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Direito das Sucessões

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httpswwwrevistasunijuiedubrindexphprevistadireitoemdebate Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Editora Unijuí Ano XXIX n 53 juldez 2020 ISSN 21766622 p 288299 O RECONHECIMENTO DA SOCIOAFETIVIDADE NAS FAMÍLIAS RECOMPOSTAS Uma Situação Fática ou Exercício da Autonomia Privada1 httpdxdoiorg102152721766622202054288299 Recebido em 332020 Modificações solicitadas em 2042020 Aceito em 2172020 Luciane Sobral Doutoranda e Mestra em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil UniBrasil Especialista em Direito das Famílias e Sucessões pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Especialista em Direito Imobiliário Aplicado pela Escola Paulista de Direito Bolsista CapesProsup Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Direito Constitucional do UniBrasil Nupeconst e do Núcleo de Pesquisa Direito Ci vilConstitucional da UFPR Grupo Virada de Copérnico httplattescnpqbr4717961476039165 httporcid org0000000168632053 lucianesobraladvgmailcom Marco Antonio Lima Berberi Mestre e doutor em Direito pela UFPR Professor na Graduação e no PPGD em Direito do Centro Universitário Autônomo do Brasil UniBrasil Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito CivilConstitucional da UFPR Grupo Virada de Copérnico para o biênio 20182020 httplattescnpqbr6394664083768370 httporcid org0000000251326452 marcoberberigmailcom RESUMO O presente artigo visa a analisar a necessidade da autonomia privada no reconhecimento da socioafetividade em famílias recompostas Utilizandose do método hipotéticodedutivo estabeleceuse três hipóteses relacionadas à constituição da família recomposta e a relação entre padrastos madrastas e enteados no sentido de verificar a necessidade da manifestação de vontade das partes para o reconhecimento da filiação socioafetiva dentro desse modelo de família A metodologia utilizada foi a análise doutrinária legislativa e jurisprudencial Dentre os resultados alcançados destacase a compreensão das famílias recompostas em suas mais diversas formas de existência bem como da socioafetividade e seus requisitos e por fim a eleição de uma das hipóteses como a correta para responder à problemática do presente estudo Palavraschave Socioafetividade Famílias recompostas Autonomia privada THE RECOGNITION OF SOCIOAFFECTIVITY IN RECOMPOSED FAMILIES A FACTICAL SITUATION OR EXERCISE OF PRIVATE AUTONOMY ABSTRACT This article aims to analyze the necessity of private autonomy in the recognition of socialaffectivity in recomposed families Using the hypo theticaldeductive method three hypotheses have been established related to the constitution of the recomposed families and the rela tionships between stepparents and their stepchildren in order to verify the need for manifesting the will of the parties for the recognition of socialaffective affiliation within this model of family The methodology used was doctrinal legislative and jurisprudence analysis The most significant results achieved were the understanding of recomposed families in their most diverse forms of existence as well as the socialaf fectivity and its requirements and finally the choice of one of the hypotheses as the correct one to answer the problematic of the present study Keywords Socialaffectivity Recomposed families Private autonomy SUMÁRIO 1 Introdução 2 A socioafetividade e as famílias recompostas 21 O reconhecimento da socioafetividade e os provimentos do CNJ que possi bilitaram seu reconhecimento voluntário 22 As famílias recompostas 3 Os requisitos para o reconhecimento da socioafetividade 4 Autono mia privada para o reconhecimento da socioafetividade nas famílias recompostas 5 Considerações finais 6 Referências 1 O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil Capes Código de Financiamento 001 Ano XXIX nº 53 juldez 2020 ISSN 21766622 O RECONHECIMENTO DA SOCIOAFETIVIDADE NAS FAMÍLIAS RECOMPOSTAS UMA SITUAÇÃO FÁTICA OU EXERCÍCIO DA AUTONOMIA PRIVADA 289 1 INTRODUÇÃO O tema socioafetividade possui amplo reconhecimento na sociedade atual O ditado pai é quem cria utilizado antigamente como um incentivo àquele que criava filho gerado por outro está muito mais consoli dado com menos preconceito e maior abrangência Isto porque ainda que de maneira tímida nos dias atuais há casos em que o pai reside com o filho e a madrasta exerce o papel de mãe de modo que o referido ditado precisa de adaptação para as novas realidades familiares É visível a evolução do conceito de família por meio das várias modalidades de entidades familiares existentes Dentre elas merece destaque neste estudo a denominada família recomposta caracterizada pela presença de membros de relacionamentos anteriores ou seja cônjuges ou companheiros que ao se unirem já têm filhos trazendoos para o mesmo lar conjugal e podem ainda decidir por gerar ou adotar filhos em co mum Ocorre que na mesma intensidade em que houve mudanças nas formações das famílias não se pode afirmar que exista um padrão a ser seguido por elas de modo que cada lar familiar tem determinada forma de conviver e relacionarse Em virtude desta diversidade é necessário analisar a socioafetividade e compreen der se a mera convivência entre os membros permitiria o reconhecimento de maternidade ou paternidade so cioafetiva ou se para que este instituto seja reconhecido haveria necessidade de manifestação da autonomia de vontade dos indivíduos que se relacionam nesse ambiente familiar Neste sentido pretendese inicialmente abordar a socioafetividade suas características e requisitos passando pelas noções de famílias recompostas e de autonomia privada para então responder à proble mática estabelecida utilizandose o método hipotéticodedutivo e mediante a análise doutrinária legislativa e jurisprudencial O principal objetivo deste escrito é compreender a relação do padrasto eou madrasta e seus enteados a fim de concluir se todas as famílias com essa formação constituem efetivamente filiações socioafetivas independente da vontade dos membros 2 A SOCIOAFETIVIDADE E AS FAMÍLIAS