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Antropologia Social
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Diversidade Cultural enquanto Discurso Global Gustavo Lins Ribeiro A humanidade parece sempre depararse com uma disjunção extrema como se tivesse que decidir entre forças conflituosas ou compatíveis homogeneidade ou heterogeneidade competição ou cooperação guerra ou paz Em uma era de globalização exacerbada estes cenários são frequentemente concebidos a partir de discursos que retratam choques de civilizações ou que ao contrário celebram a diversidade cultural como o fundamento do diálogo intercultural A governança global é nos dias de hoje um campo político complexo No entanto muitos de seus agentes e agências são em maior ou menor escala influenciados por tais discursos Existem pois agências e agentes globais em cujas visões prevalece uma compreensão da globalização como um processo homogeneizante conflituoso e outros que a enxergam como uma oportunidade para gerar cooperação entre entidades heterogêneas Meu objetivo principal neste artigo é discutir diversidade cultural enquanto discurso global de elites engajadas na cooperação internacional e na governança global Com efeito a atual capacidade que diversidade cultural tem de construir um amplo consenso aparece claramente quando agentes sociais que acreditam em diferentes discursos buscam diferentes posições políticas como os executivos do Banco Mundial e ativistas do movimento antiglobalização compartilham a percepção de que a diversidade é um valor que deve sempre ser cultiva do e preservado A fim de atingir meus objetivos discutirei em primeiro lugar as relações entre diversidade e globalização Explorarei então a tensão universalparticular para oferecer a noção de cosmopolitismo como um tipo distinto de discurso global Antes de considerar os limites das pretensões à universalidade dos principais discursos globais contemporâneos tais como direitos humanos desenvolvimento Patrimônio Mundial discutirei diversidade cultural nos moldes do que chamo de discursos globais fraternos aumento da complexidade dos fluxos de pessoas bens capital e informação Com segmentações étnicas repertórios de informação e diferenças culturais mais complexos produzidos pela compressão do tempoespaço Harvey 1989 a diversidade cultural tem se tornado um tópico altamente politizado tanto internamente aos Estadosnação como em um nível global A política da diferença evoluiu rapidamente transformando demandas étnicas e culturais por reconhecimento em importantes campos de lutas políticas contemporâneas Consequentemente muitos discursos ideologias e utopias referemse à questão da diversidade cultural A culturalização dos conflitos políticos especialmente aqueles envolvendo demandas por cidadania baseadas em identidades étnicas reforçou as ideologias de pluralismo e multiculturalismo ver Kymlicka 1996 e Sartori 2000 por exemplo É verdade que a globalização torna mais intensa a exposição à diferença e mais complexa a diferenciação social No entanto discursos sobre diversidade assim como sobre universalismo e particularismo estão relacionados às tensões existentes nas partes constitutivas de qualquer sistema social especialmente aqueles sistemas inseridos em dinâmicas de crescimento e expansão Tensões entre forças centralizadoras e descentralizadoras são inerentes à expansão capitalista por exemplo A triunfante expansão global contemporânea do capitalismo tem maximizado tais tensões A luta por diversidade cultural faz parte cada vez mais da luta contra as tendências centralizadoras do capital global em setores econômicos tais como as telecomunicações e as indústrias culturais A defesa da diversidade cultural pode contudo também refletir a visão das corporações transnacionais acerca da natureza glocal da atual economia política Os processos de centralização estão relacionados ao poder de acumulação e homogenização à produção estereotipada assim como à criação de taxonomias para controle das diferenças Os processos de descentralização estão relacionados ao poder de disseminação e heterogeneização à produção diferenciada como também à criação de taxonomias que visam beneficiarse da diversidade Porém a descentralização pode se dar de maneiras que igualmente reforcem o poder de acumulação e que implicam sistemas de controle e organizacionais mais sofisticados e flexíveis já que se localizam em caminhos atravessados por forças paradoxais Estes cenários são marcados por uma descentralização com centralização um oxímoro utilizado por Saskia Sassen 1991 para explicar algumas dinâmicas da globalização contemporânea Em processos de descentralização com centralização a administração da diversidade adquire maior importância estratégica enquanto a uniformização é relegada a segundo plano Diferença tornase uma vantagem e um problema como tal precisa ser conhecida e domesticada As agências e redes de governança global necessitam lidar com a diferença O poder centralizador delas baseiase em parte em suas capacidades para conciliar tantas as diversas demandas independentes originadas do sistema global por elas administrado quanto as respostas diferenciadas dadas pelo sistema global diante de regulações centralizadoras estão sujeitas às dinâmicas de descentralizaçãocentralização e precisam enfrentar os problemas trazidos pela diversidade à sua reprodução Diversidade cultural tornouse um pauparatodaaobra um termo ubíquo que abarca posições políticas contraditórias defendidas por Estadosnação agências de governança global e corporações de comunicação Mattelart 2005 De fato o discurso sobre a diversidade é um universo de disputas Existem diferentes tipos de diversidade situados em dois grandes campos definidos pela presença premente de interesses políticos ou gerenciais A diversidade pode portanto tornarse uma grande prioridade para formadores de políticas públicas interessados na resolução de conflitos ou em iniciativas de desenvolvimento ver The World Bank 2001 42 e Marc 2005 assim como para ativistas políticos interessados nas lutas por sobrevivência de povos nativos ou no fortalecimento da sociedade civil global ver Gaventa 2001 280 e a Carta de Princípios do Fórum Social Mundial wwwforumsocialmundialorgbr por exemplo A diversidade é uma obrigação especialmente para as agências de governança global uma vez que diferenças culturais são sempre potencialmente ou de fato parte de suas atividades diárias ver Ribeiro 2003 É igualmente um tema obrigatório para todos aqueles politicamente sensíveis ao papel da diferença na construção de grandes unidades políticas Resumindo diversidade pode ser uma ferramenta para a reprodução ou para a contestação da hegemonia Não há nada na diversidade que necessariamente a coloque como um desafio aos detentores do poder Bem ao contrário a diversidade pode ser relacionada a uma longa discussão sobre pluralismo debate central no liberalismo Sartori 2003 Neste sentido não surpreende que as questões levantadas pela diversidade sejam um tema principal do debate democrático especialmente nas últimas décadas em que o respeito pela diferença tornouse um grande foco da agenda da sociedade civil Taylor 1994 Kymlicka 2001 Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural modernidade confundiu portanto universalidade abstrata com a globalidade concreta hegemonizada pela Europa enquanto centro idem Um projeto como o Dipesh hakrabarty 2000 de provincializar a Europa também tem implicações para a intenção de descentralizar universalismos e criticar a modernidade europeia como padrão de medida O projeto questiona o papel proeminente desempenhado pela historicidade na construção de interpretações ocidentais e abre o caminho para uma renovação do pensamento europeu a partir das margens A explosão das totalidades e a valorização de fragmentos e da multiplicidade de tempos e espaços indicam novas tensões entre universalismos e particularismos Universais e particulares constituem um tópico altamente debatido por filósofos Os antropólogos no entanto têm igualmente mantido há tempos uma preocupação referente a estas questões já que se interessam pela compreensão da cultura como um atributo geral da humanidade e de culturas enquanto múltiplas existências de tal atributo Filósofos assim como antropólogos têm contraposto universalismo a particularismo e a relativismo A discussão em torno do relativismo cultural tem sido de uma forma ou de outra central para a antropologia desde sua origem e vem sendo revisitada há décadas ver por exemplo Herskovits 1958 Geertz 1984 AbuLughod 2002 Ao mesmo tempo antropólogos têm chamado a atenção para as trocas e interconexões existentes entre populações humanas para a natureza espúria e híbrida das culturas ver por exemplo Sapir 1924 Wolf 1984 García Canclini 1990 Werbner 1997 Os multifacetados por vezes paradoxais sentidos de diversidade cultural são herdados das discussões sobre a noção da cultura Eles têm tempos estado presente nos debates antropológicos acerca da cultura no singular e de culturas no plural A noção antropológica de cultura significa atributos universais compartilhados por todos os seres humanos O termo culturas referese às variações concretas de tais atributos em incontáveis contextos históricos e geográficos Cultura no singular também pode ser usada na descrição de uma forma única da experiência humana como na expressão cultura Yanomami Assim o mesmo substantivo pode expressar um universal e os seus particulares aspectos comuns a todos os seres humanos assim como experiências vivenciadas por apenas uma parte da humanidade Sob o guardachuva de um único atributo humano cultura as diferentes culturas precisam ser compreendidas em sua pluralidade e em sua capacidade de comunicarse entre si Cultura existe apenas através de culturas Culturas podem portanto ser associadas a entidades universais particulares ou mistas As propriedades deste conceito criam apropriações tais como a valorização simultânea da diversidade e da unidade Não deveria pois ser uma surpresa que Raymond Williams 1983 em sua conhecida obra intitulada Keywords sustentou ser cultura uma das duas ou três palavras mais complicadas existentes Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural ou pretendem tornarse universais Resumindo estou interessado em discursos globais que se pretendem universais e que precisam ser enquadrados em histórias específicas de poder uma vez que estes refletem capacidades desiguais de definir o que é comum ou desejável a cada ser humano A transformação de particulares em universais é um problema de ordem sociológica e histórica mais do que de ordem lógica O monopólio do que é universal é um meio de reprodução de elites globais Os agentes locais não conseguem fazer com que suas concepções de universais sejam ouvidas muito menos impostas a menos que se articulem com poderosas redes globais neste caso eles deixariam de ser estritamente falando atores locais Três particularismos Para uma melhor compreensão do universo mais amplo em que situo meu raciocínio irei subdividir o particularismo em três categorias particularismos locais particularismos translocais e por fim particularismos cosmopolitas que frequentemente coexistem em uma mesma formação cultural Variam de acordo com a as diferentes maneiras que o papel da diferença e da igualdade é representado por atores sociais na construção de suas identidades b os papéis que diferença e igualdade desempenham na construção de grandes unidades Na realidade dada as complexas relações que diferentes coletividades de pessoas mantêm ao longo do tempo ao contrário da crença comum os particularismos são o produto de histórias de interconexões e trocas Neste sentido todo particularismo é híbrido Vale ressaltar que não há culturas genuínas se já que estão sempre inscritas em processos e contextos mais amplos Concordo com Eric Wolf para quem nem as sociedades nem as culturas devem ser vistas como dadas integradas por alguma essência interna um fundamento organizacional ou um plano mestre Antes grupos culturais e grupos de grupos estão em continua construção desconstrução e reconstrução sob o impacto de processos múltiplos que operam em amplos campos de conexões sócioculturais Wolf 2001 313 Apesar desta abordagem da cultura mais complexa e não essencialista os atores sociais são frequentemente levados a acreditar na existência de formas culturais genuínas pertencentes a um único grupo ou ao mesmo exclusivamente criadas por um povo único Esta forma de representação social é o que oferece condições para o desenvolvimento de particularismos locais Particularismos locais são o conjunto de práticas e discursos mantidos por certas pessoas em uma dada localidade de tal maneira que eles parecem ser social e espacialmente delimitados Em virtude de seu forte apego à originalidade e à autenticidade os particularismos locais parecem ser idiossincráticos Tal tipo de particularismo é relevante especialmente quando se associa à crença que se refere a expressões e modos de vida únicos a um certo povo Assim ele é imediatamente relacionado a diferenças e diversidades culturais Oferece um forte sentido de coesão de unidade e de identidade sendo uma poderosa fonte para a construção de coletividades Os particularismos locais são úteis para contrastarnos o povo x com eles o povo y Como grandes forças de formação identitária elas são fundamentais para definir as redes de aliança e cooperação entre as pessoas entendidas como mem Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural bros internos de uma coletividade assim como para definir as linhas que demarcam quem são os outsiders As ideologias multiculturalistas