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Antropologia Social

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Raça racismo etnia e etnocentrismo como critérios de classificação entre os humanos Por Walter Praxedes A globalização da economia mundial caracterizada pela internacionalização das economias nacionais e locais pelos investimentos das empresas multinacionais e pelos avanços tecnológicos nos meios de comunicação e transporte vem promovendo o crescimento do comércio internacional as migrações de trabalhadores e refugiados o crescimento do turismo intensificando assim os contatos face a face entre os humanos e evidenciando as diferenças no acesso ao poder e aos recursos econômicos Tornamse mais visíveis as diferenças nos modos de viver nos costumes e nas crenças tanto nas pequenas como nas grandes cidades e nações potencializando os choques entre as identidades baseadas no sentimento de pertença a classes sociais gêneros etnias raças e confissões religiosas O contato entre humanos que se consideram diferentes tornou o debate sobre as diferenças humanas muito mais politizado e com conseqüências práticas na vida do diaadia tornando imprescindível o respeito e o reconhecimento recíprocos dos indivíduos e grupos que convivem nos mesmos espaços Entretanto percebese que é muito mais fácil chegarmos a um consenso sobre a necessidade do respeito às diferenças entre os humanos do que termos de fato uma prática cotidiana de respeito aos seres humanos que consideramos diferentes Os indivíduos e grupos sociais que estão no poder com acesso privilegiado aos bens materiais às manifestações culturais e à educação escolar de qualidade e que assim garantem o seu conforto narcisista não concedem gentilmente uma redistribuição dos recursos que concentram para si Desse ponto de vista podese adiantar que um dos pressupostos das reflexões que fazemos a seguir é que o respeito à diversidade não deve ser combinado com a indiferença quanto às causas que geram as desigualdades social econômica e de acesso às instâncias de poder e aos bens culturais Do racismo ao etnocentrismo Preconceitos Os preconceitos são construídos no pensamento humano com base em esquemas inconscientes de percepção avaliação e apreciação Incorporamos e construímos esses esquemas inconscientes de entendimento por meio do aprendizado da língua e dos valores e idéias expressos pelas culturas que nos acompanham desde o nascimento ou seja as manifestações culturais populares nas religiões etc No nosso pensamento atuam categorias mentais de entendimento de percepção do mundo a nossa volta que permitem a classificação dos seres humanos objetos fatos e relações que mantemos com os outros tornando cada um de nós predisposto a pensar de uma determinada maneira construir juízos sobre tudo que percebemos formar préjuízos ou preconceitos que orientam as nossas ações Os preconceitos dão significado e orientam as atitudes que adotamos em nossa vida cotidiana pois originam e colocam e prática algumas formas de classificação que estão sempre subordinadas a funções práticas e orientadas para a produção de efeitos sociais e podem contribuir para produzir o que aparentemente elas descrevem ou designam Bourdieu 1996 p 107 Embora estejam alojados em nossas mentes os preconceitos podem ser considerados prejudiciais para as relações sociais por que eles orientam as nossas ações e podem nos levar à adoção de atitudes de opressão e exclusão dos indivíduos que classificamos como inferiores feios menos inteligentes menos esforçados incapazes ou simplesmente diferentes Os preconceitos étnicos e raciais contra um indivíduo ou coletividade podem ter conseqüências práticas extremamente negativas pois é próprio dos seres humanos que alguns sejam suscetíveis aos julgamentos que os outros realizam sobre eles Não é por acaso que inúmeras pesquisas na área de sociologia da educação indicam que tanto no trabalho quanto na educação familiar e escolar as expectativas que se tem sobre o desempenho dos indivíduos influenciam seu desempenho futuro Da raça ao racismo A raça é uma das formas de classificação dos seres humanos que aprendemos nas culturas europeias modernas e que consta no nosso pensamento como um preconceito O antropólogo alemão Johan Friedrich Blumenbach que viveu entre 1752 e 1841 foi um dos primeiros cientistas que sistematizou a classificação dos seres humanos em raças diferenciadas Como critérios para a definição das raças o cientista alemão escolheu a origem geográfica e parâmetros morfológicos como a cor da pele o tipo facial o perfil do crânio a textura e a cor do cabelo Para Blumenbach a