem um insulto à sua sordidez e falta de conforto e que chegou a hora de tudo aquilo lhes pertencer sem que haja o fantasma do Estado para lhe tomar conta c as delegacias prisões xadrezes etc serão abertos e soltos todos os presos sem distinção de sua qualidade XVII Ação militar A cada batalhão do Exército deverá ser assinada uma missão a cumprir desde que a mesma uni dade vitoriosos os nossos esteja libertada sairá ao cumprimento dessa missão A missão mais comum será a de ataque às unidades onde ainda não conseguimos o controle de preferência sempre a mais próxima O conjunto de metralhadoras com a missão acima descrita constitui o que denominamos plano de fogo fixo O sistema para a realização é baseado no seguinte a o alcance das metralhadoras portáteis tipo policial e com precisão até seiscentos metros b desde que uma arma semelhante atire pelo eixo de uma rua toda essa rua estará barrada pelo fogo c tomase a carta cadastral da cidade onde se vai operar assinalase na mesma com um traço vermelho os edifícios e quartéis que querem bar rar verificase então em que pontos devem ser colocadas as armas para atirando segundo o eixo da rua ou das ruas barrar inteiramente a saída ou entrada do edifício dessa maneira ficam deter minadas as quadras nas quais se vão escolher os edifícios para a colocação das armas XVIII Os reféns No plano de violências deverão figurar como já foi dito atrás os homens a serem eliminados e o pessoal encarregado dessa missão Todavia tão importantes quanto esses serão os reféns que em caso de fracasso parcial servirão para colocar em xeque as autoridades Serão reféns os ministros de Estado presidente do Supremo Tribunal e os presidentes da Câmara e Senado bem como nas demais cidades duas ou três autoridades ou pessoas gradas A técnica para a colheita de reféns será a seguinte os raptos de verão ser executados em pleno dia nas próprias residências que serão invadidas por grupos de 3 a 5 homens dispostos e bem armados e munidos de narcóticos violentos clorofórmio éter em pas tas de algodão empapadas e serão transporta das para pontos secretos e inatingíveis com a absoluta segurança Em caso de fracasso pro ceder ao fuzilamento dos reféns No dia 10 de novembro de 1937 sob o argumento da necessidade de se colocar fim às agitações Vargas decretou o fechamento do Congresso e anunciou uma nova constituição A gravidade da situação está na consciência de todos os brasileiros Era necessário e urgente optar pela continuação deste estado de coisas ou pela continuação do Brasil Entre a existência nacional e a situação de caos de irresponsabili dade e desordem em que nos encontrávamos não podia haver meio termo ou contemporização Quando as competições políticas ameaçam degenerar em guerra civil é sinal que o regime constitucional perdeu o seu valor prático subsistindo apenas como abstração A tanto havia chegado o país A complicada máquina de que dispunha para governarse não funcionava Não existiam órgãos apropriados através dos quais pudesse exprimir os pronunciamentos da sua inteligência e os decretos da sua vontade Restauremos a Nação na sua autoridade e liberdade de ação na sua autoridade dandolhe os instrumentos de poder real e efetivo com que possa sobreporse às influências desagregado ras internas ou externas na sua liberdade abrin do o plenário do julgamento nacional sobre os meios e os fins do Governo e deixandoa construir livremente a sua história e o seu destino A Constituição já estava pronta tendo sido elaborada por Francisco Campos que viria a ser o Ministro da Justiça no Estado Novo nome dado à Ditadura de Vargas pelo menos desde o dia 7 de novembro Assim descreve Vargas em seu diário nesse dia Recebi o deputado João Neves os ministros do trabalho Fazenda Guerra e Exterior o sena dor Macedo Soares e por fim o dr Francisco Campos que trouxe já prontos o projeto da nova Constituição e a proclamação a ser lida redigida por ele de acordo com o esboço que fiz e as notas que lhe forneci 638 No início de dezembro todos os partidos são extintos por decreto Começava um período terrível na história política e legal do país Em uma ditadura a legalidade e a justiça são supérfluos Nas palavras de Afonso Arinos de Melo Franco O regime insta lado a 10 de novembro era por suas origens e seus fins incompatível com partidos políticos A imprensa dirigida a propaganda oficial do rádio a opinião ortodoxa dos magnatas do Estado Novo manifestavam se unânimes em atribuir às disputas partidárias uma porção de relevo nas desgraças nacionais639 Portanto decretouse o fim dos partidos O Presidente da República usando da atribuição que lhe confere o art 180 da Constituição de 1937 Considerando que ao promulgarse a Constitui ção em vigor se teve em vista além de outros objetivos instituir um regime de paz social e de ação política construtiva Considerando que o sistema eleitoral então vi gente inadequado às condições da vida nacional e baseado em artificiosas combinações de caráter jurídico e formal fomentava a proliferação de par tidos com o fito único e exclusivo de dar às can didaturas e cargos eletivos aparência de legi timidade Considerando que a multiplicidade de arregi mentações partidárias com objetivos meramente 638 VARGAS Getúlio Op cit p 82 v 2 639 FRANCO Afonso Arinos de Melo História e teoria dos partido políticos no Brasil 3 ed São Paulo AlfaÔmega 1980 p 74 eleitorais ao invés de atuar como fator de es clarecimento e disciplina da opinião serviu para criar uma atmosfera de excitação e desassossego permanentes nocivos à tranqüilidade pública e sem correspondência nos reais sentimentos do povo brasileiro Considerando além disso que os partidos polí ticos até então existentes não possuíam conteúdo programático nacional ou esposavam ideologias e doutrinas contrárias aos postulados do novo regime pretendendo a transformação radical da ordem social alterando a estrutura e ameaçando as tradições do povo brasileiro em desacordo com as circunstâncias reais da sociedade política e civil Considerando que o novo regime fundado em nome da Nação para atender às suas aspirações e necessidades deve estar em contato direto com o povo sobreposto às lutas partidárias de qual quer ordem independendo da consulta de agru pamentos partidos ou organizações ostensiva ou disfarçadamente destinados à conquista do poder público Decreta Art 1o Ficam dissolvidos nesta data todos os partidos políticos 1o São considerados partidos políticos para os efeitos desta lei todas as arregimentações par tidárias registradas nos extintos Tribunal Supe rior e Tribunais Regionais da Justiça Eleitoral as sim como as que embora não registradas em 10 de novembro do corrente ano já tivessem re querido o seu registro 2o São igualmente atingidas pela medida cons tante deste artigo as milícias cívicas e organi zações auxiliares dos partidos políticos sejam quais forem os seus fins e denominações Art 2o E vedado o uso de uniformes estandartes distintivos e outros símbolos dos partidos políti cos e organizações auxiliares compreendidos no art 1o Art 3o Fica proibida até a promulgação da lei eleitoral a organização de partidos políticos seja qual for a forma de que se revista a sua cons tituição ainda que de sociedades civis destina das ostensivamente a outros fins uma vez se verifique haver na organização o propósito pró ximo ou remoto de transformála em instrumento de propaganda de idéias políticas Art 4o Aos partidos políticos compreendidos no art 1o é permitido continuarem a existir como so ciedade civil para fins culturais beneficentes ou desportivos desde que o não façam com a mes ma denominação com que se registraram como partidos políticos Art 6o As contravenções a esta lei serão punidas com pena de prisão de dois a quatro meses e multa de cinco a dez contos de réis O julgamento será da competência do Tribunal de Segurança Nacional e o processo a ser organiza do no regimento interno do mesmo Tribunal seguirá o rito sumaríssimo 640 32 A Constituição de 1937 A instauração do Estado Novo e da caracterização de uma dita dura baseada em uma Constituição que não necessariamente foi cumprida apesar de dar meios supranecessários para a centralização do poder nas mãos de Vargas pode parecer estranho mas é justificável pela ideologia da época que fez com que até Pontes de Miranda em um primeiro momento tenha considerado o golpe e a Constituição co mo legítimos como uma retomada de poder por parte do presidente641 No Estado Novo construiuse o mito da nação e do povo buscando tornar o país uma nação integrada eliminando os entraves regionais Identificando nação e povo como um corpo unido ao ditador passava se a imagem de que finalmente o povo havia tomado o poder 640 O Tribunal de Segurança Nacional será analisado mais adiante 641 LIMONGI Dante Braz Op cit p 125 A Constituição de 1937 também chamada de Polaca por sua identificação com a Carta Polonesa de 1935 sofreu também influência da Constituição portuguesa de 1933 da italiana fascista Carta Del Lavoro e da Castilhista de 1891 Em uma visão geral dessa Constituição podemos afirmar que tem uma característica que se destaca Sua redação é extremamente direta chegando inclusive a unir vários princípios em um só artigo Podemos considerar o exemplo dos seguintes artigos Art 1o O Brasil é uma República O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bemestar da sua honra da sua independência e da sua prosperidade Art 8o A cada Estado caberá organizar os ser viços do seu peculiar interesse e custeálos com seus próprios recursos Parágrafo único O Estado que por três anos consecutivos não arrecadar receita suficiente à manutenção dos seus serviços será transformado em território até o restabelecimento de sua capacidade financeira Seu tamanho também é menor que a de 1934 e se seguirmos à risca suas próprias palavras foi uma Constituição provisória sempre não entrando em pleno vigor visto que pelo artigo 187 ela deveria ser aprovada em um plebiscito que jamais aconteceu 321 A Justificativa da Constituição Como uma Constituição imposta feita sob encomenda e outor gada no dia e através de um golpe de Estado esta teve a necessidade de um preâmbulo que não tem razão de ser em Constituições legítimas e democráticas elaboradas por Assembleia Constituinte Como que para eliminar o incômodo de impor algo que jamais deveria sêlo Vargas e os que estavam ao seu lado assim justificaram essa nova Constituição Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários que uma notória propaganda dema gógica procura desnaturar em luta de classes e da extremação de conflitos ideológicos ten dentes pelo seu desenvolvimento natural a resolverse em termos de violência colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil Atendendo ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista que se torna diaadia mais extensa e mais profunda exigindo remédios de caráter radical e permanente Atendendo a que sob as instituições anteriores não dispunha o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz da segurança e do bemestar do povo Com o apoio das Forças Armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas Resolve assegurar à Nação a sua unidade o respeito a sua honra e a sua independência e ao povo brasileiro sob um regime de paz política e social as condições necessárias à sua segurança ao seu bemestar e à sua prosperidade 322 Uma Constituição de Ditadura Todo Poder ao Executivo Federal Para a Constituição de 1937 embora houvesse a afirmação que o poder emanaria do povo este era representado exclusivamente pelo Presidente da República que é descrito como a autoridade suprema do Estado Há que se destacar também que nessa Constituição não há separação de Poderes Art 73 O Presidente da República autoridade suprema do Estado coordena a atividade dos órgãos representativos de grau superior dirige a política interna e externa promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do País Esse Presidente obviamente Getúlio Vargas manterseia no poder conforme o artigo 175 até que fosse realizado o plebiscito que nunca ocorreu Art 175 O primeiro período presidencial come çará na data desta Constituição O atual Presi dente da República tem renovado o seu mandato até a realização do plebiscito a que se refere o artigo 187 terminando o período presidencial fixado no art 80 se o resultado do plebiscito for favorável à Constituição O Executivo Federal interferia diretamente nos estados mediante escolha e nomeação de interventores Art 9o O Governo Federal intervirá nos Estados mediante a nomeação pelo Presidente da Repú blica de um interventor que assumirá no Estado as funções que pela sua Constituição competi rem ao Poder Executivo ou as que de acordo com as conveniências e necessidades de cada caso lhes forem atribuídas pelo Presidente da Re pública E pelas Disposições Transitórias essa intervenção iniciavase imediatamente Art 176 O mandato dos atuais governadores dos Estados uma vez confirmado pelo Presidente da República dentro de trinta dias da data desta Constituição se entende prorrogado para o pri meiro período de governo a ser fixado nas Cons tituições estaduais Esse período se contará da data desta Constituição não podendo em caso al gum exceder o aqui fixado ao Presidente da República Parágrafo único O Presidente da República de cretará a intervenção nos Estados cujos gover nadores não tiveram o seu mandato confirmado A intervenção durará até a posse dos governa dores eleitos que terminarão o primeiro período de governo fixado nas Constituições estaduais O Poder Legislativo também ficaria nas mãos do Presidente visto que em havendo Congresso este poderia autorizar o presidente a governar por decretoslei Art 12 O Presidente da República pode ser autorizado pelo Parlamento a expedir decretos lei mediante as condições e nos limites fixados pelo ato de autorização Art 13 O Presidente da República nos períodos de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos Deputados poderá se o exigirem as necessidades do Estado expedir decretoslei sobre as matérias de competência legislativa da União excetuadas as seguintes a modificações à Constituição b legislação eleitoral c orçamento d impostos e instituição de monopólios f moeda g empréstimos públicos h alienação e oneração de bens imóveis da União Parágrafo único Os decretoslei para serem ex pedidos dependem de parecer do Conselho de Economia Nacional nas matérias da sua com petência consultiva Entretanto levando em consideração o plebiscito que nunca acon teceu o Legislativo federal estadual e municipal durante a Dita dura Varguista jamais existiu porque assim indicava o artigo 178 das Disposições Transitórias da Constituição de 1937 Art 178 São dissolvidos nesta data a Câmara dos Deputados o Senado Federal as Assem bléias Legislativas dos Estados e as Câmaras municipais As eleições ao Parlamento Nacional serão marcadas pelo Presidente da República depois de realizado o plebiscito a que se refere o art 187 Mas caso tivesse existido seria interessante A Constituição pre via uma Câmara de Deputados mas não um Senado Este último seria substituído por um Conselho Federal composto por representantes do Estado escolhidos pelas Assembleias Legislativas Estaduais sob o veto do governador nomeado e mais dez pessoas indicadas pelo Presidente da República Art 50 O Conselho Federal compõese de re presentantes dos Estados e dez membros nomea dos pelo Presidente da República A duração do mandato é de seis anos Parágrafo único Cada Estado pela sua Assem bléia Legislativa elegerá um representante O governador do Estado terá o direito de vetar o nome escolhido pela Assembléia em caso de veto o nome vetado só se terá por escolhido definitivamente se confirmada a eleição por dois terços de votos da totalidade dos membros da Assembléia Art 55 Compete ainda ao Conselho Federal a aprovar nomeações de ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas dos representantes diplomáticos exceto os enviados em missão extraordinária Assim o Poder Legislativo seria composto pela Câmara pelo Con selho e para uma ingerência mais objetiva pelo próprio Presidente Art 38 O Poder Legislativo é exercido pelo Par lamento Nacional com a colaboração do Conse lho da Economia Nacional e do Presidente da República daquele mediante parecer nas maté rias da sua competência consultiva e deste pela iniciativa e sanção dos projetos de lei e promul gação dos decretoslei autorizados nesta Consti tuição 1o O Parlamento Nacional compõese de duas Câmaras a Câmara dos Deputados e o Conselho Federal Portanto no âmbito federal e estadual o controle estava nas mãos do Presidente Da mesma forma no município já que os prefeitos eram indicados pelos governadores nomeados pelo Presidente Art 27 O prefeito será de livre nomeação do go vernador do Estado 323 O Conselho da Economia Nacional Tendo por base o corporativismo642 sob inspiração do regime fascista italiano e da já citada Carta Del Lavoro a Constituição de 1937 criou o Conselho da Economia Nacional composto por representantes da produção indicados por associações profissionais e sindicatos reconhecidos com representação paritária de empregados sob a presidência de um ministro O Conselho tinha por função oferecer uma acessória técnica objetivando o desejo corporativista de colaboração das classes através da racionalização da economia e da promoção do desenvolvimento técnico Dessa forma a economia também teria interferência direta e constante do Estado Art 61 São atribuições do Conselho da Eco nomia Nacional a promover a organização corporativa da eco nomia nacional b estabelecer normas relativas à assistência prestada pelas associações sindicatos ou insti tutos c editar normas reguladoras dos contratos cole tivos de trabalho entre os sindicatos da mesma categoria da produção ou entre associações representativas de duas ou mais categorias d emitir parecer sobre todos os projetos de ini ciativa do Governo ou de qualquer das Câmaras que interessem diretamente à produção nacional e organizar por iniciativa própria ou proposta do Governo inquérito sobre as condições do tra balho da agricultura da indústria do comércio dos transportes e do crédito com o fim de 642 Conferir a última parte deste Capítulo incrementar coordenar e aperfeiçoar a produção nacional f preparar as bases para a fundação de institutos de pesquisa que atendendo à diversidade das condições econômicas geográficas e sociais do País tenham por objeto I racionalizar a organização e administração da agricultura e da indústria II estudar os problemas do crédito da distri buição e da venda e os relativos à organização do trabalho g emitir parecer sobre todas as questões rela tivas à organização e reconhecimento dos sin dicatos ou associações profissionais h propor ao Governo a criação de corporações de categorias 324 O Poder Judiciário O Supremo Tribunal Federal voltou a ter esse nome entretanto suas atribuições ficaram maculadas pela própria conjuntura de ditadura Do mesmo modo todo o judiciário brasileiro O poder do Presidente da República implicava inclusive na quase impossibilidade do Supremo Tribunal Federal com seus integrantes escolhidos pelo chefe da Nação julgar inconstitucionalidade de lei advinda deste Art 96 Só por maioria absoluta de votos da tota lidade dos seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade da lei ou de ato do Presidente da República Parágrafo único No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que ao juízo do Presidente da República seja necessária ao bem estar do povo à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta poderá o Presidente da República submetêla novamente ao exame do Parlamento se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras ficará sem efeito a decisão do Tribunal 325 Voto Um país sem partido com o poder concentrado de forma objetiva nas mãos de um presidente nunca eleito manteve na Constituição de 1937 as características anteriores para o eleitor Estas somente foram aplicadas nas eleições para vereadores mesmo assim com exceções Art 117 São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo maiores de dezoito anos que se alistarem na forma da lei Parágrafo único Não podem alistarse eleitores a os analfabetos b os militares em serviço ativo c os mendigos d os que estiverem privados temporária ou defi nitivamente dos direitos políticos 326 Os Direitos e Garantias Individuais Esse capítulo da Constituição de 1937 é muito interessante até pelo tanto que não foi cumprido e se o fosse o país teria nesse perío do mantido o Estado de Direito e não passado por uma Ditadura Art 122 A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade à segurança individual e à proprie dade nos termos seguintes 1 Todos são iguais perante a lei 2 Todos os brasileiros gozam do direito de livre circulação em todo o território nacional podendo fixarse em qualquer dos seus pontos aí adquirir imóveis e exercer livremente a sua atividade 3 Os cargos públicos são igualmente acessíveis a todos os brasileiros