de convivência principalmente aquelas que enfatizam limites e fronteiras desempenham um papel importante neste universo Ainda que os particularismos locais sejam menos simbólicos à disposição das populações locais também podem disseminarse para outras pessoas Isso é especialmente verdade em uma era de globalização caracterizada pela existência de diversos fluxos desterritorializados de bens informações e pessoas Porém nem todos os particularismos fluem com a mesma intensidade de visibilidade Os particularismos locais encontramse dentre alguns dos mais sólidos pilares do etnocentrismo o ambivalente sistema ideacional que simultaneamente responsiva por representações positivas sobre os grupos dos quais os próprios atores sociais fazem parte tanto quanto por representações negativas dos que não fazem parte O etnocentrismo politicamente ativo pode levar tanto a essencialismos quanto a fundamentalismos A emergência destas ideologias baseadas na exacerbação de diferenças culturais deve ser compreendida nos contextos sóciopolíticos onde há a presença de enormes diferenças de poder entre diferentes segmentos étnicos A globalização tem produzido contradições entre segmentos étnicos e os Estadosnação ao mesmo tempo em que incrementa a habilidade destes segmentos para a realização de alianças internacionais Porém uma vez que a maioria dos conflitos étnicos é do interior dos Estadosnação ver Williams 1989 para a relação entre racismo e a construção da nação estas grandes unidades políticas são o contexto em que ideologias de convivência são reconstruídas no mais das vezes como o resultado de confrontos entre diversos segmentos étnicos e governos centrais Nas últimas quatro décadas traçando novas dinâmicas e pressões à vida política Taylor 1993 Kymlicka 1996 2001 Glazer 1998 O papel estratégico que os países anglosaxões exercem na produção de matrizes discursivas contemporâneas é o motor por trás da disseminação mundial de perspectivas multiculturalistas Esta proeminência tem sido associada ao imperialismo cultural norteamericano Bourdieu e Wacquant 2002 isto é com um particularismo local que é universalizado através de efeitos de poder A americanização da cultura mundial é um tema ambivalente intimamente relacionado às discussões sobre imperialismo que amíude refletem a posição ideológica do autor Concordo com Dezalay 2004 12 que a americanização é um termo reducionista pois atrapalha a percepção da longa história de estratégias internacionais produzidas pelos Estadosnação que lutam em arenas globais visando a imposição de diferentes modos de conhecimento de Estado Penso no entanto ser possível concordar que a por um lado não há dúvida de que atores locais indigenizam fluxos globais de informação e de cultura e que algumas vezes resistem a eles b por outro lado é notável a proeminência de artefatos e matrizes discursivas norteamericanos nestes fluxos Hunter e Yates 2002 ilustram bem o que acabo de dizer Em seu trabalho sobre o mundo dos globalizadores americanos eles prestam atenção às forças de indigenização e hibridização reconhecendo entretanto que ao fim do dia estamos ainda nós defrontando com a realidade presente do poderoso se não dominante papel americano no processo de globalização p 325 Baseados em entrevistas com administradores e executivos dos mais altos cargos em grandes organizações e corporações transnacionais eles mostram como estas elites globais monologam falantes apenas do inglês exportam seus programas ideológicos e morais Estas elites vivem em uma bolha sóciocultural de crenças e práticas caracterizada por uma enorme exposição à compressão do tempoespaço e aos homogenizados espaços fragmentados globais uma fé cega na inevitabilidade da globalização e no mercado uma avaliação positiva de seu próprio trabalho nunca visto como destrutivo das culturas locais e pela noção de que eles todos estão respondendo de diversas maneiras às necessidades universais enraizadas na concepção do indivíduo como um ator social que é racional competitivo e consumista 2002 355 Sua autoridade moral é fundamentada na linguagem dos direitos e necessidades universais do indivíduo 2002 338 Necessidades universais definemse em sinfonia com o programa dos globalizadores Neste contexto o multiculturalismo desempenha claramente um papel instrumental e funcional É tudo enquanto uma estratégia para corporações multinacionais por temperar tanto a imagem quanto a realidade de seu trabalho como um imperialismo soft Harmonizar o apelo moral com direitos e necessidades universais representa portanto uma tendência a indigenizar suas marcas identidades organizacionais e seus clientes 2002 341 Diversidade cultural e local deve ser respeitada enquanto uma necessidade de sobrevivência em um mundo globalizado A indigenização isto é a apropriação local é vista como uma estratégia glocal de marketing Este quadro mental está longe de transformar tais globalizadores em uma elite cosmopolita Hunter e Yates concluem que Previamente neste processo é a crença de que uma forte ideia humanitária subjaz ao seu trabalho e ao trabalho das organizações que eles representam Seja comercial de entretenimento religiosa ou educacional a missão organizacional de seu trabalho é encontrarse como uma necessidade humana que seja fundamental e universal mesmo o for caso de eles estarem criando tal necessidade Então de maneiras sobre as quais eles nem sempre refletem querem acreditar que estão juntamente com o seu trabalho contribuindo para o bem moral Desse modo a vanguarda da globalização mantém um sentido de inocência moral a respeito do mundo que ajudam a criar O cinismo está simplesmente ausente ao contrário a candura sobre quem são eles e o que estão fazendo surgir é a sensibilidade avassaladora2002 355 em conflito representam mais um indicativo de que a disseminação de particularismos locais ocorre em um universo onde abundam outros discursos sobre a melhor maneira de administrar os conflitos de diversidade cultural Alguns destes discursos estão mais preocupados com formas de interação e de diálogo do que com a diversidade enquanto uma coleção de unidades distintas que entretanto são forçadas a viverem juntas visto que suas vilas se desenrolam internamente a uma mesma estrutura política a do mundo globalizado Estes outros discursos relacionamse ao que chamo de particularismos translocais Os particularismos translocais claramente admitem ser um produto de inúmeras trocas e empréstimos Eles referemse abertamente a pessoas e culturas localizadas em múltiplas situações geográficas A diversidade não se define apenas pela existência de outros exóticos cuja presença estabelece claras fronteiras nóseles A diversidade cultural é vivenciada como uma realidade que não é estranha à comunidade ao contrário a diversidade e a hibridização são vistas enquanto marco identitário fundamental Os particularismos translocais constituem parte importante das ideologias de identidade de mestiços e diásporas e nesse plano exercem um papel homólogo ao dos particularismos locais na formação identitária ver por exemplo Sahlins 1997 Neste sentido particularismos translocais podem terem tornaremse essencialismos e fundamentalismos Contudo os atores sociais que sustentam particularismos translocais são mais conscientes dos empréstimos e contribuições provenientes de outras formações culturais Assim eles não se mostram tão dispostos a produzir ideologias de convivência como algumas formas de multiculturalismo baseadas em diferenças e limites rígidos A ideologia central aqui é a da interculturalidade um discurso que enfatiza a mutualidade mais que a exclusividade Néstor García Canclini 200415 traça a seguinte distinção entre multiculturalismo e interculturalidade Conceções multiculturalistas admitem a diversidade de culturas salientam as suas diferenças e propõem políticas relativistas de respeito que frequentemente reforçam a segregação A interculturalidade por outro lado aponta para o confronto ou o entrelacemento para o que ocorre quando grupos estabelecem relações e trocas Ambos os termos supõem dois modos de produção do social a multiculturalidade supõe a aceitação do que é heterogêneo a interculturalidade implica que os diferentes são o que são em relações de negociação conflitos e empréstimos recíprocos Os particularismos cosmopolitas são capazes de lidar com as tensões entre particularismos e universalismos entre hibridismo e fundamentalismo de uma maneira mais produtiva Diferentemente das formas de particularismos anteriormente mencionadas o particularismo cosmopolita é formado por discursos que tratam intrinsecamente de assuntos globais e que pretendem ser levados em consideração se não incorporados por outros povos Eles alimentamse do cosmopolitismo enquanto uma ideologia de tolerância compreensão inclusão e convivência Cosmopolitismo é uma noção ocidental que sintetiza a necessidade que agentes sociais têm de conceber uma entidade política e cultural maior que sua territorial que englobaria todos os seres humanos em escala planetária O cosmopolitismo pressupõe uma atitude positiva diante da diferença um desejo de construir amplas alianças e comunidades globais pacíficas e igualitárias formadas por cidadãos que deveriam estar aptos a comunicaremse através de fronteiras sociais e culturais gerando uma solidariedade universalista A sua força inclusiva fazse mais evidente em momentos de crise de outros modos de representar e de atribuir pertencimento a unidades sóciopolíticas e culturais já existentes Muito do malestar é mal entendido que o cosmopolitismo possa provocar estão relacionados com sua ambiguidade isto é uma maneira singular de unir diferença e igualdade de um paradoxo aparente de desejar reconciliar valores universais com a diversidade de posições cultural e historicamente construídas A formação do termo grego cosmopolis já indica tal tensão insolúvel cosmos uma ordem natural universal relacionase com polis a variável ordem da sociedade Em consequência das democráticas cidadesestado da Grécia às cidades globais a noção de cosmopolita tem sido perseguido por questões como de quem é este mundo do cidadão do mundo Desde seu início o cosmopolitismo tem sido uma categoria marcada por uma necessidade de negociar com outros e tem refletido tensões entre realidades locais e supralocais perspectivas etnocêntricas e relativistas e entre particularismo e universalismo Os particularismos cosmopolitas mostramse como os mais facilmente universalizáveis isso por já constituíremse a partir de concepções globais de solidariedade inclusão e respeito diante da diversidade cultural Atualmente o cosmopolitismo é uma ideologia de convivência das mais poderosas entre os globalizadores independentemente de suas diferenças políticas com relação às características e objetivos da globalização Seja no movimento antiglobalização ou no Banco Mundial ser um cidadão do mundo é uma necessidade Dificilmente poderia ser de outra maneira pois elites políticas globais altamente expostas à compressão do tempoespaço e à diversidade étnica desenvolvem de fato uma identidade mais complexa já que os poderes reestruturadores de diferentes níveis de integração local regional nacional internacional e transnacional funcionam de modo diferente para aqueles que estão sujeitos a forças globais e transnacionais Ribeiro 2000 A diversidade cultural é assim uma ideologia central que os cosmopolitas tentam universalizar Cosmopolíticas Particularismos cosmopolitas coincidem em grande medida com o que eu chamei em outro contexto Ribeiro 2003 de cosmopolítica Esta noção permite explorar os particularismos cosmopolitas como uma forma de discurso político global e ir além da tensão particularuniversal que de uma forma ou de outra é uma grade que encerra esta discussão De fato cosmopolíticas são discursos globais conscientes de sua natureza política Cosmopolíticas consistem em matrizes discursivas intrinsecamente relacionadas à interpretações e ações políticas de alcance global É por isso motivo que agências de governança global são centros de produção de cosmopolíticas Há dois campos de interpretação e promoção da cosmopolítica O primeiro é hegemônico por capitalistas transnacionais e suas elites associadas que levam um mundo neoliberal sem fronteiras leiase o livre acesso aos mercados e aos recursos sociais e naturais de todo o mundo Eles também postulam o fortalecimento de agências de governança global tais como o Banco Mundial o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio A diversidade cultural e o respeito à diferença são vistos como um meio para a obtenção de concordância e governança ou como uma estratégia de mercado A cosmopolítica hegemônica promove a reprodução do establishment global O segundo campo é representado por agências e intelectuais no sentido gramsciano Gramsci 1978 interessados em outros tipos de globalização e na disseminação de cosmopolíticas críticas Tais intelectuais são tipicamente encontrados no ambiente universitário especialmente em áreas como antropologia ciência política economia estudos culturais filosofia geografia literatura relações internacionais sociologia em organizações nãogovernamentais e em movimentos sociais Eles defendem e promovem a difusão de visões de heterogeneidade heteroglossia diversidade cultural e de fortalecimento dos atores locais Eles postulam a necessidade de uma sociedade civil global que regule o poder das elites hegemônicas transnacionais e desterritorializadas As articulações internas a esta segunda tendência são a base de cosmopolíticas contrahegemônicas dos ativistas transnacionais Ambos os campos de diferentes maneiras alimentamse de discursos globais tais