RECOMPOSTAS A socioafetividade não é figura recente em nossa sociedade Nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira redigidas na apresentação do livro de Christiano Cassetari José não era pai biológico de Jesus e no entanto o teve como seu verdadeiro filho PEREIRA apud CASSETARI 2015 p xv2 em outros termos ainda que não conhecida por este termo a socioafetividade já existia nos tempos de Cristo e segundo o fato histórico re lembrado pelo referido autor o próprio Jesus foi filho socioafetivo de José A discussão acerca da necessidade de desvinculação da paternidade da questão biológica é tema de ar tigo científico de elevada relevância redigido em 1979 e que permanece atual e pertinente uma vez que este assunto vem sendo objeto de reflexões desde muito antes da definição da nomenclatura socioafetividade em nosso ordenamento jurídico Qual seria pois esse quid específico que faz de alguém um pai independentemente da geração biológica Se se prestar atenta escuta às pulsações mais profundas da longa tradição cultural da humanidade não será difícil identificar uma persistente intuição que associa a paternidade antes como o serviço que com a procria ção Ou seja ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar quanto na circunstácia sic de amar e servir VILLELA 1979 João Baptista Villela já no final da década de 70 do século 20 defendia a desbiologização da paternida de que inclusive fora o título de seu artigo ou seja retirar o vínculo da procriação com o reconhecimento da paternidade Com o passar dos anos esse entendimento evoluiu até chegarse ao termo socioafetividade Para que seja reconhecida a socioafetividade como o próprio nome faz referência é imprescindível a existência de laços afetivos 2 A página é citada em algarismos romanos por ser fiel referência à página da obra uma vez que se trata da apresentação do livro de Chris tiano Cassetari redigida por Rodrigo da Cunha Pereira Editora Unijuí Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Luciane Sobral Marco Antonio Lima Berberi 290 O sangue e o afeto são razões autônomas de justificação para o momento constitutivo da família mas o perfil consensual e a affecto constante e espontânea exercem cada vez mais o papel de denominador comum de qualquer núcleo familiar PERLINGIERI 2007 p 244 Segundo Ricardo Calderón 2013 p 240242 a afetividade passou a ser trabalhada no ordenamento jurídico a partir da Constituição de 1988 ainda que de forma implícita posto que desde a hermenêutica ci vilconstitucional passouse a perceber outro Direito de Família Um dos exemplos da consolidação do afeto a partir da Constituição Federal é a igualdade entre os filhos que acabou por elevar o elemento afetividade à relação paternofilial 21 O Reconhecimento da Socioafetividade e os Provimentos do CNJ que Possibilitaram seu Reconhecimento Voluntário João Baptista Villela Guilherme de Oliveira e Luiz Edson Fachin foram pioneiros no estudo da afetivida de no Direito Brasileiro Com o passar do tempo o tema ganhou interesse por parte de outros pesquisadores e os casos começaram a ser levados ao Judiciário Com as decisões tomadas pelos julgadores para resolução de casos envolvendo a afetividade nas relações parentais a socioafetividade alcançou relevância prática e no toriedade social Em 21 de agosto de 2007 o voto da relatora ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 878941 DF mereceu reflexão trazendo vários julgados do Superior Tribunal de Justiça identificando a prevalência de decisões com base no vínculo biológico da filiação aos quais a ministra se manifestou contrária conduzindo sua argumentação no sentido de que a socioafetividade não pode ser ignorada pelo Direito conforme trecho de seu voto Assim como ocorreu na hipótese sub judice a paternidade sócioafetiva sic pode estar hoje presente em milhares de lares brasileiros O julgador não pode fechar os olhos a esta realidade que se impõe e o direito não deve deixar de lhe atribuir efeitos Paternidade sócioafetiva sic e biológica são conceitos diversos e a au sência de uma não afasta a possibilidade de se reconhecer a outra O reconhecimento da filiação sócioafetiva sic pressupõe a ausência de vínculo biológico entre partes que constroem uma relação familiar e se reconhe cem como pais e filhos STF Resp 878941DF 2007 Analisando o referido julgamento no contexto em que fora inserido e diante da unânime manifestação dos demais ministros acompanhando o posicionamento da relatora verificase que o referido acórdão apre sentase como precedente judicial isto é uma decisão que serve de modelo para decisões posteriores MAC CORMICK apud PUGLIESE 2017 p 23 Aqui vale uma observação pertinente Temse que o ordenamento jurídico brasileiro se filia ao sistema da Civil Law em que a prática dos precedentes não é muito habitual e há prevalência de regras em sua maio ria objetivas constantes na legislação Ocorre que a figura dos precedentes não se vincula a decisões inovado ras mas sim baseiase na premissa de manutenção dos posicionamentos adotados em decisões já proferidas PUGLIESE 2017 p 54 o que garante maior segurança jurídica e previsibilidade das Cortes Ainda que MacCormick questione que o Poder Judiciário assim agindo possa criar o Direito3 uma vez que as decisões judiciais são proferidas em parâmetros completamente diversos do processo legislativo parla mentar MACCORMICK 2008 p 212 no caso em questão esta crítica não merece ser considerada porque a decisão judicial leiase precedente impulsionou a mudança de entendimento e não necessariamente criou Direito legislouse mas apenas um outro modo de pensar a questão No que se refere à afetividade e à pluralidade familiar verificase que a intervenção do Judiciário auxi liou no desenvolvimento e notoriedade desses temas Um exemplo é a decisão do STF que em 2011 permitiu o reconhecimento das uniões homoafetivas4 enquanto os projetos de lei sobre o tema que já estavam em andamento desde antes da decisão permanecem até o momento estagnados 3 Apesar da crítica do autor corresponder aos sistemas de Common Law e mistos verificase que embora no Brasil seja adotado o sistema Civil Law