observadas as condições de capacidade prescritas nas leis e regulamentos 4 Todos indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto asso ciandose para esse fim e adquirindo bens observadas as disposições do direito comum as exigências da ordem pública e dos bons cos tumes 5 Os cemitérios terão caráter secular adminis trados pela autoridade municipal 6 A inviolabilidade do domicílio e de correspon dência salvas as exceções expressas em lei 7 O direito de representação ou petição perante as autoridades em defesa de direitos ou do interesse geral 8 A liberdade de escolha de profissão ou do gê nero de trabalho indústria ou comércio obser vadas as condições de capacidade e as restrições impostas pelo bem público nos termos da lei 9 A liberdade de associação desde que os seus fins não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes 10 Todos têm direito de reunirse pacificamente e sem armas As reuniões a céu aberto podem ser submetidas à formalidade de declaração poden do ser interditadas em caso de perigo imediato para a segurança pública 11 À exceção de flagrante delito a prisão não poderá efetuarse senão depois de pronúncia do indiciado salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade compe tente Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada senão pela autoridade com petente em virtude de lei na forma por ela regulada a instrução criminal será contraditória asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa 12 Nenhum brasileiro poderá ser extraditado por governo estrangeiro643 Nesse artigo referente a Garantias Individuais há os casos em que seriam aplicadas as penas de morte Se bem que em uma ditadura é mais simples desaparecer com a pessoa que processála Artigo 122 13 Não haverá penas corpóreas perpétuas As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova 643 A filha de um brasileiro Carlos Prestes ainda na barriga de sua mãe foi enviada a um campo de concentração nazista não se aplicam aos fatos anteriores Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra a lei poderá prescrever a pena de morte para os seguintes crimes a tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro b tentar com auxílio ou subsídio de Estado estrangeiro ou organização de caráter inter nacional contra a unidade da Nação procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania c tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional desde que para reprimilo se torne necessário proceder a operações de guerra d tentar com auxílio ou subsídio de Estado es trangeiro ou organização de caráter interna cional a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição e tentar subverter por meios violentos a ordem política e social com o fim de apoderarse do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social f o homicídio cometido por motivo fútil ou com extremos de perversidade E já não fossem suficientes esses motivos para aplicarse a pena de morte o governo ditatorial de Vargas acrescentou sem retirar ne nhum algumas situações a mais nas quais se poderia aplicar a pena capital Esse acréscimo foi efetivado pela Lei Institucional no 1 de 16 de maio de 1938 que incluía além dos constitucionalmente indicados mais os delitos f a insurreição armada contra os poderes do Estado assim considerada ainda que as armas se encontrem em depósito g praticar atos destinados a provocar a guerra civil se esta sobrevém em virtude deles h atentar contra a segurança do Estado prati cando devastação saque incêndio depredação ou quaisquer atos destinados a suscitar terror i atentar contra a vida a incolumidade ou a li berdade do Presidente da República O mesmo artigo 122 lembrando que intitulado de Direito e Garantias Individuais indicava o poder do Estado sobre a mídia Posteriormente Vargas criou o Departamento de Imprensa e Pro paganda DIP com o intuito de não somente censurar a imprensa como também guiar jornais rádios e apresentações de teatro no sentido de somente apresentarem fatos positivos do governo 15 Todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento oralmente por escrito impresso ou por imagens mediante as condições e nos limites prescritos em lei A lei pode prescrever a com o fim de garantir a paz a ordem e a segurança pública a censura prévia da imprensa do teatro do cinematógrafo da radiodifusão facultando à autoridade competente proibir a circulação a difusão ou a representação b medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes assim as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude c providências destinadas à proteção do interesse público bemestar do povo e segurança do Estado A imprensa regularseá por lei especial de acordo com os seguintes princípios a a imprensa exerce uma função de caráter público b nenhum jornal pode recusar a inserção de comunicados do Governo nas dimensões taxa das em lei c é assegurado a todo cidadão o direito de fazer inserir gratuitamente nos jornais que o infama rem ou injuriarem resposta defesa ou retificação d é proibido o anonimato e a responsabilidade se tornará efetiva por pena de prisão contra o diretor responsável e pena pecuniária aplicada à empresa f as máquinas caracteres e outros objetos tipo gráficos utilizados na impressão do jornal cons tituem garantia do pagamento da multa repa ração ou indenização e das despesas com o processo nas condenações pronunciadas por delito de imprensa excluídos os privilégios eventuais derivados do contrato de trabalho da empresa jornalística com os seus empregados A garantia poderá ser substituída por uma caução depositada no princípio de cada ano e arbitrada pela autoridade competente de acordo com a natureza a importância e a circulação do jornal O artigo seguinte sob o mesmo título coroa a excêntrica forma de dar garantias e direitos aos indivíduos Por este todos os direitos assegurados no artigo anterior estão condicionados ao bem público à paz e todas essas palavras que têm sentido obscuro quando pro feridas com intenções ainda menos claras Art 123 A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e direitos resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público as necessidades da defesa do bem estar da paz e da ordem coletiva bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição 327 Educação e Família Enquanto a Constituição anterior dava ao Estado a obrigação direta para com a educação esta indica ser a responsabilidade da família entrando o Estado como colaborador Mas no interesse do as sistencialismo do governo populista mantémse a obrigação do governo em colaborar com as famílias numerosas Art 124 A família constituída pelo casamento indissolúvel está sob a proteção especial do Es tado Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção dos seus encargos Art 125 A educação integral da prole é o pri meiro dever e o direito natural dos pais O Estado não será estranho a esse dever colaborando de maneira principal ou subsidiária para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular Art 127 A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado que tomará todas as medidas destinadas a assegurarlhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvi mento das suas faculdades O abandono moral intelectual ou físico da in fância e a juventude importará falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação e cria ao Estado o dever de provêlas de conforto e dos cuidados indispensáveis à sua preservação física e moral Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole Em termos de novidade no tocante à família está a igualdade dada a filhos legítimos e naturais mas sem indicar os meios pelos quais isso seria feito já que o Código Civil de 1916 em vigor não os tratava de maneira igual Art 126 Aos filhos naturais facilitandolhes o recolhimento a lei assegurará igualdade com os legítimos extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a estes incumbem aos pais São incluídos também em currículo obrigatório para escolas primárias a educação física o ensino chamado cívico e o de trabalho Esses elementos curriculares são apresentados também em todos os países de características fascistas Art 131 A educação física o ensino cívico e o de trabalhos normais serão obrigatórios em todas as escolas primárias normais e secundárias não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que satisfaça aquela exigência 328 Trabalho Foram mantidas as leis relativas ao trabalho Esse ponto não foi maculado pela ditadura mesmo porque esta se aproveitava da mani pulação das massas trabalhadoras urbanas para permanecer no poder Entretanto os sindicatos foram cada vez mais subordinados aos interesses e ao controle do Estado Depois de instaurado o Estado Novo e sua Constituição o trabalho de controle dos sindicatos chegou a seu auge com a instituição do Imposto Sindical um dia de trabalho por ano a ser cobrado compulsoriamente de todo trabalhador Esse imposto era recolhido pelo Ministério do Trabalho que o redistribuía conforme sua vontade ou seja quanto mais um sindicato era subserviente maior a quantia que recebia Art 138 A associação profissional ou sindical é livre Somente porém o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de re presentação legal dos que participarem da categoria de produção para que foi constituído e de defenderlhes os direitos perante o Estado e as outras associações profissionais estipular con tratos coletivos de trabalhos obrigatórios para todos os seus associados imporlhes contribui ções e exercer em relação a eles funções delegadas de poder público A Justiça do Trabalho também se manteve sob controle Não era considerada como parte do Judiciário era apenas como na Cons tituição de 34 uma junta de conciliação Art 139 Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados re guladas na legislação social é instituída a justiça do trabalho que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência ao recrutamento e às prerrogativas da justiça comum 33 O Código Penal de 1940 e o Código de Processo de 1941 Após a instalação do Estado Novo o Ministro da Justiça o autor da Constituição de 1937 Francisco Campos incumbiu Alcântara Machado de elaborar um projeto de Código Penal O que estava em uso era um Consolidação das Leis Penais elaborada em 1932 O Projeto definitivo foi entregue em abril de 1940 ao todo com 390 artigos mas não foi transformado em lei porque passou antes pela revisão de uma comissão que modificou muitos de seus pontos Assim o Código Penal de 1940 que foi sancionado pelo Decreto no 2848 de 7 de dezembro entrando em vigor no dia 1o de janeiro de 1942 acabou resultando de uma mistura entre o Projeto de Alcântara Machado e da Comissão644 Na análise dos doutrinadores atuais baseados na exposição de motivos do próprio texto o Código Penal de 1940 acabou por se apresentar como uma superposição do pensamento neoclássico e o positivismo E segundo Aníbal Bruno esse Código teria se filiado à corrente de política criminal Uma legislação que ao lado da concepção obje tiva do crime acolhe a sua concepção sintomá tica conduzindo ao dualismo culpabilidadepena perigosidade criminalmedida de segurança mas fazendo sentirse no Código um sopro salutar de realismo com consideração em mais de um ponto de personalidade do criminoso que não é abstração mas uma realidade naturalsocial645 A maior diferença em termos de dispositivos legais em se com parando esse Código ao do Império até a Consolidação de 1932 é a inexistência de crimes políticos indicados em seus artigos Isso ocorreu 644 Faziam parte dessa Comissão Vieira Braga Nelson Hungria Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra 645 BRUNO Aníbal Apud PIERANGELLI José Henrique Códigos penais do Brasil 2 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2001 p 81 porque desde 1935 esses atos considerados delituosos passaram a ter legislação própria Os grandes avanços ocorridos com o Código Penal de 1940 e o de Processo Penal podem causar estranheza por terem sido elaborados em uma época de ditadura entretanto como será analisado no próximo ponto deste capítulo eram dois países um legal e outro minimamente extralegal O Código de Processo Penal data de 1941 portanto tendo sido feito também no período ditatorial varguista Decreto no 3669 porém mesmo antes deste várias modificações importantes no processo fo ram feitas como por exemplo o Decreto no 167 de 5 de janeiro de 1938 que limitou a atuação do Tribunal do Júri a casos envolvendo crimes como o infanticídio induzimento ou auxílio ao suicídio duelo com morte latrocínio e homicídio646 A título de ilustração podemos ainda demonstrar com as palavras de Paula Bajer outras modificações importantes no Processo Penal efetivadas posteriormente a sua elaboração A lei no 5346 de 1967 terminou com a prisão preventiva obrigatória prevista no artigo 312 do Código de Processo para crimes aos quais era cominada pena de reclusão igual ou superior a dez anos Em 1973 a Lei Fleury assim chamada porque beneficiou o delegado Sérgio Paranhos Fleury permitindo que aguardasse julgamento em liberdade abrandou para todos as regras sobre a liberdade antes da sentença Finalmente em 1977 já em início de abertura mas ainda em plena ditadura a lei no 641677 criou muitas pos sibilidades de liberação de acusados ou suspei tos da prática de crime antes da sentença647 34 A Polícia a Justiça e Outras Instituições da Era Vargas O Estado Novo foi uma ditadura como toda ditadura que há e houve Um poder executivo com centralização absoluta um poder de subordinar cidadãos com a força das armas e de contingentes policiais e militares 646 O aborto que hoje também é julgado por Tribunal do Júri não foi indicado à época 647 BAJER Paula Processo penal e cidadania Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 p 41 Mas o Estado Novo não foi senão uma continuidade do desenrolar histórico que havia se iniciado com a tomada o poder em 1930 Censura é característica de que regimes ditatoriais Nos quinze anos de governo Vargas de 1930 a 1945 nunca houve um só dia que não houvesse a possibilidade palpável de censura648 Presos políticos Havia muitos nas cadeias mesmo antes de novembro de 37649 O que o início do Estado Novo possibilitou foi uma guinada mais forte e mais aberta para a centralização política administrativa econômica demonstrando com mais obviedade uma aproximação ideológica com o fascismo no que diz respeito ao culto ao líder e a tendência ao totalitarismo Dessa forma o Estado inaugurado pelos que fizeram a Revolução de 30 desde o início via no poder de polícia a face mais violenta e pública de um regime autoritário um caráter administrativo para a sociedade como um todo Assim esse instrumento não poderia ser utilizado dentro das limitações legais Esse embate entre legalidade e ilegalidade o fazer e o legislar sobre o que está já sendo feito foi uma constante nos quinze anos do Governo Vargas Era um conflito interminável entre polícia e Justiça Por isso este Estado procurava se sobrepor à lei para tornar efetivo o que ela na Justiça não pre vira para a boa ordem comum O direito porém tenderia a se realizar tanto quanto possível atra vés da lei e o conflito entre a polícia e a Justiça se operava porque a polícia precisava do arbítrio e a Justiça lançava normas Mas a Justiça é lenta e a polícia mobilíssima daí aquela precisar do auxílio desta650 648 A censura poderia acontecer inclusive por questões consideradas hoje fúteis O exemplo que será citado é de fevereiro de 1937 portanto anterior à instalação da ditadura estadonovista Diz o diário de Getúlio Vargas no dia 2 de fevereiro de 1937 O jogo de football entre argentinos e brasileiros em Buenos Aires transmitido por informantes exaltados deu lugar a algumas explosões inconvenientes entre elas uma edição do jornal A Nota muito agressiva à nação Argentina Embora apreendida a edição sempre circulam alguns números VAGAS Getúlio Op cit p 18 v 2 649 No dia 7 de junho de 1937 Vargas escreve em seu diário que foram soltos trezentos e tantos presos na qualidade de presos políticos para bem impressionar a opinião conforme desejava o novo ministro da justiça José Carlos Macedo Soares Na verdade tratavase de simples batedores de carteira e punguistas VARGAS Getúlio Op cit p 52 v 2 650 CANCELLI Elizabeth O mundo da violência a polícia da era Vargas Brasília Universidade de Brasília 1993 p 23 A extralegalidade e a ilegalidade andavam juntas ou no má ximo uma precedia imediatamente a outra Segundo Elizabeth Can celli era próprio do terror e da polícia a implementação de um estado dual com facetas em uma o Estado normativo estava representado pelas atividades do governo que transcorriam legalmente em outra representada pelo círculo de poder e pela polícia onde a lei não existia651 A mesma autora afirma com lógica que a Decadência da Escola Clássica e o crescimento da influência da Escola Positivista a Escola de Criminologia auxiliou e sustentou os atos policiais652 Através de seus três principais representantes Beccaria Betham e Von Feuerbach os clássicos postulavam que a condições socialmente determinadas condu zem ao comportamento desviado razão pela qual todo o indivíduo pode apresentar um compor tamento desviado b por isso não é o indivíduo ou o ator do crime o objeto das reflexões teóricas mas o fato c o interesse se dirige para a relação da so ciedade e do indivíduo através da ação depois da qual apareceu o comportamento desviado Ao contrário da Escola Clássica a Escola Positiva que indica que a o interesse se orienta para o ator ou para o indivíduo do crime e seu comportamento ao mesmo tempo que tenta explicar as causas deste comportamento b criminosos e não criminosos se diferenciam fundamentalmente Esta diferença consiste nas condições biológicoantropológicas c estes fatores biológicoantropológicos determi nam o comportamento individual Segundo o en 651 Ibidem p 27 652 Em certa medida em análise simplista podemos concordar com a autora acrescentando que mesmo hoje o discurso e a base ideológica do poder de polícia permanecem inal terados foque teórico esta determinação pode ser total ou parcial e mínima d por recursos aos métodos das ciências natu rais o exame dos indivíduos está orientado empí rica e positivamente enquanto a Escola Clássica está orientada filosoficamente653 Portanto era sobre o indivíduo que se devia agir repressivamente não sobre o crime propriamente dito A ação policial dirigiase para o sujeito do crime visto que não mais eram as manifestações criminosas de um indivíduo que incomodavam a sociedade mas aquele ser humano criminoso Somado a tudo isso se levarmos em conta que não era a essa época o Poder Judiciário ou a Sociedade Civil inexistente quem con trolava a polícia mas sim o Estado crimes independentemente de serem políticos ou comuns extremamente ofensivos à sociedade ou somente a um elemento próximo do Poder ou ainda simples casos de mendicância eram tratados com a mesma brutalidade e sem o amparo da lei Com as mesmas características existiam as prisões no Brasil Estas tinham por função não a ressocialização antes funcionavam como campos de segregação para a ação do regime e da polícia Nesses locais a lei não existia Mas a Justiça ainda estava pelo menos antes do advento da Carta Ditatorial de 1937 como um poder independente e até demais para o gosto dos poderosos que controlavam o Executivo no Brasil Para que essa independência não atrapalhasse o controle tão al mejado foi criado em 12 de setembro de 1936 o Tribunal de Segurança Nacional Esse Tribunal tinha por objetivo claro manter o governo no poder através dos atos policiais de terror preenchendo assim uma lacuna na estratégia totalitária de poder As sessões do Tribunal podiam ou não ser públicas dependia ex clusivamente da decisão deste mas mesmo sendo públicas somente o réu o seu advogado e outras pessoas que o presidente do Tribunal autorizasse poderiam entrar Depois de receber o inquérito o presidente devia remetêlo ao procurador e designar um juiz para o julgamento O réu tinha que se apresentar em 12 horas Caso o indiciado não estivesse sob custódia 653 Ibidem p 27 e ss uma simples nota pregada na sede do Tribunal era considerada suficiente Em 24 horas eram apresentadas as acusações formais ao acusado o julgamento e a sentença não demoravam mais que outras 24 horas Assim não havia garantia nenhuma para o réu ou seja não era garantida a sua presença nem tampouco a viabilidade da convocação de testemunhas O julgamento também seguia a mesma linha depois da apresentação de evidências acusação e defesa tinham 15 minutos cada uma o acusado não podia apresentar mais de duas testemunhas e cada uma tinha no máximo 5 minutos Não havia apelação ou recurso mas as roupas utilizadas pelos juízes e o aparato do Tribunal eram exibidos com toda pompa para impressionar qualquer um que ali entrasse E ali dez mil pessoas foram julgadas metade condenada654 4 O Movimento Operário Da Década de 20 à CLT Nossos avós costumam usar uma expressão um tanto ilógica e bastante ambígua