como por exemplo desenvolvimento com as suas promessas de bemestar ilimitado e transcendência tecnológica republicanismo liberalismo socialismo ambientalismo e defesa dos direitos humanos Também são fortalecidos pelos novos quadros mentais das atividades políticas e culturais engendradas pelas tecnologias de comunicação do final do século XX As tecnologias de comunicação tornaramse um foco de explorações sobre cultura global assim como sobre a emergência de novas e flexíveis identidades interações eletrônicas e espaços públicos hibridismo cultural e comunidades políticas cosmopolitas A internet acarretou a existência de uma comunidade transnacional imaginadavirtual sincronia pelo ciberespaço integrando em tempo real e envolvida em trocas globais sejam elas econômicas culturais ou políticas A internet porém não substitui o copresente real que permanece fundamental para a existência de rituais que estimulam a construção de complexas cadeias de solidariedade entre os atores políticos Tal necessidade pode ser vista por exemplo na importância nas últimas duas décadas dos mega ritmos globais de integração de elites transnacionais como as conferências das Nações Unidas e o Fórum Social Mundial A noção de cosmopolítica mostrase útil no debate acerca das possibilidades de articulações supra transnacionais na era atual caracterizada por uma intensa criação de redes de atores globais Diferentemente da noção de universal cosmopolítica não esconde sua natureza política e a necessidade de formar composições políticas mais amplas Articulação tornase portanto uma palavra chave uma vez que a eficácia da cosmopolítica em um nível transnacional depende de sua disseminação em redes A isto somase o fato de que a noção de cosmopolítico também implica o reconhecimento de que não há nenhuma cosmopolítica capaz de dar conta da complexidade e diversidade dos conteúdos dos discursos e culturas globais Realmente seria uma contradição com a própria ideia de cosmopolítica que pode haver um e apenas um conteúdo para todos os assuntos glocalizados Por definição pode haver apenas cosmopolíticas híbridas e pluras No entanto elas são o produto de diferentes campos de poder Aquelas criadas por agentes hegemônicos tendem a se enquadrar em discursos que dificilmente disfarçam a sua pretensa superioridade ontológica diante de outros Ao mesmo tempo em que tais formulações formalmente respeitam a diferença e diversidade elas aproximam da ideia de um destino moral e teológico que acaba equivalendo à construção de quaseuniversais longo do tempo Elas admitem críticas e revisões respeitando dissensões causadas por variações locais ou culturais Criticar ou oporse a cosmopolíticas faz parte das regras democráticas no cenário global Criticar ou oporse a um universal ou estar situado fora de seu raio de influência equivale a emitir um certificado de falta de compreensão de desrespeito por um valor civilizador fundamental ou de fé cega em um particular que representa interesses de uma minoria em rota de colisão contra o destino da humanidade e suas melhores qualidades Discursos Fraternos Globais Universais e cosmopolíticas disputam por legitimidade em um campo atravesado pelo que chamo de discursos fraternos globais Tratase de um campo complexo composto por igrejas diplomatas agências de governança global e de cooperação internacional fundações e ONGs políticos e acadêmicos Estes discursos têm sempre um impacto positivo Não A história está repleta de exemplos que mostram a violência e opressão em nome da religião liberdade e democracia Um dos problemas são os meios de que se valem poderosas agências para disseminar e implementar os discursos fraternos globais Em um mundo onde diversas cosmopolíticas competem entre si diversidade cultural tornouse altamente valorizada na economia simbólica global dos discursos fraternos Para uma definição formal da diversidade cultural como um discurso global não há documento melhor do que a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural da UNESCO adotada por sua 31a Sessão da Conferência Geral em Paris em 2 de novembro 2001 É o exemplo de uma proposta de uma agência que vê a globalização como uma oportunidade de incentivar a cooperação e a promoção da paz ver httpunesdocunescoorgimages0012001271127160mpdf Meu foco no UNESCO justificase por ter sido ela nas últimas seis décadas a agência especializada em assuntos culturais globais Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural tanto estou alerta aos deslizamentos semânticos que se tornan úteis na obtenção de metas distintas de suas próprias premissas Quantas vezes em nome da democracia dos direitos humanos e da liberdade regimes autoritários foram implantados ou violentas intervenções imperialistas foram perpetradas A ambivalência destas formulações precisa ser considerada se quisermos compreendêlas melhor ver por exemplo Ribeiro 2002 2004 Direitos Humanos Os direitos humanos constituem um discurso fraterno global fundamental responsável pelos avanços na regulação dos abusos cometidos por poderosos e violentos agentes e agências sociais A difusão mundial dos direitos humanos como um discurso tem sido efetiva na que eles podem ser considerados enquanto elementos chave das construções utópicas e ideológicas do mundo contemporâneo transnacional Os direitos humanos são baseados em uma concepção universal de direitos aos quais as pessoas têm acesso não importando suas cidadanias particulares Uma vez que o uso legítimo da violência sempre relacionase a valores culturais religiosos e políticos a universalidade dos direitos humanos supõe a existência de valores universais uma perspectiva altamente problemática Serge Latouche 2002 85 por exemplo coloca que devemos começar a reconhecer a inexistência de valores que transcendam a maioria das culturas pela simples razão de que um valor apenas existe junto a um específico contexto cultural De fato a universalidade dos direitos humanos nunca foi objeto de consenso Até os dias de hoje a Declaração universal dos direitos humanos da Nações Unidas é o mais importante documento internacional a este respeito Depois de sua aprovação em 1948 uma longa e difícil negociação deuse com relação aos compromissos que cada Estadonação estava disposto a assumir para implementar a declaração As dificuldades que surgiram nas negociações coincidiram com aquelas encontradas em geral pela ação internacional para a promoção dos Direitos Humanos Elas derivam do fato de que assumir certos compromissos jurídicos precisos sobre o assunto requer chegar ao entendimento sobre fórmulas capazes de expressar ideais comuns a diferentes Estados levando em conta suas tradições jurídicas sistemas políticos e fé religiosas Além disso seria igualmente necessário considerar os diferentes padrões econômicos e sociais destes Estados e requerer a previsão de um sistema de controle especial capaz de promover para não dizer garantir a observância das normas objetos das negociações Mengozzi 2000 356 Quanto maior a variação cultural maior é a contestação da universalidade dos Direitos Humanos Vejamos por exemplo as tensões entre os Estadosnação ocidentais China e países muçulmanos surgidas a partir de divergências em torno a definições de Direitos Humanos Para os muçulmanos Direitos Humanos são de origem divina assim inextricavelmente entrelaçados com a lei divina Em 1981 Salah 2003 42 uma Declaração universal islâmica dos direitos humanos foi emitida pelo Conselho Islâmico Europeu baseado em Londres que differia do espírito da declaração das Nações Unidas esta altamente inspirada na visão iluminista do mundo Nos preceitos do preâmbulo por exemplo dizse que Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural Alá Deus ofereceu à humanidade por meio de Suas revelações no Sagrado Alcorão e na Suna de Seu Santo Profeta Maomé uma duradoura perspectiva legal e moral na qual se estabelece e regula as instituições e relações humanas e que os direitos humanos decretados pela Lei Divina visam a conferir dignidade e honra à humanidade e estão desenhados para eliminar a opressão e a injustiça wwwalhewarcomISLAMDECLhtml acessado em 041106 Direitos Humanos estão portanto no mais das vezes presos em cabos de guerra típicos da tensão universalparticular Eles podem ser tomados tanto como ferramentas indispensáveis nas lutas políticas democráticas e como um momento significativamente importante do processo civilizatório ou enquanto expressões etnocêntricas das pretensões hegemônicas de específicas formações culturais apoiadas por instituições Estados e alguns aparatos de poder Soares 2001 23 A relação entre direitos humanos e diversidade cultural é propensa a gerar contradições Consideremos por exemplo que os direitos humanos são igualmente úteis à proteção das minorias étnicas De fato apesar de seus origens ocidentais os direitos humanos têm se tornado uma categoria instrumental nas lutas de indígenas na América Latina A apropriação dos direitos humanos como um discurso fraterno global desperta valores absolutos como o repúdio radical ao genocídio ao etnocídio à xenofobia ao racismo e ao desaparecimento de opositores ao Estado Dessa forma o discurso global sobre os direitos humanos é tanto um particularismo transnacional o resultado de diversas negociações internacionais quanto um particularismo cosmopolita Pode também desempenhar o papel de um particularismo local quando agentes e agências hegemônicas e projetos imperialistas tentam essencializálo e universalizálo na contramão da diversidade cultural Este discurso constituiu um particularismo cosmopolita quando agentes e agências hegemônicos ou não encontramse abertos às variações dos direitos humanos de acordos com contextos sociopolíticos e culturais Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural Desenvolvimento Desenvolvimento é uma moderna ideologia e utopia do Ocidente Desde a 2a Guerra Mundial ele tem sido um dos discursos mais abrangentes no senso comum e na literatura especializada Sua importância para a organização das relações sóciopolíticas e econômicas levou antropólogos a consideraremno como uma das ideias básicas na cultura moderna da Europa Ocidental Dahl e Hjort 1984 166 algo como uma religião secular não que por sua vez ele e a ele uma heresia que sempre severamente punida MayburyLewis 1990 1 A abrangência e as múltiplas facetas do desenvolvimento são o que permitem suas diversas apropriações e leituras ainda que frequentemente divergentes A plasticidade do desenvolvimento é central para assegurar sua contínua viabilidade ele está sempre variando nas aproximações à ideia de desenvolvimento tanto quanto as tentativas de reforma expressãose nos inúmeros adjetivos que fazem parte de sua história industrial capitalista socialista para dentro para fora comunitário desigual dependente sustentavel e humano Tais variações e tensões refletem não apenas as experiências históricas acumuladas por diferentes grupos de poder em suas lutas por hegemonia no campo do desenvolvimento mas também momentos diversos de integração no sistema capitalista mundial Desenvolvimento atua como um sistema de classificação estabelecendo taxonomias de povos sociedades e regiões Edward Said 1994 e Arturo Escobar 1995 mostraram a relação entre criar uma geografia uma ordem mundial e poder Podese dito com Herzfeld 1992110 que criar e manter um sistema de classificações sempre caracterizou o exercício do poder nas sociedades humanas Classificações frequentemente produzem estereótipos que precisam ser subjugados povos por meio de simplificações que justificam indiferença para com a heterogeneidade Os estereótipos dificilmente conseguem esconder suas funções de poder no idioma do desenvolvimento e da cooperação cujos léxicos são repletos de dualismos referindose estática ou dinamicamente a Estados em transição ou a relações de subordinação desenvolvidonão desenvolvido países em desenvolvimento mercados emergentes ver Perrot et al 1992189 Os estereótipos podem igualmente tornarse palavras chave como auxílio ajuda doadoresrecipientes doadoresbeneficiados que indicam claramente de modo não muito sutil a diferença de poder entre dois conjuntos de atores legitimizando a transformação de um dos conjuntos em objetos de iniciativas desenvolvimentistas A pretensão do desenvolvimento à inevitabilidade não passa de outra facet de sua pretensão universalista O fato de o desenvolvimento fazer parte de um sistema mais amplo de crenças marcado por matrizes culturais ocidentais coloca grandes limitações às suas pretensões universalistas e é outra razão porque em vários contextos não ocidentais povos locais são relutantes a abriremse ao desenvolvimento É difícil discordar de que não há um método universal para atingirse uma boa vida Rist 1997 241 A préhistória do desenvolvimento reflete matrizes discursivas do ocidente tais como a da crença no progresso que é frequentemente remontada à Grécia antiga ver Delvaillle 1969 Dodds 1973 e outras relacionadas a importantes viradas históricas como o Iluminismoum momento crucial para o desdobramento dos pactos econômicos e sóciopolíticos da modernidade e as ideologias e utopias aí associadas industrialismo secularismo racionalização e individualismo por exemplo Leonard Binder 1986 1012 reconhece em algumas teorias do desenvolvimento uma matriz até mais estreita a imagem dos Estados Unidos como alguns liberais gostariam que fôssemos Mais recentemente no final da década de 80 e início da década de 90 desenvolvimento sustentavelmente reverberou noções de relações corretas entre a humanidade e a natureza típicas das classes médias protestantes e urbanas de países como Alemanha Inglaterra e Estados Unidos Ribeiro 