há uma cultura de alterações significativas no Direito conduzidas pelo Poder Judiciário especialmente na figura do Supremo Tribunal Federal diante da demora do Legislativo em promulgar leis que acompanhem as transformações da sociedade 4 Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4277DF e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 132RJ STF 2011 Ano XXIX nº 53 juldez 2020 ISSN 21766622 O RECONHECIMENTO DA SOCIOAFETIVIDADE NAS FAMÍLIAS RECOMPOSTAS UMA SITUAÇÃO FÁTICA OU EXERCÍCIO DA AUTONOMIA PRIVADA 291 O mesmo ocorreu com o tema da socioafetividade Após o precedente do Superior Tribunal de Justi ça supramencionado em setembro de 2016 o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário nº 898060SC reconhecido com repercussão geral em que discutiu a prevalência da paternidade biológica em relação à socioafetiva ou viceversa cuja tese fixada foi A paternidade socioafetiva declarada ou não em registro público não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica com todas as suas consequências patrimoniais e extra patrimoniais STF RE 898060SC DJ 29092016 Relatoria Ministro Luiz Fux Tal decisão com repercussão geral motivou o Pedido de Providências formulado pelo Instituto dos Ad vogados de São Paulo que por sua vez levou o Conselho Nacional de Justiça a editar em novembro de 2017 o Provimento 632017 que permitiu o reconhecimento voluntário da socioafetividade por meio de ato decla ratório e pessoal realizado perante os oficiais de registro civil além de instituir modelos específicos e únicos de certidão de nascimento casamento e óbito Em 14 de agosto de 2019 o referido provimento foi alterado pelo provimento 832019 do CNJ este incluiu o artigo 10A no provimento anterior e versa exclusivamente sobre o reconhecimento da socioafetivi dade Dentre os requisitos e procedimentos do reconhecimento voluntário da socioafetividade previstos pelo provimento 632017 dispostos do artigo 10 ao artigo 15 estão i a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva posto que sua desconstituição poderá ser realizada apenas judicialmente em caso de vício de vontade fraude ou simulação ii a possibilidade de reconhecimen to por pretenso pai ou mãe com mais de 18 anos independente de estado civil desde que haja diferença de idade de mais de 16 anos dessea em relação ao filho socioafetivo e iii a vedação no reconhecimento da socioafetividade por irmãos ou ascendentes O procedimento de reconhecimento pode ser realizado em qualquer cartório de registro civil e não ape nas no qual foi lavrado o assento de nascimento do filho cabendo ao registrador a verificação dos documen tos identidade do requerente e coleta de termo próprio com qualificação e assinatura O provimento 632017 previa a possibilidade de reconhecimento da filiação socioafetiva de pessoas de qualquer idade constando apenas a necessidade de anuência do filho maior de 12 anos O provimento 832019 alterou esse dispositivo limitando a possibilidade de reconhecimento da filiação socioafetiva apenas aos maiores de 12 anos e previu a exigibilidade de consentimento desses filhos A previsão de anuência pessoal dos pais perante o oficial de registro civil prevista no provimento 632017 foi mantida bem como a previsão de que na impossibilidade de manifestação dos pais ou do filho quando obrigatório em razão da idade ou na falta de um desses a situação será apresentada ao juiz com petente e mantida ainda a previsão acerca da possibilidade de reconhecimento da maternidade ou pater nidade socioafetiva por meio de documento público ou particular de última vontade desde que presentes os trâmites do provimento Há também a previsão no provimento 632017 mantida pelo provimento posterior quanto às regras da tomada de decisão apoiada caso envolva pessoa com deficiência bem como há previsão quanto à necessida de de declaração pelo requerente de que não há discussão judicial quanto à filiação ou procedimento de ado ção em relação ao filho que se pretende reconhecer socioafetivamente O provimento 632017 traz expressa a informação de que o reconhecimento da socioafetividade não será obstáculo para a busca da verdade bioló gica judicialmente pelo filho reconhecido e a referida disposição permanece sem alterações O reconhecimento da parentalidade somente poderá ser realizado de forma unilateral O provimento 832019 esclarece que é permitida a inclusão de apenas um ascendente socioafetivo ou seja poderá ser in cluído um pai socioafetivo ou uma mãe socioafetiva no registro de nascimento O provimento 832019 incluiu ainda a necessidade de verificação pelo registrador de elementos con cretos que comprovem a existência de vínculo afetivo de paternidade ou maternidade socioafetiva e traz a regulamentação de que após a verificação dos requisitos para o reconhecimento da socioafetividade pelo registrador este dependerá de parecer favorável do Ministério Público para realizar o registro Pois bem analisados os provimentos que regulamentam o reconhecimento voluntário de paternidade ou maternidade socioafetiva passase à análise das famílias recompostas Editora Unijuí Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Luciane Sobral Marco Antonio Lima Berberi 292 22 As Famílias Recompostas Por família recomposta entendese aquela formada a partir de um desmembramento de uma família constituída anteriormente antes de existir uma família recomposta existia ao menos uma família monopa rental5 Isto é uma família formada por pais e filhos se dissolve os filhos residem por um tempo com um dos pais monoparentalidade até que este inicie um novo relacionamento e opte por formar uma nova família A esta nova família dáse o nome de família recomposta ou reconstituída formada pela presença de pai ou mãe com filhos de um relacionamento anterior passando a existir a figura do padrasto ou madrasta em um primeiro momento VALADARES 2005 Padrastos e madrastas são nomenclaturas consideradas pejorativas em nossa sociedade como bem lembra Maria Berenice Dias 1999 São representados desde os contos de fadas por pessoas cruéis que não expressam sentimentos de amor e carinho pelos enteados Por isso é comum ouvir