para referirse as Leis Trabalhistas da Era Vargas eles dizem em meio a conversa que Vargas foi um grande homem que ele deu aos trabalhadores suas maiores conquistas trabalhistas Como alguém pode dar algo a alguém que foi conquistado por este mesmo alguém Como se conquistou aquilo que foi dado A Era Vargas foi incoerente nesse sentido e em muitos outros mas incoerência não significa incompetência Seus objetivos foram alcan çados no bom e no mau sentido Mas para que haja uma compreensão especificamente das leis trabalhistas da Era Vargas que culminam com a formulação da CLT Consolidação das Leis do Trabalho em 1943 Decreto no 5452 é necessário entender que a luta dos operários a busca de melhoria de vida por grande parte da população urbana iniciouse muito antes de Vargas chegar ao poder Na República Velha questões sociais aí incluídos os problemas entre capital e mão de obra eram consideradas casos de polícia não somente porque era com a violência policial que se tratava manifes tações e greves mas como e principalmente porque ideologicamente 654 As Condenações do Tribunal não atingiram apenas crimes políticos um farmacêutico de Jundiaí de nome Luiz Caetano foi condenado a seis meses de prisão e 2000000 de multa por ter vendido remédios a preços exorbitantes Ibidem p 107 não se compreendia ou não se desejava compreender que era possível legal e moral a luta do operariado por melhores condições de trabalho e vida655 A impossibilidade de luta pelos trabalhadores residia na ideologia do Liberalismo Clássico que propugnava que o Estado não deveria jamais intervir em assuntos privados assim um contrato de trabalho era assunto privado porque só interessava ao empregado e ao traba lhador No mesmo sentido o contrato seria a expressão de igualdade entre as partes não sendo concebido uma diferença de forças entre o capital e o trabalho Assim uma greve seria uma quebra unilateral de contrato que geraria desigualdade entre as partes Da mesma forma seria absurdo uma legislação especial do trabalho porque feriria a ortodoxia do Liberalismo Clássico que não concebe a interferência do Estado em assuntos privados nem para regulamentálos656 Essas premissas do Liberalismo foram defendidas a todo custo até que se tornou mais interessante descartála Mas mesmo nesse período em que não se aceitava a luta operária como algo cabível e democrático ela ocorreu Greves gerais pela jornada de oito horas paralisaram a produção nas pedreiras de São Paulo entre 1918 e 1919 os trabalhadores de oficinas ainda na cidade de São Paulo paralisaram suas atividades por quase três meses pela admissão de delegados sindicais nos locais de trabalho657 Os patrões não se defendiam apenas colocandose atrás da polícia eles que consideravam as greves como o mais espúrio dos meios que um trabalhador poderia usar para atingir seus objetivos muitas vezes faziam o Lockout ou como resposta às greves ou sem provocação dos empregados658 655 A violência com que eram tratadas as manifestações populares provocavam prisões feridos e mortos os sindicatos eram invadidos depredados e fechados militantes estrangeiros eram expulsos do país até por força da lei como as Leis Adolfo Gordo de 1907 e 1921 e mesmo os não estrangeiros eram deportados para os mais longínquos lugares do país 656 Se por um lado essa teoria atendia ao interesse dos patrões atendia também por motivos ideologicamente distintos aos interesses dos operários filiados à corrente anarquista 657 MUNAKATA Kazumi A legislação trabalhista no Brasil São Paulo Brasiliense 1981 p 18 658 Lockout fechamento de fábricas pelos patrões com o objetivo de forçar os trabalhadores a aceitarem determinações como redução do salário por exemplo Entretanto por causa das tão temidas agitações populares a mentalidade gradativamente foi mudando de um extremo a outro Da não intervenção do Estado na Economia para uma intervenção maciça porém em sentidos opostos para os dois lados em disputa Os empresários desejavam uma intervenção que eles consideravam técnica e os trabalhadores não anarquistas viam na intervenção do governo um caminho para alcançar seus objetivos Isso ocorreu principalmente após a I Guerra Mundial e da Revolu ção Russa que abriram caminho para a formação da Organização Internacional do Trabalho a OIT em 1919 que tinha por pressuposto básico não a defesa do trabalhador mas buscar soluções para que primeiramente não ocorresse em outros países o que havia acontecido na Rússia onde a miséria gerou uma Revolução Social sem prece dentes na história Em segundo lugar para buscar um equilíbrio internacional no comércio mundial porque já que era inevitável fazer leis trabalhistas para evitar o perigo vermelho deverseia atentar para que elas não fossem feitas somente em alguns países tornando a produção nestes mais cara e por isso prejudicandolhes o comércio e a competição internacional Assim se expressaram aqueles que fundaram a OIT no preâmbulo da constituição desse organismo Considerando que existem condições de tra balho que implicam para grande número de indivíduos em miséria e privações e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais e considerando que é urgente melhorar estas condições Considerando que a não adoção por qualquer nação dum regime de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios A partir de 1918 começase a ver no Brasil iniciativas do governo Federal no sentido de intervir ou ao menos regulamentar a questão do trabalho no país Nesse mesmo ano por exemplo foi criado o Departamento Nacional do Trabalho que resultou sem efeito porque a Constituição de 1891 consolidava o federalismo inclusive dando exclusividade aos estados para que estes legislassem sobre questões trabalhistas659 Ainda no ano de 1918 dando a clara indicação que a questão social deveria ser encaminhada como uma questão jurídica o Estado cria mesmo sem o aval da Constituição a Comissão de Legislação Social que tinha por objetivo elaborar sistematicamente uma legislação acerca do trabalho A atividade parlamentar de fato aumentou e o primeiro fruto desta foi o Decreto no 3724 de 1919 reformado em 1923 que tratava de acidentes de trabalho Os trâmites dessa Lei no Congresso são simbólicos no que diz respeito à ideologia liberal que ainda permanecia presente apesar de abalada pela necessidade criada pelo perigo vermelho Os patrões chegaram através do Centro Industrial do Brasil CIB a encomendar um estudo sobre acidentes de trabalho que concluiu entre outras coisas que se os acidentes ocorrem isto não se deve à negligência dos patrões mas ao risco profissio nal inerente a qualquer trabalho Em segundo lugar tratase de impedir a participação operária na fiscalização e controle dos acidentes A solução é a delegação dos problemas decorrentes de acidentes de trabalho às companhias segu radoras660 O decreto foi aprovado conforme queriam os patrões e mais com um cunho tecnicista que beirou a inutilidade caindo no mínimo no mau gosto os procedimentos legais em caso de acidente de trabalho continham uma insólita tabela de cálculo de indenizações que dispunham de um lado descrito a parte do corpo lesado e de outro a porcentagem correspondente em caso de sua incapacidade A morbidez e o tecnicismo impediram de ver o trabalhador acidentado como um ser humano tratandoo como uma peça de açougue No ano de 1923 houve a experiência com aposentaria tentada pelo governo em sua empresa ferroviária No mesmo ano com o objetivo de 659 Em 1926 essa questão foi resolvida quando da reforma da Constituição que no que se refere ao trabalho deu a competência de legislar exclusivamente ao Congresso Nacional 660 MUNAKATA Kazumi Op cit p 35 efetivar os compromissos do Tratado de Versalhes que partiam dos pressupostos do perigo vermelho citado anteriormente o governo criou o CNT Conselho Nacional do Trabalho que teoricamente seria um órgão técnico que por estudos científicos e objetivos buscaria dar respaldo aos legisladores na feitura de leis acerca do trabalho Entretanto a atuação desse órgão foi pífia Seu primeiro embate a questão das férias anuais objetivo de luta de muitos trabalhadores organizados das cidades brasileiras mostrou que demonstrou a inope rância do órgão mesmo quando se fazia necessária sua interferência para ao menos cumprir a lei O prazo para o início da efetividade da lei de férias foi tantas vezes e tão indefinidamente prorrogado pelo órgão que este virou piada na boca do povo661 Quando Getúlio Vargas assume o Poder em 1930 a situação come ça a mudar um pouco A maioria dos empresários brasileiros vê não sem tristeza que não é possível manter uma massa crescente de trabalhadores urbanos sem alguma garantia legal isso porque a nega tiva constante gerou um aumento do volume de greves e agitações nas cidades o que remetia ao medo das massas Eles então buscaram alternativas ao liberalismo que lhes era tão caro e no bojo disso procuraram encontrar maneiras de ainda levar alguma vantagem no sentido da promoção da industrialização Assim descreve Munakata Todas essas propostas de ruptura com o liberalismo visam não apenas promover a indus trialização mas também neutralizar o cres cimento da pressão da classe operária através de uma solução institucional à questão social Se são necessárias as leis reguladoras do trabalho que estas sejam instituídas segundo um plano racional científico e não através de pressões políticas advindas seja da agitação operária seja dos políticos com objetivos escusos Se as leis trabalhistas são inevitáveis que a aplicação 661 As empresas com melhor acesso ao órgão conseguiam empurrar o prazo do início da efetividade da lei discutindo coisas do tipo qual trabalhador de fato está inserido na lei de férias Eles não estão nomeados A lei de férias é um abuso contra a liberdade do empregado de querer trabalhar O empregado intelectualmente inferior usará suas férias para o ócio e para o vício dandolhes as férias estaríamos incentivando os maus hábitos destas seja controlada não pelo movimento ope rário e os sindicatos mas por um Estado tecnicamente aparelhado para essa função inclusive absorvendo e controlando os próprios sindicatos662 E exatamente assim ocorreu Getulio Vargas no poder implemen tou o Corporativismo inexoravelmente na alma e no corpo do Estado e das relações trabalhistas absorvendo totalmente os sindicatos de tal forma que estes eram apenas extensões do Governo Getulista O Corporativismo é uma doutrina ou sistema baseada no espírito associativo das atividades profissionais Como estas forma riam um corpo não poderia haver por esse pensamento nenhum tipo de conflito e dissensão para isso se buscava o equilíbrio entre as forças geralmente através de um maior poder para quem as controla visando tornar secundários os interesses individuais663 Através do Corporativismo entendiase que os choques os conflitos sociais seriam antinaturais anomalias a serem combatidas e que os interesses conflitantes em uma sociedade existiriam como produto da ausência de leis Dessa forma a luta de classes não se daria pelo antagonismo entre estas gerada pelo capitalismo mas por erro jurídico traduzido por um liberalismo que não era capaz de refrear o que consideravam paixões Assim a classe não passaria de transposição do egoísmo do indivíduo liberal para o nível de grupo que necessitava ser refreado Vargas ao implementar o Corporativismo no Brasil temperouo com um sentimento de nacionalismo que desde a década de vinte pelo menos vinha sendo construído no país Assim a necessidade corpora tivista de legislação para imposição de moral foi inaugurada na prática através do Decreto no 19433 que criou o Ministério do Traba lho que seria o aparelho estatal baseado em instrumentos teóricos técnicos e racionais capaz de redefinir ou fazer Leis Trabalhistas O Ministério do Trabalho foi formado tendo como composição vários órgãos compostos por técnicos especialistas Dessa forma den 662 MUNAKATA Kazumi Op cit p 64 663 O Corporativismo teria nascido na Idade Média e renascido em 1891 ano em que o Papa Leão XIII promulgou a Encíclica Rerum Novarum Um dos teóricos mais renomados desse sistema Emile Durkeim descreveu sua teoria no livro Divisão do Trabalho Social Foi entretanto na Itália Fascista que o modelo corporativista alcançou a sua maior concretização no mundo moderno tre os muitos os que mais são importantes na análise de questões trabalhistas podemos citar o Conselho Nacional do Trabalho reformado em 1934 pelo Decreto no 14784 que contava com um conselho de representantes de patrões e empregados e com uma forte influência do Estado cabendo a CNT o controle do sistema previdenciário Outro órgão importante no projeto do governo era o Departamento Nacional do Trabalho criado pelos Decretos nos 19667 e 19671A em fevereiro de 1931 Este era encarregado de todas as questões relativas à execução fiscalização e cumprimento da legislação trabalhista Dentro desse órgão são cunhadas as Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento que passam a funcionar praticamente como órgãos da futura Justiça do Trabalho O objetivo principal dessas Comissões era cumprir os ditames Corporativistas isto é cuidar da supressão de choques entre patrões e empregados promovendo a conciliação As Comissões Mistas são compostas por três representantes patronais e três dos trabalhadores presididas por uma pessoa indicada pelo Ministro do Trabalho A convocação é feita por qualquer parte litigante e a sessão é secreta só podendo participar os representantes o presidente da Comissão e as partes interessadas Advogados não são permitidos e isso é justificado à época sob a alegação de que estes seriam muito intransigentes e que só dificultavam a conciliação Caso esta última não acontecesse o presidente da Comissão proporia às partes levar a questão a um juízo arbitral ou ao Ministério do Trabalho que nomearia uma comissão especial para examinar o caso Para resolver não coletivamente mas individualmente os conflitos resultantes das relações de trabalho são criadas as Juntas de Conci liação e Julgamento em 1932 Decreto no 22132 As juntas são formadas por um representante dos patrões e por um dos empregados presididos por um indivíduo nomeado pelo Ministro do Trabalho Os procedimentos de suas sessões são semelhantes aos das Comissões Mistas a diferença é que os litigantes podem ser acompanhados de testemunhas e as Juntas tinham faculdade de julgar As Juntas eram instância única porém às penalidades por ela impostas cabiam recursos ao DNT e às Inspetorias Regionais do Trabalho O DNT cunhou uma série de leis trabalhistas com o intuito explícito de eliminar conflitos presentes e futuros Era claro e esta era a mensagem que o trabalhador não precisava lutar por mais nada tudo seria dado e ainda que não fosse o ideal estaria revestido de uma aura científica de análise e estudo de técnicos altamente competentes Assim ocorreu com a questão das oito horas diárias reivindicada por todos os trabalhadores O DNT não consolidou o Princípio da Jornada de oito horas Dentro da teoria Corporativista examinou profissão por profissão dissolvendo a unidade dos trabalhadores na luta pela jornada de oito horas e dando por fim as mesmas oito horas para cada uma das profissões Da mesma forma aconteceu com o descanso remunerado mínimo de 24 horas a cada seis dias de trabalho a previsão de descanso e refeição durante a jornada de trabalho as horas extras etc Feitas em um todo foram as leis que regulamentavam o trabalho das mulheres Decreto no 21417A e o trabalho de menores Decreto no 22042 Mas estes não representavam em 1932 quando da criação dessas leis uma força capaz de organizar os trabalhadores como um todo em torno de suas reivindicações No caso do trabalho feminino foi consagrado o Princípio desobedecido historicamente neste país de igualdade de remu neração bem como foi proibido o trabalho insalubre e noturno A lei chegou a estabelecer o peso máximo que uma mulher poderia carregar no trabalho e estabeleceu uma série de medidas de proteção à maternidade A lei acerca do trabalho de menores era de fato uma reforma do antigo Código de Menores e proibia o trabalho de menores de 14 anos indicava os locais e as condições em que o menor não poderia trabalhar e determinava os documentos para a sua admissão A questão da duração do trabalho que encontrava resistência por parte dos industriais foi simplesmente remetida à legislação comum oito horas diárias 48 horas semanais A resistência dos patrões portanto não está eliminada com o implemento do Corporativismo ela somente se faz de maneira menos aberta os bastidores são o palco principal para eles Um exemplo desse trabalho nos bastidores pode ser visto na reforma da lei de acidentes de trabalho de 1934 Decreto no 24637 a resistência foi tamanha por parte dos patrões que a sua regula mentação não foi possível nos moldes que se pretendia Regulamentou se em 1935 Decreto no 85 nos termos aceitáveis aos industriais A Lei de Férias é ainda mais pontual nessa questão de resistência e obtenção de vitórias por parte dos empregadores Em 1931 mesmo a lei tendo já instituído as férias estas foram suspensas com exceção daquelas referentes ao ano anterior e o prazo para o cumprimento da lei foi exaustivamente prorrogado até 1933 A Lei de Férias acabou sendo reformada no modelo mais inte ressante para os patrões Os Decretos nos 23103 de 1933 e no 23768 de 1934 reafirmaram o direito às férias anuais de 15 dias porém os empregados do comércio só poderiam gozar as férias em dois períodos nunca inferiores a sete dias e os da indústria poderiam fazêlo de uma só vez ou parceladamente em períodos não inferiores a cinco dias e a época de concessão seria de livre escolha do estabelecimento Talvez devêssemos chamar por simpatia ou galhofa esses decretos não de Lei de Férias mas Lei de Folgas Esses decretos que regulamentavam as férias traziam em seu bojo uma armadilha muito interessante ao Corporativismo Como atra vés deste era interessante o controle dos trabalhadores a sindica lização em sindicatos que se tornavam cada vez mais corporativistas e menos combativos era interessante Assim só poderiam ter férias os trabalhadores associados a sindicatos obviamente reconhecidos pelo Ministério do Trabalho Essa armadilha também é encontrada na criação da Carteira Profissional Decretos nos 21175 e 22035 um documento imprescindí vel para a sindicalização para o gozo de férias para apresentação de queixas nas Juntas de Conciliação para a obtenção de empréstimos e tudo o mais que teria direito um trabalhador A carteira somente seria expedida para trabalhadores sindicalizados e estes somente poderiam estar em um sindicato com a carteira Esse documento que os go vernos das décadas de 60 e 70 tanto buscaram valorizar inclusive através de propagandas foi visto a princípio e de fato o era como um instrumento de controle e dominação A Constituição de 1934 ratifica essa posição Corporativista e a Constituição de 1937 dá mais condições para que ela seja colocada em prática na plenitude possível do Brasil Isso acontece porque com o Estado Novo o controle dos Sindicatos é total a subordinação da sociedade é impressionante e assim se torna mais fácil legislar para tentar minimizar ou acabar com as paixões geradas pelo individualismo Com o Estado Novo a vida social e política assumem definitivamente caráter público sendo incorporadas como parte integrante do Estado efetivandose a publicização do privado CAPÍTULO XVIII BRASIL DE 1946 À DITADURA MILITAR 1 O Fim do Estado Novo e a Constituição de 1946 A partir de 1942 quando a posição do Brasil na II Guerra Mundial se definiu em favor das potências liberais o que acabou por fazer com que o país se engajasse no conflito contra os regimes totalitários as contradições nascidas com essa tomada de posição repercutiram no cenário político interno Como explicar um Estado com tantas ca racterísticas fascistas que envia seus cidadãos para lutar e morrer contra o fascismo em defesa dos ideais antiautoritários Mas somente essa contradição não poderia explicar a queda do Estado Novo Em 1943 esgotarase o prazo que o Estado impusera para a Legitimação da Constituição de 1937 por meio de um plebiscito e muitos exigiam uma maior participação política e a volta do país a uma situação mais legalizada O próprio Vargas havia se comprometido a redemocratizar o país quando acabasse a guerra mas como muitas de suas promessas haviam sido remetidas ao esquecimento em 1945 quando a Guerra terminou as agitações pela redemocratização iniciaramse Com as pressões Getúlio Vargas começou a abrir um pouco a política brasileira permitiu partidos políticos fundando um o PTB Partido Trabalhista Brasileiro que mobilizava a burocracia sindical fiel a ele e ajudando a fundar outro o PSD Partido Social Democrata e concedeu ainda anistia política Entretanto o Presidente manobrava para se manter no poder Como a Constituinte somente poderia reunirse após a eleição presi dencial marcada para dezembro de 1945 trabalhistas e comunistas com