1992 Mencionar brevemente algumas questões antropológicas que tornam problemática a pretensão do desenvolvimento ao universalismo O primeiro referese à existência de noções de tempo radicalmente diferentes LéviStrauss 1987 Desenvolvimento assentase em uma concepção que entende o tempo como uma sequência linear de estágios que avançam infinitamente em direção a melhores momentos Uma implicação desta construção ocidental é que crescimento transformação e acumulação tornamse princípiosguia de do desenvolvimento e central para assegurar sua contínua viabilidade ele está sempre variando nas aproximações à ideia de desenvolvimento tanto quanto as tentativas de reforma O desenvolvimento é portanto um particularismo local cuja universalização cavalga a expansão de sistemas de poder políticos e econômicos Com a virada cultural da década de 90 o desenvolvimento culturalizouse e o reconhecimento da diversidade cultural converteuse em um importante tema para planejadores ver por exemplo Marc 2005 Desenvolvimento contudo assentase sobre uma noção instr Barbosa 2001 135 Esta noção funcional concebe a cultura como um conjunto de comportamentos e significados interrelacionados ajustados e coerentes que podem ser identificados e valorizados em termos de seus impactos positivos ou negativos na conquista de objetivos Tal noção da cultura se acomoda bem junto ao campo do desenvolvimento por ajustarse perfeitamente a terminologia e a racionalidade dos planejadores Porém representa mal ao menos dois importantes pontos sobre a cultura a contradição e incerteza fazem parte da experiência humana e b a cultura é intrincada e marcada por relações de poder historicamente definidas a mudança cultural portanto sempre referese a mudanças de poder Resumindo a versão empobrecida e simplista de diversidade cultural é a que prevalece na área do desenvolvimento A consideração dos direitos humanos e do desenvolvimento indicou como importantes discursos globais encontramse sujeitos a conflitos de interpretações relacionados às características dos campos sóciopolíticos em que nos localizamos Os direitos humanos são um discurso regulatório global destinado a controlar a violência onde quer que seja a despeito da jurisdição Baseiase em supostas concepções universais de justiça e de direitos Como tal vinculase a um campo político onde prevalecem os debates judiciais e jurídicos e políticas públicas para a justiça O desenvolvimento é um discurso econômico global dirigido à expansão da produção de mercado em qualquer lugar do planeta Baseiase em supostas concepções universais de crescimento e bemestar coletivos apoiandose em um campo político dominado pelo planejamento debates e políticas públicas econômicas Direitos humanos e desenvolvimento estão sujeitos a sofrer resistência quanto a suas pretensões universalistas Em seus campos políticos favorecemse concepções reducionistas de diversidade cultural Patrimônio mundial é um outro discurso global de grande difusão contemporânea compartilhando diversas características com os direitos humanos e o desenvolvimento Mas sua particularidade é tratar de questões de reconhecimento Este o motivo pelo qual chamei de discurso de reconhecimento global destinado a definir uma família de extraordinários marcadores de identidade que são significativos em critérios nacionais e internacionais Se os direitos humanos e o desenvolvimento supõem reforçam e criam geografias de poder político e econômico o patrimônio cultural supõe reforça e cria uma geografia cultural de prestígio A Convenção da UNESCO de 1972 sobre a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural Mundial é o tratado internacional que afirma a necessidade de identificar proteger e preservar patrimônios culturais e naturais ao redor do mundo A definição de Patrimônio Mundial tem como foco o que é entendido por valor universal excepcional e apoiase em um campo político permeado de debates e políticas públicas culturais As Diretrizes operacionais para implementação da convenção sobre o Patrimônio Mundial assim definem Valor Universal Excepcional nômico e social das comunidades parece imperativo que seus valores e práticasjuntamente com seus sistemas tradicionais de administraçãosejam inteiramente compreendidos respeitados encorajados e acomodados em estratégias de administração e de desenvolvimento Centro do Patrimônio Mundial 2004 9 As conclusões e recomendações da conferência enfatizavam abertamente a necessidade de se ver valores locais e universais em um contínuo e não em uma hierarquia assim como salientavam que valores locais deviam ser levados em consideração na identificação e administração sustentável do Patrimônio Mundial ver Centro do Patrimônio Mundial 2004 166167 É como se uma sensibilidade cosmopolita global à diversidade cultural entrasse definitivamente em cena Houve apelos para a participação local e para o reconhecimento de que a inscrição de uma propriedade na Lista do Patrimônio Mundial deveria beneficiar as comunidades locais e internacionais como um todo e não apenas alguns intermediários Além disso de acordo com o documento as vozes das comunidades locais incluindo os povos nativos precisavam ser ouvidas particularmente nos foros internacionais sobre conservação e administração patrimonial Sistemas administrativos da diversidade ao contrário de conceitos rígidos foram elogiados e o uso de sistemas de administração tradicionais foi particularmente ressaltado onde quer que eles provem ser mais efetivos para conservação e mais vantajosos para o desenvolvimento sustentável social e econômico das populações locais Em suma a agenda pareceu inclinarse a posições similares àquelas encontradas no campo do desenvolvimento sustentável no qual populações locais frequentemente são retratadas como o principal objetivo do desenvolvimento e sua cultura como uma rica fonte de recursos em mais uma demonstração das interconexões entre as cosmopolíticas das elites globais O VUE é um particularismo translocal no sentido de que ele sempre reflete perspectivas das partes interessadas que estão no processo de tornarse um particularismo cosmopolita ou melhor ainda uma cosmopolítica isto é um campo político de debates globalizadores conscientes de seus próprios limites e possibilidades políticas Mas para estar em sintonia com o inteiro valor da diversidade cultural agências e agentes sociais envolvidos neste campo semântico ainda precisam reconhecer que demandas por universalidade em um mundo globalizado são rapidamente transformadas em pontos de controvérsia A ideia de valor universal excepcional não se sustentaria mais se por trás dela estivesse uma busca por uma definição técnica que agradecesse todas as partes interessadas envolvidas Qualquer nova definição está condenada a tornarse outro campo de controvérsia Já que a produção de intermediários embates a respeito da definição de termos chaves tendo como objetivo conservar o monopólio de uma definição é uma característica dos campos gerados por discursos globais e cosmopolíticos acredito que os VUE devem ser tratados como o que são um significante flutuante cuja definição irá depender das diferentes lutas de grupos interessados na administração da economia simbólica global Algumas considerações e temas A tensão universalparticular é similar às relações entre o global e o local Globalização Robertson 1994 foi o neologismo criado para lidar com as tensões entre o local e o global e para dissolver mesmo que parcialmente uma suposta superioridade do global em relação ao local É possível encontrar uma noção análoga para considerar a tensão universalparticular A construção de qualquer universal precisa ser historicizada culturalizada e sociologizada se desejamos estar aptos a percorrer um certo panorama que se torna um universal por meio de trajetórias específicas através de diferentes sistemas de poder Uma vez que os discursos globais e as cosmopolíticas geram conflitos de interpretação é comum encontrar associados a eles extensos debates acerca da definição de termos chave assim como desenvolvimento e termos como sustentabilidade e valores universais excepcionais Tais conflitos indicam o caráter de significante flutuante desses discursos Eles também indicam o quanto é importante conservar o de um sistema taxonômico global um papel desempenhado principalmente pelas agências de governança global A despeito da atual disseminação de cosmopolíticas relacionada a novos particularismos cosmopolitas há também uma forte disseminação de discursos essencialistas demandando por autenticidade e que se identificam com particularismos locais Às tensões entre tais tipos de particularismos permanecerá um elemento das políticas culturais globais Consequentemente cosmopolíticas ou seja discursos globais que estão cientes da sua inserção em campos políticos e frequentemente conflituosos tenderão a substituir os universais De reprodutores de universais as agências de governança global devem conscientemente transformarse em reprodutores de cosmopolíticas Se houver um modo genuíno de lidar com isenções de conflitos ideológicos e utópicas mas não podem se furtar da crua realidade dos conflitos Para que um discurso fraterno global seja efetivo no mundo contemporâneo é necessário a renunciar a qualquer pretensão de ser a única e válida solução universal b anunciar e denunciar seus próprios préconceitos c adentrar em diálogos complexos com diversas cosmopolíticas que são formuladas no mesmo campo semântico global afim de d encontrar as equivalências existentes dentro de várias formulações tornálas explícitas e mantêlas em relações conscientes para que nenhuma formulação seja escolhida como representante de toda a humanidade Em um mundo global entramos em uma era de declarações pósuniversais Em um mundo global qualquer declaração universal está condenada à contestação imediata O único universal possível é o processo de negociação democrática e a manutenção dos equivalentes em tensão Instituições e redes envolvidas neste universo precisam abraçar ou aprofundar práticas democráticas que permitam a diversidade proliferar e adquirir um verdadeiro peso no processo de tomada de decisões Não existem soluções fáceis para os conflitos de poder inerentes a qualquer campo político Em muitos casos a maioria das mudanças dependem da natureza da distribuição do poder em campos específicos formados por agências e redes específicas O que implica que vários atores e instituições em tais campos tenham de fazer política consciente e constantemente para manterem vivos seus interesses A socialização do conhecimento acerca da complexidade das questões envolvendo vidas fazse importante no sentido de melhorar a qualidade da informação com que atores lidam nesta arena política As redes precisam portanto se constituir em conjuntos de atores e instituições com a real capacidade de decidir e intervir especialmente se o resultado de tais processos de tomadas de decisão não agradar a maioria dos poderosos interesses envolvidos em um dado cenário Para atingir tais objetivos as esferas públicas precisam ser incentivadas multiplicadas e tornadas ainda mais inclusivas A difusão de uma pedagogia democrática deve atravessar todo o campo e suas redes de administradores de mais alto nível e funcionários do Estado a lideranças de base Processos interrelacionados devem estar abertos a participantes de modo a equalizar o poder de atores que operam em todos os níveis de integração local regional nacional internacional e transnacional Estas são as principais tarefas para todos interessados em transparência responsabilidade e no fortalecimento da sociedade civil Eles encontrarão muita resistência por parte de atores poderosos interessados no status quo e entre os que não consideram a democracia um valor Para seguir em frente em um mundo globalizado onde multiculturalismo é cada vez mais uma questão política transnacional devemos admitir que visões políticas baseadas na universalização de particularismos locais estão ultrapassadas e condenadas a falhar Ao contrário perspectivas muito mais abertas devem ser formadas visões que sejam sensíveis a diferentes contextos culturais e políticos e fundamentalmente a diversidade Bibliografia Geertz C 1984 Distinguished Lecture Antiantirelativism In American Anthropologist Vol 86 N 2 Pp 263278 Glazer N 1998 We Are All Multiculturalists Now Cambridge Harvard University Press Laclau E 1994 Why do Empty Signifiers Matter to Politics In J Weeks org The Lesser Evil and the Greater Good The Theory and Politics of Social Diversity London Rivers Oram Press Pp 167178 Mignolo W D 2000 The Many Faces of Cosmopolis Border Thinking and Critical Cosmopolitanism In Public Culture Vol12 N3 Pp 721748 Rist G 1997 The History of Development From Western Origins to Global Faith Londres e Nova Iorque Zed Books Stovel H 1995 Working Towards the Nara Document In LARSEN Knut Einar org Nara Conference on Authenticity Japan Agency for Cultural Affairs and UNESCO World Heritage Centre pp xxxiiixxxvi Taylor C 1993 El Multiculturalismo y la política del reconocimiento Mexico Fondo de Cultura Económica The World Bank 2001 Cultural heritage and development A framework for action in the Middle East and North Africa Washington The World Bank UNESCO 2004 UNESCO and the issue of cultural diversity Review and strategy 19462004 Paris Mimeo Division of Cultural Policies and Intercultural Dialogue Werbner P 1997 Introduction The Dialectics of Cultural Hybridity In Debating Cultural Hybridity Multicultural Identities and the Politics of AntiRacism Pnina Werbner e Tariq Modood Londres e Nova Jersey Zed Books Pp 126 Williams B F 1989 A Class Act Anthropology and the Race to Nation across Ethnic Terrain In Annual Review of Anthropology N 18 Pp 401444 Williams R 1983 Keywords New York Oxford University Press Wilson R 1998 A New Cosmopolitanism is in the Air some dialectical twists and turns In P Cheah e B Robbins orgs Cosmopolitics Thinking and Feeling Beyond the Nation Minneapolis University of Minnesota Press Pp 351361 Wolf E R 2001 Culture Panacea or problem In Pathways of Power Building an Anthropology of the Modern World Berkeley University of California Press Pp 307319 World Heritage Centre 2004 Linking Universal and Local Values Managing a Sustainable Future for World Heritage World Heritage Papers 13 Paris UNESCO World Heritage Centre 2005 Operational Guidelines for the Implementation of the World Heritage Convention Paris UNESCO