informalmente a reade quação desta nomenclatura para boadrasta mãedrasta ou paidrasto etc quando os enteados desejam referirse com carinho ao à atual companheiroa de seu pai ou mãe A formação de famílias recompostas está cada vez mais comum talvez em razão de nos tempos atuais as pessoas pouco se preocuparem com a família padrão patriarcal e quadrada Ainda que seja comum nem sempre os papéis assumidos pelos membros deste modelo de família são fáceis de serem administrados A dificuldade está na definição dos papéis de cada membro dessa entidade familiar e nos efeitos jurídicos decor rentes dos vínculos formados VALADARES 2005 Existem casos em que entre padrastomadrasta e enteados há uma relação paternalmaternal muito presente muitas vezes com responsabilidades assumidas e afeto mais fortes ou na mesma proporção se com parado em relação à filiação biológica existente Da mesma forma o inverso também existe e por este motivo o questionamento que busca ser respondido por intermédio desta pesquisa é o reconhecimento da socioafe tividade entre padrastomadrasta e enteados é consequência da realidade fática vivenciada pelos membros da família recomposta ou há necessidade de manifestação de vontade de ambas as partes Se reconhece a filiação socioafetiva em razão do meio em que se vive ou há parentalidade socioafetiva apenas quando há vontade por parte do padrastomadrasta de assumirem seus enteados como filhos Para responder tais indagações fazse necessário abordar questões técnicas da socioafetividade 3 OS REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DA SOCIOAFETIVIDADE Christiano Cassetari 2015 p 2939 dispõe acerca dos requisitos necessários para a configuração da parentalidade socioafetiva O primeiro e indispensável requisito diz respeito i à existência de laços de afeti vidade menciona também ii o tempo de convivência como outro requisito deixando clara a impossibilidade de definir o tempo mínimo uma vez que é impossível determinar o momento exato do nascimento da pa rentalidade socioafetiva por fim destaca iii a posse de estado de filho requisito que possui regras para sua caracterização A afetividade principal requisito para o reconhecimento das famílias socioafetivas passou a compor os vínculos familiares a partir do século 21 ao mesmo tempo em que se começou a configurar novos forma tos de família deixando de lado os encargos da Igreja Estado meio social e interesses institucionais e patri moniais para buscar a realização pessoal de cada membro a qual denominase eudemonismo6 CALDERÓN 2013 p 207208 Apesar de presente há algum tempo no ordenamento jurídico ainda há divergência doutrinária a respei to da categoria teórica ocupada pela afetividade neste meio mas a maioria da doutrina entende a afetividade como princípio jurídico implícito nas normas do Direito de Família Brasileiro CALDERÓN 2013 p 289298 5 Há possibilidade de membro de família monoparental se unir a uma pessoa que ainda não tenha constituído família anteriormente Ou de duas famílias monoparentais se unirem Em ambos os casos formase a família recomposta 6 Eudemonismo cuja tradução do grego é felicidade era compreendido de forma diferente pelos filósofos da Antiguidade em uma visão mais final e autossuficiente portanto mais individual Já para o século 21 a compreensão de família eudemonista traz valores de cuidado afetividade ética e responsabilidade solidária de seus membros ALBUQUERQUE 2011 p 88 Ano XXIX nº 53 juldez 2020 ISSN 21766622 O RECONHECIMENTO DA SOCIOAFETIVIDADE NAS FAMÍLIAS RECOMPOSTAS UMA SITUAÇÃO FÁTICA OU EXERCÍCIO DA AUTONOMIA PRIVADA 293 Paulo Lôbo 2019 é um dos juristas que reconhece a afetividade como princípio entendendo sua força normativa e possibilidade de consequências em caso de descumprimento Ainda traz importante contribui ção ao diferenciar afeto como sentimentofato psicológico e a afetividade conferida ao estudo jurídico a afetividade sob o ponto de vista jurídico não se confunde com o afeto como fato psicológico ou aní mico este de ocorrência real necessária O direito todavia converteu a afetividade em princípio jurídico que tem força normativa impondo dever e obrigação aos membros da família ainda que na realidade existencial entre eles tenha desaparecido o afeto Assim pode haver desafeto entre pai e filho mas o direito impõe o dever de afetividade A afetividade é o princípio jurídico que peculiariza no âmbito da família o princí pio da solidariedade A afetividade estado psíquico global relacionada a estado de ânimo sentimentos e emoções é muito abrangente e por isso não está presente quando se trata de direito já que este preocupase apenas com os fatos que devem receber a incidência da norma jurídica LÔBO 2019 p 646647 O referido autor vai além e diferencia a afetividade entre pais e filhos e a afetividade entre companhei roscônjuges segundo ele o dever jurídico da afetividade entre pais e filhos extinguese tão somente com o falecimento de um deles ou com a perda do poder familiar já a afetividade entre companheiros está presente como pressuposto de convivência Ricardo Calderón traznos a ideia de dupla face do princípio da afetividade Uma chamada face de dever jurídico relacionada a um vínculo familiar já existente parental conjugal Nesta haveria uma im posição de dever jurídico em razão do princípio e a outra denominada face geradora de vínculo familiar que necessita de verificação fática entre as relações parentais ou conjugais a fim de caracterizar ou não um liame jurídico Nessa verificação está a posse de estado de filho requisito para o reconhecimento da socioafe tividade CALDERÓN 2013 p 309310 Há posse de estado de filho quando presentes as seguintes características publicidade continuidade e ausência de equívoco A publicidade e continuidade correspondem à visibilidade e notoriedade de paimãe e filho socialmente e de modo contínuo Quanto à ausência de equívoco significa que esses fatos não podem apresentar dúvida ou ambiguidade uma vez que a finalidade da posse de estado de filho é trazer ao mundo jurídico a verdade social FACHIN 1992 p 157 Orlando Gomes 2002 descreve a posse de estado de filho como um