ideologia antiimperialista lançaram a campanha conhecida como queremismo queremos Getúlio Com o tempo o grito dos que apoiavam Getúlio Vargas mudou passaram de queremos Getúlio para Constituinte com Getúlio desejando portanto a continuidade de Vargas no poder e começando a Constituinte antes da eleição presidencial Mesmo diante de toda força popular os opositores de Vargas acabaram por engendrar um golpe de Estado Em 29 de outubro de 1945 Getúlio foi obrigado a abandonar o poder transmitindoo ao judiciário Estava encerrado o Estado Novo ao menos em tese De 1946 em diante a marca de Vargas permaneceria indelével na política e na sociedade brasileira O movimento operário que retomou seu vigor no princípio de 1946 mantevese apartidário e os políticos mesmo após o suicídio de Getúlio em 54 alinhavamse entre os que eram varguistas e o que eram antivarguistas 11 A Constituição de 1946 Um pouco mais de um mês depois da deposição de Vargas pelos militares em 2 de dezembro de 1945 foi realizada a eleição para presidente abrindo caminho para a feitura da nova Constituição em 1946 A Ordem dos Advogados do Brasil chegou a indicar uma lista de estudiosos em legislação para a elaboração de um anteprojeto a tentativa tinha por objetivo substituir a estrutura autocrática imposta em 1937664 Mas ao contrário das anteriores a Constituição de 1946 não foi precedida de uma comissão especial nomeada pelo Executivo Em setembro de 1946 foi aprovada a versão final da nova Consti tuição do Brasil cuja base foi a Constituição de 1934 contendo todos os receios que acompanham um país que acabou de sair de uma ditadura e um alinhamento cada vez mais evidente com os Estados Unidos que após a II Guerra tornaramse o líder do bloco capitalista da Guerra Fria665 111 O Poder Executivo Foi mantido o presidencialismo na Constituição de 1946 entre tanto a definição de Poder Executivo mudou Enquanto a Constituição de 1934 não previa VicePresidente esta o fazia mas o vice não era por definição elemento de composição do Executivo 664 SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio a Castelo 7 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1982 p 91 665 Essa inserção do Brasil na Guerra Fria alinhado aos EUA tornouse oficial após o Tratado de Assistência Mútua assinado pelos dois países em 1947 e pela IX Conferência Interamericana realizada em Bogotá no qual o Brasil associouse ao sistema de segurança do hemisfério ocidental atlântico Art 78 O Poder Executivo é exercido pelo Presi dente da República O VicePresidente da República seria o substituto do Presidente Art 79 Substitui o Presidente em caso de impe dimento e sucedelhe no de vaga o VicePresi dente da República As eleições para Presidente e VicePresidente da República pas saram a ser feitas simultaneamente mas em pleitos independentes Isso significava que se poderia votar em um indivíduo para presidente e em outro para vice sem que os dois pertencessem à mesma chapa Mas o primeiro Vicepresidente seria eleito pelos próprios Constituintes Art 1o A Assembléia Constituinte elegerá no dia que se seguir ao da promulgação deste Ato o VicePresidente da República para o primeiro período constitucional 1o Essa eleição para a qual não haverá ine legibilidades farseá por escrutínio secreto e em primeiro turno por maioria absoluta de votos ou em segundo turno por maioria relativa Uma questão envolvendo a vicepresidência também causa estranheza para o modelo atual O Vice era também o Presidente do Senado Federal portanto do Congresso Isso poderia ser uma ingerência do Executivo no Legislativo mas conforme afirmado ante riormente o VicePresidente não fazia parte do Poder Executivo Art 61 O VicePresidente da República exercerá as funções de Presidente do Senado Federal onde só terá voto de qualidade Mas de fato o controle do Legislativo sobre o Executivo é que tinha aumentado Embora a nomeação de ministros ainda ficasse por conta do Presidente da República estes deveriam comparecer com pulsoriamente ao Congresso quando convocados para interpelações e esclarecimentos Art 54 Os ministros de Estado são obrigados a comparecer perante a Câmara dos Deputados o Senado Federal ou qualquer das suas comissões quando uma ou outra câmara os convocar para pessoalmente prestar informações acerca de assunto previamente determinado 112 O Poder Legislativo O Poder Legislativo voltou a ser composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado que havia sido extinto pela Constituição de 1937 O mandato dos Deputados seria de quatro anos e o número de cadeiras na Câmara por estado seria fixado posteriormente por lei Art 56 A Câmara dos Deputados compõese de representantes do povo eleitos segundo o sistema de representação proporcional pelos Estados pelo Distrito Federal e pelos Territórios Art 57 Cada legislatura durará quatro anos Art 58 O número de Deputados será fixado por lei em proporção que não exceda um para cada cento e cinqüenta mil habitantes até vinte Deputados e além desse limite um para cada duzentos e cinqüenta mil habitantes O Senado composto por pessoas de no mínimo trinta e cinco anos teria três representantes de cada Estado Art 60 O Senado Federal compõese de repre sentantes dos Estados e do Distrito Federal eleitos segundo o princípio majoritário 1o Cada Estado e bem assim o Distrito Federal elegerá três Senadores 2o O mandato de Senador será de oito anos 3o A representação de cada Estado e a do Distrito Federal renovarseão de quatro em quatro anos alternadamente por um e por dois terços A função dos Senadores incluía aprovar membros indicados do Judiciário Art 63 Também compete privativamente ao Senado Federal I aprovar mediante voto secreto a escolha de magistrados nos casos estabelecidos por esta Constituição do ProcuradorGeral da República dos ministros do Tribunal de Contas do prefeito do Distrito Federal dos membros do Conselho Nacional de Economia e dos chefes de missão diplomática de caráter permanente Bem como suspender decretos e leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal Art 64 Incumbe ao Senado Federal suspender a execução no todo ou em parte de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão defi nitiva do Supremo Tribunal Federal Uma inovação relativa ao Legislativo foi a possibilidade de serem criadas Comissões Parlamentares de Inquérito Art 53 A Câmara dos Deputados e o Senado Federal criarão comissões de inquérito sobre fato determinado sempre que o requerer um terço dos seus membros Parágrafo único Na organização dessas comis sões se observará o critério estabelecido no parágrafo único do art 40666 Parece ter sido também a Constituição de 1946 a primeira a indicar vencimentos extras a Deputados e Senadores por comparecimento em Plenário os chamados jetons 666 Art 40 A cada uma das câmaras compete dispor em regimento interno sobre sua or ganização polícia criação e provimento de cargos Parágrafo único Na constituição das comissões assegurarseá tanto quanto possível a representação proporcional dos partidos nacionais que participem da respectiva câmara Art 47 Os Deputados e Senadores vencerão anualmente subsídio igual e terão igual ajuda de custo 1o O subsídio será dividido em duas partes uma fixa que se pagará no decurso de um ano e outra variável correspondente ao comparecimento Indica também a mesma Constituição que membros do Legis lativo podem exercer cargos do Executivo sem contudo ter que abrir mão do mandato Art 51 O Deputado ou Senador investido na função de ministro de Estado interventor federal ou secretário de Estado não perde o mandato 113 O Poder Judiciário Essa Constituição restaurou a autonomia do Poder Judiciário afiançando novamente a independência desse poder e as garantias clássicas aos magistrados como no artigo 95 que indica que os juízes contam com a vitaliciedade a inamovibilidade a irredutibilidade dos vencimentos etc A autonomia do Poder Judiciário foi retomada também porque se durante o Estado Novo os Tribunais Federais e Estaduais não podiam eleger seus próprios órgãos de direção a presidência e a vicepresi dência do Supremo Tribunal Federal eram ocupadas por pessoas indi cadas por Vargas por exemplo a Constituição de 1946 deu nova mente aos membros do judiciário o poder de eleger seus dirigentes e estabelecer os parâmetros de sua organização interna Art 97 Compete aos tribunais I eleger seus presidentes e demais órgãos de direção II elaborar seus regimentos internos e organizar os serviços auxiliares provendolhes os cargos na forma da lei e bem assim propor ao Poder Legislativo competente a criação ou extinção de cargos e a fixação dos respectivos vencimentos III conceder licença e férias nos termos da lei aos seus membros e aos juízes e serventuários que lhes forem imediatamente subordinados O Poder Judiciário pela Constituição de 1946 ficou estruturado da forma como indica o artigo 94 Art 94 O Poder Judiciário é exercido pelos se guintes órgãos I Supremo Tribunal Federal II Tribunal Federal de Recursos III juízes e tribunais militares IV juízes e tribunais eleitorais V juízes e tribunais do trabalho Assim o Supremo Tribunal Federal seria composto a princípio por onze ministros indicados pelo Presidente da República e referendados pelo Senado Federal arts 98 e 99 Ao Supremo caberia conforme explicita o artigo 101 Art 101 Ao Supremo Tribunal Federal compete I processar e julgar originariamente a o Presidente da República nos crimes comuns b os seus próprios ministros e o ProcuradorGeral da República nos crimes comuns c os ministros de Estado os juízes dos tribunais superiores federais os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados do Distrito Federal e dos Territórios os ministros do Tribunal de Contas e os chefes de missão diplomática em caráter permanente assim nos crimes comuns como nos de responsabilidade ressalvado quanto aos ministros de Estado o disposto no final do art 92 d os litígios entre Estados estrangeiros e a União os Estados o Distrito Federal ou os muni cípios e as causas e conflitos entre a União e os Estados ou entre estes f os conflitos de jurisdição entre juízes ou tribu nais federais de Justiças diversas entre quais quer juízes ou tribunais federais e os dos Estados e entre juízes ou tribunais de Estados diferentes inclusive os do Distrito Federal e os dos Terri tórios g a extradição dos criminosos requisitada por Estados estrangeiros e a homologação das sen tenças estrangeiras h o habeas corpus quando o coator ou paciente for tribunal funcionário ou autoridade cujos atos estejam diretamente sujeitos à jurisdição do Supremo Tribunal Federal quando se tratar de crime sujeito a essa mesma jurisdição em única instância e quando houver perigo de se con sumar a violência antes que outro juiz ou tribunal possa conhecer do pedido i os mandados de segurança contra ato do Pre sidente da República da Mesa da Câmara ou do Senado e do Presidente do próprio Supremo Tri bunal Federal j a execução das sentenças nas causas da sua competência originária sendo facultada a delegação de atos processuais a juiz inferior ou a outro tribunal k as ações rescisórias de seus acórdãos II julgar em recurso ordinário a os mandados de segurança e os habeas corpus decididos em última instância pelos tribunais locais ou federais quando denegatória a decisão b as causas decididas por juízes locais fundadas em tratado ou contrato da União com Estado es trangeiro assim como as em que forem partes um Estado estrangeiro e pessoa domiciliada no País c os crimes políticos III julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes a quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal b quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada c quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta Constituição ou de lei federal e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato d quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada for diversa da que lhe haja dado qualquer dos outros tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal IV rever em benefício dos condenados as suas decisões criminais em processos findos O Tribunal Federal de Recursos conforme comenta a professora Rosalina Corrêa de Araújo teria sido criado em um momento em que o Supremo estaria com uma excessiva carga de trabalho ocasionada pelos encargos atribuídos a ele pelas Constituições anteriores Dessa forma ainda segundo a mesma autora pretendiase através do novo tribunal limitar as competências do Supremo Tribunal Federal restringindo os casos de cabimento de Recurso Extraordinário e buscando transferir as matérias que o tornavam segunda instância especialmente aquelas referentes aos interesses da Fazenda Nacional para os tribunais estaduais ou para as câmaras especiais667 Assim esse Tribunal ficou estabelecido na Constituição de 1946 Art 103 O Tribunal Federal de Recursos com sede na Capital Federal comporseá de nove juízes nomeados pelo Presidente da República depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal sendo dois terços entre magistrados e um terço entre advogados e membros do Minis tério Público com os requisitos do art 99 As atribuições desse Tribunal foram explicitadas no artigo seguinte Art 104 Compete ao Tribunal Federal de Re cursos I processar e julgar originariamente a as ações rescisórias de seus acórdãos b os mandados de segurança quando a auto ridade coatora for ministro de Estado o próprio tribunal ou o seu Presidente II julgar em grau de recurso 667 ARAUJO Rosalina Corrêa Estado e Poder Judiciário no Brasil Rio de Janeiro Lumen Juris 2000 p 304 a as causas decididas em primeira instância quando a União for interessada como autora ré assistente ou opoente exceto as de falência ou quando se tratar de crimes praticados em detri mento de bens serviços ou interesses da União ressalvada a competência da Justiça Eleitoral e a da Justiça Militar b as decisões de juízes locais denegatórias de habeas corpus e as proferidas em mandados de segurança se federal a autoridade apontada como coautora III rever em benefício dos condenados as suas decisões criminais em processos findos O Tribunal de Recursos diferentemente de Tribunais Federais clássicos que existem somente em uma localidade geralmente a capital do país poderia existir em diferentes localidades se aprovados pelo Supremo Tribunal Federal Art 105 A lei poderá criar em diferentes regiões do País outros Tribunais Federais de Recursos mediante proposta do próprio tribunal e aprovação do Supremo Tribunal Federal fixando lhes sede e jurisdição territorial e observados os preceitos dos arts 103 e 104 A Constituição de 1946 estabeleceu de maneira muito objetiva o Controle de Constitucionalidade explicitando a supremacia do Poder Judiciário para o tratamento da matéria e indicando os papéis de Judi ciário e Legislativo no Controle de Constitucionalidade O Poder Ju diciário trataria de votar a inconstitucionalidade da matéria e o Senado deveria suspender a lei ou decreto declarado inconstitucional Art 200 Só pelo voto da maioria absoluta dos seus membros poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do poder público Art 64 Incumbe ao Senado Federal suspender a execução no todo ou em parte de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definiti va do Supremo Tribunal Federal A inconstitucionalidade poderia inclusive levar a intervenção dos Estados artigo 7o e nesse caso a suspensão da lei ou ato declarado inconstitucional estaria sob a responsabilidade do Congresso Nacional artigo 13 Durante a vigência da Constituição de 1946 outras leis regularam a matéria Nas palavras de Paulo Bonavides duas importantes leis disciplinaram a matéria de constitucionalidade relativa ao con trole estabelecido no parágrafo único do art 8o de salvaguarda dos princípios básicos do no VII do art 7o Essas leis foram a no 2271 de 22 de julho de 1954 e a no 4377 de 1o de junho de 1964 A primeira delas resultou na criação de um novo instrumento processual a saber a chamada ação direta de declaração de inconstitucionalidade verdadeiro ponto de partida para a nova forma de controle o da via de ação que se acrescentava à já existente via incidental ou de exceção Acon tece porém que o novo caminho aberto à veri ficação judiciária da constitucionalidade das leis era deveras apertado não abrangendo senão atos vinculados à hipótese de intervenção federal 668 Os Crimes Políticos que antes da Constituição de 1937 eram ge ralmente tratados pelos códigos penais passaram a ser responsabi lidade da Justiça Criminal A Constituição de 1946 repetiu a anterior nesse ponto Crimes chamados de Crimes Contra a Segurança Nacional mantiveram a Justiça Militar como órgão do judiciário para o julga mento destes Art 108 À Justiça Militar compete processar e julgar nos crimes militares definidos em lei os 668 BONAVIDES Paulo Direito constitucional 5 ed Rio de Janeiro Forense 1980 p 260 militares e as pessoas que lhes são asseme lhadas 1o Esse foro especial poderá estenderse aos civis nos casos expressos em lei para a repres são de crimes contra a segurança externa do País ou as instituições militares A Justiça Eleitoral que na Constituição de 1937 havia sido ex cluída do Poder Judiciário retornou a este em 1946 porém como em 1934 a Constituição de 1946 não previu também a Justiça Eleitoral com composição ou um corpo próprio de juízes Os juízes seriam aprovei tados de forma que durante um tempo teriam a outorga jurisdicional plena para funções eleitorais669 Já a Justiça do Trabalho finalmente após ser citada como o nome de Justiça sem ser integrada ao Poder Judiciário nas Constituições de 34 e 37 passou a partir da Constituição de 1946 a integrála na categoria de Justiça Federal Especializada670 Assim estruturavase Art 122 Os órgãos da Justiça do Trabalho são os seguintes I Tribunal Superior do Trabalho II Tribunais Regionais do Trabalho III juntas ou juízes de conciliação e julgamento E suas atribuições passaram a estar mais claras conforme se pode atestar pelo artigo 123 que indica que seu papel não é somente de conciliação mas de julgamento Art 123 Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais con trovérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial 114 Ministério Público O Ministério público foi previsto na Constituição de 1946 para as Justiças e os Estados conforme pode ser visto nos artigos seguintes 669 ARAUJO R C Op cit p 317 670 Ibidem p 323 Art 125 A lei organizará o Ministério Público da União junto à Justiça comum à Militar à Eleitoral e à do Trabalho Art 126 O Ministério Público Federal tem por chefe o ProcuradorGeral da República O Pro curador nomeado pelo Presidente da República depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal dentre cidadãos com os requisitos indi cados no art 99 é demissível ad nutum Parágrafo único A União será representada em juízo pelos procuradores da República podendo a lei cometer esse encargo nas comarcas do interior ao Ministério Público local Art 127 Os membros do Ministério Público da União do Distrito Federal e dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais da carreira me diante concurso Após dois anos de exercício não poderão ser demitidos senão por sentença judiciária ou mediante processo administrativo em que se lhes faculte ampla defesa nem remo vidos a não ser mediante representação moti vada do chefe do Ministério Público com funda mento em conveniência do serviço Art 128 Nos Estados o Ministério Público será também organizado em carreira observados os preceitos do artigo anterior e mais o princípio de promoção de entrância a entrância 115 Estados e Municípios Os estados retomaram a autonomia perdida com a Revolução de 1930 assim sendo a intervenção federal somente poderia se dar em casos extremos como os citados no artigo abaixo ou no caso de inconstitucionalidade já discutido anteriormente Art 7o O Governo Federal não intervirá nos Es tados salvo para I manter a integridade nacional II repelir invasão estrangeira ou a de um Estado em outro III pôr termo a guerra civil IV garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes estaduais V assegurar a execução de ordem ou decisão judiciária VI reorganizar as finanças do Estado que sem motivo de força maior suspender por mais de dois anos consecutivos o serviço da sua dívida externa fundada VII assegurar a observância dos seguintes princípios a forma republicana representativa b independência e harmonia dos Poderes c temporariedade das funções eletivas limitada a duração destas à das funções federais cor respondentes d proibição da reeleição de governadores e prefeitos para o período imediato e autonomia municipal f prestação de contas da administração g garantias do Poder Judiciário A independência do município também é vista nesse texto constitucional Continuavam sendo nomeados pelos governadores os prefeitos de capitais e de estâncias hidrominerais e mais tornando a questão mais aberta e passível de modificações os constituintes indicaram que seriam nomeados também os prefeitos de cidade