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Diversidade Cultural enquanto Discurso Global Gustavo Lins Ribeiro A humanidade parece sempre depararse com uma disjunção extrema como se tivesse que decidir entre forças conflituosas ou compatíveis homogeneidade ou heterogeneidade competição ou cooperação guerra ou paz Em uma era de globalização exacerbada estes cenários são frequentemente concebidos a partir de discursos que retratam choques de civilizações ou que ao contrário celebram a diversidade cultural como o fundamento do diálogo intercultural A governança global é nos dias de hoje um campo político complexo No entanto muitos de seus agentes e agências são em maior ou menor escala influenciados por tais discursos Existem pois agências e agentes globais em cujas visões prevalece uma compreensão da globalização como um processo homogeneizante conflituoso e outros que a enxergam como uma oportunidade para gerar cooperação entre entidades heterogêneas Meu objetivo principal neste artigo é discutir diversidade cultural enquanto discurso global de elites engajadas na cooperação internacional e na governança global Com efeito a atual capacidade que diversidade cultural tem de construir um amplo consenso aparece claramente quando agentes sociais que acreditam em diferentes discursos buscam diferentes posições políticas como os executivos do Banco Mundial e ativistas do movimento antiglobalização compartilham a percepção de que a diversidade é um valor que deve sempre ser cultiva do e preservado A fim de atingir meus objetivos discutirei em primeiro lugar as relações entre diversidade e globalização Explorarei então a tensão universalparticular para oferecer a noção de cosmopolitismo como um tipo distinto de discurso global Antes de considerar os limites das pretensões à universalidade dos principais discursos globais contemporâneos tais como direitos humanos desenvolvimento Patrimônio Mundial discutirei diversidade cultural nos moldes do que chamo de discursos globais fraternos aumento da complexidade dos fluxos de pessoas bens capital e informação Com segmentações étnicas repertórios de informação e diferenças culturais mais complexos produzidos pela compressão do tempoespaço Harvey 1989 a diversidade cultural tem se tornado um tópico altamente politizado tanto internamente aos Estadosnação como em um nível global A política da diferença evoluiu rapidamente transformando demandas étnicas e culturais por reconhecimento em importantes campos de lutas políticas contemporâneas Consequentemente muitos discursos ideologias e utopias referemse à questão da diversidade cultural A culturalização dos conflitos políticos especialmente aqueles envolvendo demandas por cidadania baseadas em identidades étnicas reforçou as ideologias de pluralismo e multiculturalismo ver Kymlicka 1996 e Sartori 2000 por exemplo É verdade que a globalização torna mais intensa a exposição à diferença e mais complexa a diferenciação social No entanto discursos sobre diversidade assim como sobre universalismo e particularismo estão relacionados às tensões existentes nas partes constitutivas de qualquer sistema social especialmente aqueles sistemas inseridos em dinâmicas de crescimento e expansão Tensões entre forças centralizadoras e descentralizadoras são inerentes à expansão capitalista por exemplo A triunfante expansão global contemporânea do capitalismo tem maximizado tais tensões A luta por diversidade cultural faz parte cada vez mais da luta contra as tendências centralizadoras do capital global em setores econômicos tais como as telecomunicações e as indústrias culturais A defesa da diversidade cultural pode contudo também refletir a visão das corporações transnacionais acerca da natureza glocal da atual economia política Os processos de centralização estão relacionados ao poder de acumulação e homogenização à produção estereotipada assim como à criação de taxonomias para controle das diferenças Os processos de descentralização estão relacionados ao poder de disseminação e heterogeneização à produção diferenciada como também à criação de taxonomias que visam beneficiarse da diversidade Porém a descentralização pode se dar de maneiras que igualmente reforcem o poder de acumulação e que implicam sistemas de controle e organizacionais mais sofisticados e flexíveis já que se localizam em caminhos atravessados por forças paradoxais Estes cenários são marcados por uma descentralização com centralização um oxímoro utilizado por Saskia Sassen 1991 para explicar algumas dinâmicas da globalização contemporânea Em processos de descentralização com centralização a administração da diversidade adquire maior importância estratégica enquanto a uniformização é relegada a segundo plano Diferença tornase uma vantagem e um problema como tal precisa ser conhecida e domesticada As agências e redes de governança global necessitam lidar com a diferença O poder centralizador delas baseiase em parte em suas capacidades para conciliar tantas as diversas demandas independentes originadas do sistema global por elas administrado quanto as respostas diferenciadas dadas pelo sistema global diante de regulações centralizadoras estão sujeitas às dinâmicas de descentralizaçãocentralização e precisam enfrentar os problemas trazidos pela diversidade à sua reprodução Diversidade cultural tornouse um pauparatodaaobra um termo ubíquo que abarca posições políticas contraditórias defendidas por Estadosnação agências de governança global e corporações de comunicação Mattelart 2005 De fato o discurso sobre a diversidade é um universo de disputas Existem diferentes tipos de diversidade situados em dois grandes campos definidos pela presença premente de interesses políticos ou gerenciais A diversidade pode portanto tornarse uma grande prioridade para formadores de políticas públicas interessados na resolução de conflitos ou em iniciativas de desenvolvimento ver The World Bank 2001 42 e Marc 2005 assim como para ativistas políticos interessados nas lutas por sobrevivência de povos nativos ou no fortalecimento da sociedade civil global ver Gaventa 2001 280 e a Carta de Princípios do Fórum Social Mundial wwwforumsocialmundialorgbr por exemplo A diversidade é uma obrigação especialmente para as agências de governança global uma vez que diferenças culturais são sempre potencialmente ou de fato parte de suas atividades diárias ver Ribeiro 2003 É igualmente um tema obrigatório para todos aqueles politicamente sensíveis ao papel da diferença na construção de grandes unidades políticas Resumindo diversidade pode ser uma ferramenta para a reprodução ou para a contestação da hegemonia Não há nada na diversidade que necessariamente a coloque como um desafio aos detentores do poder Bem ao contrário a diversidade pode ser relacionada a uma longa discussão sobre pluralismo debate central no liberalismo Sartori 2003 Neste sentido não surpreende que as questões levantadas pela diversidade sejam um tema principal do debate democrático especialmente nas últimas décadas em que o respeito pela diferença tornouse um grande foco da agenda da sociedade civil Taylor 1994 Kymlicka 2001 Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural modernidade confundiu portanto universalidade abstrata com a globalidade concreta hegemonizada pela Europa enquanto centro idem Um projeto como o Dipesh hakrabarty 2000 de provincializar a Europa também tem implicações para a intenção de descentralizar universalismos e criticar a modernidade europeia como padrão de medida O projeto questiona o papel proeminente desempenhado pela historicidade na construção de interpretações ocidentais e abre o caminho para uma renovação do pensamento europeu a partir das margens A explosão das totalidades e a valorização de fragmentos e da multiplicidade de tempos e espaços indicam novas tensões entre universalismos e particularismos Universais e particulares constituem um tópico altamente debatido por filósofos Os antropólogos no entanto têm igualmente mantido há tempos uma preocupação referente a estas questões já que se interessam pela compreensão da cultura como um atributo geral da humanidade e de culturas enquanto múltiplas existências de tal atributo Filósofos assim como antropólogos têm contraposto universalismo a particularismo e a relativismo A discussão em torno do relativismo cultural tem sido de uma forma ou de outra central para a antropologia desde sua origem e vem sendo revisitada há décadas ver por exemplo Herskovits 1958 Geertz 1984 AbuLughod 2002 Ao mesmo tempo antropólogos têm chamado a atenção para as trocas e interconexões existentes entre populações humanas para a natureza espúria e híbrida das culturas ver por exemplo Sapir 1924 Wolf 1984 García Canclini 1990 Werbner 1997 Os multifacetados por vezes paradoxais sentidos de diversidade cultural são herdados das discussões sobre a noção da cultura Eles têm tempos estado presente nos debates antropológicos acerca da cultura no singular e de culturas no plural A noção antropológica de cultura significa atributos universais compartilhados por todos os seres humanos O termo culturas referese às variações concretas de tais atributos em incontáveis contextos históricos e geográficos Cultura no singular também pode ser usada na descrição de uma forma única da experiência humana como na expressão cultura Yanomami Assim o mesmo substantivo pode expressar um universal e os seus particulares aspectos comuns a todos os seres humanos assim como experiências vivenciadas por apenas uma parte da humanidade Sob o guardachuva de um único atributo humano cultura as diferentes culturas precisam ser compreendidas em sua pluralidade e em sua capacidade de comunicarse entre si Cultura existe apenas através de culturas Culturas podem portanto ser associadas a entidades universais particulares ou mistas As propriedades deste conceito criam apropriações tais como a valorização simultânea da diversidade e da unidade Não deveria pois ser uma surpresa que Raymond Williams 1983 em sua conhecida obra intitulada Keywords sustentou ser cultura uma das duas ou três palavras mais complicadas existentes Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural ou pretendem tornarse universais Resumindo estou interessado em discursos globais que se pretendem universais e que precisam ser enquadrados em histórias específicas de poder uma vez que estes refletem capacidades desiguais de definir o que é comum ou desejável a cada ser humano A transformação de particulares em universais é um problema de ordem sociológica e histórica mais do que de ordem lógica O monopólio do que é universal é um meio de reprodução de elites globais Os agentes locais não conseguem fazer com que suas concepções de universais sejam ouvidas muito menos impostas a menos que se articulem com poderosas redes globais neste caso eles deixariam de ser estritamente falando atores locais Três particularismos Para uma melhor compreensão do universo mais amplo em que situo meu raciocínio irei subdividir o particularismo em três categorias particularismos locais particularismos translocais e por fim particularismos cosmopolitas que frequentemente coexistem em uma mesma formação cultural Variam de acordo com a as diferentes maneiras que o papel da diferença e da igualdade é representado por atores sociais na construção de suas identidades b os papéis que diferença e igualdade desempenham na construção de grandes unidades Na realidade dada as complexas relações que diferentes coletividades de pessoas mantêm ao longo do tempo ao contrário da crença comum os particularismos são o produto de histórias de interconexões e trocas Neste sentido todo particularismo é híbrido Vale ressaltar que não há culturas genuínas se já que estão sempre inscritas em processos e contextos mais amplos Concordo com Eric Wolf para quem nem as sociedades nem as culturas devem ser vistas como dadas integradas por alguma essência interna um fundamento organizacional ou um plano mestre Antes grupos culturais e grupos de grupos estão em continua construção desconstrução e reconstrução sob o impacto de processos múltiplos que operam em amplos campos de conexões sócioculturais Wolf 2001 313 Apesar desta abordagem da cultura mais complexa e não essencialista os atores sociais são frequentemente levados a acreditar na existência de formas culturais genuínas pertencentes a um único grupo ou ao mesmo exclusivamente criadas por um povo único Esta forma de representação social é o que oferece condições para o desenvolvimento de particularismos locais Particularismos locais são o conjunto de práticas e discursos mantidos por certas pessoas em uma dada localidade de tal maneira que eles parecem ser social e espacialmente delimitados Em virtude de seu forte apego à originalidade e à autenticidade os particularismos locais parecem ser idiossincráticos Tal tipo de particularismo é relevante especialmente quando se