espécie humana se divide em cinco raças principais caucasóide mongolóide etiópica americana e malaia Segundo esta classificação a espécie humana teria se originado na região do Cáucaso e por isso a raça caucasóide ou branca seria o tipo humano perfeito Pena e Bortolini 2004 p 34 Também no século XVIII o naturalista sueco Carl Von Linné 17071778 classificou os seres humanos em quatro raças e descreveu as especificidades de cada uma relacionando as características biológicas percebidas como formas de comportamento social e capacidades psicológicas americano o próprio classificador descreve como moreno colérico cabeçudo amante da liberdade governado pelo hábito tem corpo pintado asiático amarelo melancólico governado pela opinião e pelos preconceitos usa roupas largas africano negro fleumático astucioso preguiçoso negligente governado pela vontade dos seus chefes despotismo unta o corpo com óleo ou gordura sua mulher tem vulva pendente e quando amamenta seus seios tornamse moles e alongados europeu branco sanguíneo musculoso engenhoso inventivo governado pelas leis usa roupas apertadas MUNANGA 2000 p 2526 É fácil perceber como ao classificarem os seres humanos os dois cientistas não se basearam em raciocínios neutros e isentos mas avaliaram e julgaram os seres humanos classificados segundo os preconceitos desenvolvidos em meio às culturas europeias em que viviam Hierarquizaram os membros da espécie humana nos termos de uma escala de valores a raça superior era formada pelos indivíduos brancos considerados mais inteligentes e belos ao passo que as várias raças inferiores eram formadas por homens menos inteligentes e feios Nas últimas décadas os cientistas concluíram que a forma de classificação dos seres humanos em raças deve ser cientificamente desacreditada É o que se lê na Declaração sobre Raça da Associação Norte Americana de Antropologia Dado o nosso conhecimento a respeito da capacidade de seres humanos normais serem bem sucedidos e funcionarem dentro de qualquer cultura concluímos que as desigualdades atuais entre os chamados grupos raciais não são conseqüências de sua herança biológica mas produtos de circunstâncias sociais históricas e contemporâneas e de conjunturas econômicas educacionais e políticas AAA 1998 apud PENA BORTOLINI 2004 p 32 Da etnia ao etnocentrismo O etnocentrismo é uma forma de preconceito alimentada pela certeza de que as idéias valores crenças e costumes da coletividade da qual participamos e com base na qual utilizamos o pronome nós são mais razoáveis normais corretas higiênicas justas inteligentes etc do que as dos outros Essas próprias idéias são utilizadas como critérios para avaliarmos e julgarmos os costumes e idéias dos seres humanos que consideramos pertencentes a outros grupos étnicos Em termos práticos o etnocentrismo é um conjunto de representações idéias opiniões em uma palavra preconceito sobre os outros que pode levar a atitudes de discriminação e violência material ou simbólica contra aqueles considerados estranhos e diferentes e que são estigmatizados por isso A palavra etnocentrismo é um desdobramento da noção de etnia A palavra etnia foi inventada pelo zoologista francês Vacher de Lapouge por volta de 1896 para designar o sentimento de vida comunitária de vínculo afetivo de solidariedade de compartilhamento de costumes e de crença na mesma origem e ancestralidade distinguese portanto da classificação dos seres humanos em raças ou nações POUTIGNAT STREIFFFENAR 1998 p 3334 Quando o tema tratado é o etnocentrismo foi Claude LeviStrauss quem entre os antropólogos europeus escreveu a definição mais citada No texto Raça e História escrito na década de 1950 sob encomenda de uma UNESCO preocupada com o crescimento da intolerância racial e étnica LeviStrauss 1980 p 53 definiu o etnocentrismo como uma atitude antiga que repousa sem dúvida sobre fundamentos psicológicos sólidos pois que tende a reaparecer em cada um de nós quando somos colocados numa situação inesperada consiste em repudiar pura e simplesmente as formas culturais morais religiosas sociais e estéticas mais afastadas daquelas com que nos identificamos Costumes de selvagens isso não é nosso não deveríamos permitir isso etc um sem número de reações grosseiras que traduzem este mesmo calafrio esta mesma repulsa em presença de maneiras de viver de crer ou de pensar que nos são estranhas Posteriormente já em 1971 novamente a convite da UNESCO ele chegou a afirmar que o etnocentrismo como um apego aos costumes e crenças dos grupos humanos aos quais sentimos satisfação em pertencer poderia até mesmo levar os indivíduos e comunidades a se tornarem