que fossem consideradas pelo Conselho de Segurança Nacional como áreas de importância para a segurança do país Art 28 A autonomia dos municípios será asse gurada I pela eleição do prefeito e dos vereadores II pela administração própria no que concerne ao seu peculiar interesse e especialmente a à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação das suas rendas b à organização dos serviços públicos locais 1o Poderão ser nomeados pelos governadores dos Estados ou dos Territórios os prefeitos das capitais bem como os dos municípios onde houver estâncias hidrominerais naturais quando beneficiadas pelo Estado ou pela União 2o Serão nomeados pelos governadores dos Estados ou dos Territórios os prefeitos dos municípios que a lei federal mediante parecer do Conselho de Segurança Nacional declarar bases ou portos militares de excepcional importância para a defesa externa do País 116 Os Direitos A Constituição de 1946 confirmou o direito de voto para alfabe tizados maiores de 18 anos e a obrigatoriedade de alistamento de voto para homens e mulheres Art 131 São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos que se alistarem na forma da lei Art 132 Não podem alistarse eleitores I os analfabetos II os que não saibam exprimirse na língua nacional III os que estejam privados temporária ou definitivamente dos direitos políticos Parágrafo único Também não podem alistarse eleitores as praças de pré salvo os aspirantesa oficial os suboficiais os subtenentes os sargen tos e os alunos das escolas militares de ensino superior Art 133 O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos salvo as exceções previstas em lei Art 134 O sufrágio é universal e direto o voto é secreto e fica assegurada a representação proporcional dos partidos políticos nacionais na forma que a lei estabelecer Quatro anos após a entrada em vigor da Constituição de 1946 foi promulgado o novo Código Eleitoral 1950 este acabou com o alista mento ex officio Daí em diante o alistamento ocorreria somente por iniciativa do eleitor e este era obrigado a fazêlo se estivesse dentro dos parâmetros constitucionais para tal671 No tocante aos Direitos Individuais esta é uma das Constituições mais interessantes por sua época pelas palavras utilizadas e principalmente por terem alguns de seus contemporâneos chamadoa de A Liberal Sua liberalidade foi tão rasa quanto poderia ser em um período que foi marcado pelo surgimento da Guerra Fria dos Blocos Comunista e Capitalista a consequente bipolarização do mundo e a lembrança muito recente de uma Guerra Mundial A Liberal não tocou no assunto sindicatos a não ser para afirmar que estes deveriam estar conforme a lei art 159 e embora tenha mantido todas as garantias trabalhistas dadas por Vargas era necessário manter o controle nada magnânimo do período da ditadura varguista quanto ao maior problema rural brasileiro a excessiva concentração de terras nas mãos de poucos nem sempre dispostos a fazer algo com elas a Constituição de 46 no máximo indicou a isenção de imposto territorial para propriedades rurais de até 20 hectares pertencentes a um indivíduo ou a uma família art 15 inciso VI 1o Quanto aos Direitos Individuais a Constituição de 1946 retomou muitas garantias e tornou constitucionais outras porém sempre havia restrições relativas a partidos ou manifestações contrárias ao regime democrático o empastelamento de jornais e fechamento de sindi catos não eram considerados antidemocráticos É interessante lembrar que com o alinhamento do Brasil ao Bloco Capitalista capitaneado pelos Estados Unidos na Guerra Fria os outros o Bloco Comunista era considerado antidemocrático por definição Assim afirmava o artigo 141 13 da Constituição de 1946 13 É vedada a organização o registro ou o funcionamento de qualquer partido político ou associação cujo programa ou ação contrarie o regime democrático baseado na pluralidade dos 671 No mesmo Código Eleitoral foi modificada a fórmula para a distribuição de cadeiras entre os partidos nas eleições para a Câmara dos Deputados Esse sistema continua em vigor até hoje só tendo sido ligeiramente modificado em 1998 quando os votos em branco deixaram de ser contabilizados no cálculo do quociente eleitoral NICOLAU Jair História do voto no Brasil Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 p 48 partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem Outros parágrafos do mesmo artigo indicam garantias que foram deixadas de lado no período da ditadura militar e em certos casos até antes Art 141 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabi lidade dos direitos concernentes à vida à liber dade à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes 1o Todos são iguais perante a lei 2o Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei 3o A lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada 4o A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito indi vidual 5o É livre a manifestação do pensamento sem que dependa de censura salvo quanto a espe táculos e diversões públicas respondendo cada um nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer Não é permitido o anonimato É assegurado o direito de resposta A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do poder público Não será porém tolerada propaganda de guerra de processos violentos para subverter a ordem política e social ou de preconceitos de raça ou de classe 6o É inviolável o sigilo da correspondência 7o É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil 8o Por motivo de convicção religiosa filosófica ou política ninguém será privado de nenhum dos seus direitos salvo se a invocar para se eximir de obrigação encargo ou serviço impostos pela lei aos brasileiros em geral ou recusar os que ela estabelecer em substituição daqueles deveres a fim de atender escusa de consciência 11 Todos podem reunirse sem armas não in tervindo a polícia senão para assegurar a ordem pública Com este intuito poderá a polícia de signar o local para a reunião contanto que assim procedendo não a frustre ou impossibilite 12 É garantida a liberdade de associação para fins lícitos Nenhuma associação poderá ser compulsoriamente dissolvida senão em virtude de sentença judiciária 13 É vedada a organização o registro ou o fun cionamento de qualquer partido político ou asso ciação cujo programa ou ação contrarie o regime democrático baseado na pluralidade dos parti dos e na garantia dos direitos fundamentais do homem 15 A casa é o asilo inviolável do indivíduo Ninguém poderá nela penetrar à noite sem con sentimento do morador a não ser para acudir a vítimas de crime ou desastre nem durante o dia fora dos casos e pela forma que a lei estabelecer 20 Ninguém será preso senão em flagrante de lito ou por ordem escrita da autoridade compe tente nos casos expressos em lei 21 Ninguém será levado à prisão ou nela detido se prestar fiança permitida em lei 22 A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao juiz compe tente que a relaxará se não for legal e nos casos previstos em lei promoverá a responsabilidade da autoridade coatora 23 Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Nas transgressões disciplinares não cabe o habeas corpus 24 Para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus concederseá mandado de segurança seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder 25 É assegurada aos acusados plena defesa com todos os meios e recursos essenciais a ela desde a nota de culpa que assinada pela auto ridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas será entregue ao preso dentro em vinte e quatro horas A instrução criminal será contraditória 26 Não haverá foro privilegiado nem juízes e tribunais de exceção 27 Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente e na forma de lei anterior 28 É mantida a instituição do júri com a orga nização que lhe der a lei contanto que seja sem pre ímpar o número dos seus membros e garan tido o sigilo das votações a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos Será obriga toriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida 29 A lei penal regulará a individualização da pena e só retroagirá quando beneficiar o réu 30 Nenhuma pena passará da pessoa do de linqüente 2 A Ditadura Militar 21 Antecedentes A ditadura de Vargas desarticulou o movimento operário que havia obtido alguma visibilidade desde o início do século e após 1945 o Estado passou a buscar uma cada vez maior consolidação da es trutura oficial do sindicalismo no Brasil entretanto nos primeiros anos do Governo Dutra que substituiu o Estado Novo a paralisia do movi mento se quebrou e os trabalhadores viram na conjuntura democrática uma possibilidade de resolução de seus problemas salariais e de sobrevivência672 Nos primeiros anos após a queda da ditadura houve muitas greves e a resposta de Dutra foi violenta chegando 143 sindicatos a ficarem sob intervenção O direito de greve assegurado pelo artigo 158 da Constituição de 1946 acabou sendo restringido por um decreto ante rior o de número 9070 de 1945 como se uma lei ou decreto pudesse superar uma Constituição Essa situação do Governo Dutra estendeuse durante todo o período de 1945 a 1964 com um breve intervalo quando Vargas assu miu o poder pelo voto em 51 Isso porque Vargas apoiouse nos ope rários e em uma política nacionalista Essa tendência acabou gerando toda a crise que deu origem ao seu suicídio em 1954 No campo econômico as décadas de 40 e 50 foram favoráveis na medida em que os Estados Unidos por razões estratégicas haviam procurado sustentar os preços dos produtos latinoamericanos no mercado internacional e somado a isso o Brasil havia saído da II Guerra Mundial com um bom saldo na balança comercial O Capital estrangeiro pressionava cada vez mais a entrada no país e os industriais mesmo os brasileiros passaram a exigir maior participação da iniciativa privada na economia brasileira O capita lismo brasileiro integravase no sistema econômico mundial sob a hegemonia dos Estados Unidos O processo de industrialização com capital nacional e estran geiro acabou por se concentrar no CentroSul do país levando a um imenso e descontrolado crescimento das cidades nessas regiões Com a urbanização acelerada problemas cresciam na mesma proporção desemprego urbano favelização aumento da criminalidade e uma maior possibilidade de participação dessa crescente massa urbana nas decisões do país673 O deslocamento do eixo econômico do rural para o setor urbano industrial fazia com que a importância política das classes médias e do operariado crescesse em igual intensidade Cada vez mais as cidades como o Rio de Janeiro São Paulo e Belo Horizonte figuravam como áreas de grande expressão eleitoral Se a Constituição de 1946 havia 672 O saláriomínimo estava congelado desde 1943 a legislação trabalhista incluindo aí a CLT não estavam sendo cumpridas 673 RODRIGUES Marly A década de 50 populismo e metas desenvolvimentistas no Brasil 4 ed São Paulo Ática 2001 passim mantido o voto somente para alfabetizados era nesses lugares que eles mais se concentravam Esse contingente urbano conforme tomava ciência ainda que parcial de seu poder de voto exigia não somente maior participação política mas maiores direitos sociais como saúde e educação e aumento das possibilidades de emprego e consumo674 Essa emergência das massas urbanas no jogo político já havia sido percebida por Getúlio Var gas Entretanto a continuidade da manipu lação das aspirações populares iniciada por Getúlio na década anterior deveria se adaptar a uma situação política nova Com a redemocrati zação seria necessário considerar a resposta do eleitorado às decisões e atitudes tomadas E ainda seria preciso continuar e cada vez mais a desenvolver estratégias visando conquistar o eleitorado prevendo suas expectativas Firmava se as bases da democracia populista no país A partir de então firmouse a figura do político populista Esses líderes políticos regionais ou de expressão nacional como Jânio Quadros estiveram presentes no cenário político brasileiro até o advento da ditadura militar em 1964675 O período de 1945 a 1964 chamado por alguns de experiência democrática foi portanto uma fornalha prestes a explodir De um lado o operariado urbano desejoso de maior participação e melhorias de vida junto com eles uma massa crescente de despossuídos que ocupavam os morros e periferias das cidades de outro lado a elite acostumada a não ter muitos problemas para impor sua vontade no meio a classe média urbana nova e extremamente ansiosa em parecerse em consumo e pensamento com os da classe alta Em suma um barril social de pólvora Esse período não foi democrático de forma absoluta como poderia parecer ao passar os olhos pela Constituição de 1946 Em menos de 674 BERCITO Sonia de Deus Rodrigues O Brasil na década de 40 autoritarismo e democracia São Paulo Ática 1999 p 79 e ss 675 Ibidem p 81 vinte anos não levando em conta o golpe que derrubou Getúlio Vargas em 1945 os militares intervieram na política de forma abrupta pelo menos duas vezes uma para garantir a eleição de Juscelino Kubistchek e outra para derrubar João Goulart inaugurando a Ditadura Militar O movimento militar de 1964 não nasceu da noite para o dia não foi tampouco o produto de uma preocupação momentânea dos militares com os destinos da nação foi sim antes de tudo o momento culminante e o desfecho de uma longa crise gerada pelas instabi lidades institucionais que subsistiram no país desde 1930 Os destinos do Brasil estavam incorporados aos interesses inter nacionais e nacionais Esses interesses não tinham por objetivo o engrandecimento da Nação por via democrática mas um enquadra mento do país a qualquer custo para que a elite nacional aliada a interesses internacionais econômicos e estratégicos não tivesse que abrir mão desses interesses Bons exemplos disso são o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais e a nova mentalidade de Segurança Nacional importada por nossos militares dos Estados Unidos Desde a posse de João Goulart a liderança da elite brasileira aliada às multinacionais passou à ação golpista e um de seus instrumentos foi o IPES Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais que tinha duas faces a primeira pública apresentavase como um movi mento de homens de negócio que buscavam contribuir para o debate sobre o país a outra coordenava uma sofisticada e multifacética campanha política ideológica e militar contra o governo constitucional de Goulart676 Pela nova mentalidade militar incorporada amplamente pelas altas patentes da chamada Sourbonne Brasileira a Academia Militar das Agulhas Negras o inimigo a quem as forças armadas deveriam combater não era mais o estrangeiro eram os indivíduos e os grupos que com alcunha comunista677 pudessem pôr em risco a ordem no país E agitação e motivos para esta não faltavam nas vésperas do golpe de abril de 1964 o país vivia um momento econômico muito grave conforme descreve Elio Gaspari 676 PAES Maria Helena Simões A década de 60 rebeldia contestação e repressão política 4 ed São Paulo Ática 2001 p 41 677 Esse termo foi utilizado de maneira tão ampla que poderia ser sinônimo de qualquer um que não concordasse com a política instituída Os investimentos estrangeiros haviam caído à metade A inflação fora de 50 em 1962 para 75 no ano seguinte Os primeiros meses de 1964 projetavam uma taxa anual de 140 a maior do século Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra a economia registrara uma contração na renda per capita dos brasileiros As greves dupli caram de 154 em 1962 para 302 em 63 O gover no gastava demais e arrecadava de menos acumulando um déficit de 504 bilhões de cruzei ros equivalente a um terço total das despesas Num país onde a tradição dava aos ministros da Fazenda uma média de vinte meses de perma nência no cargo Goulart dera pouco mais de seis meses a seus cinco ministros678 Se havia agitação deverseia acabar com ela A visão de uma grande parte da elite e da classe média era simplista a esse ponto Não importava se a agitação era apenas fruto de uma causa Ora só uma visão ingênua do processo político permite aceitar a agitação como decorrente de atos de vontade Para essa visão no entanto a turbulência da vida política era devida a tais atos havia agitação porque havia agitadores Detidos os agitadores a agitação cessaria o País entraria na normalidade e tudo se resolveria do melhor modo pelos processos mais convenientes É claro que a agitação constituía mero sintoma estava para a crise como a febre está para a infecção Como sintoma a agitação tomada isoladamente era irrelevante Suprimila não era de forma algu ma suprimir a crise Inflação greves turbulência militar alarmavam seriamente áreas bem defini das da sociedade brasileira Reduzir tais sinto mas suprimilos se possível representava um ideal para tais áreas Era possível reduzir algu mas suprimir outras empregando um remédio 678 GASPARI Elio A ditadura envergonhada São Paulo Companhia das Letras 2002 p 48 forte já conhecido de experiências anteriores o golpe militar679 E assim foi feito entre 31 de março e primeiro de abril de 1964 O país dobrou o cabo da democracia em direção a uma ditadura que tor narseia cada vez mais fechada mais violenta e disposta a não reco nhecer a linha divisória entre a legalidade e a ilegalidade 22 O Ato Institucional o número 1 João Goulart foi deposto por uma Revolta Militar Sua fuga não se deveu a uma ação da elite política civil sequer haviam sido tentados procedimentos de impeachment680 e nos dias consecutivos à fuga do Presidente houve uma série de manobras para tentar buscar saídas para a crise e alguns a tratavam como mais uma da série que se inaugurara em 1954 A Constituição determinava que uma eleição deveria ser convo cada para dentro de trinta dias se a presidência e a vicepresidência estivessem vagas e era este o caso Enquanto alguns políticos civis discutiam que caminhos tomar e a quem escolher para suceder Goulart neste momento de crise nos bastidores os militares pressionavam para que o legislativo fosse limpo dos elementos considerados inacei táveis Seis dias depois do golpe os ministros militares obtiveram o que queriam e a legislação exigida por eles daria amplos poderes para expurgar o funcionalismo civil e revogar os mandatos das legislaturas federais e estaduais Mas mesmo com esse consentimento os minis tros militares decidiram simplesmente deixar de tomar conhecimento do ato de emergência e publicaram com a autoridade que tinham assumido arbitrariamente como Supremo Comando Revolucionário um Ato Institucional O Ato Institucional a princípio não tinha número porque pelo menos aparentemente deveria ser o único Sua elaboração teve a parti cipação de Francisco Campos o mesmo autor da Constituição Dita torial de 1937 ou seja o Ato tinha a paternidade de um especialista em antidemocracia 679 SODRÉ Nelson Werneck Vida e morte da ditadura 20 anos de autoritarismo no Brasil Petrópolis Vozes 1984 p 57 680 Afastamento do Chefe do Executivo por votação do Legislativo Alguns autores como Nelson Werneck Sodré consideram o Ato Institucional número um importante até porque a ditadura teria começado por ele e não pelo golpe de Estado É interessante notar a propósito que a ditadura militar não se instala aqui com a conquista do poder por forças armadas Ela se instala com o chamado AI1 A partir daí realmente começa a ficar claro que se trata de uma nova ordem da institucionalização de um novo tipo de poder O espanto diante disso raiando pela incredulidade foi um pouco ingênuo como a surpresa diante da ocupação do aparelho de Estado e a passagem ao aparelho militar das decisões importantes e até a doutrinação política assim imposta ao país como se este fosse a partir daí área submetida à ocupação militar e ao silêncio político681 O AI1 como ficou conhecido porque vieram tantos outros quantos foram necessários para tornar a ditadura uma redundância em si iniciou uma época em que era necessário para a justificação de atos reinventar palavras legislar além da constitucionalidade Dessa forma o Ato começa justificando e dando um novo sentido à palavra revolução682 É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma perspectiva sobre o seu futuro O que houve e continuará a haver neste momento não só no 681 SODRÉ N W Op cit p 90 682 Pelo dicionário Revolução tem por significado ato ou efeito de revolucionar de realizar ou sofrer uma mudança sensível por analogia grande transformação mudança sensí vel etc Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Em suma para que seja con siderado revolução seus efeitos devem denotar mudança de fato com profundidade e era justamente a manutenção do status quo que havia levado os militares ao golpe em 64 Elio Gaspari discorrendo sobre esta formação de novas palavras afirma A violência política percorreu um ciclo no regime brasileiro Introduziu palavras no léxico cotidiano tais como cassar eufemismos no vocabulário político como a expressão maus tratos para designar