conjunto de circunstâncias em que são possíveis de demonstrar a condição de filho legítimo do casal que o cria e educa considerando dentre os requisitos para tal finalidade o filho ter levado o nome presumido dos genitores ter recebido tratamento contínuo de filho legítimo ter sido reconhecido perante a sociedade e pelos próprios pais como filho legítimo Neste mesmo sentido Pontes de Miranda 2012 caracteriza a posse de estado de filho pela presença dos requisitos Nomem Tractatus e Fama Nomem significa a utilização do nome da pessoa que lhe atribui a paternidade pelo filho Tractatus corresponde ao tratamento como filho legítimo considerando educação saúde e meios de subsistência e por fim a Fama que seria a visibilidade social de filho Por fim o tempo de convivência é outro requisito analisado para reconhecimento da socioafetividade Destacase entretanto a inexistência de qualquer regulamentação ou exigência de tempo mínimo uma vez que a análise dos laços de afetividade e da posse de estado de filho são requisitos bem específicos e que se atendi dos ainda que o tempo de convivência seja pequeno a socioafetividade será reconhecida Além disso o tempo de convivência é pressuposto para o estabelecimento dos laços de afetividade e para a constatação da posse de estado de filho de modo que ausente este requisito automaticamente não estarão presentes os demais 4 AUTONOMIA PRIVADA PARA O RECONHECIMENTO DA SOCIOAFETIVIDADE NAS FAMÍLIAS RECOMPOSTAS A noção de autonomia privada originouse no Direito Contratual mas passou a ser abordada também nas relações familiares em virtude da reforma e expansão do Direito Privado MADALENO 2012 p 10 A partir de então há vários posicionamentos sobre o exercício da autonomia privada e as imposições do Estado em relação à formação e organização das famílias Sobre este tema Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk 2011 p 272 indica que quanto mais o Estado intervém nas relações familiares mais significativos são os indícios de uma inversão de valores Segundo ele há necessidade de potencialização da autonomia privada a fim de atender aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da liberdade Editora Unijuí Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Luciane Sobral Marco Antonio Lima Berberi 294 No mesmo sentido Marcos Alves da Silva critica o modelo de família imposto pelo Estado pois é ar quétipo das codificações oitocentistas com pretensão de regular cada quadrante por mais íntimo que fosse da vida privada SILVA 2013 p 307 Ademais há que se atentar para que os conceitos não sejam distorcidos especialmente quanto à liber dade e à autonomia privada nas relações familiares Também não se pode concluir que a função centrada na liberdade não pretende reduzir a família a um exer cício individualista de autonomia privada Não se trata pois de uma tentativa de recondução a um conceito contratualista de família mas sim de uma liberdade que se manifesta e se constrói no viver e não simples mente na gênese formal de um modelo unitário de família por meio da categoria abstrata do negócio jurídico RUZYK 2011 p 318 Quando há restrição ou ausência de escolhas não há apenas um enfraquecimento da autonomia pri vada mas um déficit de liberdade e por sua vez de autodeterminação RUZYK 2011 p 272 Neste sentido percebese que nas famílias recompostas há o exercício de autonomia privada no que se refere à escolha con jugal Quanto à autonomia presente na parentalidade socioafetiva há necessidade de análise de algumas hi póteses i a simples convivência de padrastos ou madrastas com os enteados por si só pode configurar a socioafetividade ii é necessária a manifestação de vontade de ser paimãe socioafetivoa dos enteados iii a manifestação de vontade de reconhecimento de uma parentalidade socioafetiva é automática e está presen te na escolha conjugal por um par que possui filhos de relacionamento anterior isto é quando se escolheu o parceiro automaticamente reconheceuse a socioafetividade Essas hipóteses serão trabalhadas a fim de eleger uma ao final deste estudo Conforme já mencionado os requisitos para o reconhecimento da socioafetividade são os laços de afe tividade o tempo de convivência e a posse de estado de filho ou seja não há expressamente entre os doutri nadores o entendimento pela necessidade da autonomia privada como um dos requisitos que seria a anuên cia de pais eou filhos socioafetivos para referido reconhecimento Apesar disso os Provimentos 632017 e 832019 ambos do CNJ que tratam do reconhecimento vo luntário da parentalidade socioafetiva trazem expressamente a disposição de que o filho menor de 18 anos previsão do Provimento 632017 e acima de 12 previsão do Provimento 832019 precisa manifestar sua concordância pelo reconhecimento da parentalidade socioafetiva dispositivo este que nos faz refletir a res peito da autonomia privada do filho maior de 12 anos em aceitar seu padrasto ou madrasta como seu pai ou sua mãe socioafetivoa Nas famílias recompostas temse a presença de um pai ou mãe e um padrasto ou madrasta residindo no mesmo lar Cada família todavia apresenta uma dinâmica e organização diferentes pois existem famílias em que o pai ou mãe apesar de não residirem com a criança desempenham muito bem todos os papéis decor rentes de sua responsabilidade parental e dentre eles a afetividade De outro lado existem relacionamentos em que o pai ou mãe que não residem com o filho arcam tão somente com a obrigação alimentícia sem que haja convivência ou em casos ainda mais extremos sequer prestam assistência material mínima à prole Esses diferentes contextos familiares dentro das famílias recompostas precisam ser analisados para compreender se a socioafetividade pode ser reconhecida tão somente pelo cumprimento de requisitos fáticos que lhe são impostos ou se há necessidade do exercício da autonomia privada do pai ou mãe e doa filhoa socioafetivoa Nesse sentido há autores que analisam o elemento vontade presente na escolha de ser pai ou mãe e a conclusão vai ao encontro do estudo de João Baptista Villela 1979 sobre a desbiologização da paternidade é preciso querer ser pai o que se