insensíveis a outros valores colocando a própria maneira de viver e de pensar acima de todas as outras No entanto isso poderia não ser de todo mal segundo um LeviStrauss ao meu ver resignado pois ao manter o apego aos seus próprios valores cada grupo humano se diferencia dos demais produzindo assim a imensa diversidade humana que a tantos encanta Refletindo sobre estas polêmicas idéias de LeviStrauss Clifford Geertz continuando a valorizar a importância do relativismo cultural chega a uma conclusão a meu ver mais pertinente do que a do antropólogo francês A imagem de um mundo repleto de pessoas tão apaixonadamente encantadas com a cultura umas das outras que aspirem unicamente a celebrar umas às outras não me parece constituir um perigo claro e atual a imagem de um mundo repleto de pessoas que glorifiquem alegremente seus heróis e diabolizem seus inimigos sim infelizmente parece constituílo GEERTZ 2001 p 70 Para entendermos um pouco melhor os problemas relacionados à identificação étnica é preciso recordar também os escritos do antropólogo Fredrik Barth que formulou uma contribuição inovadora para o estudo da etnicidade Em sua definição de etnia ele enfatizou a importância que os adeptos de um sentimento de pertencimento a um grupo étnico atribuem às diferenças que percebem entre a sua coletividade e a dos outros e as fronteiras bem demarcadas que estabelecem entre quem compõe o nós e quem são os outros A partir dessa diferenciação ficam definidas as regras sobre como devem ser as relações de interação entre os indivíduos de diferentes grupos étnicos Em outras palavras quando se acredita no pertencimento a um grupo étnico tal crença define como deve ser o comportamento de cada membro com quem ele pode manter relações de afetividade ou negócios quais as profissões e papéis que pode desempenhar na sociedade e que posição social o membro deve ocupar Relações interétnicas estáveis pressupõem uma estruturação da interação como essa um conjunto de prescrições dirigindo as situações de contato e que permitam a articulação em determinados setores ou campos de atividade e um conjunto de prescrições sobre as situações sociais que impeçam a interação interétnica em outros setores isolando assim partes das culturas protegendoas de qualquer confronto ou modificação BARTH 1998 p 197 A adoção da identidade étnica pode ser influenciada e ao mesmo tempo influenciar a distribuição desigual das condições de existência em uma sociedade Segundo Barth 1998 p 211 212 podese dizer que sistemas poliétnicos estratificados existem onde os grupos são caracterizados por um controle diferencial dos recursos considerados como importantes por todos os grupos do sistema Nas relações entre os grupos étnicos de uma mesma sociedade portanto não é raro que se vejam grupos étnicos rivais diferenciarse pouco a pouco quanto ao seu nível de instrução e tentar controlar e monopolizar os recursos educacionais com essa finalidade BARTH 1998 p 222 Exemplos de concepções preconceituosas que podem ser associadas ao etnocentrismo podem ser retirados da obra Orientalismo o oriente como invenção do ocidente de Edward Said 1990 na qual ele descreve a visão de um colonizador inglês que intitulandose o senhor do Egito Evelyn Baring mas sendo mais conhecido como Lorde Cromer atuou no Egito entre 1882 e 1907 Esse colonizador afirmava que os árabes eram irracionais depravados infantis diferentes simplórios desprovidos de energia e de iniciativa e muitos dados a adulações de mau gosto intriga simulação e maus tratos aos animais os orientais são incapazes de andar em uma estrada ou calçamentos suas mentes desordenadas não conseguem entender aquilo que o sagaz europeu apreende imediatamente que estradas e calçamentos são feitos para andar os orientais são mentirosos inveterados são letárgicos e desconfiados e em tudo se opõem à clareza integridade e nobreza da raça anglosaxônica SAID 1990 p 49 Para ele a raça anglosaxônica sim era racional virtuosa madura e normal Percebese assim que este tipo de representação sobre o oriental é uma criação etnocêntrica do colonizador ocidental Com tal visão em nome de sua superioridade os colonizadores europeus legitimavam sua pretensão de dominar todos os demais povos Said recorda em seu livro que de 1815 a 1914 o domínio colonial direto europeu cresceu de cerca de 35 para cerca de 85 de toda a superfície da terra SAID 1990 p 51 Os filósofos Horkheimer e Adorno estudaram os preconceitos contra os judeus e chegaram à conclusão de que a discriminação étnica e o racismo podem ser encarados como um mecanismo perverso de projeção Por meio dele o sentimento de fragilidade