pura e simplesmente tortura siglas do direito constitucional como AI abreviatura dos dezessete atos institucionais baixados na desordem legiferante nascida com a a noção segundo a qual a Revolução legitima a si própria GASPARI Elio Op cit p 141 espírito e no comportamento das classes arma das como na opinião pública nacional é uma autêntica revolução A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo mas o inte resse e a vontade da Nação Segue o texto justificando a legitimação do Golpe Militar esta belecendo Poderes Constituintes àqueles que se autointitulavam re volucionários Os Atos Institucionais estariam a partir desse mo mento acima do poder legislador de uma Constituição e assim estiveram por duas décadas a partir do AI1 por força das armas A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte Este se manifesta pela elei ção popular ou pela revolução Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Cons tituinte Assim a revolução vitoriosa como o Po der Constituinte se legitima por si mesma Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo Nela se contém a força normativa inerente ao Poder Constituinte Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limi tada pela normatividade anterior à sua vitória Os chefes da revolução vitoriosa graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte de que o Povo é o único titular Mas era necessário deixar claro que havia um culpado para toda essa situação O culpado era extraído diretamente da Ideologia de Se gurança Nacional descrita anteriormente os elementos que desejavam mudanças e que por isso recebiam o rótulo de comunistas ou bolcheviques O presente Ato Institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa representada pelos Comandos em Chefe das três Armas que respondem no momento pela realização dos objetivos revolucionários cuja frustração estão decididas a impedir Os processos constitucio nais não funcionaram para destituir o governo que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País Os militares tomavam para si e exclusivamente para si o poder de legislar afirmando categoricamente que sua legitimidade não vinha do Congresso Nacional legal e constitucionalmente institucionalizado Mas mantinham como prova segundo eles de não intenção de radi calização a Constituição de 1946 até porque podiam modificála sempre que desejassem não era um incômodo Destituído pela revolução só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuirlhe os poderes ou os instru mentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do País Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário decidimos manter a Constituição de 1946 limitandonos a modificá la apenas na parte relativa aos poderes do Presidente da República a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas Para reduzir ainda mais os ple nos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa resolvemos igualmente manter o Con gresso Nacional com as reservas relativas aos seus poderes constantes do presente Ato Institucional Fica assim bem claro que a revolução não pro cura legitimarse através do Congresso Este é que recebe deste Ato Institucional resultante do exercício do Poder Constituinte inerente a todas as revoluções a sua legitimação Em nome da revolução vitoriosa e no intuito de consolidar a sua vitória de maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um governo capaz de atender aos anseios do povo brasileiro o Comando Supremo da Revolu ção representado pelos ComandantesemChefe do Exército da Marinha e da Aeronáutica resolve editar o seguinte Art 1o São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respectivas Emendas com as modificações constantes deste Ato As modificações citadas no artigo primeiro já se fazem sentir no artigo seguinte O tom dado é que todos os atos permitidos por esse instrumento eram provisórios como provisória deveria segundo a propaganda ser a intervenção militar no país A eleição para presidente e vice seria feita pelo Congresso obvia mente já começando a ficar livre dos elementos purulentos e com praticamente uma só chapa Art 2o A eleição do Presidente e do VicePre sidente da República cujos mandatos terminarão em trinta e um 31 de janeiro de 1966 será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional dentro de dois 2 dias a contar deste Ato em sessão pública e votação nominal O Estado de Sítio poderia ser decretado pelo Presidente eleito indiretamente Art 6o O Presidente da República em qualquer dos casos previstos na Constituição poderá de cretar o estado de sítio ou prorrogálo pelo prazo máximo de trinta 30 dias o seu ato será subme tido ao Congresso Nacional acompanhado de justificação dentro de quarenta e oito 48 horas Garantias Constitucionais ou Legais ficam suspensas e perdem assim todo o sentido que a palavra garantia lhe dava Art 7o Ficam suspensas por seis 6 meses as garantias constitucionais ou legais de vitalicie dade e estabilidade Os artigos 8o e 10 davam ao Poder Executivo encarnado a princí pio em Castello Branco competência para cassar mandatos e abrir inquéritos contra os opositores Art 8o Os inquéritos e processos visando à apu ração da responsabilidade pela prática de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de atos de guerra revolucio nária poderão ser instaurados individual ou coletivamente Art 10 No interesse da paz e da honra nacional e sem as limitações previstas na Constituição os ComandantesemChefe que editam o presente Ato poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de dez 10 anos e cassar mandatos legislativos federais estaduais e municipais excluída a apreciação judicial desses atos Tudo isso em letra inanimada em um papel parece ser apenas mais um momento da História do país no qual a democracia sofria um duro golpe mas a vida continuava Entretanto estas palavras colo cadas em prática mesmo antes de sua vigência nos dão números bastante expressivos da repressão política que se iniciou em primeiro de abril de 64 Segundo a embaixada norteamericana bem informada até por seu papel ativo no golpe nas semanas seguintes à deposição de João Goulart mais de 5 mil pessoas foram presas Entre 1964 e 1966 cerca de dois mil funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsoriamente Trezentas e oitenta e seis pessoas tiveram seus mandatos cassados eou viram seus direitos políticos serem suspensos por dez anos683 Nem os próprios militares escaparam dessa limpeza inicial que afetou milhares de famílias brasileiras Quatrocentos e vinte um oficiais foram punidos com uma prática a muito abandonada no direito mundial a chamada morte civil Nesta o sujeito é considerado morto em vida e no caso desses militares os familiares chegaram a receber pensão como se de fato mortos eles estivessem Mais duas centenas 683 GASPARI Elio Op cit p 130s conseguiram escapar dessa morte passando para a reserva silen ciosamente entre eles 24 dos 91 generais que o Brasil tinha684 Sete em cada dez confederações de trabalhadores e sindicatos tiveram suas diretorias depostas Por volta de dez mil pessoas foram expurgadas dessas instituições Pelo menos duas dezenas de pessoas morreram em 1964 como resultado direto do golpe Todos sem exceção sofreram esses abusos sem nenhum direito nem o mais elementar direito de defesa A tortura que comentam ser algo que existiu somente nos períodos mais duros da repressão ou seja depois do AI5 do final de 1968 foi uma constante desde o início da ditadura685 Elio Gaspari descreve o caso de um famoso comunista de 64 anos que foi amarrado na traseira de um jipe do exército e foi puxado pelos bairros do Recife como um troféu a cena foi televisionada686 Mas não foram somente comunistas que sofreram desde o início com as torturas os militares mesmo de altas patentes se tivessem tomado posição contrária ao grupo que estava no poder poderiam sofrer tanto quanto qualquer preso político Nunca na história do Brasil os militares haviam desrespeitado tanto a si A tortura não era mais somente um acontecimento ocorrido por acaso no calor da hora Não era mais uma forma de vingança ideológica contra o opositor Era sim um meio de interrogatório usual e constante Tudo era feito em nome do combate à corrupção e à subversão A esta última todos os meios empregados foram considerados poucos o combate à corrupção logo foi relegado a segundo plano O instru mento deste combate eram os IPMs Inquéritos Policiais Militares que resultaram entre 1964 e 1966 processos judiciais contra mais de 2000 pessoas Com o tempo o número de IPMs relativas à corrupção diminuiu e à subversão aumentou 23 O Ato Institucional no 2 No início da Ditadura não eram poucos os políticos de expressão que ainda confiavam na volta rápida à normalidade democrática 684 Ibidem p 131 685 O General Leônidas Pires Gonçalves por exemplo falou sobre o assunto nestes termos admito que houve tortura na repressão da década de 70 mas ela não estava prevista nos regulamentos militares sic CONTREIRAS Hélio Militares confissões 3 ed Rio de Janeiro Mauad 1998 p 73 686 GASPARI Elio Op cit p 132 mas suas esperanças foram terminando conforme pessoas como Juscelino Kubitschek foram também cassados Iniciavase a vitória da linha dura uma parte do jovem oficialato do exército que defendia o que chamavam de pureza dos ideais revolucionários e em nome disso estavam dispostos a eliminar qual quer vestígio do regime deposto bem como qualquer oposição que surgisse porque comungavam da ideologia que estes eram os inimigos do Brasil Mas como em termos de propaganda ao menos o Brasil estava do lado dos que eram democratas ou seja os capitalistas e o país era contra os ditadores antidemocratas comunistas alguma aparência de democracia devia restar e assim foi até o final da ditadura nos anos oitenta um arremedo controlado de participação Haveria então eleições para governadores em 1965 A popularidade do regime militar enfrentaria pela primeira vez um grande teste principalmente em estadoschave como a Guanabara e Minas Gerais Entendido como mais uma vitória da linha dura Castelo Branco tratou de dar mais garantias ao teste fazendo aprovar duas medidas a Lei de Inelegibilidade e o Estatuto dos Partidos Políticos A Lei de Inelegibilidade barrava a candidatura de quaisquer ex ministros de João Goulart e o Estatuto dos Partidos Políticos que se destinava a ser a superestrutura para uma reorganização geral da atividade política no Brasil que a médio e longo prazos impediria a existência de pequenos partidos687 E tudo isso não foi suficiente já que a oposição nos estados considerados importantes ou obteve vitória ou esteve muito perto disso A reação dos militares da linha dura foi imediata e veemente Eles passaram a pressionar o Presidente Castelo Branco para que as eleições fossem anuladas e inclusive que os vencedores fossem investigados pelo Tribunal Militar Todas essas pressões resultaram no Ato Institucional número 2 AI2 de 27 de outubro de 1965 que acabou por restaurar muitos dos poderes especiais que tinham expirado com o primeiro Ato e investiu os revolucionários de poder constituinte permanente Para isso os militares no poder se explicaram da forma que se vê no preâmbulo do AI2 687 SKIDMORE Thomas Brasil de Getúlio Vargas a Castelo Branco 9 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1982 p 376 Não se disse que a revolução foi mas que é e continuará Assim o seu Poder Constituinte não se exauriu tanto é ele próprio do processo revolucionário que tem de ser dinâmico para atingir os seus objetivos Acentuouse por isso no esquema daqueles conceitos traduzindo uma realidade incontestável de Direito Público o poder institucionalizante de que a revolução é dotada para fazer vingar os princípios em nome dos quais a Nação se levantou contra a situação anterior A autolimitação que a revolução se impôs no Ato institucional de 9 de abril de 1964 não significa portanto que tendo poderes para limitarse se tenha negado a si mesma por essa limitação ou se tenha despojado da carga de poder que lhe é inerente como movimento Por isso se declarou textualmente que os processos constitucionais não funcionaram para destituir o Governo que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País mas se acrescentou desde logo que destituído pela revolução só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo Governo e atribuirlhe os poderes ou os instru mentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do poder no exclusivo interesse do País A revolução está viva e não retrocede Tem pro movido reformas e vai continuar a empreendêlas insistindo patrioticamente em seus propósitos de recuperação econômica financeira política e moral do Brasil Para isto precisa de tranqüi lidade Agitadores de vários matizes e elementos da situação eliminada teimam entretanto em se valer do fato de haver ela reduzido a curto tempo o seu período de indispensável restrição a certas garantias constitucionais e já ameaçam e desafiam a própria ordem revolucionária precisa mente no momento em que esta atenta aos pro blemas administrativos procura colocar o povo na prática e na disciplina do exercício democrá tico Democracia supõe liberdade mas não exclui responsabilidade nem importa em licença para contrariar a própria vocação política da Nação Não se pode desconstituir a revolução implan tada para restabelecer a paz promover o bem estar do povo e preservar a honra nacional Segundo Rosalina Corrêa de Araújo com grande propriedade o AI2 foi uma das mais fortes ações políticas que atuaram sobre as Constituições Brasileiras especialmente sobre o Poder Judiciário688 Isso se deveu principalmente porque a Justiça sendo composta por membros concursados oriundos do seio da sociedade civil tem por objetivo a manutenção da lei e do Estado de Direito e isso com certeza não era o que interessava aos militares no poder A lei lhes era interessante enquanto não atrapalhasse seus objetivos o Estado de Direito era nesse momento da história do país o Estado dos Militares assim sendo quem deveria ditar o Direito eram eles Isso explica também o considerando que abre o AI2 CON SIDERANDO que o Poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco não apenas para institucionalizála mas para assegurar a continuidade da obra a que se propôs Portanto por força das armas e da repressão políticosocial os militares brasileiros inauguraram na história do mundo PósRevolução Francesa um documento de lei que tinha mais força que uma Constituição serviria inclusive para emendála sem a participação de nenhum representante do povo E isso por si é inconstitucional ilegal e estranho à hierarquia legal de um Estado de Direito o que causava problemas na justiça para o governo Era portanto imprescindível intervir nessa justiça Isso foi feito emendandose os artigos 94 98 103 e 105 da Constituição de 1946 O artigo 98 foi modificado porque se aumentou o número de Ministros do Supremo Tribunal Federal Art 98 O Supremo Tribunal Federal com sede na Capital da República e jurisdição em todo o território nacional comporseá de dezesseis Ministros Parágrafo único O Tribunal funcionará em Ple nário e dividido em três Turmas de cinco Minis tros cada uma 688 ARAÚJO Rosalina Corrêa Op cit p 336 Isso se explica pelo fato de os Ministros do Supremo à época terem sido escolhidos pelos presidentes civis enquanto o Estado de Direito existia de fato no país portanto o controle sobre estes Ministros era difícil Aumentandose o número de Ministros de 11 para dezesseis os cinco novos escolhidos o seriam dentro dos interesses dos militares no poder dessa forma estava garantido o domínio do Regime sobre o Supremo Tribunal Federal O mesmo foi feito com relação ao Tribunal Federal de Recursos Art 103 O Tribunal Federal de Recursos com sede na Capital Federal comporseá de treze Juízes nomeados pelo Presidente da República depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal oito entre magistrados e cinco entre advogados e membros do Ministério Público todos com os requisitos do art 99 Parágrafo único O Tribunal poderá dividirse em Câmaras ou Turmas Tendo o controle dos órgãos máximos do Judiciário brasileiro o AI 2 passou ainda para o domínio do Tribunal Militar o julgamento de crimes contra a segurança nacional ou seja contra a segurança dos que estavam no governo o que pode ser traduzido como qualquer ato contra o Regime Art 7o O Superior Tribunal Militar comporseá de quinze Juízes vitalícios com a denominação de Ministros nomeados pelo Presidente da Repú blica dos quais quatro escolhidos dentre os Generais efetivos do Exército três dentre os Oficiais Generais efetivos da Armada três dentre os Oficiais Generais efetivos da Aeronáutica e cinco civis Art 8o O 1o do art 108 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação 1o Esse foro especial poderá estenderse aos civis nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares 1o Competem à Justiça Militar na forma da legislação processual o processo e julgamento dos crimes previstos na Lei no 1802 de 5 de janeiro de 1963 2o A competência da Justiça Militar nos crimes referidos no parágrafo anterior com as penas aos mesmos atribuídas prevalecerá sobre qualquer outra estabelecida em leis ordinárias ainda que tais crimes tenham igual definição nestas leis 3o Compete originariamente ao Superior Tri bunal Militar processar e julgar os Governadores de Estado e seus Secretários nos crimes referido no 1o e aos Conselhos de Justiça nos demais casos E por fim o judiciário já não mais tinha competência para julgar os atos praticados em nome da Revolução Art 19 Ficam excluídos da apreciação judicial I os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo federal com funda mento no Ato Institucional de 9 de abril de 1964 no presente Ato Institucional e nos atos com plementares deste II as resoluções das Assembléias Legislativas e Câmara de Vereadores que hajam cassado man datos eletivos ou declarado o impedimento de Governadores Deputados Prefeitos ou Vereado res a partir de 31 de março de 1964 até a promul gação deste Ato No campo político o Presidente e o VicePresidente da República seriam eleitos de maneira indireta por Colégio Eleitoral isso quer dizer que o Congresso Nacional já obviamente livre de opositores de fato iria escolher o presidente e o vice Tendo em vista que o mesmo Ato só permitia dois candidatos o do governo estaria garantido Art 9o A eleição do Presidente e do VicePresi dente da República será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em sessão pública e votação nominal 1o Os Partidos inscreverão os candidatos até 5 dias antes do pleito e em caso de morte ou im pedimento insuperável de qualquer deles pode rão substituílos até 24 horas antes da eleição 2o Se não for obtido o quorum na primeira vota ção repetirseão os escrutínios até que seja atingido eliminandose sucessivamente do rol dos candidatos o que obtiver menor número de votos 3o Limitados a dois os candidatos a eleição se dará mesmo por maioria simples Assim surgiram os dois partidos da ditadura o MDB Movimento Democrático Brasileiro uma oposição light visto que os opositores que de fato incomodavam o governo eram cassados e a ARENA Aliança Renovadora Nacional que apoiava o governo689 Art 18 Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros Parágrafo único Para a organização dos novos Partidos são mantidas as exigências da Lei no 4740 de 15 de julho de 1965 e suas modifi cações As cassações voltaram a ser feitas pelo Presidente e o Estado de Sítio também pode ser instituído por ele As garantias que depois de terem sido suspensas uma vez já não garantiam muita coisa foram suspensas novamente Art 14 Ficam suspensas as garantias consti tucionais ou legais de vitaliciedade inamovibili dade e estabilidade bem como a de exercício em funções por tempo certo 689 Com o Ato Suplementar no 4 de novembro de 1965 criaramse regras para a formação de novos partidos A exigência era de um mínimo de 120 deputados e 20 senadores o que daria para formar três mas os que formaram a ARENA apressaramse em conseguir 250 deputados para não somente ter a maioria como impedir um terceiro partido que geraria negociações O MDB depois da fim do Regime Militar tornouse o PMDB e a ARENA se dividiu em PFL e PDS Este último se transformou posteriormente em PPB e agora chamase PP Parágrafo único Ouvido o Conselho de Segurança Nacional os titulares dessas garantias poderão ser demitidos removidos ou dispensados ou ainda com os vencimentos e as vantagens pro porcionais ao tempo de serviço postos em dis ponibilidade aposentados transferidos para a reserva ou reformados desde que demonstrem incompatibilidade com os objetivos da Revo lução690 Art 15 No interesse de preservar e consolidar a Revolução o Presidente da República ouvido o Conselho de Segurança Nacional e sem as limi tações previstas na Constituição poderá suspen der os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 dez anos e cassar mandatos legislativos federais estaduais e municipais Levando em