revelará na conduta contínua de desvelo resumida num cuidar sem limites Só assim se estará apto a exercer o imprescindível afeto marca necessária em uma relação familiar Por isso mesmo quando esse elemento falta na filiação biológica e o pai se ausenta da vida do filho deve sobrelevar a paternidade socioafetiva Assim se dá na adoção na inseminação heteróloga e na paternidade socioafetiva E compartilhando da assertiva repetida tantas vezes pelos estudiosos da matéria salientamos a diferença enorme que há entre quem gera o genitor e aquele que cria educa e ama o pai genitor não é o mesmo que ser pai ou mãe GRAMSTRUP QUEIROZ 2016 Ano XXIX nº 53 juldez 2020 ISSN 21766622 O RECONHECIMENTO DA SOCIOAFETIVIDADE NAS FAMÍLIAS RECOMPOSTAS UMA SITUAÇÃO FÁTICA OU EXERCÍCIO DA AUTONOMIA PRIVADA 295 Segundo João Baptista Villela 1979 p 414 é possível obrigar alguém a responder com seu patrimônio por sua conduta ou descumprimento de uma obrigação mas não é possível obrigar alguém a assumir uma paternidade indesejada sem violentar a própria ideia de paternidade Tem tanto esta de autodoação de gratuidade de engajamento íntimo que não é susceptível de imposição coativa Pai e mãe ou se é por decisão pessoal e livre ou simplesmente não se é Assim a lei e a Justiça des respeitam gravemente uma criança quando lhe dão por pai quem em ação de investigação de paternidade resiste a tal condição Todo o direito de família tende a se organizar de resto sob o princípio basilar da liberdade tão certo é que as prestações familiais seja entre cônjuges seja entre pais e filhos só proporcionam plena satisfação quando gratuitamente assumidas e realizadas VILLELA 1979 p 414 Há quem entenda que padrasto e madrasta são estranhos jurídicos independentemente de sua pre sença nas famílias recompostas Este entendimento juntamente com a resistência de criação de termos es pecíficos para representar esses papeis possui vinculação direta à criticada família nuclear e sua idealização como família padrão considerando equivocadamente todos os outros modelos inferiores Diferente de ou tros países não há em nossa legislação qualquer regulamentação de direitos ou deveres de padrastos ou ma drastas em relação aos seus enteados SARAIVA LEVY MAGALHÃES 2014 p 83 85 Em ratificação ao argumento da inexistência de famílias com importância maior que outras há um pre cioso ensinamento de Villela 1979 sobre a impossibilidade de classificar a paternidade em modelos supe riores ou inferiores em que pese seu enfoque dizer respeito à paternidade adotiva há semelhança com a paternidade socioafetiva A paternidade adotiva não é uma paternidade de segunda classe Ao contrário suplanta em origem a de pro cedência biológica pelo seu maior teor de autodeterminação Somente ao pai adotivo é dada a faculdade de um dia poder repetir aos seus filhos o que CRISTO disse aos seus apóstolos Não fostes vós que me esco lhestes mas fui eu que vos escolhi a vós Suprema expressão da autonomia paterna que liberta gratifica e faz crescer quem a pode manifestar e quem a pode ouvir p 416 Na parentalidade adotiva há evidentemente uma escolha uma vez que o exercício da autonomia pri vada pelos pais é muito claro posto que realizam o cadastro de adoção e passam pelos procedimentos ne cessários para efetivamente tornaremse pais A parentalidade socioafetiva muitas vezes não se apresenta como uma escolha tão óbvia especialmente quando oriunda de uma família recomposta em razão de uma segunda união que trouxe filhos biológicos de relacionamentos anteriores Apesar de cada família recomposta ter sua história e seus membros exercerem diferentes papéis de diversas formas e funções possíveis há duas lógicas a respeito da relação padrastomadrasta e enteados a substituição e a perenidade SARAIVA LEVY MAGALHÃES 2014 p 8586 A compreensão dessas duas lógi cas é crucial para a construção das ideias conclusivas deste estudo A substituição normalmente ocorre em casos de divórcio em que o pai ou a mãe que não permanecem residindo com os filhos com eles não mantém contato ou em caso de falecimento de um dos pais e nova for mação da família pelo sobrevivente Neste caso o padrasto ou madrasta passa a substituir efetivamente o pa pel de um dos pais ou seja passa a figurar como pai ou mãe do filho de seu cônjuge ou companheiroa Já a perenidade seria o inverso tratase de adição isto é não se exclui o pai ou mãe que deixaram de residir com o filho As responsabilidades contato e laços de afeto permanecem com ambos os pais e podem existir também com o padrasto ou madrasta mas neste caso é mais difícil para estes conseguirem compreender e exercer seu papel dentro da família recomposta SARAIVA LEVY MAGALHÃES 2014 p 8586 Há ainda no entendimento dos autores do texto Quel est le rôle du beaupère en famille recomposée Point de vue de beauxpères de mères et de pères qual é o papel do padrasto na família recomposta Ponto de vista dos padrastos mães e pais a existência de três papéis o pai substituto e o pai adicional já mencio Editora Unijuí Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Luciane Sobral Marco Antonio Lima Berberi 296 nados anteriormente e a terceira figura que seria do falso pai7 que se trata do padrasto que não assume qualquer função e não possui legitimidade perante o enteado apenas está presente na família como cônjuge da mãe PARENT FORTIN 2008 apud SARAIVA LEVY MAGALHÃES 2014 p 85 86 Pesquisas demonstram que quanto menor a idade do filho maior a facilidade em relacionarse de forma saudável com seu padrasto ou madrasta Assim a partir dos seis anos de idade da criança aumenta a dificul dade em se estabelecer essa relação especialmente quando há contato e vínculo com o pai ou mãe que não reside em conjunto Já nos casos em que os pais apoiam a relação do filho com o padrasto ou madrasta é mais fácil que aquele esteja disposto a manter um bom relacionamento com esses Da mesma forma quando os filhos perdem o contato com um dos pais há maior facilidade no estabelecimento de laços afetivos com o padrasto ou madrasta SARAIVA LEVY MAGALHÃES 2014 p 8586 A fim de possibilitar um bom relacionamento entre os membros das famílias