associa à crença que se refere a expressões e modos de vida únicos a um certo povo Assim ele é imediatamente relacionado a diferenças e diversidades culturais Oferece um forte sentido de coesão de unidade e de identidade sendo uma poderosa fonte para a construção de coletividades Os particularismos locais são úteis para contrastarnos o povo x com eles o povo y Como grandes forças de formação identitária elas são fundamentais para definir as redes de aliança e cooperação entre as pessoas entendidas como mem Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural bros internos de uma coletividade assim como para definir as linhas que demarcam quem são os outsiders As ideologias multiculturalistas de convivência principalmente aquelas que enfatizam limites e fronteiras desempenham um papel importante neste universo Ainda que os particularismos locais sejam menos simbólicos à disposição das populações locais também podem disseminarse para outras pessoas Isso é especialmente verdade em uma era de globalização caracterizada pela existência de diversos fluxos desterritorializados de bens informações e pessoas Porém nem todos os particularismos fluem com a mesma intensidade de visibilidade Os particularismos locais encontramse dentre alguns dos mais sólidos pilares do etnocentrismo o ambivalente sistema ideacional que simultaneamente responsiva por representações positivas sobre os grupos dos quais os próprios atores sociais fazem parte tanto quanto por representações negativas dos que não fazem parte O etnocentrismo politicamente ativo pode levar tanto a essencialismos quanto a fundamentalismos A emergência destas ideologias baseadas na exacerbação de diferenças culturais deve ser compreendida nos contextos sóciopolíticos onde há a presença de enormes diferenças de poder entre diferentes segmentos étnicos A globalização tem produzido contradições entre segmentos étnicos e os Estadosnação ao mesmo tempo em que incrementa a habilidade destes segmentos para a realização de alianças internacionais Porém uma vez que a maioria dos conflitos étnicos é do interior dos Estadosnação ver Williams 1989 para a relação entre racismo e a construção da nação estas grandes unidades políticas são o contexto em que ideologias de convivência são reconstruídas no mais das vezes como o resultado de confrontos entre diversos segmentos étnicos e governos centrais Nas últimas quatro décadas traçando novas dinâmicas e pressões à vida política Taylor 1993 Kymlicka 1996 2001 Glazer 1998 O papel estratégico que os países anglosaxões exercem na produção de matrizes discursivas contemporâneas é o motor por trás da disseminação mundial de perspectivas multiculturalistas Esta proeminência tem sido associada ao imperialismo cultural norteamericano Bourdieu e Wacquant 2002 isto é com um particularismo local que é universalizado através de efeitos de poder A americanização da cultura mundial é um tema ambivalente intimamente relacionado às discussões sobre imperialismo que amíude refletem a posição ideológica do autor Concordo com Dezalay 2004 12 que a americanização é um termo reducionista pois atrapalha a percepção da longa história de estratégias internacionais produzidas pelos Estadosnação que lutam em arenas globais visando a imposição de diferentes modos de conhecimento de Estado Penso no entanto ser possível concordar que a por um lado não há dúvida de que atores locais indigenizam fluxos globais de informação e de cultura e que algumas vezes resistem a eles b por outro lado é notável a proeminência de artefatos e matrizes discursivas norteamericanos nestes fluxos Hunter e Yates 2002 ilustram bem o que acabo de dizer Em seu trabalho sobre o mundo dos globalizadores americanos eles prestam atenção às forças de indigenização e hibridização reconhecendo entretanto que ao fim do dia estamos ainda nós defrontando com a realidade presente do poderoso se não dominante papel americano no processo de globalização p 325 Baseados em entrevistas com administradores e executivos dos mais altos cargos em grandes organizações e corporações transnacionais eles mostram como estas elites globais monologam falantes apenas do inglês exportam seus programas ideológicos e morais Estas elites vivem em uma bolha sóciocultural de crenças e práticas caracterizada por uma enorme exposição à compressão do tempoespaço e aos homogenizados espaços fragmentados globais uma fé cega na inevitabilidade da globalização e no mercado uma avaliação positiva de seu próprio trabalho nunca visto como destrutivo das culturas locais e pela noção de que eles todos estão respondendo de diversas maneiras às necessidades universais enraizadas na concepção do indivíduo como um ator social que é racional competitivo e consumista 2002 355 Sua autoridade moral é fundamentada na linguagem dos direitos e necessidades universais do indivíduo 2002 338 Necessidades universais definemse em sinfonia com o programa dos globalizadores Neste contexto o multiculturalismo desempenha claramente um papel instrumental e funcional É tudo enquanto uma estratégia para corporações multinacionais por temperar tanto a imagem quanto a realidade de seu trabalho como um imperialismo soft Harmonizar o apelo moral com direitos e necessidades universais representa portanto uma tendência a indigenizar suas marcas identidades organizacionais e seus clientes 2002 341 Diversidade cultural e local deve ser respeitada enquanto uma necessidade de sobrevivência em um mundo globalizado A indigenização isto é a apropriação local é vista como uma estratégia glocal de marketing Este quadro mental está longe de transformar tais globalizadores em uma elite cosmopolita Hunter e Yates concluem que Previamente neste processo é a crença de que uma forte ideia humanitária subjaz ao seu trabalho e ao trabalho das organizações que eles representam Seja comercial de entretenimento religiosa ou educacional a missão organizacional de seu trabalho é encontrarse como uma necessidade humana que seja fundamental e universal mesmo o for caso de eles estarem criando tal necessidade Então de maneiras sobre as quais eles nem sempre refletem querem acreditar que estão juntamente com o seu trabalho contribuindo para o bem moral Desse modo a vanguarda da globalização mantém um sentido de inocência moral a respeito do mundo que ajudam a criar O cinismo está simplesmente ausente ao contrário a candura sobre quem são eles e o que estão fazendo surgir é a sensibilidade avassaladora2002 355 em conflito representam mais um indicativo de que a disseminação de particularismos locais ocorre em um universo onde abundam outros discursos sobre a melhor maneira de administrar os conflitos de diversidade cultural Alguns destes discursos estão mais preocupados com formas de interação e de diálogo do que com a diversidade enquanto uma coleção de unidades distintas que entretanto são forçadas a viverem juntas visto que suas vilas se desenrolam internamente a uma mesma estrutura política a do mundo globalizado Estes outros discursos relacionamse ao que chamo de particularismos translocais Os particularismos translocais claramente admitem ser um produto de inúmeras trocas e empréstimos Eles referemse abertamente a pessoas e culturas localizadas em múltiplas situações geográficas A diversidade não se define apenas pela existência de outros exóticos cuja presença estabelece claras fronteiras nóseles A diversidade cultural é vivenciada como uma realidade que não é estranha à comunidade ao contrário a diversidade e a hibridização são vistas enquanto marco identitário fundamental Os particularismos translocais constituem parte importante das ideologias de identidade de mestiços e diásporas e nesse plano exercem um papel homólogo ao dos particularismos locais na formação identitária ver por exemplo Sahlins 1997 Neste sentido particularismos translocais podem terem tornaremse essencialismos e fundamentalismos Contudo os atores sociais que sustentam particularismos translocais são mais conscientes dos empréstimos e contribuições provenientes de outras formações culturais Assim eles não se mostram tão dispostos a produzir ideologias de convivência como algumas formas de multiculturalismo baseadas em diferenças e limites rígidos A ideologia central aqui é a da interculturalidade um discurso que enfatiza a mutualidade mais que a exclusividade Néstor García Canclini 200415 traça a seguinte distinção entre multiculturalismo e interculturalidade Conceções multiculturalistas admitem a diversidade de culturas salientam as suas diferenças e propõem políticas relativistas de respeito que frequentemente reforçam a segregação A interculturalidade por outro lado aponta para o confronto ou o entrelacemento para o que ocorre quando grupos estabelecem relações e trocas Ambos os termos supõem dois modos de produção do social a multiculturalidade supõe a aceitação do que é heterogêneo a interculturalidade implica que os diferentes são o que são em relações de negociação conflitos e empréstimos recíprocos Os particularismos cosmopolitas são capazes de lidar com as tensões entre particularismos e universalismos entre hibridismo e fundamentalismo de uma maneira mais produtiva Diferentemente das formas de particularismos anteriormente mencionadas o particularismo cosmopolita é formado por discursos que tratam intrinsecamente de assuntos globais e que pretendem ser levados em consideração se não incorporados por outros povos Eles alimentamse do cosmopolitismo enquanto uma ideologia de tolerância compreensão inclusão e convivência Cosmopolitismo é uma noção ocidental que sintetiza a necessidade que agentes sociais têm de conceber uma entidade política e cultural maior que sua territorial que englobaria todos os seres humanos em escala planetária O cosmopolitismo pressupõe uma atitude positiva diante da diferença um desejo de construir amplas alianças e comunidades globais pacíficas e igualitárias formadas por cidadãos que deveriam estar aptos a comunicaremse através de fronteiras sociais e culturais gerando uma solidariedade universalista A sua força inclusiva fazse mais evidente em momentos de crise de outros modos de representar e de atribuir pertencimento a unidades sóciopolíticas e culturais já existentes Muito do malestar é mal entendido que o cosmopolitismo possa provocar estão relacionados com sua ambiguidade isto é uma maneira singular de unir diferença e igualdade de um paradoxo aparente de desejar reconciliar valores universais com a diversidade de posições cultural e historicamente construídas A formação do termo grego cosmopolis já indica tal tensão insolúvel cosmos uma ordem natural universal relacionase com polis a variável ordem da sociedade Em consequência das democráticas cidadesestado da Grécia às cidades globais a noção de cosmopolita tem sido perseguido por questões como de quem é este mundo do cidadão do mundo Desde seu início o cosmopolitismo tem sido uma categoria marcada por uma necessidade de negociar com outros e tem refletido tensões entre realidades locais e supralocais perspectivas etnocêntricas e relativistas e entre particularismo e universalismo Os particularismos cosmopolitas mostramse como os mais facilmente universalizáveis isso por já constituíremse a partir de concepções globais de solidariedade inclusão e respeito diante da diversidade cultural Atualmente o cosmopolitismo é uma ideologia de convivência das mais poderosas entre os globalizadores independentemente de suas diferenças políticas com relação às características e objetivos da globalização Seja no movimento antiglobalização ou no Banco Mundial ser um cidadão do mundo é uma necessidade Dificilmente poderia ser de outra maneira pois elites políticas globais altamente expostas à compressão do tempoespaço e à diversidade étnica desenvolvem de fato uma identidade mais complexa já que os poderes reestruturadores de diferentes níveis de integração local regional nacional internacional e transnacional funcionam de modo diferente para aqueles que estão sujeitos a forças globais e transnacionais Ribeiro 2000 A diversidade cultural é assim uma ideologia central que os cosmopolitas tentam universalizar Cosmopolíticas Particularismos cosmopolitas coincidem em grande medida com o que eu chamei em outro contexto Ribeiro 2003 de cosmopolítica Esta noção permite explorar os particularismos cosmopolitas como uma forma de discurso político global e ir além da tensão particularuniversal que de uma forma ou de outra é uma grade que encerra esta discussão De fato cosmopolíticas são discursos globais conscientes de sua natureza política Cosmopolíticas consistem em matrizes discursivas intrinsecamente relacionadas à interpretações e ações políticas de alcance global É por isso motivo que agências de governança global são centros de produção de cosmopolíticas Há dois campos de interpretação e promoção da cosmopolítica O primeiro é hegemônico por capitalistas transnacionais e suas elites associadas que levam um mundo neoliberal sem fronteiras leiase o livre acesso aos mercados e aos recursos sociais e naturais de todo o mundo Eles também postulam o fortalecimento de agências de governança global tais como o Banco Mundial o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio A diversidade cultural e o respeito à diferença são vistos como um meio para a obtenção de concordância e governança ou como uma estratégia de mercado A cosmopolítica hegemônica promove a reprodução do establishment global O segundo campo é representado por agências e intelectuais no sentido gramsciano Gramsci 1978 interessados em outros tipos de globalização e na disseminação de cosmopolíticas críticas Tais intelectuais são tipicamente encontrados no ambiente