consideração que os suplentes a substituir os políticos cassados podiam também gerar problemas o AI2 resolveu a questão No parágrafo único do artigo 15 lemos Parágrafo único Aos membros dos Legislativos federal estaduais e municipais que tiverem seus mandatos cassados não serão dados substitutos determinandose o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos Mas as cassações implicavam com o AI2 em algo mais que sim ples afastamento do cargo político geravam inclusive uma mordaça impedindo o cassado de se pronunciar sobre questões políticas e po diam até provocar liberdade vigiada e suspensão do direito de ir e vir Art 16 A suspensão de direitos políticos com base neste Ato e no art 10 e seu parágrafo único do Ato institucional de 9 de abril de 1964 além do disposto no art 337 do Código Eleitoral e no art 6o da Lei Orgânica dos Partidos Políticos acarreta simultaneamente 690 Obviamente aí estão incluídos juízes I a cessação de privilégio de foro por prerro gativa de função II a suspensão do direito de votar e de ser vo tado nas eleições sindicais III a proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de natureza política IV a aplicação quando necessária à preserva ção da ordem política e social das seguintes medidas de segurança a liberdade vigiada b proibição de freqüentar determinados lugares c domicílio determinado A independência dos Estados também foi afetada pelo AI2 que previa intervenção do Governo Federal inclusive para evitar a chamada subversão da ordem Essa intervenção deveria ser submetida à aprovação do Congresso mas essa aprovação não poderia gerar prejuízos à sua execução Art 17 Além dos casos previstos na Constituição federal o Presidente da República poderá decre tar e fazer cumprir a intervenção federal nos Estados por prazo determinado I para assegurar a execução da lei federal II para prevenir ou reprimir a subversão da ordem Parágrafo único A intervenção decretada nos ter mos deste artigo será sem prejuízo da sua execução submetida à aprovação do Congresso Nacional O Executivo controlava então o Judiciário e poderia cassar man datos no legislativo Mas para este último o Regime se reservava o direito de decretar recesso e legislar em lugar Art 30 O Presidente da República poderá baixar atos complementares do presente bem como de cretosleis sobre matéria de segurança nacional Art 31 A decretação do recesso do Congresso Nacional das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar do Presidente da República em estado de sítio ou fora dele Parágrafo único Decretado o recesso parla mentar o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar mediante decretosleis em todas as matérias previstas na Constituição e na Lei Orgânica 24 O Ato Institucional no 3 Em 1966 haveria eleições para governadores e prefeitos e a linha dura não queria mais arriscar Os opositores ganhavam cada dia mais simpatizantes porque ficava mais claro conforme o tempo passava que a ditadura viera para ficar Em contrapartida as eleições cada vez tinham menos importância política efetiva governadores eram expurgados o Congresso fechado por longos períodos deputados senadores deputados federais eram cassados A eleição não passava de um arremedo de farsa para que houvesse a impressão longínqua de normalidade democrática Tendo que manter a mentira eleitoral mas não suportando a ofensa de ver rechaçada nas urnas aquilo que chamavam de Revo lução a tendência foi controlar o máximo possível o processo eleitoral de forma que mesmo a farsa ocorresse sob controle Por isso o Ato Institucional no 3 AI3 que tornou a eleição para o Governo dos Estado indireta como a do Presidente O Colégio eleitoral do Governador seria formado pela Assembleia Legislativa de seu respectivo Estado Art 1o A eleição de Governador e ViceGover nador dos Estados farseá pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa em sessão pública e votação nominal A eleição seria por chapa ou seja governador e vicegovernador eleitos simultaneamente com votos que valiam para os dois nos cargos a que se candidatavam pela chapa Art 2o O VicePresidente da República e o Vice Governador de Estado considerarseão eleitos em virtude da eleição do Presidente e do Gover nador com os quais forem inscritos como can didatos Os prefeitos de capitais seriam então indicados por esses governadores Art 4o Respeitados os mandatos em vigor serão nomeados pelos Governadores de Estado os Prefeitos dos Municípios das Capitais mediante prévio assentimento da Assembléia Legislativa ao nome proposto 25 Ato Institucional no 4 e a Constituição de 1967 A Constituição de 1946 com três Atos Institucionais revolvendo sua estrutura não podia mais ser considerada como uma Constituição de fato era um arremedo que valia enquanto não incomodava os que estavam no poder e à medida que um Ato Institucional não versasse sobre o assunto Decidiuse então fazer uma nova Constituição incorporando nesta os Atos Institucionais e Lei de Imprensa que instituiu a censura prévia e o controle total dos meios de comunicação pelo governo e a Lei de Segurança Nacional de fevereiro de 1967 O Ato Institucional no 4 nada mais foi do que a convocação do Congresso Nacional fechado pelo executivo fazia tempo para votar a Constituição A nova Constituição foi feita no decorrer de 1966 por uma equipe de quatro constitucionalistas nomeados pelo presidente Levy Carneiro Temístocles Cavalcanto Orozimbo Nonato e Miguel Seabra Fagundes Esse anteprojeto foi revisto de um ponto de vista mais autoritário pelo então Ministro da justiça Carlos Medeiros da Silva Apresentado ao Congresso foi aprovado sem qualquer alteração apesar de ter havido debates capitaneados por nomes do peso de Afonso Arinos de Melo Franco e apesar da imensa quantidade de emendas propostas A Constituição de 1967 era nada mais que a de 1946 extraídos os pontos democráticos demais e incluídos os Atos Institucionais Nesse sentido o Executivo ganhou muito poder inclusive para apurar crimes contra a segurança nacional a ordem política e social etc Art 8o Compete à União c a apuração de infrações penais contra a segurança nacional a ordem política e social ou em detrimento de bens serviços e interesses da União assim como de outras infrações cuja prá tica tenha repercussão interestadual e exija repressão uniforme segundo se dispuser em lei d a censura de diversões públicas O Poder Executivo também interfere na questão legislativa sempre que considerar necessário e em matérias de segurança pública ou matéria financeira Art 58 O Presidente da República em casos de urgência ou de interesse público relevante e desde que não resulte aumento de despesa poderá expedir decretos com força de lei sobre as seguintes matérias I segurança nacional II finanças públicas Parágrafo único Publicado o texto que terá vi gência imediata o Congresso Nacional o aprovará ou rejeitará dentro de sessenta dias não podendo emendálo se nesse prazo não houver deliberação o texto será tido como aprovado A composição desse Executivo se daria como indicado no AI2 através de eleição por Colégio Eleitoral Art 76 O Presidente será eleito pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral em sessão pública e mediante votação nominal 1o O Colégio Eleitoral será composto dos mem bros do Congresso Nacional e de Delegados indicados pelas Assembléias Legislativas dos Estados 2o Cada Assembléia indicará três Delegados e mais um por quinhentos mil eleitores inscritos no Estado não podendo nenhuma representação ter menos de quatro Delegados E o Presidente teria muitos poderes Art 83 Compete privativamente ao Presidente I a iniciativa do processo legislativo na forma e nos casos previstos nesta Constituição II sancionar promulgar e fazer publicar as leis expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução III vetar projetos de lei IV nomear e exonerar os Ministros de Estado o Prefeito do Distrito Federal e os Governadores dos Territórios V aprovar a nomeação dos Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional art 16 1o letra b XIV decretar o estado de sítio XV decretar e executar a intervenção federal A intervenção federal poderia ocorrer até ao nível municipal mesmo porque além dos prefeitos de capitais os prefeitos de cidades consideradas como áreas de segurança nacional também seriam nomeados art 16 1o Serão nomeados pelo Governador com prévia aprovação a da Assembléia Legislativa os Prefeitos das Capitais dos Estados e dos Municípios conside rados estâncias hidrominerais em lei estadual b do Presidente da República os Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional por lei de iniciativa do Poder Exe cutivo Nessa Constituição aparece também dando a ela força consti tucional a Lei de Segurança Nacional Essa lei visava a defesa contra o tipo de guerra interna que muito preocupava os militares antico munistas no Brasil Novas penalidades eram previstas para os respon sáveis por guerras psicológicas ou para os promotores de greves todos eram considerados inimigos que procuravam desestabilizar o governo que sempre era confundido com o país Era uma lei devastadora para Flávia Lages de Castro os direitos civis A Constituição reproduzia o artigo 1o da Lei de Se gurança Nacional Art 89 Toda pessoa natural ou jurídica é res ponsável pela segurança nacional nos limites definidos em lei Com relação à Justiça permaneceu o que tinha sido indicado pelos Atos Institucionais 1 e 2 ou seja o Supremo com dezesseis ministros e a Justiça Militar responsável pelo julgamento de crimes contra a segurança nacional No capítulo sobre Direitos Individuais é que a farsa toma um vulto que beira o exótico Mantémse a redação de direitos de um Estado de Direito de fato com algumas exceções Mas a realidade tornava essas palavras uma brincadeira de mau gosto Art 150 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a invio labilidade dos direitos concernentes à vida à liberdade à segurança e à propriedade nos termos seguintes 1o Todos são iguais perante a lei sem distinção de sexo raça trabalho credo religioso e con vicções políticas O preconceito de raça será punido pela lei 2o Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei 3o A lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada 4o A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito indi vidual 8o É livre a manifestação de pensamento de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura salvo quanto a espetáculos de diversões públicas responden do cada um nos termos da lei pelos abusos que cometer É assegurado o direito de resposta A publicação de livros jornais e periódicos inde pende de licença da autoridade Não será porém tolerada a propaganda de guerra de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe 9o São invioláveis a correspondência e o sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas 10 A casa é o asilo inviolável do indivíduo Ninguém pode penetrar nela à noite sem consentimento do morador a não ser em caso de crime ou desastre nem durante o dia fora dos casos e na forma que a lei estabelecer 12 Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente A lei disporá sobre a prestação de fiança A prisão ou detenção de qualquer pessoa será Imediatamente comunicada ao Juiz com petente que a relaxará se não for legal 13 Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente A lei regulará a individualização da pena 14 Impõese a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário 15 A lei assegurará aos acusados ampla defe sa com os recursos a ela Inerentes Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de exceção 16 A instrução criminal será contraditória observada a lei anterior quanto ao crime e à pena salvo quando agravar a situação do réu 20 Darseá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder Nas transgressões disciplinares não caberá habeas corpus 21 Concederseá mandado de segurança para proteger direito individual liquido e certo não amparado por habeas corpus seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder 27 Todos podem reunirse sem armas não intervindo a autoridade senão para manter a ordem A lei poderá determinar os casos em que será necessária a comunicação prévia à autorida de bem como a designação por esta do local da reunião 28 É garantida a liberdade de associação Nenhuma associação poderá ser dissolvida senão em virtude de decisão judicial O parágrafo primeiro do artigo 150 já demonstra que este era um artigo que o Regime não levaria a sério não havia igualdade para pessoas que acreditavam em outros modelos políticos que não o que o Regime Militar impunha Acerca da falácia dos parágrafos 9o e 10 vale lembrar que o país contava com um órgão de Investigação de subversivos ou seja antagonistas políticos de toda espécie o SNI Serviço Nacional de Informação O SNI nasceu com uma dotação orçamentária enorme e tinha por objetivo ser uma CIA voltada para dentro691 O próprio criador do órgão afirmou em 1984 que a inviolabilidade de qualquer coisa não era problema para o SNI Se havia censura de telefones Havia Nós enganchávamos os telefones a partir de uma base montada no prédio do Ministério do Exército no Rio de Janeiro Primeiro você tem que gravar o que é simples pois as máquinas só rodam quando o telefone é retirado do gancho Depois é preciso tirar o que está na fita e coloca lo no papel É o que se chama degravar Isso dá um trabalho danado Depois você tem que analisar o que dá ainda mais trabalho692 A própria Constituição de 1967 alertava no mesmo capítulo sobre Direitos Individuais do perigo de se abusar desses direitos A previ 691 O SNI foi criado pela Lei no 4341 de 13 de junho de 1964 692 GOLBERY apud GASPARI Elio Op cit p 164 são constitucional para tal abuso era a pena de perda de direitos políticos Art 151 Aquele que abusar dos direitos in dividuais previstos nos 8o 23 27 e 28 do artigo anterior e dos direitos políticos para atentar contra a ordem democrática ou praticar a cor rupção incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos declarada pelo Supremo Tribunal Federal mediante representação do ProcuradorGeral da República sem prejuízo da ação civil ou penal cabível assegurada ao paciente a mais ampla defesa Parágrafo único Quando se tratar de titular de mandato eletivo federal o processo dependerá de licença da respectiva Câmara nos termos do art 34 3o 26 O Ato Institucional no 5 A destruição da vida política pelo governo Castelo Branco não passou despercebida para muitos setores da sociedade brasileira As tentativas de reação pelas urnas se apresentavam limitadas pela interferência do Regime no processo e não havia muitas formas de expressão de descontentamento possíveis Costa e Silva segundo presidente do Regime teve que enfrentar uma enorme onda de protestos em todo país Antigos líderes políti cos anteriormente inimigos se uniram em uma oposição extrapar lamentar chamada Frente Ampla Greves de trabalhadores incomo dados com o eterno congelamento do saláriomínimo e passeatas do movimento estudantil marcavam o momento político brasileiro O Movimento Estudantil ganhou força na década de sessenta principalmente por estranho que pareça como reação a ações do Governo Militar A tentativa de Castelo Branco de reorganizar o sistema de ensino superior que punha em pauta a cobrança do ensino ministrado pelas universidades públicas uniu os estudantes em torno de uma causa única e segundo a opinião de Elio Gaspari que compartilhamos a colocação da UNE União Nacional dos Estudantes e de todos os órgãos do Movimento Estudantil na ilegalidade deram a oportunidade para que estes se encontrassem definitivamente com outros movimentos Em junho de 1964 Castelo enviara ao Congresso uma mensagem propondo a extinção da UNE e das demais organizações estudantis Com essa providência o regime dirigido por uma geração de oficiais que na década de 20 freqüentara as academias militares em estado de semirebeldia pretendia a tarefa impossível de despolitizar as universidades Seu efeito imediato foi uma ini bição temporária da esquerda acadêmica O efei to profundo foi bem outro Colocouse gradativa mente o movimento estudantil na clandestinida de juntandoos aos partidos comunistas ao ra dicalismo brizolista e sobretudo às centenas de sargentos e suboficiais que haviam sido expulsos das Forças Armadas693 Os militares expulsos das Forças Armadas por não compartilha rem plenamente dos interesses e pensamentos dos que controlavam o governo também tinham partido para a oposição No caso deles pau latinamente e principalmente depois do AI5 essa oposição tomou o rumo da guerrilha compartilhada por outros O recurso às armas era o que se podia esperar de pessoas treinadas para lidar com o mundo desta forma Uma parte da Igreja Católica notadamente aqueles que come çavam a se alinhar com o pensamento que tomou o nome de Teologia da Libertação passou a apoiar os protestos contra a Ditadura Militar Mas a direita também se mobilizava movimentos como o CCC Comando de Caça aos Comunistas e o Movimento Anticomunista se tornaram os mais conhecidos Outros grupos com característica de imposição de terror também se organizaram nas sombras Com a oposição crescendo os militares chamados linha dura chegaram ao desespero Para pessoas que consideraram em 1965 uma derrota afrontosa e uma oposição inimaginável a perda nas urnas do Governo de dois Estados para partidos nãoalinhados com seus inte resses marchas protestos e outras formas de demonstração de des contentamento eram um absurdo completo Nesse ambiente o que os militares linhadura necessitavam era apenas uma desculpa e ela foi dada por inocência ou opinião pelo 693 GASPARI Elio Op cit p 226 deputado Marcio Moreira Alves do MDB quando recomendou em discurso na Câmara que o povo não comparecesse às festividades do 7 de setembro em sinal de protesto Ele também propôs a Operação Lysistrata nome da personagem da Comédia Grega de Aristófanes que acabou com uma guerra fazendo greve sexual que levaria as mulheres brasileiras a boicotarem seus maridos até que a repressão acabasse A população achou muita graça da proposta mas os militares tinham a desculpa que precisavam694 No dia 13 de dezembro de 1968 foi convocado o Conselho de Segurança Nacional para que este fosse informado do novo Ato Institucional a ser proclamado Em uma mesma noite foi anunciado ao país um Ato Institucional que transformava uma ditadura em um Regime pior ainda e um Ato Suplementar o de número 38 que punha o Congresso em recesso por tempo indeterminado O Ato Institucional no 5 o AI5 na sua Introdução já indica que a legislação anterior a legalidade mesmo que torta baseada nas ingerências já realizadas nas leis brasileiras não estava sendo considerada suficiente por aqueles que detinham o poder no país Considerando no entanto que atos nitidamente subversivos oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais comprovam que os instru mentos jurídicos que a Revolução vitoriosa outor gou à Nação para sua defesa desenvolvimento e bemestar de seu povo estão servindo de meios para combatêla e destruíla Considerando que assim se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustra dos os ideais superiores da Revolução preser vando a ordem a segurança e tranqüilidade o desenvolvimento econômico e cultural e a har monia política e social do país comprometidos por processos subversivos e de guerra revolu cionária 694 Delfin Neto afirmou em entrevista em 1988 Naquela época do AI5 havia muita tensão mas no fundo era tudo teatro Havia passeatas havia descontentamento militar mas havia sobretudo teatro Era um teatro para levar ao Ato O discurso de Marcito não teve importância nenhuma O que se preparava era uma ditadura mesmo Tudo era feito para levar àquilo GASPARI Elio Op cit p 339 Todo o poder em um grau jamais vivido no Brasil que já havia sido comandado por Imperadores foi dado ao indivíduo que ocupasse a Presidência Era ele quem teria o domínio sobre os Legislativos federal estaduais e municipais Era sua a decisão destes permane cerem abertos ou estarem em recesso Em não havendo Legislativo o Executivo correspondente tomaria para si o poder de legislar Art 2o O Presidente da República poderá decre tar o recesso do Congresso Nacional das Assem bléias Legislativas e das Câmaras de Ve readores por Ato Complementar em estado de sítio ou fora dele só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República 1o Decretado o recesso parlamentar o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias o exercer as atri buições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios Seu poder não seria restrito ao legislativo O Poder Executivo de Estados e Municípios também estariam sob seu poder visto que ele poderia se achasse por bem intervir em Estados e Municípios Art 3o O Presidente da República no interesse nacional poderá decretar a intervenção nos Esta dos e Municípios sem as limitações previstas na Constituição Parágrafo único Os interventores nos Estado e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam respectiva mente aos Governadores ou Prefeitos e gozarão das prerrogativas vencimentos e vantagens fixados em lei A ingerência poderia se dar também através da cassação de mandatos Art 4o No interesse de preservar a Revolução o Presidente da República ouvido o Conselho de Segurança Nacional e sem as limitações previs tas na Constituição poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos efetivos federais es taduais e municipais Parágrafo único Aos Mem bros dos Legislativos federal estaduais e munici pais que tiverem seus mandatos cassados não serão dados substitutos determinandose o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos A suspensão de Direitos Políticos que antes poderia gerar alguns efeitos a partir do AI5 certamente gerava Art 5o A suspensão dos direitos políticos com base neste Ato importa simultaneamente em I cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função II suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais III proibição de atividades ou manifestações sobre assunto de natureza política IV aplicação quando necessá ria das seguintes medidas de segurança a li berdade vigiada b proibição de freqüentar de terminados lugares c domicílio determinado O Judiciário foi outro alvo Art 6o Ficam suspensas as garantias constitu cionais ou legais de vitaliciedade inamovibili dade e estabilidade bem como a de exercício em funções por prazo certo 1o O Presidente da República poderá mediante decreto demitir remover aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo assim como empregados de autarquias empresas públicas ou sociedades de economia mista e demitir transferir para a re serva ou reformar militares ou membros das Polí cias Militares Assegurados quando for o caso os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço E de fato em janeiro de 1969 três ministros do Supremo Tribunal Federal foram forçados a se aposentar o presidente do Supremo acabou renunciando em protesto Um sexto Ato Institucional foi feito e o número de magistrados do STF caiu de 16 para 11 e os delitos contra a segurança nacional que anteriormente poderiam ser julgados por Tribunais militares ou civis foram para a jurisdição dos Tribunais Militares E mesmo estes não escaparam da fúria da linha dura O governo decretou a aposentadoria de um General ministro do Supremo Tribunal Militar por considerar que ele era complacente demais com os réus O Estado de Sítio ficava a cargo do Presidente que sequer precisava dar qualquer satisfação sobre sua decretação É importante lembrar que a decretação de Estado de Sítio gera uma suspensão automática das garantias constitucionais Art 7o O Presidente da República em qualquer dos casos previstos na Constituição poderá decretar o estado de sítio e prorrogálo fixando o respectivo prazo Mesmo a questão da propriedade estava livre do poder presidencial O AI5 dava ao presidente a possibilidade de decretar confisco de bens Art 8o O Presidente da República poderá após investigação decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido ilicitamente no exercício de cargo ou função pública inclusive de autarquias empresas públicas e sociedades de economia mista sem prejuízo das sanções penais cabíveis Parágrafo único Provada a legitimidade da aquisição dos bens farseá sua restituição E o mais grave ficou gravado no artigo 10 a suspensão do habeas corpus para crimes políticos que não tinham uma definição muito clara Se o habeas corpus é um remédio constitucional que tem por objetivo salvaguardar o indivíduo de ilegalidades na prisão os cidadãos bra sileiros ficaram à mercê de qualquer tipo de coação do Estado695 695 É uma garantia individual ao direito de locomoção consubstanciada em uma ordem dada pelo Juiz ou Tribunal ao coator fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção em sentido amplo o direito do indivíduo de ir vir e ficar MORAES Alexandre Direito constitucional 8 ed São Paulo Atlas 2000 p 130 Art 10 Fica suspensa a garantia de habeas cor pus nos casos de crimes políticos contra a segu rança nacional a ordem econômica e social e economia popular Para completar o quadro de possibilidades de repressão à margem de qualquer legalidade três meses depois da edição do AI5 ficou es tabelecido que os encarregados dos Inquéritos Policiais podiam prender qualquer indivíduo por sessenta dias dos quais dez em regime de incomunicabilidade Tempo mais que suficiente para que a tortura que já era usual e especializada acontecesse de maneira mais faci litada696 As opiniões acerca do AI5 mesmo entre militares nunca foram muito coerentes Helio Contreiras reuniu em um livro depoimentos de militares de altas patentes e importância na época que indicam quase que um mesmo raciocínio a ditadura deveria ter acabado com o primeiro presidente Castelo Branco e o AI5 foi um erro um exagero O Brigadeiro Oswaldo Terra de Faria assim se pronunciou acerca do assunto O mais grave erro do período militar foi sem dúvida a decretação do AI5 Não deveríamos ter adotado um ato de força que anulou os direitos dos cidadãos e as instituições e ainda por tempo indeterminado697 O Almirante Julio de Sá Bierrenbach militar da linha dura até a década de setenta quando constatou no Supremo Tribunal Militar que havia tortura opinou 696 A especialização em tortura no Brasil chegou a tal ponto que o país exportou esse know how para vários países da América Latina e África No gulag brasileiro havia três tipos de especialistas os torturadores que aplicavam choques elétricos espancamentos quase afogamentos na combinação certa para arrancarem confissões os analistas que recebiam informações sobre a última sessão de tortura e as comparavam às vezes por computador com dados anteriores para indicarem o que mais a vítima poderia saber e os médicos que examinavam o estado físico das vítimas para informarem até que ponto resistiriam às novas torturas se continuassem de boca fechada SKIDMORE T Brasil de Castelo Op cit p 258 697 Apud CONTREIRAS Hélio Militares confissões 3 ed Rio de Janeiro Mauad 1998 p 93 Mas depois tentaram perpetuaro regime en quanto o AI5 se tornou um recurso exagerado contra a crise de 1968 A suspensão do Habeas Corpus foi um erro e a Lei de Segurança Nacional decretolei 89869 seria radical demais pois tinha verdadeiros absurdos Confesso que fiz uma avaliação errada do que se passava no Brasil em 1964 Pelas informações que recebia imagi nava que 50 dos problemas do país eram cau sados pelo confronto ideológico com o comu nismo e os outros 50 pela corrupção Depois constatei que 95 dos problemas eram causados pela corrupção que não foi controlada nem durante o regime nem depois dele698 O único que destoa nesses depoimentos é o General Newton Cruz considerado um dos homens mais duros do regime e um de seus defensores perpétuos Para ele o AI5 não deveria ter existido mas não porque era em si um excesso ou um absurdo contra a cidadania mas porque havia meios e dispositivos legais suficientes para se fazer o que se fez As razões do AI5 se tornam também historica mente insustentáveis até porque já havia em de zembro de 1968 dispositivos legais que o torna vam desnecessário Mas quanto ao SNI se admito que houve desvios éticos considero en tretanto que voltaria a atuar em órgão seme lhante àquele porque a lei que o criou não previa escuta telefônica Lideranças políticas como Antonio Carlos Magalhães ajudaram a sustentar o regime Nós devemos muito a ele699 27 Outras Leis do Regime Militar e a Emenda Constitucional no 1 de 1969 O Regime Militar depois do AI5 legiferou com afinco como que para legalizar seus atos Mais 11 Atos Institucionais foram decretados 698 Apud CONTREIRAS Hélio Op cit p 85 e ss 699 Apud CONTREIRAS Hélio Op cit p 95 depois do AI5 alguns contendo questões imediatas relativas à administração outros como o AI13 possibilitavam o banimento de cidadãos brasileiros considerados indesejados Art 1o O Poder Executivo poderá mediante pro posta dos Ministros de Estado da Justiça da Marinha de Guerra do Exército ou da Aero náutica Militar banir do território nacional o brasileiro que comprovadamente se tornar inconveniente nocivo ou perigoso à segurança nacional Parágrafo único Enquanto perdurar o banimento ficam suspensos o processo ou a execução da pena a que porventura esteja respondendo ou condenado o banido assim como a prescrição da ação ou da condenação E já que a porta para toda possibilidade de repressão estava aberta foi baixado ainda em 69 o AI14 que possibilitava a Pena de Morte Art 1o O 11 do art 150 da Constituição do Brasil passa a vigorar com a seguinte redação Art 150 11 Não haverá pena de morte de prisão perpétua de banimento ou confisco salvo nos casos de Guerra Externa Psicológica Adversa ou Revolucionária ou Subversiva nos termos que a lei determinar Houve também uma renovação da Lei de Segurança Nacional que inspirada no AI5 tornava a questão de segurança da nação totalmente incompatível com qualquer noção de cidadania e direitos advindos desta Um dos alvos prediletos dos militares entretanto foram os estu dantes e sua crença atemporal de mudança que causa um atrevimento que chega às raias da inocência O Governo interferiu nas matérias a serem ministradas nos colégios praticamente banindo como Napoleão o fez em sua época a História e a Filosofia Os militares impuseram uma nova cadeira obrigatória a Educação Moral e Cívica que tinha por escopo todo um sentimento cívico prémoldado e uma visão moralista de mundo700 O Regime chegou a baixar um DecretoLei número 477 de 26 de fevereiro de 1969 que continha como um Código Penal para delitos cometidos por professores e alunos de instituições de ensino públicas e particulares Para tentar continuar a falácia democrática era necessário minimamente reestruturar a Constituição de 1967 que tinha sido atropelada pelo AI5 e por uma grande quantidade de DecretosLei e outras legislações O VicePresidente à época Pedro Aleixo foi encarregado de fazer o esboço inicial do que se pretendia ser uma nova constituição Esse esboço foi submetido a eminentes constitucionalistas dispostos a fazer vistas grossas aos arremedos e restrições ao Estado de Direito que os militares impunham mas por questões de incapacidade física do presidente e porque os militares desejavam à frente do governo alguém mais duro o esboço de Pedro Aleixo foi engavetado Com Médici o Brasil viveu seus anos mais sombrios Com ele a Constituição de 1967 recebeu a Emenda número 1 que a título de propaganda foi chamada de Constituição de 1969 Mas não era uma Constituição Nova era composta por longos blocos não revistos da Constituição de 1967 e de alterações básicas que aumentavam ainda mais o Poder do Executivo fortalecendo a Lei de Segurança Nacional A Emenda previa a diminuição de represen tação na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas Estaduais O alcance das imunidades parlamentares era reduzido na prática não existia desde muito tempo 700 A lei que definia o programa de Moral e cívica tinha por introdução os objetivos da matéria que seriam defender os princípios democráticos pela preservação do espírito religioso da dignidade do ser humano e do amor à liberdade com responsabilidade sob a inspiração de Deus sic CAPÍTULO XIX A REDEMOCRATIZAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 1 O Fim do Regime Militar A partir de 1978 no último ano do Presidente General Ernesto Geisel forças populares e democráticas começaram a ressurgir pelo país O início se deu com as greves dos metalúrgicos de São Paulo nas quais cem mil operários cruzaram os braços exigindo melhores salá rios Apesar de a legislação trabalhista proibir greves e ser extrema mente opressiva apesar de os líderes terem sido presos este foi o primeiro sinal que o país viu de uma resistência No período da presidência de Geisel várias mortes na prisão de opositores do governo jornalistas operários repercutiram muito negativamente na opinião pública Parecia que uma parte cada vez maior da população não estava mais disposta a suportar a repressão Com o governo do General João Batista Figueiredo as esperanças acenderamse a palavra Abertura que indicava naquela época uma redemocratização entrava novamente em voga Mas o general que adorava equitação apenas substituiu o AI5 pelas salvaguardas pelos estados de emergência com o mesmo efeito do Ato Institu cional Mas o governo militar não tinha muitas saídas poderia protelar mas não evitar a redemocratização A crescente impopularidade do regime aumentava o perigo de organização popular e além disso como o modelo econômico implantado pela ditadura estava derivando em crescentes déficits principalmente após a crise do petróleo do início da década de 70 a crise econômica e consequentemente social que iria emergir violenta mais cedo ou mais tarde indicava que os que construíram o problema iam desejar passálo para outros no caso os civis Nos últimos meses de 1983 teve início em todo o país uma campanha pelas eleições diretas para presidente intitulada Diretas Já e o movimento chegou ao auge em abril de 1984 quando a emenda Dante de Oliveira como ficou conhecida a proposta de emenda constitucional para restabelecer as eleições diretas foi votada701 Para intimidar os parlamentares que iriam votar a emenda o governo decretou medidas de emergência no Distrito Federal nomeando o General Newton Cruz para executálas Em clima de medo os governistas derrotaram a emenda Canalizouse então a energia oposicionista para tentar conseguir eleger indiretamente por Colégio Eleitoral um presidente civil Reunido o Colégio Eleitoral a vitória foi da oposição mas esta não conseguiu seu intento O presidente eleito adoeceu e morreu e seu vice assumiu José Sarney o primeiro presidente civil depois de duas décadas de ditadura havia sido da ARENA partido que compartilhou o poder com os militares O país voltou suas esperanças para uma nova Constituição 2 A Constituinte de 1987 A sociedade brasileira encarou de várias maneiras diferentes a feitura de uma nova Constituição Sem dúvida esperavase que a de mocracia saísse vitoriosa depois de anos de mordaça para maior parte do povo a constituição era a esperança de aumentar sua participação política econômica e social Para os partidos de esquerda era o momento de se remover o entulho autoritário ou seja uma série de leis e atos da ditadura que limitavam o exercício da cidadania Para aqueles que comungaram do Regime Militar era o momento de se fazer simplesmente uma reforma jurídica curta e eficiente Sob uma inflação galopante e imensa os trabalhos constituintes se iniciaram em fevereiro de 1987 e pela primeira vez na história do país a Constituinte aceitava propostas encaminhadas pela população as emendas populares702 Mas a Assembleia Nacional Constituinte não foi capaz de fortalecer vínculos partidários nem de se colocar independente de fato do Poder Executivo Desde a sua instalação a pressão do Presidente se fazia presente principalmente através da legislação ditatorial que ainda existia 701 O Rio de Janeiro e São Paulo na campanha pelas diretas tiveram a participação de mais de um milhão de pessoas em cada 702 Petições encaminhadas por pelo menos três organizações da sociedade civil com pelo menos 30000 assinaturas Em sua essência a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 demonstrava a heterogeneidade das forças sociais e a fragilidade dos elos entre sociedade e partidos políticos à exceção do Partido dos Trabalhadores que por sua origem tinha possibilidade de estabelecer essa ligação703 Para uma noção geral a Constituição hoje em vigor foi feita por pessoas que não refletiam a heterogeneidade do Brasil Trinta e dois por cento dos congressistas eram ligados a interesses industriais e apenas 3 eram profissionais de nível médio Os interesses do capital chegavam a atingir 4225 do total de participantes e os interesses trabalhistas somente 1215704 Os latifundiários também estavam presentes e organizados Com uma agressiva campanha a UDR União Democrática Ruralista con seguiu através de lobbies praticamente tudo o que desejava Nessa Constituinte todas as vitórias mais democráticas foram conseguidas apenas porque se estabelecia uma Reforma Constitucio nal em 1993 e porque muitos dos avanços angariados pela esquerda tiveram uma redação final de tal maneira colocados que não tem uso senão com legislação complementar que nem sequer é lembrada Os maiores articuladores desses impedimentos inteligentes formavam o Centrão grupo de direita historicamente aliados de empresários e do Regime Militar que disputaram cada vírgula da ver são final para que não houvesse possibilidade de uma vitória efetiva dos interesses da esquerda 3 Características Gerais da Constituição de 1988 A Constituição de 1988 tem uma característica que a faz alvo de críticas muitos elementos estabelecidos em seus parágrafos e incisos poderiam ter sido definidos em legislação comum Isso significa que aqueles que criticam a forma pela qual a Constituição de 1988 foi feita reclamam que ela é por demasiado pesada repleta de casuísmos o que gera um entrave visto que qualquer mudança por mínima que seja exige uma emenda constitucional algo bastante difícil e trabalhoso 703 MENDONÇA Sonia Regina de FONTES Virginia Maria História do Brasil recente 1964 1992 4 ed São Paulo Ática 2001 p 90 704 Ibidem p 90 Por outro lado o caráter enciclopédico da Constituição derivava do medo do retorno ao arbítrio ainda muito recente na memória nacional705 A Lei Maior parecia ser o lugar mais protegido que as conquistas democráticas poderiam ficar Na Constituição de 1988 chamada de Constituição Cidadã os Direitos Individuais Clássicos são assegurados O artigo quinto é um exemplo desses princípios como a liberdade de expressão art 5o inciso IX reunião art 5o inciso XVI privacidade art 5o inciso X inviolabilidade de domicílio art 5o inciso XI inviolabilidade de correspondência art 5o inciso XII A Constituição também estabeleceu uma série de garantias trabalhistas que agora envolviam tanto o trabalhador urbano quanto o rural inclusive por exemplo a universalização do direito de greve agora incluídos os funcionários públicos art 9o a jornada de trabalho de 44 horas semanais art 7o inciso XIII a irredutibilidade do salário art 7o inciso VI a participação nos lucros art 7o inciso XI o salário família art 7o inciso XII a licença maternidade estendida a 120 dias art 7o inciso XVIII a controversa licença paternidade art 7o inciso XIX A questão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço no caso de demissão sem justa causa foi uma das partes da Constituição que gerou efeito mais imediato e relativamente negativo aos trabalhadores A multa para demissão sem justa causa foi estabelecida no artigo 7o inciso III em 40 sobre o montante depositado na conta do traba lhador Isso acabou gerando um aumento da contratação informal e da terceirização O Judiciário voltou a ter independência Título IV Capítulo III com autonomia funcional administrativa e financeira bem como as garantias de vitaliciedade inamovibilidade irredutibilidade O Legis lativo Título IV Capítulo I também tomou de volta sua independência inclusive aumentando o espectro de possibilidades de seu poder 705 SILVA Francisco Carlos Teixeira Brasil em direção ao século XXI In LINHARES Maria Yedda org História geral do Brasil 6 ed Rio de Janeiro Campus 1990 p 344 Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE Manuel Mauricio de Pequena história da formação social brasileira 4 ed Rio de Janeiro Graal 1986 ALGRANTI Leila Mezan D João os bastidores da independência 2 ed São Paulo Ática 1993 ALTAVILA Jayme de Origem do direito dos povos 5 ed São Paulo Ícone 1989 ALVES José Carlos Moreira Direito romano 13 ed Rio de Janeiro Forense 2002 2 v ANDERSON Perry Linhagens do 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CAMPANHOLE Hilton Lobo Constituições do Brasil 6 ed São Paulo Atlas 1983 CANCELLI Elizabeth O mundo da violência a política da era Vargas Brasília Universidade de Brasília 1993 CARCOPINO Jérôme Roma no apogeu do Império São Paulo Companhia das LetrasCírculo do Livro 1990 CARDOSO C F S A cidade Estado antiga São Paulo Ática 1985 CARNELUTTI Francesco Arte do direito seis meditações sobre o direito Rio de Janeiro Âmbito Cultural 2001 CARR E H Que é história Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 CARVALHO José Murilo de A formação das almas o imaginário da República no Brasil São Paulo Cia das Letras 1990 Teatro das sombras a política imperial Rio de Janeiro IUPERJ São Paulo Vértice 1988 Os bestializados o Rio de Janeiro e a República que não foi São Paulo Cia das Letras 1987 CERQUEIRA Marcello A constituição na história origem e reforma Rio de Janeiro Revan 1993 CHAGAS Carlos O Brasil sem retoque 1808 1964 a história conta da por jornais e jornalistas 2 volumes Rio de Janeiro Record 2001 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Conquistas Romanas no Mediterrâneo Expansão Muçulmana Crescente Fértil Expansão Portuguesa Capitanias Hereditárias