fraqueza e insignificância de cada indivíduo ou grupo em relação à humanidade como um todo ou à sua própria sociedade é compensado pelo sentimento de superioridade racial e a cólera é descarregada sobre os desamparados que chamam a atenção HORKHEIMER ADORNO 1985 p 160 Discriminar passa a ser uma atitude de compensação de elevação da autoestima de quem discrimina O discriminado é escolhido como um animal a ser sacrificado um bode expiatório que esconde a fraqueza a pobreza a fragilidade a opressão sofrida por parte do autor da discriminação Em uma cultura capitalista que valoriza a propriedade e o conhecimento acima de quaisquer outros princípios aqueles que conseguem adquirilos como é o caso de muitos judeus acabam se tornando vítimas da amargura e do ressentimento daqueles que não o conseguem Por isso Horkheimer e Adorno consideram que o antisemitismo burguês tem um fundamento especificamente econômico O que o sistema sócioeconômico capitalista tem de usurpador explorador é atribuído ao judeu que por isso desperta o ódio daqueles que gostariam de vencer no capitalismo e não conseguem Como comerciantes a quem estava vedada a propriedade industrial os judeus não foram os únicos a ocupar o setor da circulação mas ficaram encerrados nele tempo demais para não refletir em sua maneira de ser o ódio que sempre suportaram HORKHEIMER ADORNO 1985 p 163 Como os judeus atuaram comercialmente e com isso generalizaram as relações mercantis por diversos países atraíram sobre si o ódio dos que tinham de sofrer sob elas como os artesãos e camponeses De uma perspectiva geral as debilidades de caráter atribuídas aos negros aos judeus aos árabes aos japoneses etc talvez não passem de uma projeção no mundo exterior de atributos que se encontram no próprio sujeito preconceituoso Este se comporta como um sujeito desleal e cruel que atribui deslealdade e crueldade a todos os seres humanos menos a si próprio pois considera que está agindo apenas de acordo com as circunstâncias Podemos dizer que embora biologicamente falando não existam raças humanas os preconceitos que incorporamos e construímos em nossas mentes continuam a nos ensinar a julgar e a avaliar as capacidades dos indivíduos e coletividades de acordo com a raça biológica na qual os classificamos Na prática sempre que associamos um comportamento social à característica biológica de um indivíduo ou grupo estamos raciocinando de forma racista Em outras palavras mesmo desmentidos pelas ciências os preconceitos racistas permanecem vivos nas mentes de muitos indivíduos e coletividades Quanto à discriminação étnica o mecanismo é semelhante sempre que consideramos que alguns indivíduos ou comunidades são inferiores ou possuem idéias e costumes que achamos repulsivos simplesmente porque fazem parte de um grupo humano específico e identificado como uma etnia estamos sendo etnocêntricos e nos tornando propensos a atitudes intolerantes Referências BARTH Fredrik Grupos étnicos e suas fronteiras In POUTIGNAT Philippe STREFFFENAR Jocelyne Teorias da etnicidade São Paulo Ed da UNESP 1998 BHABHA Homi K O local da cultura Belo Horizonte Ed da UFMG 1998 BOURDIEU Pierre A economia das trocas linguísticas São Paulo EDUSP 1996 CASTELLS Manuel O poder da identidade Rio de Janeiro Paz e Terra 2000 GEERTZ Clifford Nova luz sobre a Antropologia Rio de Janeiro J Zahar 2001 GIROUX Henry A Cruzando as fronteiras do discurso educacional novas políticas em educação Porto Alegre Artes Médicas 1999 GUIMARÃES Antônio S Alfredo Racismo e antiracismo no Brasil São Paulo Editora 34 1999 HABERMAS Jurgen Para a reconstrução do materialismo histórico São Paulo Brasiliense 1983 HALL Stuart Da diáspora identidades e mediações culturais Belo Horizonte Ed da UFMG 2003 HELLER Agnes Sobre os preconceitos In HELLER A O Cotidiano e a História Rio de Janeiro Paz e Terra 1989 HORKHEIMER M ADORNO T W Dialética do esclarecimento Rio de Janeiro J Zahar 1985 LEVISTRAUSS Claude Raça e história São Paulo Abril Cultural 1980 MUNANGA Kabengele Uma abordagem conceitual das noções de raça racismo identidade e etnia Cadernos PENESB 5 Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira Niterói EdUFF 2000 p 1534 PENA Sérgio D J BORTOLINI Maria Cátira Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas Revista Estudos Avançados São Paulo v 18 n 50 p 3150 janabr 2004 POUTIGNAT Philippe STREFFFENAR Jocelyne Teorias da etnicidade São Paulo Ed da UNESP 1998 SAID Edward Orientalismo o oriente como invenção do ocidente São Paulo Companhia das Letras 1990 TAYLOR Charles El multiculturalismo y la politica del reconocimiento México DF Fondo de Cultura Econômica 1994