universitário especialmente em áreas como antropologia ciência política economia estudos culturais filosofia geografia literatura relações internacionais sociologia em organizações nãogovernamentais e em movimentos sociais Eles defendem e promovem a difusão de visões de heterogeneidade heteroglossia diversidade cultural e de fortalecimento dos atores locais Eles postulam a necessidade de uma sociedade civil global que regule o poder das elites hegemônicas transnacionais e desterritorializadas As articulações internas a esta segunda tendência são a base de cosmopolíticas contrahegemônicas dos ativistas transnacionais Ambos os campos de diferentes maneiras alimentamse de discursos globais tais como por exemplo desenvolvimento com as suas promessas de bemestar ilimitado e transcendência tecnológica republicanismo liberalismo socialismo ambientalismo e defesa dos direitos humanos Também são fortalecidos pelos novos quadros mentais das atividades políticas e culturais engendradas pelas tecnologias de comunicação do final do século XX As tecnologias de comunicação tornaramse um foco de explorações sobre cultura global assim como sobre a emergência de novas e flexíveis identidades interações eletrônicas e espaços públicos hibridismo cultural e comunidades políticas cosmopolitas A internet acarretou a existência de uma comunidade transnacional imaginadavirtual sincronia pelo ciberespaço integrando em tempo real e envolvida em trocas globais sejam elas econômicas culturais ou políticas A internet porém não substitui o copresente real que permanece fundamental para a existência de rituais que estimulam a construção de complexas cadeias de solidariedade entre os atores políticos Tal necessidade pode ser vista por exemplo na importância nas últimas duas décadas dos mega ritmos globais de integração de elites transnacionais como as conferências das Nações Unidas e o Fórum Social Mundial A noção de cosmopolítica mostrase útil no debate acerca das possibilidades de articulações supra transnacionais na era atual caracterizada por uma intensa criação de redes de atores globais Diferentemente da noção de universal cosmopolítica não esconde sua natureza política e a necessidade de formar composições políticas mais amplas Articulação tornase portanto uma palavra chave uma vez que a eficácia da cosmopolítica em um nível transnacional depende de sua disseminação em redes A isto somase o fato de que a noção de cosmopolítico também implica o reconhecimento de que não há nenhuma cosmopolítica capaz de dar conta da complexidade e diversidade dos conteúdos dos discursos e culturas globais Realmente seria uma contradição com a própria ideia de cosmopolítica que pode haver um e apenas um conteúdo para todos os assuntos glocalizados Por definição pode haver apenas cosmopolíticas híbridas e pluras No entanto elas são o produto de diferentes campos de poder Aquelas criadas por agentes hegemônicos tendem a se enquadrar em discursos que dificilmente disfarçam a sua pretensa superioridade ontológica diante de outros Ao mesmo tempo em que tais formulações formalmente respeitam a diferença e diversidade elas aproximam da ideia de um destino moral e teológico que acaba equivalendo à construção de quaseuniversais longo do tempo Elas admitem críticas e revisões respeitando dissensões causadas por variações locais ou culturais Criticar ou oporse a cosmopolíticas faz parte das regras democráticas no cenário global Criticar ou oporse a um universal ou estar situado fora de seu raio de influência equivale a emitir um certificado de falta de compreensão de desrespeito por um valor civilizador fundamental ou de fé cega em um particular que representa interesses de uma minoria em rota de colisão contra o destino da humanidade e suas melhores qualidades Discursos Fraternos Globais Universais e cosmopolíticas disputam por legitimidade em um campo atravesado pelo que chamo de discursos fraternos globais Tratase de um campo complexo composto por igrejas diplomatas agências de governança global e de cooperação internacional fundações e ONGs políticos e acadêmicos Estes discursos têm sempre um impacto positivo Não A história está repleta de exemplos que mostram a violência e opressão em nome da religião liberdade e democracia Um dos problemas são os meios de que se valem poderosas agências para disseminar e implementar os discursos fraternos globais Em um mundo onde diversas cosmopolíticas competem entre si diversidade cultural tornouse altamente valorizada na economia simbólica global dos discursos fraternos Para uma definição formal da diversidade cultural como um discurso global não há documento melhor do que a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural da UNESCO adotada por sua 31a Sessão da Conferência Geral em Paris em 2 de novembro 2001 É o exemplo de uma proposta de uma agência que vê a globalização como uma oportunidade de incentivar a cooperação e a promoção da paz ver httpunesdocunescoorgimages0012001271127160mpdf Meu foco no UNESCO justificase por ter sido ela nas últimas seis décadas a agência especializada em assuntos culturais globais Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural tanto estou alerta aos deslizamentos semânticos que se tornan úteis na obtenção de metas distintas de suas próprias premissas Quantas vezes em nome da democracia dos direitos humanos e da liberdade regimes autoritários foram implantados ou violentas intervenções imperialistas foram perpetradas A ambivalência destas formulações precisa ser considerada se quisermos compreendêlas melhor ver por exemplo Ribeiro 2002 2004 Direitos Humanos Os direitos humanos constituem um discurso fraterno global fundamental responsável pelos avanços na regulação dos abusos cometidos por poderosos e violentos agentes e agências sociais A difusão mundial dos direitos humanos como um discurso tem sido efetiva na que eles podem ser considerados enquanto elementos chave das construções utópicas e ideológicas do mundo contemporâneo transnacional Os direitos humanos são baseados em uma concepção universal de direitos aos quais as pessoas têm acesso não importando suas cidadanias particulares Uma vez que o uso legítimo da violência sempre relacionase a valores culturais religiosos e políticos a universalidade dos direitos humanos supõe a existência de valores universais uma perspectiva altamente problemática Serge Latouche 2002 85 por exemplo coloca que devemos começar a reconhecer a inexistência de valores que transcendam a maioria das culturas pela simples razão de que um valor apenas existe junto a um específico contexto cultural De fato a universalidade dos direitos humanos nunca foi objeto de consenso Até os dias de hoje a Declaração universal dos direitos humanos da Nações Unidas é o mais importante documento internacional a este respeito Depois de sua aprovação em 1948 uma longa e difícil negociação deuse com relação aos compromissos que cada Estadonação estava disposto a assumir para implementar a declaração As dificuldades que surgiram nas negociações coincidiram com aquelas encontradas em geral pela ação internacional para a promoção dos Direitos Humanos Elas derivam do fato de que assumir certos compromissos jurídicos precisos sobre o assunto requer chegar ao entendimento sobre fórmulas capazes de expressar ideais comuns a diferentes Estados levando em conta suas tradições jurídicas sistemas políticos e fé religiosas Além disso seria igualmente necessário considerar os diferentes padrões econômicos e sociais destes Estados e requerer a previsão de um sistema de controle especial capaz de promover para não dizer garantir a observância das normas objetos das negociações Mengozzi 2000 356 Quanto maior a variação cultural maior é a contestação da universalidade dos Direitos Humanos Vejamos por exemplo as tensões entre os Estadosnação ocidentais China e países muçulmanos surgidas a partir de divergências em torno a definições de Direitos Humanos Para os muçulmanos Direitos Humanos são de origem divina assim inextricavelmente entrelaçados com a lei divina Em 1981 Salah 2003 42 uma Declaração universal islâmica dos direitos humanos foi emitida pelo Conselho Islâmico Europeu baseado em Londres que differia do espírito da declaração das Nações Unidas esta altamente inspirada na visão iluminista do mundo Nos preceitos do preâmbulo por exemplo dizse que Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural Alá Deus ofereceu à humanidade por meio de Suas revelações no Sagrado Alcorão e na Suna de Seu Santo Profeta Maomé uma duradoura perspectiva legal e moral na qual se estabelece e regula as instituições e relações humanas e que os direitos humanos decretados pela Lei Divina visam a conferir dignidade e honra à humanidade e estão desenhados para eliminar a opressão e a injustiça wwwalhewarcomISLAMDECLhtml acessado em 041106 Direitos Humanos estão portanto no mais das vezes presos em cabos de guerra típicos da tensão universalparticular Eles podem ser tomados tanto como ferramentas indispensáveis nas lutas políticas democráticas e como um momento significativamente importante do processo civilizatório ou enquanto expressões etnocêntricas das pretensões hegemônicas de específicas formações culturais apoiadas por instituições Estados e alguns aparatos de poder Soares 2001 23 A relação entre direitos humanos e diversidade cultural é propensa a gerar contradições Consideremos por exemplo que os direitos humanos são igualmente úteis à proteção das minorias étnicas De fato apesar de seus origens ocidentais os direitos humanos têm se tornado uma categoria instrumental nas lutas de indígenas na América Latina A apropriação dos direitos humanos como um discurso fraterno global desperta valores absolutos como o repúdio radical ao genocídio ao etnocídio à xenofobia ao racismo e ao desaparecimento de opositores ao Estado Dessa forma o discurso global sobre os direitos humanos é tanto um particularismo transnacional o resultado de diversas negociações internacionais quanto um particularismo cosmopolita Pode também desempenhar o papel de um particularismo local quando agentes e agências hegemônicas e projetos imperialistas tentam essencializálo e universalizálo na contramão da diversidade cultural Este discurso constituiu um particularismo cosmopolita quando agentes e agências hegemônicos ou não encontramse abertos às variações dos direitos humanos de acordos com contextos sociopolíticos e culturais Gustavo Lins Ribeiro Diversidade Cultural Desenvolvimento Desenvolvimento é uma moderna ideologia e utopia do Ocidente Desde a 2a Guerra Mundial ele tem sido um dos discursos mais abrangentes no senso comum e na literatura especializada Sua importância para a organização das relações sóciopolíticas e econômicas levou antropólogos a consideraremno como uma das ideias básicas na cultura moderna da Europa Ocidental Dahl e Hjort 1984 166 algo como uma religião secular não que por sua vez ele e a ele uma heresia que sempre severamente punida MayburyLewis 1990 1 A abrangência e as múltiplas facetas do desenvolvimento são o que permitem suas diversas apropriações e leituras ainda que frequentemente divergentes A plasticidade do desenvolvimento é central para assegurar sua contínua viabilidade ele está sempre variando nas aproximações à ideia de desenvolvimento tanto quanto as tentativas de reforma expressãose nos inúmeros adjetivos que fazem parte de sua história industrial capitalista socialista para dentro para fora comunitário desigual dependente sustentavel e humano Tais variações e tensões refletem não apenas as experiências históricas acumuladas por diferentes grupos de poder em suas lutas por hegemonia no campo do desenvolvimento mas também momentos diversos de integração no sistema capitalista mundial Desenvolvimento atua como um sistema de classificação estabelecendo taxonomias de povos sociedades e regiões Edward Said 1994 e Arturo Escobar 1995 mostraram a relação entre criar uma geografia uma ordem mundial e poder Podese dito com Herzfeld 1992110 que criar e manter um sistema de classificações sempre caracterizou o exercício do poder nas sociedades humanas Classificações frequentemente produzem estereótipos que precisam ser subjugados povos por meio de simplificações que justificam indiferença para com a heterogeneidade Os estereótipos dificilmente conseguem esconder suas funções de poder no idioma do desenvolvimento e da cooperação cujos léxicos são repletos de dualismos referindose estática ou dinamicamente a Estados em transição ou a relações de subordinação desenvolvidonão desenvolvido países em desenvolvimento mercados emergentes ver Perrot et al 1992189 Os estereótipos podem igualmente tornarse palavras chave como auxílio ajuda doadoresrecipientes doadoresbeneficiados que indicam claramente de modo não muito sutil a diferença de poder entre dois conjuntos de atores legitimizando a transformação de um dos conjuntos em objetos de iniciativas desenvolvimentistas A pretensão do desenvolvimento à inevitabilidade não passa de outra facet de sua pretensão universalista O fato de o desenvolvimento fazer parte de um sistema mais amplo de crenças marcado por matrizes culturais ocidentais coloca grandes limitações às suas pretensões universalistas e é outra razão porque em vários contextos não ocidentais povos locais são relutantes a abriremse ao desenvolvimento É difícil discordar de que não há um método universal para atingirse uma boa vida Rist 1997 241 A préhistória do desenvolvimento reflete matrizes discursivas do ocidente tais como a da crença no progresso que é frequentemente remontada à Grécia antiga ver Delvaillle 1969 Dodds 1973 e outras relacionadas a importantes viradas