recompostas parece ne cessário que sejam estabelecidos espaços papéis e funções de cada um dos membros Tal definição prévia evita conflitos uma vez que é visível que a liberdade dos membros terá interferência em razão das novas pes soas que passam a fazer parte da família Assim a existência de um conjunto próprio de regras de convivência a serem observadas pelos membros pode ajudar na convivência harmoniosa da nova família em formação TEIXEIRA 2005 p 120 Segundo João Baptista Villela a parentalidade independente de qual seja a origem ou nomenclatura desta filiação é uma questão de escolha Já em 1979 o autor argumentava sobre a possibilidade de escolher evitar a gravidez tanto quanto a possibilidade de gerar um filho por meio de inseminações artificiais Na sua visão essas possibilidades trazem cada vez mais autonomia para o exercício da parentalidade Chegados à plenitude desse novo estágio os filhos mais do que nunca serão experimentados não como sa lário do sexo mas como o complemento livremente buscado e assumido de um empenho de personalização que lança suas raízes no mais poderoso dinamismo transformacional do homem que é o dom de si mesmo VILLELA 1979 p 413 Por sua vez ressaltase o grande avanço jurídico quanto ao reconhecimento da filiação socioafetiva e a possibilidade de realização de maneira voluntária mediante requerimento ao oficial registrador nos termos do Provimento 632017 e 832019 do CNJ No requerimento voluntário de parentalidade socioafetiva há evidente manifestação da vontade e por sua vez exercício da autonomia privada daquele que invoca os termos do Provimento e declara ser pai ou mãe socioafetivo de determinada pessoa perante o registrador As consequências jurídicas que serão aplica das a partir deste reconhecimento são as mesmas de uma filiação biológica de modo que a inclusão do nome do pai ou mãe socioafetivos no registro civil do filho apenas confirmará a posse de estado de filho e o cumpri mento dos demais requisitos Conforme mencionado no reconhecimento voluntário da parentalidade socioafetiva de filho maior de 12 anos artigo 10 do Provimento 832019 CNJ há o exercício da autonomia privada tanto do paimãe afe tivos quanto do filho que obrigatoriamente precisa manifestar sua anuência nos termos do artigo 11 4º do Provimento 832019 CNJ Se o filho for menor de 18 anos o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá o seu consentimento Não há dúvidas portanto da existência da autonomia privada no reconhecimento voluntário de parentalidade socioafetiva Mesmo quando o reconhecimento da socioafetividade não é voluntário entendese que ainda assim há a manifestação de vontade uma vez que para a configuração dos requisitos necessários ao reconhecimento tanto os laços afetivos quanto a posse de estado de filho dependem de escolhas interesse e responsabilida des parentais Retomando o precedente de relatoria da ministra Nancy Andrighi há trecho em seu voto que demons tra o entendimento da manifestação de vontade no vínculo da filiação socioafetiva 7 Neste caso quando os autores mencionam pai estendese neste estudo a aplicação à mãe também uma vez que hoje ambos os sexos assumem a guarda unilateral ou ainda são os guardiões dos filhos em casos de fixação de guarda compartilhada de modo que neste estu do não há distinção de gênero ao tratar do tema Ano XXIX nº 53 juldez 2020 ISSN 21766622 O RECONHECIMENTO DA SOCIOAFETIVIDADE NAS FAMÍLIAS RECOMPOSTAS UMA SITUAÇÃO FÁTICA OU EXERCÍCIO DA AUTONOMIA PRIVADA 297 Por isso se a existência da filiação sócioafetiva é trazida ao mundo jurídico por declaração de vontades cum pre ao julgador reconhecer validade e eficácia nesse ato STF Resp 878941DF 2007 Fora demonstrado anteriormente que existe em muitas famílias recompostas a figura do padrasto ou madrasta assumindo tão somente funções e papéis conjugais na família de apoio à sua companheira ou com panheiro ainda que resida no mesmo lar que os enteados Isto é em certos casos não há o cumprimento dos requisitos da posse de estado de filho e dos laços afetivos o que indica a não observância dos requisitos mínimos para o reconhecimento da socioafetividade Da mesma forma foi mencionado que normalmente quando os filhos têm contato com o pai ou mãe que não reside na mesma casa e quando são maiores de seis anos dificilmente criam laços parentais com os padrastos ou madrastas o que pode levar ao não cumprimen to dos requisitos necessários para a filiação socioafetiva Por isso entendese que para o reconhecimento não voluntário da parentalidade socioafetiva deverão ser observados os requisitos estipulados para o seu reconhecimento juntamente com a autonomia privada que apesar de não constar expressamente como um dos requisitos está implicitamente vinculada aos requi sitos da posse de estado de filho e da existência de laços afetivos uma vez que pai e mãe ou se é por decisão pessoal e livre ou simplesmente não se é VILLELA 1979 p 414 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base no estudo realizado é considerada família recomposta aquela em que estão presentes filhos de relacionamentos anteriores em novo relacionamento afetivo passando a conviverem padrasto ou madras ta um dos pais e os filhos ou enteados todos no mesmo lar Esta convivência entre padrasto ou madrasta e enteados pode ser reconhecida como socioafetividade desde que presentes os requisitos necessários para tal quais sejam laços de afetividade tempo de convivência e posse de estado de filho Do mesmo modo foi possível compreender o papel da autonomia privada nas relações familiares e a sua aplicação no reconheci mento da parentalidade socioafetiva Em cumprimento ao método hipotéticodedutivo utilizado na presente pesquisa as hipóteses levan tadas para problematização deste estudo foram i a simples convivência de padrastos ou madrastas com os enteados por si só pode configurar socioafetividade ii é necessária a manifestação de vontade por parte do padrastomadrasta de ser paimãe socioafetivo dos enteados iii a manifestação de vontade de reconheci mento de uma parentalidade socioafetiva é automática e está presente por meio da escolha conjugal