históricas como o Iluminismoum momento crucial para o desdobramento dos pactos econômicos e sóciopolíticos da modernidade e as ideologias e utopias aí associadas industrialismo secularismo racionalização e individualismo por exemplo Leonard Binder 1986 1012 reconhece em algumas teorias do desenvolvimento uma matriz até mais estreita a imagem dos Estados Unidos como alguns liberais gostariam que fôssemos Mais recentemente no final da década de 80 e início da década de 90 desenvolvimento sustentavelmente reverberou noções de relações corretas entre a humanidade e a natureza típicas das classes médias protestantes e urbanas de países como Alemanha Inglaterra e Estados Unidos Ribeiro 1992 Mencionar brevemente algumas questões antropológicas que tornam problemática a pretensão do desenvolvimento ao universalismo O primeiro referese à existência de noções de tempo radicalmente diferentes LéviStrauss 1987 Desenvolvimento assentase em uma concepção que entende o tempo como uma sequência linear de estágios que avançam infinitamente em direção a melhores momentos Uma implicação desta construção ocidental é que crescimento transformação e acumulação tornamse princípiosguia de do desenvolvimento e central para assegurar sua contínua viabilidade ele está sempre variando nas aproximações à ideia de desenvolvimento tanto quanto as tentativas de reforma O desenvolvimento é portanto um particularismo local cuja universalização cavalga a expansão de sistemas de poder políticos e econômicos Com a virada cultural da década de 90 o desenvolvimento culturalizouse e o reconhecimento da diversidade cultural converteuse em um importante tema para planejadores ver por exemplo Marc 2005 Desenvolvimento contudo assentase sobre uma noção instr Barbosa 2001 135 Esta noção funcional concebe a cultura como um conjunto de comportamentos e significados interrelacionados ajustados e coerentes que podem ser identificados e valorizados em termos de seus impactos positivos ou negativos na conquista de objetivos Tal noção da cultura se acomoda bem junto ao campo do desenvolvimento por ajustarse perfeitamente a terminologia e a racionalidade dos planejadores Porém representa mal ao menos dois importantes pontos sobre a cultura a contradição e incerteza fazem parte da experiência humana e b a cultura é intrincada e marcada por relações de poder historicamente definidas a mudança cultural portanto sempre referese a mudanças de poder Resumindo a versão empobrecida e simplista de diversidade cultural é a que prevalece na área do desenvolvimento A consideração dos direitos humanos e do desenvolvimento indicou como importantes discursos globais encontramse sujeitos a conflitos de interpretações relacionados às características dos campos sóciopolíticos em que nos localizamos Os direitos humanos são um discurso regulatório global destinado a controlar a violência onde quer que seja a despeito da jurisdição Baseiase em supostas concepções universais de justiça e de direitos Como tal vinculase a um campo político onde prevalecem os debates judiciais e jurídicos e políticas públicas para a justiça O desenvolvimento é um discurso econômico global dirigido à expansão da produção de mercado em qualquer lugar do planeta Baseiase em supostas concepções universais de crescimento e bemestar coletivos apoiandose em um campo político dominado pelo planejamento debates e políticas públicas econômicas Direitos humanos e desenvolvimento estão sujeitos a sofrer resistência quanto a suas pretensões universalistas Em seus campos políticos favorecemse concepções reducionistas de diversidade cultural Patrimônio mundial é um outro discurso global de grande difusão contemporânea compartilhando diversas características com os direitos humanos e o desenvolvimento Mas sua particularidade é tratar de questões de reconhecimento Este o motivo pelo qual chamei de discurso de reconhecimento global destinado a definir uma família de extraordinários marcadores de identidade que são significativos em critérios nacionais e internacionais Se os direitos humanos e o desenvolvimento supõem reforçam e criam geografias de poder político e econômico o patrimônio cultural supõe reforça e cria uma geografia cultural de prestígio A Convenção da UNESCO de 1972 sobre a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural Mundial é o tratado internacional que afirma a necessidade de identificar proteger e preservar patrimônios culturais e naturais ao redor do mundo A definição de Patrimônio Mundial tem como foco o que é entendido por valor universal excepcional e apoiase em um campo político permeado de debates e políticas públicas culturais As Diretrizes operacionais para implementação da convenção sobre o Patrimônio Mundial assim definem Valor Universal Excepcional nômico e social das comunidades parece imperativo que seus valores e práticasjuntamente com seus sistemas tradicionais de administraçãosejam inteiramente compreendidos respeitados encorajados e acomodados em estratégias de administração e de desenvolvimento Centro do Patrimônio Mundial 2004 9 As conclusões e recomendações da conferência enfatizavam abertamente a necessidade de se ver valores locais e universais em um contínuo e não em uma hierarquia assim como salientavam que valores locais deviam ser levados em consideração na identificação e administração sustentável do Patrimônio Mundial ver Centro do Patrimônio Mundial 2004 166167 É como se uma sensibilidade cosmopolita global à diversidade cultural entrasse definitivamente em cena Houve apelos para a participação local e para o reconhecimento de que a inscrição de uma propriedade na Lista do Patrimônio Mundial deveria beneficiar as comunidades locais e internacionais como um todo e não apenas alguns intermediários Além disso de acordo com o documento as vozes das comunidades locais incluindo os povos nativos precisavam ser ouvidas particularmente nos foros internacionais sobre conservação e administração patrimonial Sistemas administrativos da diversidade ao contrário de conceitos rígidos foram elogiados e o uso de sistemas de administração tradicionais foi particularmente ressaltado onde quer que eles provem ser mais efetivos para conservação e mais vantajosos para o desenvolvimento sustentável social e econômico das populações locais Em suma a agenda pareceu inclinarse a posições similares àquelas encontradas no campo do desenvolvimento sustentável no qual populações locais frequentemente são retratadas como o principal objetivo do desenvolvimento e sua cultura como uma rica fonte de recursos em mais uma demonstração das interconexões entre as cosmopolíticas das elites globais O VUE é um particularismo translocal no sentido de que ele sempre reflete perspectivas das partes interessadas que estão no processo de tornarse um particularismo cosmopolita ou melhor ainda uma cosmopolítica isto é um campo político de debates globalizadores conscientes de seus próprios limites e possibilidades políticas Mas para estar em sintonia com o inteiro valor da diversidade cultural agências e agentes sociais envolvidos neste campo semântico ainda precisam reconhecer que demandas por universalidade em um mundo globalizado são rapidamente transformadas em pontos de controvérsia A ideia de valor universal excepcional não se sustentaria mais se por trás dela estivesse uma busca por uma definição técnica que agradecesse todas as partes interessadas envolvidas Qualquer nova definição está condenada a tornarse outro campo de controvérsia Já que a produção de intermediários embates a respeito da definição de termos chaves tendo como objetivo conservar o monopólio de uma definição é uma característica dos campos gerados por discursos globais e cosmopolíticos acredito que os VUE devem ser tratados como o que são um significante flutuante cuja definição irá depender das diferentes lutas de grupos interessados na administração da economia simbólica global Algumas considerações e temas A tensão universalparticular é similar às relações entre o global e o local Globalização Robertson 1994 foi o neologismo criado para lidar com as tensões entre o local e o global e para dissolver mesmo que parcialmente uma suposta superioridade do global em relação ao local É possível encontrar uma noção análoga para considerar a tensão universalparticular A construção de qualquer universal precisa ser historicizada culturalizada e sociologizada se desejamos estar aptos a percorrer um certo panorama que se torna um universal por meio de trajetórias específicas através de diferentes sistemas de poder Uma vez que os discursos globais e as cosmopolíticas geram conflitos de interpretação é comum encontrar associados a eles extensos debates acerca da definição de termos chave assim como desenvolvimento e termos como sustentabilidade e valores universais excepcionais Tais conflitos indicam o caráter de significante flutuante desses discursos Eles também indicam o quanto é importante conservar o de um sistema taxonômico global um papel desempenhado principalmente pelas agências de governança global A despeito da atual disseminação de cosmopolíticas relacionada a novos particularismos cosmopolitas há também uma forte disseminação de discursos essencialistas demandando por autenticidade e que se identificam com particularismos locais Às tensões entre tais tipos de particularismos permanecerá um elemento das políticas culturais globais Consequentemente cosmopolíticas ou seja discursos globais que estão cientes da sua inserção em campos políticos e frequentemente conflituosos tenderão a substituir os universais De reprodutores de universais as agências de governança global devem conscientemente transformarse em reprodutores de cosmopolíticas Se houver um modo genuíno de lidar com isenções de conflitos ideológicos e utópicas mas não podem se furtar da crua realidade dos conflitos Para que um discurso fraterno global seja efetivo no mundo contemporâneo é necessário a renunciar a qualquer pretensão de ser a única e válida solução universal b anunciar e denunciar seus próprios préconceitos c adentrar em diálogos complexos com diversas cosmopolíticas que são formuladas no mesmo campo semântico global afim de d encontrar as equivalências existentes dentro de várias formulações tornálas explícitas e mantêlas em relações conscientes para que nenhuma formulação seja escolhida como representante de toda a humanidade Em um mundo global entramos em uma era de declarações pósuniversais Em um mundo global qualquer declaração universal está condenada à contestação imediata O único universal possível é o processo de negociação democrática e a manutenção dos equivalentes em tensão Instituições e redes envolvidas neste universo precisam abraçar ou aprofundar práticas democráticas que permitam a diversidade proliferar e adquirir um verdadeiro peso no processo de tomada de decisões Não existem soluções fáceis para os conflitos de poder inerentes a qualquer campo político Em muitos casos a maioria das mudanças dependem da natureza da distribuição do poder em campos específicos formados por agências e redes específicas O que implica que vários atores e instituições em tais campos tenham de fazer política consciente e constantemente para manterem vivos seus interesses A socialização do conhecimento acerca da complexidade das questões envolvendo vidas fazse importante no sentido de melhorar a qualidade da informação com que atores lidam nesta arena política As redes precisam portanto se constituir em conjuntos de atores e instituições com a real capacidade de decidir e intervir especialmente se o resultado de tais processos de tomadas de decisão não agradar a maioria dos poderosos interesses envolvidos em um dado cenário Para atingir tais objetivos as esferas públicas precisam ser incentivadas multiplicadas e tornadas ainda mais inclusivas A difusão de uma pedagogia democrática deve atravessar todo o campo e suas redes de administradores de mais alto nível e funcionários do Estado a lideranças de base Processos interrelacionados devem estar abertos a participantes de modo a equalizar o poder de atores que operam em todos os níveis de integração local regional nacional internacional e transnacional Estas são as principais tarefas para todos interessados em transparência responsabilidade e no fortalecimento da sociedade civil Eles encontrarão muita resistência por parte de atores poderosos interessados no status quo e entre os que não consideram a democracia um valor Para seguir em frente em um mundo globalizado onde multiculturalismo é cada vez mais uma questão política transnacional devemos admitir que visões políticas baseadas na universalização de particularismos locais estão ultrapassadas e condenadas a falhar Ao contrário perspectivas muito mais abertas devem ser formadas visões que sejam sensíveis a diferentes contextos culturais e políticos e fundamentalmente a diversidade Bibliografia Geertz C 1984 Distinguished Lecture Antiantirelativism In American Anthropologist Vol 86 N 2 Pp 263278 Glazer N 1998 We Are All Multiculturalists Now Cambridge Harvard University Press Laclau E 1994 Why do Empty Signifiers Matter to Politics In J Weeks org The Lesser Evil and the Greater Good The Theory and Politics of Social Diversity London Rivers Oram Press Pp 167178 Mignolo W D 2000 The Many Faces of Cosmopolis Border Thinking and Critical Cosmopolitanism In Public Culture Vol12 N3 Pp 721748 Rist G 1997 The History of Development From Western Origins to Global Faith Londres e Nova Iorque Zed Books Stovel H 1995 Working Towards the Nara Document In LARSEN Knut Einar org Nara Conference on Authenticity Japan Agency for 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