por um par que possui filhos de relacionamento anterior pois quando se escolheu oa parceiroa automaticamente fora reconhecida a socioafetividade A terceira hipótese parece ser a mais incongruente e desde logo deve ser descartada Conforme já mencionado o estudo trouxe a caracterização de três papéis exercidos por padrastos ou madrastas paimãe substituto paimãe adicional e falso paimãe sendo os primeiros aqueles padrastos ou madrastas que subs tituem os pais e assumem as responsabilidades parentais os segundos aqueles que somam e o vínculo per manece com o pai ou mãe em conjunto com o padrasto ou madrasta e o terceiro denominado falso pai que no nosso entendimento também pode ser falsa mãe que seria o padrasto ou madrasta preocupados tão somente com sua relação conjugal e com funções que se limitam a esta relação não assumindo quaisquer responsabilidades perante seus enteados Entendese que a simples aceitação de entrar em um relacionamento com uma pessoa que já tem filhos de relacionamentos anteriores não faz do padrasto ou madrasta pai ou mãe socioafetivoa pois a autonomia privada foi manifestada unicamente em relação ao casamento ou constituição de união estável não sendo possível estender automaticamente a anuência para a caracterização do vínculo com oa companheiroa ao relacionamento com os enteados e nem mesmo afirmar que essa escolha foi conjunta Por este motivo a hi pótese foi considerada falsa As duas hipóteses remanescentes são propriamente o objeto de questionamento presente no título deste artigo Seria a socioafetividade dentro das famílias recompostas passível de ser reconhecida pela sim ples situação fática ou há necessidade de manifestação da autonomia privada para escolher entre exercer ou não essa parentalidade socioafetiva Editora Unijuí Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Luciane Sobral Marco Antonio Lima Berberi 298 Para fundamentar a resposta é necessária a aplicação dos requisitos da socioafetividade abordados an teriormente O tempo de convivência certamente será requisito cumprido por boa parte das famílias recom postas porém os requisitos i laços de afetividade e ii posse de estado de filho deverão ser observados cautelosamente uma vez que não podem ser considerados presentes de modo geral em todas as famílias recompostas O termo afetividade do ponto de vista jurídico não corresponde ao afeto psicológico e emocional mas está vinculado às responsabilidades cuidado e funções assumidas na relação parentalfilial Por sua vez para configurar a posse de estado de filho é imprescindível a presença de critérios como publicidade continuidade e ausência de equívoco ou ainda Nomem Tractatus e Fama como mencionado anteriormente Nem todos os padrastos e madrastas no entanto assumem as responsabilidades e consideram o enteado como filho tra tando e chamandoo como tal nestes casos entendese que os requisitos para o reconhecimento da parenta lidade socioafetiva não estariam presentes É considerada falsa portanto a primeira hipótese uma vez que a convivência por si só não configura a socioafetividade Com relação à autonomia privada objeto da segunda hipótese esta encontrase claramente demons trada no reconhecimento voluntário da socioafetividade disposto no Provimento 632017 alterado pelo Pro vimento 832019 ambos do CNJ em que há previsão de expressa manifestação de vontade pelo pai ou mãe socioafetivos e pelo filho menor de 18 e maior de 12 anos Sabese que o exercício da autonomia privada está presente a todo momento nas famílias recompostas nas mais diversas escolhas feitas por essas No que se refere ao reconhecimento da posse de estado de filho os envolvidos diretamente na relação leiase enteados e padrastos ou madrastas devem manifestar vontade específica Isto significa que tanto o padrasto quanto a madrasta devem dirigir a sua vontade no sentido do reconhecimento do enteado como filho como também o enteado reconhecer padrasto ou madrasta como pai ou mãe reconhecimento recíproco Esse reconhecimento precisa ser exteriorizado ou seja deve haver reco nhecimento social Nomem Tractatus e Fama não bastando apenas seu reconhecimento no seio da família recomposta Assim sendo antes de qualquer análise do ponto de vista jurídico há necessidade de verificação da convivência da família isto é em algum momento do relacionamento dessa família houve o exercício da auto nomia privada por seus membros seja para aceitar ou rejeitar por meio de palavras ou ações o tratamento a responsabilidade o nome entre outros aspectos que remetem à existência de socioafetividade Não pode haver a presunção de que o mero convívio pressupõe a socioafetividade ao contrário a presunção é de que não há parentalidade socioafetiva por isso se exige a manifestação expressa de vontade e reciprocidade que configure a posse de estado de filho para seu reconhecimento Concluise então que a segunda hipótese se apresenta como a mais acertada para responder à inda gação do presente estudo constatandose que a autonomia privada fazse necessária ao reconhecimento da socioafetividade seja no que diz respeito à formação dos laços de afetividade ou na configuração da posse de estado de filho de modo que a autonomia privada refletirá a situação fática de existência ou não de socioafe tividade 6 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE Fabíola Santos A família eudemonista do século XXI CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA 8 2011 Anais IBDFAM 2011 p 8895 Disponível em httpwwwibdfamorgbrassetsuploadanais269pdf Acesso em 19 maio 2019 CALDERÓN Ricardo Lucas Princípio da afetividade no direito de família Rio de Janeiro Renovar 2013 438 p CASSETARI Christiano Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva 2 ed São Paulo Atlas 2015 247 p CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Provimento 63 de 14 de novembro de 2017 Disponível em httpwwwcnjjusbrfiles atosadministrativosprovimenton6314112017corregedoriapdf Acesso em 12 fev 2019 DIAS Maria Berenice Sociedade de afeto um nome para a família Revista Brasileira de Direito de Família Porto Alegre 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